Você está na página 1de 111

Poesia

Milton
giaretta

adolescente
Milton
giaretta

Poesia
adolescente

Toledo . Paraná
2013
O POETA, A POESIA, A SIMPLICIDADE

Os poemas selecionados para este trabalho são


fruto do contato diário do autor com o universo jovem, tanto
com estudantes de ensino médio como de ensino superior.
Os jovens trazem poesia em seu semblante, em seu jeito
de ser, de falar, de andar. Portanto, esta obra é, antes de
tudo, uma transcrição. Uma verbalização. A poesia, que
anda meio esquecida, rotamente vestida nas prateleiras das
livrarias, tem no coração da juventude seu habitat natural.
Por isso, uma obra como esta não poderia, jamais, ter a
intenção de ser algo revolucionário. E é da simplicidade
adolescente que florescem os poemas que a compõem.
Por outro lado, cada poema procura refletir,
também, a beleza juvenil, tão autêntica e peculiar. Mas
isso é julgamento do leitor. Percebe-se, porém, que vários
dos escritos têm inspiração no comportamento jovem,
suas confidências, suas histórias, sua rebeldia, sua alegria.
E o poeta não trata apenas de uma fase da vida. Poesia
Adolescente é uma obra para todas as idades. Afinal, o
poeta traz poesia no seu ser, e assim procura expressar seus
anseios, seus medos, sua sensatez (e até sua insensatez),
sua esperança com belas palavras, inspiradas nos mais
diferentes momentos da vida humana. E isto é explícito em
poemas como Esta manhã onde se lê “(...) a poesia é a
mais justa das menções (...)”. A vida, as pessoas e tudo o
que o cerca é digno de poesia. Através dela - e sendo ela “a
própria liberdade” – transmite todo seu sentimento.
A obra apresenta também, sem preconceitos, uma
variedade de sonetos decassílabos e poemas em versos livres
que nos expõem uma lírica e um sentimentalismo dos mais
puros. O conjunto poético explora temáticas que vão desde
os amores proibidos, os desejos reprimidos, o encanto pelo
ser amado, até a crítica social, a esperança no amanhã, a
rebeldia, a busca de porquês. Há questionamentos em cada
palavra. O poema Sala de visitas, por exemplo, nos indaga
sobre o que permitimos ou não sentir e viver. O amor pode
ser algo inesperado, repentino ou pode vir em uma nuvem
de serenidade. Sua chegada pode ser o mais pacífico ou o
mais torturante dos momentos.
Através do encontro e do encanto das palavras vai
se dando sentido aos mais diversos sentimentos expressos
nessa obra: alegria, saudade, melancolia, serenidade...
Cabe ao leitor entregar-se ao prazer da leitura e
compartilhar de cada emoção. Cada poema, cada estrofe,
cada verso é uma demonstração de inquietude. E o eu lírico
busca “acalentar sua alma” com o que há de mais simples
e mais intenso, na esperança de que os sonhos nunca se
acabem, para que sempre se tenha algo a buscar, algo por
que mirar o horizonte, algo por que lutar. Milton Giaretta
nos presenteia com uma magnífica obra. Certamente, a
primeira de muitas que virão.

Fernanda Patrícia Karkow


Professora de Literatura Brasileira
poesia adolescente

GEOMETRICAMENTE

Cantar estrofes por pura alegria


e, livre de receios ou temores,
versificar em nome dos amores,
da paz, da terra, da própria poesia,

é possuir o universo nas mãos,


e, assim, brincar de ser onipotente.
É acreditar que no seu coração
se realiza tudo o que se sente.

Arrancar as palavras dos teclados


e libertá-las às cores, aos ventos,
ao céu, às ruas, às casas, ao povo,

é libertar também o pensamento


e desacorrentar-se do passado.
É ter coragem de viver o novo!

9
Milton Giaretta

AGOSTOS

Deixa as folhas se perderem na ventania.


Deixa a poesia se espalhar
e a loucura confundir-se com a sensatez.
As palavras hão de frutificar,
materializando-se nas janelas, nas salas, nas camas, nas
entranhas...

Praças, adolescentes...
Calçadas, violões...
Na mistura, poesia pura.
Palavras planando despretensiosas.
Qualquer coisa de sublime nascendo da simplicidade.

10
poesia adolescente

AINDA QUE SEJAM TARDES

Muito longe da realidade:


uns medos e uns desejos que te procuraram
e continuam a recordar teus olhos e tua alma...

Minha vida foi um caminho que se bifurca:


a fuga e o fogo.

Um é frio e tranquilo;
é grave e tem margens metálicas e negras;
tem um ar de paz e preguiça.

O outro é uma tempestade de sensações;


tem os sons da loucura,
cores indecifráveis,
aromas estonteantes.

Um me fez centrado e equilibrado:


previsível.
Me deu a calma e a sensatez dos sãos de espírito.

O outro teria me feito poeta

e teria me colocado muito longe da realidade:


diante de teus olhos e de tua alma...

11
Milton Giaretta

ESTA MANHÃ

Esta manhã meus pés ansiaram por percorrer aquele teu


caminho:
pisaram a terra que, há muito, acolhe teus passos.
Esta manhã foi o sol, foi o vento e o verde tudo lembrança.
E me pareceu aquele teu xale escuro no varal:
teu perfume estendido no quintal,
inspirando
as flores...
os campos de aveia...
os pomares...

Tua casa e as janelas enamoradas do sol,


e meus pés pisando a terra que teus pés tanto conhecem.

Então me ocorreu que te devesse um poema,


que a poesia é a mais justa das menções
às pessoas que perfumam e enfeitam o universo.

12
poesia adolescente

EXCÊNTRICO

Ronda por aí essa Poesia,


ora disfarçada de ventos de agosto,
ora de flores, de chuva, de automóvel...
O que mais me encanta nela
é a indiferença
à ignorância...
à hostilidade...
à erudição...
E sendo a própria liberdade,
em simplicidade e essência,
e sendo a própria loucura,
jamais chegaremos a compreendê-la plenamente.
Porque não se pode explicar a loucura
sob a ótica da lucidez.

13
Milton Giaretta

GRIS

No cinza desta tarde úmida e fria,


aos olhos destes rostos sonolentos,
os meus decassílabos pensamentos
distantes, em lampejos de poesia

buscando a luz dos sóis imaginários


que banham vales em longínquas terras;
verdejam campos e desenham serras;
dormem nos mares, soam campanários.

Na frieza do cinza desta tarde,


paredes gélidas, ecos de vozes
e tua presença contida e serena.

No entardecer desta cinza frieza,


só teu perfume me prende ao instante.
Só teu olhar é que me vale a pena.

