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CENTRO DE HUMANIDADES
CURSO DE GRADUAÇÃO EM MÚSICA
FORTALEZA – CEARÁ
2023
JOANA LIMA BARBOSA
FORTALEZA – CEARÁ
2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Sistema de Bibliotecas
Gerada automaticamente pelo SidUECE, mediante os dados fornecidos pelo(a)
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Prof. Dra. Lucila Pereira da Silva Basile (Orientador)
Universidade Estadual do Ceará – UECE
________________________________________________
Profa. Me. Nelma Maria Moraes Dahas Jorge
Universidade Estadual do Ceará – UECE
________________________________________________
Prof. Me. Tenison Santana Dos Santos
Universidade Estadual do Ceará – UECE
AGRADECIMENTOS
À Deus, por me proporcionar a vivencia dessa jornada linda e desafiadora que é ser
musicista.
À minha família em especial à minha mãe Marta Jorge, que foi minha primeira
influencia musical, por toda dedicação, apoio e amor incondicional.
À Joyce Farias, que é minha companheira de vida e de profissão, por todo suporte,
cuidado e incentivo, pois nos momentos mais difíceis não me deixou desanimar.
Aos meus melhores amigos, pelo companheirismo durante essa difícil trajetória.
Aos meus alunos que indiretamente me ajudaram refletir nas abordagens desta
pesquisa.
Aos companheiros de turma, que comigo caminharam nesta jornada em busca do
conhecimento.
Aos colegas, Tito Freitas e Thiago Almeida, que, de maneira generosa, participaram
e contribuíram com conhecimentos valiosos para o desenvolvimento desse estudo.
À minha professora e orientadora Lucila Basile, que é minha grande inspiração.
À banca examinadora, Profa. Me. Nelma Maria e Prof. Me. Tenison Santana Dos
Santos, pelas valiosas colaborações e sugestões.
RESUMO
This work is a multi-case research, in the field of Musical Education, on the self-
learning of two pianists who work in popular music. Its starting point was my
experiences on the piano as a teacher and artist. The difficulties I encountered in my
career, such as the challenges of self-learning and questions about what skills to
develop to obtain a good result in popular piano studies, motivated me to research
and better understand this topic, focusing on the experience of two notable musicians
who drew on their self-learning experiences. The methodology consisted of semi-
structured interviews and analysis of the results. The bibliography is focused on
popular music and touches on the notions of learning, playing by ear and self-taught
musician and part of the understanding of (GREEN, 2006) who states that the
learning process of beginner popular musicians is, to a large extent, unconscious and
has as a characteristic skill that mainly involve playing, listening, improvising and
composing. These skills are mostly acquired through collective musical practices,
sharing knowledge with family or friends, whether playing together, listening to and
observing other musicians. As results, we point out how approaching the field of
popular music experience can contribute to applications, methodologies and
didactics in the teaching of popular music in the academic context.
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................8
1.1 Objetivo................................................................................................................................9
1.2 Metodologia......................................................................................................................9
2 REFERENCIAL TEÓRICO...............................................................................................10
3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...........................................................16
3.1 A música na infância e a autonomia nos primeiros passos..............................17
3.2 A Percepção e a assimilação de habilidades e conhecimentos musicais de
maneira pessoal...................................................................................................................21
3.3 A escolha do repertório e a prática musical em grupo.......................................28
3.4 O Improviso.....................................................................................................................35
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................38
REFERÊNCIAS......................................................................................................................40
APÊNDICE A – ENTREVISTAS..........................................................................................42
8
1 INTRODUÇÃO
primeiro contato com a música até suas atuações como músicos profissionais. E
para finalizar, o último capítulo trata das considerações finais, onde são expostos os
resultados obtidos com a pesquisa baseados na relação e análise da coleta de
dados e nos conceitos abordados no levantamento bibliográfico.
Este trabalho contribui para o avanço de discussões que possibilitam uma
melhor compreensão de como são realizadas as práticas de aprendizagem informal
e a autoaprendizagem, investigando as estratégias, os recursos utilizados pelos
entrevistados e os desafios que encontraram durante os seus estudos, sendo assim,
é relevante a aproximação e o exame da experiência da aprendizagem do músico
popular. Portanto, por meio desta análise o presente trabalho busca contribuir para o
aprimoramento de estudos e pesquisas sobre a prática de aprendizagem do piano
popular, podendo também colaborar nas aplicações, metodologias e didáticas no
ensino do piano.
1.1 Objetivo
Objetivos Específicos:
a) Conhecer o percurso dos pianistas.
b) Identificar suas maneiras de estudo e formas de autoaprendizagem.
c) Analisar suas práticas em relação aos conceitos de tocar de ouvido,
autodidata e autoaprendizagem.
1.2 Metodologia
2 REFERENCIAL TEÓRICO
deste conceito é possível notar esta relação nos significados entre os termos
práticas de aprendizagem informal e a autoaprendizagem.
Já Coelho (2016) faz uma ressalva sobre o uso do termo
autoaprendizagem ou de expressões semelhantes, pois nos estudos relacionados à
autonomia o uso dessas expressões enfatiza a centralidade do sujeito em seu
próprio processo de formação, pois é ele quem administra, decide e se apropria de
várias formas de aprendizagem. No entanto, esses conceitos, embora sejam
fundamentados na autonomia do aprendiz, não consideram adequadamente a
relevância da interação no processo de aprendizagem. Não enfatizam a importância
da relação entre o aprendiz e os outros participantes desse processo, como
familiares, amigos, outros músicos etc.
Segundo Green (2012) as práticas informais de aprendizagem musical
abrangem diferentes aspectos. Isso inclui a escolha do repertório, que está
diretamente ligada a músicas conhecidas e que despertam forte afetividade no
indivíduo. Além disso, destaca-se o papel das práticas aurais, que é a habilidade de
copiar músicas de gravações "de ouvido". A aprendizagem em grupo também é
mencionada, ocorrendo de forma consciente ou inconsciente por meio da interação
com parentes, colegas e outros músicos, mesmo sem a presença de um professor
formal. Por fim, destaca-se a importância da integração entre composição, execução
e audição, com uma ênfase especial na criatividade, no contexto da aprendizagem
de músicos populares
O elemento em comum datado nestas duas práticas é a autonomia.
Portanto, se faz necessário que o indivíduo desenvolva sua autocritica a fim de
analisar seu progresso, isso o auxilia no reconhecimento dos seus erros e acertos, e
no desenvolvimento de estratégias com foco na obtenção de resultados
significativos em prol do objetivo que deseja alcançar. Isso nos leva a discutir a
respeito da importância da percepção musical.
Green (2001), explica que existem três formas de vivências musicais que
fazem parte da trajetória de aprendizado do músico popular, são elas o tocar,
compor e ouvir. Essas vivências se correlacionam, pois o tocar exige uma
exploração sonora que agrade aos ouvidos de quem executa. Compor requer
atividades de desenvolvimento criativo, que inclui a improvisação. E o ouvir é uma
ferramenta que está vinculada às duas atividades relatadas anteriormente. Sendo
assim, a prática auditiva torna-se uma das ferramentas fundamentais para o músico
13
popular e por isso, faz-se necessário trazer definições acerca do termo “tocar de
ouvido”.
Neto (2010) realizou uma pesquisa com alunos de um curso superior de
música popular sobre aprendizagens em percepção musical e de acordo com os
alunos entrevistados, tocar de ouvido é uma habilidade fundamental para o
desenvolvimento musical e da percepção musical. Os relatos ressaltam que essa
habilidade não está ligada a um talento inato, mas sim à prática musical intensiva no
decorrer dos anos, junto a uma escuta aprimorada adquirida por meio da imersão
em grupos musicais.
É importante ressaltar que não há definições que compreendam o termo
em sua totalidade, pois esta prática se trata de uma experiência e cada indivíduo
pode interpretá-la com base nas vivências que tiveram/tem, podendo haver
divergência do significado do termo para cada um. Segundo Green (2012), as
práticas aurais são defendidas como uma estratégia pedagógica que oferece aos
alunos a oportunidade de expandir sua escuta musical. A autora argumenta que ao
se envolverem na tentativa de copiar músicas de gravações por meio da percepção
auditiva, os alunos têm uma experiência que lhes permite mergulhar nos significados
intrínsecos da música. Durante esse momento específico, eles estariam livres das
limitações que muitas vezes dificultam a compreensão musical.
Vale constar que a percepção musical e as habilidades que o músico
popular desenvolve não se restringem às práticas aurais. Algumas habilidades serão
mais exigíveis que outras dependendo do contexto no qual o aprendiz se encontra.
Penna (2008) afirma que:
1
Disponível em: https://www.dicio.com.br/improviso/
15
Foi através do meu pai, né? [pausa]. É [pausa] o meu primeiro contato foi
vendo-o trabalhar música, sabe? Tipo assim, num tecladinho ligado e fazendo
o contrário do show, da apresentação. Acho que o meu primeiro contato foi
esse, alguém aprendendo, tocando várias vezes a mesma música, uma
música que eu não conhecia. Aí depois que eu fui associando que aquilo era
o trabalho dele, que ele preparava tudo para a noite apresentar para as
pessoas. (Thiago Almeida, entrevista concedida, data 22/12/2021)
Eu tenho essa lembrança das minhas descobertas serem sozinho. Não todas,
mas as primeiras eram sozinhas. Eu tinha o teclado do meu pai, mas os
botões por exemplo, era um universo que ele não ia! Então quando eu
descobri o botão da bateria no teclado, foi uma coisa que eu descobri,
entendeu? Não foi eu que fiz, teve um cara foda que foi lá e programou tudo
direitinho! Mas descobrir tocar a bateria no teclado, eu descobri! Eu sei que
isso não é nada, Joana! Mas um certo prazer de tocar, eu descobri sozinho!
Por exemplo, um prazer que você pode sentir em dar uma nota, duas notas,
uma coisa que você não sabe dizer o nome, uma coisa que outra pessoa não
vai achar música. Esse sabor aí é meu, só meu! E eu acho que quando eu me
meto a dar aula é isso que eu quero passar! Tem uma descoberta, um
negócio ali, uma espécie de condutor que é você mesmo. Jamais tirando o
mérito de uma pessoa que vai te guiar, jamais! Seria muito enriquecedor ter
tido essa pessoa, sabe? (Thiago Almeida, entrevista concedida, 22/12/2023)
Acho que muita coisa foi através de uma escuta, digamos assim, de pessoas
que estão distantes, né? E aí, colocar isso no patamar da vivência acho que
faz toda diferença, porque é um tipo de relação com uma gravação que você
pode até comparar com uma espécie de presença, saca? (Thiago Almeida,
entrevista concedida, 22/12/2021)
2
Pianista, tecladista e compositor de jazz, nasceu dia 12 de junho de 1941. Estadunidense
conhecido por seu trabalho na década de 1970 no gênero chamado jazz fusion, apesar de ter
contribuições significativas para o jazz tradicional.
22
de alguns outros pianistas que ele teve uma espécie de tutoria, em forma de estudo
a distância. Ele reconhece no Chick Corea a referência de como tocar piano no
formato trio e de como funciona a técnica da mão esquerda nessa configuração.
É como se fosse ali a primeira imersão, aí você tenta tudo da obra do cara e
você vai vendo em uma música e em outra semelhanças e de repente você tá
tocando do jeito que lembra e aí eu acho que isso é uma espécie de escola
que você faz, tira umas coisinhas e analisa. (Thiago Almeida, entrevista
concedida, 22/12/2021)
Ele reconhece esta prática como sendo uma escola e cada artista que
o influenciou ser uma escola diferente e o que as difere são as virtudes,
peculiaridades da identidade musical de cada artista. Thiago também menciona o
pianista André Mehmari como sendo uma grande referência no piano, em um
sentido mais técnico, pois foi através da sua musicalidade que Thiago iniciou sua
relação com o repertório erudito. Ao falarmos da literatura do repertório erudito logo
pensamos na leitura de partitura, em peças escritas, em métodos, mas a maneira
como Thiago estudou este repertório foi de forma não convencional, pegando essas
músicas de ouvido, imitando, repetindo.
Tito, em uma de suas primeiras experiências musicais, tirou a linha do
baixo do carimbó, através de um pequeno violão de corda de nylon que seu pai lhe
deu de presente quando criança. Ele conta que as cordas do violão foram
quebrando com o passar do tempo e ficou apenas uma, e isso facilitou que ele
conseguisse tirar de ouvido as linhas de baixo do carimbó e executá-las. Este estilo
musical é comum na região norte onde ele morou, então ele escutava muito aquele
estilo.
Outra experiência nessa vertente que ele nos contou ter tido foi quando
começou a tocar no piano da sua mãe. Ele abria o piano escondido, em um
momento em que ela não estava em casa, e começava (de forma intuitiva) a tentar
tirar de ouvido a música Charlie Brown – Benito Di Paula 3. Foi em uma dessas que
sua mãe o flagrou tocando e ficou muito emocionada, então Tito pediu que ela o
ensinasse algumas coisas, pois ele tinha interesse em aprender.
Ao perguntar se Tito se via como uma pessoa com o ouvido absoluto ele
respondeu que sim, e conta como sempre teve facilidade em pegar músicas de
ouvido, dando até um exemplo de que se estivesse no carro ouvindo alguma música
3
Canção do gênero brega, composta por Benito Di Paula, lançada em 1974 pelo estúdio Reunidos.
23
Tipo, muitas vezes eu ficava olhando pro piano e ouvindo um disco de piano
solo, e aí o seu olho parece que vai achando e vai ascendendo alí umas
coisas. Nada de papo de ouvido absoluto, sabe? Na verdade, bem longe!
Mas tá rolando tudo no grave, você fica olhando. Sabe, você tem essa coisa
visual e piano assim como você vai ver uma pessoa tocando e você fica ali
com o olho direto nas teclas, né? Aquela câmera de cima assim e tal. (Thiago
Almeida, entrevista concedida, 22/12/2021)
Nessa fala é possível fazer uma analogia ao uso desses recursos que
viabilizam o acesso a vídeos tutoriais mostrando o passo a passo de como tocar
uma música ou até mesmo uma apresentação musical sem fins didáticos. Este
acesso rápido a informação possibilita ao aluno a aprender com seus mestres e
suas referências fora do âmbito escolar e muitas vezes a distância. Portanto, as
inovações tecnológicas impulsionam o desenvolvimento de recursos audiovisuais,
que são considerados como importantes na busca de conhecimentos gerais, assim
como no aprimoramento das práticas musicais.
Tito comenta sobre os recursos que usou durante o início da sua
aprendizagem musical e de como o uso da internet o auxilia em seus estudos hoje
em dia:
6
Mais importante levantamento sobre acesso a tecnologias da informação e comunicação, realizada
pelo Centro Regional para o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação
(Cetic.br), vinculado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil
25
Ele era muito metódico, me ensinava muitas técnicas. E aquelas técnicas até
hoje, inclusive a do livro Hannon, eu não esqueço que foi uma das coisas que
eu aprendi com ele. Estudar certinho, com as técnicas, aquele jeito de tocar,
trabalhar os cinco dedos e cinco notas em todas as regiões. Porque eu acho
que quando você descobre isso você está em qualquer região e trabalha isso.
(Tito Freitas, entrevista concedida, 04/01/2022)
Tito comenta como este aprendizado refletiu e reflete ainda hoje na sua
prática musical e lembra da experiência que teve ao tocar em um restaurante onde
de repente teve um apagão. O baixista e o baterista pararam de tocar, mas Tito
continuou tocando, mesmo sem enxergar as teclas ele sabia onde posicionar suas
mãos e reproduzir a música, se preciso fosse também alterar a tonalidade da música
não haveria problema, pois, a prática dos exercícios técnicos através do método
Hannon o proporcionou ter essa visão que ele intitula como “tela mental”.
Este método propõe atividades práticas de escalas e arpejos e tem como
objetivo melhorar a técnica do aluno no que diz respeito a coordenação motora, a
independência das mãos e dos dedos e o domínio das tonalidades. A repetição dos
exercícios propostos em métodos é comum, e este processo de repetição resulta em
uma memorização motora, o que na maioria das vezes chamamos de memória
muscular. Souza 2022 afirma:
A memória procedural, classificação que também corresponde à memória
muscular, permite que ações de movimentos musculares sejam executadas
com o recurso de padrões automatizados, que tendem a reproduzir-se com
grande precisão. A memória procedural, portanto, permite que o corpo
interaja de forma eficiente e rápida com o ambiente, de forma adaptada às
tarefas ou necessidades. (SOUZA, 2022, p.57)
7
Pianista Húngaro, compositor, arranjador e educador musical. Precursor do ensino da música
popular no Brasil. Introdutor do método Kodáli de musicalização pelo solfejo relativo, no Brasil.
