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Ensinando português com base

em um glossário de crenças e
superstições

Maria João Marçalo


Rosemeire Selma Monteiro-Plantin
Universidade Federal do Ceará Universidade de Évora Portugal
OBJETIVOS
● Ampliar o conhecimento lexical no campo semântico das crenças e
superstições em língua portuguesa.

● Desenvolver habilidades linguístico-culturais.

● Fazer uso de uma obra lexicográfica para ampliar conhecimentos em


língua portuguesa.
JUSTIFICATIVA
● A seleção desse tema se justifica pela importância de
expressões linguísticas relacionadas a superstições e crenças
para a compreensão de diferentes culturas, que, por meio de
suas produções orais ou escritas, veiculam valores comuns ou
peculiares quando confrontadas a outras comunidades.
● Ao analisarmos, em diferentes culturas, as manifestações
relacionadas a eventos (nascimento, matrimônio, viagem,
morte); gestos para atrair proteção (bater na madeira, cruzar os
dedos, fazer figa, fazer o sinal da cruz); objetos (cruz, escada,
espelho, ferradura); animais (coruja, gato, serpente, porco);
plantas (alecrim, alho, arruda, trevo); alimentos e bebidas (pão,
peixe, uva, vinho); hábitos da vida diária (abençoar, agradecer,
amaldiçoar, louvar, saudar); concluímos que superstições e
crenças são comportamentos universais, por estarem presentes
em diferentes povos e sociedades antepassadas e
contemporâneas.
Fundamentação Teórica
● Concebemos as superstições como universais conceptuais, tendo
vista estarem presentes em todas as comunidades humanas estudadas
até então. Neste sentido, a Linguística Cognitiva apresenta-se como
uma abordagem teórica capaz de dar conta dos fenômenos a serem
investigados, principalmente pela possibilidade de conceber a língua
como um instrumento de expressão de pensamentos, sentimentos e
emoções de interação social, além ser elemento primordial na
construção de conhecimento. Alguns dos princípios que são centrais
em Linguística Cognitiva serão levados em conta na construção do
nosso glossário, notadamente os princípios de categorização, a
corporificação, entendida aqui como reflexo da experiência do corpo
no mundo real, os esquemas imagéticos e o processamento da
experiência cultural e social.
As superstições nos interessam,
particularmente, do ponto de vista de sua
materialização linguística, ou seja, dos
nomes dados às entidades, objetos,
cerimônias ou rituais e dos termos e
expressões a eles relacionados. Desta
forma, as superstições e crenças passam a
constituir um campo semântico, construído
ad hoc, baseado em corpora constituídos
por letras de canções e textos literários e
jornalísticos contemporâneos.
Alguns conceitos
● Superstição (do latim superstitio, “profecia, medo excessivo dos
deuses”) ou crendice é a crença em situações com relações
de causalidade que não se podem mostrar de forma racional ou
empírica. Geralmente está associada à suposição de que alguma
força sobrenatural, que pode inclusive ser de origem religiosa, agiu
para promover a suposta causalidade. Superstições são, por
definição, não fundamentadas em verificação de qualquer espécie.
Elas podem estar baseadas em tradições populares, normalmente
relacionadas com o pensamento mágico. O supersticioso acredita
que certas ações (voluntárias ou não) tais como rezas, curas,
conjuros, feitiços, maldições ou outros rituais, podem influenciar de
maneira transcendental a sua vida.
Crenças – Crendices - Superstições
● Crenças aquilo em que acreditamos e podemos explicar com base em
convicções religiosas, científicas, econômicas, lógicas e políticas, ou ainda,
em hábitos costumeiramente repetidos na comunidade em que estamos
inseridos

● Crendices são os comportamentos que desenvolvemos sem que possamos


apresentar explicação

● Superstições (ainda que possam estar baseadas em crenças) sempre estão


ligadas a comportamentos que desenvolvemos ou não, para que algo de bom
aconteça, ou para que algo de ruim não ocorra, envolvem medo, ou
esperança
Síntese com exemplos
● a seleção de determinado partido político, a opção por um
investimento em detrimento de outro, a realização de orações
antes das refeições, ou antes de dormir, são ações que estão
baseadas em crenças. Em contrapartida, vestir-se de branco
no ano novo, saltar sete ondas, comer lentilhas e uvas para
ter sorte no ano que se inicia, são crendices. Ainda seguindo
esse raciocínio, não passar por debaixo de escada, deixar
sapato ou chinelo sempre virado para cima, não abrir
guarda-chuva dentro de casa, com medo de que algo ruim
possa suceder, são superstições. (Monteiro-Plantin; Marçalo e
Diaz-Ferrero, 2019:133).

