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A PSICOLOGIA COGNITIVA DA MÚSICA

Jo h n A . Sloboda

T rad u ção :

B eatriz Ilari
R odolfo Ilari

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Ao OÂCente oMusical
AP S IC O L O G I A C O G N IT I V A D A M Ú S IC A

UNiVERSidftdt
EsiAdiiAl df LowIrína
John A. Sloboda
Reitor Wilmar Sachetin M arçal

Vice-Reitor Cesar Antonio Caggiano Santos

e d u el
E d iíO R A dA U N ÍV E R S Íd A d E EsT A dü Al d E L o N d R ÍN A Tradução
Conselho Editorial Neide Maria Jardinette Zaninelli (Presidente)
Beatriz Ilari
Ângela Pereira Teixeira Victória Palma Rodolfo Ilari
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Catalogação na publicação elaborada pela Bibliotecária
Neide Maria Jardinette Zaninelli / CRB-9/884. Sumário
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

S634m Sloboda,John A.
A mente musical: psicologia cognitiva da música / P r e f á c io à p r i m e ir a e d iç ã o vii
John A Sloboda; tradução de Beatriz Ilari e Rodolfo
Ilari. - Londrina : EDUEL, 2008.384p.; 23 cm. P r e f á c i o à e d i ç ã o d e 19 9 9 xi

Tradução de: The musical mind: the cognitive psycho- S o b r e a v e r sã o b r a s il e ir a xxvii


logy of music. . A MÚSICA COMO HABILIDADE COGNITIVA 1

ISBN 978-85-7216-468-9 2. M ú s ic a , l in g u a g e m e s ig n if ic a d o 15

1. Cognição musical. 2. Aprendizagem musical. 3. Introdução 17


Psicologia cognitiva da musica. I. Ilari, Beatriz. II. Ilari,
Rodolfo. III. Título. Chomsky e Schenker 18
CDU: 78:159.95 Outras comparações entre a linguagem e a música 25
Fonologia musical 32
Sintaxe musical 43
Semântica musical 74
Direitos reservados à
Editora da Universidade Estadual de Londrina Conclusões 84
Campus Universitário
Caixa Postal 6001 3. A PERFORMANCE MUSICAL 85
Fone/Fax: (43) 3371-4674 Introdução 87
86051-990 Londrina - PR
E-mail: eduel@uel.br Leitura à primeira vista 88
www.uel.br/editora
Ensaio 117
A performance em nível de expert 121
Impresso no Brasil / Printed in Brazil 4 . C o m p o s iç ã o e im p r o v is a ç ã o 133
Depósito Legal na Biblioteca Nacional
Introdução 135
2008
As evidências dos manuscritas 137 P r e f á c io à p r i m e i r a e d iç ã o

