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Para Cynira,

Carlos
e Sérgio
Sumário

Apresentação à segunda edição


Prefácio — Alegria libertária, Heloisa Maria Murgel Starling
Introdução

PRIMEIRA PARTE: A FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA: DETERMINAÇÕES


ESTRUTURAIS

SEGUNDA PARTE: A CLASSE OPERÁRIA E SEU MOVIMENTO (1890-1917)


1. Correntes organizatórias e seu campo de incidência
2. O trabalhador urbano
3. A dinâmica do movimento operário

TERCEIRA PARTE: A CONJUNTURA (1917-20)


4. As grandes linhas
5. Política e sindicato
6. Duas mobilizações
7. Assimilação e repressão

Epílogo

Notas
Fontes citadas
Apêndice
Apresentação à segunda edição

Quando este livro foi escrito, há quase quarenta anos, a sociologia do


trabalho e a história da classe operária davam seus primeiros passos em
nosso país. Para muitos, o tema era irrelevante, em comparação com a
temática tradicional: que sentido teria tentar reconstituir vidas,
organizações, lutas de gente de classe baixa cujo lugar na história, a rigor,
não existia?
Um ponto de partida importante para a alteração desse quadro foi o
surgimento do Centro de Estudos de Sociologia Industrial e do Trabalho
(Cesit), na antiga Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH), do qual participaram, entre outros, Fernando Henrique Cardoso,
Lourdes Sola e Leôncio Martins Rodrigues. Leôncio fez uma incursão
histórica pioneira, ao dedicar dois capítulos de seu livro Conflito industrial
e sindicalismo no Brasil (1966), ao movimento operário nas primeiras
décadas do século XX e no período posterior a 1930. Ele contrariou, com
boas razões, a imagem de uma “idade de ouro”, gerada por antigos
militantes anarquistas, em que supostamente teriam predominado um forte
movimento operário e um sindicalismo independente que repudiava os
“krumiros” — os pelegos, em linguagem mais recente —, e recusava a
política de colaboração de classes e a mediação promovida pelo Estado.
A visão triunfalista do anarquismo era certamente ilusória, mas tinha o
mérito de desmentir a afirmação segundo a qual, antes de 1930, os
trabalhadores não passavam de desvalidos, inermes diante de uma
oligarquia insensível. Foi sobre essa base que o getulismo edificou o
carisma de um presidente generoso que supostamente doou aos
trabalhadores direitos sociais e a legalização dos sindicatos.
Curiosamente, foi nos primeiros anos da ditadura militar — quando as
lideranças operárias sofriam uma dura repressão — que muitos estudos se
voltaram para o tema dos trabalhadores urbanos. Havia mesmo quem se
perguntasse por que a “classe universal” não resistira ao golpe militar de
1964 — pergunta que hoje nos parece ingênua. Aliás, a multiplicação de
textos sobre o tema relacionou-se com duas conjunturas opostas: de um
lado, os anos de chumbo do regime militar; de outro, seu gradual
desmantelamento no processo de transição democrática, em que o
movimento operário ressurgiu à luz do dia.
Trabalho urbano e conflito social foi escrito nos anos de apogeu da
ditadura e originou-se das discussões travadas no que então se chamou de
“grupo da classe”, integrado no Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap). Além de mim, dele fizeram parte Francisco
Weffort, Regis de Castro Andrade e Fabio Munhoz. No recorte cronológico
que então fizemos, preferi ficar com a história da classe operária no período
anterior a 1930, por várias razões. Dentre elas, o fato de que, sem recusar a
validade da chamada história imediata, sempre tive atração por épocas mais
distantes, cujos ecos chegaram até nós. É o caso do anarquismo e dos
anarquistas com quem convivi quando eles já tinham ficado à margem do
movimento social. É o caso também das greves gerais de 1917-20, das
quais eu tinha apenas uma noção, graças à voz dos velhos anarquistas e das
referências de jornal.
É possível ainda que, diante das agruras de um duro presente, eu tenha
preferido me voltar para um passado atraente e pouco conhecido. Desse
modo, eu asseguraria um objetivo que sempre persegui: fazer da pesquisa e
da escrita uma atividade em que o prazer se sobrepõe à transpiração.
Se os sociólogos saíram na frente nos estudos sobre os trabalhadores
urbanos, antropólogos e historiadores vieram se juntar a eles. No caso dos
historiadores, o novo interesse tinha a ver com a inclinação a buscar novos
objetos além dos tradicionais, que vem caracterizando a historiografia nos
países do Ocidente.
Depois da partida inicial, ao longo de mais de dez anos, os textos
históricos se multiplicaram na academia até que a partir do início da década
de 1990, aproximadamente, a onda declinou em favor de outros temas. O
declínio teve a ver com o fato de que a sociedade de classes mesmo
morfologicamente imperfeita deu lugar a uma sociedade de assalariados,
em que os integrantes do setor de serviços passaram a ter uma crescente
visibilidade. Ao mesmo tempo, na esfera acadêmica, a busca de novos
objetos prosseguiu. O estudo da classe operária passou de arrojado a
“convencional”, cedendo terreno para a história da mulher, a história do
crime e da criminalidade, a história multifacetada do cotidiano etc., com
predominância de um enfoque micro-histórico.
Se é assim, por que reeditar este livro? Ouso dizer, em primeiro lugar,
que ele permaneceu, ao longo do tempo, como um dos poucos que tiveram
a preocupação de tratar o tema em seus diferentes aspectos, lidando com a
história da classe operária no período considerado, ou seja, uma análise
estrutural da classe, as formas de organização sindical e de partidos
embrionários, os movimentos reivindicatórios, as ideologias predominantes
e o esboço de uma cultura operária de inspiração anarquista.
Depois, porque a história dos trabalhadores urbanos anterior a 1930 é
expressiva não só em si mesma, como também por ser parte da explicação
dos anos que se seguiram ao movimento revolucionário de outubro daquele
ano. Exemplificando, a repercussão dos direitos sociais outorgados pelo
governo provisório chefiado por Getúlio Vargas e a expansão do
sindicalismo submetido ao Estado foram facilitadas pelo fato de que a ação
governamental se deu em terreno propício: os sindicatos eram frágeis e os
direitos alcançados pelos trabalhadores inconstantes e limitados a setores
estratégicos.
Um exemplo de traços históricos que ganharam nítida configuração a
partir dos anos posteriores à revolução de 1930 encontra-se nas diferenças
entre as massas populares — movimento operário aí incluído — de São
Paulo e do Rio de Janeiro, que no livro procurei ressaltar. Na capital da
República, desde o tempo dos jacobinos e de Floriano esteve no ar um
clima social e político com notas próprias. Floriano foi glorificado como a
quintessência do nacionalismo e tornou-se ao mesmo tempo ícone de
setores do movimento operário propensos à colaboração de classes, sob a
égide do Estado. Esses traços prenunciaram a implantação do regime
nacional populista encarnado em Getúlio Vargas, com maior irradiação do
que em São Paulo, chegando a anos relativamente recentes, pela via muito
popular do brizolismo.
Em outra chave, faço uma breve consideração da efêmera cultura
anarquista, expressa nas comemorações do Primeiro de Maio como dia de
luta, nos piqueniques de fins de semana, nos espetáculos teatrais
doutrinários etc.
A cultura anarquista, limitada a círculos restritos, não resistiu ao colapso
do movimento, que se desenhou a partir de 1920, provocado pela
inviabilidade de seus propósitos, pela expulsão de militantes estrangeiros,
pela atração de trabalhadores nacionais de outros estados para os centros
dinâmicos do Sudeste do país. Ainda assim, não seria justo encarar os
velhos anarquistas como peças de museu, como uma gente puritana que
condenava o Carnaval e fazia restrições aos bailes “imorais” e mesmo ao
futebol.
Há mais de um século, assediados por uma sociedade hostil, eles tiveram
o mérito de denunciar o fanatismo religioso, o sistema educativo, os abusos
sexuais atribuídos a membros do clero, a praga do alcoolismo, o horror das
carnificinas guerreiras, especialmente no curso da Primeira Guerra
Mundial.
Em contrapartida, entre outros pontos, defenderam a igualdade entre os
sexos, o controle da natalidade, a paz universal pregada por Kant, que
certamente não era anarquista.

BF
Prefácio
Alegria libertária
Heloisa Maria Murgel Starling

Trabalho urbano e conflito social, do historiador Boris Fausto, foi


publicado pela primeira vez em 1976. Não era o primeiro livro do autor.
Alguns anos antes, em 1970, a editora Brasiliense já havia lançado A
Revolução de 1930, a tese de doutorado que transformou o episódio de
encerramento da Primeira República em um acontecimento da
historiografia contemporânea brasileira: tanto pelo evento em si, que passou
a ser analisado daí por diante como o resultado da rebelião das oligarquias
dissidentes regionais contra o governo de Washington Luís, quanto pelas
consequências produzidas por esse evento nos anos seguintes, na economia,
na política, na sociedade e na cultura, e que transformaram radicalmente a
história do país.
Mas, de alguma maneira, o projeto de redação de Trabalho urbano e
conflito social estava conectado ao livro inaugural de Boris Fausto. Depois
de passada a limpo, a Revolução de 1930 havia se convertido numa
formidável mola propulsora para novas leituras sobre o Brasil republicano e
era até possível escolher o objeto de investigação, valorizando seu
ineditismo: voltar no tempo e investir no entendimento estratégico da
Primeira República ou avançar pelas décadas seguintes, entre 1940 e 1950,
para examinar os caminhos e os procedimentos da modernização do país. A
opção de Boris Fausto pela Primeira República possivelmente teve a ver
com a ordem prática das coisas: a produção existente sobre o período era
praticamente nenhuma. Fausto já havia feito uma revisão rigorosa sobre os
acontecimentos da década de 1920 e dispunha de material documental para
servir de base ao seu concurso de livre-docência na Universidade de São
Paulo (USP). O tema escolhido, porém — a história da formação da classe
trabalhadora e do movimento operário no Rio de Janeiro e em São Paulo,
entre 1880 e 1920 —, seguramente era fruto de uma opção política do autor.
Em 1976, nos anos difíceis do governo do general Geisel, escrever acerca
dos movimentos populares, em especial sobre a classe operária e suas
formas de organização e ação, significava adotar uma estratégia de
resistência e de enfrentamento oposicionista. Era uma forma de o autor se
inserir no longo e custoso processo de luta contra a ditadura militar — e
ajuda a entender o título anódino com que Boris Fausto tratou de proteger
do arbítrio a si próprio e ao seu livro. Contudo, investigar o passado
operário, em meados dos anos 1970, atraía um intelectual como Fausto
também por outra razão: ele queria investigar a história do país em busca de
uma explicação a respeito do comportamento da classe operária naquela
conjuntura sombria — e encontrar uma indicação de suas expectativas para
o futuro. Por que desconcertante razão essa classe não correspondia — ou
não parecia corresponder — a tudo o que as diferentes correntes do
pensamento marxista, praticamente hegemônico entre a intelectualidade
brasileira da década de 1970, entendiam ser suas qualidades características?
Por que ela não se comprometia de uma vez por todas com o papel que se
esperava ansiosamente dela: tornar-se a força de repulsão do capitalismo, a
promotora de uma iminente explosão social, o instrumento decisivo para
operar a derrubada da ditadura? O que tinha ocorrido?
Não se sabe se Boris Fausto encontrou resposta para todas as
inquietações que o atormentavam enquanto redigia seu livro, mas uma coisa
é certa: Trabalho urbano e conflito social anuncia até hoje novos caminhos
e possibilidades de análise para quem pretende entender a história das lutas
operárias e da classe trabalhadora no Brasil. Afinal, esse era, até então, um
assunto escassamente estudado. As poucas pesquisas existentes estavam
restritas ao caso de São Paulo e o livro de Fausto cruza essa linha em várias
direções. Seu eixo temático concentra-se no Rio de Janeiro e em São Paulo;
e o autor sugere a presença embrionária de núcleos de trabalhadores
urbanos em outras regiões do país, especialmente em algumas capitais do
Norte e do Nordeste. Além disso, a obra investiga um conjunto de
mudanças profundas que aconteceram no país e foram decisivas para o
desenvolvimento inicial da indústria durante os últimos anos do século XIX:
os processos de transformação da economia do café; o final derradeiro da
escravidão em 1888 e a urgente substituição da mão de obra por causa da
demanda cafeeira — tanto por deslocamentos migratórios internos quanto
pela vinda de imigrantes, principalmente europeus, ao Brasil —; a nova
dinâmica das cidades que cresciam aceleradamente gerando empregos,
sobretudo nos setores secundários e de serviços.
Mas Trabalho urbano e conflito social ainda tem muito enredo. Naquela
que talvez seja a parte mais original do livro, a aparição de uma classe
trabalhadora urbana e industrial no Brasil é acompanhada de perto pela
reconstituição de suas formas de organização e mobilização política, e pela
entrada intempestiva na cena pública do mundo do trabalho que se auto-
organiza. É bem verdade que a industrialização brasileira, iniciada por volta
de 1840, quando as novas fábricas demandaram cada vez mais mão de obra
operária — especialmente na construção civil e ferroviária —, disparou a
partir de 1880 e se beneficiou da modernização especialmente nas cidades
de São Paulo e Rio de Janeiro. Contudo, havia outro lado: a industrialização
era incipiente, e o cotidiano urbano vinha acompanhado de crises cíclicas
de carestia e aumento constante do custo de vida. O crescimento acelerado
de algumas capitais, com a entrada em massa de novos contingentes
populacionais, sobretudo imigrantes, multiplicou a pobreza, rebaixou as
condições de vida e escancarou a face socialmente excludente da República.
É nesse cenário que Boris Fausto reconstitui a história das lutas e da
mobilização dos trabalhadores — com suas dificuldades essenciais para se
organizar por meios próprios. São os primeiros trinta anos de uma luta
forjada na adversidade de seus personagens: as diversas maneiras como os
trabalhadores impuseram seu protagonismo na cena pública, defenderam a
legalidade de suas formas de representação sindical e política, reagiram às
péssimas condições de trabalho nas fábricas. São também os anos em que a
classe trabalhadora brasileira buscou desenvolver uma visão de mundo
característica, em um cenário excludente — além de sustentar um programa
de transformação sociocultural e produzir um esforço coletivo de
construção de autoimagem. Não por acaso, essa é a história das aventuras
que acompanharam a instalação definitiva da tradição anarquista entre nós,
a maneira como se aclimatou no ambiente político da Primeira República
foi decisiva na politização e na sociabilidade dos trabalhadores urbanos e,
muito depressa, ganhou peso e relevância entre eles, sobretudo através de
duas de suas vertentes: os anarcossindicalistas, que predominaram em São
Paulo e no Rio de Janeiro e apostavam nas associações como principal
espaço de atuação política; e os anarcocomunistas, que sempre foram
minoritários, ainda que fizessem barulho, e acreditavam na insurreição
como caminho de ação revolucionária.
Embora a existência de núcleos anarquistas e socialistas utópicos
remonte ao século XIX — a colônia Cecília, no Paraná; o Falanstério do
Sahi, em Santa Catarina; a comunidade livre do Erebango, no Rio Grande
do Sul —, a tradição anarquista só desembarcou de vez entre nós metida na
bagagem dos imigrantes espanhóis, portugueses e italianos — e reza a boa
prática revolucionária, um anarquista italiano, ao imigrar, transforma-se
invariavelmente num missionário dos ideais libertários. Trabalho urbano e
conflito social reconstrói assim (e também) a trajetória rica e agitada desse
desembarque e da rápida conversão do anarquismo na principal força de
organização dos trabalhadores urbanos durante a Primeira República. E, no
esforço de reconstruir essa história, Boris Fausto acabou por apontar um
terreno vastíssimo de pesquisa ao esmiuçar dois elementos decisivos para
caracterização da tradição anarquista. Um deles, as formas de mobilização e
os instrumentos de luta política sustentados pela ação direta: greve (geral ou
parcial), boicote, sabotagem, comícios, protestos, passeatas. O outro
aspecto: o modo como, durante a Primeira República, uma linguagem
libertária começou a ser falada no Brasil — não apenas no plano da
ordenação de ideias e constituição de vocabulário, mas também no âmbito
das práticas simbólicas e da imaginação.
Contudo, não é só o tema que é novo no livro; também o modo de tratá-
lo. A historiadora Ângela de Castro Gomes costuma dizer que o leitor de
Boris Fausto aprende história e historiografia ao mesmo tempo, e aqui não
se foge a essa regra. A pesquisa que sustenta Trabalho urbano e conflito
social faz uso de uma diversidade impressionante de documentos:
impressos, publicações oficiais, panfletos, jornais, pronunciamentos,
relatórios. Perspicaz, o autor recorre ainda a outro tipo de fonte: a narrativa
de testemunho, pouco utilizada por historiadores no contexto da época; e
acaba por prenunciar suas possibilidades de uso: o poder de atualização da
memória, a abertura ao presente, a capacidade de iluminar os contextos
subjacentes aos eventos e as conexões entre eles. Há, por fim, no artesanato
desse livro, o exercício de uma imaginação disposta a ouvir o que os
documentos têm a dizer ao historiador. A ferramenta utilizada por Fausto
para afinar essa escuta é a interdisciplinaridade — que comparece aqui na
fina articulação entre o campo da história, da sociologia e da cultura.
Em maio de 1978, menos de dois anos após a publicação da primeira
edição deste livro, cerca de 80 mil trabalhadores entraram em greve em São
Bernardo, Santo André, São Caetano e Diadema — o ABCD paulista,
coração industrial do país. São Bernardo detonou um ciclo grevista que
seguiu quase ininterrupto até 1980, espalhou-se pelo país e chegou a atingir,
nos dois anos seguintes, mais de 4 milhões de trabalhadores, em quinze dos
23 estados brasileiros. Boris Fausto não podia adivinhar o futuro, mas, visto
com olhos de hoje, essa foi provavelmente a primeira vez que Trabalho
urbano e conflito social fez as vezes do fio que restabelece as ligações
perdidas no tempo — entre indivíduos, entre eventos, entre lugares.
No início do ano de 1917, conta Fausto na parte final do livro, a greve
explodiu no Cotonifício Crespi, em São Paulo, e levou tudo de roldão:
envolveu fábricas, serviços urbanos e ferrovias, mobilizou têxteis,
sapateiros, gráficos, padeiros, metalúrgicos, lixeiros, marítimos, espalhou-se
pelo interior do estado, tomou conta do Rio de Janeiro. Mobilizou entre 50
mil e 70 mil trabalhadores e detonou o impressionante ciclo de greves e
grandes manifestações de massa que se estendeu até 1920 — com as
paralisações dos tecelões em São Paulo e dos ferroviários no Rio de Janeiro.
A conjuntura de 1917-20 produziu o avanço da sindicalização, ancorou uma
quantidade extraordinária de publicações — O Amigo do Povo, A Voz do
Trabalhador, Terra Livre, A Plebe, A Lanterna — e revelou questões
internas cruciais ao movimento dos trabalhadores, sobretudo no que se
refere à sua capacidade de representação e negociação política na esfera
pública. Havia ali uma conexão inesperada com o futuro: entre a conjuntura
de 1919-20 e a de 1978-80, é possível encontrar uma série de ressonâncias
no tempo — uma espécie de atualização temporal —, em que os dois
acontecimentos se cruzam em diálogo na transitoriedade da passagem do
passado ao presente.
Talvez essa seja uma das chaves para a reedição de Trabalho urbano e
conflito social, quarenta anos após sua publicação: permitir ao leitor
experimentar a perturbadora sensação de que, por vezes, é possível
reacender no presente algo da antiga chama de um evento do passado.
Há, nos procedimentos de formação da classe trabalhadora no Brasil
descritos por Boris Fausto, a manifestação do desejo meio turbulento de ser
incluído no espaço das atividades e das práticas do mundo público; há,
também, a reiteração de uma mal disfarçada alegria libertária que moveu
aquela gente toda, fez emergir uma espécie de contracultura cuja lembrança
se perdeu no curso da República e converteu a rua no local privilegiado de
uma longa luta por direitos e visibilidade política. Um entendimento sobre
isso pode reemergir aqui e agora, ao final da leitura deste livro. Quem sabe,
então, Trabalho urbano e conflito social seja uma ferramenta que incite os
brasileiros a compreenderem que o passado não é lá tão remoto, o presente
supervalorizado não é nosso único horizonte possível, e o futuro não
desapareceu da linha do nosso olhar. Algo dessa alegria libertária que se
revela na história contada por Fausto ainda pode inspirar nossa
compreensão do presente. Pode, por exemplo, contribuir para o melhor
entendimento da grande explosão social que veio às ruas das principais
cidades do país, em junho de 2013; e pode nos ajudar a conhecer um pouco
mais sobre a natureza política de movimentos essencialmente impulsivos
como esses. Desprovidas de formas de organização associativa ou de
capacidade de interlocução duradoura na cena política institucional, as
“jornadas de junho de 2013” — o nome pelo qual essa explosão se tornou
conhecida — tiveram um desenrolar e uma debandada rápidas, como se a
multidão enfurecida depressa se fatigasse e, esgotada, logo se desagregasse.
Enxergar algo dessa alegria libertária presente nas raízes dos processos
de formação da classe trabalhadora urbana também nos ensina a perceber
outra série de paralelos em relação à nossa própria contemporaneidade. Um
desses paralelos: a invenção da arte livre, anônima e coletiva, étnica e
culturalmente mestiça que brota na periferia e nas quebradas do Brasil,
apropria-se do espaço urbano e de seus códigos, convida à reunião e rompe
com a solidão dentro da qual vive jogado o habitante das nossas metrópoles.
Como se vê, reunir pontas de fios desfiados pelo tempo é parte do ofício do
historiador. E também para isso pode servir um bom livro de história.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FAUSTO, Boris. A revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo:


Brasiliense, 1970.
GOMES, Ângela de Castro (Org.). Leituras críticas sobre Boris Fausto. Belo
Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2008.
Introdução

O tema central deste livro é a classe operária de São Paulo e do Rio de


Janeiro, no primeiro período de sua formação. Por razões de interesse e
possibilidade de pesquisa, estabeleci esse limite regional, o que não
significa ignorar a presença embrionária dos trabalhadores urbanos em
outras regiões do país, sobretudo em algumas capitais do Nordeste e no Sul.
Busquei abordar o tema a partir de duas proposições iniciais básicas: de
um lado, a consideração do estudo da classe operária como parte integrante
de uma história global do país, no pressuposto de que esta incide sobre os
próprios destinos da classe e que as contradições sociais envolvem sempre
uma dupla relação, em dois sentidos; de outro lado, a consideração da
classe como sujeito de sua história.
O primeiro nível de abordagem conduz às questões mais gerais da
natureza da sociedade do período, do Estado oligárquico, do
comportamento das demais classes e grupos sociais em suas relações com o
proletariado. O segundo, na perspectiva indicada em um trabalho de
Hobsbawm,1 leva a distinguir entre a classe operária no seu sentido mais
genérico, abrangendo a massa majoritária dos não organizados, e o núcleo
minoritário de quadros e da liderança.
Não pretendo ter avançado muito neste último caminho, mas espero ter
apontado algumas direções.
O estudo de um grupo social, nas suas grandes linhas, diz respeito a
condições materiais de existência e à mentalidade coletiva, que ganha forma
em uma ideologia, em comportamentos e atitudes.
Do ponto de vista das condições materiais de existência, o mundo do
trabalho aparece no caso como espaço relevante, onde temporalmente o
operário vive grande parte de uma jornada de dez a dezesseis horas. Qual a
experiência cotidiana, na esfera da produção, dessa classe operária
nascente? Por certo, suas condições genéricas são conhecidas, mas é
possível especificá-las apreendendo situações diversas, nas quais aparecem,
lado a lado, as formas artesanais e o sistema de fábrica, o trabalho industrial
e os serviços. Ao mesmo tempo, tais condições materiais referem-se à
própria sobrevivência (alimentação e habitação sobretudo). O indicador
mais importante é o salário real, mas não apenas ele, bastando lembrar o
significado da adoção de padrões alimentares em alguma medida
independentes do nível salarial. Deliberadamente, tratei essas questões que
requerem técnicas quantitativas bastante refinadas de modo sumário. Elas
pressupõem todo um programa de trabalho cuja viabilidade, apesar da
escassez de documentação, estudos como os de Eulália Maria Lahmeyer
Lobo relativamente ao Rio de Janeiro confirmam.
Por sua vez, a análise de uma mentalidade coletiva ganha sentido a partir
da inserção da classe social no conjunto da sociedade, de cujo quadro
mental participa a seu modo, assim como a partir de representações
nascidas nas relações de trabalho e nas outras esferas de existência. Parece
quase desnecessário dizer que a política tem uma incidência bastante
relativa nessa área, onde as dificuldades de reconstrução histórica não são
poucas. Em um país de tradições profundamente elitistas, não apenas entre
a classe dominante, mas também entre os que despontam como
organizadores das camadas populares, o discurso já difícil das classes
dominadas deixa pouquíssimos traços. Com frequência, não o recebemos de
forma direta, porém transcrito e reelaborado nas alusões de uma liderança.
A apreensão de comportamentos e atitudes tem um bom campo na análise
das ações coletivas. Entretanto, não se resume a esse aspecto, pois há
necessidade de confrontar os momentos de tensão com seus atos de
heroísmo e capitulação, com um dia a dia obscuro que constitui um tempo
mais conservador, igualmente relevante para definir um padrão ideológico.
Evitemos, nesse terreno, cair nas malhas de uma história edificante: a
grande massa, individual e coletivamente, assume a exploração a que está
submetida sob formas diversas, em que se estampam a revolta, a
solidariedade, o preconceito, a resignação. Sob esse ângulo, conscientes e
“krumiros” integram a experiência da classe operária.
A distinção entre a classe e seu movimento conduz a um difícil problema
que não tem resposta apenas no plano quantitativo. Se a força de uma classe
social dominada se mede pelos organizados, a contrapartida é óbvia,
tratando-se pois de medir também a sua fraqueza. Quais os canais de
comunicação existentes entre o núcleo de vanguarda e a grande massa que
pode relativizar o corte, não obstante a debilidade ou a inexistência de laços
formais? Quais os limites dessa comunicação que permitem traçar, não
obstante as ressalvas, um corte entre minorias militantes e a grande massa
dos desorganizados?
Por outro lado, o interesse pela liderança é relevante desde que não se
transforme paradoxalmente a história do movimento operário em uma
história de “grandes personagens”. Não só porque a análise da liderança, de
sua ideologia e comportamento, tem implicação direta no problema das
orientações. Como disse uma das maiores figuras políticas de nosso tempo,
o homem não vive somente de política. As concepções do núcleo
anarquista, por exemplo, encerram um código moral, estendem-se a uma
ampla área de relações sociais, não redutíveis ao universo político. Se é
possível delimitar o campo ideológico específico dessas concepções, nem
por isso se pode ignorar que elas fazem parte de um sistema cultural,
embora voltadas explicitamente para destruí-lo.
Essa temática, indicada sumariamente, não se contém nos limites de uns
poucos livros e constitui todo um programa. Procurei tão somente
desenvolver alguns de seus aspectos, com o implícito reconhecimento de ter
dado maior ênfase aos problemas do movimento da classe operária do que
aos da análise da classe em si, às ações coletivas do que à reconstrução de
atitudes individuais, desequilíbrio imposto em parte pela disponibilidade
das fontes. De qualquer forma, não é razoável transformar o limite das
fontes em um obstáculo intransponível. Para ficar em um exemplo, vejam-
se as possibilidades prementes e quase inexploradas da história oral, das
memórias condenadas via de regra ao esquecimento.
Uma das objeções implícitas que se oferecem ao estudo das camadas
dominadas, em sociedades onde sua presença é ainda secundária, é a da
relevância. No caso deste trabalho, a contradição entre a burguesia agrária e
a classe operária não se define como fundamental, nem constitui o eixo da
crise do Estado oligárquico. Convém evitar também o risco de inverter as
lentes, com a consequência de dar à mobilização do proletariado urbano —
pequena mancha em um imenso oceano agrário, mudo do ponto de vista dos
movimentos políticos — uma dimensão que ela não tem. Sem embargo o
destino dessa classe, nos primeiros anos de sua formação, não é indiferente
à história global do país e à história da própria classe. Nas alternativas de
uma ordem democrática ou autoritária, nas possibilidades abertas à
autonomia/ heteronomia da categoria social, estará presente, ao longo da
década de 1920 e nos primeiros anos de 1930, a marca das definições de um
período anterior.
Além disso, não tenho nenhum entusiasmo por um critério de relevância
estrito que lembra apenas os vencedores e esquece as causas perdidas. Não
se trata de defender uma história esotérica, valorizando grupos ou eventos
de muito reduzida significação.
Por exemplo, pouco sentido teria um interesse excessivo pelos
natimortos partidos socialistas que surgiram em algumas dezenas de anos,
em vez de indagar as razões mais gerais de seu fracasso. Mas não se pode
dizer o mesmo da gente e dos movimentos que estiveram no centro das
opções de um grupo social, em um período histórico. Não estamos
impedidos de fazer-lhes a crítica, com a condição de restituí-los à dimensão
de seu tempo e relativizar a dimensão do nosso. A eles se aplica, em outro
contexto, o que E. P. Thompson disse a respeito dos artesãos ingleses,
diante da Revolução Industrial:
Sua hostilidade frente ao novo industrialismo podia ser retrógrada. Seus ideais comunitários
podiam ser fantasiosos. Suas conspirações insurrecionais podiam ser temerárias. Mas eles
viveram nesses tempos de aguda perturbação social, e nós não. Suas aspirações eram válidas nos
termos de sua própria experiência; se foram vítimas acidentais da história, continuam a ser,
condenados em vida, vítimas acidentais.
Não deveríamos ter como único critério de julgamento o fato de as ações de um homem se
justificarem, ou não, à luz da evolução posterior. Afinal de contas, nós mesmos não estamos no
final da evolução social. Podemos descobrir, em algumas das causas perdidas do povo da
Revolução Industrial, percepções de males sociais que ainda estão por curar.2

O trabalho intelectual não é quase nunca exclusivamente um ponto de


partida ou um ponto de chegada. Considero muito confortante não fugir à
regra e inserir este livro na trilha dos estudos sobre a classe operária de Azis
Simão, Juarez Brandão Lopes, Leôncio Martins Rodrigues, José Albertino
Rodrigues. Metodologicamente, beneficiei-me bastante do contato pessoal e
dos recentes trabalhos de Francisco C. Weffort: meu interesse pela questão
das orientações, o esforço por delimitar o espaço e o desfecho de uma
conjuntura têm nele uma direta inspiração. Nem poderia deixar de
mencionar a excelente tese de Sheldon Leslie Maram (Anarchists,
Immigrants and Brazilian Labor Movement, 1890-1920) sobre o período
objeto deste estudo, cujo mérito transcende o simples rigor empírico.
Mesmo quando trabalhado em condições bastante artesanais, um livro se
faz com a boa vontade e o auxílio de muitos. Uma enumeração exaustiva
seria impossível. É justo porém que se destaque a sempre presente ajuda
dos servidores do Arquivo do Estado, da Biblioteca Municipal e da
Biblioteca Nacional, a colaboração de Fabio Munhoz e Régis Andrade, na
colheita de dados no Rio de Janeiro, e, sobretudo, o apoio das pessoas ou
entidades que me proporcionaram o acesso ao arquivo particular de Edgard
Leuenroth: em uma primeira fase, Hermínio Saccheta e Germinal
Leuenroth; em um segundo momento, a Universidade de Campinas, através
de Paulo Sérgio Pinheiro e Francisco Foot Hardman.
Em sua versão original, parcialmente modificada, o livro constituiu tese
de livre-docência que defendi no FFLCH-USP. Pela pertinência das
observações, acolhidas em boa parte no texto final, agradeço aos integrantes
da Comissão Julgadora, professores. Candido Procópio Ferreira de
Camargo, Francisco C. Weffort, Leôncio Martins Rodrigues, Michel
Debrun e Vicente Marotta Rangel.
PRIMEIRA PARTE

A formação da classe operária:


determinações estruturais
A primeira etapa de formação da classe operária brasileira ocorreu a
partir dos últimos anos do século XIX, ligada a um processo de
transformações cujo eixo foi a expansão da economia cafeeira.
O processo é bastante conhecido e quero apenas referir-me a ele em
linhas muito gerais. As necessidades da economia exportadora, baseada no
café, propiciaram profundas modificações no sistema de transportes e nos
serviços portuários, desde meados daquele século. À medida que a
exportação assumiu proporções consideráveis, gerando um significativo
excedente econômico, colocou-se o problema do escoamento da mercadoria
para os portos, a baixo custo e em larga escala. Os caminhos precários,
percorridos por tropas conduzidas por escravos desviados da atividade das
fazendas, foram sendo substituídos pelas vias férreas, que se implantaram
como um elo entre as regiões produtoras e os centros exportadores. A rede
ferroviária impulsionou em um caso e deu origem em outro à expansão
desses centros. O Rio de Janeiro concentrou todo o movimento comercial
da área cafeeira do vale do Paraíba, do leste fluminense e mineiro,
abrangendo também a velha região canavieira do baixo Paraíba. Na
província de São Paulo, a construção da estrada de ferro Santos-Jundiaí,
inaugurada em 1867, representou a ruína dos pequenos portos e a
consolidação de Santos como o grande porto do comércio externo da
província, excluída a região do vale.1 As docas de Santos reuniram o
primeiro grupo importante de trabalhadores em todo o Estado, cujas lutas se
iniciaram em fins do século e permaneceram constantes no correr dos anos.
O avanço da economia capitalista de exportação gerou assim diretamente
as condições para que se constituísse um núcleo de trabalhadores no setor
de serviços. Indiretamente, preencheu os requisitos para o surgimento do
proletariado fabril, concentrado em algumas poucas cidades. A pequena
empresa industrial, dispersa em vários pontos do país, existiu antes da
afirmação do polo cafeeiro e ao lado dele, graças à proteção representada
pela dificuldade de comunicação, à proximidade das fontes de matéria-
prima, à existência de um pequeno mercado consumidor de bens como
alimentos, bebidas, tecidos de qualidade inferior. Os trabalhadores desse
tipo de indústria, espalhados em um imenso espaço geográfico, nunca
tiveram condições objetivas para dar origem a um movimento operário.
Eles ficariam nas fímbrias do que Antônio Barros de Castro chamou de a
industrialização descentralizada do Brasil.
O deslocamento no espaço da indústria de tecidos de algodão indica a
importância gradativa que o Centro-Sul passou a assumir, em confronto
com outras áreas. O estado da Bahia — especialmente Salvador e arredores
— foi o primeiro núcleo das atividades do ramo, de 1844 até fins da década
de 1860, reunindo cinco das nove fábricas existentes no país em 1866. Em
1885, antes mesmo que na província de São Paulo a produção industrial
tivesse algum significado, observava-se a existência de maior número de
empresas no Centro-Sul. Dentre 48 fábricas arroladas em todo o país, 33 se
localizavam nessa região. Minas Gerais aparecia como a primeira província
(treze unidades), tendo a Bahia doze, a província do Rio de Janeiro onze e a
de São Paulo nove unidades.2
Por muitos anos, o Rio de Janeiro reuniria a maior concentração operária
do país, sendo superado pela capital de São Paulo, em algum momento
entre 1920 e 1938. A instalação no antigo Município Neutro de algumas
fábricas, a partir de meados do século XIX, deveu-se a um conjunto de
fatores. Aí haviam se acumulado capitais provenientes da empresa agrícola
ou dos negócios do comércio exterior. Com a decadência do vale do
Paraíba, novas inversões no setor cafeeiro tornaram-se limitadas, pois não
se abria, como em São Paulo, uma grande fronteira em expansão.3 Era
viável contar com o financiamento dos grandes bancos, cuja sede estava
localizada na capital do país, embora a destinação de recursos para fins
industriais fosse encarada com reservas. O mercado de consumo tinha
proporções razoáveis, abrangendo não só a cidade como a região tributária,
servida pela rede de ferrovias. No que diz respeito à força de trabalho, ainda
que houvesse problemas no tocante ao suprimento de trabalhadores
especializados, o mesmo não ocorria com operários de baixa qualificação.
Por último, ressalte-se o papel da energia a vapor, em uma época prévia à
introdução da energia elétrica, sobretudo no crescimento da grande
manufatura de algodão, no Rio de Janeiro e cidades próximas (Petrópolis).
O emprego de água como força motriz apresentava inconvenientes
derivados em grande parte do suprimento irregular. Sua substituição pela
energia a vapor, cujo combustível era o carvão, tornou-se viável, graças à
possibilidade de obter carvão importado sem novos ônus de transporte, o
que acontecia quando o combustível se destinava ao interior.4
Sumariamente, foram essas as condições que permitiram o surgimento na
capital do país do embrião de um proletariado de fábrica, concentrado na
Gamboa e em São Cristóvão, nos subúrbios ou no fundo dos vales na antiga
periferia da cidade — Gávea, Tijuca e Laranjeiras.
As manifestações iniciais da atividade industrial na província de São
Paulo vinculam-se estreitamente às alterações introduzidas no interior da
empresa cafeeira, a partir da extinção do tráfico externo de escravos, e à
expansão urbana no interior da província. A velha fazenda de café não se
distinguia essencialmente do latifúndio açucareiro como núcleo gerador do
desenvolvimento capitalista. Nela, apenas a produção para exportar era
mercantil, e as necessidades de consumo satisfaziam-se no interior da
própria empresa. Nas fazendas do vale do Paraíba, quase dois terços dos
escravos não se dedicava à lavoura do café, cabendo a eles plantar gêneros
alimentícios, cuidar do gado e outros animais de corte, construir casas,
canalizar a água, abrir caminhos.5
A alta de preços dos escravos provenientes da região central do país e do
Nordeste e sua posterior escassez resultou na concentração da força de
trabalho escrava nas atividades mercantis, com efeitos diretos relativamente
à divisão social do trabalho em toda a província. Ao mesmo tempo,
esboçou-se uma substituição parcial dessa força de trabalho por máquinas,
em especial no processo de beneficiamento do café.6 Quando na década de
1870 surgiram em São Paulo as primeiras fábricas têxteis, conjugaram-se
para o surto não só os reflexos da Guerra da Secessão americana no tocante
à abundância de matéria-prima, como também a ampliação do mercado. O
último fator resultava do processo de crescente divisão do trabalho, das
migrações internas de pessoas livres do Nordeste para São Paulo, da entrada
de imigrantes.
Em meio à crise do sistema escravista, estendiam-se as relações
mercantis como pré-requisito ao desenvolvimento capitalista. São Paulo
começava a se definir como centro urbano, tornando-se gradativamente o
grande mercado distribuidor de produtos e de mão de obra. Entretanto, a
germinação de atividades industriais tinha ainda limites bastante evidentes.
Do ponto de vista da formação da classe operária, a dispersão pesava como
elemento negativo. Em 1886, havia na província doze fábricas de tecidos de
algodão das quais dez estavam localizadas no interior: quatro em Itu
(principal centro da região algodoeira), uma em Piracicaba, uma em
Jundiaí, uma em Santa Bárbara, uma em Tatuí, uma em Sorocaba e uma em
São Luís do Paraitinga. Esboçava-se porém a concentração do capital na
cidade de São Paulo. As dez fábricas do interior reuniam um capital de
2950 contos e as duas paulistanas — as lendárias empresas de Diogo
Antônio de Barros — somavam 1050 contos.7
Como se sabe, o momento decisivo em que se constituíram relações
capitalistas de produção na área de São Paulo ocorreu com a liquidação
final do sistema escravista e a entrada das grandes levas de imigrantes. O
papel desempenhado por estes no primeiro surto de industrialização foi
crucial, sob vários aspectos: pela ampliação do mercado de trabalho e de
consumo; pela preferência em inverter a poupança no setor comercial e
industrial, tendo em conta as dificuldades impostas ao acesso à propriedade
da terra; pelo impulso dado ao crescimento da cidade de São Paulo.8 A
ampliação do mercado de consumo rural através da substituição dos
escravos pelos imigrantes assalariados é um tema aberto a controvérsias.
Sem dúvida, não se pode dar a esse fator importância exagerada,
considerando que o processo de incremento da divisão do trabalho era
anterior à entrada das grandes levas migratórias e que os imigrantes tinham
uma forte tendência a poupar. Não parece desprezível, ainda assim, o papel
do imigrante na ampliação do mercado rural, vinculada à possibilidade de
obter excedentes agrícolas através do plantio de gêneros — sobretudo nos
contratos de formação do café —, os quais eram vendidos nas cidades,
aumentando a capacidade de consumo. Lembrando também que a força de
trabalho estrangeira não veio apenas substituir a mão de obra escrava, mas
representou um grande aumento do potencial de trabalho, destinado a
atender aos requisitos de uma economia em plena expansão. Em 1887,
havia 107 mil escravos na província de São Paulo; entre esse ano e 1900, a
imigração líquida externa somou 599 426 pessoas.9
A partir de 1890, a cidade de São Paulo começou a crescer em ritmo
acelerado. O crescimento significativo se iniciara nos anos 1872-86, quando
foi de 52% (de 31 385 para 47 697 habitantes), a uma taxa geométrica anual
de 3%. Nos anos 1886-90, alcançou 36% (de 47 697 para 64 934
habitantes), o que representa uma taxa geométrica anual de 8%. Mas a
grande arrancada se deu entre 1890 e 1900, período em que a população
paulistana passou de 64 934 habitantes para 239 820, registrando uma
elevação de 268% em dez anos, a uma taxa geométrica de 14% de
crescimento anual.10 Em 1890, São Paulo era a quinta cidade brasileira,
abaixo de Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém. No início do século,
chegaria ao segundo lugar, embora ainda muito distante dos 688 mil
habitantes da capital federal.
O crescimento da cidade deveu-se não só a sua consolidação como
grande mercado distribuidor, mas também ao influxo da massa de
imigrantes. Apesar da escassez de dados, há indícios de que imigrantes
subvencionados ou não permaneceram na cidade, onde as oportunidades de
ascensão eram maiores. É provável também que o fluxo rural-urbano no
estado tenha ocorrido já na última década do século, logo após o fim dos
primeiros contratos de formação do café. Seja como for, a afirmação da
capital como centro integrador regional se deu na medida em que as
relações capitalistas de produção se estenderam, intensificando a divisão do
trabalho e o consequente crescimento do pequeno comércio, da classe
média profissional ou burocrática, dos primeiros núcleos operários. A
empresa agrícola de base escravista fizera baixar a proporção entre
habitantes da capital e do interior, em favor dos últimos. Segundo o censo
de 1872, 3,7% da população da província morava na capital, enquanto
11,6% aí viviam em 1816. No fim do século, a capital já concentrava 10,5%
da população do estado, índice que chegou a 12,9%, em 1920.11
Em meados da última década do século XIX, a cidade de São Paulo
contava com 121 estabelecimentos que se utilizavam de energia mecânica,
dos quais 52 eram realmente industriais. A referência aos ramos mostra a
vinculação das empresas com as necessidades de consumo ou sua conexão
com o setor de serviços: dentre os onze estabelecimentos que empregavam
mais de cem operários, havia três fiações, uma fábrica de cerveja, três
fábricas de chapéus, uma fábrica de fósforos, uma fundição e duas oficinas
ferroviárias.12 Nessa época, começaram a surgir os bairros operários, local
de instalação de fábricas e moradia de trabalhadores. A cidade se
implantara no interior de um maciço, cercado de planícies varzianas e
insalubres, sujeitas às inundações do Tamanduateí e do Tietê. Essas
planícies foram se integrando ao núcleo urbano, à medida que iam sendo
atravessadas pelas estradas de ferro — a Inglesa, a São Paulo-Rio de
Janeiro, a Sorocabana. O baixo preço dos terrenos e a proximidade das
estações ferroviárias atraíam as novas indústrias e muitos dos imigrantes
recém-chegados para o Brás, o Bom Retiro, a Mooca. O processo de
formação dos bairros, em função da constituição da sociedade de classes, é
simétrico: enquanto a massa de imigrantes se concentra nas várzeas,
bordando as faces sul e leste do maciço paulistano, vão surgindo neste os
bairros residenciais que sobem as encostas em busca de terrenos altos e
saudáveis (Higienópolis) até atingir o alto espigão, onde se abre a avenida
Paulista.
De um lado, delineia-se um ininterrupto suceder de pequenas habitações
quase sempre térreas e sem nenhum jardim à frente, geralmente geminadas (duas a duas, quatro a
quatro), todas mais ou menos iguais, de estilo pobre ou indefinível. Estendem-se assim, em sua
monotonia e em sua humildade, em filas intermináveis, que chegam a ocupar quarteirões inteiros.
No meio delas, porém, surge de quando em vez a pesada e característica fachada de uma fábrica
ou, então, pequenas oficinas ou fabriquetas.13

Do outro lado, residência e trabalho estão separados, a triste


uniformidade desaparece, despontando as construções onde se reúnem
desde a pureza de uma frontaria fria à normanda, dos arabescos sinuosos e ilógicos da arte nova,
até o risonho “cottage” inglês, do pontiagudo dos chalés da neve aos alpendrados espanhóis, às
cúpulas e minaretes orientais, às varandas cobertas do norte, às vilas graciosas da Itália, às
galerias do Renascimento, ao exagero do barroco ou do plateresco, ao rústico suíço, até a horrível
simetria esburacada do estilo pombalino, pesado e bruto.14

Procurei lembrar, em linhas muito gerais, como o primeiro surto


industrial do Brasil surgiu a partir do desenvolvimento do capitalismo de
base agrária, na região Centro-Sul. Apesar das grandes transformações
regionais operadas por esse desenvolvimento, o raio de sua ação, no sentido
de diversificar a estrutura social do conjunto do país, foi como se sabe
bastante limitado (tabela 1.1). A concentração da maioria absoluta da
população nas atividades agrícolas não só permanece ao longo do período,
como se torna mais acentuada. Os números relativos à indústria e aos
serviços revelam o avanço das atividades industriais, a partir da base
incipiente de 1872, devendo-se considerar que aí estão englobadas tanto as
atividades fabris como as artesanais. Por sua vez, a queda do setor de
serviços, à primeira vista surpreendente, se deve à grande diminuição de
empregados domésticos, com direta influência no cômputo total, não
obstante a expansão dos serviços de transporte, comércio em geral,
servidores públicos, profissionais liberais.15
TABELA 1.1
BRASIL POPULAÇÃO OCUPADA (EM MILHARES)
Total = 100
1872 1900 1920
SETORES
% % %
1. Agricultura 3671 = 64,1 5071 = 53,4 6377 = 69,7
2. Indústria 282 = 4,9 321 = 3,4 1264 = 13,8
3. Serviços 1773 = 31,0 4111 = 43,2 1509 = 16,5
Total 5726 = 100 9503 = 100 9150 = 100
FONTE: Extraído de Annibal Villanova Villela e Wilson Suzigan. Política do governo e crescimento
da economia brasileira, 1889-1943. Rio de Janeiro: IPEA/Inpes, 1973.

Localizou-se assim no campo a maioria dos setores econômica e


socialmente dominados, em todo o período de predominância do polo
agrário-exportador e mesmo em época posterior. Aí não surgiram porém
movimentos de vulto, cujas características ultrapassassem os limites pré-
políticos. As explosões rurais desse tipo ocorreram aliás fora da região que
constituía o eixo básico da formação social. Nas grandes fazendas de café
do estado de São Paulo, a insatisfação do proletariado rural exprimiu-se de
forma semelhante às do meio urbano, mas a possibilidade de manifestá-la
foi bastante limitada. As condições específicas do meio rural dificultaram
ao extremo a organização dos trabalhadores e a eclosão de greves. A massa
de imigrantes, introduzida em terra estranha, dispersou-se por fazendas
isoladas, impossibilitando contatos que reforçassem a tomada de
consciência de uma condição comum e o esboço de uma ação
reivindicatória. No interior da fazenda, o fazendeiro detinha poderes
absolutos, além de dominar as instituições do estado (polícia, magistratura),
colocadas a seu serviço. Era fácil também isolar os portadores do bacilo
radical, pela simples proibição da entrada de elementos estranhos. Não por
acaso a única greve rural de grande vulto no estado, entre 1870-1914,
ocorreu na zona de Ribeirão Preto (abril de 1913) próxima a um centro
urbano e onde havia significativo grau de concentração de trabalhadores.16
Não obstante os vários fatores que entravaram a formação de um
movimento operário, a cidade reuniu os requisitos mínimos para seu
surgimento. Existia aí um quadro objetivo de exploração que podia ser
interiorizado coletivamente, dada a facilidade de contatos; os ideólogos
revolucionários e organizadores, apesar das restrições a sua atividade, não
eram, no meio urbano, um peixe estranho. Desse modo, embora o núcleo
estrutural da economia residisse no campo, o conflito social concentrou-se
nos setores secundário e de serviços. O primeiro tinha pequena importância
do ponto de vista econômico, enquanto o segundo era estrategicamente
relevante para o desempenho do núcleo estrutural.
A restrição do movimento social das camadas dominadas em grande
medida aos centros urbanos representou um sério limite. É certo que as
reivindicações ganharam ressonância ao se produzirem em cidades como
Rio de Janeiro, São Paulo, Santos, que, em grau variável, desempenhavam
um relevante papel político, comercial e administrativo. Mas, como o peso
da urbanização era relativo e não só o eixo básico da economia como a
fonte de poder das oligarquias se encontravam fundamentalmente no
campo, a massa urbana dominada ficava ilhada nos muros ideais da cidade,
com escassas condições de alterar a correlação de forças entre as classes.
Duas outras determinações estruturais devem ser levadas em conta no
primeiro período de formação da classe operária. Uma diz respeito às
condições de oferta do mercado de trabalho; outra, à composição étnica da
classe, com predominância de estrangeiros.
Uma discussão rigorosa acerca da oferta da força de trabalho constitui
todo um programa de pesquisa, e sua abordagem em algumas linhas
pretende ser apenas indicativa. Os autores que vêm se dedicando ao estudo
da marginalidade urbana, a partir de perspectivas diversas, têm concordado
em distinguir dois momentos históricos no processo de acumulação
capitalista, no que diz respeito à absorção de mão de obra. Como assinala
Lúcio Kowarick,17 a primeira fase de industrialização tinha sua dinâmica de
crescimento alicerçada fundamentalmente na incorporação cada vez maior
de volume de trabalho, enquanto as inovações tecnológicas e a
racionalização dos processos produtivos desempenhavam papel secundário.
Por outro lado, boa parte da população estava fixada de forma até certo
ponto estável nas atividades agrícolas e os migrantes encontravam
condições de se inserir no sistema urbano de trabalho:
a própria oferta de mão de obra industrial não podia ainda ser excessiva para as necessidades da
produção industrial crescente, se é levado em consideração que o grosso da população estava
incorporado às atividades agroextrativas estáveis, não obstante seu relativo estancamento, e as
condições socioculturais inerentes às sociedades destes países (latino-americanos) neste primeiro
período antes dificultavam, que estimulavam, o desenraizamento maciço e violento da mão de
obra dos setores primários.18

Em um segundo momento, caracterizado por um tipo de dependência


estruturalmente diverso de período anterior, dois fenômenos produzem a
crescente disparidade entre a oferta de força de trabalho e sua absorção no
sistema industrial: de um lado, sob o impacto da industrialização, parte do
setor agrícola se moderniza e passa a liberar mão de obra; de outro, a
grande indústria se expande com altas densidades de capital que passam a
utilizar maior proporção de capital constante em relação ao variável.
A distinção entre dois tipos históricos de acumulação capitalista, assim
como de dependência entre a periferia e o centro, é bastante clara, mas
caberia indagar se, ao menos no caso brasileiro, ocorreu a relativa
adequação entre oferta de mão de obra e crescimento industrial, no primeiro
momento descrito. Os dados existentes apontam em sentido negativo, ainda
que a desproporção tenha outra natureza e vulto no momento posterior.
Um primeiro indício muito genérico, pois se refere ao país como um
todo, encontra-se nos cálculos efetuados por Villela e Suzigan acerca da
população ocupada e da população economicamente ativa segundo os quais
as proporções seriam de 74,7% em 1872 e 42,6% em 1920. O número de
pessoas ocupadas passou, entre 1872 e 1920, de 5 726 000 para 9 150 000,
com um crescimento de 59,8%, enquanto o número de pessoas na faixa de
idade economicamente ativa subiu de 5 999 000 para 16 257 000, com um
crescimento de 171%.19
Para os fins desta discussão, é importante analisar as condições de oferta
de força de trabalho urbano em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em São
Paulo, a questão se liga diretamente à forma pela qual se resolveu o
problema da força de trabalho na empresa agrícola cafeeira, com a vinda
das grandes levas de imigrantes, no interior de um quadro cujas linhas
gerais têm pouco a ver com uma incorporação estável da população nessa
atividade agrícola. O suprimento de trabalhadores sobretudo até os
primeiros anos do século XX foi abundante em razão de três fatores: a crise
crônica no campo, em várias regiões da Itália; o fato de que a imigração
para o estado de São Paulo foi em larga medida subsidiada, permitindo aos
fazendeiros adequar a oferta a seus interesses; a consciência cristalina
desses interesses por parte da burguesia do café. As análises de Michael M.
Hall mostram como ao longo de todo o período em que a imigração
estrangeira para as fazendas foi a fonte essencial de mão de obra não
ocorreu “falta de braços”, mas com frequência uma grande e calculada
oferta de trabalho. Por exemplo, em 1897 o secretário da Agricultura se
referia à existência de um “excesso de trabalhadores” no estado. No
entanto, o governo estava providenciando a vinda de mais 60 mil imigrantes
nos meses seguintes e, dois anos após, aquela autoridade aludia a um
acentuado declínio no salário rural como consequência da contínua chegada
de trabalhadores. Para cuidar de uma produção média anual de 10 milhões
de sacas de café (1910-4) eram necessárias cerca de 300 mil pessoas,
enquanto pelo menos 750 mil trabalhadores entraram no estado depois de
1884, em sua esmagadora maioria com destino ao campo.20
Embora faltem dados da migração rural-urbana da época, é bastante
plausível a hipótese de que uma parcela significativa dessa sobrepopulação
se transferiu para os centros urbanos, tendo em conta as fases de depressão
do setor cafeeiro e as dificuldades de acesso à propriedade da terra. Por
certo, houve muitas alternativas para a inserção no conjunto de atividades
que a capital do estado em especial estava desenvolvendo. Mas os indícios
da formação de um exército industrial de reserva, previamente a um
momento de decisiva arrancada da industrialização da cidade, são bastante
claros. Assim, quando São Paulo iniciou essa arrancada, a partir de 1905
aproximadamente, não se registrou nenhuma crise de mão de obra, o que de
resto favoreceu o processo de acumulação. É tentadora a hipótese de que na
própria cidade tinha se criado um reservatório de força de trabalho, expulsa
do campo tanto pelo processo geral descrito como por seu agravamento,
com a crise da cafeicultura iniciada em fins do século.21
Em suma, o setor cafeeiro desempenhou, a partir de sua própria lógica,
um papel fundamental na oferta de mão de obra urbana, através de seu
movimento cíclico. Como observa Wilson Cano, ao promover na expansão
um fluxo imigratório que excedia suas próprias necessidades,
proporcionava um excedente de trabalhadores para as cidades. Na crise, não
restava alternativa aos trabalhadores do café senão emigrar para os núcleos
urbanos, pois os outros complexos exportadores eram incapazes de absorvê-
los.22
Por caminhos até certo ponto diversos, o Rio de Janeiro também reuniu
contingentes de população em proporção superior às limitadas necessidades
do setor industrial e dos serviços. O elemento mais relevante é a atração
exercida pela capital da República nos migrantes internos de todo o país.
Nos anos de desagregação do sistema escravista, parece ter ocorrido um
fenômeno distinto do verificado em São Paulo, onde ao que tudo indica a
Abolição não provocou um grande fluxo de negros do campo para a cidade,
havendo mesmo referências a um retorno de certo vulto de antigos escravos
do estado de São Paulo para regiões do Norte, de onde haviam sido
arrancados em decorrência do tráfico interno.23 O fato se explica, aliás,
entre outras razões, pela avassaladora presença dos imigrantes externos e
seu preenchimento das melhores oportunidades ocupacionais. No Rio de
Janeiro, os dados revelam ao contrário um considerável afluxo de migrantes
internos. Um importante contingente deve ter sido o dos antigos escravos
que abandonaram a região fluminense em decadência. Entre 1890-1900, a
migração líquida interna de nacionais alcançou a cifra de 85 547 pessoas,
sendo significativo observar que, no mesmo período, o estado do Rio
apresentou uma migração interna líquida de nacionais negativa, de –84 280
pessoas. A própria corte continha uma ponderável parcela de escravos, nos
anos prévios à Abolição: em 1872, para uma população total de 274 972
habitantes, o número de escravos ascendia a 48 939, ou seja, cerca de 18%
da população.24
As indicações existentes permitem distinguir o significado diverso do
antigo agrupamento escravo em São Paulo e no Rio de Janeiro, do ponto de
vista ocupacional. No primeiro caso, sua inserção no sistema
socioeconômico se dá no terciário de mínima produtividade, constituindo o
que se tem denominado “mão de obra sobrante”; no segundo, tem funções
de um exército industrial de reserva,25 como revela sua contribuição até
certo ponto expressiva nas atividades manufatureiras (tabela 1.2):
TABELA 1.2
RIO DE JANEIRO 1890
POPULAÇÃO EMPREGADA NA INDÚSTRIA MANUFATUREIRA E POPULAÇÃO TOTAL
SEGUNDO A COR
POPULAÇÃO TOTAL
INDÚSTRIA MANUFATUREIRA
HOMENS MULHERES
Brancos 33 941 = 69,8 200 049 127 740
Pretos 4362 = 8,9 29 530 35 008
Caboclos 759 = 1,6 8830 8615
Mestiços 9599 = 19,7 55 248 57 631
Total 48 661 = 100 293 657 228 994
FONTE: Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Diretoria-Geral de Estatística.
Recenseamento de 1890. Distrito Federal. Rio de Janeiro, 1895. Não há distinção entre patrões e
operários.

A importância das migrações internas — até 1920 a capital da República


atraiu maior volume de migrantes dessa origem do que todo o estado de São
Paulo, tanto em termos absolutos como relativos — não pode obscurecer o
fato de que a entrada de estrangeiros pelo porto do Rio de Janeiro manteve
sempre um fluxo significativo. Infelizmente, não há dados que permitam
comparar o Rio de Janeiro com outras cidades, mas apenas com estados.
Entre 1890-1900, a cidade recebeu uma imigração líquida de 70 298
estrangeiros, superada apenas pelos estados de São Paulo (412 297) e Rio
Grande do Sul (108 771); entre 1900-20, o total chegou a 88 590 pessoas,
somente inferior ao estado de São Paulo, com a cifra de 274 250.26
Por certo, é necessário esclarecer qual o destino na estrutura ocupacional
do Rio de Janeiro dos contingentes que para aí se deslocaram ao longo do
período, a fim de compreender o alcance da oferta de força de trabalho.
Uma indicação de sua grande amplitude se encontra na proporção entre
população economicamente ativa e população ocupada; outra, no peso dos
serviços domésticos no setor terciário, na medida em que se trata de
elementos em disponibilidade, não integrados no processo de acumulação
de capital como ocorre com outros segmentos ligados à circulação de
mercadorias. Os dados da tabela 1.3, com todas as ressalvas, são
reveladores:
TABELA 1.3
RIO DE JANEIRO
EMPREGADOS DOMÉSTICOS E PARTICIPAÇÃO NO SETOR TERCIÁRIO

%
1890 46,9
1906 48
1920 24,6

FONTES: Censos nacionais de 1890 e 1920. Censo do Distrito Federal de 1906. A proporção que se
pode a rigor levar em conta é a de 1920. Além de outros erros, os censos de 1890 e 1906
confundiram serviços domésticos remunerados e donas de casa.

Por impressionista que seja o quadro esboçado, aponta para a existência


de uma abundante oferta de força de trabalho nos centros urbanos, ao longo
do período que se está considerando.27 Essa determinação estrutural
contribuiu permanentemente para deprimir salários e reduzir o alcance das
lutas operárias por melhores condições de existência. Do ponto de vista
organizatório, as possibilidades restritas dos sindicatos de minorias, no
sentido de alcançar êxitos palpáveis, tiveram um papel de relevo na enorme
dificuldade que encontraram para se converter em órgãos representativos de
grandes camadas da população trabalhadora.
Pareceria à primeira vista excessiva a ênfase na análise da oferta de força
de trabalho — um dos elementos de formação de seu preço — sem
considerar a categoria básica do valor, correspondente ao custo de
reprodução. Cabe, porém, lembrar que, no período considerado, a oferta em
larga escala, em graus variáveis, constitui uma determinação permanente
com reflexos diretos na formação do preço. Além disso, ao contrário do
valor, ela não é uma categoria abstrata, mas um elemento material visível.
Nesse sentido, atua negativamente no nível da consciência operária para
desalentar mobilizações e se torna um recurso recorrente, utilizado pelos
empresários, em inúmeras greves do período.
Com essa ressalva, o problema do valor da força de trabalho ganha
relevância sobretudo quando é feita uma análise comparativa entre São
Paulo e o Rio de Janeiro, lançada pela primeira vez por Wilson Cano.
Tomando os dados de 1919, esse autor observa que a indústria carioca era
obrigada a pagar a maior taxa média de salário do país, sendo a relação
entre o total de salários e o valor da transformação industrial de 34% no Rio
de Janeiro, 26% em São Paulo e 27% para a média brasileira. Como a
produtividade industrial (valor de transformação industrial/operário) em
1919 era inferior à de São Paulo, isso importa em dizer que a indústria
carioca era menos competitiva do que a paulista.28
Cano acredita, com boas razões, que o motivo principal da maior taxa de
salário no Rio de Janeiro residia no elevado preço do custo de alimentação
da mão de obra local, por força da inexistência de agricultura local e da
precariedade agrícola da região fluminense. Isso significa, obviamente, que
do diferencial de salários não se pode extrair afirmativa alguma de melhores
condições de vida dos trabalhadores do Rio de Janeiro com relação aos de
São Paulo. Mas, para os fins das possibilidades de barganha dos
trabalhadores, pareceria estarem os de São Paulo mais bem colocados, pois
as vantagens comparativas dos empresários (menor valor da força de
trabalho, maior produtividade) abririam algum campo às concessões.
Entretanto, por dois motivos básicos isso não ocorreu: de um lado, por
causa da já analisada oferta abundante de força de trabalho talvez em
maiores proporções do que na capital da República; de outro, devido ao tipo
de padrão dominante nas relações diretas de classe e no aparelho de Estado.
A segunda determinação estrutural apontada — composição étnica da
classe operária em formação — não pode ser apreendida apenas de modo
negativo, pois incidiu contraditoriamente no comportamento operário em
geral e nas concepções ideológicas dos setores organizados da classe.
Começo por uma menção ao peso quantitativo representado pela força de
trabalho estrangeira, no período 1890-1920, através de dados meramente
aproximativos. De acordo com o censo de 1893 da capital de São Paulo, os
estrangeiros constituíam 54,6% da população total e uma proporção ainda
maior da população ocupada (tabela 1.4).
TABELA 1.4
SÃO PAULO (CAPITAL)
ESTRUTURA OCUPACIONAL — 1893
ESTRANGEIROS NACIONAIS
SETORES OU RAMOS TOTAL
% %
Indústria manufatureira 2893 = 79 774 = 21 3667
Indústria artística 8760 = 85,5 1481 = 14,4 10 241
Transportes e conexos 8527 = 81 1998 = 18,9 10 525
Comércio 6776 = 71,6 2680 = 28,3 9546
Administração pública, sacerdócio e profissões liberais* 330 = 13,5* 2110 = 86,5 2551
Banqueiros, capitalistas e proprietários 267 = 29 651 = 71 918
Serviços domésticos 8226 = 58,3 5879 = 41,6 14 104
Atividade agropastoril** 783 = 31,8** 1673 = 68,1 2483
Sem profissão declarada 360 = 70,7 149 = 29,2 509
Diversos — 86
Total 36 992 = 68 17.394 = 32 54.540
FONTE: Relatório apresentado ao cidadão dr. Cesário Motta Jr., secretário dos Negócios do Interior do
estado de São Paulo, pelo diretor da Repartição da Estatística e Arquivo, dr. Antônio de Toledo Piza,
Rio de Janeiro, 31/07/1894.
* As cifras totais não coincidem com a discriminação entre nacionais e estrangeiros por terem sido
excluídos os farmacêuticos (96) e os enfermeiros (15), sobre os quais não há discriminação.
** Idem, por exclusão de atividades pecuárias (27). Não é possível distinguir o que constitui a força
de trabalho. Na indústria manufatureira, estão presumivelmente reunidos empresários, mestres e
operários. Não se distingue também entre comerciantes e comerciários etc. A vaga expressão
“indústria artística” parece abranger categorias díspares: artesãos em geral, empresários e operários
da construção civil, gráficos, músicos. Estão excluídos menores de catorze anos e donas de casa.
Entre os “sem profissão declarada”, incluem-se as prostitutas.

Vários anos mais tarde, o censo de 1920 arrolou 100 388 pessoas no
estado de São Paulo dedicadas a atividades industriais (fábricas e pequenas
oficinas), alcançando 51% a porcentagem de estrangeiros; entre os 13 914
indivíduos ocupados em transporte e comunicação, a proporção destes
atingia 58%.29 De modo geral, embora o vulto da força de trabalho
estrangeira tendesse a decrescer com o correr dos anos, foi majoritária na
capital de São Paulo, tanto no setor industrial como no de serviços em todo
o período considerado (1890-1920). Algumas cifras para ramos específicos
chegam a ser surpreendentes. Assim, o conhecido relatório publicado pelo
Departamento Estadual de Trabalho sobre as condições de trabalho na
indústria têxtil (1912), abrangendo 31 fábricas de tecidos da capital, uma de
Santos e uma de São Bernardo revela que, dos 10 204 operários
classificados, apenas 1843 eram brasileiros natos, isto é 18%. Os
trabalhadores de origem italiana somavam 6044 (59%), havendo 824
portugueses (8%) e o restante de outras nacionalidades. Dentre os braçais
dos serviços públicos (capital, 1912), havia 871 nacionais, 1408
estrangeiros e vinte de nacionalidade ignorada. Os estrangeiros estavam
assim discriminados: 865 portugueses, 320 italianos e 165 espanhóis. Como
é sabido, os italianos predominavam esmagadoramente nos ramos
industriais da capital, havendo maior porcentagem de portugueses e
espanhóis em serviços pesados braçais, especialmente no porto de Santos.30
Os dados referentes ao Rio de Janeiro mostram também a importância da
população ocupada estrangeira, ainda que em menor escala do que em São
Paulo (tabelas 1.5 e 1.6).
A porcentagem de estrangeiros, segundo o censo de 1920, caiu para
35,2% na indústria e 38,8% nos transportes em geral, sendo, porém, de
53,2% nos transportes terrestres e aéreos. Em certos ramos industriais
(construção civil, vestuário e toucador, madeira, alimentação e outros
menos expressivos), constatou-se a presença majoritária de elementos
estrangeiros.31
TABELA 1.5
RIO DE JANEIRO
POPULAÇÃO OCUPADA — 1890
ESTRANGEIROS NACIONAIS
SETORES TOTAL
% %
Indústria manufatureira 19 011 = 39 29 650 = 61 48 661
Indústria artística 2365 = 40,3 3494 = 59,3 5859
Transportes terrestres 5121 = 54 4349 = 46 9470
Transportes marítimos 593 = 47 670 = 53 1263
Comércio 24 477 = 51 23 571 = 49 48 048
Total 51 567 = 455 61 734 = 54,4 113 301
FONTE: Censo de 1890. Os números são simples indicações. Sheldon L. Maram assinala que o censo
não adotou o critério da ocupação principal, contando diversas profissões exercidas por uma mesma
pessoa. Os estrangeiros foram computados ora pelo local de nascimento, ora pela cidadania. O autor
citado considera que a população ocupada estrangeira foi subestimada. A tabela refere-se apenas a
alguns setores ou ramos mais expressivos.

É desnecessário ressaltar o imenso significado da imigração no


surgimento de ideologias negadoras do sistema vigente no país e na adoção
de modelos organizatórios pela classe operária. A crítica a posteriori às
concepções anarquistas, predominantes entre os trabalhadores organizados
nos primeiros vinte anos do século XX, não pode obscurecer sua importância
na aparição de novas formas de luta e de uma visão crítica radical da
sociedade. Ao mesmo tempo, um setor da massa de imigrantes cristalizou-
se como classe trabalhadora urbana, em um processo pelo qual se frustrou o
projeto de imigrante e se definiu a contradição entre estrangeiro/assalariado,
com a dominância do segundo elemento, sem a supressão do primeiro.
Como observou Fernando Henrique Cardoso, independentemente da origem
rural ou urbana do imigrante pobre, o que caracterizava sua conduta era o
projeto da ascensão através do esforço individual. Tal projeto encontrou
algumas possibilidades de realizar-se, pois o “sistema industrial” do país era
ainda sobretudo um “sistema artesanal” que começava a diversificar-se. De
posse de uma técnica manual de trabalho mais elaborada, tornava-se viável
passar da condição de trabalhador especializado a proprietário de pequena
oficina e mesmo a industrial, ou fixar-se nas oportunidades industriais
oferecidas pelas cidades.32
TABELA 1.6
RIO DE JANEIRO
POPULAÇÃO OCUPADA — 1906
ESTRANGEIROS NACIONAIS
SETORES OU RAMOS TOTAL
% %
Agropecuária e atividades extrativas 8006 = 31,3 17 569 =68,6 25 575
Indústria, transporte e comércio 100 160 = 49,4 101 201 = 50,6 201 361
Administração pública e profissões liberais 4415 = 9,9 40 078 = 90,1 44 493
Total 112 581 = 41,5 158 848 = 58,5 271 429
FONTE: Rio de Janeiro. Diretoria-Geral de Polícia Administrativa, Arquivo e Estatística.
Recenseamento do Rio de Janeiro. (Distrito Federal), realizado em 20 de setembro de 1906. Rio de
Janeiro, 1907. Na tabela está excluída uma grande categoria sob a rubrica de “diversos”. Os dados
são bastantes imprecisos. Maram observa que o censo computa 2934 pessoas reunindo todo o pessoal
têxtil, enquanto o Censo Industrial do Brasil (1907), mais próximo da realidade, arrola um número
quatro vezes maior somente de trabalhadores têxteis. Este último levantamento não discrimina,
entretanto, os operários por nacionalidade.