14
poesia adolescente

LOGIA

Ah, se os poetas fossem imunes ao sentimento,


se fossem apenas movidos pela realidade nua, pela
exatidão...
Se tivessem um olhar crítico sobre todas as coisas,
e se possuíssem o poder de compreender tudo o que as
pessoas sentem sem ter que senti-lo...
Ah, se os poetas não precisassem das madrugadas,
se não dependessem das artes, da terra, da chuva, do
sofrimento...
E, quem sabe, se não fossem sensíveis,
se não chorassem, se não protestassem...
Se os poetas fossem sempre lúcidos, se fossem sempre
belos
e sempre alegres e sempre coerentes e sempre lógicos...
Se não fossem loucos...
Ah, se poemas fossem produzidos em linhas de
montagem...
Se poetas fossem formados em universidades
e se pudessem escolher especializar-se nos estilos que
quisessem...
Se fossem cristalinos, absolutos, lacônicos...
Se os poetas fossem sempre céticos...
E se fossem sempre crentes...
Ah, se os poetas não odiassem...
E se não amassem...

Então, haveria poetas e poemas,


mas não poesia.
15
Milton Giaretta

SELVAGEM

Muitas esperanças para assassinar


e poucas chances de redenção:
o mundo abaixo das linhas imaginárias
ama violentamente.
E eu tolo e eu poeta...

Definitivamente, o amor foi feito para


corações simples.

16
poesia adolescente

SOLOS

ficaram só as gavetas vazias


os ecos melancólicos e amargos
dos passos lentos dos sorrisos largos
nos vidros turvos nas paredes frias

e esses fantasmas: meus novos amigos


cirandas pálidas de solidão
só por uns dias me acompanharão
enquanto vivem meus sonhos contigo

mas da janela vejo a Velha Estrada


e a silhueta alva e delicada
que teu destino deixou no horizonte

como a chamar minha alma abandonada


a correr pelos vales pelos montes
buscar a luz de uma nova morada

17
poesia adolescente

A DEUSA E O ANJO

era uma deusa e um anjo poeta


palavras risos juras e segredos
delicadezas nos amanheceres
música lágrimas paixão e medo

uma deusa de olhos claros e belos


linda e radiante pelos corredores
um anjo bobo e seus versos singelos
e alma prostrada e cego de amores

então um dia suas mãos se tocaram


seus olhares descobriram razões
suas adolescências se encontraram
uniram-se em um só seus corações

e já não precisaram dizer nada


e já não necessitam escrever
a Deusa e o Anjo de almas encantadas
só por olhares se fazem entender

21
Milton Giaretta

ALADAS

Fez o sol que esperávamos


e um vento perfeitamente ideal.
Nas asas coloridas da manhã
só senti tua ausência,
sem motivos...
inesperada...

22
poesia adolescente

ALFORRIA

Vá-te daqui, tola poesia!


Já não te reconheço.
Me foste honesta e submissa,
mas, agora, tudo que me dizes são melancolias:
palavras brancas e aladas,
doces e aveludadas,
pra uns olhos que não esqueço...

23
Milton Giaretta

QUADRINHAS Nº 1

Queria que me deixasses


pitadas do teu olhar,
para o meu rosto sorrir
e meu coração sonhar.

24
poesia adolescente

CAMPO HARMÔNICO

Uns arpejos pálidos procuram por teus olhos.


E por estes dedos trêmulos, descompassados,
tentam buscar a justa razão por que te puseste ausente.
Agora é momento de as palavras se fitarem,
provocarem situações para que a verdade, serena,
desperte.
Ao som de discretos acordes, porém, te encontro apenas
em tímidas recordações.
Será que vagam - esses olhos - por esta mesma cidade,
por esta mesma rua?
Será que os seres alados, que há dias rondam minha
janela,
são mensageiros do reino distante em que, agora,
habitas?

Se forem, direi a eles que te espero, todas as noites,


na mesma pracinha de outrora.
Eu e meu violão...

25
Milton Giaretta

CÓDIGO

Dou-te o meu silêncio e minha ternura


em troca de um olhar sem compromisso.
E dou-te meu coração submisso,
gratuito, livre, pleno de loucura.

Poemas novos com ou sem poesia


e a poesia com ou sem poemas;
pontos, acentos, desejo, grafemas,
pautas e notas, beijos, melodias...

De um velho violão, acordes miúdos


e minha alma tola e encantada.
Dou-te isso tudo e isso é quase nada,
mas do que tenho e posso dar-te é tudo.

26
poesia adolescente

DOLOSO

Será que nos reservam um momento


os deuses dos amores proibidos?
Será que nossa história ficará
resumida a desejos reprimidos?

Quando as palavras, enfim, calarão


em nossos lábios trêmulos, febris?
Será que um dia tudo que se diz
será real - volúpia, ardor, paixão?

Nossas vidas não se cruzaram à toa.


Não foi por acaso que teu olhar
com meu olhar um dia se encontrou.

Nem será sem querer que nossas bocas,


oportunamente, irão se tocar
e realizar tudo que se sonhou.

27
Milton Giaretta

EVENTUAL

guardaremos da noite esses sabores


dos toques do desejo da euforia
e da janela aos primeiros rubores
apreciaremos o nascer do dia

e diante de teu rosto iluminado


de luz e cor o céu se cobrirá
envaidecido pelo teu olhar
e pelos tons de tua pele acanhado

guardaremos da noite só lembranças


a manhã preguiçosa romperemos
e deixaremos tudo no passado

por essas ruas nenhuma esperança


nenhum medo ou certeza levaremos
só um momento pra ser redesenhado

28
poesia adolescente

QUADRINHAS Nº 2

Olhares vagam aflitos,


olhares buscam porquês.
Em teus olhos tão bonitos
minhas razões pra viver.

29
Milton Giaretta

INSENSATEZ

Os corações recatados sentem medo.


Estão sempre em fuga.
Fogem dos olhares inesperados
que insistem em por à prova
sua conduta, sua retidão, sua moral.
Esses olhares e esses corações:
A volúpia e a decência
caminhando lado a lado
sem coragem de darem-se as mãos.

30
poesia adolescente

PRIMEIRO ATO DE CULPA

Ontem as palavras se acabaram...


e a noite tornou-se mais noite, mais turva.
Um quase frio roçou os braços daquele momento
e, densa, a madrugada suspirou ofegante:
um perfume se revelando como luz...
Ontem as bocas foram um silêncio tiritante
e houve diálogos, juras, clamores, gritos...
flutuando pela penumbra, aprisionados.

Ontem: um medo indomável.


Hoje: uma alma contrita.