Relatos de compositores sobre seus processos composicionais 150


Observando os compositores durante o trabalho 160
5, O u v ir m ú s ic a 197
Introdução 199 uando foi sugerido que eu escrevesse um livro sobre a psicologia cognitiva
A audição natural’: mecanismos primitivos de agrupamento em música 203 | 1 da música, eu não tinha nenhuma concepção clara do tipo de livro que
V*—^Vescreveria. Assim que comecei a resenhar a literatura existente, ficou claro que
A atenção na audição musical 218 havia uma lacuna a ser preenchida^ De um lado desta lacuna estava a maioria dos estudos
A memória na audição musical 229 psicológicos sobre a música. De outro, estavam a experiência e o insight do músico, expressos
através de suas práticas e das rigorosas disciplinas da musicologia, teoria musical e análise.
6. A p r e n d i z a g e m m u s i c a l e d e s e n v o l v i m e n t o 255 Pareceu, pelo menos pára mim, que a psicologia da música tinha pouca relação com o que
Introdução 257 os músicos de fato faziam, e, portanto, que ela falhava por não abordar questões de extrema
Enculturação musical 262 importância musical.
Há muitas razões que explicam o surgimento deste estado das coisas. Uma delas é o fato
Treinamento e aquisição de habilidades 284 de que muitos psicólogos estudiosos da música não tiveram a oportunidade de receber uma
Avaliando a habilidade musical 306 educação musical intensa, e portanto, dispunham de uma quantidade relativamente limitada de
insights e intuições para guiar suas pesquisas. As dificuldades causadas por isso são semelhantes
7, A m e n t e m u s ic a l em c o n t e x t o * c u l t u r a e b io l o g ia 315 às dificuldades que podem ser vivenciadas por alguém que está tentando conduzir um estudo
Introdução 317 psicolingüístico sobre uma língua que pouco conhece, e sem uma base sólida em lingüística.
Cultura e pensamento musical 319 Até mesmo os psicólogos especialistas em música pareciam separar freqüentemente o trabalho
científico de seus conhecimentos musicais.
Biologia e comportamento musical 343 Uma outra razão é o fato de que os desenvolvimentos teóricos na psicologia da música
R e f e r ê n c ia s 355 têm sido lentos. Os experimentalistas vêm mantendo a tendência de construir micro-teorias
que explicam seus resultados, de modo que as pesquisas oriundas de outras fontes não sejam
Í n d ic e p o r a s s u n t o 375 facilmente sintetizáveis. Foi apenas nos últimos anos que pessoas com formação sólida em
ambas as áreas (psicologia e música) começaram a construir teorias psicológicas interessantes
sobre o funcionamento da música; teorias estas capazes de unificar e orientar uma vasta gama
de pesquisas.
Uma terceira razão é que a pesquisa psicológica tem sido dominada pela visão de que é
preciso compreender os aspectos mais periféricos e simples do funcionamento intelectual, como
se esta compreensão fosse uma espécie de prelúdio para o estudo de aspectos mais centrais e
complexos da atividade musical. Muito embora esta visão seja agora tida como errada, uma Os músicos perceberão que a psicologia cognitiva tem algo a oferecer para ajudar na
grande quantidade de pesquisas que se autodenominam musicais’focou nos processos envol­ compreensão das bases mentais de suas capacidades. Contudo, eu não me propus a fornecer
vidos na percepção de notas isoladas.Tópicos como a representação de estruturas musicais em um ‘livro de receitas’, de auxílios psicológicos para problemas musicais específicos. Ao invés
larga escala, a performance e a composição, receberam, comparativamente, uma atenção menor. disso, procurei destacar e elucidar algumas características básicas das capacidades musicais e dos
Contudo, estes são os tópicos que são de maior relevância para os músicos. mecanismos cognitivos em que estas se baseiam. Uma compreensão destes fatores subjacentes
Uma quarta razão é o fato de que os psicólogos têm exigido, e com razão, um controle permitirá que os músicos formulem soluções melhores para alguns de seus problemas.
rigoroso nas pesquisas. É muito mais fácil construir estímulos auditivos curtos que correspon­ Tenho plena consciência de que o tema aqui tratado apresenta muitos pontos ‘soltos’,
dem às especificações exatas e que limitam os sujeitos de pesquisa a respostas dicotômicas do bem como problemas ainda não solucionados. Não procurei dar ao campo mais substância do
tipo sim/não, do que dar liberdade ao sujeitos para que estes se engajem em certos compor­ que ele de fato tem. O que eu espero ter conseguido fazer é descrever as principais conquistas
tamentos complexos, porém musicalmente interessantes, em resposta a condições musicais nesta área em ascensão até o final de 1982 (ou por volta disso), e mapear alguns tópicos e
complexas e estruturadas. Contudo, este último tipo de pesquisa pode ser feito com rigor, e questões importantes que necessitam de uma atenção maior do que têm recebido.
está começando a ser realizado com uma certa freqüência. Minha abordagem particular da psicologia cognitiva da música tem sido bastante in­
Quinto e último, os escritores da psicologia da música têm mantido o hábito de se fluenciada pelos escritos de Christopher Longuet-Higgins que, no inicio da década de 1970,
comunicarem exclusivamente com psicólogos profissionais ou com educadores musicais ou estava questionando e respondendo a questões importantes sobre a representação psicológica
pesquisadores da educação. Até o presente, foram realizados poucos diálogos frutíferos entre de música tonal extensa, numa época em que muitos outros pesquisadores estavam ligados a
os psicólogos e os músicos que estão dentro e fora das academias. A culpa disso não é exclusi­ questões periféricas. Reconheço sua coragem e apoio, que têm sido importantes para a con­
vamente dos psicólogos, embora alguns deles não tenham, de fato, se preocupado em quebrar clusão deste livro. Também sou grato a diversas pessoas que me colocaram em contato com
as barreiras da interdisciplinaridade. materiais que, em outras circunstâncias, eu teria descoberto bem mais tarde ou talvez nem
Escrevi este livro tendo em mente esta barreira, e tentei oferecer algo tanto para o psi­ isso. Alan Mosley me falou pela primeira vez sobre o trabalho de Heinrich Schenker; Michael
cólogo quanto para o músico. O psicólogo encontrará uma descrição coerente da importância Durand me contou a estória fascinante revelada pelas mudanças da tinta nos autógrafos das
das pesquisas desenvolvidas nesta área. Ele também será exposto a algumas questões que ainda óperas de Mozart; e Ian Hunter me introduziu a sua descrição singular do desenvolvimento
não estimularam grandes quantidades de pesquisas. Estas questões surgem quando examino da improvisação, assim como abriu meus olhos para os contrastes profundos existentes entre
de forma crítica o campo de conhecimento sob a ótica do músico, mas também através dos as capacidades dos indivíduos letrados e não-letrados.
olhos de um psicólogo cognitivo que acha que a psicologia da música está deveras lenta para Várias pessoas merecem uma menção especial em relação ao preparo imediato deste
