Você está na página 1de 12

1

A SAGA DO VIRA LIXO

Thiago Nascimento

Adaptado a partir do conto “Muribeca” de Marcelino Freire

Boa tarde minha gente! Boa tarde eu vim dar, agradeço vossa presença neste
modesto lugar! Sejam todos muito bem-vindos ao Lixão do Vira Lixo e vamos se
aconchegando que o teatro já vai começar! Quando ouvirem o terceiro sinal a
história começa e acaba só no final. Nós vamos começar quando tudo aqui
silenciar, e só depois que você desligar seu aparelho celular. A história que a gente
vai contar não é mentira nem é verdade. É a mais pura realidade. Este é o Lixão do
Vira Lixo que anda de mal a pior... Você! Quando você joga alguma coisa fora, ela
vai para o lixo! O caminhão do lixo passa por sua rua, recolhe os sacos de lixo, e é a
última vez que você os vê. Mas o que acha que acontece com o lixo depois? Que ele
desaparece? De jeito nenhum! Ele vem parar aqui! O lixo aqui não para de chegar,
toda hora vem aqui caminhão pra descarregar! Esse lixão aqui já ta atolado não
cabe mais nem papel rasgado. Não cabe mais nenhum fiapo. Mas aqui é que nem
coração de mãe, sempre cabe mais um, e é nesse coração apertadinho que vivem e
trabalham os catadores de lixo!

(Os catadores que estão dormindo acordam, interrompem o narrador e falam


simultaneamente).

CATADORES – Lixo? Que lixo o quê? A gente não cata lixo coisa nenhuma! Tem
muita coisa aqui que não é lixo não! Lixo não existe! O que existe é fartura!
Variedades! E concorrência, muita concorrência pra catar! Mas a gente só cata coisa
boa! Coisa boa pra vender! Coisa boa pra comer! Coisa boa pra usar! (Espreguiçam-se e
se preparam para mais um dia de trabalho).

(MUSICA: “Tudo Vira Lixo” – Ceumar).

Esses são os catadores aqui do Vira Lixo! Tem a Dona Joana (Ela anda com
dificuldade por causa do tamanho da barriga). E mesmo assim grávida com a
barriga inchada trabalha pra sustentar o filho que logo mais vai nascer! Tem a
Dona Sebastiana fraca da memória que cata cata e logo esquece o que catou. E tem
também Severino que tem sete filhos, oito cachorros, nove gatos, e dez periquitos e
trabalha dependendo do lixo pra sobreviver e sustentar a sua família e toda a
bicharada! Mas vamos espreguiçando que o dia já tá raiando e o trabalho no
Lixão, tá começando!

(Música. Catadores iniciam o trabalho).

DONA SEBASTIANA – Ô Dona Coisa, Seu Coiso! Venham aqui me ajudar! (Ela esta
com uma das mãos presa em uma lata).
2

DONA JOANA – Ô Dona Sebastiana! Quantas vezes tenho que dizer que meu nome é
Joana?

SEBASTIANA – Venham logo! Minha mão ta entalada aqui nessa lata! Ajuda seu
Coiso! (Joana e Severino ajudam) Me ajuda que eu to pegando alguma coisa! Eu pus
minha mão aqui dentro pra ver o que tinha aqui dentro e ela não saiu mais daqui de
dentro!

SEVERINO – Ô Sebastiana que coisa é essa que tem aí dentro dessa lata?

SEBASTIANA – Eu não sei não. Parece que é de comer. É mole, parece assim... Um
doce de batata doce!

JOANA – Ô coisa boa. Já to com desejo de comer doce de batata doce! Ai Sebastiana
como você sabe que é doce?

SEBASTIANA – Eu to sentindo, e olhe Dona Coisa tá fresquinho, tá quentinho, parece


que acabou de sair do fogo.

SEVERINO – Pegue aí Joana, pega desse lado que eu pego desse. (Preparam-se para
puxar) Um, Dois, Três... Puxa! (A lata sai da mão de Sebastiana)

JOANA – (Olhando pra mão de Sebastiana) Que doce coisa nenhuma! Isso é bosta!

SEBASTIANA – Bosta?

SEVERINO – Ô Dona Sebastiana tem que prestar mais atenção na onde põe a mão.

