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NARRAÇÃO - Bom, mais uma vez estamos nós aqui tentando discutir aquilo que é óbvio.
Vivemos exatamente neste tempo. No tempo em que, por algum motivo, tivemos que nos
dividir em LADO A x LADO B, PARTE ESQUERDA x PARTE DIREITA, MIOLO DE
DENTRO x MIOLO DE FORA, HOMEM x MULHER, FEIO x BONITO… E na nossa história
também não será diferente. Na nossa história existem AQUELES QUE DIZEM SIM e
AQUELES QUE DIZEM NÃO.
GABRIEL - Eu digo sim para a família, eu digo sim para os costumes, eu digo sim para a
liberdade, eu digo sim para Jesus!
NARRAÇÃO - E naquele dia, Gabriel disse SIM. Assim como a sua mãe também já havia
dito SIM.
MÃE - Eu disse não para a bebida, eu disse não para a farra, eu disse não para uma vida
mundana. Para Jesus, sempre vou dizer SIM.
NARRAÇÃO - E todos os dias, Gabriel e sua mãe diziam SIM para Jesus e iam para a
Igreja. Todos os dias. Sim. Todo santo dia. Mas todos os dias também, Gabriel, quando sua
mãe saía para o trabalho, Gabriel ia até o quarto dela e vestia as suas roupas. Gabriel
amava essa sensação de se sentir assim, como ELA… E assim era. Todos os dias.
Mãe de Gabriel faz as unhas de um cliente viado e elogia suas roupas e unhas coloridas. E
fala que adora os gays, que os gays são pessoas incríveis. Enquanto na TV surge uma
notícia:
REPÓRTER - Você diz SIM ou você diz NÃO? O congresso Nacional quer ouvir a sua
opinião. No dia 18 vá às urnas e vote SIM ou vote NÃO pelo projeto de Lei que prevê a
criminalização da HOMOSSEXUALIDADE. Se a população votar SIM, as práticas
homossexuais serão consideradas crime contra a humanidade e todos os direitos
LGBTQIAPN+ serão retirados, incluindo o direito de pessoas LGBTS realizarem união
estável que está em vigor há 12 anos.
Cliente Gay se assusta com a notícia e pergunta para a Mãe de Gabriel qual é a opinião
dela sobre isso. Mãe de Gabriel só consegue gaguejar… Cena de gaguejação…
PASTORA - (Sempre gritando) Irmãos, essa é a nossa hora. A hora que podemos mais
uma vez lutar pela família e pelo bem da procriação. Eu já falei e volto a repetir, tem muito
irmão aqui na igreja que gosta de pintar unha… Que gosta de alisar o cabelinho… Que
gosta de usar roupinha com fenda… Irmãos isso é obra do Satanás! Irmãos, vocês irão para
o Inferno! Tá escrito! Tá escrito no livro Sagrado. Menino veste azul e menina veste rosa! Tá
escrito. Tá escrito no livro sagrado. E agora nós temos a oportunidade de, nas urnas,
escolhermos o lado certo da história. Todos os fiéis que frequentam essa igreja, no dia 18
devem ir às urnas e votar SIM pela inocência das crianças nas salas de aula. Votar SIM
contra o comunismo. Votar SIM por um Brasil acima de tudo e por um DEUS acima de
todos! VOTEM SIM!
NARRAÇÃO - E assim saíram todos aquela noite. Certos do que deveriam fazer. Não
tiveram nem tempo de pensar. Nem tempo de pensar tiveram. A pastora pensou por eles.
Pois é assim que vivemos. Sempre com os outros pensando pela gente.
A mãe de Gabriel canta “parabéns” para ele. E fica feliz, pois agora que ele tem 18 anos,
ele poderá votar pelo bem do Brasil no dia 18.
MÃE - E então, meu filho? Você já sabe o que você tem que fazer no dia 18, né?
GABRIEL - Claro que sei, mãe.
MÃE - E então? Você vai votar…
GABRIEL - Eu vou votar na coisa certa, né, mãe?
MÃE - E o que é a coisa certa, meu filho?
GABRIEL - Mãe, o certo é o certo. E o errado é o errado.
MÃE - Fiquei na mesma. Espero que você tenha responsabilidade na hora de votar, meu
filho…
GABRIEL - Também espero, mãe.
A Dona do Salão diz que vai ter que atrasar o salário da Mãe de Gabriel de novo. A Mãe de
Gabriel se irrita e sai xingando a Dona do Salão e quebrando tudo.
NARRAÇÃO - E a Mãe de Gabriel se sentiu muito aliviada ao dizer NÃO. Se sentiu leve, e
pela primeira vez caminhou pelas ruas sorrindo como se tivesse retirado uma tonelada de
suas costas. E assim leve. Descarregada. Chegou em casa antes da hora que costumava a
chegar todos os dias.
CENA 06 - Em casa, Mãe de Gabriel vê ele montado e dançando Vogue Dance por
uma fresta atrás da porta.
A Mãe de Gabriel vê ele montado e dançando Vogue Dance por uma fresta atrás da porta e
fica muito confusa com a cena que vê. Ela sai de casa transtornada e vai até a casa da
Pastora.
A mãe de Gabriel conta o que viu desolada, chora muito. A pastora pede pra ela se acalmar
e diz que vai ajudar. E que vai tirar o demônio do corpo de Gabriel.
NARRAÇÃO - (Durante essa narração Gabriel dança) E inocentemente, Gabriel não fazia
ideia do que estava por vir. Mal sabia ele que alguns dias adiante ele seria obrigado a
encarar frente a frente o seu próprio demônio.
