Você está na página 1de 161

1

2
Sumário

Conceito da formulação
neoprogressista 11

Motivação: 11

Quem sou 13

1. Contexto Brasileiro 22

Industrialização Brasileira 23

Êxodo Rural 28

Princípios de família 31

Contexto: 31

Síntese: 34

Favelização 35
3
Contexto: 35

Síntese: 40

Nova realidade da favela: 42

Social: 43

Educação: 46

Político 49

2. Esta é a nossa política. 51

Introdução 51

V de Vargas 52

Pós Vargas 56

J de Jango 60

D de Ditadura 64
4
ORDEM: 67

Progresso: 79

D de Democracia 80

P de PT 83

CORRUPÇÃO 88

Setor privado 97

Ameaça 99

T de Temer 100

B de Bolsonaro 101

Abertura na educação 105

Gueto 116

Guerra às drogas 122


5
Especulação imobiliária 125

3.Crítica à esquerda: 130

Mídia 140

4. Neoprogressista 154

Perfil psicológico: 167

Palavras-chaves: 179

CONCLUSÃO: 187

6
7
Prefácio

Me chamo Mateus da Silva Sousa e, nesse 19 de outubro de 2019,


inicio este livro sentado na laje da minha casa, na Cachopa,
Rocinha, Rio de janeiro, enquanto bebo um pouco de vinho
barato e fumo um cigarro contrabandeado. O que escrevo sai de
mim em forma de esperança. Esperança no novo, esperança de
um mundo em que meu/minha filho(a) *(ainda não descobri o sexo)
não tenha de nascer já como refém de todo este caos que existe
hoje, que está posto já antes de sua própria existência. Que possas
aspirar ser mais do que um trabalhador(ora) explorado, mais do
que mero cartão de Riocard, mais do que um número que passa
por uma roleta e volta pra casa cansado(a), frustrado(a) e
esmagado(a) todos os dias no transporte público. Um ser
HUMANO que está na barriga da mãe, para quem acabo de falar
palavras boas, anunciando um mundo novo, um mundo melhor,
e que agora já está dormindo.
Hoje vivo na maior favela da América Latina, mas já rodei muito
pelo Rio de Janeiro. Conheci pessoas boas, apertei a mão de
pastor e de traficante, de empresário, de trabalhador, de
evangélico, espírita, umbandista, de budista, de “gente ruim” e de
caloteiro, até as melhores pessoas que eu já conheci. Aqui se vive
no meio de muita gente e se aprende a lidar com o diferente, são
tantas pessoas e tantos mundos. Aprendo muito por onde eu
passo e deixo um pouco do que sei em cada canto.
Vi muita coisa boa e também vivenciei muita coisa ruim. Cresci
em meio ao ódio, à depressão, à ansiedade, à falta de esperança

8
em um futuro melhor, aquele medo que todos sentimos ao olhar
para o presente e não enxergar nada de melhor à frente.

Este livro está sendo escrito por alguém que anda no seu mundo,
mas vive em outro, totalmente diferente. Isto gera por si só
barreiras que poderiam ser irrelevantes se não fossem usadas
como ponto principal para manter o que vivemos hoje. É
preciso que se entenda que a falta de diálogo já é o projeto, o
problema e talvez aquilo que possa nos mostrar solução. Mas isso
é você quem vai dizer ao final da leitura deste livro.
Não falamos a mesma língua, e não é a favela que vai aprender a
falar a língua dos acadêmicos, não é a favela que vai disputar o
espaço dos empresários no Senado, “um de cada vez”. Não é
fazendo política que vocês vão mudar as coisas. Não é só pedindo
nosso voto. Através do que aqui escrevo, busco ainda que
minimamente, te fazer sentir algo do que sinto e compreender
um pouco do que penso. Este livro será apenas a primeira porta
para algo novo, e é preciso entender isso enquanto se lê, mas o
que está escrito aqui já é a principal coisa que tenho a te dizer.
Porque estou te dando uma arma, mas ainda não estou
dando a munição.
Espero que aprecie a leitura deste texto escrito por seu caro
amigo favelado. Espero te acrescentar a ideia de que algo novo é
possível e isso é tão real quanto as balas que furam nosso peito,
tão real quanto a dívida do aluguel que nos priva de comer. Sou
grato por sua leitura.
Mateus da Silva Sousa

9
10
Conceito da formulação neoprogressista

Motivação:

Minha tese começou a se estabelecer em mim ao observar o


cenário político brasileiro em 2019, no qual já tínhamos uma
esquerda desarticulada, que não fala a língua do povo. Uma
esquerda sem a capacidade de falar, uma esquerda que não
representava as lutas sérias e verdadeiras, que lutasse pela razão e
pela igualdade. Que lutasse pelo fim da opressão e da exploração
na sociedade. Era, ao contrário, uma esquerda tão voltada para
seu próprio ego, para sua própria fala, seus conceitos e palavras
que perdeu até a capacidade de falar.
Valendo-se desta falha, o Bolsonarismo avança no Brasil, dentro
de uma tendência global. Por isso, busco mostrar neste livro os
fundamentos da minha tese, para ensinar a todos independentes
de esquerda/direita tanto uma nova ferramenta de diálogo,
quanto um olhar sobre o muro que nos divide. Tudo que há
em debate hoje são réplicas de um discurso usado há anos e que
não leva a lugar nenhum. Temos que buscar um ponto de
diálogo com quem pensa diferente. Venho trazer um ponto
onde possamos fazer o novo, fazer diferente.

11
Quem sou

É impossível falar de mim sem falar da minha origem familiar.


Minha avó materna veio do Rio Grande do Norte para o Rio de
Janeiro e trouxe seus 4 filhos, dentre eles minha mãe, ainda
criança. Passou inúmeras dificuldades para criar todos eles.
Aprendeu a costurar e assim conseguiu o mínimo de sustento
para alimentar a todos.

Meus avós paternos são da Paraíba, lá tiveram meu pai e mais 13


filhos. Desde 8 anos de idade meu pai trabalhava para ajudar no
sustento da família. Durante sua juventude trabalhou para as
Grandes Usinas cortando cana. Juntou algum dinheiro e veio
para o Rio de Janeiro. Chegando ao Rio, conseguiu emprego
como ajudante de pedreiro na construção dos prédios da Barra da
Tijuca.
Foi neste período que ele conheceu minha mãe. Eu nasci em
1998, na zona oeste do Rio de Janeiro. Meus pais se separaram
quando eu tinha 1 ano. Meu pai voltou pra Paraíba onde casou
de novo e teve meu irmão.
Desde então fomos eu e minha mãe. Cresci em uma família
extremamente problemática e disfuncional. Desde criança eu
sempre desejei Paz e Liberdade, mas às vezes sinto que nasci no
mundo errado. Ao todo, até o presente dia, já fiz 19 mudanças
entre casas e aluguéis, entre bairros e zonas do Rio de Janeiro.
Nestas viagens conheci muita gente e aprendi muito sobre as
diferenças de cada lugar. Por volta dos 15 para 16 anos saí de casa.
12
Estava no meu primeiro emprego. Fui contratado para ser
Forneador em uma padaria, onde ganhava 20 reais por dia
trabalhando entre 6 e 14h.
Logo neste primeiro emprego aprendi sobre as relações de
trabalho. Fui contratado para uma função determinada, mas na
verdade até serviços de padeiro eu já fazia. Dos 20 reais que eu
ganhava, gastava uns 6 reais por dia de passagem para trabalhar.
Fui instruído pelos funcionários mais velhos que eu tinha direito
a pedir a passagem e, ao fazer isso, o patrão achou que eu estava
tentando ser malandro. Bom, ele não me demitiu e passou a pagar
25 reais por dia, mas em compensação se tornou muito mais
exigente. Às vezes eu esperava uma hora além do meu horário
esperando para sair porque ele só me liberava depois que eu
tivesse limpado tudo. Sem problema. O problema era que eu
terminava tudo na hora e ele ficava bebendo por uma hora na
frente da padaria antes de entrar pra olhar meu serviço e me
liberar. Se eu o chamasse era repreendido, e ele dizia que eu não
deveria ter pressa para ir embora. Por fim, me dava um esporro
dizendo que eu não ia passar da experiência por não ter tirado o
cestinho (aquele que junta resíduos) do ralo da pia.
Ao completar pouco mais de 3 meses e não ter a carteira assinada,
pedi demissão depois de ele me exigir que limpasse a caixa de
gordura (bueiro) da padaria.
Fiquei um período desempregado, uns 5 meses. Depois arrumei
um emprego em um mercadinho como repositor, onde
naturalmente eu fazia bem mais funções do que havia sido
contratado para fazer. Recebia 720 reais por mês, trabalhava de
domingo a domingo e folgava às quartas. Aos domingos eu
13
trabalhava de 8h da manhã às 20h da noite. Passei 6 meses neste
emprego sem ter a carteira assinada, também passei estes 6 meses
sem faltar. Na minha primeira falta fui demitido.
Sem emprego foi uma barra conseguir pagar o aluguel e esta foi
uma das fases mais difíceis da minha vida. Conheci algumas
pessoas... e acabei cometendo erros. Esse período conturbado da
minha vida também foi quando desenvolvi paixão pelo Rap
(gênero musical). Isso ao frequentar rodas de rima e ficar
fascinado com aquilo, o que me ajudou muito a tomar as decisões
que mudariam minha vida.
Aos 17, quase 18 anos, estava saindo da Favela do Antares em
Santa Cruz quando recebi uma revelação. Eu tinha saído da igreja
aos 14 anos e naquela fase da vida eu era completamente rebelde,
sentia ódio de tudo. Mas naquele dia eu decidi ouvir. Quem me
conhece daquela época lembra de uma frase que eu dizia com um
sorriso no rosto: “Eu não vou passar dos 20 anos. Eu sabia que se
não mudasse não ia durar muito, mas as contas e as necessidades
não esperavam o tão sonhado emprego bom vir, ou a escola que
eu larguei, ou então a ajuda que não viria. Naquele momento era
eu sozinho no mundo com todo meu ódio e frustração. A
violência era algo cotidiano, era traumático ver o vídeo de um
amigo que apertou sua mão de manhã dizendo que tudo que ele
queria era um emprego estável para mudar de vida sendo
esquartejado e queimado vivo na mesma noite. E ainda mais
perturbador saber que você será o próximo.
Após aquela revelação eu entrei em contato com a família, fazia já
um bom tempo eu não falava com ela. Meu pai, que soube pela
boca de algumas pessoas o que estava acontecendo comigo, foi
14
me buscar e me dar uma oportunidade para mudar: eu decidi que
iria mudar.
Voltei para a igreja, comecei a trabalhar na obra junto com ele e
voltei a estudar durante a noite, para completar o segundo grau.
Aquela fase da minha vida foi fundamental não só para eu ser
quem hoje sou, mas também o motivo de eu estar aqui.
Cerca de dois anos depois eu estava habilitado na categoria B e
entrando para o curso de engenharia de produção na
Universidade Cândido Mendes, em Bangu.
Infelizmente a vida não é um mar de rosas e, apenas pelas
aparências se poderia dizer que estava tudo ótimo. Bem, quem
tivesse me visto no Rodo e no Antares não me reconheceria
mais. No entanto, eu trabalhava na construção civil, e quem
trabalha nela sabe o quanto é desgastante. Agora, imagina bater
laje o dia inteiro e à noite fazer provas de cálculo 1, só com o
almoço de meio-dia na barriga... Ao fim do mês meu salário era
de 1.200 reais, o maior que eu já tinha recebido na vida até meus
19 anos. E a mensalidade da faculdade, na qual eu tinha bolsa de
70%, passou dos iniciais 529,00 reais para mais de 800 reais
apenas no terceiro período. Foi aí que eu vi que até o fim da
faculdade eu estaria pagando cerca de 2.000 reais por mês. Eu mal
conseguia pagar minha passagem, tinha mais de 800 de
mensalidade na faculdade e auxiliava meu pai com 300 reais por
mês (Obrigatoriamente). Só aí já ia embora meu pagamento de 1
mês inteiro batendo laje e virando concreto no sol 40 graus.
Quando a obra ficou pronta o dono da obra viu que eu era
inteligente e bom com números e me deu um emprego como
Fiscal de Caixa na loja dele. Meu salário caiu para 1.090 reais,
15
perdi as folgas de sábado e domingo que eu tinha na obra, mas só
de não estar virando massa no sol eu já estava bem feliz. Agora
minha vida era acordar às 5h, sair do açougue que trabalhava
como fiscal até as 16h30, chegar na faculdade às 18h, sair de lá às
21h, chegar em casa às 22h50, jantar e fazer brigadeiros para
vender na faculdade e assim ganhar um dinheiro a mais. Até o
brigadeiro ficar pronto já era por volta de uma da manhã.
Decidi sair da casa do meu pai e voltar para o aluguel. Ficou
insustentável e eu tive que trancar minha matrícula na faculdade.
Até hoje devo por volta de 2.200 reais a eles (risos de nervoso).

Logo depois fiquei desempregado de novo, voltei para a obra, e lá


fiquei até fevereiro de 2018, quando consegui um emprego no
Recreio dos Bandeirantes. Era a primeira vez que eu começava a
andar para aqueles lados, meu bairro era muito isolado. Lá fui
trabalhar em um restaurante 5 estrelas onde tive mais contato
com a burguesia. É, eu servia pizza no prato deles. Lá eu ganhava
cerca de 1.180,00 + passagem, e passei 7 meses neste emprego
sem assinarem minha carteira. Não vou entrar em detalhes sobre
como era a relação de trabalho pois vocês já devem imaginar, eu
trabalhava em um restaurante 5 estrelas com alta rotatividade de
funcionários dentro do Américas Shopping. Lá trabalhava das
17h e até mais ou menos 1h30 da manhã, pegava cerca de 2 horas
de BRT para voltar para casa e muitas vezes não havia condução
do BRT pra minha casa, então tinha que voltar andando por volta
das 3h30 da manhã.
Fiz várias amizades nesse emprego, com irmãos de diversas
favelas que trabalhavam comigo. Cidade de Deus, Rio das Pedras,
16
Rocinha etc. Comecei a conhecer os locais indo para os bailes
junto com eles durante as madrugadas, já que voltar para casa era
igualmente cansativo e longe, então pelo menos eu me divertia e
dormia por lá, porque era mais perto do trabalho.
Saí desse emprego em agosto de 2018, e a esta altura eu já tinha
me mudado para a favela da Rocinha. Desempregado passei todo
tipo de aperto e minha família só foi saber que eu estava morando
por lá depois de uns 2 ou 3 meses. Ficaram decepcionados e com
medo de algo acontecer, já que naquela época tinha acabado de
acontecer a guerra.
Em novembro de 2018, eu consegui um emprego como copeiro
na Barra da Tijuca. De novo super explorado, salário baixo e pior,
atrasado. Saí de lá em fevereiro de 2019 e, nestes 3 meses, recebi
apenas o primeiro salário. Passei muita necessidade, era péssimo
estar fazendo tudo certo, buscando um emprego para melhorar e
realizar meus objetivos e ver que todo dia a patroa fazia o cabelo,
mas não pagava os funcionários. Nesta época passei uma das
maiores dificuldades da minha vida. Mas também foi nesta época
que conheci minha atual esposa, Gisele, que é professora de
História e, sem dúvidas, alguém que mudou minha vida para
sempre. Eu sempre enxerguei e senti na pele os problemas da
vida na cidade, mas apenas tendo acesso à educação que pude de
fato compreender a minha existência.
Passei mais um período desempregado e apenas em abril fui
receber os outros dois meses que tinha trabalhado, junto com a
rescisão do contrato. Tinha aluguel para pagar, contas e etc.
Minha esposa e meus manos me ajudaram muito nessa época.

17
Em abril entrei na empresa que estou até hoje. Com mais
estabilidade e trabalhando em Ipanema, pude ver como as
relações de trabalho mudam em diferentes bairros do Rio de
Janeiro e como as condições de vida do ambiente em que se vive
interferem diretamente em quem você é. No mesmo mês entrei
no projeto das Brigadas Populares da Rocinha e para o pré-
vestibular Só Cria, projeto social que visava colocar jovens de
áreas carentes dentro de universidades públicas. Este foi um
espaço de transformação para mim, fiz amizades que quero levar
pra vida toda e acreditei pela primeira vez que podia entrar para
uma universidade pública e mudar não só minha vida, mas a
história da minha família.

18
1. Contexto Brasileiro

Antes de começar a falar da tese neoprogressista em si, preciso


contextualizar o Brasil de hoje em nível social, político,
econômico, geográfico e o trabalho ideológico, para que fique
claro toda a mensagem aqui presente.

19
Industrialização Brasileira

Apenas a partir de 1940 o Brasil iniciou seu processo de


Industrialização, entrando com o setor de base do mercado
global. O país se tornou atrativo por sua abundância em recursos
naturais e sua excessiva mão de obra barata de baixa qualificação.

Estes fatores por si só já explicam muito do comportamento da


indústria brasileira até hoje na globalização. Por exemplo, um
Boeing tem suas peças produzidas em diversos países do mundo,
tanto do capitalismo central quanto do periférico, e todas estas
peças são enviadas para os Estados Unidos, onde o Boeing é
montado. O Brasil produz uma minúscula peça usada na
engrenagem deste Boeing, já a Inglaterra e China produzem a
parte que envolve alta tecnologia, como computadores de bordo,
asas, controles e etc. A categoria do componente do que cada país
produz na composição desta aeronave reflete o tipo de indústria
instalada em cada um destes países e qual a relação desta com a
mão de obra local e seus recursos.
Uma Indústria que produz computadores de bordo necessita
obrigatoriamente de muita mão de obra qualificada, o que exige
uma política com incentivos para a formação de novos
engenheiros, designers, profissionais de TI, robótica e etc. O país
aumenta seu nível de desenvolvimento como um todo, já que é
melhor capacitar profissionais em seu território do que importar
profissionais de outros países. O Brasil e muitos outros países de
capitalismo periférico existem no cenário global como
20
fornecedores de mão de obra barata, e o produto final, o Boeing, é
vendido para todo o mundo. O capital brasileiro é proporcional à
mínima participação na produção e a seu baixo custo. O interesse
da indústria globalizada está justamente na política de cada país
onde ela se instala, e nas questões da relação de trabalho e
recursos naturais.
Por que eu destruiria meus recursos naturais se eu posso usar o
de outros países e ainda gastar menos? Muitas das empresas
instaladas hoje no Brasil foram recusadas em outros países por
seu impacto ao meio ambiente e ao povo local, como o caso da
empresa CSA (A Companhia Siderúrgica do Atlântico pertencia à
alemã Thyssenküpp e atualmente pertence ao grupo Ternium, de
Luxemburgo) em Pedra de Guaratiba, no Rio de Janeiro, que
tornou a Praia da Brisa inapropriada para o banho e para a pesca.
A empresa 3B.Rio, fabricante de tapetes para automóveis, é
responsável pelo apelido de uma localidade como Catingueira
(em referência ao fedor) no bairro do Magarça, em Guaratiba,
Rio de Janeiro. Já você, a mão de obra barata, aceita toda a
exploração porque, como se diz por aqui, “é melhor pingar do
que secar”.
Somos propositalmente desqualificados e mal remunerados
porque assim se lucra mais. Já a política atual acha que devemos
agradecer por estas indústrias estarem aqui, senão todos
estaríamos plantando mandioca na horta atrás de casa. E isto
reflete na nossa política com um governo que aumenta a
desigualdade e a violência, piorando as condições de vida e as
oportunidades para que as pessoas alcancem sua independência

21
financeira. Desta forma é mais fácil controlar e garantir o lucro
massivo.

O pobre hoje está desesperado e este é o Brasil que eles querem,


quem aceitaria trabalhar na folga? quem aceitaria ganhar
R$980,00 tendo filhos para criar e uma família pra sustentar, ao
mesmo tempo em que se vira pra pagar o aluguel que só
aumenta?
Nascemos neste mundo que já foi montado para ser assim muito
antes de nascermos, mas nossa responsabilidade é sobre o fato de
que o mundo que vamos entregar a nossos netos e filhos será
igual, pior ou melhor que o nosso?
22
Êxodo Rural

Para entender os problemas existentes hoje é essencial relembrar


o passado, pelo menos o passado recente. Durante a década de
1940 começou uma vertiginosa migração dos habitantes do
norte, nordeste e centro oeste para as capitais do sudeste país.
Esta fuga em massa não se dá apenas pela seca e pela fome. A
indústria no mesmo período estava se instalando nessas capitais,
e ao mesmo tempo estava ocorrendo o avanço do agronegócio.
Muitos viram no sonho de ir morar nas capitais um futuro
diferente daquele em que nasceram. Filhos de vaqueiros, de
capatazes, sempre nas mãos de coronéis e dos fazendeiros,
lutando para sobreviver nas regiões do país que sempre foram
minoritariamente priorizadas por qualquer governo até então. O
livro Vidas Secas conta a história de uma família nesta situação de
sobrevivência. Ao fim do livro podemos ver uma breve citação
dos personagens sonhando em atravessar mais uma seca e tempos
de dificuldades para chegar às capitais onde seus filhos não
precisariam vaquejar ou consertar cercas para os brancos em
troca de um prato de comida. Muitas das famílias foram expulsas
pelo uso da força nos casos em que não havia acordo, ou
simplesmente venderam suas terras a preços muito baixos.
Pense como é até hoje viver no interior do Ceará, por exemplo,
em Guaraciaba. A principal fonte de renda local até hoje é a
agricultura familiar, com sua produção vendida em feiras. Com
50 reais por mês você aluga uma casa e com 250 reais por mês
você sobrevive com o mínimo, não porque lá é um paraíso e sim
porque não tem emprego, as condições de vida não são como no
23
centro das grandes cidades. Por isso se sobrevive com tão pouco,
pelo simples fato de que ninguém consegue mais dinheiro.
Dentro de uma realidade em que as famílias não disponham nem
de luz elétrica em suas casas, o que seria um empresário aparecer
oferecendo 5 mil reais pelo seu terreno? Faça as contas, dá para
viver quantos meses dentro daquela realidade em que estão
habituados? Pode parecer vantagem para alguns, para outros não,
mas a ideia é justamente fazer a comparação sobre o valor do
dinheiro. Esta família vende suas terras e vem para o Rio de
Janeiro, e o que são R$ 5 mil aqui? Onde eles irão viver com seus
muitos filhos? Em Copacabana, Ipanema ou em alguma favela?
Ao chegar no Rio, esta família se depara com uma nova realidade,
a forma de vida não é mais a de plantar para colher, até porque
não há terra para todos. Agora essas famílias têm que trabalhar
para as indústrias que se instalaram aqui e precisavam de mão de
obra barata em grande quantidade para dentro de suas fábricas
em condições insalubres e sem qualquer tipo de direito.

