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JORGE DE FIGUEIREDO DIAS

NUNO BRANDÃO

Sujeitos Processuais Penais:


O Tribunal

Texto de apoio ao estudo da unidade


curricular de Direito e Processo Penal do
Mestrado Forense da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra
(2015/2016)

Coimbra

2015
Este estudo toma por base o 1.º Capítulo (O Tribunal) da Parte II (Os Sujeitos
Processuais) da obra Direito Processual Penal publicada pelo primeiro subscritor em
1974, procedendo-se à sua revisão e atualização.

O texto encontra-se disponível em https://apps.uc.pt/mypage/faculty/nbrandao/pt/003.

Coimbra, Novembro de 2015

Jorge de Figueiredo Dias

Nuno Brandão
5

ÍNDICE

Abreviaturas ................................................................................................................................ 6

§ 1. Função e características do juiz penal ................................................................................ 7

§ 2. A tutela da imparcialidade: impedimentos e suspeições ................................................. 12


I. A garantia da imparcialidade ........................................................................................... 12
II. Impedimentos.................................................................................................................. 14
III. Suspeições ..................................................................................................................... 26

§ 3. A competência do tribunal em matéria penal .................................................................. 32


I. O princípio do “juiz natural” ............................................................................................ 32
II. A competência penal e as suas espécies ......................................................................... 35
III. Competência material .................................................................................................... 38
IV. Competência funcional .................................................................................................. 48
V. Competência territorial ................................................................................................... 50
VI. Conexão de processos e competência por conexão ....................................................... 55
VII. Verificação da incompetência ...................................................................................... 63
VIII. Conflitos de competência ........................................................................................... 65

Bibliografia ................................................................................................................................ 67
6

ABREVIATURAS

AcsTC – Acórdãos do Tribunal Constitucional


BMJ – Boletim do Ministério da Justiça
BVerfGE – Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts
CEDH – Convenção Europeia dos Direitos Humanos
CEP – Código da Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade
CJ – Coletânea de Jurisprudência
CJ STJ – Coletânea de Jurisprudência. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
CRP – Constituição da República Portuguesa
CP – Código Penal
CPP – Código de Processo Penal
CRP – Constituição da República Portuguesa
DAR – Diário da Assembleia da República
DL – Decreto-Lei
DR – Diário da República
GA – Goltdammer’s Archiv für Strafrecht
GG – Grundgesetz (Lei Constitucional da República Federal da Alemanha)
LOSJ – Lei da Organização do Sistema Judiciário
NJW – Neue Juristische Wochenschrift
RIDP – Revue Internationale de Droit Pénal
RSC – Revue de Science Criminelle et de Droit Pénal Comparé
RLJ – Revista de Legislação e Jurisprudência
RPCC – Revista Portuguesa de Ciência Criminal
StPO – Strafprozeβordnung (Código de Processo Penal alemão)
SASTJ – Sumários dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (www.stj.pt)
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
ZStW – Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft


Pertencem ao CPP os preceitos legais indicados em texto sem menção expressa do diploma a que se referem.
7

§ 1. FUNÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO JUIZ PENAL

1. De acordo com o n.º 1 do art. 202.º da Constituição, “os tribunais são os órgãos
de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”. No que
toca ao processo penal quer-se por este modo significar serem os tribunais os únicos
órgãos competentes para, como representantes da comunidade jurídica e do poder
oficial do Estado em que aquela se constitui, decidirem os casos jurídico-penais que
processualmente sejam levados à sua apreciação, aplicando o direito penal substantivo
(arts. 27.º-2 e 202.º-2 da CRP). O domínio penal é mesmo o reduto por excelência do
“monopólio da primeira palavra” como manifestação da reserva absoluta de jurisdição1.

O princípio da jurisdicionalidade em matéria penal não se esgota, porém, aí, nas


fases de julgamento e de recurso, e projeta-se ainda sobre as fases preliminares do
processo, nelas impondo a intervenção do juiz (de instrução) sempre que possam estar
diretamente em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais das pessoas (art.
32.º-4 da CRP)2.

O resultado do exercício desta função judicial é-nos dado por aquilo a que
chamamos o direito judicial e que pode também designar-se (como é vulgar) por
jurisprudência. Não se afirma com isto, é claro, que quaisquer atos praticados pelos
juízes no decurso de um processo constituam «jurisprudência»; eles referem-se e
dirigem-se todos, porém, à consecução do fim do processo que, por sua vez, se
corporiza em uma decisão jurisprudencial.

2. Por mais avesso que se seja à procura e descoberta, nos conceitos como nas
instituições, de uma «essência eidética» que traduziria a sua característica mais
específica e conatural, ou de uma sua «natureza» a-histórica e imutável no espaço, não
será fácil negar que logo a própria realidade e as exigências da vida postulam que se

1
Assim, logo o fundamental Acórdão do Tribunal Constitucional Federal alemão de 06-06-1967, BVerfGE 22
49.
2
Figueiredo DIAS, Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito
Processual Penal: o Novo Código de Processo Penal 1988 15 ss., Anabela Miranda RODRIGUES, A jurisprudência
constitucional portuguesa e a reserva do juiz nas fases anteriores ao julgamento ou a matriz basicamente acusatória do
processo penal, XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa 2009 47 ss., e Maria de Fátima MATA-
MOUROS, Juiz das Liberdades 2011 38 ss.
8

pense a independência como a mais irrenunciável característica do «julgar» e, portanto,


da função judicial. Realidade e exigências da vida – acrescente-se – que só são
confirmadas pelos dados jurídico-constitucionais próprios de um Estado-de-direito: por
um lado, e diretamente, porque deste não poderá falar-se, «e a própria Ideia de Direito
se verá subvertida, onde se não reconheça (e garanta) a autonomia e independência da
função judicial»3; por outro lado porque, implicando aqueles dados o princípio da
separação dos poderes, não poderia este realizar-se praticamente sem se encontrar
assegurada a independência de um de tais poderes.

Sendo por conseguinte os tribunais no seu conjunto – e cada um dos juízes per se –
órgãos de soberania e pertencendo só a eles a função judicial, tem por força de
concluir-se que a independência material (objetiva) dos tribunais – reforçada pela
independência pessoal (subjetiva) dos juízes que os formam – é condição irrenunciável
de toda a verdadeira jurisprudência (arts. 203.º da Constituição e 4.º da LOSJ).

Do ponto de vista da Doutrina do Estado, a raiz teorética da ideia da independência


judicial deve buscar-se, como sugerimos, na doutrina da separação dos poderes, de
MONTESQUIEU; daí que tal ideia se tenha refletido nas legislações a partir dos
movimentos liberais de reforma da 1.ª metade do séc. XIX, visando sobretudo impedir as
ingerências do Executivo e do Monarca na administração da Justiça («Kabinettsjustiz»)
que eram de regra nos tempos do absolutismo4. E assim é que, entre nós, o princípio se
plasmou na Constituição de 1822 (art. 176.º), na Carta Constitucional (arts. 120.º, 121.º,
122.º e 145.º § 11.º), na Constituição de 1838 (art. 127.º) e na de 1911 (arts. 57.º e 60.º).

A independência dos tribunais, quando analisada em pormenor nos seus elementos


essenciais, comporta um significado plural que, de resto, não avulta apenas no plano
estritamente jurídico mas possui – e de maneira fundamental – as mais sérias
implicações e incidências políticas, económicas e sociais. Tomada no seu sentido mais
compreensivo, a independência dos tribunais assume, segundo uma conotação já hoje
corrente5, vários significados.

3
Castanheira NEVES, O instituto dos «assentos» e a função jurídica dos Supremos Tribunais, RLJ 105 1972-
1973 181. V. também Gomes CANOTILHO / Vital MOREIRA4 II 203.º
4
“A luta, já velha de séculos, da afirmação da independência judicial perante a chamada «justiça de gabinete»
pode hoje considerar-se praticamente terminada e decididamente ganha no nosso Estado democrático” (Jorge de
Figueiredo DIAS, A «pretensão» a um juiz independente como expressão do relacionamento democrático entre o
cidadão e a justiça, Sub Judice 14 1999 27.
5
Cf. p. ex. HENKEL2 § 26 I 2 e G. FOSCHINI I 315 ss.
9

a) Independência perante os restantes poderes do Estado (ou perante os restantes


órgãos de soberania: Presidente da República, Assembleia da República e Governo), a
chamada independência externa6. Aqui avulta, pois, o significado diretamente político
da independência, que vimos resultar do princípio-base, em qualquer Estado-de-direito,
da «separação dos poderes»: aos tribunais há-de ser concedida, em tudo quanto respeita
à função judicial e portanto, primacialmente, à decisão a encontrar para um caso
concreto, plena liberdade que os ponha a coberto de quaisquer influências e pressões,
diretas ou indiretas, do Parlamento, do Governo ou da Administração7.

b) Independência perante quaisquer grupos da vida pública (partidos políticos,


lobbies, organizações não governamentais, grupos de interesses e de pressão, órgãos de
comunicação social, etc.). Trata-se aqui do significado da independência judicial que,
por força da evolução sofrida pelo próprio Estado perante a sociedade das últimas
décadas, mais difícil se tornou, porventura, de preservar. Sobretudo nas democracias
parlamentares, a influência de tais grupos no exercício da função judicial revela-se
certamente muito mais perigosa do que a dos poderes do Estado e da própria burocracia
judicial. Até porque, para que de tal influência possa por forma conveniente defender-se
a magistratura judicial, não basta que lhe seja juridicamente assegurada a
independência, antes importa criar todo um conjunto de condições de independência
subjetiva aos próprios juízes, através do qual lhes seja concedida autonomia no campo
social e económico.

c) Independência perante outros tribunais. Os tribunais e juízes são entre si


independentes no sentido de que se não encontram ligados, nas suas decisões, por
quaisquer correntes ou orientações jurisprudenciais que não «perfilhem». Encontra-se,
naturalmente, ressalvado o “o dever de acatamento das decisões proferidas em via de
recurso por tribunais superiores” (art. 4.º-1 da LOSJ). Fora deste específico domínio das
relações de hierarquia funcional que dentro de um concreto e determinado processo se

6
Rui MEDEIROS / Maria João FERNANDES, Constituição Portuguesa Anotada III 203.º/IV.
7
Cf. Francisco Sá CARNEIRO, A Proposta de Lei sobre Organização Judiciária 1973 11.
10

estabelecem entre os tribunais de diferentes graus, está vedada aos tribunais superiores a
faculdade de ditarem aos tribunais inferiores ordens ou instruções em matéria de
interpretação ou aplicação do direito8.

Ao contrário do que sucede nos direitos de inspiração inglesa, onde a magistratura


se encontra estritamente vinculada ao princípio do «precedente», nas ordens jurídicas do
tipo da nossa não se consideram vinculantes as decisões jurisprudenciais anteriores
sobre casos análogos, seja qual for o tribunal que as tenha proferido – porventura por se
ter considerado o sistema do precedente como obstáculo à evolução e progresso da
administração da justiça e à «função criadora» do direito do caso que vimos
pertencer-lhe. Assim, mesmo naqueles casos de contradição de julgados em que o STJ é
chamado a tomar uma posição “uniformizadora” em sede de recurso para fixação de
jurisprudência, “a decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência
obrigatória para os tribunais judiciais”, devendo estes, em todo o caso, fundamentar as
divergências relativas a jurisprudência fixada anteriormente pelo STJ quando decidam
não a seguir (art. 445.º-3)9.

3. Como correlato necessário do princípio da independência judicial surge-nos o


dever, que sobre o juiz impende, de obediência à lei. Na explicitação do princípio da
independência judicial, determina o art. 203.º da Constituição que “os tribunais apenas
estão sujeitos à lei”, entendida em um sentido lato, entre nós dominante10, que englobe
“as normas e princípios da ordem jurídico-constitucional”11. Assim, a lei só tem força
obrigatória para o juiz se e enquanto puder representar-se e aceitar-se como direito,
sendo certo, além disso, que os tribunais devem obediência não apenas ao direito
positivado na lei, mas a todos os critérios objetivos de juridicidade que devam
representar-se como válidos para a solução de um concreto problema jurídico.
Compreender o dever judicial de obediência à lei e ao direito como um simples limite

8
Não se mostra, por isso, aceitável à luz do postulado constitucional da independência judicial a imposição
dirigida pelo STJ aos demais tribunais no Ac. 2/2013 (DR-I de 08-01-2013).
9
Nuno BRANDÃO, Contrastes jurisprudenciais: problemas e respostas processuais penais, Liber Discipulorum
para Jorge de Figueiredo Dias 2003 1289 ss.
10
Rui MEDEIROS / Maria João FERNANDES, Constituição Portuguesa Anotada III 203.º/II.
11
Gomes CANOTILHO / Vital MOREIRA4 II 203.º/IV.
11

externo à independência judicial seria, porém, equivocado, devendo antes a vinculação à


lei ser concebida como um seu autêntico elemento originário e constitutivo12.

12
Figueiredo DIAS, Sub Judice 14 29.
12

§ 2. A TUTELA DA IMPARCIALIDADE: IMPEDIMENTOS E SUSPEIÇÕES

I. A garantia da imparcialidade

Acabamos de ver como, através da característica da independência dos juízes, se


asseguram os fundamentos de uma atuação livre dos tribunais perante pressões que se
lhes dirijam do exterior. Isto não basta, porém, para que fique do mesmo passo
preservada a objetividade de uma decisão judicial: é ainda necessário, ao lado e para
além daquela segurança geral, não permitir que se ponha em dúvida a
«imparcialidade» dos juízes, já não em face de pressões exteriores, mas em virtude de
especiais relações que os liguem a um caso concreto que devam julgar. Como de todos
os lados se acentua, a estrita e absoluta objetividade do juiz na realização da justiça no
caso é condição irrenunciável para que ela possa constituir-se como expressão da ideia
de Estado de direito, sendo para tal fundamental garantir a sua imparcialidade13.

A exigência de imparcialidade implica, desde logo, que o juiz não seja parte no
conflito ou tenha nele um interesse pessoal em virtude de uma ligação a alguma das
“partes” nele envolvidas (nemo iudex in causa sua)14, mas vai muito mais longe,
postulando uma intervenção judicial equidistante, desprendida e descomprometida em
relação ao objeto da causa e a todos os demais sujeitos processuais. O princípio da
imparcialidade do juiz repudia o exercício de funções judiciais no processo por quem
tenha ou se possa objetivamente recear que tenha uma ideia pré-concebida sobre a
responsabilidade penal do arguido; bem como por quem não esteja em condições ou se
possa objetivamente temer que não esteja em condições de as desempenhar de forma
totalmente desinteressada, neutral e isenta.

São várias, na verdade, as razões que, perante um caso concreto, podem levar a pôr
em dúvida a capacidade de um juiz para se revelar imparcial no exercício da sua função;
e o que aqui interessa, convém acentuar, não é tanto o facto de, a final, o juiz ter
conseguido ou não manter a imparcialidade, mas sim defendê-lo da suspeita de a não ter
conservado, não dar azo a qualquer dúvida, por esta via reforçando a confiança da

13
Desenvolvidamente e com amplas referências doutrinais e jurisprudenciais nacionais e estrangeiras, José
Mouraz LOPES, A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal Português 2005 66 ss.
14
CHIAVARIO3 IV/19.1, e Mouraz LOPES, A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual 88 ss.
13

comunidade nas decisões dos seus magistrados15. Por isso se usa sublinhar, invocando
uma velha máxima inglesa, “not only must Justice be done; it must also be seen to be
done”16.

Na experiência portuguesa, há um largo consenso doutrinal17 e jurisprudencial18 no


sentido de uma compreensão da garantia de imparcialidade como dimensão essencial da
estrutura acusatória do processo penal constitucionalmente imposta pelo art. 32.º-5 da
CRP19 e da independência dos tribunais reconhecida pelo art. 203.º da CRP. E é natural
que assim seja, pois tanto em relação à ideia do acusatório e do princípio da acusação
que lhe é imanente como em relação à independência judicial, essas distintas, mas
incindíveis projeções do princípio do Estado de direito comungam de um mesmo
desígnio de uma realização da justiça pautada pela máxima objetividade e isenção e
capaz de se impor aos seus destinatários diretos e à comunidade em geral sem quaisquer
sombras de desconfiança, emergindo aí a imparcialidade como uma exigência
irredutível.

O estatuto constitucional reconhecido à garantia de imparcialidade tem sido entre


nós objeto de sucessivas e acesas controvérsias, em especial em torno da possibilidade
de participação num dado processo de um juiz que nele já teve intervenção numa fase
processual anterior. A lei ordinária tem sido censurada doutrinal e jurisprudencialmente
ora por ficar aquém20, ora por ir além21 daquilo que é exigido constitucionalmente. O
certo é que um entendimento maximalista em determinada época adotado pelo Tribunal

15
Neste sentido, entre nós, Cavaleiro de FERREIRA I 234, 237; e na doutrina alemã, por todos, ROXIN /
SCHÜNEMANN28 § 8/1. Cf. também V. MANZINI II 199 s.: “o judex suspectus deve, em vista de um qualquer motivo
sério, ser dispensado como juiz num processo em que, tendo em conta a força média de resistência às causas internas
que possam influir danosamente sobre o julgamento, seja razoavelmente de presumir que possa estar sujeito a paixões
ou preocupações contrárias à reta administração da justiça”.
16
Lord Hewart, in: R v. Sussex Justices (ex parte McCarthy) 1924.
17
Figueiredo DIAS / Maria João ANTUNES, La notion européenne de tribunal indépendant et impartial. Une
approche à partir du droit portugais de procédure pénale” RSC 4/1990 737 ss., Mouraz LOPES, A Tutela da
Imparcialidade Endoprocessual 78 s., Gomes CANOTILHO / Vital MOREIRA4 I 522, e Marques da SILVA / Henrique
SALINAS, Constituição Portuguesa Anotada I2 731 s.
18
Cf. os Acs. do TC 219/89, 114/95, 935/96, 528/97, 29/99, 357/99, 129/2007, 147/2011 e 444/2012; e a
numerosa jurisprudência do STJ recenseada por Henriques GASPAR, CPP Comentado 133 ss. e 148 ss.
19
Figueiredo DIAS, La protection des droits de l'homme dans la procedure penale portugaise, BMJ 291 1979
167 ss.
20
Marques da SILVA, Do Processo Penal Preliminar 1987 416, Mouraz LOPES, A Tutela da Imparcialidade
Endoprocessual 124 SS., e Gomes CANOTILHO / Vital MOREIRA4 I 522.
21
Jorge de Figueiredo DIAS, Os princípios estruturantes do processo e a revisão de 1998 do Código de Processo
Penal, RPCC 2/1998 207 ss.
14

Constitucional sobre a conformidade constitucional do regime legal 22, nomeadamente,


do art. 40.º do CPP, induziu o legislador ordinário a alargar progressivamente o leque
dos impedimentos por participação anterior no processo. Contanto que tal alargamento
não vá acompanhado de uma pretensão de atribuição à garantia constitucional de
imparcialidade de um conteúdo mais lato do que aquele que efetivamente possui, à
partida não há razão para debater o problema no plano da constitucionalidade. Pois,
como se sabe, o legislador é livre de estabelecer um regime legal mais garantista do que
aquele que a Constituição impõe. Questão é, porém, saber se, em face do conteúdo que
adquiriu e das dificuldades acrescidas que coloca à organização do funcionamento dos
tribunais, um tal alargamento se mostra equilibrado e defensável de um ponto de vista
político-criminal.