Mas as oportunidades não se abriram para toda a massa de imigrantes e


nem todos estavam em condições de aproveitá-las. Por heterogêneos que
fossem os motivos de inserção na ordem industrial, um segmento se
consolidou como núcleo importante na formação da classe operária; e os
primeiros movimentos reivindicatórios envolvendo operários não
qualificados ganharam impulso a partir da contradição entre as aspirações
desses operários como imigrantes e a realidade de suas condições de vida e
de trabalho.
Por sua vez, em cada grupo de trabalhadores estrangeiros, a identidade de
classe, com todos os limites, tendeu a superar a identidade nacional. Isso se
deveu à diferenciação social interna do grupo e à inexistência de uma
xenofobia manifesta permanente, por parte da oligarquia dominante. Veja-
se o exemplo expressivo dos italianos de São Paulo, que constituíram em
grande maioria mão de obra transplantada para o país, por uma opção da
burguesia cafeeira. Esta não pretendia nem se via forçada a abrir aos
imigrantes caminhos que lhes permitissem uma participação política na
sociedade. Porém não tinha razões para incentivar uma xenofobia
contraditória com seu projeto de estimular a vinda do estrangeiro na
condição de força de trabalho “industriosa e dócil”. O preconceito contra os
“italianinhos” na sociedade paulista chegou a expressar-se por ações
coletivas, tendentes a reforçar os laços comunitários do grupo imigrante,
somente na primeira fase da imigração em massa. Nesse período, os
problemas socioculturais decorrentes da inserção no meio brasileiro
provocaram resistências maiores. Mais tarde, assumiu em regra formas
latentes, cujo significado no campo das relações pessoais deve ter sido
considerável, sem impedir, entretanto, o processo geral de gradativa
simbiose dos grupos envolvidos e consequente desaparição do preconceito.
O conflito de maior vulto se deu em agosto de 1896, na capital do estado,
tendo como detonador o caso do “Protocolo Italiano”. A Câmara Federal
vinha discutindo a ratificação de um acordo firmado entre os governos
brasileiro e italiano, estabelecendo o pagamento de indenização a súditos da
Itália por prejuízos sofridos durante a revolução federalista. No curso do
mês, surgiram sintomas de atritos quando estudantes de preparatórios e da
Faculdade de Direito começaram a realizar comícios contra a aprovação do
protocolo. O choque explodiu em 22 de agosto, pondo a nu o nível das
tensões acumuladas na cidade. Por quatro dias, ocorreram lutas no centro,
nos bairros italianos do Brás e do Bom Retiro, com um saldo de vários
mortos e feridos. O posto policial de Santa Ifigênia foi atacado por
italianos, enquanto nacionais invadiam e depredavam a sede do Fanfulla,
um dos jornais da colônia. No Bom Retiro, forças de cavalaria sufocaram
um grande tumulto depois que um grupo de populares arrancou a placa da
rua dos Italianos.33
A explosão inusitada das relações entre os dois grupos se explica a partir
da enorme transformação demográfica e ocupacional que São Paulo vinha
sofrendo na última década do século XIX. Tal transformação, além de
provocar o abalo de antigos valores e de um estilo de vida, caracterizava-se
pelo desalojamento da pequena burguesia nacional de suas antigas posições.
Um comentário do Diário Popular, escrito alguns anos antes do choque,
expressa o processo com clareza. Depois de assinalar as dificuldades
resultantes da carestia de vida e dos desastres financeiros posteriores ao
Encilhamento, ressalta: “a classe média está sendo absorvida pelo elemento
estrangeiro, pela considerável massa dos que emigraram para aqui e
tomaram conta de toda a pequena indústria, de todo o pequeno comércio, de
toda a pequena propriedade e que enriquecida porque trabalha e gasta
pouco, tem amplo e incontestável direito de fazer imposições em seu
exclusivo proveito”.34
Tudo indica que as camadas médias — mais do que a estreita faixa da
grande burguesia — constituíram o núcleo social gerador do conflito,
expresso em seus primeiros momentos pelos estudantes como grupo capaz
de dar expressão ideológica ao ressentimento. Assim, o Correio Paulistano,
após ressaltar que durante os choques se pusera ao lado do país, insistia em
amenizar seus efeitos: “nem os italianos se prestarão a ser instrumentos
contra o povo que os recebe e os trata como irmãos, explorados pelos
agitadores patrícios, nem os gritadores brasileiros encontram eco na
sociedade brasileira, formada por forças conservadoras”.35
A estabilização relativa da estrutura ocupacional da cidade, a crescente
diferenciação interna da massa imigrante contribuíram para tornar raras as
explosões capazes de reforçar a “consciência nacional”. Mesmo na década
de 1890, há exemplos de como a diferenciação social e ideológica entre os
italianos era significativa. Não se trata apenas, sob o ângulo da mobilidade
ascendente, do conhecido fato de que um núcleo de imigrantes começou a
ganhar postos expressivos no comércio e na indústria. No meio urbano,
alguns elementos buscaram adaptar-se às funções de controle de seus
conacionais cujo preenchimento era difícil por parte dos quadros
burocráticos de origem brasileira. Pouco mais de dois anos depois do
episódio do Protocolo Italiano, ocorreu um atrito exemplar no interior do
grupo. Em setembro de 1898, a Unione Meridionale do Bom Retiro,
dirigida pelo subdelegado do bairro — Nicolau Matarazzo —, decidiu
promover manifestação nas ruas, comemorando a independência italiana.
Socialistas e anarquistas organizaram uma contramanifestação “para
mostrar que a data era liberal e não patriótica, pois marcava a queda do
poder temporal dos papas”. As facções se chocaram na praça da República,
daí resultando a morte do militante anarquista Polinice Matei.36
Os autores que enfatizaram a origem de classe como determinação
estrutural limitativa das possibilidades de afirmação de um movimento
operário37 referem-se tanto aos atritos entre estrangeiros de várias
nacionalidades como entre estrangeiros e nacionais. A rigor, as diferenças
não se explicam em termos estritamente “étnicos”. A língua, os costumes
tendiam a acentuar a percepção de cada grupo como estranho um ao outro,
mas essa estranheza tinha um fundamento último na concorrência da força
de trabalho no mercado, em condições desfavoráveis. Os portugueses eram
tidos em São Paulo, pelos organizadores do movimento operário, como
elementos dóceis, destituídos de consciência de classe, uma visão que seu
comportamento muitas vezes confirmava. Sem dúvida, a menor propensão
dos portugueses a organizar-se, constatada sobretudo na capital,
relacionava-se em algum grau com sua experiência prévia. Enquanto os
italianos vinham de regiões em que os sindicatos começavam a surgir38 ou
os movimentos milenaristas deixavam marcas, os portugueses se
originavam de uma área bem mais atrasada no contexto europeu.
Entretanto, se foram menos reivindicativos, se engrossaram por vezes as
fileiras dos “krumiros”, isso se deve em grande parte, como observa
Maram, ao fato de que constituíam um grupo de baixa qualificação,
tardiamente chegado a São Paulo, tendo de lutar em condições desiguais
pelos limitados empregos ocupados pelos italianos. Em Santos, onde eram
maioria ao lado dos espanhóis, estiveram entre os principais responsáveis
pelas frequentes paralisações da área portuária.
O porto do Rio de Janeiro foi onde surgiram com maior intensidade os
desentendimentos entre nacionais e estrangeiros. Em 1908, por exemplo, os
portugueses assumiram por via eleitoral o controle da Sociedade de
Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, durante muitos anos nas
mãos de brasileiros negros ou mulatos. O episódio provocou um grande
conflito na sede do sindicato, na significativa data de Treze de Maio, de que
resultou um morto, vários feridos e o declínio de membros do sindicato de 4
mil para duzentas pessoas. O fato de os atritos terem se concentrado no
porto do Rio de Janeiro não é acidental. Durante muitos anos, o serviço
portuário, pela própria natureza do trabalho, absorvera contingentes de
antigos escravos deslocados de outras atividades urbanas ou oriundos das
zonas agrícolas em decadência, em torno da capital da República. Sob esse
aspecto, o choque citado pode ser entendido como uma reação dos
nacionais à contínua invasão de uma área que lhes parecia reservada,
certamente aproveitada pelos empresários e pela polícia.
Sem subestimar o papel das divisões nacionais como elemento limitador
da organização da classe operária, não penso entretanto que se deva
privilegiá-lo em demasia. A condição de assalariado tendeu a predominar
sobre a de estrangeiro, tanto no interior de cada grupo como em seu inter-
relacionamento. Ao lado dos exemplos de divergências, ao menos no nível
dos setores organizados, abundam as expressões de mútua solidariedade,
particularmente em São Paulo, onde por muitos anos a Comuna de Paris, o
Primeiro de Maio são comemorados por oradores que se expressam em
português, italiano, espanhol e, por vezes, em alemão e francês.39 À maior
homogeneidade étnica da classe operária de São Paulo, com a presença
dominante de italianos, não correspondeu um índice organizatório mais alto
em comparação com o Rio de Janeiro. Seu significado foi relevante
somente em relação à maior influência difusa das ideologias
revolucionárias.
SEGUNDA PARTE

A classe operária e
seu movimento
(1890-1917)
1. Correntes organizatórias e seu campo de incidência

Dos fins do século XIX até o início dos anos 1920, três correntes em grau
variável tiveram influência no movimento operário: o anarquismo, o
socialismo reformista e o “trabalhismo”. Nem sempre é fácil distinguir, em
situações concretas, entre as duas últimas. De modo geral, os socialistas
reformistas, como se sabe, buscam a transformação gradativa do sistema
social existente e defendem a autonomia organizatória dos trabalhadores; o
grupo dos trabalhistas, no caso, corresponde aos que pretendem obter tão
somente a conquista de alguns direitos operários, sem pôr em questão os
fundamentos do sistema social, inclinando-se a incentivar implicitamente a
heteronomia sindical.1

O “TRABALHISMO” CARIOCA

O papel do “trabalhismo” não é desprezível no Rio de Janeiro.


Dominante na última década do século XIX, cedeu terreno ao anarquismo,
mas nunca desapareceu de todo, expressando em embrião dois fenômenos
significativos: a existência no interior do movimento operário de um núcleo
disposto à colaboração de classes e a aceitar a dependência com relação ao
Estado; e a presença de setores sociais propensos a algum tipo de aliança
com a classe operária.
Quais as razões da maior influência trabalhista no Distrito Federal? Em
fins do século XIX, a capital da República não só é a única cidade brasileira
de tamanho considerável como também é a única que tem uma estrutura
social diversificada. Aí se concentra um segmento menos dependente das
classes agrárias, constituído pela classe média profissional e burocrática e
sobretudo por grupos funcionais inclinados a não se identificar com a
burguesia cafeeira: militares de carreira, alunos da Escola da Praia
Vermelha, subsidiariamente estudantes das escolas superiores.2 Por outro
lado, forma-se um núcleo de trabalhadores em setores vitais dos serviços
(ferroviários, marítimos, doqueiros), intocados na época pela ideologia
anarquista. Sem dúvida, os setores intermediários carecem social e
politicamente de homogeneidade. Ainda assim, a existência desses setores
em uma situação de menor dependência das classes agrárias e as
características apontadas do proletariado nascente dão fundamento aos
tímidos projetos de constituição de partidos operários de tipo trabalhista. Os
indícios de uma tentativa de atração da classe surgem com maior clareza
quando o projeto hegemônico da burguesia do café começa a se implantar,
com a ascensão de Prudente de Moraes à presidência da República (1894).
O “jacobinismo” carioca toma conteúdo mais definido, expressando o
inconformismo pelo triunfo da oligarquia paulista por parte de quadros das
Forças Armadas, de políticos das áreas desvinculadas do núcleo
hegemônico.3 Ao mesmo tempo, deita raízes na insatisfação social reinante
em amplas camadas da população do Rio de Janeiro, atingidas pela inflação
e pelas más condições de vida, que veem no comércio em mãos dos
portugueses a origem ostensiva de suas dificuldades. O pasquim O
Jacobino, publicado intermitentemente por Deocleciano Martir, ao lado de
apelos aos trabalhadores, insiste com enorme virulência nessa tecla.4
De um ângulo mais pragmático, o fato de que os operários do quadro das
empresas estatais eram brasileiros e eleitores — sendo o alistamento
condição para o ingresso ao serviço — incentivou também a tentativa de
formação de partidos operários com fins eleitorais.5
Dentre os três “partidos operários” fundados no Rio de Janeiro na década
de 1890, dois são de menor significado e um deles é mais expressivo não
tanto pela organização em si como pela figura de seu principal dirigente. O
frágil Partido Operário encabeçado por Gustavo de Lacerda surgiu em 1890
e desapareceu após uma breve atividade. Lacerda era ex-militar e jornalista
e, segundo parece, fora forçado a deixar as fileiras por sustentar pontos de
vista socialistas. Na realidade, seu comportamento pouco ou nada tinha a
ver com o socialismo: defendia a criação de cooperativas, em vez de
sindicatos militantes, e considerava a greve uma arma ineficiente, utilizável
somente em último recurso. O agrupamento se esfacelou após ser derrotado
nas eleições de 1890. As dissensões internas levaram seu órgão (Voz do
Povo) à falência.
Na mesma época, Luiz França e Silva promoveu a formação de outro
Partido Operário e a edição do jornal Eco Popular. O núcleo de França e
Silva se declarava também contrário às greves, defendendo a necessidade
de conceder direitos aos trabalhadores através de negociações. O partido e o
jornal desapareceram depois das eleições de 1890, quando seu principal
animador e outro candidato receberam juntos somente 804 votos. Em 1892,
França e Silva organizou o chamado I Congresso Operário Nacional, ao
qual compareceram cerca de quatrocentas pessoas. O programa aprovado na
reunião foi lido na Câmara dos Deputados pelo deputado Lauro Muller, que
defendeu a instituição das oito horas diárias de trabalho.6 Mas não há
notícia de atividade do partido, novamente fundado por França e Silva e seu
grupo nessa reunião.
Em 1890, o Centro Artístico do Rio de Janeiro transformou-se em
Partido Operário, sob a presidência do tenente da Marinha José Augusto
Vinhaes. Vinhaes simbolizava a figura do militar de ideias socializantes,
com contatos no meio operário, para quem a República de 1889 não deveria
se identificar com 1789, mas com a “república social”. Esse precursor dos
Cascardo, dos Sisson, figura de exceção de uma corporação marcadamente
conservadora, nasceu no Maranhão (1857), filho de um rico comerciante
português. Educado na Europa, regressou ao Brasil e ingressou na Marinha.
Abolicionista e republicano, esteve presente no episódio de 15 de
novembro, elegendo-se deputado à Constituinte, em 1890. Sua principal
base se encontrava nos empregados e trabalhadores da estrada de ferro
Central do Brasil. Graças às boas relações entre Vinhaes e Deodoro, o
Partido Operário obteve deste uma alteração de dispositivos do Código
Penal de 1890 que definiam como crime a paralisação do trabalho.7
O tenente-deputado tratou de se ligar às lutas operárias nascentes, ao
mesmo tempo que buscava colocá-las a serviço de determinadas facções
políticas, em disputa nos primeiros e incertos anos da República. Em
fevereiro de 1891, defendeu na Câmara os ferroviários da Central em greve;
em maio do mesmo ano, foi a Santos por ocasião de uma greve de
doqueiros, reprimida com grande aparato. Após tentar servir sem êxito de
intermediário, Vinhaes solidarizou-se com os grevistas, aconselhando-os a
prosseguir na luta. Pressionado pelo comércio local, o delegado de Santos
acabou por forçar seu regresso ao Rio de Janeiro. No curso de 1891,
Vinhaes afastou-se gradativamente de Deodoro e não por acaso foi
reformado, a pretexto de invalidez. Ligou-se em novembro daquele ano aos
florianistas, desencadeando uma greve na Central do Brasil durante o
movimento que forçou a renúncia de Deodoro. Por algum tempo, sua
adesão ao florianismo levou-o a desestimular as mobilizações operárias.
Pequenos interesses de grupo e essa circunstância explicam suas críticas ao
Congresso Operário de maio de 1892, do qual esteve ausente: “a questão
operária atravessa no Brasil uma fase brilhante e não deve, de modo algum,
manchar-se na politicalha que se faz em revindita, ao chefe do Estado”.
Como defensor da classe que é a base da sociedade e como florianista não
podia admitir que se especulasse com ela.8
Mas ele também especulava. Em agosto de 1893, quando Floriano se
recusou a cumprir habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal
em favor de federalistas do navio mercante Júpiter, rompeu violentamente
com o marechal e renunciou ao mandato. Um mês depois colocava-se ao
lado do contra-almirante Custódio José de Mello, na Revolta da Armada,
tentando mais uma vez articular uma greve na Central do Brasil. Exilado
após a derrota da revolta, reapareceu em 1899-1900 em uma conspiração
envolvendo republicanos desencantados e monarquistas. Há ainda uma
última referência a sua atividade nos meios operários em 1903, quando foi
eleito para a diretoria do Centro Doméstico, precursor do Centro
Cosmopolita, e presidiu uma reunião do Centro das Classes Operárias que
planejava o Primeiro de Maio.9
A heterogeneidade dos grupos em que Vinhaes se apoiava e a reduzida
importância da classe operária impediram que sua política chegasse a
frutificar. Entretanto, quaisquer que fossem seus limites e contradições,
representou uma das raras vozes democráticas e progressistas no rústico
cenáculo parlamentar da época, onde, como dizia Lopes Trovão, até os
congressistas cuspiam no chão. Na Câmara, denunciou os efeitos do
inflacionismo de Rui Barbosa sobre os salários reais da população
trabalhadora, defendeu a eleição direta do prefeito do Distrito Federal e,
com protestos gerais, o direito de voto do estrangeiro nas eleições
municipais da capital da República.10
No curso dos anos, enquanto o anarquismo ia se tornando a corrente mais
forte no movimento operário, surgiram partidos e organizações efêmeros,
dirigidos em regra por elementos da classe média, com o objetivo de
defender um programa mínimo em favor dos trabalhadores. À frente desses
“Partidos Operários”, “Partidos Operários Socialistas”, estiveram
advogados criminalistas de prestígio no Rio de Janeiro, figuras como
Evaristo de Moraes e Caio Monteiro de Barros, que combinaram a retórica
das grandes questões no júri com a difícil defesa dos direitos operários.11
Um núcleo de certa importância foi o Centro das Classes Operárias que
existiu entre 1902 e 1904, sob a liderança de Vicente Ferreira de Souza,
integrado sobretudo por marítimos.12 Em junho de 1903, o Centro
participou ativamente de uma greve do Lloyd Brasileiro, visando a obter a
demissão de um de seus diretores. Vicente de Souza levantou fundos para
os grevistas e defendeu suas reivindicações perante o ministro da Indústria,
Viação e Obras Públicas. Um ano mais tarde o Centro envolveu-se nas lutas
contra a vacina obrigatória e foi fechado pelas autoridades. Seu líder
morreria poucos anos depois.
Uma referência à parte deve ser feita aos positivistas. Como grupo,
constituíram um núcleo estranho às tentativas de organizar a classe
operária, à qual pretenderam apenas conceder direitos sociais. Em termos
muito gerais, o princípio básico das concepções de Comte residia na
conhecida lei dos três estados, segundo a qual a mente teria uma tendência
inata a passar das interpretações teológicas da experiência para as de tipo
abstrato ou metafísico até chegar ao ponto de alcançar a compreensão
científica ou positiva. Essa doutrina era a um tempo uma teoria do
conhecimento, uma filosofia da história e um programa de reconstrução
social. Concebia a história moderna da humanidade como uma luta
gradativa pela qual se foi progressivamente substituindo um regime
teológico e militar, representado pelo papado e pelo feudalismo, por um
novo regime científico e industrial. Entretanto, nessa passagem o
movimento de decomposição fora mais rápido que o de reorganização da
sociedade, e o mundo moderno conservava o caráter egoísta e desordenado
de suas origens. O equilíbrio social, quando existente, resultava do
equilíbrio momentâneo de interesses privados muitas vezes antagônicos,
abandonando a cultura dos elementos socioafetivos que a Idade Média
assegurara pela vida rústica e os antigos pela vida cívica.
A reconstrução social devia ser alcançada essencialmente pela evolução
intelectual. Como os marxistas mais tarde, mas com um sentido diferente,
Comte valorizou a formação de uma categoria de intelectuais capazes de
criar uma doutrina comum e um sistema de educação. O proletariado —
classe social menos tocada pelos desvios da sociedade — teria o papel de
sustentar a potência espiritual, realizando o reino da opinião pública ao unir
uma grande ideia e uma grande força. A reconstrução social não implicava
alterar as relações de propriedade, mas incentivar a concentração privada
dos meios de produção, por razões de eficiência. O poder temporal seria
exercido por um triunvirato de banqueiros influenciados pela moral
positivista e o espiritual — que daria coesão à sociedade — pelos
intelectuais formados na doutrina, com apoio do proletariado.
Entretanto, para que os operários pudessem cumprir seu papel, era
necessário incorporá-los à sociedade moderna onde até então tinham estado
acampados. A incorporação exprimia: 1o o direito a um salário suficiente
para que a mulher do trabalhador pudesse exercer seu papel de preparo
espiritual da família, definida como fonte de toda a cultura moral; 2o o
direito de receber instrução englobando todos os resultados essenciais da
evolução científica, filosófica e estética da humanidade; 3o a necessidade de
atribuir ao proletariado no seu conjunto um papel social e torná-lo digno de
exercê-lo.13
Parece inútil lembrar que o positivismo era uma ideologia conservadora,
ou do comportamento reacionário de Comte — defensor de Napoleão III —
em seus últimos anos de vida. Entretanto, excepcionalmente, surgiram
algumas figuras positivistas que, a partir do “programa mínimo” comtiano,
se empenharam na luta pelos direitos operários, inclusive o direito de greve,
e no reforço das organizações sindicais.14
Embora nunca se tenha imposto como ideologia hegemônica, o
positivismo teve sua voga na América Latina sob formas variadas,
sobretudo no México e no Brasil, a partir da segunda metade do século XIX.
Em nosso país, como é sabido, desempenhou nessa época um papel
importante de coesão dos grupos nascentes de profissionais voltados para o
aprendizado e o ensino da ciência pura e aplicada. Esses grupos
encontraram na teoria positivista seu lugar na sociedade e um lugar de não
pequena importância. Eles poderiam ser a verdadeira “potência espiritual”
de renovação da sociedade, tarefa que a “pedantocracia” dos bacharéis do
Recife e de São Paulo, ideólogos das classes agrárias, não poderiam
cumprir.15 O esboço de formação de uma intelligentsia constituiu
efetivamente uma descontinuidade no preparo de quadros destinados a
exercer a representação dessas classes. As novas escolas de ensino técnico-
científico, exceto de medicina, nasceram vinculadas ao Exército, sob o
impulso das necessidades de modernização do país e da própria corporação
militar.16
Por um breve período, logo após a Proclamação da República, os
positivistas tentaram “incorporar o proletariado à sociedade moderna”, nos
limites brasileiros, defendendo o reconhecimento de vários direitos sociais,
em oposição ao liberalismo do século XIX que idealizava as relações de
suposta igualdade entre capital e trabalho, confrontados no mercado.
Agradecendo a manifestação das Forças Armadas por ter sido empossado
no Ministério da Agricultura do Governo Provisório, o gaúcho Demétrio
Ribeiro — na época um positivista ortodoxo algo distante do “castilhismo”
— referiu-se à incorporação do proletariado como “uma questão capital
para a República”. Em dezembro de 1889, um dos chefes do Apostolado
Positivista, após consulta e troca de opiniões com cerca de quatrocentos
operários das oficinas do Estado, encaminhou ao Governo Provisório, por
intermédio de Benjamin Constant, um projeto de melhoria das condições de
vida da classe operária. Precedido por uma série de considerações acerca da
natureza do salário, das relações entre capital e trabalho, o projeto propunha
entre outros pontos: a supressão do pagamento por tarefa e a divisão do
salário em duas partes, sendo uma fixa e outra variável de acordo com a
produtividade; sete horas de trabalho diário, descanso dominical e nos dias
de festa nacional, além de quinze dias de férias anuais; salário-enfermidade
correspondente pelo menos à parte fixa das remunerações; garantia de
permanência no emprego após sete anos de serviço, permitida a demissão
somente através de processo que demonstre infração prevista no
regulamento e para a qual comine tal pena; aposentadoria, pelo menos com
a parte fixa dos salários, por invalidez ou por atingir 63 anos o trabalhador,
desde que no último caso não tivesse filhos ou netos maiores que fossem
empregados nas oficinas públicas; pensão por morte do operário, concedida
à viúva e, na falta desta, aos avós, filhas solteiras, filhos menores de 21
anos, correspondendo a dois terços do salário fixo; admissão de aprendizes
somente depois dos catorze anos, com vinte horas semanais de trabalho,
prolongando-se o aprendizado até os 21 anos.17 O projeto, entretanto, não
teve andamento. Ao criticar o novo Regulamento das Escolas do Exército,
baixado por Benjamin Constant, Teixeira Mendes lamentou que ele desse
absoluta prioridade ao Regulamento e esquecesse uma proposta cuja
realização — depois da plena constituição da liberdade espiritual —
constituía o mais seguro concurso prestado pelo governo brasileiro para a
regeneração humana.18
Ao longo da Primeira República, o positivismo cedeu terreno na esfera
ideológica, reduzindo-se como grupo ao pequeno círculo ortodoxo do
Apostolado, destituído de maior importância. Teixeira Mendes voltou a
defender o programa de integração do proletariado em 1912 e combateu as
concepções anarquistas. Ainda assim, nem sempre sustentou uma atitude de
oposição frontal a eles. Manteve uma breve correspondência com
Kropotkin e, em 1908, em nome do Apostolado, aplaudiu a formação da
Confederação Operária Brasileira (COB), considerando-a apesar das
divergências um órgão pacifista, adversário da guerra.19
Entre os elementos estranhos ao meio operário que tentaram organizar os
trabalhadores ou considerar seus problemas a presença de militares, em
maior ou menor grau, é uma constante. Como se sabe, atinge seu clímax
com a ruptura de Prestes (1930) e o posterior surgimento de facções
tenentistas integradas na Aliança Nacional Libertadora. A disposição de
grupos militares em tomar a classe operária como um dado ou mesmo como
um ator do jogo político se liga à situação específica das Forças Armadas e
de setores da classe média no sistema de dominação oligárquica. Por frágil
que fosse o proletariado, por contaminado que estivesse pelas ideologias
revolucionárias, era sempre possível tentar algum tipo de “aliança para
baixo”, na busca de introduzir brechas no sistema.20
Do ângulo da classe operária, a existência no Rio de Janeiro dos germes
de uma corrente limitada à defesa de reivindicações mínimas, pela via da
colaboração de classes e da proteção do Estado, explica-se em grande
medida por duas circunstâncias: pela maior presença de nacionais na
composição da classe, mais receptivos a um tipo de política que se
coadunava com as velhas relações tradicionais e paternalistas; pelo papel de
alguma importância correspondente ao núcleo estatal de serviços, em
especial na área de navegação e ferrovias. O campo de possibilidades de
uma ação de tipo “trabalhista” era nessa área relativamente maior do que no
setor industrial. Isso se devia não apenas à existência de representantes
contestadores das camadas intermediárias, em busca de uma base de apoio
entre os trabalhadores de ramos estratégicos, mas também à própria relação
que aí se estabelecia entre trabalhadores e Estado. As reivindicações
operárias incidiam no caso em um terreno onde predominava o “interesse
público”. Por limitada que fosse a margem de manobra, havia maior
viabilidade em obter do Estado aumentos salariais e vantagens correlatas,
pois ele podia até certo ponto operar em condições onerosas. No setor
industrial — de mercado —, a lógica da acumulação levava os patrões a
adotar uma atitude de inflexível resistência às mínimas pretensões
operárias.21
Ressalve-se porém que me refiro a germes, a sintomas. O estado
oligárquico deixou apenas uma estreita faixa de possibilidades de obtenção
de algumas vantagens corporativas; ao mesmo tempo, tendeu sempre a
adotar uma atitude de força quando a “colaboração” se rompia e as greves
surgiam em uma área estratégica para o sistema agroexportador.
Duas figuras se destacaram no meio operário entre os sindicalistas
pragmáticos, embriões de uma burocracia sindical que não tinha condições
de consolidar-se: Mariano Garcia e Antonio Augusto Pinto Machado.
Mariano Garcia, trabalhador de uma indústria de cigarros em seus primeiros
tempos de atividade, fundou em 1895 o jornal O Operário, lançando o
programa e os estatutos de um “partido socialista”. Na primeira década do
século XX, tentou seguidamente organizar um partido e esteve à frente da
Gazeta Operária, jornal que combinou a defesa dos direitos dos
trabalhadores com o ataque ao anarquismo.22 Colocou-se ao lado da
candidatura de Hermes da Fonseca à presidência da República em 1909,
tendo sido um dos organizadores do Congresso Operário de 1912. Pinto
Machado surgiu no Rio de Janeiro como organizador dos trabalhadores
têxteis entre fins de 1902 e começo de 1903. Logo depois, quando a
influência anarquista cresceu nesse ramo, deslocou sua atividade para a
União dos Operários, em Engenho de Dentro, constituída principalmente de
ferroviários. Tornou-se seu presidente em julho de 1903, ampliando os
quadros associativos. Machado defendia a colaboração da classe operária
com outros setores sociais e a eleição de candidatos reformistas, e
manifestava muitas ressalvas acerca da eficácia das greves. Seus esforços
para formar sindicatos concentraram-se nas regiões mais atrasadas, no
estado do Rio de Janeiro, em Minas Gerais e no Nordeste. Por um breve
período, teve contato até certo ponto menos conflituoso com os anarquistas,
comparecendo ao I Congresso Operário realizado no Rio de Janeiro, em
abril de 1906, onde suas teses, apoiadas por Mariano Garcia, Melchior
Pereira Cardoso e outros, foram rejeitadas. Um mês depois destacou-se no
movimento de solidariedade aos trabalhadores em greve da Companhia
Paulista, tendo sido preso. Daí para a frente, denunciou a ação da
Confederação Operária Brasileira controlada pelos anarquistas, aproximou-
se da candidatura de Hermes da Fonseca, surgindo como o principal
organizador do Congresso Operário de 1912, em nome da Liga do
Operariado do Distrito Federal.23
Os memorialistas do movimento operário nunca pouparam ataques ao
que denominam “Congresso-pelego de 1912” e certamente o qualificativo
não é sem propósito. A reunião, realizada em novembro daquele ano no
Palácio Monroe, teve caráter oficial, com o transporte gratuito de delegados
em navios do Lloyd Brasileiro, alojamento no Rio de Janeiro etc. Mas o
rótulo adequado não pode servir de obstáculo para que se capte sua
significação.
Os partidários da candidatura Rui Barbosa procuraram transformar a
campanha pela sucessão presidencial de 1910 em uma luta, tão a gosto dos
liberais, entre “a civilização e a barbárie”. Rui não demonstrou entretanto
interesse algum pelos setores dominados das cidadelas civilizadas. Hermes,
ao contrário, ainda que vagamente, referiu-se em sua plataforma a uma
preocupação pela sorte das “classes menos favorecidas”. No curso de seu
governo, fez alguns minguados acenos às classes populares, promoveu a
construção de casas operárias, incentivou a formação da Liga do Operariado
do Distrito Federal, atendeu ao pedido de trabalhadores para que se
considerasse o Primeiro de Maio ponto facultativo nas empresas estatais.24
Embora tivesse subido ao poder comprometido com o sistema oligárquico,
graças ao apoio de três grandes estados — Minas Gerais, Rio Grande do Sul
e Pernambuco —, seu triunfo recolocava no centro do governo, entre outras
forças, um grupo militar disposto a levar avante um programa de maior
reforço do Estado nacional, passando pela limitação do poder das
oligarquias regionais. Desse grupo de “salvacionistas” partiram as tentativas
de estabelecer uma base de apoio na classe operária do Rio de Janeiro.
A ideia da convocação de um Congresso Operário foi lançada em agosto
de 1912 pelo tenente Mário Hermes, filho do presidente da República, que
se elegera deputado pela Bahia, afirmando ser “um delegado das aspirações
proletárias no Congresso Nacional”. Por certo, Mário Hermes tinha uma
concepção muito peculiar dessa delegação, pois em sua permanência na
Câmara não demonstrou nenhuma simpatia pelas greves deflagradas em
São Paulo, Santos e Belo Horizonte, em 1912. O objetivo declarado da
reunião seria o de sistematizar reivindicações que o deputado se propunha a
levar ao Parlamento. Seus participantes foram além, criando a
Confederação Brasileira do Trabalho, definida confusamente como “partido
político”, para a qual Pinto Machado foi eleito secretário.
Burocratas sindicais os Mariano Garcia, os Pinto Machado, os Cruz e
Silva? Sem dúvida. Mas é difícil aplicar o rótulo aos participantes da
reunião que aparecem nas fotografias pontilhadas pela presença de homens
negros, com um aspecto desajeitado e plebeu. Os organizadores do encontro
atraíram principalmente associações pouco expressivas do Distrito Federal
e dos estados, afora outras existentes apenas no papel. A ausência dos
sindicatos da capital de São Paulo foi total; dentre as organizações presentes
pelo Distrito Federal, tinham certa expressão as associações de ferroviários
e o Centro Cosmopolita, que não era porém um sindicato operário, pois
reunia empregados em hotéis e restaurantes, abrangendo 2456 membros no
ano de 1912.25 Ao fazer um balanço do encontro, Pinto Machado apontou
não só a ausência dos anarquistas como também “dos que vivendo à sopa
dos políticos, falsos políticos que subiram à custa de curvaturas não tiveram
ordem para vir tomar parte na grande assembleia operária”.26 A alusão
parece dirigir-se a todo o importante setor dos marítimos que durante anos
esteve sob controle de um núcleo de burocratas, conhecidos como “coronéis
marítimos”. É difícil afirmar quais as razões de divergência entre o grupo
de Machado e o dos “coronéis”. Uma hipótese provável é a de que, além
das rivalidades pessoais, a separação se devesse a efetivas diferenças de
comportamento. Enquanto o primeiro procurava situar-se no interior do
movimento operário, com uma posição moderada e colaboradora, o
segundo se aproximava das formas de um verdadeiro gangsterismo sindical.
O confronto entre o conteúdo das reivindicações da reunião de 1912 e o
das reuniões anarquistas assinala muitos pontos coincidentes: oito horas de
trabalho, limitação do trabalho de mulheres e menores, descanso semanal,
indenização por acidentes, pagamento por semana, melhoria de condições
de higiene. Mas as concepções globais acerca dos objetivos da organização
dos trabalhadores, assim como dos instrumentos para alcançar as
reivindicações mínimas, são radicalmente diversas. A introdução às teses
aprovadas em 1912 resume as perspectivas dos “trabalhistas”. Começa-se
por rejeitar qualquer teoria sobre os fins da ação da classe operária para
encerrá-la em um estrito terreno corporativo. Há muitas teorias, divergentes
e opostas entre si, sendo dificílimo decidir com toda a segurança qual delas
seja a verdadeira ou a mais conveniente. Além disso, a grande maioria do
proletariado brasileiro as ignora ou não se interessa por elas. Daí dever o
movimento operário limitar-se ao ponto de convergência de todas as
vontades — a questão dos melhoramentos econômicos, de elevação social,
intelectual e moral da classe —, não se ocupando de doutrinas
internacionalistas, antimilitaristas e antiestatais, nem do problema de
organização da propriedade que se colocará no futuro. A conquista dos
direitos sociais não pode ser alcançada apenas pela ação direta. Esta só
proporciona resultados locais e, como necessita de um exercício contínuo e
intenso, fortalece alguns homens talhados para a luta, mas enerva e
desanima a grande maioria dos proletários. O caminho preferencial é o da
política, dentro dos quadros do sistema. Em um país como o Brasil, regido
por instituições democráticas, o abandono por parte do proletariado do
exercício dos direitos políticos conduz inevitavelmente ao predomínio dos
elementos mais conservadores e plutocráticos que não duvidam em servir-
se da formidável máquina governamental para esmagar impiedosamente
qualquer agitação, mesmo legal e ordeira. Disso decorre a necessidade de a
classe organizar-se em uma grande associação nacional de caráter político e
autônomo, seja para eleger seus candidatos seja para eleger pessoas de
outros quaisquer partidos que se comprometam a trabalhar, no todo ou em
parte, em favor das medidas reclamadas pelo proletariado. O texto não faz
referência expressa aos políticos dos quais se podia esperar o compromisso.
Mas um gesto simbólico ajuda a entender em que direção iam as
expectativas: uma comissão de membros do Congresso foi depositar flores
no túmulo dos inolvidáveis brasileiros Deodoro, Benjamin Constant e
Floriano.
As resoluções aprovadas constituíam um programa amplo de legislação
trabalhista, em alguns aspectos idêntico, segundo Pinto Machado, às
propostas do Partido Socialista Coletivista, fundado em 1902 por Vicente de
Souza e Gustavo de Lacerda. Previa, além dos pontos já citados: o seguro-
doença e contra o desemprego em caráter obrigatório, criando para esse fim
uma caixa com a contribuição em partes iguais de patrões, operários e do
Estado; pensão por velhice ou invalidez, cujos recursos seriam constituídos
pelo patrimônio de instituições já existentes com essa finalidade, outras
fontes de receita a juízo do Poder Legislativo e uma pequena cota mensal
dividida entre patrões, empregados e o Estado; instituição do contrato
coletivo de trabalho para garantir a elevação e a estabilidade dos salários,
pois, quando o contrato é individual, há uma relação de desigualdade entre
patrão e operário, especialmente se a oferta de mão de obra excede a
procura; criação de um tribunal de “árbitros-avindores”, para dirimir os
conflitos entre patrões e operários, com representação igual “e sem outros
membros, além, quando for preciso, do desempatador”; decretação de um
salário mínimo indispensável à subsistência. A realização desse programa
só poderia ser atingida pela fixação dos direitos em lei, cabendo à classe
operária pressionar por seu êxito, através de uma agitação “legal e ordeira”.
Um mundo separava esses “trabalhistas” dos militantes libertários. Estes,
em seus esforços em constituir um movimento operário independente,
estavam qualitativamente em um campo diverso e superior com relação aos
primeiros, aproximando-se das tendências espontâneas do proletariado de
origem imigrante. É quase desnecessário ressaltar, do ponto de vista da
prática, as diferenças entre os núcleos anarquistas, bem ou mal ligados à
classe operária, e o punhado de burocratas em embrião, buscando a sombra
protetora de Hermes. Convém, porém, observar que o programa de 1912
continha um grau de verdade, em sua contraposição aos pontos de vista do
anarquismo, onde este se apresentava mais débil, isto é, no não
reconhecimento da luta política e na incompreensão do significado do
Estado. Não só percebiam os “trabalhistas” a impossibilidade de concretizar
um conjunto de reivindicações mínimas sem sua fixação em lei, como
delineavam um programa nacional, estranho às preocupações dos
anarquistas que acabavam por ser mais economicistas do que os defensores
expressos dessa posição. Ao propor alguns pontos centrais de debate, Pinto
Machado incluía a instrução primária obrigatória, a simplificação do
processo eleitoral para expressar a verdade das urnas, a abolição de
monopólios e privilégios, a decretação do imposto territorial sobre a grande
propriedade, a criação do imposto de renda, a diminuição de impostos de
importação de gêneros alimentícios e matérias-primas para a indústria, o
aumento da taxação dos objetos de luxo.
A análise do encontro de 1912 tem interesse como sintoma e não por sua
significação prática. A Confederação Brasileira do Trabalho nasceu morta e,
no frágil movimento operário da época, os grupos de “trabalhistas”
tornaram-se gradativamente minoritários, exceto na importante área dos
marítimos. A política dos moderados só poderia frutificar por meio de dois
fatores: a existência na sociedade brasileira do período de uma classe média
com suficiente autonomia para buscar uma aliança com os setores
populares; a presença no nível do Estado de grupos interessados em cumprir
o papel de mediadores da colaboração de classes, viabilizando aos olhos
dos trabalhadores uma política desse tipo. O fato de que a última década do
século XIX tenha sido o período de maior influência dos pequenos partidos
trabalhistas e do sindicalismo moderado no Rio de Janeiro liga-se não só à
relevância do setor de serviços como à conjuntura de indefinição do Estado.
Nos primeiros anos deste século, estarão já traçadas as linhas de um Estado
oligárquico, sustentado pelas classes agrárias das maiores unidades
estaduais e estranho a qualquer compromisso com as classes dominadas
urbanas.
Entretanto, tanto o predomínio libertário como a decadência relativa do
“trabalhismo” no Rio de Janeiro se deram através de um processo gradual e
matizado. Ainda em 1904, o Primeiro de Maio era comemorado como
“qualquer festa religiosa”, segundo a desanimada descrição da imprensa
anarquista:
a União Operária de Engenho de Dentro deu salvas de 21 tiros e foi à residência do Deputado
Américo de Albuquerque para lhe dar diploma de sócio benemérito; a União dos Artistas
Sapateiros realizou uma sessão solene e convidou para falar um intendente municipal; os
operários da fábrica de calçados “Globo” fizeram manifestação de apreço aos patrões, por estes
não haverem aderido ao “Centro Industrial dos Fabricantes de Calçado”, oferecendo-lhes uma
cesta de flores, retribuída com um almoço de confraternização; a Federação Artística Operária fez
uma sessão solene e chamou Irineu Machado para presidi-la. É justo que se diga que só houve
uma nota discordante. O Centro das Classes Operárias, capela do dr. Vicente de Souza, negou-se a
festas, quando os trabalhadores passam dificuldades.27

Até o período das grandes greves (1917-20), o protesto popular


policlassista teve no Rio de Janeiro maior ressonância do que as
paralisações especificamente operárias.28 O exemplo mais expressivo é o
episódio da revolta contra a vacina obrigatória, ocorrida em novembro de
1904, misto de rebeldia com ressonâncias arcaicas, contestação
antioligárquica e reivindicação social. Duas correntes socialmente distintas
convergem para a revolta, tocadas por objetivos até certo ponto diversos:
oficiais do Exército e alunos das Escolas Militares, encabeçados por
homens como Lauro Sodré e Barbosa Lima;29 trabalhadores e outros
elementos populares, organizados em torno da associação dirigida por
Vicente de Souza. Entretanto, são muitos os pontos de contato entre ambas
as correntes, que, durante alguns dias, tendem a confundir-se em um único
movimento.
Ao contrário do que sucedeu na capital da República, as primeiras
manifestações do movimento operário em São Paulo surgiram já sob a
inspiração de ideologias revolucionárias ou classistas — o anarquismo e,
em muito menor grau, o socialismo reformista. As condições sociopolíticas
tendiam a confirmar as ideologias negadoras da organização vigente na
sociedade aos olhos da marginalizada classe operária nascente, estrangeira
em sua grande maioria. Era inviável uma tentativa de aliança com outros
setores sociais pela simples ausência de determinados grupos (os jovens das
escolas militares e alguns oficiais das Forças Armadas em especial) e pelas
características da classe média. O segmento estrangeiro desta, em processo
de crescimento, estava voltado para o projeto de ascensão e carecia de
condições ou razões que o levassem a aparecer como força social. A “velha
classe média” girava em torno da burguesia do café, da qual era econômica
e culturalmente dependente e com frequência tratava de colocar a marca da
exclusão sobre todo o contingente de estrangeiros, embora o alvo principal
fossem os elementos integrantes do setor terciário.
Convém ressalvar que estou me referindo às grandes linhas do processo
sociopolítico e não às tendências de menor significação. Algum tipo de
jacobinismo florianista existiu episodicamente, girando em torno de
estudantes de direito. Ao mesmo tempo, houve tentativas de atrair o apoio
de trabalhadores da São Paulo Railway quando os “deodoristas” paulistas
buscaram apoiar a Revolta da Armada. Mas trata-se sempre de fatos de
pouca expressão que não desmentem a linha geral de hegemonia do
liberalismo oligárquico, representado pela burguesia do café. Por sua vez, o
positivismo deitou poucas raízes em São Paulo, tendendo a confundir-se,
como observou Morse, com o “darwinismo social”. Seu mais conspícuo
representante, o heterodoxo Pereira Barreto — progressista em seu ataque à
monocultura, ao clericalismo, à retórica vazia como padrão cultural
produzido pela Faculdade de Direito —, moveu-se em um universo
dominado pela força social hegemônica, completamente diverso da
atmosfera da Escola Militar ou dos debates populares do Rio de Janeiro.
O protesto social em São Paulo identificou-se com o protesto operário, e
as manifestações populares contra as condições gerais de existência se
deram em pequeno número. Houve também maior entendimento entre as
facções que pretendiam organizar a classe operária, dada a hegemonia das
tendências situadas em posição de combate ao sistema vigente. As
polêmicas entre anarquistas e socialistas chegaram às vezes a ganhar um
tom inflamado,30 mas a colaboração em ações concretas, apesar das
divergências, se estabeleceu em vários momentos. As duas correntes
apareceram juntas, no longínquo 15 de abril de 1894, quando foram presos
nove militantes reunidos para deliberar acerca do Primeiro de Maio, por
denúncia atribuída ao cônsul italiano; nas manifestações de protesto contra
o massacre de janeiro de 1905 na Rússia tsarista; contra a Guerra Mundial,
a 1o de maio de 1915 etc.
Em contraste, os anarquistas nunca pouparam ataques aos “trabalhistas”
cariocas de Pinto Machado e seu grupo, por estarem voltados para uma
política de colaboração de classes. Dentre os inúmeros exemplos, em 1908,
A Voz do Trabalhador ridicularizou a fundação de um quarto ou quinto
partido socialista, por meia dúzia de indivíduos reunidos na sede dos
carroceiros e estivadores, com fins eleitorais. Alguns meses depois, o jornal
atacou Mariano Garcia, Pinto Machado e outros, por se aproximarem de
Hermes da Fonseca, definindo-os como “operários que bajulam os
potentados, em prejuízo da autonomia da classe”.31
A maior receptividade da classe operária de São Paulo às ideologias
revolucionárias constituía um dado assente para os contemporâneos.
Procurando explicar o fato, o anarcossindicalista Amaro Porto referia-se em
lúcido artigo de agosto de 1912 à impossibilidade de aplicar no Rio de
Janeiro “a tática e a orientação tal qual nos veio da Europa”. Definia a
capital da República como uma cidade de população heterogênea, com uma
grande porcentagem de analfabetos, cuja classe operária estava dispersa em
bairros de difícil e dispendiosa comunicação. Para ressaltar o relativo êxito
da propaganda anarquista em São Paulo, destacava que a capital paulista era
uma “cidade italiana”, com um meio social mais homogêneo. Sua
conclusão ressaltava a “maior intensidade do movimento operário”, embora
envolvesse menor número de pessoas.32
O anarquismo se converteria entretanto na principal corrente
organizatória do movimento operário, tanto no Rio de Janeiro como em São
Paulo. Mas a influência do sindicalismo moderado ou dos “coronéis
marítimos” seria mantida intacta em algumas áreas e revelaria certo peso no
curso das grandes greves de 1917-20.

ANARQUISMO

O pensamento reacionário forjou a imagem botânica da “planta exótica”


para rotular as correntes revolucionárias que deitaram raízes na sociedade
brasileira. Planta exótica as “ideias francesas” dos liberais brasileiros, em
voga a partir de fins do século XVIII, o anarquismo de cem anos depois, o
socialismo inspirado na III Internacional, a partir da década de 1920.
Mantendo a imagem, convém lembrar que as espécies ideológicas dos
países dependentes, qualquer que seja sua classificação, germinaram
sempre com o auxílio das sementes importadas. No caso do anarquismo, o
papel da importação foi considerável: através dos imigrantes, chegaram ao
país não só os intelectuais portadores da ideologia como massas de
trabalhadores pelo menos em algum grau tocados por ela.

As grandes linhas ideológicas

Sem pretensões à originalidade, recordo o conteúdo das principais


correntes em que se dividiu o movimento libertário, entre meados do século
XIX e o início da Primeira Guerra Mundial, começando por identificar seus
traços comuns.33 Como diz George Woodcock, a despeito de suas
variações, o anarquismo pode ser tratado como um sistema de pensamento
social visando a modificações fundamentais na estrutura da sociedade com
o objetivo de substituir a autoridade do Estado por alguma forma de
cooperação não governamental entre indivíduos livres. Esse objetivo — que
pressupõe a supressão do capitalismo — deve ser alcançado pela via da
ação direta, limitada ao terreno econômico e ideológico, com a recusa da
luta política. Cada indivíduo ou o povo, considerado como um agregado de
indivíduos soberanos, faz sua escolha no sentido de integrar um sindicato,
participar de uma greve ou de um movimento insurrecional. A “ação direta”
vincula-se ao princípio de que as transformações sociais só são possíveis
através de órgãos não coercitivos, expressando a decisão individual de seus
membros. A negativa da instância política decorre da concepção anarquista
acerca do caráter do Estado. Este é a corporificação da ideia de autoridade,
correspondendo à necessidade subjetiva da classe dominante de contar com
um instrumento de tal natureza. Por isso, toda a prática política, que tem
como nível específico o Estado, é um “jogo corruptor, dentro dos limites da
autoridade”. A ação das classes dominadas deveria reduzir-se ao nível
econômico e ideológico: os conflitos de classe decorrem das relações
econômicas de produção/exploração e é no terreno dessas relações que se
pode encontrar o método revolucionário para pôr fim à desigualdade social.
Ao mesmo tempo, a adesão dos trabalhadores às associações livres,
derivadas da luta econômica, pressupõe a evolução da consciência dos
setores explorados da sociedade ao nível libertário. Por meio das
associações livres, sem ingerência dos patrões ou a regulamentação do
Estado, os produtores diretos acabariam por suprimir o poder estatal e todo
o sistema opressivo através do ato revolucionário.
Como se sabe, as correntes anarquistas não consideram o proletariado
como “classe universal”. A sociedade se divide nas categorias básicas de
“exploradores e explorados”, e estes abrangem os camponeses, a classe
operária, o lumpenproletariado, enfim os “deserdados da fortuna”. Bakunin,
por exemplo, julga ser injusto o desprezo manifestado por Marx e Engels
pelo lumpenproletário “porque nele e somente nele, e não na camada
aburguesada da massa operária, residem o espírito e a força da futura
revolução social”.34
É a partir desse tronco comum que se distinguem o mutualismo
proudhoniano, o anarcocoletivismo, o anarcocomunismo e o
anarcossindicalismo. O mutualismo proudhoniano investia contra o capital
e o Estado capitalista, pretendendo substituí-lo por uma livre associação de
produtores diretos, possuidores dos meios de produção. O mundo do futuro
era concebido como uma grande federação de comunas e cooperativas de
trabalhadores, ligadas por contratos de troca e crédito mútuo que
assegurariam a cada indivíduo o produto de seu trabalho.
O anarcocoletivismo, que teve em Bakunin sua figura mais importante,
distinguia-se do mutualismo por optar claramente pela coletivização dos
meios de produção, por sua defesa da violência e a ênfase no papel que os
sindicatos desempenhariam na obra emancipadora da sociedade. A
autogestão contém em si os germes da libertação econômica das massas
trabalhadoras, mas é uma premissa insuficiente para impedir o surgimento
de uma classe de exploradores. Ela só poderá se desenvolver realmente
quando “os capitais, os estabelecimentos industriais, as matérias-primas e
instrumentos de trabalho se tornarem propriedade coletiva das associações
operárias produtivas, tanto industriais como agrícolas, livremente
organizadas e federadas entre si”. Enquanto a revolução social não se
realiza, as cooperativas de produção podem ter um papel no sentido de
habituar os operários a autodirigir-se, mas sua eficácia como instrumento de
luta é limitada, e Bakunin incita os trabalhadores a “se ocupar mais de
greves do que de cooperação”.35 A ênfase no papel do sindicato representa
uma ponte entre o anarcocoletivismo e o anarcossindicalismo. Não é,
entretanto, uma constante do pensamento de Bakunin e seus seguidores
cujas concepções de uma revolução espontânea se baseiam com frequência
nos camponeses e no lumpenproletariado. Foi durante a década de 1970,
especialmente, que Bakunin acentuou a importância do trabalho dos
anarquistas nos sindicatos como “organização natural das massas” e como
“único instrumento de guerra verdadeiramente eficaz”. O sindicalismo
operário seria o articulador da autogestão e um instrumento do plano
econômico e da unidade da produção. As diversas associações produtivas
deveriam ser coordenadas pelas federações sindicais, que impediriam a
“gestão egoísta” capaz de gerar novas diferenças sociais. Por fim, enquanto
os proudhonianos optaram pela multiplicação pacífica das organizações
cooperativas, os bakuninistas se inclinaram para o caminho revolucionário,
a que Bakunin aliás dedicou toda sua vida.
As relações de produção/apropriação no interior da comuna libertária
constituíram o ponto central de divergência do anarcocomunismo com as
duas correntes anteriores. Kropotkin submeteu à crítica as noções de
“mutualismo” e “coletivismo”, afirmando que elas mantinham intactas as
formas de exploração e abriam caminho a novas desigualdades. O sistema
de distribuição, no pensamento de Proudhon e Bakunin, baseava-se na
quantidade e na qualidade do trabalho e pressupunha a permanência de
alguma forma de salário, através dos Bancos Operários ou dos cheques de
trabalho. Os anarcocomunistas sustentaram a necessidade de realizar de
imediato a tese marxista: “de cada um segundo sua capacidade; a cada um
segundo suas necessidades”. O critério de distribuição de bens e serviços
deveria ser a necessidade e não o trabalho, suprimindo-se assim o salário
como fonte de desigualdades no interior da comuna. Kropotkin combinou
esse programa estratégico radical com uma tática até certo ponto moderada:
sua relutante aceitação da violência se baseava no fato de que esta ocorreria
para bem ou para mal no curso das revoluções — estágios inevitáveis do
progresso humano. Porém, o evolucionismo de Kropotkin tendia a conceber
as revoluções muito mais como um produto espontâneo de condições
sociais do que da ação humana: “a evolução nunca avança tão
vagarosamente e sem sobressaltos como se tem afirmado. Evolução e
revolução se alternam e as revoluções — isto é, os períodos de evolução
acelerada — pertencem à unidade da natureza tanto quanto os períodos em
que a evolução se realiza mais vagarosamente”.36
No curso dos anos 1890, nas organizações sindicais francesas
desenvolveu-se o anarcossindicalismo, com ênfase no papel do sindicato
não só como órgão de luta (cuja principal tática era a greve geral) mas
também como núcleo básico da sociedade do futuro. Bakunin e outros
haviam dado importância instrumental ao sindicato e à greve. Porém, a
originalidade do anarcossindicalismo consistia na adaptação de elementos
do passado às circunstâncias do mundo industrial de fins do século XX,
considerando o sindicato e não a comuna a unidade social fundamental, e
ressaltando a ação operária, oposta à conspiração ou à insurreição popular.37
Por último, resta referir-se ao terrorismo anarquista, que se transformou
em uma espécie de clichê do movimento. Embora alguns terroristas
fundassem suas iniciativas no individualismo anárquico, na concepção da
revolução como fruto de uma série de atos de violência individual, não se
pode falar propriamente de uma teoria de terrorismo anarquista. Com
frequência, ele foi encarado (e utilizado) como tática paralela para reforçar,
através da “propaganda pela ação”, a estratégia central das diversas
correntes ou representou o ato apaixonado e cheio de encanto trágico de
indivíduos ou grupos isolados.

O ascenso na América Latina

Como se sabe, a hegemonia anarquista no interior do movimento


operário até a Revolução Russa é um padrão comum a quase todos os países
latino-americanos. As razões tradicionalmente apontadas para esse fato
destacam o papel ideológico representado pelos imigrantes e a relativa
similaridade do estágio de desenvolvimento do capitalismo industrial em
seu país de origem e na América Latina. De fato, as doutrinas anarquistas
propagaram-se em regra nas áreas de menor concentração industrial (Itália,
Espanha, França, Portugal), onde predominava a pequena indústria de
propriedade individual ou familiar, na qual a organização do trabalho se
baseava amplamente em trabalhadores qualificados, nos ex-artesãos
convertidos em assalariados. Como lembra Leôncio Martins Rodrigues, as
doutrinas que apregoam a gestão operária, a ação direta e a importância das
minorias militantes têm nessa forma de produção um campo propício. Na
medida em que as funções patronais limitam-se à comercialização do
produto e ao fornecimento do capital, as soluções de tipo anarquista ou
anarcossindicalista se apresentam como claramente exequíveis.38 Por outro
lado, a crença libertária na virtude individual, na “nobreza dos homens
livres” em contraponto com a “liberdade da nobreza”, pode corporificar-se
em uma valorização da dignidade do trabalho, tão cara ao trabalhador
especializado de tipo semiartesanal.
Sheldon Maram criticou essa conhecida versão, procurando demonstrar
que não há relação entre o grau de desenvolvimento capitalista e a maior ou
menor influência do anarquismo. Segundo seu argumento, o problema da
organização dos trabalhadores até a Revolução de Outubro não deve ser
visto sob o ângulo de ideologias mais ou menos adaptáveis a determinadas
formas produtivas. Os operários especializados teriam se organizado
primeiro simplesmente pela maior facilidade de se articular, enquanto a
sindicalização da massa dos não qualificados surgiu posteriormente, após
décadas de esforço. Quando esse esforço frutificou, o sindicalismo
revolucionário entrara em declínio, sendo suplantado pelo socialismo
marxista. A crise do anarquismo não estaria ligada às condições da indústria
moderna, mas sobretudo à atração exercida por um modelo em
funcionamento na União Soviética. Lembra Maram que afinal os libertários
foram os primeiros responsáveis pela organização dos trabalhadores da
grande empresa têxtil no Brasil, assim como constituíram um movimento de
vital importância na Espanha, depois dos anos 1920, tendo sua maior força
no proletariado industrial de Barcelona. Por outro lado, critica a constatação
trivial da procedência dos imigrantes vindos para o Brasil, ao dizer que não
apenas o anarquismo mas outras correntes existiam no movimento operário
da Itália, da Espanha e de Portugal. Seria necessário explicar por que essas
correntes nunca adquiriram no Brasil força proporcional aos países de
origem.39
Não obstante os reparos de Maram, penso que as constatações
tradicionais contêm uma boa dose de verdade. É óbvio que não se pretende
estabelecer uma correlação entre forma de produção e influência ideológica
sem a interveniência de outros fatores: a grande indústria não é uma área
inteiramente fechada à penetração anarquista até a Primeira Guerra
Mundial, nem é o reino milenar do socialismo reformista ou revolucionário.
Só uma análise da formação social de cada país mostraria de modo
abrangente como o anarquismo se estabeleceu, em países europeus de
industrialização tardia, nos bolsões industriais de Barcelona ou Milão, e
como mesmo após a Revolução Russa manteve e reforçou seu prestígio na
Espanha até a Guerra Civil. Entendida, porém, dentro desses limites, a
correlação conserva sua força explicativa. Qualquer que tenha sido a
dificuldade ou por vezes o desinteresse em organizar os trabalhadores
pouco qualificados, as correntes socialistas (abstraída aqui sua diversidade),
com sua ênfase no papel transitório do Estado, na ação do partido, no uso
de aparelhos largamente centralizados para responder à centralização do
capital, exerceram forte atração nos países de grande indústria (Grã-
Bretanha, Alemanha, Bélgica), antes da Primeira Guerra Mundial. E, afinal
de contas, se a Revolução Russa teve um importante papel na difusão do
socialismo revolucionário, caberia lembrar que sua força social básica
localizava-se na classe operária dos núcleos industriais capitalistas de
Petrogrado e secundariamente de Moscou. Também é difícil reduzir o
significado dos imigrantes na implantação do anarquismo na América
Latina e a importância de sua proveniência de países onde o movimento
libertário tinha pelo menos bastante prestígio. Entretanto, apesar das
restrições ao argumento de Maram, ele tem o grande mérito de chamar a
atenção para as razões específicas da ascensão e do posterior declínio do
anarquismo na área latino-americana. Se logrou relativo êxito nessa área,
isso se deve não só ao fato de ter encontrado bom campo de germinação na
pequena empresa de base artesanal, mas a outros elementos que é
necessário examinar com algum detalhe.
A recusa à luta política e o implícito economismo tinham particular
atração sobre a massa de imigrantes, chegados à nova terra em busca de
ascensão social e não de um mundo político estranho. Frustradas as
primeiras expectativas, defrontavam-se com o Estado — inimigo longínquo
que seria um dia necessário suprimir. Sem muita sofisticação, o anarquista
corporificava esse sentimento e lhe dava um conteúdo de luta, pela via da
organização dos sindicatos e da greve geral revolucionária. A classe
dominante e o Estado tinham um comportamento tendente a reforçar tal
apreensão da realidade. Restringindo-me ao caso brasileiro, não havia
interesse (nem necessidade) de favorecer a incorporação das massas,
inclusive as de origem nacional, ao processo político. Os imigrantes
estavam sendo transplantados para o país não como cidadãos mas, tanto
quanto possível, como “força produtiva pura”. A política oligárquica podia
assim ser facilmente identificada com a política em geral, um sujo e
monótono jogo destinado a perpetuar o autoritarismo dos exploradores. Em
um país como o Brasil, onde imperava uma ordem política fortemente
excludente, é fácil perceber como a rejeição dessa instância podia ser
atraente também para elementos das classes populares nacionais. O reino da
política não era o campo específico de confrontação dos diferentes
interesses de classe, mas a área privilegiada de ação dos “ricos”, todos eles
mais ou menos iguais em suas intenções de explorar em proveito próprio e
de seus afilhados a máquina estatal. Mais uma vez, o Estado oligárquico
parecia confirmar em larga medida a teoria anarquista, ao negar o
reconhecimento dos mínimos direitos operários, ao optar pela repressão nos
momentos de confronto aberto de classes.40
Alguns outros elementos ideológicos parecem ter contribuído para a
difusão do movimento anarquista na América Latina até o início dos anos
1920, em conexão com a situação social e psicológica do trabalhador
imigrante. O componente utópico — milenarista das doutrinas libertárias —
deve ter compensado em parte as frustrações das expectativas de ascensão
social. Ao mesmo tempo, é tentadora a hipótese de uma correspondência
entre o cosmopolitismo anarquista e os sentimentos que muitos imigrantes
abrigavam. Como observa Julio Godio,
a recusa destes à ordem existente encontrava no anarquismo uma resposta simples mas
satisfatória: os “grandes culpados” eram os patrões e o Estado; onde eles existissem os males dos
trabalhadores imigrantes estavam presentes. Por isso, sua condição de explorado era ideologizada
pelo anarquista como necessário cosmopolitismo de todo trabalhador. O internacionalismo
proletário se transformava assim em uma espécie de universalismo obreirista, cujo sentido último
era a “irmandade universal dos explorados”.41

Em seu livro clássico sobre a imigração italiana, Robert Foerster referiu-


se precisamente à tendência ao cosmopolitismo observável entre
camponeses do norte da Itália, sintetizada nesta resposta de trabalhadores
agrícolas da Lombardia a um decreto ministerial procurando restringir a
emigração:
O que o sr. ministro entende por nação? É a massa dos infelizes? Sim, então somos mesmo a
nação […]. Plantamos e colhemos trigo, mas nunca experimentamos pão branco. Cultivamos a
vinha, mas não bebemos vinho. Criamos animais para dar alimento, mas não comemos carne.
Estamos vestidos de farrapos […]. E apesar de tudo isto, o sr. ministro nos aconselha a não
abandonar nosso país. Mas a terra, em que não se pode viver apesar do trabalho duro, é a terra da
gente?42

Esse quadro contribui para explicar a ascensão do anarquismo, em maior


ou menor grau, nos países da América Latina. Porém, seu declínio tem
como ponto básico a conjuntura histórica de 1917-20. Ao menos no caso
brasileiro, os anarquistas fizeram naqueles anos seu grande teste político,
malgrado o horror que a palavra lhes pudesse causar. A derrota dos
trabalhadores, sob sua direção, levou-os à decadência e deprimiu o
movimento operário por muitos anos. Certamente, isso não teve nada a ver
com alterações na forma da produção, pois esta não mudou
significativamente nos anos 1920, ou mesmo nos anos 1930. Quando de
algum modo a presença operária ressurgiu na cena política, logo após a
Revolução de 1930, o padrão da sociedade se alterara bastante, tudo
concorrendo para que o anarquismo desaparecesse em definitivo como
força social: radicalização de setores da classe média com conteúdo
nacionalista-popular, exercendo atração nos meios operários, prestígio da
União Soviética, alteração na composição da classe operária, mudança de
comportamento do Estado.

O anarquismo brasileiro

Ao mesmo tempo que se esboça como doutrina emancipadora das


camadas dominadas da sociedade, o anarquismo brasileiro está associado a
um sistema de pensamento cientificista, corporificado no evolucionismo e
no livre-pensamento, cujo raio de influência não é desprezível nos núcleos
urbanos brasileiros dos primeiros anos do século. Em sua versão
conservadora, esse sistema de pensamento constituiu uma tentativa de
implantar uma racionalidade burguesa consentânea com as transformações
da infraestrutura da sociedade que apontavam para a emergência do
capitalismo. Assim como na Europa lutara-se contra o poder da Igreja —
expressão do mundo feudal —, o anticlericalismo assumia no Brasil a
forma de um combate contra a velha ordem patrimonialista, em nome de
uma nova ordem baseada no progresso e na verdade científica. Se o
cientificismo laico não chegou a se transformar em ideologia hegemônica,
contribuiu para dar origem a uma elite dirigente republicana anticlerical e
pouco receptiva a encontrar na Igreja um aparelho ideológico de
sustentação do regime.43
A campanha contra a Igreja ganhou forma em círculos que não se
limitaram aos libertários, nas ligas anticlericais de São Paulo44 e do Rio de
Janeiro, ou em torno de jornais como O Livre Pensador, A Lanterna,
L’Asino Umano — os dois primeiros com uma longa existência. Esses
jornais e as próprias ligas converteram-se em um elo entre o ramo mais
democrático do anticlericalismo e as doutrinas de transformação radical da
sociedade. O Livre Pensador, publicado intermitentemente entre 1902 e
1914, era dirigido pelo gráfico maçom Everardo Dias, que aderiu ao
anarquismo após uma breve passagem pelo grupo dos partidários da
candidatura Hermes da Fonseca, em São Paulo (1909). Ostentando em seus
primeiros números as epígrafes panfletárias “Fugi, vampiros sociais”,
“Abaixo o Vaticano”, o jornal combinava o elogio de Lamarck, Darwin,
Haeckel, Spencer, com artigos socialistas e anarquistas, o noticiário das
lojas maçônicas, a defesa da emancipação da mulher, articulada pela
socialista Ernestina Lesina.45
A oposição aos dogmas católicos aparece como momento relevante na
formação de duas das mais importantes figuras do movimento libertário.
José Oiticica, filho de senador, com estudos incompletos de direito e
medicina, diretor de uma escola municipal em Laguna (Santa Catarina),
onde segundo se diz procurou aplicar intuitivamente concepções
anarquistas, foi em 1912 um dos líderes da Liga Anticlerical do Rio de
Janeiro, entrando posteriormente em contato (1913) com o movimento
libertário; Astrojildo Pereira, filho de um pequeno comerciante do estado do
Rio, antes de iniciar sua carreira como anarquista entre os tecelões
fluminenses do Grupo Operário Germinal, por volta de 1910, foi também
um anticlerical, admirador de Benjamin Constant e Rui Barbosa.46
Do ponto de vista das concepções teóricas, paradoxalmente, Spencer
figura nas folhas anarquistas como fonte inspiradora, ao lado de Bakunin,
Proudhon, Malatesta. Tanto quanto camadas da elite, das quais estavam
socialmente distantes, alguns anarquistas adotaram as concepções gerais de
Spencer, sobretudo a identificação da evolução social com a do organismo
vivo, sujeita ao mesmo tipo de transformações.47 O que os atraía em
Spencer, sob o ângulo programático, não era o progresso, ou obviamente o
darwinismo social, mas outros aspectos do liberalismo spenceriano: a
redução das grandes fortunas, o equilíbrio entre os produtores, a forte
limitação do poder do Estado.48
O entroncamento do anarquismo com o pensamento cientificista e laico
levava-o por vezes a concentrar fogo em uma instituição, ao acordo com
elementos estranhos à área libertária. Esses “desvios” não deixaram de
provocar críticas. Em 1912, um ano após uma cerrada campanha contra a
Igreja, Gigi Damiani defendia uma estratégia puramente anárquica,
abandonando a luta anticlericalista, realizada no interesse de terceiros, que
se servem do gato para tirar a castanha do fogo. Afinal, dizia: “quem não
crê em Deus, mas crê no Estado, não mudou nada: não se inclina ao padre
mas se inclina ao patrão”.49
A luta “puramente anárquica”, reclamada por Gigi, era o
anarcossindicalismo, inspirado na CGT francesa e que se tornara a tendência
predominante nos círculos libertários. O sindicato — a um tempo
instrumento de conquista dos mínimos direitos da classe trabalhadora e
prefiguração da sociedade futura — seria o único órgão capaz de agrupar,
de solidarizar os operários conscientes, com base em seus interesses
econômicos comuns. Tais interesses constituem o eixo da luta política e da
rejeição das “táticas políticas”. Estas dividem o proletariado e são o campo
dos partidos, organismos autoritários onde se imiscuem burgueses,
semiburgueses, literatos, idealistas.50
Nas condições brasileiras de princípios do século, trata-se sobretudo de
criar o sindicato. De início, acredita-se na tendência espontânea da classe
operária à organização sindical e no papel da propaganda.51 Ao mesmo
tempo porém inclinações arraigadas entre os trabalhadores qualificados, que
implicam indiretamente técnicas de organização mais coercitivas,
encontram um eco favorável nos meios anarquistas. É o caso, por exemplo,
das medidas tendentes a impedir a obtenção de emprego, por parte dos
operários não sindicalizados. Apesar dos vínculos existentes entre a defesa
da closed shop e a forma de consciência corporativa, a imprensa libertária
relata com entusiasmo, em 1909, a imposição da regra aos operários da
construção civil de Santos.52 Em algumas reivindicações, aliás, como entre
os gráficos cariocas (1917), a closed shop aparece associada a toda uma
visão do sindicato como órgão regulador da oferta da força de trabalho,
responsável pela qualidade deste; como órgão normativo de conduta dos
associados e mediador de conflitos no nível das empresas:
1o — Nas oficinas, não serão admitidos empregados que não sejam sócios da Associação; 2o — A
Associação responsabiliza-se pela conduta de seus sócios dentro das oficinas; 3o — Quando, por
qualquer circunstância, qualquer gráfico não satisfaça em suas condições artísticas e morais, o
industrial deverá comunicar à Associação, por intermédio do delegado, e esta, averiguadas as
causas, providenciará de forma que o industrial não seja lesado e evitará que o gráfico fique sem
trabalho; 4o — Serão criadas categorias para fornecimentos de pessoal às oficinas, acompanhadas
das respectivas tabelas de ordenados; 5o — A Associação resolverá, amigavelmente, qualquer
atrito entre a corporação e o respectivo industrial sem desdouro para qualquer das partes; 6o —
Será isento de serviços estranhos à sua profissão, todo o aprendiz de qualquer ramo das artes
gráficas; 7o — Logo depois do reconhecimento, a Associação iniciará uma ativa propaganda para
o levantamento moral e artístico da classe, por meio do seu órgão oficial, conferências e
publicações educativas, criando, também, uma oficina própria para o ensino técnico e escolas de
português e desenho.53

Há também indicações de que, mesmo entre os operários não


qualificados, afloravam atitudes favoráveis à organização por via coercitiva.
No curso de um movimento de criação de comissões de fábrica, em 1919,
os operários da fábrica têxtil Ítalo-brasileira reuniram-se para deliberar
acerca dos trabalhadores não associados à União dos Operários em Fábricas
de Tecidos. A decisão lhes deu quinze dias de prazo para aderir, sob pena de
“serem tomadas medidas enérgicas contra estes companheiros”.54
No plano dos princípios, o anarcossindicalismo brasileiro definia o
sindicato como órgão de luta, que recusa funções assistenciais (em
contraposição às associações mutualistas), aberto aos operários de todas as
tendências políticas. A verdadeira força do sindicato repousa na
solidariedade e não nos recursos materiais. Quando reúnem grandes fundos,
os sindicatos se tornam “timoratos, inativos, conservadores”. O dinheiro
corruptor pode constituir apenas uma caixa de resistência e deve ser gasto
sem muita demora na propaganda, na agitação. Nas greves, é preferível
contar com o apoio mútuo entre os operários do que com esse tipo de
recurso.55 A defesa de reivindicações imediatas tinha o mesmo objetivo de
reforçar a solidariedade, despertar a consciência dos trabalhadores, em
busca da emancipação final. Mas em si mesma essa luta não era
considerada incapaz de trazer alguns resultados. Em um artigo de 1913,
Neno Vasco fazia a crítica do anarquismo retórico, produto da derrota da
Comuna de Paris, dos anos de repressão que deram origem às capelinhas
destinadas a masturbações doutrinárias, onde se magnifica o poder do
verbo, da educação, na linha de Tolstói e outros religiosos como ele.
Defendia os elementos mais sérios, partidários da organização operária, e se
distanciava dos que desdenhavam “das impotentes greves parciais e das
escaramuças de cada dia”, pretendendo gastar todos seus esforços no
preparo da greve geral expropriadora e da revolução social. Insistia na
importância da luta por medidas transitórias, através da ação direta, com o
objetivo central de reforçar a solidariedade, mas também de obter vantagens
limitadas. Investindo contra a “lei de bronze do salário”, dizia que o salário
não é um absoluto, reduzido ao estritamente mínimo, podendo se elevar até
certo limite.56
Os instrumentos de luta — a greve geral ou parcial, o boicote, a
sabotagem, a manifestação pública — fundam-se sempre na ação direta. O
recurso à atividade normativa do Estado é visto como inútil, mesmo em
áreas de alcance restrito. Uma resolução do Primeiro Congresso Operário
(1906), considerando que as leis de acidentes de trabalho nunca são
executadas, aconselha os sindicatos a arbitrar a indenização que o patrão
deve pagar, forçando-o a isso pela ação direta. O pequeno desvio acolhido
por esse Congresso, ao admitir o uso de todos os meios, inclusive os
tribunais, para receber salários no caso de fechamento ou falência das
empresas, é corrigido no Segundo Congresso (1913), suprimindo a alusão
aos tribunais por ferir os mesmos princípios da ação direta.
Instrumento privilegiado, a greve geral surge como arma reivindicatória e
premonição do ato emancipatório final: a “greve única, mundial, precursora
do grande cataclismo de que brotará a sociedade nova, liberta de privilégios
e opressão”. A sabotagem assume as formas da queda do ritmo de trabalho,
da produção deliberadamente defeituosa, da destruição de máquinas. Um
exemplo desta última se encontra na greve desfechada pelos têxteis da
fábrica carioca Cruzeiro (18/11/1908), resultante da demissão de dois
operários que faziam propaganda do sindicato.57
O “emprego da química” aparece associado às acusações contra a
atividade dos anarquistas desde seus primeiros tempos. Mas é relativamente
raro, surgindo sobretudo em conexão com as duas tentativas insurrecionais,
de novembro de 1918 e outubro de 1919. No curso dos anos 1919-21, a
polícia anunciou a descoberta ou a explosão de bombas em várias ocasiões.
Provavelmente, a maior parte delas não foi colocada pelos anarquistas,
servindo de excelente pretexto à repressão lançada naquele período.58
Tanto a organização interna do sindicato como os laços entre ele e
organismos mais amplos são concebidos com base no princípio da
soberania individual dos membros. Tal princípio impõe a necessidade de
não distinguir entre base e direção — germe do autoritarismo — e de evitar
qualquer tipo de centralização. Por considerar que “o sindicato é a coesão
de operários que se unem para a ação contra o capital e que, portanto, essa
ação deve ser de todos, pois do contrário seria insubsistente; e que as
delegações de poder ou mando levam os operários à obediência passiva e
prejudicial nas suas lutas”, o Primeiro Congresso Operário aconselha a
substituição das diretorias sindicais por simples comissões administrativas,
com mera delegação de funções. A diferença sibilina entre “delegação de
mando” e “delegação de função” é fundamental. Não se cogita aqui o
princípio democrático de revocabilidade do mandato conferido pela vontade
geral soberana. A associação dos trabalhadores não tem por base a
soberania da classe mas a individual de seus membros, que não pode ser
delegada através de um mandato.59 Da mesma forma, quando o Segundo
Congresso Operário postula a abolição de estatutos calcados em fórmulas
burocráticas e coercitivas, propõe que sejam substituídos por “simples
normas administrativas, despidas de qualquer determinação que fira a
autonomia individual dos associados ou que conceda atribuições de mando
a qualquer deles”.
Se a delegação de poderes era condenada no interior do sindicato, as
formas centralizadoras nas relações entre sindicatos, federação,
confederação deveriam ser combatidas pelos mesmos motivos. Ao se
decidir criar no Primeiro Congresso Operário a Confederação Operária
Brasileira, ressalta-se que constitui seu objetivo estreitar os laços de
solidariedade entre os trabalhadores, tendendo a abolir as barreiras que
separam as corporações de ofício. Devia-se, porém, conservar a mais larga
autonomia do indivíduo no sindicato, do sindicato na Federação regional e
da Federação na Confederação. Não se concebe a Confederação como uma
central sindical, elaboradora de uma estratégia de lutas válidas para todo o
país. Pelo contrário, qualquer centralização de poderes embaraçaria “a ação
operária constante, maleável e pronta, sujeita às diversas condições de
tempo e lugar”.
Antes de ser submetido à prova de fogo dos anos 1917-20 — momento
crucial de sua ascensão e crise —, o anarcossindicalismo esteve sujeito a
restrições e a ataques no interior dos círculos anarquistas. Em escala
reduzida, surgiram divisões entre organizadores e antiorganizadores, críticas
à eficácia da greve parcial ou geral, posições de aberta rejeição a seus
princípios. Com ressonâncias de Stirner, perguntava uma voz anônima, em
fins de 1906: por que não se age contra todos os vis que nos tiram o direito
à vida, expondo-os no pelourinho e sovando-os sempre que for possível, em
vez de perder tempo fazendo reclamo a ligas que não existem? Não é
verdade que há cinco anos ou mais se faz reclamo às ligas sem nenhum
resultado? Não é verdade que se fizeram nascer mortas certas ligas, duas ou
três vezes, com resultado sempre negativo? Como se explica esse fato, após
cinco ou seis anos de propaganda associativa feita pelos anarquistas e
socialistas? Onde estão os sócios da liga dos sapateiros que figura como
ativa na “Luta Proletária”? Onde estão os sócios da liga dos carpinteiros?
Quantos são os da liga dos pedreiros? Quantos são os sindicatos dos
marmoristas?… O problema é fácil de formular: ou a organização não é
daqui ou seus propagandistas são incapazes e em cinco ou seis anos só
fizeram adormecer quem queria despertar e agir. Nesse caso, bom seria que
cada um procurasse, sobretudo, emancipar-se a si próprio, para depois
emancipar os outros.60
Como entender, dentre as dissonâncias, o insólito documento de
setembro de 1916, em que um grupo de anarquistas justifica sua saída do
Sindicato de Ofícios Vários do Rio de Janeiro? O texto começa por se
apoiar em uma pronunciada corrente de opinião descrente do sindicalismo
como instrumento capaz de levar o proletariado à transformação social ou
mesmo como meio de proporcionar elementos para que se desenvolvam as
ideias libertárias. Passa a seguir a uma análise do sindicalismo no Brasil,
insistindo em sua artificialidade: as melhores mobilizações operárias
sempre se realizaram antes da existência das associações, e estas foram
consequência e não causa das mobilizações. A incoerência entre as
pomposas declarações sindicalistas e a mesquinhez de ação dos sindicatos
resulta em confusão e mistificação do anarquismo, que passa a ser
compreendido de forma diferente do que realmente é. Assim, seria nocivo
prosseguir na propaganda sindicalista ou na direção dos sindicatos
existentes. Caberia aos operários fundar sindicatos quando sentissem
necessidade de organizá-los; os anarquistas poderiam até pertencer a essas
associações, em caráter individual, mas sua atividade estaria voltada
essencialmente para a propaganda anárquica.61
Os autores do texto demonstram uma grande decepção com os magros
resultados da atividade organizatória, com a distância entre o discurso
dirigido à emancipação final e a dificuldade da luta cotidiana. De seus três
redatores, dois pelo menos — José Elias da Silva e Manuel Campos —
estavam profundamente ligados à militância operária e retomariam logo a
seguir o caminho do anarcossindicalismo. Mas o parêntese de decepção
contém mais do que um simples parêntese: operários de vanguarda, eles se
referem no documento à grande massa com os mesmos estereótipos de uma
visão paternalista patronal: “as concepções da mentalidade infantil do
operariado, ou melhor, da massa anônima, são sempre muito exíguas. O seu
cérebro embrutecido só lhe deixa conceber o que seja imediatamente
palpável, concreto. Não lhe é dado abstrair, ponderar, deduzir”.
Por certo, o texto revela a influência do quadro mental da classe
dominante da época e uma profunda decepção gerada pela distância entre o
projeto de emancipação final e a dura realidade cotidiana de uma massa
“atrasada”, com poucas condições para organizar-se de maneira estável,
mesmo em defesa de reivindicações econômicas. Mas um elemento latente
aí aflora, um dado que com frequência integra o universo da vanguarda dos
movimentos sociais cujo objetivo expresso consiste em operar uma
transformação da existência em bases racionais: a tendência a estabelecer
uma rígida fronteira entre “conscientes” e “inconscientes”.
No caso do anarquismo, à medida que se acentua o significado da opção
individual, com menor ênfase nas determinações sociais, tende-se a
estabelecer um corte entre os elementos conscientes e a massa informe,
corte que aparece em mais de um escrito e no comportamento de muitos
libertários.