24
Princípios de família

Contexto:
Para entender melhor este tipo de vida voltado à agricultura
familiar que até hoje se leva no interior do país, precisamos voltar
ainda mais na história da formação do Brasil.
O modelo de colonização brasileiro se deu pela exploração, e a
forma de colonizar dos portugueses iam além de dominar a terra
em si, mas também os corpos e as mentes dos colonizados. O
colono recebia terras da coroa no território brasileiro e ao chegar
aqui negociava escravos no comércio praticado nos principais
centros portuários, como Rio de janeiro e Salvador. Usados como
mão de obra escravizada, indígenas e negros eram a base da
economia brasileira, que girava em torno da família, a família
tradicional brasileira constituída pelo patriarca, a mulher com a
função de gerar filhos como mão de obra, e estes filhos como
alguém para ajudar na produção ou cuidando das terras, as
questões sobre as funções exercidas pelos filhos variavam de
acordo com o poder aquisitivo das famílias, aos pobres a lavoura
no serviço braçal, aos senhores de engenho a administração no
serviço intelectual. Era assim que eram legitimados pela igreja
católica e pelo poder real de Portugal nos seguintes termos: se os
colonos se relacionassem com as escravas e tivessem filhos,
em grande maioria concebidos através do estupro, e a estes
filhos fosse ensinada a fé católica e os costumes
portugueses, estes seriam reconhecidos como portugueses.
Deste modo, a dominação na mente deste filho, que era assumido
25
e domesticado, fruto da escrava com o colono, servia como
tecnologia de separação na qual a ideia era torná-lo “diferente”.
Ele não era negro e sim “pardo”.
(A categoria pardo “livre”, foi criada pela necessidade de
categorizar uma crescente parte da população descendente de
africanos que não tinha sido escravizada, mas que ao mesmo
tempo não estava distante da escravidão e das restrições dos
direitos civis, ou seja, era um termo que marcava sua posição na
sociedade). Antes do fim da lei de mancha de sangue (1824) o
termo também era usado aos escravos de pele mais clara).

Desta forma, este indivíduo reconhecido como português não se


enxergaria parte daquele povo oprimido e escravizado, se
26
enxergaria como parte do poder opressor, pois os colonizadores
também precisavam de filhos para cuidarem de suas terras. Este
tipo de economia e poder durou no Brasil até a chegada da família
real em 1808, há mais de 200 anos portanto, assumindo o
protagonismo nas relações de poder, mas não substituindo esta
relação familiar como ferramenta de colonização. Ou seja, na
maior parte da história brasileira o poder se concentrou nas
famílias europeias, herdeiras de terras, escravos e poder desde a
colonização, e os reflexos desta forma de dominação são
presentes até hoje.

Síntese:

Contextualizada a necessidade de muitos filhos para trabalhar na


terra dentro desta forma de economia, a saber, plantar e colher
para se obter mais alimentos do que o necessário para sua família
e se pudesse se vender a sobra, num contexto onde filhos
representam poder, pelo aumento de mãos para plantar na
terra, já que quanto mais produção mais alimentos sobram para
serem negociados. Portanto, o sistema de agricultura familiar
ainda segue o mesmo modelo de organização, onde há o
patriarca e sua família voltados para a produção do campo e
tendo como comportamento típico a herança desta
colonização e toda a relação e ideia de família existente.
A política de uma família que planta para sobreviver não se
realiza no congresso, está na sua relação cotidiana de uns com os
27
outros. A realidade vivida por estas pessoas não é a realidade das
grandes cidades, muito menos dos poderosos empresários. Um
povo que até hoje no Brasil vive sem ensino básico, sem
acompanhamento pelo governo e sem perspectiva de uma outra
realidade. Neste contexto, cabe perguntar: o que é falar de política
para estas pessoas? E, quem diz a elas o que é a família e como
cuidar dela?

Favelização

Contexto:
Apenas em 1888 ocorreu o “fim da escravidão”, com a Lei Áurea,
assinada pela princesa Isabel. Ou seja, há apenas pouco mais 130
anos que os negros são livres no Brasil, isso enquanto a
escravatura durou mais de três séculos e meio. Milhões de
pessoas sofreram por séculos os piores horrores, pessoas vendidas
como objetos para atender os desejos de seus senhores, milhares
de pessoas alforriadas sem qualquer auxílio, sem terras, sem
emprego, sem fonte de renda, milhares de pessoas abandonadas.
Depois da abolição os recém libertos se aglomeraram no centro
do Rio em cortiços, vivendo os males do fato de que juntamente
com a lei que os libertava, foram impostas outras leis que os

28
proibiam de agir segundo os costumes e cultura de seus povos
originários. Ou seja, além da dominação do corpo era
necessário dominar a mente, forjando um ódio coletivo
contra estas pessoas.
A partir daquele momento, todo negro era livre, até que fosse
preso, e as leis que o incriminavam iam desde posse de fumo da
angola (cannabis) até a lei de vadiagem. O próprio samba, tal
como a capoeira, eram passaporte certo para a cadeia. Apesar de
inúmeras lutas e revoltas que antecederam a libertação, não foi
por elas, mas pela chegada do novo modelo econômico,
capitalista, que a lei áurea acabou assinada. Essencialmente a
libertação se deu, entre outros fatores, porque esse novo modelo
econômico não demandava mão de obra escrava para existir. O
novo modelo econômico fez com que os senhores de escravos
perdessem significativamente poder político, e a liberdade já era
um direito de todos os brasileiros desde a constituição de 1824.
Acresce que o Brasil se mantinha como último baluarte da
escravidão, o que acumulava um preço diplomático bastante alto.

29
A assinatura da lei não determinou o fim efetivo da escravidão
pelo fato de que a própria Constituição garantia o direito à
propriedade e ao domínio privado dos meios de produção. E
mais, aos escravizados era negada a cidadania brasileira, mesmo
aos que haviam nascido aqui como escravos, mas que já tinham
sido libertos. Somente os filhos deste liberto eram considerados
“ingênuos” (ingênuos eram pessoas que, independentemente da
cor, não havido nascido escravizadas). Apenas a elas era dado o
direito, por exemplo, de se candidatar nas eleições. Mas isso só se
possuíssem a riqueza mínima exigida a qualquer cidadão para fins
de candidatura.

30
A sociedade nesta época era dividida entre três categorias:
Os nobres: que tinham direitos e privilégios.
Os livres em geral: que só tinham direitos.
E os escravos: que não tinham nem privilégios nem direitos.

Será que hoje podemos dizer que isso mudou? ou o gozo pleno da
vida e o privilégio da liberdade efetiva fica restrito aos 1% de
eleitos?

Dinheiro é a palavra-chave no capitalismo. Logo, ele precisa de


um mercado consumidor. Ou seja, no capitalismo você trabalha
para produzir e vive para consumir. Assim, enquanto você
recebe apenas o suficiente para sobreviver, você sempre precisará
trabalhar mais para conseguir mais e precisa de mais para viver
melhor. E é todo esse dinheiro que garante os seus direitos e
desejos assim como sua “dignidade humana”, que gira e se
acumula nas mãos de famílias que se tornam cada vez mais
poderosas e donas de mais terras, donas de bancos, das mídias,
além claro da indústria e do comércio.

Em 1906 Pereira Passos iniciou o projeto de urbanização no


centro do Rio de Janeiro. Com um discurso de “Modernização”,
ele removeu todas estas famílias pobres da região para a
construção de avenidas mais largas, obras arquitetônicas de
design europeu, como a do Teatro Municipal, e trouxe à
arquitetura pátria, e para o centro do Rio de Janeiro, algo daquilo
31
que costuma ser descrito como cultura civilizada europeia.
Enquanto isso, as famílias pobres eram jogadas cada vez mais
para longe dos olhos burgueses. Trabalhadores que foram os
primeiros habitantes de favelas como Morro da Providência e
Santo Antônio, entre outras, viram uma política brasileira surgir
com o interesse claro de esconder a desigualdade carioca,
favorecendo assim o turismo e gerando “Condições favoráveis ao
mercado” por aqui.
Podemos então enxergar toda beleza exuberante do Rio de
Janeiro no exterior como uma fachada. Bem atrás dela existe o
Rio de Janeiro de verdade, aquele em que você e eu
sobrevivemos.

Síntese:
Fica óbvio que vivemos em uma sociedade que não tem espaço
para nós. Nossas famílias se espremem no alto de morros e na
beira de encostas, na margem de rios e de mangues, e quando a
chuva vem leva tudo embora. A ajuda não vem porque já se
acostumaram a olhar para nós e nos chamarem de ladrões, por
construirmos casas com o que temos e o que podemos para não
morar ao léo ou nas ruas. Quantos hoje dormem no centro, ou
em estações do BRT? Não é à toa que o maior sonho de qualquer
trabalhador por aqui é a casa própria. Vivemos em uma cidade
que já odeia a favela e o favelado desde quando o termo era
senzala e escravo. Hoje somos trabalhadores, mas nossa
posição dentro da sociedade carioca pouco mudou e continuamos
32
sendo mortos todos os dias. O medo toma conta da mente de cada
morador e cada um sente com sua intensidade. Você sabe qual a
sensação de ter que se acostumar com a ideia de que a qualquer
instante você pode morrer? Ao mesmo tempo que o ódio
também nos toca junto com a revolta e a desilusão com
promessas de políticas vazias que pouco transformam esta
realidade, o máximo que chega é um asfalto meia boca em troca
de votos e depois nem existimos mais, ou até a próxima eleição.
O que é então falar de política para nós?

33
Nova realidade da favela:

• É aqui na favela que todos os pontos levantados acima se


cruzam. O ódio destinado ao negro, ao nordestino, e às famílias
trabalhadoras do campo que migraram para as cidades em busca
de oportunidade e que aqui encontraram uma nova dura
realidade. O negro que por aqui já vivia perseguição, racismo,
criminalização e um verdadeiro genocídio, agora vive ao lado do
branco pobre. Busco te trazer, caro leitor, ao choque entre essas
duas realidades, o choque entre estes dois mundos em um único
palco chamado favela.

34
Social:
Por volta de 1940 se dá o início do processo de industrialização
no Brasil. Com ele assistimos a um aumento vertiginoso da
migração no processo de êxodo rural. Este êxodo se dá pela
demanda de mão de obra da indústria que surge, mas também
pela ociosidade provocada no campo pela concentração de terras
nas mãos de um grupo seleto, gerando vertiginoso avanço do
agronegócio extensivo e automatizado pelo maquinário. Esse
processo de duplo viés fez com que milhares de nordestinos
viessem para as capitais do Sudeste, trazendo suas numerosas
famílias promovendo um aumento desenfreado e desassistido das
favelas cariocas. Cada dia mais gente chegava do interior. E, ao
chegar, passavam a viver o mesmo drama até então reservado às
famílias negras. Logo seriam ou expulsos, vítimas da
especulação imobiliária, exceto os que vivessem em Locais
inabitáveis, sem saneamento, expostos a doenças e a todos os
tipos de violência. Um dos maiores exemplos desse processo
atende pelo nome de favela da Rocinha, onde vivo. A grande
maioria das pessoas aqui são naturais da Paraíba, Sergipe,
Maranhão, Mato Grosso, Bahia, Pernambuco, Ceará... e apenas
alguns, em aclarada minoria, se originam do Sul do país. Ou seja,
em sua grande maioria os cariocas na favela são os filhos destas
famílias que migraram para cá e tiveram seus filhos aqui no Rio
de Janeiro. Exatamente como no meu próprio caso.
Muitos dos problemas sociais que temos até hoje nas grandes
cidades advêm deste período, do choque entre estas duas
realidades, a dos negros livres e a dos brancos pobres que vieram
para as favelas durante o êxodo rural. Em uma cidade que nunca

35
pensou em pessoas, pelo menos não nestas pessoas, a quem
sempre foram negados direitos, dignidade e cidadania.
Até 1824, ser cidadão era basicamente ser descendente de
europeus, e apenas com o fim da lei da mancha de sangue para
descendentes de africanos, estes foram aceitos como brasileiros.
Negros escravizados vindos de povos da África, mesmo sendo
alforriados não teriam direito à nacionalidade brasileira.
Portanto, estavam inaptos a se eleger, votar, ou ocupar cargos
públicos (inaptos a ter qualquer tipo de poder na sociedade).
Apenas mestiços descendentes destas famílias, a partir de 1824,
puderam ser aceitos como brasileiros, mesmo que só pudessem
exercer seus plenos direitos dependendo do seu poder
econômico. Ou seja, eram muito poucos logo no período em que
começava um embrião de uma classe média negra no Brasil,
houve uma grande imigração de diversos povos europeus para o
Brasil estimulados por uma política de eugenia que queria acabar
com os pretos no Brasil. Aos pretos libertos nada foi concedido,
nem terras, nem direitos, nem trabalho. Já os imigrantes
europeus ganhavam passagens e lhes eram ofertadas terras para
cultivar, com a posse definitiva. Na outra ponta, nas cidades, os
pretos recém libertos, sem o mínimo de estrutura, sem ter
recebido qualquer instrução ou capacitação, tinham que disputar
o mercado capitalista de trabalho com os brancos europeus. O
fato é que isso se mantém de forma quase inalterada nesses
últimos 132 anos. Disso fácil se depreende o porquê de a
população afrodescendentes exercer cargos inferiores, fora dos
espaços de poder, além de compor a expressiva maior parte da
massa carcerária.

36
37
Educação:

Como a nova favela, dentro de todo este contexto, se encaixa na


educação?

As favelas não fornecem mão de obra apenas para as fábricas,


também trabalhamos no comércio, na construção civil, na rede
de alimentos, nas vendas etc. Portanto, você não precisa formar
engenheiros nesta classe, precisa sim o máximo de “analfabetos
funcionais” possível. Você precisa saber matemática básica para
passar o troco correto, ler e escrever para assinar documentos,
anotar pedidos etc.
Segundo o censo do IBGE (acredito até que eles dão uma
suavizada nos dados), cerca de 56,8% da população em 1940 era
analfabeta, e apenas em 2000 este índice caiu para 12,1%. Mas
pensando bem, o que é deixar de ser analfabeto?
É Saber escrever o próprio nome?
Saber dar o troco certo e anotar pedidos?

Quando o IBGE calcula os dados eles levam em conta isso, e não


se é uma pessoa capaz de ler e interpretar um texto.
Na realidade as pessoas se assustam, mas quando eu digo que não
sabemos nem diferenciar sujeito do objeto não estou exagerando.
Eu mesmo ainda erro a pontuação básica e não conheço quase
nada das regras exigidas para a chamada variante culta da língua.

38
Mas mesmo assim estou tentando prova para uma faculdade
federal do Rio de Janeiro. Como muitos outros jovens por aqui
estou tentando.

este tópico sobre educação será aprofundado mais à frente.

Aqui eu luto por um amanhã melhor e como todos os jovens por


aqui também sinto a dor de ver cada vez mais o caminho se
fechando.

39
Político

A política econômica brasileira a partir de 1940 sempre esteve


voltada para as indústrias, para a produção, que no fim das contas
mantém a acumulação e as oligarquias (grupos ou famílias que
têm poder político e econômico e se utilizam disso para se
manter no poder. Enfim, aqueles que sempre saem
ganhando). Não houve governos realmente voltados às
necessidades destas milhões de famílias, sempre houve barreiras
para evitar a ascensão da classe mais pobre a qualquer tipo de
poder público, a qualquer tipo de instrução.
Desta forma, o poder até hoje é algo restrito a certos grupos. As
políticas públicas sempre olham para o país como números e
percentuais, não como pessoas e famílias, não com necessidades e
dignidade humana. É preciso, é forçoso repetir:
“... O país se torna atrativo por sua abundância em recursos
naturais e sua excessiva mão de obra barata de baixa qualificação.”

“O interesse da indústria globalizada está justamente na política


de cada país onde ela se instala e nas questões das relações de
trabalho e recursos naturais. Por que eu destruiria meus recursos
naturais se eu posso usar o de outros países e ainda vai ser mais
barato? O povo aceita toda a exploração porque, como se diz por
aqui, é melhor pingar do que secar.”
Reflitamos na injustiça que possibilita esse tipo de conclusão.
40
41
2. Esta é a nossa política.
(Compreender isto é se enxergar no mundo)

Introdução

Este capítulo é um dos mais importantes do livro. Mostrei até


aqui o contexto da sociedade e procurei identificar o papel das
favelas e das famílias trabalhadoras como mão de obra barata,
espero que muitos tenham se identificado. Neste capítulo,
pretendo focar apenas em como foi feito o jogo político ao
longo dos anos, como é feito e como será nos próximos anos.
Meu objetivo é procurar demonstrar como você é usado e afetado
e como nossos filhos o serão.

42
V de Vargas

Antes de tudo, é preciso entender como o Brasil era antes de


Getúlio Vargas. Até 1930, a política brasileira era comandada
pelas oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. Como
principais motores da economia brasileira, alternadamente, os
políticos de São Paulo e Minas escolhiam quem iria chegar ao
poder para beneficiar seus interesses. As oligarquias de São Paulo
produziam o café que era exportado e as de Minas Gerais eram
produtoras pecuaristas principalmente de leite (que deu fama
ao queijo minas).
Com a crise de 1929, o capitalismo global se transformou e no
Brasil o impacto se deu na queda abrupta da demanda
interacional pelo nosso café, afetando diretamente a
oligarquia de São Paulo, diminuindo seu poder neste período.
Mesmo assim, mesmo tendo o presidente de turno Washington
Luiz, São Paulo tenta emplacar outro paulista, Júlio Prestes, na
presidência do país, traindo o pacto que tinha com Minas de
alternar paulistas e mineiros na Presidência da República. Com
isto Minas acabou apoiando uma candidatura fora daquela
oligarquia, a candidatura da chapa Getúlio Vargas e João Pessoa,
respectivamente governadores (na época chamava-se presidente
do estado) do Rio Grande do Sul e de Paraíba.
O pleito foi realizado em 1929 e foi eleito Júlio Prestes, sob
acusações de fraude. Com o assassinato de João Pessoa na
Paraíba, houve um levante e Getúlio Vargas acabou depondo
Washington Luiz, antes da posse de Júlio Prestes, que nunca
43
chegou à presidência, apesar de ter sido formalmente eleito e
tentado a reeleição em outras oportunidades em que sequer
houve eleição.
Assim, Getúlio Vargas assumiu o poder através de um golpe
em 1930.
A chegada de Vargas ao poder pôs fim ao que se chama de
República Velha e Vargas se manteve no poder pelos próximos
15 anos, de 1930 a 1945, sem que ele fosse eleito, exceto em 1934,
quando foi eleito numa eleição indireta, apenas com os votos dos
constituintes de então. Para 1938 estava prevista uma eleição
direta, mas a decretação do Estado Novo, um autogolpe, impediu
que houvesse essa eleição e Getúlio se manteve no poder até o
final da Segunda Guerra Mundial. Mesmo assim elegeu seu
candidato em 1946 e em 1950 foi finalmente eleito, aí em eleição
direta, assumindo o poder até o dia de seu suicídio, em 24 de
agosto de 1954.
O foco principal deste capítulo é o como Vargas se manteve no
poder entre 1930 e 1945.
A tática política chamada de populismo (uma forma de fazer
política em que o mandatário se apresenta como única solução
para todos os problemas do país, uma característica da política
latino-americana) foi usada por ele da seguinte forma: as famílias
trabalhadoras sofriam sem qualquer proteção de leis que
garantissem o mínimo (pense no que nós já passamos hoje, tendo
alguns direitos, imagine sem nenhum). Muitos movimentos
lutavam para exigir estes direitos e Vargas simplesmente deu o
que o povo exigia. Desta forma nasce a CLT e as leis que
protegeram os trabalhadores até a última reforma trabalhista de
44
Temer, sendo que a maioria dessas leis nos protegem até hoje.
Vargas dessa forma ganhou o apoio do povo nos seus
consecutivos golpes, e no fim das contas, em troca de migalhas,
por se tratar de uma política conciliatória, quem mais ganhou
com seu governo foram as elites, em troca de alguns benefícios
para o povo trabalhador que vivia na miséria. Mesmo assim ele
ganhou apoio do próprio povo, se apropriando de suas
necessidades para poder defender os interesses das oligarquias
aliadas a Minas Gerais com a agropecuária, que até hoje é um
dos pilares da economia brasileira, assim como o café. No fim, a
situação do povo não mudou profundamente, e quem sempre
ganha, as elites ricas e cada vez mais poderosas, foram as grandes
privilegiadas.

45
Pós Vargas

Após o governo de Vargas, O presidente Dutra, eleito com o


apoio de Vargas, adotou uma postura desenvolvimentista,
baseada no crédito e aliada aos interesses dos Estados Unidos da
América. Tanto Vargas quanto Dutra investiram na criação de
estatais para o fortalecimento da indústria nacional e entre elas
foi criada a Petrobrás, a maior estatal brasileira, em 1953, já na
nova gestão de Vargas. Sua visão era de criar uma indústria
nacional forte, mas o pós-Vargas também abre o Brasil para a
indústria estrangeira, que se instala nas capitais do país. E esta é
uma grande causa do êxodo rural no Brasil iniciado nos anos
1940, pela grande necessidade de mão de obra barata que foi
criada.

Agora você pode pensar que as pessoas vieram porque estava


tendo mais emprego.
Sim, mas simplesmente falar em mais empregos soa como algo
super positivo, sendo que na realidade o êxodo só foi super
produtivo para o mercado. É uma conta básica, se tem mais gente
do que vaga de emprego o preço da mão de obra cai, ou seja, não
apenas emprego no sentido bom da palavra. Aliás, esse é um
dispositivo sempre à mão das elites, frear o consumo das classes
menos abastadas para que os produtos fiquem ainda mais
acessíveis às classes dominantes, enquanto os trabalhadores têm
de se submeter a trabalho mal remunerado, dada a escassez de
vagas.

46
As perguntas que sempre devem ser feitas são: que tipo de
emprego foi gerado? Qual era o salário oferecido ao trabalhador?
Era o suficiente para ele viver dignamente com sua família?
Recentemente, ao conversar com colegas recém chegados da
Paraíba, eles me falaram que a empresa terceirizada que os
contratou entrou em contato com eles para virem trabalhar no
Rio de Janeiro. Perguntei a eles se a empresa pagou a passagem
deles e a resposta foi não, eles juntaram dinheiro lá e pagaram
suas passagens com a promessa de emprego aqui. Os cargos que
eles ocupam hoje já foram ocupados por funcionários CLT da
minha empresa, e além dos benefícios serem bem reduzidos os
seus salários também são menores, proporcionais a seus direitos
se for comparar com os que ocupavam o mesmo cargo antes de
serem demitidos pela minha empresa e colocar esses terceirizados
no lugar.
Isso é um padrão, os terceirizados são em grande maioria
nordestinos recém-chegados, com pouco estudo e os favelados
cariocas.

Até hoje vejo muitos nordestinos, como meu próprio pai, entre
outros parentes, que ao chegar no RJ ficaram super felizes em
ganhar um salário mínimo, querem fazer festa, comer muito,
fazer churrasco e estão certos em comemorar porque lá eles não
conseguiam nem isso, mas isso faz pensar em outras questões.
Muitos vão afirmar sem nenhuma vergonha que fazem questão
de gastar com comida por que já passaram muita necessidade.