SEBASTIANA – Ai esse povo que não separa o lixo direito! Eles pensam o quê? Que a
gente é obrigado a pegar na merda deles? Olha aqui Dona Coisa a lata boinha pra
reciclar. A agora já era, nem da mais pra utilizar. Eita que essa lata podia ser reciclada
até... Pra sempre! E agora paf! Num serve mais pra nada! Eu é que num vou tirar... É...
Esse... Essa coisa daí de dentro. Com essa lata ou sem essa lata meu lixo ta farto, tá
gordo. Daqui a pouco eu vou enriquecer! E agora? Eu não posso ficar rica assim. Onde
é que vou limpar a minha mão? (Ameaça limpar na platéia).

JOANA – Limpe aqui Sebastiana nesse pano que veio ali no caminhão.

SEBASTIANA – Ô Dona Joana, a senhora é tão bacana. Posso mesmo limpar minha
mão aí no seu pano?

JOANA - Não!

SEBASTIANA – O quê?

JOANA – Não pode ser!

SEVERINO – O quê?

JOANA – Vai nascer!!! Ai! Chegou a hora! Acode minha gente acode nossa senhora!
3

SEVERINO – Sebastiana, pega as caixa e os pano! Vamo acodir, que chegou a hora da
gente vê a cara desse menino que vai sair!

(Sufoco. Cena cômica do nascimento. Os catadores fazem o parto do menino. Dona


Sebastiana esquece que tá com a mão melada e faz o parto com as mãos assim mesmo).

JOANA – (Dando a Luz) Ai meus Deus que foi que eu fiz pra merecer tudo isso? Nasce
menino, nasce logo que eu quero ver tua cara, nasce logo que eu quero te ver!

(O menino nasce. Música).

E assim nasceu aquele que veio alegrar o Vira Lixo! E assim nasceu um menino
chamado Mateus. Mateus é um menino que não teve infância. Mateus já nasceu
grande. Mateus já nasceu caminhando e falando. Todo mundo ficou admirado com
o tamanho daquele bebê que de bebê não tinha nada!

CATADORES - Ave Maria cheia de Graça! Quem será o pai dessa criança? Como
pode isso acontecer? Isso deve ser coisa de extraterrestre. Como pode um bebê já sair
caminhando e falando? Mal saiu da barriga da mãe e ela já é quase avó. Ave Maria!

Mateus não entendia o porquê de todos aqueles olhares e comentários. Mateus não
entendia nada. Mateus nunca brincou de pega-pega, esconde-esconde, ou de duro
ou mole. Mateus nunca brincou de nada! Mateus só trabalhava! Mateus trabalha
catando latinha e papelão junto com a sua mãe aqui no Lixão do Vira Lixo!

(Música. Joana ensina o filho meio atrapalhado a trabalhar. Ele Aprende).

MATEUS – (Trabalhando) Mãe pra quê que serve o lixo?

JOANA – Lixo? Lixo serve pra tudo meu filho. A gente encontra a mobília da casa,
cadeira pra pôr uns pregos e ajeitar, sentar. Lixo pra poder ter sofá costurado, cama,
colchão. Até televisão.

Mateus – O que é televisão?

JOANA – Televisão é uma caixa que passa novela, jornal, filme e... (Os catadores
representam o que é a televisão para eles.)

CATADORES - Olha aqui, se você não agüenta mais espremer laranja pra fazer suco,
seus problemas acabaram. Não precisa mais se preocupar taqui! Suco na caixinha!
Agora não precisa mais colher o milho na roça minha gente! Taqui milho na latinha!
(Pegam uma caixa de leite) E a vaca! Agora não precisa mais tirar o leite da vaca não!
Taqui meu povo! Vaca na caixinha! E você ainda pode escolher vaca pasteurizada,
desnatada, desdentada... E agora platéia aí de casa. Iremos ensinar a preparar pão!
(Preparam o pão com os ingredientes que vão achando no lixo) Você pega a farinha de
trigo, o ovo, o leite da vaca, bate, bate, bate... Coloca na forma, no forno e depois é só
servir! (Uma das catadoras representa a Xuxa que ao som de “Quem Quer pão?” serve
pão à platéia.)
4

Quem quer pão? Quem quer pão? Quem quer pão? Ta bem quentinho! Bem quentinho!
Bem quentinho! Bem Gostosinho! Gostosinho! Gostosinho! Quero mais um!!!