26
Intermezzo
Esta parte da pesquisa compreende o período do amadurecimento
musical dos pianistas até o momento em que começaram a trabalhar
profissionalmente com a música e serão detalhadas as práticas coletivas, a escolha
do repertório e o estudo criativo.
8
. Grupo de três músicos de jazz cuja formação da banda é composta por um pianista, um baixista e
um baterista.
29
Todas as músicas você pode derrubar essa certeza de que já aprendeu ela e
que não precisa mais trabalhá-la, as vezes é em uma mudança de tom, na
mudança de mão. Aí aquilo que é uma grande certeza já não é mais tanto e
isso é o que norteia a minha vida. Eu me lembro que eu sei tocar o “Apanhei-
te Cavaquinho, mas se eu for tentar tocar ela agora em outro tom e em outra
perspectiva que eu possa simplesmente criar aqui na minha cabeça, eu já
não vou ter a mesma destreza, né? E aí eu acho que eu vou inventando
essas coisas, fazendo esses monstros que vão me fazendo ficar mais à
vontade pra modular na música. Eu começo a música em um tom e termino a
música em outro e então para mim já fica mais tranquilo transitar por isso,
sabe? E eu vou aprimorando aquela relação com a música, tocando melhor a
cada dia. (Thiago Almeida, entrevista concedida, 22/12/2021)
Óbvio que nas primeiras coisas que eu fiz eu não tinha essa noção, porque
eu só queria me afirmar, né? Nas músicas que eu acho foda! Você baixa a
cabeça, faz seu som e quer que o mundo pare, mais ou menos assim. E aí eu
acho que depois eu fui tipo, cara eu sou seresteiro! No sentido do que o meu
pai me ensinou, de chegar em um lugar e sacar como você vai se conectar
com as pessoas ali. (Thiago Almeida, entrevista concedida, 22/12/2021)
A visão que eu tinha de piano, piano (Ênfase) quando eu tocava teclado nas
bandas de forró e estava muito mais próximo do que eu tinha ouvido com o
meu pai era mais assustadora. Era de um piano nada acessível, tipo de uma
coisa que você tinha que passar por uma via crucia de fato, até... Piano é
difícil de você ver um piano por perto, entendeu? (Thiago Almeida,
entrevista concedida, 22/12/2021)
9
Luizinho Duarte (Fortaleza 1954-1922) Músico de grande experiência no cenário musical nacional,
compositor e fundador da Marimbanda.
10
Marimbanda é o mais aclamado grupo de música instrumental em atividade no Ceará existe desde
1999.
31
Uma coisa que eu era péssimo na Marimbanda era manter um ritmo na mão
esquerda e acompanhar o Heriberto com segurança na melodia e ter essas
duas coisas bem colocadas! O que acontecia era eu começava com o
Heriberto, ficava com medo, tirava a mão, botava as duas mãos pra cá e
pensava “eu sou foda é aqui! E ficava mais aqui, então tipo, eu ia fugindo de
mim, saca? Aí uma coisa que eu consegui melhorar, por quê? Porque toda
vida que eu ia estudar eu fazia assim! Eu preciso melhorar isso, então eu ia
estudando as músicas e abrindo essa visão estratégica de pegar uma
música e incorporar naquela música que eu já toco um elemento novo que é
técnico, simplesmente técnico! (Thiago Almeida, entrevista concedida,
22/12/2021)
formar no conservatório, pois na época seus pais não tiveram condições de manter
seus estudos. Em sua entrevista ele também comenta que, na realidade o que ele
gostava mesmo era das harmonias das músicas de samba e das músicas
românticas, durante o tempo que estudou no conservatório o estudo deste repertório
não fazia parte dos conteúdos pedagógicos.
Além dos conhecimentos que adquiriu no conservatório Tito reconhece
que tocar nos bailes foi uma vivência considerada como uma de suas escolas, pois
foi onde pode colocar em prática o estudo de percepção (copiar gravações pegando
as músicas de ouvido) com o repertório que mais gostava de tocar. As práticas
coletivas do Tito deram início nos seus 15 anos de idade, ao entrar para uma banda
de baile chamada Blue Bird Band e este foi seu primeiro trabalho profissional. Ele
conta que nesta banda ninguém tocava lendo, todos tiravam a música de ouvido e
tocavam as músicas tal qual como ouviam, copiavam. Ele gostava deste processo
de compartilhar com os colegas e poder colaborar coletivamente ao captar algum
trecho da música que alguém não conseguia pegar. Tito conta com muito
entusiasmo sobre essa vivência e lembra que era o mais novo daquela formação, de
repente se via dando dicas para os componentes da banda que tinham seus 40 ou
50 anos.
Tito fala como foi sua primeira experiência ao se apresentar em um palco,
cuja plateia era de aproximadamente 3.000 pessoas, e por isso sentiu muita
vergonha e quase não se apresentou por medo de errar. Ele comenta que chegou a
se esconder e se negou a subir no palco. Decidiu se apresentar apenas quando a
cantora da banda foi convencê-lo de que as pessoas não iriam de fato notar se ele
estava acertando ou errando, mas que estavam lá para dançar. E assim Tito fez sua
primeira apresentação, no começo entrou tímido, mas na sexta música já começou a
se soltar e até mesmo tocar dançando.
É possível notar como as práticas em grupo contribui no fazer musical do
integrante ao proporcionar a partilha de conhecimentos, e fazer com que se ajudem
em situações tal qual como esta, em que requer que os músicos toquem
perfeitamente o repertório, além disso possam lidar com o público. Ao tocar com a
banda baile, Tito teve a experiência de desenvolver-se nos diferentes repertórios.
Ele reconhece esta experiencia como sendo uma grande escola em sua jornada de
aprendizagem musical. Com esta banda viajou durante seis anos pelos municípios
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próximos a Manaus e até o estado de Roraima. Logo depois Tito também trabalhou
como tecladista em igrejas, missas e casamentos durante cinco anos.
Trabalhando como pianista em um restaurante, Tito conheceu o cantor
Emílio Santiago, que através de uma canja o convidou para tocar com ele no Rio de
Janeiro. Tito afirma que antes de chegar no Rio se preparou e estudou muita teoria e
leitura de partitura, pois para tocar nas bandas de lá precisava ter uma leitura
fluente, pois as bandas não tinham muito tempo para ensaiar e os encontros antes
do show eram rápidos, apenas para acertar alguns detalhes:
fez acompanhando Peri Ribeiro. Neste repertório, Tito alega ter sentido muita
dificuldade em sua execução, já que não possuía a linguagem deste estilo musical, e
as melodias eram muito rápidas e era importante dobrar com os metais para dar
corpo as músicas. É interessante notar como cada prática é importante, em sua
própria natureza cada prática vai trazer uma dificuldade e um aprendizado, e na
execução aparecem as soluções de cada uma delas. Tito conseguiu entregar este
show porque teve tempo de estudar, e de acordo com ele a solução para este
problema da velocidade das melodias eram técnicos e que com a prática se
resolveram.
Ao ser questionado sobre a importância das práticas coletivas em sua
aprendizagem, Tito destaca a importância de tocar na noite, pois nesta vivência
ganhou experiência para lidar com muitas variáveis, repertórios diferentes, diversos
cantores e isso fortaleceu sua caminhada no estudo do piano acompanhamento.
Além disso, Tito menciona a oportunidade que teve em ministrar uma oficina de
prática de conjunto no Festival de Jazz e Blues, e nesta oficina comentou sobre
alguns pontos que acha importante na prática coletiva, como por exemplo, salientou
a relevância da percepção no reconhecimento dos estilos musicais, a significância
em entender qual o papel de cada instrumento nas diversas formações, até a
regulagem do volume dos instrumentos para que todos consigam se ouvir e ouvir o
outro.
Em sua entrevista é possível identificar Tito trabalhando em diversos
formatos com abordagens musicais diferentes, pois exerce a função de pianista
acompanhador, tendo em vista os projetos com cantores que já fez parte e os que
ainda faz; de pianista solo, já que trabalhou várias temporadas em restaurantes de
várias cidades e ainda trabalha; outra vivência foi na música instrumental tocando
nas formações de trio em navios.
Nota-se que cada estilo de repertório trouxe diferentes aprendizados
importantes para o desenvolvimento de ambos os pianistas. Na música popular os
meios foram os mesmos, para Thiago e Tito foi através da escuta e das vivências de
bandas. Desde então a metodologia era tirar tal qual, imitar, repetir e neste processo
é comum também o uso da autocrítica e um estudo intuitivo. Tito e Thiago
reconhecem que o repertório da música erudita é importante sobretudo no quesito
técnico, e através deste repertório que conseguiram evoluir em aspectos tais como o
contraponto, no trabalho de independência de mãos. No estudo do repertório erudito
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os meios pelos quais os dois estudaram se distinguem. Tito conseguiu ter aulas e foi
acompanhado por um professor particular, durante um tempo estudou no
conservatório, e lá aprendeu a ler partitura, solfejar e teve contato direto com
métodos que pudessem lhe dar um suporte na sua jornada de estudo da literatura
do piano erudito. Já Thiago foi estudando por conta própria e foi assimilando este
repertório clássico à sua maneira, através de práticas auditivas e de memorização
sem o uso da leitura.
Dentre as vivências contidas no relado dos entrevistados, podemos citar a
experiência que Tito teve do baile como sendo uma experiência que requer do
músico o critério de tocar as músicas tal qual como estão nas gravações, além do
estudo de assimilação das harmonias e melodias, deve-se fazer um estudo de
timbres e tentar aproximar nos mínimos detalhes a perfeita execução, além de
também lidar com diversos estilos musicais, onde cada um deles contém uma
linguagem diferente. Dentre as diversas formações de banda cada instrumento
assume um papel distinto, no piano solo desenvolve-se a capacidade de assumir o
papel rítmico, harmônico e melódico para apresentar a música em sua totalidade, o
que requer uma maior atenção na análise harmônica, coordenação motora, além de
desenvolver a capacidade criativa ao desenvolver arranjos de músicas que são
executadas por bandas e reduzir este feito para execução no piano. Já a música
instrumental tem como característica a improvisação, assim como se faz importante
também estar atento ao tema da música e as harmonias. Sendo assim, cada
repertório proporcionou diferentes desafios e na vivência destas experiencias cada
músico encontra sua maneira de solucionar as dificuldades que encontraram no
decorrer do processo.
3.4 O Improviso
coisa musical, e desta forma conseguir transpor ruídos do mundo externo da música
e incluir no fazer musical.
Thiago apresenta outras maneiras de como usar a criatividade no estudo
da improvisação, e uma delas ele chama de base e faz uma alusão a camadas,
como se fosse algo estrutural e fundante, que torna possível colocar outras camadas
por cima. Explica que essa base é a teoria, formação de acorde, estudo de escalas
nos acordes, análise harmônica, arpejos e progressões.
Ele reforça que a prática teórica pode ser criativa ao ser incorporada no
repertório, e desta forma o exercício fica dinâmico e soa como música e não como
exercício. Um dos exemplos é o estudo de escalas que geralmente são
condicionados a serem executados uma por vez, com movimentos diatônicos,
ascendente e descendentes, no intuito de compreender quais notas compõem
aquela sequência. A criatividade está em evoluir este estudo e torná-lo desafiante ao
praticar a conexão com outras escalas, exemplo: iniciar na escala de dó maior com
movimento ascendente e no descendente fazer a ligação para a escala de dó
sustenido, outro exemplo é fazer movimentos desordenados utilizando intervalos
entre essas escalas. O objetivo deste exercício é conseguir fazer com que esta troca
de escalas fique mais rápida e fluida, visando a prática de progressões e escalas
dentro de uma música. O mesmo acontece com arpejos ao pegar uma música
conhecida do repertório e estudar arpejos dentro das progressões de acordes
contidos nela. Ele faz disso um estudo criativo e em seu ponto de vista isso também
é uma das estratégias de estudo da improvisação.
Para Thiago a improvisação também significa estar sempre ligado ao
tema e as músicas que ele não sabe o tema, quase sempre não improvisa nela. Ele
explica que esta é a segunda camada do estudo criativo com enfoque na
improvisação e a chama de melodia. Em seu ponto de vista é possível tirar da
melodia infinitas possibilidades de frases e isso explica o porquê das músicas
(mesmo as conhecidas) não serem descartáveis. E esta prática se resume em usar
a criatividade ao praticar os temas das músicas de maneiras diferentes, isso inclui
estudá-las em diversos modos, tonalidades e articulações com o objetivo de trazer
uma nova perspectiva para elas.
Outra opção nesse processo criativo é desenvolver melodias que
possibilitem fazer pequenas menções ao tema de outras músicas que abordam o
mesmo enredo, por exemplo se a música fala de saudade, menciona-se outra
37
música que possua a mesma trama. Thiago reitera ao dizer que o interessante
desse estudo é ressignificar o relacionamento e entendimento que se tem das
músicas e tirar dela o “para sempre”.
Já para Tito, o improviso além de ser “divino” tem relação com a razão
(pensamento) e emoção (alma). Na perspectiva racional ele acredita que os estudos
teóricos de escalas e de fraseologia são importantíssimos e que para saber
improvisar se faz necessário ter pelo menos um pouco desse conhecimento. Ele
reitera ao fazer uma alusão da improvisação a uma conversa, em que o assunto é
desenvolvido aos poucos, tem começo, meio e fim até chegar naquilo que se quer
dizer.
Uma das estratégias usadas em seu estudo de improvisação é a
percepção, a vivência e a escuta ativa, pois se a improvisação é como uma
conversa, como é possível falar sobre algo que não se vive, não escuta e não sabe
o que é? Portanto a escuta ativa de suas referências musicais é um fator
determinante no processo da improvisação.
Outra estratégia de estudo mencionada por ele é a de utilizar frases
rápidas e pré-formuladas como ponte/passagem para as frases lentas que serão
criadas na hora do improviso. Complementa ao dizer que esta dica ele pegou com
um colega de trabalho quando certo dia trocaram algumas informações sobre
improvisação. Tito reitera ao dizer que a criatividade, além de ser embasada por
estudos práticos e teóricos é “divina”. E o diferencial, aquilo que é o brilho, se explica
pela emoção e significa tocar com a alma e colocar sentimento.
Portanto é notório que ambos os artistas ao improvisar integram a
apreciação musical, execução e composição assim como Green (2012) enfatiza.
Para além disso nota-se que a improvisação corresponde a uma série de estudos
que levam anos para serem apreendidas. Berliner explica:
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
11
Tradução: The popular conception of improvisation as “performance without previous preparation”is
fundamentally misleading. There is, in fact, a lifetime of preparation and knowledge behind every
idea that an improvise performs (BERLINER, 1994, p. 17).
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12
Filosofo, neurologista e psiquiatra Austríaco, nasceu dia 6 de maio de 1856.
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REFERÊNCIAS
GREEN, L. How popular musicians learn: a way ahead for music education. Lon-
don: London University/Institute of Education, Ashgate Publishing, 2001.
GREEN, Lucy. Ensino da música popular em si, para si mesma e para “outra”
música: uma pesquisa atual em sala de aula. Revista da ABEM, v. 20, n. 28, 2012
APÊNDICE A – ENTREVISTAS
As perguntas são organizadas da seguinte forma:
A música na infância
Amadurecimento musical
Música na profissão
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Hmmm... [Pensativo] Antes de conhecer a música? (Pausa) Acho que não tem antes
de conhecer a música! Eu tive um flerte com o futebol, acho que o meu pai que
botava umas camisas e ele era amigo de alguém, mas vontade mesmo de ser...
[Pausa] Eu lembro de eu tendo vontade de tocar que nem meu pai, depois tendo
vontade de não tocar que nem meu pai, de me “desgarrar”, tipo assim, né? De fazer
minhas coisas que eu sabia que ele não estava afim de fazer! Eu lembro dessas
vontades sempre ligadas a música, sabe? As vezes dá vontade de ganhar bem
muito dinheiro, sabe? Tipo “caralho eu posso me vender”, vai dar certo! Mas sempre
vontade ligada a música. Responde? Porque é de muito cedo sabe, cresci e meu pai
já era músico, então... Tipo, eu lembro que os meus tios ficavam: - Vai imita a
bateria! E eu ficava assim gesticulando com a bateria. Essas coisas! Tem algumas
fotos, saca? Eu pegando umas coisinhas, brincando... Mas adolescente eu lembro
de coisa de ficar no banheiro com a vassoura, me imaginando em um palco foda,
entendeu?
