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GOIÂNIA
2003
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)
Bibliografia : f. 210
Inclui anexos
CDU : 787
FLAVIA MARIA CRUVINEL
GOIÂNIA
2003
iii
TERMO DE APROVAÇÃO
______________________________________
Profª Drª Eliane Leão
Presidente da Banca
______________________________________
Profº Drº Antônio Ibañez Ruiz
_______________________________________
Profª Drª Maria Helena Jayme Borges
iv
AGRADECIMENTOS
À querida Profª Dr. Eliane Leão, pela amizade e confiança depositada; por me permitir
desenvolver todas as idéias, pelo “sonhar” junto;
Ao João Maurício Galindo, educador musical, por ser meu primeiro incentivador nesse
projeto e por toda a atenção dispensada;
Ao Prof. Dr. Paulo César Rabelo, Coordenador das “Oficinas de Música e Teatro”, por
todo apoio, confiança e amizade;
À Profª Drª Glacy Antunes de Oliveira, Diretora da EMAC/UFG, por incentivar e apoiar o
Projeto “Oficinas de Música e Teatro”, através do Programa de Extensão da EMAC/UFG,
por ser sabedora da importância do mesmo para a comunidade local;
Aos Educadores Musicais entrevistados, Abel, Carmen, Luciano, Marcelo, Cristina, Joel,
Alípio, Marcos, Thelma e Enaldo por permitir a coleta desse material precioso;
A todos da Sociedade Cidadão 2000, em especial Sr. Joseleno Vieira dos Santos
(Presidente), Sra. Rosa Helena de Paula Parreiro (Coordenadora Geral) e Sra. Edivânia
Lúcio (Coordenadora do CEACA). Aos educadores Vanderley, José Carlos e Marlene; e a
todos os funcionários da Sociedade Cidadão 2000/CEACA, que de alguma forma
contribuíram para a presente pesquisa.
À Claúdia Zanini e Marisa Damas Vieira, pela ajuda, pelos conselhos e incentivos;
À Ivete F. C. Roriz por fazer o contato com CEACA, Sociedade Cidadão 2000;
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS..........................................................................................................x
RESUMO...........................................................................................................................xiii
ABSTRACT........................................................................................................................xiv
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................01
2. O ENSINO MUSICAL COMO MEIO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL.........09
2.1. EDUCAÇÃO E SOCIEDADE......................................................................................09
2.2. CULTURA E SOCIEDADE.........................................................................................19
2.3. MÚSICA E A SOCIEDADE........................................................................................26
2.3.1. As funções sociais da música.....................................................................................26
2.3.2. A educação musical na sociedade contemporânea.....................................................32
2.3.2.1. Pressupostos teóricos...............................................................................................32
2.3.2.2. O papel da universidade frente aos novos fenômenos musicais............................39
3. O ENSINO COLETIVO DE INSTRUMENTOS MUSICAIS...................................42
3.1. ASPECTOS HISTÓRICOS..........................................................................................42
3.2. ASPECTOS PEDAGÓGICOS DO ENSINO COLETIVO DE INSTRUMENTOS
MUSICAIS...........................................................................................................................47
3.2.1. Metodologia do Ensino Coletivo de Cordas...............................................................47
3.2.2. Vantagens pedagógicas do Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais....................50
3.3. ASPECTOS PSICOLÓGICOS DO ENSINO COLETIVO DE INSTRUMENTOS
MUSICAIS...........................................................................................................................52
3.3.1. Desenvolvimento da personalidade............................................................................52
3.3.2. Ambiente receptivo, Clima social e Psicologia do professor....................................53
3.4. A CONTRIBUIÇÃO DE GALINDO ..........................................................................55
4. O ENSINO COLETIVO NA VISÃO DOS EDUCADORES MUSICAIS................58
4.1. ENTREVISTAS COM EDUCADORES MUSICAIS QUE ATUAM NA ÁREA......58
4.2.ROTEIRO DA ENTREVISTAS....................................................................................59
4.3. ANÁLISE DOS EXCERTOS.......................................................................................60
5. METODOLOGIA..........................................................................................................83
5.1. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS.....................................................................................83
5.1.1. A PESQUISA EM EDUCAÇÃO NA ATUALIDADE.............................................83
viii
5.1.2. A PESQUISA-AÇÃO...............................................................................................84
5.2. DESCRIÇÃO DO EXPERIMENTO............................................................................87
5.3. PERFIL DOS GRUPOS E DOS SUJEITOS................................................................89
5.3.1. Grupo COMUNIDADE.............................................................................................90
5.3.2. Grupo CEACA...........................................................................................................91
5.3.3. Análise do perfil dos grupos e dos sujeitos................................................................93
5.4. INTERVENÇÕES/AULAS..........................................................................................95
5.4.1. Intervenções/Aulas do grupo COMUNIDADE.........................................................97
5.4.2. Observações e/ou análises das Intervenções/Aulas do grupo COMUNIDADE......114
5.4.3. Intervenções/Aulas do grupo CEACA.....................................................................115
5.4.4. Observações e/ou análises das Intervenções/Aulas do grupo CEACA....................143
5.5. PROTOCOLOS: DEPOIMENTOS E RECITAIS......................................................145
5.5.1. Depoimentos.............................................................................................................145
5.5.1.1. Roteiro para a coleta dos depoimentos..................................................................145
5.5.1.2. Depoimentos dos sujeitos do grupo COMUNIDADE..........................................146
5.5.1.3. Depoimentos dos sujeitos do grupo CEACA........................................................163
5.5.1.4. Observações e/ou análises dos depoimentos dos sujeitos.....................................175
5.5.2. Recitais.....................................................................................................................179
5.5.2.1. Descrição dos recitais ...........................................................................................179
5.5.2.2. Observações e/ou análises dos Recitais ................................................................180
5.6. OBSERVAÇÕES DO JÚRI........................................................................................182
5.7. ANÁLISE DAS OBSERVAÇÕES DO JÚRI.............................................................186
5.8. RESULTADOS...........................................................................................................190
5.9. ANÁLISE FINAL ......................................................................................................191
6.CONCLUSÃO...............................................................................................................195
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................207
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................210
REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS.................................................................................216
ANEXO 1 – ENTREVISTAS COM OS EDUCADORES MUSICAIS............................218
ANEXO 2 - EXCERTOS DAS ENTREVISTAS DOS EDUCADORES MUSICAIS.....277
ANEXO 3 - AUTORIZAÇÃO DOS EDUCADORES MUSICAIS................................314
ANEXO 4 – AUTORIZAÇÃO DOS SUJEITOS..............................................................316
ANEXO 5 - QUESTIONÁRIO (SUJEITOS)....................................................................319
ix
LISTA DE FIGURAS
RESUMO
ABSTRACT
The present research, the master's degree dissertation in Musical Education results,
Mestrado em Música na Contemporaneidade da EMAC/UFG, sought to prove the Group
Strings Teaching (violin, viola, cello and bass) methodology efficiency in the instrumental
initiation. The musical teaching democratization through the methodology, that promotes
the individual's transformation and consequently, the society transformation, was analyzed
and discussed, being reached the final conclusions. The education importance in society as
social transformation instrument is approached by FREIRE (1975, 1996, 1997), LUCKESI
(1994), LIBÂNEO (1996), GOHN (1999), GIROUX (1999), MCLAREN (1999),
VILANOVA (2000), MACEDO (2000), SAVIANI (2001). The existent relationships
between music and society, as well as the Musical Education role in the contemporary
social context have been discussed by FREIRE (1992) and SOUZA (2000). They were
some of the specific references used in the discussions. It is necessary to emphasize the
research in Musical Education importance, seeking a larger understanding of the pedagogic
processes in practice, their relationships with the society, aiding the innovative
methodologies creation, which helps the social transformation. The present existential
research-action (BARBIER, 1997), with qualitative approach, delimited a study object –
the group strings teaching instruments, as an efficient teaching methodology for the
instrumental initiation, being one of the musical teaching democratization way. A large
search about the literature in the specific area and similar areas was developed, as well as,
interviews with 11 educators that work with the group teaching was provide to support the
discussions. Twenty-nine (29) individuals had participated in the experiment, with age
group from 12 to 46 years old. A school semester, August to December of 2002, was
delimited for the accomplishment of the experiment field research. It was chosen in
delimiting as experiment of study two groups of different profiles. The first one worked
with preadolescents and adolescents in street (misery) situation. The second one worked
with people (in general / all sort of people) of the community with several profiles. After
the description and analysis of the data, it was reached the following results and
conclusion: 1) it was proven that: the learning in group privileges a better perception and
elementary technician-musical development for the instrument initiation; the applied
musical theory is associated to the instrumental practice facilitating the students'
understanding; the musical result happens in less time than in the individual classes
motivating the students to give continuity to the instrument study; 2) it was verified that:
the musical development in 100% of the subjects; the group strings teaching develops in
the students a larger concentration, it disciplines; develops self confidence, autonomy and
the independence; the group teaching of strings promotes an interaction process among the
students, socializing them and developing the sense-critical caused by the
teacher/researcher incentives and democratic conduction; the methodology and teaching
strategies should adapt to the socioeconomic and cultural conditions of each group; the
group individuals interpersonal relationships contributes in a significant way in the
development learning process of each subject; 3) It was suggested that: the musical
educator should be attentive to the contemporary musical manifestations for a better
dialogue with the students; the musical educator should understand the context
socioeconomic, political and cultural in that it is inserted, so that its performance can be
critical and effective to promote social transformation.
1
1. INTRODUÇÃO
1
Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás.
2
O projeto é coordenado pelo professor Dr. Paulo César Rabelo.
4
observado. Participaram do experimento vinte e nove (29) sujeitos, com faixa etária
mínima de doze (12) anos. Delimitou-se um semestre letivo (agosto a dezembro de 2002)
para a realização da pesquisa de campo do experimento, com carga horária de duas
Intervenções/Aulas semanais. O experimento estudado foi desenhado para dois grupos de
perfis diferentes. O primeiro, trabalhando com pessoas da comunidade com perfis diversos.
O segundo, trabalhando pré-adolescentes e adolescentes que atuam no mercado informal
de rua (a princípio excluídos de uma educação formal mais séria e eficaz, bem como, de
algum tipo de educação musical). A coleta de dados teve como instrumentos de pesquisa:
1) Planejamento das aulas; 2) Diário de Classe; 3) Fichas de questionário dos sujeitos; 4)
Filmagens através de câmera de vídeo 8mm de cada intervenção/aula; 5) Filmagens em
8mm de depoimentos/entrevistas dos sujeitos no final do semestre letivo; 6) Filmagens e
Programas dos Recitais Finais (verificação do ensino-aprendizagem); 7) Fitas de vídeos
com a divulgação do projeto que foi veiculada na imprensa televisiva; e 8) Recortes de
jornais com a divulgação do projeto na imprensa escrita.
O produto final da pesquisa, e/ou observações a serem encaminhadas, foram
baseados na experiência prática e nas observações sistematizadas do processo
desenvolvido. Portanto, na pesquisa proposta, foram feitas descrições e análises de como
se desenvolveu cada grupo e qual foi o processo de aprendizagem. A análise foi feita via
metodologia dedutiva, onde foram estudados os fenômenos, suas relações, seus elementos,
resultando num trabalho qualitativo.
Se por um lado o discurso ainda não transpôs o plano teórico para o plano
prático, ações mais eficazes e por que não, revolucionárias, podem estar na eminência de
acontecer em um plano mais amplo, com o respaldo da sociedade a partir de estudos e
discussões. Para autora, “os anos 90 delineiam um novo cenário. A sociedade como um
todo aprendeu a organizar e a reivindicar seus direitos de cidadania, a partir da constatação
da qualidade de não-cidadãos na prática” (GOHN, 1999, p.8).
Nesse sentido, a sociedade através dos movimentos sociais, ou seja, dessa
organização, ainda que restritos, nutre esperanças de transformação e estas são construídas
através de experiências de vivenciamento de práticas coletivas, solidárias e contraditórias :
4
Entende-se por pedagogia freiriana, aquela que é influenciada pelo pensamento do Professor Paulo Freire.
Usa-se, da mesma forma, o termo “freiriano” que se refere ao mesmo educador. David Trend (1999) explica
que os escritos de Paulo Freire tem destaque no meio acadêmico internacional, sendo que o cerne da
filosofia freiriana está na crença de que a Educação é o centro que determina as relações políticas e sociais.
Expõe que nas décadas de 70 e 80, os preceitos e a filosofia da Pedagogia Crítica (que surgiu da necessidade
de agir da sociedade contemporânea, considerando suas contradições de maneira dialética) foram adaptados
ao mundo industrializado como um meio de relacionar-se com os desequilíbrios de poder existentes. In:
“Cruzando as fronteiras do Discurso Educacional: Novas Políticas de Educação”, 1999, p.175.
15
Com isso, “toda ação educativa é precedida de uma reflexão sobre o ser
humano e da análise do meio concreto de quem queremos educar (ou melhor: a quem
queremos ajudar a educar-se)” (VILANOVA, p.152). Ainda, a autora acena que os
educadores comprometidos com seu trabalho, devem refletir sobre a teoria a partir dos
questionamentos surgidos na prática, no cenário cultural, tornando suas ações mais
consistentes, influenciando os conteúdos trabalhados, relacionando-os com a ordem das
relações humanas.
Destaca ainda que, a dimensão política, ou seja, o âmago do processo
pedagógico é manifestado na própria forma com que esses saberes são construídos e que
tipo de relação é gerada e qual é a implicação dos sujeitos envolvidos, utilizando-se
sobretudo, os saberes éticos e estéticos. Sinaliza, portanto, para a utilização dos conteúdos
artísticos, como forma de fortalecer “o sentido de pertencimento e de cidadania,
procurando-se criar uma cultura democrática e transformadora que sirva de base para todas
as relações” (VILANOVA, p.152). Prega a criação de aprendizagens significativas a partir
do contexto, propiciando o desenvolvimento da ludicidade, do imaginário, da criatividade,
da expressão simbólica, dos desejos, dos medos, das alegrias, das fantasias. Esse
desenvolvimento seria acompanhado de perto, com o objetivo de ampliar as experiências
16
natureza e seu meio, visando à transformação da sua realidade. Este conceito é amplo, mas
serve de ponto de partida para a discussão de outras definições e enfoques.
No século XVI, o conceito saiu da esfera agrícola passando a ser utilizado no
processo do desenvolvimento humano: do cultivo de grãos passou a ser entendido como o
cultivo da mente. No século XVIII, o substantivo cultura (cultur) apareceu na França,
referindo-se ao processo geral do desenvolvimento humano ou ao produto deste processo,
logo sendo incorporado pelos alemães (kultur).
O conceito de cultura emergiu no final do século XVIII, como o processo de
desenvolvimento e enobrecimento das faculdades humanas, um processo facilitado pela
assimilação de trabalhos acadêmicos e artísticos e ligado ao caráter progressista da era
moderna. No início do século XIX, aparece o que foi chamado de concepção clássica do
conceito. O termo “cultura” era usado como sinônimo, ou em alguns casos, contraste do
termo “civilização”. Cultura era o processo progressivo de desenvolvimento humano, um
movimento em direção ao refinamento e à ordem, por oposição à barbárie e à selvageria”
(THOMPSON, 1995, p.167-168).
Essa concepção era fruto do espírito iluminista confiante no progresso da era
moderna. Acreditava-se que uma pessoa “culta” era uma pessoa “civilizada”. Na
Alemanha, com o passar do tempo, o termo “cultura” ganhou conotação positiva e
“civilização”, negativa. O civilizado estava ligado ao refinamento, a polidez enquanto que
o culto está ligado a produtos intelectuais, artísticos e espirituais.
O conceito clássico de cultura possui referencial no cultivo de uma “alta”
cultura, privilegiando alguns trabalhos e valores em relação aos outros: indivíduos mais
cultos (segundo a tradição clássica) são enobrecidos de mente e espírito. A concepção
clássica de cultura foi utilizada pelos filósofos e escritores nos séculos XVIII e XIX,
sobretudo os alemães. O termo “cultura” era utilizado para referir-se a um processo de
desenvolvimento intelectual ou espiritual como base na herança clássica se diferindo do
conceito de civilização.
Os pensadores da Escola de Frankfurt utilizavam como fundamento teórico à
distinção entre “civilização” e “cultura”, difundida na Alemanha. Cultura, seria o mundo
de idéias e dos sentimentos; o mundo espiritual das idéias, da arte, dos sentimentos etc. Já
civilização significa o mundo da reprodução material da vida. Portanto, a partir dos
modelos clássicos, a cultura ocidental é colocada como superior.
21
5
Aulos é um “instrumento grego de palheta, consistindo de um tubo cilíndrico ou levemente cônico, em geral
com cerca de 50 cm de comprimento” (Dicionário Grove de Música, 1994, p.49).
6
“Na Grécia antiga, certas melodias-tipo, inalteráveis, a que se atribuía influência mágica, moral ou
simplesmente ritual. Sempre cantados, os nomos tinham a participação de instrumentos acompanhantes,
como a cítara, o aulo etc” (Dicionário Grove de Música, 1994, p.653).
27
recebê-los). O outro, seria trazido pela lenda de Hermes, que teria inventado a lira7, a partir
da percepção de que a carapaça da tartaruga poderia ser utilizada como caixa de
ressonância na produção do som. O autor observa que, no primeiro mito, a música surge
como emoção subjetiva e no segundo mito, a música é resultante das descobertas das
propriedades materiais do universo. E complementa que tais fundamentos são utilizados
em todas as teorias da música subseqüentes.
SCHAFER comenta que a lira é o instrumento de Homero, da epopéia, da
serena contemplação do universo. Já o aulos, é o instrumento de exaltação, da tragédia, do
ditirambo8 e do drama. A lira é o instrumento de Apolo e o aulos de Dionísio. O autor faz
um interessante comentário sobre o pensamento apolíneo e dionisíaco, influenciando o
pensamento musical através dos séculos:
7
Lira é “Instrumento de cordas, presas a uma barra com dois braços (...) A lira e a cítara foram os mais
importantes instrumentos de cordas na Grécia e Roma antigas. A lira tem caixa de ressonância feita a partir
do casco da tartaruga (conforme consta do mito que narra sua invenção por Hermes)” (Dicionário Grove de
Música, 1994, p. 540).
8
Ditirambo, “Designação para uma canção em honra ao deus Dionísio. Os ditirambos gregos forma escritos
entre 700 aC e 200 d.C. O termo foi retomado no séc. XIX para peças que visavam evocar a qualidades
desregradas e veementes de Dionísio (Baco)” (Dicionário Grove de Música, 1994, p. 270).
28
universo. O pensador identificou a relação entre a música e a alma, sendo que a música tem
uma influência decisiva no caráter da pessoa, e por isso, acreditava que todos deveriam tê-
la na educação, como parte da sua formação. Pitágoras enxergou o interesse social na
música. Da mesma forma, o autor cita Platão, que descreveu na obra “A República”, a
relação existente entre a música e o comportamento humano. Como a música é composta
de melodia, harmonia e ritmo, Platão acreditava que suas possíveis combinações afetavam
o comportamento humano. Para o grande filósofo, a educação pela música deveria começar
antes mesmo das crianças começarem a raciocinar. Platão percebeu a função social da
música.
NUNES (1997) afirma que Pitágoras não deixou escritos ou fragmentos.
Porém, deixou um legado a seus seguidores, através de referências sobre números e suas
funções na música e na cosmologia. Essas referências, segundo o autor, não foram
fundamentadas na matemática propriamente dita ou na física experimental, mas permitiram
a seus discípulos considerar as relações numéricas como essência de todas as coisas. Para
os pitagóricos, o mundo observável consiste num arranjo harmônico baseado em
proporções numéricas.
Ainda, o mesmo autor destaca que o modelo platônico da harmonia das
esferas, descrita em nos diálogos de “A República”, constituiu-se na mais elaborada forma
de modelo musical da Antigüidade Clássica, sendo que sua influência foi marcante até o
século XVI. A analogia da concepção platônica do universo com a música atinge o seu
limite, englobando-se o cosmos em seus mais variados aspectos: do ético ao estético, do
físico ao metafísico. NUNES (1997) afirma que as raízes dessa “fenomenal alegoria”
platônica estão na analogia pitagórica entre as relações numéricas e os intervalos musicais:
9
Trata-se da pesquisa de doutorado da educadora musical Vanda B. Freire.
10
“1ª Idade – a pré-história e seus prolongamentos entre os povos primitivos, e na música popular arcaica de
civilizações posteriores; 2) 2ª Idade – desenvolvimento da música entre as altas culturas antigas
(Mesopotâmia, Egito, Oriente, antigüidade greco-romana; 3) 3ª idade – surgimento da música ocidental, ou
seja, a arte musical ocidental a partir da Alta Idade média; 4) 4ª idade – a idade da técnica e da indústria,
localizada pelo autor no século XX” (Freire, op. cit, 1992, p.19).
30
cita que MERRIAM entende que o som musical só pode ser produzido de pessoas para
outras pessoas.
A função de representação simbólica, advém do princípio de que a música,
em todas as sociedades, funciona como representação simbólica de outras coisas, idéias e
comportamentos. Das formas e conteúdos de uma determinada música, emergem
elementos culturais que a identifica com uma de época ou conotações afetivas que
expressem determinados sentimentos.
A função de reação física, segundo o próprio MERRIAM, é discutível devido
a sua ligação com questões sócio-culturais. Porém, FREIRE esclarece que o autor entende
que a música provoca determinadas reações no campo físico, e exemplifica: a possessão
provocada por rituais religiosos, à excitação e canalização do comportamento de uma
multidão; o encorajamento das reações físicas do guerreiro e do caçador; o estímulo à
dança, entre outros.
A função de impor conformidade a normas sociais, que seria a função das
canções que chamam a atenção, em suas letras, para comportamentos convenientes ou
não, tais como: as canções de protesto, causando rebeldia; canções usadas em cerimônias
de iniciação, causando sentimento de conformidade; canções que transmitem mitos, lendas
e história. Segundo FREIRE, MERRIAM considera que a música e a linguagem possuem
influência mútua e os textos sustentam uma linguagem permissiva.
A função de validação das instituições sociais e dos rituais religiosos, deve ser
mais estudada e aprofundada, porém, pode ser constatado o uso da música na preservação
da ordem e coordenação de símbolos cerimoniais, na sua transmissão de forma mágica, na
validação de sistemas e preceitos religiosos.
A função de contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura seria o
resultado da combinação das funções anteriores. Nesse sentido seria parte dessa função: a
música como veículo de história, mitos e lendas; a música utilizada na educação; a música
na enculturação de indivíduos, transmitindo os ensinamentos sobre o ambiente natural e
seu uso e os valores do grupo, no sentido de dar uma continuidade à cultura (ou o conceito
de vigente).
Por fim, a função de contribuição para a integração da sociedade, que prega
que a música realiza a função de integrar a sociedade reduzindo seus desequilíbrios,
promovendo um ponto de união em torno do qual as pessoas se congregam, sendo exigida
cooperação grupal. Essa função é notada na satisfação dos alunos em participar de grupos
32
musicais que possuem os mesmos valores, os mesmos modos de vida e as mesmas formas
de arte; no desabafo das canções de protesto, onde se permite que o indivíduo ajuste-se às
condições ou ainda, promove-se à mudança a partir da mobilização do sentimento grupal;
pelas danças com canções de acompanhamento, que contribuem para a cooperação
harmoniosa entre os indivíduos, que agem com unidade, compartilhando um sentimento de
prazer.
Constata-se, a partir das funções descritas, que a música está inserida na
sociedade como um importante elemento cultural, que transforma individualmente, o ser
humano e coletivamente, a sociedade.
social:
11
Vide in FREIRE, Vanda. “Música e Sociedade” . Rio de Janeiro: ABEM, 1992, pp. 140-142.
34
Por isso, cada vez mais, se torna necessário que os professores de música
compreendam as realidades sócio-culturais dos alunos, nas suas diversidades, para que os
mesmos proponham metodologias de ensino adequadas, possibilitando a compreensão de
como a educação musical pode ter uma atuação mais contundente no campo social.
O tema “cotidiano” tem aparecido freqüentemente nas pesquisas sobre
educação e conseqüentemente, nas pesquisas da área de educação musical. SOUZA (2000)
aborda a educação a partir do cotidiano, como uma forma de conhecer a realidade social
dos alunos. A pesquisa do cotidiano surge como perspectiva na aula de música, com o
objetivo de oferecer fundamentos para que ocorra uma atualização da teoria e da
metodologia da Educação Musical, melhorando a relação entre a teoria e a prática na sala
de aula.
Segundo SOUZA, as teorias do cotidiano estão ligadas à Filosofia e à
Sociologia, porém de forma extremamente diversificada, sendo que as mesmas estão
ligadas tanto a tradição interacionista (inspiradas nos trabalhos de GARFINKEL/s.d)
quanto na renovação da sociologia compreensiva (BERGER e LUCKMANN/1994) ou nas
novas correntes da fenomenologia (WALDENFELS/1985):
E qual seria o conceito de cotidiano? SOUZA descreve que cotidiano pode ser
entendido como um “mundo social” de uma determinada camada da população. Explica,
neste contexto, que é comum falar-se do “cotidiano dos meninos e meninas de rua”,
referindo-se, neste caso, “a contextos de socialização e experiências, à formação de
orientações normativas, regras, maneiras de comportamento e modos de ver do meio social
impregnados de fatores socioculturais” (SOUZA, 2000, p.27).
Para autora, esse conceito serviria como uma ferramenta metodológica que
organizaria o comportamento dos alunos, sendo com isso, considerado de maneira didática.
Por outro lado, enfatiza que o conceito de cotidiano pode ser usado como categoria de
descrição e planejamento da aula: “Cotidianidade serve como categoria de orientação
didática para os professores, com ajuda da qual eles podem transformar a sua aula,
tornando-a mais próxima da realidade, orientadas nas necessidades e nos interesses
específicos dos alunos” (SOUZA, 2000, p.27-28).
Por fim, o conceito de cotidiano, do ponto de vista das Ciências Sociais, seria
tratado como “um lugar social de processos, de crenças, de achar sentido comunicativo e
interativo, nos quais os participantes da sociedade constroem suas identidades sociais e em
cujas molduras se estabelece um entendimento sobre as normas sociais, realizam as
interações sociais e se reconhecem processos intersubjetivos como sua parte essencial”
(SOUZA, 2000, p.28).
SOUZA (2000) pontua que essas teorias se tornam relevantes na construção
de uma teoria da educação musical e de um entendimento para a metodologia do ensino-
aprendizagem musical. A vida cotidiana se compromete com a dimensão subjetiva. Em
uma perspectiva sociológica, se compromete com a análise histórica individual, do sujeito
imerso no complexo das relações presentes (e essa realidade histórica estaria repleta de
significações culturais). Por isso, várias pesquisas são concentradas na pequena
comunidade, podendo ser um único sujeito:
Portanto, o educador musical deve estar atento ao contexto social em que está
inserido, tanto na atividade pedagógica dentro de sala de aula com na repercussão do
resultado da mesma na sociedade. Deve observar como a sua atividade pedagógica está
39
12
“A tarefa básica da música na educação é fazer contato, promover experiências com possibilidades de
expressão musical e introduzir os conteúdos e as diversas funções da música na sociedade sob condições
atuais e históricas. Isso significa que para ensinar música deveremos interpor as questões: qual conhecimento
musical, pra que e para quem ensinar” (SOUZA, p.176).
40
13
Entende-se aí, que a autora refere-se a que tipo de ideologia de ensino musical a universidade brasileira
pretende ter, ou seja, qual é o fundamento cultural, qual é a ideologia de cultura que pretende difundir.
41
Nesse sentido, a extensão universitária15 deve ser entendida como uma ponte,
uma forma de comunicação entre o meio acadêmico e a sociedade, e por isso mesmo, um
agente transformador. E essa experiência transformadora deve ser entendida nas duas
vertentes: o conhecimento é passado pela universidade à comunidade e ao mesmo tempo, a
universidade se integra, se abre a partir destas experiências, conhecendo melhor o seu
meio, a sociedade em que está inserida, e, por quê não, aprendendo da mesma forma,
através das necessidades da mesma. Além disso, a extensão pode ser um grande
“laboratório” proporcionando ao professor-pesquisador novas experiências:
15
Segundo a PROEC (Pró-Reitoria de Extensão e Cultura ) – UFG, a “extensão universitária é o momento
em que a sociedade sistematiza, apóia e acompanha as ações que visam sua integração/interação com os
serviços prestados à população (...) A integração universidade/comunidade é viabilizada através da
articulação da Extensão Universitária com ensino e pesquisa. A Universidade deve participar da elaboração
de políticas públicas que visem à proteção de acervos e ao incentivo da criação artística considerados
relevantes para a preservação da memória e da dinâmica cultural. É função também da Universidade resgatar
a escola no seu papel socializador, na perspectiva da ampliação dos valores da democracia, da cidadania e
dos traços culturais locais e da compreensão, respeito e convivência pacífica em relação às diferenças étnicas
e de gênero” (Disponível em http://www.proec.ufg.br/coordenadoria_extensão.html).
42
volumes com canções para canto e piano, coro e conjunto instrumental), “Canto
Orfeônico” (2 volumes) e “Solfejos” (2 volumes). Em 1942, foi criado o Conservatório
Nacional de Canto Orfeônico.
Porém, a partir da década de 50, algumas iniciativas surgiram no campo do
ensino coletivo instrumental, atingindo seu auge na atualidade. OLIVEIRA (1998), no
estudo citado, afirma que no final da década de 50, o professor José Coelho de Almeida
realizava seus experimentos através da formação de bandas de música nas fábricas no
interior paulista. Posteriormente, Coelho de Almeida como diretor do Conservatório
Estadual Dr. Carlos de Campos, Tatuí, implantou um projeto de iniciação e aprendizado
musical coletivo através de instrumentos de corda, tendo como professores Pedro Cameron
e José Antônio Pereira.
Nos anos 70, Alberto Jaffé e Daisy de Luca iniciaram os primeiros
experimentos de ensino coletivo em cordas. Em 1975, o casal, a convite do SESI – Serviço
Social da Indústria, implantou o projeto de ensino coletivo de cordas, em Fortaleza-CE.
Em 78, foram convidados pelo MEC – Ministério da Educação e Cultura, através da
FUNARTE – Fundação Nacional de Arte para implantarem o projeto de ensino coletivo de
cordas por todo Brasil. O programa foi chamado de Projeto Espiral, sendo que o primeiro
centro foi implantado em Brasília. No ano seguinte, 1979, JAFFÉ mudou-se para São
Paulo a convite do SESC – Serviço Social do Comércio, para trabalhar neste projeto por
quatro anos.
Segundo OLIVEIRA (1998), “o trabalho de Alberto e Daisy Jaffé foi, sem
dúvida, o mais importante para a história dos métodos coletivos em cordas no Brasil, pois
além de eles serem os pioneiros, contribuíram, ainda, para a formação da maioria de
profissionais de cordas existentes no país” (p.13) . Desde 1992, Jaffé e sua esposa Daisy se
transferiram para os EUA, a convite do Pensacola Christian College, na Califórnia, com o
intuito de editar seu método de ensino. A edição denominada “The Jaffé String Program”,
faz parte do projeto Beka Book, e tem como objetivo a produção de vídeo-aulas, no
modelo Home School16.
No levantamento bibliográfico para a presente pesquisa, detectou-se os
trabalhos de alguns educadores musicais brasileiros, ligados ao tema - ensino coletivo de
instrumentos musicais – como se destaca a seguir: Linda Krüger e Anamaria Peixoto
16
A vídeo-aula a partir do conceito Home School, significa o ensino sistematizado, passo a passo, através de
fitas de vídeo, com o objetivo de ensino à distância. O estudante aprende em casa, a partir desse material.
46
17
Vide Anexo 1 e capítulo 4.
18
A metodologia aplicada na Oficina de Cordas, Projeto de Extensão/EMAC/UFG e no experimento da
presente pesquisa, é utilizada pelo Projeto Guri (sistematizada por GALINDO).
19
Folder do Projeto Guri.
47
20
A autora da presente pesquisa possui uma outra pesquisa (Monografia/Violão em Grupo/Especialização-
EMAC/UFG) e artigos sobre o tema (Anais da ABEM/2001, do I Seminário de Pesquisa em Música,
EMAC/UFG/2001e do II Seminário Nacional de Pesquisa em Performance Musical/2002).
21
Ensino Coletivo Homogêneo ocorre quando o mesmo instrumento é lecionado em grupo. Já Ensino
Coletivo Heterogêneo acontece quando vários instrumentos diferentes são trabalhados no mesmo grupo.
48
22
Conceito utilizado por Alberto Jaffé para denominar a filosofia e a estrutura didática das aulas coletivas.
49
23
Outro conceito utilizado por Jaffé.
50
24
JAFFÉ apud OLIVEIRA (1998). Necessário se faz ressaltar que, o professor Alberto Jaffé ainda não
publicou trabalhos sobre o tema no Brasil. Porém, vários de seus alunos (que foram formados através do
ensino coletivo e atuam como professores, regentes ou instrumentistas) transmitem seu legado, a partir de
depoimentos, pesquisas e artigos.
25
OLIVEIRA (1998) explica que a palavra “timing” é usada com a habilidade do professor em dominar a
dinâmica da aula através de ritmo interno próprio.
51
O autor também destaca que além desses aspectos positivos da aula coletiva, a
compreensão musical dos alunos é maior devido ao trabalho de repertório em grupo, onde
o professor aborda estilo, harmonia, polifonia, noções de conjunto.
MORAES (1995) acredita que “de todas as vantagens que o ensino em grupo
pode trazer, a motivação é, provavelmente, a mais importante. Também a competição, em
sua expressão mais natural e saudável, pode trazer estímulo extra para um aprendizado
mais rápido e de melhor qualidade” (p.35). Outro aspecto seria que o ensino coletivo tem
como característica a “economia de esforço do ponto de vista despendido pelo professor,
apesar de ser a energia requerida em uma aula em grupo relativamente maior do que em
uma aula individual” (p.35).
Nesse sentido, MORAES (1995) descreve que o clima da aula pode ser:
amigável, informal, próximo, relaxado, caloroso, livre, permissivo, frio, hostil, formal,
tenso etc, a partir do estudo de JAQUES (1984)26. O professor (“tutor” do grupo) tem
papel importante no estabelecimento do clima social na sala de aula, exercendo também,
influência na forma como os alunos se expressam artisticamente. O autor afirma que a
proposta do ensino em grupo “visa propiciar aos alunos um ambiente receptivo à expressão
pessoal, e adequado ao desenvolvimento de hábitos saudáveis de manifestação artística
sem censuras ou julgamentos severos. Portanto, a freqüência de experiências positivas no
grupo deve ser maior do que aquelas conflituosas ou constrangedoras” (p.28) . Com isso,
deve-se buscar um “ambiente positivo”. E esse ambiente seria aquele que é adequado à
auto-expressão e ao aprendizado, pode ser viabilizado pelo professor através de atitudes
como: encorajamento, mediação, abertura e alívio de tensões.
MORAES (1995) acredita que o professor, na busca de uma postura positiva
em sala de aula, deve evitar comentários não construtivos, e ainda, sempre evitar
comparações declaradas entre os alunos, pois os mesmos já observam por si só, já que as
diferenças existentes entre ele e os colegas normalmente falam por si mesmos. Para ele,
“ao estabelecer comparações, o professor enfatiza as fragilidades naturais desta fase do
crescimento e corre o risco de ‘rotular’ seus alunos como o ‘desafinado’, ‘o sem ritmo’, ‘o
distraído’, e outros predicados danosos que podem passar a integrar definitivamente a auto-
imagem do aluno” (p.30) . Complementa ainda que “no contexto do grupo, mesmo
pequenas diferenças de nível musical ou técnico entre os alunos já fornecem elementos
suficientes para eles próprios se compararem mutuamente e um reforço dessas
comparações por parte do professor, neste sentido, pode contribuir negativamente para a
auto-estima do aluno” (p.30 e 31) .
26
MORAES (1996) também utiliza JAQUES (1984) como referência em sua dissertação de mestrado, que
definiu o clima social, da seguinte maneira : “as ‘atmosphere’ of enviroment wich is determined by the sort
of relationship among the components of the group. It can be ‘warm, friendly, relaxed, informal, permissive,
free, in contrast to cold hostile, tense, formal, restrained” (MORAES, sem página).
55
27
A Descrição do Experimento é demonstrada no capítulo 5 da presente pesquisa. Necessário se faz ressaltar
que em outros grupos, anteriores aos grupos experimentais, já se chegou ao fim de todas as fases, seguindo a
programação de 4 semestres (ou dois anos) prevista para a iniciação instrumental. Porém, para a presente
pesquisa, optou-se em delimitar como objeto de estudo grupos iniciantes (um semestre), com perfis
diferentes.
28
Segundo o Dicionário Grove de Música, “Pizzicato (It. ‘beliscado’) instrução para fazer soar a corda ou as
cordas de um instrumento (geralmente de arco) beliscando-se com as pontas dos dedos” (p.729).
57
da corda ré. Depois, transpõe-se o mesmo dedilhado para a corda lá. Neste ponto, já são
iniciados exercícios com a escala de Ré Maior e a execução de pequenas peças na mesma
tonalidade. Após fixar-se a leitura e ter-se uma afinação razoável, o arco é introduzido.
GALINDO (2000) observa que nesta fase, a prioridade é o relaxamento
corporal dos alunos, sendo que “na maioria dos casos o professor deve contentar-se
inicialmente com uma postura apenas aproximada da ideal para assegurar o devido
relaxamento. A maneira de segurar o instrumento será pouco a pouco refinada, a cada
aula” (p.64).
O autor indica três soluções para o problema de desafinação: manter uma boa
postura; audição interior e exigência constante e bem dosada. Da mesma forma, o autor
sugere a melhor maneira de introduzir um novo exercício e/ou melodia:
Uma forma de motivar, ainda mais, o grupo, é ampliar o repertório com novas
melodias. No decorrer do processo pedagógico, pode-se executar não só peças em
uníssono, mas a três ou quatro vozes, “transformando-se pouco a pouco em uma orquestra
de cordas” (GALINDO,2000,p.96). O autor destaca que o ideal é trabalhar-se com dois
professores em sala de aula, um ocupando a posição central (regência/condução da aula) e
o outro percorrendo a sala, corrigindo as posturas e auxiliando os alunos de maneira mais
aproximada (fisicamente). Porém, em turmas com até 15 (quinze) alunos, um professor
bem treinado poderá trabalhar sozinho.
Nota-se que o segredo do método está na fixação do conteúdo através da
estrutura de aula Estudo Dirigido. A construção do conhecimento é feita de maneira eficaz,
sempre revisando os conteúdos já conhecidos e introduzindo-se apenas um novo conteúdo
de cada vez. Dessa forma, o ensino-aprendizado acontece de forma prazerosa e segura.
58
professor Marcos Antônio de Oliveira Rocha. O Projeto Guri, de São Paulo, foi visitado
em duas ocasiões, maio e agosto de 2002, onde se pôde acompanhar várias aulas coletivas:
de cordas, de violão, de percussão. Nessas ocasiões foram entrevistados os professores que
trabalhavam no projeto: Luciano Lopes, Marcelo Brazil, Carmen Borba, João Maurício
Galindo, Enaldo Oliveira. Por fim, entrevistou-se a educadora musical e regente de coros,
Thelma Chan.
Após essa fase, todas as entrevistas foram transcritas na íntegra (vide Anexo
1), sendo retirados das mesmas os excertos (vide Anexo 2), que se constituem dos trechos
mais interessantes da entrevistas. Após a exposição dos excertos das entrevistas, os
mesmos serão analisados, a fim de serem levantados e discutidos os elementos e os
aspectos relevantes da área, não encontrados na escassa bibliografia específica.
instrumento “de ouvido” e depois procurou uma escola especializada: “Eu comecei a tocar
violão, eu tinha 11 anos de idade. Comecei a tocar de ouvido com o filho de uma amiga do
meu pai. E eu toquei mais ou menos durante uns dois anos de ouvido. Depois meu pai
decidiu que era melhor eu fosse aprender música. E depois de alguma relutância, porque
eu, eu não sabia bem o quê queria né, eu fui com ele numa escola” (TOURINHO). Outro
pedagogo começou em uma instituição de menores carentes: “Eu comecei a aprender
música na Guarda Mirim Municipal de Piracicaba, São Paulo. Uma entidade para
menores carentes. E lá tinha uma banda e um coral e um conjunto de flautas doce”
(BARBOSA). E por fim, um pedagogo relata que iniciou os estudos em música através de
escola especializada, sem relatar o que causou a influência: “Eu comecei a estudar música
quando eu tinha sete anos, em Belém do Pará. Primeiro eu fiz um curso de musicalização
(...) Aos nove anos eu comecei a estudar violino” (OLIVEIRA).
Constatou-se nos depoimentos que nesse tópico, o primeiro contato com a
música, a família foi a grande incentivadora e responsável pela formação musical desses
educadores. Por outro lado, em um relato interessante, um educador destacou a influência
da mãe e a inação por parte da mesma, que resultou em um atraso na sua formação
musical: “Primeiro foi com minha mãe falando que achava a música linda. Não tinha
nenhuma tradição de música na família. Não sou filho de músicos como acontece com
freqüência aí (...) engraçado que eu pedia para estudar música e minha mãe não, nada”
(GALINDO). Também foi constatada a importância das escolas regulares que oportunizam
dar uma formação mais ampla a seus alunos, a partir da experiência musical, contribuindo
para a descoberta das aptidões musicais dos educandos e suas futuras profissionalizações,
como nos casos descritos, constituindo muitas vezes, a única oportunidade: “Então, as
possibilidades eram o quê? Começar aonde desse oportunidade” (MARTINS). Outro
ponto a ser destacado refere-se ao fato de que um dos entrevistados (que possui o título de
doutor em música) iniciou seus estudos musicais em uma instituição para menores
carentes, onde foi promovida sua socialização e sua inserção na sociedade, o que
transformou a sua vida (que é um dos temas de discussão na presente pesquisa).
Para que se soubesse qual é o perfil do professor que trabalha com o ensino
coletivo em instrumentos musicais, buscou-se nos depoimentos, conhecer qual seria a
trajetória percorrida visando o conhecimento musical. Buscou-se saber sobre a formação
musical de cada entrevistado. Dos onze (11) entrevistados, dois (2) são doutores em
62
música, três (3) são mestres, um (1) é mestrando, quatro (4) são graduados em música e um
(1) está terminando o curso de bacharelado em instrumento.
Um ponto bastante interessante é que alguns entrevistados tiveram uma
formação diferenciada, tanto por iniciar o instrumento tardiamente ou por ter tido a
oportunidade de tocar outros instrumentos: “De forma que, eu precisei chegar aos dezoito
anos para realmente tomar uma iniciativa por vontade própria de estudar música (...)
Minha formação foi um pouco irregular (...) eu comecei a estudar na Orquestra Ribeiro
Bastos (...) Nesse sentido, eu tive a experiência musical de tocar, de sentir no ambiente
social, participar de uma atividade musical em grupo,” (MORAES); “(...) com quinze
anos resolvi a estudar música, comprei um violão, fui ter aula de violão. Fui ter aula de
Jazz. E aos dezessete comecei a estudar viola. Aí fui pra viola, fui estudar, cai num
trabalho de ensino em grupo e em um ano eu já tava tocando na Orquestra Jovem, aqui
em São Paulo, aí foi indo. Fiz vestibular, entrei na Faculdade de Música, sabendo pouca
coisa, e fui indo. Foi assim que começou (...)” (GALINDO); “aos quinze anos comecei a
estudar violão (...). E aos vinte e cinco anos eu entrei na Licenciatura em Música, na
Universidade Federal, na época eu desencanei de Engenharia (...) Aí entrei na UNESP,
comecei a fazer Composição e Regência” (BRAZIL); “Eu comecei tocando percussão na
Banda Marcial. Depois comecei a me interessar por violão, aí fui tocar guitarra nesse
conjunto posteriormente (...) comecei a participar de Bandas, participando de bandas, não
perdi também o contato com o violão. E fiquei tocando trompa, percussão, bombardino,
trombone e retornei a Salvador, fiz um curso de violão, chamado de violão clássico (...) E
aí fui fazer universidade de Regência”(MARTINS); “Eu fiz faculdade, fiz bacharelado em
violão, na realidade (...) então eu estudei o violoncelo ali, na Escola Municipal de Música.
E na Faculdade eu fiz o trabalho com percussão, com o núcleo de percussão, cantei em
coral muito tempo, fiz o estágio com uma professora que dava o Método Orff de
musicalização para criança (...)” (BORBA).
Através do relato dos educadores musicais, pode-se notar que a formação
musical destes professores não ficou restrita apenas a um instrumento ou uma área de
conhecimento musical. A maioria teve experiência tocando um outro instrumento. Esse é
um fator extremamente benéfico para o professor que atua no ensino coletivo,
principalmente quando se trata do heterogêneo (instrumentos diferentes). Em relação ao
fato de que a iniciação instrumental da maioria dos educadores musicais pode ser
considerada tardia (tendo como parâmetro à educação musical tradicional voltada para a
63
formação de concertistas), não ficou configurado como sendo este, um ponto negativo. Ao
contrário, essa vivência ampla e versátil, relatada pelos entrevistados, pode ter contribuído
na escolha e na atuação pedagógica pelo ensino coletivo. Outro ponto importante é o fato
que a maioria dos educadores musicais atuou em bandas, orquestras, coros e grupos
musicais; ou seja, a música em grupo foi significativa na formação destes profissionais
(vide em anexo as entrevistas de MORAES, GALINDO, BARBOSA, MARTINS,
BORBA, BRAZIL, CHAN). Com base nesses depoimentos, pode-se afirmar que o perfil
do educador musical que atua com o ensino coletivo de instrumentos musicais é o de um
profissional estudioso, versátil, com uma formação mais ampla (principalmente com
alguma experiência com regência). Dos onze (11) entrevistados, todos, na sua formação
como estudante de música, tiveram experiências significativas com música em conjunto.
Para que se conhecesse, quais eram as influências e as motivações dos
educadores musicais em atuarem na área pesquisa, perguntou-se como surgiu o interesse
em lecionar através do ensino coletivo. A experiência de ter participado como regente de
grupos e coros foi o que motivou três (3) educadores musicais: “E eu dava aula de
violoncelo, pouco tempo depois, eu me interessei em trabalhar com orquestra e acabei
regendo orquestra infantil. Em São João Del Rei eu tive uma experiência com regência
coral também. Então eu tive uma experiência ainda como estudante de violoncelo, de
trabalhar com orquestra, de trabalhar com grupos” (MORAES); “Eu dava aula no
Instituto Adventista de Ensino, em São Paulo. E lá tinha uma banda, quer dizer, eu fui
responsável pra formar a banda que existia e tinha acabado. Quando eu tava dando aula
lá e montando essa banda, eu trombei na Biblioteca muito material americano que tinha
lá, e no meio tinha três, tinha uma coleção completa do Hal Leonard pra banda . Os três
volumes e cada volume são pra cada instrumento. Então, um monte de métodos de banda.
Aí eu comecei” (BARBOSA); “Eu dava aula já no Projeto Guri em 98. Mas eu dava aula
de Canto Coral. Fiz formação, estudei, cantei em coral, fiz um monte de coisa e dava aula
no coral infantil. E o pessoal da coordenação sabia que eu tocava violão e estavam
precisando de professor de violão no pólo aqui. E aí eu fui” (BRAZIL). Outros três (3)
educadores musicais foram motivados após da constatação dos benefícios pedagógicos:
“por intermédio de um amigo meu chamado Mário Vergio que foi aluno do professor
Alberto Jaffé. E ele me mostrou um CD que o professor Alberto Jaffé gravou com os
alunos do SESC pra demonstração do trabalho dele. Esse CD foi, esse CD não, esse LP,
na verdade, foi gravado com oito meses de trabalho dos alunos e o resultado musical
64
desse, desse disco, despertou toda a minha curiosidade pra como se realiza essa questão
do aprendizado musical coletivo. O aprendizado instrumental coletivo” (OLIVEIRA); “o
professor Enaldo Oliveira fazia parte deste quarteto e quando ele foi abrir os pólos lá, ele
me convidou para fazer parte. Então, ele me ensinou a maneira com ele faz o ensino
coletivo e eu fiquei encantada por ver o resultado” (BORBA); “Bom, acho que, eu fui
estudar através do ensino coletivo por acaso. Eu fiquei sabendo desse trabalho, li no
jornal, um amigo me falou. Fui lá e comecei a ter aula. Inclusive no começo eu tava muito
cético, eu achava que aquilo lá não ia dar certo. Depois de uns meses eu vi que dava
certo que eu tava conseguindo tocar mesmo o instrumento. Eu não sei se é uma coisa meio
inata, assim, esse interesse meu especulativo, eu começava a perguntar pro Jaffé, como é
que era pra dar aula” (GALINDO). A necessidade de se ter um emprego foi o motivo
para que 2 (dois) professores começassem a ensinar instrumentos musicais de maneira
coletiva, sem conhecimento prévio de alguma metodologia de ensino específica: “eu
precisava de trabalhar (...) Eu precisava arrumar algum emprego, alguma coisa, eu só
tocava em orquestra. E na orquestra, éramos bolsistas ainda, não tínhamos formado.
Então, apareceu o Pedro, que é o coordenador técnico do projeto. Ele ligou para mim e
falou diretamente comigo sobre dar aula em grupo e tal. Eu nunca tinha, nunca tinha
imaginado que esse tipo de coisa existia” (LOPES); “Não sabia que era aula em grupo,
não sabia como era e cheguei lá e me deparei com uma turma, e disse: ‘não, vou ter que
fazer alguma coisa né?’. E diante daquela situação eu comecei a criar, eu comecei a
experimentar um monte de coisas e algumas coisas deram certo, algumas coisas não
deram certo, a gente vai experimentando” (BRAZIL). Uma professora respondeu que,
primeiramente, o motivo de se adotar o ensino coletivo se devia à grande demanda e um
número pequeno de professores atuando na escola: “(...) nós éramos na época dois, três
professores de violão, e a demanda era muito grande, a procura pelo curso de violão era
muito grande” (TOURINHO). E o gosto pelo estar em grupo foi destacado por 2 (dois)
pedagogos: “Eu acho que na verdade ensinar música é até mais agradável quando a gente
tem uma turma mista, eclética, com vários instrumentos, é mais gostoso para o professor”
(MARTINS); “Bem, eu sempre gostei de coisas pessoas juntas. Eu sempre achei que a
coisa quando você junta as pessoas, ela acaba bonita, ela fica mais bacana. Sei lá, cria
uma força. Então, eu sempre fui de trabalhar com o coletivo mesmo. É, e surgiu como?
Surgiu porque eu sempre gostei de cantar com mais gente. Sempre gostei de participar de
coral, de conjuntos (...)” (CHAN).
65
alunos quando eles chegavam pra mim e eu, eles faziam alguma coisa, e eles : ‘Olha, veja
isso aqui! Isso aqui é fácil. Não isso aqui não é fácil. É fácil só pra quem sabe’, não é?”
(TOURINHO); “(...) própria convivência mesmo social, a coisa do grupo mesmo”
(CHAN).
Outra vantagem colocada foi em relação ao desenvolvimento do repertório
de maneira mais rápida, ou seja, o aluno já começa a tocar seu instrumento a partir do
ensino coletivo, sem espaços para divagações técnicas ou teóricas: “E é muito rápido, eu
acho. Essa é a coisa mais fantástica que logo, logo, eles conseguem tocar alguma coisa,
isso é muito legal, viu. No olho da criança, quando ela consegue acertar todas as notas, e
brilha o olho, ele não precisa nem dizer, porque eu sei que ele conseguiu” (BORBA);
“Desde o começo a gente trabalhava com o instrumento na boca e trabalhando música. A
gente trabalha desde o começo com melodias mesmo sabe, coisas bem simples, duas notas,
três notas. Então ele já vai desde o começo assim, tendo essa experiência musical e essa
afinidade com o instrumento (...)” (BARBOSA); “(...) outra coisa você tem que cuidar
como estratégia de ensino pra que eles toquem uma melodiazinha o mais rápido possível.