PASTORA - (Para a plateia) Primeiro eu quero registrar a minha indignação perante essa
casa. Chegou aos meus ouvidos, caros irmãos. Chegou aos meus ouvidos que certas
pessoas que estão sentadas nas sagradas cadeiras desta casa, estão se comportando de
forma que vai contra às escrituras. Contra os mandamentos de Deus. Irmãos, Deus NÃO
gosta que seus filhos se entreguem aos prazeres mundanos, ao pecado! Deus não gosta
dessas dancinhas safadas. Dessas safadezas que certos irmãos ficam aprendendo na
internet. Deus NÃO gosta não.
NARRAÇÃO - Enquanto dizia essas palavras, Gabriel sabia que era pra ele que a Pastora
estava falando. Sabia SIM. E Gabriel, se sentiu a pior pessoa do mundo.
PASTORA - (Para a plateia) Escutem a minha voz, caros irmãos. A minha voz é a voz de
Deus. Deus não gosta de certos tipos de música. Deus só gosta daquilo que é em nome de
sua palavra. Prestem atenção no que vocês estão fazendo… Por mais que vocês achem
que ninguém está vendo, mas Deus está. Deus vê tudo e está em todos os lugares.
Tenham uma boa noite! Amém.
PASTORA - Não vai embora, não, Gabriel. Antes preciso dar uma palavrinha com você.
GABRIEL - Comigo? Pode falar.
PASTORA - Eu tenho uma missão pra você! Você deverá liderar o próximo encontro de
jovens e o tema será a pesquisa de opinião do dia 18. Peço que você estude esses textos e
e prepare uma apresentação. (Entrega textos).
GABRIEL - Muito obrigado pelo desafio. Vou pegar essa responsabilidade com unhas e
dentes.
Gabriel, em seu quarto, executa chicotadas em suas costas, reza e pede perdão a Deus.
NARRAÇÃO - E o grande dia chegou! Hoje dia 18, as pessoas vão às urnas para dizer SIM
ou NÃO. A homossexualidade deverá se tornar um crime? Você diz SIM ou você diz NÃO?
Os personagens vão até uma urna um de cada vez e depositam seus votos em um papel.
GABRIEL - Eu, Gabriel, digo SIM pela última vez. Eu, Daniel, digo NÃO, quantas vezes
forem necessárias.
CENA 12 - Na Casa, Na TV, A Mãe assiste a repórter que faz a cobertura do resultado
da votação.
A Mãe está aflita, liga para Gabriel que não atende. Gabriel não chegou em casa já faz um
tempo. A Mãe se preocupa. Deixa alguma mensagem na Caixa Postal do celular de Gabriel
perguntando com qual cor de camiseta ele saiu na rua. A Mãe liga a TV.
REPÓRTER - Boa noite pra você que está em casa acompanhando o resultado da votação.
No momento são mais de 273 mortes por minuto. Como já era esperado, com a vitória do
SIM à barbárie, foi autorizada de forma indireta a violência contra os corpos LGBTQIAPN+.
Essas mortes vêm ocorrendo de forma gradual, desde o período da colonização, mas se
intensificaram hoje com a vitória do SIM à Barbárie. Todas as pessoas que possuem porte
de arma estão autorizadas a assassinarem todas as pessoas que não se enquadram em
um padrão socialmente referenciado na heteronormatividade, na binariedade e na
cisnormatividade. É com você Flávia!
MÃE - (Murmura) Eu sou apenas uma cristã. Uma mulher fiel. Temente a Deus. E ninguém
tem absolutamente nada a ver com isso. Mas eu também disse SIM. Fiz campanha e
defendi fatos e evidências que estão em um livro que nem científico é. Eu, que sempre fui
uma fanática, que briguei com os meus e que por vezes também silenciei a minha opinião
para não parecer ridícula, eu, agora eu começo a reclamar insatisfeita de tudo isso.
Insatisfeita com o que agora se configura. Agora que tudo aquilo que eu acreditava desfila
diante dos meus olhos, talvez agora eu precise dizer NÃO.
MÃE - (Murmura) Talvez precisemos de mais. Ou talvez voltar no tempo que sabemos bem
que nunca volta, apenas se repete. Eu e todos os meus outros irmãos acreditamos no que
dizia a escritura, durante todo esse tempo essa parecia ser a única verdade. Penso, eu.
Não estava escrito que ELE iria voltar? Não. ELE não voltou. Tampouco meu filho Gabriel.
Me sinto uma velha combatente de guerra destituída de minhas lutas caindo em si e isso
não ameniza as minhas culpas.
MÃE (GRITANDO) - A personagem da cena Eu, depois de ter votado SIM, de ter obrigado a
todo mundo ter votado SIM. Eu, depois de ter brigado com a família, de ameaçar! Eu,
depois de ter brigado com a família, de ameaçar! Eu, depois de brigar com a família, de
ameaçar! Eu, depois de brigar com a família, de ameaçar! Eu, depois de brigar com a
família, de ameaçar! (Pausa). Recebo a notícia que o meu filho foi morto. (Grita e se
desespera). Gabriel!!!
CENA 14 - Gabriel
GABRIEL - Não adianta me chamar. Não chore por mim. Não escuto. Estou a caminho do
inferno e é pra lá que eu vou. Eu que incentivei, fiz campanha, defendi o SIM, eu… Eu que
achei que fazia o certo, eu… Eu que defendi fatos e escritos incomprovados, eu… Cavei a
minha própria cova. Preparei o meu próprio sepultamento. Provei do meu próprio veneno.
Agora que vejo a minha verdadeira essência ruir, me deito no meu próprio caixão. Eu… que
obriguei tantos outros, eu… Eu que palestrei e defendi, eu… Ah!... Eu… Eu disse SIM! Eu
disse SIM! Eu disse SIM!
FIM