Foi através do meu pai, né? [pausa] É.. o meu primeiro contato foi vendo-o trabalhar
música, sabe? Tipo assim, num tecladinho ligado e o contrário do show, da
apresentação... Acho que o meu primeiro contato é esse, alguém aprendendo,
tocando várias vezes a mesma música, uma música que eu não conhecia. Aí depois
que eu fui associando que aquilo era o trabalho dele, que ele preparava tudo pra a
noite ele apresentar para as pessoas e tal. Ele sempre reciclava o repertório por
conta das pessoas, não era somente um gosto dele, saca? Acho que o meu primeiro
contato foi esse, com o trabalho! Então acho que uma grande coisa com o meu pai
que eu acho que aprendi e só vi entender que aprendi bem agora, que é trabalho,
tipo o home office, que é bem normal pra gente, né? Mas é aquela coisa organizada,
com várias fitas, em uma pasta com as músicas por ordem. Então tinha um
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Várias! [Pausa] Assim, dele se orgulhar, né? Na real, por exemplo eu achava muito
interessante que a gente tem um primo na família que tocou numas coisas bem
grandes. Ele era a referência do cara que tinha conseguido viajar... aquelas coisas
assim! E certo dia meu pai o chamou lá em casa pra mostrar eu tocando pra ele,
todo orgulhoso porque eu estava tocando música tal, música tal... Mas sabe o que
que eu fiz? Eu tinha uma verruga no dedo e fiquei com uma vergonha da verruga e
eu toquei só com esse dedo (Risos) e o meu pai ficou puto da vida (risos) – “Nunca
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mais eu lhe mostro tocando pra ninguém, como é que você toca só com um dedo?”
E na minha cabeça ainda tinha uma justificativa, né? Sim, mas eu toquei a música!
(Risos) mas assim, depois ele se orgulhou bastante, sempre vai nos lugares,
assim... E vira e mexe pinta umas lembranças, não sei se eu saberia catar alguma,
mas as minhas memórias mais profundas são com ele, com o meu pai! Tipo, coisa
de música, de sonhar trabalhar com ele, de ver por exemplo ele me pedindo ajuda
em algumas coisas de harmonia depois que ele já sabia que eu tinha me
interessado, né? É isso, eu acho que ele sente orgulho sim, vai sempre me ver e ele
é muito querido, nos lugares, muito respeitado... Pelo que ele faz de bom, né? Que é
o repertório, tratar bem o público, a galera e tal. E aí as pessoas sempre vêm essas
semelhanças de nós dois, saca? De ter amigos, de tá sempre (é claro que tem uns
caras que falam mal da gente, assim né? Tem episódios infelizes mesmo com
pessoas) mas na maioria dos casos tem boas relações com gente maravilhosa, né?
E é mais uma marca da coisa do meu pai, sabe?
4. Você escolheu estudar piano, o piano te escolheu ou você foi incentivado por
algum familiar ou por uma pessoa próxima? 12:07
Eu escolhi, acho que tá na hora do piano me escolher(inclusive) e vir morar comigo
pelo menos um mês(risos), mas até agora é uma escolha minhas, tipo assim eu vou
até ele com vontade! Tinha alguma pergunta em cima dessa, junto?
- Se foi alguém que te influenciou de alguma forma. (Eu respondi)
Não... quer dizer! Não no sentido de “olha você tem que estudar piano, porque piano
vai isso e aquilo”, não! Por isso não! Mas de incentivar de tipo, ó continue tipo: tá no
caminho bom! Não mexe nisso! Mexe naquilo! Isso eu tive bastante, isso que
contradiz o lance do autodidata, talvez! Não querendo comprometer aí sua parada
de colocar como autodidata, só assim... Eu acho que é um contraponto, sabe? São
páginas importantes, por exemplo o Chick Corea foi aquela coisa assim, um star no
piano, da mão esquerda, de como pensar o piano no trio, sabe? É como se fosse ali
a primeira imersão, aí você tenta tudo da obra do cara e você vai vendo em uma
música e em outra semelhanças e de repente você tá tocando do jeito que lembra e
aí e acho que isso é uma espécie de escola que você faz ali, tira umas coisinhas e
analisa... Tenta fugir do cover, fazer do seu jeito, que aí você já consegue mostrar a
sua visão daquilo, né? Não é suficiente repetir aquilo. E assim como o Chick Corea,
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5. Como foram suas primeiras descobertas no piano, você teve algum professor ou
alguém como referência em seus aprendizados? 17:57
Eu tenho essa lembrança, mas minhas descobertas serem sozinho. Não todas, mas
as primeiras eram sozinhas. Eu tinha o teclado do meu pai, mas os botões por
exemplo, era um universo que ele não ia! Então quando eu descobri o botão da
bateria no teclado, foi uma coisa que eu descobri, entendeu? Não foi eu que fiz, teve
um cara foda que foi lá e programou tudo direitinho! Mas descobrir tocar a bateria no
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teclado, eu descobri! Eu sei que isso não é nada, Joana! Mas um certo prazer de
tocar, eu descobri sozinho! Por exemplo, um prazer que você pode sentir dar uma
nota, duas notas, uma coisa que você não sabe dizer nome, uma coisa que outra
pessoa não vai achar música. Esse sabor aí é meu, só meu! E eu acho que quando
eu me meto a dar aula é isso que eu quero passar! Tem uma descoberta, um
negócio ali, uma espécie de condutor que é você mesmo. Jamais tirando o mérito de
uma pessoa que vai te guiar, jamais! Seria muito enriquecedor ter tido essa pessoa,
sabe? Mas de descoberta, tipo: “Hmmm, isso é legal!” é uma coisa sozinho! Aí tem
aquela outra coisa que é com uma outra pessoa que: “Hmmm, isso é maravilhoso!
Olha Thiago, aprende isso!” aí você aprende e realmente vê que é maravilhoso, mas
é uma outra coisa, né? Você acredita na pessoa, você vê a pessoa tocando ali. Por
exemplo, eu lembro que eu vi o Adriano Oliveira tocando! Sabe quem é esse cara? –
Não! Daqui de fortaleza! Aí eu pivete e ele foi programando o teclado de uma
bandinha que tocava e ele tocou um chorinho e tocou aquela mão esquerda tum
queem quem tum queem quem tum quem quem (células rítmicas, acompanhamento
do chorinho) e eu nunca tinha visto e eu acho que eu nunca tinha ouvido aquilo! Um
negócio tocado só em um timbre, saca? E aí foi um portal ali, sabe? De ver ele
tocando aquilo, achei bonito, senti o sabor daquilo ao mesmo tempo que a
dificuldade. Então o prazer de tocar aquilo era diferente, já era você se desafiando e
tal. Eu vou conseguir, eu vou conseguir! E aí você fica mais afim de aprender mais,
e tal. Eu acho que você atento, tem tanta gente massa que você cruza e todo mundo
dá um pouquinho pra você, né? Mas é mais difícil você achar essa motivação
sozinho, sabe? Ver sentido, sabe? Em tocar uma coisinha qualquer e se alegrar com
aquilo? Eu nasci meio aparelhado pra isso, sabe? Pra ficar nas coisas mais inúteis.
Por isso eu me acho ao conhecer Manuel de Barros, descobri muito do que eu fazia
no piano no que eu me afirmava! Ai eu fui achando mais sério essa coisa de
descobrir sozinho!
Eu acho que a escuta é uma, acho que muita coisa foi através de uma escuta,
digamos assim, de pessoas que estão distantes, né? E aí, colocar isso no patamar
da vivência acho que faz toda diferença, porque é um tipo de relação com uma
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gravação que você pode até comparar com uma espécie de presença, saca? Tipo,
muitas vezes eu ficava olhando pro piano e ouvindo um disco de piano solo, e aí o
seu olho parece que vai achando e vai ascendendo alí umas coisas. Nada de papo
de ouvido absoluto, sabe? Na verdade, bem longe! Mas tá rolando tudo no grave,
você fica olhando. Sabe, você tem essa coisa visual e piano assim como você vai
ver uma pessoa tocando e você fica ali com o olho direto nas teclas, né? Aquela
câmera de cima assim e tal. Pra ser mais objetivo, a Marimbanda é a prova das
coisas que eu só tinha experimentado eventualmente. A Marimbanda parece que foi
uma prova, sabe? De estudar repertório. Até então eu estudava coisas que não
eram necessariamente as que eu trabalhava, sabe? Tipo assim, você estuda uma
coisa pra se preparar e você aprende aquilo porque aquilo é desafiador e quando
você vai colocar é outro desafio que rola. Na Marimbanda eu tinha que estudar uma
coisa, que era a coisa que eu ia apresentar, entendeu? Eu passava por cima de
muita coisa. Um exemplo muito fácil de todo mundo entender que toca teclado é
tipo, você tem esse negócio de destro, esquerdo? – Sim. Você é destro? – Sou. Aí
tem uma frase taguede guediguedon (solfejando com a boca melodias com células
rítmicas rápidas). Aí você faz com a mão direita e não faz com a mão esquerda, ou
você faz metade com a mão esquerda e metade com a mão direita. E aí, nessa hora
eu tinha com esse trabalho um objetivo, que é saber que você não consegue fazer
com a mão esquerda e decidir se vai fazer com ela ou não. Se você decidir que vai
fazer com a mão esquerda, você tem que realmente parar o tempo, ter paciência pra
chegar lá e foi isso que eu decidi fazer! Eu ia passando por cima das coisas, jogando
pra de baixo do tapete e depois eu tipo: “Eu só tenho isso pra trabalhar, isso aqui é a
minha escola!” Era uma frase difícil que deu vontade de fazer com as duas mãos e
eu não fiz porque não conseguia fazer com a mão esquerda. O que é que eu tô
fazendo então? Eu vou esperar alguém chegar? A minha vida toda foi assim, saca?
Vontade de fazer uma coisa e ir atrás. Tocar um stacatto com a mão esquerda por
exemplo, é muito ruim pra mim, eu só preciso não fugir disso. Então o tempo todo eu
tô nesse trabalho, saca? De acertar alguma coisa. Um clássico pro autodidata, né?
Não começou com tudo pronto, começou com tudo rolando e de repente você está
em um trampo que exige muito de você! Pronto, falei duas coisas que eu acho
importante e a terceira que eu acho relevante pra o que você tá pesquisando é a
minha relação com o repertório erudito, não sei se posso dizer assim, mas através
do André Mehmari, o piano do André Mehmari me mostrou uma referência de coisas
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Sim, poque o contrário de auto didata é o que? Você sabe? – A gente tem uma
figura de que o autodidata não tem o auxílio de um professor, né? Aquela coisa
formal, aquele ensino formal.
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Porque pode ser irresponsável, mas data vem de data, de dia, de começo sei lá!
Essas coisas. E auto, auto é com u, né? Com o, auto!
Pois é, auto. É, então eu não sei de nada. Tem o i também, e talvez não tenha nada
a ver com essa leitura que a gente faz assim, as vezes. Logo eu não sei te
responder, mas das opções que a vida sempre me colocou pra eu me definir o
autodidata ganha. Aí você é autodidata, você não começou em uma escola, você
não tem um professor que seja aquele. Eu fico assim, tenho! Mas nunca é
considerado, entendeu? Eu sou autodidata, me considero autodidata, com muito
orgulho.
8. Quais estratégias você utilizou para guiar seus próprios estudos? 35:16
Acredito que não tenha sido só um, mas boa pergunta! Como que eu vou responder
isso? Vou tentar! Eu toco outros instrumentos, você sabe! E você também, né?
- Sim
Qual seu primeiro instrumento?
- Bateria
Aí você se entende como baterista e vai aprender outro e você começa a migrar o
que você tem de estratégia para aquele outro instrumento. Aí por exemplo, no meu
caso primeiro é teclado, mas minha primeira paixão é bateria! Então o que eu fiz de
estratégia na bateria, talvez reverbere um pouco no piano. Porque assim, uma visão
de estratégia bem objetiva que eu tive na minha vida foi de um amigo. O Rone
estudava e tinha uma espécie de uma lógica de conservatório na casa dele. Ele
tinha conversado com alguém que tinha falado de uns livros que se estudava, e aí
ele “ah, eu vou xerocar esses livros e vou dar uma estudada”, e aí ele fazia um
cronograma de estudar isso e aquilo outro e tal. Aí eu o via estudando e ele “Meu
filho, você gosta muito de fazer isso, tal?...” Eu ainda tive uma época que fiz isso, me
organizei e tal, mas eu acho que não é muito a minha... Eu sou mais disperso, né?
Então, o repertório que eu fui encontrando... Assim no começo como eu falei, a
Marimbada, foi me obrigando a ter uma estratégia pra chegar lá, né? E aí no meio
de tanto perrengue assim, eu não saberia te dizer qual a minha estratégia no sentido
de eu fiz isso, fiz aquilo e aquilo outro. Mas eu ouvi bastante, com muita atenção e
eu acho que isso foi uma coisa que fez toda diferença pra mim porque na minha vida
eu encontrei poucas pessoas que tivesse a atenção pra audição que eu tive. E eu
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acho que isso fez uma grande diferença, sobretudo na quantidade de coisas que eu
ouvi, né? Então, muita coisa influencia nessa estratégia, que eu já te falei que eu
não vou saber qual é. Mas o fato de eu ser solitário, desde muito cedo, me deixou
nesse mundo estratégico de uma forma muito solto. Então eu, com a certeza de ali
eu estava esquematizando coisas no meu pensamento, saca? Se eu gosto, se eu
acho massa, e aí naturalmente você vai potencializando aquilo. Mas eu fiquei muito
tempo só, com os instrumentos! Né, que se eu fosse mais corajoso eu ia dizer: “A
minha estratégia é a solidão!”. Essa vida reclusa, sabe? De ficar muito em casa, de
ficar bitolado na coisa da música. Eu lembro que uma vez o Aroldo Araújo que é
professor também me perguntou assim: Ei Thiago, você sabe que tem os
continentes, os planetas? E eu respondi: eu sei Aroldo! (risos). E ele falou: Você
sabe que as pessoas da sua idade estão fazendo? E eu disse: Não! Ele: Pois é
cara, você tá na contramão de tudo!
Eu sempre tive gente que me dava esse feedback, saca? “Ó, pega leve!” Eu acho
que a minha estratégia no sentido geral foi essa, de ficar muito tempo e de alguma
forma me achar naquilo, né? Mas, depois da quarta tentativa eu tive que dizer que
eu não sei responder! Mas eu fico devendo, quem sabe um dia? (risos) Essa
pergunta é boa pra um autodidata, é tiro e queda! (Risos).
É, foi tudo né? Porque como eu não tive o embasamento da teoria pra começar
então o ouvido, a audição, ouvir as coisas, ficar parado ouvindo um negócio, né?
Ficar viajando! Até mesmo essa coisa que as pessoas cada vez mais vão se
abrindo, pros sons, né? Os sons vão participando da música e tal. Aí vira e mexe eu
to em um lugar e a pessoa lembra “Ah, aquele dia que você estava tocando e a
pessoa buzinou e você ficou tocando com a buzina”. Aí todo mundo ri porque é um
negócio meio hilário, né? Mas é bem natural pra mim, e pra qualquer pessoa porque
deixa de ser espetáculo essa música que não está em um instrumento, que está nos
sons do cotidiano e tal. E elas vão fazendo parte, né? Você tá tocando e entra um
galo, por exemplo e aí o galo canta uma nota parecida com a nota que você tá
tocando! Aquilo dá um negócio assim, bom de vídeo, bom de engajamento... essas
coisas! Mas é também uma sensação bem efêmera pra mim. Eu me alegro de
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perceber música só nisso! Então, quando eu estou tocando e de repente pinta uma
buzina, eu vou na buzina porque pra mim é o mais tentador, sabe? Porque eu acho
que na minha vida toda eu fiquei me abrindo pra essas coisas. É uma forma
inteligente também de porra isso eu faço bem! Minha cabecinha funciona bem pra
isso, né? Aí é só uma condução. E aí, por exemplo o que o Chick Corea me ensinou
foi dos discos, eu não tive a oportunidade de sentar com ele! Com o Tito eu tive a
oportunidade de sentar e perguntar algumas coisas e ver “como que é isso Tito?”.
De ver ele tocando e como ele arranja e depois dizer “deixa eu sentar pra eu ver
como é?”. Essas coisas eu tive pouco, né? Então o ouvido é a base de tudo!