No ensino individual, muito comum você vê o professor fazer o aluno ficar fazendo nota
longa durante três meses até a posição do arco estar totalmente perfeita, pra depois
ensinar mão esquerda. Isso é desestimulante” (GALINDO).
Uma outra questão musical apontada foi em relação à afinação do grupo.
Segundo alguns educadores musicais, a vivência de se tocar em grupo é extremamente
interessante para a melhora da afinação individual de cada aluno. Quando o aluno estuda
sozinho, se ele não possui uma sonoridade agradável (bonita) e uma afinação razoável, ele
pode se sentir desestimulado por não possuir ainda condições para um desempenho
musical que esteja dentro do seu padrão desejado (cada pessoa possui um modelo pessoal
desejado de acordo com seus padrões estéticos). Por isso, a sonoridade no ensino em
grupo é mais afinada e agradável, estimulando os alunos: “Você não fica só em cima
daquela coisa técnica no começo, e o grupo acaba eliminando aquele som feio do
começo” (BORBA); “Vantagem. Motivação. Você motiva o aluno. Pega um aluno,
alguém, é muito fácil encontrar gente foi estudar violino através do ensino individual, teve
uma aula, foi pra casa com o violino, tentou tocar saiu aquele som horroroso. Porque tirar
som do violino é complicado ou do viola, do violoncelo, do contrabaixo, é complicado.
Aquilo raspa, aquilo apita e a pessoa se desestimula rapidinho, principalmente se for
jovem ou crianças né. É, no ensino em grupo você pega aquele som, que sai, e você se
67
diverte com ele, você até brinca” (GALINDO); “A somatória dessas sonoridades dentro
de um grupo, ela fica quase aceitável. Não fica tão ruim quanto individualmente. Bom isso
gera pro aluno, um estímulo realmente adicional, porque ele não percebe tanto as coisas
ruins que tem no seu próprio som e o resultado musical acaba entusiasmando ele porque
ele ta percebendo uma coisa melhor do que realmente a realidade individual dele”
(OLIVEIRA); “(...) eu acho que crianças fazendo música juntas, uma ajuda a outra, sabe?
Então, no caso do coral por exemplo, você tem um superafinados, os médios, os normais e
os desafinadinhos. Então, quando você tem o desafinado, por quê que ele é desafinado?
Por quê ele não cantava nunca na casa dele? Por quê a mãe dele era desafinada? Por quê
ele ouviu ninguém cantando? Porque... Por quê? Então, sempre tinha uma razão. Daí,
você colocava o desafinado aqui e um afinado a sua direita, e outro afinado a sua
esquerda, e um outro afinado atrás. Então, essa coisa dessa vibração, né, que vinha, atrás
da orelha do desafinado, ele afinava, entendeu? Então, essa é uma vantagem, eu acho que
assim, um ajuda o outro, e esse cara sozinho, esse desafinado fazendo mal, já pensou que
sacrifício?” (CHAN). Nota-se que a educadora tenta ajudar os alunos a partir da suas
próprias condições, procurando compreender a sua realidade e o contexto em que vivem.
Outra vantagem destacada referiu-se ao desenvolvimento do ouvido
harmônico do aluno, já desde o início do estudo de instrumento: “O quê vai ficar faltando
é assim, que o ensino coletivo tem, aí sim, que o ensino individual você não tem, é você
tocar uma música a três ou quatro vozes logo de cara. Isso é muito estimulante. Quando a
criançada, a garotada ouve, a harmonia a quatro vozes acontecendo, eles ficam
encantados. Isso eu já cansei de ver. Eu quando tive aula coletiva, e toquei a minha
primeira música a quatro vozes, eu fiquei encantado. E aí, você fazer apresentações com
uma orquestra, sentir que você ta dentro de uma orquestra, dignificar um trabalho de uma
orquestra, valorizar isso. Isso também estimula os alunos” (GALINDO); “O aluno se
sente motivado, ainda mais quando coloca peças com vozes diferentes, né. Eles ficam
assim : ‘Nossa que bonito!’. Eles acostumam a tocar só uníssono, que é uma voz só e de
repente eles se deparam com outras vozes, eles realmente sentem, eles se sentem, eles
sentem que estão numa Orquestra” (LOPES);“E aí a musiquinha sai diferente, os
instrumentos também participam já na sua independência depois de certo período,né, na
sua função exatamente. A tuba já faz papel de tuba, o trompete é o solista, isso e aquilo, aí
começa esse trabalho é muito gostoso” (MARTINS).
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A economia de tempo foi outro fator indicado por dois (2) entrevistados:
“(...) primeira coisa que eu acho, olhando a parte, digamos assim, de economia de tempo.
Você gasta menos tempo pra poder fazer o mesmo trabalho” (TOURINHO); “(...) as
vantagens que o método tem é principalmente a otimização de recursos instrumentais, ou
seja, tem um número de instrumentos que você pode utilizar para vários alunos ao mesmo
tempo (...). E também, a otimização do tempo do professor (...) um bom professor que pode
atender um grande número de alunos. Eu acredito que realmente essa seja a melhor das
vantagens” (OLIVEIRA).
Foi constatado, através dos depoimentos dos educadores musicais, que o
ensino coletivo promove: baixa desistência dos alunos: “(...) a desistência foi muito
pequena, a evasão, né foi muito pequena, quer dizer não teve pra primeiro caso”
(BARBOSA); “Bom, o ensino coletivo é o ensino que não deixa o aluno desanimar”
(ROCHA); melhora a auto-estima dos alunos: “E no começo eu vejo, que a gente
trabalha com criança, baixa renda, baixa auto-estima, né, eu vejo que no começo eles
dizem que não conseguem, não sei, ‘Ah, é muito difícil!’ e isso no decorrer do ensino vai
se transformando, né. Eles acabam pedindo pra você passar mais uma vez, que ele ainda
não conseguiu. Ele tem a absoluta certeza que se passar de novo ele vai conseguir. Isso é
muito legal. Isso aí eu acho que é o mais importante pra mim” (BORBA); “Dentro do
Projeto Guri, eu pude perceber também um aspecto muito interessante relacionado a auto-
estima do aluno, principalmente em relação a Febem. Por exemplo, como é que se, como é
que se pode perceber essa melhora da auto-estima. Os alunos vão pra Febem ou todos os
nossos alunos que tem um perfil culto, social desfavorável, eles recebem a seguinte
mensagem da sociedade: ‘Você não serve para viver em sociedade ou você não serve para
ter um bom atendimento médico ou você não serve para ter uma boa casa’. Então, isso
deixa a auto-estima do aluno, a realidade social dele, deixa uma auto-estima muito baixa.
A mensagem básica que ele tem dentro dele é ‘você não serve pra nada’. Com o
desenvolver do processo de aprendizagem instrumental, ele começa a perceber que ele
serve pelo menos para aprender a tocar um instrumento. E se ele é capaz de aprender a
tocar um instrumento e produzir algo tão bonito quanto à música, ele capaz de fazer
outras coisas tão bonitas quanto isso. E isso começa a desenvolver essa auto-estima no
aluno” (OLIVEIRA); maior rendimento, estímulo, disciplina: “Eu vejo assim: eu dou
aula individual também, eu trabalho numa outra escola. E assim, o aproveitamento, o
rendimento dos alunos é muito superior. As grandes vantagens que eu vejo, é assim: o
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dezessete anos, alguns alunos às vezes passam, tem dezessete. Tem aluno que é novinho
né, que tem até oito anos e já, pequenininho é sério e já está estudando violino”
(ROCHA); “A gente divide por faixa etária mesmo. Têm duas pessoas que trabalham com
as crianças, né. Atualmente, nós só estamos trabalhando com oito crianças na escola,
entre oito e onze anos (...) Nosso público mesmo está entre quinze e dezenove anos”
(TOURINHO); “(...) de dez a dezessete anos que a gente trabalha, sabe, mais, né. Por
exemplo, alunos mais velhos se tornaram monitores hoje, até vinte e dois anos. Agora na
UFBA, nós trabalhamos já com uma faixa bem de adulto mesmo, de vinte até tem gente lá
de cinqüenta e sete anos” (BARBOSA); “A proposta inicial do professor Joel, de dez a
quatorze anos com o método coletivo e ele trabalha canções folclóricas e tal, canções de
várias regiões” (MARTINS).
Um conselho foi dado por um entrevistado que afirma que não se deve
misturar as faixas etárias porque cada uma tem suas características próprias: “Não se deve
misturar (...) Porque cada faixa etária tem características que são muito peculiares (...) Se
você mistura adulto com adolescentes, o adolescente pode se sentir inseguro”
(MORAES).
Um relato interessante refere-se à adequação dos métodos de ensino
coletivo à realidade do educando. Para tanto é necessário que se busque um repertório e
arranjos condizentes com as aspirações de determinado grupo, principalmente quando este
é formado por adolescentes: “Os meninos de quatorze anos hoje, não querem mais tocar.
Então, o que a gente faz? Tem que ou começar fazendo arranjo, que é muito escasso o
material pra banda, pra esse período, essa faixa etária, mas tem que colocar assim, temas
de filmes, o que tá acontecendo no momento, o que quê eles ouvem na televisão, alguma
coisinha que sustente essa visão da galera adolescente. Porque se ficar tocando Ciranda,
Cirandinha, tal, eles não querem mais” (MARTINS).
Outra questão é referente ao encaminhamento dos alunos para a continuidade
dos estudos após o período em grupo. No Projeto Guri a faixa etária delimitada é de oito
(8) a dezoito (18) anos, porém alguns alunos continuam no projeto, com é relatado no
trecho a seguir: “Agora no Guri tem o seguinte, tem limite de 18 anos, mas tem muita
gente que passa dos dezoito anos e quer continuar tocando. Por isso foi criado esse grupo
que eu dirijo, a Orquestra Paulista, onde gente com mais de dezoito anos é aceita. É o
único grupo do Guri que é assim, mas é pra tocar né, pra fazer apresentação numa
72
são juntas, aí ficam essas duas aulas juntas, que é um problema também. O menino só
teria contato no caso, uma vez por semana com o instrumento. Eles não levam o
instrumento pra casa. aí eu crio a possibilidade, analiso quem tem Educação Física no
período oposto, ou natação ou outro esporte que eles fazem, combino com os pais,
combino com a coordenação e aí, pego. esses meninos pra fazer um trabalho, nem que
seja individual, para eles ter um maior contato” (MARTINS); “Bom, depende do curso. O
curso básico que é o curso de extensão, a gente faz aulas em grupo, aulas semanais. Toda
terça-feira às 18:30 a gente se reúne” (MORAES). No curso de extensão da UFBA, há
uma (1) hora de instrumento (violão), uma (1) hora de teoria /percepção e uma (1) hora de
coral, somando três (3) horas semanais em todas disciplinas oferecidas: “(...) ele tem três
horas de música, e ainda tem acesso à biblioteca pra poder escutar disco (...)”
(TOURINHO).
Alguns educadores musicais relataram o que acham ser a carga horária ideal
para o melhor desenvolvimento dos alunos através do ensino coletivo: “(...) o ideal a gente
queria que fosse três aulas semanais, pelo menos. Hoje, nós temos duas aulas semanais e
fora esse período, alguns alunos vão lá praticar e acabam tendo chance de às vezes ter um
monitor tá lá, pra eles praticarem” (BARBOSA); “Se tivesse três aulas por semana de
duas horas, seria bárbaro. Aquela, dentro daquele conceito de Estudo Dirigido, de você
na aula, você ta dirigindo o estudo do aluno, ta cuidando dele. Isso é melhor que do ficar
em casa uma semana, tocando torto, pra depois você voltar na aula, você ter que
desentortar ele (...) Então, três aulas por semana eu acho o ideal. O trabalho vai render
muito rápido. Duas aulas, funciona também. Só você não ter expectativa de fazer um
concerto em dois meses. Muitas vezes acontece isso. Agora uma aula por semana, eu acho
que é perda de tempo mesmo. Não funciona. É muito pouco” (GALINDO); “O quê que é
ideal dentro do ensino coletivo? É que você tenha pelo menos uma periodicidade de
quatro vezes por semana, e uma hora e meia de aula. Ou seja, uma carga horária de seis a
oito horas por semana” (OLIVEIRA).
Nota-se que um grande reforço de aprendizagem é o maior contato semanal
com os alunos. Com isso, os alunos teriam um maior desenvolvimento, estimulando-os a
dar continuidade nos seus estudos. Como foi destacado por GALINDO, que esse tipo de
abordagem seria embasado no Estudo Dirigido, aquele conduzido pelo professor. Este
pensamento é comungado por BRAZIL, que acrescenta o fato de que os alunos se dedicam
pouco ao instrumento, devido aos outros afazeres da vida contemporânea. Com isso, um
74
no início de sua atuação foi difícil (devido à falta de conhecimento prévio), mas reconhece
que os pedagogos que hoje atuam bem, tiveram as mesmas dificuldades.
MORAES destacou algumas questões sobre o tema. Em seu relato, afirmou
que grande parte dos professores de música ainda não atentaram para a importância da
pesquisa em música. Segundo seu relato: “Todos os professores de instrumentos sabe que
existe uma resistência muito grande. Porque a gente aprendeu de forma individual e é
muito mais cômodo ensinar da forma como a gente aprendeu”. No campo específico do
ensino coletivo, o entrevistado relatou que conhece alguns trabalhos, mas existe um
isolamento muito grande por parte dos educadores no sentido de trocar experiências: “Eu
sei de nomes de professores que trabalham com o ensino em grupo, mas eu pelo menos
não recebi nenhum convite e não me dirigi a nenhum. Existe um isolamento realmente que
separa, que deixa cada um trabalhando, meio que individualmente”. Porém, destaca que
na UEMG existe uma disciplina de um curso de especialização, ministrada por ele. E está
iniciando pesquisas na área e fazendo um intercâmbio dos professores que atuam na área
em Belo Horizonte.
BARBOSA relatou conhecer mais os aspectos da área de sopros, na qual atua.
Porém, citou como referência o trabalho de Diana Santiago, no piano e teclados; o de
Cristina Tourinho, no violão; e o Projeto Guri (não em um contato direto, mas através de
informações do amigo Daniel Tamborim). Citou ainda, o trabalho de Alberto Jaffé, sobre
o qual tomou conhecimento a partir do contato de pessoas ligadas a ele: “(...) eu morei com
pessoas que trabalharam, que foram alunos do Jaffé em vários pontos. Tanto pessoas que,
alguns estão até em Salvador hoje, que aprenderam ou em Fortaleza, que ele trabalhou,
Brasília teve, e em São Paulo”. Ainda informou ter tido contato com o trabalho escrito de
Linda Krüger, uma americana do Texas, que morou um período na cidade de Belém, para
elaboração de um método de cordas, usando a música brasileira. Finalizou a questão
dizendo conhecer o trabalho de Abel Moraes através de outras pessoas; um trabalho de
ensino coletivo de sopros, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro; e completa que São Paulo
é um centro bem desenvolvido.
TOURINHO relatou a importância da criação dos cursos de pós-graduação no
sentido de se favorecer o pensar e o fazer pedagógico. Para ela, o contato entre
pesquisadores e as publicações dos cursos de pós-graduação são importantes para o
desenvolvimento da área. Ainda, afirmou que, nos últimos dez anos, o ensino em grupo
cresceu consideravelmente em todo país. Foram destacados pela pedagoga os trabalhos de
77
Claúdio Jaffé na década de 80, no SESC em São Paulo; nos dias atuais, o trabalho de
Mário Ulloa e de Diana Santiago (que trabalham o ensino em grupo em nível superior) em
Salvador; e o trabalho de Flavia Maria Cruvinel, em Goiânia.Também destacou conhecer
trabalhos com ensino coletivo em Varginha, Recife, Rio Grande do Norte, Curitiba.
Finalizou com uma previsão otimista para a área: “Eu acho que vamos dar mais dez anos,
eu acho que a gente já vai ter uma série de trabalhos impressos e escritos, entende, pra
poder situar a gente melhor. O campo é incipiente, tá começando mas eu acho que tá
começando de pé direito” (TOURINHO).
OLIVEIRA observou um crescimento na área do ensino coletivo, ressaltando
que quando elaborou a sua dissertação sobre o tema, existia apenas um outro título na área.
Depois veio o trabalho de João Maurício Galindo e a presente pesquisa : “eu tô vendo que
as pessoas estão começando a despertar pra essa questão da pesquisa do ensino coletivo
instrumental” (OLIVEIRA). Sobre a questão da pesquisa em educação musical, o
entrevistado ressaltou que tem muita coisa a se fazer em relação à formação de educadores
musicais, principalmente na formação de professores de instrumento: “A gente tem pessoas
que dão aula mas sem essa preparação, sem esse perfil de professor e isso obviamente se
reflete na questão toda da pesquisa (...)” (OLIVEIRA).
GALINDO citou estar afastado da área de pesquisa desde a conclusão do seu
trabalho de dissertação, porém, citou os trabalhos de pós-graduação (mestrado) de José
Leonel Gonçalves e de Enaldo Oliveira, ambos pela USP. Ainda, relatou o conhecimento
de um trabalho de iniciação científica de Mauro Vieira, pela UNESP. No campo não
acadêmico, citou o trabalho do violonista Pedro Cameron, que criou um método de ensino
coletivo, na cidade de Rio Claro. Para finalizar, GALINDO afirmou que a pesquisa e
prática do ensino coletivo vem crescendo muito e que o Projeto Guri, de São Paulo, tem
um papel importante no cenário atual: “quando o Jaffé começou esse trabalho em São
Paulo, em 78, o preconceito era imenso dos outros professores. E hoje você vê a coisa se
difundindo de certa maneira. Muito por causa do Guri, se fala muito em ensino coletivo”
(GALINDO).
CHAN citou nomes como: Valquíria Passos e Josete Félix na pesquisa da
música para bebês; Eny Parejo na pesquisa sobre a musicalização; Gisele Cruz na área de
Coral Infantil; Marisa Fonterrada, Samuel Kerr , Marcos Leite na área Coral. Citou ainda,
nomes como Osvaldo Lacerda, Heitor Villa-Lobos e Levino Alcântara.
78
preocupação, eu acho que você tá tocando num ponto importante, que você pode explorar
realmente. Seria um diferencial no trabalho que você tá fazendo” (TOURINHO). E
finalizou afirmando acreditar na educação pela música com um poder de transformação e
de melhoria da forma de viver das pessoas.
Da mesma forma, OLIVEIRA afirmou que desconhece outro trabalho na área
enfocando o lado social do ensino coletivo: “Eu acho que o pesquisador é aquilo que você
ta fazendo, é muito importante, porque provavelmente vai ser o primeiro trabalho que
considera a questão do lado social” (OLIVEIRA). Finalizou destacando ter a
conscientização de qual é o seu papel social na formação do aluno: “(...) eu tenho que ter
sempre em mente qual é o meu papel como professor, como eu influencio enquanto
professor na formação de um ser humano? Na educação desse ser humano e caráter desse
ser humano. Então, eu tenho que utilizar todo esse conhecimento para tirar o máximo que
ele pode me dar” (OLIVEIRA).
GALINDO relatou a influência do conhecimento especializado que prejudica
a percepção do todo: “Bom, eu acho assim, acho que o novo da questão é o seguinte, a
gente passou por décadas aí de um ensino musical que era pra formar datilógrafos.
Extremamente bem treinados. Estou cansado de ver como regente, violinista que tem os
dedos treinados e não tem conhecimento musical amplo, sabe? É, quer dizer, eu acho que
é o caso de um país onde faltam músicos amadores, gente tocando música pra fazer parte
da vida” (GALINDO). Esse ensino altamente especializado, voltado para a
profissionalização do músico, seleciona quem deve fazer música e de que forma a mesma
deve ser feita. Com isso, o ensino musical torna-se muito específico, voltado para um
público seleto, em um processo antidemocrático: “Se você não é o violinista, se você não
consegue tocar os Caprichos de Paganini, isso é um problema. Isso não é um problema!
Você tem que estudar violino e tocar cançãozinha folclórica, qual é o problema? E se você
gostar, você continua estudando. É, quando Brahms estava vivo e compôs uma sinfonia e a
sinfonia era tocada, a platéia era toda de músicos amadores, todo mundo tocava piano,
violino, etc. Hoje todo mundo ouve CD. Então ficou um buraco aí. Então a gente ta num
país tentando criar orquestras, ensinando os músicos profissionais a tocar violino, os
Caprichos de Paganini, pra quem? Tem gente que não consegue ouvir” (GALINDO).
Pode-se afirmar que o ensino musical não está adequado à realidade atual. GALINDO
destacou a necessidade da formação de músicos amadores para que o cenário musical
possa ser desenvolvido através de um público mais crítico: “Tô cansado de reger
81
concertos de música erudita, e olho pra cara da platéia e a platéia não entende. Olhando
praquela orquestra como se fosse uma coisa estranha. Da uma dormida, conversa
bastante, durante o concerto, e bate palma no final pra ser educado. Então, acho que
formar músicos amadores é importante para o ambiente musical, pra que a profissão de
músico exista e é importante pra essas pessoas” (GALINDO). E finalizou seu depoimento,
afirmando que o ensino musical deve ser voltado para a formação do ser humano de
maneira lúdica e prazerosa: “Então, tá faltando o lúdico, o prazeroso, tá faltando um
ensino musical pela música, não pra formar virtuoses. Não pra professores de piano ou
violino fazer do aluno dele aquilo que ele queria ter sido e não foi. Entendeu? Eu acho que
é isso que eu tenho a dizer, assim de importante. Ensinar a música pela música, pras
pessoas se divertirem” (GALINDO).
BRAZIL se considera um defensor do ensino coletivo. Afirmou que o ensino
coletivo deve ser pesquisado e aplicado no sentido de oportunizar um melhor ensino
musical, de acordo com a realidade brasileira: “eu acho que tem que ser levado a diante,
tem que ser aplicado, tem que ser embasado isso, pra mostrar pras pessoas que funciona.
as pessoas, na maioria das vezes, não acreditam que possa funcionar esse tipo de coisa. E
ser levado pras universidades, pras escolas públicas. Inclusive é uma prática musical que
poderia ser feita nas escolas. Eu inclusive vejo nas escolas particulares que tem aula de
música, é muito pobre o ensino de música nas escolas, então, poderia ser muito rico. O
máximo que eles fazem é uma aula de flauta doce, ou coisa assim, que eu até tenho
algumas críticas, porque eu acho que é um instrumento que não reflete a realidade da
música brasileira, não reflete a cultura brasileira, não existe repertório brasileiro sobre
isso, não estimula o aluno a ir pra casa dele e tocar flauta doce no meio da família dele.
Tem tantos instrumentos que são até fáceis de se conseguir, aqueles que não tem um violão
na família, um cavaquinho, um pandeiro ou qualquer coisa e formar grupos de
instrumentos, que sejam populares, que possibilite o aluno tocar isso. Então, eu acredito
plenamente no ensino coletivo, acho que tem que ser estudado, tem que ser levado pra
frente” (BRAZIL)
Por fim, as considerações finais de ROCHA, LOPES E CHAN: “Espero que
surja daqui pra frente pelo menos um ensino coletivo pra orquestra (...) Quer dizer, uma
orquestra de cordas e de sopros” (ROCHA); “Eu achei muito legal. Você sair lá de
Goiânia, vir aqui fazer tudo isso. Eu acho que é um trabalho legal, pra mostrar para
bastante gente (...) Eu achei importante pra caramba, seria bom se todos as universidades,
82
todos os estados pudessem querer conhecer, tivesse essa idéia de montar uma tese assim.
Parabéns” (LOPES); “eu só tenho a dizer a você que eu espero que essa sua pesquisa
incremente ainda mais esse movimento no Brasil. Que você seja uma figura importante
que possa irradiar de Goiânia pro Brasil inteiro” (CHAN).
83
5. METODOLOGIA
5.1.2. A PESQUISA-AÇÃO
29
Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica.
85
30
O Projeto “Oficinas de Música e Teatro” foi criado e registrado na PROEC, em 2000, com intuito de
oferecer a comunidade externa a UFG, cursos de Música e Teatro.
31
As entrevistas realizadas com os educadores musicais que atuam na área específica foram realizadas de
abril a agosto de 2002, com o intuito de justificar a importância da presente pesquisa e de conhecer como se
encontra o quadro do ensino coletivo em instrumentos musicais no país.
88
eficaz, e de qualquer tipo de educação musical. Este grupo foi denominado de GRUPO
CEACA32.
A coleta de dados teve como instrumentos de pesquisa: 1) Planejamento de
cada aula e do semestre; 2) Diário de Classe; 3) Fichas de questionário para detectar o
perfil dos sujeitos e suas expectativas; 4) Filmagens através de câmera de fitas de 8mm de
cada intervenção-aula (processo de desenvolvimento de aprendizagem e relações
interpessoais visando o aprendizado instrumental e a sociabilização dos sujeitos); 5)
Filmagens em 8mm de depoimentos dos sujeitos no final do semestre letivo (verificação
dos efeitos do ensino-aprendizagem); 6) Filmagens e Programas dos Recitais (verificação
do resultado musical final do ensino-aprendizagem); 7) Fitas de vídeos com a divulgação
do projeto veiculado na imprensa televisiva; e, 8) Recortes de jornais com a divulgação do
projeto na imprensa escrita.
As intervenções/aulas, filmadas em câmera 8mm, foram gravadas em 21
(vinte e uma) fitas, de 2 (duas) horas cada, totalizando 42 (quarenta e duas) horas de
gravações. Os recitais e depoimentos foram gravados em 2 (duas) fitas, totalizando
aproximadamente 2 (duas) horas. O material referido, somado às matérias veiculadas na
imprensa televisiva, totalizaram 8 fitas de vídeo cassete (VHS) 33, a saber: Fitas 1, 2 e 3 –
Intervenções/aulas do GRUPO COMUNIDADE; Fitas 4, 5, e 6 – Intervenções/aulas do
GRUPO CEACA; Fita 7 – As duas últimas intervenções/aulas do GRUPO CEACA, os
depoimentos de todos alunos de ambos os grupos e os recitais; por fim, Fita 8 -
Divulgação da metodologia de ensino coletivo de cordas e dos recitais, veiculados na
imprensa televisiva.
Os sujeitos, desde o início do experimento, estavam cientes de que a
professora estava pesquisando a metodologia de ensino coletivo de instrumentos de corda.
Os sujeitos (ou responsáveis) autorizaram a coleta de dados, bem como, as instituições
envolvidas (Escola de Música e Artes Cênicas – UFG/Projeto de Extensão – Oficinas de
Música e de Teatro; e Sociedade Cidadão 2000/Núcleo CEACA). Durante o semestre, os
sujeitos conviveram com a câmera filmadora (sempre foi posicionada em um canto da sala
para não chamar muita a atenção, levando a mudança comportamental dos grupos) e com
32
O CEACA – Centro de Atendimento à Criança e ao Adolescente – é uma unidade da sociedade Cidadão
2000, que tem como objetivo, atender a todos adolescentes inseridos no mercado do trabalho informal
(engraxates, vigias e lavadores de carros, vendedores ambulantes) nas ruas de Goiânia.
33
As fitas de 8mm quando transportadas para fitas de vídeo VHS através do sistema LCP, totalizam
aproximadamente 6 (seis) horas/fita.
89
5.4. INTERVENÇÕES/AULAS
Alguns ocorriam durante as intervenções/aulas, com mais freqüência, outros foram criados
a partir das necessidades de cada grupo. Portanto, após o primeiro encontro com os
sujeitos, as Intervenções/Aulas foram estruturadas da seguinte maneira: 1) Momento
Inicial , que foi o momento de organização da sala (disposição das cadeiras e estantes de
música), de afinação dos instrumentos e de ambientação dos alunos; 2) Momento Revisão,
que foi o momento de revisão do conteúdo da aula anterior; 3) Momento Conteúdo Novo,
que foi o momento de introdução do(s) conteúdo(s) novo(s); 4) Momento Finalizador,
que foi o momento de finalização da intervenção/aula, apresentando algum conteúdo novo
como forma de antecipar o que ocorreria na próxima aula; ou apenas finalizando a mesma
através da exposição de qual seria o conteúdo programado para a próxima
intervenção/aula.
Em determinado momento do semestre letivo, os conteúdos novos foram
esgotados, seguindo o Planejamento Semestral. O Momento Revisão e o Momento
Conteúdo Novo deram lugar ao Momento Fixação e Amadurecimento. A introdução
desse momento, se deu a partir da necessidade de fixar os conteúdos que já tinham sido
dados anteriormente, com objetivo de amadurecimento técnico-musical dos sujeitos do
grupo. Eventualmente, ocorreu o Momento Relaxamento, principalmente com os sujeitos
do grupo CEACA, que foi caracterizado pela prática de exercícios com objetivo de relaxar
os sujeitos dos grupos (aliviar às tensões extras), trabalhando-se o alongamento muscular e
as articulações de todo o corpo. Buscou-se, da mesma forma, trabalhar-se nesse momento,
a consciência corporal34, coordenação motora, concentração e o despertar da afetividade,
modificando a auto-estima. No final do semestre, surgiu o Momento Ensaio, as
intervenções/aulas finais, com o objetivo de preparar os sujeitos para os recitais finais
(ênfase ao repertório).
Segue-se a descrição de cada intervenção/aula, abordando o conteúdo musical
dado, o processo de desenvolvimento do ensino-aprendizagem e relações interpessoais e
sociais de cada grupo, através da iniciação instrumental de cordas, pela metodologia do
ensino coletivo.
34
A autora define ser consciência corporal, o entendimento (a consciência) de que os movimentos corretos
(naturais) do corpo auxiliam de maneira bastante positiva na prática musical (e o bem-estar do ser humano).
Por isso, através de exercícios físicos, buscou-se a postura correta (e pessoal) em cada sujeito,
desenvolvendo mudanças de hábitos e atitudes, a partir do conhecimento (conscientização) do (seu) corpo.
97
35
Os grupos que possuem menos de doze (12) alunos tem carga horária de duas (2) horas semanais, já os que
possuem mais de doze (12) alunos tem carga horária de três (3) horas semanais.
98
Comentário: Nesse segundo encontro, teve-se a presença de alguns alunos que não
estiveram presentes na primeira intervenção/aula. Com isso, trabalhou-se o mesmo
conteúdo afim de que todos pudessem compreender o que fora trabalhado anteriormente.
37
O posicionamento dos alunos ao andarem, ao sentarem, comparações com a dança (balé) ou com algum
esporte.
100
era diferente da pulsação individual de cada um, daí a importância de observar o que estava
sendo proposto ao grupo, através da regência.
Comentário: Nessa intervenção/aula foi observada uma melhora sensível dos alunos em
relação à pulsação, as pausas e a leitura musical. O grupo estava mais harmônico e
concentrado. Em conseqüência disso, os exercícios foram tocados, de maneira mais nítida
e sincronizada. Um momento interessante a ser destacado, foi introduzir o conceito de
ponto de aumento. Quando a professora/pesquisadora explicava que o valor do ponto de
aumento estava ligado ao valor da nota, um aluno sugeriu como recurso pedagógico, a
comparação metafórica do ponto de aumento ao juro matemático. “O ponto de aumento é
igual ao juro”, disse o aluno ao expor que quanto maior o valor monetário, maior será o
valor dos juros cobrados. Ao ser introduzida a mão esquerda, intensificou-se o trabalho de
percepção dos intervalos. Primeiramente, a professora/pesquisadora tocou várias vezes no
piano o intervalo re-mi (segunda maior) e pediu para os alunos escutarem; em seguida foi
pedido que os alunos cantassem o intervalo mencionado; por fim, foi pedido aos alunos
que achassem o mi, na corda ré de cada instrumento. Após a execução da nota mi, foi
trabalhado o processo de transporte da nota para a pauta (Teoria Aplicada). Foi
demonstrada a localização do mi em cada clave, para todos os alunos no quadro negro. Em
seguida, foram explicadas as noções de linha e espaço na pauta, de acordo com a seqüência
das notas. Neste momento, perguntou-se para cada aluno individualmente qual era a nota
demonstrada. Após a introdução da nota mi, introduziu-se as notas fá# e sol. Uma série de
exercícios curtos foi criada, a partir desses intervalos (em graus conjuntos, tanto
ascendentes quanto descendentes). Porém, não se introduziu a leitura musical, apenas
solfejou-se e executou-se no instrumento. Um comentário importante a ser feito, se refere
à introdução do fá#. Neste momento, não foi explicado o que significava o sustenido por se
caracterizar excesso de informação ao aluno. Explicou-se apenas que o nome do símbolo é
sustenido e que no momento certo, voltar-se-ia à questão.
Momento Conteúdo Novo: Apostila: “Na Pauta” (1ª Parte, Exercícios 4 e 5; 2ª Parte,
Exercícios 1-5; 3ª Parte, Exercícios 1 e 2; “Dedos” (Exercícios 1- 3, com o arco).
Momento Finalizador: Encerrou-se a aula falando sobre o conteúdo e objetivos da próxima
intervenção/aula.
Comentário: A aula foi iniciada com exercícios técnicos com a escala de RE M. Foi
necessário trabalhar-se de maneira mais específica a arcada. Com isso, foram propostos
exercícios com cordas soltas, trabalhando-se os mecanismos de ataque do arco. Pediu-se
para os alunos colocarem mais peso no arco, com o objetivo de melhorarem a sonoridade,
explorando notas longas e curtas (duração do som), forte e fraco, crescendo e diminuindo
do arco (intensidade do som). Após os trabalhos técnicos com o arco, foi introduzida a 1ª
peça musical “Brilha, Brilha Estrelinha”. A peça foi lida por partes. Fez-se o solfejo, antes
da execução instrumental. Foram discutidas noções sobre frase e forma musical.
Comentário: Como foi exposto, a partir da aula anterior, o objetivo principal das aulas foi
a fixação do conteúdo dado. Para que tal objetivo fosse alcançado com êxito, cada
exercício ou trecho musical foi repetido várias vezes, ou em conjunto ou individualmente.
A assistência manual foi feita para que os alunos relaxassem os músculos e encontrassem
uma melhor postura.
conteúdo da próxima intervenção/aula. Também foi discutido nos momentos finais da aula,
a música e suas várias áreas de desenvolvimento: percepção/sentidos; corporais/postura,
intelectuais, entre outros.
Comentário: A aula foi bastante produtiva. Naquele momento, faltavam nove (9)
intervenções/aulas, ou seja, pouco mais de 1 (um) mês para o recital final. O Grupo
COMUNIDADE, já havia trabalhado o programa que os grupos anteriores desenvolveram
durante o semestre inteiro. Portanto, o grupo citado, mostrou melhor desempenho que os
anteriores.
Comentário: A aula foi iniciada com exercícios técnicos visando a otimização da afinação
e o refinamento técnico. Primeiramente, o grupo tocou várias vezes a escala de maneira
ascendente e descendente. Após essa etapa, foi proposto aos alunos que fizessem o
seguinte exercício: um aluno tocaria a escala de RE M ascendente, em seguida, mantendo a
pulsação, o outro tocaria a descendente e assim sucessivamente, em um efeito “dominó”. O
exercício teve como objetivo trabalhar a percepção, a concentração e a pulsação dos
alunos. Na introdução da peça nova, “Brincando na Neve” do folclore francês, antes de
tocar com o arco, pediu-se para que os alunos solfejassem e tocassem em pizzicato, a
referida peça.
Comentário: A afinação e a sonoridade estavam muito boa, bem como, a leitura à 1ª vista.
Os alunos conseguiram tocar a peça “Brincando na Neve” inteira. Da mesma forma, os
alunos fizeram a leitura à 1ª vista de um arranjo do tema da “9ª Sinfonia”, de Beethoven.
Neste momento do semestre, os alunos estiveram somente trabalhando arranjos
harmonizados, à três e à quatro vozes.
Comentário: Revisou-se as peças já estudadas. Repetiu-se, cada trecho que precisava ser
melhorado. Introduziu-se a peça “A Conquista do Paraíso” visando tocá-la com o grupo de
veteranos. A parte que coube ao grupo COMUNIDADE foi a do acompanhamento, sendo
trabalhadas linhas melódicas mais simples. A melodia principal ficou a cargo dos alunos de
violino do grupo de veteranos, bem como, outras linhas melódicas mais elaboradas. O
programa do recital foi passado várias vezes, de maneira ininterrupta (como se já fosse o
dia da apresentação).
Comentário: A intervenção/aula não foi gravada, já que este era o dia do recital, havendo
ensaio com o grupo de veteranos. Preferiu-se gravar o referido recital.
Comentário: Nos dias de apresentações, os ensaios ocorreram horas antes dos recitais.
Primeiro, afinava-se os instrumentos e ensaiava-se na própria escola. Faltando uma hora
para iniciar o recital, ensaiava-se no local de cada evento. Foi importante para os alunos,
ensaiar nos locais das apresentações, para que se ambientassem, trazendo mais segurança e
tranqüilidade. Cada local tem um espaço físico diferente, que influencia na acústica. Por
isso, tornou-se importante conduzir o ensaio final no local da apresentação, para que se
decidisse como seriam dispostas as cadeiras, por onde entrar e sair do palco e ainda, para
que se soubesse de antemão como soaria as peças naquele ambiente específico. Nesses
dias, os ensaios não foram gravados. Somente os recitais foram registrados.
Comentário: O grupo COMUNIDADE teve a seu último encontro sozinho (os outros dois
ensaios ocorreram com a presença do grupo de veteranos). As questões específicas do
grupo, como trechos das peças que deveriam ser melhorados e ajustes técnicos, foram
trabalhadas. Esse ensaio foi filmado.
Comentário: Trabalhou-se o repertório do recital final. Esses dois últimos ensaios não
foram filmados.
114
39
Desde 2000, em seis (6) semestres de funcionamento da Oficina de Cordas, EMAC/UFG, , foram iniciados
sete (7) grupos de iniciantes/leigos em música.
115
para a iniciação instrumental e o grupo correspondeu, com uma boa técnica instrumental,
afinação e compreensão dos conteúdos teóricos.
Observou-se nas relações interpessoais, o respeito mútuo, a cooperação e a
solidariedade entre os sujeitos. Nesse sentido, notou-se uma mudança no
comportamento dos sujeitos do grupo, que gradativamente foram tendo uma maior
participação, disciplina, concentração, organização, desempenho, consciência
corporal e assimilação e acomodação dos conteúdos, provocando a transformação
individual, de cada sujeito e a transformação coletiva, do grupo.
Comentário: Alguns alunos novatos estiveram presentes nessa aula. Com isso, os aspectos
abordados na aula anterior foram revisados, para que todos pudessem acompanhar o
conteúdo explorado. Neste grupo, a lista de freqüência era feita oralmente, para demonstrar
a importância da assiduidade, despertando o senso de responsabilidade e compromisso dos
alunos.
Comentário: Essa foi a primeira intervenção/aula filmada. O clima da aula estava agitado.
Os alunos não conseguiam ficar quietos: falavam simultaneamente com a
professora/pesquisadora. Assim, não conseguiam escutar o quê estava sendo solicitado a
eles. Perguntou-se a todos, qual era a nomenclatura das cordas soltas dos instrumentos.
Rafael respondeu corretamente, se destacando do restante do grupo. Iniciou-se o trabalho
de percepção através dos instrumentos. Pediu-se para que os alunos ferissem uma corda
deixando o som prolongar-se até não mais ouvi-lo. Da mesma forma, pediu-se para que
contassem esses sons longos. Essa atividade torna-se interessante pelo trabalho de
percepção e contagem dos sons, contribuindo para uma maior concentração de um grupo.
Porém, foi observado que os alunos tinham dificuldade em ficar quietos e em silêncio,
demonstrando a falta de concentração. Com isso, após a seqüência de notas longas, foi
trabalhado a contagem dos sons em voz alta, a partir do LA 7 segundos até o LA 1
40
A Sociedade Cidadão 2000 é uma ONG, porém, está ligada à prefeitura de Goiânia, a partir de uma
parceria. Por ser o prefeito de Goiânia do Partido dos Trabalhadores, o Professor Pedro Wilson, a aula foi
filmada para ser demonstrada como uma ação da prefeitura no campo social. Vê-se que o poder público já
enxerga, de certa forma, a função social da arte e da música, valorizando as experiências bem-sucedidas.
117
Comentário: Dois alunos novos foram assistir a intervenção/aula. O grupo estava mais
tranqüilo do que na aula anterior. Na distribuição das apostilas por estante (é de praxe ser
utilizada uma estante para cada dois alunos), houve o primeiro conflito do dia: Everton não
queria dividir a estante. Após o conflito inicial ser resolvido, foi solicitado para que Rafael
lesse o exercício. No momento em que o aluno iniciou a leitura métrica, os outros alunos
começaram a ler simultaneamente. Iniciou-se aí, uma nova discussão e tumulto. Alguns
alunos reivindicaram que se iniciasse o trabalho com o arco. Foi explicado aos mesmos
que seria necessário passar por estágios, antes de iniciar o trabalho com o arco. No
momento da explicação da professora/pesquisadora, alguns alunos se movimentavam em
excesso, tocavam os instrumentos e conversavam sem se preocupar com o quê estava
sendo dito. Houve dispersão. Em um segundo momento, a professora/pesquisadora
perguntou ao grupo quais eram as notas soltas e seu posicionamento em cada instrumento.
Todos responderam. Foi observado que quando um aluno errava, os outros o criticavam,
denotando o espírito competitivo e desrespeitoso. Novamente a professora/pesquisadora
ressaltou: “Aqui todos podem errar! É bom errar!”. Propôs-se a divisão do grupo para a
execução dos exercícios. Foram iniciadas novas discussões. Foi observado que, na maioria
das vezes, que era solicitada à repetição de algum exercício, os alunos não gostavam e
reclamavam. Notou-se a falta de senso crítico e de comprometimento por parte dos
mesmos (do jeito que saísse o exercício estava bom). Dinâmicas de grupo foram utilizados
para modificar o clima da aula. Foi solicitado que quando um naipe tocasse, os outros
ficariam atentos, observando em silêncio. Porém, ainda, alguns tocavam juntamente com
os alunos solicitados, atrapalhando o grupo. Pediu-se pra que determinado exercício fosse
repetido. Nesse momento, Everton reclamou novamente de maneira agressiva. A
professora/assistente ressaltou que era preciso ter paciência e que os professores estavam
119
ali somente para ajudá-los. A professora/pesquisadora pediu para que um aluno lesse e
Everton interferiu, começando a ler. Foi explicado que cada um terá a sua vez de fazer a
leitura em voz alta. Novamente, Everton respondeu de maneira agressiva, instalando-se,
mais uma vez, um clima de confusão. A professora/pesquisadora disse aos alunos que os
mesmos não estavam contribuindo para o melhor desenvolvimento da aula. Foi observado
que a cada novo exercício, perdia-se muito tempo com a indisciplina. Foi dito ao grupo que
a aula só seria continuada se todos ficassem em silêncio. Everton tumultuou a aula
novamente. A professora/pesquisadora expôs que seria necessário ter vontade e respeito
para que eles pudessem aprender algo. Ainda, foi ressaltado que se poderia ficar com
apenas um aluno do grupo, mas se o mesmo quisesse realmente estudar. Pode-se observar
que a indisciplina e a falta de respeito são comuns na vida desses meninos. Além disso, a
atitude de Everton denota uma grande carência, querendo sempre chamar a atenção de
todos e se destacar. Reiniciou-se a seqüência de exercícios, porém, Everton ainda interferia
de maneira negativa, atrapalhando o andamento da aula. Foi solicitado que cada um
tocasse individualmente. Todos começaram a interagir no grupo de forma organizada, cada
um na sua vez. Everton pediu para ir ao banheiro, lhe sendo consentido. Quando o aluno
permaneceu fora de sala, o clima da aula foi mais tranqüilo, silencioso e concentrado. As
dinâmicas de grupo aconteceram, com o objetivo de motivar os alunos à participação, a
partir da colaboração e da disciplina de todos. O direcionamento da aula foi participativo:
ninguém era obrigado ou forçado a fazer alguma atividade e/ou exercício. Os conteúdos
foram colocados de maneira amistosa, através de perguntas, buscando a participação de
todos sem imposição ou obrigatoriedade. Porém, durante a aula sempre foi ressaltado o
respeito ao outro (colegas e professores) e quais as atitudes e o comportamento adequado
que deveriam desenvolver naquele ambiente.
Momento Inicial: Afinação dos instrumentos, organização da sala e exploração sonora dos
instrumentos.
Momento Relaxamento: Exercícios de alongamento e relaxamento (consciência corporal).
Momento Revisão: Exercícios com as cordas soltas (seqüências criadas sem o uso da
leitura); Trabalho de postura: como sentar.
Momento Conteúdo Novo: Introdução momento relaxamento; nomenclatura das partes do
arco.
Momento Finalizador: A fita acabou nos momentos finais da intervenção/aula.
Comentário: A intervenção/aula foi iniciada, novamente, com uma discussão (um aluno
criticando o outro). Enquanto esperavam o início da intervenção/aula, no pátio da escola,
alguns alunos se envolveram em uma brincadeira – “Guerra de Água” - que terminou em
agressão. Como todos estavam molhados, foi permitido que fizessem a aula sem camisa.
Alertou-se aos alunos, que eles deveriam esperar pelo início da aula, de maneira mais
tranqüila, não se envolvendo em confusões. Foi frisado que, a partir do momento que
entrassem em sala, já seria considerada a aula como iniciada. Passou-se a um debate. Cada
aluno expôs sua opinião sobre o ocorrido (a “Guerra de Água”). Rafael expôs que eles
chegam muito cedo para aula, por isso, ficam esperando muito tempo. Desta forma,
prosseguiu, todos se cansavam de esperar e começavam a fazer bagunça. A
professora/assistente sugeriu que os alunos chegassem 14:10, ao invés de chegar mais
cedo. Até então, a aula sempre iniciava às 14h, com a afinação dos instrumentos. A partir
desta modificação, quando o grupo chegasse, os instrumentos já estariam afinados. Todos
concordaram com a sugestão, que passou a ser acatada. Josimar pediu para trocar de
instrumento (trocou a viola pelo cello), apesar de já se estar na 6ª intervenção/aula. Everton
iniciou uma discussão, dizendo que não se poderia mais trocar de instrumento e que ele
queria tocar o violoncelo sozinho. Neste momento, a maioria manifestou a vontade de
experimentar um outro instrumento. A professora/pesquisadora consentiu que todos
experimentassem, mais uma vez, outros instrumentos, porém, os alunos foram advertidos
que deveriam optar definitivamente por um instrumento. Após a experimentação, em um
segundo momento, foi pedido para que os alunos deixassem os instrumentos de lado e se
levantassem. Foi introduzido o Momento Relaxamento, com o objetivo de melhorar a
postura corporal de cada um, bem com, amenizar as tensões (tanto físicas quanto
122
41
Thelma Chan, pedagoga paulista, trabalha com musicalização infantil e Canto Coral. Utiliza técnicas de
aquecimento, alongamento, relaxamento corporal, despertando “o corpo para o trabalho, mas também
desenvolvem o ritmo interior, a coordenação, a atenção, a prontidão e a integração, entre outros objetivos que
você vai descobrindo a cada ensaio” (2001, sem página).
42
Cristina Tourinho (1995), em sua dissertação de mestrado e na entrevista concedida para a presente
pesquisa, também discorre sobre a importância do aluno ter um modelo “espelho” para ajudá-lo na
aprendizagem, destacando que no ensino em grupo, o “espelho” não está somente na figura do professor,
mas também do colega.
123
43
Gainza (1977) dedicou-se ao estudo da improvisação no processo de musicalização, e acredita que “el
juego musical libre y espontáneo, de caráter sonoro-rítmico-melódico-armónico, realizado a través de la
actividad vocal-corporal-instrumental, promueve uma metabolizacion o recreación totalmente personal de los
elementos absorvidos” (p.66)
124
lado criativo de cada um. Percebeu-se a satisfação dos alunos em receber os aplausos.
Buscou-se preparar os alunos para a situação de performance, trabalhando-se a postura de
palco, a disciplina, a concentração, a criação e o agradecimento ao público por parte do
“solista”. Por outro lado, o “público” deveria ficar em silêncio, apreciando a criação do
colega, trabalhando-se o ouvir através do respeito, da cooperação, da solidariedade, entre
outros. Pode-se afirmar que essa atividade foi bastante enriquecedora, onde foram
trabalhadas as questões mencionadas, em um clima de descontração positiva, propício ao
ensino-aprendizagem. Nota-se que o trabalho pedagógico foi redirecionado a partir das
necessidades do grupo, sendo visadas as questões relacionadas, à auto-estima e ao resgate
da cidadania através da educação. Ao final da aula, os alunos correram para ver a câmera
filmadora de perto e Francisco fez o seguinte comentário: “Cada um é mais feio que o
outro!!” . Marcelo fez um gesto obsceno. A professora/pesquisadora disse: “Gravou,
viu?”. Nota-se que a baixa estima foi demonstrada através do comentário depreciativo em
relação aos colegas, ao mesmo tempo, que o gesto obsceno pode ser interpretado como a
necessidade de chocar (de se fazer presente) através da agressividade e da falta de respeito.
Comentário: Dois novos alunos foram recebidos em sala de aula. Os alunos novatos foram
trazidos pelo CEACA para terem a oportunidade de vivenciar uma aula de música e
instrumentos musicais. A intervenção/aula foi iniciada com o trabalho de relaxamento e
alongamento. Na seqüência, passou-se para a atividade do despertar da afetividade, através
do abraço imaginário. O Momento Relaxamento foi importante na ambientação do grupo
em sala, trazendo, além do relaxamento e alongamento, a atenção e a concentração. Ainda
neste momento, foi trabalhada a imaginação contextualizada. Pediu-se para que
imaginassem a dança de rua ou o break dance, com o intuito de manter os ombros
relaxados, braços fixos e movimentar apenas o antebraço, a partir do cotovelo.