Para dar consistência efetiva à garantia de imparcialidade, além de estruturar o


processo penal de acordo com o princípio da máxima acusatoriedade possível, o
legislador ordinário estabeleceu um conjunto de impedimentos (arts. 39.º e 40.º) e
suspeições (art. 43.º), fundados em razões de dúvida de diversa ordem sobre a
imparcialidade da atuação do juiz e com regimes jurídicos distintos: umas vezes
verifica-se a, pura e simples, impossibilidade de o juiz intervir em um certo processo
penal, mediante previsão de circunstâncias que, sem mais e necessariamente, ditam o
seu afastamento, as quais são portanto declaradas independentemente de qualquer
objeção suscitada pelos participantes processuais à atuação do juiz no caso concreto;
outras vezes é apenas concedida aos sujeitos processuais a possibilidade de afastarem a
intervenção do juiz, nomeadamente, quando haja o risco de esta ser considerada
suspeita, por existir motivo, grave e sério, adequado a gerar desconfiança sobre a sua
imparcialidade. No primeiro caso estamos perante impedimentos, no segundo perante
suspeições do juiz.

II. Impedimentos

1. Os impedimentos encontram-se especificados nos arts. 39.º e 40.º com base em


três ordens de razões: a relação pessoal do juiz com algum sujeito ou participante

22
Como observa Maria João ANTUNES, Direito processual penal – «direito constitucional aplicado», Que
Futuro Para o Direito Processual Penal? 2009 749, a jurisprudência posterior do TC, nomeadamente a mais recente,
tem-se afastado desta posição maximalista.
15

processual; a intervenção anterior no processo, como juiz ou noutra qualidade; e a


necessidade de participar no processo como testemunha.

Tem-se entendido entre nós que a indicação dos motivos de impedimento é


taxativa23, por constituírem eles exceções à regra da competência do juiz. Não revelará,
no entanto, por exemplo, o art. 39.º do CPP lacunas que devam ser preenchidas por
recurso às normas paralelas do CPC, designadamente, as do art. 115.º? Contra a ideia
pode logo avançar-se o argumento formal de que o CPP regulou a matéria
expressamente, não podendo pois falar-se aqui com propriedade de “lacunas”. Certo é,
no entanto, que o art. 115.º do CPC é mais lato, em alguns dos seus comandos, do que o
art. 39.º do CPP; e não pode duvidar-se, por outro lado, de que a necessidade de
confiança comunitária nos juízes se faz sentir com muito maior força em processo penal
do que em processo civil. Como se verá infra, a regulação processual penal não cobre
expressamente variados casos em que o risco de falta de parcialidade é tão gritante – v.
g., a hipótese em que o juiz é o próprio ofendido – que seria chocante, e não raro
inconstitucional24, conceber o catálogo dos impedimentos consignados no CPP como
taxativamente esgotante. Parece, pois, que uma razão tão premente como a da boa
administração da justiça penal e um leitura do regime legal conforme com o previsto no
art. 32.º-5 da Constituição vivamente aconselham a que se integre, nesta parte, o CPP
pela regulamentação contida no CPC e que se mostre em concreto aplicável; como
aconselha ainda a que se interpretem o mais latamente possível os fundamentos
referidos pelo art. 39.º do CPP25.

1.1 Por força do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 39.º, está impedido de
intervir no processo, seja em que fase for, o juiz que com o arguido, o ofendido ou
pessoa com a faculdade de se constituir assistente26 ou parte civil tenha algum dos
seguintes laços ou relações: seja ou tenha sido seu cônjuge; tenha ou haja tido uma

23
L. OSÓRIO II 233, e agora Pinto de ALBUQUERQUE4 39.º/1, Sousa MENDES, Lições de DPP 113, e Ac. do STJ
de 07-07-2010 (in: Henriques GASPAR, CPP Comentado 152)
24
Cf. o Ac. do TC 135/88, julgando inconstitucional uma proibição legal (do CPP de 1929) de declaração de
impedimento do juiz em ações penais por virtude de ofensas que lhe tenham sido feitas na sua presença e no exercício
das suas funções.
25
Assim, na vigência do CPP de 1929, Figueiredo DIAS, DPP 317 s., e na atualidade, Henriques GASPAR, CPP
Comentado 39.º/5.
26
A menos que uma das pessoas enunciadas em texto se haja constituído assistente nos termos do art. 68.º-1, e),
a mera faculdade de aquisição do estatuto de assistente ao abrigo dessa disposição não vale para efeitos do previsto
nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 39.º
16

relação análoga à dos cônjuges; seja seu representante legal; seja, ele, ou o seu cônjuge
ou equiparado, ascendente, descendente, parente até ao 3.º grau, tutor ou curador,
adotante ou adotado. Embora o Código o não determine explicitamente, é óbvio que, à
semelhança do que se prevê no art. 115.º-1, a), do CPC, existe impedimento também em
relação ao juiz que seja, ele próprio, ofendido ou pessoa com a faculdade de se
constituir assistente ou parte civil.

Encontram-se igualmente impedidos de exercer funções no mesmo processo, seja


na mesma fase, seja em fases distintas, juízes que sejam entre si cônjuges, parentes ou
afins até ao 3.º grau ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges (art. 39.º-3).
Uma vez mais, cremos que, não obstante o silêncio do Código, se justifica mobilizar o
previsto no art. 115.º-1, d), do CPC27, e considerar impedido o juiz que esteja na mesma
situação em relação a um magistrado do Ministério Público, a um defensor ou a um
advogado do assistente ou da parte civil que intervenha ou haja intervindo no processo.
Na verdade, ninguém compreenderia e seria motivo para uma profunda desconfiança
sobre a realização da justiça no caso que um juiz conhecesse de uma acusação deduzida
pelo seu cônjuge ou que num mesmo julgamento pai e filho interviessem como juiz e
defensor28; o que, por si só, é justificação para que aquele impedimento previsto na lei
processual civil seja subsidiariamente estendido ao processo penal.

1.2 A mobilidade dos juristas entre os vários ofícios do foro pode levar a que
alguém que, num primeiro momento, haja intervindo no processo como representante
do Ministério Público, defensor, advogado do assistente, do ofendido ou de uma parte
civil, órgão de polícia criminal29 ou perito, venha mais tarde, já na qualidade de juiz

27
Nesta direção, Henriques GASPAR, CPP Comentado 39.º/5. Contra, remetendo a questão exclusivamente para
o âmbito do art. 43.º, Marques da SILVA I7 213, e Pinto de ALBUQUERQUE4 39.º/7.
28
Assim, o Ac. do STJ 31-12-2012 (944/07.9TAOAZ-A.S1). Considerando, porém, existir não um
impedimento, mas uma mera suspeição (art. 43.º) no caso em que a uma juíza é confiado um processo em que um seu
filho atua como advogado dos assistentes, Ac. do STJ de 13-02-2013 (1475/11.8TAMTS.P1-A.S1). No mesmo
sentido, o Ac. do STJ de 08-01-2015 (6099/13.2TDPRT.P1-A.S1).
29
Diferentemente do que entendeu o STJ parecem-nos configurar situações de impedimento do juiz, e não de
mera suspeição, o caso em que o juiz haja tido uma prévia participação no processo como Diretor Nacional Adjunto
da Polícia Judiciária consubstanciada, além do mais, na transmissão de uma instrução aos respetivos investigadores
no sentido de elaborarem um mapa detalhado das investigações até aí realizadas (Ac. de 03-10-2012, in: Henriques
GASPAR, CPP Comentado 150), bem como ainda o caso em que o juiz integrou um órgão de polícia criminal, tendo aí
tomado conhecimento de vários aspetos da investigação e determinado a realização de medidas cujos resultados são
postos em crise no âmbito do recurso que lhe cumpre apreciar (Ac. de 02-04-2008, in: Henriques GASPAR, CPP
Comentado 159). É patente a afinidade destas situações com a do leading case do TEDH Piersack c. Bélgica (01-10-
1982).
17

penal, a receber esse mesmo processo em mãos. A evidente conotação desse juiz com
algum desses participantes ou sujeitos processuais diretamente envolvidos no processo,
a possibilidade de ser conhecedor de informação sigilosa respeitante a algum deles (v.
g., coberta pelo segredo profissional que obriga o advogado – art. 87.º do EOA) ou a
circunstância de já ter manifestado uma posição sobre a responsabilidade penal do
arguido, mediante, por exemplo, a dedução de uma acusação pública por si subscrita,
são razões mais do que suficientes para que um tal juiz esteja impedido de exercer
qualquer função nesse mesmo processo, tal como se prevê na alínea c) do n.º 1 do art.
39.º

Por identidade de razão, e mediante aplicação subsidiária da alínea c) do n.º 1 do


art. 115.º do CPC, será também de considerar-se impedido o juiz que, em momento
processual anterior, haja emitido, como jurisconsulto, parecer jurídico dirigido ao
processo sobre questão que depois seja chamado a decidir como juiz da causa.

1.3 Suscitada com mais frequência e foco de considerável litigância na prática


judiciária é a questão da intervenção no processo, como juiz de julgamento ou de
recurso, de um magistrado judicial que, como juiz, teve já antes participação nesse
mesmo processo, numa fase processual anterior ou até inclusivamente na mesma fase
processual. É esse tipo de impedimento por participação prévia no processo que
encontramos regulado no art. 40.º, que se estende agora por cinco alíneas.

Na sua versão originária, o art. 40.º limitava-se a prescrever que “nenhum juiz pode
intervir em recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou
em que tiver participado, ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório
tiver presidido”. À semelhança do que ainda hoje sucede num sistema processual como
o alemão30, fora do seu alcance ficavam as hipóteses em que um juiz recebesse um
processo para julgamento depois de nele ter intervindo nas fases do inquérito ou mesmo
da instrução e nelas se tivesse limitado à prática de atos jurisdicionais isolados (v. g., a
autorização de uma busca domiciliária ou de uma escuta telefónica; a aplicação da
prisão preventiva; a constituição de um ofendido como assistente; etc.). Na base deste
regime legal estava a ideia de que tal tipo de prévia participação no processo está longe

30
ROXIN / SCHÜNEMANN28 § 8/5.
18

de ter de implicar um comprometimento com a acusação que necessariamente


prejudique a capacidade do juiz para conhecer da causa sem qualquer predisposição
acerca da responsabilidade do arguido ou sequer para minar a confiança comunitária
sobre a sua capacidade para decidir de forma isenta; e que o risco de falta de isenção
que aí se pudesse porventura divisar se mostrava já suficientemente acautelado pelo
regime das suspeições constante do art. 43.º31.

Esta compreensão global do problema seria suficiente para dissipar eventuais


receios de inconstitucionalidade por desguarnecimento da garantia de imparcialidade
própria de uma estrutura acusatória, encontrando-se, de resto, em linha com a
jurisprudência constitucional que à época fazia o seu curso32 e em consonância com a
interpretação particularmente exigente do TEDH relativa ao conceito de “tribunal
imparcial” constante do art. 6.º da CEDH: “este tipo de situação pode dar azo a dúvidas
do acusado em relação à imparcialidade do juiz; as quais, embora compreensíveis, não
têm necessariamente de considerar-se como objetivamente justificadas. Se o devem ser
ou não, depende das circunstâncias de cada caso de espécie”33. Entendimento que,
portanto, se devidamente enquadrado no âmbito do nosso sistema processual, deveria
levar à recondução do problema não à matéria dos impedimentos, mas das suspeições.

Outra foi, no entanto, a posição que o nosso Tribunal Constitucional passou a


adotar a partir do Acórdão n.º 935/96, que veio a culminar na declaração, com força
obrigatória geral, da inconstitucionalidade do art. 40.º do CPP na parte em que permitia
a intervenção no julgamento do juiz que, na fase de inquérito, decretou e posteriormente
manteve a prisão preventiva do arguido, por violação do art. 32.º-5 da CRP (Ac. n.º
186/98).

Acolhendo o método de dupla abordagem subjetiva e objetiva que, desde o caso


Piersack c. Bélgica, foi avançado pelo TEDH para avaliar a imparcialidade do tribunal,
o nosso Tribunal Constitucional estabeleceu como parâmetro constitucional de aferição
da garantia de imparcialidade inerente à estrutura acusatória do processo penal o receio

31
Figueiredo DIAS, DPP 1988 101 S., e Figueiredo DIAS / Maria João ANTUNES, RSC 4/1990 739 s. Contra, no
caso de aplicação de uma medida de coação, Marques da SILVA, Do Processo Penal Preliminar 416.
32
Cf. o Ac. do TC 219/89, formulando juízo que não foi posto em causa pelo Ac. do TEDH de 22-04-1994 no
caso Saraiva de Carvalho c. Portugal; e o Ac. do TC 124/90.
33
Caso Hauschildt c. Dinamarca (24-05-1989) 49; pouco mais tarde retomado no referido caso Saraiva de
Carvalho c. Portugal. Cf. Mouraz LOPES, A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual 80 ss., Pieter van DIJK, Theory
and Practice of the European Convention on Human Rights4 2006 617 s., e RENUCCI4 301. s.
19

de que as intervenções do juiz, pela sua frequência, intensidade ou relevância sejam


aptas a razoavelmente permitir que se formule uma dúvida séria sobre a imparcialidade
do juiz. Tal levou então a concluir que a imparcialidade para a realização do julgamento
ficaria irremediavelmente comprometida naqueles casos em que, durante o inquérito, o
juiz tivesse uma intervenção reiterada no processo, consubstanciada, primeiro, numa
aplicação da prisão preventiva e, depois, na sua manutenção. Conclusão tirada através
do estabelecimento de um equivocado paralelismo com o caso Hauschildt c. Dinamarca
apreciado pelo TEDH34 e de uma desconsideração tanto da função do juiz de instrução
na nossa estrutura acusatória, como da tutela concedida à garantia de imparcialidade
pelo regime das suspeições35.

O certo é que esta errónea jurisprudência constitucional começou por implicar uma
alteração legal ao art. 40.º, de forma a nele abranger os casos em que, durante o
inquérito ou a instrução, o juiz (de julgamento) tivesse aplicado e posteriormente
mantido a prisão preventiva do arguido36. As perplexidades levantadas por esta bizarra
formulação legal37 levaram, por sua vez, a nova intervenção legislativa, em 2007, tendo
o preceito sido novamente modificado em 2013, agora noutras vertentes, tudo sempre
no sentido do alargamento da catálogo dos impedimentos por participação em processo.
No termo deste sobressaltado percurso legislativo deparamos com cinco distintas
circunstâncias que ditam o impedimento do juiz para intervir em julgamento, recurso ou
pedido de revisão relativos a processo em que tiver:

a) Aplicado medida de coação prevista nos artigos 200.º a 202.º

Tendo o juiz aplicado as medidas de coação de proibição e imposição de condutas


(art. 200.º), de obrigação de permanência na habitação (201.º) ou de prisão preventiva

34
Apesar de o TEDH ter declarado que do seu ponto de vista “o mero facto de um juiz de julgamento ou de um
juiz de recurso, num sistema como o dinamarquês, ter tomado decisões em momentos anteriores ao julgamento do
caso, não pode por si só justificar receios quanto à sua imparcialidade” (50.), só tendo concluído por uma violação da
garantia do tribunal imparcial inscrita no art. 6.º da CEDH após uma análise das vicissitudes do processo que
envolveu o cidadão Hauschildt, ao estilo de um recurso de amparo; foi essa jurisprudência prenhe de particularismos
que o TC invocou para se pronunciar, em sede de fiscalização abstraca da constitucionalidade, no sentido da
inconstitucionalidade do art. 40.º da versão originária do CPP!
35
Neste sentido crítico, Figueiredo DIAS, RPCC 2/1998 207 ss., e Maria João ANTUNES, O segredo de justiça e
o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coacção, Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias 1264
s.41.
36
Art. 1.º da Lei 59/98, mais tarde complementado pelo art. 134º da Lei 3/99 – cf. Mouraz LOPES, A Tutela da
Imparcialidade Endoprocessual 111 ss.
37
Figueiredo DIAS, RPCC 2/1998 206 s.
20

(202.º) fica necessariamente impedido de conhecer da causa em julgamento, recurso ou


pedido de revisão.

Recordando-se a “história” do preceito, é patente a intenção de circunscrever o seu


funcionamento aos casos de aplicação de uma daquelas medidas de coação, nele não
estando portanto abrangidas as hipóteses em que o juiz se haja limitado a manter uma
dessas medidas após a sua aplicação por um outro magistrado38. O denominador comum
das medidas especificadas pela alínea a) do art. 40.º, não partilhado pelas demais
medidas de coação (arts. 196.º a 199.º), é a exigência legal da verificação de fortes
indícios da prática do crime imputado para que possa haver lugar à sua aplicação. Terá
considerado o legislador que um juízo indiciário desta natureza implica para o juiz que
as aplica um convencimento positivo de tal modo intenso sobre a existência de indícios
da culpabilidade do arguido que deixa ele de poder ser visto como estando plenamente
capaz de decidir a causa, em julgamento ou recurso, sem uma predisposição no sentido
da condenação.

Para além de esta premissa de que o legislador arranca nos parecer destituída de
sentido, continuamos a confrontar-nos com um quadro teleologicamente contraditório e
racionalmente insustentável39. Custa a entender que a ratio legis se considere ausente
em caso de manutenção, e não de aplicação, de alguma das medidas de coação
constantes dos arts. 200.º a 202.º; ou, por exemplo, na hipótese de aplicação de uma
caução não por inexistência de fortes indícios do crime imputado, mas porque o juiz
concluiu que nenhuma daquelas medidas seria concretamente necessária para responder
às exigências de natureza cautelar postas pelo caso. É ainda incompreensível a ausência
de uma delimitação – como a introduzida pelo art. 134.º da Lei 3/99, mas
inexplicavelmente eliminada na revisão de 2007 do CPP – de tal aplicação às fases do
inquérito e da instrução, com o que, sem uma interpretação restritiva da norma, fica
aberta a porta ao absurdo de considerar impedido o juiz de julgamento que, pela
primeira vez, aplica ao arguido uma das medidas de coação previstas pelos arts. 200.º a
202.º (v. g., proibindo o arguido de manter qualquer contacto com as testemunhas da
acusação arroladas para o julgamento, depois de conhecidas pressões e ameaças por ele

38
Assim, a exposição de motivos da Proposta de Lei 109/X, que deu o mote à revisão de 2007 do CPP, e Rui
PEREIRA, Entre o «garantismo» e o «securitarismo», Que Futuro Para o Direito Processual Penal? 2009 251. Pela
não inconstitucionalidade desta solução, Ac. do TC 29/99.
39
Figueiredo DIAS, RPCC 2/1998 208 s.
21

exercidas sobre testemunhas do processo já na pendência da audiência de discussão e


julgamento)40.

b) Presidido a debate instrutório

Por definição, o juiz de instrução que preside ao debate instrutório é aquele que tem
a seu cargo a prolação da decisão instrutória, com a qual se encerra a fase da instrução.
Via de regra, competir-lhe-á proferir despacho de pronúncia ou de não pronúncia do
arguido, aí conhecendo do objeto do processo e manifestando a sua posição sobre a
probabilidade da condenação do arguido caso seja submetido a julgamento.
Compreende-se, por isso, que a partir daí deixe de poder ser encarado como estando
habilitado a intervir em condições de plena neutralidade e isenção nas fases
subsequentes do processo, onde se joga diretamente a questão da condenação do
arguido41.

c) Participado em julgamento anterior

A redação atual da alínea c) do art. 40.º parece ter pretendido substituir o segmento
inicial da versão originária do preceito – “Nenhum juiz pode intervir em recurso ou
pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver
participado” –, através do qual, por razões óbvias, se visava impedir que, em recurso,
um tribunal ad quem integrasse um juiz que houvesse composto o tribunal a quo. Essa
preocupação elementar mantém-se acautelada na versão vigente do preceito, da qual se
depreende que não pode intervir no recurso o juiz que proferiu a decisão recorrida. Mas
é agora patente – até pelo paralelismo que pode traçar-se em relação à alínea d) e pelo
que se prevê no art. 426.º-A42 – que a alínea c) procura cobrir um espectro mais amplo
de participações anteriores no processo, nomeadamente, a intervenção em julgamento
de um juiz que haja participado em julgamento anterior. Fá-lo, todavia, através de uma
formulação com um significado literal tão lato que se transforma em fonte de

40
Não restringindo, porém, o alcance do impedimento, e propondo assim um funcionamento da alínea a) do art.
40.º na sua literalidade, Pinto de ALBUQUERQUE4 40.º/4.
41
Gomes CANOTILHO / Vital MOREIRA, CRP4 I 522.
42
Cf. a exposição de motivos da Proposta de Lei 109/X.
22

inarredáveis dúvidas e dificuldades, propiciando o aparecimento de posições


jurisprudenciais totalmente desencontradas, como, sem surpresa, tem sucedido.