10. Em meus estudos é comum o uso da memória auditiva, sempre busco ouvir
referências, pegar ideias harmônicas e coloca-las em outras músicas, fazendo
reharmonizações e arranjos. Isso também já aconteceu com você? O ouvido
harmônico é uma ferramenta importante para o pianista? Áudio 2 00:08
É muito importante! A memória... (pensativo) É... (pausa) pode até ser uma outra
coisa, mas por exemplo a minha visão de improvisação só faz sentido por conta
dessas memórias! Eu acho que por exemplo a visão de improvisação aleatória ou do
nada, que muita gente acha que rola, né? Tipo, “ah ele tá só improvisando do nada!”
ou a “improvisação aleatória”. Tem esses termos, né? Você já ouviu esses termos,
né?
- Sim!
Eu não acredito por exemplo em improvisação livre! Eu não acredito porque eu já
quero colocar a minha visão, entendeu? Eu acredito, mas enfim! Eu digo que não
acredito que é pra não causar um negócio! Eu não acredito em improvisação livre
porque o que você vai desenrolar sempre tem a ver com o seu repertório! Esse
repertório as vezes é um repertório pianístico no sentido técnico, que é um suporte
pra você e as vezes ele é afetivo no sentido de coisas que atravessam as pessoas.
Um movimento harmônico pode ser isso, saca? Pode ser uma coisa que
afetivamente atravessa as pessoas e é uma memória importante pra você conduzir a
sua história! E aí o tema é importante pra mim, sabe? Então a improvisação livre ela
tem um tema! O tema se apresenta na improvisação livre. Tem uma coisa que é a
que você está trabalhando, que se apresenta! [pausa] A matéria prima da minha
improvisação são essas memórias, tanto de coisas que estão ligadas ao piano,
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registros (que a gente chama de memória muscular, né?) e essa memória afetiva
que eu posso dar um exemplo daquele arpejo de “Ave Maria”. Pum pum pum pum
pé pum pê pé (Solfejando a melodia da música) Esse arpejo por exemplo ligado a
dó tem uma memória, ele em fá tem a mesma memória, em sol a mesma, em fá
sustenido a mesma! O que vai fazer você tocar bem é o mesmo arpejo em fá
sustenido, em sol, é um outro tipo de repertório de quilometragem que você tem com
o piano. Então nesse sentido essas memórias são as mais importantes pra mim,
sabe? O tema da música é o que eu uso para improvisar, e com o passar do tempo
todos esses temas vão se tornando um acervo de coisas, de situações bonitas que
você tem pra fazer, sabe? Aí um Jobim não é mais só um decoreba. Porque quando
você tocar o fragmento de chega de saudade junto com uma música que também
fala de saudade, por mais que a gente esteja na música instrumental, essa memória
se acende, entendeu? Por isso que hoje fica difícil tocar o Hino Nacional,
antigamente tinha muita citação de Hino Nacional, né? Você via ali e achava
engraçado! Hoje em dia, o que é que soa? Porque eu acho que talvez tem a ver com
isso. Assim, tem memórias efetivas. Coisas que estão conectadas com o
conhecimento geral, né? E pra mim é grande coisa, tipo assim é um grande barato!
É isso, eu amo isso!
Não! Ouvido relativo, ainda bem! Ouvido absoluto num.... Viveria bem se tivesse,
mas não me parece ser uma coisa tão boa não, né? Absoluto, hoje em dia? A gente
já sabe que esse absoluto por exemplo quando você vê um cara sofrendo porque o
violoncelo tá todo afinado em trezentos e alguma coisa e o ouvido dele tá em 440 hz
e ele tá ali sofrendo, tipo, não posso fazer nada por você infelizmente, cara! O que
você pode fazer é ouvir, relacionar uma nota com a outra! É muito bizarro dividir
isso, cara! Tem uma nota e tem outra, aí você relaciona e vai assim, ó! (Balbucia
cantando algo) As vezes é pedir demais! Contém ironia! (Risos)
12. Em qual momento você percebeu que podia trabalhar com a música? 06:57
meu pai trabalhando, mas até cair a ficha de que aquilo era uma coisa que
realmente fazia total diferença... Tem a ver também com a fase que você se desliga
mais dos pais e tem suas contas pra pagar e aí de repente aquela mesma coisa
promíscua que você fazia tem um sabor diferente. Você ia, tocava um baile e não
doía tanto, hoje em dia dói porque pega em outras questões suas. As vezes os
planos que você tem na sua vida e a vida é urgente te pedindo algum trocado. Você
fica nessa confusão e tal... Mas uma pessoa que me deu uma boa noção de trabalho
foi o Cainã! Não é uma boa pessoa pra eu citar, porque não é uma pessoa que tem
muito a ver com toda essa história, né? Mas por exemplo, ele me deu uma boa
noção de trabalho no sentido de fazer o nome dele! Eu que tenho que escolher
minhas coisas, mas ele me deu uma noção importante de “eu estou ganhando esse
cachê, mas quero ganhar tal cachê. E eu vou fazer isso e isso e isso para conseguir
chegar lá. Então eu vou dar não para isso e vou passar um tempo dando sim para
isso aqui. Vai passando um tempo, as coisas vão virar, eu vou ganhar melhor, o não
vai ficar mais tranquilo... Uma estratégia mais assim, funcional, mais empresarial,
sabe? Aprendi com ele! E com a Marimbando eu aprendi a trabalhar também, em
grupo a dinâmica é diferente, né? Mas a confusão pra mim de responder essa
pergunta é isso, porque eu comecei trabalhando, ganhando muito pouco ou não me
importando com o que ganhava, né? E aí o trabalho, a palavra trabalho tanto tem
essa visão pra mim que é a de sempre estar em dias com o meu teclado, em dias
com a bateria, meu tempo em dia com a casa limpinha, em dias com tudo isso é
uma plataforma do que a gente tem com o trabalho. E outra é uma coisa que eu vivo
patinando, né? Como você vai conseguir prosperar nesse caminho de ter um nome
e um trabalho e eu quero conseguir coisas em função disso. Pra isso eu tenho que ir
lá, ninguém vai vir aqui! Poucas vezes vem, né? “E aí, como é que tá, tudo bem?
Você tá livre na agenda? Você tem alguma coisa pra apresentar pra gente? Porque
a gente tem um teatro”. Não! Nunca! É sempre você indo lá, e pra dizer: Estou com
um disco novo, estou aí viu? Tá rolando programação do festival, lembra de mim,
estou com um trabalho! Pá! Uma outra noção de trabalho que pra mim é a mais
difícil, né? No meio das urgências todas, mas é isso! Estou trabalhando nessa dupla
personalidade.
13. Em sua trajetória já aconteceu de ter algum repertório muito difícil, que você ficou
com algum receio de tocar? 11:46
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Teve muitos que eu não toquei, por conta disso! Muitos que pelo receio e também
que tem a ver com o respeito e saber que não tá na hora. Já fui convidado para
coisas que muitas vezes quem tocou foi a Nelma, por exemplo você vê a distância e
o erro de terem me convidado. E nesse momento eu já tinha a noção de “não pô
isso aqui é maravilhoso”, “eu quero ir assistir essa parada aqui, bixo!” Quem dera, eu
não estou fugindo da parada, só estou dizendo “Olha eu não toco isso”. Era uma
coisa que tinha muita leitura, e a galera chegava pra mim só na patente do “Olha o
Thiago, ele é bom” saca? E o cara chega e falava, pô está todo mundo dizendo que
o cara é bom, então vamos lá! E aí não dá! Já aconteceu de um amigo que ia fazer
uma prova na Uece e aí ele “Thiago tem uma peça aqui pra apresentar no dia da
parada lá”. Não sei o que era, mas era uma coisa que ele ia passar pra ser professor
e tinha que tocar essa peça e várias coisas, rola? Aí eu: “Rola!” Comprei a briga! Aí
eu fui lendo, botei a música pra ouvir, né? E aí o ouvido já se acomodando aqui, e
cego aqui (na leitura) e quando foi na hora de ensaiar com ele, ele disse: Não, bixo!
Recolheu a partituras e foi meio constrangedor e eu lembro que depois disso se
tornou recorrente de me associarem ao cara do improviso. “Ahh, o Thiago do
improviso” “O doido do improviso e tal” as piadas como uma coisa, como se eu
tivesse uma versão ou não fosse... sabe? Mas eu já me dei muito mal com essas
coisas, de comprar essas brigas e não conseguir dar conta e achar que a minha
interpretação daquilo ligada ao o que eu estava ouvindo ia funcionar. As pessoas
muitas vezes não gostavam disso! Aí eu fui aprendendo, tipo, porra não adianta
mais eu passar por isso, saca? Não adianta mais bixo! Então tem gente que tá muito
preparada pra isso, muito! Estudou pra isso, então... tem que ir lá nelas. Talvez eu
seja o cara do improviso, saca? E eu não vejo isso como se fosse uma coisa
efêmera, solta no ar. Eu vejo muita seriedade nisso! Tipo, a improvisação que eu
faço tem afeto, tem discurso. Pra mim ela faz sentido por causa disso! Não é muito
uma coisa pra me dar bem em um solo. Claro que todo mundo quer se dar bem em
um solo, mas se dar bem em um solo pra mim é estar conectado com a melodia e
isso tem tanto uma coisa subjetiva quanto uma parte objetiva, pois muita gente
improvisa em uma música e não sabe tocar o tema. Eu já vivi muito isso, eu já me
achei muito cretino por causa disso. Hoje em dia quando eu me vejo em uma
situação dessa eu digo: é está aí você, querendo improvisar, falar sobre a parada e
não sabe o tema! O que é que você sabe? Sabe lá menor, lá menor você sabe né?
Lá menor tem aqui, tem alí. Aí você vai falar de lá menor, depois de ré menor,
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depois de sol menor... Você tá falando de quê? Não sei, saca? Eu acho muito... Não
é isso que eu faço, eu tenho consciência de que não é isso que eu faço! O que eu
faço é falar da música que eu tô tocando! E pra isso eu preciso saber o tema, uma
coisinha a mais de atenção. Não é o certo a se fazer, mas é onde pra mim tá o
borogodó, entendeu? Ré menor, por ré menor? Beleza! Uma nona alí no ré menor é
gostoso? É gostoso! Eu gosto? Eu gosto! Uma sétima maior é gostoso? É gostoso!
Tudo é gostoso! As mais estranhas são interessantes. Beleza? É, tudo certo! Agora
quando tem uma música, é a música! Não é mais o ré menor, o ré menor ficou em
uma camada que ficou mais lá em baixo, né? Você tem que saber o que é ré menor
e quais são as notas, mas a camada que está a frente, que está reinando, puxando
e abrindo as conexões das cabeças das pessoas, da memória afetiva é a melodia, é
a história! Tipo isso.
Todo dia, eu estou em uma questão dessa, eu vivo nessa questão! As questões com
a mão esquerda por exemplo são sempre pertinentes pra mim e eu estou sempre
parecendo um idiota estudando aqui, sabe? No sentido de não acreditar e tá bem...
De você as vezes não ter paciência de voltar tanto. Então uma simples escala
cromática pode te responder isso. Tem um jeito de tocar a escala cromática que eu
posso pensar aqui e eu tenho certeza que eu não consigo fazer. E eu posso muito
bem tirar uma tarde pra fazer só isso da vida! Pensar em uma coisa que pra mim é
difícil e conseguir fazer! Pra mim é uma forma muito boa de me trabalhar, sabe?
Talvez isso responda a estratégia. A Pergunta da estratégia! Isso eu fiz muito e eu
faço na bateria muito!
- Você se desafia, então?
É, saca? Então, como as músicas estão todas em abertas pra mim, eu vou tocar a
mesma música sempre em uma perspectiva diferente porque é uma coisa que eu já
me proponho a fazer, né? E aí esse novo, pra sempre novo requer de mim essa
novidade, né? Então eu preciso incorporar! A Marimbanda por exemplo, toda vida
que eu vou ensaiar pra um concerto da marimbanda eu acrescento coisas, porque
eu tô mais habilidoso pra fazer, saca? Por exemplo, uma coisa que eu era péssimo
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apreciável, mas ela se torna questionável quando você tem uma música, né? Por
exemplo, “Samba de uma nota só”, tem uma proposta né? Que é bem clara, no
sentido de que Samba de uma nota tem uma melodia que é claramente um caminho
harmônico ressaltando uma nota, né? Depois vem uma letra e diz: Tanta gente
existe por aqui que fala tanto e não diz nada” “Já utilizei de toda a escala e no final
não deu em nada” E voltei pra minha nota como eu volto pra você” E nesse
momento tem uma escala (Solfeja a melodia da música) tipo assim, é uma trama
muito clara, né? Você ouve poucas pessoas usando isso, levando essa analise em
consideração para improvisar nela. Na real o que todo mundo acha bem
interessante é como vai do si menor pro si bemol com sétima, depois pro lá menor e
aquele sol sustenido onze. Então viver uma trama dentro dessa progressão, parece
que é o grande negócio, saca? E aí eu acho que se perde o sentido. A coisa fica
quase no masturbativo ruim, sem função nenhuma de nada pra depois. É assim, eu
pratico improvisação assim. Então, na Marimbanda como os trechos de
improvisação são pequenos é muito melhor não perder de vista o tema, que aí você
tem mais de vista essa linha contínua, mas é uma opção as vezes você quer fazer
justamente uma quebra na onda e quando você se coloca no intuito de fazer uma
quebra seus amigos entendem! “Vish que bicho doido, vuuummm!” Aí todo mundo
vai, tem que ir, né? Pegar na mão! Mas aí fudeu, porque pra mim eu não consigo
mais desligar disso, entendeu? No fundo no fundo você viu quando a pessoa tá
falando e passou da conta de falar, ou quando ela tá falando uma coisa que ela não
sabe muito e ela tá repetindo a mesma ideia que ela sempre fala, então eu vejo
quem gosta de acorde sempre se repetir nas frases e pode não ser ruim pra ele,
pode não ser! Eu me entristeço, mas aí é de cada um, né? Aquela sensação de
entregar um solo e você ter consciência do que disse, é melhor pra mim! Então a
música que eu não sei o tema, eu quase sempre não vou querer improvisar nela,
hoje em dia! Porque eu já tenho mais isso, saca? Aí a outra parte é que eu fiz um
trabalho de aulas chamado “O estudo criativo” e eu acho que eu só vou conseguir
responder falando alguma coisa desse trabalho, tipo... Que a gente tira um pouco a
ideia de que a criatividade é uma coisa tão distante ou subjetiva e você precisa fazer
algo, criar algo e aí a atividade de criar de repente é bem mais simples do que essa
coisa da criatividade como uma coisa sempre surpreendente, genial de fazer uma
coisa tão impensável. “Nossa que pessoa criativa, fez essa coisa tão impensável!”,
eu acho que criatividade não é só isso! A criatividade que é isso, tem a ver com essa
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capacidade que a gente já falou, da pessoa associar sons que estão fora do
instrumento com uma coisa musical, sabe? Então você ouvir uma máquina de lavar
e ela nitidamente tem um ritmo (Solfejo rítmico imitando o barulho que a máquina de
lavar faz quando chaqualha as roupas). Aí você tem pessoas que vão achar aquilo
musical e pessoas que vão tipo assim: “não, não estou ouvindo!”. A coisa da
percepção, né? Eu acho que a criatividade nesse sentindo mais incrível tem a ver
com essa capacidade de você transpor coisas do mundo externo da música. Você
vai botar um bocado de copo aqui e tocar junto com o teclado e todo mundo vai
dizer: “Olha como ele é criativo!” Na real não tem nada demais e nem de tão
inovador, mas tá na casa do criativo, né? Quando a ideia do criativo tá ligada a você
ter muitas ideias, por exemplo “Ahhhh, fulano é muito criativo cara, não acaba as
ideias em um solo!”. Eu associo isso, a minha ancora, como eu falei pra você é a
melodia, né? Então eu acho sim, que tem uma forma de você tirar da melodia um
infinito! É por isso que você nunca joga fora uma música, como as pessoas também
não são descartáveis! Você toca uma música hoje, o “Carinhoso” que você aprendeu
hoje. Imagina uma pessoa em 2021 aprendendo Carinhoso, uma música
antiguíssima! Aí ela só sabe em dó, porra tá massa! Aí outro dia ela precisa tocar em
fá e ela toca parecendo que nunca tocou carinhoso. Carinhoso joga ela no chão,
saca? Essas coisas vão sempre chacoalhando você no entendimento que você tem
da música, né? E aí eu acho que a criatividade também tá nessa porção de como
você se relaciona com ela tirando dela o pra sempre. É obvio que hoje você
conheceu a música, então não tem como comparar com uma pessoa que toca essa
música há uns vinte anos, que mesmo assim essa pessoa pode saber tocar essa
música só em dó, mas tem coisas que permeiam alí que eu respeito bastante! É
claro, tem gente que tem cabelo branco que faz merda. Sim! Mas continua sendo a
coisa mais bonita, né? A ancestralidade, as pessoas que vieram antes que sabem,
que tem mais... Tipo assim, você vê uma pessoa casada há cinquenta anos, não sei
se dá em você, mas você fica olhando assim e fica: Caraca, tem uma parada aí de
muito respeito, muito foda! Aí você vê o Cheack Corea tocando Spain há tantos
anos, maior tesão do mundo. Pô, tem uma coisa aí que eu acho que é a mesma
coisa daquela relação de você nunca perder o encanto. Agora é claro, você vai
tentar investir em coisas que você acha que são encantadoras, né? Tem coisas que
realmente não tem, mas é isso que eu acho foda da relação com a música e você ter
sempre um olhar pra ela de tirar uma novidade. Isso é criatividade, em um
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determinado ponto de vista! E eu prefiro ver assim do que ver como uma coisa do
nada ou genial. Um exercício de criatividade pode ser você fazer uma coisa muito
recorrente nos estudos que eu faço, por exemplo pegar um arpejo de dó
(demonstrou no piano o arpejo de dó subindo e descendo) pra onde você for vai ser
um arpejo de dó e eu não tô falando da ordem que você toca, tô falando das notas
da tríade e tal... Você pegar essa simples coisa como um motivo e distribuir para os
outros acordes é bem simples e bem ridículo e ao mesmo tempo desafiador no
sentido criativo. Se você decidir no arpejo ir para fá sustenido e ficar transitando
entre os dois sem pausa, saindo de um e rapidamente indo para o outro e depois
voltar. (Demonstrou esse exemplo tocando os arpejos de dó e fá sustenido no piano)
São só notas do dó e do fá sustenido, fica cinco minutos nisso e tente não se achar
um bosta! Só isso, esse foguinho de continuar que você acha é a criatividade, eu
acho! Você vai decidindo coisas e fazendo e aí você vai tomando intimidade com a
tecla, com o caminho, com o som, com tudo! Aí eu não sei como é que isso vai se
tornar um material tão objetivo, mas eu penso nisso ser uma coisa de criatividade.