Primeiramente, o movimento foi demonstrado e em seguida, os alunos fizeram o mesmo
125
movimento. Poderia ter sido pedido que os alunos repetissem o movimento, não utilizando
a imaginação contextualizada, ou seja, não relacionando o movimento ao cotidiano dos
alunos. Porém, a assimilação não seria a mesma. Antônio (aluno veterano e do grupo
COMUNIDADE) chegou para assistir a aula. O mesmo foi apresentado ao grupo,
estimulando a sociabilização e a integração de todos. O grupo estava agitado. Pedro e
Roberto queriam trocar de instrumento (o trato da aula anterior foi relembrado). O
Momento Revisão foi iniciado com a seguinte pergunta: “Quem vai falar para a Bruna
qual é a 1ª corda do violino? Todos levantando o dedo indicador:“Eu, eu”. Durante o
processo, buscou-se a integração e a participação dos alunos através de perguntas. Em um
outro momento, Pedro e Roberto insistiram em trocar de instrumento. A
professora/assistente advertiu: “Vocês tem que aprender a gostar do instrumento que vocês
tocam?”. Iniciou-se a revisão de alguns exercícios, a partir das cordas soltas (em
pizzicato) para que os alunos novos pudessem acompanhar o grupo e que os restantes
pudessem fixar o aprendizado. Insistiu-se no trabalho de otimizar a duração de notas e a
pulsação, reforçando o trabalho de concentração, memorização, percepção, sincronismo
(pulsação do grupo) e postura. Quando o trabalho de leitura foi iniciado, ocorreram alguns
incidentes, devido ao comportamento dos alunos, que criticavam e corrigiam uns aos
outros, de maneira desrespeitosa. Os mesmos foram advertidos pela
professora/pesquisadora: “Ninguém pode falar na hora do exercício (criticando o outro)! E
quem corrige aqui são só os professores!”. Observou-se a melhora da pulsação a partir de
uma melhor interação (sintonia entre os indivíduos) do grupo. Da mesma forma, observou-
se que ainda a duração das notas ainda não estava exata. Observou-se uma certa ansiedade
em relação a alguns integrantes do grupo, que queriam ir para frente, não vivenciando e
assimilando cada momento. Determinados alunos permaneciam inquietos. Luiz mexeu nas
cravelhas provocando a quebra de uma corda. Nesse momento, foi esclarecido para os
alunos que deveriam manter-se mais tranqüilos e serenos. Foi exposto que o Recital Final,
que era o objetivo final do semestre, já estava se aproximando e que todos deveriam
concentrar-se mais, levando mais “a sério” aquela atividade. No momento das explicações,
outro conflito surgiu: dois alunos “disputavam” a estante de música. Foi falado para o
grupo, que todo ser humano deve saber dividir as coisas e o espaço, tanto em casa, com a
família, como na escola, com os amigos. Retornando-se aos exercícios da apostila,
trabalhou-se da mesma forma que nas aulas anteriores: a primeira vez, com solfejo ou
leitura métrica, depois, tocando (ora todos juntos, ora em naipes), sendo observados as
126
qual era a postura desejada, o foco foi transferido para o cotidiano dos alunos. Perguntou-
se como era a postura de cada um no dia-a-dia: “Como vocês andam? Como vocês
carregam a caixa de engraxar? Como vocês sentam para engraxar o sapato?”. Todos
demonstraram. Após a demonstração de cada um, a professora/pesquisadora demonstrou a
forma correta de sentar para a atividade de engraxate e pediu para que todos imaginassem
estar engraxando sapatos naquele momento (imaginação contextualizada). Após a
atividade criativa de imaginação-mímica (criação e movimento/ mente e corpo), a mesma
postura foi transferida para a performance do instrumento. Pediu-se para que a
professora/assistente tocasse com o grupo, no semicírculo, no sentido de motivar e
estimular os alunos. Em determinado momento, a professora/assistente corrigiu Luiz, que
não aceitou o auxílio, ficando nervoso e emburrado. Percebe-se que os alunos não
aceitavam as correções como crítica construtiva, mas como uma repreensão. No momento
da execução do exercício 3, da fase “Contando”, 3ª Parte, foi pedido para que todos os
alunos tocassem sozinhos, para que fosse verificado o aprendizado técnico-musical de cada
um. Pediu-se que no final de cada execução que os demais alunos aplaudissem o colega
solista, reforçando o trabalho de respeito mútuo, cooperação e solidariedade. Após a
atividade, perguntou-se: “O quê é mais difícil: tocar sozinho ou em grupo?” . Alguns
responderam: “Sozinho!” e outros: “Em grupo!”. Insistiu-se na importância do trabalho
em grupo e de todos tocarem juntos, novamente utilizando-se a imagem do time de futebol:
“Quando a bola estiver com o zagueiro ou goleiro na defesa, o atacante deve observar
como a bola está sendo conduzida para ele fazer o gol !”. Pediu-se para que todos
prestassem atenção em si (perceber a si próprio/seu papel) e nos colegas dentro do grupo
(perceber o outro). A fita foi acabou e foi substituída por outra. Nesse momento, a
professora/pesquisadora pediu para que prosseguissem com os exercícios. Rafael, antes de
iniciar o novo exercício, disse: “Postura!”, como uma forma de participar ativamente do
processo pedagógico. Roberto completou na tentativa de agredir o colega: “Tem que ter
postura de macho!”. A professora/pesquisadora intervém: “Não quero saber dessa
brincadeira!(...) Isso é coisa séria (...) A primeira coisa que eu quero de vocês aqui é o
respeito! (...) Se você xingar ele, dá o direito para ele te xingar. Se você bate nele, dá
direito dele te bater. Tudo que a gente faz na vida tem conseqüência!”. A série de
exercícios foi interrompida para a discussão desse fato. A professora/pesquisadora falou da
importância de se ter respeito, esclarecendo que se alguém agride o outro, dá chance para o
outro revidar. Utilizando-se de metáfora, prosseguiu: “Tudo que a gente planta, a gente
128
colhe! Se planta coisa boa, se estuda, trabalha, colhe coisa boa. Se planta coisa errada,
colhe coisa errada. Tem que se plantar o respeito e o amor!”. Na tentativa de esclarecer
que ali ninguém era melhor que ninguém, que o elogio a um aluno não significa que o
mesmo é melhor do que os outros, que a correção não significa repreensão e o respeito
deve ser sempre mútuo, prosseguiu: “O quê eu sou de vocês?”. Eles responderam:
“Professora!”. Prosseguiu-se: “E a Esther?”. Os alunos responderam da mesma forma:
“Professora”. Insistiu-se: “Quando a gente vai para a escola a gente quer o quê?”. A
maioria do grupo responde: “Aprender!” e Roberto respondeu sorrindo: “Bagunça!”.
Nota-se a intenção do aluno de chocar, a partir do comportamento que julga ser
transgressor. A professora/pesquisadora esclareceu a relação professor/aluno: “Não é só
vocês que aprendem não! Eu aprendo, a Esther aprende (...) O ensino é uma troca. Vocês
ensinam a gente, a gente ensina vocês. A gente quer o melhor para vocês. Não leve a mal
quando a gente corrige vocês. A gente quer o melhor para vocês, que vocês aprendam
mais!”. Em seguida retornou-se aos exercícios e foi observada a mudança de
comportamento. O quê se buscou com essas discussões foi conscientizar o grupo, a partir
do estabelecimento de confiança entre as parte (os professores e o grupo). Os alunos estão
mais concentrados, executando os exercícios com mais exatidão (e essa mudança foi
destacada ao grupo). Porém, Roberto mantém o comportamento disperso e indisciplinado,
agredindo verbalmente o colega, Luiz. Nesse momento, o Roberto foi lembrado que deve
existir o respeito entre as pessoas. Para finalizar a aula, iniciou-se o trabalho com o arco.
Mais uma vez, a professora/pesquisadora pediu para terem cuidado com a postura, citando
os nomes, para facilitar a conscientização de cada aluno sobre a sua postura, para que
tentassem melhorá-la. Luiz reagiu com agressividade à crítica construtiva, demonstrando
que o trabalho de ensino-aprendizagem deve ser feito de acordo com a realidade do grupo,
sem pressa ou ansiedade. Após o encerramento da aula, Daniel correu para câmera e sorriu
acenando.
Comentário: A aula foi iniciada com uma breve revisão, para que a aluna visitante (novata)
acompanhasse o grupo. Renato auxiliou a aluna, demonstrando solidariedade e cooperação.
A professora/pesquisadora convidou os alunos a irem ao concerto da Orquestra Sinfônica
Municipal, no Teatro Goiânia, no domingo, pela manhã (dia 29/09/02)44. Perguntou-se
para os alunos, quem gostaria de ir e ficou definido o encontro na porta do teatro às
10:30h. Prosseguiu-se com os exercícios, introduzindo o conteúdo novo. Em determinado
momento, durante a execução de um exercício, Roberto reclamou em voz alta, com
irritação, não ter entendido qual foi o exercício pedido. A professora/pesquisadora
esclareceu: “Eu disse número cinco. Se você não conseguiu, a gente passa de novo! A
gente está aqui para aprender!” . Porém, enquanto dialogava-se com Roberto, os outros
alunos começaram a dispersar, conversando com o colega ao lado. A
professora/pesquisadora falou: “Vocês querem que eu fale alto?” (aumentando o volume
da voz). Todos olharam espantados. Prosseguiu-se: “Mas eu não vou falar alto!”
(diminuindo o volume da voz) “Eu não gosto de gritar. Eu não vou gritar! Sabe por quê?
Eu tenho mais cinco aulas e eu não sou de gritar com ninguém. Eu gosto muito de todo
mundo aqui, mas eu estou trabalhando, estou trabalhando sério! Não quero brincar não!”
. Marcelo começou a conversar, quando lhe foi dito: “Vamos brincar Marcelo? Vamos
brincar? (...) Eu quero que você me escute com respeito porque eu estou respeitando
vocês! Não estou?” . A resposta foi afirmativa e prosseguiu-se: “Então, eu quero respeito
também! Eu estou aqui trabalhando com vocês e vocês vão ter que escutar a minha voz
dessa forma! (em um tom natural)”. Nota-se que os alunos estão acostumados a falar ao
mesmo tempo, a não respeitar o outro (nem o professor) de maneira involuntária. Foi
observado que os alunos se dispersavam com facilidade. Da mesma forma, nota-se que os
mesmos estão acostumados à repressão e a gritos. Para eles, felizmente, esse tipo de
abordagem (sic!) não funciona. Para finalizar a aula, os alunos pediram para fazer a
44
O episódio foi extremamente produtivo e torna-se interessante relatá-lo. Conforme o combinado, cheguei
ao Teatro Goiânia às 10:30h, lá já estavam Daniel, Luiz e Júnior (que ainda não era aluno da Oficina de
Cordas). Enquanto me esperavam, estavam vigiando os carros (para não perder a oportunidade de ganhar
mais uns “trocados”). Com suas vestes simples, adentraram no teatro em minha companhia. Expliquei como
seria o concerto e como deveriam se comportar. Para minha surpresa o comportamento dos meninos foi
impecável. Atentos, sem se moverem, olhos brilhavam. No intervalo, pediram para sair e não voltaram mais.
Fiquei encabulada. Pensei: “Pelo menos já haviam assistido a metade do concerto!”, um fato raro para
crianças daquela idade. Ao término do concerto, quando saí do teatro, os encontrei vigiando os carros, me
despedi e pensei : “Esses meninos não perdem tempo!” . Na aula seguinte, os alunos me contaram o quê
havia ocorrido: no intervalo foram ver ser recebiam alguns “trocados” por vigiarem os carros, quando
tentaram retornar, foram BARRADOS pelos porteiros e seguranças do teatro. Fiquei estarrecida! Um teatro
PÚBLICO, uma apresentação com ENTRADA LIVRE, não deveria atender a TODOS os cidadãos? Neste
momento, através desse relato, questionei se aquelas crianças poderiam ser consideradas cidadãs!
130
Comentário: A aula foi iniciada com comentários sobre o concerto. Os dois únicos alunos
do grupo que assistiram, Luiz e Daniel, relataram a experiência. Os alunos estavam
agitados e conversando muito. Foi perguntado: “O que mais te chamou atenção, Daniel?”.
Ele respondeu: “Foi os músicos tocando todos juntinhos!”. Em seguida, observou que
tinha gostado de um trecho de uma peça em pizzicato. Josimar (com ciúmes) respondeu
que o quê Daniel tinha mais gostado era a “comida lá de fora” do teatro. Perguntou-se,
ainda, para Daniel: “E a música estava bonita?”. A resposta foi: “tava!” . Iniciou-se o
trabalho de relaxamento. Na seqüência, os alunos começaram a conversar sobre um grande
roubo ocorrido no setor aonde eles moram. A professora/pesquisadora perguntou o quê
tinha ocorrido e os alunos passaram a relatar. Roberto afirmou que era melhor “travar”
(roubar) uma câmera filmadora (referindo-se a que se utilizava no experimento) do que
ficar estudando para ficar rico. Era melhor “travar” e comprar maconha. A
professora/pesquisadora questionou: “Vocês acham que (o crime) compensa?”. Roberto
respondeu assustado: “Não é eu não!”, referindo-se que não era vontade sua ter aquele
tipo de atitude. Prosseguiu-se: “Eu acho que não compensa. Sabe por quê? Porque tudo
que a gente faz hoje, reflete no futuro!” esclareceu novamente a professora/pesquisadora.
131
selva como o Tarzan, a gente iria procurar um cachorro, um macaco, um elefante para ser
nosso amigo. Na escola a gente fica isolado?”. Roberto respondeu: “Eu fico!”. Perguntou-
se: “Não faz amizade com ninguém?” . A resposta foi: “Não!” . Diante da resposta do
aluno, a professora/pesquisadora insistiu: “Todo mundo convive. A gente sempre convive
com o outro e por isso, a gente tem que fazer de tudo para que a convivência seja melhor
(...) Não se deve revidar quando alguém te xingar. Quando der vontade de xingar alguém,
faz um elogio!” . Voltou-se aos exercícios de leitura (escrita esquemática). Após esse
trabalho, introduziu-se a leitura musical. As noções teóricas foram passadas a partir do
quadro negro: pauta, claves (sol, fá e dó), compasso (quaternário, ternário e binário),
figuras musicais (semibreve, mínima, semínima). Nesta aula, optou-se por trabalhar a
leitura rítmica, sendo observados apenas o valor das figuras musicais (duração). Após a
leitura, passou-se a tocar a seqüência em alguma corda solta ou em cluster (blan)45. O saldo
da aula foi extremamente positivo: a boa concentração e a disciplina do grupo, acarretou
em uma boa leitura e pulsação. A aula terminou em clima de euforia e aplausos.
45
Lembrou-se de atividades e estratégias de exploração sonora e criativa de instrumentos musicais, utilizadas
pela autora em sua pesquisa anterior acerca do ensino coletivo de violão, para crianças, via metodologia
criativa (Cruvinel /2001).
133
Momento Revisão: Claves e Figuras Musicais. Apostila: “Na Pauta” (1ª Parte, Exercício 1
(Leitura Rítmica em cluster/blan).
Momento Conteúdo Novo: Introdução das notas musicais ré e lá (cordas soltas) na pauta
Apostila: “Na Pauta” (1ª Parte, Exercício 2 e 3).
Momento Finalizador: Distribuição de lembrancinhas em comemoração ao Dia das
Crianças (copo decorado com um coração, contendo pirulito, bombons e balinhas). Por
outro lado, os meninos distribuíram convites para uma atividade no dia 11/10/02, no circo,
em comemoração ao Dia das crianças.
Comentário: A aula foi iniciada com o trabalho de relaxamento. Foram revisados alguns
elementos e conceitos teóricos. Primeiramente, utilizou-se o quadro negro. Depois, os
conteúdos foram transpostos para os instrumentos: os alunos tocaram os exercícios da
apostila. Quando o trabalho com leitura musical foi iniciado, a intervenção/aula foi
interrompida pela imprensa46. Após as fotos, voltou-se para o trabalho de leitura musical,
porém já faltavam poucos minutos para o término da intervenção/aula. Observou-se que a
leitura melhorou, assim como o comportamento dos alunos.
Comentário: A aula foi iniciada destacando ao grupo que o recital final já havia sido
marcado e que naquela altura já estávamos na metade do semestre. Portanto, eles deveriam
ter mais atenção e concentração. Procurou-se incentivar o grupo dizendo que o recital seria
em um teatro bonito, com um palco enorme e ar condicionado (referindo-se ao teatro da
EMAC/UFG, Campus II). Roberto disse que não queria ficar como um “palhaço” lá na
frente. Nota-se a baixa auto-estima do aluno. Porém, Rafael estimulou o colega: “Quando
um errar, quem está na platéia não saberá quem errou”. A professora/pesquisadora
advertiu que todos poderiam errar e que não precisavam ficar tensos e/ou inseguros. Pediu-
se para ninguém faltar mais às intervenções/aulas. Os alunos estavam agitados, tocavam e
mexiam nos instrumentos enquanto as professoras falavam. Foram iniciados os exercícios
de relaxamento. A cada novo exercício, fez-se a leitura métrica ou o solfejo antes de tocar.
46
A imprensa foi até a escola para tirar fotos do grupo, para uma matéria veiculada no Jornal “O Popular”, do
dia 12.10.02.
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Porém, notou-se que os alunos, ainda, tinham dificuldade de manter-se na postura correta,
proporcionando um melhor posicionamento para o instrumento. Após essa
intervenção/aula os alunos ficaram catorze (14) dias sem ir a EMAC. No 18.10.02, todos
alunos faltaram, alegando terem confundido o horário (pensaram que não haveria aula por
causa do feriado); no 23.10.02, o grupo faltou devido à falta de transporte (já que eram os
funcionários do CEACA que levavam o grupo para a EMAC) e por fim, no 25.10.02, não
houve aula, pela ocasião de feriado municipal (Aniversário de Goiânia).
Comentário: Depois de catorze (14) dias sem aula, expôs-se que faltava apenas um mês
para o recital. Josimar falou: “Então vamos ter que ter aula todos os dias!” . O grupo foi
advertido que deveria aproveitar-se, ao máximo, o tempo da aula, já que as professoras
tinham outros compromissos profissionais, por isso, o grupo teria que se esforçar, naquele
momento. No início da aula, o grupo estava disperso (as duas semanas sem aula,
prejudicou o desenvolvimento do grupo): “Vamos todo mundo concentrar? Não quero ver
ninguém olhando pro lado!”. Primeiramente, trabalhou-se a postura (os alunos
continuavam a ter problemas em se manter posição correta). Iniciou-se os exercícios
instrumentais, revisando a leitura musical. Os alunos continuavam inquietos, falando ao
mesmo tempo, sendo solicitado o silêncio de todos. Porém, grande parte dos alunos
começou a resmungar, iniciando uma discussão sobre a concentração e disciplina: “Na
Orquestra todos ficam quietos, na postura certa!”. Os alunos silenciaram-se: “Olha como
é bom quando vocês ficam em silêncio! Vocês não ficam com dor de cabeça quando todos
falam ao mesmo tempo? Quando todos falam, vocês não me entendem porque não
conseguem escutar! (...) Todos concentrados, com organização! Quando quiser sair,
levante o dedo, quando quiser falar, levante o dedo. Cada um deve falar de cada vez senão
ninguém entende nada!”. Os exercícios foram reiniciados. A professora/pesquisadora
pediu aos alunos que se esforçassem mais. Neste momento, um aluno disse que eles não
conseguiam por serem engraxates. Nota-se, mais uma vez, a baixa auto-estima e auto-
valorização: “Não é porque você é engraxate, que você é pior que os outros. Se você olhar
135
para o lado, vai ter gente que tem mais problemas que você!”. O comentário teve como
propósito incentivar, motivar e melhorar a auto-estima de todos. Rafael citou o exemplo de
um deficiente físico. A professora/pesquisadora discutiu um fato veiculado nacionalmente
em relação à recuperação do iatista Lars Grael, que após perder uma perna em um
acidente, não desanimou. Naquela semana o atleta competira, apesar da deficiência física,
sagrando-se vencedor. Através deste exemplo, buscou-se incentivar os mesmos à ação (ou
reação?): “Tem gente que tem mais dificuldade que vocês (...) Tem gente que não tem
condição de estudar, de trabalhar. Não tem condição mental de saúde (...) Vocês são
saudáveis, são pessoas inteligentes! Vocês têm potencial, mas estão desperdiçando esse
potencial !”. Citou-se um exemplo concreto: “Olha o Lula. Ele nasceu no nordeste, na
seca, tinha dia que não tinha o que comer. Poderia ter se transformado em um ladrão.
Olha hoje o quê ele é?”. Rafael disse sorridente: “Ele foi engraxate!” (como eles). E a
professora/pesquisadora completou o raciocínio: “Hoje é Presidente da República”.
Buscou-se conscientizá-los do potencial de cada um, reforçando à auto-valorização e a
auto-estima: “Vocês não são coitadinhos, não!”. Após a discussão, voltou-se aos
exercícios. Os alunos demonstraram não ter paciência em repetir os exercícios. A
ansiedade era demonstrada através de atitudes de irritação e impaciência (parecia que
queriam que tudo acontecesse de imediato, com em um passe de mágica). Foi demonstrado
a eles à importância do processo. A repetição os levaria ao desenvolvimento de
habilidades, possibilitando, com isso, que pudessem vir a tocar seus instrumentos. A
professora/assistente relatou o fato de que uma orquestra faz vários ensaios para tocar em
um único concerto. Por outro lado, a professora/pesquisadora destacou que em uma
academia, os bailarinos ficam o ano inteiro preparando-se para dançar um ou duas vezes no
final do ano. Com isso, para que eles pudessem atingir o objetivo principal (recital), teriam
que se esforçar ao máximo. Após a conversa, retornou-se aos exercícios. Os alunos
estavam mais calmos, pareciam ter compreendido o quê lhes foi dito. Antes de iniciar o
trabalho com a mão esquerda, foi feito um trabalho de percepção. Primeiro, os alunos
escutaram a escala de Do M e depois repetiram cantando. Para introduzir-se a nota mi, fez
um trabalho de percepção com o intervalo de 2ªM (re-mi). O primeiro passo, ouvindo, o
segundo passo, cantando. Depois de assimilado o intervalo, o terceiro passo foi transpor
para o instrumento. Finalizando a aula, foi criada uma seqüência com as notas ré e mi, para
que o grupo pudesse solfejar e tocar.
136
Comentário: Neste dia, recebeu-se um aluno novato, Gabriel, que permaneceu na Oficina
de Cordas até os recitais finais. No momento relaxamento, foi feito um trabalho
interessante de musicalização, revisando os conteúdos teóricos ligados à leitura musical.
Inicialmente, trabalhou-se os parâmetros sonoros, grave e agudo. Na seqüência, foram
trabalhados os intervalos da tríade maior, a partir da nota dó, utilizando como parâmetro o
corpo (a nota dó seria localizada no umbigo, a ré, no peito e o mi, no nariz). Os alunos
entoavam os intervalos fazendo o movimento com as mãos, nas partes do corpo citadas47.
Improvisou-se algumas seqüências. Pediu-se para a professora/assistente tocar no piano
uma seqüência, para que se tentasse “adivinhá-las”, como em um ditado de intervalos, sem
escrita. Após essa atividade, tocou-se o intervalo ré-mi nos instrumentos, sem a leitura
musical, com o objetivo de fixar a afinação (toda a atenção dos alunos voltada para o
mesmo). Foram feitas algumas observações sobre a postura dos alunos, sobre como sentar
e segurar da maneira correta o instrumento. Voltou-se para apostila, trabalhando-se mão
esquerda (notas re-mi) e leitura musical. Após a leitura, fez-se rapidamente, mais uma vez,
o relaxamento, mas desta vez os alunos se mantiveram sentados. Antes de introduzir o fá#,
optou-se por trabalhar o pentacorde dó-sol (sem trabalhar a nota fá).
Comentário: A aula foi iniciada a partir do trabalho de percepção e solfejo do intervalo re-
mi. Em seguida foi demonstrada a localização da nota mi na pauta. Trabalhou-se o
exercício 1, ora em naipes, ora todo o grupo. Notou-se uma melhora sensível na afinação
47
Já existe uma técnica para o trabalho de percepção, utilizando-se às mãos, denominada Manossolfa (que
inspirou a criação da estratégia/exercício).
137
48
O educador musical japonês Shinichi Suzuki, desenvolveu um método de iniciação instrumental para
crianças, partindo da escuta e da execução instrumental, antes de se introduzir a leitura musical.
138
mais uma vez, todos faltaram à aula, por falta de transporte, prejudicando ainda mais, a
seqüência e o desenvolvimento do processo pedagógico.
Roberto a corrigir o seu posicionamento de arco, porém, ele não aceitou: “Me dá o arco
logo! Que enjoêra!” . A professora/assistente, por sua vez, observou: “Eu estou te
ajudando!”. Para que os alunos ficassem mais motivados, falou-se sobre o recital e o
programa previsto. Pediu-se para que a professora/assistente tocasse ao violino a peça “A
Conquista do Paraíso”, de Vangelis. Quando a mesma iniciou a execução, Roberto afirmou
agressivamente: “Que palhaçada!”. A professora/pesquisadora perguntou: “Ah é? Por
quê?”. Roberto abaixou a cabeça e começou a resmungar. Nota-se que o aluno não estava
pronto para apreciar a execução da peça, sem se sentir diminuído. Pediu-se que a
professora/assistente tocasse novamente. Após a execução, todos aplaudiram. Para que os
alunos sentissem a seriedade de apresentar-se em público e a liberdade de escolha que
tinham, a professora/pesquisadora perguntou: “Vocês querem participar do recital? Quem
quiser levante a mão?”. Todos levantaram. Nota-se que não há imposição. O quê sempre
se tentou demonstrar foi que depois de feita a escolha, o grupo deveria cumprir com o
compromisso assumido. Para isso, era preciso dedicação e seriedade. Discutiu-se o
programa do recital e o fato de estar estudando música ser uma oportunidade única. por
isso, não deveriam desperdiçar. Neste momento, a aluna Elvira, do grupo COMUNIDADE
entrou em sala de aula, sendo apresentada para o grupo. Aproveitando a oportunidade da
aluna estar em sala, buscou-se o relato da aluna, a partir da pergunta: “Elvira, quando você
era criança, você teve oportunidade de estudar música?”. Elvira respondeu: “Não. Eu era
louca para estudar música mas meus pais não tinham condições de pagar professores
para mim”. Após a resposta, a professora/pesquisadora comentou: “Estão vendo. Tem
muita gente rica que nunca teve a oportunidade de estudar música!”, demonstrando aos
alunos a valiosa oportunidade que estavam tendo. A aula foi encerrada com um trabalho de
criação e improvisação.
contagem e como dar o sinal de entrada. Cada um teria a chance de ser o spalla49, fazendo
a contagem e dando a entrada. O trabalho foi feito com as cordas soltas lá, ré e sol. Foram
reafirmados conteúdos ligados à postura e a arcada. Planejou-se a preparação da peça
“Conquista do Paraíso” para o recital, onde os alunos tocariam com os veteranos. A parte
destinada ao grupo CEACA, seria a do acompanhamento, a partir das cordas soltas, em
mínimas pontuadas. Durante a aula, a professora/assistente tocou a melodia e o grupo, a
parte inicial do acompanhamento, especialmente arranjado para o grupo. Porém, os alunos
não conseguiram concentrar-se e manter-se na postura por muito tempo. Encerrou-se a
intervenção/aula, alertando aos alunos de que não deveriam mais faltar, pois o recital
estava próximo.
Comentário: A aula iniciou com o relaxamento (já que os alunos chegaram em sala de aula
muito agitados). Em seguida, foi proposta uma atividade visando à integração e a
socialização do grupo. Pediu-se para fazer a atividade de dupla, onde os alunos deveriam
rapidamente conversar sobre o seu dia-a-dia. Após a conversa, trocaria-se os papéis, cada
um falaria sobre a vida do outro. Porém, no meio da atividade Roberto gritou: “Olha a
porrada!”. E todos correram para fora da sala. Depois do incidente, os alunos foram
advertidos para que não tomassem mais essa atitude e se concentrassem mais nas
atividades e exercícios propostos. Foram iniciados os exercícios com cordas soltas. A aula
estava tumultuada, devido ao clima de “bagunça”, instaurado pelos alunos antes que a
intervenção/aula fosse iniciada. O fato ocorrido extra-sala, influenciou no comportamento
geral do grupo. Foi falado para que não perdessem a oportunidade de aprender, que
ficassem mais atentos. Luiz ficou emburrado. A professora/pesquisadora explicou:“Não
fica chateado com o quê a gente fala. Nós queremos o bem de vocês. Queremos que vocês
aproveitem bem essa oportunidade” . Rafael complementa: “É única!”. Rafael levanta e
49
Spalla : “Termo internacionalmente utilizado para designar o principal primeiro-violino de uma orquestra”
(Dicionário GROVE de Música, p.891).
141
foi conversar com Luiz para ver o quê estava acontecendo. Rafael demonstrou
preocupação com o colega, e foi tentar ajudá-lo. Nota-se o desenvolvimento do sentimento
de solidariedade e companheirismo. Trabalhou-se o arco, a partir das cordas soltas, de
maneira enfática. Depois de encerrada a intervenção/aula, alguns alunos se retiraram da
sala e Pedro continuou tocando violino. Rafael e Josimar esperaram e escutaram o colega.
Observa-se o aumento do respeito, através do ouvir o outro.
50
“Bambalalão, Senhor Capitão. Espada na cinta e ginete na mão”.
142
as coisas e o outro tem, você tá fora!”. Em tom de desabafo, perguntou-se a Josimar, que
estava fazendo cursos de mecânica: “E no SENAI? Você faz essa bagunça?”. Josimar
respondeu:“Não”. A professora/pesquisadora prosseguiu : “Porque se você fizer bagunça,
lá, você está fora. Não tem segunda chance!”. Portanto, buscou-se através do diálogo 51,
que os alunos se conscientizassem de que aquela era uma aula séria, como as outras, e que
deveriam ter o comportamento adequado. Não era porque se trabalhava o lúdico nas
atividades de improvisação, criação, relaxamento, buscando a melhora do corpo, da mente
e do espírito, resgatando a auto-estima, a auto-valorização e a alegria, que aquela não era
uma aula séria. Pelo contrário, aquela aula era muito séria! No decorrer da aula trabalhou-
se a peça, a partir da percussão e do canto, além do trabalho instrumental.
51
Vide “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire.
143
eu estou explicando, é importante!”. Nesse dia, a pulsação do grupo não estava boa, os
sons estavam desencontrados. No fim da aula, foi proposto ao grupo que imaginassem que
já estavam no dia da apresentação e que a sala de aula era o palco. Ensaiou-se a entrada, a
execução da peça, os agradecimentos e a saída. Luiz pediu para que fizesse a atividade
solista/público. A professora/pesquisadora disse que faltava apenas uma aula (ensaio) para
o recital e que não seria possível trabalhar individualmente (já que iriam se apresentar em
grupo). Novamente, Luiz ficou aborrecido. A professora/pesquisadora esclareceu: “Aqui
todos temos que tocar em grupo. Você tem que ter paciência para esperar!”. Já
finalizando a intervenção/aula, Roberto provocou Luiz e levou um chute.
CEACA tem como norma à inserção social através de atividades que possam desenvolver
as habilidades e capacitações de cada sujeito. Com isso, sempre que um sujeito pedia para
“experimentar” à aula de música, os educadores do CEACA encaminhavam os sujeitos
para a Oficina de Cordas. Tomando como base o aspecto inserção social, a alta
rotatividade dos sujeitos pode ser analisada como uma oportunidade de sujeitos menos
favorecidos terem experiências musicais, em contato com um ambiente diferenciado, que é
o universitário. Porém, esse foi um dos fatores que prejudicou o desenvolvimento musical
dos alunos. Um outro fator ligado à categoria analisada, refere-se a um período de catorze
(14) dias que o grupo ficou sem freqüentar a Oficina de Cordas, devido a problemas de
transporte e/ou confusões com o horário (já que o CEACA era responsável pelo mesmo). A
partir do dia 18.10.2002, que seria a 15ª intervenção/aula, o grupo passou a faltar ou
chegar atrasado pelos motivos mencionados, prejudicando o desenvolvimento do mesmo.
Da mesma forma, por se tratar de um projeto pioneiro na cidade, a imprensa, tanto
televisiva quanto impressa, visitou constantemente a Oficina de Cordas durante as
intervenções/aulas, interrompendo-as.
Com isso, o rendimento (técnico-musical) do grupo analisado, ficou
prejudicado. O grupo, foi o único dos iniciantes já trabalhados, que não conseguiu tocar as
peças “Brilha, Brilha Estrelinha” e “Frère Jacques”, pelos motivos mencionados, pela
dificuldade de leitura e acompanhamento na partitura (até mesmo através da escrita
esquemática). Pelos motivos expostos, o repertório estudado foi adaptado (arranjado),
especialmente para o grupo, ou seja, trabalhou-se a peça folclórica “Bambalalão”. Apesar
destes aspectos, o grupo conseguiu apresentar-se em público, que era o objetivo principal
do semestre, por duas vezes, fazendo duas (2) apresentações públicas/recitais. O nível
técnico-musical da peça foi adaptado de acordo com as condições e a compreensão dos
sujeitos.
As questões relacionadas ao desenvolvimento musical, da mesma forma,
estão diretamente ligadas às relações interpessoais entre os sujeitos. Observou-se, no
início do experimento, que o comportamento do grupo não colaborava para o
desenvolvimento do ensino-aprendizagem, faltando ao grupo, disciplina, organização,
respeito mútuo, cooperação e solidariedade. Porém, com o desenvolvimento do
processo pedagógico, a partir do trabalho de conscientização e discussões em sala de aula,
observou-se com clareza, uma mudança de comportamento do grupo, levando tanto a
transformação individual dos sujeitos, quanto à transformação coletiva.
145
5.5.1. Depoimentos
FIGURA 66 – Depoimento 1
DEPOIMENTO 1: Nalanda (13 anos)
FIGURA 67 – Depoimento 2
DEPOIMENTO 2: Elvira (47 anos)
notas, né. Como aprendi violão de ouvido, eu também fui pra essa mesma ala, por esse
mesmo caminho. Agora que eu percebi que eu tenho que tirar. Eu tô fazendo percepção
musical. Isso tá me ajudando muito a identificar as notas. Tá bom.
5. Você gostaria de continuar na Oficina de Cordas?
E: Eu vou continuar.
6. Você recomendaria para outras pessoas?
E: Ah recomendo! Eu tenho até uma colega de percepção musical, ela é muito alta e fala
que tem vontade de tocar cello. Ela disse que vem o semestre que vem.
7. Você gostou da metodologia aplicada no Ensino em grupo?
E: Gostei. Ela é muito boa. Adorei.
8. Qual (is) habilidade (s) que a Oficina de Cordas desenvolveu em você?
E: Eu acho que no conjunto me ajudou até na prova de teoria, agora, a identificar a nota na
pauta. Mas eu só dei o clique, assim, no finalzinho, quando eu peguei nas músicas para
fazer o primeiro recital, né, que nós fizemos na semana passada. Aí que eu comecei a ligar
a teoria com a prática. Mas eu estava tomando os remédios, por isso que eu demorei, eu
vinha ainda meio sonolenta para a aula. Aí depois que eu comecei a captar a música. Eu tô,
desde que eu comecei, entrar no caminho.
9. O quê mudou na sua vida após você ter iniciado na Oficina de Cordas?
E: Mudou. Parece que dá mais, parece que segurança, mais autonomia. Parece que é
impressionante com é que ta, a melhoria que eu sinto, eu deixei de fazer análise, que estava
fazendo, né, foi tanta mudança que eu dei na minha vida. Eu dei um basta. E eu acho que a
música está me ajudando a caminhar para esse lado também. Está me dando mais
tranqüilidade.
10. Sobre o recital, você gostou de tocar em grupo? Fale dessa experiência...
E: No primeiro, eu fiz, eu fiquei bem nervosa. Ainda mais que o meu filho tava gravando,
filmando, aí eu falei: ‘Aí!!’. Mas parece que o segundo, parece que foi mais tranqüilo. O
segundo foi bem tranqüilo.
11. E sobre tocar sozinha? Você sentiu diferença em tocar em grupo?
E: Eu participava assim, tocava na igreja violão em conjunto. Eu não tenho muita inibição
não. Eu fico nervosa de, às vezes, não tá dominando a música quando eu tocava. O fato de
tocar em público não me inibe. Me inibe se eu estiver nervosa, insegura em relação a
música. O que eu tiver tocando.
13. Você quer fazer mais algum comentário ou dar alguma sugestão?
E: Eu acho que eu tô no caminho certo. Não sei. Teria que ter mais treino, eu teria que
estudar mais. Eu acho que tá bem Flavia. nós precisamos é tocar.
Oficina de Cordas contribuiu para ajudá-la nesse processo: “pra mim está tendo uma
importância muito grande, porque tá me dando mais tranqüilidade, tá me dando acho que
mais alegria. Eu estava numa depressão muito grande e muito estressada, sabe? De
trabalho. Eu dei uma parada e vim procurar a música como uma terapia, para fazer uma
coisa mais prazerosa. Mas eu sinto que ainda tô meio... essa dificuldade me bota, ás vezes,
ansiosa. É muito importante pra mim, não deixo a música por nada nessa vida”. Quando a
aluna foi perguntada se estava gostando da Oficina de Cordas, a mesma destacou que a
atividade era prazerosa e que as relações existentes entre os colegas era bastante positiva.
Ressaltou que a dificuldade individual era suprida pelo grupo. Um ponto detectado no
depoimento, se refere à preocupação excessiva da aluna com o seu desenvolvimento (sua
ansiedade foi demonstrada na resposta anterior): “Eu queria estar sabendo mais, ter
treinado mais”. Da mesma forma, quando lhe foi perguntado se haveria algum aspecto
negativo, a aluna respondeu como se a pergunta fosse direcionada para as suas falhas
individuais: “Eu acho é que eu senti dificuldade de tá passando as fases, de memorizar as
notas (...)”. Outro ponto interessante a ser destacado, está relacionado às habilidades que a
aluna acreditou ter desenvolvido. No depoimento, a aluna afirmou que o trabalho em
conjunto a ajudou na prova de teoria, fazendo com que identificasse melhor a notação na
pauta, ligando a teoria à prática musical: “quando eu peguei nas músicas para fazer o
primeiro recital, né, que nós fizemos na semana passada. Aí que eu comecei a ligar a
teoria com a prática”. Sobre a experiência musical em grupo estar refletindo na sua vida, a
aluna afirmou que se sente mais segura, tranqüila e com mais autonomia, tendo deixado de
fazer análise: “Mudou. Parece que dá mais, parece que segurança, mais autonomia.
Parece que é impressionante com é que tá a melhoria que eu sinto, eu deixei de fazer
análise, que estava fazendo, né, foi tanta mudança que eu dei na minha vida. Eu dei um
basta. E eu acho que a música está me ajudando a caminhar para esse lado também. Está
me dando mais tranqüilidade”.
FIGURA 68 – Depoimento 3
DEPOIMENTO 3: Juan (12 anos)
horizonte”. Ao ser perguntado sobre o ensino em grupo, o aluno afirmou que o mesmo
seria melhor do que o ensino individual, por despertar um sentimento de companheirismo,
onde “você aprende com seus próprios erros e aprende com os erros dos outros. Aprende
com as virtudes dos outros. Em conjunto, um ajuda o outro. Acho muito melhor do que
estudar individualmente”. Nota-se que a experiência coletiva desperta o sentido de
cooperação, além do companheirismo já mencionado, proporcionando aos indivíduos um
maior entendimento sobre a importância e benefícios das práticas coletivas. Quando o
aluno foi perguntado sobre a metodologia aplicada, o aluno demonstrou que soube captar a
filosofia do ensino coletivo se comparada a outros métodos tradicionais: “Menos de 4
(quatro) e já, a gente já ta tocando ! Se fosse qualquer outro método, nós ainda estávamos
na teoria. Eu acho que eu não tenho paciência para a teoria, por isso, que eu venho nessa
Oficina de Cordas, sem teoria”. Nota-se que na fala do aluno, a observação de que nos
métodos tradicionais de ensino de música, há um apego excessivo ao ensino da teoria
musical, sem a valorização da prática musical (que é a razão da existência da teoria da
música!). Portanto, há um contra-senso: deve-se valorizar, cada vez mais, as práticas e
vivências, principalmente, as coletivas, no sentido de reforçar a sensibilização e o
entendimento do indivíduo para a sua existência dentro do grupo (e da sociedade!). Sobre
as mudanças em sua vida provocadas pelo ensino musical, Juan afirmou que: “agora eu já
sinto uma pessoa que conhece pouco mais da música. Que pode aplicar um pouco mais de
música na vida. Por exemplo: eu não tenho nada pra fazer, vou lá e toco uma música (...)
E eu acho muito legal. Além de você poder tocar, por exemplo, em uma igreja”. Observa-
se que o aluno já conseguiu fazer uma conexão entre o ensino musical e a sua vida
cotidiana.
FIGURA 69 – Depoimento 4
DEPOIMENTO 4: Heitor (17 anos)
H: É aquele negócio: você aprende com os erros seus e com os dos outros também. Vendo
o quê eles tão errando, coisas assim (...) Dá mais força pra você continuar também.
6. Você gostaria de continuar na Oficina de Cordas?
H : (Fez sinal positivo com a cabeça).
7. Você recomendaria para outras pessoas?
H: Ah, tem gente que fala: “ai, quero fazer violino também”. Sei lá, aí eu falo: “Vai lá nas
Oficinas”. Eu falo pra vim pra cá.
8. Você está gostando da metodologia aplicada no Ensino em grupo?
H: Tô. Dá pra aprender bem. No começo, começou bem devagar e agora tá indo bem, sim.
9. Qual (is) habilidade (s) que a Oficina de Cordas desenvolveu em você?
H: Talvez ritmo. Deixa eu ver, sei lá.
10. O quê mudou na sua vida após você ter iniciado na Oficina de Cordas?
H : Assim, antes de eu vir pra cá, assim... falar pros amigos que eu sei fazer alguma coisa
pelo menos.
11. Sobre o recital, você gostou de tocar em grupo? Fale dessa experiência...
H: Gostei. Sei lá. Aprendi assim, alguma coisa. Ah, sei lá. Eu tinha um pouco de medo de
público, uma coisa assim.
12. Você quer fazer mais algum comentário ou dar alguma sugestão?
H: Não. Acho que tá bom. Assim, só queria as coisas mais difíceis, mais matérias, tal,
assim.
Se você quer coisas mais difíceis é por que você acha que está valendo a pena né?
Aprendeu muita coisa e em pouco tempo...
H: É bastante.
FIGURA 70 – Depoimento 5
DEPOIMENTO 5: Daniela (15 anos)
D: Assim, eu quero que aumente as horas de aula porque tá muito pouquinho. É bom ter
aulas longas, muito longas. E se abrisse a oportunidade para as pessoas de fora, pra tipo
ganhar a bolsa com o desconto. Porque tem muita gente querendo entrar, aí o preço fica
meio assim, meio inacessível para certas pessoas. Só.
FIGURA 71 – Depoimento 6
DEPOIMENTO 6: Quênia (13 anos)
em sua vida, a aluna fez o seguinte comentário: “Porque antes na minha família era só o
um irmão que tocava. Então a gente via ele com dificuldade e pensava que era moleza
dele. Aí depois que a gente começou a fazer, a gente aprende que o instrumento é como
nosso corpo, e devemos conduzi-lo bem. E assim, comecei ter um toque diferente, assim,
comecei a gostar mais”. Observa-se nesse trecho que a aluna após ter iniciado os estudos
musicais, através da sua vivência musical, aprendeu a valorizar mais a música, e
principalmente, o esforço daqueles que se propõem a estudar um instrumento. Somente,
após de ter passado por essa experiência, foi capaz de entender o que seu irmão sentia ao
estudar um instrumento. Portanto, a aluna a partir dessa experiência, saberá valorizar a
atividade musical como uma forma de expressão artística e cultural, que demanda esforço e
dedicação.
FIGURA 72 – Depoimento 7
DEPOIMENTO 7: Hamilton (20 anos)
subido no palco. Nunca tinha entrado e apresentado. Foi uma ótima experiência!
12. Você quer fazer mais algum comentário ou dar alguma sugestão?
H: No momento não tenho nada em minha mente. Só isso mesmo.
FIGURA 73 – Depoimento 8
DEPOIMENTO 8: Antônio (13 anos)
159
COMENTÁRIO 8: Antônio era um aluno especial, assim como Daniela, fazia dois
instrumentos: em uma turma fazia violino, que começou há dois semestres, e no grupo
pesquisado, estudava o violoncelo. O aluno iniciou seu depoimento falando da
“oportunidade” de estudar música: “desde pequeno eu tô querendo tocar os instrumentos
que eu toco hoje, e quando apareceu essa oportunidade, eu vi no jornal, eu vim. Só que
não era pra minha idade, aí você me deixou entrar”. Observa-se que o aluno tem
consciência da oportunidade que teve, inclusive, referindo-se ao seu caso em específico (na
época em que o aluno entrou, o projeto era voltado somente para pessoas maiores de 14
anos). Talvez, se naquele momento, a sua entrada no projeto tivesse sido cerceada, o aluno
poderia ter se desinteressado, ou ainda, não ter uma outra oportunidade futura. Antônio era
um dos alunos mais brilhantes do projeto e o fator idade, nunca foi empecilho para o seu
160
FIGURA 74 – Depoimento 9
DEPOIMENTO 9: Milene (25 anos)
em grupo.
4. O quê você não gostou? Tem algum aspecto que você não gostou?
M: Eu acho que poderia ter, por exemplo, preocupação maior, às vezes, com a postura, ou
de um aluno que tenha mais dificuldade, tá tendo uma disponibilidade de horário, tá
pegando ele, de tá fazendo ele ir pra frente. Até mesmo pra não tá atrasando o grupo por
causa de um aluno.
5. Você gostaria de continuar na Oficina de Cordas?
M: Eu gostei das Oficinas, só que assim, como eu te falei, eu queria tá aprendendo um
outro instrumento, só que agora eu gostaria de continuar agora num processo
individualizado. Porque aí eu acredito, que no meu caso, como eu já sei teoria e já faço
música, pra mim agora vai ficar mais fácil eu pegar aula individual e seguir num processo
mais rápido, no meu caso.
6. Você recomendaria para outras pessoas?
M: Claro, claro. Vivo recomendando pra todo mundo, pra ir pras Oficinas, pras Oficinas de
Música, tá aprendendo outros instrumentos, outras coisas. Isso é o que eu vivo fazendo pra
todo mundo.
7. Você gostou da metodologia aplicada no Ensino em grupo?
M: Gostei. Eu achei muito interessante. Porque, às vezes, a gente entra em sala de aula pra
dar aula pros alunos, você não sabe como é que faz pra ir passando a teoria pra eles. Como
você faz pra tá colocando um método mais rápido. Então, eu achei muito interessante. Eu
nunca tinha conhecido um método assim, que qualquer pessoa já pode tá lendo, já
entendendo sobre tempo, duração de nota, nome de nota, num processo muito rápido.
Gostei!
8. Qual (is) habilidade (s) que a Oficina de Cordas desenvolveu em você? Eu sei que
você já é musicista, mas você acredita que desenvolveu alguma habilidade com o
ensino em grupo?
M: No instrumento? Eu creio que a didática mesmo desse projeto, dessa didática de como
eu vou falar, da forma de leitura, de tá passando isso pros meus alunos, né. E do trabalho
em grupo, que é bem diferente em termos de trabalhar mais pessoas, de uma forma mais
rápida também. Você pega uma hora e meia e trabalha 8 (oito), 10 (dez) pessoas, vários
instrumentos ou só aquele instrumento... Então, a didática mesmo.
9. Sobre o recital, você gostou de tocar em grupo? Eu sei que você tem outras
experiências em recitais, mas como foi essa experiência em grupo?
M: Dos recitais? Eu achei interessante. Você tá até tocando com pessoas que praticamente
são leigas em música e vê que tem um avanço muito legal de todo mundo. Eu achei
interessante tocar com outras pessoas. Eu acho legal.
10. Mudou alguma coisa na sua vida após você ter iniciado na Oficina de Cordas?
M: Não assim... Eu sou uma apaixonada em música. Eu quero aprender a tocar tudo quanto
é tipo de instrumento. Eu quero aprender a tocar tudo. Então, eu gostei muito! Eu gostei
muito mesmo! Eu gostei muito do instrumento que eu fiz, quero tá aprendendo outros. Eu
sou viciada mesmo!
11. Você quer fazer mais algum comentário ou dar alguma sugestão?
M: Uma sugestão? A Oficina é muito legal. Eu gostei do trabalho, da didática, de ta
passando o processo de leitura pros meus alunos, por saber isso melhor, entender isso
melhor. Precisava, como eu te falei, de repente, tem alguns alunos que tão com mais
dificuldade. Acho que seria interessante tá pegando eles, mais individualizado, né, pra eles
estarem avançando melhor, até pro grupo ir pra frente mais rápido. Só isso que eu queria
dizer!
162
ela transferiu a mesma experiência para seus alunos (como professora), transformando, da
mesma forma, a maneira dos seus alunos vivenciarem a música. Sobre os recitais, a aluna
demonstrou ter gostado, confirmando, mais uma vez, a eficiência metodológica no
desenvolvimento dos alunos: “Dos recitais? Eu achei interessante. Você ta até tocando
com pessoas que praticamente são leigas em música e vê que tem um avanço muito legal
de todo mundo”. Por fim, a aluna demonstrou , mais uma vez, ter modificado a sua ação
como educadora musical: “A Oficina é muito legal. Eu gostei do trabalho, da didática, de
ta passando o processo de leitura pros meus alunos, por saber isso melhor, entender isso
melhor”.
FIGURA 75 – Depoimento 10
DEPOIMENTO 10: Daniel (14 anos)
FIGURA 76 – Depoimento 11
DEPOIMENTO 11: Gabriel (12 anos)
6. O quê você mais está gostando na Oficina de Cordas? Qual é o aspecto que você
mais gosta?
G: (O aluno não entendeu a pergunta) O quê eu tô mais gostando? Ai...
7. Assim, como está sendo estudar através do ensino em grupo? O quê você está mais
gostando?
G: O grupo está mais ou menos... o grupo está meio vai, meio vem, tem dia que tá bom,
tem dia que tá ruim.
8. Mas você está gostando?
G: Tô.
9. Você gostaria de continuar na Oficina de Cordas?
G: Sim, gostaria.
10. Você está gostando da metodologia aplicada no Ensino em grupo?
G: Tô.
11. Qual (is) habilidade (s) que a Oficina de Cordas desenvolveu em você?
G: Quando eu cheguei lá, eu não estava sabendo quase nada, agora eu tô sabendo muita
coisa... a corda lá.
12. O quê significa a música hoje na sua vida?
G: Ah, aí eu não sei .
13.Você recomendaria para outras pessoas?
G: Não (O aluno não entendeu, pensou que estava sendo perguntado se ele transferiria sua
vaga para outra pessoa).
14. Se você falaria que estudar nas Oficinas é bom para outras pessoas também?
G: Ah, eu tava entendendo que eu ia dar a minha vaga para outra pessoa. Eu recomendaria,
o violino é bom.
15. O quê mudou na sua vida após você ter iniciado na Oficina de Cordas? Mudou
alguma coisa na sua vida?
G: Mudou. Antes de fazer aula de violino eu não sabia como era uma aula de violino,
como é que tocava. Agora eu sei como é que é... já vi tocar...
16. Você quer fazer mais algum comentário ou dar alguma sugestão?
G: Comentar?
17. Falar alguma coisa para mim sobre a Oficina de Cordas?
G: Não sei.
18. Então, você está gostando ?
G: Eu gostaria de fazer aulas para apresentar.
COMENTÁRIO 11: O aluno demonstrou estar gostando das aulas da Oficina de Cordas.
Quando Gabriel foi perguntado sobre o que estaria aprendendo, respondeu: “Aprendendo
violino”. Em seguida perguntou-se se ele estava gostando e Gabriel respondeu com
entusiasmo: “Demais!”. Quando se perguntou sobre as habilidades que ele estaria
desenvolvendo na Oficina de Cordas: “Quando eu cheguei lá, eu não sabia nada. Agora
eu tô sabendo... a corda lá”. Nota-se na resposta que o aluno reconhece que a experiência
musical proporcionou um início de formação musical, porém, ainda não sabe expressar de
maneira mais específica o quê aprendeu e/ou desenvolveu. Quando foi perguntado ao
aluno se recomendaria a atividade musical da Oficina de Cordas, o aluno não compreendeu
166
FIGURA 77 – Depoimento 12
DEPOIMENTO 12: Rafael (15 anos)
COMENTÁRIO 12: Rafael foi perguntado sobre o quê significava para ele a experiência
de participar da Oficina de Cordas e iniciou seu depoimento da seguinte maneira: “É uma
experiência nova, né? É bom porque a gente aprende. Muita gente não tem oportunidade
de fazer aula de cordas como eu tô tendo. Por isso, eu quero aprender bastante, pra falar
que eu sei, eu aprendi!”. O aluno demonstrou ter consciência da importância daquela
experiência em sua vida e que a mesma deveria ser aproveitada da melhor maneira
possível. Enfatizou ser uma experiência nova, de aprendizado, destacando que muitas
pessoas não tinham a “oportunidade” que ele estava tendo, por isso, ele gostaria de
aprender bastante. Afirmou estar gostando de tudo e que além do instrumento, estava
aprendendo a ter mais “...companheirismo. Mesmo que lá não sendo muito, mas é...”.