31
Milton Giaretta

QUADRINHAS Nº 3

Onde estão teus lindos olhos


que ataram meu coração?
Por causa destes teus olhos,
meus olhos sem direção.

32
poesia adolescente

ROLETA RUSSA

E se, repentinamente, eu me convencesse


de que estes olhos se me tornaram
grande razão

...pra sorrir?
...pra viver?
...pra morrer?

Melhor não pensar:


pode ser que eu não soubesse bem qual opção escolher.

33
Milton Giaretta

SALA DE VISITAS

E se esse amor chegar inesperado, inusitado?


E se chegar, repentino e indiscreto, como uma enxurrada,
como um terremoto: sacudindo as estruturas, sem dar
tempo para reações ou protestos?
E se, mesmo ansiosos por sua chegada, ele nos deixar sem
ação? Se ele nos desarmar com a primeira lufada de sua
presença em nosso peito?
Se esse amor for azul, ou rosa, ou verde? E se ele for
jovem demais? Ou velho demais? Se ele for iletrado... se
for poeta... e se for punk?

E se, por acaso, ele nos vier dizer verdades que não
queremos ouvir? E se ele nos disser mentiras que nos
satisfaçam? E se ele nos trouxer culpas? Se nos tranquilizar
e nos acomodar?

Se esse amor vier virtual, ou em sonhos, ou em uma


estação: já de partida a olhar pela janela pra nunca mais
voltar? E se não for pra nunca mais?

E se esse amor não chegar assim tão repentino? E se já


tiver chegado, discreto e, igualmente, inusitado? E se,
taciturno, já nos tiver olhado nos olhos e nos dito verdades
ou mentiras ou poemas ou bobagens? Se, laconicamente
silencioso, ele já nos tiver desarmado?

E se esse amor já for real? E se já for eterno?

34
poesia adolescente

QUADRINHAS Nº 4

Em teus olhos cabe a aurora


de um dia de verão:
cheio de brilho e luz...
Cheia de sedução...

35
Milton Giaretta

SEGUNDO ATO DE CULPA

As palavras, repentinamente, tiritaram pela noite.


Tua imagem continua a bater à porta,
e meus medos mantêm as chaves escondidas.

36
poesia adolescente

SERENAS

Quero uma manhã de sol soprando em meu rosto.


Um sol recém nascido, de pele rosada.
Que ele desenhe algo no horizonte que seja
a tua silhueta: suave, morena...

Quero uma manhã de sol, tranquila, silente.


Que dela ressoe algo nas abóbadas dos arvoredos
que seja a tua voz: delicada, pequena...

Quero uma manhã de sol, morna e dourada.


Que dela repouse algo em minhas mãos
que sejam as tuas mãos: seguras, serenas...

37
Milton Giaretta

TERCEIRO ATO DE CULPA

Ah, não me condenes por ser assim:


um louco, um dominado coração.
Te quero agora com toda a minha alma
e com todos os meus músculos
e com cada gota de meu sangue
e com cada grito, cada impulso, cada solo de guitarra...
E te quero por toda a vida (e não somente por esta)...

Então, não me condenes.


Apenas te quero, te venero, te amo.
E permaneço sereno
sob a sombra torturante do medo.

38
poesia adolescente

QUADRINHAS Nº 5

Teus olhos roubei da noite


por causa dessa poesia.
Morremos na madrugada.
Não vimos a luz do dia.

39
Milton Giaretta

VINTE

Por que eles me olham assim


como os loucos das avenidas que bradam por nada?
Decerto sabem que não resisto a também olhá-los,
que não sei fazer disfarce.
A janela oferece uma paisagem tão vasta,
um mundo tão longo...
E eles, por detrás dessa fileira de almas,
insistem em mirar-me.

São os mais distantes


e tenho medo de pensar que são os mais bonitos...

40
poesia adolescente

ARLEQUIM

e das tuas cores faço esta aquarela


alegres tons de vida e de lembranças
manhãs de sonhos noites de esperança
sob as molduras de minha janela

em minhas rudes mãos pincéis dourados


e doses brandas de simplicidade
misturam tons que da janela invadem
as alvas telas daquele passado

por isso não combinarei as cores


não tracejarei linhas delicadas
não vou retratar paisagens ou flores

festejarei as tintas derramadas


incidentais mosaicos multicores
insanas formas autorretratadas

43
Milton Giaretta

CONFISSÃO

Fora o desejo de que esse meu espírito não enferruje


e de que minhas mãos não esqueçam os entalhes e
contornos...
Fora a espera pelas auroras mais musicais e serenas
e pela sabedoria de, sem escrúpulos, experimentar os
doces
mais doces...
Fora a hipocrisia da moralidade absoluta...
Exceto o medo do tempo e da solidão...
Exceto, também, as culturas impostas que querem cambiar
os
meus antigos hábitos...

Fora isto e minha frequente falta de memória...


e umas tantas e tantas coisas mais que não me lembro
agora...

a coisa que mais me preocupa na vida é o crivo


dos donos das palavras: os intelectuais.

44
poesia adolescente

DISTÂNCIA

Tão distintos, tão distantes,


tão destoantes, tão normais.

As fronteiras nos separam, as crenças nos separam,


nos separam as línguas, as culturas.
O medo, a ignorância, o preconceito...

Tanta coisa nos separa,


e só o que nos une é um desejo febril e reprimido.

45
Milton Giaretta

GIRAMUNDO

Estive fora uns dias...


e minhas palavras encheram-se de melancolia.
Voltar ao velho lar é uma felicidade que as pessoas
deveriam, todas, conhecer.
E deveriam experimentar... ao menos uma vez na vida...

Conheci o topo de algum continente,


o exótico e o circunstante.
Experimentei a terra e os raios dos sóis longínquos.
Provei o doce absoluto.
Senti o frio e o êxtase.
Sofri a incerteza dos horizontes
e o cansaço da volta.
Mas o coração pulsou febril ao avistar a Velha Estrada.
E fez-se primavera à luz dos teus olhos...

46
poesia adolescente

INDIFERENTE

Deuses estranhos cantam ao meu lado,


tocam suas liras e recitam versos,
dançam minuetos, enfeitam tablados,
esculpem mundos, pintam universos.

Mas há demônios cheios de recatos:


graves presenças de moralidade,
bradando pelos templos das cidades
suas leis inúteis, seus discursos chatos.

E esta poesia ingênua e singela -


eterna fé nos sonhos e nas asas
dos corações loucos das almas belas -

bate insistente nas portas das casas,


sopra nas avenidas e vielas
e, alheia a tudo, arde, queima, abrasa.

