Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Banca examinadora
Instituição _____________________Assinatura:___________________________
Instituição _____________________Assinatura:___________________________
Este trabalho trata de uma investigação semiótica sobre valores da cultura caipira,
presentes na letra da música de raiz. Analisamos textos da literatura caipira,
imbuídos de saudosismo, sentimentalismo, valores e ideologias que, como em
todo discurso produzido em linguagem verbal, carregam a ideologia da cultura a
qual pertence. O atual processo de globalização conduz ao apagamento cultural,
sendo assim, faz-se necessária a reflexão sobre a cultura local, visando à
valorização de nossa cultura popular, fator que favorece o reconhecimento de
nossa identidade. O discurso caipira que analisamos parece traduzir a
consciência desse apagamento. Com o interesse em valorizar a poética caipira,
que durante décadas tem sido preservada pela memória coletiva, fundamentamos
nossa pesquisa em modelos da etno-semiótica, segundo Pais (1993), que
incorporam, sustentam e caracterizam uma identidade cultural. Observamos os
conceitos atuais de cultura, os efeitos do atual processo de globalização e
estudamos a formação do povo caipira, para procedermos à análise de sua
produção cultural. Na análise sêmica observa-se a tensão dialética entre
contrários como a cultura caipira e outras culturas; a tradição e a modernidade; o
sujeito urbano e o caipira; o presente e o passado, confirmando que as isotopias
temáticas são reiteradas em muitas letras. Utilizamos esquemas canônicos para
estudar as relações actanciais, ainda que todo texto admita mais de uma leitura,
fazemos apenas algumas possíveis leituras. Detectamos características do
discurso etno-literário, como a documentalidade e a ficcionalidade e
particularidades literárias como a abundância de recursos estilísticos. Portadora
de verdades gerais e universais, a Literatura caipira é preservada pela memória
coletiva e transmitida de uma geração a outra. Percebemos que o discurso
manifestado nas canções analisadas sustenta aspectos dos sistemas de valores e
dos sistemas de crenças que integram o imaginário coletivo da comunidade
paulista.
This work deals with a semiotic inquiry about values of the “caipira” culture,
present in the lyrics of “root” music. We analyzed texts of the Brazilian country
literature, with nostalgia, sentimentalism, values and ideology, which, like in every
speech produced in verbal communication, holds the cultural ideology to which
they are from. Current globalization process compels to the cultural eradication,
therefore, it is necessary to think about local culture, aiming the increase in value
of our popular culture, factor that favors recognition of our identity. The Brazilian
country speech we analyzed seems to translate the consciousness of this
extinguishment. With concerns in valuing the Brazilian country poetics, which for
decades has been preserved by the collective memory, our search was based on
models of the ethnic-semiotics, which according to Pais (1993), incorporate,
support and characterize a cultural identity. We observed the current cultural
concepts, the effects of present globalization process and we studied the
formation of the Brazilian country people, then we analyzed the subsequent
cultural manifestation. In semic analyses we notice a dialectic tension between the
opposites such as the “caipira” culture and others cultures; the tradition and
modernity; the urban and country subjects; the present day and the past,
confirming that isotopic themes are reiterated in many lyrics. We have made use
of canonical schemes to study the actant relations, still the entire text allows more
than one interpretation and it only takes us a couple of readings. We detect
characteristics of ethnic-literary speech, such as the documentality and the
fictionality and literary individuality as the abundance of stylistic resources. Bearer
of general and universal truths, the Brazilian Literature is preserved by the
collective memory and transmitted from generation to generation. We realize that
the speech showed in the analyzed songs supports aspects of the values and
beliefs systems, which integrate the collective imaginary of the country community
in São Paulo.
Introdução 10
1. A construção semiótica do mundo caipira. 15
1.1. Aspectos conceituais 15
1.2. A cultura e a questão da diversidade cultural 24
1.3. A mundialização e o risco de apagamento cultural. 31
1.4. A formação da cultura caipira 35
2. Produção cultural caipira 42
2.1. Intérpretes e compositores 49
2.2. O estilo caipira 51
2.3. A desconstrução do discurso caipira 54
3. Leituras semióticas de músicas de raiz: valores da cultura caipira. 73
3.1. Jeitão de caboclo 75
3.2. Meu reino encantado 80
3.3. Cabocla Tereza 85
3.4. Mágoa de Boiadeiro 91
3.5. Tristeza do Jeca 96
3.6. Caboclo na cidade 100
3.7. Saudade de minha terra 104
Considerações finais 108
Referências Bibliográficas 110
Anexos
I. Índice das letras das músicas de raiz 116
II. Letras das músicas de raiz. 120
10
INTRODUÇÃO
Quem não sabe encontrar, nos rastros dos que nos antecederam,
os sinais para a continuidade de sua tarefa, torna-se indigno de pertencer
ao quadro daqueles capazes de lançar sinais para outros caminhantes.
(RODRIGUES, D. 2003)
Tensão dialética
Discursos etno-literários
Documentais Ficcionais
~ ficcionais ~ documentais
∅
Figura 1 Octógono: Discursos etno-literários
Vocábulo termo
Língua Linguagem
Geral de especialidade
~termo ~ vocábulo
∅
Figura 2 Octógono: Unidade léxica etno-literária
18
Inserção social
Identidade Alteridade
∅
Exclusão
Fiorin (2005) menciona um tipo de leitor, que é construído pelo texto que é
chamado a participar de seus valores. Bertrand (2003: 24) observa que:
O leitor não é mais aquela instância abstrata e universal,
simplesmente pressuposta pelo advento de uma significação textual já
existente, que se costuma chamar “receptor” ou destinatário da
comunicação: ele é também, e, sobretudo, um “centro do discurso”, que
constrói, interpreta, avalia, aprecia, compartilha ou rejeita as significações.
popular e o código culto, escrito. Bosi afirma que a cultura popular, não tem seu
fulcro na escrita.
A literatura vive a temporalidade, com características específicas, a cultura
do povo não é sustentada pela escrita, já a do intelectual vai além da literatura. A
expectativa desse intelectual, contudo, é traída pelas manifestações culturais
populares, na festa, confundem-se produção e produto. Pasta Jr. (1992) afirma
que a limitação em relação ao reconhecimento das chamadas artes do povo,
ocorre a partir de um aprisionamento do intelectual, que não atenta para as
determinações socioculturais de seu próprio aparato teórico, não consegue
reconhecer uma alteridade válida no popular e conserva uma concepção idealista
da linguagem.
O tempo da cultura popular é cíclico, declara Bosi (1992: 11). O
fundamento da cultura popular é o retorno de situações e atos que a memória
grupal reforça e atribui valor, e o enraizamento dessa cultura é a condição
material de sobrevivência das práticas populares. O homem pode conviver com
sua cultura e os meios de comunicação de massa, sem destruir aquilo que está
no mais profundo de suas raízes, ao mesmo tempo universal como patrimônio
humano. Isso se dá através de festas populares em que ocorre a identificação do
evento com os festeiros e os convidados.
Para Luyten (1992), nas manifestações folclóricas encontra-se uma das
melhores formas de buscar a identidade cultural de um povo. Essa identidade
pode ser representada por fenômenos como danças, cantorias e versos
populares. Grandes estudiosos, como Mário de Andrade, Amadeu Amaral, Alceu
Maynard de Araújo, tentaram chamar a atenção para uma das regiões culturais
tradicionais mais ricas do Brasil, que em conseqüência de ser destacado pólo
industrial, além de importante centro agropecuário, tornou-se elitista. Em relação
à cultura popular brasileira, São Paulo tem muito a oferecer. Ainda conforme
Luyten, Amadeu Amaral já apontava a obra de poetas rústicos como patrimônio
cultural e declarava que os atos a que a poesia de roça se entrelaçava deviam ser
observados para que se pudesse compreendê-la.