Embora a religiosidade tenha sido iniciada no Brasil como herança
portuguesa, ganhou diferentes contornos na mistura entre rituais
africanos e indígenas, sagrados, profanos e pagãos, que deixaram
marcas linguísticas tais como: baixar o santo; pombagira; jogar os
búzios; corpo fechado; mau olhado; cruz credo; sai de mim; o diabo a
quatro; quinto dos infernos; virgem Maria; minha Nossa Senhora; o
diabo que o carregue; santinha do pau oco; o diabo não é tão feio
quanto se pinta; a voz do povo é a voz de Deus; Deus é brasileiro…
(Monteiro-Plantin, 2013:404).
Crenças e superstições
● Não passar debaixo de escadas.
● Não abrir o guarda-chuva dentro de casa.
● Quebrar espelho, 7 anos de azar.
● Bater na madeira para se proteger.
● Matar gato preto, 7 anos de azar.
● Os noivos só se devem ver no momento da cerimônia
● Jogar arroz, ou pétalas na saída da igreja para atrair sorte para a vida
dos nubentes.
● Casa de esquina, ou morte ou ruína.
● Chuva e sol, casamento espanhol.
● Cós de saia arrebentado, noivo tomado.
● Doente que espirra, não morre no dia.
● Galo a cantar ao princípio da noite, sinal de que estão raptando uma
moça.
● Galo a cantar fora de horas anuncia novidade na manhã seguinte.
● Homem narigudo, poucas vezes cornudo.
● Colocar clara de ovo para Santa Clara, faz parar a chuva.
● Comer carne com peixe faz as orelhas crescerem.
● Mancha branca nas unhas é sinal de andar a mentir.
● Rapariga que se senta no canto da mesa fica solteira.
Muita cera no ouvido traz riqueza.

Quem apontar para a Lua cria verrugas na ponta do dedo.

Quem primeiro perde a aliança, primeiro morre.

Visita que abre a porta na saída não torna a voltar.

Quem derruba um garfo recebe visita masculina.

Se há roupa do avesso no quarto onde se dorme, pesadelo na certa.

Quem corta as unhas a um bebé ainda não baptizado, faz com que ele se torne
lobisomem.

Quando se fala mentira, com os dedos cruzados, Deus não castiga.


Quando a orelha esquerda está muito vermelha, é sinal que estão a dizer mal
da gente. Para se evitar que continuem, é bom trincar a camisa três vezes no
peito. Assim como se trinca a camisa, assim quem diz mal trinca a língua.

É mau contar as estrelas. Quantas estrelas se contam, tantos são os cravos


que nascem nas mãos.

Não é bom rir à sexta-feira, porque a pessoa, que o faz, chora ao domingo.

Quando uma pessoa morre, é bom queimar-lhe a cama, para não voltar a este
mundo.

É bom vestir a roupa do avesso, porque livra de mordedura de cão danado.

Quando faz trovoada, é bom deitar alecrim no lume, para afugentar o raio.
Quem corta as unhas ao sábado, vê o seu amor ou pessoa que estima ao
domingo.

Quando uma mulher dá de mamar a uma criança, não deve beber coisa
alguma, quando a tiver ao peito, senão fica com ataques epilépticos.

Quando se varrem os pés a uma pessoa solteira, não casa.

Quando há dificuldade de extrair as secundinas a uma parturiente, deve


pôr-se-lhe um chapéu velho na cabeça, e mandá-la assoprar numa garrafa.

Quando uma mulher grávida deseja alguma coisa que não pode comer, a
criança nasce com a boca aberta.

Dente de cão ao pescoço livra de dores de dentes.


Quando uma visita se demora muito, contrariando os donos da casa, deve pôr-se um
banco de pernas para o ar detrás de uma porta, porque logo ela sai.

As pessoas que dormem muito, para perderem este hábito, devem abraçar um burro
logo que acabar de nascer.

Quando um bode espirra, é sinal de bom tempo.

É mau virar o vestido de cima para baixo, porque se vira a fortuna.

Não é bom deixar um pedaço de pão cortado com os dentes. Uma pessoa que queira
fazer mal a quem fez isto, pode apanhar aquele pão, crivá-lo de alfinetes e dá-lo
depois a comer a um sapo. O sapo fica padecendo, e enquanto não morre padece a
pessoa também, morrendo por fim ambos.

Quando as vacas berram, é sinal de casamento.