Escala, quando vamos estudar escala, estudamos assim (áudio tocando uma escala
maior, diatônica, ascendente e decrescente) certo, nada errado! Aí quando uma
pessoa faz (áudio tocando a escala maior, diatônica, formando frases utilizando
intervalos, diversificando os caminhos melódicos e seus movimentos) tudo bem, é a
mesma escala maior, só que já soa mais musical! E soar musical, pra muita gente já
é a cartada da criatividade. É a mesma escala, tá alí as notas, eu posso ver isso
como um motivo e improvisar nisso. Assim, parece que quanto mais ridículo o
negócio, besta, mais você se mostra criativo porque é como se fosse tirar leite de
pedra. Então ao invés de trabalhar escala apenas com movimentos ascendentes,
que é muito bom e eu acho que tem sua importância. Mas isso aqui, pronto não tem
mais o que fazer! E se você pegar isso e submeter a uma coisa criativa, só isso nas
escalas, eu acho que você consegue evoluir! Porque também, ir pra escala de dó
para o dó sustenido, do ré para o ré sustenido, meio que tira as possibilidades,
saca? Se você pensar mais desordenado, eu acho que você se força mais, sabe?
Tipo assim, dó, fá sustenido, sol, dó sustenido e eu tendo que conectar essas
escalas, que são só as escalas. Você não sabe as escalas? Estudou tudo? Pronto!
Agora é porção criatividade, em cima daquilo que você tem de material, que é a
escala. Aí (áudio demonstrando a conexão que ele faz entre as escalas de fá
sustenido, lá maior, fá maior) e assim você pode conectar todas e se você quiser
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ficar cinco minutos também, você passa pelos doze. Não chateia quem está do lado
ouvindo, porque parece musical. Soa mais musical, né? Não soa como um exercício,
mas da forma como a gente conhece exercício! E aí muitas vezes eu estou tocando
e a pessoa vem e diz: “Cara, aquele exercício que você estava fazendo, qual é?”.
Muitas vezes a Luciana Gifone já me questionou sobre isso, porque ela via um
material sendo trabalhado, tipo como quem lê um estudo. Sabe um estudo de
arpejo? Você vai ver é foda, porra isso é um estudo de arpejo! E aí pouco se
trabalha a improvisação nessa perspectiva de o estudo de uma coisa. Arpejo, você
pode ficar aqui tocando arpejo e isso não ser um estudo de uma música, ser o
estudo do arpejo. O estudo do arpejo em uma música é outra coisa! Você pode
pegar por exemplo o “Chega de saudade” e estudar arpejo no chega de saudade e
usar o que você entende como chega de saudade para praticar arpejo. Dá muito
certo! (áudio exemplificando o que havia acabado de falar, tocando arpejos nos
acordes da música chega de saudade) você vai na harmonia e vai se descobrindo,
né? Aí eu acho é uma coisa de criatividade, que eu sempre trabalhei com as
pessoas e sempre foi difícil, nunca foi tão fácil! Você sabe a escala cromática bem
rápido com as duas mãos, mas se você fizer movimentos desordenados, você vai
estar sempre decidindo o que vai fazer, por isso que você se dá mal as vezes, tem
haver sabe? (áudios tocando a escala cromática com movimentos diversos) Eu acho
que tem a ver com a criatividade e com o que você tem de repertório, também! Eu
não conseguiria tocar isso tão rapidinho se eu não tivesse isso nos dedos, né?
Assim, eu acho que tem uma medida para cada pessoa de mergulhar nessa coisa
da criatividade desse jeito como eu estou te falando. É o quanto você tem a ciência
de que consegue tocar o chão no sentido de mergulhar. Porque mergulhar para se
afogar também não é muito a onda. Você se entristece mais do que qualquer
pessoa, você vai ter que achar um caminho para chegar alí! Tá ficando claro, tá
ficando leve e aí você vai apertando. Parece meio óbvio, mas é isso! Então, uma
pessoa que sabe a escala cromática e você pergunta: sabe a escala cromática? E a
pessoa responde: “Sei!” com uma entonação de desdenhe. Beleza, que bom! Então
toca cinco minutos de escala cromática parecendo uma música e tenta não fazer
uma cara de nojo! Aí você já não tem outra alternativa senão se agarrar em tudo o
que você tem de concreto, né? Ahhh, então eu vou devagar, véi! Porque aí eu não
vou também me afogar, eu vou devagar vou assim e tal, que aí é uma visão
estratégica!
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16. Durante sua trajetória você fez parte de muitos grupos e bandas. A prática
instrumental em grupo é importante no processo de aprendizagem do pianista?
Como professor, você incentiva os seus alunos a exercitarem essas práticas?
50:11
Sim, eu incentivo! Eu acho até que eu fui incentivador de alguns grupos. Porque
muita gente já me incentivou a isso. “Bicho! Forma teu grupo, forma uma galera pra
vocês saírem do Play Along” essas coisas assim. E a prática em grupo é essa coisa
do respeito com o outro, que é bem delicado, né? Você querer tocar rápido e o seu
amigo não conseguir tocar tão rápido, então como é que vocês negociam? Até que
ponto você vai agulhar ele? E já respondendo, eu acho que o ponto da agulhação é
o ponto que você já conhece o outro, saca? Então é sempre muito delicado, essa
coisa normativa que rola sempre na música onde tudo tem uma referência muito
definida. Eu tinha dado o exemplo das mãos, né? Tipo se você tem um dedo
amputado, você não tem um estudo de piano para isso. Você vai de repente
encontrar um professor muito sensível, que vai saber descontruir toda aquela coisa
de estudo de piano, porque nenhum estudo de piano vai ter esse precedente! Então,
são todos normativos. De bateira também, muito pior, saca? E de voz também, se
você tem a língua presa... Saca? Então essa coisa normativa, perfeita que acontece
muito ainda, sabe? E tem me chamado muita atenção, até porque as pessoas
confiam muito em mim como um cara que tem uma visão diferente. Então já veio um
cara aqui com um dedo para baixo e a questão dele era só “poxa, eu não consigo
tocar uma frase rápida porque isso e aquilo outro, e é difícil porque o piano não foi
feito para mim”. Em partes é, mas é que não tem mesmo, sabe? Mas a segurança, a
música potente que ele vai achar tendo quatro dedos é uma questão dele, saca? E é
muito violento como acontece nos grupos nesse quesito de o que você espera do
outro. Quando você conhece a pessoa do grupo é massa porque aí você está
caminhando junto, né? Mas situações que as vezes vai dar uma canja e vai tocar
com gente que você nunca viu, como que as pessoas te tratam? Elas te tratam com
carinho? “Joana, o que é que a gente vai tocar? O que é que você gosta de tocar?
Vai pedir para você começar, vai perguntar qual o andamento ou o cara vai
começar, não quer nem saber de você e você vai ter que seguir no ritmo dele. Eu já
passei muito por isso, você lida com a arrogância da pessoa ali. Porque vai ter uma
coisa assim ó, que eu saquei! Tá nós aqui ensaiando é uma coisa e aí parece que a
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gente se conhece, mas quando chega aquela hora de palco que você pensa “Poxa,
minha reputação, minha imagem, como eu quero que as pessoas me vejam” aí
você... Eu não vou dizer que muda, mas para muitos... Até de perceber tanto isso eu
tento deixar a coisa nivelada, sabe? Porque eu convivo com muita gente que está
assim, nivelado e tal. Mas eu já encontrei muita gente que no ensaio é uma coisa e
na hora do show você fica se perguntando quem é aquela pessoa, que já está
falando diferente, se comportando diferente, olhando para mim diferente. Eu já
convivi com gente assim, vai tocar em um palco em São Paulo e aí ativa um bocado
de coisa na cabeça dela tipo “Caramba, vai vir fulano de tal me assistir, eita!” Aí ela
joga, em outros termos, a insegurança dela pra cima de todo mundo e as vezes
coloca você em uma situação de perrengue até para ele se acalmar mais, sabe?
Quer dizer, a vaidade chega a esse ponto em cima do palco. E aí você só lamente
mesmo, vai se ligando e percebe que tem que estar com os seus, porque o palco é
um lugar que você está de braços abertos e tem que estar seguro de quem está
contigo alí no palco. A gente tem aqui no Ceará uma cara de trabalho de prática de
conjunto, nos festivais e eu acho que tem um rastro de muita coisa importante que é
Arismar do Espírito Santo que veio tantas vezes para cá fazer roda sem camisa, eu
lembro demais. Ele dizia “Olha a melodia é essa e cantava a melodia com a boca) e
o cara vai para o cantinho e daqui a pouco ele chega todo feliz da vida porque
consegue tocar a melodia e toca ali junto, saca? Aí você vê nesse momento, nessa
configuração que aquele cara, que só sabe tocar aquela melodia, tá tocando com
um cara incrível e que sabe tocar várias outras melodias e aí olha como os dois se
relacionam. As vezes o cara que sabe muito não dá muita importância, sabe? É
meio doido, as vezes é um lance que vai mais na vaidade, do nível social. Tem
umas histórias boas dos amigos que quando estão com uns caras importantes não
falam com os outros, que finge não conhecer, né? E tem de tudo, mas eu acho que
a prática de conjunto é essa coisa do estar aberto para o outro em todos os
sentidos, né? Na gig da noite, fulano vai tocar com um outro que nunca viu na vida e
aí rola sempre aquela pressa, e não pode ficar aquele buraco e puxa uma música
que você não sabe tocar e você tem que se resolver e tem várias situações de
pratica de conjunto que para mim todas você resolve tendo um pouco de calma e
olhado para a pessoa e vendo a condição dela e você consegue fazer um som junto.
Porque é uma amparada, né? Você tem que pegar na mão para fazer aquele som
junto. Quando você junta gente que não toca nada ou está tocando pela primeira
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vez, como eu amo fazer quando eu ia dar aula nas residências do Festival de
música de Guaramiranga, tinha a reunião dos professores e ficava todo mundo
“Olha, manda aquela menina que toca pra caralho pra mim, manda só os bons pra
mim” aí eu digo, bicho olha eu não tenho esse pensamento! Manda a galera toda,
manda três bateristas, dez baixistas, pode mandar! Manda, eu quero é isso! Porque
quando você tem dois baixistas, gera a possibilidade de você fazer com que eles se
ouçam, se os dois tiverem tocando a mesma coisa e não estiverem percebendo, já é
uma questão boa! Tipo, galera é uma questão boa, pois temos dois instrumentos
baixo, você é baixista e ele é baixista e vocês vão tocar a mesma coisa? Então não
soa, né? E aí você acha um jeito daquilo funcionar e as vezes é o cara indo tocar no
agudo e já tem que ligar a percepção dele de harmonia ou de ritmo. Então eu
sempre gostei dessa coisa da prática de conjunto e de fazer as pessoas se olharem.
E essas coisas de ter um cara muito tarimbado tocando com uma pessoa que está
ali toda acanhada, sem confiança, eu gosto! Todas as minhas práticas de conjunto
são enormes e as músicas também são enormes. Da última vez e não sei se você
viu, a gente fez uma música de vinte e cinco minutos! Dois bateras, e eles trocavam
de batera no meio da música, sabe? Várias flautas, cantora, um cara da tuba. Meu
irmão, vamos todos e a gente acha aqui um jeito. O cara da tuba que toca só um
trecho e algumas notas dentro de uma música que é vinte e cinco minutos tem que
encontrar alegria de estar alí, saca? E não ficar concentrado só na parte dele, sabe?
Eu acho que isso é uma coisa muito boa, por exemplo a gente que tira a mão na
hora porque o guitarrista entrou com tudo. Tira a mão! Tira a mão porque você está
ouvindo-o, e você entende que é melhor para a música. Daqui a pouco você entra e
ele percebe que você entrou e aí ele tira mais a mão. E aí fica aquela coisa de se
olhar e de se perceber, prática de conjunto para mim é isso!
17. Além das experiências de palco, em apresentações, você ministra aulas. Quais
os maiores desafios que você encontrou no ensino do piano? 01:02:33
Eu não sei se está certo me colocar como professor de piano, sabe? Porque não é
uma coisa que eu me dedico tanto, sabe? Mas a grande dificuldade que eu acho
com os pianistas, por exemplos os pianistas da universidade, é uma dificuldade
muito parecida que é a de quebrar os exercícios dados e transformar em criatividade
como eu dei naquele exemplo. Eu não vou dizer que é só da universidade, mas de
todas as pessoas que eu já trabalhei veio da universidade e já tinha um trabalho de
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tocar coisas bem difíceis e que essa coisa bem simples era uma dificuldade. Então,
acho que a minha grande referência de piano seja uma criança tocando piano.