47
Pode ser muito para quem sempre viveu com pouco, mas não
leva muito tempo vivendo aqui para eles perceberem que aquele
salário não era tanto quanto parecia ser.
O que são, de verdade, os R$980,00 para quem vivia com
R$250,00 por mês?
Aqui na cidade os R$250 por mês não te garantem nem um teto
para morar. Na renda o que realmente conta é o Poder de
compra, que leva em conta não o valor nominal que você recebe,
mas o valor real que fica disponível para sobrevivência. Nesse
sentido, R$ 250,00 por mês morando no barraco próprio e tendo
como cultivar parte dos alimentos que se vai consumir, podem
gerar uma qualidade superior aos R$ 980,00 em que tudo tem de
ser pago, restando, muitas vezes, menos que esses R$ 250,00.
Os nordestinos são um povo muito trabalhador, eles saíram de
sua terra natal para viver nas cidades na busca por um futuro
melhor, e esta seria a versão brasileira do famoso sonho
americano. Esta mão de obra barata e cheia de vontade é a
fórmula perfeita para o mercado, enquanto a lógica da mão de
obra é trabalhar sempre mais a busca de algo melhor, a
lógica do mercado é sempre o lucro máximo e o custo
mínimo. Custo e Lucro são duas palavras que movem o corpo
e a mente do capitalista.
Ao trabalhador resta o: “melhor pingar do que secar.”
E aos patrões o: “se não quiser tem quem queira, e ainda
cobra mais barato”.

48
J de Jango

Com o suicídio de Getúlio Vargas em 1954 o país entrou em crise


política, numa sucessão de tentativas veladas de golpe, que
chegou ao ponto de ser decretado o Estado de Sítio para garantir
eleições democráticas. As eleições vieram e Juscelino Kubitscheck
venceu. Foi nosso presidente Bossa-nova, que abriu muita
estrada, estimulou o desenvolvimento, construiu Brasília... e
endividou o Brasil como nunca. Vieram as novas eleições, e quem
venceu foi o Udenista (a UDN é uma espécie de precursor do atua
DEM) Jânio quadros, mas a eleição do vice era separada, e não
em forma de chapa, como hoje, e o vencedor foi João Goulart,
que pertencia ao PTB (mais próximo do que é hoje o PDT) e,
portanto, oposição ao presidente Jânio Quadros. Goulart era um
trabalhista que havia sido Ministro do trabalho de Getúlio e vice-
presidente de Kubistchek.
Jânio se elegeu sob a égide da vassourinha, prometendo varrer da
república o que ela tinha de ruim. Mas fez um governo errático e
perdeu rapidamente apoio político. Para se fortalecer planejou
um golpe. O golpe envolvia que ele mandasse uma carta de
renúncia, mas já combinado que não seria aceita pelo parlamento.
E o fez no dia 24 de agosto, Dia do Soldado, como homenagem
aos militares que iriam apoiar esse golpe tupiniquim. Mas não
sem antes enviar seu vice para a China, para que ficasse longe das
tentações naturais que a situação proporcionaria... Jânio foi
traído, e sua carta de renúncia foi aceita. Em pouco mais de sete
meses depois da posse estava fora do poder.

49
A instabilidade política foi ao nível máximo, com o impedimento
que o vice voltasse para assumir o cargo. Depois de muito embate
e lances heroicos, com a participação fenomenal de Leonel
Brizola, finalmente Goulart assumiu a presidência, mas sob novo
golpe, o golpe parlamentarista, que mantinha Tancredo Neves
(mais tarde substituído) como primeiro-ministro. Depois de um
ano foi realizado um plebiscito, e o povo escolheu o
presidencialismo como forma de governo, podendo assim,
finalmente, João Goulart assumir a presidência de fato e de
direito, mas para o temos geral da elite brasileira.
Suas ideias eram muito progressistas para uma sociedade muito
conservadora. Eram ideias que atendiam aos anseios da
população mais pobre, tanto a que viva no campo quanto a que
vivia na cidade. Entre as propostas de João Goulart estavam as
reformas de base, como a reforma agrária (ou seja, a
redistribuição de terras para o povo) e limitação dos lucros dos
bancos e das indústrias estrangeiras. Jango ainda visava um
capitalismo, mas buscando uma socialdemocracia, que
reduzisse as desigualdades, criando um modelo de governo
que não fosse dependente dos Estados Unidos. E isso em
plena Guerra Fria. Depois dos eventos de Cuba em 1959, que
instalaram o comunista Fidel Castro no poder, os Estados Unidos
temiam uma "ameaça comunista" na América Latina, e
enxergaram isso como um problema para seus interesses.
Assim, instalaram o que hoje conhecemos como think tank no
Rio de Janeiro e passaram a agir junto às instituições brasileiras
em favor dos interesses americanos do governo de John Kenedy
50
e, depois do assassinato deste, do governo de Jhonson. Houve o
escândalo das candidaturas apoiadas com dinheiro americano
dessa agência no Rio, e com a câmara eleita por eles o essencial
para dar o golpe estava dado, tanto aqui quanto no império do
norte. Facilitou o trabalho dos golpistas o medo do comunismo
que já havia sido insuflado nos brasileiros e alguns percalços do
governo Goulart, como a inflação, que estava em cerca de 92% ao
ano no fim do governo de João Goulart.
Os militares, que desde a fundação da República sempre
estiveram no poder, direta ou indiretamente acabaram dando o
golpe no presidente João Goulart, que acabou tendo de fugir do
Brasil ou então encarar uma guerra civil com êxito muito
improvável. Acabou sendo assassinado no exterior, por meio de
uma ação multinacional que era mantida em todos os países sul-
americanos que tinham militares no poder e os Estados Unidos
da América.
Inclusive seu antecessor de viés moderadamente progressista,
Juscelino Kubistchek também acabou sendo eliminado pela
ditadura, como ficou comprovado recentemente.
A verdade é que sob o discurso de caça aos comunistas e a
melhoria da economia, a ditadura militar acabou sendo bem
recebida pelos setores conservadores brasileiros.

51
D de Ditadura

A ditadura militar se apresentou como uma resposta ao caos


social crescente tanto pelas políticas econômicas quanto pelo
rápido crescimento das cidades.
A realidade é que o contexto daquela época era o da Guerra Fria,
e não só no Brasil, mas em outros países da América Latina
também foram empossados governos ditatoriais por meio de
golpes de Estado. Hoje farta documentação comprova que os
Estados Unidos financiaram e inclusive atuaram nas ditaduras da
América Latina.

As políticas de redução das desigualdades do Presidente João


Goulart eram vistas como ameaça pelos Estados Unidos. Por isso
eles bancaram o golpe militar que no lugar de Goulart entronou
um regime autoritário e violento que cortou o poder real do
salário-mínimo em 50%.
Pense o que aconteceria se seu salário de repente fosse suficiente
apenas para pagar metade das coisas que você está acostumado a
pagar todos os meses. Além disso o governo ditatorial
privatizou gradativamente a saúde, e iniciou a privatização
e o sucateamento das escolas públicas, com medidas que
aumentavam o número de alunos das classes mais pobres
dentro das escolas. Isso à medida que não aumentava os
investimentos, e as escolas públicas que antes abrigavam os
52
filhos da classe média agora perdiam a obrigatoriedade de
receber 12% do PIB (soma das riquezas produzidas no país
durante o ano) como investimento, medida esta que havia sido
aprovada por João Goulart.
Desta forma, o regime militar não tinha qualquer obrigação de
pagar estes valores à educação pública (*pesquise sobre DRU).
As escolas superlotadas, sem investimento, infra estrutura,
perseguindo e prendendo professores. Os alunos da classe média
foram migrando para a rede privada e, sem o peso político das
classes médias para exigir melhorias, as escolas públicas se
tornaram o lugar pobre dos mais pobres.

53
A ideia do governo militar era reafirmar o lema do positivismo
“ordem e progresso”, mas agora no sentido de, “ordem” no
controle armado da população, e o “progresso” para os mais
poderosos. Tudo sob o lema do “precisamos primeiro fazer o bolo
crescer para depois dividi-lo”. O bolo cresceu como nunca antes
na história do Brasil, mas deste bolo o povo nunca comeu, assim
como nunca comerá caso o PIB cresça assim de novo, porque
crescimento do PIB por si só não representa melhoria na vida da
população, e às vezes até o contrário acontece.

54
ORDEM:
Todos já estão cansados de ouvir várias histórias sobre
espancamentos, torturas e perseguições, mas importa focar aqui
no aspecto da aplicação desta ordem. Vemos as vontades dos
poderosos e as mudanças políticas afetarem as classes brasileiras,
principalmente as mais pobres. Podemos simplificar os interesses
em dois tipos de política. Existem as políticas voltadas para a
melhora das condições de vida do povo, que até hoje
raramente foram utilizadas no Brasil, chamadas de políticas
sociais ou socialistas e políticas voltadas ao mercado, que visam
estimular as empresas, seja através do estímulo à instalação de
empresas estrangeiras, por meio de isenções milionárias, seja
por meio da facilitação da sonegação, que fez surgir um caso
como o da Cervejaria Petrópolis (Itaipava) que juntou um
débito absolutamente impagável. Um imposto que, ao sair da
planilha de custos já se tornou lucro, um tipo de lucro que
invariavelmente vai parar em paraísos fiscais, gerando famílias
ricas por muitas gerações, mas a custa da pobreza de milhares de
outras famílias.
De forma nenhuma a intervenção militar veio como salvadora
da pátria ou para trazer quaisquer melhorias nas vidas dos mais
pobres.

55
macroeconômicos.
Fonte: IPEA. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>.

(Peço atenção a esse gráfico que mostra como é dividida a riqueza


do país). Na prática uma inversão simétrica: 10% tem metade da
riqueza, enquanto metade do povo tem de viver com 10% da
riqueza. Ou dito de outra forma, os 10% mais ricos da sociedade
brasileira se apropriaram todos os anos de cerca de 50% das
riquezas geradas a cada ano. Enquanto os outros 90% viviam com
as migalhas.

56
Caso você não tenha entendido claramente, vou explicar. Mais
precisamente no ano de 1984 (36 anos atrás) em que os 10% se
apropriaram de 47,60 % do PIB REAL QUE FOI DE
1.733.387.688.100,00 (um trilhão, setecentos e trinta e três bilhões,
trezentos e oitenta e sete milhões, seiscentos e oitenta e oito mil e
cem cruzeiros), vamos repartir como na tabela para que você
entenda.
Lembrando que a riqueza não se produz sozinha, é a classe
trabalhadora, e só ela quem a produz. Senão vejamos, existe ouro
no subsolo, é uma riqueza, não! Passará a representar uma
riqueza depois que algum trabalhador escavar e peneirar a terra
para o separar.
Um tronco de madeira de lei é uma riqueza? Não, pelo menos
não antes de ser manufaturado e transformado em tábuas e
sarrafos. É fundamental entender isso: só e só o trabalho gera
riqueza.
57
A partir desse entendimento é que podemos ter noção da
injustiça na tributação brasileira. Porque, como ficará
demonstrado, é só quem gera riqueza que paga imposto, quem
fica com a riqueza produzida sem nada fazer... não paga nada ou
quase nada.
Vejamos, uma indústria paga imposto? Não, repassa para o
produto que produz. Com uma prestadora de serviços ou um
empreendimento comercial, a mesma coisa. E com o banco?
Tanto mais, veja que se você fizer um empréstimo o IOF vem
destacado e é você quem paga.
As empresas efetivamente repassam grandes volumes de
impostos ao governo, mas não de impostos que elas estão
pagando, mas de impostos pagos por seus clientes, e do qual elas
foram fiéis (e nem sempre tão fiéis) depositárias.
Já o trabalhador tem o imposto já descontado em folha, porque o
sistema não confia nele, acha que se deixar pra ele pagar depois
ele não vai pagar.
Como no Brasil toda a carga tributária está calcada no consumo,
o trabalhador da base, o favelado, gasta 100% do que ganha,
portanto paga 35% de impostos (no mínimo) sobre 100% de sua
renda. Além do imposto de renda, caso sua renda não seja de
fome.
Já o rico, que gasta 5% do que ganha, por exemplo, paga 35%
sobre 5%. Ou seja, enquanto o trabalhador da base paga no
mínimo 35%, esse rico paga 1,75%. E, talvez, mais 0,25% sobre o
restante, que será investido em banco, por exemplo. Um
tremendo absurdo. Mas se esse rico tiver uma empresa, na hora

58
que ele tirar o lucro tem de pagar imposto, não? Não no Brasil. Só
no Brasil e na Estônia a retirada de dividendos é livre de imposto
de renda. Um presente do FHC para os brasileiros.
FHC retirou o imposto sobre dividendos alegando que a empresa
já pagou sobre os lucros, no CNPJ dela, e cobrar no CPF do dono
seria bitributação. BALELA!
Temos dez razões para mostrar que é balela. Primeiro que, como
vimos, a CNPJ não pagou nada, apenas repassou o que recebeu.
As demais razões estão prejudicadas, desnecessárias.
Tanto que no demais do mundo essa alíquota é cobrada,
oscilando entre 30 e 60 por cento...

Voltando ao nosso ponto:


O motivo da ditadura foi político e econômico, por medo de
um governo socialista na América Latina em plena Guerra Fria,
que seria de João Goulart. Ele buscava diminuir as desigualdades
mantendo um sistema capitalista onde as pessoas vivessem com
mais dignidade, e isso ia contra o interesse destes poderosos.
Durante a ditadura, para esta classe da sociedade a palavra era
ordem. Uma prova disso é que os números dos furtos, que são
indicadores ligados à distribuição de renda, haviam explodido. E
aí se criou a visão de um defensor que precisava colocar ordem na
casa, ou seja, repressão truculenta. A ditadura veio como uma
política para “remediar o caos” que outras políticas como a dela
mesma criaram, políticas que visavam fazer um Brasil grande e
poderoso através do investimento no mercado.

59
Quando falam de Brasil grande e poderoso, eles não estão falando
de você, que ganha um salário-mínimo e mora na favela. Eles
estão falando dos empresários, estes são os Brasileiros que eles
querem fazer grande. Exceto se começarem a disputar o mercado
internacional, aí toca em interesses geopolíticos que são os
maiores fatores de golpe, como o golpe de 2016 no Brasil.
Para o império importa que sejamos muitos, trabalhemos muito,
mas ganhemos pouco, para consumir pouco, porque assim o
produto de nosso trabalho, a riqueza produzida por ele, será
ofertada no mercado internacional, e o que plantamos comem os
ricos do norte. E quanto mais estivermos produzindo e menos
consumindo, mais oferecemos, portanto, baixando mais o preço
pela lei natural de oferta e procura.
Tornar a mão de obra minimamente qualificada e pagar um
salário minimamente digno quebra esse ciclo, porque aí vamos
produzir e consumir aqui mesmo, como acontecia basicamente
entre 2005 e 2015 no Brasil, e que injuriou a elite local e os
interesses geopolítico da metrópole do norte.
O que significa um “BRASIL SER GRANDE E FORTE”
Nada importa um Brasil grande e forte se você mal consegue
sustentar sua família.
Teria algum sentido um diálogo assim?
" – Amor, você tem o dinheiro pra pagar o aluguel deste mês?”
- Calma mulher, não precisamos pagar. O Brasil está grande e
forte!"

60
Algo assim aconteceu na ditadura. Tivemos PIB de até 14% ao
ano, durante o milagre econômico, o bolo realmente cresceu
nessa época, mas o povo nunca comeu.
O fato é que durante a ditadura fomos largados, roubados, usados
e empobrecidos sem qualquer atenção ou dignidade, sem
perspectiva de futuro além do que comer amanhã. Muita gente
passou a roubar, e muita gente terá de roubar enquanto poucos
tiverem tudo e muitos não tiverem nada.

61
Tanto os bons resultados que o país teve ao longo de sua história
são frutos da política, quanto os piores resultados que o país
também teve e terá. E neste ponto falamos também das pessoas.
Se as pessoas estão morrendo mais, se a mortalidade infantil é
maior, se o encarceramento é maior. Será que é só por que as
pessoas querem ser ruins ou por que as condições de vida delas
também estão sendo desumanizadas? Quem é educado e delicado
como uma flor dentro de um BRT lotado?
Se todos fossem confortavelmente sentados durante a viagem, se
ninguém precisasse se empilhar, em pé, não tenderíamos todos a
sermos mais afáveis? Se os ônibus te dessem dignidade, você acha
que o seu transporte para o trabalho seria tão cansativo,
estressante, perigoso e esculachado como é?

62
Você conseguiria olhar para o cliente chato que te atormenta no
trabalho com mais calma se duas horas antes você não estivesse
em pé, esmagada/o em um ônibus lotado, fechado e sem
circulação de ar?
E se os seguranças do BRT começassem a bater com porretes nos
passageiros toda vez que o BRT ficasse lotado? Não faz sentido? É
o que produzem as políticas de repressão...
Jango (João Goulart) visava melhorias nas condições de vida das
pessoas, e levou o Golpe da Ditadura por isso.
O encarceramento aumentou exponencialmente de 1969 para
1988. Os presídios superlotados foram palco para o nascimento
das primeiras facções, como o Comando Vermelho no Rio de
Janeiro. A facção nasceu no presídio de Ilha Grande, durante a
ditadura militar, e o lema da facção é “Paz, justiça e liberdade”.
Essa facção foi responsável pelos maiores assaltos a bancos da
época e usava o dinheiro para contratar advogados, reivindicar
melhorias nos presídios através da caixinha e financiar fugas. Era
mais do que uma organização, era uma ideologia, uma forma de
sobrevivência em condições extremas, em um vácuo onde não
existe a presença do estado (além do momento em que a polícia
sobre o morro) justamente nas favelas, por isso se espalhou
rapidamente por todo o Brasil.
Isso nos leva a pensar que a ditadura se apresentou como
salvadora de uma sociedade violenta e com uma economia
quebrada. Os índices ao fim do regime eram muito piores que os
do começo e a facção nasceu justamente neste período, no qual a
ordem era reprimir violentamente a classe mais pobre, e ainda

63
assim as pessoas acham que para solucionar o problema das
facções precisamos de mais uma ditadura, de mais violência e
repressão. Não conseguem entender que ao ponto em que o
governo militar dificultou mais do que antes a vida das classes
mais pobres, crimes como furto cresceram assustadoramente, e
que o grande crescimento da facção está como um filho
ligado à mãe pelo cordão umbilical, onde a grande adesão
ao crime é justamente alimentada pela grande desigualdade
e a violência é potencializada pela repressão.
Veja-se o exemplo dos antológicos saques no Nordeste, sempre
que a seca apertava. Bastou fazer-se uma política de distribuição
de renda, mesmo a mais básica, e os saques desapareceram. Existe
o crime do psicopata, do desiquilibrado, mas os pequenos delitos
mais acontecem pela necessidade.
O sentimento é ódio.

O crime se torna mais do que uma opção para os maus


elementos, sem caráter, vagabundos. O tráfico se transforma em
um emprego, em uma fonte de renda, e por isso se espalha com
força onde as classes mais pobres estão presentes, sem qualquer
acompanhamento do estado. Se não há empregos, moradia,
dignidade, família, oportunidades, esperança, saneamento,
perspectiva, escolarização, onde só há fome e miséria, é
justamente lá onde a facção estará presente, como um efeito
colateral de toda repressão e desigualdade.

64
Progresso:
Os governos militares adotaram uma postura
desenvolvimentista, criaram mais de 250 estatais, concederam
inúmeras isenções para empresas, fizeram mudanças nas taxações
e políticas monetárias criando o ambiente favorável às
multinacionais.
Em 1964, o 1% mais rico tinha 17% de toda a renda do país, já em
1985, fim da ditadura, os mesmos 1% tinham quase 30%.
Por estarem alinhados com as políticas econômicas dos Estados
Unidos, conseguiram crédito internacional e assim puderam
bancar as grandes obras, como a ponte Rio-Niterói, a usina de
Itaipu, a Transamazônica etc.
Foi um período em que a dívida externa cresceu muito rápido,
mas foi com a crise do petróleo que tudo começou a desandar,
pois o preço do barril subiu 4 vezes, e o crédito internacional
ficou escasso. O Brasil já devia muito e os juros aumentaram, com
isso o PIB que era de 14% em 1973, caiu para 9% em 1974 e 5,2%
em 1975. Os militares decidiram continuar com o Progresso e
65
fizeram mais dívidas com os juros lá no teto, mas em 1979 com
outra crise do petróleo, a inflação explodiu e em 1985 já batia
223%.
Lembre do Jango, que levou o Golpe com 92% de inflação e em
resposta ao caos que a ditadura veio para livrar a todos? Em 1964,
com o início da ditadura, foram presas 40 mil pessoas. E em 1985,
no fim da ditadura, foram presas 253 mil pessoas.)
A dívida externa cresceu 30 vezes, passou de 3,4 bilhões para
mais de 100 bilhões de DÓLARES.

D de Democracia
Após este período da ditadura militar, o Brasil entra na
democracia em 1985, ainda que por meio de uma eleição indireta.
E a recém nascida democracia já nasceu com uma dívida externa
enorme de 100 bilhões com juros altíssimos, uma inflação de
230% (150% a mais que antes da ditadura). Durante a década de
1980, chamada de década perdida, o país cresceu muito pouco
pois tinha que lidar com o pesadelo da inflação descontrolada
que, 4 anos após o fim do regime militar, já batia 1.900%. Nesse
contexto, o Brasil troca de moeda diversas vezes, a população
mais pobre mergulha na miséria e como sempre sem que o
governo olhe para esta grande parcela da população.
A estabilização da economia só veio após o Plano Real, em 1994,
implantado no governo Itamar Franco, e continuou no governo
Fernando Henrique Cardoso (FHC). O governo de FHC mais
uma vez foca na política de incentivo à indústria estrangeira
66
com incentivos fiscais adotando políticas neoliberais
(políticas de estado mínimo, privatizações, diminuição do
investimento público, abertura a empresas estrangeiras e
mais uma vez alinhada com os interesses norte-
americanos), com privatizações em massa de grandes estatais
vendidas por preços muito abaixo do mercado. Em síntese, o bolo
cresceu a indústria estrangeira/interna juntamente aos poderosos
e o capital estrangeiro comeu, e ao longo de todas estas décadas o
povo passou fome. Se fala sempre em desenvolvimento, em
progresso e avanço, mas nunca este avanço e progresso se refletiu
na vida das pessoas que pertenciam à classe C ou mais baixas, o
salário-mínimo cortado pela metade levou mais de 30 anos
para se elevar ao mesmo patamar de antes da ditadura (que
já era ruim) e as perguntas que restam são:
Ordem para quem?
Progresso para quantos?
Para os 1%?

P de PT

A política do PT, desde que assumiu o poder em 2003, foi


fundada no estado como investidor, ou seja, responsável por
gerar riquezas e trabalho. Da mesma forma que Vargas se
apropriou das lutas populares, só que desta vez não só ligadas a
CLT, mas também, lutas por moradia, saúde, educação e
incentivo ao empreendedorismo na classe popular. Vamos
lá, porque esta é a principal parte para entender todo o capítulo.
67
O governo do PT como investidor trabalhou da seguinte forma:
pegou as demandas populares e fez o caminho do setor público
para o privado, ou seja, o governo ao mesmo tempo que atendia
as necessidades da população também garantia o acúmulo de
riquezas das elites brasileiras (aquelas mesmas que sempre
saem ganhando). Durante o governo do PT nascem
bilionários brasileiros, o primeiro deles é conhecido pelo
império da cana de açúcar e etanol. Em 2010 completou seu
primeiro bilhão e em dez anos (2020) já possui patrimônio
de 42 bilhões.
Lula enriqueceu os mais ricos (entendo que se não fizesse isso
não teria nem completado seu primeiro mandato) da mesma
forma que pela primeira vez na história as classes mais baixas
tiveram aumento real do poder de compra. No início do governo
do PT o salário-mínimo era de R$ 200,00 herança daquela
ditadura, lembra do que disse acima, que o salário-mínimo levou
30 anos para chegar ao mesmo patamar? Pois bem, ao fim era de
R$ 880,00. Dentro da economia quando os pobres estão
consumindo a economia gira e o mercado cresce, gerando riqueza
para todos. Já quando o pobre para de consumir, é sinal que a
economia vai mal. Me diz você, como anda seu poder de compra?
Tudo anda muito caro?
Voltando ao modo de governo vou te explicar como este governo
de “conciliação entre as classes” funcionava, ou seja, deixava o
rico mais rico e pobre com poder de compra, ainda sim
garantindo um acúmulo de dinheiro nas mãos da elite brasileira.
Como isso foi possível?