aceitar as perspectivas mais abrangentes que a ciência cognitiva trouxe para outros campos da livro. Sou grato a Stephen Banfield, Ian Hunter, Pamela Liebeck, George Pratt, Henry
psicologia na última década. Pressuponho que meus leitores tenham um grau moderado de Shaffer, Ursula Sharma, minha esposa Judith, e aos pareceristas anônimos da Editora da
conhecimento musical. De outra maneira diferente, minha tarefa seria demasiado lenta. Da Universidade de Oxford, por lerem partes da primeira versão e oferecerem comentários
mesma forma, é pressuposta uma certa familiaridade com a vasta gama de tópicos e méto­ úteis. Meu falecido pai também fez alguns comentários detalhados sobre versões anteriores
dos utilizados pela psicologia científica, embora eu tenha tentado escrever de forma que um de partes deste livro, que provaram sua inteligibilidade, e eu dedico este livro à sua me­
conhecimento preliminar detalhado em áreas específicas não seja completamente necessário. mória. Sou particularmente grato ao senado da Universidade de Keele pelo prêmio Keele
Tomei a liberdade de fazer referências a leituras introdutórias apropriadas em tópicos que o Research Fellowship de 1982 que me permitiu ter um tempo ininterrupto e necessário para
leitor comum possa querer se aprofundar e buscar maiores informações. completar a primeira versão. Reconheço e agradeço a ajuda de Dorothy Masters e Margaret
Woodward e a assistência técnica recebida de John Coleman e do Centro de Computação P r e f á c i o à e d iç ã o de 19 9 9
da Universidade de Keele.
A psicologia da música é uma área que vem crescendo, e é excitante estar diretamente
envolvido neste crescimento. Gostei muito de escrever este livro, mas também tenho consci­
ência de que o campo deu grandes passos nestes dois anos em que me ausentei do laboratório
para completá-lo. Estou agora ansioso para retornar ao laboratório. Minha maior esperança é ^texto dcA mente musical foi concluído em 1983. Quinze anos se passaram desde
a de que os psicólogos que gostarem de ler este livro também se sintam estimulados a voltar bntão, e uma nova edição vem em tempo para que eu diga algo sobre o progresso da
ao laboratório para provarem que alguns dos meus comentários são obsoletos. psicologia da música desde 1983. De fato, preciso justificar porque é que um leitor
qualquer deveria pegar este livro uma vez que houve muitos progressos na área desde 1983.
J.A.S. Quinze anos é um tempo longo para a ciência, e qualquer um que deseje participar ativamente
Julho 1983 do campo da pesquisa em música não pode fazê-lo sem concentrar sua atenção nos materiais
publicados nos últimos cinco anos. Contudo, parece que A mente musical teve serventia em
muitos ambientes fora do laboratório de pesquisa. Músicos, estudantes e leigos interessados
no assunto têm sido gentis o suficiente para dizer que encontraram algo de valor no livro.
Isto me agrada muito, já que nunca foi minha intenção apresentar um texto abrangente, do
tipo que poderia ser diretamente atualizado através da adição de novas seções no decorrer dos
anos. Eu queria, como acredito ter expressado no prefácio à primeira edição, abordar o campo
através de uma perspectiva crítica (pois percebi que os psicólogos estavam insuficientemente
interessados em tornar suas pesquisas relevantes aos interesses e preocupações dos músicos),
e destacar as áreas de investigação que me pareciam importantes, independentemente da
quantidade de pesquisas publicadas nestas áreas.
Este prefácio não é, de maneira alguma, um resumo de onde a psicologia cognitiva da
música chegou desde 1983. Isto exigiria a elaboração de um outro livro. Ao invés disso, trata-
se de uma avaliação do desenvolvimento de alguns temas centrais que identifiquei. Portanto,
é provavelmente recomendável lê-lo após, e não antes, de consultar os capítulos relevantes.
Coloquei referências em todos os meus comentários, inclusive em seções numeradas e em
números de páginas nos capítulos.Tentei ser seletivo em minha citação de pesquisas adicionais
recentes, favorecendo livros e artigos que revisam a literatura, deixando de lado estudos empí­
ricos específicos, exceto nos casos em que estes últimos são fundamentalmente significativos.
Desta maneira, os leitores interessados terão um acesso mais rápido às resenhas e revisões de
literatura de áreas específicas da pesquisa.
M u s ic a , l in g u a g em e s ig n if ic a d o 1997; Patel e Peretz, 1997). Uma possível explicação para a lentidão de uma nova teorização
musicológica por parte da psicologia é que este trabalho procura agarrar questões sintáticas
Meu princípio organizador para discutir a ligação entre a linguagem e a música foi a nos níveis global e local (isto é, relativos a movimentos completos e não apenas frases isoladas).
distinção tripartida entre a fonologia, a sintaxe e a semântica (p. 25). Nossos métodos de estudo da cognição global ainda estão engatinhando, e a psicologia ainda é
Até o ponto em que a música poderia ser mapeada com base nesta distinção, parecia mais apropriada para estudarmos nossas interações com os materiais de duração curta (poucos
apropriado pensar na sobreposição da música e da linguagem (tanto funcional quanto concei- segundos), ao invés dos materiais de longa duração (vários minutos).
tualmente). Em 1983, a minha vaga conclusão era a de que as evidências de equivalências nos O interesse na semântica musical (p. 74) cresceu consideravelmente desde 1983. Uma
níveis sintático e fonológico eram bastante impressionantes, embora a semântica musical e a contribuição filosófica precisa foi feita por Raffman (1983), que apontou para a questão de
semântica lingüística operassem de formas distintas, até onde as parcas pesquisas em música a frase a música tem sentido’poder significar tanto a música tem semântica’como ‘a música
permitiam quaisquer conclusões definitivas. tem significados pessoais’ (e também ‘a música significa muito para mim’). Várias confusões
Com relação à fonologia (p. 32) eu gostaria de acrescentar algumas coisas. A capacida­ conceituais têm sido criadas por conta da falta de clareza prévia sobre estas questões. A psi­
de de fazer distinções categoriais entre os elementos musicais é um aspecto fundamental da cologia da semântica musical está preocupada com o mapeamento e a explicação das relações
percepção e da performance musicais. Meu tratamento se concentrou na altura e na duração. existentes entre os elementos musicais e suas conotações não-musicais, que são, freqüente-
Pesquisas mais recentes ampliaram as dimensões de que temos conhecimento. Sobre estas, o mente, emocionais (e.g. Juslin, 1997), mas que não precisam ser necessariamente assim (e.g.,
timbre é, sem sombra de dúvida, aquela de que temos maior conhecimento (Hajda, Kendall, Watt e Ash, 1998). Muito além da semântica, a música pode ser usada para alcançar estados
Careterette e Harchberger, 1997). psicológicos valorosos, inclusive estados emocionais; uma explicação destes efeitos requer uma
O estudo dos aspectos psicológicos da sintaxe musical (p. 43) tem passado por um cres­ compreensão, não apenas da psicologia cognitiva, mas também da psicologia social (Hargre-