A reedição de um julgamento pode ser fruto de um sem número de vicissitudes.

Casos haverá em que a intervenção anterior do juiz não é sequer idónea a suscitar
dúvidas sobre a sua capacidade para decidir de forma isenta no novo julgamento (v. g.,
na pendência de uma audiência de julgamento, o juiz declara prescrito o procedimento
criminal, vindo essa sua decisão a ser posteriormente revogada pela Relação, que impõe
um conhecimento do mérito da causa43).

Como também será de admitir que um juiz possa ser confrontado com a
contingência de voltar a intervir no julgamento de uma causa em que inclusivamente já
tomou posição expressa sobre o objeto do processo. Será assim sempre que, em recurso,
um tribunal superior determine o reenvio do processo à 1.ª instância, com fundamento
em vício processual relativo à audiência ou à sentença. E todavia, em algumas dessas
situações parece-nos impensável, porque materialmente injustificado e incompatível
com a lógica da sanação dos vícios processuais, considerar impedido(s) o(s) juiz(es) que
integrou(aram) o tribunal recorrido (v. g., em caso de anulação da sentença por vício de
fundamentação, por omissão de pronúncia, para que seja dado cumprimento ao previsto
no art. 358.º-1, etc.44; ou de nulidade do julgamento em virtude de insuficiência para a
decisão da matéria de facto provada45 ou de omissão de diligências essenciais para a
descoberta da verdade, que impliquem uma específica produção de prova em 1.ª
instância46, com subsequente elaboração de nova sentença).

Deste modo, numa compreensão teleológica da norma que atenda à ratio de


salvaguarda da imparcialidade47 que lhe deve estar subjacente e a compatibilize com a
necessidade de garantir a harmonia dos atos do processo entre si correlacionados,
parece-nos que deve ela ser interpretada restritivamente no sentido de apenas levar ao
impedimento do juiz de 1.ª instância que depois de, em sentença, ter conhecido do

43
Pinto de ALBUQUERQUE4 40.º/13.
44
Henriques GASPAR, CPP Comentado 40.º/4, e Ac. do TRC de 04-12-2013 (878/07.7TACBR-B.C1)
45
Contra, Ac. do TRP de 26-11-2008 (0845184).
46
Ac. do TC 167/2007.
47
Lapidar, o Ac. do TC 147/2011, concluindo não existir inconstitucionalidade na possibilidade de o juiz que
tenha participado em acórdão que conheceu do mérito do recurso, mas declarado nulo por inobservância de regra
processual, não ficar impedido de intervir na audiência destinada a julgar o mérito desse recurso. Nesta linha, ainda, o
TEDH, v. g., no caso Thomann c. Suíça (10-06-1996) – para mais referências, GUINCHARD / BUISSON4 418., e
RENUCCI4 302.
23

mérito da causa seja confrontado com um cenário de repetição integral da audiência de


discussão e julgamento48. Nada que, em todo o caso, deixe desprotegida a garantia de
imparcialidade, que sempre contará com a tutela oferecida pelo regime das suspeições
(art. 43.º), aliás, muito mais adequado à abordagem casuística que este específico
domínio aconselha49.

d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido,


a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a
alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior

À semelhança do que se prevê na alínea c), esta alínea d) começa por dirigir-se
àquelas situações em que um juiz de um tribunal superior deva decidir, em recurso,
questão relativa a um processo com que já teve contacto em recurso anterior, tenha este
recurso incidido i) sobre o mérito do decidido, a final, na 1.ª ou na 2.ª instância, quanto
ao objeto da causa, ii) sobre a decisão instrutória ou iii) sobre a aplicação de uma das
medidas de coação previstas nos arts. 200.º a 202.º do CPP. Dirige-se ainda, em
segundo lugar, aos casos em que um juiz tenha intervindo num recurso de revisão
anterior (art. 449.º e ss.).

Pela sua afinidade com a regulação das alíneas a) e c), voltam a suscitar-se aqui as
perplexidades e as dificuldades a que estas dão azo, devendo quanto a esta alínea d)
adotar-se, mutatis mutandis, uma abordagem restritiva paralela àquela que
preconizámos para tais alíneas. Assim, por exemplo, não há razão para que devam
considerar-se impedidos os juízes da Relação que, conhecendo do objeto do processo,
começaram por confirmar a condenação proferida pela 1.ª instância e depois se vêem de
novo confrontados com a causa, na sequência de anulação do seu acórdão pelo STJ com
fundamento em omissão de pronúncia ou de vício de fundamentação50.

48
Ainda mais restritivo, o Ac. do TRP de 09-05-2013 (125/09.7GCPRG.P1): “Deve ser feita pelo mesmo
tribunal a repetição do julgamento ordenada na sequência da verificação de nulidade decorrente da deficiente
documentação da prova oral produzida em audiência”. Não divisando qualquer inconstitucionalidade nesta
interpretação, já antes o Ac. do TC 399/2003. Repudiando, porém, uma abordagem restritiva, apesar de crítico do
regime legal, Pinto de ALBUQUERQUE4 40.º/12.
49
GUINCHARD / BUISSON4 418., com amplas menções à jurisprudência francesa e do TEDH.
50
Ac. do STJ de 27-06-2012 (127/10.0JABRG).
24

e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória


ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta

Introduzida na revisão de 2007 do CPP, esta última alínea do art. 40.º estabelece o
impedimento do juiz em três hipóteses que podem colocar-se no encerramento do
inquérito e que reclamam uma intervenção judicial. Embora o arquivamento em caso de
dispensa de pena e a suspensão provisória do processo possam ser decretados também
na fase da instrução (arts. 280.º-2 e 307.º-1, respetivamente), a sua eventual aplicação
terá aí lugar na decisão instrutória, pelo juiz que presidiu ao debate instrutório, cujo
impedimento decorre já diretamente da alínea b). A alínea e) tem assim em vista
intervenções prévias do juiz no âmbito da fase do inquérito, especificamente daquelas
que se traduzam i) na recusa do arquivamento em caso de dispensa de pena (art. 280.º-
1), ii) na recusa da suspensão provisória do processo (art. 281.º-1) ou iii) na recusa da
forma sumaríssima do processo por discordância em relação à sanção proposta pelo
Ministério Público (art. 395.º-1, c)).

É de supor que o legislador de 2007 foi motivado pelo receio – a nosso ver, nem
sempre fundado, em especial quando em causa esteja o arquivamento em caso de
dispensa de pena e a suspensão provisória do processo, atenta a natureza da decisão
judicial que aí deve ser tomada51 – de que qualquer uma daquelas três intervenções
implica por si só uma desconfiança tal sobre a capacidade do juiz respetivo para julgar a
causa de modo imparcial que se justifica afastá-lo das fases do julgamento e do recurso
que possam seguir-se. Mas se assim for, ficam por perceber as razões que terão levado o
legislador a não englobar no impedimento situações afins porventura mais suscetíveis
de gerar um tal temor do que as previstas legalmente. Estamos a pensar, nomeadamente,
nos casos em que, no fim do inquérito, o juiz dá a sua concordância à suspensão
provisória do processo, sendo depois esta revogada e o processo remetido para
julgamento nos termos do art. 282.º-4; ou em que, em processo sumaríssimo, o juiz dá o
seu acordo à condenação, mediante aplicação da sanção proposta pelo Ministério
Público (art. 396.º-1), havendo, porém, depois, oposição do arguido, com reenvio dos
autos para outra forma processual (art. 398.º-1)52. Não que entendamos que nestas

51
Numa linha crítica, também Pinto de ALBUQUERQUE4 40.º/17; e em direção contrária, Mouraz LOPES, A
Tutela da Imparcialidade Endoprocessual 162 ss.
52
Pedro Soares de ALBERGARIA, Os processos especiais na revisão de 2007 do Código de Processo Penal,
RPCC 4/2008 503.
25

hipóteses exista sempre necessariamente uma suspeição de tal modo forte que se
justifique a sua previsão como impedimento53. O que repudiamos é a falta de lógica
interna da solução adotada pelo legislador.

1.4 Independentemente da fase em que o processo se encontre, está impedido o juiz


que nele tenha sido ouvido como testemunha ou deva vir a sê-lo (art. 39.º-1, d)). Em
princípio, tal acontece quando o próprio juiz possui conhecimento direto de factos que
constituam objeto da prova a realizar no processo (arts. 124.º-1 e 128.º-1), o que pode
comprometer irremediavelmente a sua capacidade para conhecer da causa sem um juízo
prévio sobre o sentido da decisão a tomar, assim ficando imediatamente em risco a
garantia de imparcialidade. Com o impedimento, dá-se ainda satisfação, de forma
mediata, à finalidade de descoberta da verdade material, já que sem o afastamento do
juiz poderia frustrar-se a produção de prova (sc., o depoimento testemunhal do juiz)
com relevo para um cabal esclarecimento da causa.

Trata-se, não obstante, de um impedimento particularmente vulnerável a


instrumentalizações pelos vários sujeitos processuais, que, na ausência de um
mecanismo de salvaguarda, poderiam usar do expediente da indicação como testemunha
de um juiz indesejado para assim conseguir o seu afastamento do processo. A fim de
obstar a tal manobra fraudulenta, prevê o n.º 2 do art. 39.º que se o juiz tiver sido
oferecido como testemunha, declara, sob compromisso de honra, por despacho nos
autos, se tem conhecimento de factos que possam influir na decisão da causa – em caso
afirmativo, verifica-se o impedimento; em caso negativo deixa de ser testemunha.

2. Os impedimentos devem ser, a todo o tempo e logo que conhecidos,


oficiosamente declarados pelo juiz (iudex inhabilis), por despacho nos autos (art. 41.º-
1). Quando o não sejam, deve o Ministério Público requerer a sua declaração, podendo

53
Assim também, quanto ao processo sumaríssimo, o Ac. do TC 444/2012, em termos, porém, por demais
discutíveis quanto à natureza da decisão judicial de aceitação ou rejeição do requerimento para condenação em
processo sumaríssimo (Nuno BRANDÃO, Acordos sobre a sentença penal: problemas e vias de solução, Julgar 25
2015 177 s.). Aí pugnando, no entanto, pela inconstitucionalidade, Pinto de ALBUQUERQUE4 40.º/18.
26

também requerê-la o arguido, o assistente e as partes civis logo que sejam admitidos a
intervir no processo, em qualquer estado deste54.

Sendo o impedimento reconhecido, oficiosamente ou a requerimento, é irrecorrível


o despacho que o declarar (art. 42.º-1, I)55. Não o sendo, pode ser interposto recurso
para o tribunal imediatamente superior (art. 42.º-1, II), o qual tem efeito suspensivo do
processo, podendo no entanto praticar-se os atos urgentes cuja demora possa trazer
prejuízo irreparável (art. 42.º-3). Vindo o impedimento a ser afirmado, logo pelo juiz
impedido ou em recurso, são nulos os atos por aquele praticados, salvo se não puderem
ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da
decisão do processo (art. 41.º-3), devendo o processo ser imediatamente remetido ao
juiz que, de harmonia com as leis de organização judiciária, deva substituí-lo (art. 46.º).

III. Suspeições

1. A proteção da garantia de imparcialidade do juiz é assegurada não apenas pela


categoria dos impedimentos, como ainda também, complementarmente, pelo instituto
das suspeições, que podem assumir a natureza de recusa ou de escusa (arts. 43.º a 45.º).
A recusa é uma suspeição oposta à intervenção do juiz pelo Ministério Público, pelo
arguido, pelo assistente ou pelas partes civis (art. 43.º-3). Não estando o juiz autorizado
a recusar-se a si próprio, declarando-se voluntariamente suspeito, é-lhe, não obstante,
conferida a possibilidade de suscitar perante outro tribunal a suspeição que admite que
possa recair sobre si, para assim ser dispensado de intervir no processo – uma suspeição
que a lei qualifica como escusa (art. 43.º-4).

54
A letra do n.º 2 do art. 41.º – em especial o seu segmento “logo que” – e o receio da utilização desleal e
dilatória da figura dos impedimentos vêm sendo indevidamente invocados por alguma doutrina (Pinto de
ALBUQUERQUE4 42.º/1) e jurisprudência (Ac. do STJ de 28-09-2011, 5/05.5TELSB, na esteira daquele A.) para
sustentar a imposição de um prazo perentório de 10 dias para a apresentação do requerimento de declaração do
impedimento pelo arguido, assistente ou partes civis, contado desde o momento da sua admissão à intervenção no
processo ou do conhecimento do facto determinante do impedimento. Estando em causa circunstância em princípio
tão comprometedora da imparcialidade do juiz que justifica a sua qualificação legal como impedimento, não se
compreende a imposição de tal constrangimento temporal. Pois se ele realmente se verifica, pode e deve ser a todo o
tempo declarado pelo próprio juiz impedido, mesmo oficiosamente; e caso não se verifique, bastará ao juiz visado
não o reconhecer.
55
Diversamente, Pinto de ALBUQUERQUE4 42.º/1.
27

Na densificação do que deva considerar-se uma suspeição determinante de


afastamento do juiz do processo deve atender-se à cláusula geral56 enunciada no n.º 1 do
art. 43.º: “a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco
de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar
desconfiança sobre a sua imparcialidade”. O legislador português seguiu, assim, o
modelo do § 24 do CPP alemão, indo portanto mais longe do que a CEDH, cujo art. 6.º-
1 adota uma formulação de tal modo genérica – “qualquer pessoa tem direito a que a sua
causa seja examinada (…) por um tribunal (…) imparcial (…) – que acaba por
significar a passagem de um cheque em branco ao TEDH para concretizar o conteúdo
da garantia de um tribunal imparcial.

A cláusula geral de suspeição revela que a preocupação central que anima o regime
legal é prevenir o perigo de a intervenção do juiz ser encarada com desconfiança e
suspeita pela comunidade. Para que a suspeição se atualize num afastamento do juiz,
não é, com efeito, necessário demonstrar uma sua efetiva falta de isenção e
imparcialidade, sendo suficiente, atentas as particulares circunstâncias do caso, um
receio objetivo de que, vista a questão sob a perspetiva do cidadão comum, o juiz possa
ser alvo de uma desconfiança fundada quanto às suas condições para atuar de forma
imparcial. Consagra-se, desta forma, um critério que, com a generalidade da
jurisprudência e doutrina alemãs57, pode qualificar-se como “critério individual-
objetivo” de suspeição. Deparamos, portanto, com uma solução eminentemente
objetiva, mas direcionada à concreta atuação do juiz e/ou aos condicionalismos que a
rodeiam.

Trata-se, assim, de um critério em parte convergente com a abordagem mista


subjetiva-objetiva que, desde o caso Piersack c. Bélgica, o TEDH vem seguindo para
testar o cumprimento da garantia de imparcialidade nos casos de espécie levados ao seu
conhecimento. Entende o TEDH, num método que tem feito curso doutrinal58 e
jurisprudencial entre nós, que a imparcialidade deve começar por ser avaliada sob um
prisma subjetivo e depois, ainda que nada haja a apontar ao comportamento do juiz, sob
56
Criticando o método da especificação de concretas circunstâncias constitutivas de suspeição constante do
CPP de 1929 e defendendo a adoção de uma solução de cláusula geral como a que foi instituída pelo Código de 1987,
Figueiredo DIAS, DPP 1974 319.
57
Por muitos outros, v. g., os Acs. do BGH de 11-10-1967 (BGHSt 21, 334, 341) e de 13-03-1997 (NJW 1998
550); e ROXIN / SCHÜNEMANN28 § 8/1.
58
Mouraz LOPES, A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual 85 ss., Pinto de ALBUQUERQUE4 43.º, e
Henriques GASPAR, CPP Comentado 125 ss.
28

uma ótica objetiva. Na primeira vertente, deve averiguar-se se o juiz tem algo contra o
arguido ou expressa uma predisposição no sentido da sua condenação (“personal bias”),
devendo a sua imparcialidade pessoal ser presumida até prova em contrário 59. Ainda
que não haja motivo para censurar o juiz quanto à sua imparcialidade, importa ainda, em
todo o caso, averiguar se há “alguma razão legítima que faça temer uma falta de
imparcialidade”60.

Na interpretação e aplicação da cláusula geral de suspeição, a jurisprudência


nacional tem, com razão, adotado um crivo particularmente exigente e apertado, que,
além do mais, atende à “quebra simbólica na confiança que decorre da dúvida sobre a
consistência do valor”61 da imparcialidade. Estando em causa o princípio do juiz natural
e a eficiência do funcionamento do sistema processual penal, não é qualquer dúvida que
possa eventualmente ser oposta em relação às condições do juiz para exercer a sua
função de modo isento e imparcial que, sem mais, deve ditar o seu afastamento. Como
prevê o n.º 1 do art. 43.º, deve tratar-se de uma suspeição fundada em motivo sério e
grave. Numa análise casuística da nossa experiência jurisprudencial nesta matéria é
possível identificar várias constelações de suspeições que recorrentemente são
submetidas à apreciação dos nossos tribunais superiores.

a) Muito frequente é a suscitação da recusa e sobretudo da escusa com fundamento


no relacionamento do juiz com outros sujeitos ou participantes processuais ou seus
familiares.

A existência de uma amizade entre o juiz e o arguido ou o assistente é, via de regra,


considerada razão adequada a gerar desconfiança sobre a sua isenção62. Já o mesmo não
sucederá, como é evidente, naqueles casos em que o interveniente é um familiar
próximo de um amigo do juiz63. Ainda que o juiz não tenha um relação de amizade com
um sujeito processual, se com ele manteve contactos a propósito do processo e lhe

59
Esta presunção – afirmada pelo TEDH logo no caso Piersack c. Bélgica (30.) e depois reiterada, v. g., nos
arestos dos casos De Cubber c. Bélgica (25.) e Hauschildt c. Dinamarca (47.) – implica que é ao arguido que cumpre
demonstrar, através de elementos concretos, a falta de imparcialidade pessoal do juiz.
60
Piersack c. Bélgica (30.), seguido e desenvolvido em Hauschildt c. Dinamarca (48. ss.).
61
Henriques GASPAR, CPP Comentado 43.º/2.
62
Acs. do STJ de 18-01-2007 (07P163), 05-07-2007 (07P2565), 07-05-2008 (08P1526) e 29-04-2015
(4914/12.7TDLSB.G1-B.S1). Cf., todavia, o Ac. do STJ de 15-11-2012 (947/12.1TABRG-A.S1).
63
Ac. do STJ de 23-09-2009 (532/09.5YFLSB).
29

prestou aconselhamento isso será, em princípio, suficiente para que não permaneça
nesse processo64.

Situações de inimizade ou de litigiosidade que envolvam o juiz e um advogado65 do


processo ou algum outro sujeito processual também não serão, em geral, motivo para
implicar o afastamento daquele66, sendo este, em todo o caso, um campo onde se impõe
uma particular cautela na avaliação das atitudes e comportamentos do próprio juiz na
contenda67. Certo é que um comportamento unilateral hostil ou de desrespeito de algum
sujeito para com o juiz não é justificação para afirmar a suspeição deste, já que se assim
não fosse a participação do juiz no processo acabaria sempre por ficar nas mãos dos
demais sujeitos processuais68.

b) A suspeição pode assentar em atos praticados pelo juiz no processo que lhe está
confiado, em declarações que sobre ele produza ou ainda em processos que com aquele
guardem algum tipo de conexão.