68
Vou explicar como foi possível citando exemplos de como se faz
isto que chamo de “caminho da demanda pública para o privado”.
Para atender as demandas por moradia, o PT criou o PAC, que
funcionava desta forma: empreiteiras privadas participavam de
uma licitação e a ganhadora fazia um contrato com o governo
para as obras públicas. Isto não valeu só para o PAC, mas para
todos os projetos. Desta forma, o dinheiro público ia para estas
empresas que contratavam os trabalhadores e entregavam o
projeto. A demanda pública sendo levada até o setor privado.
Com a demanda por saúde o PT investiu no SUS, uma porta
universal da saúde. Ou seja, você pode ser homem, mulher, rico
ou pobre, todos têm direito a usar o SUS. O caminho do público
para o privado vem com os leitos do SISREG, já que o SUS é um
sistema complexo, gigantesco e magnífico que não possui leitos,
sendo assim o encaminhamento é feito a hospitais privados e os
leitos custeado pelo SUS, ou seja, pelo governo, outra vez do
setor público para o privado.
Com a luta pela educação, o PT investe no FIES. Desta forma o
estudante de baixa renda recebe um financiamento do governo
para entrar nas faculdades privadas e ao fim do curso paga as
parcelas com condições especiais. Neste caso, o setor público se
mistura com o privado da seguinte forma, o aluno de baixa renda
precisa tirar uma nota mínima no Enem, nota que é baixa
justamente para aumentar o acesso de alunos de escola pública
com baixa renda. Aí inicia-se uma explosão do número de jovens
entrando em faculdades privadas, alavancando ainda mais o
setor privado, sendo que em média o estudante do FIES paga

69
20% mais caro pela faculdade que o aluno normal. Outra vez do
público ao privado.
Por último, leis trabalhistas brasileiras, onde o PT fortaleceu a
CLT e os sindicatos, melhorando condições de trabalho e
aumentando salários. Fez com que a classe mais popular, ou seja,
a dos trabalhadores, que em toda história do Brasil sempre saiu
perdendo, pudesse ter poder de compra, o que fez a economia
girar. O trabalhador consumindo gerava riqueza tanto para o
governo (imposto no consumo) e para o setor privado em todas
as esferas.
Esta conquista não seria possível sem o fortalecimento dos
sindicatos e não pense que esta conquista foi pequena, apesar dos
nossos salários não serem lá grande coisa passou de R$ 200,00 no
ano de 2002 para R$ 880,00 em Janeiro de 2016.
Isto mudou a realidade da geração da minha mãe e do meu pai
também, e consequentemente mudou todo o futuro de nossa
família.
Mas aí você dizer o PT é corrupto, #Lula preso.
Beleza, se você souber me responder algumas perguntas

De quais formas acontecem as corrupções na política?


Quem corrompe?
Quem é corrompido?
Por que há corrupção?
Desde quando?
70
Se não souber, tem um capítulo mais à frente explicando como
acontece essa corrupção para que você pare de uma vez por todas
de ficar igual um papagaio repetindo as mesmas palavras e
comece a entender o mecanismo por trás dessa palavra e como é
usado aqui no Brasil.
Se você prestar atenção neste capítulo talvez mude algumas
ideias.
Ou será que você acha que o PT inventou a corrupção?

71
CORRUPÇÃO

Os debates que eu me envolvo observo um padrão. Após


apresentar minha visão, com base em fatos comprovados por
especialistas, com matérias de grandes jornais ou até mesmo
fontes e documentos oficiais do governo, sempre há um
descrédito por parte do outro ou até mesmo o uso de frases e
crenças do senso comum para argumentar, como “política e
religião não se discute”, por exemplo. Vale lembrar que senso
comum e bom senso são coisas diferentes. No geral, após esgotar
as possibilidades do diálogo todos fazem a mesma coisa e isso sem
exceção, usam a famosa frase que você já deve ter ouvido nas
mais diversas variações: “mas e o PT? E o Lula? Aqueles
corruptos que destruíram o Brasil, desgraçaram a sociedade, é
tudo culpa daquela quadrilha. Tudo culpa da CORRUPÇÃO”. E
aí vem a palavra-chave deste capítulo.

Neste capítulo busco analisar o senso comum da população sobre


o tema corrupção e também alguns fatos sobre o tema,
apresentando informações que possam enriquecer seu
pensamento sobre o assunto.

72
Em primeiro lugar, o que seria a corrupção na política

1°: A conhecida do senso comum.


Todas essas pessoas que falam de corrupção nos debates em que
participo geralmente não compreendem muito bem o tema. A
corrupção que elas tratam como sendo a única e a causa de toda a
desgraça brasileira é a seguinte. Nela, o político pegando o
dinheiro público arrecadado através de impostos e literalmente
colocando nos seus bolsos. Esta seria a simples afirmativa de dizer
que o político roubou o dinheiro público. Ou seja, uma
formulação simples que passa literalmente esta ideia e te
conforma a acreditar que é exatamente assim que toda a
corrupção acontece. Esta afirmativa é a entrada para a explicação
de algumas outras formas de corrupção.

2°: Existe a corrupção que para efeito didático vou chamar de


superfaturamento

corrupção burocrática.
Está acontecendo da seguinte forma. Imagine que Guilherme
mora no Morro da Cascata (nome fictício) e não possui
saneamento básico na sua comunidade. Durante a campanha para
as eleições, um candidato a deputado visita sua comunidade e
promete saneamento básico, a comunidade da Cascata o elege e
este, o que já era de se esperar, não cumpre com sua palavra.
Guilherme sente muita vontade de ajudar sua comunidade, mas
73
sabe que apenas organizada em coletividade ela vai ter voz e peso
político para exigir o básico. Após muito esforço, Guilherme
junta 600 moradores e todos juntos vão até a câmara de
deputados e batem no escritório do parlamentar que para se
"redimir" recebe todos. Eles apresentam o projeto do que eles
pedem e o deputado pede um prazo para apresentar o
ORÇAMENTO (VALOR DA OBRA). Guilherme, junto com seu
coletivo retorna e aguarda a resposta. Logo o deputado entra em
contato e chama os representantes até seu gabinete e lá eu faz seu
discurso de amigo do povo, tira fotos, sorri, faz até oração e diz a
Guilherme que lançou o projeto de saneamento do Morro da
Cascata e que ao total a arrecadação para fazer a obra será de 1
milhão.
Esta seria a "corrupção burocrática". Na verdade o
projeto custaria 500 mil, mas o parlamentar superfatura o
orçamento sabendo que a arrecadação não chegará a um milhão.
Pouco tempo depois ele chama novamente o coletivo de
Guilherme e explica que a arrecadação que foi feita chegou
apenas aos 700 mil e que por isso não possui o orçamento
necessário para a obra. Ele se coloca como prestativo ao lado da
comunidade, diz que está ali para servir ao povo e no fim das
contas a comunidade continua sem o saneamento básico,
pensando “bom, não foi dessa vez, mas pelo menos ele tentou né,
pessoal”.

O Rio de Janeiro é dividido em 5 áreas de planejamento, é desta


forma que o investimento acontece em cada cidade. Nesta
74
distribuição não existe em especial verba diretamente destinada à
comunidade da Cascata, existe a área de planejamento que a
comunidade está inserida. As áreas mais nobres do Rio de Janeiro
costumam representar menor parte do território, mas quase
todas elas possuem uma Área de Planejamento (AP) própria, e
isso faz com que exista uma área de planejamento para os bairros
nobres e uma área de planejamento que possui várias
comunidades e às vezes até bairros. Dependendo de qual AP você
vive, sua vida será completamente diferente. Tanto por que esta
divisão não é baseada no número de pessoas por AP, nem na
extensão de terra. Ou seja, o valor necessário para se ter
dignidade no seu bairro está diretamente ligado a qual área de
planejamento ele se encontra. Vamos supor que o Morro da
Cascata esteja na AP 5 e que lá tenha 9 vezes mais pessoas do que
na AP 1. Logo, a verba que teria pouco impacto na AP 5 faria
muito mais coisas na AP 1.

Tá mais o que isso tem a ver com o deputado? Lembra que o


orçamento era de 500 mil, ele disse que era 1 milhão e não fez a
obra alegando ter conseguido apenas 700 mil? Ele pode e irá
colocar estes 700 mil em alguma outra AP onde 700 mil possam
lhe gerar bem mais resultado com sua base eleitoral, como
investir nas escolas das áreas mais nobres, construção de praças e
urbanização para as estas áreas e daí por diante.

75
Informações sobre cada AP
http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/1529762/DLFE-
220205.pdf/1.0

76
3° A CORRUPÇÃO DO SETOR PRIVADO

Está diretamente associada como carne e unha às duas últimas.


Teoricamente, o dever de um deputado não é colocar asfalto na
sua rua, o dever de um deputado é legislar, ou seja, fazer leis.
Projetos de urbanização são dever do prefeito, mas como você já
deve saber não é bem assim que funciona, por isso usei o exemplo
de um deputado no caso anterior e não o do prefeito para que
assim você possa relacionar melhor o que vou lhe explicar a
seguir
Felipe deseja se candidatar a deputado no estado do Rio de
Janeiro, mas Felipe é um cidadão comum assalariado e não possui
fortuna ou herança para bancar sua campanha eleitoral com
carros de som, placas, santinhos e gente para balançar bandeiras e
entregar panfletos nas ruas (isso te soa familiar?). No entanto,
Felipe recebe ajuda de um grupo de empresários e comerciantes
que adorariam que ele fosse o mais novo deputado, e decidem
financiar sua campanha através de doações anônimas para o seu
fundo eleitoral, algumas delas em valor de milhões que não
podem ser investigados ou rastreados. Felipe agora possui o
bastante grana para bancar sua campanha e gritar bem alto para a
cidade toda ouvir que ele vai colocar asfalto no Morro da Cascata.
Guilherme, ouvindo a proposta daquele candidato, decide que é
nele que vai votar. Felipe ganha a eleição e cumpre o combinado,
colocar um asfalto meia-boca que vai durar menos que o seu
mandato como deputado, e a comunidade da Cascata pula de
alegria por não ter mais que pisar os pés na lama. Felipe é um
herói.
77
Agora Felipe tem que honrar seu compromisso com os amigos
empresários e comerciantes que o ajudaram na campanha e pelos
próximos 4 anos. Felipe irá criar e votar a favor de leis como a
reforma da previdência, que retira direitos da população que o
elegeu ele. Felipe votou a favor de leis como a reforma
trabalhista, que tira direitos trabalhistas da população que votou
nele. Felipe irá criar leis de isenção e parcelamentos a perder de
vista para setores do mercado que o apoiaram, inclusive
recebendo mais dinheiro por isso. E este é o deputado Felipe,
herói da Cascata e fantoche dos ricos.
Quando seu mandato estiver perto de acabar, é só ele te lembrar
quem foi que colocou asfalto no seu bairro, com dinheiro de
empresários e favores de outros políticos que trabalham para o
mesmo grupo, e terá seu mandato por mais 4 anos para continuar
com esta corrupção. Pode ser que Felipe empregue como seu
assessor em seu gabinete a prima do Jorge, dono da rede de
padarias mais luxuosa da cidade, e graças a este favor a prima de
Jorge está em um ótimo emprego. Considerando bônus e
remunerações extras, um Assessor Parlamentar da Câmara dos
Deputados pode receber um salário total médio de R$60.253.
Pense em quantos parlamentares brasileiros não são como Felipe?
Esta é a corrupção que eu gostaria que as pessoas entendessem
quando falam de corrupção durante os debates. Não é apenas
pegar o dinheiro público e colocar no bolso, é bem mais
complexo que isso, e por isso lhe convido a pesquisar a fundo este
tema. Vai mudar completamente a sua visão de mundo.
Quando pensar na frase “político é tudo corrupto”, pare e se
pergunte: quem é que corrompe? Se você entender isso, vai
78
entender toda a relação de poder que já existe no Brasil bem antes
do café com leite.

79
Setor privado

Finalmente, quem é esse setor privado que tanto lucra?


A elite no Brasil hoje é dívida em vários grupos, e no topo deles
temos as elites estrangeiras, donas de grandes empresas
internacionais como Coca Cola, Mcdonald e Volkswagen. E
temos a elite brasileira como os donos do Itaú, Odebrecht e
Friboi. Estas empresas brasileiras estão ligadas ao capital
internacional, ou seja, são poderosas, mas não tanto quanto as
estrangeiras.
Sintetizando, o governo do PT investiu diretamente nas
empresas brasileiras do setor privado, ao mesmo tempo em que
fazia sua base eleitoral nas classes mais pobres dos trabalhadores
brasileiros através de políticas que melhoram a vida destas
pessoas, enquanto Vargas optou por usar essa tática com os
sindicatos. O problema foi que o PT achou que conseguiria ficar
no poder dessa forma por muito tempo por estar agradando a
todos (isso que mais tarde se chamaria de política de conciliação).
O seu erro foi nunca organizar esta classe de trabalhadores
porque o populismo usa o povo como massa de manobra política
e a organização da classe popular é trabalhar revolução.
Por isso, quando o PT leva o golpe em 2016, estes próprios
trabalhadores que apoiavam o PT não saíram às ruas, pois nunca
foram organizados e por isso não estão acostumados a ser
agentes de mudança política. Como diz um dos mais
ignorantes ditados populares do Brasil, “política e religião não se
discutem”.
80
Por isso um povo desarticulado e facilmente manipulado sempre
à espera de um salvador, à espera de que a política salve suas
vidas. O que houve em 2016 foi que esta elite brasileira
precisava da superexploração das famílias trabalhadoras
para manter seu lucro, diferente das estrangeiras em países
desenvolvidos, que investem em avanço tecnológicos para
lucrar. Como nossa burguesia tem tecnologias muito atrasadas,
e explora o trabalho de todas as formas para manter lucro
como faz desde a escravidão. Por isso este livro começa
identificando o trabalhador brasileiro, por que é sobre
nossos corpos e força de trabalho, este que realmente é o
centro de tudo isso. Como sua vida, sua saúde, a vida da sua
família e tudo aquilo que você sente e chama de vida vai
servir para torná-los mais ricos e poderosos.
A seguir, entenda o porquê do caos que vivemos hoje, quem você
é nesse Brasil e quem seus filhos serão nele amanhã.

Ameaça

Se Lula foi tão bom para todos, porque ele está preso?
Vou ser bem breve e direto, o PT se torna uma ameaça pelo
simples fato de agir como estado investidor, ou seja, governo
e setor privado são responsáveis por gerar riqueza e o
trabalho. Se o governo cria o bem estar social, leis que
defendem o trabalhador e melhoram salários, como as
indústrias vão explorar o trabalhador para obter lucro?

81
Quem vai ser o Uber? Ou o Ifood? Quando existe pleno
emprego com direitos e carteira assinada? Empregos estes
que hoje são comemorados como o crescimento esperado
pela economia e todas as leis de contingência.
Desta forma o governo do PT se torna uma pedra no caminho da
elite brasileira que desde sempre quer que o pobre viva miserável,
porque assim se lucra mais. Desta forma, a elite brasileira se une a
estrangeira para dar início a um projeto cruel que iniciam
com...

82
T de Temer

Após o golpe, Michel Temer já começa os primeiros passos em


direção ao início deste projeto, congelando os gastos públicos
pelos próximos 20 anos. Não só começou a destruição de todas
as políticas voltadas ao povo, construída nos últimos anos, mas
também quebrou as pernas do PT. Caso ele fosse reeleito em
2018, o partido estaria com as mãos amarradas pelos próximos 20
anos. Como não foi, o primeiro passo estava completo. Com os
gastos congelados e reformas trabalhistas que tiram
direitos usando a justificativa de que os empregos vão
voltar eles iniciam a precarização do trabalho e hoje os
empregos gerados são Uber e entregadores ifood, entre outros sem
qualquer direito do trabalhador, que além de não receber, férias,
décimo, seguro saúde, nada, ainda tem que pagar pelo veículo,
pela gasolina, a multa, o IPVA, o seguro do veículo, os reparos e a
manutenção das peças que se desgastam. Se adoecerem, além de
ficar sem qualquer tipo de rendimento, terá de pagar pelos
remédios, exceto os que são garantidos pelo SUS, que está sob
forte ataque dos liberais hoje no Brasil.
em caso de doença, enquanto os donos dos aplicativos lucram
rios de dinheiro sem esforço. Se apoiando mais uma vez no
populismo e em uma parede imaginária criada para dividir o
povo. O projeto começa com.....

B de Bolsonaro

83
Agora a política é ao contrário, o estado não é mais investidor, o
trabalho da política agora é desconstruir qualquer política social
para o bem-estar do trabalhador, mergulhar a sociedade no caos
enquanto promete reformas que nunca darão certo, como a
reforma da previdência e a reforma trabalhista e como já
era de se esperar, mantendo o acúmulo das elites. Desta forma o
setor privado (aquele mesmo que sempre lucra com tudo) agora
é o único responsável pela geração de empregos e riqueza
sem "concorrência" do estado, livre para fazer exigências
como as reformas que servem simplesmente para deixar a mão de
obra novamente barata e o tempo de trabalho mais longo.
Desta forma vai ter mais gente para trabalhar que vagas de
emprego já que ninguém vai se aposentar e todos trabalharão
barato até morrer. Assim, o lucro será cada vez maior e o
poder também. Quem vai desobedecer às ordens correndo o
risco de perder a única pouca renda que tem? Você já está
trabalhando feriados? Domingos? Recebendo algo por isso?

84
O
estado
é
míni
mo
para o povo mas é só o capitalismo/mercado apresentar algum
problema e o estado estará lá para salvá-los. Seja com políticas
econômicas de isenções, perdão de dívidas, concessões, estímulos
ou até mesmo liberação de verba direto nos bancos.

85
Como agora durante a crise do corona vírus o congresso discute a
verba emergencial para os trabalhadores informais, inicialmente
a proposta do governo era de 200 reais e a oposição chegou no
valor de 600 até 1200 reais. Enquanto esta política de amparo aos
trabalhadores terá impacto de 90 bilhões na economia, o governo
sem nem pensar injeta 1,2 trilhões aos bancos enquanto estuda
cortar salários em até
70% e suspender contratos de trabalho para “salvar os empregos”,
ou será que é para salvar os patrões?

Isto nos faz pensar sobre


aquele discurso de que o
patrão que gera empregos
e riquezas para o país, mas se você ficar em casa de quarentena
com sua família o patrão perde o emprego e a economia quebra?
Conclusão

86
Este é o jogo político brasileiro e o meu objetivo é mostrar que
nosso inimigo não está no meio do povo e não é o próprio povo.
Independentemente do que você acredite, se você é trabalhador
também está no mesmo barco. E onde eles querem chegar com
isso? Lembra do Vargas? Então, o objetivo é acabar com a CLT,
depois de todas as reformas e políticas eles finalmente vão acabar
com a CLT e assim depois de tudo vão dizer que tentaram. O
Brasil só vai voltar a crescer quando voltar a ter um estado
investidor, e vai voltar a ter, não por causa do povo mas sim
pela mesma elite que o destruiu, e agora o investimento vai ser
diretamente no setor privado, sem política de bem estar social
e sem direitos para os trabalhadores. Resumindo, todo esse caos
é criado com o objetivo de acabar com a CLT, deixar o trabalho
mais barato e por mais tempo, em condições piores, e assim a
elite brasileira e a internacional lucram mais.

Pense em que Brasil você nasceu? Que Brasil seu filho terá?

Abertura na educação

Desde 1500, nunca houve um real interesse em mais do que


apresentar índices sobre alfabetização, nada que priorizasse a real
necessidade de formar indivíduos pensantes capazes de
87
produzir ideias na classe popular. Sempre ficou restrito a esta
classe o serviço braçal na divisão do trabalho, como desde a
escravidão, ao negro o trabalho físico e ao branco o
intelectual. Hoje, ao pobre o trabalho físico e ao burguês o
intelectual.
Enxergue como quiser, pois pouco mudou. Pergunte a qualquer
trabalhador, mesmo que este não tenha sequer estudado, se ele
também sente que a escravidão de alguma forma não acabou.
Hoje as correntes não estão no pescoço, estão no bolso, nos
juros do Credicard, no sonho da casa própria, no plano de
saúde do seu filho, na escola particular.
Aí você me diz: “espera! cartão, casa, plano, escola privada? Você
está descrevendo um pobre?”
Sim, e até o final do livro você vai entender com clareza o porquê
desta afirmação.

Eu nasci em 1998, minha avó foi analfabeta até os 45 anos de


idade, pois precisava trabalhar para sustentar os 4 filhos, nascidos
por volta de 1980. Sempre incentivou todos eles a estudar pois
viam no estudo uma rota de fuga daquela realidade sofrida
e miserável. Correto, foi desta forma que muitas famílias
conseguiram mudar as suas realidades, e todos os 4 filhos da
minha avó hoje vivem bem, 2 com nível superior. Minha própria
avó se formou em História através do FIES e hoje é professora.
Porque te contei essa breve história?
Analisando as 3 gerações da minha família ficou mais fácil
entender as oportunidades de cada época e como as políticas
88
interferem tanto nelas. Minha avó não tinha escola, minha mãe
teve e eu tive em uma época um pouco melhor que a dela. Meu
período foi durante o governo Lula, e o problema não era falta de
alunos da classe popular nas escolas, mas sim a superlotação das
escolas, e isso até hoje é uma grande pedra no caminho de uma
educação pública de qualidade que forme pessoas para a vida e
não para tirar nota 5 em uma prova. Ao fim, poucos destes
milhares de alunos irão ter o mínimo para passar num vestibular
de uma universidade pública. E o que resta para este aluno? Sim,
o FIES. Lembra da demanda pública indo para o setor privado?
Entendeu qual é o real interesse desse modelo de educação
pública?