cimento enorme desde 1983. Ao meu ver, o elemento mais interessante deste crescimento é aves e North, 1997), da musicoterapia (Bunt, 1994) e da psicologia da motivação (Sloboda e
que este tem sido, em grande parte, conduzido de forma orgânica através dos desenvolvimentos Davidson, 1995). A cognição permanece central neste aspecto, ainda mais se considerarmos
dentro da psicologia experimental ao invés de desenvolvimentos na área da musicologia. Nossa as evidências que sustentam as contenções de Meyer (1973) (ver item 2.6, p. XXX) de que as
compreensão das relações de altura tem sido aprofundada principalmente pela aplicação de violações da expectativa estrutural (descritíveis em termos sintáticos) contribuem de maneira
técnicas tradicionais da psicofísica em conceituações culturais bem estabelecidas da tonalidade direta para a intensidade das emoções vividas, se não para o seu conteúdo (Krumhansl, 1998;
(Krumhansl, 1990), ao invés de respostas à nova teoria, ainda que esta seja de orientação expli­ Sloboda, 1991).
citamente psicológica (e.g., Lerdahl e Jackendoff, 1983; Narmour, 1982,1992). Anteriormente
(Sloboda, 1986) eu previ que a Teoria Gerativa da Música Tonal de Lerdahl e Jackendoff (1983) P er fo rm a n ce m u s ic a l
forneceria o tipo de novo ímpeto para a pesquisa em psicologia da música que Chomsky (1965)
proporcionou à psicolingüística. Com algumas raras exceções (e.g., Deliege, 1987), eu estava Meu tratamento da performance (capítulo 3) também foi baseado em torno de três
completamente enganado a este respeito. Pontos de convergência mais frutíferos têm sido questões: leitura à primeira vista, ensaio, e a performance dos peritos ou experts. Uma grande
estabelecidos entre a psicologia e as neurociências, parcialmente como resultado das teorias quantidade de trabalhos novos foi desenvolvida nas duas últimas áreas, e quase nenhum na
ascendentes do conexionismo e da modelagem de redes neurais (veja Bharucha, 1991), mas primeira.
também como resultado de uma série de novas técnicas que permitem a mensuração direta da A ênfase na leitura à primeira vista em 1983 (p. 88) foi, em grande parte, um reflexo de
sobreposição das atividades cerebrais no processamento de linguagem e música (e.g., Besson, meus próprios interesses de pesquisa, com a leitura constituindo um tema dominante. Apesar
do fato da competência em notação permanecer central para as capacidades e aptidões musicais, permitiram, recentemente, uma re-visita à questão das estratégias de dedilhados (Sloboda,
desde 1983 há pouca coisa nova conhecida sobre o assunto. Waters e Underwood (1998) des­ Clarke, Parncutt e Raekillo, 1998) e a condução de algumas das investigações propostas em
crevem um estudo sobre os movimentos dos olhos que resume a pequena literatura recente. 1983 (p. 124-125), o que é para mim uma fonte de satisfação pessoal.
O estudo do ensaio (p. 117) tem passado por um renascimento que é resultante do
crescimento de uma das áreas da psicologia cognitiva conhecida por estudos sobre os experts’ C o m p o s iç ã o e im p r o v is a ç ã o
(veja Ericsson e Smith, 1991). Esta área esteve obscurecida pelo trabalho sobre a resolução de
problemas, iniciado por Simon e colegas (cap. 1, p. 8) e conduziu a investigações detalhadas Apesar do considerável interesse generalizado na criatividade e nas produções dos
sobre as condições através das quais os indivíduos muito capazes melhoram suas capacidades. indivíduos criativos (e.g., Simonton, 1996), desde 1983 ainda é pequena a quantidade de
Nós não apenas compreendemos melhor os detalhes da prática musical eficaz (e.g. Ericsson, trabalhos novos sobre os processos cognitivos envolvidos na composição. Uma coleção de
Krampe e Tesch-Romer, 1993; Jorgensen e Lehmann, 1997), mas também possuímos uma estudos preliminares nesta área (Sloboda, 1998) não deu origem a grandes desenvolvimentos
idéia mais clara dos fatores sociais, motivacionais e emocionais que permitem o desenvolvi­ subsequentes. De maneira geral, os poucos trabalhos que existem têm como foco análises
mento de resultados musicais em graus elevados e incomuns (Manturzewska, 1990; Davidson, detalhadas de improvisações (e.g., Jarvinen, 1995). O único estudo de composição publicado
Howe e Sloboda, 1997). Este trabalho está inteiramente de acordo com a manutenção da nesta década em uma revista de renome da psicologia da música é uma comparação entre
desmistificação do talento e da genialidade que caracterizaram a minha abordagem em 1983 compositores novatos e experts em um exercício de composição realizado no contexto de uma
(cap. 1, p. 4-7), e que, desde então, tem ocupado um lugar central na psicologia cognitiva da sala de aula (Colley, Banton, Down & Pither, 1992). É difícil compreender porque tão pouca
criatividade e da realização (e.g. Howe, Davidson e Sloboda, 1998; Weisberg, 1993). atenção tem sido dada a estas áreas. É fato que elas apresentam problemas metodológicos;
Em 1983, a seção sobre a performance musical dos experts foi altamente conceituai (p. mas é possível que a falta de interesse seja reflexo de uma falta de interesse generalizada pela
121) e conduzida pela esperança de que os psicólogos passariam a estudá-la. Esta esperança foi criatividade musical no campo da tradição ‘clássica’, que domina as escolas, faculdades e uni­
realizada para muito além de minhas expectativas. Trabalhos iniciados na Europa por Shaffer versidades. Seja qual for a razão, isso significa que o meu capítulo escrito em 1983 continua
e Gabrielsson e continuados por seus alunos (Clarke, 1995; Juslin, 1997; Todd, 1985), bem tão pertinente quanto na época.
como outros conduzidos entusiasticamente pelos norte-americanos (e.g. Palmer, 1997,1997;
Repp, 1990,1997) têm confirmado minhas hipóteses de que a performance expert depende da O u v ir m ú s ic a
flexibilidade do emprego do conhecimento estrutural. Uma razão pela qual esta área de pesquisa
progrediu mais rapidamente do que eu esperava foi o desenvolvimento da tecnologia do M IDI A noção de que a audição musical baseia-se em mecanismos auditivos gerais elaborados
(Musical Instrument Digital Interface), que permitiu o simples armazenamento e manipulação para uma série de tarefas de detecção no mundo natural (p. 203) vem motivando uma área
dasperformances através de equipamentos comerciais. Isto agora permite fazermos em poucos ativa de investigação chamada de análise da cena auditiva, da qual a contribuição de Bregman
dias o que Shaffer levou anos para desenvolver. Um elemento notável de grande parte destas (1990) constitui o trabalho mais sólido (veja ainda McAdams e Bigand, 1993). A aplicação
pesquisas é o uso de peças inteiras tocadas em contextos naturais, portanto obedecendo às mais impressionante deste trabalho na música é, sem dúvida alguma, a série de estudos de
demandas da validade ecológica, e constituindo um dos pontos de convergência realmente Huron (e.g., 1991,1993), que demonstrou, através de análises de grandes composições clássi­
produtivos entre os psicólogos e os músicos instrumentistas, para os quais os estudos em cas feitas por computador, que os compositores obedecem, ainda que intuitivamente, a vários