Canto das três raças
Elza Soares (Mauro Duarte & Paulo César Pinheiro)

● Ninguém ouviu ● E de guerra em paz


Um soluçar de dor De paz em guerra
No canto do Brasil Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor
● Um lamento triste ● E ecoa noite e dia
Sempre ecoou É ensurdecedor
Desde que o índio guerreiro Ai, mas que agonia
Foi pro cativeiro O canto do trabalhador
E de lá cantou Esse canto que devia
Ser um canto de alegria
Soa apenas
● Negro entoou
Como um soluçar de dor
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
Onde se refugiou
Fora a luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou
Os Búzios
Ana Moura (Jorge Fernando)

● Havia a solidão da prece num olhar triste ● À espreita está um grande amor, mas
Como se os seus olhos fossem as portas guarda segredo
do pranto Vazio tens o teu coração na ponta do
Sinal da cruz que persiste, os dedos medo
contra o quebranto Vê como os búzios caíram virados pra
E os búzios que a velha lançava sobre Norte
um velho manto Pois eu vou mexer no destino, vou
mudar-te a sorte
● À espreita está um grande amor, mas Pois eu vou mexer no destino, vou
guarda segredo mudar-te a sorte
Vazio tens o teu coração na ponta do
medo ● À espreita está um grande amor, mas
Vê como os búzios caíram virados pra guarda segredo
Norte Vazio tens o teu coração na ponta do
Pois eu vou mexer no destino, vou medo
mudar-te a sorte Vê como os búzios caíram virados pra
Pois eu vou mexer no destino, vou Norte
mudar-te a sorte Pois eu vou mexer no destino, vou
mudar-te a sorte
● Havia um desespero intenso na sua voz Pois eu vou mexer no destino, vou
O quarto cheirava a incenso mais uns mudar-te a sorte
quantos pós Pois eu vou mexer no destino, vou
A velha agitava o lenço, dobrou-o, mudar-te a sorte
deu-lhe dois nós
E o seu pai de santo falou usando-lhe a
voz
O AMANHÃ
Simone Bitencourt (Didi e João Sérgio)

● A cigana leu o meu destino ● A cigana leu o meu destino


Eu sonhei! Eu sonhei!
Bola de cristal Bola de cristal
Jogo de búzios, cartomante Jogo de búzios, cartomante
E eu sempre perguntei E eu sempre perguntei

● O que será o amanhã? ● O que será o amanhã?


Como vai ser o meu destino? Como vai ser o meu destino?
Já desfolhei o mal-me-quer Já desfolhei o mal-me-quer
Primeiro amor de um menino Primeiro amor de um menino

● E vai chegando o amanhecer ● E vai chegando o amanhecer


Leio a mensagem zodiacal Leio a mensagem zodiacal
E o realejo diz E o realejo diz
Que eu serei feliz, sempre feliz Que eu serei feliz, sempre feliz
Após consultar o glossário de crenças e superstições, enumere
a segunda coluna de acordo com a primeira

(1) Instrumentos para ( ) tomar um passe,


previsões benzer, fazer sinal da
cruz
(2) Rituais para ( ) figa, patuá, ferradura,
proteção ou cura olho grego
(3) Maldições ( ) bola de cristal, búzios,
cartas de baralho
(4) Amuletos ( )rogar praga, botar
quebranto, mandar para
o inferno
Sublinhe o elemento intruso e
justifique

a) cartomante, benzedeira, enfermeira, pai


de santo
b) cruzar os dedos, pentear os cabelos,
entrar com o pé direito, bater na madeira
c) fazer pão, fazer defumação, fazer uma
amarração
d) encosto, quebranto, mau olhado,
embriaguez
INTERCULTURALIDADE I

Verifique as crenças e superstições referentes aos elementos relacionados e


marque os que coincidem, os que diferem e os inexistentes em sua Língua Materna.

escada, espelho, vassoura, vela branco, azul, amarelo, vermelho

alho, arruda, malmequer, sexta-feira, sábado, domingo,


páscoa
pomba, coruja, gato, porco
chinelo, chapéu, lenço, roupa do
avesso
olhos, mãos, orelhas, pés
baixar o santo, corpo fechado, estar
3, 7, 13, 33 com encosto
INTERCULTURALIDADE II

Apresente termos ou expressões que não constem em nosso


glossário, mas que, em sua língua materna, fazem parte deste
universo de crenças e superstições. Após fazer a
traduções/adaptações necessárias, apresente aos colegas da
turma em língua portuguesa.
MUITO OBRIGADA!

Rosemeire Monteiro-Plantin Maria João Marçalo


meire@ufc.br mjm@uevora.pt

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