Magalhães (1997) define “bem cultural” como a soma, a variedade e a
diversidade de componentes de uma nação. A fisionomia de uma cultura é criada
após o conhecimento da realidade desta cultura em seus diversos momentos.
Braudel (1989: 19) registra o alerta de Wilhelm Mommsen, historiador alemão: é
27
hoje dever do homem não deixar que a civilização destrua a cultura. Para isso é
necessário aprendermos o que podemos fazer, o que estamos nos tornando e o
que somos, o que segundo Bosi (1992) é a tarefa prioritária das ciências humanas
no Brasil.
A vida social brasileira é marcada pela diversidade. Vivemos em um país
que desconhece a si mesmo, diante da notável heterogeneidade de sua
composição populacional. A concepção de uma cultura uniforme, de um Brasil
sem diferenças, formado originalmente por três raças: o índio, o branco e o negro;
gerou práticas cultural e historicamente arraigadas. Diante da homogeneização
que se tentou impor, houve mecanismos de resistência, a compreensão desse
processo traduz-se por valoração da herança cultural que o povo brasileiro
carrega. O reconhecimento de nossa diversidade cultural conduz a valorização
das diversas culturas presentes em nossa nação e condiciona a uma atitude de
respeito.
Mamberti (2005), afirma que o direito à construção individual e coletiva das
identidades através das expressões culturais é elemento fundamental da
promoção de uma cultura de paz, pois, segundo a Declaração Universal de
Diversidade Cultural, as condições de criação e difusão das expressões culturais;
direito à educação e formação de qualidade que respeite a identidade cultural e a
possibilidade de exercer as próprias práticas culturais são algumas garantias a
que os grupos e os indivíduos têm direito.
Em outubro de 2001, durante a 31ª Conferência Geral da UNESCO, foi
feita a Declaração Universal sobre Diversidade Cultural, que, em seu artigo
primeiro, eleva a diversidade cultural à posição de patrimônio comum da
humanidade, pois é vital como a biodiversidade para os seres humanos. A
hegemonia de uma visão de mundo é resultado de uma engrenagem de relações
desiguais.
O que há de específico na identidade humana é mantido pela cultura, e a
diversidade cultural é um dos mais preciosos tesouros da humanidade. A
desintegração de uma cultura é uma perda, porém a assimilação de uma cultura
deve ser considerada enriquecimento. Morin (2003) declara que a ética da
compreensão planetária deve ser objeto da educação do futuro e aponta como
duplo imperativo antropológico salvar a diversidade humana e salvar a unidade
28
número deles são justificados por Holanda (2004) que fala da transitoriedade,
oriunda dos costumes indígenas.
Ribeiro, D. (2002) nos informa que havia enormes disponibilidades de mão-
de-obra desocupada e de terras virgens despovoadas e desprovidas de qualquer
valor que os mais abonados obtinham por concessão e os mais pobres ocupavam
como posseiros. Instalou-se, assim, uma economia natural de subsistência. Nada
vendiam, nada compravam. Os povoamentos eram dispersos. Havia a
participação coletiva de trabalho e lazer. As populações rarefeitas contavam para
o convívio diário apenas com os membros da família. Faziam mutirão para a
execução das tarefas mais pesadas e era não só uma forma de associação para
o trabalho, mas também uma oportunidade de lazer festivo, sendo assim, a
convivência era amena.
A pobreza, que caracterizou o início da formação econômica da região
conhecida como área cultural caipira, deve-se ao fato de que não havia nela
núcleos açucareiros, nem escravos, nem construções imponentes. Ribeiro, D.
(2002) afirma que os colonizadores dessa região viviam em casebres de taipa ou
adobe, cobertos de palha. Cultivavam mandioca, feijão, milho, abóbora e
tubérculos, pescavam e caçavam. Usavam roupas simples, tecidas de algodão
grosseiro, andavam descalços ou usavam alpercatas. Essa pobreza justificava o
caráter aventureiro e era o resultado das regressões sociais.
Ainda segundo o antropólogo, a economia se fortalece no século XVIII com
o cultivo da cana-de-açúcar e, posteriormente, do café e do algodão. Após a
exploração da mão-de-obra escrava, assistimos à transição do trabalho escravo
para o trabalho livre e à vinda em massa dos imigrantes. Além do surgimento de
pequenos povoados e cidades, o desenvolvimento econômico trouxe melhorias
como a instalação das ferrovias pelo interior.
Na segunda metade do século XIX, São Paulo começa a transformar-se
em uma metrópole multicultural. Toda a história transcorrida entre o século XVI e
o século XX testifica a formação das diversas classes sociais: a elite, as camadas
pobres e livres, os escravos, seus descendentes e os imigrantes. O telégrafo e o
telefone favoreceram a comunicação; o cinema e a propaganda divulgaram novas
visões de mundo e os primeiros automóveis e aeroplanos, promoveram profundas
mudanças no cenário urbano no final do século XIX, conforme Pinto (2003).
38
com cordas feitas de tripas de animais, e depois de arame, foi sacramenta como
seu instrumento-base.
Em fins do século XIX as modinhas oscilavam entre temas da atualidade
(do qual um grande representante foi Catulo da Paixão Cearense) e velhas
composições românticas musicadas. Poucas vezes a música do povo chegou a
ser impressa até início do século XX. Inicialmente a modinha se estruturava em
um espírito lamuriento e sentimental, depois passa a adotar temas mais
engraçados ou regionais. Desde 1926 na toada Tristezas do Jeca, de Angelino de
Oliveira, o estilo roceiro paulista, utilizando a viola como principal instrumento
invade a cidade trazendo a novidade das duplas caipiras. A expressão moda de
viola aparece pela primeira vez em um disco comercial em 1929, lançado para a
venda em todo o Brasil.
É interessante observar que, na década de 20, o café ocupa 75% das
exportações brasileiras e a população rural é de 70%. O analfabetismo explica o
grande sucesso do cinema que se torna a diversão urbana mais importante.
Nesta época começa a radiodifusão no Brasil e ocorre a proliferação de
emissoras de rádio. Porém o alto custo dos aparelhos receptores na década de
30 restringe sua utilização à população de maior poder aquisitivo, além disso, sem
eletricidade não era possível a expansão. Parcela da população se reunia em
torno do aparelho de recepção de um vizinho ou amigo. Justifica-se a aceitação
do rádio e seu sucesso como meio de lazer e instrumento da propaganda, pois o
analfabetismo, ainda na década de 40 era enorme, cerca de 60%. Nessa época,
São Paulo já era o estado mais densamente povoado e também o principal centro
econômico e financeiro do país. Observa-se uma antinomia derivada do
desenvolvimento da nova cultura de massa.
Mário de Andrade viajou pelo interior paulista, nos anos 30 e observou, em
suas pesquisas, que no médio-Tietê cururu era desafio improvisado, uma espécie
de "combate poético" entre violeiros-cantadores, iniciado com saudações aos
santos. É um ritmo que ainda resiste em cidades como Piracicaba, Sorocaba,
Tietê, Conchas e Itapetininga – a chamada região cururueira do estado.