A) A subcultura
A utopia anarquista tem paradoxalmenete uma grande
contemporaneidade. Sua crítica ao sistema educativo e à Igreja, à família
burguesa, através da temática da igualdade dos sexos, volta-se contra os
núcleos básicos de reprodução do sistema e do comportamento autoritários
da época.62 Para além da defesa de pontos tópicos, há a tentativa de criação
de uma subcultura, buscando modelar um homem novo em contraposição
ao que é fruto da sociedade de classes, abrangendo aspectos tão amplos
como a educação ou um código moral, com suas normas e sanções
implícitas.
Se a recusa da instância política formal debilita os libertários em sua
tentativa de organizar as camadas populares, a ênfase na crítica da cultura e
das instituições aponta em princípio para uma problemática da maior
atualidade — a da constituição dos micropoderes integrantes da relação de
dominação, na linha desvendada por Foucault. A crescente burocratização
dos partidos, o reforço do capitalismo de Estado reintroduziram no mundo
de hoje o tema da transformação da sociedade no plano cultural-afetivo,
associada à gestão do processo produtivo pelos produtores. Embora de
forma muitas vezes inadequada, o anarquismo busca dar resposta a um
difícil problema: como criar, com gente dominada, uma sociedade livre?
Contudo, o anarquismo brasileiro oscilaria entre a crítica das instituições
com o enfoque apontado e a que correspondia aos interesses da burguesia
ascendente, na esteira da luta da classe burguesa europeia contra aparelhos
ideológicos identificados com a ordem feudal. Isso transparece claramente
no ataque à educação vigente e à Igreja. No primeiro caso, os esforços
estavam permeados, de um lado, pelos objetivos de oferecer um modelo
educativo que representasse uma contrapartida à formação ministrada pelo
sistema dominante, sob forma laica ou religiosa; de outro, pelos objetivos
de desenvolver uma instrução racional, científica e laica, ainda que não
houvesse entre as duas linhas uma rígida separação de fronteiras. Um
exemplo da última tendência foi a natimorta Universidade Popular de
Ensino Livre, criada no Rio de Janeiro em março de 1904. Entre seus
professores mencionavam-se Sílvio Romero (psicologia), José Veríssimo
(história da literatura), Felisberto Freire (história do Brasil), Fábio Luz
(higiene), Vicente de Souza (antropologia), Elísio de Carvalho (sociologia),
Eliseu Visconti (arte decorativa).63
Após o fuzilamento de Ferrer — fundador das Escolas Modernas de
Barcelona —, começou um movimento aparentemente semelhante ao
anterior, envolvendo socialistas, alguns professores da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, além dos anarquistas. As duas escolas criadas
em São Paulo a partir desse momento, que conseguiram manter-se por
vários anos até serem fechadas pelas autoridades em 1918, pretenderam
converter-se, entretanto, em núcleos de ensino profissional e educação
libertária. Eram seus fins expressos: 1o libertar a criança do progressivo
envenenamento moral que por meio do ensino baseado no misticismo e na
bajulação política lhe comunica hoje a escola religiosa ou do governo; 2o
provocar junto com o desenvolvimento da inteligência a formação do
caráter, apoiando toda concepção moral sobre a lei de solidariedade; 3o
fazer do mestre um vulgarizador de verdades adquiridas e livrá-lo das peias
das congregações ou do Estado, para que sem medo e sem restrições lhe
seja possível ensinar honestamente, não falseando a história e não
escondendo as verdades científicas.64
Como afirmava uma resolução do Segundo Congresso Operário, chegara
o tempo de enfrentar o ensino burguês baseado não só no misticismo, como
“nas doutrinas positivistas e nas teorias materialistas sabiamente invertidas
pelos cientistas burgueses”. Dirigidas por Adelino de Pinho e João
Penteado, as Escolas Modernas do Brás e do Belenzinho propunham-se a
ministrar um ensino racional “que não engendre fanáticos de seita alguma,
nem militares fanfarrões, nem jacobinos ridículos”.65 Escolas mistas, sem
exames, sem promoções, sem castigos ostensivos, combinando um
currículo convencional com a difusão dos princípios anarquistas refletida
nas festas e comemorações. No melhor estilo da época, em uma reunião
beneficente de 1914, após o hino dos trabalhadores, executado pela banda
de música, e uma conferência sobre “A Escola Moderna e o problema
social”, os alunos recitam versos de Guerra Junqueiro e cantam um hino aos
operários, original de Neno Vasco.66
A luta anticlerical constitui um expressivo exemplo de uma crítica quase
sempre afastada de uma percepção mais aguda do nexo entre a Igreja e a
educação repressiva, que, aparentemente, a doutrina libertária permitiria
estabelecer. As dissenções entre a Igreja e o Estado, nos primeiros anos da
República, correm aliás o risco de ser exageradas quando a observação se
volta apenas para os círculos dirigentes. No plano educativo, a presença da
Igreja continua sendo dominante nas faixas estratégicas do ensino
fundamental e médio, a tal ponto que somente no início do século XX surge
a primeira escola leiga gratuita de São Paulo.
A Lanterna é o veículo mais consistente do anticlericalismo anarquista,
embora seja razoável supor que ele tenha sido temperado pelo propósito de
aglutinar outros círculos além dos libertários. O jornal apareceu em março
de 1901, sob a direção do advogado maçom Benjamin Motta. Este figurou
nas primeiras convocações da reunião socialista de 1902, inclinando-se
depois para o anarquismo. No primeiro número do jornal, fazia-se
referência aos anticlericais como um grupo reduzido. Entretanto, seu
público não parece desprezível, por excessiva que possa ter sido a tiragem
do órgão: 10 mil exemplares, que logo chegaram a 26 mil, para depois
declinar e se estabilizar em 6 mil números. Interrompida a publicação em
1904, reapareceria em 1909, tendo como diretor Edgard Leuenroth.
Em linhas gerais, A Lanterna pode ser definida como um irreverente
órgão franco-maçom, com uma linguagem insólita que rompe com o estilo
alambicado do jornalismo brasileiro. Fico nesse aspecto com um exemplo,
o editorial-bomba profano, lançado por ocasião da morte do papa Leão XIII:
Morreu o Papa Leão XIII. A mentira convencional e a hipocrisia interesseira traçam neste
momento encomiásticas necrologias do velho inútil que expirou no Vaticano, em dias da semana
que hoje se finda. Durante 25 anos Joaquim Pecci (note-se aqui o efeito de dessacralização)
ocupou o sólio pontifício e nesse longo reinado nada mais fez do que mentir àqueles que
esperavam ouvir de sua boca a suprema verdade! Ele… se não fosse um padre romano no rigor da
palavra, repeliria a tiara, símbolo de mentira; não cingiria essa coroa de rei da terra, enlameada
nos festins incestuosos dos Bórgias e de João XXII… Vigário de Cristo! Leão XIII, vigário de
Cristo? Admitindo-se os Evangelhos como traduzindo os ensinamentos de Cristo, Leão XIII foi
apenas um vilíssimo traidor à doutrina do Mestre. Cristo revoltou-se contra os tiranos e
combateu-os; Leão XIII foi um servil lacaio dos grandes e um inimigo encarniçado de suas
vítimas.
Fez ele acaso ouvir um grito de compaixão em favor dos armênios massacrados barbaramente
pelos turcos? Condenou ele a selvageria inglesa no Transval e as infâmias europeias na China?
Verberou ele as infâmias do Estado-Maior da França, fazendo falsos sobre falsos para ver se não
lhe escapava a vítima inocente que agonizava na ilha do Diabo? Apiedou-se ele dos pobres pretos
africanos que os marchands dos exércitos europeus friamente assassinaram, queimando suas
aldeias, em nome da civilização? Ouviu-se-lhe uma censura sequer contra o espingardeamento
que, um pouco em toda parte, tem feito os governos, dos trabalhadores que procuravam
reivindicar seus direitos? Não! Antes, numa encíclica famosa, a de 1o de janeiro de 1900, disse o
papa que vem de morrer, que os reis precisam se unir para opor um dique ao apetite insaciável dos
povos!67

A temática básica de A Lanterna insiste em dois pontos: a luta contra a


Igreja como produto do “obscurantismo medieval”; a denúncia da violação
das normas sexuais de continência por parte de padres e, em menor grau, de
freiras. Em nome da família e das “luzes”, o editorial do primeiro número
de A Lanterna acusa
o exército negro do Vaticano que vem aqui semear a discórdia nos lares e na sociedade,
estabelecer a guerra entre a esposa e o esposo, esperançados de levantarem, sobre as ruínas da
nossa sociedade civil, a bandeira negra de uma teocracia nefasta, salpicada de sangue e reluzente
de ouro… As hostes clericais movem a guerra contra a sociedade moderna, a fim de fazer voltar
os povos à era que precedeu à Renascença.68

Uma crítica do papel da Igreja como instrumento fortemente articulado


de repressão da sexualidade teria dado aos libertários um enorme avanço
com relação a todo o discurso de seu tempo. Esse nexo não chega, porém, a
se aprofundar e a tônica se concentra na violação pela Igreja de seu próprio
código de conduta. É o caso da seguida denúncia de violências sexuais
praticadas por padres. A princípio as acusações se fazem em colunas
discretas de A Lanterna para gradativamente ganhar destaque em
caricaturas e nos primeiros leads sensacionalistas da imprensa paulistana.
Reverso da medalha das primeiras e ascéticas folhas anarquistas, o jornal
arremete contra uma insólita parelha — o Carnaval e o clero — em uma
caricatura anticarnavalesca, onde um padre de cara devassa carrega uma
freira com roupas e meias de cancã. Embora o programa das Ligas
anticlericais dê ao combate ao confessionário o objetivo de tornar mais
conscientes as mulheres e os trabalhadores, A Lanterna prefere uma
corrente imagem popular. A caricatura ingênua com o título “Contra a
pornografia” aproxima um padre inevitavelmente gordo e uma donzela de
tranças, encimando a legenda: “No confessionário deves contar-me tudo o
que se der na noite de núpcias”.
Os leads acentuam os atentados sexuais, seguidos por vezes de um
exemplar castigo:
Padre castrado por fazendeiro por ter desonrado sua filha e manter relações com ela na própria
Igreja.

Em São Sebastião das Correntes, Minas, um padre deflora uma moça na igreja, que é depois
abandonada pelo seu noivo — Uma órfã confiada à sua guarda é deflorada e tem diversos abortos
por ele provocados — Grande indignação do povo — Fuga do sátiro.

Ou ainda este texto, onde se combinam o clichê moralista e o reforço de


horror dado pela metáfora licantrópica:
Tragédia clerical no Rio — Marido ultrajado e padre degolado — Um lobo de batina, ao devorar
a presa, é atacado no covil — De como a religião e os seus sacerdotes atentam contra a virtude
das famílias, a título de as proteger.69

Quando a partir dos últimos meses de 1910 se realiza em São Paulo uma
mobilização de certo vulto, a propósito da desaparição de uma menina de
um orfanato religioso do Ipiranga, ocorrida quatro anos antes, A Lanterna
revela o mesmo tipo de preferência. A denúncia dos orfanatos como
grandes cárceres disciplinadores é apenas aflorada; as manchetes e textos se
concentram no detalhe escabroso — o estupro, a ocultação do cadáver —,
ainda que obviamente a apuração da verdade tivesse no caso grande
relevância.70
Não se trata de negar a possível veracidade de grande parte dessas
acusações, nem sua esporádica vinculação, na imprensa anarquista, com o
voto de castidade. Assim, o voto de castidade é analisado como
“instrumento de reforço da hierarquia eclesiástica que, por representar uma
violação das leis biológicas, acaba incentivando os atentados ao pudor nos
colégios e a formação de idiotas ou de sátiros”.71 A denúncia das violações
à pureza, os ataques contra as riquezas acumuladas pela Igreja desviam-se,
entretanto, da crítica radical, aproximando o anticlericalismo libertário do
tom geral do anticlericalismo ilustrado.
Caberia, porém, indagar por que nesse terreno a crítica assume formas
tão pouco convencionais, ao contrário do que ocorre no campo do discurso
estritamente doutrinário. A resposta deve ser buscada no terreno emocional
e inconsciente, tendo como núcleo a figura do padre — o pai a quem se
interditou a prática das relações sexuais. A Lanterna, não obstante seu
conteúdo manifesto, é uma folha religiosa, integrada em um universo
maniqueísta onde os signos do demônio se exprimem nas imagens dos
frades bêbados e concupiscentes. A insistência na temática das relações
sexuais proibidas ou perversas não é outra coisa senão a projeção dos
impulsos de um grupo marcadamente puritano. O padre impuro recebe o
anátema libertário através de uma simbologia sexual permeada de alusões
sádico-devoradoras. “Com quem se parece o padre? Parece-se com a
aranha, que com a teia caça moscas e lhes chupa o sangue. Mas não lhe
basta a teia: ele tem uma infinidade de armadilhas e é um terrível estuprador
que não olha os sexos.”72
O mecanismo de projeção de impulsos inconscientes se torna mais claro
quando se tem em conta que o código moral libertário promove um
comportamento ascético, no plano da vida afetiva, das formas de evasão do
cotidiano. Sob o primeiro aspecto não se trata apenas de condenar
genericamente a riqueza, mas de regular toda a conduta, como se evidencia
nas normas alimentares, com o incentivo à alimentação vegetariana, a
sanção contra os excitantes, particularmente o álcool, condenado nos
congressos operários, em folhetos e cartazes expostos nas sedes sindicais.
Quando em 1910 Oreste Ristori vai ao interior de São Paulo realizar
conferências em benefício das Escolas Modernas, inclui-se entre os temas,
anunciados com um tom entre funambulesco e aterrorizante,
o flagelo do alcoolismo, com umas quarenta projeções impressionantes relativas aos efeitos
desastrosos produzidos pela lenta intoxicação alcoólica no organismo do indivíduo, nas condições
da família e nas relações sociais; perda do sentimento, da dignidade pessoal, de amor à família,
aos filhos, ao estudo; tendência para o crime, enfraquecimento físico, ulceração dos órgãos
internos, atrofia da memória, espantosas alucinações, delirium tremens, loucura, morte.73

As formas de evasão do cotidiano tidas como legítimas negam um campo


específico de vida lúdica, associando-se à noção do divertimento
instrumental e moralmente sadio. Um jogo de futebol realizado por
iniciativa de operários da Votorantim, em uma festa na empresa, é objeto de
críticas não apenas porque redunda em colaboração de classes: “Vamos ter
também o elegante jogo do foot-ball, depois do qual os jogadores fatigados,
aborrecidos, vão brigar com a família; é um jogo bom para os parasitas e os
ociosos que precisam de exercitar os músculos em um trabalho inútil,
desprezando ao mesmo tempo o trabalho útil e os que o fazem. Quanto a
nós, temos exercício de sobra. Exercício até rebentar”.74
Condenação esporádica de nascente futebol, reiterada preocupação com a
dança que logo se converte em combate. Na entrada do século, a típica festa
libertária em São Paulo associava uma parte destinada a reforçar a
consciência social com o simples divertimento. Assim, no nostálgico
teatrinho Andrea Maggi, na rua dos Imigrantes, o Círculo Educativo
Libertário Germinal comemorava seu primeiro aniversário com este longo
programa: 1o Conferência da camarada Elisabetta Valentini sobre “La
Donna nell’avviamento alla emancipazione del proletariato”; 2o Peça
dramática La Miseria, de A. Bandoni; 3o Lotaria gastronômica, artística e
humorística; 4o Conferência de A. Bandoni; Le Piague Sociale; 5o Baile
familiar.75 Na primeira reunião operária estadual (dezembro de 1906), a
União dos Trabalhadores Gráficos levantou a questão da vantagem ou não
de as associações de resistência organizarem festas dançantes; a segunda
conferência, de abril de 1908, aconselhou os sindicatos a fundar Centros
Dramáticos Sociais e a realizar sessões onde se entretivessem os sócios em
palestras amigáveis, excluindo o baile e qualquer espécie de jogo.76 A
preocupação com o baile não era acidental. Mais do que qualquer outro
divertimento, ele simboliza as normas vigentes nas relações entre os sexos,
e a tentativa de proscrevê-lo se fazia em nome da repulsa a essas normas.
Nem se pode deixar de valorizar a preocupação dos libertários com o
significado dos atos da vida cotidiana que, como diz Reich, são os artesãos
do progresso ou, inversamente, da regressão social, enquanto os belos
discursos políticos despertam apenas um entusiasmo passageiro.77 Porém, a
crítica enfatiza um moralismo de estilo religioso onde o impulso sexual tem
a marca do impuro, associado no caso da mulher ao fantasma da
prostituição:
Quando começa o baile assiste-se à cena mais repugnante deste mundo, capaz de nausear as
próprias meretrizes. A orquestra entoa as primeiras notas para saltar, e todos aqueles espasmados
mancebos correm como loucos em busca da mais bem-feita, para satisfazerem a ânsia de a apertar
nos braços, de lhe revelar todo o seu desejo de posse, pois daquele amplexo, daquele enlace
libidinoso, daquele recíproco roçamento, daquelas cócegas, não pode resultar senão a excitação
dos sentidos de ambos. Então ali está o homem, o macho, não para conhecer e conquistar uma
alma, uma companheira, mas para gozar a fêmea, corrompê-la e abandoná-la à prostituição.78

Outro texto condenava a dança em nome não só da moral como do


utilitarismo: “o baile só serve para manter os sentidos excitados, não é
ginástico, nem higiênico, nem moral”.79
Convém lembrar de passagem que o conteúdo fortemente ideológico e
em certa medida ascético das formas de evasão do cotidiano parece ter sido
uma característica específica dos libertários. Com maior facilidade, os
socialistas tenderam a transformar as efemérides do movimento operário em
um misto de reforço da solidariedade e simples divertimento, como
transparece do relato de uma comemoração em São Paulo do Primeiro de
Maio — data cujo conteúdo dramático os anarquistas trataram sempre de
ressaltar: o Centro Socialista Internacional realizou um piquenique
comemorativo no Bosque da Saúde, contratando bondes especiais para o
transporte. No primeiro deles, seguia o flamante estandarte do Centro e uma
pequena banda de música que, no trajeto, tocava a Internacional. Ao meio-
dia, havia mais de mil operários no Bosque. Correu abundantemente a
cerveja e o vinho, participando das libações trabalhadores, músicos e
soldados — estes enviados desnecessariamente ao local — “em comovente
acordo”. Um jovem operário discursou, sob muitos aplausos, concitando à
solidariedade. À tarde, ao som de três bandas, iniciou-se um baile monstro,
com mais de duzentos pares dançando até o cair da noite.80
Até que ponto o código puritano foi seguido pelo pequeno círculo dos
expoentes anarquistas e pela camada mais ampla de seus seguidores ou
simpatizantes? Em regra, o dirigente libertário era um homem sóbrio, na
vida material e na vida afetiva, obediente aos preceitos da família
monogâmica, não obstante o discurso em favor do amor livre. Os impulsos
refreados encontravam, aliás, uma forma de expressão desviada mas
legítima aos olhos da doutrina, na descrição das diversões pervertidas da
sociedade burguesa, dos atos concupiscentes do clero. Em alguns casos, a
adesão ao anarquismo vinculava-se a uma tendência prévia a esse tipo de
conduta. Em O Livre Pensador, Everardo Dias combatia a tirania do tabaco
e do álcool; José Oiticica fazia conferências denunciando seu uso e, antes
de ser anarquista, já era vegetariano.81 Para o círculo mais amplo dos
aderentes ou simpatizantes, o código moral tinha um sentido contraditório.
De um lado, promovia a dignidade das camadas dominadas, no interior de
um sistema social que lhes negava abertamente reconhecimento;82 de outro,
restringia formas de evasão do cotidiano incorporadas à vida social urbana.
Sem dúvida, as necessidades dos aderentes, nesse terreno, eram atendidas
em parte pelas manifestações de caráter político ou pelas expressões aceitas
de lazer. Ao lado do discurso político, cheio de emotividade, o comício ou a
passeata tinham um forte conteúdo simbólico, com suas bandeiras
vermelhas, a banda de música, as moças de braços dados que, nas primeiras
fileiras, cantavam hinos revolucionários. O teatro social, formado por atores
operários, funcionava como uma verdadeira catarse: os trabalhadores
viviam as figuras do operário consciente, do ex-operário que ascendeu e se
corrompeu pelo dinheiro, do patrão explorador, do alcoólatra etc.
Mas um campo de composição e de tensões permaneceu. A dança
continuou a ser incluída em muitos festivais libertários, para garantir-lhes o
êxito.83 O Carnaval, anatematizado pelos folhetos da propaganda
anarquista, exerceu uma poderosa atração sobre os trabalhadores, gerando a
crítica cerrada das folhas libertárias:
O que mais nos desagrada e indigna é que são sobretudo os operários que levam os filhos e as
mulheres ao apalpamento e beliscão no meio da turba ébria e inconsciente e que depois têm
escrúpulo — os patifes — de lhes darem a ler algum opúsculo ou de as levarem a alguma
conferência de propaganda pela emancipação, pela redenção deles próprios, deste corrupto meio
de rufiões, padres e policiais.84

Por maiores que tenham sido as diferenças de meio social, a atitude


ascética dos libertários brasileiros se assemelhava à dos anarquistas
andaluzes, descritos por Hobsbawm, com sua recusa a ouvir falar de
religião, as tendências vegetarianas, a repulsa ao álcool, ao fumo, à
promiscuidade dos sexos. Hobsbawm vincula esse comportamento ao
desejo de não apenas destruir o mundo do mal como de rejeitá-lo
imediatamente. O anarquista consciente era um revolucionário no sentido
mais completo que um camponês andaluz podia conceber, condenando o
passado em bloco; era, de fato, um milenarista.85 A rejeição da vida
mundana integrou, porém, a prática da vida de aldeia na Andaluzia, nos
anos 1930, até a ocupação franquista. Os libertários brasileiros não puderam
viver essa experiência, a não ser em seu reduzido círculo. As normas
puritanas que adotaram estavam implícitas no ideal anarquista de
solidariedade, mas foram reforçadas pela condição de pequeno grupo de
“eleitos”, apóstolos da transformação radical de um país tão distante dela.
Tentaram assim viver aqui e agora seu restrito milênio cuja extensão à
sociedade sentiam ser uma tarefa para várias gerações.

B) Um instrumento
Mais importante talvez do que o frágil sindicato, o jornal constitui um
dos principais centros organizatórios anarquistas e de difusão da
propaganda. Veículo de expressão escrita, transforma-se também com
frequência em veículo oral, ao ser lido em voz alta para os trabalhadores
analfabetos. Quando consegue manter certa continuidade ao longo dos anos,
espelha as condições do movimento social. Nas fases de ascensão,
predomina o esforço por ressaltar uma linha política associada ao noticiário
da vida dos trabalhadores nas empresas, das tentativas de organização
sindical e das greves; nas fases de descenso, a linha política e o noticiário se
diluem, ganhando destaque um doutrinarismo tendente a se transformar em
catecismo monótono. Inovadora e mesmo insólita em seu conteúdo, a folha
anarquista está presa às formas de seu tempo, com uma linguagem em regra
rebuscada, as imagens de gosto neoclássico, onde despontam as figuras
femininas simbolizando a liberdade, os poemas acadêmicos que exaltam a
emancipação futura ou descrevem a miséria presente dos trabalhadores.
Em fins do século XIX, L’Avvenire, II Risveglio (São Paulo, 1893), Gli
Schiavi Bianchi (São Paulo), O Despertar (Rio de Janeiro, outubro de
1898), O Protesto (Rio de Janeiro, 1899) estampam em seus títulos as
primeiras tentativas da propaganda, a referência crítica a uma sociedade
recém-saída da escravidão que começa a construir uma ideologia de
igualdade e progresso.86 Esses jornais tiveram uma vida efêmera e deram
lugar a publicações mais regulares, fruto de certo reforço dos quadros
anarquistas e das lutas operárias. A Perra Livre, O Amigo do Povo, La
Battaglia, A Lanterna foram os jornais de duração mais longa publicados
no período, em São Paulo. À frente da maioria deles, estavam alguns
quadros estrangeiros já formados nas concepções libertárias, que chegaram
ao Brasil entre fins do século XIX e princípios do XX. La Battaglia foi
fundada por Oreste Ristori, italiano proveniente do Uruguai. Lembrado
como grande propagandista e orador, Ristori sofreu duas deportações do
Brasil, a última em 1936. Juntou-se à Brigada Internacional durante a
Guerra Civil da Espanha, sendo morto na Itália, como refém dos nazistas
em 1944.87 Em princípios de 1912, assumiu a direção do jornal Luigi (Gigi)
Damiani, uma figura de traços psicológicos diversos de Ristori — “homem
de poucas palavras e de sorriso irônico” —, mas com formação semelhante.
Chegado ao Brasil em 1899, proveniente da Itália, onde já fora perseguido
como anarquista, passou seis anos no Paraná. Aí trabalhou como pintor de
paredes e fundou um jornal, procurando influir sobre os trabalhadores
locais. Colaborou com frequência em La Battaglia, antes de assumir sua
direção em O Amigo do Povo, e foi expulso do Brasil em 1919, na vaga de
deportações daquele ano, tornando-se bastante conhecido nos círculos
anarquistas europeus por sua atividade na Itália, ligado a Malatesta.88 À
frente de O Amigo do Povo, participando da direção de A Terra Livre, da
revista Aurora, surgia a figura tímida, avessa às aparições públicas, de
Gregório Nazianzeno de Vasconcelos — Neno Vasco. Foi ele talvez o mais
lúcido expositor das ideias anarquistas do período, combinando a
capacidade de perceber as alternativas centrais da estratégia libertária com a
análise das condições da sociedade brasileira, além de ter sido um eficiente
organizador. Nascido em Portugal, filho de um rico comerciante, chegou ao
país em 1900 ou 1901, após obter o grau de bacharel em direito por
Coimbra. Sua permanência no Brasil estendeu-se até abril de 1911, quando
regressou a Portugal, onde morreu em setembro de 1920.89 Ao lado de
Neno Vasco, na direção de A Lanterna, na atividade sindical, o brasileiro
que acabou por simbolizar todo o movimento anarquista. Embora nascido
no interior de São Paulo (Mogi Mirim, 1881), Edgard Leuenroth formara
suas concepções entre a redação dos jornais e o bairro operário do Brás,
onde viveu grande parte da vida. Tipógrafo aos catorze anos, a seguir
jornalista, teve uma breve inclinação para o socialismo, no contato com o
socialista baiano Estêvão Estrela. Por volta de 1903, iniciou sua longa
militância sindical, no Centro Tipográfico de São Paulo, e aderiu ao
anarquismo.90
Nenhum jornal explicitamente anarquista do Rio de Janeiro (Novo Rumo,
A Guerra Social, Na Barricada) conseguiu manter-se por muito tempo, com
exceção significativa de A Voz do Trabalhador. Embora surgisse como
jornal da COB, assumiu as posições do anarcossindicalismo aí dominantes,
convertendo-se em um exemplo de equilibrada combinação entre a
divulgação teórica, a propaganda e a temática do movimento operário.
Sobretudo em sua primeira fase, constituiu-se também em um canal de
expressão dos problemas dos trabalhadores no nível da empresa.91

C) O núcleo dirigente
No primeiro número do jornal que iria se transformar no mais influente
órgão anarquista, comentava-se com melancolia que a propaganda tinha
mais de duas décadas, mas era intermitente, seguida de quando em quando
de agitações populares e mobilizações da classe operária. Até hoje — dizia
A Plebe ao apelar para uma iniciativa maior — “os nossos camaradas quase
que atestam sua adesão ao movimento libertário tomando assinaturas dos
jornais, dando alguma subscrição”.92
O comentário de A Plebe era em grande parte, mas não inteiramente,
verdadeiro. Apesar da sua fraqueza numérica,93 da inconsistência
organizatória, os anarquistas constituíam a maioria da vanguarda operária e,
ao menos, figuras de respeito para a grande massa. Tinham sido os maiores
responsáveis pelos esforços em construir um sindicalismo revolucionário,
haviam se integrado nas maiores mobilizações do período. Por volta do
início da Primeira Guerra, o núcleo libertário de vanguarda reunia
condições para se pôr à cabeça de lutas mais amplas, influindo diretamente
em seu rumo, como se tornaria claro nos anos 1917-20.
A ausência de uma estrutura formal do movimento anarquista torna
precária qualquer tentativa de traçar os limites desse núcleo. Aqui não há
comitês centrais, direções regionais abertos à análise. Há figuras cuja maior
ou menor continuidade militante varia no tempo e, embora a definição de
um grupo dirigente possa ser feita por critérios relevantes (organizador da
imprensa, do movimento operário, alvo especial de repressão etc.), nem
sempre eles são suficientes para estabelecer uma diferença com os ativistas.
Utilizando os critérios apontados, selecionei 33 nomes, entre os anos 1900-
17, abrangendo onze pessoas pertencentes grosso modo à média burguesia
intelectual e 22 trabalhadores manuais.94 A discriminação por ramo de
atividade do último grupo revela a presença de dez gráficos; quatro
operários da construção civil;95 um sapateiro (Antonio Nalipinski); um
chapeleiro (José Sarmento Marques, responsável pelo jornal sindicalista O
Baluarte, deportado do país em 1917); um estivador (Manoel Campos) e
cinco pessoas que não é possível ligar especificamente a um ramo: Manoel
Perdigão Saavedra e João Perdigão Gutierrez — cuja atividade concentrou-
se em Santos —, José Romero, Pedro Matera e José Elias da Silva.
Um ramo numericamente restrito, onde os anarquistas nem sempre
predominaram — o dos gráficos —, surge como dominante. A profissão
desenvolve a capacidade organizatória e o domínio do jornal como
instrumento. É em volta da imprensa que se formam, aliás, várias figuras
definidas como pertencentes à classe média intelectual — Leuenroth,
Astrojildo, Palmeira. No grupo dos trabalhadores gráficos se encontram um
líder da Liga Anticlerical do Rio de Janeiro, Ulisses Martins; o diretor de
Novo Rumo e um dos organizadores do Primeiro Congresso Operário, Luiz
Magrassi; o secretário da COB, Rosendo dos Santos; Mota Assunção,
Manuel Moscoso, Carlos Dias, Everardo Dias, Antônio Bernardo Canelas,
João da Costa Pimenta, Florentino de Carvalho.96
Em contraposição aos gráficos, os têxteis — quantitativamente
importantes — não estão representados. José Romero e Pedro Matera, que
se dedicaram particularmente a sua organização, não podem ser
considerados integrantes da categoria. Uma figura operária de grande
prestígio entre a massa dos tecelões surgiria por volta de 1919, a princípio
ligada aos anarquistas. Trata-se de José Righetti — um dos representantes
da União dos Operários em Fábricas de Tecidos de São Paulo no Terceiro
Congresso Operário (1920), profundamente envolvido nas lutas da
categoria desde então. Nos anos 1920, tornou-se sindicalista desligado do
anarquismo e logo após a Revolução de 1930 esteve à frente das greves
têxteis, associando-se ao mesmo tempo com o general Miguel Costa.
Refletindo as condições da industrialização brasileira da época — com
suas longas jornadas de trabalho, a presença da mão de obra feminina e
infantil —, o proletariado de fábrica quase não aparece no grupo dirigente.
Seu campo de atividade liga-se muito mais à pequena organização informal
na empresa, que emerge no instante das greves, deixando traços impessoais
de uma linha de lutas de base, talvez contínua, mas difícil de reconstruir.
É significativo observar também a quase inexistência de elementos do
setor de serviços no núcleo dirigente libertário, como um indício de suas
dificuldades em organizar essa área estratégica.
Por toscos que sejam os dados, a supremacia dos trabalhadores manuais
sobre os intelectuais de classe média é indicativa das raízes do anarquismo
entre os elementos de vanguarda das camadas dominadas. Em uma época
em que uma forte dose de autodidatismo está presente em ambos os grupos,
separados mesmo um pouco artificialmente, seria errôneo pensar em uma
subdivisão de funções muito clara no interior das fileiras anarquistas; se
alguma distinção intelectual se pode fazer, por exemplo, entre Gigi Damiani
e Fábio Luz, ela favorece o primeiro e não o segundo. Mas, a partir dessa
constatação, ainda fica por esclarecer o alcance da influência libertária
sobre o movimento operário e as relações difíceis de decifrar entre o
movimento e a própria classe.

SOCIALISMO

A história do socialismo foi a história do pequeno círculo, com escassa


penetração nos meios populares. Cronologicamente, porém, nos últimos
anos do século XIX e em princípios do XX, os sinais da atividade socialista
em São Paulo eram mais visíveis do que o anarquismo. Dentre os vários
centros criados nessa época, conservam-se maiores traços do Centro
Socialista de Santos, fundado em 1895, por Silvério Fontes, Sóter de Araújo
e Carlos Escobar, após uma primeira tentativa em 1889.97 O surgimento
desse grupo em Santos guarda relação com as condições específicas da
cidade: núcleo de propaganda republicana e abolicionista, já concentrava no
porto um contingente de trabalhadores que começava a realizar algumas
greves de certa importância. É difícil esclarecer se os componentes do
grupo tinham algum conhecimento direto do marxismo. O artigo de
apresentação de seu quinzenário A Questão Social revela a influência
evolucionista e uma propensão pelo reformismo. Depois de afirmar que o
socialismo é “o resultado de estudos acurados de uma plêiade de
pensadores, representando o primus inter pares Karl Marx”, o artigo
estabelece como objetivo do jornal a luta tenaz “para que sejam mais
rápidos os efeitos do movimento evolucionista científico”, visando à nova
organização da sociedade. Ao mesmo tempo, rejeita o caminho de uma
“agitação revolucionária”, dadas as condições gerais existentes no país.
Um modelo social claramente evolucionista fundamenta o pensamento
de um dos mais conhecidos socialistas da época, Antonio Piccarolo, doutor
em literatura, filosofia e direito pela Universidade de Turim, que chegou a
São Paulo nos primeiros anos do século XX. Sua versão do materialismo
histórico em O socialismo no Brasil ressoa como um eco spenceriano e não
como uma síntese das ideias de Marx e Engels.98 Concebidos como uma lei
natural interna a cada sistema societário, os modos de produção se
reproduzem rigorosamente em todos os povos, embora as fases de
desenvolvimento possam ser mais ou menos rápidas. Como manifestação
da natureza, a história também não dá saltos. A inelutabilidade desse
processo leva os imigrantes a estabelecer nos países novos a escravidão já
superada em suas pátrias. No Brasil, a Lei Áurea fecha o período escravista
e abre outro que, segundo as leis da evolução, só poderia ser o período
feudal, reproduzindo as condições específicas do ano 1000 à Revolução
Francesa. À noção de escassa distinção de classes, Piccarolo acrescenta
uma nota característica da visão do imigrante: a classe dominante se forma
de brasileiros tradicionais; dela se distinguem os recém-chegados, os quais
“trabalham, produzem e aguentam a política dos outros”. Os que irão
constituir a futura burguesia industrial e comercial, mesmo compreendendo
as vantagens da política, ainda não se consideram em condições de lutar,
enquanto à classe operária nascente falta consciência de classe. E Piccarolo
se pergunta: quando chegará o dia em que a burguesia brasileira, formada
por esses “homines novi” que representam a moderna indústria, se decidirá
a fazer o seu 1789? E quem será o Babeuf que guiará o proletariado
brasileiro à sua primeira derrota que representará também sua primeira
vitória?99
Descartadas as diferenças de ênfase, a noção de uma série evolutiva
linear de modos de produção teria uma grande ressonância na ideologia
marxista vulgar, anos mais tarde. Ao mesmo tempo, apesar de conceber a
sociedade brasileira como um sistema tendente a repetir as etapas históricas
da Europa ocidental, Piccarolo não deixou de descrevê-la em sua
especificidade, situando-se em plano superior à regra do discurso libertário.
A atividade dos socialistas, após a curta vida do Centro Socialista de
Santos, concentra-se em torno da Liga Democrática Italiana e do jornal
Avanti, publicado intermitentemente a partir de 1900, sob a
responsabilidade de Alceste de Ambrys. O surgimento do jornal coincide
com uma conjuntura econômica adversa, em cujo curso se originam em São
Paulo alguns sindicatos e as primeiras greves têxteis. As tentativas iniciais
de organização da categoria partem do grupo socialista que chega a
conseguir um efêmero êxito: em uma reunião realizada na Liga
Democrática, em agosto de 1901, há seiscentas inscrições para o sindicato
têxtil, comparecendo vários delegados de fábrica.100 No correr daquele ano,
com o engenheiro Alcebíades Bertolotti à frente, os socialistas tinham
acompanhado comissões de operários em várias greves e obtido algum
prestígio. Desde esse tempo, seu propósito consistia em fazer reconhecer os
direitos da classe operária para aumentar concomitantemente as
possibilidades de conciliação social. Logo após a primeira greve desfechada
na empresa Regoli & Crespi, dizia o Avanti que “a formação dos sindicatos
— e tenham isto presente também os industriais — é um remédio
preventivo das greves, para torná-las menos frequentes, menos impulsivas,
sempre mais razoáveis e pacíficas; pois a organização forte e compacta
impõe por si só muitas vezes mais do que cem greves”.101
Foi nesse clima de relativo ascenso que se realizou em São Paulo o
Segundo Congresso Socialista, entre 28 e 1o de junho de 1902, com a
presença de pouco mais de cinquenta pessoas.102 Como resultado do
encontro, criou-se uma comissão encarregada de organizar um partido e de
fazer executar o programa aprovado. O manifesto introdutório ao programa
oscila entre um ritualismo marxista e a defesa de um partido democrático
policlassista.103 Toda sua primeira parte inspira-se no Manifesto Comunista.
A história da sociedade é a história da luta de classes, reduzida na sociedade
atual a duas classes fundamentais e antagônicas: a burguesia e o
proletariado. Na raiz desse antagonismo, que se concretiza a partir do
desenvolvimento da grande indústria, está o fato de que, enquanto os
capitalistas dispõem dos meios de produção, os operários dispõem apenas
de sua força muscular ou de suas aptidões intelectuais e se veem
compelidos pela necessidade primordial de viver a ceder sua força de
trabalho por uma vantagem inferior à que eles próprios produzem. O Estado
é a “vera efígie da burguesia”. Sua intervenção se faz sempre no sentido de
amparar os interesses dos espoliadores, e as contramarchas resultam da
maior força dos que clamam. Daí a necessidade — expressa no programa
máximo — de organizar o proletariado em partido de classe, com o objetivo
de alcançar o poder, para transformá-lo de agente de exploração capitalista
em instrumento para anular o monopólio econômico e político da classe
dominante.
Mas, não obstante a menção expressa ao socialismo, ao “brado
simbólico” de Karl Marx, outro discurso se insinua no texto. Nele, o
reformismo de origem europeia se funde com os estereótipos da grandeza
geográfica da pátria e do caráter brasileiro. Do partido socialista devem
fazer parte todas as pessoas que, por sentimentos humanitários, ou pela
razão, estejam convencidas de que a felicidade do indivíduo está na
proporção direta do bem-estar econômico de todos os membros da
sociedade. Monarquistas ou republicanos desiludidos podem colaborar na
tarefa das reformas, com o mínimo possível de comoções violentas. E ao
brasileiro, mais que a nenhum outro, compete colocar-se à frente do
movimento; ao brasileiro, cujo coração é reconhecidamente tão afetivo, tão
altruísta, e cujo espírito é tão grande e tão rico de ideias liberais, como é
rica de elementos de vida a região em que nasceu, acariciadora e generosa a
natureza que o cerca.
O programa mínimo do partido, em quase todos os pontos uma
reprodução do programa do partido socialista argentino,104 contém uma
parte de reivindicações específicas para a classe operária (oito horas,
proibição do trabalho de menores de catorze anos, limitação do trabalho das
mulheres, do serviço noturno etc.) a ser alcançadas através da pressão sobre
o Estado e de seu reconhecimento no plano legislativo. Propõe-se a luta
pela revogação dos artigos do Código Penal que limitam o direito de greve
e a ação das associações de resistência, espera-se que o Estado seja
compelido a pagar comissões inspetoras das condições de trabalho nas
fábricas, oficinas e fazendas, eleitas pelos trabalhadores. No campo da
reforma das instituições, o programa defende o divórcio, a instrução laica e
obrigatória aos menores de catorze anos, o voto para todos os cidadãos
inclusive as mulheres após os dezoito anos. Curiosamente, não há expressa
referência à grande panaceia dos anos 1920 — o voto secreto. Por sua vez,
é clara a intenção do grupo socialista de integrar a massa imigrante na vida
política, quando advoga o reconhecimento da cidadania brasileira a todos os
estrangeiros com um ano de residência no país. Proposta de pouca
ressonância, pois, como dizia um crítico dessa integração, a massa dos
italianos não estava disposta a naturalizar-se, preferindo assegurar o relativo
amparo de seu governo.105 A noção de desenvolvimento nacional está
ausente do programa, recusando-se o protecionismo na área do comércio
exterior. Ao lado de medidas tributárias redistributivas como o
estabelecimento do imposto direto e proporcional sobre a renda, o imposto
progressivo sobre a herança até sua extinção, postula-se a abolição do
imposto alfandegário, vinculada à expectativa de reduzir o preço de bens de
consumo.
Apesar das tentativas de aproximar-se da classe operária, é claro que aí
não se encontrava o pequeno público dos socialistas. Desde seus primeiros
números, o Avanti publicava uma página de anúncios onde ostentavam suas
qualidades, restaurantes que serviam macarrão à napolitana e vinho de
Salerno, médicos e cirurgiões formados nas universidades italianas,
dispostos a dar consulta gratuita aos pobres, fabricantes de chapéus,
proprietários de oficinas gráficas capazes de executar trabalhos artísticos. O
grupo dos organizadores era constituído de elementos da classe média
intelectual e de alguns gráficos, dentre os quais se destacou Valentim Diego,
desde os primeiros anos do século XX. A categoria dos gráficos foi, aliás, a
única em que os socialistas tiveram alguma influência duradoura em São
Paulo: a União dos Trabalhadores Gráficos, fundada em março de 1904,
assumiu em muitos momentos uma atitude trade-unionista e de seu seio
partiram propostas de formar partidos operários com inclinações
reformistas.106
Do ponto de vista programático, os socialistas se colocavam em um
plano aparentemente superior com relação aos anarquistas, ao pretender
atuar na esfera política, ao compreender a necessidade de estabelecer um
programa mínimo democrático, de pressionar o Estado no sentido da
extensão da cidadania social e política, ao afirmar o objetivo de formação
de um partido. No entanto, suas propostas em princípio mais viáveis
tiveram insignificante ressonância. As razões do fracasso se encontram nas
condições objetivas da sociedade brasileira. A constituição de um partido de
tipo socializante dependia de uma base de apoio entre as camadas médias
urbanas e núcleos operários, assim como de certo grau de legitimação por
parte da classe dominante. As camadas médias urbanas dissidentes
inclinaram-se no Rio de Janeiro, como já se acentuou, por algumas
tentativas de “aliança para baixo”. Mas essas tentativas, além de débeis, não
se voltavam para a organização horizontal da sociedade civil, tendo como
objetivo básico o ataque imediato ao aparelho de Estado.107 No que se
refere aos núcleos operários, a atração por um socialismo moderado
dependia da margem existente no país para as reformas sociais e para a
participação no sistema político, na realidade muito reduzida.
Aos olhos dos operários de vanguarda, o reformismo encerrava assim
paradoxalmente um vício que seus defensores mais exorcizavam: a noção
pragmática de que o importante é o movimento e o chamado fim último do
socialismo não é nada, convertia-se, nas condições brasileiras, em uma
utopia.
Por contraste, o exemplo do êxito relativo do Partido Socialista argentino
é revelador. A viabilidade de seu projeto se assenta nas condições
conhecidas daquele país nos últimos anos do século XIX: intensa
acumulação de capital com base na matriz agrária; rápido surgimento de um
setor industrial e de serviços, no bojo de um processo histórico no qual
tinham estado ausentes as relações escravistas e o grau de inserção no
sistema colonial fora muito menor. Tais premissas conferem viabilidade ao
projeto de “modernização política” elaborado em especial por Justo, sob
influência direta bernsteniana. O fortalecimento do socialismo reformista se
baseia na ampliação dos graus de participação política, em alguns
resultados obtidos pela via das pressões reivindicativas sobre o Estado, na
crescente aceitação por parte dos círculos dirigentes de um partido
“socializante civilizador”, integrado nas pautas liberais oligárquicas e capaz
ao mesmo tempo de refrear o alcance do anarquismo.108 Condições
ausentes no Brasil, onde a morte do jacobinismo não dá lugar a pressões
democratizantes de nenhum tipo de partido radical; onde o Estado não se vê
forçado a fazer concessões às débeis camadas populares urbanas; onde a
fragilidade do anarquismo e do movimento operário tornam desnecessário o
papel moderador de um partido reformista.
Mas os partidos socialistas que lograram consolidar-se na América
Latina, antes da Revolução Russa, contiveram em seu interior,
esquematicamente, tendências reformistas e revolucionárias, em escala
variável. Tanto assim que, no início dos anos 1920, ou houve a adesão dos
Partidos Socialistas à III Internacional com algumas dissidências (Chile,
Uruguai) ou de suas fileiras originaram-se grupos favoráveis à adesão,
como é o caso do Partido Socialista Internacional argentino. A inexistência
de um Partido Socialista no Brasil significou também a falta de um núcleo
inclinado às posições do marxismo revolucionário, resultando na forma
específica tantas vezes citada da constituição do Partido Comunista por uma
crise no interior do anarquismo. A constatação é banal, mas não seu
significado. Qual a razão da ausência de um núcleo desse tipo em um país
onde a margem para o reformismo era tão escassa? Uma parte da resposta à
pergunta deveria ser encontrada na análise do sistema cultural, tarefa a que
não me proponho. Do ponto de vista das chamadas condições objetivas, o
peso restrito da classe operária tornava inviável o surgimento dessa espécie
de direção prévia cujo projeto deveria basear-se na concepção do
proletariado como classe universal, capaz de liderar as camadas dominadas
na transformação revolucionária da sociedade. Nem chegara o tempo em
que nações de base esmagadoramente agrária, com base na experiência
chinesa, iriam readaptar a seu âmbito específico os princípios do marxismo.
Lembre-se que, se o anarcossindicalismo voltou seu discurso e sua
atividade para os trabalhadores manuais, nem por isso privilegiou o
proletariado como classe revolucionária. O alvo a alcançar consistia em
infundir a consciência libertária nas “massas exploradas” para a destruição
de um sistema dominado pelos “exploradores”. Faltavam assim no país as
condições materiais objetivas para que se constituísse um núcleo dirigente
inspirado no socialismo revolucionário — os capitães sem exército, na
expressão de Gramsci.
2. O trabalhador urbano

As condições gerais do trabalho urbano no Brasil nos trinta primeiros anos do século XX
são conhecidas, correspondendo, nas empresas maiores, ao modelo de acumulação da
primeira fase do capitalismo industrial. Por toda parte, impera o reino da liberdade; a
legislação fabril, essa “primeira reação consciente e sistemática da sociedade contra a
marcha elementar do processo produtivo”, é muito restrita e ineficaz. Sobre o trabalhador
recai não só a forma absoluta de extração do excedente como ainda a contínua insegurança.
Em regra, nada impede a despedida imediata após longos anos de serviço, os acidentes
frequentes não são indenizados, inexiste a previdência social; no horizonte, não se desenha a
expectativa da aposentadoria, por magra que seja. Tudo isso é trivial como trivial é a
referência às épocas de vigência do laissez-faire nas relações de trabalho e de início da
intervenção do Estado. Convém, porém, acentuar o alcance da interiorização da insegurança,
pois começa-se hoje a esquecer outra trivialidade: o enorme significado na consciência do
trabalhador dos germes mitificados de sua quebra e o correspondente rendimento político
associado à imagem de Getúlio Vargas.
Se o quadro genérico é esse, as diferenças específicas de setor, de ramo a ramo, são muito
grandes. Quantitativamente, a estrutura da indústria se caracteriza pela pequena empresa, de
mínima capitalização e base técnica artesanal. Observe-se, entretanto, que as unidades
maiores concentram uma parcela considerável da população trabalhadora (tabela 2.1). Na
pequena empresa predomina o operário especializado, conhecedor do uso da ferramenta,
prolongamento da mão e da habilidade manual.
TABELA 2.1
ESTADO DE SÃO PAULO E DISTRITO FEDERAL
CONCENTRAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS
SEGUNDO O NÚMERO DE OPERÁRIOS OCUPADOS — 1919
ESTABELECIMENTOS OPERÁRIOS OCUPADOS
OPERÁRIOS OCUPADOS
% %
SP DF SP DF
Até 4 57,3 30,5 6,4 2,1
De 5 a 9 21,7 22,9 6,7 4,2
De 10 a 19 9,8 19,9 6,3 7,4
De 20 a 49 5,1 15,4 7,9 13,3
De 50 a 99 2,5 5,0 8,2 9,7
De 100 a 199 1,7 3,6 10,9 13,9
De 200 a 499 1,1 1,8 17,2 13,7
De 500 a 999 0,6 0,4 19,7 8,5
1000 ou mais 0,2 0,5 16,7 27,2
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
FONTE: Recenseamento de 1920, v. V, 1a parte, pp. 164-5.

A separação entre o trabalhador e o produto de seu trabalho só se concretiza de fato no


momento da apropriação e nem mesmo está ainda inteiramente realizado o corte entre o
operário e os instrumentos de produção. Entre os gráficos, os sapateiros, há vários exemplos
de trabalhadores que no curso das greves retiram-se das oficinas levando suas ferramentas.
Nessa área e inclusive em certos ramos em trânsito para a mecanização, o operário pode
encontrar algumas fontes compensatórias das condições gerais de insegurança. Por exemplo,
a maior satisfação no trabalho — que assume excepcionalmente a forma extrema do lazer
como prolongamento da atividade profissional —1 combinada à identificação com o produto.
De modo geral, a satisfação se mescla com a responsabilidade. Em seu estudo da greve dos
sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro, Maria Cecília Baeta Neves dá um bom exemplo dessa
consciência de artesão: durante o movimento a União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros
denuncia o emprego de papelão por alguns industriais, expediente “formalmente condenado
pela arte cujos ideais cumpre à União defender”. Nas palavras da autora, “o sapateiro
identifica-se pessoalmente com o produto manufaturado, considerando-o como uma obra
artística que pode enaltecer ou denegrir seu confeccionador e toda a classe”.2
A menor distância social entre patrão e empregado completa o universo da pequena
empresa. Estão aí ausentes todas as mediações da hierarquia de comando. O patrão não
constitui uma figura de difícil acesso que detém o poder último, por razões de fortuna; sua
presença é tangível e desperta menores contradições. Saído com frequência dos meios
operários, o pequeno empresário é antes um modelo viável de ascensão para cada um de seus
empregados; sua supremacia hierárquica se legitima pelo relativo êxito do self-made man e
não está dissociada do conhecimento da técnica profissional. Evite-se, porém, o quadro
idílico. A maior satisfação no trabalho, o menor distanciamento social não correspondem
objetivamente a uma comunidade de interesses nem são percebidos desse modo pelos
trabalhadores. Esses fatores dão origem a relações de oposição menos conflituosas, ao
mesmo tempo que, em regra, acrescem o poder de pressão e a margem das concessões.
Em contraste com a oficina metalúrgica, gráfica, a pequena empresa de mobiliário, a
indústria têxtil é o único ramo realmente fabril, apresentando o maior grau de mecanização,
de concentração de operários por unidade, de utilização de energia elétrica em lugar da
precária máquina a vapor. Com algumas exceções, referir-se ao proletariado de fábrica
significa referir-se aos trabalhadores têxteis. Isso transparece claramente, tanto no censo de
1907 como no de 1920 (tabelas 2.2 e 2.3).
Os números se tornam ainda mais expressivos com relação ao Rio de Janeiro, em 1907, se
tomarmos como indicador empresas com mais de mil operários. Há apenas uma, fora do
ramo têxtil — Lage & Irmãos, dedicada à construção naval com 1500 trabalhadores —, e
quatro fábricas têxteis: a Cia. Progresso Industrial, em Bangu (1651); a Aliança, em
Laranjeiras (1650); a Confiança Industrial, em Vila Isabel (1350); a Carioca, no Jardim
Botânico (1300); sem contar a América Fabril com 1320 operários distribuídos nas unidades
do Andaraí, São Cristóvão e Raiz da Serra. Em 1919, em todo o país, o ramo concentra 46%
da força de trabalho industrial, chegando a 559 o número médio de operários nas empresas
de fiação e tecelagem.
TABELA 2.2
ESTADO DE SÃO PAULO E DISTRITO FEDERAL — CONCENTRAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS
INDUSTRIAIS POR RAMOS SEGUNDO O NÚMERO DE OPERÁRIOS OCUPADOS — 1907
SP DF
EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS
COM 200 COM 500 COM 1000 COM 200 COM 500 COM 1000
RAMOS OU OU OU OU OU OU
+ + + + + +
OPERÁRIOS OPERÁRIOS OPERÁRIOS OPERÁRIOS OPERÁRIOS OPERÁRIOS
Alimentação 2 — — 1 1 —
Cerâmica 2 — — 1 — —
Construção de aparelhos de
— — — 1 1 —
transporte
Construção naval — — — 1 1 1
Metalurgia 3 — — 4 — —
Móveis — — — 1 — —
Química 1 1 — 1 — —
Têxtil 12 5 2 1 2 5
Vestuário e toucador 7 — — 6 — —
FONTE: Centro Industrial do Brasil. O Brasil: suas riquezas naturais, suas indústrias. Rio de Janeiro, 1907. Obs.: Está
excluída a agroindústria açucareira.
TABELA 2.3
ESTADO DE SÃO PAULO E DISTRITO FEDERAL — CONCENTRAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS
INDUSTRIAIS POR RAMOS SEGUNDO O NÚMERO DE OPERÁRIOS OCUPADOS — 1919
SP DF
EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS EMPRESAS
COM 200 COM 500 COM 1000 COM 200 COM 500 COM 1000
RAMOS OU OU OU OU OU OU
+ + + + + +
OPERÁRIOS OPERÁRIOS OPERÁRIOS OPERÁRIOS OPERÁRIOS OPERÁRIOS
Alimentação 4 2 1 5 2 1
Cerâmica 1 2 1 1 1 —
Construção de aparelhos de
— — — 2 1 —
transporte
Indústria cultural 1 — — — — —
Metalurgia 10 — — 3 — —
Móveis — — — 2 — —
Prod. e transf. de forças físicas — — ___ 1 — —
Química 5 1 — — — —
Têxtil 16 17 7 4 1 7
Vestuário e toucador 10 1 — 9 2 —

FONTE: Recenseamento de 1920, v. V, 1a parte, pp. 294-5, e v. II, 2a parte, pp. 75-81. Obs.: Está excluída a agroindústria
açucareira. Não há dados da indústria de construção naval.

Os componentes clássicos do sistema de fábrica, analisados por Marx e Engels, se


reproduzem no interior da grande empresa têxtil. A introdução da maquinaria tende a reduzir
o valor da força de trabalho e lança ao mercado crianças e mulheres em maior proporção,
embora o fenômeno não esteja restrito aos têxteis.3 As mulheres, em 1919, são majoritárias
no ramo no estado de São Paulo e representam uma parcela significativa no Distrito Federal.
Por sua vez, constituem maioria no ramo de vestuário e toucador na capital da República e
um contingente importante porém mais reduzido no estado de São Paulo (tabelas 2.4 e 2.5).
A força muscular, associada à habilidade decorrente de um longo aprendizado, é
substituída pela simples tarefa de vigilância acrescida da flexibilidade manual. Na descrição
de Engels, o trabalho mecanizado, tanto na fiação como na tecelagem, consiste
principalmente em reatar os fios que se rompem, exigindo dedos ágeis. Os homens não só
deixam de ser indispensáveis, como o desenvolvimento maior dos músculos e dos ossos de
suas mãos torna-os menos capacitados para esse tipo de serviço.4
Do ponto de vista salarial, os dados de 1919 indicam a inferioridade dos têxteis com
relação a ramos como metalurgia, calçados, mobiliário, onde em regra existe escassa
mecanização e reduzida presença de mulheres e crianças. De acordo com os dados referentes
a todo o país, 63,2% dos têxteis adultos do sexo masculino localizam-se na faixa mais baixa
— os que ganham até 5$900 diários —, situando-se no outro extremo a indústria do
mobiliário, com 24,5%.5 Entretanto, considerados outros ramos de elevada presença
feminina e de menores, embora com menor índice de mecanização, a situação dos têxteis não
é particularmente desfavorável (tabela 2.6). Parece claro assim que a variável composição da
força de trabalho é mais relevante do que o grau de mecanização para determinar o preço da
força de trabalho.

TABELA 2.4
DISTRITO FEDERAL
DISTRIBUIÇÃO DE OPERÁRIOS PELOS PRINCIPAIS RAMOS INDUSTRIAIS,
SEGUNDO O SEXO E A IDADE — 1919
DISTRIBUIÇÃO MAIORES DE 14 ANOS MENORES DE 14 ANOS TOTAL GERAL
RAMOS
GLOBAL % % %
% HOMENS MULHERES TOTAL HOMENS MULHERES TOTAL HOMENS MULHERES
Têxtil 40,1 57,2 42,8 93,6 58,6 41,4 6,4 57,3 42,7
Alimentação 15,2 71,2 28,8 90,9 69,9 30,1 9,1 71,1 28,9
Vestuário e
22,2 55,7 44,3 92,1 45,0 55,0 7,9 54,9 55,1
toucador
Cerâmica 4,9 94,3 5,7 84,9 96,6 3,3 15,1 94,6 5,4
Metalurgia 10,4 94,5 5,5 91,5 87,1 12,9 8,5 93,6 6,1
Químico e
produtos 7,2 69,2 30,8 91,8 69,1 30,9 8,2 69,2 30,8
análogos
FONTE: Recenseamento de 1920, v. V, 1a parte, pp. 254-5. Obs.: Com relação ao trabalho do menor, as proporções ficariam
muito alteradas se fosse adotado o critério de distinguir entre maiores e menores de dezoito anos. É muito indicativa a não
correspondência entre “minoridade civil” e “minoridade da força de trabalho”.

TABELA 2.5
ESTADO DE SAO PAULO
DISTRIBUIÇÃO DE OPERÁRIOS PELOS PRINCIPAIS RAMOS INDUSTRIAIS,
SEGUNDO O SEXO E A IDADE — 1919
DISTRIBUIÇÃO MAIORES DE 14 ANOS MENORES DE 14 ANOS TOTAL GERAL
RAMOS
GLOBAL % % %
% HOMENS MULHERES TOTAL HOMENS MULHERES TOTAL HOMENS MULHERES
Têxtil 45,7 44,7 55,3 92,1 45,6 54,4 7,9 44,8 55,2
Alimentação 14,7 82,9 17,1 92,0 69,9 30,1 8,0 81,9 18,1
Vestuário e
13,8 62,6 37,4 90,5 56,0 44,0 9,5 61,9 38,1
toucador
Cerâmica 12,3 88,6 11,4 94,7 81,2 18,8 5,3 88,2 11,8
Metalurgia 7,3 94,0 6,0 92,3 92,3 7,7 7,7 93,9 6,1
Químico e
produtos 6,2 71,0 29,0 97,4 66,4 33,6 2,6 70,8 29,2
análogos
FONTE: Recenseamento de 1920, v. V, 1a parte, pp. 270-1. Ver a observação da tabela 2.4.
TABELA 2.6
SALÁRIO MÉDIO NA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO, 1919
(MIL-RÉIS POR DIA)
ADULTOS MENORES
LOCAIS HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES
INDÚSTRIA TÊXTIL
Distrito Federal 6720 5165 2479 2825
São Paulo 5729 4684 2211 2272
Brasil 5329 3738 1973 1994
INDÚSTRIA DA ALIMENTAÇÃO
Distrito Federal 5845 3856 2617 878*
São Paulo 5616 3567 2028 2403
Brasil 5111 2957 2004 1858
INDÚSTRIA DO VESTUÁRIO
Distrito Federal 7582 4216 2376 2049
São Paulo 6382 3467 2142 1773
Brasil 6712 3652 2174 1885
INDÚSTRIA INDÚSTRIA
METALÚRGICA DE CALÇADOS
HOMEM ADULTO HOMEM ADULTO
FUNDIDOR TORNEIRO CORTADOR ACABADOR
Distrito Federal 6853 8887 8747 7679
São Paulo 8405 7506 5687 5286
Brasil 7483 8107 7656 7076
FONTE: Resumo de um quadro elaborado por Wilson Cano, Raízes da concentração industrial em São Paulo. Tese de
doutorado. Campinas: Unicamp, 1975, v. II, p. 124. A fonte é o Recenseamento de 1920, v. V, 2a parte, pp. XI-XVI.
* Provável erro tipográfico.