47
Milton Giaretta

INSÔNIA

Deixei a noite se perder como uma qualquer,


como o vermelho no fundo da garrafa.
E perderam-se também os teus olhos,
e as tuas digitais,
e a tua memória...
Nem se fez madrugada
e esta sala não menos vazia que as taças no tapete:
algumas gotas de rubi tentando resistir,
esperançosas e tolas,
um perfume pairando como um convite à melancolia,
e um rock’n roll louco pra me levar pra cama...
... assim que o sol tocar os quintais.

48
poesia adolescente

MOSAICO

juntei recortes de velhos jornais


formei palavras descomprometidas
frases estranhas sem corpo sem vida
que não pudessem ser ditas jamais

e assim as colei aleatoriamente


em várias cartolinas coloridas
frases estranhas outrora sem vida
a germinar das cores qual sementes

e mesmo que não sejam compreendidas


por tolos que as preferem alienadas
à lógica e ao comum resumidas

crescem alegres rebeldes ousadas


no colorido contextualizadas
frases estranhas tão cheias de vida

49
Milton Giaretta

NOSSA PRÓXIMA ATRAÇÃO

As palavras pairam por aí, disponíveis a todos.


Quando são ditas por quem deve dizer e ouvidas por
quem deve ouvir, cumprem com seu nobre papel.

O problema é que, ultimamente, quem deve dizê-las está


se calando, e quem deve se calar, as está dizendo.
E as palavras vão se tornando armas letais, porque,
consequentemente, estão sendo ouvidas por quem deveria
ignorá-las, e, por sua vez, quem as ignora, as deveria
estar ouvindo.

É o mundo dos lendários idiotas e dos ingênuos eruditos.

50
poesia adolescente

PEQUENO SONETO INGÊNUO

Vastas medidas de chão,


vasto pasto, postes toscos,
poucas bestas, tanta mosca,
corpos mortos: podridão.

Rala e escassa comida,


pratos postos, mesa pobre,
“velha praga”, frio e fome,
dias longos, pouca vida.

Tez opaca a do pecado,


porque ao grande pecador
permite-se ter pecado.

Se pra todos é o perdão,


por que pecam ricos, pobres
e se paga a redenção?

51
Milton Giaretta

PRELÚDIO

Caíram aqui ao meu lado


as flores de uma primavera precipitada.

Rebeldes como eu, não esperam por tempos propícios.


Propiciam o tempo!
São como almas dançarinas ao som de sinos fúnebres:

eles insistem em anunciar aos tantos ventos


que há um ponto final;

elas, apenas dançam...

As flores e suas almas dançarinas na imprevista


primavera...
E talvez algum vento vestido de fraque cinza
queira lhes varrer daqui.
Rebeldes, continuam a cair ousadamente ao meu lado:
dançando... o vento soprando... e elas dançando.

Apenas dançando...

52
poesia adolescente

PROFESSAR

Balões coloriram o céu.


Almas infantis invadiram a praça,
e foram percebidos sorrisos febris
a saltar desvairados entre a gente.

Mas espectros vestidos de cinza observam tudo


a uma segura distância:
Por que se ousa sorrir sem razões relevantes?

As almas - essas - infantis seguem olhando o céu,


e saltando e sorrindo...
Têm tantas razões pra chorar, pra se esconder.
Mas preferem sorrir, sem nenhuma grande razão.

53
Milton Giaretta

SONETO NOVO

nos descaminhos desta fantasia


nos arrebóis e nos entardeceres
voam-me o juízo, a calma, a lucidez
porque me visto todo em rebeldia

e neste jovem tempo permaneço


por não querer os tons graves da idade
por preferir brincar com a liberdade
a defender morais que nem conheço

as velhas almas perderam as cores


por não acreditarem que um sorriso
vá demover do mundo estes horrores

que elas mesmas plantaram sem aviso


e porque outrora mataram as flores
aqui renascerá meu paraíso

54
poesia adolescente

WHO MADE WHO?

Você não pode ser tudo o que querem que seja,


nem pode ter tudo o que buscam em você.
Você não pode ser o profeta de que necessitam.
E não pode ser sempre bom, nem sempre forte.
Tampouco pode ser sempre pontual, ou sempre correto...

Você não pode ser sempre o que querem que seja.


Mas pode ser muito melhor que isso.

55
poesia adolescente

ANTES QUE JULHO TERMINE

que distantes ecos trazem tua voz


e perambulam pela tarde fria
na solidão dessas ruas chuvosas
no silêncio dessas ruas vazias

que vozes distantes trazem teus ecos


e esfriam o perambular da tarde
na chuva solitária dessas ruas
no vazio silencioso dessas ruas

já não importa a chuva ou o silêncio


a solidão os ecos ou as tardes
em minhas mãos tuas mãos são nostalgia

não faz diferença se as ruas são frias


e as vozes que por elas perambulam
em minhas mãos teus olhos são poesia

59
Milton Giaretta

COMBINADO

Pra todos os efeitos, eu estive aqui:


procurando por teus olhos, tuas palavras, tua presença...
E, se alguém perguntar, eu te trouxe rosas vermelhas,
te fiz uma serenata e te beijei a face.

Se insistirem, diz que eu te falei que só tenho olhos pra


você.
Deixa todos pensarem que te abri minha alma.

Pra todos os efeitos, e pra mais alguns,


diz que, corajosamente, venci todos os medos.
E diz que não temos mais segredos...

60
poesia adolescente

CONTA-GOTAS

Me vens em gotas, em doses homeopáticas...


como se meu corpo tivesse que se acostumar aos poucos
à tua presença, à tua existência.

E meu coração em estado crônico de confusão...


e febre... e delírio...

61
Milton Giaretta

ENTARDECER

e como foram belas estas horas


e aconchegantes foram as palavras
e agonizante foi a despedida
e indecisos os passos pra ir embora

e como foram geladas as ruas


e como foram estranhos os rostos
e como amargo foi sentir o gosto
de outra boca que não foi a tua

um só momento que uniu nossas mãos


e um só olhar que nos pôs frente a frente
já bastam pra construir uma história

mais que esse tempo que nos fez presentes


é quão intenso pulsa o coração
pra não deixar-te sair da memória

62
poesia adolescente

HORIZONTE Nº 5

Uma estradinha sinuosa e lamacenta


e, um a um, indo-se os meus amores.
O céu em transe, meus cabelos empapados
e a pele fria e os olhos vitrificados e o rosto sereno...
A alma paciente a mirar a opaca estradinha:
à espera de um sol
à espera de um canto de passarinho
à espera de quem logo voltaria

63
Milton Giaretta

O FOGO E O MEDO

quando estes olhos novamente em mim


se converterem em felicidade
o preço dos momentos de saudade
será a loucura o fogo o amor enfim

se de um momento todo esse desejo


se de um olhar toda a selvageria
um novo rosto que eu agora vejo
quebrando espelhos de melancolia

é uma coragem que sempre se esconde


e só contempla teus olhos de longe
como se olhares pudesse tocar

acariciar beijar morder sangrar


mas para olhares a vontade cega
(o corpo é chama e a alma é entrega)

64
poesia adolescente

ODE

Te deixo num canto,


meu coração,
para ouvir-te sem sentir-te,
para ouvir-te sem seguir-te,
para ouvir-te, somente.
Te deixo num canto,
meu amor.
Um canto sereno.
Um canto pequeno.
Um canto, somente.