Aí entra a política interferindo diretamente. O sonho de toda


família trabalhadora é ver os filhos estudando, certo?
A demanda então é por escola. Junto com o projeto do bolsa
família para estimular o consumo, foi implementada a
seguinte regra: você ganha o benefício por filho
matriculado nas escolas e este tem que manter a nota na
média 5. Seria um ótimo plano para um ótimo sistema
público de ensino, mas na realidade o sistema não estava
preparado para esta demanda e os efeitos que isto causou
apesar de ser difícil mensurar pode se dividir em dois lados,
político e social.
Vamos primeiro pelo lado político. De certa forma, a demanda
pública foi respondida, o filho do pobre tinha escola e as famílias
estavam recebendo por isso. Na política, garantiu a satisfação e a
confiança da classe mais popular abrindo portas para aprovação
89
de todos os outros projetos e medidas seguintes como vimos em
Vargas, com a apropriação da demanda popular dentro do
jogo político.
Na esfera social uma política deste tipo teve inúmeros resultados.
As salas de aula projetadas para 20 alunos passaram a ter cerca
de 50, e as escolas obrigadas a aceitar os alunos tiveram que
se virar, igualmente os professores. Como uma pessoa
consegue lecionar para 50 crianças no verão carioca de 40
graus sem ar-condicionado e às vezes até sem ventilador?
Como você forma pessoas conscientes e pensantes em escolas tão
lotadas, com tantas grades e muros quanto presídios? Esta é a
base da formação de um ser humano carioca.
A violência estourou dentro das escolas, filhos de famílias
problemáticas que sofriam agressões e abusos em casa
reproduzem o comportamento nas escolas, crianças que já eram
criadas de formas diferentes ou às vezes sequer recebiam
educação ou cuidados em casa... Todos jogados em um caldeirão
chamado escola pública, escola esta que não estava preparada e
nem tinha como estar. A culpa não é do professor ou da direção,
muito menos dos pais que precisam trabalhar o dia todo e
acreditar que seus filhos estão na escola estudando e sendo bem
tratados para que no futuro siga uma carreira, para que possa ser
uma boa pessoa e ajude a transformar a realidade daquela
família. Na realidade, estão todos amontoados e trancafiados
como bichos junto com professores e profissionais da educação,
que também são vítimas de toda essa violência. Como se ensina
assim?

90
Bem, a resposta da política para mascarar o tamanho deste
problema está sendo usada até hoje enquanto você lê isso. Tudo
que importa são números, porcentagens e gráficos para mostrar
na televisão que tudo está dando certo.

Primeiro índice nunca houve tantos alunos da classe popular


estudando, tudo bem, mas como mascarar que todos estes jovens
na realidade estão em uma bomba relógio e ao mesmo tempo se
isentar de culpa? Simples, aprovação automática. E como é
isso? O presidente aprova todo mundo? Não, o governo só
estipula que as escolas que baterem a meta de aprovação anual
irão receber mais verbas no próximo ano, desta forma a culpa
cai nas escolas e nos professores que precisam aprovar os alunos,
mesmo os que não sabem o mínimo da matéria, para
corresponder a pressão da direção, que por sua vez responde à
secretaria que cobra resultados pelos governos. Se a escola se
preocupar em formar somente os alunos que realmente estão
prontos para concursos e vestibulares, no próximo ano o diretor
sai da direção e os professores também sofrem repressão, não vai
ter verba nem para pintar a escola, e desta forma nasce o
segundo índice "positivo". Nunca antes tantos jovens da classe
mais popular se formaram no Ensino Médio.
Certo, os jovens se formam no Ensino Médio sem saber o que é
verbo, sujeito, raiz quadrada, função e muitos com dificuldades
para ler. As pessoas não sabem nem o que é fascismo ou
neoliberalismo, o que elas sabem é que isso aumenta o preço do
gás, que tira direitos e aposentadoria. Por isso eu não sei usar
perfeitamente pontuação em textos, e assim, sendo analfabetos
91
funcionais, estamos prontos para a prova mais importante de
nossas vidas, o vestibular, uma competição igualitária onde
todos recebem as mesmas provas e questões, uma prova
muito justa onde o seu filho que literalmente aprendeu a
sobreviver ao sistema público de ensino disputa com o filho do
empresário pela mesma vaga. E o resultado fecha com chave de
ouro, a demanda daquela família por educação é direcionada para
o setor privado através do FIES, com nota de corte em 450, e
as universidades públicas com notas de corte em 750. Para qual
seu filho vai? A escola formou ele para a vida, ou para tirar 5 em
uma prova?

92
Certo, acho que você já entendeu, mas agora que você entendeu
as necessidades destas famílias trabalhadoras de uma boa
educação a seus filhos para mudar a realidade de suas vidas, o que
é dizer que os pobres tem fetiche em diplomas? É não
entender o que estas famílias passam porque você nunca teve que
passar por isso? É dizer que nossa indústria não tem espaço para
uma classe popular com nível superior? Ou seja, ameaçar acabar
com mais esta migalha que o povo ainda tem? Nem seus filhos
aguentam mais ir para a escola, a gente devia se perguntar porque
o aluno fica na escola até o fim do Ensino Médio, porque a
evasão é realmente o projeto. De um lado eles preservam a
ignorância porque estudar se torna horrível, e dos que seguem
em frente até a universidade eles ganham dinheiro com
financiamento estudantil, enquanto os filhos deles estão nas
melhores universidades públicas do país. Eu mesmo até hoje
tenho o nome sujo em 2 mil reais com a faculdade privada em
que tentei cursar engenharia de produção e acabei refém de uma
mensalidade que começou em 529 reais e no terceiro período já
era de 800 reais. Na época eu trabalhava na obra, então além do
desgaste físico e mental não tive condições de continuar
pagando. Até cheguei a vender brigadeiro para inteirar a
passagem que faltava.
Enfim, no entanto houve algo muito positivo e isto não veio da
política ou de nenhum político, veio e até hoje vem de milhares
de professores que todos os dias lutam contra a corrente para dar
tudo que podem a estes jovens, seus filhos, a oportunidade de
serem mais do que se espera deles. Assim como eu tive ótimos

93
professores que mesmo com o salário atrasado, mesmo na pior
escola do meu bairro, mesmo em uma sala com 50 alunos no
verão carioca de 40 graus, houve quem acreditasse em mim, mais
até do que minha própria família.
Professores que acreditam em um mundo melhor, por isso
se esforçam e se dedicam para começar a mudança pelas crianças
e jovens. Começou com minha mãe, passou por mim e hoje
minha avó que era analfabeta até os 45 anos de idade está em uma
sala de aula como professora lutando pelo futuro dos seus filhos.
O maior legado disso tudo, de todo este esforço, veio com a
minha geração. Apesar de ser tão pouco o que nos deram foi o
máximo que já tivemos em 500 anos, sendo que só há 130
anos somos "livres" e há menos de 70 nossos avós nem
sabiam o que era escola.
O legado destes profissionais da educação é a esperança, nós
somos a esperança. Hoje um favelado de 21 anos está
escrevendo este livro para você, contrariando tudo que
esperavam de mim. Para ser sincero até o que eu mesmo
esperava de mim. Hoje os jovens estão sendo voluntários em
movimentos em defesa da igualdade, da educação, do
futuro, das oportunidades, agora mais do que em qualquer
outra época do nosso país temos uma juventude consciente.
Ainda não somos a grande maioria, mas já somos muitos. Com
essa abertura na educação o seu filho ganhou uma mínima
oportunidade de mudança e hoje essa oportunidade está
ameaçada. Por quê? Porque nos tornamos uma ameaça em
potencial àquelas elites, elas mesmas, os que sempre ganham, eles
temem nossa revolta, a consciência, a verdade, eles temem a
94
libertação. É aí que entra a PEC de congelamento dos gastos
públicos, aí entra o fim de bolsas e cotas, aí entra o desmonte
da educação, do medo, medo de perderem o controle.
Realmente o estudo te liberta da venda.
Nunca houve uma juventude tão crítica, e se depender das
políticas que interferem, na geração do meu filho não haverá
outra. Congelar gastos por 20 anos não significa manter o nível
atual, porque hoje é dividir 100 por 10, amanhã é dividir 100 por
10.000. O investimento não vai suprir nem o básico e os pais
trabalhadores que quiserem dar educação aos seus filhos vão ter
que dar seu jeito para colocá-los em escolas privadas, do jardim
até o segundo grau.
O objetivo deste capítulo é mais do que só criticar, é mais do que
só apresentar problemas, é mostrar que não devemos só lutar
para não acabar com o ensino público. Não deixar acabar mas
lutar por algo melhor, pois este modelo de educação não
funciona. As pessoas que estão decidindo o futuro de todos não
entendem, não conhecem e nem vivem a sua realidade. Por que
estas pessoas decidem seu futuro? Estas mesmas que sempre
escolhem um futuro onde somente elas ganham.

Gueto

95
A definição de gueto na Wikipédia é a seguinte: é um bairro ou
região de uma cidade onde vivem os membros de uma etnia
ou qualquer outro grupo minoritário, frequentemente
devido a injunções, pressões ou circunstâncias econômicas
e sociais. Por extensão, designa todo estilo de vida ou tipo
de existência resultante de um tratamento
discriminatório.

O gueto é realmente uma ferramenta de separação e de exclusão


em várias camadas e sentidos. Hitler criou mais de 100 guetos
judeus durante o nazismo. A separação no Brasil está colocada
desde a mente do indivíduo até mesmo a organização
geográfica do território. Aqui realmente existe uma
aversão, uma criminalização da pobreza e do pobre. A
separação é econômica, social e cultural, mas não vou focar na
área que tange à colonização da mente, pois acredito que apesar
de ser um tópico fundamental, e até indico estudos sobre o tema,
irei manter a atenção na área político-econômica.
Hoje a favela não é mais o lugar só dos pretos e sim dos
trabalhadores de todas as etnias. São trabalhadores que moram
nestes guetos por não conseguirem se sustentar em áreas da
cidade com maior índice de desenvolvimento humano (IDH), e
por isso é fundamental analisar a economia e a política para
entender o que está acontecendo no Rio de Janeiro. A questão
dos guetos sempre esteve associada à especulação imobiliária
com remoções de favelas da zona sul para a construção de prédios
e etc., uma realidade que também é muito visível em São Paulo. O
pobre, o trabalhador, o negro e o nordestino só podem morar em
96
locais onde a especulação imobiliária desvaloriza, por exemplo
em morros, beira de encostas, brejos e mangues. Locais onde
não é seguro nem digno viver. Procure, é nestes lugares que
o
pov
o
bra
sile
iro
mo
ra.

97
(Com o gráfico é fácil avaliar a relação entre casas e prédios até
mesmo no subúrbio, em tese, quanto mais prédios em um local
maior é a especulação na região. A exemplo o jacarezinho com os
menores índices, também é o lugar com menor renda média
dentro da ap3
Sendo está em torno de R$704,00 por mês em 2010.)
Neste capítulo não há espaço suficiente para analisar por
completo a situação geográfica do Rio de Janeiro e do Brasil, por
isso elaborei a minha tese quintais de trabalho, onde abordo a
estrutura social, geográfica, política e econômica e os poderes
paralelos dentro de uma organização estrutural da cidade e do
país para facilitar controle da mão de obra e a repressão
violenta contra o gueto, a fim de gerar um êxodo entre os
bairros de determinada facção para os locais onde o estado
tem controle através do poder paralelo, criando
verdadeiros currais eleitorais. Pretendo tratar esta tese em
um próximo livro.
(Para a criação do segundo livro, estarei contando com a venda
deste livro a fim de me dedicar às pesquisas, trazendo algo que
nunca foi escrito por nenhum sociólogo em 500 anos de Brasil).
98
Voltando aos guetos, devemos compreender que o preço dos
aluguéis tem um fator principal na criação desses e em sua
perpetuação também. Funciona assim, o aluguel no gueto da
zona oeste é mais barato porque a zona oeste ainda não tem um
polo comercial que seja mais próximo que o centro do Rio. Este
polo está em construção na Barra da Tijuca e no Recreio dos
Bandeirantes, portanto lá na zona oeste (Campo Grande, Santa
Cruz e adjacências) você encontra casas para alugar com 2
quartos, sala, cozinha, banheiro e quintal por 450 reais. Já nas
favelas próximas ao Centro e zona sul pelo mesmo valor você
encontra quitinetes de um cômodo com banheiro, medindo
3,5m x 3,5m. Para ficar mais próximo do trabalho, os
trabalhadores chegam a gastar 70% do seu salário ou até mais
apenas com o pagamento do aluguel para continuar morando na
favela próxima a zona sul. Observe a tendência dos mais
pobres estarem se deslocando para a zona oeste
gradativamente simplesmente pelo preço do aluguel, e isso
piora com a gentrificação das favelas como no caso do
Vidigal, que já virou uma favela gourmet.
Do outro lado da moeda temos os preços na "pista". Vou dar um
exemplo usando Jacarepaguá, Freguesia, Pechincha e Taquara,
áreas residenciais de fácil deslocamento para qualquer área
do Rio. Quando um lugar é estruturado e pensado para
morar com qualidade em um local "privilegiado", ao invés
de casas se constroem prédios em condomínios, o que eleva
os preços e o padrão local.
Em Jacarepaguá você encontra apartamentos de 50 metros
quadrados com valor de 800 reais, e é aí que o problema começa

99
a aparecer. 800 reais neste apartamento é um valor relativamente
barato, mas o preço cobrado pelo condomínio é de 1350 reais.
Exatamente. Por que o condomínio é mais caro que o
apartamento em si?
Aí entra um fator muito importante para este livro, o
poder da mídia. Mas antes de fugir ao tema dos guetos irei
analisá-lo na questão da especulação imobiliária ligada à
guerra às drogas.

Guerra às drogas

A guerra às drogas falhou no mundo todo e em especial no Rio


de Janeiro. A força policial não possui inteligência e nem
investimentos para combater o tráfico internacional, sendo que
o Rio é apenas rota para transportar a droga da América do Sul
até a Europa e os Estados Unidos da América.
A droga sai do Rio em toneladas dentro de cargueiros com aval
dos poderosos, e o que se faz aqui no Rio de Janeiro? Se combate
esta rota? Não, se combate o varejo. Assim, a guerra se torna a
desculpa perfeita para fazer algo que nosso país faz desde
sempre, matar pobre. E onde entram a especulação imobiliária e
a mídia?
Bom, 5 famílias controlam metade de tudo o que você assiste na
tv brasileira, todas estas famílias fazem parte daquela velha elite
100
que sempre ganha e todas estão diretamente ligadas a atividades
da indústria e economia.
Vou citar exemplo da Globo que está diretamente ligada à
questão da moradia. Ela é responsável pela maioria do mercado
de imóveis no Rio de Janeiro e também é ela quem propaga a
imagem negativa associada à favela, como se todo favelado
fosse bandido. Horas e horas de reportagens todos os dias com as
maiores desgraças e tragédias sutilmente associando violência,
drogas, armas, monstruosidades e "vagabundagem" a tudo que
se denomina favela e favelado. Nenhum espectador assíduo da
Globo tem coragem de sequer passar na frente de qualquer favela
andando, a maioria nunca entrou em uma, mas quando falam de
favela, parece que eu estou assistindo o jornal da Globo saindo
pela boca deles. E desta forma ela é uma ferramenta poderosa de
separação
Por possuir muita força como formadora de opiniões.
No entanto, criando esta imagem de caos e insegurança na
sociedade ela legitima e estimula a chegada ao poder de homens
com o discurso como o do atual governador Wilson Witzel e o
domínio das milícias. Qualquer regime autoritário, do século
passado ou deste, se apoia na mídia, da mesma forma como a
máquina de propaganda alemã que levou milhares de
"pessoas de bem" a um genocídio que estará para sempre na
história da humanidade.
E assim eles criam a imagem da favela como inimiga da ordem
pública, gerando ódio e mais divisão, impossibilitando o
diálogo. Na verdade, o sistema lucra com a guerra.

101
Quando a sensação de insegurança aumenta, os preços de
condomínios e apartamentos disparam pelo simples fator
proteção, e com imóveis cada vez mais caros os preços de
aluguéis sobem assustadoramente, como no caso da quitinete
de 450 reais. Desta forma, você cria um piso para o mercado
imobiliário onde o mínimo que se paga para ter um teto sobre
sua cabeça é este valor, e os imóveis de médio e alto padrão não
possuem limite de valorização. Assim a especulação aumenta.
Agora, a tendência a migrar para zona oeste nunca foi tão
grande. Por isso você acorda e liga a TV na Globo e vê que
pela sétima vez naquele mês o Bope está invadindo a Cidade
de Deus, por isso o foco está nos homens com fuzis no final do
baile e não nas fronteiras, nem nos cargueiros nem nos
poderosos.
Lucro, essa é a resposta para todo o mal da sociedade brasileira, e
como de costume são sempre as mesmas famílias lucrando.
Vivemos em um país onde mais de 50% das pessoas possuem
renda inferior a 500 reais por mês, o desemprego chegando aos
15%, 48 milhões de pessoas trabalhando sem carteira assinada e
sem direitos, a mão de obra cada vez mais explorada, cada vez
mais precária, enquanto tudo fica mais caro. Um abismo criado
entre você e sua família daqueles que tem dinheiro.

102
Especulação imobiliária

A especulação imobiliária é um problema para os moradores da


cidade do Rio de Janeiro, como também é em outras capitais do
Brasil. Onde um terreno é tratado como investimento em um
mercado imobiliário, fazendo que com isso o proprietário
deixe de cumprir a lei da função social da propriedade
enquanto aguarda o mesmo valorizar. Ou seja, a valorização
ocorre de várias maneiras, como com o desenvolvimento do
bairro ou das ruas e até mesmo dos comércios locais. Isso faz com
que vários terrenos que poderiam abrigar famílias, escolas,
comércios e residências, cumprindo sua função social, fiquem
apenas parados esperando a valorização para que seu dono
futuramente os venda. E não se engane achando que estou
falando de alguém que ralou a vida toda para comprar um
pequeno terreninho no fim do mundo do Rio de Janeiro. Como
este é um negócio a longo prazo, o dono do terreno não pode
contar com este investimento para sobreviver até o dia em que
ele valorize. Desta forma, os principais atores da especulação
são famílias da alta condição financeira que já possuem outros
terrenos. E como isso interfere na sua vida?

Bom, me diga: se você quiser morar hoje no Centro do Rio de


Janeiro, quanto você vai pagar? Está bom, um terreno é muito
103
caro para qualquer pessoa que ganhe R$1200 e more de aluguel,
então vamos mudar essa pergunta para outras três.

Quanto você pagaria de aluguel para morar na zona sul do


Rio de Janeiro, na pista, fora das favelas?

Quanto você pagaria de aluguel para morar dentro das


favelas da zona sul?

E quanto você pagaria para morar de aluguel na zona oeste


do Rio de Janeiro?

Respondendo a estas 3 perguntas você vai se assustar. Não


só com a diferença dos preços, mas com a qualidade dos
imóveis. Pense na qualidade de vida que é estar próximo ao
trabalho, próximo ao centro econômico do Rio. Eu trabalho em
Ipanema com pessoas que moram em Campo Grande e chegam a
passar mais de duas horas dentro do BRT e metrô, esmagados,
em pé, sem o mínimo de dignidade, e que depois de uma jornada
de 8 horas de trabalho pesado passam o mesmo sufoco para voltar
pra suas casas, pagando quase 20 reais de passagem ou até
mais, tendo ainda que cuidar de casa e da família. Esta é a
realidade das pessoas, esta é a realidade que não é discutida.

104
O aluguel de um conjugado barato com 15 metros quadrados em
Ipanema custa 1800 reais por mês. Ou seja, praticamente um
quartinho medindo aproximadamente quatro por quatro. Se você
for um solteiro que ganha no mínimo 3 salários mínimos você
pode ter o prazer de dizer que mora em Ipanema. Mas é
praticamente impossível para nós meros mortais com família e
filhos, ganhando menos de 1200 para trabalhar 26 dias no mês.

Já um aluguel na Rocinha, por exemplo, o mais barato que você


paga é de R$350 a R$450 por um quarto com banheiro medindo
quatro por quatro, mais um banheiro de 1 e meio por 1 metro.
Exatamente. Até as favelas da zona sul apresentam um preço
salgado apesar da violência, das drogas e da falta do mínimo
de saneamento e água potável. Esse preço no aluguel se dá
porque é um negócio lucrativo alugar casas nas favelas da zona
sul. Então, apesar de todas essas questões que colocam sua
qualidade de vida lá para baixo, ainda sim os preços são
incompatíveis.
105
Em Campo Grande, na zona oeste, que se localiza a cerca de 30 a
40 quilômetros de distância da Rocinha, um aluguel com 2
quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço com entrada
independente em uma vila custa 450 por mês, mais a conta de luz.
Estou falando de cerca de 45 metros quadrados. Este é o poder
da especulação imobiliária, ela torna anormal o crescimento da
cidade, onde para viver em uma casa um pouco melhor você
precisa viver muito longe dos centros, em locais menos
desenvolvidos. A especulação está diretamente ligada aos
guetos. Ela é a ferramenta de separação do século 21.
As armas do governo não te obrigam mais a sair da sua casa em
uma área de alta especulação na zona sul do Rio para ir morar na
favela do Rodo ou de Antares, como foi feito durante a ditadura
militar com as favelas da zona sul, ou como foi feito na reforma
de Pereira Passos, entre outras tantas remoções de famílias
trabalhadoras.
Hoje os preços são as armas, que dizem onde os pobres podem
ou não estar. Onde podem ou não morar. O que podem ou não
vestir, os preços dizem quem vive e quem existe.

Quem sempre paga o preço?

3.Crítica à esquerda:

106
Por todo o lugar que ando, dentro e fora da esfera partidária,
observo algo que já não é novidade para ninguém, uma enorme
falha da esquerda em se articular para alcançar este mesmo
povo que descrevi durante todo o livro. Não por não querer
alcançar, mas por não saber alcançar. Está além da falta de
articulação, está também na falta de comunicação e de
entendimento da nossa realidade, de como nós pensamos, daquilo
que estamos sentindo.
Como já ouvi da boca de um progressista cansado que hoje é
conservador, a esquerda brasileira sabe de tudo, os caras são
formados, leem milhares de livros, mas não sabem falar com o
povo. E, infelizmente, esta é a realidade, é por onde a direita
conservadora vem crescendo de forma avassaladora em um
movimento de contradição que usa a falha da comunicação da
esquerda para colocar este mesmo povo que eu descrevi durante
o livro inteiro do lado de uma política de direita que apenas
visa algo que já é bem claro a esta altura da leitura, garantir
que aqueles que sempre ganharam continuem ganhando
mais.

Alguns setores da esquerda vêm fazendo o que chamam de


trabalho de base, e eu prefiro chamar de o verdadeiro trabalho,
que é estar no dia a dia destas famílias trabalhadoras realmente
trazendo diferença, organização, consciência e resultados. Não
sou contra o trabalho que vem sendo feito em larga escala pelos
setores de esquerda que se voltam para o meio acadêmico, para
o meio da cultura, sempre voltado para o debate ideológico, mas
entendendo o que nós passamos todos os dias, entendendo como
107
vivemos há séculos, entendendo que todos estamos
frustrados, angustiados, sentindo, medo, pânico, depressão,
ódio e desesperança com relação ao que vivemos em nosso
país, a esquerda ainda prefere trabalhar com a lógica e a razão
acadêmica deixando de lado a linguagem universal, que rompe as
barreiras da ideologia, condições sociais e até mesmo a das
línguas, esta comunicação se dá através do sentimento.