A indústria capitalista mecanizada associa em seus primeiros tempos tanto a exploração


extensiva como intensiva da força de trabalho. Do ponto de vista do empresário, o
prolongamento da jornada estende a escala da produção sem alterar a parte do capital
investida em maquinaria e edifícios. Isso ocorre sempre que se usa o expediente, mas no caso
tem uma importância maior, pois a parte de capital convertida em meios de trabalho torna-se
mais relevante.6 Esse fato, aliado à fraca possibilidade de resistência dos trabalhadores,
explica a média proporcional mais longa da jornada de trabalho entre os têxteis. Dados gerais
levantados em São Paulo (1911) referem-se a dez a doze horas de trabalho no ramo, ao passo
que se trabalha oito horas na construção civil, nove na indústria de chapéus, nove a onze nas
fundições e oficinas mecânicas.7 Trata-se, porém, do que se considera a jornada normal de
trabalho, além da qual se paga por vezes maior remuneração de 10% a 25% sobre o salário
ordinário. Há exemplos extremos de cardadores que trabalham dezesseis horas por dia, das
cinco às dez da noite, com uma hora para refeição, ou da imposição do serviço aos domingos
até às três da tarde.
A intensificação do trabalho combina formas veladas — o aumento de velocidade das
máquinas, por exemplo — com os incentivos materiais e a violência. O salário se torna
proporcional não só ao número de horas de trabalho como a seu raio de alcance: na fábrica
Mariângela (São Paulo), em 1907, as tecelãs ganham 2$000 diários, passando a 3$500 e
5$000 se dão conta respectivamente de dois ou três teares. Ao mesmo tempo, o sistema de
máquinas exige a observação, a continuidade da vigilância que o estilo das construções
procura reforçar, com suas paredes elevadas e as janelas abertas no alto, impedindo a visão
do exterior. No curso da jornada, coíbem-se as mínimas conversas, o uso das privadas por
tempo julgado excessivo.
Entre os incentivos e a extração do excedente pela coação aberta, o segundo expediente
predomina. Em linhas gerais, a visão do empresário industrial corresponde ao quadro traçado
por Hobsbawm, referindo-se ao empregador inglês de meados do século XIX. Os empresários
consideram que a menor folha de salário em pagamento ao maior número de horas se traduz
no mais baixo custo do trabalho por unidade de tempo; que o esforço dos trabalhadores não
pode ser muito acrescido acima de determinada norma, embora sejam muitas vezes
demasiado preguiçosos para alcançá-la; que o problema da produtividade se resolve pela
mecanização combinada com disciplina; e que os incentivos são úteis quando muito como
simples auxílio a essa combinação.8
Não apenas a diferenciação de funções como a necessidade da disciplina impõem, no
interior da grande indústria, uma nítida hierarquia social. No topo, o patrão ou o diretor,
figura de difícil acesso com quem os trabalhadores não têm contato na vida cotidiana e que
em regra se recusa a recebê-los por ocasião dos conflitos coletivos; como instância
intermediária — barreira estancadora das queixas coletivas — surge o gerente; na base, o
mestre e o contramestre, manifestações tangíveis da hierarquia. São eles os responsáveis
imediatos pela disciplina em geral, pela violência contra as crianças — expressão exacerbada
da pedagogia vigente na sociedade —, pela dupla exploração das mulheres como força de
trabalho e como objeto sexual. É contra eles que se volta, por sua vez, a fúria dos
trabalhadores, explodindo na troca de tijoladas, cacetadas, tiros.
Convém, entretanto, matizar o quadro da frontal luta de classes cotidiana. A introdução da
força de trabalho feminina e infantil resulta em novas fontes de atrito, mas também em mais
de uma ambiguidade. No plano afetivo, multiplicam-se as críticas ao comportamento de
mestres e contramestres que chegam a dar origem a grandes explosões coletivas. Assim, os
trabalhadores das fábricas Aliança e Cruzeiro deflagram a primeira grande greve têxtil da
capital da República (agosto de 1903) porque uma operária, ao voltar da maternidade, é
despedida pelo mestre com quem tivera um filho.9 Porém, para os homens, o trabalho
feminino — excetuados os casos em que constitui suplementação do salário familiar — se
transforma em um temível concorrente. É possível entrever na reivindicação de igualdade
salarial entre os sexos, quando sustentada por eles, não apenas a defesa de um princípio mas
uma necessidade imediata. Em 1917, no curso de uma assembleia da União dos Operários
em Fábricas de Tecidos do Rio de Janeiro, convocada para discutir a situação existente em
uma fábrica onde os tecelões estavam sendo gradativamente substituídos por mulheres, um
operário insurge-se contra esse processo em nome da divisão tradicional dos papéis sociais:
nós não devemos ensinar (o trabalho) a essas mulheres que amanhã nos virão a substituir, mas devemos fazer-lhes
compreender que o seu lugar é em casa, a tratar e educar seus filhos […]; oxalá que elas saibam compreender seu papel
de educadoras daqueles que amanhã serão os nossos substitutos na luta do pão e na conquista do bem-estar da
humanidade, pois, assim, demonstrarão à sociedade serem as verdadeiras rainhas do lar; o papel de uma mãe não
consiste em abandonar seus filhos em casa e ir para a fábrica trabalhar, pois tal abandono origina muitas vezes
consequências lamentáveis, quando melhor seria que somente o homem procurasse produzir de forma a prover as
necessidades do lar.10

Com relação ao trabalho infantil, as acusações contra os espancamentos, a denúncia de


mutilações de crianças pelas máquinas quando adormecem em serviço, demonstram a
repulsa a seu emprego. Lembre-se, contudo, que o trabalhador menor é com frequência
proveniente da família operária, estabelecendo-se uma espécie de triste pacto desigual entre
adultos, em sua exploração. A imprensa anarquista recolhe alguns desses casos: um relato
das condições de trabalho na fábrica de tecidos Cruzeiro, no Andaraí, refere-se à atividade
das crianças ao lado dos pais, que parecem conformados com a brutalidade reinante; caso
extremo, na fábrica Carioca, uma menina é espancada pelo pai após ser esbofeteada e
despedida pelo mestre, por ter perdido um gancho para tirar algodão dos cilindros.11
A grande empresa têxtil, sobretudo quando localizada na periferia das cidades, tendeu a
converter-se em um núcleo até certo ponto autônomo, com a implantação de serviços que
revelam a mudança de comportamento de alguns industriais. Creches, jardins de infância,
armazéns, restaurantes, casas fornecidas pela companhia, assistência médica começaram a
surgir em grau variável, em fábricas como a Votorantim, a Maria Zélia dirigida por Jorge
Street. Warren Dean vincula essa mudança de comportamento a uma inspiração
“behaviorista”, pela qual os operários passam a ser tratados como extensão da maquinaria,
ou a um paternalismo autoconsciente — forma de exploração mais racional da força de
trabalho.12 É provável que os benefícios, envolvendo um cálculo mais complexo, fossem
percebidos pelos trabalhadores como efetivas vantagens. De qualquer forma, a
arregimentação nas “modernas aldeias” resultou em fonte adicional de poder dos
empresários sobre os trabalhadores, a ponto de alcançar sua vida privada. Street impunha o
toque de recolher às nove horas e a abstinência de bebidas fortes. Na Votorantim, situada a
alguns quilômetros de Sorocaba, os gerentes impediam as uniões livres e obrigavam os
operários a casar-se, sob pena de despedida. Eram frequentes os casos de revista por guardas
armados ou o controle das pessoas que iam visitar os operários. A escassez dos trens, o
elevado preço das passagens na estrada de ferro controlada pela companhia entre Votorantim
e Sorocaba indicam um interesse em evitar contatos amiudados com o mundo exterior.13 O
fornecimento de casas de aluguel pela grande empresa — não restrito aliás ao ramo têxtil —
acentuou também o grau de dependência dos trabalhadores. Em resposta às greves, eles
foram com frequência desalojados de suas casas ou delas arrancados à força e compelidos ao
trabalho. Para ficar apenas em um dentre as dezenas de exemplos, operários em greve da
Vidraria Santa Marina (São Paulo, 1909) sofreram o despejo e foram obrigados a viver em
habitações precárias, construídas em um terreno baldio. Aí levaram por alguns dias uma vida
em comum, tratando de reforçar a resistência com o canto da Internacional e da Carmagnole
— a ronda revolucionária de 1793.14
Na indústria mecanizada, desaparece a relativa satisfação no trabalho e a tendência a
identificar-se com o produto. Incorporado como apêndice vivo a um mecanismo morto, o
operário é submetido à triste rotina em que repete continuamente o mesmo processo
mecânico. O produto se configura, em sua consciência, como resultado da atividade das
máquinas, guardando uma relação distante com os “apêndices vigilantes”. A imprensa
operária denunciava seguidamente as multas impostas aos trabalhadores por defeito de
fabricação, atribuindo as falhas à má qualidade da matéria-prima. Sem dúvida tinha razão
nisso, e a própria multa constituía um instrumento de coação disciplinar ou de deprimir o
salário. Mas não haveria aqui, ao mesmo tempo, um indício de desinteresse do produtor pela
qualidade de um produto que lhe era literalmente estranho?
Entre a pequena unidade de base técnica artesanal e a fábrica, alguns ramos apresentam
um quadro de transição, como é o caso da indústria de calçados, cujas características (Rio de
Janeiro, 1906) foram tão bem descritas por Maria Cecília Baeta Neves. Ao lado da “oficina”
quantitativamente predominante, há um processo de concentração de capital nas mãos de
alguns industriais que começam a modificar o processo de produção em suas empresas e a
absorver as que dependem de seu crédito. Enquanto o trabalho domiciliar realizado
sobretudo por mulheres e crianças se mantém, a mecanização dá nas indústrias seus
primeiros passos, constituindo o trabalhador das máquinas — onde se incluem muitos
menores — um grupo específico, ao lado dos antigos artífices.
A gradativa introdução de maquinaria, a consequente desvalorização da força de trabalho
provocam em certos ramos as despedidas, o ressentimento contra os novos recrutas do
exército industrial. Procurando enfrentar esses problemas no serviço de linotipia, A Voz do
Trabalhador defende o uso das máquinas e a manutenção no emprego de todos os
trabalhadores, com uma jornada de quatro horas e salários mais elevados. Associa,
lucidamente, os dois últimos pontos à natureza do trabalho e sua intensidade, dizendo que a
posição do corpo e o emprego simultâneo de todos os sentidos do operador tornam a fadiga
inevitável ao cabo de quatro horas.15 Porém, a fadiga sem compensações associa-se também
a atividades com o dispêndio de grande energia muscular. No porto de Santos,
além dos horários obrigatórios, havia, todos os anos, o período das safras do café, forçando horários extraordinários,
cujo embarque era feito por processos desumanos, carregados nas costas dos trabalhadores. Os guindastes, então
existentes, eram hidráulicos e de pouco porte. Os navios ancoravam encostados uns aos outros, e o embarque do café se
processava como um formigueiro humano, carregando sacos nos ombros, subindo e descendo pranchas do cais para o
convés dos navios e de um navio para o outro. Na rua, o transporte era feito por carroças puxadas a burro, e os cocheiros
corriam a pé, ao lado dos animais […]. Os ferroviários, por falta de rodovias, trabalhavam descarregando galeras e
vagões, e transportando nas costas, até aos armazéns, onde era empilhado o café.16

Ao mesmo tempo, em alguns casos, a completa mecanização representa a superação de


processos que arruinavam a saúde do trabalhador:
Na Vidraria Santa Marina, as garrafas e outros recipientes grosseiros de vidro que lá se fabricavam eram feitos à força de
sopros humanos. O operário vidreiro, passava o dia, de manhã à noite, junto às matérias incandescentes e tinha que
encher as bochechas de ar, forçar os pulmões e soprar em canudos […]. Fazia isso durante 10 a mais horas por dia, até
ficar tuberculoso […]. Este processo de trabalho levou à greve os operários vidreiros que pleiteavam uma modernização
do fabrico, substituindo o sopro humano pelo ar condicionado, artificial, comprimido.17

Entre os têxteis não faltaram denúncias contra a lançadeira, instrumento que os tecelões
levavam à boca para “chupar” o fio da trama, responsável pelo contágio de moléstias, pela
absorção de pó e anilinas. A reunião operária de 1913 pediu que se proibisse seu uso e se
utilizassem os processos mecânicos vigentes na Europa.
A mobilização dos trabalhadores entre os fins do século XIX e os primeiros anos da Guerra
Mundial tem limites bastante conhecidos. Sua fraqueza está estampada na baixa
representatividade e descontinuidade da organização sindical, na história de seguidas
derrotas dos movimentos coletivos. Por vezes, o sindicato nasce de um pequeno núcleo cujo
esforço não logra correspondência na categoria que pretende representar ou resulta do
entusiasmo despertado por uma greve, sem conseguir desprender-se de sua origem. À
medida que o entusiasmo decai, o organismo começa a declinar até se transformar em uma
simples referência nominal. As federações regionais e a confederação nacional não poderiam
deixar de ter uma história semelhante. A Federação Operária de São Paulo nasce em fins de
1905, reunindo em sua fundação a União dos Chapeleiros, a Liga dos Trabalhadores em
Madeira, a Liga dos Pedreiros e a União Internacional dos Sapateiros. Esses sindicatos, com
raras exceções, são pouco expressivos, abrangendo núcleos reduzidos de ativistas. A
Federação Operária surge em consequência dos esforços desses grupos e não como resultado
do crescimento das ligas que a integram.18 Sua presença ativa em alguns momentos — como
na greve dos ferroviários da Companhia Paulista, em 1906 — decresce ao longo dos anos até
desaparecer pouco antes da Primeira Guerra Mundial. A Federação Operária do Rio de
Janeiro — que se origina da Federação das Associações de Classe no Estado do Rio, criada
em outubro de 1903 — promove o Primeiro Congresso Operário, mas entra em declínio após
cair em “mãos ineptas e impuras”, sendo reorganizada a partir de maio de 1912. A proposta
de criação da COB é aprovada no Congresso de 1906, concretizando-se apenas em março de
1908. Em grande medida, sua existência se limita ao Rio de Janeiro, onde se confunde com a
Federação Regional. Após publicar os primeiros números de A Voz do Trabalhador e realizar
manifestações contra a lei de sorteio militar, o fuzilamento de Ferrer na Espanha, deixa
praticamente de ter existência. Reaparece em janeiro de 1913 e tem uma vida ativa até a
entrada da Primeira Guerra Mundial: promove o Segundo Congresso Operário (setembro de
1913), organiza comícios contra a carestia, denuncia as condições de trabalho, a lei de
expulsão de estrangeiros, envia representantes ao Nordeste para tentar estender seu raio de
influência. A depressão iniciada em 1914 iria, porém, arrastá-la à crise e a um virtual
desaparecimento.19
A fraqueza do movimento operário não é apenas um dado da realidade, constatado a
posteriori, mas integra a consciência dos contemporâneos. Anarquistas e socialistas
procuram seguidamente desvendar as razões dessa fraqueza, com argumentos nada
desprezíveis. Respondendo a um inquérito promovido por A Guerra Social sobre o
problema, Neno Vasco identifica as dificuldades centrais na composição da classe operária e
na estrutura da indústria. Elementos incultos, provenientes do trabalho agrícola de caráter
colonial, com ressaibos da escravatura recente, combinam-se nas regiões do sul com os
trabalhadores imigrantes. Estes são em geral rústicos, saídos de regiões miseráveis,
desejando apenas juntar um pecúlio e voltar à pátria. Não se deve, entretanto, culpá-los
porque há até antigos propagandistas que pensam em “fazer a América” e regressar à
Europa. Por seu turno, a incipiência da estrutura industrial reforça as dificuldades, pois
impede a suficiente coesão e homogeneidade dos trabalhadores. O Avanti, apesar das
diferenças ideológicas, descreve um quadro análogo, ao qual se acrescentam mais alguns
elementos: o caráter descontínuo do processo de industrialização que redunda em uma
instabilidade dos efetivos da classe; a possibilidade de ascensão social dos elementos mais
ativos; as relações muito próximas entre patrão e trabalhador na pequena empresa.20
O comportamento operário vincula-se ao débil padrão organizatório. A solidariedade, a
aberta rebeldia — como opção de consciência ou resposta a condições insuportáveis de vida
— são frequentes mas têm uma feição heroica, tendo-se em conta essa debilidade e a
natureza do sistema de dominação. Não é surpreendente por isso o conformismo revelado
pelos inconscientes, “trabalhadores que se não consideram com mais valor do que uma besta
de carga”, ou a aberta capitulação dos “krumiros”, apontados ao desprezo da classe como
“sabujos, traidores, no último grau da abjeção e da imundície”.
Mas a recusa da mitologia do movimento operário pode ter como contrapartida uma visão
desqualificadora da mobilização dos trabalhadores, identificada em expressões do tipo
“explosão repentina”, “resposta automática a condições insuportáveis de existência”. Com
essa ênfase na espontaneidade economicista, correm-se pelo menos dois riscos. De um lado,
tende-se a ignorar a história da organização dos trabalhadores — que não se restringe às
associações formais — e os vínculos, por débeis que sejam, entre a organização e os
movimentos coletivos; de outro, empobrece-se a imaginação social da classe operária,
reduzindo-a quase a um reflexo das condições materiais existentes. Não é possível também
esquecer o óbvio: em uma sociedade recém-saída da escravidão, a organização operária
aparece como o primeiro movimento social das camadas dominadas voltado, por seus
objetivos manifestos, modelos ideológicos, métodos de ação, para a mudança de aspectos
básicos da estrutura do poder.
No interior do quadro genérico de fraqueza do movimento operário e das ações coletivas,
as distinções de setor a setor, de ramo a ramo, combinadas com as de natureza regional, de
composição étnica da classe trabalhadora, têm particular interesse.
O setor de serviços (ferrovias e portos) é estrategicamente o mais relevante, dele
dependendo o funcionamento básico da economia agroexportadora, assim como o que
apresenta o maior grau de concentração de trabalhadores. Essa determinação estrutural
tenderá a se impor ao longo do tempo, na década de 1920 e sobretudo na primeira metade
dos anos 1930, quando ferroviários e portuários se converterão no núcleo mais estável do
sindicalismo brasileiro. Mas a tendência ao fortalecimento organizatório terá sua história
marcada por não poucas vicissitudes. Na medida em que o padrão das relações de dominação
se caracteriza pelo enfrentamento aberto de classes, a relevância setorial resulta em uma
ambiguidade: o sindicalismo independente é reprimido com severidade; as greves — muito
significativas por suas repercussões econômicas — enfrentam por isso mesmo uma violenta
resposta repressiva.
Do ponto de vista da qualificação profissional, a força física constitui um fator favorável
aos trabalhadores. As repetidas tentativas de substituir portuários por ocasião das greves
esbarram sempre nessa dificuldade. Em Santos, por exemplo, durante a grande paralisação
das docas entre dezembro de 1920 e janeiro de 1921, elementos recrutados no Rio, “dos
baixos fundos sociais” na linguagem da imprensa anarquista, acabam por se revelar
inadaptados ao trabalho e provocam vários conflitos entre si. Entretanto, a especialização de
certas tarefas — maquinista, foguista, entre os ferroviários — produz consequências
contraditórias. Instrumento de elevação salarial, de maior poder de barganha, acentua a
divisão hierárquica interna dos trabalhadores, com consequências gerais bastante negativas
nos momentos de conflito aberto. O exemplo da greve de marítimos cariocas dos primeiros
meses de 1921, embora fuja cronologicamente ao período que estou considerando, pode ser
tido como exemplar. De acordo com o relato da imprensa libertária, a greve começa pelos
sempre esquecidos taifeiros, estendendo-se depois aos marinheiros. Em um segundo
momento, os foguistas entram em cena, a princípio confraternizando-se mas logo
pretendendo impor uma “humilhante autocracia política” aos taifeiros, que ficam sozinhos
por não aceitarem a tutela. Afinal, os vários grupos se desentendem e cada qual procura o
socorro de protetores estranhos ao meio operário: os marinheiros apelam ao ministro da
Viação e os foguistas ao nacionalista Alcebiades Delamare, chefe de um núcleo de
fascistas.21 Por outro lado, nas situações extremas, a greve de setores especializados convida
à intervenção estatal direta, pois só a Armada está em condições de substituir certo tipo de
grevistas.
No estado de São Paulo, as greves em serviços não são só qualitativa como
quantitativamente dominantes entre 1888-1900, nas condições de um incipiente
desenvolvimento industrial, perdendo terreno à medida que o setor secundário começa a
fortalecer-se.22 Após a importante greve da Cia. Paulista (1906), por causa da repressão e de
algumas concessões, os ferroviários aparecem menos, no plano das mobilizações ostensivas:
ausentes das greves generalizadas de 1907 e 1912, não têm papel central na grande greve de
1917. Com as lições do passado em mente, a Cia. Paulista apressa-se em conceder aumentos,
após uma breve paralisação, enquanto a repressão produz efeitos na São Paulo Railway. Em
agosto de 1917, o movimento sindical ganha aí bastante impulso, constituindo-se a União
Geral dos Ferroviários, que em pouco tempo obtém mais de 3 mil adesões. No mês seguinte,
a polícia prende seus diretores, ocupa vários pontos da estrada e organiza uma lista de nomes
dos sindicalizados sobre os quais cai a perseguição da Companhia.23 Ainda assim, segundo
os dados de Azis Simão, tomando-se o período 1901-14, as greves setoriais de ferroviários,
em número de cinco, só são igualadas pela construção civil.24
Os portos favorecem os primeiros contatos de trabalhadores brasileiros com o movimento
operário de outros países sul-americanos, especialmente a Argentina. Depois de uma greve
do Lloyd Brasileiro, dois delegados da Federación Obrera Regional Argentina vêm ao Rio de
Janeiro, em novembro de 1904, daí resultando um acordo entre a Sociedad de Resistência
Obreros del Puerto de Buenos Aires e a União dos Operários Estivadores. Pelo convênio,
ambas se comprometiam a tomar medidas de solidariedade, sempre que houvesse greve em
um dos portos, ou boicote dos navios de determinadas companhias. O sindicato brasileiro
dispunha-se ainda a organizar sociedades de resistência, na medida do possível, em todos os
portos do Brasil, integrando-as em uma federação nacional.25 A retórica de Melchior Pereira
Cardoso, representante da Federação das Associações de Classe do Rio de Janeiro —
disposto a combater “os parasitas de toda a espécie, os falsos apóstolos da burguesia, em
nome da luta de classes e da emancipação operária pela ação dos próprios trabalhadores” —,
teria pouco alcance prático. Tanto ele pessoalmente quanto as organizações de marítimos e
portuários cariocas estavam pouco inclinados a esse tipo de iniciativa.
De fato, há na época um grande contraste entre o porto de Santos e o do Rio de Janeiro.
Santos — centro de influência anarquista — caracteriza-se pelo sindicalismo autônomo, pela
maior explosividade. Em junho de 1905, um órgão único de organização dos trabalhadores
— A Internacional — conduz a primeira grande greve no estado, com repercussões na
capital e no porto do Rio. Após 27 dias de lutas e contínuas prisões, os portuários são
derrotados. Pouco mais de três anos depois (setembro de 1908), estoura um movimento pelas
oito horas de trabalho que acaba por se estender a toda a cidade. A ambiguidade das
paralisações nos ramos estratégicos aparece aí claramente. A Força Pública desloca efetivos
para Santos, fura-greves são trazidos das fazendas do interior do estado, três navios de guerra
desembarcam tropas federais. Ao mesmo tempo, a Associação Comercial de Santos —
diante do problema criado pelo café estocado no porto — pressiona a Cia. Docas e o governo
para que se chegue a um acordo. Afinal, o movimento termina, com a promessa, aliás não
cumprida, do ministro da Viação de garantir um reajuste salarial por parte da empresa
concessionária.26 O mesmo padrão de combatividade e violenta repressão constitui o traço
comum das novas greves portuárias de 1912 e sobretudo de dezembro de 1920 a fevereiro de
1921. Ressalve-se apenas que a maior presença libertária em Santos não pode ser tomada em
sentido absoluto. No curso da greve de 1908, negociações com a Cia. Docas são
estabelecidas por elementos alheios ao anarquismo; vários anos depois, em um período de
efervescência, a imprensa anarquista assinalaria uma reorganização dos trabalhadores dos
portos constituída infelizmente “com espírito reacionário, de estreito exclusivismo de classe,
moldada em princípios autoritários”.27
No porto do Rio de Janeiro e entre os marítimos, a explosividade das relações de classe é
menor. A violência desvia-se frequentemente para as disputas internas entre grupos,
enquanto do ponto de vista organizatório reina uma cerrada burocracia sindical. Assim, um
“coronel marítimo” — Petronilho Fernandes Guimarães — de 1906 a 1916 controla como
presidente ou vice-presidente a Associação dos Marinheiros e Remadores, geralmente em
dupla com Eduardo Pereira Santana. Um breve relato da vida do sindicato, publicado por um
órgão da imprensa corrente, faz contínuas referências à pressão sobre rivais, desfalques,
falsificação de atas.28 No início de 1915, a União dos Operários Estivadores é palco de uma
violenta disputa entre o grupo dominante e os defensores do sindicalismo de resistência,
acompanhada de conflitos sangrentos na região do porto. A chapa “antipolítica” obtém a
vitória e propõe-se “a limpar a União dos contrabandistas, ladrões do mar, desordeiros
profissionais, cabos eleitorais, acobertados com o título de sócios e diretores”.29 O êxito seria
porém transitório. De modo geral, não obstante alguns avanços do anarquismo entre 1920-1,
o porto do Rio de Janeiro manteria a tradição de um sindicalismo limitado a reivindicações
corporativas, convertido muitas vezes em um apêndice do estado. As organizações de
estivadores e marítimos colocam-se à margem das grandes greves cariocas a partir de 1917,
afirmando sua disposição de utilizar-se apenas de meios pacíficos. Várias entidades,
sobretudo na área dos marítimos, iriam mais longe, ao colaborar com o governo na
liquidação da greve da Leopoldina.
Mesmo tendo em conta uma relativa distância entre as inclinações dos organismos
sindicais e a massa operária, os perfis de comportamento nos portos de Santos e do Rio de
Janeiro distinguem-se assim claramente. As razões da diferença devem ser buscadas no
contexto geral das duas cidades e na composição étnica da classe trabalhadora. Santos se
define como centro de lutas frontais, sob inspiração libertária, abrangendo tanto portuários
como outros ramos, em especial a construção civil. Uma classe operária relativamente
homogênea, composta em grande parte de estrangeiros (espanhóis e portugueses), constitui o
núcleo básico dos trabalhadores quando a cidade começa a se desenvolver.30 No Rio de
Janeiro, estrangeiros — em menor número — vêm concorrer no porto com elementos
nacionais aí já instalados. A rivalidade étnica potencia a disputa e favorece a divisão interna
da classe. Por sua vez, as posições tendentes ao paternalismo ou à conciliação encontram
campo na maior incidência do Estado e nas expectativas dos trabalhadores nacionais. Entre
estes, há muitos antigos escravos ou integrantes de uma geração para a qual a escravidão tem
ainda um peso considerável culturalmente.
No setor industrial, por entre as variações do comportamento dos indivíduos, dois grandes
braços inter-relacionados definem os têxteis: a explosividade e a fraqueza da organização.
Eles foram os responsáveis pela primeira greve geral do Rio de Janeiro (1903) e tiveram
papel importante nas paralisações generalizadas de São Paulo, em 1907 e 1912. Durante os
anos 1917-20, as maiores mobilizações iniciaram-se na categoria, que esteve em certa
medida associada à tentativa insurrecional de novembro de 1918.
Entretanto, até 1917, o grau de mobilização contrastou com a descontinuidade
organizatória. Em São Paulo, a União dos Operários em Fábricas de Tecidos, cuja primeira
notícia data de 1907, teve uma existência vegetativa. No Rio de Janeiro, o primeiro sindicato
têxtil (Federação dos Operários em Fábricas de Tecidos) surgiu em princípios de 1903,
“trazendo para a Capital Federal o método da resistência ou do sindicalismo francês”.
Segundo um relato da imprensa operária, a Federação conseguiu agremiar quase todos os
trabalhadores do ramo, daí nascendo as condições para a greve decretada em 15 de agosto de
1903, abrangendo 25 mil trabalhadores têxteis e cerca de 15 mil de outras categorias. As
reivindicações dos grevistas (oito horas de trabalho; 40% de aumento) praticamente não
foram atendidas, pois os empresários concederam um aumento insignificante e aceitaram,
aliás por pouco tempo, a redução da jornada normal de trabalho para nove horas e meia. A
derrota da greve, seguida da dispensa de muitos trabalhadores, repercutiu na Federação, que
rapidamente se esvaziou e desapareceu. Anos depois, formou-se o Sindicato dos
Trabalhadores em Fábricas de Tecidos, nas fábricas de Vila Isabel, onde havia em média
oitocentos sindicalizados, com ramificações no Andaraí e Sapopemba. Novamente, o
fracasso das greves — que giravam agora em torno do direito de organização — levou ao
esfacelamento do organismo sindical: no Andaraí, após a greve na fábrica Cruzeiro
(novembro de 1908), resultante da demissão de dois operários por fazerem propaganda do
sindicato; em Vila Isabel, depois da greve/lockout da fábrica Confiança (março de 1909),
quando os operários exigiram a demissão de um mestre que pretendia despedir um
trabalhador responsável pela cobrança das mensalidades sindicais. Com o fim do sindicato
de Sapopemba em condições semelhantes, deixou de existir qualquer organização autônoma
dos têxteis cariocas até 1913. Nesse ano, voltou a ressurgir, logo sujeita às vicissitudes dos
primeiros anos da guerra.31
A história do sindicato têxtil do Rio de Janeiro indica uma correlação entre a seguida
derrota das greves — não tão elementares como se poderia supor — e o esfacelamento
organizatório. A dificuldade de êxito das mobilizações liga-se a dois fatores comuns tanto à
capital da República como a São Paulo; a articulação relativamente maior dos empresários
têxteis e, em especial, a natureza pouco especializada do trabalho. As condições estruturais
de oferta abundante de força de trabalho encontram nessa área seu melhor exemplo; a
existência de um grande exército de reserva torna muito difícil o êxito das greves, com
reflexo direto no nível de organização.
Por sua vez, a explosividade e o baixo grau organizatório dos têxteis se inter-relacionam.
Se a primeira tem origem nas más condições de trabalho, nos salários insignificantes, na
solidariedade impulsionada pela concentração industrial, vincula-se também à inexistência
de núcleos sindicais ou a sua capacidade de exercer apenas funções de mobilização e não de
controle. Quando se alude ao baixo grau de articulação dos têxteis, relaciona-se com
frequência o fato à composição da categoria. Sem dúvida, a presença de crianças e mulheres
era um fator desfavorável, mas seria necessário esclarecer melhor o significado do trabalho
feminino nesse aspecto. Como grupo, apto a mobilizar-se, nada indica que as mulheres
estivessem em plano inferior aos homens. Há referências constantes a sua destacada presença
nas greves e, por vezes, a sua maior propensão a protestar.32 Da menor continuidade no
trabalho — resultante do papel de complementação do salário familiar — e sobretudo da
condição geral da mulher, decorreu, porém, uma barreira ao exercício de uma atividade
organizatória formal. Por isso, as figuras femininas deixaram traços anônimos nas ações
coletivas, estando quase ausentes do rol dos organizadores.
Dentre os ramos semiartesanais, os trabalhadores da construção civil se destacaram pelo
maior padrão cultural, melhores condições de trabalho e salário, maior força e continuidade
associativa. Uma enorme distância separa a estrutura do ramo, de princípios do século XX aos
dias de hoje, tanto sob o aspecto da organização das empresas como da qualificação operária.
Um antigo militante de Santos contrasta em suas memórias o estivador oprimido, descalço,
propenso à bebida, com o trabalhador da construção civil, “que almoçava na obra, tinha hora
de café, trocava de roupa para trabalhar, andava calçado”. Depois de lembrar que a vantagem
era relativa, pois a insegurança no emprego, os acidentes integravam o quadro geral da vida
operária, ressalta o maior nível de cultura da categoria, associada à natureza do serviço:
Os trabalhadores da construção civil tinham um índice menor de analfabetos; liam alguma coisa e tinham certas
veleidades artísticas. Naquele tempo, as fachadas dos prédios eram bastante enfeitadas e mesmo os interiores. Daí o
esforço que muitos faziam para adquirir conhecimentos de escultura, modelagem e, principalmente, desenho geométrico,
para conhecer escalas e rudimentos de arquitetura.33

Até a Primeira Guerra Mundial, os trabalhadores da construção civil estiveram na


vanguarda do movimento operário de Santos. Foram eles os principais organizadores da
Federação Operária local, com sua escola noturna, seu salão de leitura, onde os livros
anarquistas se misturavam com as publicações didáticas, com periódicos de São Paulo, do
Rio de Janeiro, de Buenos Aires ou de Barcelona. Em 1907, juntamente com seus
companheiros da capital, obtiveram a jornada de oito horas, que conseguiram manter por
bastante tempo como demonstra a continuidade de comemoração da conquista através dos
anos.34
Embora no conjunto do país (dados de 1919) a construção civil se encontrasse em posição
intermediária no tocante ao nível de salário,35 sua superioridade em confronto com o ramo
têxtil é evidente:

TABELA 2.7
DISTRITO FEDERAL — 1919
SALÁRIO MÉDIO DIÁRIO ADULTO MASCULINO

TÊXTEIS
Batedor 5$533
Cardador 5$971
Maçaroqueiro 6$006
Fiandeiro 5$067
Bobineiro 5$369
Tecelão 8$812
Urdidor 7$062
Engomador 7$347
Alvejador 5$778
Tintureiro 5$686
Acabador 5$803
CONSTRUÇÃO CIVIL
Canteiro 8$250
Estucador 9$000
Marmorista 9$572
Pedreiro 8$565

FONTE: Recenseamento de 1920, v. V, 2a parte. Salários. Os dados não exprimem a diferença real, pois a jornada normal de
trabalho entre os têxteis era maior do que na construção civil.

Em São Paulo, no segundo trimestre de 1912, no curso de um período de boom industrial


e imobiliário, constatam-se também nítidas diferenças: um frentista ganha de 12$000 a
16$000 diários; um estucador, 12$000; um pedreiro, de 4$500 a 7$000; um servente de
pedreiro, de 3$000 a 4$000. No ramo têxtil, os fiandeiros ganham de 4$200 a 4$800, os
tecelões de 4$200 a 5$100, os batedores de 4$300 a 5$000.36
Ao mesmo tempo, os sindicatos da construção civil eram mais representativos e com
frequência conseguiam impor aos empregadores suas reivindicações: os canteiros de São
Paulo, por exemplo, ganharam praticamente todas as greves desfechadas entre 1907 e
1913.37 A maior capacidade organizatória não se devia ao grau de concentração. Como em
quase todos os demais ramos, refletindo as condições da estrutura industrial, a organização
correspondia aos ofícios: sindicatos de pedreiros, marmoristas, canteiros, espalhados estes
pelas pedreiras dos arredores de São Paulo, em Cotia, Ribeirão Pires, Itaquera.
Em algumas das associações, há indícios de um espírito corporativo militante que se
reflete no estrito controle dos membros e nem sempre se enquadra no horizonte do
anarcossindicalismo.38 A União de Canteiros submetia os sócios a julgamento, por atitudes
inconvenientes, impondo-lhes multas e a suspensão do direito ao trabalho. Um caso curioso
ocorreu entre os marmoristas cariocas, quando um operário se recusou a participar de greve,
sob a alegação de doença, e a assinar um documento em favor de colega preso. O Centro dos
Operários Marmoristas, no fim da greve, forçou o empregador a demitir o operário e, como
este recorresse à polícia, impôs-lhe o boicote. A eficácia da medida está retratada em carta
publicada na imprensa, na qual o trabalhador faz uma espécie de autocrítica e pede ao Centro
que reconsidere sua decisão, pois está desempregado há um mês.39
O maior êxito relativo dos trabalhadores da construção civil40 na conquista de melhores
condições de vida e no nível de articulação explica-se por sua qualificação, pela qualidade
dos empresários41 e, sobretudo, pelas características do ramo. Como mostra Maram, o
empregador era, tipicamente, um pequeno empreiteiro que só recebia após o término do
serviço e tinha de arcar com o custo do fornecimento de materiais. Qualquer paralisação do
trabalho, dadas essas condições, produzia um sério impacto.42 Ainda assim, é possível
constatar diferenças regionais ao menos no que diz respeito à vitalidade organizatória entre
Santos e São Paulo, de um lado, e o Rio de Janeiro, de outro. Provavelmente, no caso de São
Paulo, o intenso desenvolvimento urbano gerou uma procura de trabalho especializado no
ramo que, durante alguns anos, representou um caso excepcional no quadro da oferta de mão
de obra.
Para além das diferenças específicas que procurei salientar, torna-se viável estabelecer um
padrão genérico de organização e de inclinações ideológicas da classe operária nascente, nos
anos prévios à Primeira Guerra Mundial. No setor de serviços, a distinção diz respeito menos
à continuidade organizatória do que à maior inclinação por um sindicalismo corporativo; no
setor industrial, havia uma extrema dificuldade articulatória entre o proletariado de fábrica e
formas associativas mais estáveis nos ramos semiartesanais, onde de algum modo a ideologia
anarquista tinha maior peso.
3. A dinâmica do movimento operário

Uma visão impressionista do movimento operário de fins do século XIX


até a entrada da Primeira Guerra Mundial indica, no interior de um quadro
geral de debilidade, uma fase ascensional entre 1905-8 aproximadamente, a
que se segue a depressão dos anos 1909 a 1912; uma relativa retomada a
partir dessa data, interrompida em meados de 1913. O primeiro período de
ascenso se define pelo maior êxito organizatório, maior número de
mobilizações, surgimento de leis repressivas. Assim, nos anos 1905-8, dá-se
a formação da Federação Operária de São Paulo e se realiza o Primeiro
Congresso Operário; ocorrem duas grandes greves em Santos (1905 e
1908), a greve ferroviária da Paulista, a greve generalizada de maio de 1907
em São Paulo, a paralisação dos sapateiros na capital da República (1906).
Ao mesmo tempo, promulga-se em janeiro de 1907 (Decreto n. 1641, de 7
de janeiro) a lei prevendo a expulsão de estrangeiro por qualquer motivo
que comprometa a segurança nacional e a tranquilidade pública. De meados
de 1911 a 1914, apesar da realização de duas reuniões operárias, o nível
organizatório é mais baixo e mais pronunciado o caráter espontâneo das
mobilizações, que têm seu ponto alto na greve generalizada de maio de
1912 em São Paulo, seguida da greve de Santos, dois meses depois.
Simetricamente, reforça-se a legislação repressiva (Decreto n. 2741, de 8 de
janeiro de 1913), suprimindo-se um artigo da lei vigente que impedia a
expulsão de estrangeiro quando residisse no país por pelo menos dois anos
contínuos ou por tempo inferior, quando fosse casado com brasileira ou
viúvo com filho brasileiro.
Na delimitação dessas fases, a conjuntura econômica tem uma
importância considerável, coincidindo com a tese geral de Hobsbawm de
que, ao contrário do sucedido antes do predomínio industrial na economia,
em épocas mais recentes tende a ocorrer uma relação positiva entre
períodos de prosperidade e o aumento da mobilização operária.1 Ressalve-
se, porém, que, mesmo em tais períodos, parece ter aumentado apenas o
incentivo à atividade mas não o poder de barganha, ao menos se julgarmos
pelo resultado frequentemente negativo das paralisações.
De modo geral, em contraste com a depressão iniciada nos últimos anos
do século XIX, os anos 1905-13 se definiram pelo chamado reerguimento
econômico — que apontava em 1903, com o programa de obras públicas de
Rodrigues Alves —, em que o surto industrial desempenhou papel de
relevo. O segundo semestre de 1913 marcou precisamente o início de uma
recessão agravada com o início da Primeira Guerra Mundial.2 O hiato
ocorrido entre 1909 e o início de 1912 e a posterior reativação também se
vincularam em parte a razões de conjuntura econômica: em fins de 1908, o
Brasil foi momentaneamente atingido por uma crise internacional que
acarretou a redução dos níveis globais do comércio exterior;3 1911 até
meados de 1913 foram anos de verdadeiro boom, acompanhado de fortes
pressões inflacionárias.
É óbvio que essa correlação tem seus limites explicativos. O surgimento
de São Paulo como centro urbano-industrial, a chegada de quadros
anarquistas e socialistas em princípios do século, a constituição de um
proletariado com certo grau de homogeneidade criaram as condições
básicas para um ascenso do movimento operário, que se concentrou aliás
predominantemente no estado de São Paulo.

TRÊS GREVES EM SÃO PAULO

O Movimento da Companhia Paulista (1906)


Quando os trabalhadores da Companhia Paulista lançaram pelo telégrafo
da empresa, a 14 de maio de 1906, uma mensagem cifrada de paralisação
do serviço, estavam iniciando a principal greve ferroviária do estado, em
toda a história da Primeira República. Na base do descontentamento,
encontrava-se uma política de modernização da companhia que, em sua
forma clássica, afetava o nível de emprego e o salário dos operários, ao lado
de medidas contrárias à organização autônoma destes.
A partir de outubro de 1905, com a chegada de novas máquinas do
exterior, a Paulista institui três feriados não pagos por mês, resultando em
uma redução salarial de 10%. Em princípios do ano seguinte, começam as
despedidas, que alcançam, com o correr do tempo, centenas de
trabalhadores.4 As ligas operárias canalizam o descontentamento e buscam
uma saída em repetidas tentativas de contato com a direção da empresa.
Esta pressiona os dirigentes sindicais, fazendo sondagens acerca de seus
propósitos.5
Um atrito provocado pela transferência considerada injusta de um
empregado é o detonador do movimento que abrange 3800 trabalhadores. A
Liga Operária de Jundiaí esclarece as razões da greve e seus objetivos.
Além das queixas contra a redução do trabalho e as despedidas, denuncia a
quebra da antiga hierarquia profissional, a intensificação do trabalho, o
congelamento dos salários. Os “velhos tempos” são vistos como os “bons
tempos”, quando todos os empregados eram considerados segundo suas
categorias: hoje rebaixa-se um maquinista a foguista, um foguista a
limpador de máquina, obrigam-se maquinistas e foguistas a carregar lenha e
carvão, a construir pontes, a limpar lixo. Preocupado sobretudo com os
mais qualificados, o sindicato não deixa de aludir à condição dos operários
da conserva:
Trabalhando ao rigor do tempo, debaixo das ordens de diversos engenheiros e mestres de linha
são da mesma forma maltratados, chegando o sacrifício deles ao excesso, pois tem de trabalhar
das 6 horas da manhã às 6 da tarde pelo grande ordenado de 2$600 a 3$000! Além disso, se
trabalham num domingo, para não ganhar esse dia, não os deixam trabalhar um dia qualquer da
semana. Para mais serem sacrificados, acontece que tendo lastro longe da turma onde trabalham,
saem de casa às 5 horas da manhã, para voltar às 8 da noite, sem ganhar sobretempo; e se um dia
perdem uma hora de serviço por causa da chuva é esta descontada de seu ordenado. Existe ainda
uma seção em que os trabalhadores precisam, depois das 6 da tarde, vir trazer o mestre de linha
com o troly à distância de 18 a 20 quilômetros, e isto também sem ganhar sobretempo.6

As reivindicações, expostas em tom respeitoso — os dirigentes da


empresa são sempre “excelentíssimos senhores, senhor doutor” —,
concentram-se na exigência de demissão do engenheiro Francisco de
Monlevade e no cancelamento da obrigatoriedade de contribuir para a
sociedade beneficente mantida pela empresa. Monlevade — chefe de
locomoção da companhia — personifica as medidas de dispensa e de
redução das horas de trabalho, assim como o tratamento rude dispensado
aos operários no contato pessoal. O cancelamento de inscrição obrigatória
na associação beneficente é um ponto básico da luta pela autonomia
sindical.7
A Paulista não é uma empresa qualquer. Fundamental do ponto de vista
econômico para os interesses da cafeicultura, simboliza a eficiência
empresarial da burguesia paulista. À sua frente, a figura ilustre do
conselheiro Antonio Prado, futura bandeira do Partido Democrático. Desde
o início do movimento, o “Moltke ferroviário”, na imagem do Fanfulla,
recusa-se a negociar e apela para uma posição de força: a greve é afinal de
contas uma inadmissível quebra de respeito hierárquico, o momento
propício, pois não há interesse em manter o número existente de
empregados, os laços entre a empresa e o estado tentadoramente estreitos.
Assim, o conselheiro Prado entrevista-se com o chefe de polícia e acerta o
envio de 75 praças da Força Pública a Jundiaí. Ao mesmo tempo, os
grevistas são ameaçados de demissão, enquanto os jornais publicam um
anúncio para a contratação de novos maquinistas e foguistas.
Três dias após o início do movimento, a situação se agrava bastante. A
tentativa de colocar em marcha trens conduzidos por maquinistas e
foguistas da Armada, requisitados no Rio de Janeiro através do governo
federal, se revela precária. Segundo um relato do conselheiro Prado, um
trem faz o percurso de Jundiaí a Campinas em dez horas encontrando a
linha totalmente danificada com o uso de sabão, placas de junção
arrancadas e várias armadilhas. Cresce a repressão policial: os dirigentes
das ligas operárias sofrem perseguições, seus advogados são obrigados a
sair de Jundiaí e a buscar sem êxito um habeas corpus no fórum da capital,
a Força Pública se coloca ao longo dos trilhos.
A 19 de maio, a greve ganha seu mais alto grau de intensidade e
extensão. Duas grandes empresas de Campinas (Mac Hardy e Lidgerwood)
paralisam o trabalho, ao lado de outras menores; após pintar inscrições nas
calçadas dessa cidade — “hoje há ensaio” —, os ferroviários da Mogiana
entram em greve de solidariedade. Entretanto, o movimento não chega a
estender-se à São Paulo Railway (SPR), o que provocaria a interrupção do
tráfego de Santos ao interior. Em um de seus muitos manifestos a respeito, a
Federação Operária apelaria inutilmente para a solidariedade e a
semelhança de situação entre os ferroviários da SPR e da Paulista:
Companheiros! A vossa atitude é triste! Não somente recusais a vossa solidariedade aos vossos
irmãos em greve, mas colaborais na obra infame de violência, de coação, que a polícia, aliada dos
patrões, está executando contra os grevistas! Vós cooperais com as Companhias e com as
autoridades parciais no esmagamento dum justíssimo protesto de trabalhadores vilipendiados!
Sois vós que transportais os soldados, armados em guerra, que vão fazer aparato de força e
exercer prepotências contra homens que, como vós, são vítimas de companhias mais cuidadosas
dos dividendos do que do bem-estar dos operários! Não podeis amanhã precisar da solidariedade
que hoje negais aos vossos companheiros? Não tendes porventura os mesmos motivos de queixa
que os da Paulista? Não podeis a tornar a ser vítimas dos “três quartos” de jornada, como são hoje
os da Paulista, das três segundas-feiras? Não tendes vós a entrada obrigatória na “Beneficente” a
3$000 por mês, em troca de cuidados e remédios ridículos ou ilusórios? Não tendes vós chefes
arbitrários e diretores que fecham os olhos e os ouvidos às injustiças que sofreis? Não são muitos
de vós obrigados a pagar 9$000 por passes mensais que não servem para nada? Não tira a Cia.
proveito dos próprios aleijados, explorando-os? Não seria ela capaz de aproveitar até os ossos dos
vossos esqueletos, se lhes servissem para pregos?8

Diante da ameaça de ampliação da greve ao porto de Santos, o presidente


do estado, Jorge Tibiriçá, pede intervenção da força federal. O governo da
União envia um cruzador e coloca de sobreaviso dois batalhões do Exército
que poderiam marchar no sentido do vale do Paraíba, na hipótese de um
movimento na Central do Brasil.
Uma semana depois surgem os primeiros sinais de desarticulação, sob
fortes medidas repressivas: Jundiaí e Campinas encontram-se sob
verdadeiro estado de sítio, inúmeros grevistas são presos e levados para São
Paulo. Alguns trens começam a correr com escolta militar. Após várias
reuniões, a Federação Operária tenta dar alento à luta dos ferroviários,
decretando uma greve geral de solidariedade na capital. O apelo é atendido
em parte e 4 mil operários, sobretudo gráficos, sapateiros, chapeleiros,
trabalhadores da indústria mecânica, suspendem suas atividades. Em fins de
maio, o movimento entra em declínio. Os trabalhadores da Mogiana
decidem voltar ao trabalho “sem prejuízo da solidariedade moral para com
os grevistas”, diante das promessas de lhes serem feitas algumas
concessões, entre elas a jornada de oito horas, que seria de fato estabelecida
a partir de janeiro de 1907. A Liga Operária de Rio Claro faz um apelo para
que os ferroviários da Paulista resistam ainda e lembra a existência do
movimento de São Paulo. A 30 de maio, entretanto, a Federação Operária
aconselha a volta ao trabalho, por terem sido realizados os objetivos da
greve de solidariedade, “mostrando a força que reside em nós se quisermos
e soubermos querer”.
Os últimos dias da greve são particularmente violentos: a Federação
Operária, a sede do Avanti, a de La Battaglia sofrem a invasão da polícia;
em Jundiaí, um choque entre a Força Pública e operários demitidos resulta
na morte de um soldado e dois trabalhadores. Em princípios de junho,
demitidos os principais dirigentes grevistas e sem que nenhum dos
objetivos da paralisação fosse alcançado, os ferroviários da Paulista voltam
ao trabalho.9
As análises em elevado grau de generalidade sobre o movimento
operário do primeiro período republicano têm insistido na natureza
espontânea das mobilizações. Convém esclarecer, porém, o que se deve
entender por espontaneidade. Tomada no sentido de ausência de uma
organização que elabore uma estratégia, coordene e aperfeiçoe um conjunto
de lutas, a expressão é sem dúvida verdadeira; se a identificarmos como
uma resposta “selvagem” a condições demasiado penosas de existência, há
boas razões para duvidar da generalização em algumas situações
específicas. A greve da Paulista é uma delas. Em primeiro lugar, ela se
insere em um quadro de contatos das direções operárias, de comícios cuja
temática — violência antioperária no plano internacional — favorece a
identificação de classe: fevereiro de 1906, comício em praça pública em
São Paulo contra o “domingo sangrento” na Rússia tsarista; abril de 1906,
Primeiro Congresso Operário; Primeiro de Maio, atos com significativa
presença não só no Rio de Janeiro e em São Paulo, como em Campinas e
Jundiaí.10 Esse clima mobilizador, esses contatos explicam a repercussão do
movimento da Paulista entre os trabalhadores, estendendo-se a
solidariedade a São Paulo, Santos e Rio de Janeiro.11
Mas há uma relação mais direta entre os esforços organizatórios e a
greve. Nos primeiros meses de 1906, o descontentamento reinante nos
meios ferroviários favorece a criação das Ligas Operárias de Jundiaí,
Campinas e Rio Claro, onde surgem anarquistas, socialistas ou elementos
simpáticos aos trabalhadores.12 Às vésperas da greve, as três organizações
abrangem 3500 dos 3800 empregados da Paulista, tendo a Liga de Jundiaí
uma posição de comando. São esses sindicatos — cujo direito à existência é
um dos pontos do conflito — que representam os ferroviários nas tentativas
de entendimento prévio; são eles que deflagram a paralisação e
desenvolvem a luta, formando piquetes, distribuindo boletins, escolhendo
direções alternativas para o caso de prisões. A Federação Operária prepara a
greve de solidariedade, ajuda a articular o movimento em Rio Claro, para
onde se dirige seu secretário Julio Sorelli, enquanto se bate também no
plano ideológico. A desmistificação dos apelos ao pacifismo, aos quais não
está imune a consciência dos ferroviários, aparece límpida neste boletim:
De todos os lados partem conselhos de calma e de paz aos grevistas. Proclama-se a violência
como o mais feio dos pecados e o mais hediondo dos crimes, comprovador da mais completa
ausência de senso moral, quando é praticado, porém, pelos grevistas. Mas o decidido apoio
prestado pelo governo à Companhia Paulista, o aparato de força, as provocações e intimidações, o
fornecimento de maquinistas da Armada para traírem os grevistas, exercendo ou tentando exercer
sobre eles a violência indireta de os obrigar a ceder nas suas justas e calmas reclamações, a
submeter-se a todas as condições impostas, aos desgraçados inconscientes da necessidade da
solidariedade operária que se prestaram ao ignominioso papel de fura-greves, tudo isso não
encontra um só protesto da parte dos partidários da paz e da harmonia!13

O movimento da Cia. Paulista afasta-se dos casos extremos de


espontaneidade. Ressalve-se, porém, que os sindicatos ferroviários não
estavam solidamente implantados na massa de trabalhadores. Nasceram na
crista de uma situação particular e quase desapareceram na vaga repressiva.
As Ligas não parecem ter apreendido também um dos aspectos centrais dos
problemas com que se defrontavam os operários. Elas foram capazes, sem
dúvida, de criticar a hierarquia salarial da empresa como fonte da restrição
de gastos. Assim, em carta dirigida ao inspetor-geral indicam medidas onde
a crítica à escala de salários se associa à defesa dos próprios interesses da
Paulista:
Os trabalhadores da conserva recebem ordenados miseráveis e isto não pode ser por menos
porque é preciso pagar fabulosos ordenados aos srs. drs. Henrique Burnier, Gabriel Penteado,
Maciel, os quais não concorrem com nenhum benefício a bem da Companhia e não são mais do
que uns algozes a mando do sr. dr. Monlevade. É por aqui, sr. dr. Torres Neves, que devem ser
feitas as economias.14

Mas o problema clássico da introdução de novas máquinas gerando


desemprego parece escapar-lhes. Em nenhum momento os sindicatos se
referem a esse aspecto estrutural da luta, apreendendo-a de forma
personalizada. Épocas distintas da vida da empresa associam-se ao
comportamento de dois homens — os bons tempos são os tempos do antigo
chefe da locomoção, o exmo. sr. Silveira; os novos são o fruto da
prepotência do dr. Monlevade, em quem se concentram todas as queixas,
resumindo-se a reivindicação central da greve em sua demissão:
O Conselho Administrativo da Liga Operária vem trazer a v. exa. (Torres Neves) os motivos por
que nos últimos tempos os operários em geral se têm manifestado desgostosos. 1o Todos os
empregados subordinados ao sr. dr. F. Monlevade acham-se descontentes com aquele senhor:
porque no tempo do Exmo. sr. Gustavo da Silveira todos os empregados eram considerados
segundo suas categorias; os maquinistas e foguistas, logo que atingissem a 5 ou 6 anos de serviço,
ganhavam na classe de máquinas entre Jundiaí e Campinas, 280$000 os maquinistas e 170$000 os
foguistas.[…] Atualmente, sacrificando-se e fazendo o serviço com lenha em vez de carvão, há
maquinistas de 14 anos de serviço que ainda não atingiram aqueles ordenados. O mesmo acontece
com os foguistas, sabendo-se que entre eles há quem tenha 10 anos de serviço.
[…]
No tempo do sr. ex-chefe da locomoção, reconhecedor do serviço de seus subordinados,
quando acontecia um deles ficar doente, nunca lhe era descontado seu ordenado. Até para esse
fim existia uma circular nas oficinas da casa da máquina, a qual mão oculta retirou.
[…]
O Conselho Executivo da Liga Operária tem v. exa. em toda consideração (e mentiria se
dissesse o contrário) e pelo que dizem todos os operários da Cia. Paulista nenhuma destas
injustiças é atribuída a v. exa. O mesmo Conselho pode garantir também que todos são por índole
pacíficos: só o que se tem manifestado e procurado alguma exaltação de espírito, no que não será
atendido, é o sr. dr. Francisco de Monlevade.15

Uma declaração do principal líder do movimento, Manuel Pisani, tipifica


essa atitude, diretamente associada à ênfase na dignidade do trabalho:
nós não pedimos aumento de salário, nem redução de horas: o que queremos é um superior digno,
correto, humanitário, que compreenda que o operário não é uma máquina inconsciente, mas um
homem que trabalha com consciência e tem necessidade não só do vil metal em pagamento de seu
trabalho, mas também da satisfação moral que lhe dá direito sua cultura.16

Um ponto que permanece obscuro é o das inclinações ideológicas dos


dirigentes das Ligas Operárias. Se o exemplo de Pisani for generalizável, as
concepções “trade-unionistas” predominam no plano dos objetivos
estratégicos, não obstante a adesão às formas organizatórias libertárias. Em
uma grande assembleia realizada pela Liga de Jundiaí logo no início da
greve, ele declara que o conselho administrativo resigna de seus poderes,
passando-os aos companheiros que, sendo em número de 3800, poderiam
defender os interesses coletivos. O escopo da greve na atualidade, esclarece,
não é mais o de obter vantagens imediatas, mas de preparar melhores
condições de vida de toda a classe operária. Por isso,
é necessário demonstrar ao mundo que o operário não é um elemento de desordem mas um
homem que lança mão de um meio de luta para alcançar um justo fim. Por isso, é preciso que
cada trabalhador seja fiscal dos próprios companheiros para prevenir os eventuais excessos, a
incandescência inoportuna, a fim de não dar pretexto à repressão por parte das autoridades.

Afinal, após ressaltar mais uma vez a dignidade do trabalho, abre uma
via de entendimento: “a força (isto é, o trabalho) e o capital devem marchar
unidos para deste modo participar dos benefícios da moderna civilização”.17
Dentre todas as mobilizações anteriores à Primeira Guerra Mundial, a
greve da Paulista foi a que conseguiu alcançar a maior simpatia não só nos
meios operários, como entre outros grupos e setores de classe. Em toda a
região do interior afetada pela greve, a atitude da população, com os
comerciantes à frente, chegou a ser de franca solidariedade. Dois dias após
o início do movimento, duzentos comerciantes de Jundiaí lançaram um
manifesto em que apoiavam “as justas reivindicações dos operários”; a 17
de maio, atendendo ao apelo das Ligas Operárias, o comércio fechou as
portas em Jundiaí e Rio Claro, voltando à mesma atitude no fim da greve.
Quando os comerciantes de Rio Claro se reuniram em um teatro da cidade
para insistir na mediação da Associação Comercial, com sede na capital do
Estado, não ocultaram para onde pendiam suas simpatias: de um lado está a
Cia. Paulista, “depositária de enormes capitais”, e de outro “operários que
se conservam em atitude resignada e pacífica até a satisfação de seus
pedidos”.18
A simpatia da classe média do interior para com os grevistas, recebida na
época com certa surpresa e sem muitas explicações, parece ter origem em
um conjunto de fatores. Considerando que o movimento operário não
representava uma ameaça contínua à ordem estabelecida, a nascente classe
média tendia a ver com bons olhos as reivindicações de trabalhadores dos
quais não estava tão distanciada socialmente, ao contrário do que acontecia
com uma empresa poderosa, “depositária de enormes capitais”.19 No caso
do comércio, é provável que as vicissitudes dos ferroviários viessem
resultando em uma contração das atividades do setor. Lembre-se ainda que
a violenta repressão atraiu a população para o lado dos grevistas, sobretudo
porque ela não se restringiu aos meios operários. Exemplificando, há
notícias de espancamento, em um caso até a morte, de um negociante sírio e
de dois italianos, por soldados que guardavam os trilhos da estrada de
ferro.20
A posição tomada pela Associação Comercial de São Paulo — que
abrigava indistintamente comerciantes e industriais — me leva a relativizar
o contexto social do interior como razão da simpatia pelos ferroviários.
Logo no início do movimento, a entidade — presidida por uma figura da
elite paulista, Augusto da Silva Telles — recebeu um pedido dos
comerciantes de Jundiaí para que intendesse na solução do conflito. Ela não
se negou a fazê-lo, servindo como instrumento da Cia. Paulista. Depois de
condenar a greve, “primeira refrega de uma agitação extremamente
perigosa”, representantes da Associação Comercial foram a Jundiaí e
propuseram aos operários, sem êxito, uma arbitragem condicionada à volta
ao trabalho.
Pareceria clara assim uma divisão entre comerciantes do interior e a
entidade representativa, com sede na capital. Entretanto, nos últimos dias da
greve, Silva Telles teve o desgosto de ver rejeitada, por mais de dois terços
de votos, moção por ele apresentada, congratulando-se com o governo do
estado e o conselheiro Prado, pelo restabelecimento do tráfego. Divisão
entre o pequeno e o alto comércio? A hipótese tentadora não se confirma. A
proposta foi rejeitada sobretudo pelo voto dos comerciantes italianos, pois
apenas um dentre eles se declarou solidário com Telles. Dois grandes
importadores explicaram sua atitude. Nicola Puglisi Carbone afirmou que
recusava a moção porque ela implicava uma censura aos operários, cujas
reclamações eram procedentes. Egidio Pinotti Gamba chegou mais longe,
ao contrastar implicitamente as relações de trabalho vigentes na Europa e
no Brasil: “são os operários que sustentam o capital, que sem eles não pode
viver; aqui não se está acostumado às lutas do operariado e por isso não se
quer dar-lhes o merecido valor”.21 É clara assim a divisão momentânea
entre a burguesia paulista e os grupos imigrantes ascendentes, acima dos
interesses gerais de classe, que dificilmente iria se repetir em outras
ocasiões. A divisão teve maiores condições de se delinear pelo fato de a
greve atingir principalmente um setor reservado à elite nacional e pelos
prejuízos que a intransigência da empresa vinha ocasionando ao comércio e
aos bancos.
Termômetro ideológico dos grupos ilustrados, os estudantes de direito
mostram também com sua atitude o alcance da simpatia que a greve
ferroviária desperta. Quando irrompe a greve decretada pela Federação
Operária, a União dos Trabalhadores Gráficos promove um comício no
largo de São Francisco para pedir a solidariedade aos estudantes. Em um
comício com cerca de mil pessoas na praça e com a faculdade repleta de
alunos, dois acadêmicos — Freitas Valle e Ricardo Mendes Gonçalves, este
último simpatizante do anarquismo — falam em favor dos trabalhadores.
Quando Gonçalves dá vivas ao proletariado e à greve geral, a polícia
dissolve a reunião e efetua várias prisões, enquanto muitos se refugiam no
interior do prédio da escola. A partir dessa invasão do “território livre”,
sucedem-se nos dias seguintes as discussões no largo, passeatas no centro
da cidade promovidas por estudantes e trabalhadores, choques violentos
entre os manifestantes e a cavalaria.22

A greve pelas oito horas de trabalho (1907)

Um ano após a greve da Paulista, o movimento operário de São Paulo


voltaria à cena com a greve pelas oito horas de trabalho, que se concentrou
na capital, abrangendo também Santos, Ribeirão Preto e Campinas.
A 3 de maio de 1907, operários de duas fundições solicitam a fixação da
jornada de oito horas e pagamento semanal, sendo atendidos. Os pedidos se
estendem, com muitas recusas, e a greve se inicia na construção civil, na
indústria metalúrgica e da alimentação, abrangendo, a 8 de maio, 2 mil
grevistas. Alguns dias depois, aderem ao movimento gráficos, sapateiros,
parte dos empregados da limpeza pública e os têxteis, que, pela primeira
vez, realizam uma greve de todo o ramo na cidade. Eles reclamam não só as
oito horas, como um aumento de salários, na base de 25% para os operários
pagos por dia e 35% para os que trabalham por tarefa.
Escassamente organizados, sem o apoio de um jornal que se mostra
simpático aos demais operários em greve,23 os têxteis enfrentam o núcleo
dos grandes empresários industriais. Sob a presidência do conde Álvares
Penteado, estes se reúnem a 13 de maio, negando-se a fazer qualquer
concessão. Aceitar a proposta dos grevistas significaria deixar a indústria
paulista em situação de tamanha desigualdade com relação aos outros
estados, a ponto de obrigá-la a fechar as portas; estender a todo o Brasil a
jornada de oito horas, ainda não implantada na Europa, provocaria a ruína
da indústria nacional e dos próprios operários; os trabalhadores têxteis, pela
natureza leve de seu serviço, não podiam se comparar com os outros ramos,
e a redução do horário deveria nascer da evolução natural, tal a ordem de
interesses econômicos e sociais afetados.24
Nesse ínterim, a polícia efetua a prisão de alguns pedreiros que tentam
impedir o trabalho. Um conflito de maiores proporções na Barra Funda
fornece o pretexto para o fechamento provisório da Federação Operária e a
proibição de manifestações de grevistas. A repressão não tem, porém, como
estratégia liquidar o movimento em uma prova de força, mas limitar seu
alcance. Os dirigentes da Federação Operária, não obstante a invasão de sua
sede, conseguem reunir-se em outro local.
Alguns dias após seu primeiro encontro, os industriais têxteis elegem
uma comissão para tomar várias providências: entender-se com o governo
do estado, a fim de solicitar garantias aos que desejem trabalhar; empregar
seus bons ofícios junto à imprensa, no sentido de conseguir que sejam as
mais resumidas possíveis as notícias sobre a greve, evitando incutir nos
espíritos entusiasmos pelos comentários pomposos ou exagerados, de modo
a impedir que os operários, mais propensos sempre a seguir os exaltados ou
desarrazoados, se deixem por eles arrastar ou sugestionar; estudar as atuais
tabelas de salários para ver o que se poderia fazer em matéria de aumento e
de redução de horas de serviço; tratar da organização de uma associação
industrial, abrangendo todos os ramos fabris.25
Enquanto a construção civil, os gráficos voltam a trabalhar com o
atendimento de suas reivindicações, as costureiras realizam uma breve
paralisação, despertando a ironia fácil de jornalistas e transeuntes:
O centro da cidade despertou ontem com a matinada das costureiras. Nas proximidades das casas
de modas e oficinas de costuras formaram elas gárrulos grupos, assumindo algumas a
empertigada atitude de oradoras, concitando as suas colegas à greve. Mais loquazes que
eloquentes as promotoras do movimento grevista não conseguiram com os argumentos
empregados a completa adesão à causa que defendiam, porquanto muitas mostravam-se dispostas
a não abandonar o trabalho. [Horas mais tarde,] diversos bandos de costureiras pervicazes
percorreram as ruas centrais, seguidas de curiosos e admiradores que faziam comentários
grotescos sobre a atitude hostil das mesmas contra a linha e a agulha…26

Em fins de maio, a greve se concentra nos têxteis e em duas grandes


empresas metalúrgicas, a Lidgerwood e a Cia. Mecânica e Importadora.
Com a volta dos têxteis ao trabalho alcançando pequenas concessões, o
movimento se reduz às últimas. Não obstante uma intensa mobilização,27
após mais de um mês de resistência, os metalúrgicos voltam ao serviço sem
nada alcançar.
Uma clara distinção entre a grande e a pequena empresa se revela no
movimento de 1907. De um lado, a disposição a conceder; de outro, a quase
absoluta intransigência. Pequenas fundições, o ramo da construção civil
obtêm as oito horas espontaneamente ou após uma paralisação de alguns
dias;28 o centro do conflito reside no ramo têxtil e nas duas maiores
metalúrgicas, impermeáveis às concessões.29 Às razões econômicas dessa
distinção, relacionadas sobretudo com a construção civil, juntam-se outras
de natureza social e ideológica. Um campo de relativo entendimento
aproximava o pequeno empresário em ascensão, tocado pelas ideologias
socializantes ou revolucionárias, e o trabalhador que com ele convivia
diretamente. Como observa o Avanti, muitos operários se desculparam a
seus patrões, dizendo que eram arrastados à greve, e, de fato, muitos
pequenos empresários, ainda de mãos calosas, recordando sua vida recente,
dispuseram-se a conceder.30
Em contraste, a greve pôs a nu o aberto conflito de classes na área da
grande empresa nascente. As reuniões dos industriais têxteis constituíram o
embrião do único lobby industrial da Primeira República, sensível já ao
alcance dos meios de comunicação, à perspectiva de uma organização
patronal centralizada, que não chegou a constituir-se naqueles anos porque
as mobilizações operárias perderam o ímpeto.
Menos articulado do que a greve da Paulista, o movimento de 1907 não
constitui, porém, um caso-limite de espontaneidade. Ele tem origem em
uma resolução da reunião operária de 1906, no sentido de “envidar os
maiores esforços, de acordo com o método seguido pelos companheiros
franceses, para que o operariado do Brasil, no dia 1o de maio de 1907,
imponha as oito horas de trabalho”. Entretanto, as greves surgem de modo
disperso, destacando-se de início dois sindicatos: a Liga dos Pedreiros e a
União dos Trabalhadores Gráficos, então em seu apogeu. Fiel às
concepções libertárias, a Federação Operária não aparece a princípio como
centro organizatório. Gradativamente, vai assumindo, porém, essa função,
que se torna relevante, a partir dos últimos dias de maio. Na Federação se
reúnem os delegados sindicais, discute-se aí a marcha do movimento e de
sua caixa saem — com parcimônia, dentro dos critérios anarquistas —
subsídios de ajuda a tecelões e metalúrgicos.

O movimento de 1912

A acentuada expansão da economia brasileira entre os anos 1910 e


meados de 1913 foi acompanhada, a partir de 1911, de uma tendência à
elevação de preços. Na capital de São Paulo, os jornais apontavam
circunstâncias particulares para o agravamento do problema: a cidade
recebera um grande afluxo populacional sem que a oferta de bens fosse
suficiente para atender às novas necessidades; a escassez de casas de
aluguel se tornara aguda, multiplicando-se as queixas contra o critério
adotado pelo prefeito Antônio Prado em seu esforço de remodelar a
cidade.31
O comício de 1o de maio de 1912, promovido pelas organizações de
canteiros, pedreiros, sapateiros e associações libertárias surpreende por sua
repercussão e parece ser o sintoma de ressurgimento das mobilizações
operárias. Seus lemas principais: organização dos trabalhadores e protesto
contra a carestia de vida. Alguns dias depois, socialistas e anarquistas
fundam um Comitê de Agitação contra a Carestia de Vida, que realiza
pequenos comícios nos bairros denunciando “uma súcia de especuladores
responsável pela elevação de preço dos víveres e aluguéis a níveis tão altos
quanto os de 1897”.32
Ao mesmo tempo, em fins de abril e princípios de maio, surgem as
primeiras greves, na fábrica de calçados Clark, onde os operários reclamam
aumento de salário, a abolição do trabalho por peça, a jornada de oito horas.
A paralisação se desenvolve em uma linha semelhante à de 1907. Após
abranger cerca de 9 mil trabalhadores, acaba se concentrando em dois
ramos importantes — têxteis e sapateiros. A greve têxtil começa a 15 de
maio na fábrica Mariângela, de Francisco Matarazzo, pelo aumento de 25%
e a redução do horário de dez horas e meia para nove horas, estendendo-se a
várias outras empresas, entre elas a Fábrica Santana, dirigida por Jorge
Street.33 A Mariângela é, entretanto, o centro decisivo de uma luta a que a
direção da empresa busca pôr fim através de um sortido arsenal de
expedientes. A gerência tenta por vários dias dar a impressão de que a
fábrica funciona, lançando ao ar repetidos apitos e pondo alguns teares em
movimento; pressiona também os mestres para que forcem os operários a
voltar ao serviço sob pena de suspender-lhes o salário. Não faltam ainda as
tentativas de divisão regional. Os operários da Mariângela eram em sua
maioria italianos provenientes do Vêneto e de Bari. Procurando explorar a
solidariedade regional, um encarregado barês da empresa dirige-se a um
cortiço da rua do Gasômetro para concitar seus conterrâneos a voltar ao
trabalho, mas é recebido hostilmente.34
No curso dos dias, a greve generalizada vai terminando. Os sapateiros
retornam ao serviço após obter um aumento de 10% no salário e o horário
de oito horas e meia; os têxteis seguem o mesmo caminho sem nada
conseguir, não obstante a combatividade da Mariângela,35 onde a situação
só se normaliza no mês de junho.
A mobilização de 1912 tem origem no agravamento das condições de
existência, em um período de expansão econômica.36 De modo difuso,
recebe o incentivo da propaganda dos grupos socialistas e libertários, do
clima dos atos de Primeiro de Maio. Não é, aliás, por acaso que muitas
greves significativas do período ocorram nesse mês. Organizatoriamente,
dentre os três movimentos anteriores a 1917 objeto dessa sucinta análise, é
o que mais se aproxima de um caso-limite de espontaneidade. Os anos de
depressão das mobilizações operárias após 1908 espelham-se no declínio
dos débeis núcleos organizatórios. A Federação Operária desaparece na
prática; os gráficos já não exercem o mesmo papel dos anos 1906-7.37
Assim, um órgão da grande imprensa nota com satisfação:
A desorganização em que sempre viveu a classe operária, a maior parte das vezes movimentada
por agitadores interesseiros que atiçam o fogo, não leva à certeza de que a sua reclamação, até
certo ponto justa, seja aceita pelos patrões. Desta vez porém, segundo parece, o operariado não se
deixou levar pelas cantigas de exploradores sobejamente conhecidos, agindo por conta própria.
Não organizou comissões agitadoras nem comissões incumbidas de se entender com os patrões.
Declarada a greve, procuraram lançar mão de uma arma, a resistência pacífica.38

O retrato de um movimento amorfo — erigido em virtude — é,


entretanto, exagerado. O desenvolvimento da greve na Mariângela parece
típico das paralisações mais espontâneas do período. Ela é antecedida por
um encontro entre uma comissão de operários e a gerência da empresa.
Fracassado o entendimento, começa a greve, com uma intensa mobilização,
na qual a comissão desempenha um papel relevante: visita os grevistas de
casa em casa, distribui volantes comunicando o andamento da greve, em um
trabalho cotidiano e tenaz.39 Infelizmente, não há dados que permitam
confirmar a continuidade desses organismos anônimos ao longo dos anos,
embora se constate com frequência sua presença nos momentos de tensão.40
De qualquer forma, na medida em que não se enlaçam com organizações
mais amplas, essas associações de base, tão atraentes, são sobretudo uma
expressão de fraqueza.
TERCEIRA PARTE

A conjuntura (1917-20)
4. As grandes linhas

Em meados de 1913, encerra-se um período de boom da economia


brasileira. Os preços dos produtos de exportação caem abruptamente no
curso do ano e a manutenção do elevado nível de importações provoca um
deficit na balança comercial pela primeira vez na história da República. O
início do conflito mundial acentua a recessão, agravando o problema
crônico do balanço de pagamentos. A entrada de capitais estrangeiros se
paralisa, ao mesmo tempo que o país se vê obrigado a remeter 10 milhões
de libras esterlinas para atender a compromissos da dívida extensa. Afinal
(outubro de 1914), o Brasil realiza mais um oneroso acordo para consolidar
a dívida.1
No plano interno, as consequências mais penosas da recessão se abatem
sobre as classes populares, que sofrem os efeitos do desemprego, da
redução de salários, da perda de pequenas conquistas. Uma publicação
oficial do governo paulista alude em fins de 1913 à paralisação das grandes
obras públicas, à queda do salário entre 15% e 20%. Muitas fábricas fecham
temporariamente ou definitivamente, e as que trabalham não hesitam em
despedir operários ante a menor exigência.2 No Rio de Janeiro, um
documento da Federação Operária refere-se aos ramos têxtil e da
construção civil como os mais atingidos: há várias grandes empresas
funcionando três dias por semana, e as obras do estado se encontram
suspensas. Os cortes atingem servidores da União, chegando a 4 mil o
número de despedidos. Com o início da Primeira Guerra Mundial, a
situação se agrava. Fala-se em 10 mil desempregados na capital de São
Paulo, onde figuras representativas da classe dominante criam uma
comissão de socorro a fim de atender pessoas desprovidas dos mínimos
recursos para alimentar-se.3
Apesar dos seguidos esforços de anarquistas e socialistas no sentido de
organizar as classes populares em torno de um programa contra o
desemprego e a carestia, os efeitos da recessão sobre o frágil movimento
operário são visíveis. De acordo com os dados da Federação Operária do
Rio de Janeiro, a COB tinha, em 1912, 57 400 membros no estado de São
Paulo (22 500 somente em Santos), 15 mil no Rio Grande do Sul e 5 mil no
Rio de Janeiro. No ano seguinte, a Federação Operária Local de Santos
afirmava ter de 8 mil a 10 mil membros, dos quais quatrocentos estavam
pagando contribuições, e a Federação Operária de São Paulo desaparecera.4
Concomitantemente, as mobilizações declinam. Segundo o levantamento
efetuado por Azis Simão, ocorre em São Paulo apenas uma greve de fábrica
em 1914; duas greves setoriais (ramo) em 1915; uma em fábrica e uma
setorial em 1916. Os grupos socialistas e sobretudo os anarquistas tendem a
abandonar o difícil trabalho da organização operária, concentrando-se nas
conhecidas tomadas de posição internacionalistas diante da guerra, em
torno das quais lhes foi possível manter um mínimo de coesão.
Entretanto, a greve geral de julho de 1917, em São Paulo, abriria uma
conjuntura histórica cujos limites se estendem cronologicamente até 1920.
Ela se define antes de tudo pela emergência de um movimento social de
base operária, nos centros urbanos do país. Emergência que, no plano das
ações coletivas e da organização, se reflete em vários níveis: no maior
número de greves da história brasileira, concentrado em poucos anos, até o
fim da Segunda Guerra Mundial; na realização de algumas grandes
manifestações de massa; no avanço da sindicalização; no surgimento de
uma imprensa operária de maior amplitude;5 na modificação das
expectativas na vida cotidiana, onde se desenha a esperança de uma
alteração revolucionária do sistema social ou pelo menos a tangível
possibilidade de uma vida melhor.
A esse ascenso da classe operária corresponde uma alteração nas relações
entre as classes e os grupos sociais. A chamada questão social sai de um
quase esquecimento e se torna objeto de debate tanto no nível da sociedade
civil como do estado. Em sua imagem impressa, o conflito de classes salta
das raras aparições nas páginas internas dos jornais para as manchetes de
primeira página, para as caricaturas de capa das revistas humorísticas. Pela
primeira vez, ele ecoa no Parlamento, onde durante a última década do
século XIX fora praticamente ignorado.6 A preocupação do Estado pelo
problema — que um lastro cultural se encarregava ainda por vezes de negar
— se corporifica sobretudo no reforço do padrão repressivo, com o
aperfeiçoamento legislativo e a ampliação de medidas desse tipo. A
repressão vem acompanhada de uma ofensiva ideológica sistemática na
sociedade contra as correntes revolucionárias, em especial o anarquismo.
Por fim, esboçam-se tendências que defendem o reconhecimento dos
direitos operários, em nome dos ideais de uma democracia social. Elas se
expressam por algumas poucas vezes no Parlamento e pela aparição de uma
imprensa diária com essa definição.7
No quadro geral da conjuntura, o ano de 1917 tem um ritmo ascendente,
de seu início ao mês de outubro. Ritmo a princípio quase imperceptível que
se acelera com a greve geral de julho de 1917, irradiando-se ao interior do
estado de São Paulo, incentivando a eclosão de paralisações generalizadas
no Rio de Janeiro e outros pontos do país. A partir de fins de outubro, a
curva ascendente declina, com a entrada do Brasil na guerra, que pesa
desfavoravelmente sobre o movimento operário de duas formas: pela
utilização por parte do governo do clima de exaltação patriótica, com o
objetivo de amortecer os conflitos; pelo emprego de medidas repressivas e a
restrição geral das liberdades públicas, facilitados com o decreto de estado
de sítio, por parte do Congresso, no mês de novembro. Ao lado de uma
repressão seletiva, o tema da unidade nacional dá alguns frutos no Rio de
Janeiro. A Liga dos Sapateiros, a União dos Operários em Fábricas de
Tecidos formam batalhões e percorrem as ruas da cidade, coletando fundos
para os aliados. Rui Barbosa é convidado a falar na sede dos sapateiros para
explicar o sentido da guerra.8
Em São Paulo, a composição étnica da classe, a amplitude do movimento
de julho que provoca uma forte onda repressiva, impede a formação do
clima de unidade nacional, acentuando a tônica de combate aberto à
mobilização dos trabalhadores e as medidas contra a imprensa defensora de
suas reivindicações.9 Os instrumentos repressivos revelam maior eficácia. A
desmobilização se opera em vários níveis: a Aliança Anarquista aconselha
os operários a não realizar nenhum ato alusivo a Primeiro de Maio, para
demonstrar que as liberdades estão sendo suprimidas; os dirigentes da
União dos Trabalhadores Gráficos queixam-se da apatia dos sócios que não
comparecem às reuniões, preferindo discutir a organização de um time de
futebol.10 Em todo o estado, registram-se apenas uma greve na capital e
duas no interior em 1918,11 enquanto no Rio de Janeiro as mobilizações
retomam seu curso, culminando com a violenta greve da Cantareira, no mês
de agosto, e a prolongada paralisação dos têxteis, a partir de novembro,
combinada com a tentativa insurrecional dos anarquistas.
O ano de 1919 e os três primeiros meses de 1920 delimitam o momento
mais alto da conjuntura, coincidindo com o fim da guerra e a expansão da
vaga anticapitalista na Europa. São Paulo reaparece como centro das
mobilizações, com 64 greves na capital e catorze no interior, em 1919, onde
se inclui a grande paralisação do mês de maio, que abrange, só na capital,
mais de 45 mil trabalhadores, e a greve generalizada do mês de outubro
(tabelas 4.1 e 4.2). Significativamente, crescem os movimentos que
mencionam entre seus objetivos o reconhecimento dos sindicatos ou
expressam a solidariedade de classe. Na capital, doze greves — além das
duas mobilizações de maio e outubro — visam ao reconhecimento da
organização sindical pelos patrões, enquanto oito são desfechadas por
razões de solidariedade (ver Apêndice, p. 324). O número de greves é
menor no Rio de Janeiro, destacando-se entre elas a longa e violenta
paralisação dos têxteis (junho-julho), tendo como um dos pontos centrais o
direito de associação (tabela 4.3). O clima de intensa mobilização está,
entretanto, expresso no comício de massa de Primeiro de Maio, quando
cerca de 60 mil pessoas se reúnem na praça Mauá para ouvir os líderes
anarquistas e percorrem as ruas centrais da capital da República. Ao mesmo
tempo, 1919 é o ano em que — a princípio no Rio e depois em São Paulo
— a repressão ao movimento operário e aos anarquistas se torna
sistemática, vindo acompanhada de uma ofensiva ideológica.
TABELA 4.1
SÃO PAULO — CAPITAL
NÚMERO DE GREVES, 1917-20
EMPRESA
ANOS RAMO INTERPROFISSIONAL GERAL TOTAL
(OU SEÇÃO)
1917 6 — — 1 7
1918 1 — — — 1
1919 56 6 1 1 64
1920 33 3 1 — 37
TOTAL 96 9 2 2 109
FONTE: O Combate, A Gazeta.