TODOS – Mais um!

XUXA – (Para a platéia) Bom dia Baixinhos! Ih ta fraco! Tão sem energia é? Não
comeram pão? Bom dia crianças?

MATEUS – (Quebrando a representação) O que é criança?

JOANA – (Sem jeito) Criança Mateus, é um menino pequeno que gosta de brincar com
brinquedo!

Mateus – O que é brinquedo?

JOANA – (A mãe procura um brinquedo no meio do lixo e entrega para Mateus)


Brinquedo é isso daqui meu filho!

Mateus – Isso? E da onde vem isso?

JOANA – Isso vem das loja Mateus. Quer dizer... Na hora de fazer isso daqui eles
fazem com as coisa da natureza e quanto mais brinquedo se compra mais as coisa da
natureza vai se acabando. (Pega o brinquedo de volta) Olha aqui Mateus o brinquedo
bonzim. Tenho certeza que o dono desse negócio brincou uma vez só e já jogou no lixo.
Ta até com a caixa, e a caixa ainda por cima é mais enfeitada que o próprio brinquedo.
Brinca meu filho, pode brincar! (Devolve o brinquedo. O brinquedo tem que ser uma
coisa super eletrônica difícil de mexer que canta acende luzinha e etc.)

MATEUS – E como é que brinca?

JOANA – Perguntou pra pessoa errada menino! Com isso daí eu não sei brincar não, só
com esse daqui ó que eu sei. (A mãe mostra um brinquedo artesanal super divertido.
Mãe e filho brincam. Mateus brinca pela primeira vez na vida. Sem que eles percebam
o Funcionário da Administração do Lixo entra e toma o brinquedo de Mateus.) Venha
pra cá Mateus!

MATEUS – (Corre pra perto da mãe) Quem é ele?

JOANA - Ele é o funcionário da Administração!

Mateus – O que é Administração?

Funcionário da Administração do Lixão – A Administração é a organização. A


administração proíbe a partir de hoje a permanência de catadores de lixo aqui dentro do
lixão. A partir de hoje é proibido catar comida, latinha ou papelão! A Terra ta sufocada
aqui no lixão! Não existe mais espaço pra todo esse lixo aqui no lixão! Ta esgotado e
assim não da mais não! Aqui não cabe mais nenhum grão! Lixo em cima de lixo, a
Terra não tem respiração! O catador que desobedecer levará punição! Pois é pra
proteger a nossa mãe Terra que fizemos essa ação!
5

JOANA – Mais moço, é a vida da gente o lixão! Eu sei que o senhor quer proteger a
mãe Terra. Eu também quero. Mas a gente depende disso daqui pra sobreviver, da
reciclage, de tudo! Como é que vai ser se isso daqui fechar?

Catadores - (Atores e músicos agora são os catadores em geral que falam com o
Funcionário da Administração do Lixão) O que é que eu vou dizer pras crianças? Que
não tem mais brinquedo? Que acabou o calçado? Que não tem mais história, livro,
desenho? E o meu marido, o que vai fazer? Nada? Como ele vai viver sem as garrafas,
sem as latas, sem as caixas? Vai perambular pela rua, roubar pra comer?E o que eu vou
cozinhar agora? Onde vou procurar tomate, alho, cebola? Com que dinheiro vou fazer
sopa, vou fazer caldo, vou inventar farofa? Fale, fale. Explique o que é que a gente vai
fazer da vida? O que a gente vai fazer da vida? Não pense que é fácil. Nem remédio pra
dor de cabeça eu tenho. Como vou me curar quando me der uma dor no estômago, uma
coceira, uma caganeira? Vá, me fale, me diga, me aconselhe. Onde vou encontrar tanto
remédio bom? E esparadrapo e band-aid e seringa?

Funcionário da Administração do Lixão – Xiu! E não tem mais discussão. Daqui a


pouco quando eu voltar não quero saber de catação aqui dentro do lixão! (Sai)

(Os catadores se separam. Estão tristes. Ninguém cata nada. Silêncio. Alguém quebra o
silêncio catando lixo no lixão. Todos se olham. É a Dona Sebastiana que voltou a catar
o seu material.)