Identificar o que o outro sente e usar a lógica e a razão para


despertar o sentimento desejado é fundamental.
A linguagem ainda é muito culta, o debate ainda foge muito do
que realmente sua nossos corpos e sangra nossa pele. Sendo
assim, é um discurso ineficaz, e hoje além de um discurso já se
pode enxergar como uma forma "esquerdista" de se pensar a ação.
Como disse não sou contra o trabalho que vem sendo feito, pelo
contrário, acredito na necessidade do mesmo e no seu potencial,
mas em tempos de guerra não são peças de teatro que irão definir
o ganhador. A realidade é que se hoje todos os trabalhadores do
Brasil se unissem para lutar contra toda a realidade que citei ao
longo do livro, nenhum partido de esquerda, ninguém na política
estaria pronto para ser vanguarda e guiar o povo para fora deste
buraco que estamos todos sendo sugados. Por que este não é o
trabalho que vem sendo feito nem proposto. Pergunte aos
trabalhadores que não estamos no meio acadêmico o que a
esquerda brasileira faz por eles e eles vão te responder que nada.
Neste momento quem se posiciona na esquerda deve estar
pensando “esse cara tá falando merda”, mas tente entender o
ponto de vista destes trabalhadores, em um país dominado pelo
108
poder da mídia, onde as indústrias e a política se misturam em
uma relação de abuso contra o povo, enquanto uma esquerda
desarticulada falha em se comunicar com o povo, disputa como
oposição com ideias socialistas contra um sistema capitalista
global.
Esse trabalhador que no máximo estudou até o Ensino Médio e
nunca leu um livro não vai entender o que você está falando
sobre Marx ou Foucault. Na verdade, tudo isso vai ser muito
chato de ouvir depois de um dia cansativo de trabalho, 4 horas ao
todo de viagem dentro de um BRT lotado até chegar em casa, e
quando chega às vezes ainda tem que cuidar de casa, da família,
de filhos. Ele beija sua mulher, brinca com seus filhos, janta,
assiste televisão e vai dormir suas sagradas 8 horas ou às vezes
muito menos para aguentar os próximos 5 dias antes de tirar uma
folga.

Como a mensagem passada atualmente atinge essa pessoa antes


da mensagem conservadora e demonizada da esquerda adentrar
nos seus ouvidos?
Hoje é só abrir o Facebook para ser exposto a milhares de fake
news em uma guerra de memes politizados, e nunca foi tão fácil
achar que sabe de política. É só ler 5 memes e duas fake news e
todos já podem ter suas opiniões formadas a respeito de um
cenário político complexo que já se desenrolava muito
antes de Lula ou Bolsonaro.

109
Isso gera alguns efeitos:
Demonizar a política;
Satiriza a política;
Deturpar os princípios do que é e como é aplicado o
socialismo com base nas experiências passadas de governos
contraditórios;
Gera ódio e polarização;
Cria um novo campo a ser explorado pelos interesses das
elites.

E é sobre este quinto ponto que vou falar no próximo capítulo.


Todo este caos de informações e o caos social vivido no nosso
país dificultam ainda mais esta comunicação direta com os
trabalhadores.

Na realidade a esquerda brasileira está falando para quem?

Por que a campanha de determinado partido se faz na porta da


PUC (Pontifícia Universidade Católica) uma das mais elitistas do
Rio de Janeiro?

Os movimentos sociais e culturais em sua grande maioria estão


dentro do meio acadêmico com presença de acadêmicos de todas
as classes sociais, ou seja, o meio para acessar a experiência da

110
esquerda brasileira é através da cultura e da educação. Analisando
que 7% da população possui nível superior e destes a grande
maioria não vem das classes mais pobres, para quem a
esquerda está falando?

Não é à toa que o trabalhador não apoia a esquerda brasileira e se


junta a direita conservadora que se apropriou da demanda
religiosa predominante no Brasil para fazer sua base eleitoral. A
realidade é que a esquerda está gritando para a própria esquerda,
e o que a voz da esquerda grita?

Este é um ponto fundamental. A esquerda vive uma


descentralização, ou seja, não há unidade no movimento nem nas
demandas. Como eu disse, não sou contra o trabalho que está
111
sendo feito, mas acredito na urgência de uma unidade voltada
para os problemas do cotidiano que estão custando nosso futuro e
nossas vidas, e a forma de fazer política da esquerda está voltada
para a representatividade. Sim, representatividade das demandas
como racismo, feminismo e LGBTQI+. São pautas muito
importantes sim, mas estão sendo usadas de uma forma que
apenas enfraquece o movimento ao invés de torná-lo maior. É
como se cada demanda fosse uma pasta, com outras subpastas
onde os militantes são organizados e estas pastas são
independentes uma das outras, sem unidade e às vezes até com
discordância.
Revisando, uma esquerda falha em projetos e em comunicação,
sem projeto efetivo ao nosso cotidiano e sem unidade dentro dela
mesma. Estes são os revolucionários que irão salvar o povo da
exploração?

Entenda que o erro não está nos militantes nem na esquerda em


si (no sentido puro da palavra) mas sim na organização, ou
melhor, na desorganização.
São várias ilhas gritando umas com as outras, cada uma em uma
corrente de pensamento, sem projeto para tomar as rédeas da
situação em que estamos. Não é difícil entender, você acorda às
7h30 para ir trabalhar, tomar banho, um café, sai às 8h10 e
pega uma van até o BRT, onde entra em um ônibus
superlotado logo de manhã e fica nele em pé espremido
durante uma hora e meia até o terminal Jardim Oceânico.
Lá você faz a integração com o metrô e paga mais R$4,60
por isso, indo em pé até o trabalho, já chegando cansado, e
112
trabalha por 8 horas às vezes em um serviço braçal árduo o
dia inteiro. Pega novamente o metrô às 18h da noite, desta
vez mais cheio que de manhã e ao retornar ao terminal
Jardim Oceânico se depara com um mar de gente que não
cabe nem em dois ônibus juntos. Tentando entrar em um,
vai esmagado por mais uma hora e meia até o Tanque, em
Jacarepaguá, e por volta das 20h da noite você pega uma
van e vai para casa. Supondo que você durma 8 horas por
dia para aguentar mais 5 dias desta rotina degradante até
sua próxima folga, você dormirá no máximo até às 23h30.
De 20h às 23h30 são 3 horas e 30 minutos que você tem para
"viver", e muitos nesse momento tem que cuidar da família,
da casa, estudar e etc.

Como eu vou ter tempo para militar em projetos culturais


dessa mesma esquerda?
Ou melhor, como eu vou querer entender sobre política?
Muitos nestas 3 horas se sentam em frente a tv e assistem
jornais e etc., ou entram na internet para acessar o
Facebook e ficar por dentro do que acontece ao seu redor.

Muita gente acha que o povo é ignorante e que não tem vontade
de mudar essa realidade que vive, onde recebe apenas o
suficiente para se manter vivo até o próximo dia para trabalhar
113
de novo. Nisso ainda estamos falando dos que têm emprego
fixo. A realidade brasileira é cruel, nós aprendemos a ser fortes
para viver antes de aprendermos a ser críticos sobre a situação
em que vivemos, mas isso não tira o fato de que sentimos toda
essa exploração mesmo que não saibamos de Marx ou Foucault.
Então entendam nosso sentimento de desesperança e
trabalhem nossos sentimentos, já que as teorias não tem mais o
poder de entrar pelos ouvidos desta classe.
Sintetizando: muitos setores da esquerda fazem a luta no dia a dia
das famílias trabalhadoras buscando lutar por dignidade,
melhorias, unidade e organização. Eu acredito no poder
transformador que isso tem, e a estes dedico toda minha luta e
todo meu apoio.

114
Mídia
Não só no Brasil, mas em todo o mundo existe um controle
sobre a informação que chega até você e sua família. No Brasil, os
50 veículos de mídia mais assistidos, são controlados por 26
grupos, e deles 13 são controlados por apenas 5 famílias. O
maior é o grupo Globo, da família Marinho, que possui 9 dos 50
maiores veículos de mídia. Segundo pesquisa, este grupo
sozinho possui maior audiência somada que o segundo, o
terceiro, o quarto e o quinto lugares da audiência brasileira
juntos.

Em seguida vem a família Saad, do grupo Bandeirantes, e logo


depois a família Edir Macedo, da Record, seguidos pela família
Sirotsky, da RBS e a família Frias, do grupo Folha.

Sendo parte de um mercado da informação, estes veículos


possuem alinhamento com os interesses neoliberais no
Brasil, assim como também já apoiaram o PT sempre na defesa
de seus próprios interesses. A esta altura fica muito claro que a
informação é controlada para atingir os próprios interesses destas
famílias, e cabe a cada um de nós saber enxergar como aquela
mensagem pode interessar a mídia em si, mas também a
outros setores da economia em que estas famílias também
atuam. Você com certeza já deve ter visto ou ouvido falar que
agro é tudo, agro é pop, que o agronegócio que põe a comida
na sua mesa e gera empregos. Saiba que isso não é verdade.

115
Desta forma a mídia não te manipula apenas sobre
posicionamento político, como entre a direita e à esquerda,
independentemente de quem vença eles irão ganhar. A questão é
apenas de qual lado se ganhará mais ou menos. Ao avaliar o quão
presente a mídia está nas ideias e no dia a dia das pessoas, é
possível entender como ela dita costumes e padrões de
consumo. Há quem diga que a mídia tem a cara do povo
porque o mercado precisa dar ao povo o que o povo quer
consumir. Já se tratando do nosso cenário, isso se dá de forma
contrária, já que estes oligopólios constituem a face do
marketing no mercado. Então aqui a ordem é inversa, ou seja, a
mídia diz o que o povo consome, seja uma marca, seja um
produto específico, seja apenas para legitimar e ganhar apoio do
próprio mercado onde atua fora da mídia, como no agronegócio,
igrejas, lojas online etc., e com ênfase no mercado imobiliário
onde os grandes grupos possuem investimentos no Brasil,
incluindo o Rio de Janeiro. Não é à toa, como já dito em um
capítulo anterior, que a repetição das notícias que geram pânico,
medo e caos sobre a violência no Rio tem impacto direto na
especulação imobiliária. Desta forma as informações noticiadas
deixam de ter meramente um caráter informativo já que estas
servem para aumentar os lucros destes grupos.

Tudo bem, vou te dar um exemplo claro do que aconteceu


comigo recentemente. Como perdi meu cartão de vacinação e
não possuo mais o histórico das vacinas que tomei, por medo de
sofrer uma contaminação pela água sem tratamento que vem
116
direto de uma fonte na mata que eu nunca nem vi, e também por
um acidente no trabalho onde me cortei com ferro enferrujado,
fui procurar o posto de saúde para me vacinar contra tétano,
tríplice viral, hepatite b, e hepatite A. No entanto, fui informado
pela médica do posto que a hepatite A, que é transmitida
justamente por contaminação da água, só é aplicada na rede
privada. Ainda me disse que como aqui no Rio a água que a
maioria consome é contaminada e possui um mau tratamento ou
nenhum, como no meu caso, as pessoas já criaram anticorpos
para a hepatite A.
Sobre o caso da água contaminada do Guandu e seus afluentes,
todos nós sempre soubemos, mas um episódio recente mostra o
poder da mídia brasileira seja no mercado ou sobre a própria
sociedade. De repente, como se ninguém nunca antes tivesse sido
internado por contaminação na água, ou se a nossa água nunca
viesse suja na torneira, com cheiro etc., a tv começou a noticiar
casos aqui no Rio de Janeiro. Todo esse alarde sobre algo que
sempre foi assim fez com que as pessoas corressem até os
mercados e em menos de 3 dias às prateleiras já estavam sem água
mineral. Desta forma os preços subiram muito, e a mesma mídia
hoje relata a notícia de uma família onde os pais estão tendo de
escolher entre dar comida ou água para os filhos.

Isso chama atenção para algo que já está em debate há algum


tempo. Todo esse lance da água abre espaço para escândalos e
desta forma justificam a privatização da companhia por um
preço muito baixo. Os que vendem a água lucram, e você? Só
querendo sobreviver, nem percebe os efeitos de tudo isso. Logo
117
adianto que o mesmo acontecerá ao SUS. Primeiro eles cortam
verbas, sucateiam o sistema de saúde, e quando você já está
cansado de reclamar que isso não presta, eles privatizam a saúde
com a resposta ao povo de que já não estava funcionando mesmo.
A dúvida é: o projeto era ruim? Ou o problema foi uma má
administração programada para atender os velhos interesses?

Por fim, chego ao ponto que busquei desenvolver neste capítulo,


o poder que a mídia tem não só aqui, mas em todo o mundo.
Com isso trago de volta ao debate aquele quinto ponto que eu
falei no capítulo anterior para iniciar o debate sobre um novo
118
modelo de comunicação e os últimos detalhes sobre a falha da
comunicação da esquerda com o povo trabalhador.

Pense na rotina que eu descrevi sobre o trabalhador que sai de


casa e tem em média 3 horas e meia por dia para viver. Quando
está em casa com sua família após mais um dia de trabalho, esta
pessoa chega cansada e dificilmente vai buscar ler livros já que
desde criança nunca teve estímulos a leitura, não tem senso
crítico sobre a realidade a sua volta (ele a sente mas não entende)
e sempre fez o que foi preciso para sobreviver e garantir o
sustento da família. Quando chega em casa, essa pessoa está
exposta a este tipo de mídia pronta para lhe guiar até o caminho
que garanta lucro ao mercado, seja em propaganda, seja em
notícias sobre o mundo e a política, seja em novelas ou
programas infantis.
Aqui mora o ponto principal de toda a dificuldade de diálogo, de
toda a polarização e de todo este caos gerado nas relações sociais a
partir de 2013, no contexto pós-manifestações e as eleições de
2014.

Entenda, imagine que a mídia é uma amiga sua, a única amiga


que está ali com você todos os dias nessas 3 horas e meia que você
tem de vida no seu dia a dia. A mídia é sua amiga que mantém seu
filho entretido na frente da tv todas as manhãs com desenhos
animados, mantém sua mulher entretida em casa assistindo sua
novela e te mantém animado com o seu futebol. Imagine que a
esquerda e todo seu discurso é uma pessoa que você ainda não

119
conhece, e a mídia, sua amiga, fala para você as piores coisas
sobre esta tal de esquerda, com horas e horas de associações a
todo tipo de negatividade. Como você reagiria quando esta tal de
esquerda viesse conversar com você?

Se você entender esta comparação que fiz, você já entendeu a


forma que o sistema se apropria de toda a pauta da esquerda
brasileira para criar este abismo entre as pessoas realmente
dividindo o povo, dividindo pessoas que estão dentro de mesmo
BRT lotado todos os dias, simplesmente pelo fato de que quem
tem a voz para falar com você todos os dia é ela.

Certo, se eu me candidatasse dizendo que a minha luta seria


para que você tivesse direito a ter um teto, viver com
dignidade, tivesse direito a água tratada, saneamento
básico, direito a dormir sabendo que ninguém vai invadir
sua casa de madrugada e fazer mal a você e a sua família,
garantir o seu direito a uma vida digna, você seria contra
mim?

Acho que não, mas se eu me candidatasse falando que sou


defensor dos direitos humanos?
Já consigo até ouvir você me chamando de defensor de bandido.

120
Mas por incrível que pareça tudo o que descrevi para você
anteriormente faz parte dos Direitos Humanos, e por que há esta
associação?
A resposta é este capitulo todo, este é o poder da mídia, este é
o recurso utilizado pelo sistema para se apropriar das pautas e
invalidá-las.
Esta já é uma tática antiga que o filósofo Schopenhauer já
falava, a tática de ridicularizar o discurso do adversário. Desta
forma, lutas sérias como moradia, respeito e igualdade podem
simplesmente ser transformadas a partir do momento em que são
associadas à ideia de que feminismo são mulheres querendo pisar
em homens, ou a pauta LGBT a alguém enfiando uma cruz na
bunda, e desta forma os ouvidos do povo estarão fechados
para as pautas da esquerda, que como já disse são pautas que
devem ser debatidas, mas que neste momento não devem ser a
base principal do trabalho de uma esquerda que se enxerga
como necessária para mudança desta realidade que o povo vive
todos os dias. Qual trabalhador tendo esta visão formada teria
coragem de se dizer de esquerda? Qual família gostaria de dizer
que seus filhos são de esquerda? Este é o ponto do que vem
acontecendo por aqui, pessoas que nunca sequer leram livros já
possuem posicionamento político de direita conservadora
simplesmente porque acham que sabem o que é a esquerda, o
cidadão médio brasileiro não precisa entrar em um curso
intensivo de conservadorismo a vida em sociedade através das
instituições, da mídia, dos dogmas cristãos, das interações e da
cultura já moldam no subconsciente do indivíduo um forte
caimento para esse pseudomoralismo Brasileiro.

121
E este pensamento vem sendo reforçado todos os dias pela mídia,
que por sua vez visa defender seus interesses criando esta fenda
na sociedade, pais contra filhos e filhos contra pais. Lembra do
capítulo onde falo da tática usada pelo colonizador? Esta é a
versão do século 21.

Se valendo da formação da sociedade brasileira conservadora, a


esquerda comete um erro ao ter assumido pautas identitárias
como sua principal luta. Nossa sociedade não está pronta para
aceitar ou respeitar diferenças, nossos avós eram ultra religiosos,
e criaram nossos pais com castigos físicos, discursos de moral e
etc. Por exemplo, mesmo que você não odeia os gays, ou as
feministas, ou negros, durante uma conversa com seus amigos
em que eles expressem repúdio a qualquer um destes, poucos
teriam coragem de se opor simplesmente pelo fato da aceitação.
Como se você não fosse ser aceito, ou fosse menos homem pelo
simples fato de você não odiar gays, como se você fosse menos
homem por assumir que é a favor do feminismo. Como se você
fosse racista por assumir que o racismo existe. São justamente
valores opostos aos que formaram o Brasil e realmente é um
choque no campo das ideias que balançou fortemente a sociedade
brasileira. Mas a ridicularização e a aversão são o preço a se
pagar. Como já disse não sou contra o trabalho que vem sendo
feito, mas não deveria ser a pauta principal da esquerda tendo em
vista que não toca a realidade da grande maioria das famílias, e
justamente por estar longe da realidade das classes mais pobres
que a estratégia usada pelo sistema obteve tanto sucesso. Se o
principal projeto fosse estar presente organizando as massas na

122
luta cotidiana do povo, estas pautas seriam menos mal vistas e até
mesmo teriam a oportunidade de serem mostradas ao povo antes
que a mídia manipulasse e vendesse do jeito que a interessa,
interferindo diretamente no jogo político.
Apresentação da visão:

A tese em parte se inicia formulada em cima de estudos, leituras e


toda a formação que tive no curso de políticas públicas e
territorialização em favelas na Fundação Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ). É em parte fundamentada na busca de saciar aos
meus próprios questionamentos sobre o atual contexto,
juntamente a inúmeros debates, tanto com pessoas de direita,
como de esquerda e de “centro", com trabalhadores, jovens e
famílias cansadas de todo este jogo político ou em sua grande
maioria pessoas sem qualquer consciência política ou social sobre
qualquer um dos temas tratados neste livro (a estes direciono o
meu foco).

Distinguindo determinados grupos de pessoas, comecei a buscar


inicialmente por um ponto comum a qualquer um que já tenha
tentado falar em público sobre política no Brasil em 2019. A
falta de diálogo foi meu ponto inicial e a partir daí para
entender porque o diálogo se tornou tão difícil. Sabendo que o
fascismo é um movimento contraditório onde o pobre favelado
apoia a política que o mata, a pergunta foi: por quê?

123
Todos sabem que se trata de mais do que apenas proximidade a
um candidato ou a um partido, mas sim a um conjunto de ideias e
ações que eles representam. Isso gerou a famosa polarização. Em
síntese, me faz lembrar a estratégia usada pelos europeus para
colonizar povos maiores, eles exploraram as diferenças entre
grupos ou povos da região e estimulavam guerras entre os dois, e
assim eles não resistiriam ao ataque estrangeiro. Basicamente
dividir para conquistar, estratégia clássica do monstro em
filmes de terror. Já na realidade não é tão simples assim, por isso
vale lembrar da rixa entre os tutsis e os hutus no Congo Belga.
Os tutsis eram minoria no território e com isso sujeitos aos
hutus. Os belgas, percebendo esta relação, ao começarem a
colonizar a região em 1885 logo após a partilha da África pelos
europeus, processo que se deu em todo o continente (o Congo
era propriedade do Rei da Bélgica como um objeto, e assim todos
os que lá viviam), os belgas deram poder aos Tutsi, que ficaram
responsáveis por manter os hutus (maioria) sob controle.
Os tutsi contribuíram na dominação belga com extrema violência
contra os hutus, até que em 1962, com a independência do
Congo, os hutus tomaram o poder com ajuda dos belgas (no
estilo “se fode aí”. Alguns dos tutsis foram exilados e se
prepararam para um conflito, que teve início na década de 1990.
Após este fato os hutus se rebelam e decidem assassinar todos os
tutsis para acabar com toda a linhagem do que eles chamavam de
baratas, e assim os tutsi são massacrados. A quantidade de
mortos em pouco tempo chega a um número entre 500.000 e 1
milhão de pessoas, e no fim temos colonizados contra
colonizados, pobre contra pobre, preto contra preto. Isso
parece um pouco com o lugar que você vive?
124
Pensando que assim como Vargas e Lula, este novo governo só
usa o povo para beneficiar as elites (os que sempre saem
ganhando) e nós vamos nos dividir cada vez mais como os tutsis
e os hutus até que todo nosso sangue escorra pelo chão.
Observei a extrema necessidade de sermos capazes de dialogar
entre os "opostos", mas não apenas no diálogo, mostrar para os
dois “lados" quem é o verdadeiro inimigo, quem é o colonizador
belga. Quem é o responsável pelo caos, por você hoje ter que
pilotar na Uber com carro alugado por mais de 12 horas ao dia
pagando veículo, combustível, seguro e etc., sem qualquer
direito? Quem é o responsável por você pedalar 90 km por dia no
Ifood, pagar pela bike e pela mochila, dia, noite, sol, chuva, sem
direitos? E se você sofrer um acidente? Espero que tenha
pedalado bastante, porque remédio é caro e agora não existe
mais DPVAT né (até o momento, fevereiro de 2020). Isso tudo
porque o emprego de carteira assinada está se tornando cada vez
mais um sonho distante, a estabilidade cada vez mais longe. E o
futuro cada vez mais desanimador.
Por isso trago neste livro esperança em algo novo, esperança
de transformar, de virar o jogo a nosso favor, de entender que
estamos todos fodidos e a política serve aos interesses da elite
(eles mesmos que sempre saem ganhando).
Trago a esperança de que a verdade vos libertará.

E que desta forma todos possam entender como o inimigo opera


para que se organizem no contra-ataque.

125
Não acredito em uma esperança de que eles nos deem o que
queremos e precisamos simplesmente porque levantamos a
bunda do sofá a cada 4 anos para apertar uma tecla verde e
assim achamos que estamos construindo um Brasil melhor para
nós e nossos filhos. Não há esperança em que essa política vá
salvar o Brasil só quem pode nos salvar somos nós mesmos. Por
fim, trago a você a tese neoprogressista como uma arma de
reflexão, união, e contra-ataque.