TABELA 4.2
SÃO PAULO — INTERIOR
NÚMERO DE GREVES, 1917-20
EMPRESA
ANOS RAMO INTERPROFISSIONAL GERAL TOTAL
(OU SEÇÃO)
1917 2 1 — 1 4
1918 2 — — — 2
1919 8 2 4 — 14
1920 7 4 1 — 12
TOTAL 19 7 5 1 32
FONTE: O Combate, A Gazeta. Obs.: Os dados numéricos sobre o interior se prestam a muitos
equívocos. Por exemplo, uma greve em empresa ferroviária, que se estende em regra a várias
cidades, tem muito maior importância do que uma greve interprofissional em um núcleo urbano de
proporções reduzidas. Das quatro greves interprofissionais registradas em 1919, duas são
significativas: a de maio (considerada geral na capital), abrangendo em grande escala as maiores
cidades, e a de outubro em Santos (ver Apêndice).
O momento de inflexão descendente da onda de mobilizações se dá com
o desfecho desfavorável de duas grandes greves quase simultâneas: a greve
do ramo têxtil de março-abril de 1920, em São Paulo, e a dos ferroviários
da Leopoldina em março, no Rio de Janeiro, que as federações operárias
buscam transformar, com êxito limitado, em greves gerais. A partir daí, a
pulsação do movimento operário começa a baixar de ritmo, de modo mais
brusco em São Paulo e mais lento na capital da República, chegando,
porém, a uma depressão generalizada nos dois centros. Após o mês de abril
de 1920, uma única greve tem real importância no estado de São Paulo — a
das docas de Santos, em fins daquele ano. Mas ela própria liga-se às
condições específicas de uma cidade onde o conflito aberto de classe não se
aquieta de todo, nem mesmo nas fases de descenso. Na capital, o número
relativamente grande de 37 greves, em 1920, se presta a enganos: as
paralisações são de pequeno vulto e por vezes constituem uma resposta a
arbitrariedades patronais, na vazante da onda.12 O refluxo é ainda marcado
por alguns movimentos de vulto no Rio de Janeiro, como a greve dos
sapateiros de outubro de 1920 contra o desaparecimento de um dirigente
sindical e sobretudo a greve dos marítimos que se prolonga de fins de 1920
a fevereiro de 1921. Mas a curva descendente acaba por se impor.
TABELA 4.3
RIO DE JANEIRO
NÚMERO DE GREVES, 1917-20
EMPRESA
ANOS RAMO INTERPROFISSIONAL GERAL TOTAL
(OU SEÇÃO)
1917 6 5 — 1 12
1918 19 7 1 — 27
1919 7 8 2 — 17
1920 2 4 1 — 7
TOTAL 34 24 4 1 63
FONTE: A Razão, A Voz do Povo.

É trivial observar que o agravamento das condições de existência da


classe operária no curso da Primeira Guerra Mundial teve um papel
importante na mobilização da classe operária (tabela 4.4).
TABELA 4.4
BRASIL — INDICADOR DE PREÇOS — 1912-
21
PREÇOS — ÍNDICES
ANOS
1919 — 100,0
1912 37,9
1913 37,2
1914 35,1
1915 50,0
1916 52,7
1917 63,9
1918 75,9
1919 100,0
1920 109,8
1921 92,6

FONTE: Extraído de Annibal Villanova Villela e Wilson Suzigan, Política do governo e crescimento
da economia brasileira, 1889-1943. Rio de Janeiro, 1973, p. 424. Esses autores mencionam como
fonte dos dados um estudo de Eulália Lobo sobre a evolução dos preços e do padrão de vida no Rio
de Janeiro. O referido estudo toma por base, na elaboração dos índices, nove gêneros alimentícios:
açúcar, arroz, bacalhau, café, charque, farinha de trigo, farinha de mandioca, feijão e manteiga,
abrangendo o período 1820-1930. Como aí se indica, a confiabilidade dos índices é menor quando
não foi possível obter a variação de preços de todos ou da grande maioria dos produtos. É o caso de
1919 e 1920 (três produtos). Cf. Eulália Maria Lahmeyer Lobo, “Evolução dos preços e padrões de
vida no Rio de Janeiro, 1820-1930. Resultados preliminares”. Revista Brasileira de Economia, v. 25,
n. 4, out.-dez. 1971.

Na raiz da ascensão dos preços internos, encontram-se dois fatores


principais. As emissões inflacionárias, que se iniciam em agosto de 1915
para sustentar o café e financiar os deficits do orçamento federal; o
crescimento da exportação de gêneros alimentícios (em alta no mercado
internacional) para os beligerantes, combinado com a dificuldade de
importar outros gêneros — especialmente trigo —, cujos preços
internacionais também se elevam. O movimento comercial de alguns dos
principais bens de consumo pelo porto de Santos é revelador:
TABELA 4.5
EXPORTAÇÕES PELO PORTO DE SANTOS, 1913-8
(quilos)
GÊNEROS 1913 1915 1916 1917 1918
Arroz 360 600 175 926 22 204 915 5 307 149
Feijão 410 64 367 29 929 987 48 699 724 54 749 120
Carne resfriada e congelada — 7 946 545 18 688 846 29 134 755 32 654 838
IMPORTAÇÕES DE TRIGO PELO PORTO DE SANTOS, 1913-8
GÊNEROS 1913 1915 1916 1917 1918
Trigo em grão 142 698 193 142 907 396 167 250 824 66 883 923 114 001 561
Farinha de trigo 20 060 448 15 620 416 11 225 502 29 378 806 43 837 198
FONTE: Diretoria de Estatística Comercial. Ministério da Fazenda. Comércio exterior do Brasil. Rio
de Janeiro, 1921. Não há dados para 1914.

A mesma tendência se observa com relação ao açúcar, exportado pelos


portos do Recife, Rio de Janeiro e Salvador: 226 mil quilos em 1913, quase
3 milhões em 1915, até atingir o ponto máximo de cerca de 105 milhões em
1917. É bem verdade que ao menos no estado de São Paulo, como observa
Wilson Cano, o extraordinário crescimento da produção agrícola nos anos
da guerra foi suficiente para suportar a expansão das exportações de alguns
gêneros, sobretudo no caso do arroz, cuja produção passa de 80 mil para
350 mil toneladas entre 1913-4 e 1920. Mas a especulação comercial, as
pressões inflacionárias internas e as decorrentes da elevação dos preços
internacionais atuam no sentido de provocar a forte elevação do custo de
vida.13
TABELA 4.6
SÃO PAULO — INDICADORES DE PREÇOS E SALÁRIOS — 1913-20
GÊNEROS ALUGUEL SALÁRIOS DE SALÁRIOS DE
ANOS ALIMENTÍCIOS DE CASA OPERÁRIOS FERROVIÁRIOS
(A) (B) INDUSTRIAIS (C) (CIA. PAULISTA) (D)
1913 100 100 100 —
1914 105 106 100 100
1915 123 113 75 101
1916 125 120 86 101
1917 139 126 86 104
1918 155 133 130 122
1919 153 146 160 119
1920 181 160 147 117
FONTE: Mário Cardim. Ensaio de análise de fatores econômicos e financeiros do Estado de São
Paulo e do Brasil. São Paulo: Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio, 1936. Obs.: A e B
referem-se à cidade de São Paulo, vinculando-se a orçamentos de classe média; C diz respeito ao
interior do Estado. Wilson Cano (Raízes da concentração industrial em São Paulo. Tese de
doutorado. Campinas: Unicamp, 1975, p. 162) observa que o cálculo de salários é apenas indicativo
por ser precário o método utilizado por Cardim (índices de médias simples). Note-se a nítida
diferença dos índices salariais de operários industriais e ferroviários da Cia. Paulista, a partir de 1917,
em favor dos primeiros. A hipótese mais consistente é de que o fato resulta do maior grau de
mobilização dos trabalhadores fabris naqueles anos.

Uma discussão rigorosa acerca do grau em que a inflação afetou as


condições de vida da classe operária, no período considerado, dependeria de
dois elementos essenciais: a elaboração de curvas de preços e salários;
dados acerca da composição do orçamento dos trabalhadores.14 Não
obstante seus defeitos, os índices levantados em 1936 por Mário Cardim
representam um estudo pioneiro (tabela 4.6).
À falta, ao menos por ora, de indicações mais precisas, nem por isso
devemos renunciar à constatação de que a classe operária sofreu séria
redução de seu salário real nos anos 1917-21. O fato é típico das situações
inflacionárias e mais se agrava se tivermos em conta, no caso, o baixo grau
de organização dos trabalhadores. Há claros indícios de que a queda do
nível de vida atingiu seu ponto mais agudo antes de julho de 1917. Muito
embora o forte aumento de preços tenha se prolongado até 1919, foi em
parte compensado pelas elevações de salários iniciadas em julho de 1917,
sob a pressão dos movimentos grevistas. Entre meados de 1913 e 1917, nas
condições de depressão da mobilização operária, houve queda até mesmo
do salário nominal, enquanto os preços dispararam a partir de 1919,
alcançando no país a maior variação de todo o período de guerra (cerca de
42%) nos anos 1914-5 (tabela 4.4).
Até que ponto teria sido mantida a correlação positiva entre mobilização
operária e prosperidade econômica, no período das grandes greves? A
pergunta se liga à conhecida discussão historiográfica acerca do significado
da Primeira Guerra Mundial para a industrialização brasileira. A tese
aparentemente inabalável de que o conflito mundial — ao incrementar a
substituição de importações, dadas as dificuldades do comércio exterior —
havia incentivado o primeiro surto industrial do país foi posta em dúvida
por Warren Dean, com boas razões. Dean criticou os índices de produção
industrial estabelecidos por Roberto Simonsen, em que se fundamentavam
os defensores do ponto de vista tradicional, entre eles o próprio Simonsen;
chamou também a atenção para o fato de que a guerra gerou um corte na
importação de bens de capital e de bens intermediários.
Entretanto, como diz Albert Fishlow, talvez a importante reavaliação de
uma velha tese tenha feito o pêndulo deslocar-se para muito longe na outra
direção. Há poucas dúvidas de que a indústria atravessou um período de
dificuldades no primeiro ano e meio de conflito, recuperando-se em vários
ramos a partir de meados de 1915. A produção de tecidos de algodão
aumentou consideravelmente, graças à substituição de importações,
passando a atender a 85% do mercado, no fim da guerra, contra menos de
75% no período anterior. Em 1918, a produção excedeu a de 1914 em 57%
e, mesmo calculando sobre a base mais elevada 1911-3 — pois 1914 foi um
ano de depressão —, o aumento foi superior a 25%. Como nem os salários
nem o preço do algodão acompanharam a ascensão dos preços dos produtos
têxteis, os empresários obtiveram em 1916 e 1917 grandes lucros e
acumularam reservas.
Fishlow mostra como o fenômeno de crescimento não estava restrito aos
têxteis. Um índice de quantidade calculada com base na produção registrada
para fins de cobrança de imposto de consumo, ponderada pelos valores
adicionados de 1919, revela uma tendência semelhante. De 1914 a 1918,
esse índice cresce a uma taxa anual de 8,5% e a uma taxa mais baixa, porém
ainda assim apreciável, de 4,4%, quando os pontos extremos são alterados
para bases mais favoráveis — 1911-3 e 1919.15 Após o trabalho de Fishlow,
Wilson Cano realizou uma longa refutação da tese de Dean, da qual quero
ressaltar apenas um ponto diretamente relacionado com as condições do
mercado de trabalho. Cano mostra como, no curso da guerra, houve uma
significativa expansão do emprego no principal ramo que concentrava em
São Paulo o proletariado de fábrica, ou seja, a indústria têxtil algodoeira.
Ao mesmo tempo, lembra como as pressões demográficas declinaram no
estado, no período 1914-20, tanto pela diminuição dos fluxos imigratórios
quanto pela passageira queda do coeficiente de natalidade na cidade de São
Paulo.16 A diminuição da entrada de imigrantes em um momento de
expansão do emprego não só na indústria têxtil como sobretudo no setor
agrícola alteraram momentaneamente as condições de oferta de força de
trabalho. Esse fator pode ter contribuído objetivamente para facilitar, em
São Paulo, as mobilizações dos trabalhadores cujo móvel consciente foi
sem dúvida a queda do salário real. Mas, se esses elementos incentivaram
as ações coletivas que conseguiram reduzir em parte, a partir de 1917, o
brutal impacto da elevação do custo de vida, o balanço final dos anos de
guerra revelou uma deterioração das condições de existência da classe
operária.
Não exageremos, porém, o significado das condições objetivas de maior
exploração na conjuntura 1917-20. Por exemplo, na história da Primeira
República, os trabalhadores sofreram os efeitos da inflação entre 1922-5,
sem que desencadeassem mobilizações semelhantes às da época da guerra.
Poderia ser lembrado, sem dúvida, que o crescimento industrial teve em
cada um desses períodos um ritmo diverso, porém não é esse o ponto
decisivo. Para encontrá-lo, é necessário ampliar o campo de incidência da
análise de conjuntura.
Sobre os anos 1920 pesa um lastro negativo, com a derrota da vaga dos
anos de guerra difundindo-se pela massa de trabalhadores. Em 1917, abre-
se uma batalha balizada não pela derrota, mas pelo noviciado. Noviciado
das frágeis organizações que entram em contato com grandes massas;
noviciado destas em ações de maior envergadura. O acirramento do
confronto de classes, em 1917-20, dificilmente se explicaria apenas pelo
quadro das relações sociais internas. À semelhança do que ocorreria vários
anos depois, no fim da Segunda Guerra Mundial, a sobredeterminação da
política internacional incide diretamente sobre a conjuntura. Como é sabido,
esses são anos de um grande ascenso revolucionário na Europa, que põe em
risco a ordem capitalista. A partir de outubro de 1917, os conflitos sociais
internos recebem alento e passam a ser vistos sob uma nova ótica. De um
extremo ao outro do espectro de classes e grupos tem-se a noção de viver
um momento decisivo. O fato de que a imensa maioria das reivindicações
operárias não diga respeito a demandas revolucionárias17 poderia prestar-se
a enganos. A luta pela obtenção da cidadania social importa, nas condições
da época, em um choque direto contra o estado. Subjacente a ela, em cada
pequena batalha ou grande mobilização, estão presentes os lances de um
cenário maior: a Revolução de Outubro, a Revolta espartaquista, a comuna
húngara, os conselhos italianos, que o comício de 1o de maio de 1919
sintetiza, com seus cartazes em defesa da Hungria livre e da Bavária
emancipada, os vivas a Lênin e à União Soviética.18
Na classe dominante, à medida que o poder soviético se mantém e os
brotos revolucionários se estendem à Europa, toma corpo o mesmo
sentimento — por certo deliberadamente potenciado, para justificar a
repressão. Às vezes ele se tempera com a astúcia parlamentar dos que
aguardam “a passagem da onda”, ou com o ceticismo de um intelectual
como Gilberto Amado, cujo discurso acentua, entretanto, o tema do país-
reflexo:
Se o maximalismo vencer na França, na Inglaterra ou nos Estados Unidos, nós o adotaremos aqui,
de um dia para o outro, haja ou não haja preparo ou propaganda. Um primeiro soviete provisório
copiará a constituição bolchevista, como a República fez com a constituição dos Estados Unidos;
banirá a propriedade privada, como a República baniu a Igreja do Estado, por um simples decreto;
desapropriará as fábricas, abolirá os títulos da dívida do Estado, como a República aboliu os
privilégios da coroa. Tudo serenamente, sem reação e sem luta.19

Conjuntura mental, em um campo e em outro, dominado pela falsa


consciência da situação? A resposta afirmativa estaria assentada no cômodo
balanço a posteriori. Por maior que tenha sido o exagero das visões
triunfalistas ou apocalípticas, os anos posteriores a 1917 até 1923 se
definem na Europa por um embate entre dois sistemas sociais cuja sorte
determinaria os rumos do processo histórico por muitos anos. O efeito de
um êxito revolucionário teria nos países da América Latina evidentes
limites estruturais, mas sua história certamente não seria a mesma. E essa
alternativa alentou os trabalhadores de países cujas condições internas eram
tão diversas, das minas de estanho da Bolívia às ruas da cosmopolita
Buenos Aires.
TABELA 4.7
SÃO PAULO — CAPITAL
CAUSAS DE GREVES, 1917-20
DISCRIMINAÇÃO TOTAL
SALÁRIO 55
Aumento, horas extras 34
Descontos e multas 10
Atraso 7
Redução 4
CONDIÇÕES DE TRABALHO
Gerais (trabalhos por peça, 37
matéria-prima, acidentes) 17
Contramestres 12
Menores, mulheres 5
Descanso semanal 2
A favor do mestre 1
SOLIDARIEDADE (com outras
23
greves, despedidos, prisões)
LEGALIDADE SINDICAL 14
HORÁRIO 12
NÃO CUMPRIMENTO DE ACORDO 6
CARESTIA, CONSUMO EM GERAL 3
TOTAL 150

FONTE: O Combate, A Plebe. Obs.: Foi utilizado o critério de computar as reivindicações sempre que
mencionadas, incluindo por exemplo as várias reivindicações de uma única greve. É muito difícil
distinguir em regra o que constitui objetivo principal e secundário de um movimento. Por outro lado,
a discriminação é relativa: o subitem horas extras pode se referir tanto a salários quanto ao horário. A
regulamentação do trabalho noturno está englobada no subitem referente a mulheres e menores. O
item “Carestia, consumo em geral” diz respeito a medidas para reduzir o preço de gêneros, de
aluguéis, controlar a qualidade dos bens de consumo. Seu pequeno número se presta a enganos; a
reivindicação se formaliza em três importantes movimentos: julho de 1917, maio de 1919 e março de
1920.
TABELA 4.8
SÃO PAULO — INTERIOR
CAUSAS DE GREVES, 1917-20
DISCRIMINAÇÃO TOTAL
SALÁRIO 18
Aumento, horas extras 14
Redução 3
Atraso 1
CONDIÇÕES DE TRABALHO 7
HORÁRIO 6
SOLIDARIEDADE 6
LEGALIDADE SINDICAL 5
CRITÉRIOS DE ADMISSÃO 3
POLÍTICA 1
TOTAL 46

FONTE: O Combate, A Plebe. Para o critério utilizado, ver a tabela 4.7.

TABELA 4.9
RIO DE JANEIRO
CAUSAS DE GREVES, 1917-20
DISCRIMINAÇÃO TOTAL
SALÁRIO 27
HORÁRIO 15
CONDIÇÕES DE TRABALHO 13
Gerais (trabalho por peça, higiene, acidentes) 6
Mestres 4
Menores, mulheres 3
LEGALIDADE SINDICAL, CLOSED SHOP 13
SOLIDARIEDADE 9
NÃO CUMPRIMENTO DE ACORDO 4
POLÍTICA 2
CARESTIA 1
TOTAL 84
FONTE: A Razão, A Voz do Povo. Para o critério utilizado, ver a tabela 4.7.
5. Política e sindicato

Os anos 1917-20 serão os anos do apogeu do anarquismo e de sua crise.


Centro do debate ideológico, os libertários prevalecerão no movimento
operário, na maioria das ações coletivas. Isso equivale a dizer que não
amadureceram, na etapa de ascenso da conjuntura, as condições que
permitiriam colocar o problema da construção de um Partido. Como se
sabe, o efêmero Partido Comunista, criado pelos anarquistas em junho de
1919, pagou apenas tributo ao signo da Revolução Russa e não importou
em nenhuma modificação das concepções básicas da corrente.1 Os grupos
socialistas reproduziram seus minúsculos partidos nominais, mas foram
incapazes de exercer influência nos meios operários.
A estratégia anarquista oscila entre dois extremos, baseados ambos na
espontaneidade das mobilizações dos trabalhadores. De um lado, a
tendência a acompanhar as mobilizações em seu nível mais elementar,
assumindo as estritas reivindicações corporativas; de outro, o esforço por
justapor às ações espontâneas um complô insurrecional com o objetivo de
destruir o Estado e instaurar a sociedade libertária, através de um grande e
único ato. A meio caminho, definem-se as tentativas mais próximas do
anarcossindicalismo, no sentido de articular greves gerais, por meio de uma
paralisação importante que se procura prolongar por razões ideológicas ou
pela ausência de mecanismos de mediação.
As greves gerais de São Paulo de julho de 1917 e maio de 1919, cujo
padrão é muito semelhante, aproximam-se do primeiro tipo. Em maio de
1919, enquanto tratam de formar um Conselho Geral de operários,
integrado por delegados de fábrica e representantes dos sindicatos, os
libertários descartam seu papel organizatório inicial. Pelo contrário,
assinalam que, se alguma intervenção eficaz pudessem ter tido no começo
do movimento, ela iria no sentido de desaconselhar a greve — uma
verdadeira provocação dos industriais de tecidos, com excesso de estoques,
interessados em paralisar as empresas por alguns meses.2
A perspectiva insurrecional aparece nos episódios de novembro de 1918,
na capital da República, e em outubro de 1919, em São Paulo. Em ambos,
combina-se com as mobilizações operárias por objetivos econômicos, entre
os têxteis no primeiro caso e os trabalhadores nos serviços de bondes e de
fornecimento de gás no segundo. Por sua vez, a tentativa de articular greves
gerais surge sobretudo no curso dos anos 1920-1: em São Paulo, na greve
têxtil de março de 1920; no Rio de Janeiro, na greve ferroviária da
Leopoldina, março de 1920, e dos marítimos, em fevereiro de 1921.
Do ponto de vista regional, os anarquistas reforçaram sua hegemonia em
São Paulo, com brechas entre os têxteis, e assumiram uma posição de
vanguarda no Rio de Janeiro, graças a sua implantação sobretudo na
construção civil, metalúrgicos e, parcialmente, entre os têxteis e sapateiros.
Mas essa posição foi matizada pela presença de outras tendências, como a
organização das federações indica. Em São Paulo, a Federação Operária,
sob controle dos anarquistas, reconstituída em agosto de 1917, dominaria a
cena. No Rio de Janeiro, em princípios de 1919, existiam, pelo contrário,
três organizações desse grau. A União Geral dos Trabalhadores, sob
controle libertário, reunindo dezesseis sindicatos, em sua maioria dos ramos
industriais;3 a Federação dos Condutores de Veículos, defensora de uma
posição sindicalista que cooperaria muitas vezes com os anarquistas, como
revela sua presença no Terceiro Congresso Operário, em abril de 1920, e
sua adesão à tentativa de greve geral desfechada pelas associações
libertárias naquele ano; a Federação Marítima, composta de doze sindicatos,
onde predominavam os chamados amarelos, fundada em 1916 após uma
greve vitoriosa dos marítimos que se recusavam a ser enquadrados como
reserva naval.4
Manteve-se assim, embora com alguns novos contornos, a grande linha
de diferenciação ideológica no Rio de Janeiro entre o setor industrial e o
setor de serviços. Mesmo nos ramos industriais, a presença não libertária
teve alguma significação. Duas facções, como veremos, disputaram ao
longo dos anos o comando da organização única dos têxteis — a União dos
Operários em Fábricas de Tecidos (UOFT), fundada em agosto de 1917.
Entre os sapateiros, existiram duas entidades em seguida disputa nos anos
1917-8: a Liga dos Operários em Calçado, de orientação sindicalista,
herdeira da União Auxiliadora dos Artistas Sapateiros; a União Geral dos
Trabalhadores em Calçado, sob influência libertária. A primeira dessas
organizações teve nesses anos maior significado, dirigindo as principais
greves do ramo, em uma linha conciliatória. Assim, em abril de 1918,
conduziu uma paralisação (combinada com um lockout) para a qual pediu a
mediação do presidente Venceslau Brás. Quando a greve terminou,
realizou-se uma assembleia sindical, onde grande número de oradores se
declararam trabalhistas, não poupando elogios à atitude presidencial. As
duas associações acabaram por fundir-se em meados de 1919, formando a
Aliança dos Trabalhadores em Calçado, que compareceu ao Terceiro
Congresso Operário representada por uma ostensiva figura libertária —
José Elias da Silva.5
No ramo gráfico, a Associação Gráfica do Rio de Janeiro seguiu, em
linhas gerais, uma orientação “trade-unionista”. Quando se cogitou da
formação da UGT, em março de 1918, os gráficos dos grandes jornais
dirigiram uma petição à entidade, solicitando que ela não se incorporasse ao
organismo. Uma reunião sindical, entremeada de alguns ataques à estratégia
anarquista, acolheu o pedido.6
No setor marítimo, o núcleo dos “coronéis” conservou sua importância,
fazendo uma aparição espetacular por ocasião da greve da Leopoldina.
Curioso movimento, no quadro da época, onde a natureza dos adversários
permite que as reivindicações de sempre venham mescladas com um tom
nacional: de um lado, há grande porcentagem de trabalhadores brasileiros;
de outro, um grupo inglês, com sede em Londres. Nas assembleias de
grevistas explodem os gritos de “morram os ingleses, viva a greve”. Em
carta dirigida à Voz do Povo, um operário alude à justiça das reivindicações,
lembrando existir trabalhadores na empresa com vinte anos de serviço cujo
salário é de 200$000 mensais. Enquanto isso, “um inglês estúpido e
ignorante, desconhecendo por completo nosso idioma, é importado dos
confins do Judas, e apenas aqui chegado, com toda sua estupidez e
ignorância é elevado a chefe de seção, com ordenado superior a 1000$000,
somente para dormir na seção, na hora do expediente”.7
A intervenção dos dirigentes dos sindicatos marítimos surgiu no
momento de declínio da greve, submetida a uma intensa repressão.
Autointitulando-se representantes dos ferroviários, mantiveram um
encontro, em 27 de março de 1920, com o presidente Epitácio Pessoa,
visando pôr fim ao movimento que desembocara em uma greve operária
generalizada. Em troca de uma vaga promessa presidencial — em grande
parte não cumprida — de libertar os presos que não tivessem cometido
delitos e de restringir as dispensas aos elementos incompatíveis com a
Companhia, os “coronéis marítimos” conclamaram a volta ao trabalho, com
ampla cobertura da imprensa. A Federação de Condutores de Veículos
lançou um manifesto, denunciando a ação do grupo, “responsável pela
entrega, em palácio, de mais de 60 000 homens de mãos amarradas, ao
governo e à Leopoldina”.8 A atitude dos “coronéis” não foi um fator
decisivo na liquidação da greve, como pareceu aos contemporâneos. Mas
foi um símbolo tanto da fragilidade da organização dos trabalhadores da
empresa ferroviária como do papel que a burocracia sindical do porto se
dispunha a desempenhar. Restaria verificar o grau de sua
representatividade. O simples fato de que seu desempenho tenha sido
acompanhado de uma torrente de protesto das organizações independentes e
do silêncio do setor é um indício pelo menos de sua influência na área
marítima.
No declínio da vaga de ascenso do movimento operário, os anarquistas
esforçaram-se por penetrar nessa área estratégica. Os organizadores do
Terceiro Congresso Operário lançaram um apelo para que as associações
representativas dos marítimos comparecessem à reunião, com algum êxito.9
A partir daí, tentaram constituir uma Federação cujo objetivo era duplo:
organizar trabalhadores, excluindo oficiais, comissários, gerentes de docas;
livrar-se do núcleo de burocratas, estes “nacionalistas que se banqueteiam
com capitalistas estrangeiros, pescadores de votos para se eleger ao
Conselho Municipal, antigos operários que renegam suas origens”.10 A
tentativa fracassou, mas de sua base entre taifeiros e cozinheiros de bordo,
os libertários tiveram um papel de certa relevância nas greves marítimas de
1920-1. Sua função detonadora aparece na longa greve iniciada em
novembro de 1920 que abrangeu todo o setor. Ao lado da Associação dos
Marinheiros e Remadores, a paralisação foi desfechada por um sindicato de
influência libertária que se afastara do Centro Marítimo dos Empregados de
Câmara. A direção deste desaprovou a greve, condenou a propaganda
anarquista e dispôs-se a “salvar o Lloyd Brasileiro”, fornecendo taifeiros
para o serviço de vários navios.11
A questão da organização autônoma da classe operária é um dos eixos da
conjuntura 1917-20. Gradativamente, ganham relevância os temas do
reconhecimento do sindicato pelos empresários e de modo implícito pelo
estado; do direito de associação; da competência do sindicato para intervir
na ordem interna das empresas, através de seus delegados. Na raiz da luta,
está o processo, ainda que efêmero e desigual, da transformação das
entidades sindicais em organismos representativos.
O Rio de Janeiro se encontra à frente desse processo através do qual os
sindicatos se transformam, a um tempo, em núcleo de organização e de
controle. Desde o início de 1917, a Federação Operária carioca realiza uma
campanha nos bairros populares, a princípio contra a carestia da vida e
depois pela organização dos trabalhadores, da qual resulta o surgimento de
alguns sindicatos dos mais combativos, como a União Geral da Construção
Civil e a União Geral dos Metalúrgicos.12 É significativo o fato de que São
Paulo, e não a capital da República, abra em julho de 1917 o período das
grandes greves. No contexto sociocultural da cidade, o espírito de revolta se
combina com os profundos efeitos da desorganização do movimento
operário, a partir de meados de 1913. Daí decorre uma mobilização
agressiva e mais próxima dos casos-limite das ações espontâneas. Quando
em julho de 1917 uma greve se generaliza no Rio de Janeiro, em parte sob o
impacto dos acontecimentos de São Paulo, chegando a abranger cerca de
100 mil trabalhadores, seu padrão se define pelo menor índice de
espontaneidade e de violência.
É difícil quantificar o grau de representatividade dos sindicatos. Os
registros — quando existentes — desaparecem nas frequentes invasões das
sedes associativas; as associações autônomas não enviam cifras para
publicações oficiais, que têm pouco interesse por um levantamento de
dados em uma área considerada ilegítima. Admitida a enorme imprecisão,
alguns números repontam aqui e ali. Assim, o deputado Nicanor
Nascimento afirmava haver em junho de 1918 cerca de 70 mil trabalhadores
sindicalizados no Rio de Janeiro, nos principais grêmios, excluída a área
marítima, assim distribuídos:
TABELA 5.1
RIO DE JANEIRO — REPRESENTATIVIDADE SINDICAL, 1918
SINDICATOS No DE FILIADOS
União dos Op. em Fab. de Tecidos + de 19000
Centro Cosmopolita + de 4500
Associação dos Cocheiros e Carroceiros + de 4000
União dos Metalúrgicos 3500
Associação Gráfica + de 3000
Centro dos Choferes + de 3000
União da Construção Civil 3000
União dos Trabalhadores em Calçados 2500
Centro dos Emp. em Ferrovias 2500
Sindicato das Pedreiras 2500
União dos Alfaiates cerca de 2000
União dos Barbeiros cerca de 2000
Liga Federal dos Op. em Padarias cerca de 2000
União dos Chapeleiros cerca de 2000
Centro dos Carregadores cerca de 2000
Sindicato dos Entalhadores cerca de 2000
Sindicato dos Manipuladores cerca de 2000
Centro dos Marmoristas + de 1000
Sindicato dos Vassoureiros 1000

FONTE: Anais da Câmara dos Deputados (1918). Rio de Janeiro, 1919, v. III.

As demonstrações de rua, a frequência às assembleias sindicais são


indícios de que, no curso de 1919, esses números se ampliaram bastante.
Em um balanço comemorativo de 1o de maio daquele ano, A Razão
assinalava existirem sindicatos expressivos, de todas as categorias de
trabalhadores, exceto os desorganizados empregados da Light e em grande
medida os ferroviários.13 A União dos Operários em Fábricas de Tecidos
afirmou várias vezes contar com 40 mil sócios, mas a cifra deve ser vista
com cautela, pois se destinava a mostrar sua representatividade, diante dos
centros dos industriais.
Ao longo do período, o sindicato ganha relevância não só como
instrumento de luta pela cidadania social, mas como núcleo organizador do
lazer e de uma subcultura operária, apenas esboçada. É a época dos grandes
festivais no Parque São Jorge, em São Paulo, no Jardim Zoológico do Rio
de Janeiro, com a presença de milhares de pessoas. Neles se combinam a
recreação, as expressões simbólicas de solidariedade, tão vivas nesta festa
da Construção Civil carioca de setembro de 1920, descontado o tom
edificante do relato:
O aspecto geral do Jardim Zoológico era encantador. Desde o meio-dia começaram a afluir ao
logradouro centenas de operários acompanhados de suas respeitáveis famílias. Num palanque
logo à entrada desdobrava-se a bandeira vermelha da Construção Civil. As alamedas apinhavam-
se de operários em excursão e passeio. A orquestra da Construção Civil, afinada, chamava a
atenção dos que lá se achavam, executando escolhidos e harmoniosos trechos do seu repertório
[…]. Na grande arquibancada, às duas horas, já era grande a afluência: lá iam ser disputadas as
provas desportivas as quais transcorreram animadíssimas e brilhantes. Houve corrida de
bicicletas, luta romana, match de futebol entre os times de Vila Isabel e de Mangueira, jogo de
pau, corridas de obstáculos etc. […]. Avisada que o camarada Mâncio ia falar da arquibancada,
toda a grande multidão, após a terminação do match invadiu o campo, concentrando-se em frente
à arquibancada. O camarada Mâncio […] declarou-se sensibilizado com aquela festa
brilhantíssima que era a prova da consciência e da solidariedade dos trabalhadores […]. Refere-se
ligeiramente à desigualdade econômica do regime burguês e declara que apesar de todas as
ignomínias, de todas as opressões, o proletariado continuará na sua luta tenaz e vigorosa à
conquista de sua emancipação e sua liberdade. Continua lutando em benefício da obra perene da
justiça humana, forte e coeso nas trincheiras dos seus sindicatos, até que um dia as suas bandeiras
vermelhas de rebelião tremulem nas oficinas e nas fábricas, da mesma forma que flutuam neste
momento nos estabelecimentos industriais tomados ao patronato pelos companheiros italianos
[…]. Cerca de quatro horas foi cantada a “Internacional”, por uma grande massa de operários
entre declamações e vivas à solidariedade e emancipação dos trabalhadores […]. Esteve
animadíssima também a parte teatral. Subiu à cena a engraçadíssima comédia em três atos “Hotel
dos Sarilhos” e um bem organizado ato de cabaré com o acompanhamento da orquestra da
Construção Civil.14
TABELA 5.2
SÃO PAULO — CAPITAL
GREVES POR CATEGORIAS PROFISSIONAIS, 1917-20
CATEGORIAS SEÇÃO DE EMPRESA EMPRESA RAMO TOTAL
Têxteis 5 25 1 31
Gráficos — 12 — 12
Sapateiros 3 8 1 12
Metalúrgicos 2 5 1 8
Chapeleiros — 5 1 6
Bebidas, alimentação 1 4 — 5
Construção Civil — 2 3 5
Vidreiros — 4 1 5
Cerâmica — 4 — 4
Madeira — 3 1 4
Canteiros — 2 1 3
Carga e descarga — 3 — 3
Ferroviários — 2 1 3
Máquinas — 3 — 3
Serviços Públicos — — 3 3
Carris Urbanos — — 1 l
Garçãos — 1 1
Padeiros — — l 1
Papel — 1 — 1
Vestuário e toucador — 1 — 1
TOTAL 11 85 16 112
FONTE: O Combate, A Gazeta, A Plebe. Obs.: Não estão computadas na discriminação as greves
gerais de julho de 1917 e maio de 1919. O total de greves e a discriminação não coincidem porque,
além da exclusão das greves gerais, foram decompostas as interprofissionais. Ressalte-se a natureza
meramente indicativa da tabela. Por exemplo, na impossibilidade de esclarecer algumas paralisações
ocorridas nas oficinas da SPR, considerei-as como movimentos de ferroviários, embora pudessem
entrar no ramo dos metalúrgicos.

Do ponto de vista setorial, a vaga de mobilizações tem um nítido recorte


cronológico. O setor industrial é o principal responsável pela grande onda,
enquanto a maioria das greves em serviços se abre no limiar ou no curso do
descenso: março de 1920, as greves gêmeas no padrão sangrento e no
tempo, da Mogiana e da Leopoldina; julho e setembro, as paralisações no
cais do Rio de Janeiro e entre taifeiros do Lloyd; dezembro de 1920 e
fevereiro de 1921, a greve das docas de Santos, muito próxima na sequência
temporal à paralisação dos marítimos na capital da República. Nessa
diacronia se espelham a escassa coordenação do movimento operário e as
diferenças ideológicas prevalecentes nos dois setores, em suas linhas gerais.
O proletariado de fábrica constitui a espinha dorsal de toda a etapa de
ascenso (tabelas 5.2 a 5.4), e o momento de sua derrota marca tanto no Rio
de Janeiro (junho/julho 1919) como em São Paulo (março de 1920) uma
virada decisiva. Gradativamente, sua velha combatividade se associa com
um grande esforço organizatório, que toma impulso nos dois sentidos — a
partir da base e a partir da direção — até se tornar o ponto fundamental do
conflito de classe. Acompanhemos os passos mais expressivos desse
conflito e de seu desfecho.
Nas duas grandes greves de 1917, os têxteis se destacam, com um ímpeto
mesclado à incipiente organização. Sua mobilização se faz através das ligas
de bairro, dos núcleos de empresa, sem que exista um sindicato da
categoria. Ele surge no Rio de Janeiro, no correr da greve, sob a liderança
de uma figura controvertida, José Pereira de Oliveira — acusado pelos
comunistas, na década de 1920, de ser um agente policial infiltrado entre os
trabalhadores.15 No acordo que põe fim ao movimento, com a mediação do
chefe de polícia Aurelino Leal, fica assegurado o direito de associação dos
têxteis, comprometendo-se estes a não admitir em seu meio “pessoas
estranhas”.
Os compromissos com as classes inferiores, nas condições da época,
carecem de qualquer garantia formal e passam diretamente pela prova de
uma desfavorável relação de forças. Em novembro de 1917, em meio ao
clima patriótico que acompanha a entrada do Brasil na guerra, surgem
greves nas grandes fábricas cariocas, onde se condena o apoio ao governo e
se pede de novo o reconhecimento da UOFT e de seus delegados nas
empresas.16 O primeiro item, em um nível um pouco mais formalizado, foi
acolhido através de um novo acordo firmado entre o sindicato e o Centro
Industrial, prevendo o reconhecimento da UOFT e seu direito de encaminhar
reivindicações pessoais e coletivas; a possibilidade de reconsiderar
despedidas injustas, havendo concordância entre ambas as partes; aumento
de 30% e 56 horas semanais de trabalho; dispensa da obrigação de o
operário ensinar o ofício.17 Não era estranha à viabilidade do entendimento
a crescente representatividade do sindicato, que, em novembro 1918,
afirmava ter 30 mil sócios.18
TABELA 5.3
SAO PAULO — INTERIOR
GREVES POR CATEGORIAS PROFISSIONAIS, 1917-20
CATEGORIAS EMPRESA OU SEÇÃO RAMO TOTAL
Têxteis 7 2 9
Canteiros 3 3 6
Construção Civil — 4 4
Ferroviários 3 1 4
Carris Urbanos — 3 3
Portuários — 3 3
Carga e Descarga — 2 2
Gráficos — 2 2
Indústria do Frio 1 1 2
Máquinas — 2 2
Padeiros — 2 2
Cerâmica — 1 1
Chapeleiros 1 — 1
Madeira 1 — 1
Metalúrgicos 1 — 1
Sapateiros — 1 1
TOTAL 17 27 44
FONTE: O Combate, A Plebe. Para o critério utilizado, ver a tabela 5.2.
TABELA 5.4
RIO DE JANEIRO
GREVES POR CATEGORIAS PROFISSIONAIS, 1917-20
CATEGORIAS EMPRESA RAMO TOTAL
Têxteis 22 4 26
Construção Civil 3 5 8
Sapateiros 4 4 8
Marítimos 4 3 7
Madeira 3 2 5
Carga e Descarga 4 — 4
Gráficos 3 1 4
Marmoristas 1 3 4
Metalúrgicos 1 3 4
Cocheiros 3 — 3
Ferroviários 2 — 2
Fumo e Bebidas — 2 2
Portuários 2 — 2
Vidreiros 1 — 1
TOTAL 53 27 80
FONTE: A Razão, A Voz do Povo. Não está computada na discriminação a greve geral de julho de
1917. Para o critério utilizado, ver a tabela 5.2.

A resistência individual dos grandes empresários, os efeitos de gripe


espanhola concorreram para a rápida quebra das cláusulas do acordo, daí
nascendo a tempestuosa greve de novembro e dezembro de 1918,
combinada com a tentativa de insurreição anarquista. Apesar da repressão, a
UOFT se reconstituiria rapidamente sob a liderança de Pereira de Oliveira,
em janeiro de 1919, e iria se envolver em um curioso episódio revelador das
diferenças organizatórias no movimento operário do Rio de Janeiro e de
São Paulo. No curso da greve generalizada de maio de 1919 na capital
paulista, o Conselho Geral dos operários, constituído efemeramente
naqueles dias, apelou à UOFT e aos deputados Nicanor Nascimento e
Maurício de Lacerda para que viessem auxiliá-lo em uma difícil
emergência. Formou-se uma delegação composta de Nicanor, dois
dirigentes têxteis — sendo um deles Pereira de Oliveira — e dois dirigentes
dos sapateiros. Os representantes da UOFT, em contato com Francisco
Matarazzo, acabaram por se transformar no interlocutor que permitiria dar
uma saída ao conflito no ramo têxtil: um acordo, acolhendo boa parte das
reivindicações, posteriormente aceito por outras empresas, foi firmado entre
as partes.19 Estranho acordo onde um sindicato carioca representa operários
paulistas, para nossos olhos habituados a uma estrita formalização.
Símbolo, entretanto, de uma época de conflito não institucionalizado entre
duas classes, onde os canais de contato são escassos e o estado não
desempenha um papel regulador.
A sorte da associação têxtil de massas e o próprio destino das lutas da
categoria jogou-se na greve de junho e julho de 1919. Ela envolvia uma
série de reivindicações acerca de salários, condições de trabalho,
readmissão de operários demitidos na greve de novembro de 1918, mas
tinha como eixo o reconhecimento da organização sindical por parte dos
empresários. Estes dividiam-se em dois grupos: o Centro Industrial do
Brasil, sob a presidência de Jorge Street e cuja representação era minoritária
e em grande medida confinada à indústria de lã, dispunha-se a conceder,
chegando mesmo a um acordo; em campo oposto, situava-se o Centro
Industrial de Fiação e Tecelagem de Algodão (CIFTA), recém-constituído,
reunindo as maiores empresas. Suas concessões limitavam-se ao
oferecimento de um pequeno aumento salarial que seria anulado pela
fixação das oito horas de trabalho, enquanto a recusa ao reconhecimento do
sindicato — uma das razões básicas da divisão dos industriais — era
frontal. O CIFTA tinha consciência do alcance da luta e seguiu uma linha de
crescente intransigência, a ponto de negar uma oferta mediadora do chefe
de polícia. Não obstante a intensa mobilização operária, expressa em
manifestações de rua com cerca de 15 mil participantes, os têxteis acabaram
por ceder aos golpes de uma intensa repressão.
No Rio de Janeiro, esta seria a última grande aparição de toda a
categoria, à luz do dia, por vários anos. Ao mesmo tempo, a UOFT começaria
a trilhar o caminho nem sempre linear do declínio. O comportamento da
direção sindical tornou-se alvo de fortes críticas após o desenlace da greve.
Pereira de Oliveira e o secretário do sindicato Rafael Garcia foram acusados
de conduzir a greve com excessivo pacificismo, “só justificável se
estivessem à frente de uma área estratégica como a dos transportes”. Não
faltaram também censuras a seus contatos com a chefia da Polícia e ao fato
de terem encaminhado um relatório ao presidente Epitácio Pessoa.20 A
pressão resultou na renúncia da diretoria em setembro de 1919, mas os
novos dirigentes, com forte influência libertária, não puderam evitar a crise
da entidade. No terceiro aniversário de sua fundação, já se formara a
imagem de um grande passado que se procurava recuperar. Apelando à
volta da massa ao sindicato, a direção lamentava também a atração relativa
exercida por “amarelos e urubus de batina”.21
A UOFT de São Paulo surgiu somente durante a greve de maio de 1919,
tendo, porém, um rápido avanço no curso de alguns meses. Com uma sede
central no Brás e várias sucursais de bairro, iniciou uma ampla campanha
de sindicalização, dentro de uma linha moderada e de controle das
comissões de fábrica, cuja existência tolerava desde que submetida ao
organismo sindical como órgão de nível superior:
A União não aprova nenhum ato de indisciplina que se verifique dentro das fábricas (praticado)
por operários e também não aprova aqueles que incitem outros para a paralisação do serviço. Para
os que assim procederem, a União intervirá com energia, tomando as necessárias medidas para
fazer-se respeitada em benefício da classe. O nosso programa é bem definido: conseguir o
máximo do bem-estar para os trabalhadores […]. As Comissões Internas não devem
absolutamente consentir que o trabalho seja interrompido, sem primeiro a União haver autorizado
essa medida, da qual só se lançará mão quando se tratar de um caso de importância e que não
possa ser resolvido por negociações e discutido em Assembleia Geral, nas sedes da União e da
sucursal.22

Nos últimos meses de 1919, a UOFT dirigiu-se às maiores fábricas têxteis,


pleiteando seu reconhecimento e o das comissões internas. Estabeleceu-se
por breve tempo um curioso diálogo no qual se espelhou a intransigência
dos industriais no tocante aos organismos de base e à expectativa de que o
sindicato pudesse exercer funções de controle. O Cotonifício Crespi, por
exemplo, cuja direção estava longe de constituir um modelo de
flexibilidade, dizia-se disposto a aceitar entendimentos, desejando antes
saber quais as atribuições das Comissões internas e a forma de sua eleição.
Quanto à UOFT, dispunha-se a reconhecê-la desde que demonstrasse poder
impor as mesmas condições gerais de trabalho e de salário para toda a
categoria e revelasse capacidade de garantir o cumprimento dos acordos por
ela firmados, por parte dos operários.23 Em meio à série de greves daquele
ano, esses contatos tinham na verdade o caráter de escaramuças, diante de
uma crescente polarização de forças. Não por acaso, concomitantemente
com as mobilizações e com o ressurgimento da UOFT, os industriais haviam
afinal criado o Centro das Indústrias de Fiação e Tecelagem de São Paulo
(CIFTSP), após a remota tentativa de aglutinar todo o setor, que datava de
1907.
O confronto se abriu em março de 1920, quando o CIFTSP decidiu não
permitir a cobrança de mensalidades sindicais nas empresas. Operários de
algumas firmas — entre elas os da anglo-argentina São Paulo Alpargatas —
responderam com a greve, que se combinou com um lockout parcial. A
partir daí, a paralisação se generalizou. Imediatamente, a UOFT publicou um
longo manifesto, denunciando o lockout como manobra destinada a liquidá-
la. O tom do documento era moderado. Lembrava que a União organizara a
classe e tornara mais harmônica sua ação, fazendo com que seus
movimentos passassem a obedecer a deliberações coordenadas e metódicas.
Tinha evitado assim agitações imponderadas, em benefício da própria
indústria. Por certo, conseguira controlar a vontade discricionária de
industriais gananciosos, obtendo melhorias salariais e de condições de
trabalho. Mas exatamente para isso existiam o sindicato e as comissões de
empresa que não só haviam impedido a anulação dessas conquistas como
também dirimido muitos incidentes nos locais de trabalho, no interesse de
patrões e operários. Diante do lockout, a UOFT exigia o reconhecimento
definitivo das comissões de empresa, o direito de cobrança das
mensalidades e o pagamento dos dias de greve. Não assumia, porém,
responsabilidade pelo vulto do movimento: dezenas de milhares de
trabalhadores, dizia, tinham abandonado espontaneamente o serviço em um
momento de dificuldades econômicas, não obstante os conselhos da União e
dos sindicalizados.24
O conflito desenvolveu-se dentro de linhas previsíveis. Enquanto a
Federação Operária tentava realizar uma greve geral em parte frustrada, a
polícia espancava trabalhadores, efetuava prisões e impedia as reuniões da
UOFT, cuja sede foi afinal fechada. A repressão não cedeu, apesar da vinda a
São Paulo do deputado Maurício de Lacerda, a pedido da UOFT, para manter
contato com as autoridades paulistas.25 O tema do direito de associação, por
sua vez, entrelaçou-se com reivindicações salariais, continuando a ser,
porém, o eixo do conflito. Afinal, sob forte pressão, os grevistas voltaram
gradativamente ao trabalho em fins de abril de 1920, após quarenta dias de
greve, sem nada obter.
Tal como ocorrera no Rio de Janeiro, a derrota de um movimento que
buscara alcançar um direito fundamental não seria episódica. As
mobilizações da categoria ficariam restritas ao mundo das empresas, e a
UOFT perderia sua representatividade. Em julho de 1920, uma direção
libertária, sempre pronta a atirar sobre as bases a responsabilidade pelas
derrotas, apelava aos têxteis para que viessem reerguer aquela que fora “a
maior entidade operária da América do Sul”, reduzida à impotência por
culpa dos próprios trabalhadores, da astúcia patronal e da hipocrisia dos
padres.26
A luta pela organização autônoma do proletariado de fábrica terminou
assim com uma aberta derrota, nos dois maiores centros urbanos do país.
Mas a simples existência dessa luta mostra que do handicap desfavorável
representado por algumas condições estruturais conhecidas — composição
interna da categoria, oferta abundante de força de trabalho — não se pode
deduzir um “estado natural” de desorganização dos trabalhadores têxteis,
por maior que tenha sido o peso de tais condições. No período do primeiro
desenvolvimento industrial do país, a organização/desarticulação dos têxteis
tem uma história, submete-se a uma prova de força cujo resultado não é
conhecido antecipadamente. A orientação estatal violentamente repressiva,
a estratégia das lideranças operárias, o grau e o tipo de organização da
categoria são fatores importantes no desenlace do conflito.
Se os têxteis apareceram como eixo de toda a conjuntura, nem por isso os
antigos sindicatos de ramos onde predominavam as indústrias
semiartesanais deixaram de ter relevância. As associações da construção
civil e dos metalúrgicos ressurgiram e ganharam maior representatividade.27
Ao lado delas, no Rio de Janeiro, uma entidade de empregados, como o
Centro Cosmopolita, desempenharia também um papel de núcleo de
aglutinação dos operários. Não por acaso, a União da Construção Civil, a
União dos Metalúrgicos e o Centro Cosmopolita foram o alvo constante da
repressão entre 1919-20, sendo suas sedes por várias vezes fechadas
provisoriamente.28 Quando a UOFT entrou em declínio, esses sindicatos
sustentaram ainda uma luta de certa importância. Em outubro de 1920, por
exemplo, a construção civil desfecharia uma greve não econômica, com a
adesão dos sapateiros, contra o desaparecimento do dirigente sindical
Antônio Silva e pela libertação de trabalhadores presos. Mas o refluxo
geral, a partir da derrota dos têxteis, acabaria por se espraiar a todo o
mundo do trabalho.
6. Duas mobilizações

A GREVE PAULISTA DE 1917

A escolha de algumas mobilizações coletivas como objeto de uma


análise mais detida, no quadro da conjuntura 1917-20, tem muito de
artificial. Há, porém, dois episódios que expressam, em sua semelhança e
diversidade, o padrão das relações sociais entre classes e grupos, o
comportamento do Estado, as orientações no campo sindical e da política, a
aproximação e a distância entre base e direção: a greve geral de julho de
1917, em São Paulo, e o movimento de novembro de 1918, no Rio de
Janeiro.
Julho de 1917 assumiu na memória social o sentido de um ato simbólico
e único. Símbolo de uma mobilização de massas impetuosa, das
virtualidades revolucionárias da classe operária, de organizações sindicais
representativas, não contaminadas pela infecção burocrática. Retomado em
suas dimensões históricas, o episódio se distancia da imagem da Idade de
Ouro perdida. Dessa vez, longe de ser um fenômeno isolado, abre com um
imenso eco uma fase de ascenso do movimento operário.1
Os sintomas de ativação das reivindicações dos trabalhadores, após anos
de profunda depressão, surgem em São Paulo nos primeiros meses de 1917,
localizando-se no ramo têxtil. O centro de prolongados atritos é o
Cotonifício Crespi, grande empresa de fiação e tecelagem de algodão,
localizada na Mooca, com mais de 2 mil trabalhadores. A 9 de junho de
1917, a resolução patronal prolongando o serviço noturno é mal recebida
pelos operários, que respondem com a exigência de aumento de 15% a 20%
do salário. Uma seção da fábrica, abrangendo quatrocentos trabalhadores,
entra em greve, e as reivindicações se ampliam: abolição das multas,
regulamentação do trabalho das mulheres e dos menores, modificação do
regime interno da empresa, supressão da contribuição “pró-pátria”. A
última exigência se perderia na torrente das semanas seguintes, mas era
bastante significativa. No curso da guerra, entre alguns círculos da
numerosa colônia italiana de São Paulo, desenvolveu-se uma intensa
campanha de apoio à Itália. A contribuição “pró-pátria”, cujas listas
enchiam as colunas dos jornais da colônia, entremeadas com a descrição
das batalhas em que o país estava envolvido, era descontada do salário dos
trabalhadores de origem italiana. A presença dessa reivindicação é
indicativa de que o surto patriótico não alcançava os operários, pelo menos
quando repercutia em seu minguado bolso.2
Depois de recusar-se a acolher as exigências, Crespi paralisa totalmente a
fábrica, procurando forçar a volta ao trabalho, em 22 de junho. Alguns dias
depois, em 26 de junho, surge uma greve em outra empresa têxtil — A
Estamparia Ipiranga —, de Nami Jafet & Cia., localizada no bairro do
Ipiranga, abrangendo aproximadamente 1600 operários. As exigências são
semelhantes às dos grevistas da Crespi, com algumas variações: o aumento
salarial pleiteado oscila entre 20% e 25%, não há contribuição “pró-pátria”
por suprimir, mas há dois meses de salários em atraso. A direção da
empresa se inclina ao compromisso. Após dez dias de greve, todas as
reivindicações são aceitas e os trabalhadores voltam ao trabalho.3 Até essa
altura, apesar da extensão do movimento a algumas empresas menores, a
paralisação é restrita e parece concentrar-se no Cotonifício Crespi. Mas o
ânimo dos grevistas e sua intransigência são sintomáticos. As primeiras
prisões provocam passeatas e comícios, tanto nos bairros operários como no
centro da cidade, onde se realizam manifestações diante dos jornais. A
solidariedade começa a reforçar-se: logo após a aceitação de suas
exigências, os trabalhadores de Jafet se deslocam do Ipiranga para a Mooca,
a fim de expressar aos grevistas do Cotonifício Crespi a promessa de ajuda
material. No curso da paralisação, haviam recusado uma contraproposta da
empresa pela qual os salários atrasados seriam postos em dia e haveria um
aumento médio de 13%; por sua vez, uma oferta de aumento entre 5% e
15%, apresentada por Crespi, não alcançou êxito. Aí também a insuficiência
da proposta se mesclava com a solidariedade como razão da recusa, pois a
firma negava-se a aceitar a volta ao trabalho de alguns operários
considerados responsáveis pela greve.
Em todas as mobilizações, destacam-se as mulheres. Sua participação é
notada nos discursos de rua, nas reuniões da Liga Operária da Mooca.
Quando o delegado do bairro do Brás intima grevistas a comparecer à
delegacia, nos primeiros dias da paralisação na fábrica Crespi, formam-se
duas comissões — de homens e de mulheres —, que são atendidas
separadamente pelo delegado Bandeira de Mello.
A 7 de julho, a greve alcança uma empresa importante fora do setor têxtil
— a fábrica de bebidas Antarctica, situada na Mooca, com cerca de mil
operários. Anteriormente, os trabalhadores tinham enviado, sem resultado,
vários ofícios à direção da firma, solicitando aumento de 13% dos salários e
a fixação de nove horas de trabalho. Reclamava-se contra o prolongamento
da jornada sem acréscimo nas horas extras, durante o verão, quando a
demanda de bebidas se incrementava, e contra as suspensões por pequenas
ou imaginárias faltas, no período de recesso do inverno. Ao mesmo tempo,
começam a se produzir choques entre a Força Pública e a massa popular,
diante do Cotonifício Crespi e da Antarctica. Na manhã de 9 de julho,
piquetes grevistas conduzindo cartazes onde se pede o boicote dos produtos
da Crespi deslocam-se na direção da fábrica têxtil Mariângela (Brás) — de
propriedade das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo — para
conclamar os operários a abandonar o trabalho. Um grupo espatifa a tiros
uma carroça da Antarctica, após fazer descer o carroceiro e o soldado que o
protege. À porta da Mariângela, arma-se um conflito. Para aí se dirigem o
delegado de polícia (Tirso Martins) e um ajudante de ordens do secretário
da Justiça e Segurança Pública, Eloy Chaves, sendo recebidos com vaias e
morras. Tirso Martins se retira, conferencia com o presidente do estado
Altino Arantes. Rapidamente, decidem reforçar o policiamento e dispersar
as manifestações. Uma tropa da Força Pública, formada por trinta
cavalarianos e cinquenta soldados armados de rifle, segue para o bairro do
Brás. De volta à fábrica Mariângela, avança sobre a massa a tiros e cargas
de cavalaria. Há feridos de ambos os lados, em maior proporção entre os
operários. Atingido por uma bala no estômago, o sapateiro anarquista
Antonio Martinez morre no dia seguinte. Nesse ínterim, a paralisação se
estende, abrangendo 35 empresas com mais de 15 mil grevistas, entre os
quais se encontram os trabalhadores da Mariângela e da Estamparia
Ipiranga, estes agora em greve de solidariedade.
O enterro do jovem Martinez simboliza o momento de passagem de uma
grande greve para uma paralisação total da cidade, com a multiplicação dos
atos violentos. Sob uma chuva fina, em coluna cerrada, cerca de 10 mil
pessoas acompanham o cortejo que sai do Brás em direção ao cemitério do
Araçá, na manhã de 11 de julho, devendo passar inevitavelmente pelas ruas
centrais. Uma tentativa de forçar o caminho em direção à Central de Polícia
para libertar vários grevistas é repelida pelos destacamentos de milicianos,
postados na via pública em vários pontos do cortejo. No cemitério, a tensão
cresce em meio às flores, ao choro, aos gritos de justiça, aos discursos com
alusões a Réclus, Malatesta, Kropotkin. Quase cinquenta anos mais tarde,
Edgar Leuenroth relataria como o trabalho parou, por uma espécie de
comunicação afetiva:
Após o enterro, uma multidão estaciona na avenida Rangel Pestana e logo depois é assaltada uma
carrocinha de pão. Essa ocorrência teve o efeito de chispa lançada ao rastilho de pólvora. Parece
ter servido de exemplo e estímulo para que a mesma ação fosse praticada em muitas partes da
cidade. Foi o que aconteceu com uma rapidez fulminante, como se um veículo de comunicação de
excepcional capacidade pusesse em contato todo o elemento popular paulista. As fábricas e
oficinas esvaziam-se, enquanto as ruas se povoam de multidões, movimentando-se agitadas em
todos os sentidos.4

Nos três dias seguintes ao enterro, a greve se tornaria total. Os bondes


deixam de funcionar, em parte por iniciativa dos empregados, em parte por
decisão da empresa concessionária (São Paulo Tramway, Light and Power
Co.), diante dos repetidos ataques aos veículos. Os trabalhadores do único
núcleo importante na cidade ligado aos serviços ferroviários — as oficinas
da São Paulo Railway com 2 mil operários — abandonam também o
trabalho. Seguem-se os gráficos, cuja paralisação tardia foi parcial, pois os
jornais não cessaram de funcionar. O número de grevistas entre 12 a 15 de
julho cresce de cerca de 25 mil para 45 mil pessoas, ponto mais alto do
movimento.
Por sua vez, as ações agressivas e os choques entre a massa e a Força
Pública se multiplicam. Há assaltos a armazéns, padarias, aos veículos que
se arriscam a transitar pelas ruas, a algumas casas particulares. Durante
algum tempo, a massa toma conta dos arrabaldes, impede a vinda de
alimentos para os que habitam na área central. Grupos investem contra uma
feira livre que se realiza no bairro do Bexiga, destruindo o que lá se
encontrava. Como na “revolta da vacina” do Rio de Janeiro (1904), na
semana trágica de Buenos Aires (janeiro de 1919), os lampiões de
iluminação são o alvo preferido dos garotos de rua. Simples manifestação
de agressividade? É difícil discernir. Seja como for, as ruas escuras
facilitam à noite a ação dos revoltosos.
A tentativa de ataque a autoridades aparece em alguns episódios. No
centro da cidade (praça da Sé), surge um tiroteio entre a polícia e populares
entrincheirados nas obras da nova catedral. Quando o delegado Rudge
Ramos aí chega, seu carro é alvejado e ele se vê forçado a retirar-se. Um
grupo mais afoito alcança a aristocrática avenida Paulista, tentando assaltar
a casa do secretário da Justiça, sendo repelido pela Força que guardava o
prédio. Mas o maior foco das manifestações, dos choques, é o Brás, onde se
concentram não só muitas fábricas, como residências operárias. Na noite de
12 de julho, o largo da Concórdia, a Estação do Norte estão cheios de gente,
enquanto as tropas de infantaria e cavalaria impedem o assalto ao posto
policial. Quando os soldados tentam penetrar em um café, nas proximidades
da Estação, abre-se um violento tiroteio que se prolonga por cinco minutos,
deixando vários feridos. Nem todos os acontecimentos têm a mesma
gravidade. O chamado “espírito de Carnaval” — expressão lúdica de uma
breve liberação dos rígidos quadros da existência cotidiana —5 aparece em
alguns momentos. Após narrar a invasão dos bondes pela massa de garotos
que marcam passagens, forçam os motorneiros a levá-los para onde querem,
observa o circunspecto O Estado de São Paulo: “o mais deplorável, é que
um bando de mocinhas, infelizes operárias de fábricas, imitou o gesto da
garotada, tomando conta de três elétricos no largo da Sé”.6
No dia seguinte ao enterro de Martinez, a cidade se transforma em um
desordenado campo de batalha. Seria excessivo imaginar, porém, que o
governo tenha perdido o inteiro controle da situação. A gravidade da revolta
provoca uma extensa mobilização militar, com o deslocamento de tropas do
interior do estado e o apoio do governo federal, calculando-se a 13 de julho
em 7 mil o número de milicianos estaduais na cidade. Por determinação do
ministro da Marinha, dois navios de guerra partem para o porto de Santos.
Embora surgissem boatos de defecções no aparelho repressivo, não há
provas de que isso tenha ocorrido em maior escala.7 A retórica dos boletins
de apelo aos soldados para que se recusassem a “cumprir o papel de
carrasco” não poderia suprir em poucos dias a ausência de contatos entre
dois mundos tão diversos. Ao mesmo tempo, inexistia uma estratégia de
luta, conduzindo a massa revoltada nas ações de rua. No plano puramente
militar, a liquidação dos tumultos, em prazo maior ou menor, era inevitável.
Entretanto, se a repressão produzia seus frutos, não podia suprir a
necessidade de entendimentos para pôr fim à greve geral. À medida que o
movimento se estendia, aumentaram os contatos entre os industriais e o
secretário da Justiça, que tratou de levá-los a conceder as reivindicações
salariais. A 13 de julho, algumas grandes empresas (Matarazzo, Companhia
Mecânica Importadora, Moinhos Gamba) declaram-se dispostas a conceder
20% de aumento. Nesse ínterim, formara-se um Comitê de Defesa
Proletária, integrado por líderes sindicais e de associações populares, que
procurou unificar os trabalhadores em torno de um programa, abrangendo
reivindicações da classe operária como produtora e das classes populares
em geral como consumidoras. Exigia-se aumento de 35% nos salários
inferiores a 5$000 e de 25% para os mais elevados; proibição do trabalho de
menores de catorze anos; abolição do trabalho noturno de mulheres e
menores de dezoito anos; garantia de trabalho permanente; jornada de oito
horas, com acréscimo de 50% nas horas extras e ‘‘semana inglesa”; respeito
ao direito de associação; libertação dos grevistas presos; permanência no
emprego dos participantes da greve. As propostas relativas à defesa das
classes populares enquanto consumidoras aludiam a medidas para baixar
preços dos gêneros de primeira necessidade com a requisição pelo Estado
desses gêneros; a providências para impedir a falsificação e a adulteração
de produtos alimentares; à redução de 50% nos aluguéis. O Comitê vinha se
reunindo clandestinamente, mas, quando surgiu a possibilidade de um
entendimento, foi autorizado a realizar um encontro no hipódromo da
Mooca, onde o programa pôde ser ratificado por uma grande massa.
As dificuldades de estabelecer canais de comunicação são, entretanto,
patentes. O Comitê de Defesa Proletária recusa-se a negociar diretamente
com os patrões ou com o governo; falta a experiência em ambos os campos
de uma “técnica de conflito”. A tal ponto que um Comitê de Jornalistas,
constituído por representantes da grande imprensa, se forma a 13 de julho,
com o objetivo de mediar empresários e trabalhadores.8 Em reunião com os
grandes industriais — ausentes os representantes das empresas estrangeiras
São Paulo Railway, São Paulo Light —, os jornalistas ouvem a reiteração
da proposta de 20% do aumento, a promessa de respeitar os direitos
operários e de não dispensar grevistas. Realizam a seguir um encontro com
os seis principais membros do Comitê de Defesa Proletária.9 Após várias
objeções, estes decidem aceitar a oferta, exigindo, porém, a palavra do
governo para o atendimento das reivindicações referentes à carestia e à
garantia dos direitos operários. No contato com o presidente do estado e o
prefeito da cidade (Firmiano Pinto), surgem as promessas de libertação dos
presos, de fiscalização do trabalho de menores e estudo de medidas em
favor destes e das mulheres; de medidas para impedir a adulteração e a
falsificação de gêneros alimentícios. Quanto ao preço destes, há uma vaga
referência ao “estudo de medidas viáveis” e ao “exercício oficioso da
autoridade junto aos comerciantes atacadistas”. A proposta dos industriais
não é feita por qualquer órgão representativo, mas individualmente. Desde o
início aí aparecem os nomes mais importantes: Alexandre Siciliano, Jorge
Street, Rodolfo Crespi, Francisco Matarazzo, Pinotti Gamba, os dirigentes
da anglo-argentina São Paulo Alpargatas etc.10
Enquanto a greve prossegue, embora os choques de rua arrefeçam, o
Comitê operário aceita a proposta patronal e do governo, em um domingo,
15 de julho. Decide marcar para o dia seguinte três comícios, com o
objetivo de comunicar aos operários o resultado das negociações e propor a
volta ao trabalho. As fotografias do maior desses comícios, realizado no
Brás, nos mostra uma atenta massa de olhos voltados para os oradores —
Leuenroth, Candeias Duarte, Monicelli — calculada entre 5 mil e 8 mil
pessoas. Os operários aprovam uma resolução de encerrar a greve nas
fábricas que firmaram o acordo, com a disposição de retomá-la caso ele não
seja cumprido ou as demais empresas recusem o compromisso. Afirmam
também assumir a tarefa de organizar toda a massa proletária. Nos teatros
da Lapa e do Ipiranga, vota-se no mesmo sentido e o canto da
“Internacional” encerra as reuniões.
A greve se estende ao interior do estado. Na cidade de São Paulo,
recomeça a vida cotidiana: os bondes têm o itinerário indicado, as
passagens são pagas, o apito matutino das fábricas impõe a rigidez das
longas horas de trabalho. O ritmo do refluxo lembra o da maré montante. A
volta ao serviço é gradativa, crescendo cada dia um pouco o número de
indústrias que firmam o acordo. Em alguns casos, os operários pagam pela
timidez da reivindicação inicial, como na Companhia Antarctica, onde o
aumento é inferior a 20%, exceto para os menores de dezesseis anos. Há
além disso situações difíceis de enquadrar na moldura do compromisso:
como resolver o problema das crianças trabalhadoras de uma empresa têxtil
que se recusam a voltar à fábrica, temendo castigos corporais? Ainda a 22
de julho, os jornais se referem ao prosseguimento da paralisação no setor de
calçados e em várias pequenas empresas. Gradativamente, porém, os
últimos fogos se extinguem.
Parece inútil insistir sobre o papel da elevação do custo de vida no
desencadear da greve de 1917. Observo apenas que os dados gerais não dão
conta da subida de preços concentrada em poucos meses do ano,11 ou da
coincidência entre o aumento e a escassez de certos produtos. Nos
primeiros meses de 1917, por exemplo, a Argentina suspendeu as
exportações de trigo para o Brasil. Embora se chegasse a um acordo para
restaurar o fornecimento, a importação global pelo porto de Santos (farinha
de trigo e trigo em grão) foi em 1917 a mais baixa dos anos 1913-8, não se
podendo cogitar no caso de substituição de importações. O ataque às
carroças do Moinho Gamba, o saque aos armazéns do Moinho Santista,
durante a greve geral, têm como alvo a obtenção de um bem escasso que,
transformado em pão, simboliza o atendimento dos requisitos elementares
de subsistência.
Ao mesmo tempo, a indignação ganha força, porque é impossível lançar
as dificuldades à conta de uma conjuntura de depressão quando “todos
devem partilhar os sacrifícios”. Pontilhando as leis impessoais do mercado,
aparecem não só os grandes lucros de algumas indústrias, mas
especialmente uma figura historicamente odiosa às massas populares: o
açambarcador. O estado de espírito dos consumidores em geral está
refletido nas contínuas denúncias da grande imprensa contra os Matarazzo,
os Gamba etc., acusados de desviar mercadorias para a exportação e estocar
gêneros alimentícios.12 De forma simplista mas eficaz, a revolta encontra
seus alvos personalizados.
A sobredeterminação da política internacional, ao contrário do que iria
suceder nos anos seguintes, estaria quase ausente do episódio. A imprensa
anarquista reflete em raros momentos o alento provocado pela revolução de
fevereiro na Rússia tsarista.13 O grande símbolo de libertação é o Catorze
de Julho, comemorado nas páginas da imprensa diária. Um símbolo tão
arraigado que ainda em julho de 1920 daria origem a uma greve em uma
fábrica de chapéus por parte de operários que desejavam festejar a queda da
Bastilha.
Privação material interiorizada como insuportável, situação do
movimento operário, corporificação dos alvos da revolta, possivelmente a
estrutura sociodemográfica da classe,14 encontram-se na base da greve geral
de 1917. Mas a microdinâmica do movimento é também relevante. Se o
período das grandes greves se insere nos marcos da conjuntura, nem por
isso as paralisações parciais de 1917 deveriam desembocar necessariamente
em um episódio de tais proporções. A combatividade da massa operária em
maio e junho de 1917 ganha alento não só dos “agitadores”, mas da
intransigência de Rodolfo Crespi. Conhecido por sua recusa a negociar —
ele seria um dos últimos dentre os grandes industriais a aceitar o
compromisso final —, Crespi transforma sua fábrica em um foco de
contínuos atritos. Na última semana de junho, faz um sério erro de cálculo
apelando para um lockout que na verdade favorece a extensão do
movimento grevista.15 O momento era decisivo: por um breve período, a
greve parecia arrefecer, com as concessões feitas por Jafet, e o Cotonifício
Crespi mantém-se como canal de passagem para a ampliação das
paralisações.16 Até aí, estamos no terreno da passagem de uma greve em
algumas grandes empresas a sua generalização. Em um segundo momento
— o da sequência greve generalizada/greve geral, acompanhada de choques
—, a morte do sapateiro Martinez, o episódio de seu enterro surgem como
fator desencadeante, simbolizando de forma dramática uma série de
privações vividas pelos operários em seu conjunto.
Desde o depoimento de memoralistas à análise sociológica,17 tem-se
ressaltado o caráter espontâneo da greve de 1917, e não há motivo para
rever o fundo dessa qualificação. A ausência de um plano, de uma
coordenação central, de objetivos predefinidos é patente. Os sindicatos têm
restrito significado; o Comitê de Defesa Proletária — expressão da
liderança anarquista e em menor escala socialista — não só se forma no
curso do movimento como procura apenas canalizar reivindicações. O
padrão de agressividade da greve relaciona-se com o contexto sociocultural
de São Paulo e com a fraqueza dos órgãos que poderiam exercer funções
combinadas de representação e controle.18
Porém, o espontaneísmo precisa ser mais bem qualificado. A
“espontaneidade pura só existe nos livros de contos de fadas acerca do
movimento operário e não em sua verdadeira história”. O conteúdo da
atividade dos trabalhadores que deflagraram a greve nas maiores empresas,
as várias formas de comunicação pelos bairros industriais talvez estejam
perdidas para sempre. Há, entretanto, um terreno mais sólido de observação
a indicar que, se a greve de 1917 foi uma explosão, teve pouco a ver com
uma “explosão repentina”. Os indícios de crescente tensão19 se acumulam
nos meses que a antecedem, acompanhados de um visível esforço
organizatório, apesar de todos seus limites. O primeiro número de A Plebe
— e a criação do jornal é um reflexo da nova etapa que se abria — refere-se
ao fato de que o operariado de São Paulo parece despertar para a luta, sob o
efeito da propaganda e dos comícios recentemente realizados. O centro da
aglutinação não é o clássico sindicato de resistência, mas as ligas operárias
de bairro, criadas por inspiração dos anarquistas, na Mooca, no Belenzinho,
no Cambuci e na Lapa.20 É provável que as ligas tenham tido maior
possibilidade de êxito por serem um veículo não apenas das reivindicações
relativas à produção, assumindo as questões mais gerais da carestia, da
habitação etc. Ao longo dos primeiros dias da greve, até o fechamento a 9
de julho, a Liga Operária da Mooca aparece claramente como núcleo de
coordenação e de contatos: a paralisação parcial do Cotonifício Crespi
decide-se em assembleia realizada em sua sede; após o serviço os grevistas
da Antártica dirigem-se à Liga, onde se reúnem, inscrevendo-se como
sócios, em grande número; é a entidade, junto com a Liga do Belenzinho,
que convoca as associações proletárias para a formação de um “Comitê
Geral”.21
A greve geral não é previamente preparada por nenhuma organização,
mas ao menos a consciência dessa perspectiva existe no interior de um
pequeno grupo. Em maio de 1917, o Centro Socialista Internacional
convida a Liga Operária da Mooca a enviar representante a uma reunião
onde se pretende cuidar “de questões organizatórias da ação operária, com o
objetivo, se necessário, de preparar uma greve geral, tendo em conta as
atuais dificuldades da classe”. A Liga responde com uma olímpica recusa,
ressaltando que é adepta da ação direta para a obtenção de melhorias e para
a emancipação final da sociedade. Por isso, não deseja confundir-se com
uma entidade “eminentemente burguesa” que espera transformar-se em
partido político e se utiliza com preferência da ação legal e eleitoral.22
Por outro lado, embora a deflagração da greve fosse espontânea,
inevitavelmente em seu curso deveria surgir o núcleo capaz, se não de
conduzi-la, pelo menos de dar-lhe uma saída final. Esse núcleo — o Comitê
de Defesa Proletária — indica o tipo de relação que se estabelecera entre
certos quadros de preponderância anarquista e a massa operária, nos anos
prévios ao episódio, envolvendo uma espécie de liderança do prestígio,
carente de maiores laços organizatórios. Dentro desses limites, a liderança é
incontestável: a representatividade do Comitê não sofre restrições, sua
decisão de chegar a um compromisso é acatada por uma ampla massa de
trabalhadores.
Dois elementos se combinam no comportamento dos líderes anarquistas,
em julho de 1917: a incapacidade de assumir um verdadeiro papel dirigente;
a dificuldade em encontrar as vias para garantir ao menos o cumprimento
das pequenas conquistas. Apesar dos apelos retóricos à organização, o
ímpeto da torrente atrai esses homens, ainda ontem embalados em seu
pequeno círculo pela vaga fraseologia da obra emancipadora final: de 9 a 21
de julho, A Plebe deixa de funcionar porque seus responsáveis se ocupam
em “emprestar sua atividade ao grande movimento”. O Comitê de Defesa
Proletária se inclina, por sua vez, à extrema prudência. As reivindicações
buscam defender condições mínimas de sobrevivência, a livre organização e
expressão dos trabalhadores. Como viu com clareza A Plebe, a proposta do
Comitê teria sido feita na Europa pelas classes conservadoras, em seu
próprio interesse. Mas aqui, “dadas as condições existentes, o mínimo teve
que ser pedido pelos que têm os olhos voltados para o máximo”.23
Mesmo esse mínimo não foi, entretanto, consolidado. A rápida elevação
do custo de vida começou a corroer o aumento salarial, negado, aliás, por
várias empresas. Passada a mobilização, o governo investiu contra os
sindicatos cuja atividade florescia sob o impulso da greve, especialmente
entre os ferroviários da São Paulo Railway. Em setembro de 1917, a
repressão se abateu sobre as lideranças operárias, A Plebe foi invadida e
Edgard Leuenroth preso, acusado de ser o mentor intelectual do assalto ao
Moinho Santista.