Mateus – Mãe já que não pode mais catar lixo. Porque que ela ta catando?

JOANA – Essa é a Dona Sebastiana meu filho. Ela já nem lembra o que o funcionário
falou. Ela nem lembra que agora é proibido fazer catação. Ela não tem memória.

Mateus – Por quê?

JOANA – Por que ela perdeu a memória!

Mateus – O que é memória?

JOANA – Memória é uma coisa que faz a gente chorar meu filho.

(Mateus pensa. Entra seu Severino)

Severino – O povo do governo devia pensar três vezes antes de fazer isso com chefe de
família. Vai ver que eles tão de olho nessa merda aqui. Nesse terreno. Vai ver que eles
perderam alguma coisa.

JOANA – É.

Severino – Se perderam a gente acha. A gente cata. A gente encontra.

Mateus – Mãe! Será que a gente não consegue achar a memória da Dona Sebastiana?

JOANA – Memória não se acha menino!


6

Mateus – Você não disse que ela perdeu a memória? Então, a gente pode achar. (Para
Severino) Seu moço aqui a gente num pode achar tudo?

Severino – Aqui a gente acha cada coisa menino! Até bilhete de loteria, lembro, teve
gente que achou. Vai ver que é isso, coisa da Caixa Econômica. Vai ver que é isso,
descobriram que lixo dá lucro, que pode dar sorte, que é luxo, que lixo tem valor.

JOANA – Fica calmo seu Severino o moço da administração ta certo.

SEVERINO – Que ta certo o quê? Dona Joana! (Remenda o Funcionário da


Administração) É pra proteger a Mãe Terra! Que Mãe Terra coisa nenhuma. Mãe Terra
não enche barriga não. O que enche barriga é comida, é dinheiro, é trabalho. Não é
natureza não!

JOANA – Ô seu Severino ocê pensa que as maçã, as melancia, as laranja que a gente
acha aqui vem de onde? Do Supermercado? Nã Nã Ni Nã Não! Até as coisa que vem do
mercado tudin é tirado da natureza. Tudo faz parte da natureza seu Severino!

SEVRINO – Ta me chamando de burro Dona Joana? Eu sei, dessas coisa. Eu sei de


tudo isso que ocê falou. Outra coisa que eu também to certo é que daqui eu não saiu.
Daqui ninguém me tira. E vai adiantar fechar isso daqui? Fechando isso daqui, tirando
nosso trabalho, a Mãe Terra vai ficar protegida? Se fechar? O Lixo vai deixar de existir?
Eles querem é arrancar o que é nosso. Nossa terra. Nosso chão. Nosso lixão! Por
exemplo, onde a gente vai morar, é? Onde a gente vai morar? Aqueles barracos, tudo ali
em volta do lixão, quem é que vai levantar? Você? O Governador?

JOANA – Não!

SEVERINO – Esse negócio de prometer casa que a gente não pode pagar é balela, é
conversa pra boi morto. Eles jogam a gente é num esgoto.

JOANA – E se o moço mudar de idéia? E se der tudo certo? E Se ficar tudo do jeito que
ta?

SEVERINO – Se fica ficô! E se num ficar? Pr’onde vão os coitados desses urubus? A
cachora, o cachorro? Vai tudo é entrar em extinção igual aconteceu la na Floresta
Amazônia. Não tem mais nenhum bicho vivo lá! Acabou-se tudo! E a mesma coisa vai
acontecer aqui. Vai tudo acabar. Vai tudo desaparecer. Eu vou desaparecer. Você vai
desaparecer. A única coisa que eu tenho certeza que não vai desaparecer é esse lixo todo
aqui. Isso daqui, ó... É bilhões, é trilhões, é quatrilhões de anos pra isso daqui
desaparecer. Aí eu pergunto: O que é quem tem que desaparecer primeiro? Eu? Ou o
Lixo?

JOANA – É. Você ta certo Severino. Pelo menos a gente trabaiando aqui, boa parte
desse lixo aqui desaparece, porque a gente cata e a gente recicla. Coisa que esse povo
que joga o lixo fora devia fazer... Ai... A gente gosta tanto disso daqui. Isso tudo aqui é
7

uma festa. Os meninos, as meninas naquele alvoroço, pulando em cima de arroz, feijão.
Ajudando a escolher.