Tocando coisas simples, descobrindo, tocando do seu jeito. E aí essa visão mais
estrategicamente elaborada vai dar em um piano mais gaiato, figura, pontilhismo e
essas coisas que é o que eu tento fazer! Por exemplo, o Tito tem um piano de chão,
de acompanhamento e é a grande beleza do que ele faz. É aquele lugar que você tá
aqui e você vê o chão até... Todo lado que você olha tem aquele negócio e você
pensa, poxa aqui eu não caio! Comigo não, a sensação é de cair o tempo todo. Não
é uma diferença no sentido de comparar quem é bom, mas são características e
caminhos escolhidos. E o caminho para esse piano que eu gosto de fazer, eu
encontro nessa liberdade desenfreada de uma criança. E quando você convida uma
pessoa para tocar, para passear e conduzir uma melodia com uma mão de forma
livre as pessoas ficam “Mas assim? Sem pensar em nada?” É, assim! Tem gente
que acha que não está pensando em nada, mas eu acho que nesse momento tem
aquelas memórias que te carregam, saca? E aí de repente você toca um negócio
parecido com o outro que parece com outro. E essa visão do teclado que não está
desenhado dó, dó sustenido, ré ou as escalas, é mais difícil, é sempre o grande
desafio em que eu me encontro. Criar uma escala entre duas notas com um grande
intervalo entre elas. Aí você cria uma escala, porque uma escala a gente sabe o que
é, né? É ligar um ponto ao outro, mas você pode ir de qualquer jeito? Você pode ir
de qualquer jeito, é só ligar aqui! Aí você tem que ser criativo e audacioso e quebrar
os sistemas que você já tem desenhadinho na visão com relação ao teclado. Eu fui
dar uma aula em Ouro Preto em uma Universidade, o maior prestigio, piano, uma
sala lotada. O professor chamou todo mundo para assistir e aí um rapaz foi e falou
“Thiago você tem uma coisa que fala sobre o estudo criativo, né? Pode dar um
exemplo do que é isso?” E eu disse sim! Um dia antes eu tinha tocado e o afinador
de piano estava assistindo a aula, então eu vi o afinador de piano tocar uma peça
depois que ele afinou. E como eu só o conhecia na plateia eu disse por favor você
pode tocar esse exemplo aqui no piano? Ele até gesticulou que não, mas todo
mundo deu maior força pra ele ir. A ideia era ele tocar a peça que ele tocou quando
eu estava ouvindo, porém eu queria só o primeiro trecho e ele tocou! Depois eu pedi
para ele tocar errado, no sentido de pegar o mesmo movimento rítmico e colocar em
outras teclas, e aí o que vai acontecer primeiramente errado porque a gente ainda tá
com a memória do que é a música, mas o que a gente quer fazer é desapegar. Ele
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estava tocando bonito e quando ele começou a errar dentro da minha proposta ia
soando muito bonito, saca? E eu olhava para as pessoas e as pessoas ficavam
achando engraçado como soava lindo. E aí ele perguntou se era isso mesmo e eu
disse que era isso mesmo. Aí eu fiz aquela proposta, toca dois minutinhos sobre
esse motivo, explorando o desconhecido do teclado. Vai ali para aqueles lugares
que você não sabe qual é o som, que você não sabe o que vai dar. Vai nele com
segurança! A segurança que você tem é a técnica que você está usando, vai lá! Ele
foi tocando, e foi baixando a cabeça, baixando a cabeça e desmaiou. Caiu e tacou a
cara no piano e depois ficou se batendo no chão e teve um ataque de convulsão e
todo mundo desceu da arquibancada e foi salvar ele. Eu fiquei pasmo! Aí ele
retornou e me pediu desculpas, falou que quando fica muito nervoso acontece isso
com ele e não era a primeira vez que isso acontecia, era recorrente. Eu até fiquei
sabendo que rola uns desmaios sempre nas cadeiras de piano, porque tem um
professor muito rígido e as pessoas já tem um pouco essa reação. E aí de repente
me viram como uma pessoa assim, não sei se é isso, mas por outro lado se arriscar
com o seu instrumento mexe muito com você. O rapaz desmaiou, tem gente que
prefere não experimentar, tem gente que prefere me chamar de gênio, mas na real o
que eu tento fazer é passar essa visão do piano livre, né? E aí eu acho que a
criatividade é isso, essa capacidade de você pegar uma coisinha e ficar com ela por
mais tempo. Conseguir tirar muita coisa dali e associar as coisas que você já tem
àquilo. No ensino, apesar de eu não ser um professor, a coisa mais difícil e mais
interessante é isso! Perceber o quanto essa coisa da improvisação está ligada ao
genial, o criativo estar ligado ao super e o meu trabalho é tentar colocar isso mais na
mão, sabe? Então é por isso que eu pego a escala maior e trabalho a criatividade
nela. Porque a escala maior você já sabe aí a perspectiva de trabalhar a
improvisação dentro de uma música é a mesma só que o material é muito mais
complexo, pois você tem a análise da melodia junto com a harmonia e várias
questões que para mim até a letra faz diferença, música instrumental pra mim é feita
de palavras, então muito do que você trabalha na música instrumental tem a ver com
a energia do verbo, eu acho! O título, não só o título, mas muitas coisas e eu acho
que é isso! Essa visão de criatividade que não é a que as pessoas esperam quando
vem trabalhar comigo. Querem uma coisa mais concreta, tipo “Ahhhh, mas com é
que você faz isso e aquilo outro?” e aí eu sempre vou para aquela mesma coisa de
que a pessoa tem que ter uma visão do que ela está tocando e essa visão ela que
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desenvolve a partir das coisas dela, entendeu? Então eu fico mais nesse campo
filosófico da improvisação e o prático da improvisação é bem pratico, bem
alcançável e aí eu consigo trabalhar o filosófico da minha maneira, né? De mandar
as coisas mais subjetivas com esses gatilhos e mostrar que eles são fortes! E aí eu
vejo muita gente querendo tirar uma casquinha de mim de uma coisa muito mais
subjetiva e poucas vezes consegue! As vezes até eu sinto vontade de entregar,
sabe? Mas isso me trava. Tipo “me passa um acorde bonito?”. Tem vários acordes
que eu acho bonito, sério eu fico assim... Passar um acorde bonito? Aí eu prefiro
abrir questões que em um lugar ele é bonito e em outro lugar ele é blasé, feio,
bossal. Então ele sozinho talvez não tenha muito efeito. Porque você pode pegar um
acorde de dó, o que é o acorde de dó, não é nada né? Dó não é nada né? É! Aí
você vai somando as coisas e ele vai se embelezando de uma forma, porque
também não é só beleza que você quer, né? Às vezes você quer um pouco mais de
coisa intrigantes na música, o contraditório soma muito na música Contemporânea,
né? O ruído soma muito, o bizarro. E aí você como criativo, gênio, mas na real são
coisas que estão aí. Então aqui eu pude aqui falar de coisas que eu acredito mesmo,
nessa coisa da improvisação eu já fiquei de boa. De me associarem a improvisação
e eu acho que essa visão não é minha no sentido de que você muita gente
improvisando e está na cara que ela está falando do tema, está muito falando do
tema. Se você for fazer uma análise, vai sempre ter esses pontos ligados. Mas é que
tem gente que faz uma análise mais específica. Tipo, quando vai analisar um solo
pega aquela nota que achou bonita naquele momento e fica “Poxa, que nota linda!”
o acorde é esse e a nota é essa e tira sua conclusão de que é por conta disso, eu
acho também válido! O material da improvisação é uma coisa afetiva, porque senão
você enjoa da música. Vai tocar na noite e dá a ideia de tocar “Wave” e a pessoa
não quer e eu digo “Ahhhh, pois vamos em ré sustenido, véi que rapidinho você
acorda! Vamos?!” Não, não vamos não!” Então é meio que uma página mal
resolvida, esse negócio de estar sempre querendo musical nova, é legal, mas essa
relação duradoura com uma música que consegue reverberar o seu todo durante
toda a sua trajetória é legal. Eu poderia saber só uma música e conseguir aprimorar
a minha técnica em função de apresentação em na música sempre de uma forma
melhor, né? Pensando bem, eu não sei se dá porque cada música tem sua
importância. Você tocar um “Apanhei-te cavaquinho”, tem seu valor. Todas as
músicas você pode derrubar essa certeza de que já aprendeu ela e que não precisa
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não vão deixar você se expor ao ridículo. Eu acho que a Professora Nelma Dahas
faz esse trabalho, o professor Davi Duarte faz esse trabalho. E aí na música popular
não tem isso! Eu não sei também se deveria ter, mas pelo menos eu estou
batalhando por isso. Mas eu estou do outro lado da coisa, encontrando as pessoas
que eu admiro e me colocando no lugar de quem quer aprender. Com todos os
buracos para que essa coisa entre em mim, então quando eu encontro o Tito Freitas
a minha reverencia é a maior do mundo, porque eu sei que alí tem uma coisa, claro
que não está ligado apenas a Fortaleza. Está ligado ao Brasil todo, o piano brasileiro
e quando você pensa no piano brasileiro a gente tem o Tito como uma dessas
figuras que tem na mão o ouro, assim como o César Camargo, assim como o João
Carlos Coutinho e todos esses caras da MPB, da Bossa Nova. Então quem toca
piano, toca a história desses caras e não sabe! Hoje eu sei, então quando eu
encontro o Tito eu sei quem eu estou encontrando e eu acho que quem me
encontra, não necessariamente encontra essa escola, sabe? Eu tenho umas coisas
para oferecer, mas não no sentido da escola, quem sabe um dia? Mas é coisa de
cabelo branco, coisa de mestre de capoeira, são as outras pessoas que elegem, não
é você! Posso abrir uma escola, que nem a gente vai garantir. Tem muita escola
aberta que ou não tem a pretensão de fazer isso ou não consegue mesmo, sabe?
Tem escola de manutenção que tem crianças que querem iniciar e introduzem com
métodos de musicalização e essas coisas todas e tá tudo certo! Quando a pessoa
se decide fazer música, aí é que é o babado! Todas essas questões que você
colocou aí, trabalhar, viver de música, vencer os desafios na música, no instrumento,
aí é outra coisa. Considerando essas pessoas como uma escola eu observo muito
eles tocando e eu fico analisando o que tem alí o que não tem, sabe? E eu tinha até
vontade de ficar mais por dentro das coisas, de gente que eu admiro que vejo
poucas vezes tocando. Mas de certa forma eu estou até por dentro das coisas. Eu
vejo o processo e a evolução fico admirando, eu vejo todo mundo assim, então eu
olho pra mim assim também. Eu fui pegar as coisas da Marimbanda e eu vejo que é
muito claro como eu estou melhorando e tocando melhor no grupo, sabe? Porque eu
me entendo melhor e entendo a condição do Luizinho e vou vendo as pessoas
assim também e vou vibrando com as pessoas que estão melhorando e ficando
chateado com a galera que é arrastada para o baile e fica sem tempo para gravar o
seu som, colocar suas ideias nas músicas e gravar. Não que isso tenha que ser o
plano de todo mundo, mas essa vida de músico da cidade é complicado, né? Os
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cachês continuam os mesmos e tudo fica cada vez mais caro, né? Mas eu gosto de
ver a galera tocando, assisto essas coisas que rolam, vou assistir ao show da galera
e gosto de vibrar esse movimento autoral, o empoderamento do som. Isso de ter a
sua identidade sonora de fazer o seu próprio som, de gravar, de cantar, ir pra noite,
mas o chato da noite é que você acaba fazendo muito o que tem que ser feito, né? É
mais difícil de você quebrar a regra, né? “Ahhh vou tocar chorinho!”, podia tocar
Tarcísio Sardinha a noite toda, e eu acho que ninguém ia levar e ir embora. “Vou
tocar divas do Jazz”, aí já fica complicado porque a galera fica a vida toda fazendo
cover. Bossa Nova, tem muitas composições do Luizinho e de gente. Porque se
você vai em Belo Horizonte você vê o pessoal tocando as músicas deles. Você vai
em Brasilia e os caras estão tocando as músicas deles, do Hamilton de Holanda, do
Pedro Martins. Quando você vai em São Paulo você escuta Filó Machado e aqui fica
sempre essa coisa assim, meio que sem história. Você chegar em uma roda dizer
“Vamos tocar Luizinho Duarte? Vamos!” e fazer acontecer! O Luizinho Duarte está
só na Marimbando, a música do Projeto Timbral está só no Timbral, a música do
Alisson Félix está só lá no trabalho dele, precisamos apreciar mais o nosso trabalho.
Tito Freitas
Antes de conhecer a música a minha vontade era de ser piloto de avião. Nossa, eu
adorava! Quando criança eu ficava ali no quintal de casa e onde a gente morava em
Manaus tinha um aeroporto próximo, então eu ouvia muito barulho dos aviões
passando e eu gostava daquele som, aquele som era agradável pra mim. E sempre
eu falava pra minha mãe “Olha mãe, olha mãe o avião! Eu quero ir no avião, eu
quero ir no avião!”. Isso era quando eu tinha 8 anos de idade, isso minha mãe que
me dizia.
Sim, o primeiro contato com a música foi quando o meu pai me deu aqueles
violõezinhos de plástico com aquelas cordas de nylon. Era um violão pequeno e na
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gostaria de aprender a tocar piano e que queria que ela me ensinasse. E foi assim
que começou!
Tenho, eu e minha mãe fomos estudar piano. Ela me ensinou um pouco porque ela
não sabia muito. Ela começou a me ensinar as sete notas e depois fomos estudar
juntos com uma professora. Mas essa professora já estava adoentada quando
começamos a estudar com ela, dois meses depois ela faleceu e minha mãe ficou
muito triste. E eu fiquei mal, perguntei para a minha mãe o que a gente ia fazer
porque eu queria continuar estudando música. Até que o meu pai viu o conservatório
de música de Manaus, mas para estudar no conservatório de música em Manaus
tinha que ter grana e o meu pai desempregado não tinha dinheiro para isso. Aí eu
falei pra mamãe que queria vender picolé no colégio, mas depois tive a ideia de
vender banana frita! (risos) Aí a mamãe passou um monte em uma bandeja grande
e eu vendi no colégio. Eu estudava de manhã e de tarde e eu ia junto com o meu
irmão vender essas bananas fritas. Ela dava umas 20 bananas pra gente vender e a
gente comia umas 5 ou mais, porque era bom demais! (risos). Então todo dia a
gente tinha que voltar com um dinheirinho para o papai poder pagar o conservatório.
Eu entrei pro conservatório depois de alguns meses vendendo banana, eu consegui
esse dinheirinho para ficar pelo menos uns 6 meses estudando. Olha só com quem
eu estudei lá! Estudei com o professor Guest, que depois de alguns anos fiquei
sabendo que era o pai do Ian Guest. Eu não sabia! Bom, eu fui para o colégio e
sabe quando você chega no colégio e fica acanhado? Filho de família pobre, aquela
roupa bem humilde. Eu cheguei no colégio com as meninas com aquelas roupas
todas, aqueles tenis bem bacana e eu só na minha, mas eu nem ligava! O meu
negócio era tocar o piano, quando eu vi aquele piano acústico eu fiquei louco.
Resumindo, no conservatório eu comecei a estudar musicalização, solfejo, teoria
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musical, as sonatinas e todas essas músicas clássicas. Mas chegou um tempo que
meu pai não estava tendo condições de me manter no conservatório, e eu também
não podia mais vender as bananas. Eu fiquei por quase um ano e aí chegou um dia
que meu pai falou que não estava mais conseguindo me manter no conservatório.
Nossa eu fiquei muito triste! No conservatório eu também conheci outros colegas,
um flautista que sempre que o professor saia da sala eu fugia para ir pra sala dele e
poder tocar junto. Eu achava um máximo tocar com ele, ele solando junto comigo. A
gente tinha que tocar baixinho porque naquele tempo não se podia brincar com
essas coisas, a ordem era tocar o que estava escrito, não podia tocar nada que não
fosse dado pelo professor e era muito rígido. Voltei para casa e a minha mãe
começou a me ensinar músicas antigas, essas que Caubi Peixoto cantava, Evaldo
Golveia e todas elas eu aprendi com ela. Olha eu sou tão grato a minha mãe, porque
depois de alguns anos eu vim tocar com Evaldo Golveia aqui e toquei também
toquei com o Caubi Peixoto no Rio De Janeiro, todo o repertório que a minha mãe
escutava. Foi incrível e teve outro cantor chamado Peri Ribeiro, que eu trabalhei
com ele por 16 anos. Foi o cara da Bossa Nova, e ela adorava a bossa, e o
engraçado que nessa época o grande sucesso era The Beatles porque eu nasci em
1962 e os Beatles estavam no auge, e isso nos anos 70 ou 80 ainda estava rolando
muita música deles. Aí eu e dizia pra minha mãe que achava estranho as músicas
que ela escutava e ela respondia: “Não, eu vou cantar pra você e você vai tocar. Vai
tocar comigo e eu vou te passando as harmonias”. E aí eu comecei a gostar e
pronto! E esses momentos com a minha mãe foram primordiais pra mim, foi o
grande ensinamento.
- Isso foi com que Idade, Tito?
Foi com aproximadamente 13 para 14 anos.
4. Você escolheu estudar piano, o piano te escolheu ou você foi incentivado por
algum familiar ou por uma pessoa próxima? 17:26
Olha, tem o dedo do meu pai! Porque intuitivamente ele me deu um violão pra tocar,
e foi o ponto de partida porque até então eu queria ser piloto de avião, não tinha
nada a ver com a música, mas foi meu pai quem incentivou e depois veio minha mãe
também e eu acabei gostando. Então eu entrei de cara e acabei adorando tocar. Eu
acho que a influência dos dois foi muito grande.
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5. Como foram suas primeiras descobertas no piano, você teve algum professor
ou alguém como referência em seus aprendizados? 18:31
A referência muito grande foi o professor Guest, que era Húngaro. E ele era muito
metódico, me ensinava muitas técnicas. E aquelas técnicas até hoje, inclusive a do
livro Hannon, eu não esqueço que foi uma das coisas que eu aprendi com ele.