Nota-se que o aluno conseguiu identificar o trabalho de cooperação, solidariedade e
socialização através do ensino em grupo. Da mesma forma, tem consciência de que o
relacionamento do grupo ainda pode melhorar. O aluno destacou que a “bagunça”
atrapalhava a aula e o trabalho em grupo: “Ah por causa que tem meninos que estão
fazendo bagunça, estragando a aula”. Quando Rafael foi perguntado sobre quais seriam as
habilidades que ele teria desenvolvido, a partir da experiência musical, respondeu: “Eu
acho que é bom, porque lá a gente aprende a manusear o instrumento, da maneira certa,
aprende a ouvir, a coordenar, ter mais agilidade com os braços e com as mãos, várias
coisas”. O aluno demonstrou que já consegue identificar o seu desenvolvimento nas áreas
de percepção musical (ouvir) e coordenação motora (manusear o instrumento, coordenar e
168
ter agilidade com os braços e mãos). Sobre as mudanças em sua vida, o aluno afirmou que
a experiência na Oficina de Cordas mudou a sua vida: “Porque agora eu tenho mais
interesse. Antes eu ouvia as pessoas falando que fazia isso e aquilo outro e eu não dava
tanta importância. Agora se a pessoa fala que toca violino, eu já dou mais importância,
começo a perguntar isso e aquilo”. Rafael demonstrou ter consciência da sua mudança de
atitude em relação à música, procurando ter mais interesse e conhecimento. No final do
depoimento afirmou que o comportamento dos alunos, em sala de aula, poderia melhorar e
que o grupo poderia se entrosar mais.
FIGURA 78 – Depoimento 13
DEPOIMENTO 13: Júnior (12 anos)
FIGURA 79 – Depoimento 14
DEPOIMENTO 14: Pedro (12 anos)
P: Sim.
10. Você gostou da metodologia aplicada no Ensino em grupo?
P: Gostei. É bom.
11. Qual (is) habilidade (s) que a Oficina de Cordas desenvolveu em você?
P: Tocar cordas, que eu não sabia ... com arco que eu tô aprendendo.
12. O quê você espera da Oficina de Cordas, da música?
P: Espero ... vou ter pelo menos um futuro garantido, se eu não tiver trabalho, eu vou ter
pelo menos um futuro garantido.
13. Mudou alguma coisa na sua vida após você ter iniciado na Oficina de Cordas?
P: Mudou bastante coisa. Eu não sabia tocar violino. Peguei, eu aprendi, tô aprendendo. Tá
mudando bastante coisa.
14. E esse contato com a Escola de Música ?
P: É bom.
15. Você quer fazer mais algum comentário ou dar alguma sugestão?
P: Não.
seriedade do trabalho e a oportunidade que o grupo teve, ao reafirmar que esperava ter um
futuro garantido, através desta experiência musical: “Espero ... vou ter pelo menos um
futuro garantido, se eu não tiver trabalho”.
FIGURA 80 – Depoimento 15
DEPOIMENTO 15: Roberto (12 anos)
de Cordas. Quando foi perguntado qual o aspecto que mais gostava, respondeu ser a aula
de violino (apesar de tocar viola). Porém, complementou que precisava melhorar a
bagunça. Quando foi perguntado sobre se teria gostado da metodologia em grupo, o aluno
respondeu negativamente: “(...) tem muita bagunça. Um faz bagunça, o outro quer fazer
também”. A professora/pesquisadora perguntou se fosse retirando o fator “bagunça”, se o
aluno estaria gostando da aula em grupo. Roberto acenou positivamente com a cabeça.
Sobre quais eram as habilidades desenvolvidas pela Oficina de Cordas, o aluno se limitou a
afirmar: “Muita Coisa!”. A professora/pesquisadora insistiu em perguntar o quê ele teria
aprendido, de maneira mais contundente, Roberto respondeu: “Arco, a corda ré, sol. Qual
é o nome daquela? (...) lá, dó”. Quando se perguntou sobre o quê teria modificado em sua
vida, o aluno abaixou a cabeça e se dispersou, olhando e conversando com os outros
meninos. A professora/pesquisadora chamou sua atenção, alertando que naquele momento,
estava dando o seu depoimento. Roberto reagiu agressivamente: “Ah, peraí”. A entrevista
foi interrompida. Após a interrupção, foi perguntado se o aluno teria algum comentário
e/ou sugestão a fazer, Roberto respondeu da seguinte maneira: “A bagunça dos meninos
aqui, o Gabriel tem orelha grande”. Nesse momento, Gabriel deu um tapa em Roberto.
Nota-se que o aluno ainda não desenvolveu atitudes como, respeito ao colega, seriedade e
compromisso com a atividade. Durante o semestre aluno esteve, ora alheio às atividades
propostas em sala de aula, ora envolvido em “bagunças”.
FIGURA 81 – Depoimento 16
DEPOIMENTO 16: Josimar (16 anos)
9. Por quê?
J: Porque é bom. Tudo que é melhor para mim, é melhor pra eles também.
10. Você gostou da metodologia aplicada no Ensino em grupo?
J: Gostei.
11. Qual (is) habilidade (s) que a Oficina de Cordas desenvolveu em você?
J: Sentar direito e aprendi também o nome das notas, tocar.
12. O convívio com o grupo é bom?
J: Bom pra alguns né? Porque têm alguns que conversa demais e atrapalha.
13. O quê mudou na sua vida após você ter iniciado na Oficina de Cordas?
J: Nada.
14. Você está indo lá, na aula de música, tem alguma coisa que mudou dentro de
você?
J: A música é bom porque eu tô indo nela e não tô ficando na rua. Não tô nem engraxando
mais.
15. Você se vê no futuro tocando um instrumento?
J: Hã, hã (Acenou positivamente com a cabeça).
16. Você gostaria de ser músico profissional?
J: Hã, hã (Acenou positivamente com a cabeça).
17. Você quer fazer mais algum comentário ou dar alguma sugestão?
J: Ah eu queria falar que tocar violino e cello é bom.
FIGURA 82 – Depoimento 17
DEPOIMENTO 17: Luiz (14 anos)
174
revelou: “foi uma alegria porque eu nunca tinha apresentado. Não, nunca sabia que era
apresentar”. Observa-se que essa nova experiência trouxe ao aluno o sentimento alegria,
mas também, de valorização, melhorando a sua auto-estima. Ao fazer seu comentário final,
o aluno demonstrou ser o único a ter a consciência de que o mal-comportamento parte de
todos: “O quê pode melhorar é todo mundo ficar quieto, obedecer, só” (grifo nosso).
Quando se perguntou se teria algum aspecto que você não gosta, seis (6)
sujeitos do grupo COMUNIDADE responderam que não havia aspecto algum, que não
gostassem; dois (2) sujeitos responderam não existir aspectos negativos, porém,
ressaltaram os seguintes aspectos: deveriam ser estudadas músicas mais difíceis e ter um
atendimento individualizado para os alunos que têm mais dificuldade, em horário
separado. Um (1) único sujeito respondeu de maneira afirmativa, dizendo que o aspecto
negativo seria, a duração da aula. Gostaria que tivesse mais aula. Acredita-se que este
aspecto não deva ser considerado como negativo, já que se o aluno queria mais aula,
significa que a aula era boa e que ele estaria gostando. No grupo CEACA, sete (7) sujeitos
responderam não existir aspecto algum que não gostassem. Somente um (1) sujeito
respondeu ser a “bagunça”, um aspecto negativo.
Sobre qual (is) habilidade (s) que a Oficina de Cordas desenvolveu em
você, obteve-se as seguintes respostas do grupo COMUNIDADE:
177
Sobre o quê mudou na sua vida após você ter iniciado na Oficina de
Cordas, dos sujeitos do grupo COMUNIDADE , se obteve as seguintes respostas:
- “o grupo tá mais ou menos (...) tem dia que tá bom, tem dia que tá ruim” (Gabriel);
- “tá faltando o grupo se entrosar mais”, “têm meninos que estão fazendo bagunça,
estragando a aula (Rafael);
- “precisa melhorar uma coisa: bagunça!” (Roberto);
- precisa melhorar “a bagunça dos meninos” (Pedro);
- “alguns conversa demais e atrapalha” (Josimar);
- “o quê pode melhorar é todo mundo ficar quieto, obedecer, só” (Luiz).
5.5.2. Recitais
alegria nos sorrisos, da satisfação. O grupo COMUNIDADE foi a turma que, se comparada
à todas as outras que passaram pela Oficina de Cordas, desde 200052, apresentou mais
peças, em menos tempo, totalizando cinco (5). Também foi a única turma de novatos que
conseguiu tocar com o grupo de veteranos (juntava-se grupos veteranos, em diferentes
estágios). Da mesma forma, foi o grupo de iniciantes que mais se apresentou, em uma
mesma “temporada”: quatro (4) recitais.
Já o grupo CEACA, devido à realidade do grupo, suas necessidades, seu
cotidiano, desenvolveu durante o semestre, um programa diferenciado dos grupos
anteriores, inclusive do grupo COMUNIDADE. Modificou-se a metodologia, inserindo
novas estratégias, para a sua adequação ao grupo CEACA. O desempenho dos alunos no
palco foi surpreendente (nada de bagunça ou inquietação). Trabalhou-se uma única peça,
explorando sonoridades e efeitos percussivos. O resultado sonoro foi bastante interessante,
porém, o resultado daquela experiência e oportunidade na vida desses meninos, acredita-se
ser maior do que qualquer outro aspecto. Notou-se um grande crescimento no
comportamento e interesse dos sujeitos, nos ensaios visando as apresentações. Acredita-se
que foi recompensador para todos, o trabalho e o esforço empreendidos durante o semestre.
Outro ponto interessante, que merece ser destacado, se refere ao fato de que o
ensino coletivo propicia uma grande motivação causada pelas apresentações públicas; ao
contrário da aula individual, onde o solista, por estudar e tocar sozinho, sente medo ou
insegurança no palco. Os alunos que estudam através do ensino coletivo, se sentem
confiantes e querem mostrar (para todas pessoas possíveis!) o trabalho desenvolvido em
conjunto, em várias apresentações e locais diferentes. Com isso, três dos cinco recitais
apresentados, foram sugeridos pelos próprios alunos. Daniela nos convidou para o recital
do SESI, já que a mesma estuda no colégio. Quando ficou sabendo da “IV Semana
Cultural Religiosa (Movimento pela Paz)”, a aluna não hesitou, e propôs ao colégio a
apresentação de “sua Orquestra de Cordas”. Da mesma forma, Lucas (do grupo de
veteranos) nos convidou para tocar no Projeto “Terça têm Canja”, da Secretaria Municipal
de Cultura. A sua avó trabalhava nesta Secretaria e encaixou a Oficina de Cordas na
programação. Por fim, o recital de encerramento, no Martim Cererê, foi intermediado pela
aluna Kamila. Seu pai é clarinetista e pertence à Sociedade Goiana de Música. Com isso, a
aluna ficou encarregada de acertar os “detalhes” da organização do evento.
52
Com os grupos COMUNIDADE e CEACA, já são 7 (sete) turmas de iniciantes desde a implantação da
metodologia pesquisada.
182
FIGURA 83 – Observação 1
OBSERVAÇÃO 1
corrigidas individualmente;
13. Imitação de gestos para a conscientização do movimento correto;
14. As perguntas formuladas com termos difíceis para algumas crianças (a pesquisadora
teve que adaptar);
15. Sobre os depoimentos dos sujeitos revelou os seguintes aspectos: possuem a
consciência do grupo; noção de papel do grupo (contra bagunça); noção de que a atitude
importa; consciência de que a experiência ampliou as perspectivas; consciência de
mudança; mudança de comportamento; auto-controle por parte dos sujeitos; melhora da
auto-estima; os sujeitos estão muito envolvidos com as ações ligadas ao processo.
FIGURA 84 – Observação 2
OBSERVAÇÃO 2
- Destacou-se nos depoimentos : “Se é melhor para mim é melhor para eles também”
“Não estou ficando mais na rua” (Josimar, 16 anos); ter “orgulho” (Luiz, 14 anos) – sente-
se o aumento da auto-estima;
- Todos reclamam da bagunça, ou seja, percebem que o comportamento, a falta de
disciplina, influenciam no processo de aprendizagem.
Observações sobre os depoimentos dos sujeitos do Grupo COMUNIDADE:
- Praticar em casa pode proporcionar uma contínua aprendizagem;
- Ter colegas, tocar em conjunto é uma forma de motivar a aprendizagem;
- Melhoria na vida – mais segurança, motivação, mais autonomia, mais tranqüilidade;
- Ao tocar, liga-se a prática à teoria, ao estimular a percepção auditiva;
- “Vir para aprender e para me divertir” (motivação)
- A música como um complemento necessário à vida;
- A memória, o raciocínio, a concentração e o ouvido (percepção auditiva) como
habilidades desenvolvidas. Uma das alunas aponta que a nova didática, pois já estuda
música e não conhecia o método;
- O recital é uma oportunidade de valorizar a aprendizagem, é como um desafio vencido;
-Todos evidenciam o trabalho em grupo, o companheirismo, o método aplicado. Aprende-
se com os próprios erros e com os erros dos outros;
Recitais :
- Os arranjos mais simples possibilitam a oportunidade do tocar em grupo, mesmo com
pouco tempo de aprendizado, motivando os participantes em função do resultado sonoro;
- A quantidade de apresentações é uma razão a mais para a motivação do grupo para obter
melhores resultados. aumenta a auto-valorização, a auto-estima individual e grupal;
- Saliento a união dos grupos (com maior e menor tempo de estudo) para as apresentações,
pois os quê têm menos tempo de estudo vêm a continuidade do processo ao tocarem com
os que já têm mais experiência, mais tempo de contato com os instrumentos de corda;
- A professora demonstra segurança ao falar e ao conduzir o grupo no decorrer do
processo, mesmo sendo uma metodologia mais nova.
“Parabéns pela coragem ao realizar este projeto!”
FIGURA 85 –Observação 3
OBSERVAÇÃO 3
1. As fitas com as gravações das aulas, recitais e depoimentos de alunos das Oficinas
Coletivas de Cordas são documentos valiosos, e propiciam o acompanhamento gradativo
do processo educacional por que passaram as duas turmas de iniciantes do segundo
semestre/2002. Apesar das dificuldades técnicas de áudio, que impossibilitam o
discernimento completo dos diálogos entre professora e alunos, alguns aspectos chamam a
atenção de quem assiste as fitas e tornam-se relevantes em uma análise sobre o desenrolar
das ações e os seus resultados.
2. (..) destaco o fato das oficinas coletivas de música propiciarem modificações não só na
área educativo-musical, mas também em aspectos que se referem aos fatores
comportamentais, culturais e sociais;
3. É um Projeto voltado muito mais para as ações educativas do que para as ações
culturais. Entretanto, um estudo mais detalhado revela aspectos deste Projeto que
ultrapassam o ensino-aprendizagem musical e evidenciam uma integração entre as áreas
educativa, cultural e, também, social.
185
4. As oficinas coletivas de cordas visam uma iniciação aos instrumentos musicais através
de processo didático pedagógico interessante, implementado no Brasil inicialmente por
Alberto Jaffé e que, sem dúvida, exerce função cultural e social ao possibilitar o
barateamento das aulas e o conseqüente acesso de um maior número de alunos. Desta
forma, é propiciada uma sociabilização que as aulas individuais não oferecem, bem como é
possibilitado o conhecimento sobre instrumentos e repertórios geralmente distantes da
realidade da maioria da população. Há, ainda, maiores condições de o aluno exercitar o
trabalho conjunto, aprender a ouvir o “outro” e a observar as orientações do maestro, e
desenvolver seu senso de harmonia e de equipe, bem como traçar parâmetros para
identificar se as suas dificuldades com o instrumento são também as dificuldades dos
outros integrantes do grupo. Assim, além das observações feitas pelo professor, o aluno
tem condições de se auto-avaliar quanto ao seu desenvolvimento e ao de seus colegas.
5. Um outro exemplo, que ilustra com clareza a integração entre as ações educativas,
culturais e sociais neste Projeto é um dos desdobramentos propiciados pelo ensino
coletivo. Trata-se das oficinas oferecidas para garotos e garotas em situação de rua em
parceria com a Organização Não Governamental “Sociedade Cidadão 2000”. Esse
trabalho, realizado pela primeira vez no segundo semestre de 2002, é oferecido
gratuitamente, a fim de auxiliar o trabalho das ONGs e propiciar a musicalização das
crianças através dos instrumentos de cordas e arco e de um coral.
6. Ao assistir as fitas, que documentam da primeira à última aula, inclusive os recitais,
pode-se perceber as várias modificações ocorridas com os dois grupos. Os resultados
obtidos mostram que os alunos, tanto da turma da comunidade quanto da turma vinculada a
ONG, considerados os níveis de dificuldade de cada qual, demonstraram crescimento
quanto ao aspecto musical. Mas o que chama a atenção, principalmente no caso da turma
de alunos “em situação de rua”, não é só o aspecto musical. São evidentes algumas
mudanças comportamentais, como, por exemplo, o melhor relacionamento em grupo, a
melhor disciplina, o despertar para a cidadania, a recuperação da auto-estima, as noções de
respeito ao próximo e ao maestro. Em seus depoimentos, gravados no encerramento das
aulas do semestre, os alunos das oficinas ressaltam o bom resultado obtido, e demonstram
a importância da experiência para eles: “...aprendi melhor postura. Acabou a dor nas
costas por que aprendi a sentar” (Daniel); “É uma experiência nova. Muitos não têm essa
oportunidade. (...) Aprendi a manusear o instrumento. Aprendi a ouvir, a ter mais
agilidade com os braços. Tenho mais interesse, dou mais importância quando vejo alguém
falando em violino.” (Rafael;)“Quando crescer, um futuro garantido.(...) Eu não sabia
tocar violino, daí aprendi. Tá mudando bastante coisa.” (Pedro); “Ser alguém na vida. (...)
Se quero o melhor pra mim, quero o melhor pra eles também. (...) Aprender a sentar
direito, nome das cordas, tocar. (...)Têm uns que fazem bagunça demais, conversa e
atrapalha. (...) Eu tô indo e não tô ficando na rua.” (Josimar)
7. A partir das gravações assistidas e dos estudos desenvolvidos para a elaboração da
monografia acima citada, pode-se observar que as Oficinas Coletivas possibilitam uma
iniciação musical mais ágil, motivando o aluno e incentivando o contato constante com o
instrumento (esse fato é ressaltado nos depoimentos colhidos individualmente com os
alunos). Nos parece, portanto, que o método adotado nas Oficinas Coletivas acompanha as
tendências da sociedade atual, e possibilita uma relativa flexibilização para se adaptar às
necessidades dos grupos. Assim, pode ser considerado um método importante no
atendimento a uma população cada vez mais carente de ações culturais, sociais e
educativas que se preocupem com a formação qualificada de um maior número de pessoas,
em todas os estratos da sociedade.
8. Aspectos relevantes a serem destacados:
186
- “Noções de situações são sempre fixadas via controle pela marcação do tempo,
que levam à integração da turma, participação atenta, auto-disciplina, respeito
pelo outro e necessidade de relações coordenadas e conjuntas” (Obs.1).
- “(...) possuem a consciência do grupo; noção de papel do grupo (contra
bagunça)” (Obs.1).
- “(...) auto-controle por parte dos sujeitos” (Obs.1).
- “(...) os sujeitos estão muito envolvidos com as ações ligadas ao processo”
(Obs.1).
- “O companheirismo é apontado como algo trabalhado” (Obs.2).
- “Todos evidenciam o trabalho em grupo, o companheirismo, o método aplicado.
Aprende-se com os próprios erros e com os erros dos outros” (Obs.2).
- “Saliento a união dos grupos (com maior e menor tempo de estudo) para as
apresentações, pois os que têm menos tempo de estudo vêm a continuidade do
processo ao tocarem com os que já têm mais experiência, mais tempo de contato
com os instrumentos de corda” (Obs.2).
189
5.8. RESULTADOS
Após a descrição e análise dos dados, via metodologia adotada, chegou-se aos
resultados abaixo relacionados que, a partir do ensino coletivo de cordas, comprovaram
que:
poderia ter desenvolvido nos mesmos. Obtiveram-se as seguintes respostas: tocar violino;
ajudou na prova de teoria, ligando a teoria e prática; pulsação, ouvido, movimentos
corretos, ler partitura, interpretar o tempo; ouvir, memória, coordenação motora,
concentração; ritmo; relaxamento; raciocínio; agilidade; didática; sentar de maneira
correta e manusear o instrumento de forma correta. Da mesma forma, nas observações do
júri, contatou-se o desenvolvimento musical aliado ao desenvolvimento pessoal/social dos
sujeitos na prática coletiva: “demonstraram crescimento quanto ao aspecto musical (...)
maiores condições de o aluno exercitar o trabalho conjunto, aprender a ouvir o ‘outro’ e a
observar as orientações do maestro, e desenvolver seu senso de harmonia e de equipe,
bem como traçar parâmetros para identificar se as suas dificuldades com o instrumento
são também as dificuldades dos outros integrantes do grupo. Assim, além das observações
feitas pelo professor, o aluno tem condições de se auto-avaliar quanto ao seu
desenvolvimento e ao de seus colegas” (Obs.3). Com isso, através da iniciação
instrumental coletiva eficiente, os sujeitos se desenvolveram não só musicalmente, mas
também, adquiriram habilidades próprias para o desenvolvimento pessoal e social mais
amplo.
Nesse sentido, detectou-se o desenvolvimento de habilidades não-musicais (3)
nos sujeitos. Nas análises das intervenções/aulas de ambos os grupos, uma melhora
sensível dos sujeitos, nos seguintes aspectos: disciplina, organização, cooperação,
solidariedade, respeito mútuo, concentração, participação, desempenho, consciência
corporal, assimilação e acomodação dos conteúdos. Da mesma forma, nas análises dos
protocolos mencionados (depoimento dos sujeitos e observações do júri), observou-se o
desenvolvimento de habilidades não-musicais, tais como: a disciplina, a organização, a
integração, a relação de respeito, a união do grupo, o “ouvir” o outro, a socialização, a
cooperação, a motivação, a valorização, a auto-valorização, a desinibição, a
afetividade, a auto-estima. Confirma-se da mesma forma, os depoimentos dos educadores
musicais que atuam na área, quando afirmaram que o ensino coletivo promoveria nos
alunos: melhora da auto-estima; maior estímulo; maior disciplina; cooperação; e
desinibição.
Por fim, constatou-se a mudança de comportamento por parte dos sujeitos (4),
levando-os à observação de transformações ocorridas com os mesmos. Na análise das
intervenções/aulas observou-se que gradativamente os sujeitos melhoraram o seu
comportamento individual, e conseqüentemente, o comportamento grupal. Notou-se, da
194
6. CONCLUSÃO
discutido e trabalhado, utilizada da sua vivência anterior (e exterior) à sala de aula. Com
isso, a imaginação contextualizada auxiliou o sujeito a fazer ligações entre a sua
experiência, já adquirida no seu cotidiano, e o que estava sendo pedido. Pode-se afirmar
que trabalhar a vivência musical, a partir de imagens que levem ao contexto social, é mais
eficiente do que falar de técnica instrumental, de maneira minuciosa e/ou abstrata: o que
todo sujeito/aluno iniciante quer é tocar (praticar). Nesse sentido, valorizou-se as questões
cotidianas e as vivências dos sujeitos/alunos. Valorizou-se a “bagagem” que traziam
consigo, considerando os aspectos sócio-econômicos e culturais em que estavam inseridos.
Os sujeitos/alunos foram incentivados a conhecer, analisar e discutir o conteúdo,
relacionando-os ao seu cotidiano. Com isso, os alunos foram despertados a relacionar o
conhecimento apreendido com o seu cotidiano, aplicando-o em sua vida.
53
Violeta Hemsy de Gainza, educadora musical e pesquisadora argentina, trabalha os aspectos da
musicalização e iniciação instrumental, a partir de técnicas de improvisação, criação, jogos criativos,
movimentos corporais, utilizando a tanto peças tradicionais como canções folclóricas e populares.
54
Shiachini Suzuki, educador musical japonês, desenvolveu um método de iniciação instrumental para
crianças, partindo da escuta e execução instrumental, antes de introduzir-se à leitura musical. Suzuki
acreditava que o acompanhamento próximo dos pais em sala de aula e nos estudos diários, contribuíam para
o melhor desenvolvimento técnico-musical da criança.
55
Emile Jaques Dalcroze, compositor e educador musical austríaco, desenvolveu o “eurhythics”, que era uma
série de exercícios e jogos rítmicos que trabalhava a vivência rítmica com todo corpo, a partir de movimentos
corporais.
56
Carl Orff, compositor e educador musical alemão, desenvolveu método de ensino musical, onde trabalhava
a percepção musical a partir de intervalo descendente sol-mi. Criou o instrumental Orff-Schulwerk, onde
propôs o trabalho integrado entre canto e instrumentos, trabalhando-se o ritmo e a melodia, através da
improvisação, criação e execução de peças folclóricas ou compostas pelo próprio compositor.
57
Edgar Willems, educador musical belga, trabalhou seus estudos sobre o ensino musical a partir da
abordagem sensorial, trabalhando a escuta e a fala no processo de musicalização. Da mesma forma, partiu
para estudos filosóficos e psicológicos para auxiliar a sua atuação pedagógica.
58
Thelma Chan, compositora, regente e educadora musical paulista, trabalha a musicalização através de
canções, movimentos corporais, jogos com a voz e com o corpo, todos criados por ela.
199
não respondiam quando algum posicionamento era pedido? E muitos outros porquês,
foram aparecendo, necessitando de respostas e soluções.
Para entender a realidade de cada um (tão distante da realidade da
professora/pesquisadora), visitou-se cada família na tentativa de encontrar, de alguma
forma, respostas e soluções. Nas visitas constatou-se uma realidade estarrecedora: pais
desajustados, uns desempregados, outros exploradores do trabalho dos filhos; enfim, uma
realidade triste e cruel. Notou-se que, de alguma forma, os pais também eram tão
“crianças” e tão desprotegidos quanto os filhos. Não há nenhuma veia romântica nessa
observação. A carência estava presente em todos os sentidos, não era somente em
decorrência da miséria monetária, mas da miséria do conhecimento, da miséria de
oportunidade, miséria de não terem condições de vislumbrar uma saída, um futuro melhor
para si mesmos. Após essa jornada, teve-se a certeza de que os sujeitos/alunos não
precisavam naquele momento de uma educação musical, mas trabalhar-se a educação geral
através da música.
59
A partir desse trecho, o “sujeito” da pesquisa será citado como aluno. Além de facilitar a redação, o termo
“aluno” refere-se ao “sujeito” transformado pela “nova escola”.
201
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por mais esforço e empenho que se pôde empregar para descrever e analisar o
objeto de estudo da presente pesquisa, chegando-se à conclusão do quanto é importante ter-
se como ponto de partida e filosofia, que a educação transforma - valoriza o ser humano
através do desenvolvimento da consciência crítica, da democratização do conhecimento, da
inclusão social - nada se compara, nada é tão forte como a experiência da pesquisa
realizada e vivida.
Sabe-se que o fundamento da presente pesquisa está, primordialmente, na
ação. A ação que necessitou ser, constantemente, refletida. Nenhuma teoria, nenhum
escrito, por mais bem elaborado que seja, pode trazer com cores (e sons) reais, a verdadeira
dimensão da intervenção, da mudança, da transformação provocada pela prática
pedagógica.
Nesses três anos de trabalho, passaram pela Oficina de Cordas, EMAC/UFG,
vários alunos, que hoje estão na sociedade. Alguns estão nos cursos superiores de música,
outros estão nos escritórios, outros nos laboratórios, enfim, estão no mundo, mas de
alguma forma, sempre em contato com a Oficina de Cordas. Às vezes aparecem durantes
as aulas dos “novatos”, outros nos recitais, outros ligam, mas sempre se têm notícias desses
alunos. O elo não foi quebrado pelo distanciamento. Observou-se em cada grupo aspectos
similares e outros característicos. Porém, um específico chamou a atenção e merece
menção. Esse grupo marcou pela diversidade, devido ao fato de que os alunos possuíam
perfis bastante diferentes: a dona de casa, o guarda noturno, o advogado, a universitária, o
auditor fiscal, a jornalista aposentada, o marceneiro, a publicitária, os estudantes. A faixa
etária, bem como, o nível sócio-econômico e cultural dos alunos eram diferentes. Porém, o
que chamou a atenção, é que nenhum dos alunos se incomodou com essas diferenças
(gritantes). No ambiente da sala de aula, todos eram tratados como iguais, todos se
tratavam como iguais, todos eram iguais! Sabe-se que a igualdade é um conceito
inatingível, já que cada ser humano possui, desde o nascimento, características pessoais, a
partir da sua família e do seu contexto social, desenvolvendo de maneira mais intensa ou
não, suas potencialidades, seus talentos, dando uma direção a sua trajetória. Mas naquela
sala, naquele momento, aqueles alunos eram iguais, porque estavam tendo a mesma
oportunidade de se desenvolverem, de se transformarem, de modificarem a sua trajetória
208
através da sua própria condição e vontade, resultando da sua escolha. Através da música,
naquele momento, todos tinham o seu momento de igualdade, vivenciando a
“humanidade” pouco exercida.
A vida contemporânea, cada vez mais, limita a capacidade de percepção do
homem. Sem dúvida, o avanço tecnológico trouxe grandes benefícios para o mundo.
Porém, da mesma forma, trouxe mais desigualdades, diferenças sociais e limitações. Cada
vez mais, o homem afasta-se de seus hábitos e suas atividades milenares essenciais. A
partir do contexto tecnológico, o homem já não toca um instrumento, prefere ouvir música
pelo rádio, pela televisão, ou pelo Cd. O artesanato está fora de moda. O homem já não
constrói com as próprias mãos. Compra tudo.
É preciso resgatar certas características “humanas” que com passar do tempo
se perderam ou se deturparam. O homem, está perdendo sua essência. Não se contempla
mais a natureza, as pessoas, as belezas do mundo. Quando se fala em artesanato, fala-se
também, do contato do homem consigo mesmo. Através do processo artesanal, o homem
pensa, cria, transforma. Por isso, não se pode limitar a capacidade do homem em utilizar
suas habilidades em busca de uma vida melhor, de um mundo melhor.
A música é necessária, assim como toda arte, é necessária. A música é uma
manifestação cultural que sempre esteve presente na vida do homem e sempre estará. Ela
reflete o pensamento, o sentimento, os valores culturais, de grupos sociais específicos e de
toda a humanidade. Quando se fala em música, também se fala do respeito e amor à
natureza, ao próximo, enfim, ao mundo no qual se vive. A atividade musical expande às
percepções, objetivas e subjetivas, levando o homem a ter contato consigo mesmo, com o
próximo.
O homem contemporâneo se sente acuado, sem espaços para o debate. E a
Oficina de Música abriu esse espaço. No ambiente da sala de aula, em todos os grupos, não
raro a aula era interrompida para um comunicado, para um desabafo, para uma defesa de
um ponto de vista. O pensamento humano teve (e tem!) o seu espaço para fluir, expressar
ou sociabilizar conhecimentos.
Lembremo-nos de Paulo Freire, da Pedagogia do Amor, que acreditava que a
educação deveria ajudar o ser humano a amar e a respeitar o próximo. Isto significaria
amar e respeitar a humanidade, contribuindo para a transformação da sociedade. Advertiu
o sábio mestre que não adianta amar de maneira abstrata. É preciso amar com ação!
Entende-se que amar o próximo é antes de tudo, respeitá-lo como ser humano, respeitar as
209
CRUVINEL, Flavia Maria. O Ensino do Violão: estudo de uma metodologia criativa para
a infância. Goiânia: Monografia de Especialização em Música Brasileira no Século XX –
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REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS
Fitas 8mm
Fitas VHS
mesma escola, em Educação Musical e tinha que escolher um tema no final do curso, no final do
curso tinha que escolher um tema, e como a pedagogia sempre me interessou muito, eu sempre tive
muito interesse, gostei, gostava muito, eu escolhi realmente ensino em grupo na época, a minha
primeira monografia, foram sobre os aspectos psicopedagógicos do ensino em grupo. E foi o
primeiro trabalho que eu realmente sistematizei uma experiência que eu tinha com os trabalhos da
orquestra. Foi assim que eu me interessei.
4. E no caso, a orquestra era uma Orquestra de Violoncelo ou era uma Orquestra de
Câmara?
Era uma Orquestra Jovem, uma Orquestra de Cordas.
(...)
Uma Orquestra Jovem. Naquela época eu já fazia algumas aulas coletivas, não com muitos alunos,
mas com três alunos, quatro alunos. È uma espécie, um tipo modificado do Master Class. Porque o
Master Class continua sendo muito direcional, o aluno toca, o professor critica, fala e os outros
alunos presentes só ouvem. Não existe uma participação maior de quem está presente ali.
5. E nesse trabalho seu, monográfico, você direcionou o trabalho com ensino coletivo em
violoncelo, ou para o ensino também em cordas em geral?
Eu direcionei mais pra questão do violoncelo. Porque ele é específico, foi específico pra minha
experiência. Haviam questões técnicas relativas, específicas ao violoncelo, mais como eram
aspectos psicopedagógicos, a maior parte do trabalho é relativo à qualquer tipo de atividade em
grupo, de aprendizado em grupo. Lhe dava com propriedade de grupos, com maneiras mais
eficientes de comunicação em grupo, interação entre os participantes. Então, o conteúdo maior
dessa primeira monografia da especialização, era muito mais voltada pro geral, e não
especificamente para o violoncelo, tinha algumas questões específicas.
6. E no caso, no seu referencial teórico, você teve alguma influência teórica ou foi baseado
nessa sua experiência, na sua observação pessoal?
Na época eu me interessei muito por neuroligüística. Mas não foi um referencial embasado, uma
coisa que eu embasei a bibliografia toda na programação neurolingüística. Foram sugestões, foram
idéias que eu apliquei, não foi necessariamente o referencial teórico não.
7. E no caso, você depois fez o mestrado em Londres, né? Como você vê o ensino coletivo em
música, em instrumento musical no caso? Quais são as vantagens e desvantagens do ensino
coletivo em instrumentos musicais?
Bom, tem duas perguntas ai, primeiro sobre Londres, né?
Isso.
Bom, em Londres, o meu projeto de mestrado foi sobre ensino em grupo, tanto é que foi aceito.
Tinha o interesse da escola, e havia o interesse que eu desenvolvesse esse projeto. Quando eu
cheguei em Londres, eu comecei a ler bastante coisa sobre o ensino em grupo, teses, mestrado,
doutorado, artigos. E eu comecei a descobrir que a parte mais frágil, a parte menos sistematizada,
menos trabalhada, eram as questões técnicas, do desenvolvimento técnico, trabalhadas no contexto
de grupo. As questões metodológicas existiam mas elas não, mas elas não abordavam de uma
forma teórica as diferenças de desenvolvimento musicais, técnicos, ou psicológicos. De forma que,
a maioria dos artigos, das pesquisas, enfatizava o maior desenvolvimento musical advindo do
trabalho em grupo, mas falava muito pouco da questão técnica. Então, eu resolvi pesquisar essa
questão técnica, porque que, que poderia ser considerada o tendão de Aquiles do ensino em grupo.
Porque realmente, quando a gente trabalha individualmente com o aluno a gente pode atender a
especificidade dele, de facilidades, dificuldades, e quando você está num grupo, não é possível se
fazer isso. Porque, não dá pra você, senão você acaba fazendo uma seqüência de pequenas aulas
individuais e não é esse o objetivo. O principal objetivo é que haja interação o tempo todo ou a
maior parte do tempo. Então, eu comecei a pesquisar uma forma de trabalhar, de abordar a questão
técnica de uma forma integrada, com tudo ao mesmo tempo. Eu tive que estudar desenvolvimento
psicomotor. Aprendizado de habilidades psicomotoras e métodos de aprendizagem, de ensino de
habilidades psicomotoras, as fases de aprendizado pra poder fazer uma relação com o ensino do
instrumento. Como que o professor de grupo poderia conduzir três, quatro alunos ao aprendizado
sistematizado, todos ao mesmo tempo. Isso é uma forma ideal. Na prática, não tem como você
fazer isso. Tanto é que existe a necessidade da aula individual exatamente pra, pra compensar uma
221
defasagem que o aluno apresente na aula em grupo. É possível trabalhar desta forma? É. Mas a aula
individual, ela é insubstituível. Como uma manutenção, um prolongamento daquilo que se fez na
aula em grupo.
8. No caso, você já trabalhou a iniciação instrumental? Assim, você pegar algum aluno leigo
ou algum aluno iniciante e iniciar o aluno através do ensino coletivo, sem a aula individual, e
depois num segundo momento...
(Interrompendo) Já. Já. É muito mais simples. Porque quando você pega um aluno iniciante, em
termos de experiência com o instrumento, ele não tem nenhuma experiência. Ele tem experiência
cinestésica dele com o corpo dele, o tato o gesto, e você precisa vivenciar o aluno na gesticulação
básica, da postura básica. Então, quanto mais iniciantes são os alunos mais fácil é você conseguir
sistematizar o aprendizado. Porque basicamente, todos têm que fazer a mesma coisa. E o início,
vendo por essa ótica, é muito simples. Eles têm que fazer o gesto, a sonoridade vem como
conseqüência do gesto, percebe? A primeira coisa que se aprende é a posição e o gesto, os
movimentos. De forma que, quanto mais iniciante, mais esse processo pode ser feito de forma
sistemática com todos eles, pela minha experiência.
9. E retornando aquela pergunta sobre quais são as vantagens de se trabalhar com o ensino
coletivo e as desvantagens, depois de um certo momento? Se é que existem ...
É. Para te responder isso, eu tinha, eu tinha que... eu devo te falar que existem muitas abordagens
de ensino em grupo. Existem muitas abordagens. Abordagens de iniciação, é uma abordagem
diferente da abordagem que eu uso. Quer dizer, pode ser, a abordagem que eu uso pode ser usada
em iniciação. Mas a abordagem que eu uso é uma abordagem de interação social , de aprendizado
colaborativo, ou seja, de constate troca de informação dentro, dentro do grupo. O professor é o que
eles chamam de facilitador. O professor, claro que ele dá informação, ele corrige postura, mas o
que o professor puder fazer através de outro aluno, é muito melhor. Porque ele vai estar
envolvendo a percepção do outro em relação ao colega, em relação às limitações e as facilidades do
colega. Então, neste aspecto, o objetivo de uma interação com grupo menor é muito mais rica do
que a interação com grupo maior. Num grupo de alunos a interação social é muito pequena. Ou
seja, o professor num grupo maior, ele tem uma participação muito mais direta, muito mais
decisiva e é ele quem coordena as atividades... quer dizer, as atividades, não digo, mas é ele quem
coordena o aprendizado. E numa, numa interação de um grupo pequeno, os alunos se coordenam,
se instruem, se verificam, e é muito mais rico em termos de aprendizado.
10. E no caso, a sua atividade pedagógica em grupo, então, atualmente, é um complemento
da aula individual? Você reúne ...
(Interrompendo) É um complemento.
Mas seria... poderia ser chamado de música de câmara?
Não. Não. Porque dentro do, da atividade de grupo, existe um momento de música de câmara, no
qual eles ensaiam uma peça. Eles ensaiam discutindo questões musicais, questões técnicas entre
eles, e eu jogo as questões, eu falo : “E a questão do ritmo?”, “E a questão da melodia?”. Eles
discutem a princípio, cada questão que eu proponho, entendeu? E, mas é um momento, a música de
câmara é um momento. Um outro momento, por exemplo, é trabalhar uma questão técnica : um
golpe de arco, mudança de posição, fazer dentro de um trabalho de escalas, você tem uma série de
elementos técnicos a serem trabalhados, entendeu? Então, o professor dá atividade, e eles lidam
com aquele conhecimento, com aquela atividade, entre eles. Eu participo também como professor,
mas eu participo como um... eu sugiro um exercício, eu sempre faço perguntas. Eu mais faço
perguntas do que dou as respostas. Porque um deles sempre vai ter uma resposta de alguma coisa.
O que acontece é que muitas vezes eles percebem coisas que eu não percebo, entendeu? Cinco
cabeças pensando, ouvindo, percebendo melhor que uma.
11. E a faixa etária trabalhada? Você trabalha com alunos mais velhos, já trabalhou com
crianças, adolescentes...
Já. Já. Não se deve misturar. Porque cada faixa etária tem uma ...
(interrupção)
Porque cada faixa etária tem características que são muito peculiares... Se você mistura adulto com
adolescentes, o adolescente pode se sentir inseguro. O adolescente tem uma insegurança natural de
personalidade que faz com que o se apresentar em performance, seja uma experiência dolorosa para
222
ele. Eles estão em crise de identidade, então a experiência, ou a troca de experiência com uma
pessoa mais madura, que fala as coisas com mais sinceridade, com mais desinibição, pode causar
uma reação de defesa no adolescente. Então, eu procuro deixar idades próximas. Idades próximas,
mas muitas vezes, níveis diferentes.
12. E no caso, você já trabalhou com todas as faixas etárias? Crianças , adolescentes e
adultos, ou geralmente, são jovens e adultos?
Já trabalhei com várias idades. Com várias idades.
13. E você sentiu dificuldade de trabalhar com alguma, ou você acha que esse fator não é tão
significativo neste caso?
Olha é diferente porque depende muito da característica pessoal do professor , da formação dele.
Eu lido melhor com adolescentes e adultos. Porque eu trabalhei mais tempo com adolescentes e
adultos. Com criança, você tem que diluir a aula com brincadeiras, com joguinhos, com atividades
que são o tempo inteiro tem que ser lúdico. Não adianta você pedir disciplina, exigir disciplina, que
não é por aí. Você tem que tá seduzindo, tem que tá chamando a atenção para alguma atividade ali ,
a atividade tem que ser sempre interessante. Por isso que a aula tem que ser mais curta. Porque não
adianta você argumentar que eles têm que se concentrar, eles têm que, porque não é por aí. Eles
concentram enquanto tá divertido. Se deixou de ser divertido, acabou. Então, pra mim, é mais fácil
trabalhar com adolescentes. Adultos eu gosto também, é outra abordagem. Mas com adolescente, é
um desafio porque eles se defendem, eles se atacam, então essa interação que acontece, que a gente
espera que aconteça com os adolescentes é muito maior, é mais viva.
14. E Abel, atualmente você trabalha o Ensino Coletivo aqui na UEMG.
Isso.
Na Universidade Estadual de Minas Gerais. A carga horária, como você administra isso?
Você tem, eles têm aulas semanais, quinzenais? Qual é a carga horária de cada aula?
Bom, depende do curso. O curso básico que é o curso de extensão, a gente faz aulas em grupo,
aulas semanais. Toda terça –feira às 18:30 a gente se reúne. Às vezes vem um, às vezes vem cinco,
às vezes vem alunos que não são meus alunos particulares, vêm alunos de outros professores. É
uma aula em aberto. Muitas vezes, a maioria das vezes vem três a quatro. Que é o número ideal, na
verdade. Pela minha abordagem é o número ideal. Agora, a graduação, as exigências do repertório,
do desenvolvimento é maior. Então, a gente faz aulas esporádicas, uma vez por mês. Num sistema
não de Master-Class. O Master-Class é um momento da aula em grupo, é o momento em que a
pessoa toca e os outros criticam, os outros observam, elogiam e se for necessário. Mas se trabalham
questões técnicas, trabalham questões filosóficas e musicais, interpretação. É uma discussão bem
ampla.
15. E no caso, além de ser trabalhado aqui na UEMG, você trabalhou em alguma outra escola
com o ensino coletivo em instrumentos?
Eu participo muito de cursos de férias. São João del Rei, Porto Alegre, Domingos Martins no
Espírito Santo, são cidades que tem uma atividade, Ouro Preto, são cidades que tem uma atividade,
sempre em Festival de Inverno que eu vou, participo, sempre faço aulas, a maioria das aulas de
festival é em grupo. Porque o tempo é muito pequeno, e é uma semana só, dez dias às vezes, e
quanto mais eles puderem ter experiências intensas de convivência, de, de conhecer estudantes de
outras cidades, de abordagem técnica diferente, que sugerem discussões muito saudáveis. E , é
muito prazeroso pra mim porque são alunos que eu não conheço. Então, é sempre um desafio você
lidar com alunos novos e você sempre se surpreende, isso mantém a gente mais concentrado, mais
atento, mais vivo. A gente aprende muito mais com os alunos que a gente não conhece, numas
situações dessas.
16. E Abel, na área da pesquisa em Música, em Educação Musical, como você vê o quadro no
Brasil sobre o Ensino Coletivo? Se você conhece o trabalho de outras pessoas fora, em Belo
Horizonte e fora de Belo Horizonte, a atuação de outros professores e a questão da pesquisa
em Ensino Coletivo?
Todos os professores de instrumentos sabe que existe uma resistência muito grande. Porque a gente
aprendeu de forma individual e é muito mais cômodo ensinar da forma como a gente aprendeu.
Mas eu acho que o quê tem feito as pessoas procurarem o ensino em grupo é, sinceramente,
demanda. Demanda de professores mais versáteis, que consigam tornar o ensino mais interessante,
223
mais eficiente, mais atrativo. Porque ensino de instrumento tem que ser alguma coisa
extremamente sacrificante. Então eu acho que esse lado lúdico que os cursos, principalmente de
iniciação, e os cursos básicos, precisam ter pra poder trabalhar com quantidade também.
Quantidade. A gente não, não pode negar que de cada dez alunos, um ou meio, segue a carreira, a
carreira profissional. O objetivo é, também vai fazer diferença aí. Se é iniciação, é simplesmente
pra socializar o ensino de música, ou se é pra, pra tirar, se você está dentro de uma universidade, se
é pra tirar uma porcentagem que vai preencher o curso de graduação. Mas, eu acho que a demanda
tem crescido, pelo, pela... porque tem, tem crescido a procura de estudantes também, para começar
a estudar música. E, e otimizar esse tempo. O curso de música é um curso muito caro. É, as escolas
de música das universidades são as escolas mais caras, exatamente porque o ensino é só individual,
percebe? Eu acho que, que é uma das razões também que, que tá fazendo com que o ensino em
grupo esteja muito procurado. Outra que eu acredito é uma, uma (interrupção). Eu acho que com o
próprio desenvolvimento da pedagogia, utilização da, da psicologia humanística na, na educação
tem se chegado à conclusão de que o ensino deve ser mais socializado, mais interativo. Eu acho
que os professores estão começando a se abrir para esse tipo de pedagogia mais moderna. Quer
dizer, na verdade, a psicologia humanística tem cinqüenta anos, né? Isso é, essa, essa transição
demora a chegar até o ensino de música. Primeiro, tradicionalmente, o conhecimento novo começa
com a filosofia, ou a ciência, que andam muito de braços dados. E isso chega na pedagogia, de uma
forma geral, com vinte anos de atraso, trinta anos e isso vai chegar pra nós, professores de música,
ás vezes, muito tempo depois. Então, é uma forma da gente, os bons, os bons professores eles estão
ligados, em termos de paradigma, em termos de, do quê que a filosofia tá pensando, digamos
assim, ultimamente e aplicando isso, tentando aplicar isso, na prática do ensino.
17. E sobre essa questão, você conhece alguém especificamente, que trabalha aqui em Belo
Horizonte, ou nomes fora de Minas, fora de Belo Horizonte? Ou não, você acha que ainda
falta um maior entrosamento entre os educadores musicais, divulgando seus trabalhos,
fazendo um intercâmbio?
Eu sei de nomes de professores que trabalham com o ensino em grupo, mas eu pelo menos não
recebi nenhum convite e não me dirigi a nenhum. Existe um isolamento realmente que separa, que
deixa cada um trabalhando, meio que individualmente. Em Belo Horizonte têm professores que já
trabalharam o ensino em grupo e depois foram ser meus alunos na especialização, aqui na UEMG,
que na verdade foi uma troca de informações porque não existe uma metodologia única. Existem
princípios pedagógicos que são aplicados em abordagens diferentes. Então, não existe uma
metodologia que eu ensino a você. Isso pode acontecer, mas entre dois professores que, que já
trabalham com isso e o que acontece é uma troca de informação. Como dois profissionais. Mas eu
acho que falta um entrosamento, e isso pode acontecer sim, pode melhorar porque só vai
enriquecer.
18. E Abel, para finalizar, você tem alguma consideração a fazer sobre essa nossa conversa,
alguma sugestão a fazer, no caso, para mim, para a minha pesquisa? O que você tem como
palavra final?
Eu acho que o trabalho com o grupo é uma opção, uma modalidade de trabalho, uma abordagem de
ensino que serve a muitos objetivos, a muitos objetivos. Se a gente pensar que a gente no final das
contas de um aprendizado musical a gente vai tocar em público, porque que a gente não pode
aprender em grupo, estudar em grupo, estudar com o colega, ter aula com o colega. Então, qualquer
abordagem que você tiver, que você tiver, desde de uma, de uma abordagem de educação liberal,
sem objetivos profissionalizantes, que você inicia uma quantidade de alunos até uma, com
objetivos profissionalizantes. O ensino em grupo, ele serve perfeitamente para ser trabalho tanto
em abordagens quanto em idades diferentes, pra crianças, pra jovens, adolescentes, terceira idade.
Agora, o mais importante eu acho que é o que eu tenho percebido, isso aconteceu em mim, é uma
mudança, é uma mudança de visão do trabalho como músico, como professor, como intérprete. A
visão do século XIX é uma visão muito, muito mítica, tanto do compositor quanto do intérprete. E
a visão, a visão do século XX é uma visão muito tecnicista do músico, do compositor também. O
músico tem que ser absolutamente excelente, perfeito. O advento do CD, da gravação do CD deu
uma neurose dos alunos de instrumento, dos instrumentistas de não, de eliminar o fator imperfeição
do, da pauta de aprendizado. Se objetiva a perfeição. E sendo o quê caracteriza a vida, a natureza e
224
compromisso com o aqui, agora, com aquele momento. E se você tiver só a teoria e não conseguir
realizar isso na prática, você tá fazendo uma coisa terrível, você não sabe o quê que você tá
causando ali como conseqüência nos alunos. Você não sabe as conseqüências que os alunos vão ter
com o passar do tempo. Você pode ter um discurso e na prática você ter um, você ter uma direção
completamente diferente. esse que eu acho que é o perigo de você trabalhar com o grupo numa
determinada abordagem porque os danos que você pode causar podem ser muito maiores porque o
número de pessoas envolvidas é maior. Entendeu? A coerência da abordagem que o professor
escolhe tem haver com a vocação deles. Tem professores que são excelentes para se formar um
concertista numa forma tradicional. Esse professor não deve mudar a abordagem dele. Entendeu?
Só que não é democrático. Vai ter um número de alunos restrito que vai se, que vai conseguir
estudar com aquele professor, entendeu? Mas se ele for original, ele tá autêntico na abordagem
dele, entendeu? Eu posso dizer que eu consigo trabalhar de formas diferentes, tanto para alunos
que se profissionalizam porque aí você tem um objetivo, um repertório, um, objetivos muito claros
a cumprir. Mas a abordagem humanística ela tá ali o tempo inteiro. O repertório nunca é mais
importante que o aluno, nunca é mais importante que o intérprete. Porque se você preparar ele
praquele repertório, você prepara ele também pra, pra outro tipo de peça. É a educação da reflexão.