performance constituem agora uma sub-disciplina estabelecida, dividindo muitas das tecnolo­ princípios perceptivos que permitem, por exemplo, separar as vozes musicais, de modo que elas
gias e metodologias desenvolvidas pela psicologia (e.g., Rink, 1995). Estes desenvolvimentos sejam ouvidas como objetos perceptivos separados. Uma conseqüência natural desta linha de
trabalho é a demonstração de que, em muitos níveis, o que os experts e os novatos extraem da A p r e n d iz a g e m e d e s e n v o l v im e n t o
audição musical é notavelmente semelhante, independentemente dos efeitos do treinamento
musical. Evidências significativas destas semelhanças têm sido demonstradas por uma série Desde 1983, muitos progressos foram feitos em nossa compreensão do desenvolvimen­
de estudos sobre a abstração de pistas durante a audição de composições inteiras (Deliege to da consciência musical, do nascimento à idade escolar (Deliege e Sloboda, 1995; Trehub,
e Melen, 1997). Este trabalho também tem sido sustentado pelas fortes afirmações teóricas Schellenberg e Hill, 1997). Com relação ao primeiro ano de vida, um dos descobrimentos mais
(Lerdahl, 1998) de que certos elementos estruturais (intencionalmente criados, como, por interessantes (p. 262) é que os bebês têm preferências musicais que parecem estar baseadas
exemplo, por alguns compositores avant-garde) são simplesmente incapazes de serem detec­ na apreciação de elementos musicais de alto nível hierárquico tais como estruturas de frases
tados pelos mecanismos naturais da audição, o que explica sua dificuldade e relativa falta de (e.g. Juszcyk e Krumhansl, 1993). A tutoria (scaffolding) para o desenvolvimento musical na
popularidade entre os ouvintes. primeira infância, gerada a partir das interações entre pais e filhos é agora melhor compreen­
Uma vez que a memorização da música é um aspecto tão central e ecologicamente per­ dida (Papousek, 1995).
tinente da cognição musical, tentei proporcionar uma cobertura significativa da memória de Duas correntes de investigação foram desenvolvidas com relação à idade escolar. De
seqüências musicais extensas no tratamento dado à escuta musical (p. 229). Vários livros sobre um lado, há a pesquisa sobre os comportamentos musicais autônomos ou naturais tais como o
a percepção e a cognição musical foram publicados desde 1983 (cronologicamente: Howell, canto individual (Davidson, 1994) ou as notações espontâneas (Bamberger, 1991), seguindo a
Cross e West, 1995; Dowling e Bartlett, 1996; Riess-Jones e Holleran, 1990; Butíer, 1992; tradição de Moog e Gardner (p. 267). De outro, estão os estudos experimentais, usando para­
Aiello, 1994; Deliege e Sloboda, 1997). É surpreendente quão pouca atenção é dispensada à digmas desenvolvidos para o estudo da cognição no adulto e que permitem uma comparação
memorização (muito embora o papel da memória esteja implícito nos estudos sobre reconheci­ direta entre as diversas faixas etárias, usando os mesmos materiais (e.g. Drake, 1993; Lamont,
mento e outros tipos de julgamentos). Uma cobertura bastante completa da memória foi feita 1998). Porém, é justo dizer que a cognição no adulto ainda constitui o tema da maior parte
por Dowling e Harwood (1986), embora esta revise praticamente os mesmos materiais que das investigações sobre a cognição musical, e que ainda há muito a ser compreendido sobre o
revisei. Apenas dois outros capítulos estão centrados na memória e na recordação (Sloboda e desenvolvimento da cognição musical.
Parker, 1985; Krumhansl, 1990). Curiosamente, desde 1983 o exame extenso do processo de Talvez por conseqüência da lentidão dos progressos na literatura sobre o desenvolvi­
memorização advém do estudo da cognição anômala dos indivíduos autistas (Miller, 1989). mento, há poucas aplicações bem sucedidas da psicologia cognitiva na educação e no trei­
É justo dizer que a corrente predominante de pensamento das pesquisas recentes sobre a namento musicais. Ficou provado que meu entusiasmo pelos sistemas de produção como
escuta musical tem caminhado no sentido de aprofundar nossa compreensão da experiência aparatos teóricos (p. 284) foi exagerado. A ascensão do conexionismo como um quadro teórico
da altura no contexto da música tonal ocidental (e.g., Cuddy, 1997; Cross, 1997; Krumhansl, alternativo provou que a teorização do sistema de produção está fora de moda, e ao mesmo
1991; Sloboda, 1992). Uma vez que a memorização requer a integração de informação entre tempo, pareceu tornar deficiente ou inibir o trabalho experimental que pode ser aplicado à
domínios relevantes como altura, ritmo, melodia e estrutura em larga escala, talvez não seja teorização das situações de aprendizado musical concreto (Morrongiello, 1992). Ao contrário,
surpreendente que a nossa compreensão não tenha progredido tão rapidamente como gos­ o interesse predominante dos últimos anos tem recaído sobre o modo como o envolvimento
taríamos. São necessárias sínteses mais integradas em outras áreas correlatas, como aquelas com a música pode auxiliar no progresso das pesquisas sobre o desenvolvimento em outras
iniciadas por Parncutt (1994) sobre o ritmo e o compasso. áreas da cognição (Sharp, Benefield e Kendall, 1998). Isto pode dar origem a pressões sobre
o currículo musical escolar em vários países.
Trabalhos referentes à avaliação da habilidade musical (p. 306) não constituem uma
grande preocupação das pesquisas recentes no âmbito da tradição cognitiva. De um modo
geral, há pouca clareza sobre as habilidades específicas que estão sendo estudadas em diversos for Cognitive Sciences of Music), assim como a Sociedade Alemã de Psicologia da Música
testes de habilidade, e a validade do prognóstico é geralmente baixa. Cada pesquisador parece (DGM - Deutsche Gesellschaft fiir Musikpsychologie), a Sociedade Japonesa de Percepção
desenvolver seus próprios testes, de modo que estes sejam mais adequados à questão a ser e Cognição Musical (JSMPC - Japanese Society of Music Perception and Cognition), e a
estudada (Macpherson, 1995), e conseqüentemente perdendo seu poder de generalização. Sociedade Inglesa de Pesquisa em Psicologia da Música e Educação Musical (SRPMME
- Society for Research in Psychology of Music and Music Education)1. Uma conferência
C ultura e b io l o g ia internacional, a Conferência Internacional de Percepção e Cognição Musical (ICMPC
- International Conference on Music Perception and Cognition) acontece bianualmente em
Questões comparativas entre as culturas continuam sendo um dos aspectos negligen­ uma parte diferente do mundo. Da última vez que ocorreu na Europa, em 1994, mais de 200
ciados no estudo da cognição musical. Comparações entre as culturas orais e letradas são trabalhos foram apresentados. As principais revistas da área, Music Perception e Psychology of
praticamente inexistentes, com exceção dos trabalhos pioneiros e notáveis de Arom e colegas Music se solidificam a cada dia.
sobre a percepção de escalas e afinação na África Central e na Indonésia (Arom, Leothaud e Apesar dos grandes avanços, vários desafios permanecem. A relação entre a cognição
Voisin, 1997) e de Kessler e colegas a respeito da percepção da tonalidade em Bali (Kessler, musical e as demais disciplinas acadêmicas tradicionais continua sendo problemática. Eu vejo