Estudar certinho, com as técnicas, aquele jeito de tocar, trabalhar os cinco dedos e
cinco notas em todas as regiões. Porque eu acho que quando você descobre isso
você está em qualquer região e trabalha isso. Eu estava certa vez tocando em um
restaurante em Porto Velho e em um dado momento a luz acabou. As pessoas
ficaram assustadas, se perguntando o que havia acontecido e eu continuei tocando,
não parei nenhum momento de tocar. Parou a bateria e o baixo e eu fiquei só no
piano acústico tocando as músicas do Tom Jobim e eu não imaginava que iria
conseguir tocar daquele jeito no escuro. Então pra mim, ter aprendido essa técnica
foi valioso, porque não precisava estar olhando para o teclado, mas eu sabia onde
eu estava. Porque que eu sabia onde eu estava? Porque eu tinha aquela visão que
a gente chama de “tela mental”. Se eu estou em mi bemol, pronto aqui está o si
bemol, sol, fá, dó, estão todos aqui, está tudo na minha mão! E se trocar de
tonalidade eu também já estou! Mas foi uma grande experiência
Foi quando eu tinha 15 anos de idade e entrei em uma banda de baile. Foi lá que eu
tive uma outra experiencia porque no tempo a gente não lia nada, ninguém tocava
lendo, mas todo mundo tocava tudo decorado, bem direitinho e fazia as músicas do
jeito como elas eram, então foi uma grande experiência para mim. Até porque eu era
tão ligado em tirar as músicas do jeito que elas eram, copiar mesmo! Foi uma fase
boa, poder mostrar para os colegas as coisas que a gente pegava e poder ajudar
mostrando alguns trechos de algum instrumento que não estivesse fazendo aquela
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frase certa. Agora imagina eu com 15 anos de idade falando para um monte de
marmanjo que já tinha lá seus 40 ou 50 anos e eu era o único com 15. Eu chegava
no ensaio já com tudo preparado e já ia dizendo tudo que tinha na música falando: o
baixo faz isso, a bateria faz aquilo. Então a partir desse momento eu comecei a
trabalhar profissionalmente na banda baile Blue Bird Band, que inclusive existe até
hoje na minha cidade. Então foi uma escola para mim, porque eu toquei em vários
eventos da cidade, vários repertórios, em várias. Mas eu vou te contar um detalhe,
que para eu tocar na banda baile houve um probleminha que foi no primeiro baile
que eu fiz que não foi assim tão fácil. Estava tudo certo, íamos tocar no atlético
clube, a banda toda estava lá, fizemos a passagem de som e naquele tempo minha
mãe me acompanhava, pois as vezes o meu pai estava trabalhando e eu precisava
ir acompanhado, senão eu era barrado e não conseguia tocar por conta da minha
idade. Quando eu comecei a perceber que o clube estava lotando, eu acho deveria
ter em média de umas 3.000 pessoas porque era gente pra caramba, a doutora me
chamou para tocar e eu falei que não ia porque eu estava com medo de errar e que
não iria dar certo, falei para ela que ia embora. Ela ficou desesperada pedindo pelo
amor de Deus que eu não fizesse isso, e eu me recusando a tocar porque tinha
muita gente. Aí os caras da banda chegaram lá no banheiro e começaram a
conversar comigo, começaram a bater na porta e quase arrombando a porta. Aí foi
que eu não abri mesmo, já não estava abrindo antes e agora com violência é que eu
não abro. Quem conseguiu me tirar de lá foi a cantora, que chegou e me acalmou,
explicou que as pessoas não iriam de fato olhar para mim e notar se eu estava
tocando certo ou errado, pois todos estavam ali para dançar e pular. Ela começou a
conversar comigo, dizendo que estaria do meu lado o tempo todo, então fizemos um
combinado e ela me fez dar o meu dedinho pra cruzar com o dela e a assim ela me
levou para o palco, de dedinhos dados. Já estavam todos lá no palco e a ordem era
diminuírem as luzes do público para que eu não visse as pessoas, eu cheguei lá e já
estava as luzes todas apagadas. Depois disso eu perdi o medo, comecei a tocar
meio na penumbra e na terceira música eu já estava mais tranquilo até que na sexta
música eu já estava dançando (risos).
Sim, porque eu não consegui me formar, né? Para me formar no piano clássico eu
tinha que estudar pelo menos uns 10 a 12 anos na época. Eu tinha que passar por
isso para ser um concertista, mas na realidade eu sentia que não era muito a minha
praia, porque eu gostava mais de música popular brasileira, eu gostava mais do
samba, do pop, da música romântica, amava as harmonias e isso era o que mais me
interessava. Na época que eu estudava a música clássica não tinha essa coisa de
combinar muito com a harmonia, era muito exercício da mão esquerda com a mão
direita, e eu sei que esse trabalho de independência de mãos, contraponto me
ajudou muito e foi legal. Mas em termo de harmonia eu preferi o baile. E depois de
alguns anos eu conheci o professor Ian Guest, me tornei aluno dele, fui tocar com
ele, fui estudar harmonia com ele, descobri que ele era o filho do professor Guest e
ele ficou muito feliz por eu ter estudado com o seu pai. Fui perguntar como estava o
pai dele e ele falou que já havia falecido há mais de cinco anos e que ele estava
lecionando em Belo Horizonte, que já havia saído do Rio de Janeiro. Então foi muito
legal essa experiência porque eu tenho os meus livros do Ian e continuo estudando
os livros até hoje, faço as tarefas, quebro a cabeça e quando não estou entendendo
eu vou na internet e pego umas dicas, mas eu acho que naquela época não tinha
essa facilidade que temos hoje de tirar as dúvidas e claro que também devemos
escolher os professores que estão melhor preparados. Mas essa experiência, para
mim, tem sido maravilhosa! Pois como autodidata eu tive a oportunidade de ensinar
professores da faculdade e eu fiquei impressionado. Eu cheguei até a perguntar pra
essa pessoa o porquê dele estar estudando comigo, porque ele tinha muita teoria,
tinha uma base muito melhor que eu com certeza. E ele falou uma coisa que
marcou: “Tito eu tenho muita teoria e você tem muita experiência” (risos). Aí eu
disse: então você está bancando o esperto, né? (risos). Sendo assim eu não só
ensino como eu também aprendo, né? Eu digo que somos sempre aprendiz na
música. Sempre tem uma novidade, sempre tem uma lição nova.
8. Quais estratégias você utilizou para guiar seus próprios estudos? 6:25
Eu nunca tinha escrito para metais então eu tive que me virar para entender como
se escrevia para metais. E eu tinha aqui em casa o encore que me ajudou bastante,
é uma ferramenta, um software muito legal que me ajudou bastante. Além de eu ter
um pouco de teoria e de visão de nota, consegui escrever no encore e olhar os livros
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do Ian, porque lá tinha muitas dicas de como escrever para metais. Então eu fui me
aprofundando nestes assuntos, tanto para harmonia como para metais e eu fui
estudando sozinho, dias e dias e as vezes ficava até de madrugada batendo cabeça
porque para eu chegar no Rio de Janeiro tive que estudar bastante teoria e fazer
muita leitura. Os caras lá não tinham tempo pra ficar passando música pra ninguém
não, todo mundo tinha que ler. Então era fazer a contagem no ensaio e começar a
tocar, parava só pra fazer aquele ajuste, sabe aquele aperto de parafuso? Ficou
legal? Ficou legal! Então passa para a outra música! Não tinha muito tempo pra ficar
te ensinando sobre acorde, como se faz e essas coisas todas. Então o João
Coutinho, que era o pianista da Leny de Andrade que me passou essas dicas todas,
e foi ele que chegou pra mim e disse que lá tinha que ler mesmo e que a pessoa não
soubesse ler iria perder trabalho e com isso eu fiquei louco. E Foi com isso que eu
me dediquei mais, então minha estratégia foi estar sempre ligado nos livros porque
por exemplo, tem hora que você escreve para um instrumento e um cara fica te
olhando com rabo de olho assim e diz “rapaz essa nota aqui eu não toco não, ela tá
muito abaixo do meu instrumento e nessa velocidade é que não dá mesmo”. Quer
dizer, então eu de vez em quando pecava nesse sentido e tinha que me dedicar
mais para entender e fazer um trabalho dentro da realidade em que eu me
encontrava para fazer a coisa certa. Nos metais tem aquelas articulações e elas
também precisam ser escritas, mas eu fui aprendendo com os colegas, eles diziam:
Nessa frase aqui você bota aquele pontinho ou aquele sinal para essa melodia ficar
mais forte naquele pedaço e eu fui pegando algumas dicas nas vivências e eu
adorava porque o resultado era maravilhoso.
Esse lance de ouvido eu tenho a impressão de que eu já nasci com esse dom,
porque eu tenho muita facilidade para tirar música de ouvido. Vamos supor que eu
tivesse no carro com você e estivéssemos conversando e uma música tivesse
rolando no fundo. Se você me perguntasse qual a tonalidade da música que
estávamos ouvindo eu responderia a tonalidade e os acordes que estivessem
rolando na música, ou seja, além de saber a tonalidade eu ia dizer também a
sequência dos acordes da música. Então eu acho que já nasci com esse dom, que a
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gente chama de ouvido obsoleto, né? (Risos) Brincadeira, ouvido absoluto, ouvido
absoluto que chama! Graças a Deus ele me deu esse presente que me ajudou muito
e eu sempre tive essa facilidade de ouvir e tocar. A minha maior experiência foi
trabalhando com o Emílio Santiago, depois de alguns anos. Quando eu tirei a
música “Pelo Amor De Deus”, que eu tive que escrever a metaleira toda e o arranjo
era do Lincoln Olivetti, arranjos muito bons, tão bons que eu ficava assustado e me
perguntava “meu Deus como é que eu vou escrever isso?”. Mas eu consegui,
escrevi e todo mundo tocou. Foi impressionante! Está lá no show “O melhor das
Aquarelas”, arranjo do Lincoln Olivette que eu escrevi ao pé da letra.
10. Em meus estudos é comum o uso da memória auditiva, sempre busco ouvir
referências, pegar ideias harmônicas e coloca-las em outras músicas, fazendo
reharmonizações e arranjos. Isso também já aconteceu com você? O ouvido
harmônico é uma ferramenta importante para o pianista? 13:34
O ouvido harmônico é sim uma ferramenta perfeita, e pra mim principalmente, né?
Agora a minha estratégia da reharmonização é sempre a nota da ponta a nota da
melodia. Eu posso fazer várias harmonias e sempre deixar aquela nota na ponta,
então eu consigo enxergar através de uma nota todos os acordes! Posso fazer um si
menor com a quinta aumentada e o sol continua na ponta, posso fazer mi menor 11,
pode ser dó menor, pode ser si bemol 13 e o sol vai estar na ponta. Ou seja, eu
consigo deixar uma nota e através daquela nota eu descubro várias possibilidades
de acordes, mas isso é mais intuitivo. Eu procurei isso em livros, mas nos livros que
abordavam assuntos de reharmonia eles sempre começam do acorde maior para o
menor, dando a opção de substituir um com o outro. Mas até onde eu vi ia até certo
ponto e depois eu fui fazendo na minha cabeça e fui experimentando as
possibilidades que eu tinha em fazer vários acordes com apenas uma nota. Por isso
que eu vejo onde dá para encaixar essa parte da reharmonia, claro que dependendo
da música você não pode botar um monte de acorde porque as vezes fica feito. Tem
momentos que você coloca só dois acordes ou só um e já fica bonito demais! Então
o importante é você fazer ter um bom gosto e fazer importantes escolhas para
escolher aquele lugar certo da música e isso vai depender da sua criatividade.
Sim eu considero, posso ter algum erro de meio tom. As vezes acontece de a
música estar em Dó sustenido e eu dizer que estava em dó, mas eu já tinha feito a
sequência harmônica da música toda. Ahhhhh mas tá em dó sustenido. Beleza, errei
por meio tom, não tem problema! (risos)
12. Em qual momento você percebeu que podia trabalhar com a música? 17:53
Olha, foi quando eu entrei no baile. E depois que eu entrei no baile eu também fui
tocar em casas noturnas. Trabalhei no Rio De Janeiro em uma casa noturna
chamada Terraço Sobre As ondas, que ficava na avenida Atlântica, no Bairro
Copacabana. Lá eu toquei por 10 anos e essa coisa de tocar na noite foi uma outra
experiência, poder tocar com outros cantores, outro repertório, e naquela banda
tinha piano acústico, também tinha teclado, tinha uma cara tocando sax, dois
cantores, guitarra, baixo, bateria, era uma banda muito boa. O Emílio Santiago ia dar
canja lá, a Lenny De Andrade também, entendeu? Vários outros cantores iam dar
canja, tinha até aquela outra cantora.... (pausa) Ô meu deus... (pensando) Esqueci o
nome dela. É... Tânia Maria, deu uma canja lá com a gente, cara! Tocou pra
caramba! Tiveram uns Franceses que foram fazer show no mistura fina, saíram do
show e foram para lá e ficaram até 5 horas da manhã. O pianista muito bom, ele
tocava piano e cantava horrores, nossa senhora! (admirado) Foi sensacional. Ou
seja, na casa noturna eu via que dava para ganhar dinheiro, né? E também toquei
em casamentos, toquei em Porto Velho – RO, onde fiz minha vida durante uns 6
anos. Em Rondônia eu toquei em um restaurante chamado Caravela do Madeira,
ganhei um bom dinheiro, comprei dois terrenos e duas casa. Foi uma época muito
boa, no tempo do garimpo, aproximadamente nos anos 90, já no finalzinho de 89.
Então chegou um tempo que eu perdi o trabalho no restaurante Sobre as Ondas. Eu
não te contei sobre o começo do meu trabalho com os artistas, né? Eu não sei se
você formulou essa pergunta, mas ainda tem mais coisas aí. – Pode falar, pode ficar
à vontade! Para eu chegar a trabalhar no Rio de Janeiro, antes houve um encontrou
meu e do Emílio Santiago em Porto Velho – Rondônia e foi lá que ele me convidou,
ele me viu tocando no piano acústico junto com uma cantora, tinha um órgão de dois
teclados, bateria eletrônica e eu fazendo aquele show na casa noturna, né? Aí ele
deu canja comigo e falou que nem conseguiu jantar direito porque ficou
80
impressionado com o som. (Emílio) Como pode um cara só tocar como se fosse
uma banda inteira, entendeu? Fazendo todas as obrigações. (risos) Aí o Marcos
Arcanjo, que era o guitarrista do Emílio falou baixinho pra mim. (Marcos) Rapaz, Tito
ele gostou muito de você cara! Ele está fazendo um convite aí, querendo saber se
você gostaria de tocar com ele. Daqui a dois meses a gente vai estar lá no Asa
Branca, no Rio, no Imperato, e a gente quer saber se você pode, né? E tal, aquela
coisa toda. E eu respondi, que ia pensar a respeito e que estava mais para sim do
que não. Porque é o seguinte, essa cidade onde eu trabalhei, eu tocava em todos os
lugares. Só que chega um tempo que você não tem mais para onde ir, musicalmente
falando, você vai continuar sempre tocando nos mesmos lugares, para as mesmas
pessoas, com as mesmas ideias. Então quando eu saí de lá que experimentei o Rio
de Janeiro, tocando com outros artistas, foi uma outra experiência, foi aí que a
minha vida deu um salto muito longo, né? E com 14 dias que eu cheguei no Rio,
toquei com a Alcione, substituindo o pianista dela. E logo depois dela (isso eu estou
resumindo tá? Porque eu não vou te contar toda a história da Alcione) eu comecei a
fazer uma temporada com a Elza Soares no teatro Rival lá na Cinelândia, bem no
centro do Rio. Era pra ficar uma semana e ficamos um mês, foi um sucesso! E foi aí
que eu comecei a trabalhar com os meus arranjos, foi aí que eu comecei a tocar,
arranjando para Elza Soares que estava homenageando Nonato Bonzá. Ele era um
parceiro de Chico Anísio e a gente fez uma homenagem para ele também! Então foi
muito legal, e depois disso eu estava tocando com a Alcione e o Emílio foi ver o
show, deixou o telefone dele lá, eu peguei e liguei para o Emílio e assim ficou, eu
fazendo show com a Elza a noite e de dia ensaiando com o Emílio, depois do show
da Elza eu ia tocar na casa noturna. Muitas vezes eu chamava um substituto que
ficava trabalhando para mim por um mês no restaurante Sobre as Ondas, que era a
casa noturna que eu tocava. (Risos) Teve até uma vez que o gerente da casa falou
assim: (gerente) Rapaz, Tito tu ainda trabalhas aqui, cara? (Risos) aí eu respondia:
Pois é ainda estou aqui! Me chamaram e eu vim. Porque era muito bom, tocar com
três artistas, um vai viajar, outro vai pra lá, outro vem aqui. Foi uma época muito boa
da minha vida. Então depois eu comecei a viajar com o Emílio, o primeiro show foi
em Vitória – ES, o segundo show foi na minha terra em Manaus, onde eu tinha
trabalhado e o terceiro show foi em Miami, olha só! Então eu já fui direto para fora do
país. Toquei fora do país, né? Com uma galera boa, Maria Alcina, Jamelão, Gal
Costa e estava todo mundo lá e foi maravilhosa, foi show demais, foi assim
81
inesquecível essa viagem. Depois continuei tocando com o Emílio praticamente por
uns 16 anos, toquei também com a Lenny de Andrade, toquei com o Peri Ribeiro e
ficou aquelas idas e vindas do Emílio. Eu saia da banda um período e depois voltava
e foram 16 anos assim por muito, muito tempo. Olha, quando o Emílio faleceu para
mim foi uma tristeza muito grande, porque foram momentos inesquecíveis da minha
vida. Sabe, um trabalho que eu me identifiquei muito? Foi tocando com ele! Tanto eu
como Carlinhos Patriolino, não é? Que é esse amigo que atualmente eu moro com
ele aqui. A gente sentiu muito a morte do Emílio porque cara, pensa assim no
repertório maravilhoso você tocar, que dá gosto se você tocar! Eu tinha 3 teclados
naquela época e o Emílio tinha me dado um hacker com 5 módulos, sozinho tinha
uma mesa de 12 canais, eu metia a mão nos teclados vinha todos os sons, cara! O
que você imaginava, piano de corda, piano de metais e ainda tinha um outro
tecladista com mais 2 teclados e o cara tocava para caramba também. A banda era
um disco tocando! Aí eu toquei no Imperato, toquei no Asa branca, não é? Nossa,
viajei com o Emílio o Brasil quase todo. Fui para a África, fui para o Japão, fui a
Rússia, fiz turnê com Emílio Santiago e Alcione, fiz turnê nos Estados Unidos, fomos
para Boston, para Miami, Orlando e Nova Iorque. Cara, foi só coisa maravilhosa!
