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A (falta de) Leitura na Formação de Profissionais

Heloisa GP. Nogueira

Quero agradecer o gentil convite de Eliana Yunes para participar do Simpósio Internacional
de Leitura e enaltecer a importância de haver reunido, aqui, pessoas de diferentes
formações e áreas. Se o tema central deste Encontro diz respeito à questão da formação de
um leitor no sentido da capacitação para a vida pessoal e profissional, proponho que nossas
falas constituam as bases para a construção de um entendimento transdisciplinar da vida;
que incorpore, ao conhecimento produzido pela Academia, a experiência do saber fazer.

Todas as universidades estão passando por profundas transformações pressionadas pelas


novas realidades dos ambientes interno e externo, seus produtos e serviços, clientes, preços
e concorrências. No espaço próprio da Gestão de Negócios, expressão que sintetiza na
atualidade os múltiplos conhecimentos e fazeres do antigo Administrador de Empresas, um
novo cenário se delineia ao exigir um profissional capaz, não apenas de gerenciar
processos, mas sobretudo de empreender mudanças e construir negócios na perspectiva de
um mundo globalizado porém com foco na ação local.

O natural caráter eclético da formação dos administradores aliado, na atualidade, à


implementação de ferramentas tecnológicas globais nos conduz a um reposicionamento
profundo sobre os lugares e mercados disponíveis para tais profissionais. O advento do
comércio eletrônico e das comunicações virtuais abala as tradicionais noções de espaço e
tempo. As trocas comerciais não exigem mais ambientes físicos concretos para se
realizarem. Além disso, o mercado se expande de forma exponencial, abrigando desde as
tradicionais instituições privadas e públicas a formas originais de organização elaboradas
pela sociedade civil tais como Ong's, cooperativas, etc.

Do lado acadêmico, embrionariamente incentivam-se alianças e abordagens inter, multi e


transdisciplinares que direcionam cada vez mais para uma formação holística e integrada do
saber humano. O escopo teórico da administração amplia seu raio de atuação além dos
limites da graduação e da pós-graduação tradicionais para ajudar a formular propostas e
projetos em cursos de curta duração - de seqüenciais a projetos de pós-graduação, como
MBA's - numa proposta ainda imprecisa e até certo ponto temerária- mas que responde
concretamente a uma demanda de formação reprimida.

Porém do lado do aluno, será este o universo mental e psicológico com o qual mais
freqüentemente nos deparamos nas salas de aula? Às vezes parece-me que o aluno faz um
esforço ‘enorme' para “não aprender”! Uma postura defensiva parece desenvolver-se nele,
paulatina e progressivamente, que o faz manter o corpo presente enquanto o espírito e a
mente vagueiam, letárgicos. De fato, tantos anos de ensino de base positivista incutiram
nele uma defensividade latente quanto às matérias, ao conteúdo das disciplinas, como se
aquilo tudo fosse absolutamente dispensável para si, mera formalidade, como se o mundo
real – o seu mundo, com suas relações, seus problemas, seus pequenos sucessos, suas
fantasias – constituísse um espaço separado, alheio e independente. O processo de aprender,
de conhecer e de flexionar a mente buscando sempre novas respostas, nestas condições,
torna-se gravemente prejudicado, pois se não houver o querer, não haverá sobre o quê
querer.

De outra parte, ainda um grande número de professores insistem, até porque não sabem
e/ou não conhecem ou confiam em outros caminhos, numa prática pedagógica que se
concentra o mais das vezes na transmissão pura e simples de conhecimentos e informações,
desvalorizando o potencial contido nas incipientes intervenções “pessoais” dos poucos
alunos que se dispõem a falar.

“Ouvir” o que aluno tem a dizer é o início do cultivo da escuta do outro. Porque é a sua fala
que importa. É ele quem vai moldar, ou não, o formato e o conteúdo de seu crescimento.
Por isso, não importa até mesmo sobre o quê fale. Importa que se expresse e se comunique,
que encontre, na relação conosco, o espaço para a troca sem cobrança, o espaço que
constrói a confiança, que estrutura a intimidade. É por este caminho que se tecem
sentimentos de respeito mútuos, de tolerância, de valor por si e pelo outro. É por este
caminho que se forjam profissionais e cidadãos éticos e responsáveis.