Você nunca dá a resposta. Você sempre dizer coisas que se aplicam a outras situações, entendeu?
Pra ele ter condições de aplicar o conhecimento. O grande objetivo é você tornar o aluno
independente. É você dar pra ele condições dele pensar sozinho, dele estudar sozinho. E prá isso
você não pode dar respostas, se você responder ele acomoda, ele vai depender de você. A
dependência vem desse tipo de relação, se você ensinar ele a pensar, se você ensinar ele a estudar e
a pensar tecnicamente, musicalmente, artisticamente, percebe? Então, eu acho que é uma mudança
de foco. Antigamente se tinha uma, um foco em cima do, da habilidade, do que tem que ser feito,
você tem que. É a Educação Comportamental, baseada na Psicologia Comportamental. Você tem
um objetivo. O objetivo é aquele. Então, você tem que seguir essas etapas do aprendizado até você
alcançar esse objetivo. No final do ano você tem que se capaz de, dois pontos, aí vem o repertório a
cumprir, percebe? De alguma forma, a gente não pode abandonar isso. Porque é uma referência. Lá
fora quando o aluno se formar, ele vai encontrar, ele vai encontrar exatamente isso, abre aspas, pra
você entrar nessa orquestra você tem que ser capaz de. O professor não pode ignorar isso. Mas ele
não pode ignorar que existe um ser humano atrás, que esse ser humano tem que ser preparado, tem
que ser moldado pra ele prosseguir sozinho no, na jornada de aprendizado.
20. Mas alguma consideração, Abel?
Não. Eu acho que já conclui tudo.
Então está bom. Então eu quero agradecer você imensamente pela, por me receber aqui e
espero revê-lo em breve.
Eu também.
Agradeço imensamente.
O prazer foi meu.
1. Bom Dia, Luciano. Primeiramente, eu queria saber, como se deu o seu primeiro contato
com a música?
Bom, meu primeiro contato foi, eu tinha nove anos de idade. E eu estava assistindo TV quando vi
uma orquestra tocando na TV, eu fiquei apaixonado. E no outro dia, acordei de manhã, e fui falar
com o meu pai : “Pai, quero comprar violino”, “Eu quero um violino”. E enchi o saco dele até ele
arrumar um violino pra mim. Ele comprou na época um violininho de fundo de quintal, sabe?
Aqueles que você passava a mão parecia uma lixa. E aí, eu comecei a estudar. O meu primeiro
contato foi assim. Eu comecei a estudar, eu comecei a fazer aula particular com a Dona Edna
Nogueira, em Araraquara. E esse foi o meu primeiro contato, depois foi dando continuação, na
Orquestra e tudo.
226
Além de aprender mais rápido, assim, no sentido que eles podem tocar num recital, em três,
quatro meses, porque cada um faz uma voz, ou então, tocando uma escala, ele já pode tocar
canções folclóricas em um grupo que tem aquela sonoridade maravilhosa, né. Então, isso é
um incentivo.
É, exato né. É diferente. Você tá com uma turma que tem vinte e cinco do que você tá sozinho com
o aluno, né. O aluno se sente motivado, ainda mais quando coloca peças com vozes diferentes, né.
Eles ficam assim : “Nossa que bonito!”. Eles acostumam a tocar só uníssono, que é uma voz só e
de repente eles se deparam com outras vozes, eles realmente sentem, eles se sentem, eles sentem
que estão numa Orquestra. Porque é uma Orquestra, sai e fala pro pai e pra mãe : “Mãe e Pai”
sabe? Isso incentiva eles, e a cada aula, eles querem fazer algo diferente, a cada aula eles se
concentram mais. Agora, por quê? Porque é o ensino em grupo. É diferente, bem diferente do que
ensino individual. Eu já dei aula individual, né. Mas eu acho que é isso daí.
6. E você trabalha com qual faixa etária aqui?
Olha a idade é de 8 a 18 anos. Isso é o projeto que colocou essa idade porque a gente tem que
trabalhar com crianças e adolescentes, né, a adolescência vai até os 18 anos. Agora tem a
Orquestra Paulista, que é a orquestra paralela que montaram, né, que tem já alguns alunos, se eu
não me engano, só seu eu tiver muito enganado, mas parece que tem alunos mais velhos, que
começaram a aprender no projeto, né. Então, montaram essa orquestra, pra quê? Pra dar
continuação ao trabalho deles. Porque às vezes, que nem tem alunos que não têm condições
nenhuma, né. De viajar,de viajar, de gastar né, não tem condições nenhuma. Então, eles montaram
estas orquestras aqui pra quê? Pra ser mais acessível né, pra todos os alunos que estão aqui, ao
redor, vir e fazer.
7. E essas turmas? Vocês misturam todas as faixas etárias? Ou vocês trabalham de 8 a 12, 14
e depois tem a turma de adolescentes, como é que é? Ou depende da disponibilidade?
É engraçado isso. A gente normalmente, que nem, música é um, é uma, é um ensino livre. Que
nem você vai em uma escola de música como um conservatório e você vê – inclusive eu quando
estudava, eu tinha um amigo que tinha 16 anos, eu era mais velho que ele, eu tinha um amigo de
16 anos e ele estava se formando primeiro que eu. O moleque tocava muito, né. Mas aqui acontece
isso, de você entrar numa sala de aula e deparar com crianças, de 8 a 10, e já adolescentes de 12
anos pra cima, né. Então, aí quando você senta você vê de frente com eles, as palavras que você
usa nem sempre tem que ser a mesma, né. Porque de repente com criança você usa mais
diminutivo, né. Agora com adolescentes, mesmo eles estando na mesma turma, se você usar esses
diminutivos, ele vai achar muito babaca, muito quadrado, muito careta, né. É a visão que eles tem.
Mas, é junto isso né. É misturado realmente. Mas aí vai assim. eu já. já chegou acontecer isso
comigo, eu chamar os mais velhos e falar : “Olha, eu, quando eu tiver falando: ‘Vamos tocar essa
notinha! Vamos tocar isso assim dessa forma. Olha o arquinho, toma cuidado!’ Vocês sabem que
não vai ser pra vocês”. Lógico, né. Porque quando eu falo eles dão risada, eles pulam, eles fazem
alguma coisa. Então, é isso daí. è junto realmente, não tem, não tem separação nenhuma, que nem,
você vê aqui na segunda turma, que é o pessoal que fica pra fazer ensaio com a orquestra, tem
pequenininho junto, lá, né. Mas o Dasso (?), quando ele chega, ele fala igual pra todo mundo, né.
A bronca quando a gente dá bronca, é igual pra todo mundo. Não tem diferença não.
8. E você atua no ensino coletivo só aqui, no Projeto Guri ?
É eu trabalho aqui, né.
E você trabalha em outros pólos, mas dentro do projeto?
É, dentro do projeto. Eu cheguei a trabalhar fora, também, no Conservatório em Sorocaba, ???
Julião, mas eu dei só, eu só comecei. Eu montei tudo lá, montei uma estrutura legal. Aí eu
consegui, eu peguei alguém pra colocar no meu lugar, né, pra dar continuação ao trabalho. E o
trabalho esta sendo feito até hoje, né.
Ah, que bom!
9. E a carga horária aqui ? São duas aulas? Qual que é a carga horária? De uma hora, de
uma hora e meia? Qual que é a carga horária?
É. A primeira turma, a primeira turma, de manhã no caso, pelo fato de ser, ser muito pequenos, né,
crianças, a gente tem a visão que é o seguinte: a criança, ela não tem paciência pra agüentar a ficar
sentada, fazendo aula, como tem um adolescente, né. Mesmo o adolescente, ele já reclama. Então,
228
a gente procura, a gente procura, fazer uma aula logo no início, dá o máximo de nós, e pedir o
máximo deles, no início que é a hora que eles se concentram mais. Porque depois de, de meia hora,
quarenta minutos, eles já tão bem dispersos já, não conseguem mais se concentrar, né. Então, mas,
normalmente, é uma hora a primeira turma, a segunda, a gente já puxou pra fazer uma hora e
quinze, né. E a tarde também funciona assim.
10. Luciano, o seu referencial teórico, então, o método que você aplica é o método do
Galindo, e quais são as outras fontes? Você tem arranjos próprios, onde você busca.
(Interrompendo) É, que nem, eu estudei, eu fiz composição, regência, então, a gente tenta se
esmerar em querer aproveitar isso, né. Normalmente, a gente usa o método do Galindo mesmo, né,
vai até o final dele. Dou aula no Pólo São Roque também, já cheguei no final do método e voltei
pro começo, de maneiras diferentes, assim, fazia, é estranho, mas é interessante pros alunos, para
eles terem reflexo, terem leitura boa, lia todas as peças, de trás pra frente, todas as peças, ao invés
de tocar as notas que estão escritas, dividir tipo colcheia, semicolcheia, fazer tudo, sabe, alternar
tudo, mudar tudo. E aí, quando tem peças de orquestras, ou quando a gente vai fazer alguma
audição, como você ouviu agora, eu ensaiando, o que a gente estava fazendo, tem arranjos,né. A
gente escreve, né. Eu escrevi um bem básico realmente, ali prá eles, mas a gente faz os arranjos,
são próprios nossos também. Só que aqui tem o maestro aqui, né. Eu, a Andréa, a gente dá aula
né, tudo que a gente faz chega no maestro e mostra pra ele, fala assim : “Maestro, passa isso pra
eles lá, dá uma olhada aí, pra vê se tá legal”. Se falar que tá, tudo bem, se ele falar assim : “Vamos
mudar aqui” e eu falo : “Então, mude, então!”. Se você acha que tem que mudar, então muda.
Então, muda você.
Mas é isso daí.
11. E na sua opinião, você acha que a pesquisa em ensino musical, em ensino coletivo vem
crescendo? Como você vê essa área da pesquisa em Educação Musical? E como você vê a
questão do ensino coletivo? Você acha que está crescendo a prática, as pessoas tem sido mais
receptivas, como é que você vê isso aí?
Olha, eu tô, eu acho que eu já disse isso a você, eu tô no projeto a quase cinco, seis anos já. Então,
quando eu entrei não sabia nada. Eu perdido completamente, então, com o tempo a gente vai
acostumando, vai pegando, né, e eu acho que isso acontece com os outros, com os outros
professores também. Hoje, hoje tem professores daquela época que eu entrei, que hoje eles atuam
muito bem, trabalham muito bem, né. E isso é importante pras crianças também. O ensino coletivo
pra eles ali é, como posso dizer, eles têm, assim, eles têm vontade de sair da casa de cada um e vir
prá cá fazer, vim fazer a aula e tudo. E, eu fugi um pouco de sua pergunta.
Não, assim, sobre a questão social ... Você acha que a pesquisa no ensino coletivo, com a
temática, vem aumentando? Você conhece além da dissertação do João Maurício, do
Enaldo, alguma outra? E sobre a questão mesmo do ensino coletivo, você acha que vem
crescendo em São Paulo ? Ou é só aqui no Guri, como é que você vê isso?
Não, não, isso vem, realmente vem crescendo assim. Eu tô há tempo aqui, você vê, você vê o
desenvolvimento assim, cada vez, cada vez tá indo pra melhor. Você vê os professores, eles se
empenhando, sabe, dando o máximo de cada um pra conseguir fazer um trabalho legal, pra
conseguir, sabe, que nem hoje aqui. Você vê que a gente trabalha, eu e a Andréia dentro de uma
sala de aula, isso faz render muito mais o trabalho, isso faz. O pessoal costuma falar que eu sou
bravo né, que eu sou o casca grossa daqui do pólo. A Andréia é mais calma, então, sempre têm
essa, essa coisa assim, todos alunos eles gostam. Porque às vezes eu brinco, faço uma palhaçada ou
outra, né. Mas eu acho que isso vem do tempo, do trabalho. Acho que quanto mais tempo o
professor tiver dentro do projeto, tiver trabalhando, melhor vai ser o rendimento dele.
12. Luciano, para finalizar nossa entrevista, nossa pequena entrevista, você tem alguma
consideração final, alguma sugestão a fazer sobre a pesquisa? Sobre a minha pesquisa, no
caso, alguma consideração final?
Eu achei muito legal. Você sair lá de Goiânia, vir aqui fazer tudo isso. Eu acho que é um trabalho
legal, pra mostrar para bastante gente. Porque esse projeto é só aqui em São Paulo. Então, não sei,
eu acho que você tinha comentado comigo que estão querendo levar pra lá, ou alguma coisa assim.
229
É. A gente trabalha há dois anos e meio como o método Galindo. A gente trabalha com esse
método que vocês trabalham aqui, há dois anos e meio em Goiânia. Mas é só Cordas. Então,
a gente veio conhecer aqui.
Eu achei importante pra caramba, seria bom se todos as universidades, todos os estados pudessem
querer conhecer, tivesse essa idéia de montar uma tese assim. Parabéns.
Então tá. Então, muito obrigada Luciano.
Por nada.
Até mais!
1. Marcelo, Boa tarde! Eu gostaria de iniciar a entrevista perguntado : como se deu seu
primeiro contato com a música? Como você começou a estudar violão?
Eu tive contato com violão, principalmente, com meus irmãos mais velhos. Os dois tocam violão e
eu, apesar de não ter passado a minha infância toda com eles, eu morei aqui em São Paulo até os
nove anos de idade e convivi com meus dois irmãos que tocavam violão. Apesar de que os dois
eram canhotos. Então, eu nunca pude experimentar o violão deles porque o violão deles era de
cordas trocadas para mim. E depois, eu fui morar na Paraíba, e lá que eu comecei a estudar mesmo.
Mas a minha primeira iniciação musical foi com o meu irmão, que até hoje foi o meu incentivador,
meu irmão mais velho. Que sempre me mostrava discos, me mostrava as coisas, ele que me levou
pra frente.
2. E qual que é a sua formação musical? Você falou que iniciou seus estudos na Paraíba, e
qual é assua formação, depois disso o quê que você estudou?
Eu lá, aos quinze anos comecei a estudar violão. Comecei com um colega de escola que me
ensinou algumas coisas, depois eu comecei a fazer aulas. Mas eu trabalhava em outra área, eu fazia
curso técnico, era técnico em eletrônica, e depois fui morar em Recife, e estudando Engenharia, e aí
uma hora me deu na telha assim, eu disse : “Ah, vou começar a estudar música”. Aí, comecei a
estudar em um Conservatório em Olinda, né, fazia aula de violão, e tal. E aos vinte e cinco anos eu
entrei na Licenciatura em Música, na Universidade Federal, na época eu desencanei de Engenharia,
de tudo e disse : “Vou estudar música”, entrei na Federal. Aí fiz os cinco anos de Licenciatura lá, e
vim embora prá São Paulo, tentar fazer Pós-graduação, essas coisas. E aqui eu entrei com a
intenção de fazer Mestrado, mas cheguei aqui tive dificuldade de entrar direto no mestrado aqui. Aí
entrei na UNESP, comecei a fazer Composição e Regência. Fiz três anos de Composição e
Regência na UNESP. E aí, entrei no mestrado agora, meu mestrado é em Musicologia, vou estudar
a obra do Baden Powell. Fora isso, aqui em São Paulo, eu estudei na ULM, eu fiz Violão Popular
na ULM, estudei eu acho que uns três a quatro anos na ULM, aí parei agora porque entrei no
mestrado, aí eu tive que parar.
3. E quando se deu esse interesse em ensinar através do ensino coletivo? Como surgiu esse
contato com o ensino coletivo?
Eu dava aula já no Projeto Guri em 98. Mas eu dava aula de Canto Coral. Fiz formação, estudei,
cantei em coral, fiz um monte de coisa e dava aula no coral infantil. E o pessoal da coordenação
sabia que eu tocava violão e estavam precisando de professor de violão no pólo aqui. E aí eu fui.
Não sabia que era aula em grupo, não sabia como era e cheguei lá e me deparei com uma turma, e
disse : “não vou ter que fazer alguma coisa né”. E diante daquela situação eu comecei a criar, eu
comecei a experimentar um monte de coisas e algumas coisas deram certo, algumas coisas não
deram certo, a gente vai experimentando né. Comecei a escrever arranjos, já em 98, tem arranjos
que eu toco até hoje, aquele é um arranjo de 98. E algumas coisas que eu aprendi lá e de lá pra cá
sempre trabalhei muito com aula em grupo.
4. E quais são as vantagens de se trabalhar com o ensino coletivo? E se existe alguma
desvantagem? Fale sobre isso.
230
Olha eu não vejo desvantagem nenhuma. Eu vejo assim : eu dou aula individual também, eu
trabalho numa outra escola. E assim, o aproveitamento, o rendimento dos alunos é muito superior.
As grandes vantagens que eu vejo, é assim : o estímulo, porque um trabalho em grupo é muito mais
interessante, eu tenho pouquíssimo problema de disciplina, porque vêm as pessoas que estão
realmente estão interessadas, as que não estão interessadas não vem. Eles criam uma amizade
muito grande, vira uma turma mesmo, de amigos, né. O fato de um ver o outro desenvolvendo, ele
se estimula para aprender, ele troca experiências com os amigos. então assim, ás vezes o que um
aluno fala, um colega dele fala : “ah, eu vi uma música de tal pessoa é muito mais, talvez chame
mais a atenção do colega do que se eu falasse. Chegasse e :“Olha vamos ouvir Hermeto Pascoal,
vamos ouvir Egberto Gismonti” , pra eles talvez, não significasse nada. mas chega um colega :
“Ah eu ouvi uma música de tal e tal”. Aí o cara : “Pô deve ser legal”. è uma outra referência né.
Tem isso do desenvolvimento, do interesse, e eu acho que eles criam uma prática que eles levam
pra vida. Assim, tocar em grupo, fazer uma rodinha de violão. É um instrumento muito popular no
Brasil. Então é fácil de fazer o menino tocar, e toca muito o quê ele quer. Instrumentos de Cordas
às vezes têm essa dificuldade, ele toca algumas coisas que ele não conhece né, e o violão ele
consegue tocar o repertório que ele gosta, seja axé, pagode, ele sai tocando né. Ele consegue
perceber que isso, que essa parte do instrumento pode ser aplicada de qualquer forma. E isso na
prática de grupo é muito mais fácil. E assim, uma outra coisa que eu gosto de sempre ressaltar é
que sempre a gente consegue fazer a música chegar no fim. Porque sempre alguém vai conseguir
tocar até o fim né. Quando a gente está no aluno individual, ele fica naquele, ele erra, pára ou você
toca junto com ele e aí né. E eu aqui, inclusive, na aula, os meninos até comentam, acham
engraçado, porque eu não toco prá eles. Eu dificilmente preciso toca porque sempre tem alguém
que consegue mostrar. Então se tem algum exemplo, o próprio colega dá o exemplo pra ele. Muda
de lugar, põe, senta ele do lado dele. Então, não fico naquela deu mostrar, que é uma coisa, que é
uma experiência que eu vivi. Eu via meu professor tocando e achava que ele tocava aquilo porque
tinha estuda quinze anos a mais do que eu, que eu nunca ia conseguir fazer aquilo, o colega tocando
é outra coisa.
É outra coisa.
5. E Marcelo, nesta metodologia que você desenvolveu através do ensino coletivo, qual, você
tem algum referencial teórico? Algum método que você se espelhou ou algumas coletâneas...
Olha, método na verdade, eu não, não achei nenhum que me desse suporte aqui. Mas eu sempre
segui por dois caminhos. Na verdade por três caminhos: a leitura por partitura, sempre aliada à
prática do instrumento, sempre. Desde a primeira notinha, ele toca junto, até ele se conscientizar de
que aquilo que ele tá vendo, é o que ele tá tocando. E ainda assim, é difícil. Eles lêem a partitura, lê
a nota : “Ah, isso é dó, isso é ré”, mas olha para o instrumento e não sabe aonde tá. E sempre
paralelo a isso, a parte de harmonia funcional, sempre. Desde o começo, entender o quê é cifra,
entender o que é um dó maior, entender o que é um ré. E evoluindo um pouco o trabalho, eu
sempre faço com que eles descubram os acordes no violão né. Não fico eu, desenhando o tempo
todo, dizendo né. Se é um acorde de lá, e às vezes ele quer fazer um lá com sétima, eu digo : “Põe
um sol aí” e se virá, dá um jeito, até eles descobrem uma maneira de montar um acorde e aprendem
desta forma, não esquecem. Se a gente for lá e colocar o dedo dele lá, ele vai esquecer, ele tira a
mão e não sabe mais. E uma outra coisa que eu gosto de fazer, mas isso desde o começo, é fazer
com que eles entendam como funciona o violão. É engraçado que eu dou aula, às vezes, pra
pessoas mais antigas assim, (...?) né, e quando eu mostro pra ele assim, que o mesmo acorde, fá e
fá# são iguais, os caras ficam olhando para a minha cara e dizem : “Nossa, eu toco violão há dez
anos e ninguém nunca me falou isso” né. E eu faço eles descobrirem isso, que é o grande, grande
recurso que o instrumento têm, ele vai contra todas as regras de harmonia, porque é de um
paralelismo absurdo né, mas é o recurso do instrumento, então se ninguém aprende a fazer o fá, ele
aprende a fazer todos os acordes maiores, menores, com sétima e aí (...?). E diz : “Não, vamos
fazer um dicionário de acorde?”. Não precisa. Se você entende o instrumento, você toca. Você se
vira, você sabe onde é o sol, você sabe onde é o sol sustenido, né? É um mecanismo. Eu até brinco
assim, eu digo : “Engraçado, vocês compram um teclado e fica lendo o manual três dias até
aprender mexer em tudo. O violão também, tem que aprender como é que funciona, tem que
apertar, tem que, é a lógica do instrumento”.
231
6. E Marcelo, e as turmas aqui de ensino coletivo, que você trabalha no Projeto Guri, qual
que é a carga horária semanal?
Olha, as turmas iniciantes, eu tenho, assim, são duas vezes na semana, tem turmas que tem aulas de
uma hora e quinze, tem turmas que tem aula de uma hora nesses dois dias, com exceção da turma
mais avançada, que além dessa uma hora de aula, eles tem o ensaio, né. e aí, como são dois dias na
semana, um dia de ensaio geralmente é uma hora e meia, eles tocam com a orquestra e dia de
ensaio, eles ficam aqui fazendo a Camerata. Mas duas vezes na semana.
Então, no total, mais ou menos, duas horas e meia.
Mais ou menos. O pessoal da Camerata é isso mesmo, têm cinco horas de aula.
Ai que bom!
E eu acho inclusive que isso é um reforço muito grande no aprendizado. Você não cria uma
distância tão grande. Não é que o menino não estude, a gente sabe que hoje em dia você pega um
adolescente, ele tem trabalho de escola, tem não sei quê, não sei quê. Então, eu até brinco assim, se
não estudar em casa, pelo menos duas vezes por semana eu sei que ele vai ficar aqui, que ele vai
tocar um pouquinho né, e vai levando pra frente.
7. E além daqui, você trabalhou em outro lugar com o ensino coletivo ou a sua experiência é
só aqui?
De ensino coletivo de violão, só aqui. Já trabalhei em outros projetos sociais e dou aula individual.
Já trabalhei com canto coletivo, né, mas de violão, só no Projeto Guri.
8. Você está começando o mestrado, então eu gostaria de saber se você acha que a pesquisa, se
você tem notícia na USP...
(Interrompendo) Na UNESP
na UNESP da pesquisa na área do ensino coletivo? Você acha que vem crescendo o interesse
dos professores e conseqüentemente o interesse da pesquisa nessa área?
Olha, eu acho que sim. Na minha turma da UNESP não tem ninguém que tenha problema com
pesquisa nesta área. Mas eu vejo um crescimento nesta área de ensino coletivo. Eu não consegui,
ainda, encontrar uma maneira de fazer isso em escola particular de música. Embora na nossa
cabeça, seja interessante financeiramente, né. Mas perde uma grande mágica da coisa que é o não
ser obrigado a fazer. Eu acho que aqui, por exemplo, funciona porque o aluno vem se ele quer, no
dia que ele não quer mais ele não vem, né. Se você pegar uma turma em escola que o pai leva o
menino, enfia lá na sala de aula, mesmo que seja em grupo, seja turma vai ter aquele que não quer
fazer aula né. E as escolas, elas, as escolas particulares, elas também ficam receosas de criar este
tipo de mecanismo né, porque de repente, vão dizer que eles estão querendo ganhar dinheiro fácil,
que o ensino não é assim, tem as pessoas mais tradicionais que dizem : “Imagina, vocês estão
enrolando todo mundo”. E a gente sabe que não é.
No caso, precisa de um investimento maior, né. No violão nem tanto, porque o violão é um
instrumento mais acessível. Mas outros instrumentos precisam de uma estrutura que ás vezes
a escola particular não está muito interessada em gastar...
E tem outro problema né, uma escola que o pai tá pagando, a família tá lá, fazendo um esforço, de
repente o menino não vai pra frente, e você de repente não tem com explicar para o pai que ele
aprendeu menos que o outro. Ele pensa : “Pôxa, mas ele está a um ano, todos os colegas dele agora
tão tocando, porque que ele não toca? O meu filho tem que ficar naquela turma”. Cria esse
problema que a gente não tem como dizer pro cara isso. “Não eu tô pagando, ele tem que ficar aí” ,
não tem como tirar,aí fica difícil.
É complicado.
Aqui é assim : a gente tem essa possibilidade, “Não esse ano ele ainda tá no começo, a gente vai
deixar ele na primeira turma”, nunca tive qualquer problema com isso, pra mim, isso é tranqüilo.
9. E pra finalizar Marcelo, você tem alguma consideração a fazer sobre o ensino coletivo?
Alguma sugestão?
Olha, eu sou um defensor assim, ferrenho do ensino coletivo, né. Eu acho que ele tem que ser
aplicado a tudo, tem que ser levado pras universidades, mesmo que vá entrar pras práticas de
conjunto das universidades. Eu quando estudava na UNESP era muito fraco isso, né. E instrumento
se aprende tocando, né. E na maioria, na grande maioria das vezes a gente vai tocar em grupo, não
232
tem jeito. Se é instrumento de orquestra, você vai tocar numa orquestra, se é instrumento popular
ele acaba tocando dentro de um grupo.
(Interrupção - a fita acabou)
Então Marcelo pra finalizar, você tem alguma consideração a fazer sobre ensino coletivo?
Alguma sugestão?
Bom, vou repetir (risos).
É, repete (risos).
A minha resposta, eu acho que tem que ser levado a diante, tem que ser aplicado, tem que ser
embasado isso, pra mostrar pras pessoas que funciona. as pessoas, na maioria das vezes, não
acreditam que possa funcionar esse tipo de coisa. E ser levado pras universidades, pras escolas
públicas. Inclusive é uma prática musical que poderia ser feita nas escolas. Eu inclusive vejo nas
escolas particulares que tem aula de música, é muito pobre o ensino de música nas escolas, então,
poderia ser muito rico, né. O máximo que eles fazem é uma aula de flauta doce, ou coisa assim, que
eu até tenho algumas críticas, porque eu acho que é um instrumento que não reflete a realidade da
música brasileira, não reflete a cultura brasileira, não existe repertório brasileiro sobre isso, não
estimula o aluno a ir pra casa dele e tocar flauta doce no meio da família dele. Tem tantos
instrumentos que são até fáceis de se conseguir, aqueles que não tem um violão na família, um
cavaquinho, um pandeiro ou qualquer coisa e formar grupos de instrumentos, que sejam populares,
que possibilite o aluno tocar isso. Então, eu acredito plenamente no ensino coletivo, acho que tem
que ser estudado, tem que ser levado pra frente.
E até mesmo pra democratizar o acesso a educação musical, né?
Lógico, você tem, aqui eu tenho oitenta e cinco alunos, né. Então, eu tô possibilitando o acesso a
uma aula de música pra oitenta e cinco crianças, né, num dia só eles tem oitenta e cinco crianças
que passam por aqui. Então, se eu tivesse dando aula particular eu ia dar aula pra meia dúzia, né?
É.
Então, é uma gama de alcance (interrupção, entrevista encerrada).
1. Carmen, eu gostaria de saber primeiramente, como se deu seu primeiro contato com a
música? Como você começou a estudar música?
Bom, primeiramente, foi através de um concerto que assisti no Teatro Municipal, há muito tempo
atrás eu vi o Antônio Jonigro tocando violoncelo e fiquei assim fascinada com o som do
instrumento. Eu era muito pequena e minha mãe nem queria saber daquela história e eu acabei
estudando violão porque tinha violão em casa e daí, acabei fazendo violão erudito e mais tarde
quando eu tinha condições, eu acabei estudando violoncelo. Foi através daí que eu acabei
envolvendo completamente na música.
2. E qual é a sua formação? Você chegou a cursar universidade?
Eu fiz faculdade, fiz bacharelado em violão, na realidade. Daí, estudei na Escola Municipal de
Música aqui, que é uma escola da Prefeitura de São Paulo. Os professores são, em geral, o pessoal
que toca na Sinfônica né. Então, é uma excelente escola e também não é uma escola cara, então,
facilitou muito, uma vez que instrumento é muito caro, material, manter o instrumento, então eu
estudei o violoncelo ali, na Escola Municipal de Música. E na Faculdade eu fiz o trabalho com
percussão, com o núcleo de percussão, cantei em coral muito tempo, fiz o estágio com uma
professora que dava o Método Orff de musicalização para criança né. Então, eu transitei meio
assim, com várias áreas, assim, musicais.
3. E como é que surgiu o seu interesse pelo ensino coletivo ?
Ah, foi o seguinte : eu trabalho na Fundação de São Caetano, era professora lá, e lá nós temos, nós
tínhamos um quarteto de cordas. E o professor Enaldo Oliveira fazia parte deste quarteto e quando
ele foi abrir os pólos lá, ele me convidou para fazer parte. Então, ele me ensinou a maneira com ele
faz o ensino coletivo e eu fiquei encantada por ver o resultado. Isso me impressionou muito, a
233
rapidez com que a criançada conseguia tocar, tão diferente daqueles alunos, eu só dava aula
particular até então não é. E eu fiquei muito interessada e daí eu li a tese dele e daí prá cá eu tô cada
vez mais envolvida nesta coisa.
4. E faz quanto tempo que você está no ensino coletivo? Desde (...)
(Interrompendo) Desde quer ver, faz uns quatro anos. Mais ou menos uns quatro anos. Quatro ou
cinco anos que eu estou no ensino coletivo.
5. E fale um pouquinho da sua experiência como professora no Projeto Guri, no ensino
coletivo? E ainda : quais as vantagens do ensino coletivo em relação ao ensino individual?
Eu acho que o ensino coletivo, primeiro, é muito mais lúdico. Uma turma inteira, existe uma troca
de energia de idéias que é muito maior do que numa aula individual. Você está conduzindo pra uma
música o estudo, também é muito mais interessante, eu acho, né. Você não fica só em cima daquela
coisa técnica no começo, e o grupo acaba eliminando aquele som feio do começo, e a outra coisa
que eu vejo é o cara olha do lado e não tá conseguindo e vê que não é uma coisa dele. Que vários
ali não estão conseguindo, e que outros conseguiram, o colega acaba conseguindo, daí ele descobre
que ele também pode conseguir. Existe uma competitividade, assim, boa, exatamente, no sentido de
instrutivo. E é muito rápido, eu acho. Essa é a coisa mais fantástica que logo, logo, eles conseguem
tocar alguma coisa, isso é muito legal, viu. No olho da criança, quando ela consegue acertar todas
as notas, e brilha o olho, ele não precisa nem dizer, porque eu sei que ele conseguiu. E no começo
eu vejo, que a gente trabalha com criança, baixa renda, baixa auto-estima, né, eu vejo que no
começo eles dizem que não conseguem, não sei, “Ah, é muito difícil!” e isso no decorrer do ensino
vai se transformando, né. Eles acabam pedindo pra você passar mais uma vez, que ele ainda não
conseguiu. Ele tem a absoluta certeza que se passar de novo ele vai conseguir. Isso é muito legal.
Isso aí eu acho que é o mais importante pra mim.
6. E você, nesse início, você vê alguma desvantagem no ensino coletivo ou você só vê
vantagens?
Não, o problema é, eu acho assim, depois de um período você tem que encaminhar as crianças pra
uma aula individual. Eu acho que depois de uns dois anos, você de certa forma esgota aquela coisa
que pode ser feita junto, você precisa começar a burilar e a aprimorar, não é. Daí precisaria ter o
encaminhamento, certo? Aqui quando acontece isso no Projeto Guri, a gente de certa forma, as
pessoas que se interessam, porque muitas crianças acabam saindo e tudo, o que foi acrescentado a
elas, ninguém vai tirar. Isso aí é muito legal. Mas a gente procura mandar para a ULM, a gente aqui
tem um, de certa forma consegue. Já se conseguiu instrumentos pra quem não pode comprar,
porque a gente trabalha numa faixa muitas vezes de muita baixa renda, é complicado isso. Mas eu
não vejo tanta desvantagem assim. Acho bem legal.
7. Carmen, você atua com ensino coletivo aqui no Projeto Guri, só aqui você atua?
É, só aqui no Projeto Guri.
8. E a carga horária aqui? Como é que é dividida as aulas? São duas vezes por semana? Qual
é a carga horária semanal?
Todo pólo que eu trabalhei são dois dias por semana, cada turma mais ou menos uma hora e meia.
Tem lugares que a gente tem instituições que dão problema do ajuste interno com os horários deles,
tem alguns projetos que a gente tem aula de uma hora e quinze, né. Mas em geral é uma hora e
meia semanal só e tem sempre um ensaio de Orquestra, que a gente chama, que trabalha mais uma
hora, uma hora e meia dependendo do pólo.
9. E Carmen sobre as turmas, geralmente, qual que é o número de alunos? A quantidade de
alunos por turma depende de cada pólo, da procura, mas geralmente qual é a quantidade?
O padrão é de uns quatorze violinos, três violas, três cellos e um contrabaixo. Têm pólo que não
tem contrabaixo ainda, porque tem crianças muito pequenas. O pólo que eu trabalho lá na Casa da
Solidariedade foi um pólo que tinha muitas crianças e eu tinha mais crianças na sala, não é. Quando
eu juntava as minhas turmas eu tinha uns vinte e três violinos mais ou menos lá. O ensaio da
Orquestra seria maior né. Mas normalmente é isso, quatorze violinos, três violas...
10. E sobre as pesquisas? Você disse que leu a dissertação do Enaldo, né? Além da pesquisa
do Enaldo, você conhece outra pesquisa que trata do ensino coletivo?
Eu li alguns artigos né. Mas não peguei.
Tem a do Galindo também.
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Então tá, Carmen. Muito obrigada pela hospitalidade aqui, eu visitei esse pólo essa semana, e
gostei muito do trabalho de vocês e muito obrigada pelo carinho e atenção. Tá bom?
Muito obrigada você (risos).
no geral né, mas depois a coisa começa se tornar fácil. E não é cansativo como você pegar um
aluno por aluno né, tentar resolver todos os problemas e não dá. Aí resolve um probleminha aqui, o
restante da música vai ser construído, eu acho que eles pegam mais coisas, é muito mais contagioso
né.
8. E você vê alguma desvantagem a princípio, ou não?
É, aí tem que ter alguns critérios a gente tem que estabelecer, principalmente questões técnicas né.
Tem que tá bem atento pra que não, a gente não ache que um probleminha acumulado não possa
trazer milhões de problemas. Tipo postura de como se tocar um instrumento, o professor tem que
estar bem atento. Eu tenho visto alguns professores ligados às bandas no interior que eu ando
dando assessoria, o pessoal vai deixando o trompete mal colocado, a postura dos meninos, o cara
cansa de ficar chamando a atenção, de repente isso vai ficando normal e a pessoa acaba não tendo
êxito futuro no instrumento por causa da observação do mestre da banda, né. Então, o professor
deve estar bem atento, ter critério mesmo, estar seguro, da técnica de cada instrumento, pra não dar
bobeira, né. Eu vejo que às vezes individual, a pessoa pára mais pra observar o aluno, e não deve
esquecer desse ponto.
9. E aqui na sua aula de sopros, quais instrumentos que você utiliza?
Nós temos uma banda completa né. Temos flauta, oboé, fagote, todos os saxofones, o alto, o tenor,
o barítono, depois temos os trompetes, trompas, trompa profissional, trompa em fá. Os
instrumentos aqui, graças a Deus, são todos bons, instrumentos importados de alta qualidade né.
Temos bombardino, trompas como eu falei, bombardino, tuba, clarinetas, clarineta alto que é um
instrumento raro, clarone, tudo aqui, a banda sinfônica.
A banda completa.
A banda completa. Percussão e tudo.
10. E você tinha me dito que nessas andanças que você tem feito, como é que você acha que
está à questão do ensino coletivo em Educação Musical? Você tem percebido, como você tem
percebido essa área na Educação Musical?
Ainda em relação á?
Ao ensino coletivo de banda, de instrumentos? Você falou que tem andado pelo interior da
Bahia, por São Paulo até o Pará, né, e como você tem visto a atividade do ensino coletivo de
instrumentos?
O que eu tenho observado é o seguinte : ninguém está fazendo, ainda não vi, ainda se está
construindo este pensamento, né. Eu vejo pessoas juntarem meninos, tentarem montar banda e tal, a
proposta de tocar repertório.
Mas não tem uma metodologia ainda específica?
Não tem. E eu acho também que o pessoal não tá preocupado com isso. O que se tem feito, o
pessoal nunca consegue isso dentro desses projetos, o ensino de instrumentos através da banda e
montar repertório, os professores não tem a preocupação, eu não vejo pelo menos, não tenho visto,
essa preocupação, primeiro, desse acompanhamento técnico preciso e estar integrado a questão
musical mesmo, de trabalhar música, no fazer musical né. não só tocar repertório, né. E outro
ponto, essa inclusão como nós fizemos aqui da banda de música, da orquestra dentro do currículo
escolar, como proposta mesmo, que é avaliada, tem prova, tem programa né, que acompanha todo o
processo da escola normal, é uma disciplina que o aluno tem que cumprir a carga horária, que
como eu falei a pouco, tem a semana da prova, tem as apresentações da escola, tem as
apresentações das avaliações, eu não tenho visto isso. Eu tenho visto um pessoal que quer formar
um grupo de pessoas que tocam, pra ensinar instrumento através da, eu não vejo a preocupação da
Educação Musical, de todo o contexto, né, de toda a vivência, dos compositores, de fazer música,
de compor, de improvisar, eu não vejo, isso nós fazemos aqui. Temos a proposta até esse ano da
gravação de um CD, que tá muito fácil de hoje gravar, num pequeno estúdio aí, nós já promovemos
isso aí, armamos quem é o diretor musical da turma, os compositores já estão escrevendo as
músicas, aí vamos promover um festival através desse festival, fazer a seleção dos temas, trabalhar
quem vai ser os arranjadores né. Busca a fonte normal, como se diz, nessa produção.
11. E além do trabalho que você citou do professor Joel Barbosa, você conhece outros
trabalhos acadêmicos em relação ao ensino coletivo? Ai no caso, de sopros ou de outros
instrumentos?
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Eu tenho um método que trouxe agora do Pará, não tô lembrado, posso ver aqui o nome do autor,
pra cordas, pra sopro não conheço ninguém que eu vejo assim, como o professor Joel né. Eu
também já ouvi falar de outros de cordas né, mas de sopros não conheço.
12. E Alípio, em relação à questão social do ensino coletivo, como é que você vê esse lado?
Você enxerga aqui no seu grupo fatores que vão além da música?
Sem dúvida, na própria escola a gente sempre é solicita na coordenação, pela direção, pra atender
aquele aluno que tá um pouco indisciplinado, parece que não que nada nas outras disciplinas, talvez
se você dá uma força pra ele, vê se abre o caminho dele ou fica mais feliz, né, com a banda de
música. A gente sabe que a música não dá pra curar todos os problemas né, mas pelo entusiasmo,
por ser a banda é uma aula prática né, que tem instrumento ali, o aluno pega o instrumento, faz a
coisa viva né, então, eu, sempre dá resultado, sempre tem um aluno que é disperso e acaba se
entrosando ali, ele também não quer ficar por baixo, né, que ele é tido como indisciplinado, (?)
então ele quer mostrar também o potencial e acaba, eu tenho um bando de exemplo disso aí. Agora,
fora de escola o pessoal sempre pega, querendo colocar até palavras pra gente dizer : “A música
tira as crianças das drogas” e tal. Eu acho que a música pra ter essa função, teria que ter um
trabalho voltado pra essa coisa, talvez a criança ocupada com música não tenha a mesma
possibilidade de ficar vulnerável as drogas, mas tirar da marginalidade, e tirar das drogas, aí é outra
conversa, tinha que ser um outro método específico, que eu não conheço, né, e que ocupa. Os
meninos dos Alagados por exemplo, essa região periférica aqui em Salvador, eles tem hoje, eles
são o xodó do bairro, já gravaram disco e a mãe vem com o orgulho, o pai, ás vezes, cachaceiro e
tudo mais, mas chega feliz, “Meu filho toca na banda!” . Então, eles são vistos hoje com outros
olhos, e eles também tinham aquela coisa de dizer “Não, eu vou ser música profissional”, nós
temos lá, quatro agora, tocando profissionalmente, que comprou o telefone da mãe, né, deu um
presente pro pai através da música, estão querendo fazer vestibular pra música. Mas que eu não
vejo essa coisa toda desse trabalho, dizer que vai tirar, ou está tirando, talvez não tenha, não esteja
oportunizando o uso de drogas ou a marginalidade. Acho que tinha de ser outro trabalho.
13. Então, pra finalizar, você tem alguma sugestão, alguma consideração final a fazer em
relação ao ensino coletivo em música? Alguma consideração final?
O que eu acho é que a coisa tá cada dia mais, tá crescendo né. Quando surgiu o ensino coletivo em
outros países como citei, Alemanha, Estados Unidos, Japão, era a proposta de baratear custos. Nós
vivemos num país em que as oportunidades são pouquíssimas. Hoje a gente sabe que a
universidade, se a universidade tivesse uma proposta de criar educandos né, educadores pra
trabalhar esse pessoal todo que a gente pode, essa massa toda que são escolas públicas, escolas
particulares, não ia ter profissional, a gente sabe que não. E se fosse pra trabalhar individualmente
ainda é pior. Nós temos um mercado, a música tem mercado demais. Se todo mundo se interessasse
por música não tinha professor. Então, o que acontece, pra baratear o custo a Alemanha pensou
assim depois da Segunda Guerra, nós precisamos colocar aí, ativa nossas orquestras e precisamos
de um método que em pouco tempo tem um bom resultado. Não podemos, não temos dinheiro pra
pagar a cada professor pra atender um e um aluno, né. Vamos pensar coletivamente. Eu acho que é
uma grande saída. Agora o professor, ele deve estar atento essas questões né, os futuros
profissionais que tem esse mercado, um mercado muito gostoso de se trabalhar, ninguém tenha
dúvida, você começa a fazer música mesmo, e todo dia tem, enfrenta barreiras pra você transpor, eu
acho que as pessoas devem ficar cada dia mais estimuladas. Aumentar mais o seu, abrir mais seu
leque de conhecimento instrumental né, e partir para uma proposta dessa que oportuniza em pouco
tempo milhares de pessoas a tocar instrumento.
Então Alípio eu quero agradecer imensamente a atenção e espero revê-lo em breve, tá bom.
Muito Obrigada.
Tá bom. A você também muito obrigado, apareça sempre.
1. Marcos, a princípio eu gostaria de saber como se deu seu primeiro contato com a música ?
Eu nasci numa família em que desde pequenininho todos cantam na minha casa, a gente ia igreja
cedo e cantava na classe das crianças, às vezes cantava na frente da Igreja. Meus irmãos mais
velhos, também cantavam e transmitiam pra nós algum, algum toque sobre música né, educação
musical, educação vocal também,e isso era muito interessante pra nós também, para o nosso
crescimento. A partir daí, a gente foi crescendo né, e começamos a ter contato também com a
música instrumental, os irmãos meus tocavam violão, o mais velho já tocava clarinete e sax, e
realmente esse já, já tinha um conhecimento mais profundo em música foi que começou a me
instruir no conhecimento da música e também no, na execução de um instrumento musical, que
meu primeiro instrumento foi sax, né. Quer dizer, o primeiro foi flauta doce né, mas com ele foi
saxofone e a partir daí eu comecei a conhecer também novos instrumentos até chegar no que eu
toco hoje, que é violino.
2. Qual é a sua formação musical ? Você chegou a fazer faculdade? Qual é a sua formação?
Olha, eu ainda faço faculdade, mas estou praticamente formado, né, já faz seis anos que em curso o
curso de Violino na UFBA. Antes eu tinha entrado como Licenciatura, mas depois eu já tocava
violino, ai depois eu pedi a transferência, passei pra violino e agora eu posso me formar
normalmente o ano que vem eu estou formado né.
3. E como se deu o seu interesse pelo ensino coletivo em Cordas? Como você se interessou em
trabalhar pelo ensino coletivo?
Eu já trabalhei a, eu trabalho há muito tempo né, coletivamente. Aqui na escola tem só três anos,
mas na igreja que eu dou aula, eu sempre trabalhei, faz mais de oito anos que eu dou aula na igreja
e lá o ensino é mais coletivo, né. Eu comecei a trabalhar mesmo com todos instrumentos, de
cordas, de sopros né, ensino assim em conjunto. Já aqui na escola, só dava aula particular,
individual, até que surgiu esse projeto do professor Alípio de trabalhar em grupo, montar uma
Orquestra e uma Banda. Aí como eu era professor aqui, ele me incentivou a trabalhar, a ajudá-lo, e
já trabalhava com isso. E estava empolgado, já fazia curso do Método Suzuki e trabalhava
coletivamente, nunca tive a oportunidade de trabalhar com o Método Suzuki coletivamente, mas
sempre tive vontade né, também por um motivo de experiência né, pra ter um conhecimento. E foi
interessante pra mim, e tô gostando né, é muito bom, legal mesmo. Você vê o crescimento dos
alunos, um ajuda o outro, apóia o outro, eles se apóiam, assim vai tendo aquele joguinho né? Muito
interessante pros alunos.
4. E qual é o método que você utiliza ou quais são os métodos que você utiliza nessas aulas
coletivas?
Olha, estamos utilizando um método americano, não sei, esqueci o nome dele agora, um método
americano que antes a gente começava já com esse método que ele começa primeiro com leitura de
cifras né, corda ré D, corda mi E, depois que o aluno começa a ler notas musicais na pauta, na
música. Só que esse ano eu fiz diferente, o grupinho aqui começou novo, eu estou trabalhando
como se fosse método Suzuki, por meio de transmissão oral, que são sempre as primeiras músicas
do Suzuki pra eles aprenderem primeiro a tocar, sem ler partitura né, pra eles terem condições de
estar apenas ligado no que eles estão fazendo com o violino né. Isso vai dar até mais facilidade pra
eles assimilarem o aprendizado e desenvolver mais rápido e depois quando eles já tiverem tocando
umas duas músicas, aí a gente começa a trabalhar a leitura de notas.
5. E nessas turmas você tem os quatro instrumentos de cordas friccionadas? Você tem violino,
viola, cello e o baixo?
Não temos nenhuma, mas temos aqui os quatro instrumentos.
E os alunos? Eles têm os instrumentos ou eles utilizam os instrumentos da escola?
Aqui na escola, a gente faz milagre. Os alunos, quero dizer, os alunos é que fazem milagres porque
alguns, talvez dois por cento dos alunos têm o instrumento em casa né. O violino que é mais barato,
né, e os pais compram pra eles estudarem, o restante não tem instrumento, então, quando eles
podem, eles vêm na escola praticar. Mas o que a gente, o que eu falo que eles fazem milagre é que,
que eles fazem mais é na hora. Muitas vezes o aluno fica uma semana sem pegar no instrumento,
vai pegar na aula né. Tenho que lembrar tudo que passou na outra aula, revisar, depois dar
continuação ao trabalho. Por isso que é um milagre estar fazendo isso né.
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6. E você inicia desde com o arco, através do arco ou você, como é que você inicia as crianças
coletivamente ?
Sim através do arco.
Cordas soltas?
Cordas Soltas, cordas soltas, entendeu? Eu faço mais pra eles fazer um acompanhamento quando
eles tocavam em grupos, ás vezes, eu toco no piano uma música e eles fazem mais
acompanhamento com cordas soltas, entendeu? Isso também pra eles perceberem o que eles estão
fazendo na música, isso pra mim vai educando o ouvido deles.
7. E quais são as vantagens que você vê do ensino coletivo em relação ao ensino individual de
instrumento?
Bom, o ensino coletivo é o ensino que não deixa o aluno desanimar né. Quando o aluno tá
precisando de um, de um, tá meio assim, vê o colega tocando ele anima né, quer fazer o mesmo né.
E ás vezes eu, um ajuda o outro né, a entender, um está ajudando o outro a produzir, a crescer em
muito pouco tempo. Individual também tema suas vantagens né, apesar de ser melhor porque está
direcionado a uma pessoa só né. Então tem como você corrigir defeitos, mas você precisa estar com
um, só que individual ele está aí sozinho, não tem um conjunto de colegas pra ele se apoiar, ajudá-
los até na própria afinação né. Quando eles tiverem tocando um instrumento, a afinação dele já
muda e seria interessante né.
8. E você vê alguma desvantagem no ensino coletivo?
Não, não vejo desvantagem. Não vejo desvantagem nenhuma. Aliás, eu acho é que muito
vantajoso. Tanto pra quem ensina, que tem um conjunto de alunos e o tempo dele vai ser realmente
praquele grupo todo, distribuído praquele grupo quanto também pros alunos, entendeu? É tanta
gente pros alunos ganhando e é animado também. Mais animado que a pessoa tocar sozinho, aqui,
a pessoa tem vergonha né, de ter aula sozinho, assim, isso afeta até a sua produção. Em conjunto
não, o aluno se solta, quer tocar mesmo, quer fazer música. É interessante, é animador.
9. E qual que é a carga horária aqui da escola? Quantas aulas por semana e quantas horas
por dia eles têm?
Os alunos têm, a gente trabalha aqui na escola com os alunos da quinta ao básico, ao primeiro ano
né, chamado básico. A quinta série, a sétima, a quinta, a sexta, a sétima, a quinta, sexta, a sétima e
a oitava tem duas aulas semanais né, que são aulas seguidas né, não são separadas, são todas no
mesmo dia têm as duas aulas. Somente o básico, ou os básicos que são dois, que tem uma aula
apenas semanal. Só vem naquela aula e depois espera a outra aula.
10. Então a faixa etária trabalhada é entre dez e dezesseis anos, mais ou menos? Qual que é a
faixa etária?
É, a faixa etária é, aqui é assim, o mínimo é nove anos, nove a dezessete anos, alguns alunos ás
vezes passam, tem dezessete. Tem aluno que é novinho né, que tem até oito anos e já,
pequenininho é sério e já está estudando violino.
11. E Marcos, eu queria saber o seguinte : em sua opinião, você acredita que o ensino coletivo
em música, em instrumentos em específico, vem crescendo? Como é que está a pesquisa em
Educação Musical? Você sabe se tem pessoas trabalham com o ensino coletivo na Bahia ou
em outros lugares? Você sabe de pesquisas?
Na Bahia eu sei. Em Salvador, eu trabalho né. Tem uma escola também que trabalha é a EMIM (?),
que trabalha sobre, investe em métodos, que trabalha sobre, investe no método Suzuki, trabalha
com o método Suzuki. E tem um projeto também, interessante até, um projeto na periferia, aula
coletiva né. Tá crescendo, esse projeto começou esse ano né, lá na periferia, trabalha com mais de
cem alunos o ensino coletivo. E tá crescendo. Aqui em Salvador, pelo menos já é o segundo projeto
que apareceu a respeito do ensino coletivo. Na Bahia em geral não sei, o trabalho aqui está muito
atrasado nesse, no âmbito da música instrumental, especialmente de cordas.