Podem reconduzir-se a suspeições desta ordem tanto intervenções judiciais


objetivamente insuscetíveis de qualquer reparo, como comportamentos merecedores de
censura que o juiz tenha para com algum dos sujeitos processuais. É seguro, em todo o
caso, que a simples discordância jurídica, mesmo que reiterada, de um sujeito
processual em relação a atos ou decisões do juiz não é idónea a determinar a suspeição
deste69.

A intervenção do juiz em fases anteriores do processo que não seja motivo para
implicar o seu impedimento nos termos do art. 40.º pode constituir fundamento para a
afirmação da suspeição (art. 43.º-2). Ponto é que se tenha tratado de uma atuação que
possa gerar uma dúvida ponderosa e objetivamente fundada sobre a capacidade do juiz
para decidir de modo isento ou sem uma pré-compreensão sobre a imputação que é
dirigida ao arguido. A questão colocar-se-á com maior acuidade naqueles casos em que

64
Acs. do STJ de 20-10-2010 (140/10.8YFLSB) e de 05-12-2012 (1454/12.8PAALM-A.L1-A.S1).
65
Ac. do TC 227/97 e Ac. do STJ de 15-09-2010 (133/10.5YFLSB).
66
Ac. do STJ de 28-06-2006 (06P1937). Vd. ainda o Ac. do TRP de 17-03-2010 (2/07.6GAAMT).
67
Cf. novamente o Ac. do STJ de 15-09-2010 (133/10.5YFLSB) e ainda o Ac. do STJ de 07-04-2010
(1257/09.TDLSB.L1-A.S1).
68
Ac. do TRL de 30-05-2001 (0096383).
69
Acs. do STJ de 13-06-2001 (3914/01) e de 27-07-2006 (06P2554) e ainda, embora num processo não penal, o
Ac. do TC 64/2010.
30

possa recear-se que determinadas decisões tomadas pelo juiz numa fase anterior do
processo revelem, pelo seu concreto conteúdo, uma dúvida séria sobre a existência de
uma predisposição sobre o sentido da decisão que deverá proferir no encerramento da
fase processual em que intervém. Uma ponderação que não tem de cingir-se às fases do
julgamento e do recurso, sendo também admissível na instrução, relativamente a um
juiz de instrução que receba o processo nessa fase processual depois de ter atuado como
juiz de instrução no inquérito70.

Isto que vale para situações em que a competência seja deferida a um juiz que teve
uma participação em fase anterior do processo, vale no essencial também, e ainda por
força do n.º 2 do art. 43.º, para aqueles casos em o juiz interveio noutro processo, penal
ou não71, que tenha tido por objeto a mesma factualidade72 ou uma factualidade
diretamente relacionada com a do seu (novo) processo, em especial se se tratar de
processos que admitiriam o estabelecimento de uma conexão processual (cf. art. 24.º-
1)73. Poderá ser este ainda o caso de o novo processo respeitar a factos (v. g., uma
falsidade de testemunho) ocorridos num processo dirigido pelo juiz em questão74.

A conduta do juiz no decurso dos atos processuais que conduz pode gerar
suspeição se revelar uma perda da equidistância que deve caracterizar o exercício da
função judicial.

De tal não se poderá falar se o juiz, em cumprimento do seu poder-dever de


investigação do feito submetido à sua apreciação (art. 340.º-1), toma a iniciativa de
promover diligências probatórias que aparentem ser vantajosas para os interesses de
algum dos sujeitos processuais. Também não haverá motivo para suspeição se, no
decurso de uma tomada de declarações em julgamento, o juiz verbaliza dúvidas sobre a
congruência ou a fidedignidade do relato que é apresentado pelo depoente 75, sem
prejuízo, naturalmente, da contenção e sobriedade que deve colocar nessas observações.

70
Admitindo esta possibilidade, mas negando a recusa no caso submetido à sua apreciação, o Ac. do TRC de
16-01-2008 (18/06.0PELRA).
71
Ac. do TRE de 06-03-2012 (17/12.2YEVR).
72
Acs. do TRL de 30-03-2006 (1941/2006-9) e 07-07-2009 (2110/03.3TALSB-5).
73
Cf. infra, § 3., VI.
74
Acs. do TRP de 23-05-2007 (0712825), de 09-07-2008 (0843611), de 15-12-2010 (1130/09.9TAVNG-A.P1)
e de 23-02-2011 (5136/10.7TAVNG-A.P1). Por uma consideração restritiva destes casos, o Ac. do TRE de 20-12-
2011 (0712825).
75
Ac. do TRG de 20-03-2006 (458/06-2).
31

Se, no entanto, o juiz vai mais longe e dá antecipadamente mostras de uma


inclinação para decidir o pleito em determinado sentido tal será justificação para
considerar comprometida a sua imparcialidade76. Suspeição que poderá ser afirmada
não apenas quando tal ocorra no âmbito de um ato processual, mas igualmente quando
suceda à margem do processo, por exemplo, e sem prejuízo da concomitante existência
de infração ao dever de reserva (art. 12.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, Lei
21/85), pronunciando-se publicamente sobre o caso num órgão de comunicação social77.
A demonstração de que na direção dos atos processuais o juiz concede um tratamento
injustificada e arbitrariamente diferenciado a um sujeito processual, privilegiando-o ou
prejudicando-o em relação aos demais, implica também a sua suspeição.

2. O requerimento de recusa e o pedido de escusa devem ser apresentados, dentro


dos prazos definidos no art. 44.º, perante o tribunal imediatamente superior àquele que é
integrado pelo juiz em causa ou perante a secção criminal do STJ, tratando-se de juiz a
ele pertencente (art. 45.º-1). Tratando-se de uma recusa, é ouvido o juiz visado (44.º-3)
e deve o incidente ser decidido no prazo máximo de 30 dias sobre a sua apresentação
(44.º-5), sendo tal decisão irrecorrível (44.º-6). No caso de ser declarada a suspeição, o
juiz recusado ou escusado remete de imediato o processo ao juiz que deva substituí-lo
(art. 46.º).

76
Para vários exemplos, Pinto de ALBUQUERQUE4 43.º/14 e ROXIN / SCHÜNEMANN28 § 8/8.
77
Acs. do TEDH Buscemi c. Itália (16-09-1999) 68 e Lavents c. Letónia (28-11-2002) 117 ss.
32

§ 3. A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM MATÉRIA PENAL

I. O princípio do “juiz natural”

1. O princípio da legalidade em matéria penal não vincula apenas à legalidade


incriminatória e sancionatória (sem recurso à analogia) e à anterioridade da lei, mas
alcança toda a chamada “matéria penal”, ou seja, também as normas aplicáveis à
fixação concreta de um facto definido como criminoso e à determinação da sanção
cominada; em suma, abrange também a legalidade da “repressão penal” e, portanto, do
processo para aplicação de uma pena78.

Daí que desde há muito se tenha considerado, com inteira razão, como puro
corolário daquela exigência de legalidade a afirmação do princípio do “juiz natural” ou
do “juiz legal”79, através do qual se procura sancionar, de forma expressa, o direito
fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como
competente mediante aplicação de critérios objetivos legalmente determinados e não ad
hoc criado ou tido como competente. O que por ele se pretende fundamentalmente
proibir é, assim, a criação post factum de um juiz para uma determinada causa, ou a
possibilidade de se determinar de forma arbitrária ou discricionária o juiz competente.
Princípio que encontra expressão no art. 32.º-9 da CRP: “Nenhuma causa pode ser
subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”80. A tanto vincula
a necessária garantia dos direitos da pessoa, ligada à ordenação da administração da
justiça, à exigência de julgamentos independentes e imparciais e à confiança da
comunidade naquela administração81.
Retomando uma experiência já feita pela Inglaterra, desde a Magna Carta de 1215 à Petition of
Rights de 1628, e pelos EUA com as primeiras Cartas Constitucionais de 1776, a França, saída da
Revolução, logo em 1790 incluía de forma inequívoca, na lei da nova organização judiciária, o direito
fundamental do cidadão a ser julgado por juízes que oferecessem as mais sólidas garantias: “A ordem

78
Assim, logo Figueiredo Dias, DPP 94 ss.; e agora, de novo, Figueiredo DIAS / Nuno BRANDÃO,
Irrecorribilidade para o STJ: redução teleológica permitida ou analogia proibida?, RPCC 4/2010 634 ss., com a
concordância do TC (Ac. 324/2013, 4.).
79
A primeira designação é a corrente nos direitos francês e italiano, a segunda no alemão.
80
Cf. Figueiredo DIAS, Sobre o princípio jurídico-constitucional do «juiz-natural», RLJ 111 1978 83 ss., e
Gomes CANOTILHO / Vital MOREIRA4 I 525.
81
Aspetos salientados pelo Ac. do TC 614/2003.
33

constitucional das jurisdições – dizia a lei – não poderá ser subvertida nem os imputados poderão ser
subtraídos aos seus juízes naturais...”82.
Desde então o princípio aparece quase sempre incluído nas Constituições próprias dos Estados de
Direito. Na Sardenha, logo o Statuto de Carlos Alberto (1848) afirmava no seu art. 71.º: “Ninguém pode
ser subtraído aos seus juízes naturais. Não poderão, por isso, ser criados tribunais ou comissões
extraordinárias”. Por seu lado a atual Constituição italiana, no mesmo art. 25.º em que consagra o
princípio da legalidade, e o coloca portanto entre os direitos fundamentais do cidadão, prescreve:
“Ninguém poderá ser afastado do juiz natural pré constituído por lei”. Idêntica norma se encontra na lei
fundamental da Alemanha Federal, onde estatui o art. 101.º-1: “Não pode ser instituída uma jurisdição de
exceção. Ninguém deve ser subtraído ao seu juiz legal”.
A ideia do “juiz natural” esteve igualmente presente, durante mais de 100 anos, na tradição
jurídico-constitucional portuguesa do princípio da legalidade. Logo o art. 9.º, 2.ª parte, da Constituição de
1822 se devia compreender, na verdade, como sugerindo o princípio do juiz natural 83. Ele aparece porém,
com toda a clareza, no art. 145.º da Carta de 1826: o § 10.º dispõe que “ninguém será sentenciado senão
pela Autoridade competente, por virtude de lei anterior e na forma por ela prescrita”; e consequentemente
determina o § 11.º que “será mantida a independência do Poder Judicial. Nenhuma Autoridade poderá
avocar as causas pendentes, sustá-las ou fazer reviver os processos findos”. E se a expressão do princípio
se amortece no art. 18.º da Constituição de 183884, surge de novo a plena luz no art. 3.º-21 da
Constituição de 1911: “Ninguém será sentenciado senão pela Autoridade competente, por virtude de lei
anterior e na forma por ela prescrita”. Inexplicavelmente, o princípio do juiz natural não aparecia inscrito
na Constituição de 1933, numa quebra da nossa tradição de todo em todo injustificável 85. A tradição foi
retomada com a atual Constituição, que, como referimos, prevê que “nenhuma causa pode ser subtraída
ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior” (art. 32.º-9), deste modo concedendo
autónomo e direto relevo ao princípio do juiz natural.

2. O princípio do juiz natural impõe, antes de mais, que a definição do juiz


competente resulte da lei. No plano da fonte, com efeito, só a lei pode instituir o juiz e
fixar-lhe a competência. Neste sentido, em concretização do princípio, estipula o art.
10.º que “a competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada
pelas disposições deste Código e, subsidiariamente, pelas leis de organização
judiciária”.

Esta dimensão, dita positiva86, do princípio do juiz legal abrange não só as regras
legais propriamente ditas com relevo para a determinação da competência, como
também ainda eventuais regulamentos, regimentos, etc., complementares, emanados
pelo próprio sistema judiciário de que a mesma esteja dependente. Todas essas

82
Cf. depois a Constituição de 1791, cap. V, art. 4.º; a Carta de 1830, art. 52; a Constituição de 1848, art. 4.º; a
Constituição de 1852, arts. 1 e 56.
83
Era o seguinte o seu texto: “A lei é igual para todos. Não se devem portanto tolerar privilégios do foro nas
causas… crimes. Esta disposição não compreende as causas que pela sua natureza pertencerem a juízes particulares,
na conformidade das leis”.
84
Cujo texto rezava: “Ninguém será julgado senão pela autoridade competente, nem punido senão por lei
anterior”.
85
Cf. Figueiredo DIAS, DPP 325 ss.
86
Ac. do TC 614/2003 11.
34

prescrições devem possuir natureza geral e abstrata, de modo a evitar a manipulação da


fixação da competência relativamente a certos casos ou pessoas. Um receio que,
tradicionalmente, era sentido sobretudo em relação ao poder executivo87, mas que é hoje
acompanhado por preocupações voltadas para o interior do próprio poder judiciário88.

A esta vinculação a uma ordem taxativa de competência legalmente determinada


encontra-se associada, numa dimensão negativa, um conjunto de proibições de variada
ordem, fundadas essencialmente na proscrição da arbitrariedade ou mesmo da
discricionariedade no ato de fixação da competência89. Designadamente, a proibição de
jurisdições de exceção, isto é, jurisdições ad hoc criadas para decidir um caso concreto
ou um determinado grupo de casos, com quebra das regras gerais de competência; bem
como a proibição terminante do desaforamento de qualquer causa criminal e da sua
suspensão discricionária por qualquer autoridade; e ainda inclusive, segundo o art.
209.º-4 da CRP, a proibição da existência de tribunais com competência exclusiva para
o julgamento de certas categorias de crimes90.

Dilucidado o sentido material do princípio do juiz legal, importa ainda precisar o


seu alcance temporal e os juízes penais a que se dirige.

3. Devendo a competência ser definida de modo geral e abstrato, questão é saber


quando o deve ser. Estando o princípio do juiz natural diretamente ligado ao princípio
da legalidade criminal, poderia porventura pensar-se que o ponto de referência temporal
deveria ser, em observância da proibição de retroatividade inerente ao nullum crimen
sine lege, o momento da prática do facto91. Uma ideia que poderia ainda ser sugerida
pelo teor literal do art. 32.º-9 da CRP, na parte em que faz referência à fixação da
competência por “lei anterior”. Não deve ser esta, porém, a amplitude temporal a

87
Figueiredo DIAS, RLJ 111 1976 83 s.
88
Assim, a jurisprudência constitucional alemã citada pelo Ac. do TC 614/2003 (9.); e Henriques GASPAR, CPP
Comentado 10.º/3.
89
Como veremos infra (III., 3.3), é a existência de um critério objetivo e suficientemente determinado de
deferição (concreta) de competência, assim afastando a possibilidade de fixação arbitrária ou discricionária da
competência do juiz de julgamento pelo Ministério Público, que põe o art. 16.º-3 a salvo de inconstitucionalidade por
violação do princípio do juiz natural.
90
Integrando também o art. 209.º-4 da CRP na compreensão do princípio do juiz legal, Marques da SILVA /
Henrique SALINAS, Constituição Portuguesa Anotada I2 738. Em sentido oposto, pela generalidade da doutrina
alemã, em função do disposto no art. 101.º-2 da GG (“Tribunais para matérias especiais só podem ser estabelecidos
mediante previsão legal”), VOLK / ENGLÄNDER8 § 5 3.
91
Nesta conclusão, Gomes CANOTILHO / Vital MOREIRA I4 525.
35

conceder ao princípio do juiz legal. Do que nele se trata, como vimos, é de prevenir que
as regras gerais de competência sejam desvirtuadas por intervenções arbitrárias ad hoc
que desviem o processo do juiz a quem deveria ser distribuído. Uma teleologia que não
resulta comprometida pela possibilidade de a competência vir a ser regulada por normas
posteriores à prática do facto; obstando apenas a tal, mas também sempre, que a
atribuição de competência seja feita através da criação de um juízo ad hoc (isto é, de
exceção), ou do desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa
penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o
direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial 92. De outro modo,
aliás, em face das inultrapassáveis dificuldades que um princípio do juiz natural levado
àquele extremo levantaria, cairiam por terra quaisquer pretensões de reforma da
organização judiciária, com o inerente risco de fossilização do sistema processual.

4. Destinatários do princípio do juiz natural são todos os juízes penais, em todas as


fases processuais93. Embora o texto do art. 32.º-9 da CRP possa abrir a porta a um
entendimento restritivo que circunscreva o funcionamento do princípio às fases do
julgamento e do recurso94, as razões que justificam a sua existência, maxime a
necessidade de garantir a independência e a isenção do juiz e a confiança da
comunidade na realização da justiça penal, valem por inteiro nas fases preliminares do
inquérito e da instrução. Também nestas é reservada ao juiz de instrução a prática de
atos materialmente jurisdicionais, atenta a sua imediata relevância para a esfera dos
direitos de liberdade das pessoas atingidas, pelo que não se compreenderia que a
competência do juiz (de instrução) escapasse aí aos ditames do princípio do juiz legal.

II. A competência penal e as suas espécies

1. Dissemos que o princípio do “juiz natural” visa, entre outras finalidades,


estabelecer uma organização fixa dos tribunais, cujo conhecimento detalhado pertence
não tanto propriamente ao direito processual penal, quanto ao direito judiciário. Essa

92
Nestes exatos termos, Figueiredo DIAS, RLJ 111 1976 86, Pinto de ALBUQUERQUE4 4.º/12, Marques da SILVA
/ Henrique SALINAS, Constituição Portuguesa Anotada I2 739; e o TC, v. g., nos Acs. 393/89 e 614/2003.
93
Por isso, Gomes CANOTILHO / Vital MOREIRA4 I 525 falam num “princípio dos juízes legais”. Vd. ainda os
Acs. do TC 614/2003 (12.) e 482/2014 (32.); e na doutrina Figueiredo DIAS, RLJ 111 1976 833.
94
Figueiredo DIAS, Sobre os sujeitos processuais… 18.
36

organização não será aqui, pois, objeto de análise expressa, nem no que toca ao sistema
constituído – que se encontra essencialmente na LOSJ que nos rege –, nem aos difíceis
problemas de política legislativa que suscita95.

Simplesmente, uma tal organização fixa dos tribunais não é ainda condição bastante
para dar à administração da justiça – hoc sensu, à jurisdição96 – a ordenação
indispensável que permita determinar, relativamente a um caso concreto, qual o tribunal
a que, segundo a sua espécie, deve ser entregue e qual, dentre os tribunais da mesma
espécie, deve concretamente ser chamado a decidi-lo. A falta de uma tal ordenação
conduziria fatalmente à confusão na divisão da jurisdição, a inconvenientes conflitos
entre os tribunais e, consequentemente, a prejuízos irreparáveis tanto para os arguidos
como, em geral, para a administração da justiça penal.

Torna-se, deste ponto de vista, absolutamente necessário que a referida organização


judicial vá até ao ponto de regulamentar o âmbito de atuação de cada tribunal, de modo
a que cada caso penal concreto seja apenas deferido a um único tribunal97: é nisto que
se traduz a determinação da competência em processo penal.

Cabe só anotar ainda que também esta determinação da competência vem a revelar-
se como um postulado do princípio do “juiz natural”. Daí que a ordenação respetiva
deva ser alcançada por via geral e abstrata – e portanto legal –, de modo a que o
Ministério Público possa saber qual o tribunal a que deve dirigir-se e este saiba quais os
casos que é chamado a resolver; tudo em ordem a excluir por completo a possibilidade
de a acusação escolher o tribunal que lhe pareça mais favorável à decisão que dele
espere (o denominado forum shopping).