O catira ou cateretê surgiu de uma dança indígena, o caateretê, também
adotada nos cultos católicos dos primórdios da colonização, especialmente na
região de São Paulo e Minas Gerais. Com solos de viola e coro, acompanhados
de sapateado e palmeado, começa com uma moda de viola, entremeada por
45
solos, e evolui para uma coreografia simples, mas bastante rítmica. O clímax, no
final, é o "recortado", com viola, coro, palmeados, sapateados e muita animação.
O catira é o coração de festas populares como as Folias de Reis e as de São
Gonçalo, ainda hoje, particularmente expressivas no interior mineiro. O fandango,
de origem uruguaia, nasceu como dança vigorosa de tropeiros. Sofreu
modificações nas diversas regiões em que chegou e ainda é cultivado no litoral
paranaense e em alguns outros núcleos por todo o país.
Entre tantos ritmos e estilos formados a partir das toadas, cantigas, viras,
canas-verdes, valsinhas e modinhas, trazidos pelos europeus, a moda de viola se
transformou na melhor expressão da música caipira. Com uma estrutura que
permite solos de viola e longos versos intercalados por refrões, com letras
quilométricas contando fatos históricos e acontecimentos marcantes da vida das
comunidades, ela ganhou vida independente do catira e seduziu grandes
compositores. A viola caipira é a alma da música sertaneja, conforme Marcondes
(Apud NESTROVSKI 2002) que qualifica seu som como portentoso. Houve
diversas fases da música que nasceu na roça e hoje, bastante modificada,
embala multidões de norte a sul do país.
As primeiras duplas caipiras de São Paulo a gravarem, modas de viola e
outros gêneros caipiras, foram trazidas do interior por Cornélio Pires que esbarra
na dificuldade de aceitação pelas gravadoras e acaba por financiar os discos
gravados sob sua orientação e ainda se encarrega pessoalmente da venda. A
partir de 1929, a fábrica americana Victor lança a Turma Caipira e assim a música
da área rural de São Paulo se transforma realmente em música popular urbana.
Na década de 30, conforme Pinto (2003), a cultura brasileira passa a ter
interpretações modernas nas obras de Caio Prado Júnior, Gilberto Freire e Sérgio
Buarque de Holanda, entre outros. Nesse período se desenvolve a indústria do
disco. É ainda na mesma década que aparece Raul Torres, um dos mais
completos estilizadores da moda de viola e surgem os sucessos de João Pacífico,
este considerado um dos pioneiros do rádio brasileiro, foi responsável, juntamente
com Raul Torres pela criação do gênero "Toada Histórica", o famoso "falar e
cantar" que imortalizou "Chico Mulato" e "Cabocla Tereza", músicas essas que
enfrentaram dificuldades técnicas no início, pois, como as músicas duravam mais
de 3 minutos, não caberiam jamais em apenas um lado do disco. Nessa época a
música caipira representava 40% do mercado fonográfico brasileiro.
46
foi autor do hino do caipira, Tristeza do Jeca, uma das primeiras gravações de
música de raiz. Thompson (2004) considera Lamartine Babo, o mais versátil de
todos os compositores do começo do século XX, pois compôs valsas, músicas
religiosas, operetas, marchinhas carnavalescas e a imortal “Rancho fundo” que,
segundo ela, became one of the great standards of Brazilian popular music.
Notamos que a veia poética caipira não escolhe classe sócio-cultural para
se manisfestar, pois encontramos, entre os citados, pessoas de tremenda
bagagem cultural e elevado status social e tantas outras que se definem como o
poeta autor de “Mágoa de boiadeiro”: Não sou poeta, sou apenas um caipira...
Nossa reverência a todos de maneira geral e com especial delicadeza aos
humildes poetas caipiras, cuja magnitude das obras e a contundente beleza dos
versos os colocam em posição de igualdade com os grandes escritores da
Literatura caipira.
impregna o sujeito e que é reconstruído por ele, para que ele, sujeito,
também se construa na totalidade de seus discursos. (DISCINI, 2004, p.
74)
A rima, recurso usado para obter certos efeitos especiais de sonoridade do
verso, tem como principal função criar a recorrência de um som marcante. Já a
alternância de sons, a cadência regular definida por um compasso é chamada
ritmo, elemento essencial à expressão estética nas artes da palavra, é o que nos
fere imediatamente a atenção e distingue um verso de outro. Para Candido (1996:
44), o ritmo é a alma, a razão de ser do movimento sonoro, o esqueleto que
ampara todo o significado.
No entanto, não pautamos nosso estudo nos recursos sonoros, que são
abundantes na literatura caipira, ou em efeitos aliterativos, ou musicais.
Tampouco vamos nos deter na metrificação ou tonicidade, embora aceitemos a
definição de Candido (1996) que todo poema é basicamente uma estrutura
sonora. Realmente há diversas possibilidades de desdobramento dessa pesquisa,
entretanto pousaremos nosso olhar nos aspectos literários que nos permitam
identificar características do discurso etno-literário que a produção cultural caipira
representa.
Interessa-nos a relação subjetiva entre o poeta e o mundo. O modo poético
de apreensão do mundo passa pela sensibilidade intuitiva. O poeta expressa
sensações, impressões e emoções em textos sintéticos e condensados. As
figuras fazem parte intrínseca de nossos mecanismos cognitivos, pois
raciocinamos muito mais por analogias. O poeta fala do mundo e expressa seus
sentimentos por imagens e figuras, fala alegoricamente e utiliza um modo
metonímico de fazer referência ao mundo.
Bertrand (apud ROCHA, 2006) considera as figuras, que por sua vez,
estariam na superfície de um todo de fundo temático. O texto literário tem a
propriedade de jogar com as distorções da figuratividade, ou seja, contrapõe-se
ao mundo natural e suas figuras pré-construídas, como o estereótipo, compondo
mundos outros, nos quais as figuras concretizam outras possibilidades semântico-
sensoriais para o real proposto.
A função da ficcionalidade como atributo da literatura mudou. Hoje a
ficcionalidade é diferente e se recupera na retrospectiva histórica. Hoje a prosódia
também é enfatizada pela crítica literária, há percepção da variedade prosódica.
Há potencialidade da literatura não só no mundo acadêmico. A exemplo do que
54
casado e a muié deu de implicá: Cê manda o véio embora se não quiser que eu
vá. O rapaz, coração duro, com o velhinho foi falar. Este poema nos sensibiliza
para questões como a dependência dos idosos e a ingratidão, a frieza e a falta de
amor caracteristicas marcantes em alguns homens.
A inversão de valores, na relação entre pais e filhos, torna-se motivo de
grande escândalo para os velhos. Antigamente o filho devia obediência ao pai
pela vida toda, de acordo com Candido (1997: 247), Os pais governavam os filhos
com o olhar até ficarem homens. Podemos citar em “A vaca foi pro brejo”, texto de
Tião Carreiro e Lourival dos Santos, a consciência dessa inversão de valores, da
desarmonia familiar e da falta de respeito que caracteriza as famílias modernas:
Mundo velho tá perdido, já não endireita mais, os filhos de hoje em dia já não
obedece os pais. [...] manda a mãe calar a boca, coitada fica quietinha, o pai é um
zero a esquerda...