E pesquisa? você sabe de alguma pesquisa em nível de mestrado ou doutorado, de pós-
graduação aqui na Bahia ou em outro lugar?
Não, não.
Em Cordas não?
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Em Cordas não. Na verdade, em nenhuma área né, ainda não sei. È interessante até que depois eu
tenho que pesquisar mesmo, até mesmo pra aprofundar o meu conhecimento, eu quero fazer pós-
graduação em música.
12. E você falou que o seu suporte teórico é o Suzuki e tem outros métodos americanos?
É, eu uso um americano, só que também tem muita coisa que eu tenho que fazer né. Porque ás
vezes eu preciso de certos, dependendo do grupo, né, isso varia muito. Ás vezes eu vejo que esse
estão necessitando de certos exercícios né, exercícios de técnica, exercícios de arco, então, eu
mesmo é que tenho que fazer. Porque também a gente só tem um método americano e algumas
músicas. Algumas músicas já até avançadas, entendeu. Então, pra você equilibrar tudo, você tem
que fazer isso. Você mesmo criar alguma atividade pra que eles possam desenvolver até chegar
naquele ponto de tocar aquela música, entendeu?
13. E há quanto tempo você atua no ensino coletivo? Você falou que atua aqui e em outra
escola, em outros projetos. E faz quanto tempo mais ou menos que você está atuando no
ensino coletivo?
Já tens uns, já tem uns oito anos. Oito anos que eu trabalho nessa área.
14. E pra finalizar, você tem alguma consideração final a fazer sobre o ensino coletivo,
alguma coisa que você ache interessante de colocar? Alguma consideração final?
Eu, eu ainda tô pensando né. Espero que surja daqui pra frente pelo menos um ensino coletivo pra
orquestra, pra orquestra toda né. Quer dizer, uma orquestra de cordas e de sopros. Porque pra
conciliar esses dois é um pouco complicado. De sopro tem instrumentos transpositórios né. A
orquestra você só vai tocar por enquanto, no início, com tonalidades de Re e de Sol e de Lá , são
quatro né. Pra conciliar os dois fica muito difícil. Sopros se for transpor, vai ficar com muito
sustenido, mas estou esperando isso acontecer né.
Ou você tem que se animar a fazer um , desenvolver um método próprio.
Eu também penso em desenvolver eu só preciso ter tempo pra pensar. Pensar e depois também por
em prática. Eu acho que vai ser muito bom porque aí vai ter como trabalhar os dois juntos. Apesar
de que sopros o desenvolvimento é bem mais rápido do que com cordas, mas aí a gente vai vendo
depois o que pode surgir. Tudo é uma questão de experiência, e aprendizagem, vai crescendo junto.
Então Marcos, muito obrigada pela entrevista e espero que a gente mantenha esse contato. Tá
bom?
Obrigado!
Universidade Federal da Bahia, fiz outra graduação, dessa vez meu diploma foi como
instrumentista. Foi já de, foi em 1982 que eu conclui meu curso. Eu fiquei de 82 a 90 só
trabalhando e ensinando e fazendo curso, me aperfeiçoando, mas em 90 eu entrei no mestrado, e
em 97 eu entrei no doutorado e acabei em 2001.
3. E como surgiu o interesse em ensino coletivo em música? No caso, em violão?
Foi engraçado porque nós éramos, eu era professora de música da Escola de Música da
Universidade Federal da Bahia, desde 82. Foi engraçado porque eu entrei pra ser professora seis
meses antes de concluir a minha graduação na própria escola, eu entrei com o diploma da
Universidade Católica né. Fiz concurso, passei e a gente, nós éramos na época dois, três
professores de violão, e a demanda era muito grande, a procura pelo curso de violão era muito
grande. Então, o que acontecia, pra você entrar na escola de música, na extensão da escola, né, no
que o pessoal chamava do curso preparatório, você precisava ler música e não tinha escola de
música em Salvador. Então, era uma inconsistência né, você exigir que a pessoa soubesse música
se ela não tinha uma escola pra ela se preparar antes. Então se escreviam tipo duzentos candidatos e
entravam dez, doze porque era a carga que sobrava pra gente pra atender a extensão, porque a gente
também atendia na época só tinha a graduação, só atendia a graduação. Então foi vendo assim, de
que eu, eu também me sentia perdendo tempo no início porque eu ficava repetindo a mesma coisa
pra uma porção de gente, e depois percebendo também que aquele teste que a gente fazia pro
ingresso era um teste que não era verdadeiro. Porque num contato de dez, quinze minutos você não
pode avaliar muito à pessoa. Então, eu ás vezes me sentia perdendo tempo, né. E quando chegou
em 89, o diretor da Escola de Música, na época Paulo Costa Lima, Paulo me propôs fazer aula de
grupo. A gente conversou num dia informalmente, ele falou : “Porque você não faz?”, eu disse :
“Paulo, eu não sei porque eu me sinto ... é como se eu tivesse (como é que eu digo) enganando os
outros, eu não sei se vai dar certo, eu fico com medo”. Ele disse : “Faça a experiência! Pegue, por
exemplo, quem você não admitiu e faça um grupo”. Aí a minha experiência foi essa. Eu peguei um
galpão enorme, e comecei a trabalhar, acho que trinta pessoas de uma vez só. Bom, não deu certo.
Não deu certo em termos. Porque eu vi por exemplo assim, poderia dar certo, mas não era com essa
quantidade de pessoas que ia funcionar. Então, de trinta eu baixei pra três turmas de dez. Depois
três turmas de dez, eu peguei fiz turmas de quatro alunos. Aí, eu comecei, né. E foi assim, foi numa
coisa assim, que eu fiquei observando, fui observar também na época, já existia as aulas de piano
em grupo na escola, que a professora Alda Oliveira dava, que ela chamava do IMIT - Iniciação
Musical com Iniciação ao Teclado. E eu observando as aulas de Alda, eu comecei a ver a
metodologia. Como eu sempre me interessei por ensinar, o que aconteceu, eu de repente me vi,
pensando em como que eu poderia fazer aquilo pras pessoas. E aí foi uma seqüência natural assim,
sabe? De, como que eu digo, olhar outros instrumentos, no caso violino também, que estava assim,
tinha uma escola boa de instrumento em grupo por causa do Suzuki, de ver as experiências da
escola de começar a ler e tentar ver como eu poderia fazer com o mesmo material, a metodologia
pro trabalho em grupo. Foi assim.
4. E nessa sua experiência de muitos anos já, com o ensino coletivo, quais são as vantagens
que você enxerga em relação a aula individual de instrumento? E se você enxerga alguma
desvantagem?
Olha, tem coisas que funcionam na aula de grupo que não funcionam na aula individual e ao
contrário, não enxergo exatamente nem vantagem, nem desvantagem. Tem coisas que funcionam
e tem coisas que não funcionam. A desvantagem é que se você não preparar o professor pra ele
trabalhar em grupo, ele vai tornar a aula, a aula não vai funcionar, entende? E se você preparar o
professor, a aula vai funcionar, mas ela vai funcionar de maneira diferente. Então, primeira coisa
que eu acho, olhando a parte, digamos assim, de economia de tempo. Você gasta menos tempo pra
poder fazer o mesmo trabalho, né. E se você for pensar, ainda, não é o meu caso, porque eu
trabalho na universidade, eu não ganho por hora de aula, mas eu sempre falo quando estou dando
algum curso, que eu digo : “Gente, se vocês quiserem, é uma maneira também de ganhar um pouco
mais de dinheiro”, né, tem o fator econômico também. Agora, as vantagens pedagógicas, que eu
considero são inúmeras, né. Como você poder, por exemplo, oferecer pra um iniciante parâmetros
muito mais facilmente, né. A pessoa que começa, ela tem do lado um, espelhos como chamam, né.
Então, tem pessoas que estão com as mesmas dificuldades que ela, ou com um pouco mais, ou com
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um pouco menos, mas naquele mesmo nível de aprendizagem, diferente da aula individual, onde
você tem um professor que é mais um modelo que você segue. Eu aprendi muito com os meus
alunos quando eles chegavam pra mim e eu, eles faziam alguma coisa, e eles : “Olha, veja isso
aqui! Isso aqui é fácil. Não isso aqui não é fácil. É fácil só pra quem sabe”, não é? E foi, as
vantagens pra mim, basicamente assim, eram essas, que você permite que as pessoas avancem mais
rapidamente e depois você pode também deixar essa pessoa mais desinibida. É uma coisa assim,
que é gritante. Os alunos de grupo, eles pra tocar, eles se sentem melhor, mais a vontade do que um
aluno que tem aula sozinho. E eu acho que de uma certa forma, eles avançam mais rapidamente. Se
a gente começa uma Oficina com quatro pessoas que não tocam o instrumento, tem mais ou menos
a mesma faixa etária, isso é importante também fazer a seleção bem né, porque se você não, não é
você juntar quatro pessoas quaisquer, mas saber primeiro, eu acho que é a faixa etária é importante
né, e depois a habilidade, toca ou não toca, e depois a um outro nível que é possível realmente hoje
já encontrar, se a pessoa lê música ou não lê música, que aí a abordagem é diferente né. Então, se a
gente junta essas quatro pessoas, em três meses de aula, com quinze aulas você vê que você já
diferencia muito. A gente lá na escola, geralmente tem várias turmas de iniciação no mesmo dia e
horário trabalhando em salas simultâneas, por quê? Porque depois do primeiro semestre, eu
reagrupo essas turmas, ou mesmo durante o primeiro semestre, a gente troca às pessoas de nível,
porque aquela pessoa que a gente não detecta, digamos assim, nenhum, nenhuma habilidade
especial naquele primeiro contato, que era com se fosse o teste seletivo, você vê aquela pessoa se
revelar e progredir de uma maneira que você nunca esperava ao passo que aquela que você
depositava mais esperança, né, estou falando em termos antigos, da antiga concepção, aquela
pessoa fica lá, estacionada né. Então, é imprevisível realmente. Eu tô, eu sempre tô tendo surpresas
com os alunos.
5. E Cristina,eu queria que você descrevesse a sua atividade pedagógica? Então, desde
quando começou essa, as oficinas de ensino coletivo em violão, como foi a trajetória em
termos de quantidade alunos, né? No início, qual que era o seu referencial teórico, o quê você,
qual metodologia você se espelhou, em quais autores, em quais pessoas você se espelhou pra
montar esse programa? Como é que era, como é que foi essa trajetória?
Olha, a primeira experiência foi com aquele grupão doa trinta alunos né. Aliás eu tinha tido uma
experiência antes, anterior, que eu não fiz na escola, eu fiz, na época eu trabalhava na Fundação
Cultural do Estado, então eu fiz um turma, eu posso até te dar esse relatório por escrito, porque esse
relatório espelha bem o que foi na época, né. Eu acho assim, quanto mais inexperiente você é, mas
você perde aluno entre aspas. Com experiência agora, eu já tive semestre em que eu não tive
nenhuma desistência, eu tinha assim, tipo assim, cinco ou seis turmas eu dando aula, e ninguém
desistia, ninguém ia embora, a não ser claro, aquelas coisas que você não controla, o cara muda de
cidade, vai transferido, e essas coisas, a mãe morre alguma coisa assim né. Então, né, só, aonde eu
tava mesmo? Sim. Como foi? Então, tinha um grupão, né, o grupão não funcionava então eu me
desgastava muito. Depois eu reduzi pra dez e eu vi que eu podia fazer com dez pessoas, desde que
eu não quisesse que essas pessoas lessem música, se eles pudessem fazer música popular,
funcionava bem legal, só música popular e foi o quê eu fiz durante uns cinco a seis anos na
Fundação Cultural, no “Projeto Viver com Arte”, foi o que eu fiz. Depois na escola, eu disse,
quatro é bom, por que eu digo quatro é bom? Porque o círculo você armando, você trabalhando em
grupo em círculo, todo mundo se vê, fica junto o suficiente né, pra você poder consertar um aluno,
interagir com ele, por uma questão de olhar, de contato e tudo. Porque a gente trabalha muita coisa
também, com co-repetição, por imitação, então, quatro são dois a dois, quatro também são dois a
dois mesmo se um falta e quatro são, é um a um, se dois faltam. Então, eu acho que quatro, esse
número é bom por isso, né. Depois a gente trabalhou com uma hora de violão prática por semana,
que eu continuo achando até hoje achando pouco. Mas pra gente. Continuar cobrando um preço
acessível, tem que ser esse preço infelizmente. O ideal é que fosse duas vezes por semana, mas a
gente nunca conseguiu fazer, principalmente logo no início. Onde a pessoa, o professor tem que se
assegurar que a pessoa entendeu aquilo que ele tá querendo, então ele vai levar uma semana
estudando errado, né. Foi outra coisa que eu aprendi também com o tempo, o importante na aula é
deixar que o cara entenda exatamente o que ele tem que cumprir pra próxima. Se ele souber o que
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ele vai ter que fazer pra próxima, aí você ganhou a aula. E não deixar com que ele saia da aula sem
saber o que ele tem que fazer.
6. E em relação ao referencial teórico? Você tinha alguma pessoa em que você se espelhava ou
algum autor? Como é que foi a construção desse...
(Interrompendo) É, porque olha, eu comecei em 89 na Fundação Cultural e 90 eu entrei para o
mestrado. O mestrado foi uma experiência muito rica pra mim porque eu entrei num outro mundo
onde eu comecei realmente a ler em outras línguas alguma bibliografia que eu não tinha acesso
antes, e eu tenho a agradecer muito a professora Alda Oliveira porque ela realmente me abriu as
portas pra essa coisa de você saber que não sabe tudo e procurar saber sempre mais do que você tá
sabendo hoje, né. E, aí foi realmente uma busca, eu li muito sobre pedagogia em geral, não
pedagogia de música, mas pedagogia geral, sabe? De trabalho, como se portar em classe, atitude
em classe, eu mudei muito a minha atitude em classe, sabe? No sentido de que eu passei a situar os
alunos sempre nas coisas que eles estavam fazendo, eu não fazia isso anteriormente, entende? E no
grupo, quando você trabalha com o grupo, é importante você dizer se o cara acertou ou se o cara
errou, ou como ele pode fazer para melhorar instantaneamente, né, naquilo que você chama de
correção imediata, o quê a pessoa fez errado você vai e corrige imediatamente, não deixa ele ficar
fazendo o que não devem né. Depois o quê aconteceu? Eu comecei a ler muito. Eu não sei, eu
poderia, a bibliografia é tão grande.
Mais na área de psicologia e pedagogia ?
Psicologia e pedagogia, e depois, jogo. A parte de esporte. Toda aquela parte que trabalha com
interatividade, com troca. Depois eu comecei fazer a coisa com jogos, quer dizer como se fosse,
não é uma, não é uma competição, mas é um jogo realmente, sabe? Você pode acertar ou pode
errar, pode ficar fora. Não nesse sentido de.
Competitividade.
É, no sentido ruim não, mas na parte positivo dessa coisa, sabe? Aí eu li também muita coisa de
esporte, porque as pessoas de esporte têm esse negócio de fazer a equipe, de fazer o grupo não é?
E foi, deixe-me ver, nos últimos cinco anos, olha, eu li bastante sobre, sobre psicologia da
educação e na parte de música, no doutorado agora, eu trabalhei em cima do referencial teórico do
Swanick. Eu acho que ele foi muito feliz quando ele incorporou no que fosse uma aula de música,
as atividades de tocar né. A atividade de você, você toca, mas escuta, você improvisa, você lê
sobre, né, e você cria né. Então, ele foi muito, então eu procurei fazer as aulas realmente de
maneira que elas fossem umas aulas muito dinâmicas e organizadas, né. Agora de uma maneira
geral assim, pedagogia instrumental eu li, sem restrição, muita coisa. Mesmo as coisas antigas que,
sabe? Vai lá pra Sá Pereira e tem as coisas de, e piano também. Piano, o pessoal tem uma escola
organizada né. Maria Lurdes de Junqueira Gonçalves, Maria Isabel Montandon, a própria Alda
mesmo, numa maneira muito prática, porque se Alda não escreveu nada sobre isso, o livrinho dela
“O tempo de tocar” tá até hoje aí sem edição, mas eu tive a oportunidade de convivendo com ela,
vê muita prática né. Eu conversei também, vi muitas coisas com Diana Santiago, foram às pessoas
mais próximas assim.
7. E atualmente, como é que está sendo desenvolvido o ensino coletivo das Oficinas da
Universidade da Bahia? Qual que é a carga horária? Como é que funciona? Agora é uma
hora por semana com quatro alunos?
Isso.
Como é que é ?
Olha a gente tem trabalhado assim, com pessoas da graduação depois de apanhar muito, nossos
melhores estagiários pra trabalho realmente são os estagiários da graduação de violão. Então, esse
pessoal tem no máximo quatro horas de aulas por semana, porque permite pra a eles também não
se sobrecarregarem com a atividade de dar aula. Porque você precisar estar pronto na aula pra estar
sempre né. Então, eles trabalham uma hora por semana como aluna, ela vem tem uma aula de
instrumento, depois ele tem uma hora de Teoria Musical, quer dizer, que não é verdade, não é bem
Teoria Musical, seria leitura e percepção musical né, que a gente chamava antigamente de Teoria.
Então, ele vem pra essa aula também e se ele quer, ele pode participar também do coral da escola.
A escola tem um Coral Infantil, um Coral Infanto-Juvenil, Juvenil e Adulto. Tem coral para todas
as idades. Então, na verdade ele tem três horas de música, e ainda tem acesso a biblioteca pra poder
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escutar disco, e a gente comprou, a gente tem assim uns sessenta Cds de, só de violão, sabe? Pro
pessoal escutar. Porque embora eles, você pode dizer : “Não o aluno precisa escutar música”, mas
ele no início, ele tá muito centrado, aquela coisa mesmo do, da fase manipulativa, ele quer
realmente manipular um instrumento, e o repertório que mais interessa pra ele, é o repertório que
diz respeito ao instrumento que ele tá tocando. Então, é isso aí.
8. E a faixa etária trabalhada nessas aulas?
A gente divide por faixa etária mesmo. Tem duas pessoas que trabalham com as crianças, né.
Atualmente, nós só estamos trabalhando com oito crianças na escola, entre oito e onze anos. Essas
meninas têm aulas com outro projeto, que não é oficina, é oficina mas não é oficina, é iniciação
musical com iniciação ao violão. Quer dizer, a gente usa um instrumento como instrumento pra
ensinar música, né. então, elas também tocam um pouco de metalofone, tocam instrumento de
percussão e vão fazer daquela, daquela leitura, gradativa, né. Como se fosse uma iniciação musical,
mas ela já tem o instrumento, né. Não é uma iniciação musical sem instrumento. Aí, a partir da
Oficina de Violão a gente aceita, tem meninos de até doze, mas são exceção. Inclusive, como eles
são menos, as turmas dessas são menores. Nosso público mesmo está entre quinze e dezenove anos.
É a grande né, já que ao todo são cento e vinte alunos. Então, é muita gente. Seriam quase quarenta
turmas, não tem quarenta, são trinta e três turmas, nesse semestre agora, dois mil e dois. E eles tão
divididos em quatro, têm uma hora de aula de violão por semana, e aos poucos a gente tá tentando
fazer um material pra esse trabalho, né. Já tinha um material, mas ele tava muito desorganizado. Eu
agora com o professor Robson Barreto, a gente sentou nesse primeiro semestre, fez um
experimental, é esse que você tá levando, e ele já vai sofrer alteração agora pro segundo semestre.
Quer dizer, você aplica, conversa com o pessoal, porque a gente tem reunião de coordenação uma
vez por mês e os instrutores, eles são obrigados a vir nessas reuniões, inclusive a gente faz questão
de pagar como hora aula para poder garantir a presença. E deles, deles vem às sugestões pra gente
fazer as modificações, entende? Então, esse segundo volume vai sair com mais alguns arranjos, as
queixas agora deles são que a gente precisa ao mesmo tempo ao lado do repertório clássico, um
repertório popular que use aquele mesmo tipo de técnica. A gente tem alguma coisa de música
popular, mas eles tão pedindo mais, mais possibilidades e a gente tem dado liberdade pra que eles
usem esse material, introduzam nas aulas o quê eles acham interessante desde que seja relatado,
seja conversado para gente colocar como modificação.
9. E Cristina, quais os locais que você já atuou como professora em ensino coletivo do
instrumento?
Na Escola de Música, pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, eu trabalhei no espaço X, foi na
Biblioteca Central durante um tempo, depois eu trabalhei no Teatro Miguel Santana, no Pelourinho,
depois eu trabalhei no SESI da Casa Branca, esse foi o tempo que eu demorei mais foram quase
cinco anos lá no SESI. E eu saí e já deixei uma pessoa no lugar fazendo esse trabalho, entende?
Tem um menino lá, Fábio. Fábio já tá fazendo o trabalho que eu fazia e muito bem por sinal. E fico
contente também porque sabe, essa, essa maneira de trabalhar, eu venho conseguindo que mais
pessoas acreditem nisso né, e que também trabalhem desse jeito e os resultados são sempre bons.
10. E como é que você vê a pesquisa na Educação Musical e em específico no Ensino coletivo?
Eu acho que a criação dos cursos de pós-graduação realmente favoreceram muito o pensar sobre o
fazer pedagógico, né. Então se antigamente a gente ficava restrito as publicações prática dos
professores, né, e digamos assim, ou você saia daqui pra fazer um curso com um professor fulano
de tal pra saber como é que ele tava pensando, né, que é o caso por exemplo da Maria de Lurdes
Junqueira, que os livros que eu tenho da Maria de Lurdes Junqueira são da década de 70, entendeu?
Quer dizer, eu tô falando de coisas de trinta anos atrás, né. Mas, a pós-graduação permitiu que as
pessoas começassem a conversar sobre o assunto, não é, trocar idéias e as publicações, eu acho que
as publicações dos cursos de pós-graduação são muito importantes porque permite que a gente
acesso a trabalhos de outras das pessoas. Eu acho que isso melhorou bastante, né, tanto que você tá
vendo aí que tem gente que você nem conhece pessoalmente né, mas já tá lendo sobre o trabalho
até já, quer dizer, conhece sem conhecer né, através do que a pessoa escreve e publica sobre o
assunto. Acho que isso aí foi um passo muito importante.
246
11. E você acredita que a pesquisa em ensino coletivo e a prática também pedagógica a partir
desse método, vamos falar assim, dessa metodologia, dessa prática coletiva, vem aumentando,
tanto a pesquisa quanto a ...
(Interrompendo) Ela vem aumentando muito, se eu pensar aqui em Salvador à dez anos atrás só
tinha uma Escola de Música, hoje eu sei que muitos outros lugares estão fazendo, não exatamente
do jeito que a gente faz, mas vamos assim, percebendo as vantagens que é você ensinar em grupo.
O quê eu temo é que alguns, em alguns lugares as pessoas fiquem fascinadas pelo ganhar dinheiro e
esqueçam da parte pedagógica mesmo né. Por exemplo, a gente na escola não permite você tá no
meio do semestre não matricula uma pessoa que vá começar do zero com a turma que tá iniciada né
e eu sei que tem algumas escolas que fazem isso o tempo inteiro. Algumas escolas não, alguns
cursos. Eu acho que isso aí não é legal porque prejudica o trabalho e o professor tem que estar
preparado pra poder lhe dá com essa situação nova, né. Chegou um aluno que não toca nada junto
com um grupo de três que já tão fazendo um trabalho mais adiantado. Eu ouço muitas queixas dos
professores, de escolas, de outras escolas particulares que fazem esse tipo de coisa. E vejo também,
que muitos professores lá na Escola de Música não só de violão mas também de piano trabalham
em grupo em nível mais avançado. Já, eu vou dá como exemplos, o professor Mário Ulloa,
professora Diana Santiago que pega os alunos da graduação e juntam esses alunos uma vez por
semana e conversam sobre problemas em comum, tentando, digamos assim, encontrar soluções ou
fazer com que as pessoas pensem em soluções pra ajudar os outros e se ajudarem. Isso é bem
interessante.
12. E você citaria além desses, algum método, algum professor que trabalhe a iniciação
instrumental através do ensino coletivo? Algum trabalho que você goste? Você gostaria de
citar algum nome?
Olha (pensativa), pra não ser injusta né, bom, o quê que eu vi por aí de trabalho em São Paulo, há
muito tempo atrás eu vi o trabalho do Cláudio Jaffé, que impressionou muito na época, eu nem
pensava em trabalhar grupos e eu fui ver o Jaffé lá em São Paulo, no SESC?
É no SESC de São Paulo, mas tem muito tempo, assim, tem uns vinte anos. Depois eu tive agora
também no SESC da Consolação e vi um trabalho bem interessante de Cordas também, vi o seu
próprio trabalho lá em Goiânia. Eu acho que prática, não sei se eu tô sendo injusta, se eu tô
esquecendo alguma coisa, mas não acompanhei de perto assim mais pessoas não.
É um campo muito recente né?
É recente sim, agora tem coisas escritas né. Eu peguei várias, de onde eu vou eu pego as
monografias, os trabalhos de especialização, de mestrado das pessoas né, pra, porque eu acho que
estudar é isso né, é você fazer o seu trabalho e se situar, realmente junto com as outras pessoas que
tão fazendo uma coisa parecida, não necessariamente até no seu próprio instrumento. Eu andei
fazendo uns trabalhos em, no ano passado, eu fui a Varginha, né, falar com os professores lá, no
outro ano eu fui a Recife, fui no Rio Grande do Norte, dei aula em Curitiba também, quer dizer, é
uma coisa assim que tem muita gente querendo fazer, entende? Eu acho que vamos dar mais dez
anos, eu acho que a gente já vai ter uma série de trabalhos impressos e escritos, entende, pra poder
situar a gente melhor. O campo é incipiente, tá começando mas eu acho que tá começando de pé
direito.
13. E Cristina você acredita no ensino coletivo em instrumentos, no nosso caso, como uma
forma de democratização ao ensino de música, à Educação Musical? de dar acesso a um
maior número de pessoas a começar? E eu também gostaria que você falasse um pouco, se
você acredita nessa abordagem social, da questão social, o quê o ensino coletivo pode levar
comunidades, a música, como você vê isso?
Mais pessoas sim, mais pessoas sim com certeza porque sobretudo se você pega, digamos assim,
violão que é um instrumento que muita gente tem, mas não tem como pagar a aula né, então,
comprar um violão de péssima qualidade é até relativamente fácil, agora pagar o professor pra dar
aula, realmente é complicado. O ensino em grupo dá essa possibilidade também, mas eu vejo tanta
gente, sabe, acho que a gente também já teria, teria espaço para escolas inteiras de aula de
instrumento em grupo e eu vejo que mesmo assim, é muito difícil, é uma utopia você achar que vai
levar música pra todo mundo, não é? Eu acho que é meio difícil, mas é uma possibilidade sim. Por
exemplo, pelo caso pequeno lá da escola né que a gente tá atendendo, claro, praticamente mil por
247
cento a mais da pessoas que a gente poderia atender se a gente fosse fazer um atendimento
individual. É mais democrático sim. Mas ainda custa caro pra muita gente né. Eu acho que tem
campo pra fazer projetos sociais.
(Acabou a fita)
Então Cristina, a gente interrompeu a fita terminou, mas como é que você vê essa questão
social e o ensino coletivo, essa relação?
Então, a possibilidade de você ensinar em grupo realmente você aumenta o número das pessoas né.
Mas por exemplo, na Escola de Música ainda é uma coisa elitista, que a pessoa que se dirige até
uma escola pra tentar aprender um instrumento, ela já passou por um, a gente poderia tentar chegar
mais nas pessoas, ao invés de ficar no canto da gente, esperando que as pessoas viessem. Tem
alguns projetos no ensino coletivo que vão até a lugares mais pobres né. Eu sei que o projeto de
Joel de Bandas, o projeto de Oscar Dourado em Cordas, tá indo lá para periferia, pras comunidades
mais carentes e tal. A gente poderia pensar em fazer isso com o violão também, porque é uma
chance, entende, de você dá pra essas pessoas, eu acho, claro, que a música vai colaborar pra
melhorar a pessoa como, como indivíduo não é. Não é só pra ela ficar contente ou ficar mais feliz,
mas pra ela ser uma pessoa melhor porque tem um contato com música, né.
14. E Cristina, pra finalizar, você tem alguma consideração final a fazer sobre o seu trabalho
ou uma sugestão pra minha pesquisa? Fica livre essa pergunta pra você.
Uma sugestão para sua pesquisa? Se vai olhar o lado social né? Eu acho que esse é um ponto bem
interessante a ser tocado porque por exemplo nos trabalhos que eu vi até agora, nos trabalhos
escritos, registrados de ensino em grupo eu não vi nenhum com essa preocupação, eu acho que
você tá tocando num ponto importante, que você pode explorar realmente. Seria um diferencial no
trabalho que você tá fazendo. No mais eu espero, realmente, que daqui a mais alguns anos a gente
possa ter mais pessoas trabalhando com ensino em grupo. Porque alguns modelos aí que são
defendidos, eu acho que eles já não cabem mais né. Aquele modelo do aluno virtuoso, do aluno
talentoso, que só esse merece chance, eu acho que isso aí cada vez mais, graças a Deus, né. Se bem
que nas escolas eu ainda vejo que tem muito isso, né, por parte dos professores, a pessoa quer
trabalhar com aquele aluno que pode render muito né, e não com aquela pessoa que pode
simplesmente ser uma pessoa melhor porque tem o contato com música, né. Nisso aí eu acredito
sim, na educação pela música, na música com um poder de transformação e de melhoria da sua
forma de viver né.
Então tá Cristina. Muito obrigada.
Obrigada Também.
Até a próxima oportunidade.
1. Bom dia, Joel! Primeiramente, eu gostaria de saber como se deu seu primeiro contato com
música?
Eu comecei a aprender música na Guarda Mirim Municipal de Piracicaba, São Paulo, né. Uma
entidade para menores carentes. E lá tinha uma banda e um coral e um conjunto de flautas doce. E
quando eu entrei lá, prestava serviços pra bancos, entidades da cidade né, recebia um salário, um
salário mínimo acho na época, e junto com isso, eu tinha banda, onde eu comecei a aprender
música na banda e no conjunto de flauta doce e no coral.
2. E qual é a sua formação? Depois desse primeiro contato, quais foram às outras escolas que
você estudou?
Lá eu comecei a aprender clarineta, depois de lá, eu fui pro Conservatório de Tatuí, onde eu morei
lá com a bolsa do governo do estado. Depois de lá, eu fui pra UNICAMP, fui fazer o bacharelado
em clarineta. Depois do bacharelado em clarineta, eu fui pros Estados Unidos fazer o mestrado e o
doutorado em clarineta, sendo que a minha tese foi o método de ensino coletivo para instrumentos
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de banda. Mas durante esse percurso todo, eu sempre trabalhei tocando clarineta em diversos
grupos, orquestra, banda e música popular. E trabalhando com bandas, regendo bandas,
trabalhando ensinando e formando bandas em escolas, bandas municipais em São Paulo e também
bandas escolares né.
3. E como se deu esse interesse pelo ensino coletivo? Como é que você iniciou esse trabalho em
ensino coletivo em sopros no caso?
Eu dava aula no Instituto Adventista de Ensino, em São Paulo, né. E lá tinha uma banda, quer
dizer, eu fui responsável pra formar a banda que existia e tinha acabado. Quando eu tava dando
aula lá e montando essa banda, eu trombei na Biblioteca muito material americano que tinha lá, e
no meio tinha três, tinha uma coleção completa do Hal Leonard pra banda né. Os três volumes e
cada volume são pra cada instrumento. Então, um monte de métodos de banda,né. Aí eu comecei.
Eu peguei o método elementar, intermediário e o avançado. Comecei a usar individualmente nas
aulas, pra conhecer né. Aí falei : “Pô, que legal!”, aí fui entendendo a partir de como funcionava o
ensino coletivo, embora lá é uma escola particular, a aula lá, os atendimentos eram individuais.
Dois anos depois, eu tô já na UNICAMP e em Nova Odessa eu começo a trabalhar com a banda de
Nova Odessa, onde um amigo meu era o regente da banda. Ele me chama pra dar aula lá pra ajudar
ele a formar instrumentistas novos. Eu disse pra ele assim : “Vamos experimentar esse método
aqui!”, que era o método elementar do Hal Leonard, que aquele é da década de 70, eu acho que o
método é de 72, uma coisa assim, eu tenho lá anotado em detalhe, aí eu peguei esse método,
tiramos xerox e começamos a usar com os meninos iniciantes da banda de Nova Odessa. E o
resultado foi interessante porque a média de desistência na banda era muito alta, não só ali como na
região toda, que a gente conhecia toda região : Nova Odessa, Sumaré, Americana, Brotolândia (??),
Piracicaba, né, toda a região de Campinas. Então a média de desistência dos alunos era muito alta,
era muito alta a média. Aí conseguimos começar o ano com vinte e cinco alunos e acabar com vinte
e seis. Aí eu pensei : “Pôxa esse negócio funciona!”. E no final do ano, a gente não tinha como
tradicionalmente lá, a gente forma lá de vinte e poucos alunos, a gente formava dois que entrava na
banda dois anos depois, né. Com esse método no final do ano, nós tínhamos uma banda nova, quer
dizer, tinha a banda municipal e formamos uma banda mirim. Aí entusiasmamos com a idéia, tanto
ele quanto eu. Aí ele falou assim : “Joel, no Sumaré, que é pregado com Nova Odessa, outra
prefeitura, a banda de lá vai ter um apoio maior, a gente quer ter uma equipe maior de professores,
não só você e eu, mas outras pessoas. Vamos aplicar um outro método lá?”. Aí começamos lá, no
ano seguinte com outro método realmente, que agora não me lembro o autor do método, mas é um
método em Tatuí. A gente preocupava, “vamos experimentar um outro método agora”. Montamos
uma equipe lá, aí começamos o trabalho coletivo naquele ano né, quando foi em agosto, tive que ir
embora pros Estados Unidos né, mas ele continuou. Essa banda formada ali, no ano seguinte, em
dois anos foi campeã do estado no Concurso de Bandas e três anos depois no Concurso Nacional de
bandas. Então, funciona. O problema é que, quer dizer, que eu comecei a perceber nesse dois anos
trabalhando dentro do ensino coletivo com os meninos né, porque antes eu usei o método em São
Paulo, mas individualmente, né, no atendimento individual. Foi que, era tudo em inglês. O primeiro
método do Hal Leonard tinha as letras a ser cantadas, porque o método não era pra ensinar apenas a
ler partitura e dominar a técnica do instrumento, mas educar o menino né. Embora as bandas
trabalhem na mesma direção, inicialmente trabalha-se nesta direção, né. Aí, nós percebemos assim
: que o quê o menino interessava quando conhecia a melodia. No método americano tinha a “Jingle
Bells”, aí quando eles achavam uma música conhecida eles gostavam, vibravam. Aí eu falei assim :
“Pô, imagina se eles conhecessem mais melodias desse método”. Não conheciam porque era
americano né. Eles não podiam cantar porque era inglês e ainda, o método americano de bandas
tem um problema porque eles usam o dó móvel, não o dó fixo. Era outro problema no ensino da
teoria pra eles. E tudo era inglês no ensino do pentagrama, tudo né, a teoria toda. Então, dificultava
né. Então pensamos assim : “Pô, então, vamos fazer um método em português, sistema brasileiro e
as melodias, sejam melodias brasileiras” , né. Então, essa foi à idéia que surgiu, mas que não é
uma idéia originalmente minha não. É uma idéia, na verdade, que eu já tinha ouvido falar lá do
professor Coelho, José Coelho de Almeida, lá de Tatuí, que era né. Porque lá em Tatuí, antes de ir
pra São Paulo, o José Coelho de Almeida na banda, pegou o método e leu uma vez na banda. Eu
não sabia do que se tratava aquele método, depois que eu conheci : “Ah, esse método!”, entende?
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Mas ele nunca aplicou em Tatuí, só passou e leu pra gente conhecer o método. E nesse trabalho que
ele fez lá ficou a mensagem assim dele, de maneira inconsciente, que era bom ter um método de
banda brasileiro. Bom esse foi o contato com a?
Com o ensino coletivo. E em qual ano você começou esse trabalho lá?
Ah sim, Nova Odessa, deixa eu recordar aqui, 80, 90, 84 eu tomo contato em São Paulo com o
método, 84, né. Em 85, eu entro na UNICAMP e começo aplicar em Nova Odessa, no prédio, no
Conjunto das Artes. Deixa eu lembrar tudo certinho. Em 84 eu tomo contato em São Paulo e
começo a usar individualmente. Em 89, a gente usou em Sumaré, e no ano anterior, 88, nós usamos
em Nova Odessa, né. Foi isso aí. Na verdade, eu tomo contato com o método, mas vou usando
individualmente porque não tinha como usar de maneira coletiva lá, né. fui conhecendo aos poucos,
assim. Mas antes de 84, nesse período de 80 a 83 é quando Coelho num certo momento do ensaio,
parou e leu um desses bem facinho, que eu não consigo lembrar do autor, mas tenho anotado, esse
método a gente usou em Sumaré né, mas eu não entendia o que era aquilo lá ainda, né. Essas datas,
eu tô meio confuso na minha cabeça assim.
Isso é na década de 80.
Década de 80, isso acontece.
4. E na sua opinião, quais são as vantagens de se ensinar a partir do método coletivo? E se
existe alguma desvantagem que você acredite?
Olha só. Quer dizer, na minha experiência inicial que nós tivemos né, o quê marcou muito foi : que
os alunos, a desistência foi muito pequena, a evasão, né foi muito pequena, quer dizer não teve pra
primeiro caso. No segundo não acompanhei até o final, mas até onde eu fiquei de março a agosto,
março a setembro na verdade, em Sumaré, não tinha nenhuma né, depois eu não acompanhei mais
assim, os detalhes todos, embora, eu sei que foi muito baixo. Mas a grande vantagem que nós
vimos foi a seguinte : de um lado, vamos dizer, o método tradicional que a gente usava lá em São
Paulo e que se usa aqui, que se usa em Belém, eu já trabalhei no Pará, na Universidade do Pará,
onde eu tenho trabalhado há um bom tempo né e os mestres de banda nos encontros que eu vou, a
gente conversa, “Como é o ensino da banda?”, do ensino de instrumento nas bandas, né, e que
também é (?) assim, individualmente. O quê acontecia era, nas bandas, o aluno passa por uma fase
onde ele aprende a ler partituras. Nesse processo, ele gasta muito tempo em geral, no Brasil, com o
BONNA. Aqui na Bahia, eles chamavam de harpinha, quando o professor, como chama, é quase
um ensino quase que personalizado. Pra cada aluno, o professor fazia uma liçãozinha pra ele
aprender a dividir, a leitura musical. Então, tem uma fase só de, pra desenvolver a leitura. Essa fase
com o BONNA, você sabe, é quase um exercício silábico, quer dizer (demonstra). Nesta fase,
perdia-se muito aluno. E o aluno não tem o contato direto com a experiência musical, ali no
momento, porque fazer divisão musical, ainda que não é solfejo né, é só divisão musical, né. Aí,
entravam na segunda parte aonde pegavam o instrumento. Aí, quando ele pegava o instrumento, os
métodos usados, no caso, (?) , esses métodos todos, em geral, são métodos que mais trabalham
técnica do instrumento, sabe? Com poucas melodias. E muitas vezes, a melodia, quando ouvia,
tirava de ouvido era meio proibido nas bandas assim, né, no ensino né. Ficava muito no método e o
método e o método era técnico. Aí, depois que ele conseguia, no final desse período, a começar
trabalhar o repertório, ele trabalhava o repertório da banda, os dobrados, a marcha e tudo mais, né.
Aí, quando ele começava a dominar esse repertório, o Hino Nacional e tal, aí ele entrava na banda,
ele entra na banda. Ainda é assim nos dias atuais, né.Aí ele passava um período de aprendiz na
banda pra depois se tornar um músico da banda. Então, nesse processo se perdia muitos alunos. No
começo, sem conhecimento musical, aí na segunda fase muita técnica do instrumento, técnica
instrumental e pouca música, depois entra música, mais a música é o repertório da banda, né. Aí,
quando entrava pra banda, entrava pouquíssimos alunos na banda, muitos alunos que entravam no
começo, sobravam pra banda só os corajosos. No outro método coletivo, quando nós começamos a
trabalhar, a gente começava logo no primeiro dia com o instrumento na boca do menino, né. A
gente já “Pum”, já punha o instrumento. Aí a experiência do menino, ele veio pra tocar saxofone,
ele não quer ficar dois, três meses ou às vezes, esperar um ano aprendendo a ler partitura, de seis
meses a um ano lendo partitura pra depois pegar o instrumento, aí faz todo o trabalho técnico do
instrumento. Não. Desde o começo a gente trabalhava com o instrumento na boca e trabalhando
música. A gente trabalha desde o começo com melodias mesmo sabe, coisas bem simples, duas
250
notas, três notas. Então ele já vai desde o começo assim, tendo essa experiência musical e essa
afinidade com o instrumento, com, uma experiência musical com, relacionado com o instrumento
mesmo, onde a técnica é desenvolvida dentro de melodias. E além disso, desde o primeiro contato,
ele já percebe que faz parte do grupo, divide o grupo em pequenos grupos menores, depois junta
um grande número, a banda mesmo né. Aí, desde o começo, ele percebe assim : “Eu faço parte de
uma banda!”. Então, essa, essa, ligação com o grupo, acho que tá prendendo ele, sabe? Então, quer
dizer, ele trabalhando tudo isso junto, quando chega, quando chegava no final, a gente tem uma
outra banda montada, entendeu? Acho que isso entusiasmou e foi a grande vantagem que nós
vimos, o entusiasmo, e o desenvolvimento do menino, musicalmente falando né, eu achava que era
bem maior do que o outro método individual. Porque desde o começo ele desenvolvia habilidades
auditivas, né, em todos os sentidos, ele cantava as melodias do método,né. Aí desenvolvia melodia,
harmonia, ritmo, cantando a melodia né. E como chama? Quando a gente trabalhava musicalmente
tocando as melodias, as melodias tinham várias texturas musicais, desde a melodia acompanhada,
né, cânones, texturas corais, então, quando ia tocando aquilo, ele já é exposto à diversas texturas
musicais e já se depôs desde o começo, em tudo, nessa questão musical muito mais ampla do que
ficar seis meses a um ano batendo, fazendo divisão musical com o BONNA, né. E além de
desenvolver essa habilidade toda, ele desenvolvia a habilidade de se tocar em grupo desde do
começo, né. Percebendo o que o outro tá fazendo né. E ele aprendia muito também com o aluno do
lado, né. Por exemplo, o som dele, às vezes, falava assim, “a embocadura é assim”, na embocadura
do outro ele via “Opa!” , já corrigia a embocadura e já via, “Ah o professor faz igual dele”. Então,
ele buscava o som do vizinho, sabe? Ele ia tendo assim, modelos dentro do próprio grupo, aqueles
que iam se destacando, para que todos aprendessem. Quer dizer, vinha há muito tempo com isso,
né. Com esses modelos né. Então, tudo nesse mesmo mecanismo incentivou a acreditar no método
coletivo, né.
5. E no seu método, que você acabou desenvolvendo, os alunos a princípio não tem o
instrumento? Como é que se dá essa estrutura?
No meu método, eles já começam com o instrumento mesmo.
Mas eles possuem os instrumentos? A maioria, o curso mesmo é que oferece o instrumento ou
eles estudam em casa? Como é que é essa estrutura?
Ah sim! Bom, quer dizer, onde eu trabalho hoje, com os meninos, numa região carente, então não
tem instrumento pra casa né. Hoje já alguns já conseguiram e tem o instrumento em casa. Mas os
instrumentos ficam na sede da banda né, ou na escola. Aí, com aquele instrumental, por exemplo eu
tenho vinte e seis instrumentos né. No horário, por exemplo, das 8 às 10 da manhã, eu não faço isso
hoje lá porque não dá tempo de fazer isso lá, mas a idéia que a gente tem uma turma pegando
instrumento das 8 às 10 da manhã né; das 10 ao meio-dia outra turma usa aquele instrumento, aí à
tarde, quer dizer que tem um instrumento pelo menos sendo para quatro pessoas utilizarem, sabe?
Então, tipo assim, vamos dizer com trinta instrumentos você tem cento e vinte alunos, né. Porque,
por ser caro o instrumento naquela região carente, né. Mas a gente não faz isso não porque a gente
não tem pessoal suficiente da UFBA né, na universidade pra trabalhar lá, assim né. Então, a gente
faz cada instrumento pra dois, por enquanto, porque a gente consegue atingir no máximo duas
turmas, né, 46 alunos lá hoje, né, e alguns são monitores da UFBA da própria cidade (?), lá da
região, né. Então, a idéia do método é, o ideal é que ele tenha o instrumento em casa pra estudar em
casa. Mas por ser complicado, ele vem até a banda pra estudar, limpa, aí um outro usa aquele
instrumento e assim, né. Então, essa é a idéia.
6. E Joel o seu método prevê depois de algum tempo aulas individuais ou não? Quanto tempo
que dura essa parte coletiva de iniciação?
Quer dizer, eu acredito assim, o trabalho ideal seria o coletivo e o individual paralelo sabe? Eu
acredito que isso seria assim, o ideal né? Porque se hoje você trabalha só o coletivo, você não
consegue ver muitas coisas, carências pessoais de certos alunos sabe? Embora eu tô trabalhando o
coletivo, eu tenho aquele momento pra atender individualmente né. mas como se diz, não há uma
atenção tão específica com podia ser se fosse só individual. Então, eu tenho os monitores que me
ajudam individualmente em alguns casos né. Mas ainda assim, eu acho que o ideal seria os alunos
participarem realmente do ensino coletivo e ter o apoio individual. Mas como isso é caro, então, a
gente fica mais no coletivo e faz o atendimento individual dentro do que a gente consegue fazer na
251
carga horária né. Alguns momentos a gente fala : “Hoje depois da aula fica você” e atende aquele
aluno. Mas o processo que a gente trabalha é o seguinte, assim, dentro da metodologia mesmo : a
gente não começa com o coletivo total não, né. A gente faz o recrutamento dos alunos, aí faz a
reunião com os pais, aí os alunos são divididos em dois grupos : um grupo que eu chamo de grupo
recreativo e outro grupo cultural, que organiza as outras atividades do grupo né, aí logo depois
disso, é o primeiro contato com instrumento. A gente passa pra uma fase pra conhecer os
instrumentos e decidir qual instrumento que eu vou estudar. Aí você marca o quê eles querem
estudar né. “Ah, eu quero estudar saxofone!”. A gente passa um período, onde eles vão lá, a gente
monta um instrumento, eles tocam, eles tocam algumas músicas de duas notas, tipo (Canta) :
“Berimbau, Berimbau”. Com duas notas eles aprendem a tocar música, sem partitura sem nada.
Tudo de ouvido né. A gente vai tocando, uma metodologia que a gente desenvolveu assim : a gente
punha o instrumento na mão do menino e ensina soprar e vamos tocar junto. Aí, ele passa essa fase
: “Ah professor, na outra aula eu gostaria, eu gostei do saxofone, mas prefiro estudar trompete
hoje”. A gente dá mais um período aí de duas, três aulas, uma semana né, a gente faz três aulas
semanais coletivas né, e duas aulas de prática monitorada. Ele tá estudando e temos o monitor tira a
dúvida, né. Então, nessa semana, ele experimenta vários instrumentos e decide : “Oh, eu quero tal
instrumento!”, né. Aí quando decidiu, a gente passa uma fase, aulas de naipes. Vamos dizer,
dependendo dos alunos, a gente tem aula de saxofone e clarineta juntos. Então, nessas aulas em
naipes, que a gente trabalha já com embocadura, postura, respiração, montagem, montar, desmontar
o instrumento, enxugar, como conserva o instrumento né. E já entra no método e começa a ler, ler a
partitura no método e ler, começa a leitura musical já no método nessa segunda semana né. Aí,
então, as aulas em metais agudos, metais graves, percussão, madeiras, são os naipes. Aí depois que
passou essa fase dos naipes, quando a gente sente que todo mundo já consegue tocar a primeira e a
segunda fase do método né, todinha, assim, sem problema com divisão e né, aí a gente marca o
encontro.A primeira aula com tudo junto, embora eles já tiveram essa aula com todo mundo junto
naquela semana onde todos experimentavam os instrumentos sabe? Aí passa uma aula todo mundo
junto pra conhecer o instrumento sem a leitura de partitura, aí no outro período específico de
técnica individual de instrumento né, aí começou a ler a partitura, aí todo mundo junto. Aí quando
chega na aula coletiva agora, eu já sei quem vai ter dificuldade em embocadura. Então, quando eu
tô fazendo o ensaio coletivo, eu fico corrigindo um : “Olha abaixa a embocadura!”, “Olha a
postura!”, sabe?, “Olha a respiração de fulano!”. Quer dizer, aí vai seguindo, né. Aí vai seguindo e
dando o acompanhamento individual dentro do necessário sabe? E agora, chega um certo
momento, que o método realmente, depois que fica um ou dois anos, dependendo do
desenvolvimento do menino, e a partir daí, vem encaminhando para a aula individual mesmo, sabe?
Musicalmente, eu posso dar de fato, para todos instrumentos ali né, mas tecnicamente, eu me limito
mais aos instrumentos que eu conheço mais, né. E quando não conheço, tento arranjar alguém que
possa encaminhar. Assim que é possível né, porque quando eu trabalho no caso lá, tem pessoas que
não tem condições de pagar outra pessoa, né. Mas eu acho que é só isso, as fases todas, né.
7. Então, a princípio a carga horária desse aluno iniciante é qual, no começo?
A gente já trabalhou de várias maneiras lá, sabe? No começo a gente fazia só uma aula semanal,
sabe? Era lento, mas o aluno tinha chance de, no começo de tudo, eles não tinham essa chance, era
só uma aula por semana mesmo. Depois eles passaram assim a ter alguns dias que podiam ir lá,
praticar. Tinha uma hora por semana e praticava, sabe? A aula era de uma hora à uma hora e meia,
né. Assim, depois, quer dizer, o ideal a gente queria que fosse três aulas, né, semanais, pelo menos
né. Hoje, nós temos duas aulas semanais e fora esse período, alguns alunos vão lá praticar e acabam
tendo chance de às vezes ter um monitor tá lá, pra eles praticarem. Não é, o trabalho lá ainda não tá
assim totalmente bem definido nesse sentido, porque nós não temos financiamento pra pagar um
monitor, pra, então, a gente comenta, “Pode vim?” , “Posso!Ah eu vou atender os alunos X tal dia”,
né. É muito mais na base da amizade, né. Com exceção dos alunos da UFBA que vão lá e dão essa
aula, uma aula ou duas aulas semanais acontecessem. Aí a prática monitorada que eu chamo, que
depende dos meninos que moram lá estarem disponíveis, esse negócio todo, né. Mas o quê, o
método que eu conheço, como funciona bem esse método na escola, é assim : chega pro cara :
“aula de uma hora por dia, cinco dias na semana”. É porque meu horário todo mundo vem pra aula
de banda, senta pega o instrumento e toca, fica lá hora tocando mesmo. Esse sistema que eu tenho
252
visto faz funcionar, ou pelo menos, três aulas semanais. È, em se pensando que o aluno não leva o
instrumento pra casa pra estudar, o contato dele é naquele horário de ensaio, cinco dias na semana.
Quer dizer, ou cinco aulas coletivas, ou três aulas coletivas e mais dois períodos monitorados. O
problema das aulas monitoradas é que, se o cara não for estudar uma música diferente, não tem
espaço. Tem que ter espaço físico pra dividir cada um numa salinha, pra eu passar pra conferir.