4. Neoprogressista

Este é ponto principal do livro, aquilo que busquei desenvolver


para que possa ser entendido a complexidade das relações e dos
interesses em jogo e assim, através de um diálogo diferenciado,
possamos atingir com mais eficiência a classe trabalhadora com o
objetivo de uma reconciliação. Alguns ainda devem se lembrar
do discurso do Mano Brown no comício do Haddad e as palavras
que por ele foram ditas. Ele estava certo. E devido a meu
alinhamento com a mesma percepção busquei encontrar a lógica
por trás do que está acontecendo no Brasil. “Não consigo
acreditar que as pessoas viraram monstros do dia pra
noite”. Ao longo da minha pesquisa dei de cara com o diálogo da
esquerda. Sou da favela e sofro muita repressão no dia a dia por
falar gírias e algumas expressões que dentro da favela são a forma
normal de comunicação, como por exemplo: paizão, fé, mec,

126
meczada, papo reto, menor, mandado, desenrolar, e outras
palavras que no nosso dia a dia são usadas para se comunicar sem
que no nosso meio haja nenhuma discriminação, e desta forma
você acaba se acostumando a esse tipo de diálogo. Agora, imagine
alguém que nunca andou na favela parar para reparar na nossa
conversa. Não vai entender muita coisa. O ponto que quero
chegar é que a falha realmente está na forma de falar muito
acadêmica, por isso o discurso não vai ser entendido ou sequer
levado a sério se não fala a língua do seu público. E não estou
falando que a esquerda tem que começar a falar gírias, mas estou
dizendo que deve “desacademicar” a comunicação e os meios
de diálogo - este último será entendido mais à frente.
Termos como, fascismo, neoliberal, liberalismo, necropolítica,
marxismo, entre outros, são termos que nós não conhecemos e o
contato que temos com estas palavras muitas vezes vem da
direita, então entram naquela questão de não entrar no ouvido da
classe trabalhadora pelo fato de já ter sido distorcida antes. Ou
seja, o diálogo deve ser feito de forma clara e objetiva, o que
nós da favela chamamos de dar o papo reto. Então dê o papo
reto que você vai ser ouvido. Em outras palavras, você deve
evitar usar termos acadêmicos para descrever ideias e, ao invés
disso, explicar de fato as ideias de forma que o público entenda, e
esta forma vai ser tratada a frente neste capítulo. Em síntese, vejo
muita gente que não conseguem entender o Bolsonarismo e o
porquê de os pobres estarem apoiando uma política que é
claramente contra eles mesmos, e tudo que a esquerda consegue
usar para justificar é que as pessoas são burras e ignorantes.
Neste momento você não está sendo diferente em nada de
um conservador que acredita na “natureza humana” como
127
justificativa da violência e da desigualdade. Há de se
entender que existe uma lógica por trás, tanto da falha da
comunicação quanto deste posicionamento da classe trabalhadora
em rejeitar a esquerda.

Vamos por partes. A primeira lógica, ou ponto comum em todas


as características que identifiquei e que atinge o diálogo da
esquerda, resolvi batizar como Ponto cruz, um padrão, ou
melhor, quase uma fórmula da comunicação perfeita. Ponto
cruz porque são dois pontos que precisam se cruzar e é
justamente neste cruzamento em que está a falha. Dentro de um
discurso apresentar fatos não garante que você tenha sucesso, e
isso eu aprendi nas batalhas de rima em que participava na
adolescência. Não adianta só saber rimar, tem que saber agitar o
público, e o que agita o público trabalhador, diferentemente do
público acadêmico? Não são os dados ou percentuais ou
teorias, e sim os sentimentos.
Exatamente. A incapacidade da esquerda em entender o povo está
justamente nesta frase. A esquerda é guiada pela lógica e pela
razão, é isso que transborda em seus discursos e é por isso que ela
avança grandemente no meio acadêmico. Já as nossas famílias
entendem e são guiadas pelo sentimento, ou seja, a comoção, e é
aí que tem sido trabalhado há muito tempo pelo campo
conservador nas camadas mais pobres da sociedade, pelo simples
fato de que quando você perde seu emprego, seus filhos vão
embora, sua mulher te deixa e você se encontra sem casa
dormindo embaixo de uma passarela com o espírito
completamente destruído e sofrido, quem é que chega com uma
128
mensagem que toca diretamente o seu coração? Quem chega
dizendo que existe um Deus que ama você, mesmo você sendo
quem você é, mesmo não tendo nada? Quem é que diz que os
humilhados serão exaltados, e que há um lugar melhor se
você resolver se levantar desse chão e o seguir?
Quem vai até esse lugar para te dar um prato de comida, quando
nem mesmo sua família e seus amigos lembram mais de você?
Quando você não vale nem mesmo um voto?
Entenda o peso dessas palavras que tocam diretamente nos
sentimentos chave de uma pessoa nessa situação?
Aí entra o ponto cruz, observe. Como uma linha guiada pela
razão, que no caso seria a razão da fé cristã, e outra linha guiada
pelo sentimento, representados pelas palavras-chave, elas têm o
poder de despertar a comoção de quem as ouve. Quando estas
duas linhas se cruzam se forma o ponto cruz e é
estabelecida a comunicação perfeita. E em sua grande
maioria a linha da razão é mil vezes menos relevante do que
a linha do sentimento, ou seja, às vezes não importa a razão
por trás do que é dito e sim o sentimento que aquilo
desperta. O segredo para o melhor uso do ponto cruz no diálogo
é justamente a capacidade de identificar os sentimentos no
ambiente, no público ou no indivíduo ao qual se dialoga. Eu
desenvolvi este pensamento durante a aula do antropólogo Jorge
Romano no curso de políticas públicas da Fiocruz. O debate na
aula era sobre a “MP da maldade” e a turma estava dividida entre
direita e esquerda, cada um dos lados discutindo sobre a razão e a
lógica, sendo que os dois lados não se entendiam. Não que
devam concordar, mas sim buscar um ponto comum a ser
129
trabalhado, e então passei cerca de 10 minutos observando aquele
debate e quando o professor ia interromper as discussões para
prosseguir a aula eu pedi a oportunidade para falar. Aquela foi a
primeira vez em que eu experimentei essa teoria, e então busquei
usar a razão sobre a MP e identifiquei no público da sala de aula,
tanto esquerda quanto direita, que todos eram trabalhadores e
estudantes cansados após um dia de trabalho sentados na sala de
aula e frustrados com o que estava acontecendo. No fim, todos,
independentemente do posicionamento, partilhavam de um
sentimento em comum além da frustração, o de que nenhum
deles estava pensando em si próprio quando debatia sobre a
política atual pois já tinham um sentimento de “fim de jogo”,
uma desesperança comum a quase todos os brasileiros com
quem tenho dialogado. Esta falta de esperança se mostra de
diferentes formas em cada um, muitas vezes relacionada a um
sentimento de anestesia, alguns até como um sentimento
de morte, como estar diante do seu próprio fim, como se
para eles tudo estivesse perdido e a luta seria por algo além, algo
maior, e então o sentimento que pude identificar foi algo
semelhante ao de proteção. Simplesmente usei aquilo que
todos partilhavam de maior afeto para apoiar a minha lógica e a
minha razão de ser contra a “MP da maldade”. Minha fala foi:
“Antes de tudo, nós somos trabalhadores e, independente do
posicionamento, todos nós temos família, um filho, uma mulher, um pai
e uma mãe... Temos pessoas a quem amamos e queremos estar perto,
porque nos momentos difíceis são eles quem nos confortam. Me diz o
que é pra um trabalhar como eu que rala o mês inteiro com um desgaste
físico e psicológico enorme e que ainda tem que se deslocar até
Manguinhos pra conquistar algo melhor no meu futuro, passando tanto
130
tempo do dia fora de casa, ter que aceitar esta MP que faz com que eu
tenha que passar mais tempo ainda longe da minha família e das
pessoas que eu amo. Em troca de que? Eu não recebo nem hora extra,
por que tenho que passar além de todo o tempo que já passo, os
feriados e domingos longe de casa?
E o tempo que você não está em casa, seu filho está em uma escola que é
incapaz, por interesse proposital de um certo grupo, de dar aquela
educação que você tanto sonha para ele. Imagina quantos de nós
crescem vendo nossos pais se matando de trabalhar como nós fazemos
hoje e nunca têm dinheiro para nada além das contas, chegam tão
cansados e estressados em casa que não têm tempo nem disposição para
dar a atenção que seus filhos merecem, o cuidado que eles merecem,
muitos crescem revoltados, e quantos sem qualquer interesse na escola
crescem vendo na vizinhança aqueles que serão pra eles um exemplo de
sucesso?
Me matar de trabalhar pra ser como meus pais?
Estudar em uma escola que não tem nem comida?
Ficar na esquina com dinheiro, mulheres e armas?
São opções reais, vocês acham justo com a gente e com a nossa família?”

Naquele momento a turma se calou, e vi que todos concordaram


neste ponto, mesmo os que eram a favor do mercado. Então
eu pude perceber que apesar de polarizada, as emoções
aproximaram a turma mesmo que em um silêncio de reflexão.

131
Enquanto todos falavam de gráficos e dados divulgados, o debate
continuava, mas no fim ninguém quer o mal para si ou para
sua família e é aí que entra o próximo ponto.
Acredito que após este exemplo você tenha entendido tanto a
importância do ponto cruz no diálogo quanto a aplicação dele.
É uma fórmula fácil, razão + emoção = comoção. E realmente a
comoção no sentido mais amplo da palavra tem poder para
transformar, unir em prol de algo, e este seria o poder do “nós”
ou simplesmente os sentimentos de pertencimento e unidade.
Estes só vêm por meio da comoção, e juntamente do sentimento
de comoção deve haver o de empatia. Abro espaço no texto para
dar ênfase à relação da empatia dentro da comoção. O que
observamos hoje é uma polarização política debruçada em uma
falha no diálogo que é profundamente explorada como peça
nesse jogo político, pelo simples fato de que tanto a
administração anterior de esquerda deixou muito a desejar
quanto ao fato que as próprias pautas que a esquerda utiliza hoje
como bandeiras principais são muito polarizadas por si só, ou
seja, não que não devam ser debatidas, mas como estratégia é
essencial entender em que momento deste tabuleiro nós estamos.
Temos este espaço para agir como temos agido ultimamente?
Hoje ainda podemos falar, e amanhã, ainda poderemos? Então, se
estas forem nossas últimas palavras como elas vão pesar no jogo,
serão as palavras que nos salvarão ou serão as palavras que vão
nos sepultar. O ponto é que o discurso polarizador parece
surtir efeito apenas quando se está dentro de uma bolha, ele
é capaz de unir a esquerda dentro de ideias cada vez mais radicais
(na ideia de atingir a raiz do problema), mas no fim das

132
contas o efeito disso é afastamento e enfraquecimento e não um
efeito de adesão às ideias e ao debate, é aí que está sendo criado e
explorado o abismo na comunicação entre esquerda e a classe
trabalhadora. As pautas principais são polarizadoras e no
geral não condizem muito com a realidade diária destas
famílias, ou seja, não que os trabalhadores sejam burros ou
fascistas, mas simplesmente eles não conseguem se identificar
nas pautas que a esquerda trabalha, e mesmo que se identifique
com alguma delas, ainda assim há o peso de todas aquelas outras
que hoje possuem um fator social de ridicularização nas
ideias de um indivíduo que se diz de esquerda. Ou seja, além
de ser o abismo entre o povo também se torna o próprio abismo
entre as “esquerdas” que se encontram fragmentadas em várias
correntes de pensamento contrárias umas às outras. Por fim, este
ponto da empatia só se dá no discurso “pré-comoção”
quando o discurso conversa com a realidade destas pessoas,
quando conversa com os sentimentos dessas pessoas, de forma
que nem mesmo a racionalidade do cérebro humano possa
bloquear o poder deste discurso e este é o berço da empatia.
Está além da racionalidade.
Gostaria de dar um exemplo para que fique claro de uma vez por
todas como é enraizado e até o quão profundo pode chegar esta
ideia de ponto cruz. Observando a esquerda brasileira hoje, posso
notar o sentimento de depressão. Após a morte de Marielle e a
derrota nas eleições presidenciais, a esquerda possui um misto de
perda com algo similar a revolta. Imagine que faltando dois
minutos para acabar a final da libertadores, o flamengo toma um
gol e fica na desvantagem. O sentimento é de “nos fodemos”,
mas o jogo ainda não acabou, e nestes dois últimos minutos
133
temos que dar o máximo do time para pelo menos empatar e ir
para os pênaltis. O sentimento do jogador, “a esquerda”, é de
tudo ou nada. Nestes últimos 120 segundos seria a “revolta da
esquerda” como um instinto de gritar mais forte, gritar
com toda força e lutar com unhas e dentes antes que a
democracia acabe em 120 segundos. Não se pode dizer que a
ideia é virar o jogo, mas dentro destes 2 últimos minutos marcar
um gol que faria com que o time não fosse derrotado na hora, e
ainda tivesse a chance de ganhar nos pênaltis. Seria justamente a
reconciliação da esquerda com a classe trabalhadora, e este é o
sentimento da revolta da esquerda hoje. Infelizmente, gritar
com mais força e agir da mesma forma está apenas nos afastando
de marcar este gol. Mas o sentimento que quero analisar no
discurso é o da perda, este é um sentimento ao qual nós das
famílias mais pobres, em especial das favelas, conhecemos bem. O
sentimento de perda dos nossos filhos, parentes e amigos que são
arrancados de nós de uma forma tão violenta, como meu primo
Dudu que faleceu na favela do Manguinhos, ou vários amigos que
se foram em várias favelas pelo RJ. Este sentimento é
partilhado tanto pela esquerda quanto pelas famílias da
favela, e é através deste sentimento que tem se aberto um grande
espaço para a pauta sobre a violência policial dentro das favelas,
como, por exemplo, no recente caso da menina Ágatha, morta
por policiais em operação no Complexo do Alemão. É um fato
muito triste de se analisar, mas necessário para a compreensão
deste ponto do livro. Apenas partilhando do mesmo sentimento
de uma perda covarde o diálogo pode gerar empatia com estas
famílias, e esta conexão gerou comoção, que gerou união, e
esta união possibilitou que dentro do governo Witzel, num
134
momento crítico para as favelas cariocas, o PSOL conseguisse se
unir a estas famílias que perderam parentes vítimas da violência
policial e organizasse um coletivo de 1500 cartas escritas por
crianças denunciando à ONU a realidade vivida das operações
policiais em horário de entrada e saída em escolas e creches. A
iniciativa, juntamente com outras manifestações como a “parem
de nos matar”, na Maré, teve como resultado uma ação do
ministério público que solicitou e elaborou um plano de
operações policiais dentro das favelas do RJ onde ficam proibidas
as operações policiais próximas a escolas e creches. É mais do que
a razão, é algo diretamente ligado à emoção. A questão é: quem
vai buscar dominar esta arma?

Avançando na minha busca por um ponto comum, este que foi


revelado no silêncio reflexivo de uma turma polarizada, fui ao
encontro de uma pesquisa que me inspirou e me proporcionou
maior alcance do ponto cruz na busca por um ponto comum. É aí
que entra o perfil psicológico de dois tipos de famílias,
frutos daquela velha herança colonial que falei logo no início
do livro. Para ser mais específico, os moldes que temos desde
então, já que o poder tinha como pilar a família até a chegada do
império em 1808. Não era de se esperar que fosse diferente até os
dias de hoje.
A família a partir de então se torna a base do discurso
neoprogressista, não como apropriação, mas sim como
ponto comum, uma das bases de formação do indivíduo e a
principal afetada com tudo que descrevi ao longo do livro.

135
136
Perfil psicológico:
Baseando se nesta dualidade entre um padrão básico presente em
todas as famílias, peço ao leitor que reflita sobre sua criação e sua
família. Farei a apresentação deste dos tipos e em seguida vou
mostrar a associação com a política nacional e mundial.

Vamos começar pela família disciplinadora, onde irei usar a


figura do pai para pontuar, mas é válido para todos os tipos de
famílias. Na família disciplinadora, o pai enxerga o mundo como
um lugar ruim, e que sempre vai ser ruim. Seu dever como um
pai disciplinador é criar filhos fortes para enfrentar este mundo
que foi cruel consigo e há de ser com seus filhos também. Por isso
impõe um comportamento autoritário sobre os filhos para que
cresçam fortes e sejam independentes financeiramente (note que
a palavra independência é a palavra-chave) para que sejam,
através da disciplina, bem sucedidos. Em muitos casos criam a
expectativa de que estes filhos mudem a realidade da família,
trazendo sustento e cuidado para os pais. Sendo assim, ele se
sente na obrigação de criar um cidadão de bem e não há
problema se está formação for a base de castigos físicos. Note que
apesar desta visão que o pai tem sobre o mundo, sobre si mesmo
e seus filhos, ele não deseja o mal para seu filho, o que este pai
deseja é o bem, e para alcançá-lo usa os meios em que acredita.
Através disso, ensina a seus filhos em sua grande maioria a fé
cristã, que tem como fundamento princípios de “pseudo-moral
conservadora”. Esta é a família disciplinadora, tal perfil
comportamental revela o porquê de um alinhamento deste tipo
de família com políticas de direita, que possuem um discurso de
137
moral, de mérito, de economia e a fé cristã, políticas que
basicamente dizem que o sucesso vem pelo seu esforço e que
nada além disso importa porque quem quer de verdade
consegue, independentemente da situação. E esse discurso
funciona por que isso já está internalizado nesta família e a
política através deste discurso ganha a sua simpatia, o que
automaticamente gera o efeito de comoção, mesmo através do
filtro de racionalidade humana, pois isso já vem sendo
internalizado desde a sua infância dentro de uma família
disciplinadora, que dizia pra você que se for forte e tiver
disciplina pode chegar onde quiser e que tudo só depende de
você. Neste tipo de família, políticas públicas que investem nas
pessoas são um desperdício de dinheiro porque em sua visão
torna as pessoas fracas, dependentes e acomodadas, sendo
assim prejudiciais ao tipo de criação que deseja dar aos seus filhos,
já que “tempos bons criam homens fracos e tempos difíceis criam
homens fortes” - provérbios orientais.

Já na família progressista, o pai acredita que o mundo é um


lugar ruim, mas que pode ser melhor, e sua obrigação como pai é
criar um ser humano bom que tenha consciência do seu poder
de mudar o mundo. Para isso, ele busca estimular o
desenvolvimento do seu filho para que ele possa ir além do que o
pai foi, e assim por diante, uma ideia de continuidade, legado.
Este potencial vem dos estímulos ao desenvolvimento daquela
criança, priorizando o diálogo e o afeto com seus filhos mais do
que na família disciplinadora, incentivando-o com artes, com
músicas, leituras, etc. Buscando sempre ensinar novas coisas

138
para que aquela pessoa em formação possa ser capacitada e
preparada para este mundo, sendo um ser questionador e
um conquistador, e não alguém que viva conformado com esta
realidade. Dando ao filho o poder de mudar o mundo através
desta bagagem, para que possa conquistar as oportunidades.
e mesmo quando essa família progressista vem da periferia onde
há pouco ou nenhum acesso à cultura, artes e etc. esses pais
costumam pensar na ascensão de seus filhos da mesma forma que
uma família progressista de classe média, o pensamento dessa
família é, “mesmo que eu coma o pão que o diabo amassou eu não
vou deixar faltar nada para os meus filhos e o que eu mais quero é
que eles não precisem viver o que eu vivi”, como diria nosso MC
PQD “ O maior orgulho de uma mãe é ver o filho bem formado,
trabalhando numa faculdade….” - Essência da favela (MC PQD).
Note que oportunidade é a palavra-chave para um
progressista, mas o progressista entende que a oportunidade
vem apenas em um cenário de políticas que visam a
melhorias da qualidade de vida em todas camadas, desde o
salário até acesso a graduação em medicina. Portanto, este
tipo de família se alinha com políticas sociais voltadas para
melhores condições de vida. Por isso o PT teve tanto apoio ao
direcionar sua fala para políticas mais progressistas e melhorias
reais no poder aquisitivo das famílias nas esferas mais pobres. Na
visão progressista, um governo que investe nas pessoas é positivo
para as famílias, gerando as tão preciosas oportunidades para
que estas famílias vivam em condições melhores, não só
para as famílias mas para o país como já foi citado em outro
capítulo.

139
Note aí um ponto comum, há pontos progressistas na
família disciplinadora e pontos disciplinadores na família
progressista. Estas são as famílias que hoje disputam, divergem e
se agridem, estas duas famílias possuem em comum uma
insatisfação com a realidade em que vivem, estas duas famílias
partilham de uma visão de bem maior para a geração
futura. Os dois desejam o bem, portanto ninguém é mal ou
um monstro, em resposta a citação do Mano Brown, o que
divergem são os meios de se alcançar este bem, assim como a
própria visão do que seria o bem que se busca. Acredito que esta
separação é perigosa, e busco com isso esclarecer algo que a
esquerda ainda não entendeu. Esta é a lógica por trás de um
favelado que vota no Bolsonaro e no Witzel, ele está
insatisfeito com a realidade que vive e estes homens
vieram pregando as doces palavras da disciplina nos seus
ouvidos. Tudo que esta pessoa deseja é segurança, um mundo
onde o militarismo impeça seu filho de virar bandido, já que nem
ele consegue isso porque está ocupado demais trabalhando 44
horas por semana sem ganhar o suficiente para pagar todas as
contas e comprar comida. De certa forma, a promessa de
proteção feita por eles é de restituir um mundo que era
bom, na realidade um mundo que não existiu, e por isso o
período escolhido aqui no Brasil foi o da ditadura militar. O
discurso da repressão é apelativo a família disciplinadora,
no mesmo ponto em que o castigo físico aplicado aos filhos
em sua visão servem para educá-los, até mesmo o medo é
algo bom para te afastar das coisas impuras e imorais.

140
Em tempos onde todos possuem um posicionamento político
baseado em uma enxurrada de notícias falsas, onde quase
todos entendem superficialmente sobre o contexto e os reais
interesses por trás de cada discurso, o alinhamento fica
basicamente a par deste padrão de comportamento herdado pela
instituição familiar.
Já pessoas que mesmo sem saber nada sobre política vieram de
uma família progressista, tendem a possuir maior grau crítico
sobre a realidade da sociedade como um todo, e não apenas a
sua própria realidade. Estas pessoas possuem um grau maior
de empatia, que é conseguir enxergar o mundo a partir da visão
do outro. Estas pessoas acreditam em justiça, também
acreditam no bem e nenhuma delas apoia o erro, no entanto
por possuir um entendimento sobre a complexidade das
relações que formam um acontecimento, enxergam com
mais facilidade a interferência dos interesses de grupos
poderosos na realidade do seu dia a dia. Por exemplo, alguém
entra no BRT lotado e fala: “nossa um monte de bicho se
espremendo”. Um progressista consegue enxergar que o fato de
todos estarem sendo transportados em pé, esmagados feito
bichos, se trata de algo além de simplesmente todos não terem
educação. Ele entende que para o dono da empresa de transporte,
se o BRT sair apenas com o número de pessoas por cadeiras,
ou seja, todos sentados, o lucro será bem menor, então é
mais vantajoso para o dono deste transporte remover
alguns bancos que os passageiros iriam sentados para que
possam ir mais pessoas em pé. Um ônibus que tem 100
assentos sai do terminal com 300 pessoas. Esta é a diferença de

141
uma visão crítica, e uma capacidade de enxergar as relações de
interesse que interferem na sua realidade.
Por isso, alguém que cresceu em uma família progressista acredita
que as pessoas poderiam se comportar melhor se o transporte
tivesse dignidade para aqueles trabalhadores que chegam a passar
duas horas em pé para ir ao trabalho.