Candido (1997) explica que em questão matrimonial a vontade do pai era
decisiva, sobretudo para as mulheres e que as mais afoitas viam como única
solução a fuga e depois o casamento na polícia. Outras vezes, a fuga poupava o
gasto do ato civil. O texto “Goiano Valente”, de Nenete e Piracy, relata a aventura
de roubar a moça, o risco, o medo e termina com a fala do pai: Eu acho melhor
assim, casando fugido é menor a despesa. “Empreitada perigosa”, de Moacyr dos
Santos e Jacozinho, é outra narrativa que testifica o costume de roubar a mulher
amada: Eu vou roubar uma moça de um ninho de serpentes. Ela quer casar
comigo, a família não consente. Já me mandaram um recado, tão armado até os
dentes. Vai chover bala no mundo se nós topar frente a frente [...] Mas se tudo der
certinho, a menina tem que vir.
“Véio marrudo”, de Lourival dos Santos, apresenta a preocupação em ter a
filha raptada: Tem um sujeito por aí anda dizendo que tá querendo minha casa
derrubá. Ele falou que quebra porta e janela, quebra tranca e tramela, minha filha
vai levar. Na minha casa gosto de muito respeito, vou mostrar para o sujeito as
volta que o mundo dá. Em “Mineiro de Monte Belo”, de Serrinha e Lourival dos
Santos, encontramos mais uma referência ao rapto: Casamento é coisa boa, dois
unidos por um elo. Eu estou apaixonado e agora me revelo. Ela tem dois irmãos
bravos, que eu amanso e depois trelo. Amanhã eu levo ela, antes meu cavalo eu
selo. A viagem é perigosa, eu arrisco e não cancelo.
57
vivo só. Em “Rolinha cabocla”: eu vivo só nesse rancho, sem carinho de mulher.
“No Rancho fundo” de Lamartine Babo, também faz referência ao isolamento. No
rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo, onde a dor e a saudade contam
coisas da cidade. Ribeiro, D. (2002) menciona que o caipira foi compelido a se
transferir para as áreas mais remotas e observa que isso lhe deu condições de
manter suas formas de adaptação e de vida. O poema de Nhô Chico, Tião
Carreiro e Craveiro, “Moradia”, aborda o fenômeno: Eu moro lá num recanto onde
ninguém me amola. Numa casa ao pé da serra mora eu e a viola.
Por outro lado podemos encontrar índices de sociabilização em várias
letras de músicas de raiz. Ribeiro, D. (2002) registra que os mutirões eram
comuns e que ao fim dos trabalhos era comum oferecer uma festa com música e
pinga. Nas festas religiosas, promovidas em culto a santos poderosos, havia
missas, leilões e bailes. Tonico e Francisco Ribeiro são autores do conhecido
texto “Chico Mineiro” que conta a viagem de dois boiadeiros: Viajamos muitos
dias, prá chegar em Ouro Fino, aonde passamo a noite, numa festa do divino. A
festa tava tão boa... Porém, ocorre o assassinato de um deles e posteriormente o
outro descobre que a forte amizade que os unia se justificava, pois eram irmãos
legítimos. O clímax da narrativa ocorre em uma festa religiosa.
Outra festa, palco de tragédia, foi a de São João da Freguesia. Em volta da
fogueira a comunidade se reunia para ouvir os violeiros e dançar, hábito de
sociabilidade registrado por Raul Torres e João Pacífico em “Chico Mulato”. O
desfecho da narrativa é triste, de madrugada, Chico Mulato, o festeiro, cantador,
vai ao encontro do rival, seu irmão. “Catimbau”, de Carreirinho e Teddy Vieira, é
uma história extremamente trágica. O moço que teve a cabeça decepada durante
o rodeio, é uma narrativa cujo clímax ocorre em uma festa de São João. O gosto
pelo trágico é uma característica que se repete em diversos poemas: “Menino da
porteira”, de Teddy Vieira e Luizinho; “Boi fumaça”, de Sulino e Moacir dos
Santos; “Preto inocente”, de Teddy Vieira, Campão e Bento Palmiro; “Ferreirinha”,
de Carreirinho, Isaltino Gonçalves e Pedro L. De Oliveira; “Cabocla Tereza”, de
João Pacífico e Raul Torres; etc.
Entretanto, como analisa Ribeiro, J. H. (2006), o universo do criador caipira
não se limita à angústia e ao sofrimento: tragédia, dor, morte e traição. São
muitas as letras que apresentam o humor como principal característica. Na
comparação entre “O homem e a espingarda”, de Zé Mulato e Cassiano,
62
encontramos: E dos sessenta em diante, danou com os arrei' pro mato. Arma não
atira mais e se atirar é boato. Espingarda enferrujada, só aponta pro sapato. Virou
peça de museu, esse mundo é mesmo ingrato. “Horóscopo”, de Alvarenga e
Ranchinho, apresenta com humor a inadequação do casamento em cada mês do
ano e termina: Quem chegou inté dezembro, vivendo sempre solteiro, não vai
estragar no fim, a sorte de um ano inteiro.
“Moda da pinga”, de Laureano, mostra a bem humorada consciência do
pinguço: Cada vez que eu caio, caio diferente, ameaço pra trás e caio pra frente.
Caio devagar, caio de repente, vou de currupio, vou diretamente, mas sendo de
pinga eu caio contente, oi lá! “Romance de Uma Caveira”, de Alvarenga,
Ranchinho e Chiquinho Sales, conta a história de duas caveiras que se amavam e
um dia, ao chegar um cadáver novo, a caveira se apaixonou por ele e abandonou
o amor antigo. O texto termina com a ocorrência do impossível, a morte de quem
já estava morto: O caveiro tomou uma bebedeira e matou-se de um modo
romanesco, por causa dessa ingrata caveira que trocou ele por um defunto fresco.
“Baldrana macia”, de Anacleto Rosa Jr. e Arlindo Pinto, apresenta a história
de um homem que enfeita sua besta e resolve dar um passeio em Tupã. Quando
entra na cidade, por onde passa, chama a atenção. Percebe, entre as pessoas
que o olhavam, uma moça e supõe que ela o admire. Encoraja-se e se dirige a
ela, porém a jovem esclarece: Se é por causa que eu olhei, você está muito
enganado, foi da besta que eu gostei. O humor se justifica pelo final
surpreendente.
Era comum a realização de campeonatos entre violeiros e a consequente
valorização do cantador. Ser bom cantador era motivo de orgulho. Um exemplo
da valoração desses eventos sociais pode ser visto em “Peito Sadio” de Raul
Torres e Rubens Fonseca: Às quatro horas da manhã, a família recebe convite
para participar de um campeonato, do outro lado do rio: É convite prá nóis ir na
festa, vai haver um grande desafio. É grande a alegria e ninguém mais dorme. Os
vizinhos (vovô e titio) são chamados, índice da importância do evento e talvez da
participação de mais pessoas da família para formarem os grupos musicais.
Segundo o texto, os mais fracos somem quando chegam os cantadores que
apresentam grande repertório, pois em três noites seguidas não repetem as
modas, terminando vitoriosos.
63
da vida na roça: Com mistura prá visita minha mulher não preocupa, tem
franguinho com angú e um delicioso tutu com leitão à pururuca. Quem for passear
lá em casa encontra muita fartura, tem milho, arroz e feijão, legumes, fruta e
verdura, terreiro cheio de frango, leitoada no mangueiro e uma vaquinha mansa
pra ter leite prás crianças e o meu queijinho caseiro.