Então, o ensino carece e não tem salas. Então, às vezes, acaba sendo ideal que seja cinco aulas
semanais mesmo, que todo mundo está estudando a mesma coisa, o mesmo horário, tem só vinte e
cinco. “Agora só você”, “Agora vocês dois”, sabe aquele negócio todo. Então, eu passei uma
prática, é um ensaio né, é uma prática de instrumento coletiva, um ensaio coletivo, entendeu?
8. E a faixa etária trabalhada? Qual é?
A gente pega assim, de dez a dezessete anos que a gente trabalha, sabe, mais, né. Por exemplo,
alunos mais velhos se tornaram monitores hoje, até vinte e dois anos. Agora na UFBA, nós
trabalhamos já com uma faixa bem de adulto mesmo, de vinte até tem gente lá de cinqüenta e sete
anos.
9. Então, fala pra mim um pouquinho do trabalho, onde você atuou com o ensino coletivo e
onde você atua nesse projeto? Onde que é e como é que está sendo desenvolvido? Então,
primeiro onde você atuou e agora na Bahia onde é que você atua?
Quer dizer, lá em São Paulo foi na Banda Municipal de Nova Odessa em Sumaré, né. É, usando o
método individual e não coletivo, mas ??? em São Paulo. Aqui, inicialmente comecei aplicar na
UFBA mesmo, duas turmas de alunos no curso de extensão.Pagavam o curso na verdade, alguns
tinham o instrumento, outros não tinham. Os alunos lá da UFBA né? Depois eu consegui uns
recursos na Sociedade de 1º Maio, nesse convênio com a Escola de Música, conseguiu-se do
governo, aí começamos a trabalhar nesse convênio que estamos até hoje. Há quase quatro anos,
chama-se Sociedade 1º de Maio. È uma ONG que trabalha com várias, vários cursos, sabe? Tem
escola de 1º Grau, tem creche, tem tudo quanto é coisa assim, curso de serigrafia, mecânica de
automóvel, aí implantaram música porque dentro desse programa tem uma aula de reforço escolar,
é tudo através da arte, das diversas linguagens : teatro, pintura né, aí e música né. E aí que eu entrei
com a música. Então, lá nós estamos já há quatro anos. Lá você chama laboratório assim, onde
além do método, nós já fechamos o método, agora estamos usando um repertório didático que é o
que acompanha o método, o método né, a questão didática para uma banda coletiva tocar né,
arranjos com composições né. Que a gente faz, que os alunos fazem, eu faço, a gente experimenta e
vê o que funciona e o que não funciona pra, se de cada nível da Sociedade 1º de Maio. Aí, eu passei
mais um período de um ano, agora não tô mais, aqui Centro Social Urbano de Mussurunga, em
Salvador também, com, foi começado por um ano, mas depois por questões governamentais a coisa
não funcionou, não tinha recursos, parou, assim não dava para trabalhar com, lá, aí desistimos do
trabalho lá. È, paralelo com isso, a gente, eu faço, dando cursos em vários lugares, onde pessoas
passaram a aplicar o método, né. A Weril financia experimentar esse método lá na ULM, na
Universidade Livre de Música em São Paulo né, ligado ao foco das artes, que eu freqüentei o curso
várias vezes, em cursos em vários pontos no Brasil, né, e em São Paulo, tem diversos lugares
usando o método também que eu acabei fazendo né, nessa metodologia, vários pontos no interior,
Rio, aqui em Sergipe, em uma banda municipal ??, e no Pará, tem cursos, tem um projeto de
bandas muito grande dentro do Pará. Aqui na Bahia tem Cachoeira e Salvador. E Minas Gerais
começou, mas ainda a faixa etária, o pessoal já sabia tocar, aí então, partiram já para um outro
nível, e disse que ia começar uma turma de iniciantes.
10. E atualmente, hoje você tem um projeto social, também envolvido com a banda? Aonde...
(Interrompendo) Isso. Esse projeto social que é na Sociedade 1º de Maio, que é, que funciona
assim, tem uma, no começo, eu comecei conforme eles pediram, um bocado de música lá, fui e
alguns dos meus alunos como voluntários fazerem o trabalho. Aí a UFBA tinha um programa
chamado “UFBA em Campo”, um programa de extensão. Aí pegava os alunos da Escola de
Música, eles iam comigo e ganhavam um crédito de disciplina né, de extensão. Aí depois desse
programa individual começou um outro programa individual, começou um outro programa o ano
passado chamado “ACC – Atividade Curricular em Comunidade”. Os alunos iam comigo para
trabalhar com o método, conhecer, mas os alunos da UFBA eram treinados, Licenciatura e
Bacharelado, para trabalhar com essa metodologia coletiva, né. E ao mesmo tempo, os alunos de
253
Composição e Arranjo faziam composições para experimentar o que funcionava dentro daquele
nível didático. Eles aprendem a escrever só música para profissional tocar na UFBA né. Ali é o
contrário, um pouco vai escrever para iniciante de seis meses e um ano tocar né. Quer dizer, não
conhece o instrumento com detalhe. É, então, aí, nessa Atividade Cultural em Comunidade, ACC,
que estamos até hoje com ela, acontece dentro da sociedade sob a parceria UFBA e Sociedade 1º de
Maio, nesse projeto que eu estou engajado até hoje com eles né, embora isso não é uma atividade
fixa lá na UFBA né. Tá pra ser aprovada né.
11. E Joel, como é que você vê a pesquisa e os trabalhos, no geral, em ensino coletivo no país?
Fale um pouco sobre o quê você conhece, o trabalho de outras pessoas não só em sopros, mas
em cordas, em violão. Então, assim, como está o panorama no Brasil de metodologias para o
ensino coletivo? O quê que você conhece, o quê que você já viu por aí?
Quer dizer, eu conheço mais, realmente, o, na área de sopros, né, na qual eu convivo. Aqui eu
acompanhei Diane Santiago nos teclados, piano e teclados, acompanhei Cristina com o violão, o
Projeto Guri eu sabia, mas nunca pude acompanhar de perto né, apenas com esse amigo Daniel
Tamborim que me informava : “Tá indo assim, legal!”, mas faz um bom tempo que eu não o via né,
mas ?? com sessenta e quatro pontos. É aí eu conheci esses pontos aonde essas pessoas que vieram
fazer o curso comigo, de vários lugares do Brasil até na Colômbia, alguma coisa assim, tem
pessoas se interessando realmente, querendo usar, mas que alguns que pegavam o método
americano, tentando usar, mas tendo dificuldade por causa da língua, esse negócio todo, né, e esse
foi o caso de um regente, como é que chama? De uma cidade em São Paulo, na beira do mar, numa
cidade praiana, não lembro o nome, e começou a usar lá, né, questões de alguns anos atrás. E aí,
quando ele conheceu meu método, ele inverteu, ele deixou o método americano, agora tem em
português, vou levar para as crianças, né. Esse eu acompanhei, em Tatuí né, desde que eu voltei nos
Estados Unidos, aí, alguns, alguns amigos lá e colegas de trabalho, começaram a usar o meu
método lá, né, dentro do Conservatório. Mas eu tenho acompanhado assim, mais em relação aos
sopros mesmo, aos sopros. Antes disso, eu acompanhei, por exemplo, quando eu estava fazendo a
pesquisa com o meu trabalho de doutorado, eu, na verdade, acompanhei tanto depoimento de
pessoas quanto li né, o trabalho do Jaffé né, em vários pontos, e dessa Linda Kruger, que é uma
americana do Texas, que passou um período em Belém, tentando fazer um trabalho de, um método
como é que chama de cordas né, usando música brasileira. Aí na verdade, eu nem sabia que existia
isso, quando eu tava numa biblioteca nos Estados Unidos pegando material bibliográfico para a
minha dissertação, eu acho uma tese exatamente, eu falo assim : “Pô, essa mulher fazendo aquilo
que eu exatamente queria fazer, só que pra cordas!”. Aí, quando eu estava lendo a tese dela, eu vejo
tudo isso e digo : “que legal !”, né. Quer dizer, eu vejo assim, que a minha idéia não era uma idéia
sozinha né. Então, quer dizer, eu morei com pessoas que trabalharam, que foram alunos do Jaffé
em vários pontos. Tanto pessoas que, alguns estão até em Salvador hoje né, que aprenderam ou em
Fortaleza né, que ele trabalhou, Brasília teve, e em São Paulo né. Mas São Paulo como é
desenvolvido. Mas, quer dizer, eu tenho visto assim e o trabalho do Abel, ??? pessoas que me
comentam né. Então, tem um trabalho muito bonito de sopros, é que o ensino toca com o coletivo
mas numa outra, numa outra direção, que acontece em Volta Redonda, no Rio com, esqueci o nome
do professor lá, conversamos várias vezes por telefone trocando idéias, coisas assim, né. Eu tenho o
nome dele escrito, se precisar... Lá em Volta Redonda, ele tem um trabalho ligado à escolas
municipais, né. isso um trabalho acompanhado, de, quer dizer, aí eu acompanhando, o pessoal que
passou a usar meu método, em lugares como São Paulo, o pessoal sempre mantém contato como ta
indo esse trabalho, tando assim, tudo isso, tudo aquilo, não passou disso, não faz aquilo.
12. E professor, sobre a questão da função social da música, você acredita que o método
coletivo de ensino de instrumentos ele democratiza o acesso do cidadão comum, do cidadão à
Educação Musical? Como é que você vê essa ligação entre o ensino coletivo e a função social
da música ?
Na minha própria experiência pessoal, eu comecei numa entidade pra menores carentes né. Se não
fosse aquela oportunidade, hoje eu não seria o músico (acabou a fita).
Então Continuação da entrevista com o professor Joel Barbosa. Joel, então, a questão da
relação entre a, o ensino coletivo e a função social ? Como é que você vê essa questão?
254
E, pensando na minha própria experiência pessoal, se não fosse, embora não era ensino coletivo na
época né, se não fosse a música ali, sendo oferecida pra menores carentes, eu não tinha tanta
experiência, nem a oportunidade de me tornar um músico profissional né, hoje né, trabalhando com
isso. É, depois disso né, eu trabalhei em algumas bandas municipais de São Paulo, onde a clientela,
eram crianças, realmente, de, carentes né. E depois, eu pude acompanhar o processo dessas
crianças que hoje são profissionais de música né. E histórias interessantes, assim, como na época
quando a gente estava aprendendo, isso já é com o ensino coletivo né, em Nova Odessa e Sumaré,
onde o pai vinha e dizia assim : “Ò professor, eu vou tirar o meu filho porque eu prefiro que ele
trabalhe na lanchonete, em algum lugar aí, pra ajudar em casa e ter dinheiro, né”. E eu tentando
segurar o filho lá, uma coisa assim, e quando eu volto depois de três anos depois, aquele menino
ganhava três vezes mais que o pai né, com música. Então quer dizer, essa coisa toda né. E agora,
mas, na Sociedade 1º de Maio, numa maneira de falar, existe uma ?? trabalhando com os meninos,
o que a gente vê assim, é a dimensão da cabeça dos meninos sabe? Passa a ser, passa a buscar
outros horizontes mesmo, sabe? Tanto a questão social , a questão política, a questão educacional, a
maioria, eles querem ser hoje músicos profissionais, querem fazer vestibular pra música na UFBA
sabe? Quer dizer, alguns alunos estavam assim com a escola e hoje querem estudar realmente na
escola, sabe, todo, por estar envolvido nesse processo de aprendizado no instrumento, sabe e
coletivo né. Agora, o preço do aprendizado é caro né. Porque a aula individual é cara e o
instrumento é caro né, pensando nessa faixa da sociedade né. Então, com o ensino coletivo, você
consegue um ensino eficiente, né, pedagogicamente falando, e ao mesmo tempo, você consegue
baratear muito, porque o professor vai ser pago por diversos alunos né, àquela hora aula que os
alunos estão pagando e o instrumento pode ser usado por vários alunos. Desde que exista um
sistema de que o aluno vai até lá, né, pra, realmente pra aprender o instrumento. Então, eu acho que
com o método coletivo a gente consegue como se fosse democratizar, ou realmente deixar a música
disponível, num preço acessível, para uma maior parte da população. E facilitando até para a
música entrar realmente, na escola de 1º e 2º Grau, quer dizer, não tinha outra maneira da música
instrumental estar presente na escola de 1º e 2º Grau, a não ser pelo ensino coletivo, não é?
13. É. E Joel, em relação ao seu método, eu queria que você falasse mais sobre o seu
referencial teórico.
Então, o método quando eu fui elaborá-lo, né. Eu fiz uma revisão bibliográfica extensa de vários
autores que trabalhavam com ensino coletivo (Interrupção).
Joel, eu queria que você falasse sobre o seu referencial teórico? É, qual foi o referencial
teórico que você desenvolveu a sua metodologia?
Na verdade, quando eu comecei a fazer o método para a iniciação, a revisão bibliográfica inicial, eu
trabalhei dentro de diversos educadores, né. Então, Kodály, o método do, do japonês...
Suzuki.
Suzuki, né. A metodologia geral deles né. E depois diversos autores que trabalham com ensino
coletivo de instrumentos de banda especificamente né e diversos livros afim, e por último, eu
peguei foram vinte e um métodos de banda, pegando assim, desde da década de 40 que eu
encontrei, até no momento que eu tava escrevendo, que foi em 92, 93. Assim, os que eu pude ter
acesso, né. E fiz uma, e analisando esses trabalhos todos, e tinham diversas dissertações que eu
pude, olhar de mestrado e doutorado, nessa que trabalhavam, e experimentavam diversas
metodologias de ensino, dentro da metodologia coletiva né. Aí, eu acho que foram, olha, os autores
todos, não quero impressionar, acho que teve uns catorze dissertações, de mestrado e doutorado,
que fizeram experimentos, dentro do ensino coletivo de instrumentos de banda, o que usar, se
ensina isso e se ensina aquilo primeiro, sabe?
Todas essas americanas?
Todas essas americanas, todas americanas né? Então, quando eu passei, incluindo essa da Linda
Kruger que eu né, que era pra cordas. Então, a partir desse arcabouço de idéias né, eu podia passar
mais ou menos só uma linha desses métodos todos né, que todos eles trabalhavam. Aí eu decidi,
como seria mais ou menos o método, porque o método poderia sair. Quer dizer, eu baseei
francamente, em cinco itens, depois de organizar essa, essa bibliografia toda. E em geral, o ensino
de instrumento individual é muito em leitura de partituras e técnica instrumental (interrupção).
Então, são cinco pontos importantes que eu achei que devia incluir no método a partir das
255
experiências que eu vi né. Umas das experiências que foram feitas, experimentos científicos que
foram feitos, que realmente mostravam que podiam ser incluídos no método e outros que eu ainda
estava em dúvida, sabe? Principalmente assim, uma linha de Educação Musical muito forte nos
Estados Unidos na época que eu tava lá, o Comprehensive Musicianship, que é trabalhar a
musicalidade inteira do aluno né. E aí tem métodos de banda que trabalham muita criatividade,
improvisação, trabalham composição desde o início né, e com menos ênfase em técnica
instrumental, esse negócio todo? Mas quando eu olhei pra tudo isso, eu bati em cinco pontos
importantes, que era realmente, a leitura, né, a técnica instrumental, logo em seguida a percepção,
então, do método uma grande linha fazia em cima de cantar né. Edgar Willems que através das
canções que você canta né, cantando que você desenvolve as questões rítmicas, as questões de
afinação, questões de textura musical, de interpretação das frases, das canções né. È, isso ainda,
quer dizer, o método todo em cima de Canções Brasileiras baseado no que Kodály diz que
“aprender o desconhecido através do conhecido”, né. E esse conhecido né, ele disse que é a língua
musical mãe que nós temos né. Então, isso tá presente na nossa música folclórica, na nossa música
popular. Então, e o desconhecido seria exatamente a leitura musical e auxiliar (??) a técnica
instrumental. Quer dizer, o instrumento, aprender música através da nossa língua musical mãe,
como Kodály coloca né. Por isso que é um método todo ensina o repertório de música folclórica
brasileira, né. Bom, então vamos lá, leitura musical, técnica, aí depois percepção, cantando em
cânones, em cantando o método todo ali, teoria da música atualmente né, tem diversas teorias,
organizando a teoria da música toda ali, e por último, a criatividade, onde o método inclui
atividades de improvisação, né, eu ainda inclui composição, né, alguns métodos inclui, mas eu
coloco improvisação dentro do método, logo no começo, já, o aluno sabe duas notas, a gente já
começa a trabalhar improvisação. Com esses cinco itens que eu retirei de vários autores que
pesquisaram e analisam todo o ensino coletivo né, para buscar né.
14. E Joel, pra finalizar, você tem alguma consideração final a fazer sobre o seu trabalho,
sobre o ensino coletivo, e até mesmo uma sugestão a fazer?
Deixa eu pensar aqui (risos).
Sobre alguma sugestão, alguma coisa, alguma pessoa que você acha que eu deva entrevistar,
alguma, alguma palavra final?
Eu acho assim, uma pessoa que seria interessante se você voltar pra São Paulo e conversar, embora
a área dele é mais de sopro também né, mas ele desenvolveu um trabalho de ensino coletivo
também no SESC, atualmente, é o José Coelho de Almeida, que é o ex-diretor do Conservatório de
Tatuí. Ele reside em Tatuí novamente. Ele foi diretor por muitos anos né, foi uma pessoa que, acho
que, deu o pontapé, eu vi o método coletivo, mas eu não conheci e não entendi nada também, né.
Depois que eu fui entender e fui entender a idéia dele né.È igual a idéia dele, ele traduziu o método
americano pro português. Hoje, quer dizer, o que eu to fazendo hoje, quer dizer, foi um erro que eu
fiz ao fazer o método que hoje eu estou tentando corrigir, se você for, fazer um novo método ou
não né. Mas, por exemplo, eu achei que essa história da língua musical mãe que a gente usava no
método bastava eu usar a música, o código? brasileiro ou a música brasileira. Mas na verdade, na
construção do método, tipo assim, o quê que aprende primeiro? Aprende isso, depois aprende
aquilo. O quê que aprende primeiro? Qual é o intervalo brasileiro? O intervalo de segunda maior,
segunda menor, terças? O que vamos aprender primeiro no instrumento? Qual ritmo que a gente vê
primeiro? Vai vim isso, vai vim sincopas, seguida de pontuadas, seguida de colcheia? Quer dizer,
nessa seqüência toda, eu quando arranjei os métodos americanos, eu vi que quase todos eles tinham
a mesma seqüência dos elementos que deviam ser aprendidos, tanto em teoria quanto em ritmo,
quanto à seqüência de notas nos instrumentos. Eles tinham uma seqüência muito parecida, sabe?
Vinte e um métodos, tanto os antigos quanto os mais recentes. Aí quando eu vi isso, eu falei assim :
“Ah, vou seguir!”. Eu peguei mais ou menos um padrão geral daquilo lá. Eu peguei a seqüência dos
elementos a serem ensinados em cada página do método, certo? Aí eu fui encaixando música
brasileira de acordo que, com, atingisse aquele andamento do aprendizado, sabe? Hoje a minha
pesquisa mudou, eu tô procurando estabelecer através do que a professora Alda de Oliveira na tese
dela, ela analisa elementos musicais mais freqüentes na nossa música. O quê é mais freqüente, é o
tom maior ou o tom menor. O quê é mais freqüente? A escala pentatônica? O quê é mais freqüente,
o ritmo de síncopa ou semínima pontuada com, semínima pontuada com colcheia? Sabe? Então,
256
quais são os ritmos na seqüência? Então, a partir disso, a gente vê, se isso é mais freqüente do que
aquilo, então isso deve ser aprendido antes do que outra coisa? Então, isso eu baseei, inicialmente,
do método americano, certo? Eu tirei de lá e encaixei na brasileira. Hoje, pelo contrário, eu tento
estabelecer essas seqüências, ?? a serem aprendidos. “Ah, primeiro eu vou ensinar...” . A primeira
nota do meu instrumento é sol, né, talvez a segunda deva ser um fá, intervalo de segunda maior, ou
então, deve ser um fá sustenido, porque a segunda menor é mais recorrente. Nós estamos fazendo
um estudo de freqüência de elementos musicais pra estabelecer essa ordem de metodologia , pra
depois, a partir daí, encaixar as músicas, né. Eu quis, eu baseei na música brasileira porque na
música brasileira, mais esse cerne né, que era assim, o quê aprenderia antes né. Quer dizer, baseado
nos resultados que nós temos hoje, tanto na pesquisa da professora Alda de Oliveira quanto o que
nós tínhamos feito, quer dizer, não fugiu muito do que o método tem de importado dos Estados
Unidos, mais uma adaptação né, com exceção da coisa rítmica né, que realmente a síncopa aparece
??? um pouco mais cedo no método né. ??? E um pouco mais de músicas com, em tom menor.
Porque lá é uma, é bem menos, a música é mais em tons maiores né. As escalas nordestinas, como
conhecemos, e mais, tem muito pouca, acho que posso incluir mais. Então, quer dizer, hoje a
pesquisa, olhando para nossa língua musical mãe, eu acho assim, eu to refazendo o método
sozinho.
Então Joel, muito obrigada ! Espero te reencontrar, revê-lo em breve! Muito Obrigada!
Às ordens!
1. Bom Dia, Enaldo! Para iniciar essa entrevista, eu gostaria de saber como se deu seu
primeiro contato com a música?
Eu comecei a estudar música quando eu tinha sete anos, em Belém do Pará. Primeiro eu fiz um
curso de musicalização, somente pensando na preocupação do fazer musical, sem uma abordagem
instrumental. Aos nove anos eu comecei a estudar violino, com dezessete anos, eu fiz a, eu mudei
pra São Paulo pra fazer o bacharelado na Faculdade Santa Marcelina e depois eu fiz o mestrado na
Universidade de São Paulo e é basicamente essa a minha formação musical, né.
2. E como se surgiu o seu interesse pelo ensino coletivo?
O ensino coletivo foi mais ou menos a uns, deixa eu ver, meu filho tem oito anos, mais três onze
com mais dois (risos), mais ou menos, uns treze a quinze anos atrás, por intermédio de um amigo
meu chamado Mário Vergio que foi aluno do professor Alberto Jaffé. E ele me mostrou um CD que
o professor Alberto Jaffé gravou com os alunos do SESC pra demonstração do trabalho dele. Esse
CD foi, esse CD não, esse LP, na verdade, foi gravado com oito meses de trabalho dos alunos e o
resultado musical desse, desse disco, despertou toda a minha curiosidade pra como se realiza essa
questão do aprendizado musical coletivo. O aprendizado instrumental coletivo.
3. E qual é a sua experiência em relação ao ensino coletivo? Aonde você trabalhou? Em que
lugares você atuou e atua?
Bom, a partir dessa, desse despertar para o ensino instrumental coletivo, eu comecei a querer a
trabalhar com essa prática de ensino. Trabalhei alguns anos na Escola Britânica de São Paulo, onde
eu tinha classes de ensino de cordas, foi muito bom porque eu trabalhei junto com o professor
Coelho de Almeida, José Coelho, que é um excepcional professor de banda, também pra fazer
iniciação instrumental. E depois eu fui trabalhar na Universidade Livre de Música, eu tinha um
projeto lá pra criar classes coletivas e heterogêneas, você sabe muito bem o que significa classes
heterogêneas, violino, viola, violoncelo e contrabaixo. Mas infelizmente não havia disponibilidade
de recursos pra fazer dessa maneira, aí eu comecei fazendo ensino coletivo de violino, com classes
de dez a quinze alunos. Foi quando surgiu a oportunidade de eu trabalhar no Projeto Guri, que o
Projeto Guri estava no início, tinha apenas dois pólos e eu vim justamente pra fazer uma
sistematização pedagógica dos procedimentos que o Projeto Guri precisava. Porque ele tinha mais
257
Por exemplo, ninguém possui uma formação específica para ser professor de instrumento. Em geral
o instrumentista que aprendeu a tocar, e aí vai transmitir seus conhecimentos pros alunos. Isso
muitas vezes, isso muitas vezes da certo, mas muitas vezes também dá errado. Porque você precisa
toda uma formação metodológica, pedagógica de como ensinar o aluno que isso não é passado
quando você aprende a tocar o seu instrumento, né. Então, pra gente ter dentro do Projeto Guri um
número, eu já nem sei quantos funcionários a gente tem hoje, mas eu acredito que esteja por volta
de uns quinhentos a seiscentos funcionários, dentre esses, pelo menos uns quinhentos devem, ser
professores, né. Pra gente ter quinhentos professores com o perfil pedagógico de forma, que tenha
uma formação para dar aulas, independente se elas são coletivas ou individuais, é necessário um
grande esforço pra formar esses professores. Imagina atender esses vinte mil alunos, eu precisaria,
chutando alto, pelo menos uns quatro mil professores, né. Então, pelo menos, oito vezes a mais
esse número de professores. Então, eu acredito que realmente, a principal vantagem do ensino
coletivo, se reside nisso, de utilizar um número pequeno de recursos e ampliar esse número de, de
recursos em relação a questão do número de atendimentos. Obviamente, que existem outras
vantagens, existe a questão da socialização desse aluno porque ele está justamente começando
dentro de uma prática coletiva, ele aprende a respeitar e a manter as relações com seus colegas, né,.
Por exemplo, se hoje nós estamos dentro da mesma sala de aula e eu tenho uma dificuldade, e você
não respeitar esse meu momento, amanhã pode ser que você tenha uma dificuldade e eu também
vou me sentir no direito de não respeitar. Então, essa questão do respeito mútuo e do respeito em
viver na coletividade, é muito aprendida pelos alunos, né. Você respeitar o teu semelhante, aquele
que é aluno como você, é uma das lições que se aprendem rapidamente, né. Por outro lado, o fazer
musical coletivo, o professor Jaffé tinha uma frase que era muito boa, ele dizia assim : “Quando
você aprende a tocar um instrumento de cordas, como por exemplo, o violino as sonoridades
iniciais são extremamente ruins, a produção do som e tudo mais é uma coisa que realmente não dá
muita satisfação, quando você coloca isso dentro de um grupo, né, do processo ensino coletivo,
essas, essas, esses sons não muito agradáveis, eles vão se amenizando e aí, a sonoridade em si fica
quase aceitável”. Essa era mais ou menos a frase dele. Porque ele queria dizer com isso é que
quando você ta estudando violino, por exemplo, individualmente a sonoridade é muito ruim. A
somatória dessas sonoridades dentro de um grupo, ela fica quase aceitável. Não fica tão ruim
quanto individualmente. Bom isso gera pro aluno, um estímulo realmente adicional, porque ele não
percebe tanto as coisas ruins que tem no seu próprio som e o resultado musical acaba
entusiasmando ele porque ele ta percebendo uma coisa melhor do que realmente a realidade
individual dele, né. Tem esse aspecto. Um outro aspecto que a gente pode abordar (interrupção).
Então, continuando...
Nós estávamos falando do incentivo ao aprendizado musical pela questão de uma percepção um
pouco mais satisfatória pela questão do processo coletivo. Dentro do Projeto Guri, eu pude
perceber também um aspecto muito interessante relacionado a auto-estima do aluno,
principalmente em relação a Febem. Por exemplo, como é que se, como é que se pode perceber
essa melhora da auto-estima. Os alunos vão pra Febem ou todos os nossos alunos que tem um perfil
culto, social desfavorável, eles recebem a seguinte mensagem da sociedade : “Você não serve para
viver em sociedade ou você não serve para ter um bom atendimento médico ou você não serve para
ter uma boa casa”, né. Então, isso deixa a auto-estima do aluno, a realidade social dele, deixa uma
auto-estima muito baixa, né. a mensagem básica que ele tem dentro dele é “você não serve pra
nada”. Com o desenvolver do processo de aprendizagem instrumental, ele começa a perceber que
ele serve pelo menos para aprender a tocar um instrumento. E se ele é capaz de aprender a tocar um
instrumento e produzir algo tão bonito quanto à música, ele capaz de fazer outras coisas tão bonitas
quanto isso. E isso começa a desenvolver essa auto-estima no aluno. Por exemplo, dentro da
Febem, pra preparação do primeiro concerto, eu deixei que eles escolhessem a roupa que eles
queriam tocar. Extremamente preocupado porque eu achei que ia dar tênis, calça de boca larga e
camiseta. Eles escolheram sapato social, meia social, calça social, cinto social e camisa social, né.
Eles tinham um extremo orgulho de ir para o palco e receber os aplausos, né. Porque isso tudo
significava a prova pra eles e pra sociedade que eles servem sim para alguma coisa, né. Isso eu
também percebi dentro de vários outros locais economicamente desfavoráveis que eu trabalhei.
Outra coisa importante que me aconteceu dentro da Febem foi mais ou menos em maio, final de
259
maio daquele ano, nós estávamos preparando para fazer o concerto de Campos de Jordão. E ouve
uma grande rebelião dentro da Febem, eu não sei se você conhece a Febem, mas ela é um
quadrilátero imenso e dentro desse quadrilátero tem várias casas separadas e todos as casas têm um
sistema único de direção e de organização e de instalações. Então dentro de uma delas ouve uma
grande rebelião em que só não fugiu quem realmente não queria. E os alunos que não quiseram
fugir foram meus dois alunos do projeto, eles disseram : “Não” . Eles disseram pros colegas: “Nós
não vamos fugir porque tem concerto em Campos e nós queremos tocar”, né. Isso demonstra que
era uma opção deles entre a vida economicamente e socialmente desfavorável e uma atividade que
provava que eles serviam sim, pra alguma coisa. Por exemplo, mesmo dentro da Febem, eu tinha
muitos alunos que não queriam sair da Febem pra continuar estudando no projeto. E tinha alunos
que saiam e pediam para retornar só para as aulas, pra poder continuar aprendendo e tocando,
aprendendo os instrumentos e tocando junto com a Orquestra da Febem, né. Então, isso tudo
mostra um, uma melhora na auto-estima desse aluno e nessa própria concepção, né. Ele começa a
se sentir inserido dentro de um mundo, né. Mesmo que a realidade dele não seja ainda aquela que
nós gostaríamos que fosse, mas ele começa a se sentir inserido dentro daquilo, vamos dizer, dos
cidadãos brasileiros. Porque a idéia anterior era, a situação anterior, o status anterior era “não sirvo
pra nada”, “não sou cidadão”, “não tenho direitos” e tudo mais, né. Bom, já falamos da questão
musical, já falamos da questão social, existe um outro ponto que é que não se refere
especificamente ao aprendizado coletivo, mas acontece também dentro dele, que é a questão da
melhora no aprendizado formal, né. E aqui o processo coletivo tem uma grande importância no que
se refere à massificação desse estudo, né. Ou seja, ao acesso que toda a população brasileira
deveria ter e não tem. Quando você, como é que funciona o processo de aprendizagem do ser
humano, né? A grosso modo, o ser humano aprende através do seu sentidos, ou seja, existe um
determinado objeto que precisa ser apreendido, esse objeto é captado pelo, pelo sentidos, existe
todo o processo de elaboração do envio dessa informação para o cérebro, o cérebro decodifica e aí,
emite um resposta aquele objeto. Esse é basicamente o processo de aprendizagem do ser humano.
Com a aprendizagem instrumental, né, o quê que você está fazendo, quando você aprende a tocar
um violino, você tá treinando o seu tato, você está treinando a sua visão, você tá treinando a sua
audição, você ta envolvendo a maioria ou quase todos os seus sentidos nesse processo de
aprendizagem e refinando, né. A gente não pode esquecer que aprender a tocar um violino significa
trabalhar as habilidades motoras finas, né. Ou seja, habilidades que você precisa fazer com extrema
precisão, né. Então, o aprendizado musical ajuda no desenvolvimento do, da, dos sentidos né. No
treinamento desses sentidos. Por outro lado, quando você ta na frente de uma partitura que você
olha a partitura e você precisa dar uma resposta motora a essa partitura você também, ou seja, o
processo da leitura musical você também ta acelerando o seu processo de captar informação e dar
uma resposta. Você ta acelerando e treinando esse processo, né. Então você já tem um ganho na
melhoria de dois fatores que estão envolvidos no, na aprendizagem humana. E a terceira parte, ou
seja, o treinamento da elaboração da informação dentro do, específica dentro do encéfalo, existem
muitos, muitos estudos sobre como funciona, como funciona o encéfalo humano e as ligações
sinápticas. Você tem um pouco de conhecimento sobre esse assunto?
Não. Eu tenho mais sobre desenvolvimento cognitivo mas não entrei na parte...
(interrompendo) na parte fisiológica, né. Bom existem algumas discordâncias em relação a isso,
mas a grosso modo, os técnicos hoje em dia dizem que o ser humano nasce com um número X de
neurônios mas que esses neurônios não estão interligados através das ligações sinápticas, né.O
estímulo humano, né, quando uma criança recebe um determinado estímulo, é justamente isso que
força com que o neurônio comece a entrelaçar essas ligações. o estudo instrumental, o estudo da
música já foi mapeado em, em, e se notou que numa determinada parte do encéfalo existe um
número muito grande de ligações naqueles indivíduos que, que mexem, o que aprenderam música
ou que aprendem música, né. Então, essas ligações, o maior número significa a maior capacidade
de processo da informação né. Então, o processo de aprendizagem instrumental melhora o,a
questão do dos sentidos, melhora a veiculação dessa informação captada pelos sentidos pra chegar
ao cérebro e melhora a manipulação dessa informação dentro desse ?? Então, por conta disso, o
aprendizado da música é fundamental pro ser humano porque se você tem toda essa melhoria ao
estudar música, isso faz com que automaticamente você melhore também o aprendizado das outras
260
matérias, como matemática, como história, geografia e tudo mais, né. Aonde é que ensino coletivo
tem a sua importância? quando ele faz a massificação do aprendizado instrumental, né. Só por isso,
é uma vantagem que o ensino coletivo tem, vamos dizer, em relação ao individual. não que o
individual também não tenha todo esse treinamento. Também tem, mas o coletivo faz com que esse
treinamento seja em número exponencial de alunos, né. Porque o individual tem bastante
dificuldade (acabou a fita).
Continuando a entrevista com o professor Enaldo Oliveira.
Sobre desvantagens do processo coletivo, bom, a grande, quer dizer, existem algumas desvantagens
sim. Pra trabalhar dentro de um processo coletivo o professor é, precisa ter uma qualificação muito
melhor do que um individual. Eu acho que essa é um dos grandes problemas do processo coletivo
precisa enfrentar. Ou seja, se hoje em dia nós quiséssemos dar acesso e tivéssemos instrumental
disponível para dar acesso a toda população brasileira, nós não teríamos profissionais capazes de
lhe dar com esse processo coletivo. Individual também não, mas um professor, vamos dizer assim,
mediano individual ele até consegue fazer com que seus alunos aprendam, um professor de nível
mediano do processo coletivo, ele tem extrema dificuldade em fazer com que os alunos aprendam.
Por quê? Porque o processo coletivo ele ta baseado muito nas habilidades do professor em ensinar e
o aluno aprende obviamente independente de sua habilidade de aprender, ou seja, o aluno, um
aluno que tem facilidade de aprendizado, não tô falando só de aprendizado instrumental, mas
aprendizado de qualquer, qualquer tópico da Ciência Humana, um aluno médio, um aluno que tem
muita facilidade e um aluno que tem muita dificuldade, todos eles dependem do, da habilidade do
professor em ensinar. No processo individual, que é aquele processo muito de amostragem, olha
como eu toco e tenta imitar, é, no processo coletivo não funciona, né. Então, eu acho que essa é
uma das principais desvantagens que o processo coletivo enfrenta hoje em dia. Bom, algumas
pessoas, alguns teóricos, colocam a questão do problema coletivo ser apenas para a iniciação, né.
Existem várias pesquisas realizadas atualmente em que tentam aplicar o processo coletivo não
apenas um processo de iniciação instrumental, mas também no estágio médio de aprendizado, né.
Ou seja, quando ele acaba com o processo de ensino coletivo, ele pode sim, continuar dentro do
processo coletivo, muitas vezes não heterogêneo, mas sim, homogêneo, né, mas ainda dentro de
uma classe de alunos maior que o individual. Então, eu acho que isso é um desafio que, que os
pesquisadores estão tentando enfrentar hoje em dia. Quer dizer, levar o ensino coletivo também
para o ensino médio. No ensino avançado, realmente não tem como ser aplicado, né. Porque muita
gente diz : “Tudo bem!” , o sistema Master Class.. Você tem noção exata do que significa coletivo
heterogêneo, coletivo homogêneo, Master Class? Então, o, muita gente acredita que a Master Class,
por exemplo, seja uma maneira de se ensinar coletivamente para os avançados. Eu discordo disso.
Eu acho que Master Class é um processo individual de aprendizagem, né. Apesar de ter gente na
platéia assistindo. Então, pros alunos de nível avançado, realmente, ele, o processo coletivo não
funciona, né. Que mais a gente tem de desvantagem? Eu acho que aqui no Brasil, a grande
desvantagem que a gente enfrenta é justamente a questão da periodicidade do número de aulas. Que
o processo coletivo exige que seja maior do que, do que, aliás o número mínimo ideal de quatro,
né. Dentro das grandes cidades como São Paulo, isso se torna quase que inviável, pela questão de
distância de tempo de deslocação, de custo financeiro pra esse aluno que tem que pegar três
conduções, ás vezes, é uma criança de sete anos, então, são duas conduções pra vir ou mais duas
pra voltar, pelo menos, no mínimo, né. Então, essa é uma outra desvantagem, de que eu acredito
que atualmente no Brasil, nós estamos trabalhando com um número muito inferior aquilo que eu
acho que deveria ser esse processo coletivo. E também, aqui no Brasil, uma outra desvantagem que
nós temos, é que esse processo coletivo não é aplicado dentro das escolas, né. Se você aplica esse
processo coletivo dentro das escolas, primeiro lugar, o aluno já tem que ir cinco vezes por semana
para escola estudar, né, você colocar isso dentro da carga horária do aluno mais quatro aulas de
música, é fácil desde que tenha vontade política para fazer isso, né. E aí quando eu digo vontade
política, não apenas nos políticos, mas de diretores, coordenadores, professores, colegas e próprios
professores de música, né. Então, eu acho que realmente o ensino coletivo tem estar, o ensino
instrumental tem que estar dentro das escolas, né. Eu acho que uma escola como a Universidade
Livre de Música ou como o Conservatório de Tatuí, precisa se concentrar no nível de
aperfeiçoamento, não de, não de massificação, né.
261
6. E Enaldo, me fale um pouco do seu estudo, da sua dissertação de Mestrado que fala sobre o
ensino coletivo? E nessa pergunta você pode abordar o seu referencial teórico, onde você se
baseou?
Tá legal. O meu trabalho de mestrado, ele é o estudo analítico de três metodologias, né. Uma delas
foi do professor Paul Rolland que trabalhou no estado de Illinois e criou um projeto de ensino
coletivo de violino, viola, também aplicado a violoncelo e contrabaixo, por todo estado. Ele fez
um, uma pesquisa trabalhada na questão do equilíbrio postural, movimentos, como se realiza
movimentos pra tocar e exercícios não musicais, vamos dizer assim, exercícios motores para
auxiliar no aprendizado dos movimentos do instrumento. O segundo autor foi Samuel Applebaum
que dentro dos Estados Unidos, vamos dizer assim, foi o primeiro, ou foi um dos primeiros a ter
um extenso material escrito para o aprendizado coletivo, né. Os livros deles, porque tem várias
séries, tem o “String Builder”, tem o “First Program For String Orchestra”, tem vários, vários. Eu
acho que foi a primeira coleção sistematizada e de grande porte para aprendizado coletivo. E o
terceiro, o terceiro, a metodologia, ela foi feita pelo Anderson e pelo Frost que é o “All for Strings”
é uma abordagem mais moderna, já daí, da década de 80, 90, né. E que é um sucesso editorial nos
Estados Unidos, né. Então, o quê que eu fiz, eu peguei essas três metodologias, fiz uma, fiz um
estudo analítico de como, do conteúdo programático dessas três metodologias, né, e propus uma
síntese dessas três dentro de um programa específico, né. Então, por exemplo, o Rolland, ele tem
exercícios motores de como segurar o instrumento, como segurar o arco, como desenvolver uma,
toda essa movimentação. O Samuel Applebaum, a metodologia dele tá muito baseada na troca de
cordas e na aprendizagem da leitura musical imediatamente, né. Então você introduz o primeiro
dedo na corda ré, depois na corda lá, depois na corda mi e depois na corda sol, no caso específico
do violino, né. Então, toda vez que você introduz um problema, você acaba introduzindo ele nas
quatro cordas e com leitura musical. O “All for Strings” ele já, primeiro estabelece um padrão em
cada corda, ou seja, ele coloca primeiro, segundo e terceiro dedos, no caso do violino, na corda ré,
pra depois levar isso pra corda lá, né. E só bastante tempo depois é que ele aborda a corda sol e a
corda mi. Então, eu comecei a pensar isso tudo bastante grosseiramente porque tem um monte de
minúcias aí em relação à, a toda abordagem pedagógica de cada um. Eu comecei a pensar como
que seria um, um conteúdo programático que utilizasse esses três conceitos ao mesmo tempo. E
propus uma síntese dos três num determinado conteúdo programático, né. Então, por exemplo, a
questão do “All for Strings” que primeiro estabelece um padrão na corda ré, isso eu mantive, mas
eu antecipei e muito a utilização desse padrão nas quatro cordas, que é justamente o conceito do
Samuel Applebaum, né. E o Paul Rolland, ele tem uma, a questão daquilo que ele colocou no, da
não necessidade da leitura musical para aprender a movimentação do violino, né, porque na
verdade, no início você não precisa do aprendizado teórico, você ta ensinando a tocar um
instrumento, você ta ensinando a realizar movimentos. Então, mais importante que a gente se
concentre na minha opinião na realização dos movimentos do que não, do que necessariamente na
leitura musical, né. E aí, eu peguei isso e apliquei também na metodologia do Anderson e Frost do
“All for Strings” que tem o seu início em que eles intitulam “Start by Root”, né, em que eles
utilizam uma simbologia criada por eles para, para, para desenvolver a primeira parte do programa
antes da introdução da leitura musical, né. Então, eu juntei tudo isso e tentei criar um conteúdo
programático específico (Pausa/interrupção).
7. Enaldo, em sua opinião, como é que está a Pesquisa em Educação Musical, no geral e em
específico, no Ensino Coletivo? Você conhece algumas dissertações? Como é que você vê a
área do Ensino Coletivo e na Educação em geral, na Educação Musical?
Olha, no Ensino Coletivo, graças a Deus, eu to vendo a coisa começar a crescer. Quando eu fiz a
minha dissertação, só existia um outro título nessa área de Ensino Coletivo de Cordas. Depois da
minha já teve a do João Maurício, to sabendo da sua do...
Abel
sei da do Abel, também a do, como é que chama lá da Bahia?
Joel Barbosa.
Joel Barbosa. Então, eu to vendo que as pessoas estão começando a despertar pra essa questão do,
da pesquisa do ensino coletivo instrumental, né. A questão da Educação Musical em si, ela, eu acho
que a gente ainda tem muita coisa pra pensar, tem muita coisa pra resolver, a gente não tem aqui no
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programático, né. Se você tem uma turma de nove a onze, você já pode mexer nisso bastante. Se
for de onze a treze, muito mais, né. Se for de quarenta a cinqüenta, é um outro perfil
completamente diferente e você precisa ter o conhecimento de vários métodos né, escritos, pra
poder utilizar tudo isso a seu favor, né. Então, eu acho que você deveria ampliar. Por exemplo, a
minha pesquisa foi análise de três métodos né. Então, eu conheci profundamente três métodos,
conheço outros, né, e dentro da minha prática de ensino eu consigo utilizar todos esses, todos esses,
vamos dizer assim, esse material impresso a minha disposição. O conteúdo, a linha do conteúdo
programático eu faço de acordo com a minha necessidade dentro da sala de aula. Então, por
exemplo, na ULM no semestre passado, eu iniciei quatro turmas de violino. Uma turma em que os
alunos já tinham algum conhecimento musical e até algum conhecimento instrumental, então, essa
turma teve um desenvolvimento bastante rápido. Uma turma que é de cinco alunos apenas, uma
turma que tinha alunos com dificuldade de aprendizagem e uma quarta turma que tinha alunos com
dificuldades de aprendizagem, de desenvolvimento motor, com problemas de bloqueios
psicológicos grandes e com problemas sociais, porque tinham três alunos que eram de um orfanato,
isso tudo dentro da mesma turma, então, eu tenho que ser capaz de utilizar a, todo o meu
conhecimento, de como ser humano aprende, de qual é essa realidade social desse ser humano, e
todos os métodos de, de violino que eu tenho a mão para utilizar, pras quatro turmas diferentemente
e tirar dessas turmas, o melhor que eles podem dar né, porque apesar de eu estar da ULM, eu tenho
a completa, a ULM é uma instituição que está preocupada com a formação de instrumentistas, né,
eu tenho que ter sempre em mente qual é o meu papel como professor, como eu influencio
enquanto professor na formação de um ser humano? Né, na educação desse ser humano e caráter
desse ser humano, né. Então, eu tenho que utilizar todo esse conhecimento para tirar o máximo que
ele pode me dar, né. Eu nunca esqueço, eu estudei com a professora Maria Vischnia que foi aluna
do Max Rostal. E ele sempre dizia : “eu não to interessado naquilo que você pode enquanto aluno
me dar, ou seja, se você tem talento, ou sei que lá, eu to interessado naquilo que eu posso te
ensinar”, né. Se eu for capaz de te ensinar muita coisa né, você com sua capacidade vai conseguir
aprender aquilo que você puder. Agora, se eu só puder te ensinar um grão, né, independentemente
da sua capacidade, você não vai conseguir aprender mais do que aquilo, né. Então, eu acho que é
bem isso, você se preocupar nessas três linhas, né.
Então ta Enaldo! Muito obrigada e até a próxima!
Nada!
1. Bom Dia, Galindo! Primeiramente, eu gostaria de saber como se deu o seu primeiro
contato com a música?
Primeiro foi com minha mãe falando que achava a música linda (risos), e não tinha nenhuma
tradição de música na família. Não sou filho de músicos como acontece com freqüência aí. Minha
mãe falava muito e aí, eu achei um dia uns discos de 78 rotações, aqueles antigos e comecei a ouvir
e ficava ouvindo aquilo o dia inteiro. Aí com, engraçado que eu pedia para estudar música e minha
mãe não, nada. Até que eu tava com dez anos de idade e na escola tinha uma professora que
organizou um coro, aí eu comecei a cantar nesse coro. E ela era uma professora meio atípica, ela
era muito legal. Aí eu adorava! Foi a primeira experiência musical foi cantar nesse coro mesmo, né.
Aí com 15 anos resolvi a estudar música, comprei um violão, fui ter aula de violão. Fui ter aula de
Jazz. E aos 17 comecei a estudar viola. Aí fui pra viola, fui estudar, cai num trabalho de ensino em
grupo e em um ano eu já tava tocando na Orquestra Jovem, aqui em São Paulo, aí foi indo. Fiz
vestibular, entrei na Faculdade de Música, sabendo pouca coisa, e fui indo. Foi assim que começou.
2. Ah, que bom! E a essa formação musical, depois da faculdade você fez mestrado?
Bom eu sempre tive aula de instrumento individualmente, aula particular, sempre procurei com
vários professores que eu podia e na faculdade fiz Composição e Regência, né. Foi até difícil eu
264
tirar o atraso das matérias teóricas, porque eu não tinha feito no conservatório nada. Mas também
na faculdade, eu encontrava gente que tinha feito anos de conservatório e não sabia nada de
Harmonia, nada, nada de Contraponto. O mestrado eu fui fazer muito tempo depois porque durante
a faculdade eu comecei a trabalhar dando aula no SESC aqui em São Paulo, aulas de ensino
coletivo. Então, quando, quando acabou, eu acabei a faculdade, já tava trabalhando com isso e fiz
concurso pra Sinfônica do Estado e entrei. Então, já tinha dois trabalhos, deixei de lado a idéia de
pós-graduação. Até que depois de vários anos, um amigo meu, pós-graduando da USP começou a
me incentivar. Então, você precisa fazer, precisa fazer. Me apresentou pro maestro Olivier Toni,
que disse que me aceitaria como, como orientando, né, então, me animei e fiz mestrado. Agora to
aí, pensando no dia em que vou fazer doutorado, continuo trabalhando muito. Respondeu ou não?
3. Respondeu. E Galindo, como surgiu esse interesse pelo ensino coletivo? Em trabalhar né?
Primeiro você teve esse contato com as oficinas do Alberto Jaffé na época do SESC. Então,
fale um pouquinho dessa experiência como aluno e como professor no ensino coletivo.
Bom, acho que a, eu fui estudar através do ensino coletivo por acaso. Eu fiquei sabendo desse
trabalho, li no jornal, um amigo me falou. Fui lá e comecei a ter aula. Inclusive no começo eu tava
muito cético, eu achava que aquilo lá não ia dar certo. Depois de uns meses eu vi que dava certo
que eu tava conseguindo tocar mesmo o instrumento. Eu não sei se é uma coisa meio inata, assim,
esse interesse meu especulativo, eu começava a perguntar pro Jaffé, como é que era pra dar aula,
né. E depois de um, de um tempo eu fui ter aula individual com ele particular, porque o ensino
coletivo funciona por um tempo, depois de um ano e meio dois anos de trabalho coletivo, até ele
veio se, dizer pra mim que eu tinha que ter aula individual, que eu era ali, um dos melhores alunos
do grupo, se eu quisesse ter aula com ele, ele gostaria de dar aula pra mim. eu fiquei super
envaidecido, honrado e fui ter aula com ele. E nas aulas individuais, ele, ele, ele era um grande, ele
é, né? Ta vivo coitado! Grande pedagogo. Ele tem um, uma facilidade didática impressionante,
sabe dar aula. E pesquisou o assunto, na área dele de ensino de cordas, ensino coletivo. Então, eu
aprendi, ele não só me ensinava a tocar um instrumento, como ele ensinava como dar aula. Ele
muitas vezes falava : “Olha, o dia que você tiver dando aula, cê também, isso que eu te ensinei
agora também pode ser ensinado de um outro jeito assim, pra você não precisou, mas pode ser que
um aluno assim assado precise, então, veja pode ser ensinado assim também”. Uma coisa assim, o
trinado : “Ò fazer trinado é assim!Tem outra técnica de trinado, você não precisou já ta fazendo,
mas olha é assim que faz, de repente pega um aluno diferente pode ser...”. Então, ele ensinava. e eu
ia anotando essas coisas, eu guardava. O próprio Jaffé chegou a fazer em Campos do Jordão, num
festival em Campos do Jordão, por exemplo, um curso que ele chamou de “Pedagogia de
Instrumentos de Arco”, quer dizer, tinha vários professores de violino lá, no Festival de Campos,
três ou quatro professores, ele era mais um. Só que ele não dava aula de violino, ele dava aula de
como dar aula de violino, né. eu não fiz esse curso, ele falou que eu não precisava fazer : “Pô você
já tem aula comigo, isso aí eu já to ensinando no dia a dia”. Mas ele era um professor, mas ele é um
professor especial. E na época ele era um muito especial. Eu acho que era o único que fazia isso. E
qual era a pergunta mesmo? Eu já fugi da pergunta (risos).
4. E agora em relação à, quando você iniciou a atuar? Sua experiência no SESC e no Projeto
Guri?