SEBASTIANA – É... A gente já conhece o que é bom de longe, só pela cara do


caminhão.

SEVERINO - Tem uns que vêm direto de supermercado, açougue.

JOANA - Que dia na vida a gente vai conseguir carne tão barato? Bisteca, filé, chã-de-
dentro - o moço tá servido? A moça?

SEVERINO - Os motoristas já conhecem a gente. Têm uns que até guardam com eles a
melhor parte.

SEBASTIANA - É coisa muito boa, desperdiçada. Tanto povo que compra o que não
gasta.

JOANA – Ocê sabia que cada sacola dessa daqui é uma árvore? Pode olhar e procurar,
não existe mais árvore. Tudo que existe agora é sacola. Aqui no lixão só o que tem é
sacola. Eu to com saco cheio de sacola!

(Música da sacola. Ao fim da música Mateus fala com o publico.)

MATEUS – (Para a Platéia) Se você ta com a cara verde é sinal de que você ta
passando mal. Mas se a Terra tiver verde, ela esta bem. Porque ela é assim. E todo
mundo pode ajudar a manter a Terra verdinha. É muito fácil. Você pode plantar uma
semente, dar um pouco de água pra ela e observar a sua árvore crescendo. Você pode
economizar papel e sacola porque assim sempre existirão árvores. As árvores vão ajudar
a combater o efeito estufa!

TODOS – Efeito estufa?

JOANA – Onde é que você ouviu falar disso menino? Cê é superdotado é? Mal nasceu
e já sabe o que é efeito estufa. Esse é meu garoto. Onde foi que ocê aprendeu isso?

MATEUS – Eu li nesse livro aqui que eu achei.

JOANA – E desde quando você sabe lê?

MATEUS – Ué, num sei. Já nasci sabendo ora!

JOANA – Então lê aí menino, lê que negócio é esse de Efeito estufa.

SEBASTIANA – Efeito Estufa deve ser o efeito que deixa as coisa tudo aqui estufada,
amontoada.

SEVERINO – Deixa de besteira Sebastiana. Lê logo menino!

MATEUS – (Lendo) O efeito estufa é gerado pela derrubada de florestas e pela


queimada das mesmas, pois são elas que regulam a temperatura, os ventos e o nível de
8

chuvas em diversas regiões. Como as florestas estão diminuindo no mundo, a


temperatura terrestre tem aumentado na mesma proporção. O lançamento de gases
poluentes na atmosfera, principalmente os que resultam da queima de combustíveis
fósseis. A queima do óleo diesel e da gasolina nos grandes centros urbanos tem
colaborado para o efeito estufa, ou Aquecimento Global!

TODOS – Aquecimento Global?

SEVERINO – Vixe Maria! Daqui a pouco ta todo mundo derretendo nesse calor
insuportável, de baixo desse sol de 50 graus.

SEBASTIANA – E aí nesse livro, fala como fazer pra evitar o tal do Aquecimento
Global?

MATEUS – (Lendo) Todo mundo pode ajudar a deter o Efeito Estufa usando menos
energia, protegendo e plantando árvores, e reciclando para que as fabricas não precisem
trabalhar tanto para fazer as coisas.

JOANA – Mais num tem jeito não Sebastiana, até o livro que fala de educação
ambiental o povo jogou fora!

SEVERINO – Num te disse menino que aqui a gente acha cada coisa. Guarda pr’ocê
bobo! Semana passada eu achei um ferro de passar.

JOANA – Ê Severino! Por que ocê só acha coisa boa? E eu só acho sacola e garrafa
pet?

SEVERINO – Tem que ser esperta Joana. O caminhão chegou, pegou. Depois só sobra
resto de comida. Se você for ligeira você acha sapato, roupa nova, véu, grinalda. É...
Minha filha já até vestiu um vestido de noiva, até a aliança a gente encontrou aqui, num
corpo.

JOANA - É. Vem parar muito bicho morto. Muito homem, muito criminoso. A gente já
tá acostumado.

SEVERINO - Até o camburão da polícia deixa seu lixo aqui, depositado. Balas,
revólver 38.

SEBASTIANA - A gente não tem medo, moço. A gente é só ficar calado. (Pausa.
Catadores se olham)

JOANA – Ai chega! Vamo para de falar de coisa ruim. Me conta meu filho. Ocê achou
mais alguma coisa legal? Mais alguma coisa boa?