Alexandre Pires também tocou com a gente, aquela cantora Margareth Menezes
também viajando junto com a gente. Cara, só show pesado. Sabe como é aquela
banda grande, inesquecível? Foi sensacional, então eu acho que da minha vida eu
não tenho nada que reclamar, só agradecer a Deus por toda essa oportunidade que
ele me deu sabe?
13. Em sua trajetória já aconteceu de ter algum repertório muito difícil, que você
ficou com algum receio de tocar? 28:00
Sim, foi dentro do navio, quando eu estava trabalhando com Peri Ribeiro. Eu tinha
que fazer os arranjos, para os Americanos, eram seis metais. Era big band mesmo!
Estava eu, percussionista e a banda do navio. Aí eu já estava há 2 meses
trabalhando e de repente pintou um flautista e esse flautista era cubano, sabe? Esse
cara me viu tocando com o Peri Ribeiro e me fez um convite para tocar com ele,
então o Peri falou: “Tito tem um cara aí que veio falar comigo, o nome dele é Nestor
Torres, ele é amigo do pessoal do jazz, cara ele conhece toda a galera. Ele conhece
Arturo Sandoval, conhece todo mundo”. Eu disse: caramba cara, é mesmo? (Peri)
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Então se você quiser tocar, por mim você está liberado! O cachê é U$500, você vai
tocar um show de 1 hora e meia, aceita? Eu falei que primeiro eu queria ver como é
que é o trabalho, eu quero saber como é que é a parada! (risos). Olha! Pense em
uns cachorros (risos) você já sabe o que é, né? Pense em uma cachorrada, tinha
cachorro para tudo quanto era lado. (Risos) Aí eu disse, rapaz esses cachorros vão
me morder com certeza! Mas, olha foi difícil o trabalho, mas eu consegui fazer,
porque eu tive tempo, né? Eu tive tempo de estudar! Mas para mim foi um desafio,
principalmente tocar salsa, né? Era o trabalho do cara, né? Então, tinha que fazer
um piano, aquele cheio de tumbado para tudo quanto era lado e além de fazer o
tombado ainda tinha as dobras, o cara dobrando com os metais e cheio de
conversão para caramba. Aí eu fui tocar junto com o Jacaré, que é um
percussionista amigo nosso, que estava lá também no navio. Eu já sabia falar um
pouco de inglês e um pouco de espanhol, então eu sabia que eu me virava ouvindo
o cara (Nestor) falando, porque ele não falava nada em português, ele falava inglês
e espanhol ao mesmo tempo, saía mudando assim, sabe? Na maior naturalidade
sabe fala inglês daqui a pouco já está falando espanhol e você já tinha que tá
entendendo o espanhol dele, daqui a pouco falava inglês de novo e o Jacaré
olhando para minha cara voada, sabe aquele cara perdido? (risos). (Jacaré) Rapaz,
Tito o que que esse cara tá falando, cara pelo amor de Deus? E eu disse, olha
Jacaré ele falou o seguinte: tem 8 compassos vazios que você não vai tocar nada, e
tem 4 compassos para você fazer essas conversões, tem mais 2 compassos vazios
e mais 2 compassos em 6/8. (Jacaré) Vala meu Deus Tito, tu acha que eu tenho
condições de tocar esse negócio? (Tito) O quê? Agora que vem me dizer isso agora
tu já está aqui? Rapaz, caiu na fogueira tem mais jeito não, agora tem que se
queimar! Foi engraçado, mas a gente tocou o show do cara (Nestor) a gente tocou,
foi impressionante! Então para mim foi uma outra experiência, não é? Para mim foi
uma experiência muito grande conseguir tocar! E foi legal para caramba, foi
inesquecível, bom demais!
Já, eu sentia dificuldade sim! Principalmente tocando com o Nestor Torres, que tinha
coisas rápidas para caramba e eu tinha que passar várias vezes, né? Sabe aquela
coisa, eu tenho aquela mania de perfeição de tocar para chegar o mais próximo da
perfeição? E certas vezes eu sentia dificuldade, então eu tive essa dificuldade
também nesse show aí! Eu toquei, mas eu tive certa dificuldade sim! Tin catiqueden
tin catiquede tincatinque dulurulurulu ahhhh (Solfejo de convenções rápidas) Cara no
ritmo acelerado para caramba e tinha que sair perfeito, não é? Para dobrar com a
metaleiras, sabe? Para dar corpo né? Mas eu tive dificuldade sim! Aí depois eu vi
que isso aí, essas dificuldades a gente estudando, consegue! A gente estudando
bastante consegue é só questão de focar, estudar, ter paciência, repetir muito e ter
persistência. E outra coisa, você precisa também tem que ver o jeito para tocar,
procurar técnica, porque a gente tem sempre que escolher o dedo certo para tocar
na nota certa. Se você escolher o dedo errado cara fica complicado, principalmente
quando você tem grandes saltos com oitavas, não é? Você sai de uma nota para
outra assim, o voado! Sai de um lá bemol para um si bemol que está em outra
região, faz com quarta até chegar lá e às vezes você pode até usar as 2 mãos, né?
E quando você não usa 2 mãos, só tem que usar a mão direita mesmo? Mas isso é
só questão de treino mesmo, treinando bastante, muito foco a gente consegue! E é
uma coisa que eu sempre tenho em mim assim, sabe? Eu não me importo de passar
2 horas naquela mesma frase, 3 horas ou ficar a manhã todinha tocando só aquilo
ali. Me importo não! Agora o pessoal que está ouvindo, coitado né? (Risos) Mas
para mim, está tudo certo!
Estudo da improvisação, acho que a primeira coisa que você tem que ter é
conhecimento, principalmente de escala, fraseologia, você tem que ter pelo mesmo
um pouquinho desse conhecimento, depois disso é você faz do improviso como se
você estivesse falando, conversando. Eu penso assim, em uma conversa. Você não
vai falar tudo de uma vez só, você vai falando aos poucos, não é? E vai
desenrolando o assunto até chegar naquilo que você quer dizer. E muitas vezes com
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pouca nota você diz tudo, não é? Olha, eu aprendi uma coisa Joana! Um amigo meu
chamado Mônico Aguilhera, que era um cara que tocava comigo no Sobre as ondas,
nessa casa noturna lá no Rio de Janeiro né? Ele falava para mim assim: (Mônico)
Tito, quando eu estou fazendo uma frase rápida, que geralmente essa frase rápida
ela já está meio que construída, é porque eu estou pensando numa outra frase
melhor do que isso. Só que aquela frase é um pretexto, é como se eu fosse de
passagem, né? Você estava passeando ali em cima da Harmonia e você fez aquela
coisa rápida, para você criar uma melodia com poucas notas. Porque o mais difícil é
você criar um improviso com pouca nota. Pois com as frases rápidas, estudando
qualquer pianista faz, porque é uma coisa que já está pronta, a frase já está
prontinha. E quando não está pronto que você tem pouca nota para criar? Como é
que você faz isso, como é que você vai criar melodias? Aí como é que eu faço?
Respiro fico relax, eu entro na música, me deixo levar não só pela razão, mas pela
emoção também, para poder criar certas melodias. Porque cara, não tem quem diga
que a criatividade é divina! Vem de algum lugar, mesmo com as influências que você
tem né? As influências que eu tenho de ter escutado Chick Corea, Hebe Hancock,
Cesar Camargo Mariano, Nelson Ayres, não é? Todos esses pianistas maravilhosos,
tanto Michel Camilo com o Saulo Bocaba... Então eu tenho uma certa
influenciazinha, porque eu ouço, eu vivo isso. Um colega nosso me perguntou
assim: (Colega) Tito como é que tu consegue tocar jazz cara, com esses acordes,
improvisar? Porque eu toco esses acodes, mas não soa! Eu digo: (Tito) aí é onde
está o segredo! Não soa porque você tem que gostar desses sacodes, quando você
gosta desses acodes você bota sentimento nele, você valoriza os acordes que você
toca e quando você valoriza os acordes que você toca! Quando você valoriza os
acordes que você toca, cara é uma estrela e ele dá brilho e quem ouve pensa
“caramba que harmonia legal, cara!” que a outra pessoa que está ouvindo consegue
enxergar isso, consegue sentir isso! Se você não sente a outra pessoa não sente
também! É como se tivesse uma máquina de datilografia, não tem emoção nenhuma
só está a letra lá o texto, mas a emoção não está rolando não (risos). Então você
tem que ter essa vivência, não é? Eu digo assim, você tem que viver isso. Você não
pode tocar jazz se você não ouve, você não sabe o que é bebop, você não conhece
os grandes pianistas tocando isso, como é que você vai tocar? Aí você vai tocar
aquilo que você conhece, você vai tocar aquilo que está no teu conhecimento e você
vai criar dentro daquele limite que você sabe. Então para mim o improviso é sim
85
16. Durante sua trajetória você fez parte de muitos grupos e bandas. A prática
instrumental em grupo é importante no processo de aprendizagem do pianista?
Como professor, você incentiva os seus alunos a exercitarem essas práticas? 40:00
Com certeza! Eu fiz um show em Guaramiranga, onde eu pude ministrar uma oficina
sobre a prática de conjunto e lá eu expliquei que o básico do básico é todo mundo
se ouvir. Aí eu botei todo mundo sentado ali, cada um com o seu instrumento? Eu
sempre falava: você está me ouvindo? Fulano você está me ouvindo? (Ele
respondia) Ah, estou! Aí eu botei mais uns dois instrumentos, agora você vai tocar
comigo! Vocês dois estão me ouvindo? (Eles respondiam) Nós 2 aqui, sim! Você
sabe o que ele está fazendo? O que que ele está fazendo? Ele está improvisando,
está conduzindo o que está fazendo? (Eles respondiam) Ahh professor, ela está
conduzindo. E a bateria como é que é? Agora vou mostrar um trio aqui, violão piano
e bateria, como é que é isso? Eu vou conduzir e vou dar a ideia de ritmo para o
batera, certo? Pronto já está tocando, você está me ouvindo? (O baterista) Estou!
(Tito) Então o que que o batera está fazendo? Que estilo está tocando? (A turma
responde) Ahh, está tocando bossa nova! (Tito) perfeito, agora vocês vão tocar e
vão se ouvir e eu vou ficar ouvindo vocês. Em um dado momento a gente percebia
que eles não estavam se ouvindo, estava todo mundo preocupado com o seu
instrumento e não estavam ouvindo o outro. Aí o que acontecia, um começava a
reclamar que um instrumento estava mais alto que o outro. Aí eu comecei a
perceber isso e disse: olha, vocês não estão se ouvindo! Primeiro que se você está
tocando mais alto que o outro é porque você não estava querendo ouvir o outro. Aí
tem aquela coisa do ego. Eu toco para caramba e não sei o que, e acabou história,
eu estou com a bola da vez e não vou dar para ninguém! Então essa coisa da
prática de conjunto é importantíssima para os alunos que estão aprendendo a se
ouvirem cada vez mais. Porque só assim você consegue somar com o outro, na
realidade a música é uma soma, né cara? São os valores das notas, não é? Positivo
e negativo e você está sempre somando. Soma com a bateria, soma com baixo, eu
ouço todo mundo aí quando você começa a ouvir todo mundo você se enquadra na
banda e começa a tocar diferente. Aquele cara tá tocando demais, eu vou tocar de
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menos, né? Eu só vou somar com ele se eu tocar de menos. Ahh, se ele está
tocando bem pouquinho, aí eu posso tocar um pouquinho mais. Só que você tem
que perceber isso! Quando estiver tocando e isso aí é passo de um de mágica, é
coisa rápida. Quando a gente vai tocar você tem que perceber exercício tudo isso
em segundos. E essa prática é só tocando todo o dia, tocando toda hora para você
se enquadrar. Aí quando você vê que a banda está redonda é porque eles estão se
unindo, é como se fosse um time de futebol os caras jogando a bola um para o
outro, compartilhando a bola para jogar no gol.
Olha encontrar alunos que queriam tocar certas coisas que eles não tinham
capacidade. Eu já encontrei vários alunos assim que queria tocar jazz, que tira tocar
a valsa, tocar forró, outro quer tocar não sei o que, mas não sabia o mínimo, o
mínimo possível. Então é um desafio, porque você tentar agradar o aluno e mostrar
para o aluno que você não deve colocar os bois na frente dos carros, tem que fazer
as coisas direitinho e tal. Aos poucos você vai ensinando vai tocando e você vai
colocando o repertório. E é isso que eu tenho feito! Muitas vezes eu tenho alunos e
que tocam e a aula é eu tocar com ele, tem alguns que não querem saber de teoria,
o cara não sabe o nome do acorde, mas a aula dele é tocar com ele. Esses alunos
têm 60 anos de idade 70, entendeu? Toca baixo acústico, toca piano, outra toca
bateria, outra toca violão, outros queriam só um pouquinho de teoria, quer tocar uma
música e tal... Então é sempre um desafio, sabe? Assim a gente acaba aprendendo
e tem alunos que realmente você vê que não tem talento nenhum. Muitas vezes dá
vontade de você dizer: “Meu amigo eu acho que é melhor você continuar como
advogado, porque essa área da música você está fora mesmo!” (risos) Como já
aconteceu comigo, eu ensinar 5 notas e 5 dedos para ele, mas ele não conseguia,
não conseguia pegar, não conseguia fazer era impressionante! Mas é assim, não é
cara? E cada um tem as suas dificuldades, pode ser grande, pode ser pequena.
Então eu acho que para mim as aulas são sempre um desafio, é sempre um aluno
novo querendo uma coisa nova, querendo sempre novidades e essa novidade a
gente vai passando aos poucos, vai passando até eles começarem a absorver.
Porque a primeira coisa que você tem que ter é coordenação motora para tocar.
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Tem que aprender um pouquinho dos acordes porque eu falo: “Ó fulano, faz um lá
maior! Não aí é mi maior, não aí é mi menor, não aqui é fá maior, e a pessoa
esquece o nome dos acordes, não sabe usar os acordes, mas toca! A pessoa toca
muito, mas não sabe o nome. Tem alunos rebeldes que não querem saber, querem
é assim mesmo. Então você tem que ser muitas vezes maleável ou então quando
tem bastante aluno aí eu descarto e digo: “olha não vai dar mais para dar aula para
você, mente preocupada e tal, a gente inventa alguma coisa e descarta aquele aluno
porque a gente vê que está perdendo tempo, você não está ganhando nada e nem
ajuda ele. Também não gosto de estar ganhando aquele dinheiro daquele aluno que
não quer saber de nada, isso aí eu acho que não é legal, de repente é bom dar
oportunidade outro horário para outras pessoas que queiram realmente aprender,
né? É isso!