Então, o Jaffé foi embora pros Estados Unidos e convidaram um professor pra ficar no lugar dele, o
professor Ailton Pinto, que na época ele era spalla da Sinfônica do Estado. Grande violinista,
grande músico, tinha sido violinista da Boston Simphony, né, e era professor de Música de Câmara
e de Violino na UNESP, onde eu estava estudando, né. Então, ele foi pro SESC, aí ele me convidou
pra trabalhar. Eu era aluno do, ex-aluno do SESC, mas continuava lá no SESC tocando na
Camerata. O Jaffé tinha organizado uma Camerata com os alunos antigos dele, então, essa
Camerata fazia concertos em nome do SESC, a Camerata SESC. Então, de uma certa maneira, eu
ainda tava ligado ao SESC, não era mais aluno do SESC, mas estava nessa camerata. Então, como
eu era aluno do Ayrton e tava na Camerata SESC, ele falou : “João, não quer vir trabalhar lá
comigo, como meu assistente? Assim, vai ser bom pra mim, eu to chegando lá pra ver como é que
é, você é uma pessoa que eu conheço...”. Então, por causa desta ligação com a UNESP, ele me
convidou. Então, eu comecei a funcionar como monitor. Aí, o Ailton, que não era uma pessoa com
experiência de ensino em grupo, o que ele fez? Ele pediu o SESC para contratar um professor de
265
6. E o Projeto Guri? Como é que surgiu esse início do Projeto Guri? Você está desde o
começo, como se deu esse...
(Interrompendo) O Projeto Guri começou por iniciativa de um, de uma outra pessoa e tava lá
funcionando. E nessa época, eu já era regente da Orquestra Jovem do Estado, que era ligada a
ULM, Universidade Livre de Música. A ULM era um departamento da Secretaria de Cultura,
Secretaria de Cultura do Estado, acho que em 1990, criando um departamento pra cuidar só, só das
atividades musicais, e chamou de Universidade Livre de Música. Escola de Música a qual estavam
ligados como grupos de status : Banda Sinfônica, Orquestra Jovem, eu tava lá. E um dia a diretora
geral do Projeto Guri bateu na porta da ULM pra pedir socorro de ajudo, disse que a parte
pedagógica do Guri não tava legal, ela percebia que as cordas não iam bem, né. Então, ela bateu lá
na ULM, falou com o professor Sidney Lullevantal (?) que era o diretor pedagógico da ULM na
época, “Sidney nós precisamos de ajuda aqui no Guri, a coisa não vai bem na área de cordas, a
gente percebe que a desistência, o número de desistência é muito grande, os pólos fazem muitos
concertos, depois afunda e depois a gente abre pólo em outro lugar, faz outro concerto depois
afunda. Então, o quê que o Sidney fez, ele chamou várias pessoas ligadas à área de cordas, pra uma
reunião com a diretora do Guri. Então tava lá eu, o professor Enaldo Oliveira, que é uma outra
pessoa que se dedica ao ensino coletivo, que tem mestrado no assunto, pela USP também, o
mestrado dele ele fez um ano antes do meu, é uma obra interessante de você consultar, né, chamou
a professora Maria Vischnia, que era uma professora emérita assim de violino, da ULM, o Dario
Sotero que é maestro de Tatuí, e um outro núcleo do governo do estado, onde existe o
conservatório, é uma atividade musical muito importante. E o Dario cuidava de orquestras de,
cuida, acho que até hoje, de orquestras jovem lá em Tatuí, né, orquestra das crianças, de
adolescentes. Não sei se tinha mais algum na época, eu lembro disso : eu, Dario, Enaldo e a Maria
Vischnia. Talvez tivesse mais alguém. Então, ele fez ali uma, um encontro com pessoas ligadas à
área de cordas pra tentar conversar com, com a diretora do Guri. E a gente já conhecia um pouco o
quê tava acontecendo no Guri né, e a gente deu a nossa opinião, deu nossa opinião e desse encontro
ela acabou, pra ser mais objetivo, me convidando pra trabalhar lá, depois de um tempo, pra ajudar
na área de cordas. Eu e o Enaldo fomos trabalhar lá, né. Então, eu propus, nessa época, que se
fosse, que se, que se adotasse um método, que se adotasse um método de ensino. Era meio assim,
cada, cada pólo a pessoa fazia o quê dá na telha, era bem isso mesmo. Não tinha um método. Então,
eu propus assim : “Oh, compra um método, tem tanto método, compra um método do Samuel
Applebaum, por exemplo. Institui que esse método, é o método oficial do Guri. “Ah, mas que
método é esse?”. “Ah, mas é inglês. Inglês a gente não quer. Precisamos de um método em
português!”. Eu falei : “Em português não tem. Só se escrever um”. Aí pediram pra escrever um.
Eu passei a bola pro Enaldo. O Enaldo não quis. Tava muito ocupado, eu não queria. Enaldo não
quis, por, sei lá por que razão, não me disseram e voltou a bola pra mim. Eu falei : “Então, ta
bom!Então eu faço!”. Aí fui fazendo, levou um ano pra ficar pronto. E foi assim que aconteceu.
Realmente o trabalho com cordas, vou ser bem franco, era bem problemático. E até hoje é pelo
seguinte : você vai para o interior do estado de São Paulo, você não tem professores qualificados.
Você não tem professores qualificados pra ensino em grupo em lugar nenhum, né. Os professores
de ensino tradicional tem muito preconceito né. Eles não sabem do que se trata direito, e ficam sem
conhecimento de causa. Hoje em dia ta havendo uma aceitação maior, muito por causa do Guri.
Então, a gente percebeu que os professores não tinham qualificação. Às vezes era, determinada
região do estado você não achava um bom professor de violino, nem pra dar aula individual quanto
mais pra aula em grupo. Aí nós começamos a tentar a fazer treinamentos, fizemos vários já. Eu ia
lá pro interior e juntava um monte de professores da região, lá na divisa com Mato Grosso, do, da
região de Presidente Prudente, do Pontal do Paranapanema, levava o método, o livro dos
professores e alunos, fazia uma orquestra com os professores. Eu passava a dar aula em grupo pra
eles. Eu fazia assim : eu pegava, aparecia um grupo lá de 20 da região, todo mundo tocava
violoncelo ou contrabaixo, eu mandava pegar o violino e a viola e vice-versa. Para eles se sentirem
no começo. Eu começava dar aulas pra eles do zero. Fazia isso no 1º dia, no 2º dia, aí eu mandava
eles irem lá na frente dar aulas, 15 minutos, 20 minutos cada um, né. Fizemos isso várias vezes.
Mas mesmo assim é difícil. Alguns só que entendem o assunto, né. Como a gente costuma a dizer :
“cai a ficha”. Outros fazem aquilo, não entendem, leva tempo. Daí pra cá, o Guri melhorou muito.
267
No final do ano passado, por exemplo, eu fui fazer, eu visitei, eu fui assistir apresentações de fim
de ano, acho que de 12 ou 15 pólos. E realmente estava uma coisa muito melhor, graças a Deus!
Algum resultado deu, né. A gente ainda tem problemas de professor com deficiência, professor
fraco, mas eu assisti esses 12 pólos e não teve nenhuma apresentação que foi uma coisa ruim de se
ouvir, né. Porque no começo era. Era sofrível! Então, foi assim que eu entrei no Guri e essa é mais
ou menos a função que eu tento tentado exercer, treinar professor, escrever um método e depois,
agora pediram pra eu cuidar de um dos grupos, a Orquestra Paulista. Eu dizia que não queria reger,
já estava cansado de dar aula em grupo, fiquei 14 anos no SESC dando aula em grupo e regendo
grupo de estudantes, estava meio cansado de tudo isso, né. Mas, me convenceram. E estou
cuidando desse grupo aí.
7. Galindo, me fala um pouco, qual é o perfil do professor que você acha ideal para trabalhar
com ensino em grupo?
Bom, primeiro o cara tem que ter um certo carisma, que agente, é difícil definir objetivamente, né.
Tentando definir, o quê eu poderia dizer? O professor que vai lá na frente pra uma turma de vinte,
trinta alunos, ele tem que ter uma voz clara, ele tem que saber impor disciplina, ele não pode ser
muito tolerante demais na disciplina, mas também não pode ser muito áspero, senão você
desestimula a turma. Isso é mais ou menos um perfil de um regente, né. Um maestro de uma
orquestra, ele tem que ser um cara que impõe uma disciplina de trabalho, mas também não pode ser
muito áspero, senão não tem, não se faz música. Isso o professor do Guri tem que ter, né. E ele tem
que misturar característica de professor e de maestro, isso ta escrito na minha, no meu trabalho de
mestrado. No Guri é muito comum a gente vê uma coisa engraçada, se vê um pólo numa
cidadezinha no interior lá de São Paulo, em São Paulo, aí você estabelece professores e os
professores a gente coloca pra fazer os concertos. Aí quando o cara já se acha já maestro, aquilo
sobe a cabeça, ele fica convencido, a vaidade vai lá pra cima, tem cada caso hilário. Tem uma
cidade, logo no começo, que eu fui assistir o concerto final de ano deles, cujo o regente lá era o
único na cidade que tinha uma escolinha de música. O dono da escolinha tocava violino, era o
único professor de violino na cidade, mas também era cantor, estudava canto, toda apresentação de
fim de ano, ele cantou várias árias de ópera com os coitadinhos dos meninos acompanhando ele,
teve que chamar ele e dizer : “Escuta meu querido, o Guri não é pra você aparecer!”. Tinha vários
casos, o cara se achava maestro. Eu, quantas vezes eu falei : “tira esse título!”, quer dizer, quando
se estabelecia a hierarquia do pólo se escolhia um professor pra ser o maestro. Ah, isso era um
Deus nos acuda! Então, é ridículo, mas é verdade, entendeu? Então é um caso né, um caso. Então,
tem essa, essa característica que você, o professor tem que saber dosar, até que ponto ele é
professor, até que ponto ele já é o regente do grupo. Desde a primeira aula do grupo heterogêneo,
você é o regente do grupo. Você tem que saber fazer o gesto direito, você tem que ensinar eles a
interpretar, decifrar o código de, dos gestos de regência, você tem que ter um carisma positivo, de
não ser áspero demais com as pessoas, e não ser mole. Outra dificuldade que a gente vê, é assim, o
professor organizar na cabeça dele, o quê ele vai ensinar naquela aula e quais as técnicas de
aprendizagem que ele vai buscar, né. As pessoas misturam isso. tem professor que fala demais.
Tem professor que não fala nada, né. O quê fala demais é o mais comum, fala, fala pelos cotovelos.
A aula em grupo tem que ser prática, objetiva. Por exemplo, uma das coisas que a gente tem lá no
meu trabalho, tem no trabalho do Enaldo, ce vai dar aula no grupo, faz uma solicitação de cada vez.
As vezes o professor ele pede pra, diz que está desafinado em uma determinada passagem, diz que
é prá segurar o arco não sei como e também pra fazer um final de frase, são três coisas ao mesmo
tempo. Então, isso é difícil de entrar na cabeça dele. Faz treinamento e vê que é difícil entrar na
cabeça do professor. Meu amigo faz, pede uma coisa de cada vez, né. E peça com poucas palavras.
Com essas características de boa comunicação são as mais difíceis que a gente encontra por aí, né.
Outra coisa interessante, é você saber que o Guri é um trabalho que não visa formar músico
profissional. É um trabalho que tem um cunho social, tem todo um departamento do Guri que é
formado por assistentes sociais, de gente que cuida da parte social, que um dos objetivos é você
usar música pra passar noções de convívio, de sociabilidade, de cidadania e tudo mais né. Às vezes,
o professor...acabou?
Não. Acabou não.
268
O professor mistura as coisas. Tem professor que, de instrumento que não consegue entender esse
lado e começa a exigir do aluno como se o cara fosse, tivesse se preparando pra fazer um concurso,
né. Não sabe colocar um limite na exigência dele. Isso é uma coisa complicada. Essa garotada ta
aqui fazendo música e o aspecto lúdico, aonde é que ta? Você ta exigindo dele como eles fossem
orquestras profissionais. Você esquece o lado social, somente a questão lúdica. Ele tem que se
divertir. Ele tem que ser gostoso pra eles, pra garotada, são garotos, adolescentes e crianças, tem
que ser divertido, tem que ser gostoso. Com disciplina, mas tem que ser. E isso é uma outra coisa
difícil, o ensino musical que veio do ensino musical tradicional é meio militar, às vezes, né.
Começa com as bandas que a gente vê pelo interior. É militar e tem aspecto punitivo né, de
punição, isso a gente demora também pra tirar da cabeça das pessoas aí. Bom, tem essas
características principais, as críticas que faço, as coisas que a gente tenta combater e melhorar nos
treinamentos de professores que a gente faz.
8. E Galindo, o Guri trabalha com a faixa etária de 8 a 18, não é isso?
Isso.
E no SESC também trabalhava essa faixa etária ou todas as faixas etárias?
(Interrompendo) Não. No SESC é bem complicado porque é assim : o SESC é uma instituição
voltada pra cultura e lazer. Então, o SESC não queria que houvesse limite de idade. Então, a gente
tinha que trabalhar com quem aparecesse. E infelizmente, dos quatorze anos que eu fiquei lá, eu vi
que a partir de uma certa idade, realmente era muito difícil aprender a tocar um violino, violoncelo.
Por mais, quer dizer apareciam pessoas de idade, idosos, mas com uma disposição pra aprender,
todo tempo do mundo, ficava lá o dia inteiro, mas era difícil, não conseguia, não conseguia, a gente
tinha, eu tinha a maior paciência, tentava. Olha, a gente tentou fazer uma época um grupo só de 3ª
idade, mas também a coisa não ia pra frente. E o SESC insistia, isso era uma briga no SESC. E um
dos motivos que, uma das coisas que me deu alívio quando eu saí do SESC é não ter que trabalhar
com isso, não assim, que fosse uma carga, não porque era uma carga pra mim trabalhar com
pessoas mais velhas, mas porque eu senti que eu não tava fazendo bem eles.
(Acabou a fita). Então olha, se tiver alguém que descubra o método que funcione com pessoas de
mais idade, eu vou ficar muito feliz, eu tenho toda a humildade do mundo pra dizer : “Eu não
consegui!” , entendeu, eu não consegui, eu tentei, não sei, ficaria feliz se eu visse turmas de idosos
aprendendo a, muitas vezes não precisava ser idosos não, gente assim, a partir de 30 anos já tinha
problema de tensão muscular, de, em geral são muito críticos, muito críticos, faz uma coisinha
errada já travam. A criança é menos crítica né, ela vai fazendo por brincadeira, uma hora sai, a
coisa funciona. Então, o SESC era isso. Não tinha, não tinha limite de idade, eles queriam que
atendesse todo mundo. Agora no Guri tem o seguinte, tem limite de 18 anos, mas tem muita gente
que passa dos dezoito anos e quer continuar tocando. Por isso foi criado esse grupo que eu dirijo, a
Orquestra Paulista, onde gente com mais de dezoito anos é aceita. È o único grupo do Guri que é
assim, mas é pra tocar né, pra fazer apresentação numa pequena Orquestra de Cordas, pequena não,
Orquestra de Cordas de 50 pessoas. Mas nesse grupo a gente já deixa que as pessoas com mais de
18 anos atue.
9. E a carga horária ideal semanal? Qual você acha, quantas aulas por semana? Quantas
horas cada aula?
Isso Jaffé dizia. Se tivesse três aulas por semana de duas horas, seria bárbaro. Aquela, dentro
daquele conceito de Estudo Dirigido, de você na aula, você ta dirigindo o estudo do aluno, ta
cuidando dele. Isso é melhor que do ficar em casa uma semana, tocando torto, pra depois você
voltar na aula, você ter que desentortar ele. Muita gente critica o ensino coletivo dizendo assim :
“É, mas como é que o aluno, que o aluno, é você vai vigiar a postura de trinta alunos na tua frente,
né? Eles vão ficar tortos”. Mas eu rebato dizendo o seguinte : “Pois é, no ensino individual você dá
aula pro cara e manda ele ir pra casa, ele fica seis dia estudando torto. Sem ter ninguém pra
vigiar!”. Uma das coisas que o Jaffé dizia era assim: “Três aulas por semana e os outros dias da
semana não estuda em casa!”. Aí os professores tradicionais ficavam mais escandalizados ainda.
Que pra mim é muito fácil de entender. Você faz três aulas por semana, tem duas horas de aula, o
professor ta olhando você, você tem o professor assistente, que fica circulando pela classe,
encostando em você pra tirar seus pontos de tensão, você e o aluno né, pra tirar os pontos de tensão,
consertando a postura e os outros dias da semana, ele não estuda em casa, o aluno não estuda em
269
casa, né. Agora o quê a gente vê na prática, principalmente numa cidade como São Paulo, pra você,
um aluno se dispor, uma criança fazer três aulas por semana é muito. Porque aqui você vê a criança
fazendo natação num dia, inglês no outro, né. Eu não sei, talvez em comunidades mais carentes,
você, numa comunidade que não tenha outras opções de lazer, outros interesses, se você propuser
três aulas por semana, talvez. No Guri, eu já soube de alguns pólos que isso funcionou. Foi criado
um pólo, acho que em Osasco, queriam fazer uma apresentação de inauguração do pólo, eles
tinham aulas todos os dias e eles iam. Mas também porque não tinha uma outra opção mesmo.
Então, três aulas por semana eu acho...
O ideal.
O trabalho vai render muito rápido. Duas aulas, funciona também. Só você não ter expectativa de
fazer um concerto em dois meses. Muitas veze4s acontece isso. Agora uma aula por semana, eu
acho que é perda de tempo mesmo. Não funciona. È muito pouco.
10. E Galindo, eu queria que você falasse quais são as vantagens, pra você, da iniciação
instrumental do ensino coletivo em relação ao ensino individual? Quais são as vantagens que
você vê? E se existe alguma desvantagem?
Isso tem bem explicadinho na minha dissertação.
É. Na dissertação.
Mas, pra quem quiser ler, ta lá. Vantagem. Motivação. Você motiva o aluno, né. Pega um aluno,
alguém, é muito fácil encontrar gente foi estudar violino através do ensino individual, teve uma
aula, foi pra casa com o violino, tentou tocar saiu aquele som horroroso. Porque tirar som do
violino é complicado ou do viola, do violoncelo, do contrabaixo, é complicado né. Aquilo raspa,
aquilo apita e a pessoa se desestimula rapidinho, principalmente se for jovem ou crianças né. É, no
ensino em grupo você pega aquele som, que sai, e você se diverte com ele, você até brinca : “E
pessoal, que som feio!Vamos melhorar esse som!”. A criançada dá risada. E ela vê que o
amiguinho do lado ta tendo o mesmo problema, entendeu? Isso é muito comum, você : “Puxa não
sou eu que estou tirando som!” . E você através do Estudo Dirigido, você vai, você vai dando as
instruções para o som melhorar : “O põe o arco longe do cavalete!”, “Pega o arco só com a
pontinha do dedo, não aperta”. Pronto você já resolve a questão do som. Eu tô dando um exemplo,
que é a questão do som. Então, você estimula, eu, isso é um exemplo e na minha experiência, vejo
que realmente você consegue estimular o aluno, você, outra coisa você tem que cuidar como
estratégia de ensino pra que eles toquem uma melodiazinha o mais rápido possível. No ensino
individual, muito comum você vê o professor, fazer o aluno ficar fazendo nota longa durante três
meses até a posição do arco estar totalmente perfeita, pra depois ensinar mão esquerda. Isso é
desestimulante. O Jaffé falava em Gestalt, né. Você não precisa fazer o arco ficar perfeito pra
começar introduzir a mão esquerda, você deixa o arco numa posição aproximada, uma
configuração básica da posição, gestálticamente falando assim, né. Aí você já vai entrar na mão
esquerda e você vai vigiando, vai cuidando aos poucos de todos os assuntos. Então, é, em vez de
você fazer um ensino sintático, passo a passo, ensina mão direita, corda solta durante três meses, aí
agora que ta bom, aí você estudo o primeiro dedo, durante três meses, quando ta bom, você ensina
o segundo, né. Não você faz o principal do ensino panorâmico, né. Você ensina três, vai colocando,
coloca um conceito não espera ele ficar perfeito, já coloca o segundo, vai cuidando dos dois, aí
coloca o terceiro. Arco, faz um pouco de corda solta, duas, três aulas, aí já começa a mexer com a
mão esquerda, né. E você vai cuidando das duas ao mesmo tempo. Isso é possível. E com isso você
estimula mais o aluno, né. Então na verdade, assim, tem muita coisa que é própria do ensino
coletivo e outras coisas são próprias da estratégia de ensino, como é que você vai ensinar. Se o
professor individual usar essas estratégias, se ele fizer aula três vezes por semana, com o aluno dele
individualmente usando essa estratégia de ensino do Estudo Dirigido e a estratégia do ensino não
sintático, que eu chamo do panorâmico, ele vai conseguir um bom resultado, né. O quê vai ficar
faltando é assim, que o ensino coletivo tem, aí sim, que o ensino individual você não tem, é você
tocar uma música a três ou quatro vozes logo de cara. Isso é muito estimulante. Quando a
criançada, a garotada ouve, a harmonia a quatro vozes acontecendo, eles ficam encantados. Isso eu
já cansei de ver. Eu quando tive aula coletiva, e toquei a minha primeira música a quatro vozes, eu
fiquei encantado, né. E aí, você fazer apresentações com uma orquestra, sentir que você ta dentro
de uma orquestra, dignificar um trabalho de uma orquestra, valorizar isso. Isso também estimula os
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alunos, né. È agora, desvantagens é o seguinte, ás vezes você, você tem que manter a turma
homogênea. Às vezes você encontra um, é difícil hein, superlotado, mas às vezes acontece. Eu em
catorze anos no SESC nunca vi. mas se você encontra tem que tirar ele fora. Ele vai aprender mais
rápido e vai ficar esperando os outros. Quer dizer, ce tem aqueles que são muito lerdinhos, que
também não dá pra você querer manter a turma homogênea. No SESC a gente fazia uma avaliação
a cada três, quatro meses, os que não estavam acompanhando a gente pedia pra se matricular de
novo, né. Aparece muita gente que tem dificuldade de aprendizado, por mais que a gente tente.
Agora esse que tem dificuldade em grupo, vão ter dificuldade na aula individual também. Pra
manter a turma heterogênea você acaba sacrificando alguns. Ou melhor, pra manter a turma
homogênea você acaba sacrificando alguns. Mas é uma opção de democratização do ensino. Você
vai ensinar pra muita gente as noções básicas da coisa. Aí, que quiser ser músico profissional,
quem quiser usar aquilo como hobby vai escolher depois, né. E outra coisa, que eu não diria que é
uma desvantagem, mas que o professor tem estar ciente é que o ensino em grupo funciona pra um
ano, um ano e meio, dois anos, estourando. depois disso, se o aluno quiser continuar, tem que ir pra
aula individual. Tem que deixar bem claro, principalmente pra quem faz crítica ao ensino coletivo,
é um trabalho de iniciação. Só pra você passar todos aqueles conceitos básicos, para depois serem
desenvolvidos na aula individual mais tarde. Então, por exemplo, você pode ensinar, você deve
ensinar o aluno a fazer um spicatto com todos os conceitos básicos, o arco fazendo movimento
circular, porque a quantidade de crina influi, que o funcionamento do seu dedinho no spicatto pra
funcionar não deve apertar, você vai ensinar tudo pra fazer um bom spicatto. Agora você não
precisa do ensino coletivo nem deve, trabalhar velocidade, o cara fazer spicatto muito rápido. Você
pode deixar pra quando ele for ter aula individual, mas você ensinou spicatto limpo e com todos os
conceitos bem ensinados. Mas ou menos igual ao esporte né? A questão de fundamentos, então
você vai jogar vôlei, você vai pra dar um saque, ensina fazer, ensina os fundamentos certos.
Levanta a bola com a mão esquerda, bate com a direita espalmada, então o saque por baixo que é,
pisa não sei aonde, você ensina os fundamentos, direito. Se ele vai desenvolver mais ou menos,
dependendo do biótipo dele com o instrumento. Deu pra entender? Falei muito né?
Não falou não.
11. Galindo, em relação à pesquisa em ensino coletivo, como é que você vê essa área? Você
conhece além da do Enaldo alguma outra? Como é que você ta vendo esse ramo da pesquisa
em ensino coletivo?
Olha, eu pra ser sincero eu to um pouco fora porque eu fiz esse meu trabalho já faz uns anos e
tenho profissionalmente trabalhado muito mais como regente, desses anos pra cá, né. Tem o
trabalho do Enaldo, tem o trabalho anterior que é do Zé Leonel Gonçalves Dias, é outro também,
foi esse amigo que trabalho comigo, deu aula no SESC muitos anos. Tem o trabalho dele, não
conheço outros. Acredito que deva existir. Tem um rapaz na UNESP, antes fez um trabalho de
iniciação científica sobre ensino coletivo, ele até me entrevistou, mas isso já faz vários anos, o
nome de era, não lembro o nome dele, é Mauro, Mauro Vieira, UNESP. Mas é um trabalho muito
simplezinho, iniciação científica, um trabalho bem simplezinho. Em Rio Claro, o maestro Pedro
Cameron fez um método de ensino coletivo, que nem você, violonista. Trabalhou com esse método
muito tempo lá, mas não é um trabalho acadêmico. mas foi uma outra iniciativa que houve. É e eu
não tenho notícia de outro da área acadêmica, realmente não. O quê eu posso te dizer, não sei se
ajuda aí, é que eu acho que quando o Jaffé começou esse trabalho em São Paulo, em 78, o
preconceito era imenso dos outros professores. E hoje você vê a coisa se difundindo de certa
maneira. Muito por causa do Guri, se fala muito em ensino coletivo. Não é todo mundo que
entende, não é todo mundo que leu o, quando eu faço treinamento no interior, eu levo o meu livro
do professor, ele tem um extrato, um sumariozinho do, da minha dissertação, falando das vantagens
e desvantagens, do preconceito. Eu nem sei se todos esses professores que passaram pelo
treinamento comigo leram isso. É difícil, mas eu acho que muito por causa desse, dessa
disseminação do Guri, pelo menos, se fala mais no assunto, tem algumas pessoas levando a sério,
esse monte de professores que passou pelo treinamento, alguns estavam interessados, quer dizer, eu
acho que a coisa na prática ta caminhando, ta dando fruto. E agora, trabalho na área acadêmica eu
só conheço esses que eu te falei. Talvez existam outros, se existirem, vou ficar feliz de saber.
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12. E Galindo pra finalizar, eu queria saber se você tem alguma sugestão a fazer em relação a
minha dissertação né? Ou alguma consideração final sobre o ensino coletivo, alguma coisa
que você queira falar... A palavra é sua (risos).
Bom, eu acho assim, acho que o novo da questão é o seguinte, a gente passou por décadas aí de um
ensino musical que era pra formar datilógrafos. Extremamente bem treinados. Estou cansado de ver
como regente, violinista que tem os dedos treinados e não tem conhecimento musical amplo, sabe?
È, quer dizer, eu acho que é o caso de um país onde faltam músicos amadores, gente tocando
música pra, pra fazer parte da vida isso. O ensino musical é sempre, parece que é sempre voltado
pra idéia de formar o profissional. E eu acho que é mais importante é que o ensino musical seja
para ensinar música mais rápido possível, que op aluno consiga fazer um pouco de música mais
rápido possível e depois, com os fundamentos bem, bem trabalhados. Mas parece que o ensino
tradicional é pra formar virtuose. Se você não é o violinista, se você não consegue tocar os
Caprichos de Paganini, isso é um problema. Isso não é um problema! Você tem que estudar
violino e tocar cançãozinha folclórica, qual é o problema? E se você gostar, você continua
estudando, né. É, quando Brahms estava vivo e compôs uma sinfonia e a sinfonia era tocada, a
platéia era toda de músicos amadores, todo mundo tocava piano, violino, etc. Hoje todo mundo
ouve CD. Então ficou um buraco aí. Então a gente ta num país tentando criar orquestras, ensinando
os músicos profissionais a tocar violino, os Caprichos de Paganini, pra quem? Tem gente que não
consegue ouvir. Porque o público pra qual a música erudita foi composta para um público de
músicos amadores. Não temos público. O público, a culpa também não é do público. Se a gente
ensina música pra muita gente, essas pessoas vão curtir música, ensinar sem stress de querer fazer
deles um, Paganinis, né? Ou Chopins, pra eles gostarem de música. Eu vão assistir concertos, vocês
vão gostar de assistir concertos, vão prestigiar a atividade de músico profissional. Acho que aí a
vida musical passa a funcionar, né. Porque eu não vejo ela funcionar, né. Porque eu não vejo ela
funcionar. Tô cansado de reger concertos de música erudita, e olho pra cara da platéia e a platéia
não entende. Olhando praquela orquestra como se fosse uma coisa estranha. Da uma dormida,
conversa bastante, né, durante o concerto, e bate palma no final pra ser educado. Então, acho que
formar músicos amadores é importante para o ambiente musical, pra que a profissão de músico
exista e é importante pra essas pessoas. Porque o que tem de gente frustrada : “Ah, eu estudei
música na minha infância, mas, ah, já nem quero ver um piano mais na minha frente!” . Cansei de
ver gente falando isso. “É porque o professor batia na minha mão porque eu não conseguia tocar
aqueles exercícios!”. Então, ta faltando o lúdico, o prazeiroso, ta faltando um ensino musical pela
música, não pra formar virtuoses. Não pra professores de piano ou violino fazer do aluno dele
aquilo que ele queria ter sido e não foi. Entendeu? Eu acho que é isso (risos) que eu tenho a dizer,
assim de importante. Ensinar a música pela música, pras pessoas se divertirem.
Pra formar o ser humano.
E pronto! O resto acontece, né.
Então ta Galindo! Então, muito obrigada e até a próxima!
Não faltou nada aí?
Não.
1. Bom, para iniciar Thelma, eu gostaria de saber como se deu o seu primeiro contato com a
música?
Bem Flavia, desde os meus cinco anos, eu estudo música. Então, meus pais sempre gostaram
muito, meu avô era um tocador de bandolim, um português que sempre que tinha oportunidade, ele
pegava o bandolim e tocava um pouquinho pra gente, gostava muito que a gente cantasse pra ele,
sabe? E meus pais também. Então, aos cinco anos, minha mãe me pôs primeiro no ballet. Aí, eu
não fui muito bem com o ballet. Uma criança meio gordinha, uma professora meio sem, sem
pedagogia e aí então, eu desisti do ballet. Minha mãe disse : “Bom, você não quiser fazer ballet,
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você vai fazer piano!”. Aí eu falei : “Então tá bom!”. Aí eu peguei o piano aos cinco anos e hoje
quase aos quarenta e nove, ainda continuo na mesma vida (risos).
2. E qual é a sua formação musical?
Bem, eu fiz como todo mundo, comecei fazendo Conservatório, e depois eu fiz a primeira
Faculdade de Música de São Paulo, a primeira turma. Eu estava terminando o Conservatório e o
diretor do Conservatório tava mudando de Conservatório para Faculdade de Música. Ele disse pra
mim : “O quê você vai fazer da tua vida daqui pra frente?”. Eu falei: “Não sei ainda!”. Eu fazia
Normal, essa coisa, Magistério, Sempre gostei de ser professora. Aí ele disse : “Então, você vai
fazer música”. Aí eu falei : “Ah, então tá bom!”. Aí continuei o quê eu vinha fazendo no
Conservatório, só que então agora, num nível superior e tal. Então, é isso. Primeira turma da
primeira Faculdade de Música.
3. Thelma como se deu o seu interesse em trabalhar com o ensino coletivo, com côro, com
grupos?
Bem, eu sempre gostei de coisas pessoas juntas. Eu sempre achei que a coisa quando você junta as
pessoas, ela acaba bonita, ela fica mais bacana. Sei lá, cria uma força né. Então, eu sempre fui de
trabalhar com o coletivo mesmo. É, e surgiu como? Surgiu porque eu sempre gostei de cantar com
mais gente, né. Sempre gostei de participar de coral, de conjuntos, de, por exemplo, no
Conservatório tinha aula de Música Popular, né. Então, eu ligava pra participar dos conjuntos de,
de Música Popular, tal. Aí eu vi que eu tinha um gostinho por essa coisa de estar junto com mais
gente, fazendo música. Aí, eu fui pra Brasília, morei em Brasília, trabalhei na Escola de Música de
Brasília, mas eu já vinha com essa formiguinha da, de juntar as pessoas pra cantar, principalmente,
que era sempre o meu grande tesão, é verdade, sempre falta à coisa do canto. Então, o piano eu fiz
assim meio que empurrado, entendeu? Não era uma coisa que eu gostava tanto assim de me
dedicar. Meu lance era mais, a coisa da voz, da regência principalmente, de fazer os outros
cantarem, né. Aí quando eu fui pra Brasília, eu tive a oportunidade de expor, de risco (??). Eu fui
pra Brasília muito nova, tinha vinte e dois anos, eu tava com a minha carreira começando e a
Escola de Música de Brasília foi, e o Maestro Levino, que era o diretor na época, foram grandes
responsáveis assim, pelo deslanchar da minha carreira, né. Então, no I Festival de Verão de
Brasília, tava o Carlos Alberto Pinto Fonseca, grande regente mineiro né, e foi dá pra gente aula de
regência. E eu fui pela primeira vez me mostrar para um profissional dessa categoria. E ele achou
que eu tinha talento. Então, isso veio reforçar minha vontade de ser regente e de fazer as pessoas
cantarem. Eu sempre achei que trazia alegria, sei lá, e nunca parei, não sei. A harmonia das vozes é
uma coisa que arrepia muito. Então, tudo que me arrepia, eu gosto (risos).
4. E Thelma, Em relação ao ensino coletivo, quais são as vantagens que você vê em relação,
comparado ao ensino individual?
Olha, eu acho que crianças fazendo música juntas, uma ajuda a outra, sabe? Então, no caso do coral
por exemplo, você tem um superafinados, os médios, os normais, né, e os desafinadinhos. Então,
quando você tem o desafinado, por quê que ele é desafinado, né? Por quê ele não cantava nunca na
casa dele? Por quê a mãe dele era desafinada? Por quê ele ouviu ninguém cantando? Porque... Por
quê? Então, sempre tinha uma razão. Daí, você colocava o desafinado aqui e um afinado a sua
direita, e outro afinado a sua esquerda, e um outro afinado atrás. Então, essa coisa dessa vibração,
né, que vinha, atrás da orelha do desafinado, ele afinava, entendeu? Então, essa é uma vantagem, eu
acho que assim, um ajuda o outro, e esse cara sozinho, esse desafinado fazendo mal, já pensou que
sacrifício? Aí, fora isso, é, a gente tem também a coisa do, do, da própria convivência mesmo
social, né, a coisa do grupo mesmo, dentro de um, de fazer música coletivamente, eu falo da parte
do coral, a pessoa, ela se reconhece né, e se faz reconhecer. Então, às vezes assim, uma criança que
era apagadinha, sabe, porque não tinha grandes talentos, de repente ela descobre que ela tem uma
voz superafinada, então, ela cresce dentro do grupo, ela cresce nela mesma, autoconfiança, sabe? E
ela fica outra. Ela aprende a sorrir, ela aprende a levantar a cabecinha, porque ela viu que ela tem
um dom, né? Que é esse de cantar afinado e ela tá cantando junto de uma série de pessoas. Então,
tem todas as vantagens. Sem colocar assim, porque, como você no instrumento, quando eu faço
coral infantil, eu também não ensino, num primeiro momento a leitura de notas né. Nada acontece
porque ela vai praticar tanto aquela, aquela música, ela vai subir e descer tantas vezes né, que
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quando ela pegar uma partitura, certamente aquilo vai facilitar né, pra que ela enfim leia né. Então,
eu acho que é tudo isso, né. Eu sou muito favorável a essa coisa.
5. E você acha que tem alguma desvantagem, a princípio ou não?
Desvantagem? Em se tratando de crianças eu acho que não. Porque assim, eu acho legal também o
trabalho pela consciência, né. Você que já trabalhou com a gente, cê sabe que a gente busca a
conscientização, não é? Pra cantar e quero conhecer exatamente como é o meu instrumento, né. Só
que assim, pra criança, eu acho que isso pode vir mais tarde. Então, num primeiro momento eu não
tenho muito...
6. E Thelma, em relação ao seu referencial teórico, às suas influências? Você pode falar um
pouco ?
Ah, com maior prazer! Assim, de medalhões da música brasileira, meus grandes influenciadores
são Villa-Lobos - é influenciadores acho que inventei essa palavra agora – Osvaldo Lacerda, que eu
amo de paixão. E depois vem assim, os outros. Porque assim, os outros porque assim, eu tive uma
vivência maravilhosa com o canto lírico, que era um grupo de coral adulto, né, jovem na verdade,
mas uns jovens com muita capacidade. Então, a gente teve a oportunidade de conhecer muitos
compositores e fazer a música desses compositores, né. E arranjadores também.Então, veio o Zé
Ronaldo Miranda, por exemplo, que eu admiro demais, né. Bem, depois eu tive a influência de
todos os regentes possíveis com os quais eu cantei. E eu tive a felicidade de cantar com Camargo
Guarnieri, com Eleazar de Carvalho, né, com Emílio César de Carvalho, depois em Brasília com o
próprio Levino Alcântara, com o Carlos Alberto Pinto Fonseca, com Zé Gramani, que foi meu
professor na faculdade, de percepção, até foi meu regente mas também meu professor também, que
me influenciou pra caramba, não é ? O Roberto Manso depois, que não é tão conhecido, já foi,
também já morreu. Bom, e assim, na regência eu acho que foi isso, aí em São Paulo, no tempo em
que eu comecei a reger corais, tinha um movimento efervescente de corais, era uma loucura, né.
Ah, eu não posso esquecer do Benito Juarez, que é um supercara também, músico maravilhoso, me
ensinou muita coisa, né. E toda a vivência que eu tive cantando em corais, viu Flavia. Você tem
Joaquim Paulo Espírito Santo, que também não é um músico tão conhecido, mas que também me
ensinou demais, e uau, né. E eu fiz uma faculdade, quer dizer, então, lá todos os professores e toda
a literatura me ajudou. Depois teve uma coisa importante na minha vida que foi o fonoaudiólogo
Mara Behlau que me deu uma série de coisas pra estudar, depois teve Rose-Marie Schoch, que
também tá com Deus, que me deu uma outra série de, de teorias pra ver, entendeu? Então, tô
fazendo assim meu mestrado.
7. E trabalhos interessantíssimos em relação a corpo, expressão corporal?
Ah sim! Isso começou com Ivaldo Bertazzo que é um cara aqui de São Paulo, um coreógrafo, ele é
um pesquisador, ele vai pesquisar o mundo, assim, especialmente na Índia e na Bélgica, e trás
muita coisa desses lugares. Uma mulher maravilhosa que tem lá na Bélgica que faz um estudo
super de corpo né. Então, estudei em dois anos, em dois anos com Ivaldo Bertazzo, intensamente,
né. E veio dele essa necessidade, né. Inclusive nesse segundo trabalho “Dos pés a cabeça”, surgiu
muito por causa do Ivaldo, das aulas que a gente fazia lá, né. E ele foi me mostrando que meu
corpo era um instrumento realmente, então, se eu, seu eu não mantinha uma postura corporal eu
não era um ser humano que fui feito né. E aí, eu comecei a ver através da própria Mara Behlau, do
Roberto Zimberman e depois da Rose-Marie, é que era importante mesmo ter essa consciência,
entende? Então, se você tá esticado, seu som sai de um jeito, se você tá caído seu som sai de outro.
è como qualquer instrumento que você, a flauta você soprou extremamente você apitou, não é? O
violino cê passou o arco com força você arranhou. Então, mesma coisa o corpo. E aí o, porque é ir
atrás da voz, né Flavia? Sempre atrás da voz e até eu morrer eu vou ficar atrás da minha voz, né.
Então, tudo que pudesse me ajudar, eu vi que o corpo era fundamental, né. Porque assim, tem gente
que nasce, sabe? Então, se tiver que cantar de quatro, ela canta. Se tiver que cantar de bruços,
deitada, ela canta. Porque assim, parece que Deus pois a mão e disse : “Você vai cantar!”. E ela não
faz nada. Ela acorda de manhã e tomando banho ela cantava (...), entendeu? Agora, os pobres
mortais assim, que tem que ir atrás, tem que aprender, né. Mas eu acho também que, que Deus fez
direitinho porque se eu não tivesse ido tanto atrás da minha voz, eu não teria descoberto sabe,
tantos artifícios bacanas pras pessoas descobrirem as delas (risos).
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8. Thelma em relação ao, vamos falar sobre os lugares em que você atuou, primeiramente, e
depois, eu queria que você falasse pra mim, assim, em termos de côro pra criança, pra adulto,
qual que é a carga horária que você acha a ideal, pra ter um rendimento bom, quantas vezes
por semana? Eu queria que você falasse um pouco sobre essa área de atuação sua?
Onde eu atuei. Eu comecei a reger coral infantil, então, em Brasília, né. Que depois eu tive um
aluno, que eu nunca vou esquecer disso, um já mocinho, que era do canto lírico, uma vez ele usou
assim a expressão : “Thelma, eu fui lá reger, e regi com vibratto!” (risos). E foi uma coisa que eu
sempre me sinto, porque eu achei assim muito bacana. Então, “eu regi com vibratto” em Brasília,
primeira vez. Daí eu fui pra São Paulo, aliás eu já tinha tido uma parca experiência, nos meus
dezoito, dezenove anos, quando eu dava aula no conservatório, né, de pedagogia musical. Então, eu
já tinha vontade de fazer uma coisa coletiva e tal, com as alunas e comecei dar coral. E assim, eu
tinha tanto desconhecimento da área, que eu pegava aqueles livrinhos de flauta doce, que tinha
duas vozes pra flauta, e fazia elas cantarem aquilo. Não sabia nem aonde procurar repertório, nada
disso. Então, e isso realmente foram os rudimentos, os primórdios, foi nesse conservatório. Depois
eu fui pra Brasília. então, foi a primeira vez que eu regi em público, com o tal do vibratto lá (risos)
Tremendo de medo!! Depois eu voltei de Brasília, aí reassumi o Conservatório que eu estava, aí,
definitivamente, comecei a reger o grupo, que depois se tornou o Canto Livre, né. E paralelo a isso,
eu regi vários corais de empresa, de faculdade, né. Nossa Senhora! Teve épocas assim, que eu tinha
muitos coros! E teve uma coisa importantíssima na minha vida que foi onde eu comecei reger
corais infantis de verdade, que foi a Escola Municipal de Iniciação Artística. Então, de volta a São
Paulo, eu, depois de morar dois anos e meio em Brasília, aí eu precisei retornar né. retornar?
Começar aqui em São Paulo, porque eu não tinha começado nada praticamente. Eu fui embora com
vinte e dois anos, eles achavam que eu já tinha começado alguma coisa. Aí, eu voltei e fui para na
Escola de, na Escola Municipal de Iniciação Artística, por vias de amigos meus que me indicaram,
enfim, eu fui lá conversar com as pessoas até que eu consegui uma vaga nessa escola. E eu cheguei
lá não tinha coral infantil, mas eu já tinha um grande trabalho na área do coral adulto, né. Já tava
superadiantada como eu te disse. Naquela época São Paulo fervia, assim, de corais adultos. Era
uma loucura, sabe? Era uma coisa assim : “Gente vamos caprichar porque o coral da fulana vai ta
lá!”, sabe? O coral de Mara, coral de Esmeralda. Olha Marcos Júlio, então a gente assim, tinha
aquela, aquela coisa que a gente sabia que ia pintar de coral e a gente não podia fazer feio, sabe?
Porque os corais eram tinindo, era um melhor que o outro. Então, eu atuava nessa área, nos corais
adultos. Quando eu cheguei lá na Escola de Iniciação Artística tinha piano, tinha flauta, tinha
violino, percepção e não tinha coral. “Ah porque nós não temos regente!”. Eu falei : “Muito prazer!
Então cheguei!”, né. E comecei a aula coral infantil que existe até hoje e daí já emendei coral de
mães, entendeu e daí foi. Depois trabalhei em várias escolas particulares também fazendo corais,
né. E passei pra Universidade Livre de Música também, aí eu já, já tinha toda aquela vivência de
Ivaldo Bertazzo, Mara Behlau etc. Então, já comecei a dar canto popular pras pessoas e reger coral
adulto de novo. Porque depois que acabou o Canto Livre, eu parei com essa estória de coral adulto,
até hoje não tem mais. E fui me apaixonando pela área coral infantil. E aí assim, na Escola
Municipal de Iniciação Artística a gente tinha uma hora e meia de aula, uma vez por semana, né. È
da turma de ensaio. Eu meio que peguei esse parâmetro, sabe? De ficar com essa uma hora e meia,
uma vez por semana. Mas se você tiver uma hora e meia duas vezes por semana, melhor ainda, né.
Depois eu tive um, o ano passado e o ano retrasado a oportunidade de trabalhar num projeto com as
crianças na favela de Heliópolis, um projeto muito bonito do maestro Baccarelli, aqui de São Paulo,
que inclusive trabalhou com ensino coletivo né, de cordas, também com o pessoal da Heliópolis,
com a Renata Jaffé, então, e aí lá a gente fazia duas, uma vez por semana de três horas. E esse ano,
se eu tivesse continuado com eles, a gente ia fazer duas vezes por semana de duas horas, que eles
tão fazendo com maestro Elias, um maestro que eu deixei lá. E então trabalhando com criança,
quando eu cheguei na área de coral infantil que foi em 82, não tinha nada de infância aqui em São
Paulo! Era uma loucura! Eu olhava do lado assim, me via num deserto! Eu falei : “Não, isso não ta
certo! Onde que ta o pessoal que trabalha coral infantil?”. O coral adulto era uma efervescência
total, como é que o coral infantil ... Aí eu comecei a procurar as pessoas, entendeu? Aí fiz o I
Encontro de Corais Infantis. Aí lance a Associação de Regentes de Corais Infantis , que existe até
hoje, a ARCI. E fui inventando moda, entendeu? Pra você vê como eu gosto do coletivo (risos). Fui
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inventando moda e fui juntando os regentes e tive um coral de cem crianças e depois na própria
associação a gente juntou trezentas crianças pra cantar, entendeu e aí foi indo assim.
9. Que Bom! Eu queria que você falasse um pouquinho, já que você trabalhou com as
crianças carentes e tal, dessa função social da música...
(Interrompendo) Nossa Senhora!
Como você vê a nossa função como educador na sociedade e da música na sociedade?
Nossa Senhora! Olha é uma coisa assim, absurda, né. Assim, é claro, você tem que ser músico
educador mesmo e aja educador nisso, entendeu! Porque assim, se você for só músico, você vai só
se preocupar com, com o resultado sonoro né, não daquele corpo que ta na tua frente, daquela alma
daquele ser. se você for educador, você vai olhar primeiro praquela pessoa, praquela alma, praquele
ser, pra depois né, saber porque ele tá suando daquela forma, né. Aí você vai se preocupar assim,
escovou os dentes? Com que roupa ele ta? Ele ta cheiroso? Ele tomou banho, né? Quando ele tira o
tênis, o quê que acontece? Desmaia meia dúzia? É ou não é, né? Então, foi a primeira coisa que eu
falei pras crianças né? Não foi a primeira vez que eu trabalhei com carentes, mas foi a mais efetiva.
Então, eu falei pra eles o seguinte : “Olha, eu quero todo mundo de banho tomado no ensaio”. Aí
você vê, começa daí a coisa. E a música, levou ele pra lugares que ele jamais imaginaria entrar, né.
Porque aquelas são crianças que se admiram, que se admiravam né, porque hoje elas já conhecem,
um secador de mão, sabe? Que você põe embaixo e vuuum. “Ah, que diversão!”, sabe? Lugares
bonitos porque eles não vêem lugares bonitos, né. Eles moram numa favela onde tem até casa de
alvenaria, mas tudo pobre, feio e sujo, né. Então, de repente, ele entra num lugar que tem um lustre
de cristal, tem um tapete alto. Tudo isso é bobagem, mas assim, dá um parâmetro de vida pra eles,
você entende? Não que isso seja importante, o lustre de cristal ou o tapete, não é? Mas o mostra pra
eles que eles estão indo a esses lugares. Então, por eles estarem indo nesses lugares, eles tem que
ter um certo comportamento, não é? Ele vão se sentar à mesa de um restaurante, eles vão tomar um
lanche perto de autoridades, de gente importante, eles vão conhecer. Então, enfim, todo esse lado
de como é que você é perante o outro, como é que você se comporta, como é que você se cuida né.
Sabe? Pra daí poder fazer a sua música legal, limpa, cheirosa e tudo mais né. É fundamental, né?
Fundamental. Por que ao invés deles preocuparem com quantos mataram na minha rua hoje,
entendeu? Ele tem que chegar da escola e tomar banho e saí porque ele tem que ir pro ensaio.
Então, é assim, maravilhoso!
10. E Thelma, em relação à pesquisa em música, você destacaria algum trabalho que você
goste nessa área de ensino coletivo? Como é quê você vê a pesquisa em música...
(Interrompendo) Você tá falando em termos gerais?
É, pode ser em termos gerais, em ensino coletivo e em música em geral. Assim, tem algum
trabalho que você destaque?
Olha, tem muita gente fazendo coisas legais né? Porque assim, sabe Flavia, eu nunca fui de estudar
coisas de fora, sabe? Eu nunca, por exemplo, eu nunca estudei, nunca ensinei método Kodály, eu
nunca ensinei aquele outro que todo mundo faz...
Dalcroze.
Dalcroze. O Willems, nunca liguei pra esse tipo de coisa, sabe? Eu sempre achava que a gente tinha
que fazer uma coisa a partir da nossa realidade, que tudo o quê vinha de fora não servia pra gente,
entendeu? Até hoje eu acho assim, não sei se até por desconhecimento dos métodos afundo, porque
eu nunca estudei mesmo, e falo isso sem medo nenhum, porque acho que criei uma coisa
totalmente diferente e minha que então até hoje eu não posso entender que as crianças vão ficar
meses a fio fazendo : nã nã, nã nã, nã nã, nã nã (canta o intervalo de terça maior descendente),
sabe? Não consigo ver isso. Então eu só posso alcançar as pessoas que eu acho que trouxeram
coisas importantes, né? Então, por exemplo, tem a Valquíria Passos que trouxe a música pra bebê,
depois seguida pela Josete Félix que trouxe a música pra bebê. É tem a Eny Parejo que faz um
trabalho de musicalização também, bela, uma coisa bela que ela pesquisa, que ela vai atrás, eu acho
bárbaro. Aula de musicalização que a gente ta falando né? Bom, ensino coletivo não preciso nem te
falar, nomes que você conhece acho todos assim, bárbaros, pessoas que trabalham com isso, que
tão mantendo isso né. Na área Coral Infantil tem o SESC através da Gisele Cruz né, que também
faz, ta supercolaborando assim, com o trabalho, a Marisa Fonterrada que eu também gosto tanto de
citar. O Samuel que embora não seja um cara na música infantil dentro da educação. Ele trouxe
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uma idéia nova, sabe? Assim, pro coral, eu acho que foi fundamental. O meu querido amigo finado
Marcos Leite, que eu também acho que foi uma figura importantíssima que trouxe coisas assim, da
música popular pra música erudita que foi bárbaro né? Isso que eu já citei pra você, que são meus
grandes mestres, né ? Lacerda e Villa-Lobos (risos) e maestro Levino.
11. E Thelma, pra finalizar, você tem alguma sugestão a fazer em relação a minha pesquisa
em ensino coletivo e alguma consideração final a fazer? A palavra é sua em relação ao grupo,
ao ensino em grupo...
Olha Flavia, eu só tenho a dizer a você que eu espero que essa sua pesquisa incremente ainda mais
esse movimento no Brasil. Que você seja uma figura importante que possa irradiar de Goiânia pro
Brasil inteiro.
Que Bom! Obrigada!