65
Milton Giaretta

OFERECIMENTO

E o meu coração será mesmo só teu...


O tempo passará, o mundo mudará
-e estão dizendo que mudará muito!-
mas meu coração será unicamente teu...

Vou mudar de casa, de profissão,


de paladar, talvez...
mas meu coração será sempre teu...

Vamos amadurecer
e conhecer a doçura definitiva da vida.
E vamos andar por caminhos distantes
e pitorescos...
mas meu coração permanecerá teu...

O sol nascerá muitas vezes,


a chuva molhará a terra,
as folhas brotarão a cada primavera.

E, ao avistarmos o poente da nossa vida,


olharemos para trás e veremos quanta coisa mudou!
E meu coração, imutável, continuará teu...
até que o sol se ponha para meus olhos.

66
poesia adolescente

OFERENDA

Só em teus olhos eu me sinto livre:


Um pássaro em teus sóis, em tuas cores.
Um vento provocando tua pele.
A água em tuas montanhas, em tuas flores.

E a gosto dessa insana liberdade


Sob as mortalhas desse firmamento,
Sob os teus pés, sob a tua vontade,
Eu todo a ti em oferecimento

Amor, não legue-me as sombras das casas,


As luzes pálidas dos edifícios,
E a infinitude dessas avenidas.

Deixe-me a liberdade de teus olhos


Envolta nas paredes de teu quarto
E livre dou-te toda minha vida.

67
Milton Giaretta

PONTO FINAL

apenas 30 minutos...
e um êxtase querendo ser mais que uma sensação...
e um olhar querendo ser mais que uma visão...
e um desejo querendo materializar-se...

tudo decide-se agora, ou o tempo não mais permitirá


25 minutos apenas...

este ambiente fez de tudo pra que nos calássemos


mas esgotam-se as possibilidades
e não seremos mais que passos na calçada
daqui a 20 minutos...

corpos perambulantes
entre a multidão vestida de cinza
mas um céu todo colorido ainda nos permite
que sejamos espíritos vagabundos em nuvens de confete

15 intolerantes minutos
os carros passam na emergência da rua
e tua calada presença à procura de uma insegurança
para ter por que arriscar-se

68
poesia adolescente

10 minutos
vulcões e tempestades a acariciar minha alma
é torturante olhar em teus olhos
e sentir a angústia da espera
e sentir o peso da decisão
e sentir o medo da certeza

em apenas 5 minutos
o que não houve em infindáveis e insuficientes dias:
em alguns minutos...
em apenas um momento...

e um céu sereno sobre nossas cabeças

69
Milton Giaretta

PRESENÇA

Segure minhas mãos!


Houve um dia em que meus olhos te sentiram perto,
muito perto...
E minha pele tornou-se fria, precisando de calor...
E meu coração tornou-se inquieto, precisando de afago...
E minha alma tornou-se só.

Houve um - e somente um - dia.


E em outros me procurei
e me encontrei vagando
por entre as fileiras incontáveis das almas enamoradas.
Só. Sempre só.

Agora meus olhos te sentem perto...


novamente, muito perto.

Segura minhas mãos!


Acolhe minha alma!
Afaga meu coração!
e me acalma!

70
poesia adolescente

PULSO

No silêncio se esconde este desejo,


e de um medo maduro cobrem-se estes ímpetos...
És presença: terra, fruto, pão, luz!
És sonho...
És veneração...

Estas noites quando de mim te apossas


são cenas curtas de êxtase. Pulsações em delírio.
E medos... medos silenciosos...

porque és terra, donde brota vida e ternura...


porque és fruto: perfume e néctar...
porque és pão, alento dos olhos, calor da alma.
e, porque por tudo isso, és luz!

E este meu desejo, escondido no medo e no silêncio...

71
Milton Giaretta

QUANDO MEUS OLHOS REPOUSARAM SOBRE OS TEUS

Quando meus olhos repousaram sobre os teus,


houve luz
e confusão.
Ao delírio deixou-se a alma
e aos medos, o coração.
Renderam-se ao frio, as mãos;
o suor brotou da palma;
do pulso perdeu-se a calma;
e dos pés perdeu-se o chão.

Quando meus olhos repousaram sobre os teus,


houve calor
e ansiedade.
De perguntas tomou-se a certeza;
de dúvidas, a verdade.
A loucura e a sanidade
sentaram-se à mesma mesa.
Nem êxtase, nem fraqueza,
nem choro, nem liberdade.

Quando teus olhos repousaram sobre os meus


houve silêncio,
somente.
Não sei se um vento soprou
ou se as nuvens trovejaram.
Não vi se era noite ou dia;
não senti calor, nem frio.
Nem música, nem aromas.
Só teus olhos, só teus olhos...
72
poesia adolescente

QUINTA-FEIRA

uma visita breve e silenciosa


uma presença trazendo inquietude
uma moral e nenhuma atitude
um medo pálido e uma dor ansiosa

um pulsar sufocado neste peito


uma conduta uma pedagogia
um gesto incerto e um olhar sem jeito
tons opacos da minha covardia

vens com a chuva e com ela te vais


deixas apenas perfumes discretos
pairando na manhã de primavera

olhos perdidos coração inquieto


mas revestido de profunda paz
a paz dos dias serenos da espera

73
Milton Giaretta

RESSURREIÇÃO

E as gotas caíram como bênçãos...


Os cabelos molhados, os olhos em transe
e o corpo girando, girando, girando...

Teu corpo e a chuva e meu corpo flutuante...


é esta a terra que nos absorve, nos decompõe e nos faz
um!
Um novo e único coração.

Nossa nova e única alma,


girando, girando, girando...
braços abertos, olhos fechados ao céu,
sob as gotas, sob as bênçãos,
sob a terra, sob o êxtase, a entrega, o amor,
girando, aleluia, girando, girando, girando, aleluia...

74
poesia adolescente

SE FOR ME AMAR...

Se for me amar, me ame com desejo.