Casa de caboclo, de Nono Basílio, faz referência à alimentação
mencionando o agradável hábito do cafezinho para as visitas: O cafezinho com
bolinho não demora, conforme a hora também fica pra jantar. O poema também é
notório exemplo de hospitalidade: O que eu tenho realmente é muito pouco, mas
felizmente dá pra mim e mais alguém. Graças a Deus é uma casa abençoada, na
minha mesa sempre tem o que comer e por ventura se alguém pedir pousada,
esteja certo que hospedo com prazer. A hospitalidade caipira também é lembrada
no poema de Luís de Castro, “Lá onde eu moro”: A minha casa não é lá muito
bonita, mas quem me fizer visita, eu recebo de coração.
Um tema bastante abordado é o amor aos animais. Em “Pitoco”, o
narrador/ personagem descreve a familiaridade que tinha com o cachorrinho, e,
com a morte deste, observa: Neste mundo que é tão louco, em que os amigos
são pouco, depois que morreu Pitoco, nunca mais tive outro igual. “Burro Picaço”,
de Anacleto Rosa Jr., aponta a valorização da criação: Eu já vi burro ligeiro, mas
igual esse inda não. Enjeitei cinco pacote do fio do meu patrão. Gosto muito de
dinheiro, cinco mil cruzeiro não leva o machão. Prá falar mesmo a verdade não
existe riqueza que compre o burrão. “Moda da mula preta”, de Raul Torres, indica-
nos que alguns animais tinham valor inestimável: Pro mulão de qualidade, quatro
milhões enjeitei, pra dizer mesmo a verdade, nem satisfação eu dei.
Lourival dos Santos e Moacir dos Santos são autores de “Cavalo enxuto”,
história que justifica a valorização de um animal responsável pela conquista da
mulher amada. Situação absolutamente incomum, uma moça caipira namorar dois
homens. A disputa é feita entre o caipira a cavalo e o fazendeiro rico e moderno
que utiliza um carro para tentar chegar primeiro à porteira da fazenda da moça.
Porém enfrenta obstáculos da estrada. Já o caipira, no lombo do cavalo Enxuto,
pega um atalho e vence a aposta, indo para os braços da donzela. Os versos a
seguir dão conta do reconhecimento do valor do animal: O progresso é coisa boa,
reconheço e não discuto, mas aqui no meu sertão, meu cavalo é absoluto. Foi
65
Deus e a natureza que criou este produto. Esta vitória foi minha e do meu cavalo
Enxuto.
“Boi soberano”, de Carreirinho, Isaltino Gonçalves e Pedro Lopes de
Oliveira, conta a história de um boiadeiro que comprou uma boiada em que havia
um boi que tinha fama de ser violento, chamava-se Soberano. Em passagem pela
cidade de Barretos, houve um estouro da boiada e um menino que brincava na
rua, corria risco de morte. O boi Soberano parou em cima da criança e rebatia
com os chifres os bois que passavam. O texto termina com o reconhecimento da
valorização do animal: Quando passou a boiada, o boi foi se arretirando. Veio o
pai dessa criança e me comprou o Soberano. - Esse boi salvou meu filho,
ninguém mata o Soberano.
“O vai e vem do carreiro”, belíssima poesia de Carlos César se apodera do
amor pelos animais e pela lida rural e denomina os animais que compõem o carro
de boi: Seis bois puxando o carro triste do seu coração: é a Saudade
emparelhada com a Lembrança, o Amor, a Esperança, Desespero e Solidão. A
exaltação da sensibilidade emocional, ou sentimentalismo, é também uma
característica acentuada no discurso caipira, como percebemos no texto poético
“No mourão da porteira”, de João Pacífico e Raul Torres: Uma sodade é dor que
não consola, quanto mais dói a gente quer lembrar.
O saudosismo é uma das características mais marcantes da literatura
caipira. O lamurioso texto de Nonô Basílio e Índio Vago, “Mágoa de boiadeiro”,
exprime de maneira inequívoca essa saudade. No belíssimo texto de Tião do
Carro e Caetano Erba, “Mãe de Carvão”, encontramos uma prosopopéia desse
sentimento: Montado no lombo da velha saudade, deixei a cidade, voltei pro
sertão. Goiá e Zacaria Mourão são autores do poema “Pé de cedro”, onde a
saudade remete àquele tempo querido que não volta nunca mais. Candido (1997)
observa que o saudosismo se manifesta, sobretudo, nos mais velhos que tiveram
contato com a vida tradicional do caipira e podem comparar o passado e o
presente. O saudosismo remete à terra natal, ao convívio familiar, ao ser amado,
ao exercício da profissão, à lida no campo, enfim aos valores que pertencem a um
passado.
Quem não sentiu o ar puro das campinas e nunca ouviu um berrante em
surdina, não viu a lua deitado sobre um baixeiro, não sabe amigos, como é bom
ser boiadeiro. Os versos que valorizam a vida de boiadeiro foram extraídos do
66
são estrelas do chão. As lindas flores, qual noturnas namoradas, vão se abrindo
perfumadas, transbordantes de amor. Mas, logo adiante, quando o sol romper o
dia, vão dizer que só queriam se arrumar pro beija-flor.
Em “Goiano valente”, de Nenete e Piracy, percebe-se uma sugestão do
processo de animalização, implícito na comparação: Até parecia ser uma
serpente, [...] vinha que nem boi bravo. Em “Mineiro de Monte Belo”, de Serrinha
e Lourival dos Santos: Quando eu entro no catira, os meus pés são dois martelo,
a metáfora utilizada para os pés sugere reificação, fenômeno onde o que é vivo
se comporta como morto, ou seja, quando se atribuem qualificações e eventos
peculiares dos inanimados a seres humanos. O mesmo fenômeno é encontrado
em “É fogo”, de Lourival dos Santos e Zé Batuta: Ele virou parafuso, eu virei
chave de fenda. Fiz ele passa espremido que nem cana na moenda. Nesse dia fui
tesoura, entrei gostoso na renda.
Encontramos algumas expressões hiperbólicas, no texto de Tião Carreiro e
Lourival dos Santos, “A vaca foi pro brejo”: pobre pai e pobre mãe, morrendo de
trabalhar, deixa o couro no serviço pra fazer filho estudar. Lourival dos santos,
Piraci e Tião carreiro são compositores de “Rio de lágrimas”: O rio de Piracicaba
vai jogar água pra fora, quando chegar a água dos olhos de alguém que chora. Lá
na rua onde eu moro só existe uma nascente, a nascente dos meus olhos já
formou água corrente. Pertinho da minha casa já formou uma lagoa com lágrima
dos meus olhos por causa de uma pessoa.
Muitas vezes, a figurativização utilizada na letra ecoa no arranjo, e o timbre
característico do instrumento citado concorre para uma figurativização sincrética,
segundo Dietrich (2005), que afirma ser muito freqüente a citação do instrumento
musical nas letras de músicas populares, diretamente (viola, violão), ou por
intermédio de metáforas, adjetivos ou apelidos (meu pinho). A identificação do
instrumento com o enunciador está presente em “Viola está chorando”, de Joel
Marques: Lembro das noites de canções e poesia, noite adentro a gente ia e eu
cantava só pra ela. Meu canto é triste desde que ela foi embora, pois até minha
viola chora de saudade dela. Viola está chorando, chorando está meu coração,
meu desespero meu sufoco, desabavam pouco a pouco na magia da canção.