2. A determinação em concreto do tribunal competente para o conhecimento e a


decisão de um caso penal não é questão que possa ser respondida uno actu, antes
implica a resposta a três perguntas estruturalmente diferentes98:

95
Para uma perspetiva geral, António Vieira CURA, Curso de Organização Judiciária2 2014.
96
Cf. Eduardo CORREIA, Processo Criminal 276, Cavaleiro de FERREIRA I 176 s., e Pedro CAEIRO,
Fundamento, Conteúdo e Limites da Jurisdição Penal do Estado 2010.
97
O que não prejudicará, é claro, a possibilidade de o mesmo “caso” (à luz do direito substantivo) dever ser
sucessivamente apreciado por mais do que um tribunal, quer atendendo aos diversos graus de instância, quer à própria
especialização de certos temas dentro do mesmo “caso” (v. g., o tribunal do facto e o tribunal de execução das penas).
98
Cf. por todos G. BELLAVISTA, Competenza penale, NssDI III 1957 68 e G. GUARNERI, Competenza penale,
EdD VIII 1961 100.
37

a) Qual o tribunal que, segundo a sua espécie (v. g., instância central de
competência especializada criminal; secção criminal ou secção de pequena
criminalidade de instância local; tribunal do júri, tribunal coletivo ou tribunal singular;
Tribunal da Relação; Supremo Tribunal de Justiça; etc.), deve conhecer de um caso
penal de certa natureza (v. g., homicídio doloso, crime contra a autoridade pública,
crime de discriminação racial ou de tortura, etc.)? Trata-se aqui do problema da
determinação da competência material.

b) Qual o tribunal que, entre os da mesma espécie materialmente competente para o


caso, deve, segundo a sua localização no território, ser chamado para conhecer e decidir
concretamente de um certo facto? É o problema da determinação da competência
territorial.

c) A determinação da competência relativa aos dois índices apontados – material e


territorial – é feita pela lei tendo em atenção o processamento do caso em primeira
instância. Há pois que responder ainda a uma terceira questão, qual é a de determinar o
tribunal (ou tribunais) competente(s) para o desenvolvimento do processo ou de
singulares atos processuais fora da atividade cognitiva de primeira instância
(competência hierárquica), ou – dentro da mesma instância – para certas fases da
prossecução processual. E pois que a determinação desta espécie de competência se
relaciona assim, primariamente, com a função jurisdicional a desempenhar pelos
tribunais segundo a sua categoria, costuma a doutrina abrangê-la no designativo comum
de competência funcional.
As considerações que se seguem não visam fornecer uma panorâmica exaustiva de toda a repartição
da competência em processo penal99, mas apenas dos princípios fundamentais da sua ordenação. E são
várias – e de vária ordem – as razões que justificam esta orientação: Em primeiro lugar, uma exposição
sistemática esgotante da matéria levaria a uma extensão dificilmente suportável, demais sendo certo que
teria de haver-se com temas específicos de organização judiciária que mal poderiam ser compreendidos
sem um seu expresso tratamento; razão têm pois aqueles autores que pretendem remeter grandes zonas do
problema da competência processual (penal e civil) para as exposições sistemáticas de direito e de
organização judiciária. Em segundo lugar, a exposição detalhada da matéria reverte muitas vezes –
sobretudo num direito processual penal como o português – a temas cujo tratamento exaustivo (ou pelo
menos mais pormenorizado) melhor caberá noutro lugar, maxime naquele em que se estudem as
diferentes formas de processo comum e especial: assim, v. g., o estudo in extenso da competência material
obrigaria a antecipar grande parte da matéria respeitante às formas de processo, enquanto o da
competência funcional – pois que, como dissemos, se põe também relativamente ao desenvolvimento de
singulares atos processuais – só pode verdadeiramente fazer-se a propósito da consideração de cada um

99
Que pode encontrar-se, por exemplo, em Pinto de ALBUQUERQUE4 art. 10.º ss.
38

daqueles atos100 e importaria, de todo o modo, a antecipação de uma boa parte da matéria respeitante aos
recursos em processo penal.

III. Competência material

1. De acordo com o que deixámos dito, designa-se por competência material


“aquela parcela de jurisdição que é distribuída às diferentes espécies de tribunais, tendo
em atenção a natureza das causas a resolver; de maneira que às particularidades
decisivas na matéria ou na natureza dos assuntos a tratar correspondam órgãos
jurisdicionais com uma organização e um formalismo que lhes sejam adequados”101.
Trata-se pois aqui fundamentalmente de repartir as causas penais pelas diferentes
espécies de tribunais penais de 1.ª instância102.

2. Para resolução deste problema oferecem-se ao legislador vários métodos ou vias


de procedimento, que poderão ser usados alternativa ou cumulativamente:

a) O chamado pela doutrina103 método de determinação abstrata da competência,


através do qual se faz decorrer a competência material imediatamente ou
incondicionalmente da lei. O legislador, utilizando este método, poderá alcançar a
finalidade proposta ainda por duas vias diferentes: ou dá a cada tribunal competência
para o conhecimento e decisão de certos tipos de crime (v. g., os crimes dolosos ou
agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa ao
tribunal coletivo, art. 14.º-2, a); os crimes contra a autoridade pública ao tribunal
singular, art. 16.º-2, a); etc.); ou, não curando do singular tipo de crime, dá a cada
tribunal competência para o conhecimento e decisão de crimes a que corresponda, em
abstrato, uma pena até um certo máximo (v. g., os crimes puníveis com pena de prisão
até 5 anos serão da competência do tribunal singular, os crimes com penas superiores
serão da competência do tribunal coletivo).

100
Assim também HENKEL2 § 27 III 1 in fine.
101
Eduardo CORREIA, Processo Criminal 276 s.
102
Circunscrevendo igualmente esta categoria aos tribunais de 1.ª instância, ROXIN / SCHÜNEMANN28 § 6 2.
Alargando-a, pelo contrário, a todas as fases processuais e assim imbricando-a com a competência funcional,
Marques da SILVA I7 170 ss.
103
Sobretudo germânica: cf. BOCKELMANN, Strafprozessuale Zuständigkeitsordnung und der gesetzliche
Richter, GA 1957 357 ss., HENKEL2 § 27 III 2, OEHLER, Der gesetzliche Richter und die Zuständigkeit in Strafsachen,
ZStW 64 1952 292 ss., e ROXIN / SCHÜNEMANN28 § 6/3.
39

Quando o legislador aponte para esta segunda via de determinação abstrata da


competência em função da pena aplicável vale o disposto no art. 15.º, devendo ser
levadas em conta todas as circunstâncias que possam elevar o máximo legal da pena a
aplicar no processo; independentemente, portanto, do seu estatuto dogmático104. Fora de
consideração deverão ficar eventuais circunstâncias suscetíveis de atenuar a pena
abstrata (v. g., as previstas nos artigos 10.º-3, 17.º-2, 33.º-1, 35.º-2 ou 72.º do CP), mas
já não as que, sendo expressamente levadas à acusação ou à pronúncia, impliquem
objetiva e inelutavelmente uma atenuação da pena aplicável (v. g., a imputação de um
crime praticado na forma tentada, art. 23.º-2 do CP; ou a acusação do arguido como
cúmplice, art. 27.º-2 do CP)105.

b) O método dito da determinação concreta da competência, segundo o qual não


haverá que atender diretamente ao tipo de crime ou à pena máxima que lhe seja
abstratamente aplicável, mas à pena máxima que previsivelmente virá a ser
concretamente aplicada uma vez levada a causa a julgamento106. Vai assim aqui
implicada a necessidade de emissão de um juízo prévio quanto à pena a aplicar, o qual
deverá, naturalmente, ser confiado à discricionariedade vinculada do Ministério
Público107.

3. A definição da competência material adotada pelo nosso legislador acolhe de


forma combinada aqueles dois critérios de determinação abstrata e concreta (arts. 13.º a
16.º). Encontrando-se legalmente previstos três tipos de tribunais – o tribunal do júri
(art. 13.º), o tribunal coletivo (art. 14.º) e o tribunal singular (art. 16.º) –, a distribuição
da competência por entre eles é feita mediante recurso ora a critérios de natureza
abstrata, ligados ao tipo de crime ou à pena máxima aplicável, ora de natureza concreta.
A afetação das causas penais por aquelas três distintas espécies de tribunais é

104
Figueiredo DIAS, DP II § 259 ss.
105
Sem esta diferenciação, considerando que “não são atendíveis as circunstâncias que atenuem especialmente
a pena”, Pinto de ALBUQUERQUE4 15.º/4, e, ao que parece, também Marques da SILVA I7 172.
106
Como exemplos, temos o art. 16.º-3, a que voltaremos infra mais de espaço, e os §§ 24 e 25 da GVG alemã
– cf., respetivamente, Teresa Pizarro BELEZA, Judicialização do Ministério Público? O método de atribuição concreta
da competência material em processo crime, Estudos Isabel de Magalhães Collaço II 2002 489 ss., e ROXIN /
SCHÜNEMANN28 § 6/4 ss.
107
Outro ponto de vista recondutível a um método de determinação concreta da competência seria aquele
segundo o qual a acusação pudesse dirigir o caso à apreciação de um órgão superior ou inferior ao normalmente
competente, consoante julgasse dever atribuir ao caso uma especial ou antes uma diminuta importância.
40

condicionada por fatores de variada ordem tanto jurídicos, inclusive jurídico-


constitucionais, como mesmo pragmáticos.

No plano jurídico, deve o legislador ordinário tomar em consideração a previsão


constitucional de que “o júri, nos casos e com a composição que a lei fixar, intervém no
julgamento dos crimes graves, salvo os de terrorismo e os de criminalidade altamente
organizada, designadamente, quando a acusação ou a defesa o requeiram” (art. 207.º-1
da CRP). Já não é líquido, porém, que corresponda a uma exigência constitucional,
eventualmente fundada na plenitude das garantias de defesa (art. 32.º-1 da CRP), que o
julgamento dos crimes mais graves ou severamente punidos deva necessariamente ser
confiado a um tribunal colegial, de júri ou coletivo108. É certo que a colegialidade
favorece a qualidade das decisões judiciais tanto em matéria de facto, como de direito,
sendo por isso desejável que os casos dos quais possa resultar uma mais drástica
restrição da liberdade do arguido sejam atribuídos a tribunais colegiais. Tal justifica
que, como veremos, tendencialmente a competência para o julgamento de crimes
puníveis com pena de prisão superior a 5 anos seja deferida a tribunais colegiais. Nada
que, porém, tenha sem mais de impedir, do ponto de vista constitucional, que o
julgamento de tais crimes possa ser legalmente cometido ao tribunal singular (cf., v. g.,
art. 16.º-2, a), do CPP e arts. 350.º-1 e 354.º do CP)109.

Razões de ordem prática são igualmente determinantes para o desenho legal da


distribuição de competência dos tribunais penais. Sendo limitado o número de juízes
penais e limitada ainda a sua disponibilidade para o exercício das suas funções
jurisdicionais, num contexto em que a demanda dos tribunais penais não dá sinais de
decréscimo, bem pelo contrário, justifica-se um particular cuidado na previsão de
competência do juiz penal. Mostra-se, com efeito, plenamente justificada a atribuição de
competência ao tribunal singular de competência nos casos de pequena e média
criminalidade, potenciando-se assim a celeridade processual (art. 32.º-2 da CRP) e um
emprego racional dos recursos, necessariamente escassos, do sistema de justiça penal.

108
Nesta direção, o Ac. do TC 393/89 (10.), e a declaração de voto da Cons. Maria João Antunes ao Ac. do TC
174/2014.
109
Em sentido oposto, todavia, a propósito da atribuição, em processo sumário, de competência ao tribunal
singular em relação a crimes puníveis com prisão superior a 5 anos (Lei 20/2013), o Ac. do TC 174/2014 (AcsTC 89.º
144).
41

3.1 O tribunal do júri recebe competência em matéria de criminalidade grave se, e


apenas se, a sua intervenção for requerida pelo Ministério Público, pelo assistente ou
pelo arguido110. Previsto pelo art. 13.º do CPP, conhece uma regulação específica no DL
387-A/87. Determina-se neste diploma que “o tribunal do júri é composto pelos três
juízes que constituem o tribunal coletivo e por quatro jurados efetivos e quatro
suplentes” (art. 1.º-1). Como se referiu já, é a própria Constituição que impõe a
existência do tribunal do júri no processo penal português, fazendo-o, sem embargo, de
um modo tal que acaba por conceder ao legislador ordinário uma ampla margem de
concretização111.

Ao contrário da tradição anglo-americana, onde o júri intervém na questão da


culpabilidade, mas já não na da sanção, que fica reservada para o juiz; no direito
processual penal nacional “o júri intervém na decisão das questões da culpabilidade e da
determinação da sanção” (art. 2.º-3 do DL 387-A/87), podendo os jurados decidir em
matéria de direito. Será essa porventura, pela desconfiança que pode gerar-se, sobretudo
nos profissionais do foro, em relação à qualidade da decisão dos jurados112, a par de
outras – como os custos que lhe estão associados, o círculo restrito de crimes em que
pode intervir ou a necessidade de um impulso de um sujeito processual para que seja
constituído –, uma das razões que explica a rara frequência com que a praxis judicial se
depara com o concreto funcionamento do tribunal do júri113. Isto apesar de a figura do
júri remontar entre nós logo à revolução liberal de 1820 e de lhe dever ser reconhecido
um papel decisivo para uma compreensão do processo penal português compatível com
o princípio democrático114.

O art. 13.º, n.os 1 e 2, define, pela positiva, os crimes em que pode ser deferida
competência ao tribunal do júri. Fá-lo em termos que vão ao encontro da previsão
constitucional no sentido de o júri intervir no julgamento dos crimes graves. Desde
logo, prevê o n.º 1 que a sua intervenção pode ter lugar relativamente a processos por
110
O tribunal do júri deverá funcionar na secção criminal da instância central da comarca (art. 118.º-1 da
LOSJ).
111
Gomes CANOTILHO / Vital MOREIRA4 II 537 s.
112
Não obstante, como nota Mirjan DAMAŠKA, The Faces of Justice and State Authority 1986 3636, estudos
empíricos realizados neste domínio revelarem ser limitada a capacidade de influência dos jurados no processo de
decisão dos tribunais de júri de competência mista.
113
Nada que, todavia, seja um fenómeno exclusivamente nacional, tratando-se de uma realidade relativamente
comum noutros países da Europa ocidental: cf. o número especial da RIDP dedicado ao tema “Le Jury dans le Procès
Pénal au XXIe Siècle”, RIDP 2001 72.º, in: http://www.penal.org/en/ridp-irpl-2000-2009.
114
Paulo Dá MESQUITA, Processo Penal, Prova e Sistema Judiciário 2010 187-212, e Henriques GASPAR, CPP
Comentado 13.º/2.
42

crimes previstos no título III (“Dos crimes contra a paz, a identidade cultural e
integridade pessoal”: arts. 236.º a 246.º do CP) e no capítulo I do título V (“Dos crimes
contra a segurança do Estado”: arts. 308.º a 346.º do CP) da parte especial do Código
Penal, bem como a crimes tipificados pela Lei Penal Relativa às Violações do Direito
Internacional Humanitário (Lei 31/2004). Pode competir ainda ao tribunal do júri,
segundo o art. 13.º-2, o julgamento respeitante a crimes cuja pena máxima,
abstratamente aplicável, seja superior a 8 anos de prisão.

Preceitos vários, por seu turno, delimitam negativamente a competência do tribunal


do júri, afastando o seu funcionamento nos seguintes casos: terrorismo115 e
criminalidade altamente organizada116 (art. 207.º-1 da CRP e art. 137.º-1 da LOSJ,
conceitos definidos pelo art. 1.º, i) e m), do CPP)117; crimes de responsabilidade de
titulares de cargos políticos (art. 40.º da L 34/87); e crimes que, sendo embora
abstratamente puníveis com pena de prisão superior a 8 anos, caibam na competência do
tribunal singular (cf. art. 13.º-2)118.

Condição sine qua non para que haja lugar à intervenção do tribunal do júri nos
casos em que a lei lhe atribui competência é a existência de expresso requerimento
nesse sentido formulado pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido.
Qualquer um deles tem o poder para, nos prazos previstos no art. 13.º-3, impulsionar o
seu funcionamento, sem necessidade de motivação para o efeito, sendo que, uma vez
apresentado o requerimento, não mais pode ser retirado (art. 13.º-5). Nos casos em que,
aquando da acusação e para efeitos do disposto no art. 16.º-3, o Ministério Público
manifeste o entendimento de que o crime em apreço, apesar de punível com pena de
prisão superior a 8 anos, não deve ser em concreto sancionado com prisão superior a 5
anos, não parece dever ficar precludida a possibilidade de o arguido requerer a
intervenção do tribunal do júri. Neste conflito, deve ser concedida preponderância à

115
Restrição introduzida pela revisão constitucional de 1989.
116
Limitação inscrita na Constituição pela revisão constitucional de 1997 – cf. DAR-I 102 de 26-07-1997 3850
ss.
117
No espírito do legislador constitucional esteve sobretudo a preocupação de poupar os cidadãos aos perigos
frequentemente inerentes ao processamento deste tipo de criminalidade (DAR-I cit. 3850 ss.). Cf. Damião da Cunha,
Constituição Portuguesa Anotada III 94 s. e Ac. do TC 540/2008.
118
Em princípio, poderão aqui entrar os crimes contra a autoridade pública constantes dos arts. 347.º a 358.º do
CP (art. 16.º-2, a), do CPP), sendo certo, em todo o caso, que na lei penal vigente nenhum deles é per se punível com
pena de prisão superior a 8 anos; e ainda os casos em que o Ministério Público lance mão do mecanismo previsto no
art. 16.º-3.
43

pretensão do arguido, dada a relevância constitucional de que beneficia (art. 207.º-1 da


CRP)119.

3.2 Tal como sucede com o tribunal do júri, também em relação ao tribunal
coletivo120 o legislador adota os dois critérios que dão corpo ao método de determinação
abstrata da competência.

Por um lado, considerando as previsões do art. 14.º, n.º 1 e n.º 2, a), cabe-lhe julgar
processos por crimes previstos no título III (“Dos crimes contra a paz, a identidade
cultural e integridade pessoal” – arts. 236.º a 246.º do CP) e no capítulo I do título V
(“Dos crimes contra a segurança do Estado” – arts. 308.º a 346.º do CP) da parte
especial do Código Penal; por crimes tipificados pela Lei Penal Relativa às Violações
do Direito Internacional Humanitário (Lei 31/2004); e por crimes dolosos ou agravados
pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa. Em qualquer dos
casos independentemente da pena abstrata aplicável.

Por outro lado, via de regra, o tribunal coletivo recebe igualmente competência para
o conhecimento de crimes cuja punição, isoladamente ou em concurso puro ou efetivo,
possa exceder os 5 anos de prisão (art. 14.º-2, b)). Deste modo, havendo imputação ao
arguido de dois ou mais crimes, o tribunal coletivo será, em regra, competente se, à
partida, em função das regras penais de sancionamento do concurso (art. 77.º do CP)121,
for possível a aplicação de uma pena única de prisão superior a 5 anos. E será assim
mesmo que cada um deles seja punível em medida de prisão não superior a 5 anos (v. g.,
em caso de acusação do arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física
simples e de um crime furto simples, cada um deles punível, nos termos dos arts. 143.º-
1 e 203.º-1 do CP, respetivamente, com pena de prisão até 3 anos, a competência
deverá, em princípio, recair sobre o tribunal coletivo)122.