Hansen e Shepard, 1984). De fato, até mesmo os estudos de música ocidental mostram um a cognição musical primordialmente como uma ciência com a maior parte de suas raízes na
estreitamento preocupante já que, em sua maioria, se concentram na percepção ç,performance psicologia, mas com inserções importantes da lingüística, computação e filosofia. Contudo, a
da música clássica, quase que excluindo as demais formas. matéria prima música é tradicionalmente estudada nas escolas de arte. As tentativas de alocar
Por outro lado, com relação à biologia, novas tecnologias como a Imagem por Resso­ professores e pesquisadores da cognição musical nos contextos artísticos nunca foram fáceis.
nância Magnética (MRI) e a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) revolucionaram As suposições de cientistas e artistas a respeito da maneira de abordar a matéria prima são
a quantidade e a qualidade de informação disponível sobre a atividade cerebral durante o geralmente demasiado diferentes. Isto significa que o diálogo entre cientistas e músicos tem
engajamento musical. A maior parte dos trabalhos em música está, de certo modo, na área sido e permanece problemático.
mais estabelecida da elentroencefalografia (veja Besson, 1997). Muitos desses estudos focaram Um outro desafio está relacionado à falta de coesão dentro da própria disciplina da cog­
a mensuração da expectativa musical em função de manipulações da estrutura. Há também nição musical. A compreensão do fenômeno musical requer inserções de muitas disciplinas, e
alguns estudos de caso excepcionais de indivíduos com lesões cerebrais que acrescentam muito até mesmo de partes diferentes da disciplina da psicologia. Por exemplo, as áreas cobertas por
ao nosso conhecimento das dissociações funcionais (veja Patel e Peretz, 1997). este livro esbarram na psicologia social, psicologia do desenvolvimento, psicologia educacional,
neuropsicologia, assim como na psicologia cognitiva. Cada uma destas tem suas próprias teorias,
O MEIO CIENTÍFICO
metodologias e preocupações. Tornar-se um verdadeiro expert em qualquer uma delas pode
durar o curso de uma vida. A psicologia da música não é, portanto, uma disciplina coerente,
Não é possível concluir esta pequena atualização sem fazer referências ao modificado mas sim uma confederação solta de disciplinas convergindo ao redor de um mesmo objeto de
clima intelectual de estudo da psicologia da música. Em 1983, os pesquisadores desta área estudo. Sendo assim, ficã difícil concordar com a importância dos problemas ou com o modo
tinham apenas iniciado a coordenar suas atividades de maneira intencional. Quinze anos depois, como eles devem ser abordados. Colaborações internacionais financiadas, assim como aquelas
as atividades na área são coordenadas por grupos intelectuais incluindo-se a Sociedade Norte
Americana de Percepção e Cognição (SMPC - Society for Music Perception and Cogni- 1NT: A SRPMME - Society for Research in Psychology of Music and Music Education foi recentemente substituída pela
SEMPRE - Society for Education, Music and Psychology Research.
tion), a Sociedade Européia de Ciências Cognitivas da Música (ESCOM - European Society
encontradas na medicina ou na física, são praticamente inexistentes na psicologia da música, Besson, M. (1997). Electrophysiological studies of music processing. In I. Deliege & J. A.
o que resulta em um crescimento da disciplina por meio de acréscimo, com cada pesquisador Sloboda (Orgs.). Perception and Cognition of Music. Hove: Psychology Press.
ou grupo contribuindo com suas próprias idiossincrasias. Os governos e outras agências de Bharucha, J.J. (1991). Pitch, harmony and neural nets: a psychological perspective. In P.
fomento geralmente não têm interesse suficiente para impor disciplinas através de políticas
de pesquisa de âmbito nacional ou internacional. Todd Sc D.G. Loy (Orgs.). Music and connectionism. Cambridge: M IT Press.
Finalmente, enquanto disciplinas, tanto a psicologia quanto a música estão passando Bregman, A.S. (1991). Auditory scene analysis: theperceptual organization of sound. Cambridge: MIT
por mudanças rápidas. Ambas estão entrando em fases ‘pós-modernas’, onde algumas das Press.
certezas anteriores estão se evaporando. Na psicologia, dissipou-se a esperança de haver uma Bunt, L. (1994). Music therapy: an art beyond words. London: Routledge.
teoria da mente unificada, possivelmente na forma de um modelo computacional qualquer. Butler, D. (1992). The musicians guide toperception and cognition. New York: Schirmer.
Na música, atividades como a musicologia histórica, consideradas anteriormente como os Chomsky, N. (1965). Aspects of the theory ofsyntax. Cambridge: M IT Press.
alicerces inabaláveis da disciplina, estão sendo suplantadas por uma variedade de abordagens Clarke, E.F. (1995). Expression \n performance'. generativity, perception and semiosis. In J.
interdisciplinares, dentro daquilo que é muitas vezes chamado de a nova musicologia que
relativiza e, de certo modo, enfraquece o foco central da musicologia tradicional, no cânone Rink (Org.). The practice of performance: studies in musical interpretation. Cambridge: Cambridge Uni­
versity Press.
histórico das obras primas’que são objetos de estudo das universidades e academias que pre­
param os jovens músicos. Colley, A., Banton, L., Down, J. Sc Pither, A. (1992). An expert-novice comparison in musical com-
position. Psychology of Music, 20,124-138.
Estes problemas interessantes formam, em si, parte da minha justificativa de não fazer
uma revisão detalhada deste livro. A mente musical foi escrito em um ponto de certa estabili­ Cross, I. (1997). Pitch schemata. In I. Deliege e J. S. Sloboda (Orgs.). Perception and Cognition of Music.
dade e autoconfiança no desenvolvimento histórico da psicologia cognitiva. Refletir o clima Hove: Psychology Press.
intelectual de hoje em dia e prever algumas questões importantes para o próximo milênio Cuddy, L. (1997). Tonal relations. In I. Deliege e J. S. Sloboda (Orgs.). Perception and Cognition of
requerería uma abordagem completamente diferente e uma perspectiva reorientada. Sobre Music. Hove: Psychology Press.
esta abordagem, duas coisas são bastante claras para mim: (1) seria necessária uma estimativa Davidson, L. (1994). Songsinging by young and old: a developmental approach. In: R. Aiello (Org.).
maior sobre o mundo confuso da emoção e motivação para balancear as precisões e organiza­ Musicalperceptions. New York: Oxford University Press.
ções da cognição; (2) seria necessário abarcar uma gama ainda maior de exemplos de músicas, Davidson, J.W., Howe, M.J.A. e Sloboda, J.A. (1997). Environmental factors in the development of
culturas e sub-culturas do mundo, e não apenas considerar a música clássica ocidental como musical performance skills in the first twenty years of life. In D.J. Hargreaves e A.C. North
(Orgs.). The socialpsychology of music. Oxford: Oxford University Press.
moldadora da disciplina, como tem sido feito até o presente momento.
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Sobre a versão brasileira