Mas, antes,
me ame com ternura, com carinho, com doçura...
Me ame com verdade, me ame com respeito.
Ame meus olhos antes de amar minha pele;
e ame minhas palavras antes de amar minha boca.
Se for me amar, ame meus gestos,
ame meus hábitos, ame minha voz.
Ame meu silêncio.
Ame minha simplicidade.

Se for me amar, ame minha alma...

E se assim me amares,
amarás meu jeito de te amar.

75
Milton Giaretta

SERESTA Nº 1

Dorme a cidade, pequena demais para estes desvarios.


Desta vez não desperdiçaremos um luar tão belo,
e faremos da madrugada um momento sublime:
perfumes e brisas sobre nosso beijo...

A cidade, pequena demais, não entenderia


nossos gestos, nossos olhares, nossas palavras.
Não conceberia que somos uma só alma
ao nos tocarmos, ao nos mirarmos,
e por isso dorme...

Acalenta o sono destes edifícios


com tuas palavras em meu ouvido.
Embala o silêncio destas ruas
com teu abraço ofegante.
Toca a calma da escuridão
com teus olhos claros de desejo.

E quando a cidade despertar para um novo sol


seremos, à vista destes arranha-céus,
dois pontos brilhantes.
Dois pontos muito brilhantes
em meio ao colorido desbotado da multidão...

76
poesia adolescente

SERESTA Nº 2

Teu sorriso na janela:


esta noite mais doce... mais enluarada de encantos...
Temi por meu amor todo
que, ao descer a ladeira, não te encontrasse
debruçada na janela.
Mas os lampiões da rua denunciaram este teu sorriso.
Muito mais: trouxeram-me a alegria
a saltitar, gelada e apressada, no peito aflito.

Teu sorriso na janela e só pra ti o meu olhar...


Teu sorriso emoldurado e o amor emoldurado
ficam muito mais bonitos desenhados de luar...

77
Milton Giaretta

SIMÉTRICA

ver teu rosto arquitetonicamente


luz cor textura forma e dimensão
desconhecido belo e intocável
venustas em uma só proporção

pensar teus olhos tua voz teus segredos


delicadezas e disposições
escalas ângulos e projeções
minha loucura meus sonhos meus medos

tuas delicadas linhas transcendem


àquilo que o mundo vive e concebe
ao que é moderno ao clássico ao clean

e das virtuais e longínquas vitrines


meus olhos e meus desejos se escondem
porque já não se pode amar assim

78
poesia adolescente

SONETO ADOLESCENTE

Deixa-me contemplar-te todo dia


e todo dia em teus olhos viver.
E todo dia em teus olhos morrer,
pra renascer de você, todo dia.

E se saudades sinto a toda hora


e toda hora busco teu retrato,
é porque a toda hora me maltrato
e me refaço em você, toda hora.

Porque penso em você cada minuto.


E essa lembrança resume meu mundo
e me faz te adorar cada minuto.

Como não te adorar cada segundo,


se é só meu coração a quem escuto,
e pulsa por você cada segundo?

79
Milton Giaretta

SONETO VIRTUAL

Agora um frio que me põe mais distante


E uma lembrança de olhos azuis
Doce perfume e uma aura de luz
Visível só aos corações amantes

Agora o som trêmulo dos teclados


E a tua voz só na imaginação
O teu sorriso uma suposição
Deste meu coração apaixonado

Agora a noite serena e gelada


E o calor virtual de tuas mãos
Tomando minhas mãos de indecisão

Agora um tiritar de pulsação


Me abandonando pela madrugada
Com um doce beijo em letras decoradas

80
poesia adolescente

TATO

Detive-me de tocar teu rosto.


Já fazia-se sentir nas costas de minha mão direita:
um pêssego ao sol do verão mais intenso.
Mas, radiante de meninice,
muito me ensinas com teus olhos!

E desejei apenas que me fitasses.


Por um egoísmo tolo detive-me de tocar teu rosto.
Muito me ensinas com teus olhos,
mas tenho frio...

81
Milton Giaretta

TEMPO E FÉ

naquela mesma terra em que pisavas


e perfumavas o estreito caminho
quedou-se um dia um coração sozinho
que em ânsias de teus olhos esperava

muitos luares e muitas auroras


mas de tanto esperar tornou-se pedra
fossilizado amor que não se quebra
não se consome não se deteriora

naquela rubra terra em que pisavas


abandonado à margem do caminho
um mesmo coração petrificado

espera o som de teus cordatos passos


e assim espera por saber que o tempo
é sábio e tem nosso encontro marcado

82
poesia adolescente

ASSIM

Estar feliz não tem preço.


Nem se pode pensar felicidade assim:
algo que se mensura monetariamente.
Então, estar feliz é elevar-se, é transcender
do que é meramente complicado.

Não se pode encontrar felicidade


sem antes alcançar simplicidade.

85
Milton Giaretta

CALLE

Prefiro as noites.
Os dias revelam mentiras por detrás das maquiagens;
as noites escondem verdades por detrás dos muros;
e ninguém quer viver na absoluta realidade...

86
poesia adolescente

CAMINHAR...

Caminhar, caminhar,
que de passos se faz a vida.
Caminhos se cruzam e, depois, se distanciam.
Se acham. Se perdem.
Caminhos se constroem,
se legam
ou simplesmente se percorrem.
Caminha, caminha!
Olha para frente!
Deixa rastros!
Faz bondades!
Que de passos se faz a vida
e de gestos se faz o mundo!

87
Milton Giaretta

CAMPO

minha pequena flor chapéu dourado


do ouro dos vimeiros dos trigais
toca meus dedos caminha a meu lado
toma meus sonhos os faça reais

pequenina candura: aroma e cor


torna uma aventura meus parcos dias
imprevisível como eu não previa
inesperado como se esperou

aqui firma teus duradouros passos


teus dedos move delicadamente
deixa o vento as sementes espalhar

que a impaciência pelo teu abraço


fez meu corpo terra fértil carente
pra tua presença poder germinar

88
poesia adolescente

CARPE DIEM

E a vida ainda nos reserva dores.


Mas sempre é tempo de formar jardins,
podar roseiras, cultivar jasmins...
E haverá tempo de colher as flores...

E a vida ainda nos trará saudades.


Por isso é tempo de intensos momentos,
de experimentar novos sentimentos.
É tempo de buscar felicidade!

E a vida ainda nos dará poesia,


nos reconduzirá por suas entranhas,
nos fará passageiros da Memória...

Por isso é hora de lúcidas luas


na escuridão das silenciosas ruas,
que a vida ainda nos fará história.