119
Teresa BELEZA, Estudos I. Magalhães Collaço 491 s., e ALBUQUERQUE4 13.º/4, este último estendendo a
solução a uma possível requerimento do assistente.
120
Trata-se de um tribunal composto por três juízes de direito (art. 133.º-1 da LOSJ), a um deles cabendo o
estatuto de presidente do tribunal, que atua na secção criminal da instância central da comarca (art. 118.º-1 da LOSJ).
Para uma discriminação exaustiva dos atos que cabem na reserva de competência do presidente do tribunal coletivo,
ALBUQUERQUE4 14.º/7 ss.
121
Figueiredo DIAS, DP II § 405 ss.
122
Deste modo, mesmo antes da atual redação do art. 14.º-2, b), o Ac. do STJ 3/95 (DR-I de 21-06-1995).
Contra, Henriques GASPAR, CPP Comentado 14.º/5.
44

Pela negativa, no sentido de afastar a competência do tribunal coletivo, há a notar


que este cede o passo à intervenção do tribunal do júri quando, sendo este admissível,
haja um requerimento nesse sentido. Tal como cede o passo ao tribunal singular quando,
numa causa em que a atribuição de competência ao tribunal coletivo decorreria somente
do previsto no art. 14.º-2, b), o Ministério Público faça uso da previsão do art. 16.º-3 ou
esteja em discussão um crime contra a autoridade pública (proémio do n.º 2 do art. 14.º
e 16.º-2, a)). Deverão já, no entanto, considerar-se como não escritas as normas que, em
caso de processo sumário, prevêem o desvio de competência do tribunal coletivo para o
tribunal singular (art. 14.º-2, a), in fine, e art. 16.º-2, c)), dada a declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral ditada pelo Ac. do TC 174/2014 que
incidiu sobre a disposição conexa do 381.º-1 na interpretação segundo a qual o processo
sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é
superior a 5 anos de prisão123.

3.3 A fixação da competência do tribunal singular caracteriza-se pelo


funcionamento dos mecanismos de determinação abstrata (art. 16.º-2) e de determinação
concreta de competência (art. 16.º-3) e pelo recurso a uma cláusula geral de recolha
residual de competência (art. 16.º-1). Sendo este o tribunal que, por razões óbvias, mais
potencia o desafogamento do volume de processos e a celeridade processual, há uma
compreensível propensão do legislador para favorecer a sua instituição.

a) De acordo com o art. 16.º-2, a), entram na competência do tribunal singular os


processos por crimes contra a autoridade pública (arts. 347.º a 358.º do CP), mesmo que
puníveis com pena de prisão superior a 5 anos (cf., v. g., os arts. 350.º-1 e 354.º do CP).
A razão de ser desta espécie de desvio à regra de atribuição de competência ao tribunal
coletivo relativamente a crimes puníveis com prisão superior a 5 anos reside na ideia,
equivocada e perigosa124, de que em causa estão processos em que, em virtude da
normal possibilidade de se poder contar com o contributo probatório de pessoas que
exercem funções públicas, a prova dos factos se mostra em geral facilitada125. Em caso

123
DR-I de 13-03-2014 1858.
124
Marques da SILVA I7 175.
125
Assim, o art. 2.º, n.º 2, 58), da Lei 43/86, a lei de autorização do CPP de 1987.
45

de concurso de crimes contra a autoridade pública a competência continuará a ser do


tribunal singular mesmo que a pena única de prisão potencialmente aplicável exceda os
5 anos (proémio do n.º 2 do art. 14.º e 16.º-2, a))126. Se, porém, no concurso entrarem
crimes de qualquer outra natureza e houver a possibilidade de aplicação de uma pena
única de prisão superior a 5 anos, a competência pertencerá ao tribunal coletivo (art.
14.º-2, b)).

Ao tribunal singular cumpre ainda julgar os processos relativos a crimes puníveis


com pena de prisão não superior a 5 anos (art. 16.º-2, b)). Previsão que, todavia, não se
aplica se em causa estiverem crimes que façam parte da competência própria127 do
tribunal do júri (art. 13.º-1) ou do tribunal coletivo (art. 14.º, n.º 1 e n.º 2, a)) – por
exemplo, o julgamento do crime de infanticídio (art. 136.º do CP) compete ao tribunal
coletivo, apesar de a pena de prisão respetiva não ser superior a 5 anos – ou se se
verificar uma situação de concurso que possa levar a uma privação da liberdade superior
a 5 anos (art. 14.º-2, b)).

b) O n.º 3 do art. 16.º contempla o método da determinação concreta da


competência: “compete ainda ao tribunal singular julgar os processos previstos na alínea
b) do n.º 2 do artigo 14.º, mesmo em caso de concurso de infrações, quando o
Ministério Público, na acusação, ou em requerimento, quando seja superveniente o
conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de
prisão superior a 5 anos”. Caso em que, naturalmente, “o tribunal não pode aplicar pena
de prisão superior a 5 anos” (art. 16.º-4).

O mecanismo tem o seu âmbito de aplicação limitado aos casos em que a


competência pertenceria, em princípio, ao tribunal coletivo, com base na alínea b) do n.º
2 do art. 14.º, sendo, desta forma, inaplicável na hipótese de a competência do tribunal
coletivo colher fundamento no n.º 1 (v. g., crime de espionagem, art. 307.º-1 do CP) ou
na alínea a) do n.º 2 do art. 14.º.

Entendeu o legislador que havendo bases objetivas para crer que, em caso de
condenação, provavelmente a punição do arguido não excederá os 5 anos de prisão,

126
Pinto de ALBUQUERQUE4 16.º/2. Contra, Ac. do TRP de 05-12-2007 (Proc. 0744577).
127
Henriques GASPAR, CPP Comentado 14.º/4.
46

razões não há para mobilizar um tribunal coletivo, que se pretende reservar para os
chamados casos de maior merecimento penal, em prol da celeridade e de uma eficiente
afetação dos recursos do sistema judiciário. O juízo em questão é deferido ao Ministério
Público, a quem cabe o exercício da ação penal e a representação do interesse punitivo
do Estado, num exercício de discricionariedade vinculada. Durante o inquérito, cumpre
assim ao Ministério Público recolher todos os elementos necessários a uma prognose
sobre a previsível punição do arguido, de modo a ponderar se, tendo em conta os
critérios gerais de determinação da pena (arts. 40.º e 71.º do CP)128, será de esperar a
aplicação de uma pena de prisão não superior a 5 anos. Se o juízo for afirmativo caberá
ao Ministério Público manifestar esse entendimento, de modo devidamente
fundamentado (art. 97.º-5).

Tratando-se de um caso em que é efetivamente legítimo o recurso a este método de


determinação da competência, sendo ele aplicado pelo Ministério Público nenhum dos
demais dos sujeitos processuais – arguido, assistente ou o próprio juiz (singular)129 –
pode opor-se à constituição do tribunal singular, designadamente, por discordância em
relação ao juízo de prognose realizado pelo Ministério Público130.

Já se, no entanto, o Ministério Público lança mão do disposto no art. 16.º-3 quando
a sua aplicação é inadmissível (v. g., em caso de acusação por crime de espionagem –
art. 14.º-1), deverá o tribunal singular declarar-se incompetente e remeter a causa para o
tribunal coletivo (arts. 32.º-1 e 33.º-1)131. O mesmo deverá suceder quando o Ministério
Público, na acusação, aponta para a competência do tribunal singular, sob invocação do
art. 16.º-3, mas limitando-se a afirmar, sem qualquer fundamentação, que no seu
entendimento a pena a aplicar não deverá ser superior a 5 anos de prisão132. Mais do que
uma falta de motivação, que poderia porventura sugerir uma recondução da questão à

128
Figueiredo DIAS, DP II 7.º e 8.º Caps. e passim.
129
Contra, Teresa BELEZA, Estudos I. Magalhães Collaço 492. Por razões mais gerais atinentes às relações
internas da magistratura do Ministério Público, nem mesmo o imediato superior hierárquico do magistrado do
Ministério Público que haja recorrido ao art. 16.º-3 pode fazer recuar essa aplicação – assim, Henriques GASPAR,
CPP Comentado 16.º/4; contra Marques da SILVA I7 1835, e Pinto de ALBUQUERQUE4 16.º/9 s.
130
Além da letra do preceito e do espírito de agilização processual que lhe vai associado, em abono desta
conclusão depõem os trabalhos preparatórios do CPP de 1987, em especial o art. 2.º, n.º 2, 58), da Lei 43/86, que
eliminou as exigências de concordância que constavam dos projetos legislativos anteriores – cf. Figueiredo DIAS,
Sobre os sujeitos processuais… 20. Concordante, com numerosas referências jurisprudenciais, Pinto de
ALBUQUERQUE4 16.º/15.
131
Marques da SILVA I7 184, Henriques GASPAR, CPP Comentado 16.º/4, e Pinto de ALBUQUERQUE4 16.º/14.
132
Trata-se de um vício que, como informa João Conde CORREIA, Questões Práticas Relativas ao
Arquivamento e à Acusação e à sua Impugnação 2008 109, “ainda parece acontecer demasiadas vezes neste
domínio”.
47

figura da irregularidade, o que aqui salta à vista é o modo arbitrário, porque


infundamentado, de determinação da competência, assim afrontando abertamente o
princípio constitucional do juiz legal (art. 32.º-9 da CRP), razão mais do que suficiente
para que o tribunal singular se declare incompetente, mesmo oficiosamente, se
necessário133.

Altamente polémico nos primeiros anos de vigência do CPP134, o método de


determinação concreta da competência inscrito no art. 16.º-3 rapidamente se consolidou
na prática judicial. Para tanto foi decisiva a ação do Tribunal Constitucional, que, no
Acórdão 393/89, depois reafirmado dezenas de vezes pela jurisprudência
constitucional135, afastou as várias objeções de inconstitucionalidade que se abateram
sobre o preceito. Não há, com efeito, motivo para considerar violado o princípio da
jurisdicionalidade em matéria de determinação da pena, porque, no caso, não é ao
Ministério Público que cabe a determinação da pena, mas sim ao juiz, ainda que dentro
de uma moldura codeterminada pela ação processual daquele136. Tal como deve
entender-se que a solução legal não belisca o princípio do juiz natural, na medida em
que prevê um critério geral devidamente especificado, a concretizar através de uma
discricionariedade vinculada posta sobre uma autoridade judiciária que deve reger-se
por critérios de estrita objetividade e imparcialidade e por isso suficientemente denso
para a pôr a resguardo das manipulações arbitrárias que o princípio do juiz legal
pretende prevenir137.

c) O tribunal singular detém ainda, por fim, uma competência residual, por força da
qual lhe compete “julgar os processos que por lei não couberem na competência dos
tribunais de outra espécie” (art. 16.º-1). É o que sucede relativamente a crimes puníveis
apenas com pena de multa (v. g., art. 366.º-2 do CP). Com esta previsão não pretende o
legislador adscrever um papel secundário ou um estatuto de “segunda categoria” ao
tribunal singular, mas somente prevenir lacunas legais de atribuição de competência.

133
Na jurisprudência, por outros, o Ac. do TRL de 12-11-2002 (CJ 2002 5 123 s.); e na doutrina, Pinto de
ALBUQUERQUE4 16.º/14.
134
Cf. Figueiredo DIAS, Sobre os sujeitos processuais… 18 ss., defendendo a conformidade constitucional da
solução, e ainda Teresa BELEZA, Estudos I. Magalhães Collaço 493 ss.
135
Para uma recensão minuciosa desta jurisprudência, vd. Ac. do TC 614/2003.
136
Figueiredo DIAS, Sobre os sujeitos processuais… 20 s.
137
Figueiredo DIAS, Sobre os sujeitos processuais… 18 s.
48

4. As três espécies de tribunais de 1.ª instância ora analisadas funcionam, em regra,


ao nível dos tribunais de comarca (art. 29.º-3 e 33.º da LOSJ). É esse o foro para a
generalidade das pessoas e para a generalidade dos processos. Prevêem-se, em todo o
caso, regras específicas de atribuição de competência aos tribunais superiores (STJ e
Relações) para conhecimento, em 1.ª instância, de processos relativos a certos crimes
e/ou pessoas, detentoras de determinados cargos políticos ou jurisdicionais.

Está em causa a necessidade de garantir que o julgamento de processos


especialmente graves, em razão da matéria ou das pessoas envolvidas, sejam reservados
aos tribunais superiores da hierarquia do sistema judicial. Podendo estar em xeque
titulares de órgãos de soberania, a preservação da dignidade institucional dos cargos
assim o aconselha; tal como é recomendável, dadas as repercussões políticas e sociais
que do processo podem advir e as pressões que se podem fazer sentir, que o julgamento
seja assegurado por juízes mais experientes, como, em princípio, serão os dos tribunais
superiores.

Compete ao pleno das secções criminais do STJ julgar o Presidente República, o


Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro pelos crimes praticados
no exercício das suas funções (art. 130.º-1 da CRP, relativo ao Presidente da República;
e art. 11.º-, 3, a), do CPP)138. São ainda os tribunais superiores que julgam os processos
em que sejam arguidos juízes ou magistrados do Ministério Público, independentemente
da ligação do crime ao exercício da função (art. 11.º-4, a), e art. 12.º-3, a)).

IV. Competência funcional

A competência funcional – a que o art. 10.º se refere expressamente, do mesmo


passo que se reporta também à competência material – relaciona-se com a atividade
jurisdicional que transcende o exercício do poder judicial penal em primeira instância,
permitindo o complexo de problemas aqui implicado uma sua divisão segundo os

138
Cf. Acs. do STJ de 15-12-2011 (7/10.0YGLSB.S2-A) e de 16-03-2015 (122/13.TELSB-L.S1).
49

critérios essenciais que presidem à repartição das funções do juiz pelos diversos órgãos
judiciais. Temos assim139:

a) Competência funcional por graus. É a mais importante, ao ponto de ser


considerada por muitos a única espécie de competência funcional140: ela deriva da
circunstância de as decisões penais não adquirirem carácter definitivo logo que são
proferidas, mas permitirem em regra o seu exame sucessivo por parte de outros órgãos
jurisdicionais. No que toca à jurisdição ordinária temos a considerar os órgãos
decisórios de primeiro grau ou primeira instância (entre os quais haverá que contar os
juízes de instrução, art. 17.º); de segundo grau ou de segunda instância, a cargo das
Relações (art. 12.º-3, b)), com competência em matéria de facto e de direito (art. 428.º);
de terceiro grau ou de legitimidade, atribuída ao Supremo Tribunal de Justiça (art.
11.º-4, b)), com competência restrita à matéria de direito (art. 434.º); e dos graus
extraordinários de fixação de jurisprudência (art. 437.º e ss.) e de revisão (art. 449.º e
ss.), ambos também conferidos ao Supremo Tribunal de Justiça.

b) Competência funcional por fases. Em atenção à complexidade do decurso do


processo penal, necessária para que este atinja completamente o seu fim, não se
desenvolve ele unitariamente, antes sim através de uma pluralidade de estádios ou de
fases, em que cada uma conforma o necessário pressuposto da que se lhe segue. Dessas
fases, várias relevam na determinação da competência funcional: a fase do inquérito,
dirigida pelo Ministério Público e na qual todas as funções jurisdicionais legalmente
previstas e/ou constitucionalmente impostas (art. 32.º-4 da CPR) são da competência do
juiz de instrução (art. 17.º); a fase da instrução, dirigida pelo juiz de instrução (arts. 17.º
e 288.º-1); a fase do julgamento, onde as decisões pertencem exclusivamente aos
tribunais comuns; a fase do recurso, da competência dos tribunais superiores; e a fase
de execução, onde a competência decisória se divide entre o tribunal da 1.ª instância em
que o processo tiver corrido e o tribunal de execução das penas (arts. 18.º e 470.º do
CPP e art. 138.º do CEPMPP).

139
Seguiremos de muito perto, na sistematização subsequente, G. FOSCHINI I 346 ss., embora a identidade seja
mais terminológica que de fundo.
140
A uma “competência funcional em sentido próprio” se referia neste contexto Cavaleiro de FERREIRA I 232.
50

V. Competência territorial

1. As prescrições contidas no nosso CPP (art. 19.º e ss.) sobre competência


territorial visam determinar qual o tribunal que, dentre os da mesma espécie
materialmente competente, deve ser chamado à jurisdição no caso concreto; tratam, por
outras palavras, de repartir as causas penais pelos diversos tribunais da mesma espécie.

O sentido e a finalidade desta regulamentação consistem em procurar para cada


caso penal o tribunal que, em condições preferíveis de imediação 141 – e dadas portanto
as suas estritas conexões com o lugar do crime ou a localização do arguido –, possa
conhecer da causa. De forma todavia a que, quanto possível, a cada caso corresponda
um único tribunal territorialmente competente.

2. Para lograr o desiderato aludido serve-se a lei de um critério fundamental, eleito


de acordo com a finalidade que ficou exposta: o critério do lugar da infração (locus
delicti). Funda-se ele na ideia, em geral adequada, de que se trata do tribunal que detém
as condições mais favoráveis para a descoberta da verdade material, em virtude da sua
proximidade espacial com os meios probatórios relevantes para o esclarecimento do
caso142. Mas porque tal critério pode revelar-se concretamente imprestável ou
inadequado, tem ela de prever a possibilidade de atuação de certos desvios e critérios
subsidiários. Temos assim que:

a) No art. 19.º-1 consagra-se como critério geral de determinação da competência


territorial o da consumação da infração: “É competente para conhecer de um crime o
tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação”143. A área em questão há-de ser,
em princípio, a de uma comarca, nos termos definidos pela legislação referente à
organização judiciária (art. 23.º da LOSJ e DL 49/2014).

A dilucidação do lugar da consumação, o chamado locus delicti, depende de modo


decisivo da natureza do crime, designadamente, da caracterização do respetivo tipo
141
Cf. Eduardo CORREIA, Processo Criminal 283.
142
ROXIN / SCHÜNEMANN28 § 7/2.
143
Trata-se, é bom de ver, de um critério substancialmente mais estreito do que o previsto no art. 7.º-1 do CP
em matéria de definição do locus delicti para efeitos da aplicação da lei penal portuguesa no espaço – Figueiredo
DIAS, DP I2 11.º § 8 ss. Sobre as assimetrias entre o âmbito de validade espacial da lei penal portuguesa e o âmbito da
jurisdição judicativa, Pedro CAEIRO, Fundamento… 331 ss.
51

objetivo de ilícito quanto à conduta144, pelo que, frequentemente, só mediante uma


detida articulação com uma análise substantiva do tipo incriminador em sede de parte
especial será possível concluir sobre o tribunal territorialmente competente. Tratando-se
de crime de mera atividade, a consumação ocorre no lugar em que o agente atuou ou,
em caso de omissão, deveria ter atuado. Tratando-se de crime de resultado, a
consumação só ocorre com a produção do evento espácio-temporalmente distinto da
conduta típica que é condição para o perfecionamento do tipo – neste caso, o locus
delicti corresponderá ao lugar onde se dá a verificação do resultado. De forma que,
nesta última constelação dos crimes materiais, é a produção do evento típico e não o
termo do exercício da atividade (ou o termo da omissão) que interessa à consumação.
Como se deixou já sugerido, na sua aparente simplicidade, a aplicação do critério da “consumação”
dá lugar às maiores dificuldades; e, sendo este embora um tema que pertence sobretudo ao direito
material dilucidar, não devem as conclusões ali obtidas ser transpostas para a nossa sede sem uma sua
comprovação crítica que permita modelá-las, o mais possível, às finalidades processuais pretendidas.
Assim, desde logo, pode perguntar-se se o art. 19.º-1, ao falar de consumação, tem em vista aquilo
que em direito penal se chama a consumação formal – verificação, no facto, de todos os elementos
constitutivos do tipo objetivo de ilícito – ou material – verificação, no acontecer total, de todos os
elementos de desvalor relevantes para o juízo de ilicitude145. Possam embora alinhar-se sugestões literais
e conceituais no sentido da primeira solução, cremos ser a segunda aquela que, segundo as finalidades do
direito processual penal, melhor servirá os interesses de fixação da competência territorial.
Bem se compreende, ainda, que, dependendo a consumação do perfeito desenho do tipo que integra
o juízo de ilicitude, se torne em muitos casos duvidosa a sua apreciação. Foi o que sucedeu entre nós, na
vigência do CPP anterior, com o crime de aborto, tendo a questão sido decidida por Assento de
21-2-1941, no sentido de que “para conhecer do crime de aborto… é competente a comarca em que se
praticaram ou ultimaram as manobras abortivas, embora a expulsão do feto ocorra em outra comarca”.
Dúvidas se têm suscitado, igualmente, em matéria de crimes patrimoniais e de crimes contra a honra, em
especial quando cometidos “à distância”146. Justamente por isso, tanto a Lei de Imprensa como a Lei da
Televisão prevêem regras específicas nesta matéria, determinando, por exemplo, que para conhecer dos
crimes de difamação ou de injúria é competente o tribunal da comarca do domicílio do ofendido147. Resta
saber se a imparável e irreversível tendência global no sentido da desmaterialização das operações e
relações económicas e sociais, não deveria ter implicado já uma reformulação mais alargada das regras
legais de atribuição de competência territorial que a tomasse em devida conta naqueles e noutros
domínios da criminalidade.