Mário de Andrade e Ary Kerney são os compositores de “Viola quebrada”, texto
que também apresenta a identificação do personagem do instrumento: Minha
70
viola gemeu, meu coração estremeceu. Minha viola quebrou, meu coração me
deixou.
Em “Porta do Mundo”, belo poema de Peão Carreiro e Zé Paulo, os versos:
O som da viola bateu no meu peito doeu, meu irmão, indicam a dependência que
o cantador tem do instrumento, também revelada nos versos do poema “Viola,
minha viola”, de Américo Jacomino, Viola, minha viola, de jacaranda e canela, na
alegria ou na tristeza, eu vivo abraçado nela. Minha, viola vivida, eu ganho a vida
com ela.
Há textos que se apresentam como pequenos contos, fábulas ou apólogos,
com fundo moralizantes em que se pretende valorizar princípios éticos. É o caso
de “Água no leite”, de Zé Fortuna e Paraíso, história do homem avarento que
misturava água ao leite para aumentar seu lucro e um macaco, vendo tudo, joga o
dinheiro acumulado ilicitamente no rio. É interessante que um ser irracional é
usado para tecer a critica ao comportamento humano.
O texto de Teddy Vieira e Tião Carreiro, “Caboclo no Cassino”, apresenta
um caipira incomum, o esperto e trapaceiro, que mente, mas acaba se dando mal.
O caboclo se arruma com o terninho de linho engomado, vai ao cassino, faz uma
despesa grande, passa por filho de um grande fazendeiro para fazer farol para a
menina. Como a carteira estava gorda, mas era só de papel, vai parar no xadrez.
O verso: Isto serve de exemplo, expressa a preocupação moralizante.
Existe a preocupação em preservar os valores éticos e morais. “Prato do
dia” texto de Geraldino, apresenta uma situação peculiar, o caipira proprietário de
uma pensão a beira da estrada, tem a filha como garçonete que ouve gracejos
inadequados de um viajante. O pai preocupado em preservar a moral e a honra
da família resolve o conflito: serve uma franga temperada e crua. Foi chegando o
velho e dizendo: vim trazer o pedido que fez. Quando o cara tentou recusar já se
viu na mira de um schimitt inglês. O negócio foi limpar o prato, quando o
proprietário lhe disse cortês: Nós estamos de portas abertas, pra servir à moda
que pede o freguês. Fica claro também o conflito entre o forasteiro e o
personagem local.
Os valores do caipira merecem ser investigados. Há registros preciosos do
que realmente tem importância para o homem do campo ou aquele que, marcado
pela cultura caipira, ainda preserva a ética, a moral, a família, a espiritualidade, a
natureza, o trabalho. O poema “Chitãozinho e Chororó”, de Serrinha e Athos
71
objeto sem valor, inútil, que atrapalha. Entretanto, no texto a tralha se constitui em
relíquia, pois para o sujeito, a representação do passado e a recordação da vida
que levou têm valor de ouro. O saco é relíquia com meus apetrechos, não vendo
e não deixo ninguém pôr a mão. Nos trancos da vida eu agüentei o taco e o ouro
do saco é a recordação.
Percebemos que o conteúdo sócio histórico envolve os textos da Literatura
caipira e que os valores dessa cultura, inequivocamente registrados nas letras de
músicas de raiz, podem ser detectados a partir da análise semiótica a que
procederemos.
73
EN = (S ∪ O)
Toda a utopia, que se estende por vinte versos e se encerra com a palavra
imaginação, é abruptamente cortada com a constatação dessa impossibilidade:
“O caso é que eu não posso fazer o tempo voltar”. O discurso analisado
apresenta o léxico específico que pode favorecer a semiose, como exemplo a
expressão metafórica “sou um cocão sem chumaço, que já não pode cantar”
índice da categoria tímica disfórica que reforça o conceito de disjunção e define o
discurso.
Adjuvante/ imaginação
Sujeito/ caboclo Obj. Valor/ Vida na
roça
Oponente/ realidade
Tensão dialética
a vida na roça, e o não poder fazer, a impossibilidade de viver na roça e ter que
viver na cidade. Evidentemente, um quadrado semiótico não é suficiente para
apresentar todas as tensões que existem no texto.
Encontramos valores da cultura caipira formalizados a partir da lógica das
modalidades transfrásticas, de acordo com os princípios de Pais (1993). O
octógono apresentado propõe uma reflexão sobre a ideologia da cultura caipira
que valoriza a natureza, a família e a vida no campo e retrata o caipira despojado
de sua querência, de suas raízes por questões sociológicas. Através das
reminiscências ocorre a valorização do passado, onde o enunciador aponta a
abastança, a vida plena, equilibrada e a consequente felicidade. Se houvesse a
possibilidade de voltar a viver na roça, ocorreria a revitalização. No presente e na
constatação da realidade, o enunciador sugere certo conformismo frente à
impossibilidade de realização de um viver ideal. Constata-se que o homem do
campo não se adapta à cidade e aos poucos perde suas forças, porém carrega
em si a essência de sua cultura.
80
EN = (S ∪ O)
Adjuvante
Condições financeiras
Sujeito Objeto de valor
Pequeno proprietário rural Vida no campo
Oponente
Dificuldade econômica
Transformações sócio-econômicas
Tensão dialética
João Batista da Silva, mais conhecido por João Pacífico, é um dos maiores
compositores da música brasileira, autor de quase 1.400 músicas, entre elas do
clássico da literatura caipira: “Cabocla Tereza”, gravada em 1936. Criador da
chamada “toada histórica”, que a canção analisada tão bem exemplifica, que
conta uma história através de um texto iniciando com um elemento descritivo na
forma de um declamado.
A primeira gravação de Cabocla Tereza foi feita por Raul Torres (proseado)
e Florêncio (parte cantada), até hoje ainda é uma canção que continua sendo
gravada. Sem dúvida alguma, uma das composições mais conhecidas do
cancioneiro nacional, é a história de um sujeito enciumado e possessivo que
acaba matando a amada porque ela "felicidade não quis".
A análise das estruturas “patêmicas”, relativa à dimensão dos sentimentos,
das emoções e das paixões, permite-nos entender a modulação dos estados de
alma do sujeito, como já vimos conforme Bertrand (2003). É o objeto da semiótica
das paixões que utiliza dois modelos: o quadrado semiótico e o percurso gerativo
da teoria. O modo de existência do Objeto de valor é descrito pela modalização
do ser. O sujeito Teresa devia ser a esposa fiel para com o caboclo e manter-se
no ninho que ele construíra, devia não ser uma mulher que abandona o lar e trai o
marido. Quanto ao sujeito caboclo, percebemos um querer ser o homem amado
por Teresa e um querer não ser o homem rejeitado por ela.
Para evitar emitir qualquer juízo de valores, é interessante observarmos as
afirmações de Cândido (1997) que discorre sobre a vida familiar do caboclo e nos
informa que em geral prevaleciam uniões por ajuste entre os pais. O sociólogo
informa que sem companheira o homem não tinha satisfação do sexo, nem auxílio
na lavoura, nem alimentação regular. Os homens eram irascíveis, valentes e
rudes. As mulheres casavam-se entre quinze e dezesseis anos. Para elas, a vida
de casada era de sacrifício, pois lhes competia todo serviço da casa, além de
atribuições culinárias; arranjo doméstico; fazer roupas, farinha; pilar cereais e
ainda tinha que trabalhar na roça ao lado do marido. De modo geral, as moças
apresentavam sinais dolorosos de provações físicas a que eram submetidas. Já
para o homem o casamento só trazia vantagens, entretanto a manutenção da
honra era inquestionável.