***

Passemos para o outro lado da fronteira, para o campo dos empresários


industriais, do estado, da opinião pública. Leôncio Martins Rodrigues
observou com justeza que a descentralização existia não só no setor
operário como entre os industriais. Em julho de 1917, os interesses destes
apareciam confundidos com os do comércio, no Centro do Comércio e
Indústria. O órgão carecia, porém, de representatividade e esteve ausente
das negociações que se estabeleceram no curso da greve. Cada industrial
apresentou-se em nome próprio no contato com o governo, com o comitê de
jornalistas, cada um deles firmou ou resistiu a firmar o acordo com os
grevistas.
Contudo, não há simetria nos efeitos da desorganização no campo
operário e no dos empresários. Se a indústria é pouco ou nada coordenada,
encontra no estado oligárquico um protetor seguro. Uma longa
exemplificação seria inútil, mas um caso é bastante expressivo, por pairar
acima das diferenças nacionais. Apesar de o Brasil ter rompido relações
com a Alemanha, perduraram os laços existentes entre o governo paulista e
a Cia. Antarctica, definida pela imprensa operária como “um amálgama de
prussianos e políticos locais”. Essa imprensa denunciou a transformação de
prédios da empresa em caserna, prisão e depósito dos móveis saqueados às
Ligas Operárias, no curso da greve, assim como o uso de bombeiros para
substituir os carroceiros da firma.24
Tanto quanto os ideólogos revolucionários, o governo do estado foi
surpreendido pela extensão e pela agressividade do movimento. Os
editoriais do Correio Paulistano — órgão oficial do PRP — são um bom
indício da maneira pela qual os círculos governantes encaravam a
paralisação. Enquanto as ações coletivas não chegaram ao ápice, o jornal
manteve um enfoque até certo ponto objetivo, atribuindo-as ao agravamento
das condições de vida, sem enfatizar o papel dos militantes libertários. À
medida que elas se estenderam e se tornaram mais violentas, o tema central
se deslocou para este último aspecto. O secretário da Justiça chegou a
atribuir a violência desencadeada em meio à greve à vinda de agitadores
anarquistas da Argentina, opinião semelhante aliás à do cônsul americano.
No dia 1o de junho, dizia o cônsul em relatório enviado ao secretário de
Estado, “alguns agitadores, na maioria espanhóis, chegaram da Argentina,
onde não eram particularmente bem recebidos, e passaram a organizar as
classes trabalhadoras, o que não constituía tarefa muito difícil, visto que
estas, sempre excitáveis, estão sempre sujeitas a enxamear”.25 A mudança
da ênfase governamental não é redutível apenas à óbvia tentativa de deixar
para segundo plano fatores tendentes a comprometer o estado e legitimar o
movimento. A visão conspirativa decorria também da “certeza” de que as
camadas populares eram incapazes de chegar espontaneamente a tal grau de
mobilização e agressividade.
A prática estatal revela a alteração da perspectiva. A princípio, as
autoridades intervêm com certa cautela, procurando impedir o alastramento
da greve e aparecer junto aos operários como mediadoras desinteressadas
do conflito.26 Quando o movimento se estende, a expressão dos interesses
gerais da classe dominante se encarna tanto nos esforços para quebrar a
intransigência cega de alguns industriais como na repressão aberta.
Do ângulo dos industriais, o episódio de julho de 1917 permite constatar
diferenças na forma de gerir as relações de trabalho. Dissociáveis para fins
analíticos, embora combinadas por vezes em um mesmo empresário,
aparecem as técnicas da coerção aberta, de certo behaviorismo e sobretudo
do paternalismo. Dentro de limites relativos, em um extremo, Crespi; no
outro, Jorge Street. Figura até certo ponto mitificada de moderno capitão da
indústria avant la lettre, Street fugiu ideologicamente ao estilo vigente em
seu tempo. Nos anos agitados de 1918-9, chegou a defender a autonomia
sindical, tornando-se, porém, um incentivador da formação de sindicatos
católicos, sob inspiração patronal, quando o sindicalismo têxtil passou no
Rio de Janeiro para a liderança anarquista. Terminou sua carreira sob a
atração de outro modelo, como alto funcionário do Ministério do Trabalho.
Como dirigente de empresa, manteve-se em regra fiel às condições
objetivas de exploração da força de trabalho e foi o mais ilustre
representante da conduta paternalista.27 Por exemplo, em setembro de 1917,
opôs-se abertamente a uma lei municipal que estabelecia restrições ao
trabalho de menores. No contexto da greve geral, considerou o movimento
justo, concedendo os 20% de aumento na empresa sob sua direção. A greve
aí se verificou, por razões de solidariedade. O relato do episódio por Street
é marcado pela visão paternalista dos subordinados, pelo apelo à lealdade
de empresa acima das diferenças de classe:
Eu já havia concedido o aumento de 20% nos salários e a fábrica trabalhava em plena força e na
maior ordem, quando fui procurado por uma comissão de operários grevistas que me pediu em
termos perfeitamente comedidos que concedesse folga ao nosso pessoal para que ele pudesse dar
uma prova de solidariedade aos companheiros que ainda não tinham obtido o que desejavam.
Reuni, então, no pátio da fábrica, a totalidade dos nossos operários — homens, mulheres e
crianças, mais de 2800 e, comunicando-lhes o pedido recebido, disse-lhes conceder a folga
solicitada pelos seus companheiros […]. Disse-lhes haver muita justiça na sua causa e ser a greve
um direito reconhecido por todos nós; pedi-lhes no entanto que não confundissem greve pacífica
com revolta tumultuária […]. Afirmei ter a certeza de que nenhum dos nossos homens seria
colhido nessas lamentáveis desordens, guardando todos a honra de nossa fábrica que era também
a honra de todos eles. Eu estava só, no meio deles com o meu ilustre gerente; nenhum
constrangimento havia pois. Eles me compreenderam perfeitamente: numerosos “muito bem”,
“tem razão patrão”, “é isso mesmo” e uma estrondosa salva de palmas, partida de todos eles,
trouxeram-me a certeza de ter dado a justa nota.28

Admitamos certa distorção no relato. Ainda assim, como não pensar que
o paternalismo produzia bons frutos, como técnica de dominação, mesmo
entre a massa tocada pela ideologia anarquista?
A ampliação dos limites da análise para além das classes polares do
conflito industrial nos leva ao terreno movediço da opinião pública e da
classe média. Uma classe média que, em seus segmentos mais altos, chega a
se confundir socialmente com a grande burguesia agroexportadora, força
hegemônica cuja atração só encontra barreiras entre as camadas populares.
Uma classe média subdividida horizontalmente e verticalmente, abrangendo
e separando imigrantes em processo de ascensão, profissionais liberais de
estirpe tradicional, empregados de comércio e dos bancos, de situação
social e cultural tão diversa. Uma classe média sem expressão organizatória
independente, sem partidos e sem entidades realmente representativas.
Ainda assim, há um núcleo sólido no terreno movediço: os jornalistas.
Com a bênção do estado, eles descem do universo da ideologia para assumir
uma função conciliadora dos antagonismos sociais. Canal de comunicação
entre os representantes de duas classes que literalmente se recusam a sentar
lado a lado, surgem como a categoria capaz de expressar os interesses
gerais e restabelecer o reino da ordem.29 Por isso, uma breve menção aos
órgãos formadores da opinião pública permitirá especificar um pouco mais
as posições ideológicas em face da greve.
A defesa das razões de estado pelo Correio Paulistano não necessita
maior esforço de compreensão. Mas o que representam e a quem se dirigem
O Estado de S. Paulo, A Gazeta, O Combate, o Fanfulla? Até que ponto a
atitude abertamente simpática aos grevistas desse jornal diário, em língua
italiana, corresponderia aos sentimentos de uma ampla camada imigrante
não restrita aos meios populares? Sem tentar responder a todas as
indagações, fiquemos com o exemplo de O Estado de S. Paulo e de O
Combate. O primeiro é o órgão mais respeitado da imprensa paulista e
parece expressar, em sua tradicional atitude de relativa distância do poder, o
liberalismo de uma “oligarquia ilustrada” e das camadas tradicionais de
classe média. Simpático aos grevistas até o momento em que a paralisação
se estende, passa então a criticar os atos de violência. Entre 10 de julho até
o fim da greve, o jornal condena os excessos, “os indivíduos que procuram
manter no espírito dos operários uma permanente aversão contra as
autoridades”, justifica a repressão.30 Com o término do movimento, os
trabalhadores entram nos limites adequados e os atritos com o PRP, em torno
da chamada questão social, voltam a ganhar destaque. Quando na Câmara
Federal, o deputado Álvaro de Carvalho rotula a greve de conspiração
minoritária, O Estado o ridiculariza, dizendo que ele recorria “ao esquema
oficial de todas as greves: anarquistas perigosos… agitadores estrangeiros...
governo forte… autoridades dispostas a cumprir a lei com energia…
aplausos da parte sã da sociedade”. Lembra que as condições de vida
estavam se tornando cada vez mais insuportáveis para as classes pobres de
São Paulo. Os agitadores, se os houve, jamais poderiam levantar “uma
formidável massa de 40 mil grevistas, dispostos a todos os azares de um
ajuste de contas, dispostos a todos os perigos e riscos da resistência e da
luta”.31 A linha do jornal seria exemplarmente definida no artigo “A greve”,
de 20 de julho:
Somos essencialmente conservadores, zelando como nos cumpre, pelos interesses fundamentais
da sociedade em que vivemos. Entendemos, porém, e este nosso modo de entender é antigo, que
ser conservador não é fechar os olhos ao movimento progressivo do espírito humano e erguer um
dique, por sistema, a toda reforma que se anuncia. Isto não é ser conservador, mas cego e
reacionário. Os conservadores do nosso matiz, quando uma reforma se lhes apresenta, estudam-na
e ou a aceitam ou a combatem. Se a aceitam, incluem-na desde logo em seu programa, sem por
isso deixarem de ser o que são. Se combatem, distinguem. Ou a reforma é das que facilmente se
removem da tela da discussão, ou das que surgem com inequívocos sinais de triunfo inevitável.
No primeiro caso, não deve haver contemporizações. No segundo, a contemporização impõe-se, e
é melhor canalizar a torrente avassaladora de que, à força, impedir-lhe por um momento o curso
natural, para que ela, no momento seguinte, mais impetuosa, zombe de todos os embaraços e
produza estragos irremediáveis. O problema é o maior da atualidade em todo o mundo: a
preocupação capital de todo o mundo civilizado é, nos dias que passam, resolver da melhor
maneira possível a questão social.32

Se O Estado expressa o conservadorismo ilustrado, O Combate surge


como o órgão da democracia radical. No curso da greve, distancia-se do
estilo conspícuo de O Estado, martelando:
O sr. Altino Arantes, o sr. Cardoso de Almeida, o sr. Candido Motta, o sr. Oscar Rodrigues Alves
e o sr. Eloy Chaves fizeram esta descoberta que os deixou estupefatos: por sob a casca dourada,
em que se movem os mimosos da fortuna, há a massa, que sofre e que protesta, que luta pelo pão
e que prefere morrer de bala, a morrer de fome. Enquanto suas excelências gozam o conforto dos
palácios, exibem-se em automóveis oficiais, passeiam por Sorocaba ou pelo Guarujá, desfrutam a
vida — o proletário percebe ganhos mesquinhos e compra feijão, arroz e trigo por preços de
“champagne” e “paté de fois gras”. Toda a gente o sabia, exceto o governo! […]. O sabre reprime
a desordem e é necessário que o faça. Mas o sabre não é a espada de Alexandre e, portanto, não
corta o nó górdio — o conflito de interesses entre o patrão e o açambarcador de um lado, e as
classes trabalhadoras, de outro. Amanhã a agitação terá passado. O operário voltará para a
fábrica. A Terra continuará a girar em torno do Sol. Não seja isso razão, porém, para que as
questões proletárias fiquem olvidadas como problemas secundários…33

A ênfase e o estilo variam, mas há um traço comum em toda a imprensa


não comprometida diretamente com o governo. Simpatia pelas
reivindicações dos grevistas, recusa a enquadrar a greve como conspiração
minoritária, defesa da violência estatal a partir de dado limite: o sabre
reprime a desordem e é necessário que o faça. Em meio às dificuldades
materiais crescentes, não confinadas estritamente às classes populares, em
meio à aversão aos parvenus da industrialização, essa atitude reflete o
universo da “oligarquia ilustrada” e da classe média tradicional. Ante o
primeiro impulso das massas populares, tais setores defenderiam com
oscilações, no curso de 1917-9, uma linha de ampliação da cidadania social,
enquadrada na grande moldura do sistema oligárquico. Mas a resposta
coercitiva do Estado acabaria por triunfar e o movimento operário ficaria
reduzido a um pequeno círculo. Quando em meados dos anos 1920, a
disputa interoligárquica com a inclusão da classe média se acendeu, ela teve
em São Paulo um corte marcadamente elitista. A socialização das camadas
dominadas parecia não só difícil como desnecessária.

O MOVIMENTO “INSURRECIONAL” DE NOVEMBRO DE 1918

Ao contrário do que sucedeu com o movimento de julho de 1917, a greve


de novembro de 1918 seria borrada praticamente da memória social. No
entanto, seus contornos se destacam, em meio às mobilizações do período,
por seu reduzido grau de espontaneidade. Preparada em larga medida pelos
anarquistas, que haviam assumido a direção da UOFT,34 ela deveria servir de
base a uma insurreição revolucionária combinada com a revolta dos
escalões inferiores das Forças Armadas.35 À frente do grupo insurrecional
encontravam-se as figuras mais importantes dos meios libertários: José
Oiticica, Astrojildo Pereira, Manuel Campos, Carlos Dias, Álvaro Palmeira,
José Elias da Silva, João Pimenta, Agripino Nazaré. Segundo o depoimento
do tenente do Exército, Jorge Elias Ajus, que se infiltrara no grupo e iria
denunciá-lo, esses homens acreditavam contar com tecelões e metalúrgicos
dispostos a tudo, armados com grandes quantidades de bombas de dinamite.
Dada a palavra de greve geral, operários desceriam de Botafogo e tomariam
o palácio presidencial do Catete, nele içando uma bandeira vermelha; outros
se reuniriam no campo de São Cristóvão, onde seria fácil o ataque à
Intendência da Guerra, a fim de se apossarem de armas e munições;
operários da Bangu, com o mesmo objetivo, tomariam uma fábrica de
cartuchos no Realengo, enquanto, na Saúde, Manuel Campos conduziria um
ataque ao quartel de polícia. Contava-se sempre obter a adesão dos quadros
inferiores do Exército. Ajus teria convencido os conspiradores a concentrar-
se apenas no campo de São Cristóvão, para onde se deslocaria a massa de
têxteis, cuja greve estava em preparo.
Quando os últimos detalhes da insurreição se completavam, os principais
conspiradores foram presos, na tarde de 18 de novembro, por denúncia de
Ajus. Poucas horas depois, os têxteis iniciaram a greve, mas apenas
algumas centenas de operários se dirigiram ao campo de São Cristóvão. Aí
se produziram alguns choques e a tomada pelos insurgentes de uma
delegacia de polícia, até que a polícia e forças do Exército os expulsaram do
local. No dia seguinte, bombas de poder reduzido explodiram nas torres da
Light, enquanto o movimento dos têxteis, acompanhado pelos metalúrgicos
e parte da construção civil, seguia seu curso.
Parece inútil ressaltar que a insurreição anarquista não tinha nenhuma
viabilidade de êxito. Porém, ela exprime uma oscilação brusca de sua
agulha estratégica, cujo alcance não se mede apenas, como pensava o
delegado Nascimento Silva, pela cópia simiesca de ideais liberatórios
vigentes em países em dissolução. Sem dúvida, a inspiração soviética era
relevante, repercutindo em áreas bem mais moderadas do que os círculos
anarquistas. Pois não dizia o deputado Nicanor Nascimento, no curso da
greve de 1917, como figura de retórica, que só um comitê de operários e
soldados poderia enfrentar o açambarcamento de gêneros praticado por
Matarazzo e outros industriais? Essa inspiração encontrava, porém, raízes
em certas condições vigentes no próprio país, projetadas na tela do
imaginário social em grandes dimensões. As forças de contestação no meio
civil são basicamente populares até a década de 1920, quando elas saem do
proscênio, dando lugar às camadas intermediárias. Um fenômeno simétrico,
concentrado nos anos prévios a 1920, ocorre nas Forças Armadas: 1910,
revolta dos marinheiros contra os castigos corporais; janeiro de 1915,
rebelião de soldados na cidade do Rio Grande, para exigir o pagamento do
soldo em atraso e a extensão de direitos políticos; fins de 1914 ao início de
1916, série de revoltas de sargentos sobretudo por razões de enquadramento
funcional.36 Quaisquer que tenham sido as diferenças entre cada um desses
movimentos e a presença em alguns deles de figuras políticas como
Maurício de Lacerda, um recorte social os separa tanto de um passado
jacobino recente como das futuras explosões tenentistas. Convém lembrar
por último um episódio que viria contribuir para reforçar as ilusórias
expectativas de uma aliança entre operários e inferiores das Forças
Armadas. Em agosto de 1918, por ocasião da violenta greve da Cantareira
em Niterói, a milícia estadual e um batalhão do Exército entraram em
choque, provavelmente incentivados por rivalidades corporativas. Nas
manifestações seguintes, alguns soldados tomaram o lado dos grevistas,
participando de um confronto com a milícia do qual resultou a morte do
soldado Nestor Pereira da Silva e do cabo Antônio Lara. O caixão para o
enterro do primeiro foi comprado por subscrição popular e coroas cobriram
sua cova, com dizeres em que ecoavam concepções caras a Benjamin
Constant e aos velhos positivistas: “Do povo de Niterói ao cidadão-
soldado”; “dos operários da fábrica têxtil São Joaquim aos soldados do 58o
batalhão que caíram defendendo o povo”. Outras coroas foram enviadas em
nome dos colegas militares, dos carpinteiros dos caldeireiros, dos artesãos
do Lloyd, dos empregados da Central do Brasil etc.37
A perspectiva insurrecional encontrou certo eco entre os têxteis, mas a
greve da categoria tinha essencialmente um caráter econômico defensivo.
Tanto assim que as linhas cruzadas do complô e da greve se separaram e o
movimento se prolongou por várias semanas, apesar do fracasso da
conspiração. As razões específicas de queixa dos têxteis se multiplicaram
nos últimos meses de 1918. O acordo firmado entre a UOFT e o Centro
Industrial, em setembro daquele ano, em grande parte não foi cumprido. A
gripe espanhola atingiu o Rio de Janeiro, fazendo milhares de vítimas e
obrigando muitos trabalhadores a faltar ao trabalho por um longo período.38
As perspectivas do fim da guerra mundial — o movimento de novembro
coincidiu com o armistício — provocariam uma recessão na indústria têxtil,
em consequência da perda do mercado externo, à semelhança do que
ocorreria em São Paulo. Em outubro de 1918, a UOFT solicitou que fossem
adotadas algumas medidas bem expressivas da mudança da situação.
Pleiteava-se o pagamento de 50% dos salários aos operários que tinham
sido forçados a faltar ao serviço por causa da gripe, o perdão de um mês de
aluguel das casas que muitas empresas forneciam aos trabalhadores e o
aumento das horas de trabalho. Com o início da recessão, o trabalho se
reduzira em média a 28 horas semanais, representando um corte de 50% nos
salários. A resposta do Centro dos industriais seria brutal: recusa em
atender qualquer reivindicação, acompanhada de um voto de pesar pelos
operários mortos. Ao contra-atacar, a UOFT não deixaria de tocar nesse
ponto, em um texto onde transparecem a revolta e o sentimento de
inferioridade:
quanto ao voto de pesar lavrado em ata da sessão do Centro, pelos operários que sucumbiram em
consequência da epidemia e da miséria, sua aliada, cumpre assinalar que não somos simplórios e
que os mortos referidos não necessitam de mais nada, mas sim os vivos, que precisam de pão e
um pouco mais de humanidade dos seus patrões que até agora usufruíram o suor dos
pequeninos.39

Havia assim razões corporativas para que surgisse uma ação coletiva da
categoria, até certo ponto independente da atividade dos anarquistas. A
greve abrangeu mais de 20 mil trabalhadores, submetidos a uma intensa
repressão, não obstante os esforços desenvolvidos pela imprensa simpática
aos grevistas em separar o movimento do fracassado levante.40 Afora as
centenas de prisões acompanhadas de ameaças de deportação para Fernando
de Noronha, as sedes da UOFT, da União dos Metalúrgicos e da Construção
Civil foram fechadas, sob o fundamento de que seus dirigentes estariam em
conluio com os dinamiteiros anarquistas. Um decreto do governo dissolveu
a União Geral dos Trabalhadores.41
A 24 de novembro, o Centro Industrial lançou um ultimato aos têxteis,
determinando que o trabalho fosse retomado no dia seguinte, e declarando
nulos os acordos anteriormente firmados com a UOFT. Esta respondeu em
manifesto que a volta ao trabalho estava condicionada à garantia de
liberdade de pensamento, das oito horas e salário mínimo, dos seis dias de
trabalho por semana. Ao mesmo tempo, lamentava a atitude apática das
demais categorias, pois o movimento além do ramo têxtil abrangia apenas
metalúrgicos e parte da construção civil.42
O ultimato surtiu escasso efeito, calculando-se entre 10% e 20% o
número de operários de volta ao serviço. Mas, a 29 de novembro, uma
reunião secreta do sindicato votou uma resolução para pôr fim à greve sem
nenhuma exigência, diante das violências, da fome, da impossibilidade de
reunir-se. É difícil esclarecer se essa deliberação foi tomada pelos
dirigentes, sob influência dos anarquistas foragidos, ou pelo grupo de
Pereira de Oliveira. Seja como for, ela seria contestada por uma comissão
de greve e repercutiria negativamente nas bases têxteis. Em muitas
empresas, como na Aliança, Botafogo, deliberou-se prosseguir no
movimento até a soltura e a readmissão de todos os grevistas; o comitê de
operários das fábricas de tecidos da Gávea tomou a mesma resolução,
vinculando a volta ao trabalho à readmissão de 109 têxteis do bairro.43
Diante disso, a própria diretoria recuou, dizendo-se executora da vontade
geral e disposta assim a cumpri-la.
Entretanto, apesar desse último impulso, a greve dava de fato sinais de
esmorecer. A coação exercida por forças militares, na porta das empresas,
nas residências dos operários literalmente arrastados para o serviço,
acabaria por levar o movimento à derrota em meados de dezembro.
7. Assimilação e repressão

OS CÍRCULOS DIRIGENTES E OS INDUSTRIAIS

O ascenso do movimento operário nos anos 1917-20 coloca pela primeira


vez a “questão social” na cena política. Nem os industriais, nem o estado
oligárquico, nem outros grupos da sociedade podem ignorá-la como tinham
feito em larga medida até então. No nível da retórica ou das atitudes,
encontra-se presente a preocupação com um setor marginalizado que tenta
converter-se em força social. Duas grandes linhas se desenham, em meio às
muitas variações: de um lado, tratar o problema operário como pura e
simples subversão da ordem a ser enfrentada com medidas repressivas; de
outro, buscar legitimá-lo, integrando os trabalhadores até certo ponto ao
sistema vigente, através da outorga de um conjunto de direitos.
Comecemos por tentar recuperar os traços essenciais da segunda
tendência, que é a menos conhecida, do discurso para alcançar situações
específicas. Um bom indício do grau de reconhecimento da classe operária
como setor definido da sociedade por parte da classe dominante e mesmo
por outras camadas sociais se encontra na temática da campanha dos
candidatos à presidência da República. Nas eleições não competitivas dos
dez primeiros anos do século XX, em que típicos representantes da
oligarquia paulista e mineira assumiram o governo, a regra foi o silêncio.
Ele veio a ser quebrado durante a primeira disputa eleitoral de maiores
proporções da República em 1910, quando se defrontaram o marechal
Hermes da Fonseca e Rui Barbosa. Como é sabido, a candidatura de Rui foi
apresentada como expressão da luta da inteligência pelas liberdades
públicas, pela cultura, pelas tradições liberais, contra o Brasil inculto,
oligárquico e autoritário. A imagem liberal tinha, entretanto, um corte
elitista, dado sobretudo pela visão da oligarquia paulista, principal
sustentáculo do candidato. Não é assim estranho que Rui revelasse pouco
interesse pela temática operária, apesar dos esforços de alguns de seus
seguidores, com certos laços nos meios populares do Rio de Janeiro. Na
manifestação realizada em outubro de 1909, na capital da República, o
deputado Irineu Machado — antigo funcionário da Central do Brasil com
influência entre os ferroviários — tratou de associar artificialmente a
campanha, concentrada no antimilitarismo, às reivindicações dos
trabalhadores: “os operários odeiam a guerra e detestam os governos
militares… ao tacão da bota preferimos a fundação dos tribunais de
arbitramento que venham resolver no Brasil os conflitos entre patrões e
operários”.1 A pouca repercussão do tema, as vinculações da candidatura
levaram Rui a ignorá-lo. Pelo contrário, em sua plataforma, Hermes fez
uma paternal referência ao problema, na linha condizente com algumas
medidas posteriores de seu governo:
Não nos assoberbam, ainda, felizmente, os grandes abalos produzidos pela luta entre o braço e o
capital. O movimento socialista, que tanto apavora as Nações do Velho Mundo, onde o progresso
industrial e descobertas científicas vão eliminando o concurso do operário e onde a escassez do
solo lhe não fornece campo para o trabalho remunerado, não nos bate às portas e seria planta
exótica a estiolar-se à mingua de elementos vitais. Entretanto, o aumento sempre crescente da
população, especialmente nesta Capital, a deficiente compensação da atividade e a carestia dos
gêneros de primeira necessidade têm criado uma vida de privações e sofrimentos para os
desfavorecidos da fortuna. Daí o problema operário de difícil solução, pela multiplicidade de
faces por que deve ser encarado. Colaboradora do bem geral, a classe dos proletários merece
benévola atenção do poder público, sem preterição dos interesses industriais e do capital que lhes
proporciona trabalho.2

No contexto dos anos 1917-20, essa retórica se converteria em um ritual


obrigatório, com contornos programáticos mais precisos. O presidente
eleito Rodrigues Alves, que em seu mandato anterior não revelara nenhum
pendor por considerar o movimento operário, a não ser pelo prisma da
repressão, defendeu em entrevista a necessidade de aperfeiçoar a legislação
trabalhista e prometeu evitar as excessivas concessões ao proletariado tanto
quanto a intransigência contraproducente.3 Mas foi Rui Barbosa — na
eleição que se seguiu à morte de Rodrigues Alves — quem transformou a
temática de uma moderada reforma social, pela primeira vez, em um dos
tópicos básicos de uma campanha.4 Antes mesmo que a vitória de Epitácio
Pessoa na Convenção Nacional de fevereiro de 1919 o levasse à condição
de outsider, definiu-se por uma revisão constitucional com um duplo
propósito: dotar a União de maior poder e alterar o princípio do laissez-faire
nas relações de trabalho. Os representantes políticos do Rio Grande do Sul,
adversários de qualquer reforma tendente a limitar a autonomia dos estados,
lançaram-se contra a candidatura de Rui, e um deles — o deputado Soares
dos Santos —, depois de defender a não intervenção estatal na área
trabalhista, apelou em favor de um nome que representasse “a indispensável
convergência de vontades republicanas na defesa da Constituição federal,
de modo a impedir que seja vitorioso o surto das doutrinas subversivas no
nosso país”.
O programa de reformas proposto por Rui se encontra bem expresso em
conferência pronunciada no Rio de Janeiro, em março de 1919.5 Nela se
declarava a favor de uma democracia social, opondo-se tanto à exacerbação
dos antagonismos de classe como ao reacionarismo expresso por vários
parlamentares gaúchos. Denunciava as manobras no Congresso para
liquidar as propostas de uma legislação operária, criticava as limitações da
lei de acidentes de trabalho recentemente aprovada e a exclusão dos
trabalhadores rurais de seus benefícios. Propunha que se estabelecesse uma
legislação fabril, prevendo entre outros pontos a jornada de oito horas, a
fixação de um limite para as horas extras, a igualdade salarial
independentemente do sexo no exercício das mesmas funções, a
regulamentação do trabalho do menor e do trabalho noturno, a proteção à
parturiente, a proibição do serviço em domicílio.
A mudança de atitude de Rui entre 1909 e 1919 foi produto de dois
fatores básicos: de um lado, a natureza das forças políticas que apoiavam
sua candidatura; de outro, a presença de um movimento operário cujo
dinamismo era muito superior ao de dez anos passados. Abandonado pelas
máquinas partidárias, contando apenas com algumas dissidências regionais,
buscou atrair o voto dos centros urbanos onde havia algum grau de
consciência política e o processamento das eleições estava menos sujeito ao
clientelismo e à fraude. Sua retórica liberal-reformista, em cujos
ingredientes os trabalhadores figuravam como última barreira contra a nova
escala de valores que o capitalismo estava introduzindo no país, contra as
investidas do capital estrangeiro,6 teve uma significativa ressonância nas
camadas intermediárias da população e talvez nos meios operários, não
obstante a oposição dos anarquistas:7 Rui recebeu quase 30% dos votos no
país, venceu no Distrito Federal, obtendo um terço dos votos no estado de
São Paulo.
Se a inflexão ideológica é bastante perceptível no terreno político, os
traços de uma alteração de comportamento dos industriais, ao influxo da
conjuntura, são tênues e raros. Diferença entre uma esfera representativa
dos “interesses gerais” da sociedade e outra, em que, no contato cotidiano
classe a classe, imperam normas coercitivas como instrumento eficaz de um
padrão de acumulação correspondente à primeira fase do capitalismo
industrial. A combinação dessas normas com medidas protetoras varia de
acordo com a técnica pessoal de cada empresário no relacionamento com
seu rebanho. Mas uma atitude abertamente repressiva se abate sempre sobre
os elementos rebeldes ou sobre o próprio rebanho quando ele tende a fugir a
essa qualificação através de ações coletivas autônomas. Os sindicatos
constituem instrumentos de alteração da ordem nas empresas, onde deve
reinar como ato do príncipe o Regulamento Interno; as greves — coerção
inadmissível — são o fruto da atividade onipresente de agitadores.
À medida que a mobilização dos trabalhadores e os esforços
organizatórios se ampliam nos anos 1917-20, o enfoque conspirativo e o
comportamento repressivo dos grandes industriais tendem a acentuar-se.
Dentre os muitos exemplos, lembro o de Pereira Ignácio, que ganhara fama
como organizador de serviços assistenciais aos empregados, na fábrica
Votorantim. Quando em junho de 1919 surgiu uma greve em suas empresas
de São Paulo e São Bernardo, Pereira Ignácio respondeu com um lockout,
decidindo reabri-las somente após um expurgo de “maus elementos”. De
fato, não foi difícil prender os “malfeitores e desordeiros envolvidos no
motim” porque Pereira Ignácio & Cia. mantinha estreitos laços com o chefe
de polícia, além de contar com agentes infiltrados na União e Trabalho de
São Bernardo, “onde se projetavam horríveis atentados, de caráter
francamente anarquista”. Após insistir no fechamento da associação e na
prisão de seus diretores citados nominalmente, Pereira Ignácio enviou à
polícia uma lista de operários despedidos, marcando com uma cruz “os
elementos mais desordeiros” e com um traço os que manifestavam visíveis
tendências de acompanhar os cabeças de todos os levantes.8
A exceção a esse estilo foi tão rara na grande indústria, a ponto de
resumir-se em linhas gerais a Matarazzo, dentro de limites estreitos, e à
história pessoal de Jorge Street. Em um breve período de dois anos, Street
adotou uma postura bastante inusitada no contexto da burguesia industrial
da época e mesmo de anos posteriores. Encontrava-se na presidência do
Centro Industrial do Brasil9 em fins de 1918 quando começou a estabelecer
contatos com a tendência moderada da UOFT, dispondo-se a reconhecer o
sindicato e a admitir como legítimas as reivindicações corporativas dos
trabalhadores. Em meio à repressão que se seguiu à greve de novembro de
1918, Street reafirmou seu propósito de negociar, tão logo o governo
autorizasse, a reabertura da associação têxtil.10 A consistência de sua
atitude provocou uma ruptura entre os industriais do ramo que, em sua
maioria, abandonaram o Centro Industrial, fundando o Centro Industrial de
Fiação e Tecelagem de Algodão, em fevereiro de 1919. A diferença de linha
se revelou, como vimos, no curso da longa greve de junho de 1919, na qual
a orientação repressiva do CIFTA afinal prevaleceu. Street explicitou seu
pensamento, em meio ao forte debate entre as duas posições, deixando
transparecer que sua atitude em relação ao sindicato resultava das novas
condições vigentes no mundo e das funções de controle que uma associação
corporativa poderia exercer. Em um longo artigo publicado em O País,
reconhecia a inevitabilidade da organização sindical, a partir das condições
geradas pelo capitalismo moderno. Os antagonismos entre os trabalhadores
e o patronato haviam se agravado pela absoluta dependência dos primeiros
com relação ao último, detentor de grande parte, se não da totalidade, dos
meios econômicos. Ao mesmo tempo, a tendência natural do capital
concorria para impor o máximo de trabalho com o mínimo de salário, só
restando ao operário remediar a desigualdade de forças através da
reivindicação. Depois de demonstrar a ineficácia da ação individual, dizia
Street com uma rara franqueza:
A associação, nós bem o sabemos, dá ao operariado coesão e meios de pedir, e de exigir, se
necessário for, resistindo por longo tempo, pois a associação solidariza os operários da mesma
indústria. Assim, nós, patrões, perdemos as vantagens de tratar “só com os nossos operários”,
isolados e fracos, e vamos ser obrigados a tratar com a associação, pelo menos tão forte como
nós. Assim, o contrato individual, com o nosso operário isolado, tem de ser substituído pelo
contrato coletivo com essas associações. É desagradável, eu concordo, mas é inevitável e, afinal,
é justo.

Por certo, havia diferenças entre a evolução do sindicalismo na Europa e


no Brasil. Mas seria conveniente facilitar essa inevitável e talvez rápida
evolução, queimando etapas, pois o Velho Mundo passara pela fase de
resistência e tivera de ceder. O estado deveria estabelecer os direitos e
deveres tanto das associações patronais como das operárias e criar tribunais
de arbitragem. Concomitantemente, o sindicato, a exemplo das trade-unions
inglesas, poderia deixar de ser fator de perturbação da ordem para se
transformar em fonte de apaziguamento, facilitando a solução de problemas
graves, oriundos da evolução econômico-social. De acordo com esse
modelo, Street defendia o reconhecimento da UOFT pelos empresários, como
exemplo de uma entidade a um tempo representativa e moderada, cujas
funções de controle não eram desprezíveis. Assim, no acordo realizado em
setembro de 1918, a UOFT concordara em fazer cessar a ingerência dos
delegados de fábrica que havia se tornado intolerável, e era de fato um
ponto básico sobre o qual não havia transigência possível.11
É fácil observar que, descontada a retórica, Street oscilava entre o
modelo do sindicalismo autônomo e do corporativismo, acabando por ser
atraído pelo último nos anos 1930. De qualquer forma, sua percepção, a
longo alcance, situava-se em plano diverso da consciência repressiva de seu
tempo.

LEGISLAÇÃO TRABALHISTA

A temática da necessidade de fixar as relações de trabalho através de uma


legislação específica ganhou impulso sob a influência direta das
mobilizações operárias, tendo por cenário o Parlamento nacional. Instituída
a ordem republicana como um sistema oligárquico, baseado na lealdade
coronelística e na fraude, as classes populares urbanas foram relegadas à
condição marginal, por variável que tenha sido seu peso no Rio de Janeiro e
em São Paulo. O reflexo dessa institucionalização no âmbito do Congresso
é claro: as referências ao problema operário, os arroubos de Vinhais, se
tornam ecos do passado e o silêncio predomina. A legislação trabalhista
ficou confinada como tema às reivindicações do sindicalismo moderado. Na
esfera oficial, o desinteresse foi raramente rompido por pouquíssimas
medidas e alguns projetos de lei. Assim, um decreto legislativo de 1904
concedeu privilégio para o pagamento de dívidas aos trabalhadores rurais,
benefício posteriormente estendido aos trabalhadores urbanos.12 A
indenização por acidente constituiu o objeto de várias proposituras, desde a
proposta pioneira de Medeiros e Albuquerque em 1904 à apresentada em
1915 pelo senador Adolfo Gordo, sem nenhum resultado prático. Em 1911,
um projeto de lei dos deputados Figueiredo Rocha e Rogério Miranda,
fixando a jornada de oito horas, recebeu a pecha de “anárquico, subversivo
e imoral”. No âmbito regional, o estado de São Paulo introduziu algumas
medidas nos anos 1910, anteriormente a 1917: em 1911, foram incluídos no
Regulamento do Serviço Sanitário do Estado (Decreto n. 2141, de 14 de
novembro de 1911) dispositivos sobre condições de higiene nas fábricas,
proibindo-se também a atividade dos menores de dez anos e o serviço
noturno dos menores de dezoito; no mesmo ano, criou-se o Departamento
Estadual do Trabalho (Decreto n. 2071, de 5 de julho de 1911), encarregado
do estudo, informação e publicação das condições de trabalho no estado.
Sob o aspecto da organização, cabe uma referência ao projeto
apresentado em junho de 1905 pelo deputado baiano Joaquim Inácio Tosta,
facultando a criação de sindicatos profissionais e sociedades cooperativas,
que se converteu em lei pelo Decreto Legislativo n. 1637, de 5 de janeiro de
1907, cuja aplicação foi na prática muito restrita. O texto legal acolhia os
princípios liberais em matéria associativa, autorizando a livre constituição
de sindicatos mediante registro, independentemente de autorização do
governo. Facultava o estabelecimento de “sindicatos centrais” e federações
e outorgava o papel de representante de classe às associações que se
constituíssem com espírito de harmonia entre patrões e operários.13 Apesar
de consagrar a autonomia sindical, a Lei Tosta nada tinha a ver com o
movimento operário autônomo da época. O projeto se inspirava em um
pedido de corporações católicas do Nordeste, a cuja frente se encontrava a
Federação Operária Cristã de Pernambuco, criada pelo industrial têxtil
Carlos Alberto de Menezes.14
Os projetos de legislação trabalhista, a defesa do direito de greve, a
denúncia das leis repressivas e da violação das liberdades públicas ligam-se,
nos anos 1917-20, à pessoa dos deputados Maurício de Lacerda e Nicanor
Nascimento. Lacerda, proveniente de uma família tradicional de Vassouras,
no interior fluminense, foi a figura mais representativa dos raros democratas
radicais de seu tempo. Bacharel em direito, advogado em sua cidade de
origem, tomou uma posição excepcional no restrito círculo de intelectuais
da época, ao apoiar em 1909 a candidatura Hermes,15 do qual se tornou
oficial de gabinete. Ao ingressar na Câmara em 1912, eleito por seu estado,
já rompera com o marechal, pelo recuo deste em relação às “salvações”
realizadas em várias unidades da Federação, sobretudo por jovens oficiais.
Maurício não aderiu a nenhuma organização de esquerda, ao contrário de
seus irmãos Paulo e Fernando, que ingressaram no Partido Comunista na
década de 1920. Manteve-se como um franco-atirador, adversário do
sistema oligárquico e de todos os governos até a Revolução de 1930.
Defendeu, no curso dos anos 1917-20, um sindicalismo autônomo e
combativo, atacando os “pelegos” da área marítima e as associações têxteis
de inspiração patronal. Sem nunca ter chegado a identificar-se com os
anarquistas, colaborou com eles em seu momento de apogeu, em
conferências sindicais, na Voz do Povo, provocando a repulsa do grupo de
ortodoxos representado por homens como Florentino de Carvalho.16
Excluído do Partido Republicano fluminense por sua orientação em matéria
social, não conseguiu retornar à Câmara em 1921, quando foi vítima da
“degola”. Só voltaria ao Congresso, após várias tentativas sem êxito, em
1930, pelo Distrito Federal. Seu estreito entendimento com os tenentes, a
adesão à Aliança Liberal e à Revolução de 1930 são conhecidas, mas há um
ponto de sua carreira posterior a 1930 que deve ser ressaltado. Enquanto
muitos antigos intelectuais socializantes ou mesmo de tendências
libertárias, como Joaquim Pimenta, Evaristo de Moraes, Agripino Nazaré,
se transformaram em funcionários do Ministério do Trabalho ou
colaboraram estreitamente com ele, Maurício de Lacerda rompeu com
Vargas por divergir da implantação de um sindicalismo corporativo e por
repulsa à repressão generalizada.17
Nicanor Nascimento, bacharel em direito como Lacerda, entrou na
Câmara dos Deputados em 1911, preenchendo uma vaga. Eleito pelo
Distrito Federal, definiu-se como representante do voto urbano não
conformista, associado às camadas intermediárias e populares. Seu
radicalismo e sua coerência foram entretanto relativos. Entre 1917-20, ao
lado de Lacerda, destacou-se na defesa dos direitos operários; passou
gradativamente a uma posição de aberto ataque aos anarquistas, levando-o
muitas vezes a atitudes contraditórias. No curso da greve de novembro de
1918, por exemplo, não hesitou em votar a favor de uma moção aprovada
pelo voto unânime da Câmara dos Deputados, condenando os “atos
atentatórios à liberdade pública” praticados pelos libertários e aplaudindo
sem reservas as medidas repressivas tomadas pelo Poder Executivo.18
Aderiu formalmente ao socialismo democrático, após um breve período de
referências elogiosas à Revolução de Outubro. Colaborou na formação de
um malogrado Partido Socialista, ao lado de outros membros do grupo
Clarté que ajudara a constituir. Foi também “degolado” pela Câmara, em
1921, pelas mesmas razões de Lacerda, embora em ambos os casos não
expressamente invocadas. Nicanor Nascimento voltou ao Congresso em
1924, bastante modificado. Ao contrário do antigo colega, preso por dois
anos após o primeiro 5 de julho, combateu frontalmente o tenentismo,
abandonou o tema da legislação social, defendendo o ponto de vista de que
era possível evoluir dentro do sistema vigente, cuja ação beneficiara todas
as classes.
Antes de 1917, Lacerda e Nascimento haviam demonstrado algum
interesse pelos problemas do trabalhador urbano e Nicanor adquirira certa
fama nesse sentido. Em maio de 1917, quem sabe na premonição dos
conflitos que logo iriam surgir, Lacerda solicitou à Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara o preparo de um projeto de Código do
Trabalho. As greves de São Paulo e da capital da República contribuíram
para que ele próprio tomasse a iniciativa, apresentando várias proposituras
de uma legislação social, semelhante em muitos pontos à promulgada pelo
governo Vargas após 1930. Em resumo, suas propostas se referiam às
condições de trabalho, ao salário e à forma de dirimir controvérsias entre
operários e patrões. A jornada normal de trabalho era fixada em oito horas,
com algumas exceções específicas e com um dispositivo geral referente aos
casos de força maior e aos serviços que não pudessem ser interrompidos por
motivo técnico, ou não admitissem a substituição de quem os tivesse
iniciado. Reduzia-se para seis horas o horário de trabalho da mulher, vedada
a atividade noturna. A parturiente teria direito a período de licença, antes e
depois do parto, sendo obrigatório o estabelecimento de creches nas
fábricas onde trabalhassem mais de dez mulheres. Quanto aos menores,
Lacerda propunha a proibição do trabalho até os catorze anos, o limite de
seis horas para a jornada dos operários entre catorze e dezoito anos e a
fixação de um salário do menor nunca inferior a dois terços do salário
mínimo do adulto, a ser também estabelecido. A proibição do trabalho do
menor de catorze anos corria o risco de ser burlada, pois um projeto de
regulamento do contrato de aprendizagem não previa nenhum limite de
idade.
Concomitantemente, Lacerda apresentou um projeto de criação do
Departamento Nacional do Trabalho, que resultaria de uma reorganização
da Diretoria do Serviço de Povoamento do Ministério da Agricultura. O DNT
teria extensos poderes para fiscalizar o cumprimento da legislação e aplicar
multas aos infratores, sendo parte desses poderes atribuída a operários
indicados por um conselho de trabalhadores, sujeitos os nomes à aprovação
do DNT. Esse órgão seria ainda competente para dirimir conflitos de ordem
coletiva entre patrões e operários, independente de provocação das partes,
inclusive nos casos de greve.19 Após longas discussões, o projeto de criação
do DNT converteu-se em lei (Decreto n. 3550, de 16 de outubro de 1918),
que, na realidade, nunca foi cumprida.
Tanto Lacerda como Nascimento defenderam seguidamente, nos anos
1917-20, a existência de um movimento operário autônomo. Em cada
episódio concreto, sustentaram em regra a legitimidade das greves políticas,
diante da inexistência de uma legislação operária, e o direito à
sindicalização dos trabalhadores de todas as correntes. Lacerda, sobretudo,
adotou por vezes o princípio da limitada intervenção do Estado nos
conflitos coletivos, apenas para restaurar em parte a desigualdade das forças
em confronto, através de medidas como a proibição do lockout ou o
fornecimento de alimentos aos grevistas.20 Apesar dessa atitude, não é sem
propósito observar que um quadro ideológico diverso se desenha subjacente
às propostas legislativas do deputado fluminense, marcadas por um forte
conteúdo estatista, dificilmente conciliável com a autonomia sindical: o
Estado surge aí como regulador e instância última de decisão no âmbito do
conflito social, que é encarado não como um elemento inerente ao próprio
organismo societário mas como um fator de anomalia.
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara tratou de restringir o
alcance dos projetos de Lacerda e, em outubro de 1917, apresentou um
substitutivo às várias proposituras de legislação trabalhista, conhecido como
projeto de Código do Trabalho. Esboço de um ordenamento de todos os
aspectos das relações trabalhistas, o Código do Trabalho fixava em oito
horas a jornada diária, autorizando, porém, sua prorrogação “em casos de
força maior, perigo ou acidente, ou quando a atividade não pudesse ser
interrompida sem prejuízo de ordem geral, ou irremediável para o patrão”.
O trabalho dos menores era autorizado a partir dos dez anos, com o limite
de seis horas diárias, e a proibição do serviço noturno, até os quinze anos de
idade. A partir daí, o menor se equiparava ao adulto. Fixava-se o trabalho
das mulheres em oito horas, vedada a atividade noturna. No que diz respeito
aos acidentes de trabalho, o projeto adotava o princípio do risco
profissional, estabelecendo o direito do operário à reparação do dano
sofrido, excetuados os acidentes intencionais e os que fossem causados por
força maior, ou por delito imputável quer à vítima, quer a um estranho.21 O
substitutivo era muito vago em um ponto essencial — o estabelecimento de
sanções para os que não cumprissem a lei — e omisso no tocante à
fiscalização das empresas. A constituição de órgãos de conciliação e
arbitragem para dirimir conflitos coletivos seria apenas facultativa. Esse
último ponto refletia a negativa do “liberalismo primitivo” em reconhecer a
especificidade das relações de trabalho e o propósito de manter o laissez-
faire, inteiramente adequado aos interesses dos industriais.
O projeto de Código do Trabalho ficou encalhado na Câmara Federal até
julho de 1918, quando Nicanor Nascimento resolveu ativá-lo, apesar das
restrições que fazia ao texto. Durante alguns meses, tornou-se um dos
principais temas de debate no Congresso, alvo também da atenção das
organizações operárias e patronais. A UGT, através de seu secretário-geral
Abílio Lobo, enviou um curioso documento à Câmara, onde recordava que
a extinta Federação Operária, nas vésperas da declaração de guerra à
Alemanha, propusera ao governo a colaboração dos trabalhadores na obra
de organizar o país, desde que fossem obedecidos dois princípios: não
envolvimento no conflito mundial e medidas efetivas contra a carestia e de
garantias ao trabalhador. Como o governo seguira outro caminho, acabando
até por fechar a Federação, a UGT não podia emprestar apoio a um projeto
que contava com o apoio dos dirigentes políticos de São Paulo, “protetores
de açambarcadores e principais responsáveis pela repressão”. Considerava,
entretanto, urgente que fosse aprovada uma lei social básica, com os
instrumentos garantidores de sua eficácia.22
Por sua vez, o Centro Industrial do Brasil interveio como grupo de
pressão, junto à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a pretexto
de prestar esclarecimentos. A essa altura (novembro de 1918), a Comissão
já apresentara um novo substitutivo, conhecido como “projeto de lei
operária e de acidentes do trabalho”, que limitava ainda mais o alcance do
projeto de Código. A jornada diária passava a ser fixada em dez horas para
ambos os sexos e para os menores acima de dezesseis anos. Os patrões
poderiam prolongar esse horário, pagando o excesso de tempo na forma do
regulamento da empresa ou mediante ajuste prévio. Desaparecia a
referência aos tribunais de conciliação e arbitragem, enquanto os princípios
da indenização por acidentes eram inteiramente alterados, tornando-a quase
impossível: ela só se daria quando o acidente não se devesse a força maior,
culpa ou dolo da própria vítima ou de estranhos.23
Na discussão da matéria, os deputados se dividiram em torno de algumas
posições básicas. Um reduzido grupo, quase limitado a Nicanor e Maurício,
pretendia a adoção de uma legislação trabalhista que representava um
efetivo progresso nas condições da época, integrando-a em um conjunto de
iniciativas cujo alcance ia além das relações de trabalho. Os dois deputados
defendiam a revisão do imposto de importação para impedir o que
consideravam o protecionismo da indústria nacional, tendente a acelerar a
inflação; a regulamentação da atividade dos monopólios estrangeiros, com
o mesmo objetivo; uma tributação mais equitativa do que a existente, a qual
assegurava enormes lucros a uns poucos e era insuportável para a maioria;
medidas reguladoras da entrada de imigrantes, dado o excesso de oferta que
resultava em desemprego e salários reduzidos.24
No outro extremo, encontravam-se os deputados que, com variável
fundamento ideológico, adotavam uma postura retrógrada, rejeitando a
necessidade de qualquer legislação do trabalho moderadamente inovadora
ou mesmo simples consagradora das relações vigentes. Entre essas duas
posições, ficavam os defensores da adoção de algumas garantias ao
trabalhador e os que apenas queriam ver fixada na lei a prática existente. A
recusa em bloco do problema social não provinha dos representantes de São
Paulo, mas de deputados de outras regiões, em especial do Rio Grande do
Sul. Enquanto vários deputados assumiam essa postura, combinando
paternalismo e “liberalismo primitivo”, os gaúchos inspiravam-se em uma
versão particular do positivismo, em contraste com o Apostolado e as
inclinações da corrente manifestada nos fins do século XIX.25
O mineiro Augusto de Lima tipifica a primeira vertente, colorida pelos
estereótipos tradicionais do homem cordial e da inexistência de uma
sociedade dividida em classes:
Senhores, não temos classes definidas. Onde acaba a classe operária no Brasil e onde começa a
burguesia? Primeiro não temos classe burguesa. O chefe do serviço é o mais graduado dos
operários da fábrica. Parece que os nobres colegas se impressionam muitíssimo com uns tantos
patrões de tamancos e gestos grosseiros. Mas noto que em geral o brasileiro é naturalmente dócil
e cordato; acaba tendo pelo proletário sentimentos paternais, adianta-lhe salários independente de
qualquer estipulação nas enfermidades e alguns chegam a depositar dinheiro nas caixas
econômicas, independente de qualquer determinação contratual. Não há senão continuidade de
uma classe para outra na nossa sociedade. Entre nós, a instituição do capital é um ensaio apenas.
Qual a classe dos capitalistas?26

O bloqueio da legislação social pelos deputados gaúchos tem, porém,


maior interesse, por ela estar vinculada à discussão de um tema central: as
concessões feitas à classe operária através do acolhimento de algumas
reivindicações elementares serviria para atenuar ou acentuar o conflito de
classes? Convém lembrar que a atitude dos representantes do Rio Grande
do Sul, contrária à intervenção do Estado no terreno do relacionamento
entre patrões e empregados, vinha já de anos anteriores. Em 1912,
invocando a liberdade contratual, o deputado e jurista Carlos Maximiliano
dera parecer contrário ao projeto que instituía a jornada de oito horas. No
contexto de 1918, as atitudes esporádicas converteram-se em uma cerrada
posição de princípio, com base em certo tipo de leitura do comtismo: as
restrições artificiosas à liberdade individual deveriam ser condenadas e a
incorporação dos operários à sociedade seria feita através do sistema
educativo, instrumento também eficaz no combate à exploração patronal.
Borges de Medeiros, na presidência do Rio Grande do Sul, atacou o projeto
de Código de Trabalho, qualificando-o de “aberração legislativa
anticonstitucional”.
A discussão em torno da eficácia da legislação para conter a luta de
classes foi travada entre deputados gaúchos e o paulista Manoel Villaboim,
futuro líder da bancada de São Paulo, nos anos que antecederam a
Revolução de 1930. Os representantes paulistas admitiam a necessidade de
institucionalizar as relações entre capital e trabalho, embora não houvesse
um consenso quanto ao alcance das medidas. Prudente de Moraes Filho
redigira o chamado “projeto de lei operária”, combatido fortemente por
Villaboim, como simples consagração do statu quo. É bastante provável que
este último se identificasse com o presidente do estado — Altino Arantes
—, o qual vinha recomendando à bancada a aprovação de um código
trabalhista moderadamente inovador.27 Villaboim vinculava sua atitude aos
interesses gerais de resguardar a força de trabalho, de um lado, e conter as
agitações, de outro. Os gaúchos lembravam, no tocante ao último aspecto,
que o movimento operário brasileiro era frágil e não constituía uma ameaça,
sendo a legislação também uma arma inútil para combater as reivindicações
sociais:
O sr. Carlos Penafiel — O Brasil, sem lei operária, tem um operariado a respirar melhor do que
nos países que possuem essas leis.
O sr. Manoel Villaboim — Mas temos seguidamente greves.
O sr. Carlos Penafiel — Determinadas pela guerra.
O sr. Villaboim — Não senhor; antes da guerra.
O sr. Penafiel — Quatro ou seis por ano, quando outros países se veem a braços com 500 a
700 em média por ano. Já fiz notar que é na Alemanha, no país justamente onde a larga manu se
legislou sobre o assunto, onde se verificam mais greves.
O sr. Villaboim — É porque as leis na Alemanha são ainda deficientes. Há necessidade de
uma força de equilíbrio e esta só se dá no Estado.28

Penafiel salientava que a adoção de medidas em benefício do trabalhador


urbano poderia sacudir de modo perigoso para a boa ordem social reinante a
classe proletária rural, ignorante e analfabeta. Distinguindo com clareza
entre uma situação objetiva de exploração e a consciência dessa situação,
dizia:
Não é a simples existência de condições opressivas, mas a percepção que delas possam ter os
oprimidos o que poderá constituir o motor íntimo das lutas de classes, agitação que presenciamos
no decurso da história de todos os povos… apesar do projeto n. 284A, de 1917, e do substitutivo
de 1918 se referirem apenas à regulamentação do trabalho industrial, estamos com ele
imprudentemente a encorajar um plano de cruzada agitadora, a nos anteciparmos numa
provocação que fará sentir ao operariado agrícola o substratum de consciência daquele estado de
coisas a que já aludi.29

A disputa arrefeceu quando Nicanor Nascimento, contrário às restrições


contidas na “lei operária”, apresentou um requerimento, aprovado pela
Câmara em novembro de 1918, pretendendo que fosse criada uma
Comissão Especial de Legislação Social para reestudo de todas as leis
propostas. O pedido era infeliz e acabou por servir à maioria retrógrada.
Apenas a lei sobre acidentes do trabalho, em torno da qual havia um
razoável consenso, veio a ser aprovada.30 No mais, a Comissão Especial
realizaria longas e inúteis reuniões, enquanto o movimento operário perdia
o ímpeto: o projeto de Código do Trabalho, nessas condições, não chegou
sequer a ser votado.

MEDIDAS REPRESSIVAS

A violência do Estado como instrumento perpetuador das relações sociais


de dominação na área industrial, ao longo da Primeira República, é um
dado conhecido. Parece inútil reproduzir genericamente as referências aos
atentados contra a liberdade sindical, contra o direito de expressão, que as
raras exceções apenas confirmam.31 A greve era concebida não como um
produto das contradições entre forças sociais, mas como manobra
conspirativa, levada a cabo por indivíduos capazes de manobrar um
agregado destituído de vontade própria.
O Código Penal de 1890 sancionou esse quadro ideológico, ao definir
como crime “seduzir ou aliciar operários para deixarem os estabelecimentos
em que forem empregados, sob promessa de recompensa ou ameaça de
algum mal” (art. 205); e ainda “causar ou provocar cessação de trabalho,
para impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou
salário” (art. 206).32 A violência, assentada em uma relação de forças
bastante desigual e uma legislação repressiva esparsa, continha as
intermitentes mobilizações operárias. Sob o último aspecto, afora os
dispositivos do Código Penal, as iniciativas se voltaram de preferência para
os trabalhadores estrangeiros sobre os quais pairava a ameaça das leis de
expulsão. Como resposta aos surtos grevistas de 1905-6, surgiu a lei
prevendo a medida para os que atentassem contra a tranquilidade pública ou
a segurança nacional. O texto excluía de seu âmbito o estrangeiro residente
no Brasil por dois anos contínuos, ou por menos tempo se fosse casado com
brasileira ou viúvo com filho brasileiro. O procedimento impedia qualquer
defesa: os governos estaduais enviavam um pedido ao governo federal,
acompanhado de um relatório policial que se baseava no depoimento de
testemunhas para provar as atividades nocivas do acusado e, por vezes, até
mesmo sua nacionalidade e tempo de permanência no país.33 Apesar disso,
as restrições legais à expulsão eram bastantes grandes e a bancada de São
Paulo no Congresso lutou desde logo para removê-las. A oportunidade
surgiu em 1912 — ano que correspondeu a novas mobilizações operárias
—, quando o Parlamento aprovou o projeto do senador paulista Adolfo
Gordo, estabelecendo o direito do Poder Executivo de expulsar o
estrangeiro, sem nenhuma das ressalvas anteriores, e a irrecorribilidade das
decisões (Decreto n. 2741, de 8 de janeiro de 1913). O Supremo Tribunal
Federal decretou a inconstitucionalidade da lei e as decisões judiciárias e
portarias de expulsão voltaram a se referir ao texto de 1907. Entretanto,
seria ilusório pensar que essa lei relativamente benigna prevaleceu. Não só
havia uma considerável distância entre o país real e o país legal, como ainda
a própria Corte Suprema se encarregaria de dar à lei uma casuística
interpretação, de acordo com as circunstâncias: assim, um julgado de
outubro de 1917, em torno do rumoroso caso dos trabalhadores expulsos
após a greve de julho, assentou que os anarquistas não podiam ser
considerados residentes, pois constituíam um elemento flutuante, que
vagava pelo país para propagar seus ideais e seus métodos.34
As medidas repressivas tendem a multiplicar-se a partir de 1917. Apesar
da continuidade de métodos, duas fases são discerníveis na conjuntura.
Entre 1917 e meados de 1919, o Estado aumenta o grau de repressão,
recorre a atos arbitrários, mas atua em resposta aos movimentos grevistas;
de meados de 1919 em diante, o aparelho estatal toma a iniciativa e adota
medidas sistemáticas para liquidar a vaga reivindicatória. Essa prática se
antecipa a uma nova legislação e acaba sendo referendada por duas leis
aprovadas em 1921.
Na primeira fase, a maior intensidade repressiva vincula-se à greve de
julho de 1917, em São Paulo, e às greves de julho daquele ano e novembro
de 1918, na Capital Federal. Uma atitude até certo ponto distinta se desenha
nas duas mobilizações de 1917. Enquanto no Rio de Janeiro as medidas são
tomadas de imediato (fechamento da Federação Operária, do Centro
Cosmopolita, proibição de manifestações de rua após alguns choques), em
São Paulo a repressão é mais lenta, porém mais sistemática, prenunciando
sob o último aspecto a fase posterior. Sem dúvida, há uma extensa
intervenção do aparelho policial durante a greve, mas apesar das várias
restrições não existe uma ofensiva concentrada contra os anarquistas e os
nomes mais em evidência no movimento operário. Esta só ocorre na
primeira semana de setembro, tomando como pretexto o relatório de um
agente da polícia, onde se denunciava a articulação de uma greve geral em
todo o Brasil, na qual estaria envolvido Maurício de Lacerda, encarregado
de levantar parte da polícia e do Exército no Rio de Janeiro para depor o
governo paulista.35 O sindicato dos ferroviários da SPR é invadido, a
tipografia de A Plebe assaltada e Leuenroth preso, sob a acusação de ser o
autor intelectual do assalto ao Moinho Santista. Ao mesmo tempo, recorre-
se ao expediente da deportação de cerca de doze pessoas, sem atendimento
aos requisitos legais.36 Elas realizam uma viagem fantástica, semelhante —
na imagem de Paulo Sérgio Pinheiro — às dos navios errantes da Idade
Média, onde eram encerrados doentes e loucos. Esses “exemplares
contemporâneos da patologia social” são embarcados em Santos, no navio
Curvello, em setembro de 1917. Quando o navio passa pelo porto do Rio de
Janeiro, as autoridades impedem o contato dos presos com os advogados
Evaristo de Moraes e Roberto Feijó. Evaristo não conseguira obter o
julgamento de um habeas corpus impetrado no STF porque o relator do
processo atendera a um pedido do chefe de polícia do Rio de Janeiro
(Aurelino Leal), solicitando fosse aliado o julgamento até que os deportados
estivessem de novo em viagem.37 No Recife, Florentino de Carvalho, José
Nalipinsky e Francisco Aroca conseguem fugir, mas acabam por ser
reembarcados em outro navio errante — o Avaré. As duas embarcações
atravessam as Antilhas, passam por Nova York e partem de regresso ao
Brasil, após meses de viagem. Nesse ínterim (novembro de 1917), o STF
declara ilegais as deportações pelo voto de Minerva e os presos começam a
ser soltos gradativamente. Mas, em março de 1918, alguns deles continuam
detidos no Rio de Janeiro.
A segunda fase repressiva liga-se aos reflexos da conjuntura
internacional nos círculos governantes e ao ímpeto que toma o movimento
operário. Vem acompanhada de uma maciça ofensiva ideológica contra o
anarquismo, associando-se a uma xenofobia manifesta. Essa ofensiva, cuja
temática central consiste em apresentar a luta de classes como um
fenômeno importado, sem raízes objetivas na sociedade brasileira, produto
da ação de um punhado de agitadores estrangeiros, encontra uma base
social de apoio nas camadas médias urbanas da época.
A piedosa simpatia pelos “deserdados da fortuna”, pelos “humildes”, por
aqueles que os maus fados haviam irremediavelmente fixado no fundo dos
estratos da sociedade começa a converter-se em inquietude quando a
desarticulada massa ameaça ultrapassar os limites e transformar-se em
classe social. Um indício claro da mudança é a atitude tomada pelos
estudantes de direito de São Paulo, por ocasião da greve de transportes de
outubro de 1919, dispondo-se a substituir os trabalhadores em greve, em
meio a um clima de radicalização do comportamento dos anarquistas e
crescentes medidas repressivas. Recorrendo a uma inábil violência verbal, A
Plebe conclama os estudantes — com ressalva dos de medicina — a tomar
o lugar das prostitutas, na eventualidade de uma greve da “categoria”. Isso
fornece o pretexto para um assalto ao jornal, realizado por milicianos à
paisana e elementos estudantis.38
Concomitantemente, a identificação do movimento operário como fruto
da ingerência de uma ideologia exótica tinha condições de entroncar-se com
o reforço dos laços de comunhão nacional, enfatizado por organizações
nacionalistas do tipo da Liga de Defesa Nacional, Ação Social Nacionalista,
que proliferam nos anos 1910. Apesar das diferenças entre muitos de seus
membros e a oligarquia governante, essas associações silenciaram acerca
das medidas repressivas contra as mobilizações operárias ou as apoiaram
abertamente.39
Os anarquistas tentaram desfechar uma contraofensiva ideológica,
procurando demonstrar que a campanha contra os estrangeiros encerrava
um conteúdo de classe: estrangeiros — proprietários de jornais do Rio de
Janeiro — dirigiam a campanha; estudantes “nacionalistas” saíam em
defesa da Light; honrados trabalhadores eram expulsos, enquanto os
verdadeiros indesejáveis, homens como o abade Kruse, Matarazzo, Gamba,
Crespi, Francisco Schmidt gozavam de todas as regalias.40 O traço mais
significativo desses textos defensivos consiste no amálgama dos princípios
libertários com alguns dos estereótipos difundidos pela classe dominante.
Sintoma da pressão a que os anarquistas estavam submetidos, mas também
da força de um quadro mental ao qual não eram imunes, como transparece
em um documento de setembro de 1919, publicado sob o título “Os
anarquistas brasileiros ao povo”. Aí, a defesa da dignidade dos
trabalhadores, a reafirmação do internacionalismo revolucionário estão
entremeadas com uma inusitada referência aos interesses nacionais, onde
perpassam também as notas do ufanismo corrente: as potencialidades da
flora brasileira, de suas cachoeiras tornam viável a construção de um Brasil
novo, livre do capitalismo cosmopolita, de algumas dezenas de sindicatos
industriais e financeiros em sua maioria estrangeiros, de algumas dúzias de
fazendeiros e latifundiários que exploram o país.41 Com propósitos
moderadores, o escritor libertário Afonso Schmidt dirigia-se à Liga
Nacionalista e aos estudantes para que reconhecessem a existência da
questão social no país e viessem participar de seu debate. Contraponto de
figuras como o deputado Carlos Penafiel no outro extremo do espectro
político, Schmidt culpava os intelectuais brasileiros por abandonarem o
proletariado à influência de outros meios onde a guerra social é uma
questão de vida ou morte, fazendo com que ele, às vezes, como medida de
defesa, utilize processos que a índole brasileira não aceita e nossa história
não justifica. Ao mesmo tempo, só a implantação da comuna libertária,
onde os pequenos interesses desmoronam juntamente com a propriedade
privada, poderia tirar sua geração do marasmo, dando-lhe a elevada
espiritualidade com que sonhou Bilac.42
No plano das medidas práticas, a ofensiva contra os anarquistas se
delineou no Rio de Janeiro, a partir de setembro de 1919, com a apreensão
de jornais, a invasão das principais sedes de sindicatos (construção civil,
têxteis, metalúrgicos, sapateiros) e de muitas residências operárias. Após os
choques de rua que se seguiram a essas medidas, o chefe de polícia
Geminiano da Franca foi chamado ao Ministério da Justiça para discutir a
forma de livrar dos agitadores a Capital Federal e seu povo. Enquanto a
repressão crescia, procurava-se acelerar o andamento dos projetos de lei em
curso no Congresso e esboçavam-se algumas iniciativas continentais de
conjunto. As autoridades policiais brasileiras, em contato com a polícia da
Argentina, Uruguai e Paraguai, propunham o estabelecimento de um pacto
pelo qual as “pessoas indesejáveis” recusadas em um dos países signatários
não poderiam ser acolhidas nos demais. Consideravam-se indesejáveis os
perturbadores da ordem pública que pregassem a eliminação de autoridades
ou de qualquer indivíduo, a extinção da propriedade e especialmente
aqueles que tomam os nomes de maximalistas, anarquistas etc.43
Nos meios operários, embora a situação fosse relativamente calma em
São Paulo, havia a clara consciência do alcance da ofensiva governamental.
A Plebe aludia aos acontecimentos do Rio de Janeiro, de Pernambuco, do
Rio Grande do Sul, salientando tratar-se de uma ação repressiva de
envergadura e não de uma onda passageira. Um manifesto da Federação dos
Trabalhadores do Rio de Janeiro dizia que “os atos de vandalismo, as
ameaças de expulsão, são o prelúdio de uma reação fortíssima, para
aniquilar a força das classes produtoras organizadas”.44 De fato, a ofensiva
alcançaria São Paulo em meados de outubro, no contexto da greve dos
servidores públicos, de um complô anarquista, alimentando-se ainda da
explosão de uma bomba que um grupo vinha preparando em uma casa do
Brás.
A seletiva expulsão de militantes operários cresceu nos anos 1919-20.45
Partiriam para sempre do país: Gigi Damiani; Alexandre Zanella; Silvio
Antonelli; Antonio Fernandes, secretário da Federação dos Trabalhadores
do Rio de Janeiro cuja deportação provocou uma greve parcial de
solidariedade; Alberto de Castro, antigo secretário da União Geral de
Ferroviários de São Paulo; Joaquim de Moraes, ex-secretário da UOFT
carioca etc.46 A sorte dos exilados variou de acordo com os países de que
eram provenientes. Os italianos regressaram à Itália sem maiores
problemas, mas nem todos os portugueses e espanhóis tiveram a mesma
sorte. Alberto de Castro foi enviado preso para Cabo Verde, junto com mais
catorze dentre seus companheiros; Manoel Perdigão, antes de regressar ao
Brasil, ao ser reconhecida sua cidadania brasileira, ficou vários meses
detido em Vigo, onde se organizou uma greve por sua soltura; José Romero
passou também um período de prisão na Espanha, voltando mais tarde ao
país. Ao contrário do que sucedera em 1917, dessa vez os casos de regresso
ao Brasil seriam raros. O mais célebre foi sem dúvida o de Everardo Dias
— preso e espancado em São Paulo antes de ser expulso —, cujo ato de
expulsão acabou sendo revogado, após uma intensa campanha na imprensa
e no Congresso.47 Com relação aos trabalhadores nacionais, utilizou-se
frequentemente o expediente da prisão não comunicada às autoridades
judiciárias e a soltura dos presos, tempos depois, sem recursos, fora de seu
estado. Dentre os casos famosos de “desaparecimento”, encontram-se o de
João da Costa Pimenta, detido em São Paulo, em outubro de 1917, e solto
no Rio Grande do Sul; o de Antônio Silva, líder da construção civil no Rio
de Janeiro, preso em outubro de 1920 e libertado em Mato Grosso, após a
greve da categoria.48
Por vezes, a onda repressiva alcançou a massa de trabalhadores, como
ocorreu durante a greve da Leopoldina, quando segundo a imprensa
libertária se efetuaram mais de mil prisões.49 A regra, porém, foi a
seletividade, atingindo-se os organizadores e o núcleo de ativistas, onde se
destacava o grupo vulnerável de anarquistas. Contra eles e os militantes
estrangeiros em geral, iriam se voltar as atenções do Congresso, no campo
legislativo. Um projeto modificando a lei sobre a entrada de estrangeiros no
país fora apresentado por Afrânio de Melo Franco em 1917, sendo
submetido a críticas, especialmente de Maurício de Lacerda, na parte em
que proibia a entrada de pessoas deformadas e de anarquistas. Lacerda
conseguiu prolongar a discussão da propositura por vários anos e excluir a
proibição do ingresso de anarquistas. Previu-se, porém, a expulsão do
estrangeiro cuja conduta fosse considerada nociva à ordem pública ou à
segurança nacional, ressalvando-se a hipótese de residência ininterrupta no
país por mais de cinco anos. Cabia, entretanto, ao estrangeiro provar sua
permanência em lugar certo do território nacional durante aquele prazo;
haver feito por termo, perante a autoridade policial ou municipal dos
lugares onde residira, a declaração da intenção de permanecer no país; ter
exercido profissão lícita.50 Por sua vez, foi aprovado um projeto do senador
Adolfo Gordo, regulando a repressão do anarquismo. Considerava-se crime
a colocação ou explosão de bombas de dinamite ou semelhantes nas vias
públicas e nos edifícios; a provocação por escrito ou verbalmente da prática
de crimes como dano, depredação, incêndio, homicídio, com o fim de
subverter a ordem social; fazer a apologia dos delitos praticados contra a
organização da sociedade.51 No mesmo ano de sua entrada em vigor, após
servir de base à interdição de vários sindicatos, a lei teve uma inesperada
aplicação quando o presidente Epitácio Pessoa mandou fechar o Clube
Militar, com fundamento em um de seus dispositivos prevendo o
fechamento, por tempo determinado, de associações que incorressem em
atos nocivos ao bem público.
Postas em confronto as medidas tendentes a assimilar a classe operária e
as tendentes a excluí-la do sistema vigente pela via da repressão, salta aos
olhos que as últimas preponderam largamente. No campo da sociedade
civil, a atitude excepcional de um Jorge Street não se consolida e os grandes
industriais reforçam a técnica dos estreitos contatos com o aparelho
repressivo, da organização das listas negras de indesejáveis, cuja
personificação mais expressiva se encontra em Pupo Nogueira, secretário
do CIFTSP, nos anos 1920.52 No âmbito do Estado, enquanto as tentativas de
aprovar uma legislação social desembocam em um quase total fracasso, as
ações repressivas e leis da mesma natureza são a tônica dominante.
As razões desse comportamento no que diz respeito aos militantes
anarquistas e aos organizadores de um movimento operário autônomo são
claras. Mas por que não se tentou integrar efetivamente a grande massa à
sociedade, pela via do atendimento de reivindicações corporativas? A
resposta se encontra na fraqueza do próprio movimento operário, de um
lado, e na natureza do sistema de dominação, de outro. Vale a pena ressaltar,
sob esse aspecto, as diferenças do caso argentino e do brasileiro. O peso
social da classe operária, no primeiro caso, levou o Poder Executivo,
controlado pelos conservadores, a apresentar em 1904 um projeto de
Código do Trabalho (projeto González) que reconhecia uma série de
direitos sociais e ao mesmo tempo estabelecia normas repressivas contra a
atividade do sindicalismo autônomo. A propositura, que teve em parte o
apoio do Partido Socialista e sofreu fortes críticas da União Industrial
Argentina, acabou sendo rejeitada na Câmara pelos deputados
conservadores. Ao longo dos anos algumas leis foram sendo aprovadas,
sobretudo em âmbito regional, até que a questão voltou ao primeiro plano
no contexto dos anos agitados do fim da década de 1910. Como se sabe, por
essa época o sistema político se alterara, a partir da reforma eleitoral Saenz
Pena (1912) e os radicais haviam subido ao poder com Hipólito Yrigoyen.
Novamente o Poder Executivo buscou aprovar um Código do Trabalho,
chocando-se com a rejeição da Câmara, mas de qualquer forma uma
legislação social esparsa, de alcance maior do que a brasileira, veio a ser
aprovada naqueles anos e no curso da década de 1920.53
As diferenças entre um e outro caso são de grau e não de natureza. Em
ambos, as restrições à concessão de uma cidadania social surgem como
relevantes. Nem por isso entretanto as diferenças deixam de ser
significativas. A maior permeabilidade dos círculos governantes argentinos
vincula-se à presença do movimento operário, que, após o triunfo do
radicalismo, se combina com a nova configuração da aliança de classes. Os
setores médios urbanos, as frações agrárias de oposição incorporadas ao
poder pela via do Partido Radical necessitam pelo menos da simpatia do
proletariado das cidades. Essas condições estão ausentes do Brasil. Não só o
movimento operário é mais frágil como o sistema de dominação prescinde
dos trabalhadores, na medida em que a sólida oligarquia se assenta em um
pacto de alianças regionais de cúpula, cimentado pelo controle de uma
clientela principalmente de base rural. A socialização das camadas
dominadas urbanas, onde predominam elementos estrangeiros, torna-se
assim difícil e parece desnecessária: os esforços mais consequentes pelo
reconhecimento dos direitos operários não partem do Poder Executivo, mas
de um reduzido grupo liberal socializante, encarnado em Nicanor
Nascimento e Maurício de Lacerda. Afinal, se a tese da simples outorga da
legislação trabalhista nos anos 1930 carece de base histórica, sua
implementação gradual se deve mais à crise de hegemonia aberta naqueles
anos do que à retomada — embora não desprezível — das mobilizações
operárias.
Epílogo