144
Figueiredo DIAS, DP I2 11.º § 37 ss., e Susana Aires de SOUSA, Responsabilidade Criminal pelo Produto e o
Topos Causal em Direito Penal 2014 328 e ss.
145
Figueiredo DIAS, DP I2 27.º § 11.
146
Parece existir uma tendência jurisprudencial para, na esteira da doutrina de Faria COSTA, Comentário
Conimbricense do CP I2 180.º/21, considerar que a consumação ocorre no lugar onde a ofensa à honra é pela primeira
vez conhecida pelos seus destinatários – assim, por outros, o Ac. do STJ de 12-07-2007 (07P2288) e o Ac. do STJ de
05-06-1997 por aquele citado.
147
Arts. 38.º-5 da Lei de Imprensa e 88.º-2 da Lei da Televisão. Para mais disposições específicas referentes
aos demais crimes nelas previstos, cf. o art. 38.º, n.os 1 a 4, da Lei de Imprensa e o art. 88.º, n.os 1 e 3, da Lei da
Televisão.
52

b) O critério do locus delicti identificado com o lugar da consumação conhece,


desde 2007, um desvio no que toca aos crimes (de resultado) que compreendam como
elemento do tipo a morte de uma pessoa (v. g., o infanticídio, art. 136.º do CP148; ou o
homicídio negligente, art. 137.º do CP), para os quais passou a ser competente “o
tribunal em cuja área o agente atuou ou, em caso de omissão, deveria ter atuado” (art.
16.º-2). Em abono desta solução aduz-se que “pode haver uma dilação considerável
entre os dois momentos [da conduta e da morte]”149, devendo ainda acrescentar-se, em
nossa maneira de ver, a tendência cada vez maior para que a morte ocorra em hospitais,
para onde são levadas as vítimas das condutas homicidas, muitas vezes sem qualquer
conexão espacial substancial com o delito que justifique a atribuição de competência ao
tribunal da área respetiva.

c) Problemas especiais são suscitados por aquelas infrações que se consumam


através de uma série de atos sucessivos e reiterados (crimes habituais: v. g., o crime de
aborto agravado pela habitualidade, art. 141.º-2 do CP, e o lenocínio, art. 170.º do CP; e
de execução continuada: v. g., mas não necessariamente150, o crime de violência
doméstica, art. 152.º do CP), ou de um ato ou omissão que se prolonga no tempo por
vontade do autor (crimes duradouros, v. g. o sequestro, art. 158.º do CP)151. Para estas
hipóteses rege o n.º 3 do art. 19.º, que dá competência ao “tribunal em cuja área se tiver
praticado o último ato ou tiver cessado a consumação”.

d) Como nem todos os crimes atingem o estádio da consumação, é evidente que o


princípio geral de determinação da competência territorial nem sempre pode valer. Por
isso é que o n.º 4 do art. 19.º determina que, “se o crime não tiver chegado a consumar-
se, é competente para dele conhecer o tribunal em cuja área se tiver praticado o último
ato de execução ou, em caso de punibilidade dos atos preparatórios, o último ato de
preparação”. Este preceito aplicar-se-á assim às hipóteses de tentativa, bem como aos

148
Contra, Pinto de ALBUQUERQUE4 19.º/2, apesar de o ilícito-típico de infanticídio integrar a morte do recém-
nascido (cf. Figueiredo DIAS / Nuno BRANDÃO, Comentário Conimbricense do CP I2 136.º
149
Pinto de ALBUQUERQUE4 19.º/2.
150
Nuno BRANDÃO, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Julgar 12 2010 20 ss., a propósito
da desnecessidade de reiteração.
151
Figueiredo DIAS, DP I2 11.º § 54 s.
53

atos preparatórios cuja punição esteja prevista como crime autónomo (v. g., art. 271.º
do CP).

e) Se o crime for cometido em águas ou espaços aéreos territoriais portugueses152


ou, embora praticado fora desses domínios, deva considerar-se realizado em Portugal
por aplicação do chamado “critério do pavilhão”, porque cometido a bordo de navios ou
aeronaves portugueses (art. 4.º, b), do CP)153, será competente o tribunal da área do
porto ou aeroporto português para onde o agente se dirigir ou onde ele desembarcar; e,
não se dirigindo o agente para território português ou nele não desembarcando, ou não
fazendo parte da tripulação, o tribunal da área da matrícula (art. 20.º, n.os 1 e 2). Não se
verificando nenhuma destas hipóteses, “é competente o tribunal da área onde primeiro
tiver havido notícia do crime” (art. 20.º-3).

f) Nos termos do art. 7.º-1 do CP, deverá considerar-se como praticado em território
português mesmo o facto cuja execução só haja sido parcialmente realizada no espaço
nacional (delitos itinerantes ou de trânsito). Quando tal se verifique, “é competente o
tribunal da área nacional onde tiver sido praticado o último ato relevante” (art. 22.º-2).

g) Se o crime estiver relacionado com diversas comarcas e houver dúvidas acerca


daquela em que se localiza o elemento relevante para a determinação da competência
territorial, o n.º 1 do art. 21.º consagra um princípio de prevenção da jurisdição, dando
competência a qualquer dos tribunais, mas preferindo o que primeiro tomar
conhecimento da infração154.

Estando o processo na fase do inquérito ou na fase da instrução e sendo dele objeto


determinado tipo de crime constante de um catálogo legal, a pluralidade de conexões

152
Mesmo que a bordo de navio ou aeronave estrangeiros: cf. Figueiredo DIAS, DP I2 9.º § 17.
153
Cf. ainda o art. 4.º do DL 254/2003, relativo a aeronaves alugadas a um operador que tenha a sua sede em
território português ou registadas noutro Estado, em voo comercial fora do espaço aéreo nacional, se o local de
aterragem seguinte for em território português e o comandante da aeronave entregar o presumível infrator às
autoridades portuguesas competentes – vd. Figueiredo DIAS, DP I2 9.º § 18.
154
Critério mais restritivo é o seguido pelo art. 27.º-5 da Lei do Cibercrime: em caso de dúvida quanto ao
tribunal territorialmente competente, designadamente por não coincidirem o local onde fisicamente o agente atuou e o
local onde está fisicamente instalado o sistema informático visado com a sua atuação, a competência cabe ao tribunal
onde primeiro tiver havido notícia dos factos.
54

espaciais do crime com comarcas pertencentes a diferentes tribunais da Relação implica


a competência do Tribunal Central de Instrução Criminal (art. 120.º-1 da LOSJ)155.

O princípio de prevenção de jurisdição vale igualmente nos casos em que é


desconhecida a localização do elemento relevante para a fixação da competência
territorial, sendo aí competente o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do
crime (art. 21.º-2).

h) Norma especial é oferecida pela lei aqueles casos em que num processo for
ofendido, pessoa com a faculdade de se constituir assistente ou parte civil um
magistrado, e a competência para o processo pertença ao tribunal onde o mesmo exerce
funções. Por razões evidentes de imparcialidade e prestígio do julgamento, será
competente o tribunal da mesma hierarquia ou espécie com sede mais próxima (art.
23.º). Assim deverá ser mesmo que na circunscrição judicial onde aquele magistrado
exerce funções existam outros juízes ou juízos da mesma hierarquia ou espécie156.

i) Tendo um arguido sido condenado por dois ou mais crimes cujos processos não
foram objeto de conexão e aos quais deva aplicar-se uma pena única conjunta, por
verificação dos pressupostos do regime legal do conhecimento superveniente do
concurso (art. 78.º do CP)157, estipula o art. 471.º que para determinação dessa pena será
territorialmente competente o tribunal da última condenação (em 1.ª instância158),
funcionando em tribunal coletivo ou singular, mediante aplicação, devidamente
adaptada, do disposto na alínea b) do n.º 2 do art. 14.º159.

155
De acordo com o n.º 2 do art. 120.º da LOSJ, estando sob investigação um crime do referido catálogo com
ligações a várias comarcas pertencentes a um mesmo Tribunal da Relação, a competência cabe à secção de instrução
criminal da cidade onde se encontra sedeado tal Tribunal da Relação.
156
Ac. do STJ 6/2005, DR-I de 14-07-2005 4248 s.
157
Figueiredo DIAS, DP II § 426 ss.
158
Pinto de ALBUQUERQUE4 471.º/1, e Ac. do TRE de 19-08-2010 (CJ 2010 4 252).
159
Uma vez que a pena única será encontrada dentro de uma moldura formada a partir das penas concretas já
aplicadas aos crimes em concurso, e com trânsito em julgado (art. 78.º-2 do CP), só haverá lugar à intervenção do
tribunal coletivo se o limite máximo da moldura do concurso, dado pela soma das penas concretamente aplicadas aos
vários crimes (arts. 77.º-1 e 78.º-1 do CP), for superior a 5 anos (art. 14.º-2, b)). Se o não for, a competência
pertencerá ao tribunal singular.
55

j) Os arts. 19.º a 21.º regem apenas para as hipóteses em que a infração foi cometida
em território nacional (art. 4.º, a) e b), do CP). Sabe-se, porém, que os tribunais
portugueses têm também competência, em certas hipóteses, relativamente a infrações
cometidas no estrangeiro, cabendo o seu estudo ao tema da aplicação no espaço do
direito penal substantivo português160. Para a determinação do tribunal português
territorialmente competente rege então o art. 22.º-1, que defere competência ao tribunal
da área onde o agente tiver sido encontrado ou do seu domicílio ou, subsidiariamente,
ao tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do crime.

VI. Conexão de processos e competência por conexão

1. As regras de atribuição da competência material e territorial podem sofrer


alterações, quer devido à existência de especiais conexões entre diversas infrações, quer
por força de prorrogações de competência que em certos casos a lei confira a
determinados tribunais.

O particular relacionamento intercedente entre vários crimes – seja em nome da sua


proximidade material e objetiva, ou pessoal e subjetiva, ou uma e outra – pode
plenamente justificar a conveniência do seu processamento conjunto. Doutrinalmente,
fala-se a este propósito de competência por conexão na medida em que uma tal
conjunção se traduza numa exceção aos princípios analisados supra, determinantes da
competência material ou territorial161. A designação foi acolhida pelo Código atual (art.
24.º e ss.), que todavia nela integrou não apenas desvios de competência determinados
pela conexão (arts. 27.º e 28.º), como também ainda casos em que a conexão pode não
ter a virtualidade de reconformar a competência (art. 25.º). Razão pela qual, apesar do
risco de sacrifício da pureza dos conceitos, procederemos a uma análise conjunta destas
distintas realidades normativas.

A matéria encontra-se estruturada no Código (arts. 24.º a 29.º) em dois momentos:


primeiro, dispõe-se sobre os termos em que há lugar à conexão de processos,
independentemente dos seus reflexos sobre a definição do tribunal competente para o
seu conhecimento (arts. 24.º a 26.º); e depois, definem-se os tribunais material e

160
Figueiredo DIAS, DP I2 9.º, e Pedro CAEIRO, Fundamento… passim.
161
Figueiredo DIAS, DPP 347 s., e CHIAVARIO3 IV/10.
56

territorialmente competentes no caso de a conexão ser suscetível de conduzir à


atribuição de competência a mais do que um tribunal (arts. 27.º e 28.º).

Dado que aquela primeira vertente conhece um tratamento autónomo em relação à


questão da competência, releva ela logo em sede de inquérito, devendo as respetivas
regras de conexão ser tidas em consideração pelo Ministério Público na definição dos
termos em que procede a determinada investigação criminal com a suscetibilidade de
abranger uma pluralidade de infrações162. Uma prevenção que se levada em devida
conta pode contribuir sobremaneira para travar o passo a uma tendência para a formação
de processos monstruosos, os chamados megaprocessos, assim precavendo as por
demais conhecidas dificuldades processuais que lhes são inerentes163.

2. O Código arranca da premissa de que a cada crime deverá corresponder um


(distinto) processo164. É fácil perceber que razões de diversa ordem poderão, no entanto,
tornar altamente conveniente o processamento conjunto e simultâneo de uma
pluralidade de crimes, motivo pelo qual é ele imposto através da figura da conexão. A
razão justificativa da imposição da conexão será, antes de tudo, de economia processual.
Mas não só, pois a ela acrescem – quando não mesmo se sobrepõem – razões de boa
administração da justiça penal (juntando processos conexos será provavelmente mais
esgotante a produção probatória e respetiva cognição) e mesmo de prestígio das
decisões judiciais (pois desaparecerá o perigo de uma pluralidade de decisões sobre
infrações conexas se contradizerem materialmente). O que tudo se alcança, anote-se
ainda, sem prejuízo do conteúdo ínsito na garantia do “juiz natural”, por isso que os
critérios de conexão estão contidos em lei anterior e elegem, de forma geral e abstrata, o
tribunal em definitivo competente.

2.1 A conexão determinante da competência pode ser, como logo começámos por
afirmar: a) pessoal ou subjetiva, quando uma pluralidade de infrações se encontra
relacionada através da unidade do agente; b) material ou objetiva, quando, sendo dada

162
Henriques GASPAR, CPP Comentado 24.º/7.
163
No bom sentido, a Circular da PGR n.º 4/2010 (III, 2.).
164
Marques da SILVA I7 191, e Henriques GASPAR, CPP Comentado 24.º/2, qualificando-a inclusivamente
como um princípio processual. Considerando por isso que o art. 24.º constitui uma disposição taxativa e excecional
que não admite aplicação analógica, Pinto de ALBUQUERQUE4 24.º/1.
57

uma pluralidade de infrações e de agentes, a sua relacionação se faz através da própria


materialidade ou conteúdo das infrações; c) mista (pessoal e material) quando os dois
tipos de relacionação atrás apontados convergem no mesmo caso concreto165.

a) A conexão pessoal ou subjetiva encontra-se prevista nos arts. 24.º, n.º 1, a) e b),
e 25.º, integrando diversas constelações de pluralidade criminosa imputável a um
mesmo agente.

Determinante de conexão é, em primeiro lugar, o chamado concurso ideal166,


aquele em que o agente haja cometido vários crimes através da mesma ação ou omissão
(art. 24.º-1, a)). Impõe-se a conexão ainda quando os crimes hajam sido praticados pelo
mesmo agente na mesma ocasião ou lugar e entre eles houver um relacionamento
recíproco (art. 24.º-1, b)). Em qualquer uma destas duas hipóteses a conexão subjetiva é
penetrada por uma dimensão objetiva, atinente à materialidade dos delitos objeto de
indagação, reveladora de uma estreita ligação substancial entre todos eles que torna
particularmente desejável o seu conhecimento pelo mesmo tribunal num mesmo
processo. Por isso podemos deparar aqui com uma competência por conexão em sentido
próprio, ou seja, com situações em que a necessidade de reunião dos processos implica a
retirada de competência a tribunais que, em princípio, seriam material e territorialmente
competentes para algum ou alguns deles.

Diferente é a terceira situação de conexão pessoal prevista pelo Código, no art. 25.º,
aquela que tem em consideração os casos de pluralidade criminosa imputável a um
mesmo agente em que os diversos crimes não se relacionam materialmente entre si.
Quando isso suceda, só podem ser abrangidos pela conexão os processos cujo
conhecimento seja da competência de tribunais com sede na mesma comarca167. Assim,
se A deve responder por um crime de violação praticado em Coimbra e por um crime de
roubo no dia seguinte cometido no Porto não há base legal para efetuar a conexão. Se,
porém, os dois crimes tiverem sido praticados em Coimbra, há lugar à conexão. Como a
conexão depende da competência e não o contrário, não é este um caso de competência

165
ROXIN / SCHÜNEMANN28 § 6/3. Invertendo todavia os termos da qualificação, CHIAVARIO3 IV/10.1.
166
Figueiredo DIAS, DP I2 41.º/9.
167
A atual redação do art. 25.º foi introduzida pela revisão de 1998 do CPP, no âmbito da qual foi rejeitada,
com boas razões, uma solução de conexão subjetiva ampla como aquela que se conhecia na vigência do CPP de 1929
(cf. a exposição de motivos constante da proposta de lei 157/VII).
58

por conexão no sentido próprio do termo. Além de uma intenção de promoção de


economia processual, nota-se aqui uma preocupação de imediata aplicação de uma pena
única conjunta, prevista pelo art. 77.º do CP para quando haja condenação do agente em
concurso puro ou efetivo, que só tem a beneficiar com o conhecimento de todos os
crimes pelo mesmo tribunal.

b) A conexão material ou objetiva verifica-se quando uma determinada infração foi


levada a cabo por diversos agentes, isto é, em comparticipação criminosa 168 (art. 24.º-1,
c)), em qualquer uma das suas modalidades legalmente previstas de autoria (art. 26.º do
CP: autoria mediata169, coautoria e instigação170) e de participação (art. 27.º do CP:
cumplicidade); quando diversas infrações foram levadas a cabo por vários agentes em
comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, estando elas ligadas mutuamente (art.
24.º-1, d)); e ainda quando, já fora de um quadro de comparticipação, vários agentes
tiverem cometido diversos crimes reciprocamente na mesma ocasião ou lugar (art. 24.º-
1, e) – v. g., A e B agridem-se um ao outro, incorrendo cada um deles na prática de um
crime de ofensa à integridade física).

c) Pode suceder que o mesmo agente cometa várias infrações, das quais algumas
(ou alguma) possuam conexão material com infrações de outros agentes: há então
concurso de conexões pessoal e material, a resolver nos termos gerais dos arts. 27.º e
28.º

2.2 Além da verificação dos pressupostos positivos de que depende, o


estabelecimento da conexão só pode ser levado avante se no caso se não verificarem os
obstáculos legalmente previstos à sua realização.

Considerando o disposto no n.º 2 do art. 24.º, a conexão só pode operar até à fase
do julgamento, inclusive, sendo portanto inadmissível durante a fase de recurso 171. E

168
Sobre a matéria, Figueiredo DIAS, DP I2 30.º ss.
169
Excluindo, porém, a autoria mediata do âmbito de aplicação do art. 24.º do CPP, Marques da SILVA I7 195, e
Pinto de ALBUQUERQUE4 24.º/7.
170
Para uma compreensão da instigação como forma de autoria, Figueiredo DIAS, DP I2 30.º ss.
171
Ac. do STJ 10-02-2005, citado por Henriques GASPAR, CPP Comentado 99.
59

mesmo enquanto é admitida, só pode ter lugar se os processos a conexionar se


encontrarem na mesma fase processual, pois, de outro modo, poderia acabar por
comprometer-se a celeridade da resolução dos processos já em fases mais avançadas.

Não podem ser objeto de conexão com processos penais os processos da


competência de tribunais de menores, ainda que haja uma ligação subjetiva (por
exemplo, A pratica um furto com a idade de 15 anos e um roubo já após perfazer 16
anos) ou objetiva entre as infrações (por exemplo, A, de 14 anos, e B, de 17, ofendem
em coautoria a integridade física de C). Isso que resultaria já de tudo o que formal e
materialmente separa o direito e o processo penal do direito e do processo sancionatório
de menores172 é expressamente esclarecido pelo art. 26.º. Além desta disposição, outras
mais, em domínios específicos como os dos crimes tributários (art. 46.º do RGIT), dos
crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos (art. 42.º da Lei 34/87) e dos
crimes militares (art. 113.º do Código de Justiça Militar), estabelecem limites à
conexão.