Não se trata de defender nenhuma das partes, nem o caboclo, o marido
desprezado, que se tornou assassino, nem Tereza, a mulher que não quis a
87
EN = (S ∪ O)
Caboclo A vida com Teresa
EN = Sujeito Objeto de valor
Adjuvante
Testemunho in loco
Sujeito Objeto de valor
Esclarecimento dos fatos
Oponente
Falta de provas ou a fuga do assassino
Destinatário Destinador
Caboclo Orgulho ferido/ Rejeição
Adjuvante
Ter encontrado Tereza
Sujeito Objeto de valor/ Vingança
Oponente
Não encontrar Tereza
apresentar todas as tensões que existem no texto, assim propomos uma das
possíveis leituras:
Tensão dialética
Fidelidade Traição
Felicidade Infelicidade
~ Traição ~ Fidelidade
O belíssimo texto saudosista foi composto por Nonô Basílio e Índio Vago,
que sem se saberem poetas se apropriam magistralmente do tema que nos
propicia valioso resgate dos hábitos, costumes, anseios, mágoas e léxico
específico do boiadeiro. A primeira gravação é feita no disco que coleta as
melhores canções apresentadas no 1º Festival de música sertaneja, em 1967. É
música tema do filme que leva o mesmo nome, dirigido por Jeremias Moreira
Filho em 1977.
Neste poema encontramos recursos como cadência, modulação e um
entoativo melódico que facilitam ao ouvinte a conversão intersemiótica do sistema
da canção, tão valorizados por Tatit (1999). A perfeita integração entre melodia e
letra é claramente perceptível, sobretudo na interpretação de Pedro Bento e Zé da
Estrada. Entretanto, já esclarecemos anteriormente que nosso foco aqui não é a
interação entre letra e melodia. Certamente uma semiótica da canção, nos moldes
de Tatit (1999) bem como o estudo do poema baseado em Candido (1996) é uma
proposta instigante e desafiadora para futuras investigações.
Voltemo-nos para o discurso, cuja noção, como sabemos, ultrapassa
amplamente os limites do texto, neste caso, o discurso etno-literário, por mesclar
o ficcional com o documental. O léxico, ponto de confluência do conteúdo com a
expressão, não deve ser descartado para a análise de um estilo, conforme Discini
(2004: 21) que o considera:
subsídio para o reconhecimento da organização das figuras “do
mundo” que, enfeixadas em núcleos, fazem mais visíveis, mais audíveis,
mais acessíveis, enfim, idéias e ponto de vista intrínseco a uma
totalidade.
EN = (S ∪ O)
Peão A vida de peão
Destinatário Destinador
Oponente / O progresso
Tensão dialética
Tradição Progresso
Felicidade Infelicidade
Ñ progresso Ñ tradição
Eu nasci
Naquela serra,
Num ranchinho beira-chão,
Tudo cheio de buraco
Adonde a lua faz clarão.
Quando chega a madrugada,
Lá no mato a passarada
Principia um baruião.
Refrão
Refrão
97
EN = (S ∪ O)
Jeca A vida na roça
EN = Sujeito Objeto de valor
Adjuvante/ lembranças
Sujeito/ caboclo Obj. Valor/ Falar da sua origem
Tensão dialética
Felicidade Infelicidade
EN = (S ∪ O)
Destinatário Destinador
Caboclo Saudade
Adjuvante
Condições financeiras
Sujeito Objeto de valor
Caboclo Vida no campo
Oponente
Dificuldade econômica
Figura 21 Esquema canônico de Caboclo na cidade.
Tensão dialética
∅
Figura 22 Octógono: Campo x Cidade.
O viver na roça sugere uma vida tranquila, farta, harmoniosa e feliz, que
proporciona a realização do caipira; o querer “voltar prá Minas Gerais, onde o
caboclo tinha seu ranchinho, e não poder gera insatisfação, infelicidade, enquanto
na cidade, tudo é diferente, ele passa necessidade: Não ganho nem prá comer, já
não sei o que fazer, estou ficando quase louco. É só luxo e vaidade, penso até
que a cidade não é lugar de caboclo, evidência da inadaptabilidade do caipira.
Encontramos o registro de hábitos, costumes, fatos, situações, anseios e
aspirações que permanecem na história e na memória da comunidade paulista. O
discurso etno-literário, manifestado na letra de “Caboclo na cidade”, é revelador
da cultura caipira e deve ser entendido como parte do nosso patrimônio cultural.
104
EN = (S ∪ O)
Destinatário Destinador
Caboclo Saudade
Adjuvante
Possibilidade de voltar para o sertão
Sujeito Objeto de valor
Caboclo Vida rural
Oponente
Impossibilidade da volta
Tensão dialética
Felicidade Infelicidade
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria Semiótica do texto. São Paulo: Editora
Ática, 2005.
BOSI, Alfredo. Plural, mas não caótico. In: Cultura Brasileira: temas e situações.
2. ed. São Paulo: Editora Ática, 1992, pp. 7-15.
FREIRE, Gilberto. Casa grande & Senzala: formação da família brasileira sob o
regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: Record, 1998
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.
ISTOÉ, BRASIL 500 ANOS. São Paulo: Nova Geração, 2000, p. 186.
112
KEHL, Maria Rita. Psicanálise & mídia. In: CHALHUB, Samira, Psicanálise e
conexões. São Paulo: Hacker, 1996, pp. 129-136.
LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro. São Paulo; Ática, 1992.
LUYTEN, Joseph M.. Desafio e repentismo do caipira de São Paulo. In: BOSI,
Alfredo. Cultura Brasileira: temas e situações. 2. ed. São Paulo; Editora Ática,
1992, pp. 75-102.
PASTA JR., José Antônio. Cordel, intelectuais e o Divino Espírito Santo. Notas
sobre artes do povo e estética da representação. In: BOSI, Alfredo. (org.) Cultura
brasileira: temas e situações. 2. ed. São Paulo: Editora Ática, 1992, pp. 58-74.
WISNIK, José Miguel. Algumas questões de música e política no Brasil. In: BOSI,
Alfredo. Cultura Brasileira, temas e situações. 2. ed. São Paulo: Editora Ática,
1992, pp. 114-123.
ANEXOS
I. Índice das letras de músicas de raiz
A história de um prego
João Pacífico
Amor e Saudade
Dino Franco e José Milton Faleiros
Aparecida do Norte
Anacleto Rosas Jr. e Tonico
A Volta Do Boiadeiro
Sulino e Teddy Vieira
Baldrama Macia
Anacleto Rosa Junior e Arlindo Pinto
Berrante de ouro
Carlos César e Zé fortuna
Boiada
Zé Paioça
Boi Soberano
Adauto Ezequiel (Carreirinho), Isaltino Gonçalves e Pedro L. de Oliveira.
Burro Picaço
Anacleto Rosa Junior
Buscando a Felicidade
Tupi e Tapuã
Buscando a felicidade,
A minha infância perdi.
Já se foi a mocidade,
Tenho que parar aqui.
Só me resta agora a vida,
Que um dia irá também.
Se a felicidade existe,
A minha está com alguém.
Já cansei de procurar, já cansei.
Já fiz de tudo e por quê?
Será que na vida inteira,
Não fiz por te merecer?