Por ser crítico e enxergar estas relações, é comum ao progressista


um sentimento de indignação e revolta, por isso políticas que
mudem a realidade desta sociedade que sofre com as maiores
desigualdades tem o poder de tocá-lo. Desta forma é que
discursos como o de Lula tiveram tanto sucesso em famílias deste
grupo.

E por fim você pode perguntar, mas e as pessoas que vêm de


famílias disciplinadoras e se tornam progressistas e vice-
versa?
Esse ponto passa pelo livro que será a sequência deste, o qual já
estou escrevendo, mas de uma forma superficial essa situação
acontece pela simples questão da repressão, existe uma diferença
entre ensinar o seu filho o caminho que ele deve andar, e impor
ao seu filho o caminho que ele tem que andar.
todos sabem que algo muito inerente da juventude é a rebeldia e
justamente nessa fase em que muitos progressistas de famílias
disciplinadores “mudam de lado” seja por contato com arte e
educação, ou seja simplesmente por rebeldia, pensando do ponto
em que isso acontece com ambos os lados como o caso de um
142
grande pensador conservador europeu Roger Scruton, autor do
livro “como ser um conservador”, que veio de uma família
comunista e isso não foi o “suficiente” para garantir seu
posicionamento político.
A questão é simples e vou explicar com um exemplo,
Um bebe se engasga e a mãe fica desesperada sem saber o que
fazer, com as emoções à flor da pele e o medo da morte do seu
bebe frente a impotência que ela sente ao não ser capaz de fazer
nada gera um trauma.
No fim dessa história o bebe vive, mas o cérebro da mãe ao passar
por um trauma vai reviver aquela sensação horrível, a questão é,
ela não pode associar a imagem do seu filho o trauma que sentiu
pois isso irá gerar conflito com os sentimentos bons que tem em
relação a ele, então o que seu cérebro faz é associar a algo como
por exemplo a roupa que o bebe usava naquele dia e a partir daí
toda vez que ela olhar pro bebe com aquela roupa ela irá reviver o
trauma.
O que acontece com esses filhos é a mesma coisa, só que ao invés
da roupa o trauma é o “costume” seja ele progressista ou
disciplinador, e o ódio ele “não pode” sentir do pai, ele sente dos
“costumes” que levará seu pai a agir daquela forma.

Entendido os dois padrões que definem a sua natureza e a


tendência política do discurso, é fácil entender o que aconteceu
nas últimas eleições onde empresas como a Cambridge Analytica
mapeou de forma robótica padrões de comportamento
internalizados através das interações dos usuários na internet,
143
como por exemplo você vê a foto de um homem morto e dá
“amei” no facebook. Através disso a empresa conseguiu
desenvolver estratégias que influenciaram nas eleições, entre
outras empresas que disseminavam em massa notícias falsas
através do whatsapp e facebook. Por essa razão, os dados são
muito valiosos e os seus estão à venda neste exato momento.
Qualquer político que se aproveite destes dados vai saber falar
exatamente o que você quer ouvir, ou ao menos o que a maioria
quer ouvir.
Aliando estas informações sobre a razão e a lógica por trás do
posicionamento político, basta apenas identificar o sentimento
do público e trabalhá-lo. Fica claro como os sentimentos são
importantes para definir as preferências políticas.
Esta eu vou deixar com você leitor: qual foi a lógica e o
sentimento trabalhado pela direita na última eleição?

Houve de fato através dos dados a legitimação de um certo grupo


de direita que antes apenas se expressava através da internet.
Observando a ascensão destes grupos no meio virtual bastou
incentivar estas pessoas a não ter vergonha de falar o que elas já
falavam no meio cibernético. Daí vem “a expressão abriram a
tampa do bueiro” e os trolls saíram. A potência da internet neste
século está justamente nesta conexão instantânea 24 horas por
dia. É como se estivéssemos conectados às mentes um dos outros
o tempo inteiro. Desta forma ela revelou todas as melhores e
piores faces da sociedade brasileira, sendo assim, devem ser
levadas em conta as correntes e postagens de forma relevante
para se entender o momento histórico/político que vivemos. A
144
era da ignorância, a era do caos das informações, nada faz
sentindo e o que há é um desprezo pela razão.

Qual o sentimento da esquerda hoje?


Esta eu respondo, a depressão.
Desde o assassinato da Marielle o sentimento que eu observo na
esquerda é a depressão, e este fato ganha força a cada dia. Isso
mina as forças tanto da militância quanto do eleitorado. Não
confunda, não estou falando do empenho dos militantes e sim da
força de seus trabalhos justamente porque há uma grande
necessidade na urgência por respostas, e este golpe foi tão forte
que balançou o senso de direção, não apenas tirando uma certa
unidade contida na figura de Lula, mas trazendo a ideia de que
fazendo mais do que estamos fazendo e com mais intensidade
iremos vencer tudo isso. A realidade é que não, o que fazer?

Assumir que isso não está dando certo e abrir espaço para
tentar algo novo reformulando o discurso é um dos pontos
principais.

Todo dia eu vejo as pessoas ao meu redor falando o que passam, o


que sentem, e eu percebo que a realidade deles é justamente a
realidade que uma política de esquerda visa atender. O que eles
vivem é justamente o que a esquerda fala, mas fala de uma forma
que eles não entendem, e por isso quando os veículos de
informação distorcem e anunciam de uma maneira que eles
145
entendem, quase sempre acentuando o sentimento de revolta,
indignação, aversão, ódio e ridicularização às pautas da esquerda,
seu discurso se torna ineficiente em gerar conexão. Não vai ser
levado a sério, pois os ouvidos do povo estão fechados para
suas ideias, e aí entra a questão do amigo. Se ele te falar que eu
sou ruim você vai me olhar com maus olhos, se ele te falar que eu
sou bom, você me receberá com um sorriso, porque a informação
foi passada por alguém em que você acredita.
O jogo não está perdido, e o que se deve trabalhar é uma
reconciliação, onde os setores de esquerda parem de depositar
suas esperanças no “mais do mesmo” que já tem sido feito e eleito
simplesmente pelo sentimento de que aquela é a única saída e
desta forma se limitando a não tentar outras possibilidades.

O que está sendo feito hoje é buscar fortalecer a polarização entre


as figuras de Lula e Bolsonaro e todas as ideias que carregam
consigo. Deve-se voltar o discurso para as necessidades práticas
das famílias trabalhadoras, não buscando evitar falar das pautas
da esquerda, mas compreender o cenário em que estamos e
reformular o discurso em 3 pautas de unidade central para a
esquerda. Descrevi na aplicação do ponto cruz a apenas uma
delas, que é a da família, e deixo ao leitor o trabalho das outras
duas. São estas ao todo as 3 pautas centrais que tem poder para
gerar comoção no cenário atual: família, moradia e emprego.

146
Palavras-chaves:
Tendo isso em mente organizei uma sequência de palavras
chaves que, se aparecerem em qualquer debate, reduzirão a zero
suas chances de achar um ponto comum de aproximação pelo
simples fato de estas ideias que vejo sendo debatidas atualmente
servirem apenas para inflar o ego e não de fato chegar a algum
lugar, além da dificultar no diálogo e até mesmo tornar a
violência verbal e física (localiza-se no fim do livro).

Vou te explicar com um exemplo que já usei antes em outra


situação: se eu sou seu amigo e te falo que Josué não presta, é
safado, 171, trambiqueiro, quando Josué for falar com você, me
diga se estas palavras automaticamente não voltarão a sua mente
e sua guarda estará levantada para possíveis armações de Josué?
Da mesma forma, se eu sou seu amigo e te falo que João é uma
ótima pessoa, divertido, simpático e inteligente, naturalmente
você vai receber João de forma sorridente e interessado em
dialogar sobre diversos assuntos. Sua mente não associa a figura
de João a nenhum tipo de ameaça.

Nosso cérebro funciona desta forma como instinto de


sobrevivência há milhares de anos, e hoje não seria diferente.
Todas estas palavras-chaves estão diretamente associadas quase
que na forma de senso comum (nem sempre bom senso).
Sabendo disso, em meus discursos uso uma lógica do menor
esforço, ou seja, prefiro pensar que 30% são fascistas mesmo, 30%
progressistas e os outros 40% devem ser alcançados. Uso lógicas
147
rápidas com as palavras chaves destacadas nas famílias
progressistas e disciplinadoras para identificar com qual eu estou
dialogando, e assim evitar o desgaste com aqueles que não terei
um diálogo proveitoso. Desta forma fujo de algumas palavras
chaves mas não retiro completamente do discurso,
simplesmente falo em outras palavras e como mágica elas
passam por seus ouvidos sem que seu instinto de ameaça
desperte. Logo ao começar a adotar esta prática me surpreendi ao
ver que na grande maioria das vezes as pessoas concordavam
comigo quando defendia seu direito à moradia, à água, luz,
dignidade, à não ser morto e nem torturado, à ninguém invadir
sua casa no meio da noite, e etc. E quando eu dizia a elas que
aquilo que acabei de dizer se chamava direitos humanos, elas me
olhavam quase espantadas, se perguntando “é isso mesmo?”

O discurso autoritário sempre existiu e sempre existirá. Assim


como o que acontece hoje em que a esquerda fala somente com a
própria esquerda, os fascistas já falaram apenas com eles mesmos.
O problema está no fato de que agora a voz deles não é só ouvida
mas principalmente difundida a ponto de se tornar quase que a
única (mas o que me preocupa é o silêncio dos progressistas
cansados) pelo simples fato de que esta voz serve perfeitamente
para os planos dessa elite (os que sempre saem ganhando).

A escolha de nos mergulhar neste caos de informações rumo a


um regime fascista foi desta mesma elite, guiando a insatisfação
da população para seus próprios interesses como sempre foi.
Enquanto combatemos Bolsonaro e o Bolsonarismo, fazemos
148
justamente o que esperam de nós. Devemos nos conciliar com os
arrependidos e alcançar os que já estão de ouvidos fechados para
o discurso atual, tratando como ponto principal a ideia de quem
realmente deve ser combatido, quem se esconde atrás de todos os
governos. Pense em quais sentimentos a palavra político desperta
em nós? Este ódio é direcionado e relacionado
propositalmente a política porque assim você amarra as
mãos da oposição e ao mesmo tempo torna políticos
descartáveis, já que quem controla o poder controla o
congresso. Esta elite que se esconde atrás da ferramenta que
deveria estar ao nosso favor. E ao sentir os resultados de suas
perversidades nós focamos em destruir a ferramenta e não em
tomá-la para nós. É claro que como duas crianças brigando por
um brinquedo ninguém vai querer largar, correto?
Entenda isso como quiser.
A realidade é esta, se você conseguisse se eleger hoje e tivesse
planos de realizar coisas boas neste sistema político atual,
você teria que agradar os poderosos, pois sem isso você não
consegue apoio nem verbas para fazer as ótimas mudanças
que você busca para seu povo, e se você passar os 4 anos
combatendo as elites seu mandato acaba e você não realiza
nada do que prometeu e logo o povo se vira contra você. E
os poderosos escondidos atrás desta ferramenta que deveria ser a
nosso favor não serão sequer anunciados em nenhuma manchete
de seus próprios jornais.
Por isso, se você entrar no grupo do whatsapp da câmara de
deputados do Rio de Janeiro, que é um grupo aberto a todos,
poderá acompanhar o que os deputados de cada partido aprovam.
149
Deputados de direita aprovam isenções fiscais a empresas de
vários setores, tantas que já até perdi a conta, enquanto a
esquerda cria feriados de representatividade. Isto é quase uma
regra, e não é por que a esquerda quer fazer isso, mas sim por
serem contrários aos interesses das elites, isso é tudo que eles
podem fazer. O congresso é deles (elites), políticos precisam
se vender para colocar asfalto na rua de quem votou neles e
para fazer campanha visando se reeleger. Por que o Rio
sofre com saneamento básico?
Por que em toda chuva de verão morrem várias pessoas e nada
muda? Porque o saneamento está embaixo da terra, se não é visto
não dá voto.
Esta é a evidência mais clara a olho nu, que qualquer um pode
constatar no seu dia a dia. Se você tiver um olhar crítico sobre
este fato, vai buscar entender o porquê. E é esta ação de
perguntar por que, que eles querem tirar das próximas gerações,
de preferência colocando um “sim senhor” no lugar.
O sentimento gerado e associado a palavras como “político” e
“Política”, assim como “favela” e “favelado” foi justamente o ponto
cruz usados nesta polarização.
A pergunta é: vamos continuar no jogo deles?

Não basta apenas um preto a cada dez mil entrando em


faculdades federais, não adianta um favelado a cada 100 milhões
entrando no senado. A casa é de quem controla o jogo e as
portas se fecham quando eles querem.

150
Seja por corrupção, golpe, intervenções militares ou até mesmo
intervenções estrangeiras, é assim que as coisas são, lutar pra
entrar um de cada vez na casa deles é apenas uma ilusão de
progresso e conquista.

Não basta só os militantes de esquerda encherem o Brasil com


pré-vestibulares se a qualquer momento o Future-se vem aí, e
neste exato momento o amigo dos ouvidos do povo está dizendo
a eles que isso é bom, “é o progresso, é o futuro”.

E nós? “Ei Bolsonaro vai tomar no cu”.


Enquanto estamos agindo assim, o povo está morrendo, o povo
está sofrendo e os que têm mais condições estão fugindo em
massa para Portugal. Os bancos seguem lucrando mais do que
nunca. As sensações de medo, pânico, ansiedade, depressão, ódio
e desesperança nunca foram tão grandes, a realidade se mistura e
se confunde enquanto somos sugados para uma outra realidade
que se me contassem anos atrás eu diria que era um ótimo
roteiro de ficção distopia.
Neste ponto entram progressistas cansados, muitos deles votaram
em Bolsonaro e Witzel. Não são pessoas burras ou ignorantes e
nem mesmo más, no entanto já estão desiludidas com a
esquerda e estão buscando qualquer coisa que faça o
mínimo de sentido no meio desse mar de lama e confusão.
Eu acredito na dualidade das ações, pois é em tempos difíceis que
nascem os fortes e em tempos de paz que a razão se perde, essa é
a balança que equilibra tudo.
151
O livro traz na capa a palavra esperança porque mesmo depois de
todas as pragas do Egito, o povo israelita foi liberto, entende o
poder disso? A esperança é a última que morre.
Não é o fim, mas a possibilidade de um novo começo, por isso
neoprogressista. Basta decidir se vamos aprender com nossos
erros e sair deste cenário com uma valiosa lição que nos
manterá mais unidos do que nunca, ou iremos fazer deste o
nosso cemitério e o berço de um mundo ainda pior do que
aquele que recebemos ao nascer.

152
CONCLUSÃO:

Busco trazer o entendimento de que as diferenças entre nós são


menores do que qualquer coisa, porque é algo estimulado e criado
para nos dividir. Criando desunião na classe trabalhadora fica
muito mais fácil dominar.

Minha mensagem à classe trabalhadora é que devemos nos unir e


se organizar, se informar e se preparar. Porque quando este
sistema mostrar sua verdadeira face que é a face unicamente da
repressão e não a das migalhas como moeda de troca pela
aceitação, nós teremos forças para reagir, para bater de frente
com esse sistema.

Para nós é um erro achar que a política, do dia pra noite vai
salvar nossas vidas e o nosso futuro, assim como é um erro achar
que vivemos uma democracia popular e que a justiça tanto
quanto as forças militares existem para nos servir e proteger, a
justiça funciona para você? a mesma justiça que solta o filho do
Eike Batista, a mesma justiça que inocenta militares que matam
crianças nas nossas favelas, a justiça que permite um militar da
FAB transportar 37 KG de cocaína em um voo presidencial para
Europa e além de estar em liberdade permanece recebendo o seu
salário de militar, a mesma justiça que remove centenas de
famílias de ocupações no meio da noite de forma violenta
necessitando apenas uma canetada, a mesma justiça que
condenou Rafa Braga e a mesma Política que impediu o
Impeachment do Crivella em setembro de 2020.
153
Nós trabalhadores brasileiros não chefiamos este País, nós somos
reféns dele e essa realidade dura, difícil de aceitar não vai mudar
com lágrimas, o messias não vem, só nós podemos nos salvar.

E para a esquerda Brasileira, não subestimem o potencial do povo


de compreender a realidade, mas ao mesmo tempo “sincretizem a
língua da esquerda com a favela’’, ocupem as igrejas por que é lá
dentro que suas políticas sociais vão ganhar a força que precisam,
ressuscitem o militarismo de esquerda para que não sejamos meia
dúzia de estudantes querendo mudar o mundo com cartazes.

Sei que a leitura massiva de livros nas classes populares não é


uma realidade porque isso faz parte de um projeto para gerar
desinteresse e depreciar o estudo e o poder emancipador da
educação

154
Minha resposta pro mundo:
O Brasil é uma peça chave na política mundial para alcançarmos
uma verdadeira libertação e assim começarmos a transição para
uma nova política que mude a vida dessa população e da américa
latina, somos a favela do mundo e é dela que virá o novo mundo.
Pretendo escrever mais um livro focado diretamente nessa
“resposta pro mundo” onde vou propor e idealizar uma política
nacional e internacional para o Brasil onde a realidade da
população mude estruturalmente e quebre a pirâmide social que
nos condena a viver por baixo alimentando os de cima, vou traçar
um plano em que Formaríamos uma américa latina forte e
independente da intervenção das metrópoles, um eixo forte e
emergente, um verdadeiro risco para aqueles que querem se
perpetuar no topo.

Estas são as considerações finais do livro, e deixo claro que pra


alguém que saiu de onde sai e para as condições em que vivi
escrever um livro é me imortalizar no papel, deixar um pedaço de
mim, um trecho do meu universo e dos meus pensamentos, ter
minha cabeça na sua estante, smartfone ou etc. poder dividir
meus pensamentos com você mesmo sem te conhecer, isso sim é
um verdadeiro milagre e uma verdadeira conquista, me sinto
muito feliz por ter realizado isso.
PALAVRAS CHAVES:
DIREITOS HUMANOS
FEMINISMO
LULA
155
BOLSONARO
PT
MARXISMO CULTURAL
"GÊNERO"
DITADURA
ABORTO
PRONOME NEUTRO
LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS
PSOL
DISCIPLINA

156
Essas são algumas das palavras-chave, e existem muitas outras
que você mesmo deve ter percebido. O que proponho ao fazer
essa análise não é abandonar essas palavras, mas sim passar a
perceber o impacto que ela tem em quem as ouve. Você deve
partir do ponto em que o cidadão brasileiro médio não sabe nada
ou muito pouco sobre assuntos políticos "complexos", e muitos
por não gostarem de pensar, já que isso dá trabalho, preferem
seguir pensamentos prontos e adotar como seus.
Quando o objetivo do diálogo vai além da disputa para ver quem
está certo ou quem sabe a "verdade" e passa a ser encontrar um
ponto comum com que possamos trabalhar uma mudança
estrutural, devemos evitar tópicos que apenas geram polarização
e tapam os ouvidos daqueles com que estamos tentando nos
conectar, já que dificilmente alguém vai mudar de ideia sobre
suas convicções. Isso se torna apenas um desgaste de energia
tremendo. Outra forma de utilização destas palavras-chave
servem para identificar o posicionamento da pessoa com quem
você está conversando. Por exemplo, um dia estava no Uber e o
piloto estava falando sobre como o Brasil está ruim, em um breve
momento ele falou que nasceu durante o golpe militar, e aí a
própria palavra Golpe já mostra que ele não tem alinhamento
com o pensamento negacionista que chama 1964 de revolução.
Nessas sutilezas você já encontra espaço por onde pode abordar
de diversas formas mesmo com pessoas que tem um pensamento
avesso ao seu, como por exemplo liberais que, apesar de tudo,
concordam que o indivíduo que não tem o mínimo para existir
não tem condições de uma disputa "justa" dentro dos seus
parâmetros de capitalismo meritocrático. Através disso encontro

157
espaço para o debate sobre distribuição de renda e reforma
agrária, como a que foi feita nos Estados Unidos em 1862.
No Brasil foi prometida terras aos milhares de soldados que ao
retornarem da guerra não viram essa promessa ser cumprida e
assim se dá início a ocupação massiva do morro da providência
(1897).

O que se deve levar em conta é que, como já foi dito, o cidadão


médio não estuda e não se informa sobre nenhuma destas
questões. Quando ouve falar sobre isso é através da boca de
liberais, pastores e etc. A própria formação do indivíduo no
Brasil já o torna em maior ou menor grau conservador, e por isso
falamos em desconstrução. Mas essa desconstrução só é
encontrada em dois caminhos, pela educação ou pela cultura, e é
justamente esses espaços que sempre foram negados aos
periféricos, por isso a existência da esquerda Burguesa. Nós
favelados que conseguimos penetrar esses espaços com toda a
dificuldade do mundo sentimos que ele não é nosso, e quando
tentamos avisar que o que tem sido feito não funciona somos
silenciados e ignorados. Quem propõe essas pautas tem pouca ou
nenhuma vivência na favela. Olhando a situação pelo lado de cá,
vemos uma esquerda incapaz de chegar lado a lado com os reais
problemas da favela, incapaz de estar no nosso dia a dia onde essa
disputa é verdadeiramente feita e até mesmo nas eleições
preferem ir fazer campanha na Tijuca e na zona sul porque lá
conseguem mais aceitação. O perfil majoritário tem sido
realmente esse, e sem essa mudança no perfil da esquerda para

158
que passe a ser uma esquerda periférica e trabalhadora nunca
alcançaremos qualquer mudança profunda na sociedade.

A questão é que já que a desconstrução fica inacessível para 99%


dos periféricos devido à falta de ensino de qualidade, arte e
leitura, a forma de diálogo neoprogressista é a arma perfeita para
atingir esses 99%, trazendo um gradual despertar. A fuga das
pautas que tem sido debatida pela esquerda é proposital no
sentido de conectar, já que a esquerda não está na favela para
disputar, então que não chegue lá apenas para confrontar e sim
para agregar, cooptar, organizar e centralizar. Nós não podemos
nos dar ao luxo de dispersar nossa pouca força em um milhão de
direções diferentes em pautas que jogam até mesmo uns contra os
outros.

A saída é coletiva.

Meus agradecimentos a minha esposa Gisele Martins por todo


apoio e revisão do meu livro durante esse um ano e meio que
tenho escrito, ao meu filho Antônio Martins de Sousa por me dar
forças e esperança em lutar por um amanhã melhor, às brigadas
populares em especial ao núcleo da rocinha e a todos os
professores do pré-vestibular só cria da rocinha, pois sem vocês
eu não conseguiria entrar na UFRJ. Gostaria de agradecer a todos
que acreditaram em mim e a todos os crias que me fortaleceram
quando eu pensei que não iria mais conseguir. Gostaria também
de mandar um salve pro Mano Brown, um cara que tem vivência
159
e cujo discurso no comício do Haddad está a anos-luz do que o
Brasil de hoje é capaz de compreender. Um grande poeta, um
grande pensador e sua essência é uma inspiração para vários
irmãos em todo o Brasil. fé pra tudo é nos !

160
Quer entrar em contato comigo para falar sobre o livro,
desabafar, falar das suas experiências e expectativas?

Me chama nas redes sociais

Instagram
@mtsdavv

Tweeter
@emiteocria

.....

161

Você também pode gostar