2.3 O Código não esclarece qual a entidade a quem cabe proceder à conexão de
processos dela suscetível. Uma vez que só é possível agregar processos que se
encontrem na mesma fase processual, a competência para o fazer deverá ser
reconhecida à autoridade judiciária a quem cumpre a direção processual em cada uma
das fases em que os processos estejam pendentes173. Estando os processos nas fases da
instrução ou do julgamento, a derradeira e decisiva palavra174 para decretamento da
conexão deve ser do tribunal que, após a conexão, passará a ter a competência para o
processo.

2.4 Sendo a conexão de processos imposta para satisfazer interesses de economia


processual, celeridade, uniformidade de julgados, otimização probatória, etc., o certo é
que pode gerar também consideráveis dificuldades de gestão processual e prejuízo para

172
Figueiredo DIAS, DP I2 21.º/62 ss.
173
Restringindo, todavia, o poder do Ministério Público para estabelecer a conexão de inquéritos aos casos em
que o(s) inquérito(s) não foi(ram) levado(s) ao conhecimento do juiz de instrução, para apreciação de questão da sua
competência reservada (arts. 268.º e 269.º do CPP), com base na ideia, por demais discutível, de que a partir daí passa
a haver um juiz de instrução do processo, Pinto de ALBUQUERQUE4 24.º/13, e Marques da SILVA I7 197.
174
Sem prejuízo, naturalmente, de uma eventual intervenção de um tribunal superior.
60

outros interesses, públicos e privados, e para direitos fundamentais de sujeitos e


participantes envolvidos no processo. Risco que recomenda a previsão da possibilidade
de cessação da conexão, designadamente, quando os benefícios por ela propiciados
sejam suplantados pelos danos que pode acarretar. Nesse sentido, o art. 30.º abre a porta
à separação de processos, mediante cessação da conexão, num conjunto diversificado de
situações. Só nestes casos, de recurso ao regime do art. 30.º para desagregação de
processos anteriormente conexos, haverá que falar em separação de processos. Com
efeito, quando a conexão seja removida por se constatar não estarem reunidos os
pressupostos para a conexão processual, que por isso se mostra indevidamente
realizada, do que se tratará é de uma reposição da legalidade processual, que,
naturalmente, não carece da mediação do art. 30.º

De acordo com o n.º 1 do art. 30.º, a cessação da conexão pode ser decidida pelo
tribunal175, oficiosamente ou a requerimento, nas seguintes situações, não de modo,
digamos, “automático”, mas mediante um juízo que contraponha as desvantagens que
lhes são inerentes com as vantagens que advêm da manutenção da conexão176:
necessidade de proteção de um interesse ponderoso e atendível de qualquer arguido,
nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva (a)), ou de evitar o
retardamento excessivo do julgamento de qualquer dos arguidos (c))177; grave risco para
a pretensão punitiva do Estado (b)), como sucederá quando a conexão possa implicar
um prolongamento do processo que gere perigo de prescrição do procedimento criminal
relativamente a crimes dele objeto; grave risco para o interesse do ofendido ou do
lesado (b)); houver declaração de contumácia em relação a algum dos arguidos (d); e
art. 335.º-4); ou o julgamento decorrer na ausência de algum arguido (d)).

Entendeu o legislador que deveria acautelar-se o eventual interesse de um arguido


em não ser julgado por um tribunal do júri no caso em que a sua intervenção tiver sido
requerida por um outro arguido, concedendo-lhe, por isso, a faculdade, dita

175
Quando estendida a aplicação do preceito à fase do inquérito (art. 264.º-5), a competência para a cessação da
conexão pertence à entidade a quem cabe a sua direção, o Ministério Público, ainda que no processo haja já
intervindo um juiz de instrução – caucionando este entendimento, o Ac. do TC 21/2012 (AcsTC 82.º 155 ss.); contra,
Marques da SILVA I7 199, e Pinto de ALBUQUERQUE4 30.º/10, este último com numerosas referências jurisprudenciais,
reveladoras de uma corrente jurisprudencial maioritária a favor de uma competência exclusiva do juiz de instrução.
176
A única exceção a este modo de proceder ocorre na hipótese de declaração de contumácia de algum dos
arguidos, pois aí a cessação da conexão não pode deixar de ser ditada quanto a quem for abrangido por tal declaração
(cf. art. 335.º-4).
177
Uma preocupação que dá ainda sentido à previsão específica do n.º 3 do art. 426.º, no âmbito da fase de
recurso.
61

potestativa178, de provocar a cessação da conexão (art. 30.º, n.os 2 e 3). A pretensão não
colherá, no entanto, se o requerimento para a formação do tribunal do júri for
apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente relativamente a imputação que
lhe seja dirigida.

3. A conexão pode não ter qualquer repercussão sobre a determinação do tribunal


competente para a causa – por exemplo, tendo A simultaneamente injuriado B e C que
se encontravam na sua presença e tendo sido abertos dois processos, na sequência de
queixas que cada um deles apresentou em separado, será sempre competente para o seu
julgamento o tribunal singular da comarca onde se deu a consumação, quer os processos
prossigam separadamente, quer sejam conexos num processo só. Mas pode também dar-
se o caso de a conexão de processos implicar uma alteração na competência do tribunal
que deve apreciar o pleito. É aqui que, como se referiu, nos aparece a figura da
competência por conexão, regulada nos arts. 27.º e 28.º, excecionando as regras de
determinação da competência material e territorial.

Diz-se homogénea a conexão que respeita a processos para os quais seriam


competentes tribunais da mesma hierarquia e espécie, limitando-se a conexão a refletir-
se sobre a competência territorial; e heterogénea a que abrange processos que estariam
destinados a tribunais de hierarquia ou espécie diferente do que vem a receber a
competência através da conexão179. Para a primeira forma de conexão vale o art. 28.º e
para a segunda o art. 27.º, com prevalência desta última180.

Adotando o princípio da prevalência do “juiz superior”181, o art. 27.º defere a


competência ao tribunal da hierarquia ou espécie mais elevada se os processos conexos
devessem ser da competência de tribunais de diferente hierarquia ou espécie. Se a
hierarquia, pela própria natureza das coisas, não levanta quaisquer problemas de
interpretação; o mesmo não sucede quanto à questão de saber se entre as várias espécies
de tribunais há uns de espécie mais elevada do que outros e quais. A lei parte do
pressuposto de que sim, mas não esclarece em que termos devem eles ser graduados. É

178
Henriques GASPAR, CPP Comentado 30.º/3.
179
CHIAVARIO3 IV/10.2, por referência aos arts. 15.º e 16.º do CPP italiano, que inspiraram o regime português
nesta matéria.
180
Marques da SILVA I7 200.
181
CHIAVARIO3 IV/10.2.2.
62

pacífico que os tribunais colegiais, do júri e coletivo, são de espécie mais elevada do
que o tribunal singular; mas já é discutível se o tribunal do júri tem prevalência sobre o
tribunal coletivo, parecendo-nos, em todo o caso, que sim182, considerando a sua
composição, que integra os juízes que comporiam o tribunal coletivo, o “plus” que é
dado pela intervenção direta do povo na realização da justiça e o próprio estatuto
constitucional do tribunal do júri.

Assim, v. g., se um juiz desembargador e um oficial de justiça são acusados da prática, em


comparticipação, de um crime de corrupção passiva para ato ilícito (art. 373.º-1 do CP), o STJ será
competente para apreciar em conjunto a responsabilidade penal de ambos (art. 11.º-4, a), e 24.º-1, c)); e se
A foi separadamente acusado de um crime de furto (art. 203.º-1 do CP) e de um crime de roubo (art.
210.º-1 do CP), tendo depois sido realizada a conexão de ambos os processos (cf. art. 25.º), o tribunal
coletivo, que seria o tribunal competente para o crime de roubo (art. 14.º-2, b)), deverá julgar também o
crime de furto, da competência do tribunal singular (art. 16.º-2, b)) não fosse a conexão. A conexão pode
inclusivamente ditar a competência de uma espécie de tribunal que não teria competência para nenhum
dos processos dela objeto, se considerados per se: retomando o último exemplo, seria o caso de A ser
acusado separadamente de ter cometido dois crimes de furto simples, em que a competência para o
julgamento em separado de cada um deles pertenceria ao tribunal singular e após a conexão passaria a
pertencer ao tribunal coletivo (art. 14.º-2, b)).

A conexão pode ainda influir sobre a competência territorial, nos termos do art.
28.º, que realiza a atribuição de competência pela seguinte ordem subsidiária de
critérios: é territorialmente competente o tribunal que deva conhecer do crime a que
couber pena mais grave; em caso de crimes de igual gravidade, o tribunal a cuja ordem
o arguido estiver preso ou, havendo vários arguidos presos, aquele à ordem do qual
estiver preso o maior número (critério do forum deprehensionis); e, subsidiariamente, o
tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia de qualquer dos crimes.

4. Perante uma hipótese de conexão do tipo das estudadas, pode suceder que o
tribunal venha a considerar improcedente a acusação relativamente ao crime ou ao
arguido que serviram para fixar a sua competência. Sustentar que, neste caso, todo o
processo deveria ser remetido para o tribunal material e territorialmente competente
para conhecer das acusações que ainda podem proceder significaria desatender, sem
vantagem para o processo e para os seus sujeitos, todas as razões que justamente
levaram a lei a estabelecer a conexão. A solução correta estará pois em manter a
competência do tribunal previamente designado.

182
Nesta conclusão, Pinto de ALBUQUERQUE4 27.º/2; contra, Marques da SILVA I7 200.
63

É a este fenómeno que se dá o nome de prorrogação da competência, material ou


territorial, e é a ele que se refere o art. 31.º, ordenando a manutenção da competência
determinada por conexão a) mesmo que, relativamente ao crime ou aos crimes
determinantes da competência por conexão, o tribunal profira uma absolvição ou a
responsabilidade criminal se extinga antes do julgamento; e b) para o conhecimento dos
processos separados nos termos do n.º 1 do art. 30.º (v. g., separando-se o processo
relativamente a A, acusado de crime de auxílio material, em virtude de declaração de
contumácia; e prosseguindo-se com o julgamento de B, acusado de crime de roubo e
beneficiário do auxílio daquele; uma vez cessada a contumácia, deverá A ser julgado
pelo mesmo tribunal coletivo que julgou B e não por um tribunal singular, apesar de a
pena de prisão aplicável não exceder os 2 anos).

Uma idêntica solução de prorrogação de competência deve ainda ser adotada nas
situações, já não necessariamente de competência por conexão, em que, fruto de uma
alteração da qualificação jurídica dos factos ou de uma alteração não substancial dos
factos, o tribunal decida condenar por crime menos grave do que aquele que vinha
imputado ao arguido na acusação ou na pronúncia: por exemplo, em caso de acusação
por ofensa à integridade física grave (art. 144.º do CP), depois “desgraduada” na
condenação para uma ofensa à integridade física simples (art. 143.º-1 do CP), não há
por que pôr em causa a competência do tribunal coletivo para tomar esta decisão
condenatória mais branda, apesar de tratar-se de crime para o qual seria, afinal,
competente o tribunal singular (art. 16.º-2, b))183, pois quem pode o mais pode o menos
e não se mostram comprometidas as garantias de defesa do arguido, bem pelo contrário.
A hipótese inversa já não é todavia admitida, porque a tal se opõem o n.º 3 do art. 359.º,
em caso de alteração substancial dos factos, e o limite à intervenção do tribunal singular
em função da pena aplicável constante da alínea b) do n.º 2 do art. 16.º, na hipótese de
alteração da qualificação jurídica dos factos.

VII. Verificação da incompetência

Considerando o relevo direto das regras legais de definição de competência para a


observância do princípio constitucional do “juiz natural”, para a tutela dos interesses e

183
Gil Moreira dos SANTOS 169.
64

direitos dos sujeitos processuais, em especial do arguido, e para uma boa e eficiente
realização da justiça penal, o legislador fulmina, em regra, a sua violação com nulidade
insanável (art. 119.º, e)). Importa, em todo o caso, distinguir consoante o tipo de
incompetência verificada, na medida em que o art. 32.º-2 prevê um regime diferenciado
para a incompetência territorial que é posto a salvo daquela cominação da alínea e) do
art. 119.º

A atribuição da causa a um tribunal material ou funcionalmente incompetente, em


virtude de desrespeito das prescrições relativas à competência material, funcional ou por
conexão, representa uma nulidade insanável que deve ser conhecida e declarada a todo o
tempo, isto é, até ao trânsito em julgado da decisão final (art. 32.º-1). A declaração de
incompetência pode ser proferida pelo tribunal de forma oficiosa ou na sequência de
suscitação da questão pelo Ministério Público, pelo arguido ou pelo assistente184.

Quanto à comprovação da incompetência territorial, também ela é do


conhecimento oficioso do tribunal, podendo igualmente ser deduzida pelos restantes
sujeitos processuais. Como, porém, em matéria de incompetência territorial não são
postas tão diretamente em causa as garantias do arguido quanto o são em caso de
incompetência material ou funcional – sem, com isto, querermos significar que não tem
aqui aplicação o princípio do “juiz natural” –, antes se trata apenas de uma repartição de
causas por tribunais de igual hierarquia e competência185, a comprovação da
incompetência é de certo modo limitada186: tratando-se de juiz de instrução, ela só pode
ser deduzida ou declarada até ao início do debate instrutório187; e tratando-se de tribunal
de julgamento, até ao início da audiência de julgamento188 (art. 32.º-2).

O tribunal que se declarar incompetente deve remeter o processo para o tribunal por
si tido por competente, o qual, por sua vez, se reconhecer a competência que lhe foi
deferida, deve tomar posição sobre os atos praticados anteriormente (art. 33.º). Isto

184
Sendo embora estes os sujeitos processuais a quem o n.º 1 do art. 32.º confere legitimidade para deduzir a
incompetência do tribunal, nada impede que o tribunal a declare mediante impulso de uma parte civil, dado que
sempre o poderia fazer oficiosamente.
185
Assim o nota também, exatamente, G. LEVASSEUR, Réflexions sur la compétence, Études Hugueney 25
nota1.
186
O mesmo sucede, por exemplo, no processo penal italiano (art. 21.º, n.º 2, do CPP) – vd. CORDERO8 15.3.
187
Pela conformidade constitucional deste limite temporal, Ac. do TC 71/2000.
188
O momento relevante é aquele em que a audiência de discussão e julgamento é declarada aberta pelo
tribunal (Ac. do STJ de 09-05-2007, SASTJ 113.º 26, e Ac. do STJ 04-07-2007, SASTJ 115.º 14), independentemente
de possíveis interrupções ou adiamentos antes do início da produção de prova (contra, Pinto de ALBUQUERQUE4
32.º/2, com indicações jurisprudenciais concordantes).
65

tendo em conta que a nulidade decorrente da incompetência não é propriamente uma


nulidade do processo189, antes incidindo apenas sobre os atos que se não teriam
praticado se o processo tivesse corrido perante o tribunal competente, devendo ser
ordenada a repetição dos atos necessários para conhecer da causa190.

VIII. Conflitos de competência

Tanto relativamente à determinação em concreto da competência material como da


territorial pode dar-se um conflito de competência entre dois ou mais tribunais.
Seguindo a terminologia tradicional191, acolhida pelo CPP logo na sua versão original
de 1987 (art. 34.º-1), há um conflito positivo de competência quando vários tribunais de
diferente hierarquia, espécie ou localização se declaram competentes para conhecer do
mesmo crime imputado ao arguido; e um conflito negativo de competência quando
vários tribunais de diferente hierarquia, espécie ou localização se declaram
incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao arguido.

O conflito pode ocorrer entre tribunais de comarcas distintas, de espécies distintas e


inclusivamente de hierarquias distintas. Neste último caso, no sentido de um conflito
entre tribunais hierarquicamente distintos que radica na divergência sobre as respetivas
competências para a sua intervenção enquanto tribunais de 1.ª instância (v. g., estando
em causa o julgamento de um juiz aposentado compulsivamente, entende o tribunal de
comarca que a competência é da Relação e esta que é do tribunal de comarca 192)193. É a
este tipo de conflito que o art. 11.º-6, a), se dirige quando faz menção aos conflitos de
competência entre as Relações e os tribunais de 1.ª instância194.

189
Marques da SILVA I7 203 s.
190
Gil Moreira dos SANTOS 179 s.
191
Figueiredo DIAS, DPP 356.
192
Ac. do STJ de 12-10-2000 (CJ STJ 2000 3 202).
193
Já é mais duvidoso saber se a ideia vale também para as divergências em relação a uma intervenção em 2.ª
instância (v. g., Relação e Supremo divergem sobre qual o tribunal competente para conhecer um recurso interposto
pelo arguido de condenação em pena de prisão superior a 5 anos com fundamento exclusivo em vício previsto pelo
n.º 2 do art. 410.º) – considerando que não, para tal invocando o poder do STJ para verificar os pressupostos de
conhecimento do recurso, Henriques GASPAR, CPP Comentado 34.º/2.
194
Revela-se, assim, equívoca a afirmação de Pinto de ALBUQUERQUE4 34.º/7 s., de que o art. 34.º não regula o
conflito entre tribunais de diferente hierarquia.
66

Instalando-se um conflito, positivo ou negativo, de competência, a via


processual para a sua superação não é a do recurso195, mas a da intervenção de um
tribunal superior, impulsionada por um dos tribunais em conflito, oficiosamente ou na
sequência de requerimento dos demais sujeitos processuais. Na revisão de 2007 do CPP,
procurou-se favorecer um mecanismo de resolução destes conflitos mais leve e mais
célere do que aquele que até aí se previa196. Para tal, a competência para a decisão sobre
o conflito foi retirada das secções criminais das Relações e do Supremo e entregue aos
respetivos presidentes (arts. 12.º-5, a), e 11.º-6, a)), estabeleceu-se a irrecorribilidade da
decisão de resolução do conflito (art. 36.º-2) e impôs-se a sua tramitação urgente (art.
103.º-2, d)).

Após dar oportunidade a todos os sujeitos processuais envolvidos de manifestarem


a sua posição acerca do conflito existente, a competência para o dirimir pertence ao
presidente do STJ se surgir entre as secções deste (art. 11.º-2, a)); aos presidentes das
suas secções criminais se surgir entre as Relações, entre estas e tribunais de 1.ª instância
ou entre tribunais de 1.ª instância de diferentes distritos judiciais (art. 11.º-6, a)); e aos
presidentes das secções criminais das Relações se o conflito se suscitar entre tribunais
de 1.ª instância do respetivo distrito judicial (art. 12.º-5, a)).

195
Haverá, no entanto, base para recurso (399.º) quando o tribunal negue procedência a uma arguição de
incompetência deduzida por um sujeito processual com legitimidade para tal (32.º-1) e não haja um outro tribunal a
reclamar a sua competência para a causa.
196
Suscitando dúvidas de constitucionalidade, que podem entretanto considerar-se adensadas em face do
decidido pelo TC no Ac. 482/2014, Pinto de ALBUQUERQUE4 36.º/4.
67

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JURISPRUDÊNCIA CITADA

TC (Tribunal Constitucional) – salvo indicação noutro sentido, disponível em


www.tribunalconstitucional.pt.
STJ (Supremo Tribunal de Justiça) e TRC/E/G/P/L (Tribunal da Relação de
Coimbra/Évora/Guimarães/Lisboa/Porto) – salvo indicação noutro sentido, disponível em
www.dgsi.pt.
TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos) – disponível em http://hudoc.echr.coe.int/.

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