Os limites estruturais impostos ao movimento operário no período que


consideramos são bastante evidentes. Em sua fraqueza, em sua
intermitência, estampam-se a escassa diferenciação social do país, o peso
muito secundário do proletariado na sociedade, as condições do mercado de
trabalho, a natureza das forças que compõem o Estado oligárquico etc.
Tudo isso está presente na luta pela sindicalização, nos movimentos
coletivos cuja história é, de modo geral, a de um esforço circular e de uma
sequência de derrotas. A crítica recente à heteronomia sindical não nos
deve, aliás, conduzir ao anacronismo, ignorando-se o enorme peso que tem
o Estado nas grandes linhas desta história. São claros os efeitos do
comportamento repressivo — cujo alcance não se mede apenas em termos
quantitativos — diante de um débil movimento operário de quadros
escassos. Ao mesmo tempo, o desinteresse do Estado oligárquico em
realizar um esforço integrador pesa também brutalmente na extrema
dificuldade de obter o reconhecimento de direitos. A história do movimento
operário nos anos 1890-1920 é uma sucessão de derrotas não tanto pela
ocorrência de uma sistemática negação a quaisquer concessões à cidadania
social, mas pelo fato de que tais concessões, conquistadas através dos
movimentos coletivos, não encontram um campo normativo de
institucionalidade. Arrancadas no combate direto classe a classe, deixam de
ser reconhecidas por qualquer outra instância da sociedade e seguem o
movediço destino desse combate. Assim se explica em parte a longa
sequência de direitos alcançados com grande esforço, para serem negados
logo em seguida, com um magro produto cumulativo.
Não obstante todos os limites, seria quase desnecessário lembrar que a
contradição de classes nasce imbricada com os primeiros momentos
constitutivos do capitalismo industrial no país, tendo, pois, também, uma
raiz estrutural. Essa contradição alcança seu ponto mais agudo na
conjuntura 1917-20. Período em que a classe operária lança em jogo, com
considerável ímpeto, não a transformação revolucionária da sociedade, mas
um momento relevante de seu destino, corporificado na luta pelo
reconhecimento da cidadania social. Implicitamente, embora não presente
na consciência de uma vanguarda pouco receptiva às questões nacionais, o
conflito transcende os marcos de classe e aponta para o problema da
implantação de uma ordem democrática, diversa do modelo liberal-elitista.
A utilização do conceito de conjuntura para definir o momento histórico
situado cronologicamente entre 1917-20 corresponde a três constatações
básicas: 1o o fato de que se trata de um “ponto nodal das contradições
estruturais”, no qual as relações de classe, valores e expectativas sociais
sofrem uma alteração de grau; 2o a impossibilidade de apreender o sentido
em que o ponto nodal é desatado, a partir de uma simples transcrição da
leitura de elementos estruturais; 3o o peso que o desfecho da conjuntura —
seu desate — tem nos parâmetros definidores das relações de classe, nos
períodos posteriores.
Com maior força de qualquer outra conjuntura histórica mais recente,
condições estruturais dimensionam o leque de possibilidades aberto nos
anos 1917-20. O procedimento empírico de tentar recuperá-las uma a uma
no nível da conjuntura não faz sentido, embora certos elementos — o
caráter repressivo do Estado, por exemplo — aí apareçam como fator
desorganizador de primeiro plano. Outros condicionamentos, porém, são
constitutivos de toda a formação social e integram um grande sistema que
incide nessa qualidade sobre a conjuntura. Ainda assim, ao desfecho desta
não são indiferentes as questões da dinâmica interna do movimento
operário, dizendo respeito a sua orientação e organização. Ganha relevo em
tal contexto o papel desempenhado pelo anarquismo. A negativa em
reconhecer a instância política como um nível específico da estrutura social
conduz os anarquistas a ignorar a questão do Estado e da combinação de
duas formas de luta — a econômica e a política. A natureza da formação
econômico-social do país não chega a constituir para eles um problema,
tudo se reduzindo, em última análise, ao grupo de exploradores que tem no
Estado um mero instrumento do exercício da autoridade, e ao grupo dos
explorados cuja resistência deve tomar a forma do que Julio Godio chamou
de “universalismo anticapitalista abstrato”. Assim se reconhece um campo
único de luta — o das relações de produção — a partir do qual se lança o
combate frontal contra os patrões e o Estado.
Essas concepções gerais tiveram consequências bastante importantes, no
sentido de potenciar alguns dos principais entraves à organização das
camadas dominadas. O bloqueio ideológico que conduzia ao não
reconhecimento de uma questão nacional, combinada com a questão da luta
anticapitalista, teve claros reflexos na definição das relações e alianças de
classe. A ausência de uma estratégia fundada também no problema agrário,
no enfrentamento do polo de dominação externa, cortou as já difíceis
condições de enlace com as massas rurais e com parte das camadas médias
urbanas, acentuando o isolamento de um proletariado de origem estrangeira.
Por sua vez, a recusa da política — essa arte própria dos exploradores —
acabou vindo ao encontro dos interesses da oligarquia, disposta a assimilar
o imigrante como força de trabalho, mas não a admitir seu ingresso no reino
fechado das decisões. A incompreensão da natureza do Estado no interior
de uma formação social adaptou-se por sua vez, através de caminhos
opostos, aos objetivos da nascente burguesia industrial e do Estado
oligárquico. O conflito de classes tendeu a reduzir-se ao nível econômico,
ao enfrentamento classe a classe, preservando-se a “pureza repressiva” do
Estado gendarme. Negar-se a exercer pressão sobre ele, nos longos
combates pela cidadania social, negar-se a forçar a adoção normativa de
conquistas significava condenar embates e conquistas, mais cedo ou mais
tarde, a um doloroso fracasso.
Do ponto de vista organizatório, a óbvia consequência da recusa da
instância política consistiu em não formular o problema do partido como
núcleo agregador de interesses. No plano sindical, as concepções
espontaneístas tiveram efeito particularmente desorganizador, nas condições
de um país que oferecia enormes dificuldades a qualquer tipo de
organização.
A orientação da vanguarda anarquista teve assim um peso que não pode
ser ignorado ao longo da história do movimento operário do período e na
conjuntura de 1917-20. Aí se atualizam as debilidades de uma teoria, às
quais se poderiam acrescentar as oscilações entre uma estratégia
insurrecional utópica e a mera identificação com as lutas espontâneas, os
erros táticos dos quais o mais flagrante — nascido de uma dificuldade de
avaliar as relações de força — foi o de tentar organizar greves gerais contra
a repressão, em um momento já de refluxo.
Convém acentuar, porém, ainda uma vez, que não se trata de
autonomizar o significado das orientações, mas simplesmente de introduzi-
las no campo das proposições estruturais ou psicossociais e começar a
medir seu alcance possível, seus efeitos. Parece quase inútil ressaltar que
não era uma tarefa simples atrair massas rurais desarticuladas, camadas
médias em busca de uma cooptação para cima e não de uma aliança para
baixo ou exercer pressão sobre um Estado cuja base de sustentação
prescindia inteiramente do proletariado urbano. Nem constituía também
uma possibilidade ao rápido alcance da mão o problema da formação de um
partido ou de um movimento sindical autônomo representativo. Mas o rumo
que cada uma dessas questões tomou ao longo do processo histórico —
heteronomia sindical, fragilidade partidária, hegemonia da classe média,
cidadania social outorgada — dependeu também da arte política das opções,
no interior do “possível”, em que os anos 1917-20 representam um primeiro
elo perdido.
Pois é bem de um elo perdido que se trata, com profundas implicações
nas relações de forças sociais no curso da década de 1920. O movimento
operário entra em uma longa depressão, impossível de ser medida apenas
quantitativamente pelo decréscimo do número de greves ou de sua
amplitude. A contestação das camadas dominadas reflui a um nível
secundário, suas organizações tomam de novo o destino das pequenas
seitas, deixando de ser fonte de alarme para os círculos dirigentes. As
contradições da República oligárquica amadurecem a partir de setores mais
conspícuos da sociedade — os quadros médios do Exército, responsáveis
pelo tenentismo e a pequena e média burguesia urbana, em particular.
O corte histórico aberto em torno dos anos 1920-1 não estabelece um
fosso entre duas épocas, pois repõe algumas continuidades em outro nível:
não há ainda nenhuma resposta definitiva às questões cruciais do
movimento operário, do ponto de vista de sua dinâmica interna, nenhuma
alteração fundamental no comportamento do Estado, basicamente
repressivo. Mas as respostas a essas questões submetem-se a um novo
contexto, onde repontam, de um lado, a depressão do movimento operário,
a crise do anarquismo, e, de outro, a presença da contestação militar, cuja
influência alcança a rarefeita liderança operária e o nascente Partido
Comunista. De um ponto de vista mais amplo, o quadro político que se
define na década de 1920 e nos primeiros anos 1930 é pelo menos tão
importante para explicar os destinos do movimento operário — sobretudo
sua autonomia/heteronomia — quanto fatores como a mudança da
composição da classe, resultante do ingresso de grandes levas de migrantes
nacionais e o surgimento de uma nova geração de filhos de estrangeiros.
Na memória social, estampa-se também o alcance de um corte que o
tempo cronológico não poderia medir. Em poucos anos, no decurso dos
anos 1920, as grandes manifestações de rua, o efêmero sindicalismo de
massa dos têxteis, o comício de 1o de maio de 1919, ligado a um contexto
internacional revolucionário, transformam-se em símbolos, logo
mitificados, de um passado distante que se busca sob novas formas
recuperar. Depois, urgências mais prementes acabam por apagar esses
símbolos e sobre a história da “velha classe operária” se estende a sombra
de um longo eclipse.
Notas

INTRODUÇÃO

1. Eric J. Hobsbawm, “Labor History and Ideology”, Journal of Social History, v. 7, n. 4, 1974.
2. E. P. Thompson, The Making of the English Working Class. Londres: Pelican Books, 1970, p.
13.

PRIMEIRA PARTE: A FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA: DETERMINAÇÕES


ESTRUTURAIS

1. Pedro Pinchas Geiger, Evolução da rede urbana brasileira. Rio de Janeiro, 1963; José Ribeiro
de Araújo Filho, Santos, o porto do café. Rio de Janeiro, 1969.
2. Stanley Stein, The Brazilian Cotton Manufacture. Textile Enterprise in an Underdeveloped
Area, 1850-1950. Massachusetts, 1957, p. 21.
3. Até 1889, o Município Neutro detinha 57% do capital industrial brasileiro, com exclusão do
açúcar. Segundo os dados do censo de 1920, 48% do capital declarado pelas indústrias cariocas
naquele ano pertencia a empresas fundadas em 1890. Cf. Wilson Cano, Raízes da concentração
industrial em São Paulo (Campinas: Unicamp, 1975, v. II, p. 245. Tese de doutorado), que mostra
como a médio prazo a decadência cafeeira da região do vale do Paraíba e até certo ponto de Minas
Gerais resultou em uma relativa atrofia do crescimento industrial da capital da República, em
contraste com São Paulo. De fato, o não surgimento de uma economia cafeeira de tipo capitalista
impediu que se constituísse uma das fontes básicas da acumulação industrial; ao mesmo tempo, a
crise da região fluminense redundaria em um encolhimento do mercado de consumo, agravado com a
perda progressiva do mercado paulista.
4. Stanley Stein, op. cit., pp. 22-3; Paul Singer, Desenvolvimento econômico e evolução urbana.
São Paulo, 1968.
5. Louis Couty, Biologie industrielle. Rio de Janeiro, 1883.
6. Ver Emília Viotti da Costa, Da senzala à colônia. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1966.
7. José Francisco de Camargo, Crescimento da população no estado de São Paulo e seus aspectos
econômicos. São Paulo: USP, 1952, v. I, p. 171.
8. O processo de formação de um núcleo burguês industrial, a partir do setor cafeeiro, do
comércio urbano e do setor importador, com ponderável contribuição de estrangeiros, tornou-se bem
mais conhecido nos últimos anos graças sobretudo ao livro de Warren Dean, A industrialização de
São Paulo (São Paulo: Difel, 1971), e a recente tese de Wilson Cano, embora não haja consenso entre
esses autores quanto ao grau de importância de cada um desses segmentos no processo de
industrialização.
9. Calculado segundo os dados transcritos em Michael M. Hall, The Origins of Mass Immigration
in Brazil, 1871-1914.
10. Paul Singer, op. cit., pp. 44-7.
11. Richard M. Morse, Brazil’s Urban Development: Colony and Empire. Yale Univerty, 1972,
pp. 155-81 (mimeografado).
12. Warren Dean, op. cit., p. 19.
13. Pasquale Petrone, “A cidade de São Paulo no século xx”. Revista de História, v. 10, n. 21-2,
pp. 127-70, jun. 1955. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/36445>.
Acesso em: 24 maio 2016.
14. Manuel de Sousa Pinto, Terra Moça. Impressões brasileiras. Porto, 1910, apud Ernani da
Silva Bruno, História e tradições da cidade de São Paulo. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954,
v. III, pp. 944 e 947. Para a formação dos bairros paulistanos, ver especialmente Caio Prado Júnior,
“Contribuição para a geografia urbana da cidade de São Paulo” (in Evolução política do Brasil e
outros estudos. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1969), e Odilon Nogueira de Mattos, “São Paulo no
século xx” (in Aroldo de Azevedo (Org.), A cidade de São Paulo. Estudos de geografia urbana. São
Paulo: Nacional, 1958).
15. Annibal Villanova Villela e Wilson Suzigan, Política do governo e crescimento da economia
brasileira, 1889-1943. Rio de Janeiro, 1973.
16. Michael M. Hall, op. cit.
17. Lúcio Kowarick, Capitalismo, dependência e marginalidade urbana na América Latina: uma
contribuição teórica. Disponível em:
<http://www.cebrap.org.br/v2/files/upload/biblioteca_virtual/capitalismo_dependencia_e_marginalid
ade.pdf>. Acesso em: 24 maio 2016.
18. Anibal Quijano, Redefinición de la dependencia y proceso de marginalización en America
Latina, apud Lúcio Kowarick, op. cit.
19. A proporção no estado de São Paulo e na parte leste, abrangendo o Distrito Federal, entre
população economicamente ativa e ocupada em 1920, é idêntica ou quase idêntica à do país: 42,6%
em São Paulo e 42,9% no leste. Cf. Annibal V. Villela e Wilson Suzigan, op. cit., pp. 287-93. Os
autores explicam a enorme queda da população ocupada entre 1872-1920, em parte pelo decréscimo
de empregados domésticos, o que de qualquer forma indica um acréscimo de população sobrante
dada a não substituição dessa faixa por outras ocupações.
20. Michael M. Hall, op. cit., e The Italians in São Paulo, 1880-1920. Tulane University, 1971
(mimeografado). Aí se encontram vários exemplos de pronunciamentos de representantes dos
círculos dirigentes de São Paulo, vinculando a ampla oferta de mão de obra subsidiada ao objetivo de
deprimir salários rurais.
21. Uma parte desse reservatório pode ter sido constituída por desempregados da indústria, pois a
crise também atingiu as atividades industriais. No prefácio de seu livro A indústria no estado de São
Paulo em 1901, Antônio F. Bandeira Jr. refere-se “à diminuição do trabalho em todas as fábricas,
algumas das quais apenas funcionam dois dias por semana, havendo outras que, em número não
pequeno, cessaram de trabalhar”.
22. Wilson Cano, op. cit., p. 229.
23. Roger Bastide e Florestan Fernandes, Brancos e negros em São Paulo [1955]. 2. ed. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.
24. Douglas H. Graham e Sérgio Buarque de Hollanda Filho, Migration, Regional and Urban
Growth and Development in Brazil: a Selective Analysis of the Historical Record: 1872-1970. São
Paulo, 1971 (mimeografado).
25. Conceitualmente, o exército industrial de reserva distingue-se da “mão de obra sobrante”: o
primeiro se encontra em “reserva”, isto é, com a possibilidade de ser incorporado ao processo
produtivo tão logo seja necessário para o incremento do sistema; a “mão de obra sobrante” está
estruturalmente confinada a ocupações de produtividade mínima, o que não significa que deixe de
cumprir uma função no sistema, no chamado setor degradado de serviços. Cf. Anibal Quijano, “El
proceso de marginalización y el mundo de la marginalidad en America Latina”, in Anibal Quijano e
Francisco C. Weffort, Populismo, marginalización y dependencia. São José, Costa Rica: Universidad
Centroamericana, 1973. Para a inserção da população negra de São Paulo no “setor degradado” de
serviços, ver os trabalhos clássicos de Bastide e Fernandes, especialmente deste autor A integração
do negro na sociedade de classes. São Paulo: Dominus, 1965.
26. Douglas H. Graham e Sérgio Buarque de Hollanda Filho, op. cit., p. 106.
27. Refiro-me às linhas gerais de um processo sem levar em conta conjunturas muito
excepcionais e a distinção entre operários especializados e de baixa qualificação. Convém observar,
porém, que as grandes empresas industriais são indústrias simples, operando com largo emprego de
mão de obra não especializada. Para exemplos de escassez de força de trabalho qualificada no Rio de
Janeiro na fase de instalação das primeiras unidades industriais, ver Stanley Stein, op. cit., p. 55.
28. Wilson Cano, op. cit., pp. 247 e 260.
29. Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Diretoria-Geral de Estatística,
Recenseamento de 1920. Rio de Janeiro, 1923.
30. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo, Boletim do
Departamento Estadual de Trabalho, São Paulo, ano I, n. 1 e 2, 1912; Azis Simão, Sindicato e
Estado. São Paulo: Dominus, 1966.
31. Recenseamento de 1920, Distrito Federal, v. II, 1a parte, p. CXXIV.
32. Fernando Henrique Cardoso, “Proletariado no Brasil: situação e comportamento social”, in
Mudanças sociais na América Latina. São Paulo: Difel, 1969, p. 204.
33. O Estado de S. Paulo, 24/26 ago. 1896.
34. Diário Popular, 12 mar. 1892, apud Richard M. Morse, Formação histórica de São Paulo: de
comunidade à metrópole. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.
35. Correio Paulistano, 28 ago. 1896.
36. Depoimento de Benjamin Mota, em A Plebe, 31 maio 1919.
37. É o caso especialmente de Sheldon L. Maram, Anarchists, Immigrants and the Brazilian
Labor Movement, 1890-1920 (mimeografado), de quem transcrevo nesse aspecto os dados.
38. Ao contrário do que geralmente se supõe, a maioria dos imigrantes italianos que chegaram ao
Brasil até princípios do século XX provinha do norte da Itália, especialmente da região do Vêneto. Só
posteriormente a imigração do sul passou a ser significativa. Foerster calcula que, nos primeiros anos
da grande imigração, 4/5 dos imigrantes partiram do norte. Os italianos do sul — calabreses
sobretudo — concentraram-se no Rio de Janeiro, onde no início do século XX talvez já excedessem o
outro grupo. Cf. Robert F. Foerster, The Italian Emigration of Our Times. Nova York: Arno Press,
1969, p. 289.
39. A curiosa presença de franceses é excepcional, restringindo-se aos primeiros anos do século
XX. Ela se relaciona com o núcleo de operários dessa nacionalidade existente na Companhia Vidraria
Santa Marina. Detalhes de um movimento grevista de operários franceses e de sua participação em
atos públicos encontram-se em Avanti, 9/23 mar. 1901.

SEGUNDA PARTE: A CLASSE OPERÁRIA E SEU MOVIMENTO (1890-1917)


1. CORRENTES ORGANIZATÓRIAS E SEU CAMPO DE INCIDÊNCIA

1. Optei deliberadamente pelo uso da palavra “trabalhista” para indicar a existência do embrião de
uma corrente que vários anos mais tarde, em outras condições, teria forte influência no movimento
operário brasileiro.
2. Sob o aspecto quantitativo, o grupo de servidores públicos, profissionais liberais e sacerdotes
representava 4,6% da população ocupada da cidade de São Paulo em 1893 e 8,6% da população
ocupada do Rio de Janeiro em 1890. Cf. Relatório de 1894 e Censo de 1890. A capital da República
tenderia a se converter cada vez mais na cidade dos serviços, não só os ligados às profissões liberais
e burocráticas como ainda ao chamado “setor degradado”. Segundo os dados do censo demográfico
de 1920, em 1919 apenas 38,4% da população economicamente ativa aí se vinculava à produção
física, correspondendo 61,6% aos serviços (15% aos serviços domésticos). Citado por Wilson Cano,
Raízes da concentração industrial em São Paulo (Campinas, Unicamp, 1975, v. II, p. 249. Tese de
doutorado). Deita assim raízes na estrutura de classes e não apenas no meio geográfico (a praia etc.)
o contraste entre São Paulo como “cidade do trabalho” e o Rio de Janeiro como “irresponsável cidade
do ócio”.
3. Os dados biográficos das figuras de maior prestígio nos meios jacobinos são expressivos.
Alexandre José Barbosa Lima nasceu no Recife a 23 de março de 1862. Assentou praça no Exército
em 1882, percorrendo a carreira militar desde alferes-aluno até reformar-se como coronel graduado
em 1912. Era bacharel em matemática e ciências físicas pelo curso de engenharia militar. Nos anos
1889-90, residiu no Ceará, onde foi professor de geometria na Escola Militar. Eleito por esse Estado
à Constituinte de 1890, em 1892 foi nomeado por Floriano governador de Pernambuco.
Posteriormente elegeu-se deputado por Pernambuco, pelo Rio Grande do Sul e, a partir de 1906, por
várias vezes, pelo Distrito Federal. Desterrado para Fernando de Noronha após o atentado de
novembro de 1897 contra Prudente de Moraes, tomou parte ativa na chamada Revolta da Vacina, de
1904.
Irineu Machado, nascido no Distrito Federal a 15 de dezembro de 1872, bacharelou-se em direito
no Recife, em 1892. Advogado no Rio de Janeiro, foi por algum tempo funcionário da Central do
Brasil, um de seus redutos eleitorais. Deputado pela capital da República, florianista, esteve
envolvido também no atentado contra Prudente de Moraes. Embora tenha ficado ao lado de Rui
Barbosa, em 1910, apoiou Nilo Peçanha em 1921, tendo sido intermediário na divulgação das “cartas
falsas”. Bernardes forçou sua “degola”, apesar de ter sido legitimamente eleito senador. Nos últimos
anos da década de 1920, afastou-se dos núcleos contestadores e sustentou a candidatura de Júlio
Prestes.
Nilo Peçanha nasceu em Campos, a 2 de outubro de 1864. Bacharel em direito, antiescravista,
republicano, elegeu-se deputado e senador pelo estado do Rio de Janeiro. Florianista, vice-presidente
da República na chapa de Afonso Pena, assumiu a presidência nos últimos meses de mandato deste,
favorecendo a eleição de Hermes da Fonseca. Foi candidato à presidência pela “Reação Republicana”
e sua morte, ocorrida em 1924, provocou grande consternação entre os tenentes.
Lauro Sodré nasceu em Belém a 17 de outubro de 1858. Assentou praça em 1886, chegando a
general de brigada, posto em que foi reformado em 1913. Engenheiro militar, doutor em matemática
e ciências físicas, secretário de Benjamin Constant no Ministério da Guerra e da Instrução Pública.
Elegeu-se deputado à Constituinte pelo Pará. Nomeado pouco depois governador de seu estado,
opôs-se ao golpe “deodorista” de 1o de novembro de 1891. Senador pelo Pará, reelegeu-se pelo
Distrito Federal em 1903. Em 1898 candidatou-se à presidência da República, opondo-se a Campos
Sales. Ao lado de Barbosa Lima, foi figura central na Revolta da Vacina. Positivista e grão-mestre da
maçonaria brasileira. (Os dados menos conhecidos dessas referências biográficas são de Dunshee de
Abranches, Governos e congressos da República dos Estados Unidos do Brasil, 1889-1917. São
Paulo, 1918.)
4. O Jacobino de 13 de outubro de 1894 publica um protesto de trabalhadores da Alfândega por
terem sido admitidos portugueses no quadro de servidores, em detrimento dos nacionais. Lança
também uma furiosa carga aos noruegueses: “A Notícia de 8 do corrente diz que embarcaram em
Lisboa, no vapor Orenoco, com destino ao Brasil, duzentos imigrantes portugueses, homens,
mulheres e crianças. Pois quê! Será exato? Teremos mais lixo em nosso país? Pois deixam a África
pelo ingrato Brasil? Renegados infames! No Brasil, a árvore das patacas os espera e quando
estiverem já com o pandulho cheio escoiceiem à vontade, pois é esse o característico da gente
portuguesa. O nosso grande consolo é que a patriótica febre amarela aqui também os espera sequiosa.
E era uma vez a mindelada!”.
5. Cf. Maurício de Lacerda, Evolução legislativa do direito social brasileiro. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1960, p. 71.
6. Os dados são essencialmente de Sheldon L. Maram, Anarchists, Immigrants and the Brazilian
Labor Movement, 1890-1920 (mimeografado), e de Anais da Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro,
1892, v. I e II.
7. Decreto n. 1162, 12 dez. 1890. Cf. Evaristo de Moraes, Apontamentos de direito operário. 2.
ed. Rio de Janeiro, 1971, p. 59.
8. Anais da Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, 1892, v. I e II.
9. O relato da carreira política de Vinhaes se baseia em Sheldon L. Maram, op. cit.; Edgard
Carone, A República Velha. Instituições e classes sociais. São Paulo: Difusão Europeia do Livro,
1970; J. F. Velho Sobrinho, Dicionário biobibliográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Pongetti, 1937, v.
I. Vinhaes não se identificou explicitamente com nenhuma das correntes socialistas em voga na
Europa. Sua tentativa de constituição de um banco operário revela afinidades com as concepções
proudhonianas.
10. Acusado de “petroleiro e nihilista”, Vinhaes afirmou em um discurso límpido de fevereiro de
1891 que a República esquecia as reivindicações operárias e promovia homens de ideias retrógradas.
“O povo está cansado de ser espezinhado. Tem o direito de exigir neste regime que se diz
democrático que a lei seja igual para todos, que não haja aqui uma justiça para o pobre, e outra para o
rico. E é exatamente porque não se lhe faz esta justiça que ele pergunta e com toda a razão se está ou
não em um país democrático que deve expandir o verdadeiro direito de igualdade”, Anais do
Congresso Nacional (Constituinte). Rio de Janeiro, 1891, v. III.
11. Um embrionário partido socialista fundado em 1912 colocava como pontos principais de seu
programa: promoção de conferências socialistas e fundação de escolas; garantia de trabalho e
indenizações por dispensas sem causas razoáveis; regulamentação da legislação sobre conflitos entre
patrões e operários; assistência oficial aos velhos e enfermos; regulamentação do salário mínimo e do
número máximo de horas de trabalho; imposto progressivo e direto sobre a renda; proibição do
trabalho de crianças; regime eleitoral novo; revogação da lei de expulsão de estrangeiros; abolição do
regime de certificados ou cadernetas dos operários; 36 horas de descanso semanal; responsabilidade
dos patrões nos acidentes de trabalho. Cf. Edgard Carone, op. cit., p. 206.
12. Vicente Ferreira de Souza (1852-1908) era baiano e médico por seu estado de origem. Eleito
para o Senado, foi vítima do mecanismo da “degola” e não pôde tomar posse. Ensinou filosofia e
latim no Colégio Pedro II, colaborou com Gustavo de Lacerda na formação do Partido Socialista
Coletivista e escreveu artigos sobre socialismo na imprensa da época. Cf. Sheldon L. Maram, op. cit.;
Cruz Costa, Contribuição à história das ideias no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1967.
13. Cf. especialmente Auguste Comte, Le Prolétariat dans la société moderne. Textes choisis.
Intr. de R. Paula Lopes. Paris: J. Vrin, 1946.
14. Um exemplo expressivo é o do professor Edward Beesly e seu grupo, com uma longa atuação
no movimento operário inglês. Com base nas concepções positivistas, Beesly defendeu a participação
dos sindicatos na luta política e o estabelecimento de relações fraternais entre os trabalhadores
ingleses e os da Europa continental. Participou da fundação da I Internacional, mas recusou um
convite para ser membro de seu Conselho Geral. Teve contatos frequentes com Marx, que, em sua
correspondência, descreveu-o como um “homem muito capaz e corajoso”. Cf. Royden Harrison,
“Professor Beesly and the Working-Class Movement”, in Asa Briggs e John Saville (Orgs.), Essays
in Labour History. 2. ed. Londres: Macmillan, 1967.
15. Obviamente, a facilidade de penetração do positivismo nos meios indicados não explica de
todo sua difusão no Brasil. Faço apenas essa referência porque estou interessado nos grupos tocados
pela doutrina mais propensos a algum tipo de consideração dos problemas operários, e não em um
estudo do positivismo. Lembro de passagem que a doutrina penetrou também no Rio Grande do Sul,
em um meio diverso do Rio de Janeiro. Um estudo específico da absorção/reelaboração do
positivismo por uma parte da oligarquia gaúcha ainda está por ser feito.
16. Ver Tocary Assis Bastos, O positivismo e a realidade brasileira. Belo Horizonte: Edições da
Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1965.
17. Ivan Lins, História do positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964,
p. 366; Cruz Costa, op. cit., p. 234.
18. Raimundo Teixeira Mendes, A política positiva e o regulamento das escolas do Exército. Rio
de Janeiro, 1890.
19. Ivan Lins, op. cit.; Tocary Assis Bastos, op. cit.; e A Voz do Trabalhador, 15 jul. 1908. O
aplauso do Apostolado à COB deve ser entendido no contexto específico de 1908, quando a entidade
realizou campanha contra a lei de sorteio militar em discussão no Congresso e denunciou a ameaça
de guerra com o agravamento dos atritos entre Brasil e Argentina. O pacifismo e a rejeição ao serviço
militar obrigatório eram princípios sustentados pela ortodoxia positivista.
20. Em um contexto diverso, observe-se que, em outros países da América Latina, setores
militares buscaram uma aliança com a classe operária com o objetivo de enfrentar os detentores do
poder. Assim, no Chile, após o golpe militar de 1924, os oficiais procuraram implementar uma
revolução de “revitalização social”, tomando contato com o proletariado urbano e suas organizações.
Entre outras medidas, decretaram aumentos de salário e criaram o Ministério do Trabalho. Cf. Enzo
Faletto, Eduardo Ruiz e Hugo Zemelman, Génesis histórica del proceso político chileno. Santiago:
Nacional, 1971, p. 68.
21. Weffort, em um contexto histórico diverso, analisou as diferenças do movimento sindical, a
partir dos anos 1950, nos dois setores da economia, mostrando como o movimento foi muito mais
forte no setor público ou nos submetidos à regulação econômica do Estado. As razões das diferenças
apontadas acima baseiam-se em suas observações. No período em exame, se é discutível afirmar que
o sindicalismo era já mais forte no núcleo estatal, pode-se pelo menos constatar a maior viabilidade
de manobras. Ver Francisco C. Weffort, Sindicatos e política. São Paulo: USP, 1973, cap. III, p. 27.
Tese (Livre-docência), (mimeografado).
22. Nas edições de fins de 1906, a Gazeta Operária manifestava sua decepção para com a
República, que não cumprira as promessas de “redenção do proletariado”, ressalvando umas poucas
figuras, como Medeiros e Albuquerque, Sampaio Ferraz, Barbosa Lima. Solidarizava-se com uma
greve de cocheiros em curso e abria fogo contra os anarquistas, apoiando a campanha de ataques
contra eles movida por Alcindo Guanabara. O I Congresso Operário de 1906, dominado pelos
anarquistas, era também criticado. É curioso observar a repulsa às resoluções “violentas e
impraticáveis” contra os militares, insistindo em que os congressistas só haviam apreendido o papel
negativo das Forças Armadas na sua interferência nas lutas entre capital e trabalho. Cf. Gazeta
Operária, 23 dez. 1906.
23. Sheldon L. Maram, op. cit.; Edgard Rodrigues, Socialismo e sindicalismo no Brasil. Rio de
Janeiro: Laemmert, 1969.
24. No início dos anos 1920, a imagem de Hermes se tornou popular, ao ser utilizada como
escudo do movimento tenentista. Até mesmo nas impermeáveis hostes anarquistas há traços da
infiltração dessa imagem. Em um artigo publicado em A Plebe, assinado por certo “professor C. C.”
(não é claro se as iniciais se referiam a uma figura real — Coelho Cintra — ou correspondiam a um
pseudônimo de Astrojildo Pereira), estabelecia-se um paralelo entre o governo Hermes e o de
Epitácio Pessoa para ressaltar as virtudes do primeiro. Dizia o “professor C. C.” que, não obstante
fosse acusado de ignorante, o marechal usara os enormes poderes de que dispunha não para perseguir
o povo mas as oligarquias do Nordeste. Ao contrário de Epitácio, difamador de Floriano, ministro de
Campos Sales e responsável por violenta repressão, procurara sempre melhorar a sorte dos operários.
O jornal anarquista imediatamente tratou de retificar esses argumentos, depois de salientar que o
artigo saíra por equívoco: Hermes reprimira os marinheiros, o verdadeiro movimento operário e
incentivara o florescimento de “amarelos” como Pinto Machado, Mariano Garcia, Cruz e Silva. Cf. A
Plebe, 16 jun./18 ago. 1921.
25. Uma lista completa das organizações participantes se encontra em “Congresso Operário de
1912”. Estudos Sociais, n. 17, jun. 1963. Sob controle dos anarquistas, o Centro Cosmopolita
desempenhou um papel relevante nas lutas dos trabalhadores nos anos 1917-20, transformando-se na
década de 1920 em um dos redutos sindicais do Partido Comunista. A fonte para o número de seus
membros em 1913 é: Rio de Janeiro. Departamento de Assistência Pública, Assistência pública e
privada no Rio de Janeiro, história e estatística. Rio de Janeiro, 1922.
26. Confederação Brasileira do Trabalho (Partido político), Conclusões do IV Congresso
Operário Brasileiro. Rio de Janeiro, 1913.
27. O Amigo do Povo, 14 maio 1904.
28. Em junho de 1901, há a luta contra o aumento das tarifas dos serviços de bonde, resultando
em mortos e feridos; o monopólio da carne verde, associado aos preços elevados, é alvo de um
verdadeiro levante em maio de 1902; em abril de 1909, surgem extensas e violentas manifestações
contra o serviço de bondes da Light etc. Cf. Edgard Carone, op. cit., pp. 185-6.
29. Os pronunciamentos de ambos revelam a clara intenção de associar o movimento à luta contra
a oligarquia hegemônica. Barbosa Lima discursa em meio à revolta, dizendo que “o povo já não
devia suportar o pesado jugo do governo dos fazendeiros que, após haver explorado os pobres
escravos, presentemente explorava a República”. Lauro Sodré vincula também a decretação da
combatida vacina ao “governo de fazendeiros” e dá vivas à memória de Benjamin Constant e
Floriano. Cf. Edgard Carone, A República Velha. Evolução política. São Paulo: Difel, 1971, p. 205.
30. Ver a crítica do jornal socialista Avanti, feita pela imprensa libertária em 1907. Reconhecia-se
a utilidade inicial do órgão para acabar com a influência dos “patrioteiros italianos”. Porém, aos
poucos ele se esquecera do socialismo, suprimira o relato sobre as condições de vida nas fazendas,
sem nada ter criado no meio operário. Para a conspícua A Terra Livre, o jornal dos socialistas se
tornava cada vez mais uma folha burguesa, com anúncios de qualquer espécie, “com notícias
detalhadas dessas casas de caftinagem que são o ‘Politeama’ e o ‘Moulin Rouge’”. Cf. A Terra Livre,
8 jan. 1907. Não obstante, anos depois, em 1914, o Avanti abrigava em suas colunas avisos de
reuniões anarquistas e esporadicamente artigos de militantes da corrente.
31. Cf. A Voz do Trabalhador, 22 nov. 1908; 22 jul. 1909. Um raro e breve exemplo de discussões
com respeito mútuo a diferentes posições se deu no Centro de Estudos Sociais do Rio de Janeiro
(1914) e nas colunas de Na Barricada (1915), onde colaboraram anarquistas, socialistas, figuras
como Maurício de Lacerda e o defensor do cooperativismo Sarandi Raposo. No Centro de Estudos
Sociais brilhava a retórica de José Oiticica, do inspetor escolar e médico Fábio Luz. Em sua primeira
fase, Na Barricada era dirigida pelo engenheiro Orlando Correia Lopes e pelo contador João
Gonçalves da Silva. Cf. John W. Dulles, Anarchists and Communists in Brazil, 1900-1933. Austin:
University Texas Publications, 1973.
32. A Guerra Social, 14 ago. 1912. Ressalve-se apenas que “a maior intensidade” quando pensada
em termos organizatórios era discutível, variando em momentos conjunturais diversos.
33. O breve resumo se baseia em George Woodcock, Anarchism. Harmondsworth: Penquin
Books, 1963; Julio Godio, El movimiento obrero y la cuestión nacional. Argentina: inmigrantes
asalariados y lucha de clases 1880-1910. Buenos Aires: Erasmo, 1972; Daniel Guérin,
L’Anarchisme. Paris: Gallimard, 1965.
34. Apud Daniel Guérin, op. cit., p. 16.
35. Apud ibid., p. 67.
36. Apud George Woodcock, op. cit.
37. George Woodcock, op. cit. A confrontação entre Monatte e Malatesta, no Congresso
Anarquista de Amsterdam (1907), dividiu claramente as linhas do anarcossindicalismo e do
comunismo anárquico. Monatte insistiu no papel do sindicato revolucionário como meio e fim da
ação revolucionária. Através dele, os operários realizariam a luta contra o capitalismo e precipitariam
sua liquidação pela greve geral. Malatesta considerou o sindicalismo apenas um instrumento e acusou
os anarcossindicalistas de buscar uma ilusória solidariedade econômica em vez de uma efetiva
solidariedade moral, colocando os interesses de uma única classe acima do verdadeiro ideal
anarquista de revolução. Ver a respeito ibid., pp. 249-50.
38. Leôncio Martins Rodrigues, Trabalhadores, sindicatos e industrialização. São Paulo:
Brasiliense, 1974, p. 59.
39. Sheldon L. Maram, op. cit., pp. 98 ss.
40. Aludindo aos países da Europa, Leôncio Martins Rodrigues (op. cit., p. 88) observa que as
condições ideais para a expansão do anarquismo parecem se criar quando se conjugam, no plano
político, Estados burocráticos e autoritários e, no plano econômico, a pequena oficina. Não obstante
as óbvias diferenças entre os Estados burocráticos e autoritários europeus e o Estado oligárquico
latino-americano, é possível constatar em ambos os casos a mesma combinação de sistema político
excludente e pequena empresa.
41. Julio Godio, op. cit., p. 113.
42. Robert F. Foerster, op. cit., p. 420.
43. É significativo observar como o restabelecimento da união de fato entre a Igreja e o Estado se
deu no contexto da crise do sistema oligárquico, nos anos 1920. De um lado, sob a inspiração do
futuro cardeal Leme, uma Igreja mais confiante propunha-se a “recatolizar o país de cima para
baixo”; de outro, um Estado constantemente desafiado encontrava agora um aliado seguro na
“manutenção da ordem” e na “promoção do progresso”. Cf. Ralph Della Cava, “Igreja e Estado no
Brasil do século XX: sete monografias recentes sobre o catolicismo brasileiro”. Estudos Cebrap, n.
12, 1975.
44. A Liga Anticlerical de São Paulo surgiu em 1903, pretendendo agrupar pessoas de tendências
diversas, adversárias da Igreja de Roma, com o objetivo de lutar pela liberdade de consciência; contra
os privilégios concedidos ao clero e congregações religiosas; por uma educação laica; para “arrancar
do confessionário as mulheres e os trabalhadores”. Como primeiro assinante de seu manifesto de
fundação figurava Pereira Barreto. Mais de dois anos antes, cerca de quinhentas ou seiscentas
pessoas, após terem assistido à representação de Eletra de Perez Galdoz, haviam percorrido as ruas
de São Paulo, dando morras aos jesuítas e quebrando vidros do Mosteiro de São Bento. Cf. A
Lanterna, 6 jun. 1903 e 20 abr. 1901.
45. O Livre Pensador, 12 jun. 1904; John W. Dulles, op. cit., p. 8.
46. John W. Dulles, op. cit., p. 30; Gilberto Freyre, Ordem e progresso. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1959, v. III, p. 630. No depoimento prestado a Gilberto Freyre, Astrojildo enumera uma
série de acontecimentos que o levaram à negação da ordem vigente e às leituras de Kropotkin, Faure,
Malatesta, Hamon: a derrota de Rui Barbosa nas eleições de março de 1910; o fuzilamento de Ferrer
na Espanha; a revolta dos marinheiros, liderada por João Cândido.
47. Para a influência do evolucionismo como ideologia de progresso e darwinismo social entre
“partidários urbanos da modernização”, ver Richard Graham, Grã-Bretanha e o início da
modernização no Brasil (1850-1914). São Paulo: Brasiliense, 1973, pp. 241 ss.
48. Em uma polêmica com os socialistas, o gráfico anarquista Mota Assunção lança mão de um
texto de Spencer (O indivíduo contra o Estado): “A missão do liberalismo no passado foi traçar
limites ao poder dos monarcas; a missão do liberalismo no futuro será traçar limites ao poder dos
parlamentos” (O Amigo do Povo, 16 ago. 1902). No mesmo jornal, há transcrição de artigos de
autores franceses com o fim de ressaltar o valor da obra de Spencer. Convém observar que as
relações entre o evolucionismo e o anarquismo não se limitam ao meio brasileiro. Pelo contrário, a
“ajuda mútua” de Kropotkin se fundamenta no modelo evolucionista, associado ao princípio de
solidariedade da espécie.
49. La Battaglia, 28 jul. 1912.
50. A Terra Livre, 7 fev. 1906.
51. Ver as resoluções do Primeiro Congresso e, em especial, do Segundo Congresso Operário
Brasileiro, em Relatório da Confederação Operária Brasileira, contendo as resoluções do Segundo
Congresso Operário Brasileiro, reunido no Rio de Janeiro, nos dias 8 a 13 de setembro de 1913 e as
resoluções do Primeiro Congresso Operário Brasileiro, reunido em abril de 1906. Rio de Janeiro,
1914. A menção às resoluções dos dois encontros estará sempre baseada nessa fonte.
52. A Voz do Trabalhador, 1 jun. 1909 (apud Sheldon L. Maram).
53. Edgard Rodrigues, Nacionalismo e cultura social. Rio de Janeiro: Laemmert, 1972, p. 189.
54. A Plebe, 30 set. 1919.
55. A Terra Livre, 7 mar. 1906.
56. “O valor da ação operária”. A Voz do Trabalhador, 15 jan. 1913.
57. A Voz do Trabalhador, 20 jul./5 ago. 1914.
58. Já em 1906, a imprensa libertária — sem condenar o atentado — esclarecia que não se tratava
de um princípio anarquista, sendo mesmo considerado ineficaz por muitos. A Terra Livre, 15
ago.1906.
59. Ver as distinções entre anarquismo e as formas radicais de democracia em George Woodcock,
op. cit., p. 30.
60. A Terra Livre, 9 dez. 1906. A rejeição às greves aparece, por exemplo, em um artigo assinado
por Polinice, em La Battaglia, de 1 abr. 1912. O caso da Argentina e de vários países europeus — diz
o autor — mostra que a greve é uma arma inútil, pois as conquistas obtidas através dela são
rapidamente anuladas. No curso do ano agitado de 1919, a crítica se voltaria para a experiência
brasileira. Pelas mesmas razões de Polinice, Pedro Bastos insistia na inutilidade da greve, pregando o
preparo da revolução. Os trabalhadores deviam se organizar, “com uma carabina na mão e uma ideia
no cérebro” (A Plebe, 9 ago. 1919).
61. O anarquismo perante a organização sindical. Rio de Janeiro, 1916. Redigido por Antonio
Moutinho, José Elias da Silva e Manuel Campos, o documento continha a assinatura de mais
dezesseis militantes.
62. O direito à limitação da natalidade encontra acolhida na propaganda de folhetos vindos da
Europa, do gênero da “Huelga de Vientres”, surgida em maio de 1906. Por vezes, reponta um
ingênuo propósito de legitimar o controle pelas necessidades da luta social: a completa derrota dos
têxteis na greve geral carioca de 1903, apesar do relativo êxito de outros setores, dá razão aos
neomaltusianos, pois os têxteis por serem numerosos são miseráveis e a miséria é antirrevolucionária.
Cf. O Amigo do Povo, 13 set. 1903. No mesmo jornal, Elísio de Carvalho defende a distribuição de
preventivos entre os pobres como forma de enfrentar a miséria. A inspiração é francesa, vinculando-
se aos artigos de Faure, ao movimento que publica a revista Régénération (23 jul. 1904).
63. O Amigo do Povo, 2 abr. 1904.
64. A Lanterna, 27 nov. 1909.
65. A Lanterna, 31 jan. 1914. Nesse ano, o total de alunos era de 150.
66. A Lanterna, 10 jan. 1914. Embora tenha me limitado à escola como instrumento educativo,
convém lembrar que essa era também uma das funções do sindicato. Para ficar em um só exemplo,
uma série de conferências realizadas no Sindicato de Ofícios Vários do Rio de Janeiro abrangia
temas como “O método Taylor” (Astrojildo Pereira); “O trabalho na Antiguidade” (José Martins); “A
ciência alemã” (José Oiticica); “A utopia democrática” (Orlando Correia Lopes); “A arte e a
revolução” (Max de Vasconcelos). Cf. A Voz do Trabalhador, 7 abr. 1915.
67. A Lanterna, 11 jul. 1903. A filiação do jornal ao ideário da Revolução Francesa é tão direta
que alguns números são datados de duas formas: segundo o calendário revolucionário e segundo o
gregoriano.
68. A Lanterna, 7 mar. 1901. Note-se a arbitrária combinação operada pelo texto entre “a
investida da Igreja” e a destruição da família, na linha dos argumentos conservadores — e em
primeiro lugar da própria Igreja — articulados contra o amor livre, o divórcio etc. Ao mesmo tempo,
insiste-se em colocar a luta anticlerical sob o signo da modernidade.
69. A Lanterna, 22 jan./5 fev. 1910; 25 nov. 1911; 16 jan. 1915.
70. Ver especialmente A Lanterna, 29 out./12 nov./3 dez. 1910; 7 jan. 1911. Participaram também
da campanha La Battaglia, Avanti, Fanfulla, que não pouparam ataques ao simulacro de inquérito
policial.
71. A Lanterna, 12 nov. 1910.
72. A Lanterna, 18 jun. 1910.
73. A Terra Livre, 1 jan. 1910. As normas alimentares integram o universo ascético do
anarquismo, o que não significa que sejam exclusivas dele. O combate ao alcoolismo — cujos efeitos
devastadores entre as classes populares não podem ser esquecidos — era preocupação também dos
socialistas e de elementos não identificados com a reforma social.
74. A Terra Livre, 9 dez. 1907.
75. O Amigo do Povo, 6 set. 1902.
76. Edgard Rodrigues, Socialismo e sindicalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969, pp.
179 e 242.
77. Wilhelm Reich, La Psycologie de masse du fascisme. Paris: Payot, 1972.
78. A Terra Livre, 5 fev. 1907.
79. A Terra Livre, 23 fev. 1907.
80. Fanfulla, 2 maio 1907.
81. John W. Dulles, op. cit., pp. 8 e 31. É claro que essa breve referência à conduta dos dirigentes
anarquistas diz respeito ao padrão dominante. Para lembrar um caso excepcional, em 1900, Gigi
Damiani e José Sarmento Marques foram presos e julgados sob a acusação de terem deflorado uma
menor. Pode ser, porém, que o processo encobrisse apenas uma perseguição política.
82. Uma expressão dessa necessidade é uma proposta apresentada ao Congresso Operário de
1912, pela qual o operário adquirente de uma casa, que se revelasse bom esposo, bom pai, avesso ao
jogo e à bebida, receberia ao pagar a última prestação o título de propriedade, além de outro
comprobatório de sua honestidade.
83. Exemplos de festivais libertários com a inclusão de baile familiar em A Terra Livre, 17 fev.
1906; 15 jun. 1907; 5 out. 1907; 9 jan. 1908. Ver a referência ao fracasso de uma festa de propaganda
da Escola Moderna que excluiu deliberadamente a dança em A Terra Livre, 17 fev. 1910. Em
setembro de 1907, o jornal criticava uma reunião dos trabalhadores em veículos de São Paulo, onde
se desistira da parte das conferências e do teatro, tudo se reduzindo à dança, “elemento de corrupção,
de imitação da sociedade burguesa”.
84. A Terra Livre, 17 fev. 1910.
85. Eric J. Hobsbawm, Primitive Rebels. Manchester: Manchester University Press, 1963, p. 84.
86. O Protesto parece ter sido o primeiro jornal anarquista publicado com alguma continuidade
(onze números) no Rio de Janeiro. Foi seu principal responsável J. Mota Assunção, um jovem de 21
anos, então cobrador de bondes, mais tarde linotipista, com uma trajetória pouco comum, passando
do anarquismo ao socialismo, por volta de 1910. Cf. John W. Dulles, op. cit., p. 13; Edgard
Rodrigues, Socialismo e sindicalismo no Brasil, op. cit., p. 64; Sheldon L. Maram, op. cit., p. 115.
87. Everardo Dias, História das lutas sociais no Brasil. São Paulo: Edaglit, 1962, p. 246; John W.
Dulles, op. cit., p. 8.
88. John W. Dulles, op. cit., p. 8. Logo após seu regresso à Itália, Gigi escreveu um folheto
dedicado ao jornalista Nereu Rangel Pestana e a Evaristo de Moraes no qual denunciou as condições
de trabalho vigentes no Brasil, os cavalieri e condes italianos que esfomeavam trabalhadores e
açambarcavam gêneros. Na linha dos artigos frequentemente publicados em La Battaglia,
aconselhava os camponeses italianos a não emigrar para o Brasil e a não acreditar nos relatos de
jornalistas, a soldo da embaixada brasileira, acerca das “delícias do Novo Mundo”. A capa reforçava
o conteúdo verbal, trazendo um desenho do espancamento de Everardo Dias, em um posto policial de
bairro. Gigi Damiani, I paesi nei quali no si deve emigrare: la questione sociale nel Brasile. Milão:
Umanità Nova, 1920.
89. A Voz do Povo, 24 set. 1920; Edgard Rodrigues, Socialismo e sindicalismo no Brasil, op. cit.,
p. 101. É curioso observar que, em sua polêmica com os anarquistas na década de 1920, os
comunistas procuraram por vezes apresentar-se como legítimos herdeiros do legado revolucionário
do anarquismo em contraposição aos “anarcoides que assumiram uma postura reacionária” —
proclamando-se “os únicos herdeiros e continuadores da obra gloriosa de Neno Vasco e Paulo
Berthelot”. Cf. A Nação, 22 jun. 1927.
90. Cf. depoimento de Leuenroth em Dealbar, dez. 1968; e John W. Dulles, op. cit., p. 15.
91. O jornal teve duas fases: a primeira estendeu-se de 1o de julho de 1908 a dezembro de 1909,
quando se publicaram 21 números, sob a responsabilidade de Manoel Moscoso como editor; José
Romero, administrador; Mota Assunção e Carlos Dias; a segunda iniciou-se a 1o de janeiro de 1913
e, ao que parece, foi até junho de 1915, com edições quinzenais oscilando entre 3 mil a 4 mil
exemplares.
92. A Plebe, 9 jun. 1917.
93. Em junho de 1910, A Terra Livre calculava em mil o número de elementos anarquistas
existentes no Rio de Janeiro, dispersos em pequenos grupos e sem nenhum jornal.
94. No primeiro grupo, arrolei Leuenroth, Ristori, Neno Vasco, Astrojildo Pereira, Fábio Luz,
José Oiticica, Adelino de Pinho, Orlando Correia Lopes, João Gonçalves da Silva, o jornalista Álvaro
Palmeira e um dos raros advogados libertários — Benjamin Mota. A limitação regional ao Rio e São
Paulo exclui alguns elementos importantes de outras áreas do país. É o caso de Otávio Brandão,
farmacêutico nascido em Alagoas, diretor do semanário Semana Social, com o gráfico carioca
Antonio Bernardo Canelas. O jornal foi apedrejado durante a Primeira Guerra Mundial, quando
registrou a entrada do Brasil no conflito com uma grande manchete “Abaixo a guerra imperialista”.
Brandão seguiu para o Rio, tornando-se uma figura popular como orador retórico e ativo militante.
Ingressou posteriormente no PCB, onde exerceu papel de direção, sendo eleito intendente à Câmara
Municipal do Rio de Janeiro, em fins da década de 1920. Preso em 1931, deportado a seguir do
Brasil, viveu vários anos em Moscou.
95. Gigi Damiani; o estucador Silvio Antoftelli, editor de Alba Rossa, deportado em 1919; o
secretário do sindicato dos pedreiros de São Paulo, Alessandro Zanella, também deportado naquele
ano; e Minervino de Oliveira. Minervino iniciou a vida como motorneiro de bondes no Rio de
Janeiro e teve uma longa história como dirigente do Centro Operário Marmorista, desde os primeiros
anos da década de 1910. Aderiu ao PCB, foi vereador à Câmara Municipal do Rio de Janeiro,
secretário da Federação Sindical Regional e candidato do Bloco Operário e Camponês às eleições
presidenciais de março de 1930.
96. Antônio Bernardo Canelas nasceu em Niterói e, após ter contatos com Astrojildo Pereira, foi
em 1913 para Maceió, onde fundou o semanário A Semana Social. Depois do apedrejamento do
jornal, seguiu para o Recife, onde em 1918 fundou a Tribuna do Povo. O episódio de sua presença no
IV Congresso da Internacional Comunista (1922) e posterior expulsão do PCB (dezembro de 1923) é
conhecido. A partir daí, aproximou-se do tenentismo e esteve associado às tendências nacionalistas
populares desse movimento. João da Costa Pimenta foi uma das figuras centrais do movimento
operário de toda uma época. Padeiro em Campos, veio para o Rio de Janeiro em 1904, empregou-se
como garçom e militou no Centro Cosmopolita. Tornou-se depois gráfico, profissão que exerceu no
Rio e em São Paulo. Após uma longa atividade como organizador sindical e da imprensa anarquista,
rompeu com o anarquismo, sendo um dos fundadores do PCB. Posteriormente, em fins da década de
1920, participou da chamada “Cisão Barbosa” e aderiu, já nos anos 1930, ao Partido Socialista. Cf.
John W. Dulles, op. cit., e A Nação, 14 fev. 1927.
A classificação de Florentino de Carvalho como gráfico é até certo ponto artificial. Primitivo
Raimundo Soares (seu verdadeiro nome) nasceu na Espanha em 1891 e chegou ao Brasil ainda
menino. Soldado da Força Pública, doqueiro e a seguir gráfico em Santos, foi expulso em 1917
regressando depois ao país. Um típico doutrinário, Florentino opôs-se à colaboração entre os
anarquistas e Maurício de Lacerda em 1920 e estabeleceu muitas restrições, anos mais tarde, ao apoio
dos libertários à Aliança Nacional Libertadora. No documento de sua expulsão, figura como
tipógrafo. Cf. Edgard Rodrigues, ops. cits., e John W. Dulles, p. 519.
97. Os dados acerca do Centro Socialista de Santos se baseiam em Astrojildo Pereira, “Silvério
Fontes, pioneiro do marxismo no Brasil”. Estudos Sociais, n. 12, pp. 404 ss, abr. 1962.
98. “Como no mundo da biologia deixou-se de colocar o homem num reino distinto, fazendo dele
um ser independente das outras espécies animais, para torná-lo partícipe da grande vida universal,
embora considerando-o de grau mais elevado; assim se estabeleceu uma continuidade entre todos os
grupos de seres viventes que se vão elevando, ou melhor, transformando, juntamente com a
transformação das condições de vida dos indivíduos que constituem o grupo social.” Antonio
Piccarolo, O socialismo no Brasil. 3. ed. São Paulo: Piratininga, 1932, p. 23. As citações são sempre
dessa edição, que contém um prefácio onde o autor atualiza alguns pontos de vista. A primeira edição
é de 1908.
99. Antonio Piccarolo, op. cit., p. 48.
100. Avanti, 24 ago. 1901. O jornal calcula em 1500 o número total de trabalhadores do ramo.
101. Avanti, 12 out. 1901. O texto, com sua insistência na organização e sua crítica ao alcance das
greves, insere-se também no quadro das primeiras polêmicas com os anarquistas.
102. Os nomes se encontram em Everardo Dias, op. cit., p. 244.
103. O manifesto e o programa do Partido Socialista foram publicados em O Estado de S. Paulo,
de 28 ago. 1902.
104. Hobart Spalding, La Clase trabajadora argentina (Documentos para su historia, 1890-
1912). Buenos Aires: Galerna, 1970, p. 266.
105. Avanti, 27 mar. 1915.
106. A Terra Livre, 10 dez. 1905; 7 out. 1906. A Voz do Trabalhador, 1 dez. 1914.
107. Ver um desenvolvimento dessa temática em Décio Azevedo Marques de Saes, O civilismo
das camadas médias urbanas na Primeira República brasileira, 1889-1930. Campinas: Unicamp,
1971.
108. Para uma análise do campo de possibilidades de ação do Partido Socialista argentino e de
suas raízes ideológicas, ver o livro já citado de Julio Godio.

2. O TRABALHADOR URBANO

1. Ver o exemplo de membros da Associação Gráfica do Rio de Janeiro, que realizam uma
exposição de trabalhos realizados nas horas de folga. Engravatados, bem compostos, aparecem em
um quadro de homenagem simétrico na forma aos quadros das formaturas acadêmicas. Cf. O Gráfico
(Órgão da Associação Gráfica do Rio de Janeiro), 1 fev. 1918.
2. Maria Cecília Baeta Neves, “Greve dos sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro: notas de
pesquisa”. Revista de Administração de Empresas, n. 13, abr./jun. 1973.
3. Tomando os três principais ramos em número de operários existentes no país em 1919,
constata-se que os menores representam 15,8% da força de trabalho no ramo têxtil; 10,4% na
indústria de vestuário e toucador; 8,2% na alimentação. As mulheres são maioria entre os têxteis
(54,9%), correspondendo a 43% no ramo de vestuário e toucador e 24,8% na alimentação. Cf. Censo
de 1920, v. V, 2a parte. Salários.
4. Frederic Engels, La Situation des Classes Laborieuses en Angleterre. Paris: Alfred Costes,
1933. v. II, p. 17.
5. Recenseamento de 1920, v. V, 2a parte. Salários.
6. Karl Marx, El Capital. México: Fondo de Cultura Económica, 1973. v. I, pp. 332 ss. Ver aí a
relação existente entre o prolongamento da jornada e o que Marx chama de desgaste material e moral
das máquinas.
7. Azis Simão, Sindicato e Estado. São Paulo: Dominus, 1966, p. 72.
8. Eric J. Hobsbawm, “Custom, Wages and Work-Load in Nineteenth Century Industry”, in A.
Briggs e J. Saville (Orgs.), Essays in Labour History. 2. ed. Londres: Macmillan, 1967, p. 124.
9. O Amigo do Povo, 13 set. 1903.
10. A Razão, 29 jul. 1917. A forma do discurso foi claramente reelaborada pelo jornalista. Mas
não há motivos para acreditar em uma distorção do conteúdo.
11. A Terra Livre, 2 jun./7 jul. 1907.
12. Warren Dean, A industrialização de São Paulo. São Paulo: Difel, 1971, pp. 166 ss.
13. A Terra Livre, 16 maio 1906.
14. A Voz do Trabalhador, 30 out. 1909.
15. A Voz do Trabalhador, 15 jun. 1909.
16. Das memórias de Manoel Marques Bastos, apud Edgar Rodrigues, Nacionalismo e cultura
social. Rio de Janeiro: Laemmert, 1972, pp. 127-8.
17. A descrição, de Rodolfo Felipe, apud ibid., p. 148.
18. O jornal sindical que anuncia a formação da Federação Operária refere-se à “desorganização
lastimável” em que se encontra o proletariado de São Paulo e do Brasil. O Chapeleiro, 3 dez. 1905.
19. Estudos Sociais, n. 18; A Guerra Social, 14 ago. 1912. Lembrar que as federações regionais e
a COB reúnem, com raras exceções, apenas sindicatos sob hegemonia anarquista. No Distrito Federal,
em princípios de 1913, a COB abrangia o Centro dos Operários Marmoristas, União dos Alfaiates,
União Geral dos Pintores, Sindicato dos Sapateiros, Carpinteiros, Estucadores, Funileiros e
Bombeiros Hidráulicos, Pedreiros e Serventes, Marceneiros, Caldereiros de Ferro, Sindicato Operário
de Ofícios Vários, das Pedreiras, dos Trabalhadores em Fábrica de Tecidos, na Indústria Elétrica, em
Ladrilhos e Mosaicos, e a Fênix Caxeiral (caixeiros das lojas de comércio), todos integrantes da
Federação Operária. Não faziam parte da COB a Sociedade Operária Beneficente e Progressiva dos
Trabalhadores em Fábricas de Tecidos, a Associação dos Barbeiros e Cabeleireiros, Centro
Cosmopolita (empregados em hotéis e restaurantes), Federação das Artes Gráficas, Sociedade de
Resistência dos Trabalhadores em Trapiches e Café, União dos Operários Estivadores, Associação de
Resistência dos Marinheiros e Remadores, União Geral dos Foguistas, Grêmio dos Maquinistas da
Marinha Civil, Sociedade de Assistência dos Trabalhadores em Carvão e Mineral, Centro dos
Empregados em Ferrovias, Associação de Resistência dos Cocheiros e Carroceiros, Liga dos
Empregados em Padarias, Centro dos Calafates, Círculo dos Operários da União. Cf. A Voz do
Trabalhador, 1 fev. 1913.
20. A Guerra Social, 21 ago. 1912; Avanti, 28 nov. 1914.
21. A Plebe, 11/18 jun. 1921.
22. Segundo dados de Azis Simão, op. cit., p. 145, das 23 greves ocorridas no estado de São
Paulo entre 1888-1900, sete se verificaram nas ferrovias, sete nos transportes urbanos e duas nas
docas.
23. A Plebe, 25 ago./30 set. 1917.
24. Azis Simão, op. cit., p. 148.
25. Apud Hobart Spalding, La Clase trabajadora argentina (Documentos para su historia, 1890-
1912). Buenos Aires: Galerna, 1970. Nessa obra, estão transcritos o texto do convênio e a mensagem
de Melchior Cardoso.
26. Sheldon L. Maram, Anarchists, Immigrants and the Brazilian Labor Movement, 1890-1920,
pp. 161 ss. (mimeografado).
27. A Plebe, 10 jul. 1919.
28. A Razão, 1 maio 1919. Fundada em outubro de 1904, a Associação dos Marinheiros e
Remadores tinha em média cerca de 2300 sócios entre 1912 e 1916.
29. A Voz do Trabalhador, 1 fev. 1915.
30. Para um relato das greves pioneiras em Santos, no século XIX, acompanhadas em geral de atos
de violência, ver as descrições reunidas por Azis Simão, op. cit., pp. 104-5.
31. A Voz do Trabalhador, 20 jul./5 ago. 1914.
32. Dois pequenos exemplos: em um atrito provocado em uma fábrica têxtil de Sorocaba, por
mudança de turno, as mulheres protestam “enquanto os homens se portam como carneiros”; no curso
da greve generalizada de maio de 1912 em São Paulo, há várias referências à combatividade das
mulheres nas grandes empresas, em especial a Mariângela. Cf. A Terra Livre, 22 jan. 1907; Fanfulla,
23 maio 1912.
33. Memórias de Severino Gonçalves Antunha, apud Edgar Rodrigues, op. cit., v. II, p. 360.
34. A Guerra Social, 10 abr. 1912. Na capital, entretanto, a conquista não se manteve. Em meados
de 1913, rara era a obra em que a jornada normal de trabalho era de oito horas. Azis Simão, op. cit.,
p. 110.
35. Em 1919, 50% dos operários da construção civil recebiam salário médio diário de 6$000 ou
mais. Superavam esse percentual os operários adultos do sexo masculino nos ramos de mobiliário
(75,5%), construção de aparelhos de transporte (68,6%), vestuário e toucador (65,7%), metalurgia
(62,6%), produção e transmissão de forças físicas (53,4%), indústrias relativas às ciências, letras,
artes; indústrias de luxo (50,4%). Recenseamento de 1920, v. V, 2a parte. Salários.
36. Boletim do Departamento Estadual de Trabalho, São Paulo, ano I, n. 3, 1912.
37. Sheldon L. Maram, op. cit., p. 50.
38. Em junho de 1917, A Plebe saúda a retomada das greves de canteiros e espera “que ela ponha
fim à atitude corporativista da entidade, alheia aos problemas gerais da emancipação da classe
operária”. A Plebe, 16 jun. 1917.
39. A Plebe, 16 jun. 1917; A Voz do Povo, 25 fev. 1920.
40. Em fevereiro de 1906, por exemplo, um manifesto da Federação Operária de São Paulo
lamentava que a Liga dos Pedreiros reunisse apenas 25 trabalhadores. A categoria não escapou
também aos efeitos da crise dos primeiros anos da Primeira Guerra Mundial sobre o movimento
operário e sobre as condições de vida das classes populares. Ver o exemplo de Azis Simão referente a
uma pedreira da capital, em 1914, onde vinte operários passaram a fazer o serviço de 36, mediante
remuneração inferior e jornada de trabalho mais longa. Azis Simão, op. cit., p. 100.
41. Dentre 331 estabelecimentos arrolados na indústria de edificação pelo Censo de 1920, 297
tinham menos de vinte operários e apenas cinco empregavam cem ou mais trabalhadores.
Recenseamento de 1920, v. V, 1a parte. Indústria.
42. Sheldon L. Maram, op. cit., p. 49.

3. A DINÂMICA DO MOVIMENTO OPERÁRIO

1. Eric Hobsbawm, “Economic Flutuations and Some Social Movements since 1800”, in
Labouring Men. Studies in the History of Labour. Londres: Weidenfeld and Nicolson, 1964. Ver
também Roberto Cortés Conde e Ezequiel Gallo, La Formación de la Argentina moderna. Buenos
Aires: Paidós, 1967, p. 99.
2. Ver os indicadores da formação de capital na indústria, levantados por Villela e Suzigan:

CONSUMO ÍNDICE DE QUANTUM DAS


CONSUMO
APARENTE DE IMPORTAÇÕES DE BENS DE
APARENTE DE
LAMINADOS DE CAPITAL PARA A INDÚSTRIA
CIMENTO (1000 T)
AÇO (1000 T) (1939 = 100)
1901 37,3 34,9 56,8
1902 58,8 61,3 31,7
1903 63,8 61,0 38,0
1904 94,0 66,5 41,3
1905 129,6 73,6 62,3
1906 180,3 91,8 66,1
1907 179,3 147,6 93,0
1908 197,9 127,1 96,4
1909 201,8 108,4 102,9
1910 264,2 150,3 118,7
1911 268,7 171,0 153,6
1912 367,0 215,9 205,3
1913 465,3 251,2 152,3
FONTE: Annibal Villanova Villela e Wilson Suzigan, Política do governo e crescimento da economia
brasileira, 1889-1943. Rio de Janeiro, 1973, p. 437.