89
Milton Giaretta

EFÊMERO

A vida, assim como os misteriosos plátanos,


tem outonos...
E às vezes é preciso deixar as velhas coisas,
os velhos hábitos, as velhas roupas.
É preciso despir-se de tudo aquilo que nos deixa marcas
de passado.
Jogar fora as folhas amareladas pelo tempo
e preparar-se para o rigor de um purificante inverno.
É preciso permitir-se sofrer e enfrentar as manhãs geladas,
e é preciso experimentar as noites longas...
e os intolerantes ventos do sul.

A vida tem outonos.


São tempos em que, aos prenúncios de dias cinzentos,
nos sentimos mais carentes, mais desprotegidos.
Ansiosos pelas folhas novas da primavera,
nos tornamos mais vulneráveis e sensíveis.
Mas são também,
os dias em que provamos a nós mesmos
o quanto somos fortes.

90
poesia adolescente

FALANDO SÉRIO

Gostaria de viver eternamente:


não simpatizo muito com a ideia da morte.

Mas, sei o que sou


e o que não Sou!

Então
quero morrer de rir!
Um riso estraçalhante
que rompa minhas artérias e dilacere meus músculos
e que, no meu último suspiro, me faça sereno

porque tudo valeu a pena.

91
Milton Giaretta

Acreditemos na vida,
mas na vida que se vive...
Não na vida que se resume ao tempo.
Acreditemos na vida que se constrói
como se constrói a própria casa.
E vivamos
como se fizéssemos, a cada dia, um auto-retrato...
...em mosaico...

92
poesia adolescente

FELICIDADE

Felicidade é tudo o que a gente quer


agora, amanhã e depois...
Urgente e duradoura.

Felicidade é o que se busca pelo esforço nas empreitadas


diárias,
é o que faz valerem a pena as lágrimas e as cicatrizes.
É aquilo que, às vezes, vivemos sem mesmo saber,
e só muito tempo depois é que reconhecemos: “Como fui
feliz!”

Ser feliz é não ter uma razão, é simplesmente sentir-se.


É partilhar. É doar-se. É exercitar bondade, sempre e
incondicionalmente!
É vencer pelo próprio esforço, e esforçar-se para si e para
o outro.

Ser feliz é saber que felicidade não é só o riso;


é, às vezes, a dor;
é o coração apertado;
é a ansiedade, a mão trêmula.

Ser feliz é cultivar uma imensa saudade.


Porque saudade não existe sem felicidade.
Saudade, a gente só sente porque foi feliz.
E porque é feliz!

93
Milton Giaretta

HORIZONTE

Agora um sol reconhece teu dia.


Antes a escuridão – densa, impiedosa – te acorrentava:
assim te libertou das tolas púrpuras que te encobriam,
que ofuscavam teus olhos, que reprimiam tua alma,
que sufocavam tua loucura...

Agora, radiante de rebeldia, podes experimentar uma


liberdade quase real (porque jamais somos de todo livres).
Podes mostrar teu belo rosto sem maquiagens;
podes sorrir sem medo do ridículo;
podes calar-te sem medo do silêncio.

Buscar novos destinos,


traçar um novo caminho para o velho destino,
andar sem rumo...

Tudo é melhor que parar!

94
poesia adolescente

HORIZONTE Nº 2

Que possamos continuar sonhando.


E que nem todos os nossos sonhos se realizem.
Alguns precisam resistir e continuar a ser sonhos,
pra que tenhamos sempre algo que buscar.
Pra que tenhamos sempre um horizonte,
incógnito, incerto, desejável...
Um horizonte distante o suficiente
para alimentar em nós o desejo de caminhar.
O desejo de caminhar muitos e muitos passos...

Que alguns de nossos sonhos se percam pelo caminho!


Para que nos surja a ideia de substituí-los,
e para que possamos pensar na efemeridade
das coisas, da vida, e dos próprios sonhos.

Que tenhamos sonhos possíveis


e sonhos irrealizáveis.
E que assim possamos experimentar
o sucesso e o sofrimento na medida certa.

Que eles sejam honestos com nosso coração.


Que eles sejam, realmente,
os nossos sonhos...

95
Milton Giaretta

HORIZONTE Nº 6

O mundo se resolve em seu olhar!


E não há mais nada:
nem guerra, nem grilhão,
nem grito de dor,
nem garra de opressão.
Seu olhar é paz!
Amor, respeito, compaixão...
Um mundo melhor?
São seus olhos, meu irmão!

96
poesia adolescente

MARÉ
(a Clenio Bolson)

Horizontes são lugares irreais onde vivem somente


espíritos loucos e mentirosos.
São horizontes estes templos escuros e frios
que procuram os visionários cegos,
os andarilhos sem memória e os feiticeiros sem aprendiz.
Lá não há guarida, não há do que beber...
Não há sombra, não há luz.
Horizontes não guardam segredos.
Horizontes não contam segredos.
Não ensinam, não esperam.
Não amanhecem, não anoitecem...

Para horizontes não há caminhos.


Porque horizontes são estradas que mudam de direção
de acordo com os olhos de cada caminhante

97
Milton Giaretta

MATINAL

E se tornar-se difícil o caminho,


se nossas forças forem-se perdendo,
e se as lições se forem esquecendo,
e se os passos sentirem-se sozinhos...

Se de águas turvas tomarem-se os rios,


de turbulentas tormentas o céu,
e se os sabores tornarem-se fel,
e se os amores tornarem-se frios...

haverá noites pra que o sol descanse


e um silêncio brotando do horizonte
e uma chuva pra se purificar.

haverá um novo arrebol se fazendo


e uma aquarela plena de motivos
para um novo caminho desenhar.

98
poesia adolescente

MENINICE

Às margens de um sonho qualquer


(um sonho grave, vestido num terno negro),
que se esqueceu de que sou um menino,
e se esqueceu de também ser menino,
repousam,
à sombra rala de um salso chorão,
dois pés empoeirados.

A poesia vai dormir.


E vai acordar à luz do sol poente.
E o entardecer da vida são auroras intermináveis
de cores, de aromas, sabores, lembranças...

É preciso acordar e viver.

99
Milton Giaretta

ORAÇÃO DA NOITE

Hoje, qualquer céu me faria sorrir,


e qualquer sonho me faria lutar até o final de minhas
forças.
Por simples que fosse, qualquer promessa faria com que
eu me doasse inteiro.
E qualquer madrugada me faria sereno.
Com qualquer sorriso eu ganharia o dia;
com qualquer música eu me apaixonaria.

Hoje, quaisquer olhos me inspirariam


e qualquer palavra me daria motivos.

Hoje, do jeito que fosse eu te faria feliz.

100
poesia adolescente

ORIGINAIS

Somos todos tão iguais!