Em 1983, John Sloboda publicou uma das obras que, anos mais tarde, viria a se tornar
referência para a área das ciências cognitivas da música. Quase 25 anos depois do lançamento
da obra em língua inglesa, a Editora da UEL publica pela primeira vez a versão brasileira da
obra seminal do psicólogo inglês, que agora dedica grande parte de seu tempo a estudos em
prol da paz mundial, ao mesmo tempo em que faz discretas aparições em congressos da área
de cognição musical.
Apesar de terem se passado quase 25 anos, grande parte dos conceitos e idéias discutidos
no livro continuam tão atuais quanto em 1983. Outros mudaram muito pouco, como sugere
o próprio John Sloboda em seu prefácio à reedição de 1999. Daí a importância e a relevância
desta tradução integral de A mente musical para os pesquisadores de língua portuguesa inte­
ressados no estudo dos processos cognitivos em música.
No entanto, na condição de estudiosa da cognição musical e tradutora deste livro, achei
que seria importante fazer alguns comentários relevantes aos conteúdos da obra. Como tradu­
tora, tive de tomar algumas decisões não-óbvias, a fim de otimizar a compreensão do texto por
parte do leitor. Alguns termos foram mantidos em língua inglesa por serem de uso corrente de
estudiosos das ciências cognitivas, lingüística música e acústica. Isso torna mais fácil a vida do
leitor, que pode vir a pesquisar estes termos em outros livros brasileiros, sem encontrar grandes
problemas de terminologia. Sendo assim, termos como expertise, blue note, insight e streaming
foram propositadamente mantidos em língua inglesa. A não-tradução dos termos performance
e performer também ocorreu de caso pensado. Há muitas traduções possíveis para o termo
performance: realização, execução, interpretação, apresentação, etc. O performer também pode
ser um intérprete, um músico, um ator, um cantor, ou um realizador, entre outras. Dizer que o
performer é apenas um instrumentista, executante ou intérprete pode soar como limitador. Por
esta razão e a fim de me manter fiel ao original, optei por manter os termos em língua inglesa,
sobretudo porque são termos bastante usados por diversos pesquisadores brasileiros.
Como ficou dito, o livro de John Sloboda continua muito atual, sobretudo se conside­
rarmos a carência de obras de referência desta área em língua portuguesa. Porém, é importante
que o leitor atente para o fato de que houve alguns progressos em certas áreas, que não podem musical em nosso país; área que necessita, urgentemente, de investigações sistemáticas, que
ser ignorados. Por exemplo, no segundo capítulo, John Sloboda faz uma comparação profunda poderão, eventualmente, orientar atividades futuras em educação musical.
entre as idéias do lingüista Noam Chomsky e do teórico musical Heinrich Schenker. Muito Conforme a previsão de Sloboda, os últimos anos têm sido marcados por novos métodos
embora a comparação continue sendo de grande valia para os interessados nas comparações de investigação do cérebro musical. Até onde sei, há poucos estudos sobre o cérebro musical no
entre música e linguagem, é fundamental considerar que a teoria gerativa de Noam Chomsky Brasil, mas algumas iniciativas começam a despontar aqui e ali. Porém, vale lembrar que algumas
passou por diversas modificações nos últimos anos. Já a teoria de Heinrich Schenker não áreas como a performance, a percepção e a apreciação musicais tiveram um desenvolvimento
parece ter sofrido tantas transformações, mas há também algumas expansões, re-leituras e bastante prolífico nos últimos anos, e têm sido investigadas sistematicamente, em nosso país.
novas interpretações, que merecem a atenção do leitor. Portanto, o pesquisador interessado A recém-criada Associação Brasileira de Cognição & Artes Musicais tem servido de fórum
nesta comparação em particular pode tomar o capítulo 2 como uma leitura básica, mas deve, de escoamento para as pesquisas da área. Espera-se que a publicação de A mente musical sirva
necessariamente, procurar compreender como as idéias de Sloboda se encaixam nas interpre­ de estímulo para que um número ainda maior de pesquisadores desenvolva trabalhos que
tações atuais das teorias de Chomsky e Schenker. nos ajudem a desvelar os mistérios da mente musical. Tais estudos são de suma importância,
Como o próprio Sloboda salienta em seu prefácio de 1999, houve poucos acréscimos sobretudo em um país de riqueza musical inigualável como o Brasil.
em nossos conhecimentos acerca dos processos mentais envolvidos na composição e na im­
provisação desde 1983. Já o estudo das origens biológicas da música e do som recebeu certa B.S.I.
atenção nos últimos anos, principalmente no final da década de 1990, quando o lingüista Curitiba, fevereiro de 2007.
Steven Pinker trouxe à baila a questão da ‘inutilidade da música’para a evolução humana, em
seu livro Como a mentefunciona. Desde então, diversos pesquisadores têm procurado defender
a causa musical’, e têm buscado compreender melhor estas questões tão intrincadas. Apesar de
os brasileiros ainda não discutirem muito essas questões, é provável que a leitura do capítulo
7 motive e dê origem, não apenas a discussões acaloradas, mas também aponte para novas
questões a serem investigadas.
Um outro aspecto a considerar refere-se às descobertas sobre o desenvolvimento musical
(sexto capítulo). Nos últimos anos, o desenvolvimento de novas metodologias de pesquisa
permitiu a realização de inúmeros estudos com bebês, crianças e adolescentes. O interessante
é que a maioria desses estudos tem confirmado algumas das previsões feitas por Sloboda
em 1983. Contudo, como o próprio autor diz, a maioria absoluta dos estudos resenhados foi
realizada em países ocidentais, com crianças expostas à música tonal. Portanto, quaisquer
generalizações para uma cultura essencialmente mestiça como a nossa, não são nada óbvias.
Isso vale também para a discussão acerca dos testes de habilidades musicais, que foram criados,
em grande parte, para populações que possuem uma educação musical sistematizada desde a
educação infantil, diferentemente do que acontece aqui. Espera-se que a leitura deste capítulo
desperte no leitor-pesquisador a motivação para realizar estudos acerca do desenvolvimento
A razão pela qual muitos de nós nos envolvemos em atividades musicais, de
composição, execução ou escuta, é que a música consegue despertar emoções
Vprofundas e significativas. Estas emoções podem variar desde o ‘simples’ deleite
estético diante de uma construção sonora e desde emoções como a alegria ou tristeza que a
música às vezes evoca ou realça, até um simples alívio da monotonia, tédio ou depressão que
pode ser proporcionado pelas experiências musicais cotidianas.
Se alguém de uma civilização sem música nos perguntasse por que nossa civilização