3. No fim de 1908, a imprensa operária refere-se à existência de uma crise, com milhares de
desempregados na capital da República, acompanhada da desorganização da grande massa. Cf. A Voz
do Trabalhador, 29 nov. 1908.
4. A Terra Livre, 17 fev. 1906.
5. As principais fontes do relato são Fanfulla, A Plateia e sobretudo O Comércio de São Paulo.
Na redação deste último, encontrava-se Benjamin Motta, que se afastaria do jornal nos últimos dias
da greve por divergir da linha dos proprietários.
6. Manifesto da Liga Operária de Jundiaí, em O Comércio de São Paulo, 19 maio 1906. Observe-
se como o descanso semanal é percebido como uma punição, na medida em que não é remunerado.
7. A funcionalidade das sociedades beneficentes sob controle patronal no sentido de impedir a
organização autônoma dos trabalhadores foi comum também nas ferrovias argentinas. Em fevereiro
de 1904, ferroviários da Argentina dirigiram uma petição ao ministro do Interior pleiteando entre
outros pontos que não se obrigasse o pessoal das empresas a tomar parte em sociedades de socorros
mútuos, alheias aos operários. Cf. Hobart Spalding, La clase trabajadora argentina (Documentos
para su historia, 1890-1912). Buenos Aires: Galerna, 1970, p. 593.
8. O Comércio de São Paulo, 24 maio 1906. Nos últimos dias da greve, no curso da paralisação
geral decretada na capital pela Federação Operária, grupos de trabalhadores dirigiram-se às oficinas
da SPR na Lapa, tentando forçar seu fechamento. Seguiu-se uma luta em vários pontos do bairro,
ocorrida entre os próprios trabalhadores, segundo O Estado de S. Paulo. Entretanto, algumas dezenas
de operários da SPR escreveram a O Comércio de São Paulo, responsabilizando a polícia pelo
conflito. Não negaram, porém, a recusa em aderir à greve “por razões a serem melhor explicadas em
momento oportuno”. Ver O Comércio de São Paulo, de 30 maio 1906.
9. Por algum tempo, seguindo o exemplo da Mogiana, a empresa concederia as oito horas de
trabalho. Cf. A Terra Livre, 22 jan. 1907.
10. Segundo Everardo Dias, 5 mil pessoas comparecem em Jundiaí a um comício em que falam,
entre outros, Leuenroth e dois destacados dirigentes da greve que se iniciaria duas semanas depois:
Manuel Pisani e João Correia.
11. No Rio, alfaiates, chapeleiros, gráficos, operários da construção civil realizam várias reuniões
e algumas manifestações de rua, tentando organizar uma greve geral que não se concretiza. Cf. O
Comércio de São Paulo, 23/26 maio 1907.
12. Na fundação da Liga Operária de Jundiaí (março de 1906), encontra-se presente Leuenroth e
distribuem-se exemplares da imprensa anarquista. Em outras reuniões, há referência aos “oradores
oficiais” das Ligas, a figuras locais, aos socialistas que os libertários criticam como “elementos
estranhos ao movimento operário”. Cf. A Terra Livre, 24 mar./12 abr. 1906.
13. O Comércio de São Paulo, 20 maio 1906.
14. O Comércio de São Paulo, 19 maio 1906.
15. Ibid. 1906.
16. Fanfulla, 17 maio 1906.
17. Fanfulla, 17 maio 1906. Pouco depois dessas declarações, os conselhos administrativos das
Ligas, que, de resto, nunca deixaram de atuar, anunciavam não mais se responsabilizar por qualquer
violência cometida pelos operários, por ter a polícia violado as promessas de não usar a força contra
os grevistas. Cf. O Comércio de São Paulo, 20 maio 1906.
18. O Comércio de S. Paulo, 17/18/22/23 maio 1906. Entre os assinantes do documento dirigido à
Associação Comercial encontra-se Júlio Stern, um fabricante de bebidas de Rio Claro que fechou as
portas de sua fábrica para solidarizar-se com os grevistas.
19. A referência à menor distância social me é sugerida pela indicação de Gallo e Conde, a
propósito do movimento agrário de arrendatários na Argentina (1912), conhecido como “Grito de
Alcorta”. O movimento obteve apoio em setores do comércio, especialmente da cidade de Rosário.
Cf. Ezequiel Gallo e Roberto Cortés Conde, La República Conservadora. Buenos Aires: Paidós,
1972. (Coleção de História Argentina, 5, dir. Túlio Halperin Donghi).
20. O Comércio de São Paulo, 19 maio 1906.
21. Fanfulla; O Comércio de São Paulo, 27 maio 1906.
22. Para um relato detalhado, inclusive das gestões sem êxito do governo do estado, para que a
faculdade fosse fechada, ver as edições de O Comércio de São Paulo e Fanfulla dos últimos dias de
maio de 1906.
23. O Fanfulla pretende obter a legalidade do movimento operário de São Paulo “que não é obra
de quatro ou cinco pessoas, mas de 4 ou 5 mil e está destinado a reunir toda a massa operária da
cidade”. Contudo, considera absurdas as exigências dos têxteis e concita-os a aceitar a jornada de
onze horas de trabalho. Cf. Fanfulla, 21/25 maio 1907.
24. A Plateia, 15 maio 1907. Compareceram à reunião, indistintamente, industriais nacionais e
estrangeiros: entre outros, José Paulino Nogueira, Gabriel Dias da Silva, Crespi, Matarazzo.
25. A Plateia, 17 maio 1907.
26. A Plateia, 25 maio 1907.
27. Ver as assembleias com a presença de mais de mil pessoas. Operários da Lidgerwood chegam
a comprar alguns tornos e forjas na tentativa de montar uma oficina e ajudar os mais necessitados.
Cf. Fanfulla, 3/16 jun. 1907.
28. Os jornais publicam listas das empresas que concedem as oito horas, mencionando com
frequência um número de empregados entre quatro e oito pessoas.
29. O alcance das concessões no ramo têxtil é bastante limitado: Crespi & Cia., por exemplo,
mantém o horário de onze horas de trabalho e dá 5% de aumento; a Sociedade Ítalo-Americana reduz
o horário de onze horas para dez horas e meia, concordando também com o aumento de 5%. Cf. A
Plateia, 25 maio 1907; Fanfulla, 10 jun. 1907.
30. Avanti, 28 nov. 1914. Idêntico padrão pode ser observado na Argentina. Analisando as greves
do período 1907-12, Gallo e Conde assinalam que as paralisações foram mais numerosas em
transportes e alimentação, com maiores resultados negativos, e menos numerosas em têxteis
(pequena indústria, no caso argentino) e metalúrgicos, porém com maior índice de êxito. Os autores
vinculam essa tendência a dois fatos: 1o distinta dimensão das indústrias, correspondendo a maior
densidade de capital aos serviços públicos e alimentação; 2o atitude mais paternalista dos pequenos
empresários, em sua maior parte estrangeiros, que mantinham suas antigas referências ideológicas
mais ou menos socializantes. Cf. Ezequiel Gallo e Roberto Cortés Conde, La República
Conservadora, p. 223. Para um caso específico no Rio de Janeiro, ver o artigo de Maria Cecília Baeta
Neves, “Greve dos sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro: notas de pesquisa”. Revista de
Administração de Empresas, n. 13, abr.-jun. 1973.
31. Segundo O Comércio de São Paulo de 7 de maio de 1912, as demolições indiscriminadas
obrigavam o povo a procurar novas casas de aluguel elevado; o Fanfulla de 17 de maio de 1912,
critica o prefeito por sua preferência em construir mirantes na avenida Paulista, em ajardinar o
Anhangabaú. O tema das condições de habitação e do preço do aluguel ganha destaque. O Fanfulla
de 30 de junho de 1912, por exemplo, publica uma ampla reportagem sobre cortiços explorados por
locadores ou sublocadores italianos.
32. A Lanterna, 11 maio 1912.
33. A Mariângela e a Santana eram, em 1912, as duas maiores empresas têxteis de São Paulo. Os
números, entretanto, divergem. Enquanto os jornais se referem à Mariângela como a maior empresa,
com 3 mil operários, seguida da Santana com cerca de 2 mil, uma publicação oficial, com dados de
1911, menciona 1900 trabalhadores na primeira e cerca de 2700 na segunda. Cf. Boletim do
Departamento Estadual do Trabalho, São Paulo, ano I, n. 1/2, 1912.
34. Fanfulla, 21 maio/25 jun. 1907.
35. Cerca de duzentos “krumiros” são recebidos à saída da empresa aos gritos de “puxa-sacos,
mortos de fome”. A uma assembleia realizada em um cinema da Mooca comparecem por volta de
mil pessoas. Cf. Fanfulla, 29 maio 1912.
36. Um velho operário da Mariângela, em seu dialeto, resume o estado de espírito dos
trabalhadores: “Signuri, ‘affitto’ e casa é cresciuto. ‘O zucchero, da quattro cento reis 1’hanno
purtato e diece testoni. Un se pò cchiú vivere. Vonno o nu’ vonno dà anche a nuie quaccosa ‘e
cchiù’?” (Senhores, o aluguel de casa aumentou. Subiram o açúcar de quatrocentos réis para dez
tostões. Não se pode mais viver. Vão ou não vão nos dar também alguma coisa a mais?) Cf. Fanfulla,
16 maio 1912.
37. A União dos Trabalhadores Gráficos, constituída em 1904, chegou a reunir 80% dos gráficos
da capital de São Paulo. Em fins de 1907, como fruto de divisões internas que resultaram na criação
do Grêmio Tipográfico Paulistano e da repressão policial, o sindicato entrou em uma prolongada
crise da qual começava apenas a sair em 1912. Cf. A Voz do Trabalhador, 1 dez. 1914.
38. A Plateia, 19 maio 1912. Outras referências à desorganização do movimento, à inexistência
de comissões, depois desmentida, no Fanfulla, 17/19 maio 1912.
39. Fanfulla, 23 maio 1912.
40. Por exemplo, na greve de 1907, após a dissolução de um comício, os têxteis decidem
suspender as reuniões públicas, deixando às comissões das diversas empresas a incumbência de
dirigir os grevistas. Cf. A Plateia, 17 maio 1907.

TERCEIRA PARTE: A CONJUNTURA (1917-1920)

4. AS GRANDES LINHAS

1. Annibal Villanova Villela e Wilson Suzigan, Política do governo e crescimento da economia


brasileira, 1889-1943. Rio de Janeiro, 1973.
2. Boletim do Departamento Estadual do Trabalho, São Paulo, ano II, n. 8 e 9, 1914. Segundo os
dados do Boletim, as maiores reduções de salário ocorreram na construção civil, onde um frentista
ganhava de 12$000 a 16$000 por dia, no segundo trimestre de 1912, e de 7$000 a 10$000, no
primeiro trimestre de 1914; um estucador passou de 12$000 para 8$000 a 10$000; um pintor de
5$000 a 8$000 para 4$000 a 7$000; um pedreiro, de 4$500 a 7$000 para 4$000 a 6$000, no mesmo
período. A contínua queda de salários na construção civil em São Paulo vincula-se ao fato de que o
ramo se encontra entre os mais atingidos pelas restrições às importações. Em relação aos níveis de
1913, o número de construção na cidade de São Paulo sofre uma diminuição de cerca de 40%, caindo
em 1915 para 20% do nível de 1913 e ainda mais entre 1916 e 1919. Wilson Cano, Raízes da
concentração industrial em São Paulo. Tese de doutorado. Campinas: Unicamp, 1975, v. II, p. 159.
3. A Voz do Trabalhador, 1 nov. 1913; Azis Simão, Sindicato e Estado. São Paulo: Dominus,
1966, p. 66; Avanti, 29 ago./12 set. 1914.
4. Sheldon L. Maram, Anarchists, Immigrants and the Brazilian Labor Movement, 1890-1920, p.
116. (mimeografado).
5. Exemplos mais expressivos: A Plebe, em São Paulo, que por um breve período tornou-se jornal
diário em 1919; a Voz do Povo, órgão da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. A Voz do
Povo surgiu a 5 de fevereiro de 1920, em fins do período de ascenso do movimento operário, e durou
pouco mais de um ano, sob a sucessiva direção de Carlos Dias, Afonso Schmidt, Álvaro Palmeira, e a
presença ativa de Astrojildo Pereira. Efêmero como todas as publicações operárias cariocas do
período, o jornal se destacava por sua grande vivacidade. As máquinas obsoletas estavam instaladas
no andar térreo de um velho prédio da avenida Central e a redação em duas salas do segundo andar.
Apesar do barulho, os vizinhos não se mudavam porque eram na verdade agentes policiais. Cf.
Afonso Schmidt, Bom tempo. São Paulo: Brasiliense, 1958. Citado por John W. Dulles, Anarchists
and Communists in Brazil, 1900-1933. Austin: University Texas Publications, 1973, pp. 123-4. Ver aí
a curiosa controvérsia entre os diretores do jornal e uma comissão de acionistas contrária à
publicação de anúncios de locais de diversão onde havia jogo.
6. Uma das poucas exceções é representada pelo deputado paulista Martim Francisco, que se
coloca ao lado dos portuários de Santos, por ocasião da greve de agosto de 1912. Cf. Anais da
Câmara dos Deputados (1912). Rio de Janeiro, 1913, v. III.
7. O jornal que mais se identificou com a defesa da democracia social e deu grande cobertura ao
movimento operário foi O Combate, então dirigido por Nereu Rangel Pestana. Em 1919, Nereu
publicou uma série de artigos cheia de verve, denunciando as vinculações entre a oligarquia paulista
e os investidores alemães, assim como as condições de trabalho vigentes nas fábricas paulistas, sob o
pseudônimo de Ivan Subiroff — um misterioso “delegado da República dos Sovietes em São Paulo”.
No Rio, A Razão foi o órgão que mais se aproximou dessa posição, embora sustentasse uma postura
francamente contrária aos anarquistas, enquanto O Combate tinha uma linha de certa simpatia ou
indulgência para com os libertários.
8. Moniz Bandeira, Clóvis Melo e A. T. Andrade, O ano vermelho: a Revolução Russa e seus
reflexos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, p. 71.
9. O Combate é mutilado pela censura, a partir de novembro de 1917, aparecendo com espaços
em branco ou com supressões que obedecem a um estranho critério; em um título da coluna
“movimento operário”, a palavra “operário” desaparece. O jornal se queixa do maior rigor da censura
em São Paulo, em comparação com o Rio de Janeiro. Uma edição da revista humorística O Parafuso
é apreendida, e sua publicação prossegue com muitas dificuldades. Cf. O Combate, 20 nov. 1917, 21
jan. 1918 e 27 maio 1918.
10. O Combate, 21 maio/7 jul./17 out. 1918. Em um momento de pausa entre o fim do estado de
sítio e sua prorrogação, o jornal se refere ao grande alcance da repressão sobre o movimento
operário, que resultara no fechamento da maioria das organizações sindicais. Cf. O Combate, 28 fev.
1918.
11. Embora não haja dúvida quanto ao maior número de movimentos no Rio de Janeiro em 1918,
o registro de greves em São Paulo é meramente indicativo e ao que parece bem abaixo da realidade
(tabela 4.1). Quando a censura foi abolida, O Combate referiu-se de modo genérico a muitas greves
cujo noticiário fora proibido. Cf. O Combate, 19 dez. 1918.
12. Como exemplo expressivo, ver a greve em empresa têxtil contra a despedida de operários que
faltaram ao serviço para ir ao enterro de um colega. Cf. O Combate, 3 set. 1920.
13. Wilson Cano, op. cit., p. 160. Convém ressalvar que as pressões resultantes da ascensão dos
preços internacionais não equalizam tais preços e os preços internos. Cano (ibid., p. 153) dá o
exemplo do açúcar, cujo preço de exportação apresenta alta de 310% entre 1914 e 1918, enquanto as
cotações médias no mercado atacadista do Rio de Janeiro revelam alta de 160% para o “cristal
branco”, de 150% para o “cristal amarelo” e de 130% para o “mascavo”.
14. Um indicador dos preços de atacado dos principais gêneros alimentícios não apresenta
dificuldades, mas o mesmo não se dá com relação a certos itens, como aluguel, vestuário, consumo
de serviços. O maior problema reside, porém, na ausência de indicadores de salários, tanto gerais
como por categoria profissional. No que diz respeito à composição do orçamento familiar, é preciso
considerar que os hábitos alimentares da população operária de São Paulo, composta em grande parte
de imigrantes de origem italiana e seus descendentes, oferece certas particularidades: o charque tem
reduzida importância; pão de farinha de trigo, macarrão são produtos básicos. Uma indicação
interessante é a de Edgard Leurenroth e Hélio Negro (O que é o maximismo ou bolchevismo, apud
Everardo Dias, História das lutas sociais no Brasil. São Paulo: Edaglit, 1962, pp. 226 e 227),
contendo um cálculo detalhado das necessidades mínimas de uma família composta de marido,
mulher e duas crianças, em 1917. A soma alcança 207$650 mensais para um salário médio de
150$000.
15. Albert Fishlow, “Origens e consequências da substituição de importações no Brasil”. Estudos
Econômicos, v. 2, n. 6, 1972.
16. Wilson Cano, op. cit., p. 158. No que diz respeito à expansão do emprego no ramo dos têxteis
de algodão para um índice de 100, em 1910, há uma ascensão da seguinte ordem:
1910 — 100
1915 — 134
1916 — 158
1917 — 170
1920 — 201
17. Em todo o período, há apenas duas greves nitidamente políticas: a de 21 jul. 1919, contra a
intervenção das forças aliadas na União Soviética e na Hungria e contra as condições de paz impostas
à Alemanha pelo Tratado de Versalhes, que teve algum êxito em cidades do interior paulista e no
Distrito Federal; a greve carioca contra as deportações, de 15 out. 1919 (tabelas 4.7 a 4.9 e
Apêndice).
18. Uma abundante documentação do clima ideológico se encontra em Moniz Bandeira et al., op.
cit. Há, por outro lado, exemplos de pedidos de apoio à Liga das Nações e a organizações operárias
de países europeus. Durante a greve de maio de 1919, em São Paulo, o efêmero Conselho Geral dos
operários, formado no curso do movimento, apelou à CGT francesa e deliberou enviar um
representante à Comissão do Trabalho da Liga, para solicitar garantias em favor dos trabalhadores
brasileiros. Cf. A Plebe, 10 maio 1919; A Razão, 13 maio 1919.
19. Gilberto Amado, “A propaganda maximalista e sua superfluidade”, apud Moniz Bandeira et
al., op. cit., p. 243.

5. POLÍTICA E SINDICATO

1. Dados acerca do Partido Comunista-libertário de 1919 encontram-se em abundância em Moniz


Bandeira, Clóvis Melo e A. T. Andrade, O ano vermelho: a Revolução Russa e seus reflexos no
Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, pp. 158 ss.
2. A Plebe, 17 maio 1919.
3. A UGT representava uma continuação da Federação Operária, dissolvida pelas autoridades em
agosto de 1917. Ela própria seria fechada em novembro de 1919, ressurgindo com o nome de
Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, que, em março de 1920, abrangia 25 sindicatos. Cf.
Voz do Povo, 13 mar. 1920.
4. A Razão, 12 jan. 1919.
5. A Razão, 20/28 abr. 1918; 4 maio 1919.
6. A Razão, 22 mar. 1917.
7. Voz do Povo, 16/19 mar. 1920.
8. Voz do Povo, 30/31 mar. 1920. Dentre as associações presentes à reunião com o presidente
Epitácio Pessoa, encontravam-se o Centro União dos Calafates, a Associação dos Marinheiros e
Remadores, a Associação dos Motoristas Marítimos, o Centro dos Trabalhadores do Cais do Porto, o
Centro União dos Pintores, a Associação dos Carpinteiros Navais. Algumas dessas associações
definiam-se, entretanto, como defensores de um sindicalismo corporativo, e não como meros
apêndices do Estado. Não por acaso algumas delas compareceram ao Terceiro Congresso Operário,
realizado menos de um mês após a greve. Convém esclarecer que, quando me refiro a um
sindicalismo corporativo, aludo ao conteúdo e ao alcance das reivindicações, e não necessariamente à
forma de conceber a inserção do sindicato no sistema político.
9. Participaram do Terceiro Congresso Operário a Associação dos Carpinteiros Navais, a
Sociedade dos Trabalhadores em Trapiches e Café, a União dos Estivadores, a Associação dos
Marinheiros e Remadores, a União dos Foguistas e a União Culinária e Panificadora Marítima.
Apenas a última, entretanto, onde se destacava a figura de João Argolo, era um reduto anarquista. Cf.
Voz do Povo, 24 abr. 1920.
10. “Carta aberta aos camaradas foguistas, estivadores e trabalhadores em trapiches e café”, em
Voz do Povo, 3 nov. 1920.
10. A Razão, 30 jan. 1921; 11 fev. 1921. Aí se alude a ofício enviado pelo presidente do Centro
Marítimo, ao chefe de polícia, agradecendo-lhe os esforços desempenhados na defesa da entidade e
na manutenção da ordem.
12. As edições de A Razão trazem amplos relatos de comícios em Vila Isabel, na Gávea, no
Andaraí etc. Ver especialmente o número de 19 de dezembro de 1917, onde se estabelece uma
relação entre os esforços da Federação Operária e o considerável desenvolvimento dos organismos
sindicais naquele ano.
13. A Razão, 1 maio 1919.
14. Voz do Povo, 13 set. 1910. O comparecimento ao festival era considerado pela imprensa
anarquista, por definição, como ato de solidariedade, porque ele se destinava a obter fundos para criar
escolas operárias. Observem-se os indícios de um menor rigor ideológico na festa: toda a parte
teatral, por exemplo, está desvinculada da doutrinação e nela se insinua um “ato de cabaré”, em
princípio conflitante com o código puritano.
15. Na década de 1920, uma controvérsia sobre a figura de Oliveira na União dos Trabalhadores
Gráficos acabou produzindo um sério conflito entre facções rivais, no qual se imiscuiu a polícia. Em
consequência, dois operários morreram e o governo fechou o sindicato. John W. Dulles, Anarchists
and Communists in Brazil, 1900-1933. Austin: University Texas Publications, 1973, pp. 346 ss.
16. Uma descrição detalhada do movimento se encontra nos números de A Razão de nov./dez.
1917.
17. A Razão, 2 set. 1918. A recusa a ensinar o ofício, apesar da pressão dos mestres nas fábricas,
era vista como forma de reduzir a abundante oferta de força de trabalho. A UOFT publicou uma nota
sobre o problema em A Razão, 1 jan. 1919.
18. A Razão, 10 nov. 1918. Observar também, como indicador indireto, a grande comemoração do
primeiro aniversário da UOFT, reunindo 4 mil pessoas. A Razão, 5 ago. 1918.
19. O Combate, 18 maio 1919. Nicanor Nascimento fez na Câmara dos Deputados um excelente
relato de sua atividade em São Paulo, assim como das violências e arbitrariedades de todo tipo aí
praticadas. Ver Documentos Parlamentares, Legislação Social. Rio de Janeiro, 1920, v. II, pp. 691 ss.
20. A Razão, 2 set. 1919.
21. Voz do Povo, 30 jul. 1920. A alusão diz respeito às entidades que os patrões e a Igreja
procuraram criar em resposta à sindicalização operária autônoma. No Rio de Janeiro, destacou-se a
Associação dos Operários da América Fabril, inspirada por um gerente da companhia, que em 1920
reunia mais de 3400 sócios.
22. Declaração da diretoria da UOFT, em O Combate, 22 ago. 1919. É significativo observar que já
nessa época despontava no sindicalismo têxtil paulista uma forte tendência favorável a um “trade-
unismo” militante. A direção da UOFT, sob a presidência de um elemento jovem (Ângelo Viale),
distanciava-se ideologicamente dos anarquistas mas não rompia suas pontes com eles, combatendo
ao mesmo tempo a tentativa da Igreja, com apoio patronal, de criação de centros operários católicos.
A greve têxtil de março de 1920 recebeu amplo apoio da corrente libertária.
23. A Plebe, 30 set. 1919.
24. A Plebe, 27 mar. 1920.
25. Um relato minucioso dos episódios da greve se encontra nas edições de O Combate de
mar./abr. 1920.
26. A Plebe, 24 jul. 1920. Outras referências a pedidos para fazer horas extras, a dispensas para ir
ao futebol, à “inconsciência de elementos da classe” encontram-se nos números de ago./set. 1920.
27. Segundo O Combate, a Liga Operária da Construção Civil de São Paulo tinha em março de
1920 mais de 5 mil sócios. A estimativa parece mais próxima da realidade do que a afirmação da Voz
do Povo, segundo a qual, na mesma época, o sindicato da categoria reuniria cerca de 30 mil
trabalhadores.
28. Ver detalhes da mobilização popular pela reabertura da sede da construção civil em Voz do
Povo, 19/20/24 jun. 1920.

6. DUAS MOBILIZAÇÕES

1. A descrição e a análise que se seguem reproduzem com modificações meu trabalho “Conflito
social na República oligárquica: a greve de 1917”. Estudos Cebrap n. 10, out./dez. 1974.
2. Há antecedentes desse gênero de desconto forçado que apela para o sentimento nacional. Já em
1901, os operários de uma fábrica de chapéus se viam obrigados a contribuir para os funerais do rei
Humberto. Avanti, 19 jan. 1901.
3. Os quatro irmãos Jafet, de origem sírio-libanesa, instalaram-se em São Paulo entre 1887 e 1893
e entraram na manufatura de tecidos em 1906. Cf. Warren Dean, A industrialização de São Paulo.
São Paulo: Difel, 1971, p. 37. Em 1917, já haviam estabelecido sólidos laços com a oligarquia de São
Paulo, e um deles integrava o diretório do Partido Republicano Paulista no bairro do Ipiranga.
4. O Estado de S. Paulo, 27 mar. 1966.
5. Para uma discussão do “espírito de Carnaval” como categoria afetiva, ver David Rock, “Lucha
civil en la Argentina. La Semana Tragica de enero de 1919”. Desarrollo Econômico, n. 42/44, jul.
1971/mar. 1972.
6. O Estado de S. Paulo, 13 jul. 1917.
7. A imprensa anarquista refere-se vagamente à recusa de tropas do Exército em seguir para São
Paulo, a fim de auxiliar a Força Pública (A Plebe, 8 set. 1917). Everardo Dias alude a vários casos de
insubordinação tanto na milícia estadual como no Exército.
8. A mediação da imprensa, cujo sentido tento apreender mais adiante, teria resultado
episodicamente de um contato entre o capitão da Força Pública, Miguel Costa, e Nereu Rangel
Pestana, diretor de O Combate. Ao mesmo tempo que dava ordens para reprimir a agitação, o capitão
seria simpático às demandas dos trabalhadores, sugerindo a Rangel Pestana essa via de entendimento.
Cf. John W. Dulles, Anarchists and Communists in Brazil, 1900-1933. Austin: University Texas
Publications, 1973, p. 52. O anedótico revela uma linha de grande coerência no comportamento do
futuro líder do movimento tenentista. Nos primeiros anos da década de 1930, Miguel Costa
empenhou-se em São Paulo no estabelecimento de uma aliança entre tenentistas e organizações
operárias, influindo diretamente na organização de alguns sindicatos, como o dos estivadores do
porto de Santos.
9. Edgard Leuenroth figurava como secretário do Comitê. Os cinco demais membros eram
Antonio Candeias Duarte, pequeno comerciante, que sob o pseudônimo de Hélio Negro escreveria
em 1919, com Leuenroth, a brochura O que é o maximismo ou bolchevismo; Francisco Cianci,
litógrafo; Rodolfo Felipe, serrador, futuro responsável de A Plebe; Luigi (Gigi) Damiani; Teodoro
Monicelli, diretor do jornal socialista Avanti. À exceção de Monicelli, esses nomes representavam a
liderança anarquista articulada, independentemente de sua condição social.
10. O padrão observado no movimento de 1907 não se repetiu. Em regra, as maiores empresas
chegaram mais prontamente a um acordo. Provavelmente, isso se deve ao fato de que elas
começavam a obter lucros elevados e estavam em condições de oferecer um aumento, em torno de
20%, que não chegava a reconstituir o salário real de 1913.
11. As indicações da imprensa, por volta de julho de 1917, são significativas. A Gazeta de 19 de
maio refere-se ao aumento da lata de banha de 2$500/2$800 para 3$000/3$200; à elevação do preço
da saca de batata, em quinze dias, de 6$500/7$500 para 9$000/12$000. O Fanfulla de 19 de julho
alude ao açambarcamento do arroz em casca no interior do estado, com o preço da saca subindo, em
dois meses, de 12$000 para 20$000.
12. Ver especialmente as reportagens diárias de A Gazeta a partir de 5 de maio de 1917.
13. Referindo-se ao horário de trabalho de treze horas diárias na fábrica Crespi, A Plebe de 16 de
junho de 1917 afirma que na Rússia se trabalha apenas seis horas.
14. Maram valoriza bastante esse aspecto, chamando a atenção para o tempo de permanência no
país da massa e da liderança operária de origem estrangeira. Segundo seus dados, cerca de 60% da
imigração para São Paulo se deu antes de 1905 e aproximadamente 80% dos italianos chegaram ao
estado pelo menos treze anos antes de 1917. Utilizando-se sobretudo de fontes operárias, Maram
observa que, entre 29 dirigentes estrangeiros do movimento operário, cujos dados lhe foi possível
levantar, 27 haviam chegado criança ao Brasil ou tinham mais de cinco anos de residência em 1917.
Sua conclusão é que, por essa época, os sonhos de mobilidade social e de regresso ao país de origem
estavam desfeitos e muitos se inclinavam a organizar-se para enfrentar as duras condições de vida.
15. Ao contrário do que sucedia com Matarazzo, a consciência da situação não era o forte de
Crespi. Ver esta bela passagem de Warren Dean, relativa à greve generalizada de outubro de 1919,
quando Crespi propôs no Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem de São Paulo que se
respondesse à greve com o lockout patronal: “a ideia foi jubilosamente aceita por todos, exceto pelo
representante das IRMF (de Matarazzo), que declarou precisar consultar seu patrão. No dia seguinte
apareceu o Conde, no meio da deferência geral dos membros. Pereira Ignácio propôs que a
assembleia se congratulasse com a presença do ‘Príncipe da Indústria Paulista’. Matarazzo, contudo,
não estava disposto a participar da euforia do momento. Levantou-se e sugeriu, sem floreios de
retórica, que simplesmente se convidassem os operários a voltar ao trabalho, pois a greve da Light já
fora solucionada. Os membros, sem exceção, inverteram a posição assumida no dia anterior e
votaram pela moção de Matarazzo”. Warren Dean, op. cit., p. 175.
16. O Fanfulla de 27 de junho de 1917 critica o lockout e apela a Crespi para que siga o exemplo
de outros industriais que estão fazendo concessões.
17. Ver, especialmente, Leôncio Martins Rodrigues: “A greve de 1917 não foi o resultado de um
avanço do sindicalismo ou um movimento organizado com mira a objetivos fixados de antemão, mas
uma explosão repentina, fruto da convergência de vários fatores, entre os quais a carestia, e,
possivelmente, as repercussões da Revolução Russa. As próprias lideranças operárias, ainda que
procurassem aproveitar a greve, foram tomadas de surpresa, tanto quanto os empregadores e o
governo, como indica a formação apressada, e quase espontânea, do Comitê de Defesa Proletária”.
Leôncio Martins Rodrigues, Conflito industrial e sindicalismo no Brasil. São Paulo: Difel, 1966, p.
147.
18. O Combate de 10 julho de 1917, por exemplo, critica o fechamento pelas autoridades da Liga
Operária da Mooca, lembrando que ela estava procurando orientar a greve da Mariângela e outras
empresas, com o objetivo de evitar explosões individuais.
19. A Gazeta de 5 de maio de 1917 chama expressamente a atenção do governo para os riscos de
uma explosão popular.
20. O primeiro número de A Plebe é de 9 de junho de 1917. A edição de 16 de junho alude ao
êxito das ligas operárias, especialmente a da Mooca, que em poucos dias teria recebido seiscentas
adesões.
21. Fanfulla, 10 jun./8 jul. 1917. A Plebe, 9 jul. 1917. O Fanfulla de 9 de julho destaca os grandes
progressos da Liga, que, segundo o jornal, poderá ter importante papel na coordenação do
movimento grevista.
22. Fanfulla, 21/ 22 maio 1917.
23. A Plebe, 21 jul. 1917.
24. A Plebe, 28 jul. 1917; 14 jun. 1919.
25. O Estado de S. Paulo, 13 jul. 1917; Warren Dean, op. cit., p. 178.
26. O Combate de 12 de julho de 1917 elogia o secretário da Justiça por seus métodos moderados,
“que chegam a provocar queixas”. A 10 de julho, antes do enterro do sapateiro Martinez, o delegado
geral Tirso Martins conferencia com uma comissão de grevistas e os patrões, “embora não fosse esta
a missão da polícia”. Ao mesmo tempo, autoriza os trabalhadores a reunir-se no prado de corridas da
Mooca. Cf. O Estado de S. Paulo, 11 jul. 1917.
27. Ver a análise do significado do paternalismo de Street e uma bela descrição de sua “moderna
aldeia”, em Warren Dean, op. cit., p. 168.
28. O Estado de S. Paulo, 20 jul. 1917.
29. A função de representação dos jornalistas não era nova. Em uma greve têxtil na empresa do
conde Álvares Penteado, as negociações se fizeram entre o diretor da Tribuna Italiana, em nome do
empresário, e do diretor do Avanti, em nome dos trabalhadores. Avanti, 2 mar. 1901.
30. “Exaltações lamentáveis”. O Estado de S. Paulo, 10 jul. 1917.
31. “A Verdade”. O Estado de S. Paulo, 19 jul. 1917.
32. O Estado de S. Paulo, 20 jul. 1917.
33. O Combate, 14 jul. 1917.
34. A direção do sindicato têxtil se renovava de seis em seis meses. Por essa época, estavam à sua
frente Manuel Castro (presidente) e Joaquim Morais (secretário). Morais foi expulso do país em
princípios de 1920.
35. O relato sucinto se baseia em Moniz Bandeira et al. (O ano vermelho: a Revolução Russa e
seus reflexos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967), onde estão transcritos vários
depoimentos prestados no inquérito policial.
36. Para uma descrição desses movimentos, ver Edgard Carone, A República Velha (Evolução
política). São Paulo: Difel, 1971.
37. John W. Dulles, op. cit., p. 69.
38. Em meados de novembro, calculava-se que dos 914 292 habitantes do Rio de Janeiro, 401 950
tinham sido atingidos pela epidemia, que produzira 14 459 mortes. Ibid., p. 71.
39. A Razão, 10 nov. 1918.
40. Ver especialmente o artigo “O joio e o trigo”, em A Razão, 19 nov. 1918. Nele se trata de
distinguir entre as reivindicações do operariado e o motim anarquista, possivelmente incentivado
pelas maquinações de políticos descontentes.
41. Decreto n. 13295, de 22 nov. 1918.
42. A crítica atingiu um ponto sensível. Chapeleiros, marmoristas, o Centro Cosmopolita
emitiram comunicados explicando que não havia condições para desfechar uma greve de
solidariedade. A Associação Gráfica, fiel a sua linha corporativa, lembrou não estar filiada à UGT,
lamentando ainda o desvirtuamento parcial das finalidades da greve, embora se declarasse ao lado
das reivindicações legítimas. A Razão, 24/25/28 nov. 1918.
43. A Razão, 27/29 nov./1 dez. 1918.
7. ASSIMILAÇÃO E REPRESSÃO

1. Rui Barbosa, Contra o militarismo: campanha eleitoral de 1909 a 1910. Rio de Janeiro: J.
Ribeiro dos Santos, s.d., pp. 11-2.
2. Correio da Manhã, 27 dez. 1909.
3. A Razão, 17 nov. 1918 (apud Sheldon L. Maram, Anarchists, Immigrants and the Brazilian
Labor Movement, 1890-1920 (mimeografado).).
4. O relato se baseia em Rui Barbosa, Campanha presidencial (1919). Bahia: R. dos Santos,
1919.
5. “A questão social e política do Brasil”, in ibid.
6. Ver o remate da conferência sobre a questão social e política: “No Brasil não há mais nada.
Deixemos, pois, de escrúpulos e levantemos o culto da Fortuna. Dinheiro! Felicidade! Audácia! Com
uma tal aviltação política, o Brasil não é só um baldio abandonado às experiências e avidezas dos
aventureiros nacionais. É uma presa voluntária, oferecida às liberalidades e intrigas da absorção
estrangeira. Operários brasileiros, se renunciais à vossa terra, olhai, enquanto seja tempo, pela vossa
pátria”.
7. A Plebe dedicou vários artigos no primeiro semestre de 1919 à candidatura Rui, apontando as
contradições deste e denunciando a demagogia de O Estado de S. Paulo, que o definia como
candidato da classe operária. Ver em especial A Plebe, 22 fev. 1919.
8. Pereira Ignácio & Cia. Correspondência, jun. 1919.
9. O Centro Industrial do Brasil, fundado em 1904, reunia de fato apenas empresários do Distrito
Federal e do estado do Rio. Por volta de 1918, Street dirigia fábricas têxteis tanto em São Paulo como
no Rio de Janeiro.
10. A Razão, 22 fev. 1919.
11. O País, 12 jun. 1919. Transcrito em Documentos Parlamentares, Legislação Social. Rio de
Janeiro, 1922. v. 3, pp. 873 ss. O ponto de vista dos adversários de Street se encontra expresso em
artigos publicados no Jornal do Comércio, durante o mês de junho de 1919.
12. Decretos Legislativos n. 1150, de 5 jan. 1904, e n. 1607, de 29 dez. 1906.
13. A principal fonte de legislação social e dos projetos nesse sentido são os Documentos
Parlamentares, Legislação social (Rio de Janeiro, 1919-22. 3 v.). Sobre a Lei Tosta há um
interessante comentário em José Albertino Rodrigues, Sindicato e desenvolvimento no Brasil. São
Paulo: Difel, 1968, p. 50.
14. Legislação Social, v. 2, p. 383. Em sua defesa da propositura, Tosta ressaltava o contraste
entre uma lei de paz e concórdia como a sua, capaz de favorecer a criação de organismos de
conciliação, e pactos do gênero que os estivadores do Rio de Janeiro e Buenos Aires firmaram em
1904, dando origem à Associação de Resistência dos Marinheiros e Remadores, a qual procurara
impor despoticamente sua vontade aos proprietários de navios e armadores.
15. Na explicação do comportamento de Maurício de Lacerda, o meio cultural predomina sobre
as origens sociais. É provável que a figura florianista e em certa medida plebeia de Nilo Peçanha, um
dos chefes do PR fluminense, tenha tido bastante importância em sua formação. Lacerda escudou-se
inutilmente em seu nome, quando foi excluído do partido em 1921.
16. Voz do Povo, 29 fev. 1920; A Plebe, 26 jun. 1920.
17. Os dados gerais das biografias de Maurício de Lacerda e Nicanor Nascimento e de sua
atividade na Câmara foram extraídos essencialmente de James Paul McConarty, The Defense of the
Working Class in the Brazilian Chamber of Deputies, 1917-1920. Tulane University, 1973
(mimeografado). Para as divergências entre Lacerda e o governo Vargas, ver Maurício de Lacerda,
Segunda República. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1931.
18. Diário do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, sessão de 22 nov. 1918. Lacerda
achava-se ausente na ocasião.
19. Legislação social, v. 2.
20. James P. McConarty, op. cit., onde aliás esse aspecto é enfatizado.
21. Legislação social, v. 1, pp. 120 ss.
22. A Razão, 13 jul. 1918.
23. Legislação social, v. 2, pp. 452 e 713 ss.
24. James P. McConarty, op. cit., pp. 24-5.
25. Nicanor Nascimento explorou longamente a discrepância entre o positivismo gaúcho e o
Apostolado na sessão da Câmara de 30 de julho de 1918. Legislação social, v. 1, pp. 316 ss.
26. Legislação social, v. 1, pp. 258 e 259. É óbvio que o estereótipo do “continuum” de classes na
esfera industrial possuía uma parcela de verdade e refletia um momento de transição em que as
classes polares começavam apenas a se formar.
27. Anais da Câmara dos Deputados (1918), Rio de Janeiro, v. VI, p. 671, 1919.
28. Legislação social, v. 1, p. 602. O deputado gaúcho referia-se também ao exemplo uruguaio,
sempre presente para os políticos do Rio Grande do Sul, mostrando que a legislação instituída por
Battle y Ordonez não impedira os grandes surtos grevistas naquele país.
29. Legislação social, v. 1, pp. 490-1.
30. Lei n. 3724, de 15 jan. 1919. O diploma acolheu o princípio do risco profissional, mas
estabeleceu muitos limites à indenização, inclusive no tocante ao seu “quantum”.
31. Um caso excepcional bastante curioso, por estar ligado a uma mobilização de vulto, é o da
greve dos sapateiros cariocas de 1906. A relativa neutralidade demonstrada pela polícia provoca
expectativas favoráveis entre os operários e a queixa dos industriais. Ver Maria Cecília Baeta Neves,
“Greve dos sapateiros de 1906 no Rio de Janeiro: notas de pesquisa”. Revista de Administração de
Empresas, n. 13, abr./jun. 1973.
32. Uma campanha do Partido Operário do Distrito Federal logo resultou em modificações desses
dispositivos (Decreto n. 1162, de 12 de dezembro de 1890). A principal alteração consistiu em
considerar crime a cessação do trabalho somente quando houvesse ameaças ou violências. A partir
daí, Evaristo de Moraes sustentou inutilmente que a greve pacífica passara a ser um direito
reconhecido no país. Cf. Evaristo de Moraes, Apontamentos de direito operário. 2. ed. Rio de
Janeiro, 1971, p. 58.
33. Decreto n. 1641, de 7 de janeiro de 1907. Anteriormente, as expulsões — em regra sem
conteúdo político — se faziam através de atos específicos e por aplicação do Código Penal de 1890,
dando margem a muitas controvérsias. Por breve tempo (outubro a dezembro de 1892), vigeu no
governo de Floriano Peixoto uma lei de expulsão, como instrumento repressivo das revoltas do
período. Uma boa análise da aplicação do Decreto de 1907 e seus antecedentes se encontra em
Sheldon L. Maram, op. cit., pp. 38 ss.
34. John W. Dulles, Anarchists and Communists in Brazil, 1900-1933. Austin: University Texas
Publications, 1973, p. 61.
35. O Combate, 26 set. 1917.
36. Entre os deportados, Antonio Nalipinski, sapateiro, residente no Brasil há 25 anos; José
Fernandez, pedreiro, com cinco anos de residência; Antonio Lopes, tecelão, residente no país há onze
anos etc. Um bom relato da viagem do Curvello e do Avaré foi feito por Florentino de Carvalho nos
números de A Plebe de maio/junho de 1919, sob o título “A nossa expulsão. Apontamentos para as
famílias burguesas”. Ver também as edições de O Combate entre outubro de 1918 e março de 1919.
37. A Razão, 23 set. 1917.
38. A Plebe, 31 out. 1917; Everardo Dias, História das lutas sociais no Brasil. São Paulo: Edaglit,
1962, p. 91.
39. Edgard Carone, A República Velha. Instituições e classes sociais. São Paulo: Difusão
Europeia do Livro, 1970, p. 167. Em outubro de 1919, por exemplo, a Liga Nacionalista de São
Paulo lançou um manifesto contrário à greve dos serviços públicos.
40. Spartacus, 20 set. 1919; A Plebe, 30 out. 1919.
41. Spartacus, 27 set. 1919. Entre os signatários, Astrojildo Pereira, Otávio Brandão, Minervino
de Oliveira, Carlos Dias, Antonio Bernardo Canelas, Luiz Peres, Domingos Passos.
42. Afonso Schmidt, “Palavras de um comunista brasileiro à Liga Nacionalista e à mocidade das
escolas”. A Plebe, 13 dez. 1919.
43. John W. Dulles, op. cit., p. 109.
44.“A reação vem aí!”. A Plebe, 13 set. 1919; Spartacus, 20 set. 1919. Observar o uso da
expressão “classes produtoras” mais tarde apropriada e pervertida pela burguesia industrial.
45. Segundo os dados aproximativos oficiais, 66 pessoas foram expulsas em 1919 e 75 em 1920,
número somente superado entre 1907 e 1921 pelo primeiro destes anos, quando ocorreram 132
expulsões. Não se distinguem as razões (políticas ou não) das medidas. Anuário Estatístico do Brasil,
Ano V (1939-1940). Rio de Janeiro, 1941.
46. A Razão, 15 out. 1919; A Plebe, 7 fev. 1920; Voz do Povo, 20 fev. 1920.
47. A Razão, 15 out. 1919; A Plebe, 31 jan./7 fev. 1920; Voz do Povo, 20 fev./29 jul./14 nov. 1920.
O caso de Everardo Dias foi por ele narrado em Memórias de um exilado: episódios de uma
deportação. São Paulo, 1920. Para sua defesa por Maurício de Lacerda, ver Anais da Câmara dos
Deputados (1919). Rio de Janeiro, 1920, v. X e XII.
48. A Plebe, 22 nov. 1919; Voz do Povo, 13/16 out. 1920.
49. A Plebe, 3 abr. 1920.
50. Decreto n. 4247, de 6 de janeiro de 1921. A prova do exercício de profissão lícita destinava-se
sobretudo a reprimir a prática do lenocínio, constante preocupação do governo federal.
51. Decreto n. 4269, de 17 de janeiro de 1921.
52. Para a ação de Pupo Nogueira, ver Warren Dean, A industrialização de São Paulo. São Paulo:
Difel, 1971, pp. 176 ss.
53. Regulamentação do trabalho em domicílio (1918); aposentadoria de empregados em serviços
públicos (1920); reciprocidade em matéria de indenização por acidentes com as leis da Espanha e da
Itália (1918); regulamentação do trabalho do menor (1924); jornada de oito horas diárias e semana de
48 horas (1929). Cf. Julio Godio, El Movimiento obrero y la cuestión nacional. Argentina:
inmigrantes asalariados y lucha de clases 1880-1910. Buenos Aires: Erasmo, 1972, pp. 193 ss.; e
Darío Cantón et al., La Democracia constitucional y su crisis. Buenos Aires: Paidós, 1972 (Coleção
de História Argentina, 6, dir. por Túlio Halperin Donghi).
Fontes citadas

JORNAIS

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O Combate
O Comércio de São Paulo
Correio da Manhã
Correio Paulistano
Diário Popular
O Estado de S. Paulo
Fanfulla
A Gazeta
A Plateia
A Razão
Imprensa operária ou irregular
O Amigo do Povo
Avanti
La Battaglia
O Chapeleiro
Dealbar
Gazeta Operária
O Gráfico
A Guerra Social
O Jacobino
A Lanterna
O Livre Pensador
A Nação
A Plebe
Spartacus
A Terra Livre
Voz do Povo
Voz do Trabalhador
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Apêndice

A relação das páginas seguintes enumera as greves do período 1917-21, no Rio de Janeiro e em
São Paulo. A partir da enumeração foram elaboradas as tabelas constantes do texto. Considerei
importante transcrever os dados brutos porque eles elucidam vários pontos que as tabelas deixam de
esclarecer: é o caso da indicação dos movimentos mais significativos, assinalados por um asterisco
(*). De qualquer forma, a relação é também meramente indicativa. O número de greves foi maior do
que o arrolado não só porque se pode supor a não referência a pequenas mobilizações como ainda
porque torna-se impossível computar referências genéricas aludindo à existência de “greves em
várias fábricas de móveis”, “greves em várias oficinas gráficas” etc. Saltam também aos olhos as
lacunas quanto ao número de participantes, duração e especialmente resultados. De qualquer modo,
preferi manter as raras indicações.
ARROLAMENTO DE GREVES
SAO PAULO — CAPITAL — 1917-8
ÂMBITO DURAÇÃO OU
(EMPRESA, OBJETIVO No REFERÊNCIA RESULTADO
RAMO ETC.) INICIAL
Crespi
Aumento, contra descontos 400 07/05/1917
(seção)
Lanifício
Ítalo- Aumento, higiene, menores, multas 500 07/05/1917
Paulista
Aumento, 8 horas, regulamentação do trabalho de
Greve 50 05/07 a
mulheres e menores, liberdade sindical, medidas contra a parcial
Geral* 000 25/07/1917
carestia e falsificação de gêneros
Tecidos
Contra demissões, contra regulamento 1000 05/09/1917 positivo
Ipiranga
Tecidos e
Bordados Contramestre — 05/09/1917 positivo
Lapa
Tecidos
Aumento 2600 16/10/1917
Mariângela
Crespi Cumprimento de acordo 2000 11/12/1917
Fábrica
Penteado Má qualidade matéria-prima — 06/07/1918
(seção)
ARROLAMENTO DE GREVES
SÃO PAULO — CAPITAL — 1919
DURAÇÃO
ÂMBITO
OU
(EMPRESA, OBJETIVO No RESULTADO
REFERÊNCIA
RAMO ETC.)
INICIAL
Cia. Nacional de Contra multas por produção insuficiente. 13/01 a
3400 negativo
Tecidos de Juta Solidariedade com demitidos 15/01
Cristaleria Atraso de salários, aumento, 8 horas, melhores 14/01 a
— negativo
Franco-Paulista condições gerais 15/01
+ de 27/01 a
Padeiros (ramo) Descanso dominical positivo
5000 03/02
Cia. Ind. Têxteis Contra redução salarial 1200 — —
Louças Sta.
Contra redução salarial 800 10/02 —
Catarina
Mariângela
Contra redução de horas — 28/03 —
(seção)
Aumento, qualidade da matéria-prima, 8 horas,
Pinto Vilela liberdade sindical, regulamentação do trabalho de — 21/04

(chapéus) Greve mulheres e menores, salário mínimo, contra 40 02/05 a
parcial
Geral* carestia, congelamento de aluguéis, falsificação de 000 24/5
gêneros
8 horas, pagamento em dia, aumento, abolição do
Cristaleria
trabalho de menores, reconhecimento sindical, não — 27/05
Colombo
despedida dos grevistas
Viúva Graig Cumprimento do acordo 300 29/05
Pentes Orion Cumprimento do acordo 02/06
Guayn & Co.
— —
(metalúrgica)
Vidreiros (ramo) 8 horas, contra descontos 01/06
Sapateiros
— —
(ramo)
06/06 a
Mariângela —
07/06
06/06 a
Tecidos Vitória — 600
07/06
Cia. Indústria
Solidariedade, reconhecimento sindical 13/06
Têxteis
01/07 a
Oficinas da SPR Cumprimento de acordo 2000 positivo
03/07
Cia. Nacional de Má qualidade da matéria-prima, multas, trabalho 01/07 a
parcial
Tecidos de Juta infantil 05/07
Casa da Boia 8 horas 07/07 a
(metalúrgicos) 08/07
Lobato & Cia.
Contra gerente 08/07 —
(gráfica)
Parafusos Sta.
Maus-tratos a menores —
Rosa
Cia. Nacional de
Tecidos de Juta — — —
(seção)
Martins Barros
Aumento, reconhecimento sindical 17/07
(metalúrgica)
Cofres
Nascimento — 17/07
(seção)
Correio
Paulistano — 17/07
(gráficos)
Casa Tolle
Contra trabalho por peça 01/08
(alimentação)
Casa Duprat Termina a
— positivo
(gráficos) 10/08
Princípios
Moinhos Gamba — — —
agosto
10/08 a
Gráfica (1) Contramestre — —
25/08
Armazéns IRFM Aumento — 10/08
Martins Barros Contra trabalho por peça — 17/08
Construção Civil 18/08 a
Aumento — positivo
(1) 20/08
Mappin Stores 18/08 a
Reconhecimento sindical — negativo
(marceneiros) 20/08
Cerâmica Sta. Cumprimento de acordo, reconhecimento sindical,
1000 20/08
Catarina contra caixa beneficente
Nami & Cia.
Atraso salarial — 20/08
(cristaleria)
Paulista de 21/08 a
Reconhecimento sindical, contramestre — positivo
Aniagem 22/09
Cia. de Gás
23/08 a
(serviços de Aumento positivo
25/08
carga)
Alpargatas 23/08 a
Contramestre negativo
(seção) 25/08
Cristaleria Itália Contra demissões, reconhecimento sindical, contra 26/08
diretores
Reconhecimento sindical, 8 horas, indenização por 01/09 a
Madeira (ramo) parcial
acidentes 18/09
Wilson & Cia. Aumento 02/09
Crespi (seção) Aumento 02/09
Tipografia Del
— 02/09
Guerra
Vidraria Sta. + de
Aumento 05/09
Marina 1000
Cia. Mecânica
Cumprimento de acordo — 09/09
(serraria)
Cia. Armour Reconhecimento sindical 1100 10/09
Armazéns da SPR Aumento 600 10/09
A Gazeta
— — —
(gráficos)
Fábrica Labor 11/09 a
Reconhecimento sindical — positivo
(tecidos) 15/09
Têxtil Barra
Solidariedade — 13/09
Funda
Canteiros da
Aumento — 13/09
Catedral
Molduras Aurora 8 horas, aumento, reconhecimento sindical — 17/09
Louças
Contra maus-tratos a crianças — 19/09
(1 empresa)
8 horas, aumento, contra demissões de dirigentes
Limpeza Pública 22/09 a
sindicais, melhor tratamento, demissão de subchefe, — parcial
(ramo)* 01/10
indenização por acidentes
Casa Puzzi 25/09 a
Atraso no pagamento — positivo
(gráficos) 26/09
Casa Vanorden
Atraso no pagamento — 25/09 —
(gráficos)
Trigueiro Godoy
Aumento — 26/09
(calçados)
Cantareira Aumento, contra multas, solidariedade com
— 04/10
(ferroviários) demitidos
Malharia Leão — 04/10
Vassoureiros
8 horas, aumento 09/10 parcial
(ramo)
Greve Aumento, 8 horas, abolição de multas, contra 20 24/10 a
negativo
Interprofissional* demissões, liberdade sindical 000 27/10
Tipografia
Aumento 11/11
Ipiranga
Matarazzo Solidariedade 25/12 a parcial
(Belenzinho) 07/01/1920
ARROLAMENTO DE GREVES
SAO PAULO — CAPITAL — 1920
ÂMBITO (EMPRESA, DURAÇÃO OU
OBJETIVO No RESULTADO
RAMO ETC.) REFERÊNCIA INICIAL

Cotonifício Gamba Solidariedade, contra chefia 500 06/01


Klabin (papel) Aumento, 8 horas 400 06/01
Calçados Morelli Aumento — 08/01
Cervone e Zaparolli
Solidariedade — 14/01
(chapéus)
Tecidos Lusitânia Aumento — 16/01
Aumento, má qualidade do
Casa Espíndola (gráficos) — 23/01
material
O Estado de São Paulo
Aumento, descanso semanal — 27/01
(gráficos)
João Sangiorgi (chapéus) Contramestre — 03/02
Maria Zélia (têxtil) — — —
Tecidos Paulistânia Solidariedade — 12/02 a 13/02
Tecidos Lusitânia Solidariedade — 12/02 a 13/02
Limpeza Pública (ramo) Aumento, horário, multas — 27/02
Contra prisão de dirigentes
Construção Civil (ramo) — 07/03
sindicais
Domingos Pinto
— — —
(canteiros)
Calçados Rocha Cumprimento de acordo — 21/03
Jacobb Grusmer
Aumento — 21/03
(calçados)
15/03/1920 a
Têxteis (ramo)* Liberdade sindical, aumento — negativo
20/04/1920
27/03/1920 a
Greve interprofissional Solidariedade c/ têxteis —
05/04/1920
Reconhecimento sindical,
Metalúrgica Aliberti — 07/04 a 08/04 positivo
solidariedade
Martins Barros — — 07/04
Calçados Navajas Contramestre — 24/04 a 25/04 positivo
Cia. Nacional Tecidos Solidariedade, contra Centro
3400 02/06
Juta católico
Calçado União — — 16/06
N. Barros & Cia.
Aumento — 20/06
(chapéus)
Ferragens Brasil (seção) Solidariedade — 20/06
Chapéus Tangi Solidariedade — 15/07
Calçados Bordalo (seção) Aumento — 18/08
Fábrica Vitória (têxtil) Solidariedade 600 02/09 a 20/09 negativo
Calçados Rocha Contramestre — 12/09
Solidariedade com mestre
Tecidos Lusitânia — 15/09 a 20/09 negativo
demitido
Rotisserie Sportsman
Solidariedade 40 30/09 a 01/010 parcial
(garçons)
Tipografia Siqueira Atraso salarial — 08/10
Metalúrgica Aliberti Contra o regulamento interno 1000 15/10
Contramestre, gerente,
Calçados Rocha 250 29/10
solidariedade
Tecidos D. Isabel Solidariedade — 16/11
Calçados Romão
Espanha Aumento — 27/12
(seção)
ARROLAMENTO DE GREVES
SÃO PAULO — INTERIOR — 1917-20
DURAÇÃO OU
ÂMBITO (EMPRESA,
OBJETIVO No REFERÊNCIA RESULTADO
RAMO ETC.)
INICIAL
Canteiros (Cotia,
Aumento — 10/05/1917
Ribeirão Pires)
2 11/05 a
Votorantim (têxtil) Atraso no pagamento, despedidas
800 12/05/1917
Greve Geral* (Idêntico ao da capital) — 16/07 a 25/07 parcial
Cia. Mecânica (S.
Solidariedade — 30/08/1917
Caetano)
18/01 a
Votorantim Contramestre 1200 negativo
04/02/1918
Ferrara & Longo
Salário, lei municipal — —
(canteiros Cotia)
Padeiros (ramo —
Contra lei municipal — janeiro 1919 positivo
Santos)
08/01 a
Ferrara & Longo Redução salarial —
13/01/1919
Canteiros (ramo —
Redução salarial — 08/01/1919
Ribeirão Pires)
Mac Hardy
Aumento — 10/03/1919
(Campinas)
Greve 06/05 a
Idêntico ao da capital — parcial
interprofissional* 24/05/1919
Tecidos Lucinda (S. 23/06 a
Aumento salarial —
Bernardo) 15/07/1919
01/07 a
E. F. Sorocabana Aumento, 8 horas —
09/07/1919
Greve Contra a intervenção dos aliados na Rússia
— 21/07/1919
interprofissional e Hungria. Contra o Tratado de Versalhes
Frigorífico Armour 18/08 a
Contramestre —
(Osasco) 28/08/1919
Cia. Nacional de
Má qualidade da matéria-prima 500 28/08/1919
Estamparia
Northern Railroad — — 12/10/1919
City (bondes — Contra concorrência do Corpo de 16/10 a

Santos) Bombeiros 24/10/1919
Gráficos (ramo — 20/10 a
Solidariedade —
Santos) 22/10/1919
Greve Aumento, 8 horas, pagamento/ hora, contra
— 25/10 a 27/10 negativo
interprofissional multas e demissões
Canteiros (1 empresa Aumento 13/11/1919 parcial
— Ribeirão Pires)
IRFM (S. Caetano) Aumento — 08/03/1920 parcial
Greve
Solidariedade c/ têxteis da capital — 25/03/1920
Interprofissional
30/03 a
E. F. Mogiana* 8 horas, aumento, reconhecimento sindical — negativo
08/04/1920
Construção Civil
— — 21/04/1920
(ramo — Santos)
Chapéus Prada
Contra demissão de dirigente sindical — 24/04/1920
(Limeira)
Tecidos N. S. da 18/06 a
8 horas — parcial
Ponte (Sorocaba) 21/06/1920
Canteiros (ramo — 05/08 a
— —
Ribeirão Pires) 13/09/1920
O Comércio de
Solidariedade — 08/10/1920
Santos (gráficos)
SPR (armazéns —
Aumento salarial — 18/10/1920
Santos)
Greve
interprofissional Aumento salarial — 18/10/1920
(Jaú)
Tecidos Lucinda (S.
8 horas, aumento — 05/12/1920
Bernardo)
Aumento, reconhecimento sindical, contra 28/11/1920 a
Docas de Santos* 6000 parcial
demissões 12/02/1921
ARROLAMENTO DE GREVES
RIO DE JANEIRO — 1917
ÂMBITO DURAÇÃO
(EMPRESA, OU
OBJETIVO No RESULTADO
RAMO REFERÊNCIA
ETC.) INICIAL
Fábrica de
06/01 a
Tecidos Solidariedade com despedidos 1600 negativo
13/01
Carioca
Marítimos Contra a venda de navios, garantia de tripulação, 18/03 a
— positivo
(ramo) aumento 19/03
Sul
América Contra redução salarial 21/03
(sapatos)
Corcovado
Contra redução salarial — —
(têxtil)
8 horas, fim da empreitada. Aumento de 40%. Salário
Greve 18/07 a
mínimo. Fim do trabalho extra. Pagamento semanal. 100000 parcial
geral* 07/08
Regulamento menores e mulheres. Legalidade sindical
Botafogo 13/08 a
Cumprimento de acordo parcial
(têxtil) 23/09
Progresso 13/08 a
Cumprimento de acordo 2700
(têxtil) 04/09
Sapateiros
Aumento, horário, higiene 19/08
(ramo)
Gráficos
Aumento e reconhecimento sindical 31/08
(ramo)*
Bordalo
Salários 07/10
(calçados)
Têxteis 24/10 a
Contra demissões e reconhecimento sindical negativo
(ramo) 20/12
25/10 a
Sapateiros Pagamento por lockout
06/11
ARROLAMENTO DE GREVES
RIO DE JANEIRO — 1918
DURAÇÃO OU
ÂMBITO (EMPRESA,
OBJETIVO No REFERÊNCIA RESULTADO
RAMO ETC.)
INICIAL
Jornal do Comércio
Salários — 07/01
(gráficos)
Aldeia Campista (têxteis) Demissão de mestre — 13/03
Moinho Inglês (têxtil) Contra despedidas — 15/03
8 horas, contra violência nas 10
Sapateiros (ramo)* 09/04 a 28/04 parcial
empresas 000
Gráficos (1 empresa) Contra despedidas — 19/04
Cia. Transportes e
Horários e salários — 20/04 a 22/04 positivo
Carruagens (cocheiros)
Lloyd Nacional
— — —
(carpinteiros)
Wilson & Sons
— —
(carpinteiros)
Marceneiros (ramo) 8 horas, fim da empreitada — 17/06
Lage & Irmão (carvoeiros) — — 07/07 a 09/07 positivo
Lloyd Nacional (carvoeiros) — 200 07/07
Marmoristas (ramo) Aumento — 07/07 a 11/07 positivo
Fábrica Confiança (têxtil) Horário, aumento 3000 07/07 a 12/07 positivo
Trajano de Medeiros
Aumento 700 01/08
(metalúrgicos)
Lloyd Nacional (carvoeiros) Não cumprimento acordo — 01/08
Tecidos Santo Antônio Horário, aumento — 02/08
Leopoldina (pessoal da
Aumento — 02/08
conserva)
Casa Silva Rocha Recusa em aceitar boicote de
— 02/08
(marmoristas) operário
Cia. Cantareira e Viação
Aumento — 3/08 a 10/08
Fluminense (marítimos)*
Serrarias
Aumento — 02/09
(2 empresas)
Pinheiro
& Irmão — — 15/09
(const. civil)
Correio da Manhã (gráficos) Reconhecimento do sindicato — 17/09
Sapateiros (ramo) Contra demissões — 30/09
Têxteis (ramo) Cumprimento de acordo, — 04/10
demissões
Calceteiros (Prefeitura) Aumento — 05/10
8 horas, aumento, reconhecimento
Greve interprofissional* — 19/11 a 08/12 parcial
sindical, fim da empreitada

ARROLAMENTO DE GREVES
RIO DE JANEIRO — 1919
ÂMBITO DURAÇÃO OU
(EMPRESA, OBJETIVO No REFERÊNCIA RESULTADO
RAMO ETC.) INICIAL
Construção Civil
8 horas — 03/05
(ramo)
Moinho Inglês
— — 04/05
(têxtil)
Marítimos
(marinheiros e 8 horas, aumento, closed shop __ 07/05 a 29/05 parcial
remadores)
Contramestres, ensino de aprendizes, maus-tratos a
Têxteis (ramo) __ 22/05
menores
Bebidas (ramo) Aumento, 8 horas — 22/05
Fumo (ramo) Aumento, 8 horas — 22/05 a 29/05 positivo
1 vidraria — — 22/05
Carpinteiros
navais (2 — — 01/06
empresas)
8 horas, aumento, readmissão de demitidos
Têxteis (ramo)* reconhecimento sindical, regulamento do trabalho 01/06 a 17/08 negativo
de menores e mulheres
Casas Atlas
Horário — 03/06
(calçados)
Marmoristas
— — 26/06
(ramo)
Calçados (2
— — 27/06
empresas)
Greve
Solidariedade internacional — 21/07
interprofissional
Gráficos (ramo) Aumento salarial — 29/07
Greve
Protesto contra deportações — 15/010
interprofissional
ARROLAMENTO DE GREVES
RIO DE JANEIRO — 1920
ÂMBITO (EMPRESA, DURAÇÃO OU
OBJETIVO No RESULTADO
RAMO ETC.) REFERÊNCIA INICIAL
Bangu (têxtil) Horário — 10/01 parcial
Leopoldina Aumento, legalidade sindical,
8000 14/03 a 28/03 negativo
(ferroviários)* contra demissões
Greve
Solidariedade à Leopoldina — 14/03 a 28/03
interprofissional*
Reconhecimento sindical Closed-
Portuários (ramo) — 08/07 a 11/07 parcial
shop
Taifeiros
— — 10/09
(marítimos)
Protesto por desaparecimento de
Sapateiros (ramo) — 14/10
líder sindical
Marítimos (ramo)* Closed-shop, aumento — 11/11 negativo
RENATO PARADA

BORIS FAUSTO nasceu em São Paulo, em 1930. Foi professor titular


do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e é
membro da Academia Brasileira de Ciências. É autor de estudos
clássicos sobre história do Brasil.
Copyright © 2016 by Boris Fausto
1a edição Difel, 1976

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em
vigor no Brasil em 2009.

Capa
Claudia Espínola de Carvalho

Preparação
Maria Fernanda Alvares

Revisão
Carmen T. S. Costa
Jane Pessoa

ISBN 978-85-438-0735-5

Todos os direitos desta edição reservados à


EDITORA SCHWARCZ S.A.
Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32
04532-002 — São Paulo — SP
Telefone: (11) 3707-3500
Fax: (11) 3707->3501
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O crime da Galeria de Cristal
Fausto, Boris
9788554513351
272 páginas

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A partir de uma extensa pesquisa, o historiador Boris Fausto


transporta o leitor à São Paulo do início do século XX e reconstitui
três crimes que abalaram a sociedade da época. Um homem é
assassinado num quarto de um hotel do centro da cidade. Um
cadáver é encontrado numa mala quando um passageiro do navio
tentava jogá-la ao mar. Um corpo de uma mulher é descoberto ao se
içarem as bagagens de uma embarcação.Neste livro, Boris Fausto
reconstitui três crimes que abalaram a São Paulo do início do século
XX, transportando o leitor a uma cidade que fervilhava com a
modernização e a chegada de imigrantes — e se tornava palco de
incidentes curiosos que alimentavam tanto as manchetes dos jornais
quanto o imaginário da população. A partir de pesquisas em
documentos da época, o historiador compõe uma narrativa
envolvente, que se entrelaça a uma arguta reflexão sobre a
repercussão dos episódios na imprensa, os julgamentos morais e as
questões de gênero."O crime da Galeria de Cristal não é descrição
histórica, nem jornalismo literário, tampouco romance de não ficção.
É a exposição objetiva (ora distanciada, ora irônica, sempre
brilhante) de terríveis e inexplicáveis paixões, que preferimos
esconder numa mala." — Tony Bellotto

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Estação Carandiru
Varella, Drauzio
9788580864250
232 páginas

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O médico Drauzio Varella relata dez anos de atendimento voluntário


na Casa de Detenção de São Paulo, o maior presídio do Brasil, e
mostra como um código penal não-escrito organizava o
comportamento da população carcerária. Em 1989, o médico
Drauzio Varella iniciou na Detenção um trabalho voluntário de
prevenção à AIDS. Entre os mais de 7200 presos, conheceu
pessoas como Mário Cachorro, Roberto Carlos, Sem-Chance, seu
Jeremias, Alfinete, Filósofo, Loreta e seu Luís. Não importava a
pena a que tinham sido condenados, todos seguiam um rígido
código penal não escrito, criado pela própria população carcerária.
Contrariá-lo poderia equivaler à morte. O relato de Drauzio Varella
neste livro tem as tonalidades da experiência pessoal: não busca
denunciar um sistema prisional antiquado e desumano; expressa
uma disposição para tratar com as pessoas caso a caso, mesmo em
condições nada propícias à manifestação da individualidade.
Lançado em 1999 e transformado em filme em 2003, por Hector
Babenco, Estação Carandiru recebeu o Prêmio Jabuti 2000 de livro
do ano e, desde então, já vendeu centenas de milhares de
exemplares.
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Mulherzinhas
Alcott, Louisa May
9788554516208
592 páginas

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Edição da Penguin-Companhia traz as aventuras das quatro irmãs


March com prefácios de Patti Smith e Elaine
Showalter.Mulherzinhas é considerado um dos livros mais influentes
de todos os tempos. Ultrapassando a barreira das idades, esse
romance é lido com a mesma paixão por adultos e jovens. A história
das irmãs March se tornou um clássico feminista que reflete sobre a
tensão entre obrigação social e liberdade pessoal e artística para as
mulheres. Cada leitor terá sua irmã favorita: a independente Jo, a
delicada Beth, a bela Meg ou a artista Amy. Essas quatro mulheres
e sua mãe, Marmee, enfrentam com diligência e honra as privações
da Guerra Civil americana, e se tornaram um sucesso instantâneo já
em 1868."Muitos livros maravilhosos me fascinaram, mas, com
Mulherzinhas, algo extraordinário aconteceu. Eu me reconheci,
como num espelho, naquela menina comprida e teimosa que
disputava corridas, rasgava as saias subindo nas árvores, falava
gírias e denunciava as afetações sociais. Uma menina que podia ser
encontrada encostada num enorme carvalho com um livro, ou em
sua escrivaninha no sótão, debruçada sobre um manuscrito. Ela era
Josephine March. [...] Uma menina americana do século XIX que
teimava em ser moderna. Uma menina que escrevia. Como
incontáveis meninas antes de mim, vi como modelo uma que não
era como as outras, que possuía alma revolucionária, mas também
noção de responsabilidade. Sua dedicação à sua arte me deu meu
primeiro vislumbre do processo do escritor e fui tomada pelo desejo
de abraçar essa vocação. Os passos em falso que ela dava, dos
cômicos aos ousados, eram invejáveis, e me concediam permissão
para dar os meus." — Patti Smith

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Sejamos todos feministas
Adichie, Chimamanda Ngozi
9788543801728
24 páginas

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O que significa ser feminista no século XXI? Por que o feminismo é


essencial para libertar homens e mulheres? Eis as questões que
estão no cerne de Sejamos todos feministas, ensaio da premiada
autora de Americanah e Meio sol amarelo. "A questão de gênero é
importante em qualquer canto do mundo. É importante que
comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo
mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais
felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos
começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente.
Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente.
"Chimamanda Ngozi Adichie ainda se lembra exatamente da
primeira vez em que a chamaram de feminista. Foi durante uma
discussão com seu amigo de infância Okoloma. "Não era um elogio.
Percebi pelo tom da voz dele; era como se dissesse: 'Você apoia o
terrorismo!'". Apesar do tom de desaprovação de Okoloma, Adichie
abraçou o termo e — em resposta àqueles que lhe diziam que
feministas são infelizes porque nunca se casaram, que são "anti-
africanas", que odeiam homens e maquiagem — começou a se
intitular uma "feminista feliz e africana que não odeia homens, e que
gosta de usar batom e salto alto para si mesma, e não para os
homens". Neste ensaio agudo, sagaz e revelador, Adichie parte de
sua experiência pessoal de mulher e nigeriana para pensar o que
ainda precisa ser feito de modo que as meninas não anulem mais
sua personalidade para ser como esperam que sejam, e os meninos
se sintam livres para crescer sem ter que se enquadrar nos
estereótipos de masculinidade.

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Sobre homens e montanhas
Krakauer, Jon
9788554516154
176 páginas

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Em doze artigos, Jon Krakauer tenta compreender por que homens


e mulheres se aventuram por paredes de rocha e gelo como se
procurassem voluntariamente a morte.Você sabia que é possível
escalar cachoeiras? Sabia que o monte McKinley, no Alasca, o
maior dos Estados Unidos, possui um dos ambientes mais inóspitos
do planeta e que mesmo assim cerca de trezentas pessoas o
escalam a cada ano? Você sabe qual é a segunda maior montanha
do mundo? E sabe que ela é bem mais difícil de ser escalada do
que o Everest? Por que tantas pessoas arriscam a vida nas paredes
de gelo e rocha?Nesta coletânea de artigos e reportagens sobre
aventuras vividas ao redor do mundo, do Himalaia ao Alasca, Jon
Krakauer, autor de No ar rarefeito e Na natureza selvagem, mostra
homens e mulheres que enfrentam paredes de gelo e rocha por todo
o planeta, revela o que eles fazem, como sobrevivem e o que os
motiva.

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