E tão sábios quanto os nossos aprendizes.
E tão tolos quanto nossos mestres.
Todos somos azuis ou amarelos,
vermelhos ou verdes...
Todos: negros e brancos!

Somos todos
tão corruptos e tão inocentes
e tão belos e tão eloquentes
quanto qualquer que ande nas ruas
ou apareça na televisão.

Tão vazios quanto qualquer adulto.


Tão cultos quanto qualquer andarilho.
Tão corretos quanto nossos inimigos
e tão experientes quanto nossos netos.

Somos todos tão iguais


quanto nossas digitais.

101
Milton Giaretta

PRESENTEIE-SE

Se a vida é corrida e atarefada, se dê de presente um


pouco de tempo. Tempo com as pessoas que lhe fazem
sentir-se bem, com seu animal de estimação, com sua
música preferida, com o silêncio, consigo... Porque tempo
não é dinheiro. Tempo é oportunidade para ser feliz.

Se os projetos estão difíceis de realizar, presenteie-se com


sonhos. Porque cada sonho é um novo projeto: uma nova
opção para transformar-se em realidade.

Se um amor te faz sofrer, regale-se com um bom rock’n


roll, uma coca-cola gelada, uma roupa nova ou uma
tarde com os amigos. Amores existem pra nos fazer bem.
Quando não fazem, é hora de serem momentaneamente
preteridos, pra que possam, quando for o caso, retornar
mais tarde. Coloridos e saudáveis...

Se o mundo anda meio sem jeito, se as notícias são de


guerras, mortes, roubos, violência enfim, presenteie-
se com atitude. O mundo muda para melhor a cada
gesto de bondade que fazemos. Gestos que fazem o
metro quadrado à nossa volta ser um lugar melhor. Não
podemos desistir de fazer bondades, mesmo que pareçam
pequenas. Os mares não existiriam sem as pequenas
gotas.

Presenteie-se!

102
poesia adolescente

PROFECIA

É preciso acordar cedo e pôr-se a caminho.


É preciso andar sem receios, sem medo,
apreciar o dia se anunciando no horizonte.
E é preciso cuidado,
porque a luz que te ilumina o caminho
é a mesma que te ofusca os olhos.

103
Milton Giaretta

PÚLPITO

Hoje lançaste um olhar para o mundo


com certa dor, com certa nostalgia,
e reparaste traços da agonia
no rosto do planeta moribundo.

Notaste um homem grave e ocupado


na construção de templos e castelos.
Criando leis, doutrinas e tratados.
Sem tempo para assuntos tão singelos

como bondade e generosidade.


E o que fizeste diante do que viste:
um bom discurso cheio de vaidade?

Fazer por si é o mesmo que fazer nada,


porque só pode haver felicidade
onde ela possa ser compartilhada.

104
poesia adolescente

REFÚGIO

Esses dias que passaram por nós, frios e ensolarados:


a própria face do encantamento maduro de minha alma
apaixonada...
Tola, mas apaixonada!

Esses dias batem insistentes à minha porta,


sabendo que daqui resisto a levantar-me.
Meu quintal tem um céu que me dá sol e chuva,
...me dá vida!
Mas batem à minha porta sabendo que meu quintal anda
meio desbotado,
e sente falta das cores do encantamento adolescente de
minha alma apaixonada.
Tola, mas apaixonada!

105
Milton Giaretta

SEMENTES

Qual é a tua missão?


Quais são os teus sonhos?
E tuas razões, teus motivos, tuas lutas?
Como é tua cidade?
E o teu bairro, e a tua casa?
E o teu jardim, como é?

Tudo é tão efêmero:


as coisas, os sentimentos, a vida...
Mas não se pode desistir.
Porque existe a dor, o desespero, o medo...
Existe a ignorância, a prepotência, a moral...
E existem os obstáculos, o cansaço, as limitações...

...mas há os que dão sua vida para salvar as flores.


E, com seu sangue,
garantem a existência de inúmeros novos jardins.

106
poesia adolescente

SERENO

Vago só
E sou mais um, como os edifícios
Velando o sono dessas ruas...
E só, construo minhas esperanças das trevas.

Sempre há manhãs, mesmo que despidas de sol.

Então este meu vagar em calçadas e jardins,


entre praças e vitrines
desconhece solidões e escuridões:
este meu vagar é livre.

107
Milton Giaretta

SIMPLES

Te amo!

E, como não encontrei melodias,


nem gestos,
nem flores, nem cores...
Como não consegui silêncio tão profundo,
verbalizo:
Te amo!

Existem amores discretos, exibicionistas,


delicados, enigmáticos ou sutis.
Amores telepáticos. Amores virtuais.

Te amo!
com meu amor tímido...
com meu amor simples...

108
poesia adolescente

TRINCHEIRAS

Para ser forte é preciso ser bom.

Os fracos necessitam de armas, de ofensas,


de mentiras, de arrogância, de egoísmo,
de grosseria, de violência.

Já os fortes, necessitam apenas de bondade.

109
Milton Giaretta

UMA HISTORINHA

Ele se chamava Cometa.


Não era tão brilhante quanto muitos conhecidos corpos
celestes, mas não costumava passar pelos céus sem que o
notassem.
Um dia, conheceu a beleza definitiva. E ela se chamava
Lua.
E conheceu que Lua não era somente absurda beleza, mas
inacreditável candura, indescritível alma, essência e
simplicidade.
As fagulhas tímidas de Cometa passaram a ter razões. E,
tendo razões,
tornaram-se rastro de luz que, por onde passava,
descrevia sempre
uma parábola na forma de um sorriso.

A cumplicidade que se construiu foi algo que inspirou os céus.

Tornaram-se confidentes de uma forma natural, como


é típico das amizades estabelecidas na confiança e no
respeito.

Cometa às vezes se esquecia de sua origem simples e


queria ter atitudes de estrela. Mas Lua tratava logo de
chamá-lo a recolocar-se em sua rota. Por sua vez Lua, que
era sempre muito centrada, às vezes deixava cobrir-se de
sombras que escondiam seu rosto radiante e belo. Mas
Cometa escrevia com seu rastro umas bobagens no céu
para que ela voltasse a sorrir.
110
poesia adolescente

Os meteoros – que têm esse nome porque gostam de se


meter na vida
dos outros corpos da galáxia – dizem por aí que Cometa e
Lua já não se
veem com tanta frequência, mas que continuam amigos
como sempre.
Dizem que Cometa ajustou a sua rota e, de acordo com
ela, tem contatos esporádicos com Lua. E, dizem ainda,
após esses contatos pode-se notar o céu mais claro.

São os rastros de Cometa; é Lua, cheia de luz.

111

Você também pode gostar