MATEUS – Achei mãe! Taqui! (Traz um monte de isopores coloridos, daqueles que se
usam em aulas de hidroginástica)

TODOS – Isopor?
9

SEVERINO – Isopor? Coisa boa?

JOANA – Larga isso daí menino! Isso é um perigo pra natureza!

MATEUS – Por quê?

JOANA – Ah! Primeiro que não da pra reciclar, segundo que isso não se decompõe na
terra, terceiro que o isopor não serve pra nada. Não sei por que inventaram isso daí. Se
ao menos desse dinheiro...

SEVERINO – Se desse dinheiro eu tava rico! Porque com o tanto de isopor que vem
parar aqui no lixão da até pra dar a volta no planeta.

SEBASTIANA – E como é que você sabe o tamanho do planeta?

SEVERINO – Num precisa ser inteligente pra saber disso não Sebastiana. É só olhar
pro infinito, pro horizonte. Esse mundão é tão grande. Tão bonito... É por isso que o
povo só anda de carro. Esse mundo é grande demais. Andar a pé ninguém quer né?

JOANA – Nem de bicicleta que é um meio de transporte que não polui, é barato, não
causa estresse e faz bem pra saúde o povo anda. Quem dirá a pé!

SEVERINO – Eu achei uma bike novinha aqui no lixão outro dia. 18 marcha. Hum... O
povo num quer mais essas coisas não. Só querem andar no conforto, na mordomia.

JOANA - Você sabe que eu nem lembro qual foi à última vez que eu andei de carro?

SEVERINO – E você já andou de carro coisa nenhuma Joana! (Joana murmura)

SEBASTIANA – Ah eu também num lembro qual foi à última vez que eu andei de
carro.

SEVERINO – E como é que você vai lembrar? Você num tem memória!

MATEUS – Achei! Eu achei uma coisa boa! É um presente pra você Sebastiana. Já que
memória é uma coisa que faz a gente chorar. Eu peguei isso daqui pr’ocê ó... (Mostra. É
uma cebola)

TODOS – Cebola?

SEBASTIANA – Eita! Eita! Quanto tempo que eu num vejo isso daqui menino! (Pega
a cebola. Aos poucos vai lembrando-se das coisas) Você sabe que isso daqui antes,
muito antes disso daqui ser uma cebola isso daqui já foi uma semente! E isso daqui,
muito antes disso daqui ser um lixão, isso daqui era tudo verde! Era um parque, eu
lembro! Tinha também plantação de cebola, alface até de tomate. E tinha um rio
também. Ali pra baixo tinha um açude de água limpa. Não é essas águas que tem nos
rios hoje em dia por aí não. A gente tomava banho, a gente lavava roupa, lavava louça.
Só que aí passou tempo o rio se sujou. O Açude secou. E ao invés da gente tomando
10

banho, o que tinha no rio era lixo, era esgoto, era produto químico. Ta vendo aquelas
fábrica ali na frente? Aquilo ali não existia não. O ar que a gente respirava era puro e
limpo, perfeito. Aí só depois que vieram essas fabrica essas usinas que o céu escureceu
e o ar ficou assim todo grosso. Se a gente não tomar cuidado a gente respira até faísca
de fogo menino. Aí jogaram uma sacola de lixo aqui um dia, depois, jogaram duas,
jogaram três... E as crianças foram parando de vir brincar aqui no parque, na gangorra,
na balança... As coisas aqui foram ficando esquecida, não tinha mais ciranda nem
brincadeira, nem árvore nem trepadeira, todas as coisa foram dando espaço pro lixo que
foi se achegando e virou o que é isso daqui hoje: O Lixão do Vira Lixo! (Neste
momento Sebastiana chora por conta da cebola)

JOANA – Gente! E não é que a Sebastiana recuperou a memória? Como foi que você
se lembrou de tudo isso?

MATEUS – Não chora não Sebastiana agora você tem a sua memória, graças a uma
coisa da natureza, graças a uma cebola. Sinal de que as coisas da natureza servem pra
muita coisa e não é só pra comer não Severino!