Não temos porque temer nossos alunos ou desprezá-los porque, parece-nos, eles nada
sabem ou nada querem. O aluno não está ali por causa de um amanhã; ele não é um recurso,
um elo na linha de montagem que o transformará em um profissional útil e produtivo. Na
verdade, muitas das vezes ele nem tem muita idéia do que faz ali. Ele apenas “está “ ali!
Em vez de tentar convencê-lo de uma verdade que ele não quer e na qual não acredita ou
pensa, porque não estabelecer as bases de uma mútua confiança, porque não compartilhar
pensamentos, sentimentos, experiências! Não é que o conteúdo das disciplinas seja
relegado a um segundo plano. Mas se não houver engajamento pessoal, por mais que o
assunto seja interessante e importante, o resultado em sua formação tenderá a ser nulo e
vão.

Nós, professores, desfrutamos de um "lugar" especial para concretizar trocas: somos


facilitadores, agentes de mudança, animadores culturais que apontam para os portais do
conhecimento. Como simples pessoas, enquanto professores e profissionais, temos muito a
trocar: conhecimentos e experiências, de vida e de profissão. Os elos que se tecem no
decorrer destas trocas constróem relações mais confiantes e duradouras. A tendência é de o
aluno abrir-se mais e mais com o tempo, tornar-se menos defensivo, provavelmente mais
auto-confiante, quem sabe mais responsável, interessado e comprometido.

É natural que ocorra, mas não obrigatório. É natural que ocorra porque o aprender só
acontece quando há prazer; e se é bom, gera disciplina, organização e vontade de aprender
mais. Por isso, para que o aluno compareça inteiro às aulas – em corpo e espírito - é preciso
reinstalar antes, nas universidades, o prazer pelo aprender.

Na verdade, a formação do “leitor” é assim: começa no momento em que a vida se


manifesta: na paixão pela descoberta, no aprender a conviver, no aprender a falar, no
aprender a fazer, a ler, a trocar, a brincar, a ser. Dentro e fora da escola. A vida toda.
Manter o “brilho” nos olhos apesar das dificuldades econômicas e sociais que enfrentamos
não é tarefa fácil. Compreender que a qualidade do futuro profissional depende em boa
parte de nós e de nosso esforço; que há trabalho e não emprego, são afirmações que temos
dificuldade, senão em compreender, pelo menos em incorporar como atitude. O mundo à
nossa volta é hostil. Há fome e desemprego. As diferenças sociais e econômicas
permanecem gritantes. O processo de globalização nos países latino-americanos faz
acentuar ainda mais as desigualdades e restringe drasticamente as oportunidades de
ascensão econômica e social.

Construir ambientes afetivos é condição para a construção do “leitor”, não finalidade. Nos
tempos em que vivemos, a conquista de um terceiro grau corresponde, para o mercado, à
mera alfabetização. Assim como nossos jovens se arriscam a permanecer no analfabetismo
funcional, se mal preparados, o mesmo pode acontecer se permanecem ignorantes em
relação à informática.

Hoje, mais do que nunca, percebemos com clareza crescente que o conhecimento constitui
o eixo estruturante do desempenho de sociedades, regiões e organizações. O conhecimento
das organizações sobre si mesmo é seu ativo mais importante. O "leitor capacitado" pode
transformar seus mais profundos conhecimentos teóricos em resultados práticos, sua
titulação mais elevada em soluções que melhorem a sua vida e a de outros, seja a vida
pessoal quanto a organizacional. É para isto que serve o conhecimento. Em outras palavras:
deve ser gestor de seu próprio conhecimento, empreendedor de novos processos, capaz de
superar-se a cada dia.

Num ambiente de consumo em que tudo pode ser comprado, em que todo o conforto pode
existir, talvez vivamos o paradoxo mais radical: a própria tecnologia nos obrigue a crescer
como humanos.

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