Cabocla Teresa
Caboclo na cidade
Nhô Chico e Dino Franco
Caboclo no cassino
Teddy Vieira e Tião Carreiro
Caminheiro
Jack e Nair de Castro
Canga do tempo
Zé Fortuna e Paraíso
Casa de caboclo
Nonô Basílio
Catimbau
Carreirinho e Teddy Vieira
Cavalo Enxuto
Lourival dos Santos e Moacir dos Santos
Cavalo Preto
Anacleto Rosa Jr.
Cheiro de Relva
Dino Franco e José Fortuna
Chico Mineiro
Tonico e Francisco Ribeiro
Chico Mulato
Raul Torres e João Pacífico
Chitãozinho e Chororó
Serrinha e Athos Campos
Cobra Venenosa
Raul Torres e João Pacífico
Colcha de retalhos
Raul Torres
Couro de boi
Teddy Vieira e Palmeira
Destinos iguais
Ariowaldo Pires - Laureano
Disco voador
Palmeira
Dona Saudade
Edward de Marchi
É fogo
Lourival dos Santos e Zé Batuta
Empreitada perigosa
Moacyr dos Santos e Jacozinho
Encanto Da Natureza
Luiz de Castro e Tião Carreiro
Ferreirinha
Adauto Ezequiel (Carreirinho), Isaltino Gonçalves e Pedro L. De Oliveira
Flor do Cafezal
Luiz Carlos Paraná
Fogão de lenha
Carlos Colla, Maurício Duboc e Chororó
Franguinho na Panela
Moacyr dos Santos e Paraíso
Goiano Valente
Nenete e Piracy
Horóscopo
Alvarenga e Ranchinho
Jeitão de caboclo
Valdemar Reis e Liu
João de Barro
Muibo Cury e Teddy Vieira
Ladrão de terra
Teddy Vieira e Moacir dos Santos
Tinha eu quatorze anos Pra gastar nesta questão
Quando deixei meu estado Respondi no pé da letra
Meu pai era sitiante Não tenho nenhum tostão
Trabalhador e honrado Meu dinheiro é dois revólver
Por esse mundão de Deus E bala no cinturão
Eu dei murro no pesado Se aqui não tiver justiça
Quando a sorte me ajudava Para minha proteção
Os meus planos foi cortado Vou mandar os trapaceiros
Triste notícia chegava Pra sete palmo de chão
Meu destino transformava Embora saia uma guerra
Eu fiquei um revoltado Vou matar ladrão de terra
O pai tinha falecido Dentro da minha razão
Na carta vinha dizendo Negar terra prum caboclo ai ai
A terra que ele deixou É negar pão pros nossos filhos ai ai
Minha mãe acabou perdendo Negar terra prum caboclo ai ai
Para um grande fazendeiro É tirar o Brasil dos trilhos ai ai
Que abusava dos pequenos Nóis tava de onde a onze
Meu sangue ferveu nas veias Na parada neste dia
Quando eu fiquei sabendo Os pobres são carta abaixo
Que pra tirar terra minha E os ricos são as manilhas
Lograram minha mãezinha Foi uma chuva de bala
Pra roubar nosso terreno Só capanga que corria
Eu voltei pra minha terra Foi pela primeira vez
Foi com dor no coração Que dinheiro não valia
Procurando meus direitos O barulho acabou cedo
Eu entrei no tabelião Me entregaram foi de medo
Quase que também caía Terra que me pertencia
na unha dos gavião Na cerca de minha terra ai ai
Porque o dono do cartório Em mexer ninguém imagina ai ai
Protegia os embruião Os arames são de balas ai ai
Me falou que o fazendeiro E os morão de carabina ai ai
Tinha rios de dinheiro
166
Lá onde eu moro
Luís de Castro
Leitão à pururuca
Muniz Teixeira e Lourenço
Lenço perdido
Wilfrido Alves de Lima
Mãe de carvão
Tião do carro e Caetano Erba
Mágoa de boiadeiro
Nonô Basílio e Índio Vago
.
171
Mala Amarela
Paraíso e José Caetano Erba
Manto estrelado
Dino Franco
Moda da Pinga
Laureano
Moradia
Nhô Chico, Tião Carreiro e Craveiro
Moreninha linda
Tonico, Priminho e Maninho
Moreninha linda
Do meu bem querer,
É triste a saudade
Longe de você.
Moreninha linda
Do meu bem querer,
É triste a saudade
Longe de você.
Nelore valente
Sulino e Dino Franco
No mourão da porteira
João Pacífico e Raul Torres
No rancho fundo
Lamartine Babo e Ary Barroso
No rancho fundo,
Bem pra lá do fim do mundo
Onde a dor e a saudade
Contam coisas da cidade,
No rancho fundo,
De olhar triste e profundo,
Um moreno conta as mágoas,
Tendo os olhos rasos d'água.
Pobre moreno
Que, de tarde, no sereno
Espera a lua no terreiro,
Tendo o cigarro por companheiro.
Sem um aceno
Ele pega da viola
E a lua por esmola
Vem pro quintal deste moreno.
No rancho fundo,
Bem pra lá do fim do mundo
Nunca mais houve alegria,
Nem de noite, nem de dia.
Os arvoredos
Já não contam mais segredos
E a última palmeira
Já morreu na cordilheira.
Os passarinhos
Internaram-se nos ninhos,
De tão triste esta tristeza,
Enche de trevas a natureza.
Tudo por quê?
Só por causa do moreno
Que era grande, hoje é pequeno
Pra uma casa de sapê.
183
“O caipirão”
Tião do carro e Zé Batuta
O Carro e a Faculdade
Sulino e Zé Fortuna
O Homem e a espingarda
Zé Mulato e Cassiano
O menino da porteira
Teddy Vieira e Luizinho
O Milagre do Ladrão
Léo Canhoto e Zilo
O mineiro e o italiano
Teddy Vieira e Nélson Gomes
O rico e o pobre
Moacir dos Santos e Sulino
Paineira Velha
Zé Fortuna
Pé de cedro
Goiá e Zacaria Mourão
Pé de ipê
Tonico
Peito Sadio
Raul Torres e Rubens Ferreira
Pescador e Catireiro
Cacique e Carreirinho
Pingo d’água
João Pacífico e Raul Torres
Pitoco
Teddy Vieira, Nhô Bentico e Abílio Vitor
Porta do Mundo
Peão Carreiro / Zé Paulo
Prato do Dia
Geraldino
Preto inocente
Teddy Vieira, Campão e Bento Palmiro
Recordação
Goiá/ Nenete
Relógio Quebrado
Teddy Vieira e José Russo
Rio de lágrimas
Lourival dos Santos, Piraci e Tião Carreiro
Rolinha Cabocla
Raul Torres e João Pacífico
Saco de Ouro
Paraíso e José Caetano Erba
Saudade
Tião Carreiro e Zé Matão
Terra Tombada
Carlos Cezar e José Fortuna
Triste Berrante
Adauto Santos
Tristeza do Jeca
Angelino de Oliveira
Eu nasci
Naquela serra,
Num ranchinho beira-chão.
Tudo cheio de buraco
Adonde a lua faz clarão.
Quando chega a madrugada,
Lá no mato a passarada
Principia um baruião.
Nesta viola
Eu canto e gemo de verdade.
Cada toada representa uma saudade.
Tropas E Boiadas
Tony Damito e Carlos César
Véio marrudo
Lourival dos Santos
Viola cabocla
Tonico e Piraci
Viola Quebrada
Ary Kerney e Mário de Andrade