SEVERINO – Ê Maravilha então vamo comemorar! Porque Mateus com a ajuda da


cebola encontrou a memória da Dona Sebastiana! Viva!

(Música. Ao acabar a música todos os catadores pegam suas garrafinhas de água e


bebem)

TODOS – Ah! Água! Ah!

JOANA – Eita coisa boa! Já pensou viver sem água? Sem água fresca? O que a gente
iria tomar? Refrigerante?

SEBASTIANA – Eita que água é coisa boa demais da conta!

SEVERINO – Se a água acabar um dia sabe de quem é a culpa? Dos dentistas!

JOANA – Por quê?

SEVERINO – Dentista que fala pra escovar dente toda hora, comeu um negociozinho
já tem que escovar o dente! E a torneira lá... Xuá! E o povo escovando e água se
acabando.

SEBASTIANA – Ué? É só fechar a torneira!

SEVERINO - E o quintal? Em vez da vassourinha, a mangueirona no quintal, na


calçada, no carro. Coisa que a chuva, a vassourinha ou um paninho podia muito bem
resolver.

JOANA - Se continuar assim com esse desperdício, com essa poluição (Para a platéia)
daqui a pouco nem praia num tem mais pr’ocês passar o fim do ano não! O reveillon! O
carnaval. Ou Feliz Páscoa! Feliz dia das Mães! Feliz dia dos Pais! Feliz dia dos
11

Namorados! Feliz Natal! Feliz dia das Crianças! Feliz dia num sei do quê! Feliz! Feliz!
Feliz! Feliz cidade! (Pausa) Felicidade é aqui na nossa casa!

SEVERINO - Agora, o que deu na cabeça desse povo? A gente nunca deu trabalho. A
gente não quer nada deles que não esteja aqui jogado, rasgado, atirado.

SEBASTIANA - A gente não quer outra coisa senão esse lixão pra viver. Esse lixão
para morrer, ser enterrado.

JOANA – (Acolhe Mateus) Pra criar os nossos filhos, ensinar o nosso ofício, dar de
comer. Pra continuar na graça de Nosso Senhor Jesus Cristo.

SEVERINO - Não faltar, comida, dinheiro, trabalho!

SEBASTIANA – E vocês vão ficar tudo aí de braço cruzado é? O mundo se acabando,


a Terra fugindo da gente e vocês com lero-lero. Vamo trabaiar gente!

SEVERINO – Ô Sebastiana você perdeu a memória de novo foi? Você esqueceu que
quem desobedecer e voltar a catar vai levar punição?

SEBASTIANA - E você vai ficar esperando até quando? Não da pra esperar não gente!
A vida é agora! Vamo continuar com o nosso trabaio santo de cada dia. A gente pode
mudar.

JOANA – Vamo mudar Severino! Afinal de contas se cada um conseguir mudar um


pouquinho do lugar onde mora onde vive já ta bom. Cada um fazendo sua parte a Terra
se endireita. Vamo cuidar disso daqui, assim eles nunca vão tirar a gente deste lixão.
Tenho fé em Deus, com a ajuda de Deus eles nunca vão tirar a gente deste lixo.

SEVERINO - Eles dizem que sim, que vão.

JOANA - Mas não acredito. Eles nunca vão conseguir tirar a gente deste paraíso. Vem
com a gente Severino?

SEVERINO – Vou. Mas com uma condição. (Para a platéia) Todos vocês tem que
fazer também, mudar o lugar onde vocês moram, onde vocês trabaiam. É simples. É só
fazer igual nós. São pequenas atitudes e assim a gente salva os animais, as planta, as
árvores e os rio. A partir de hoje a missão de todo mundo é essa: A de preservar a
natureza e o planeta em que vivemos! (Catadores voltam ao trabalho)

MATEUS – Imagino um mundo onde não existe nenhum problema ecológico. Onde
tudo é verde, onde existem todos os animais, onde a água é limpa o ar é puro, onde as
crianças não trabalham, onde as crianças já nascem crianças e todos lutam por um
mundo melhor... Só que percebo que esse mundo que imagino na minha cabeça já
existe, o que falta apenas é reciclar esse mundo, varrer, organizar, por tudo no lugar! E a
hora de fazer tudo isso não é hoje nem amanhã, é agora!

(Música final)
12

Thiago Nascimento

Você também pode gostar