A M U S IC A C O M O H A B IL ID A D E C O G N IT IV A
mantém tantas atividades musicais, nossa resposta certamente apontaria para essa capacidade
que a música tem de melhorar nossa vida emocional. E claro que há outras razões para que os
indivíduos ou sociedades façam uso da música. Considerando que muitas atividades musicais
são também atividades sociais, a música pode ter muitos significados sociais, proporcionando
uma série de retornos sociais para aqueles que dela participam. A propósito, o conhecimento
de certos tipos de música é um pré-requisito para pertencer a algumas sub-culturas particu­
lares. A adoção da música para uso em situações sociais formalmente definidas permite que
as pessoas ganhem a vida com a música. Alguns aspectos do treinamento musical, tais como
a necessidade de disciplina e cooperação, podem ser mantidos de modo que valham à pena. E
assim por diante. Contudo, nós podemos classificar estas motivações sociais como secundá­
rias, porque elas estão bastante ligadas a culturas específicas. Ao contrário, o fator emocional
é intercultural. Não se explicaria que a música tenha penetrado até a base de tantas culturas
diferentes, se não existisse alguma atração humana fundamental pelo som organizado que
transcende as barreiras culturais.
Se os fatores emocionais são fundamentais para a existência da música, então a questão
fundamental para uma investigação psicológica na música é como a música é capaz de afetar
as pessoas. Aos olhos frios da física, um evento musical nada mais é do que uma coleção de
sons com várias alturas, durações e outras características mensuráveis. De algum modo, a
mente musical dá significado a estes sons. Eles se tornam símbolos de algo que já não é apenas reza. Muito pelo contrário, os ouvintes experientes com certos tipos de música são capazes
um mero som, algo que nos permite rir ou chorar, gostar ou desgostar, ser movidos ou ficar de identificar uma rede de emoções diferenciadas que são invocadas por uma seqüência de
indiferentes. eventos, e que se tornam mais refinadas e diferenciadas conforme a música vai se tornando
Há duas razões que nos levam diretamente aos domínios da psicologia cognitiva. A mais conhecida Já a teoria de condicionamento faz prever que uma peça musical será sempre
primeira é que a maioria de nossas respostas à música são aprendidas. Isto não quer dizer que dominada por um tom emocional generalizado e único, adquirido a partir do contexto em
negamos a possibilidade de existirem respostas primitivas à musica que possam ser compar­ que se dá o condicionamento;
tilhadas por toda a espécie. Por exemplo, música rápida é excitante, enquanto música calma 3. nossa resposta emocional para uma mesma música pode variar consideravelmente de uma
e suave é calmante. Alguns registros e timbres parecem ser particularmente atraentes para os audição a outra. A propósito, houve algumas ocasiões em que o último movimento da
bebês, caso dos padrões rítmicos simples e repetitivos. Mas estas tendências primitivas não sexta sinfonia de Tchaikovsky me deixou com lágrimas nos olhos, e outras em que fiquei
podem estimar a natureza sutil e multidimensional da resposta do adulto à música e muito completamente indiferente. O que se manteve igual em meu estado mental nestas duas
menos estimar as numerosas e significativas diferenças culturais que há entre essas respostas. ocasiões foi meu conhecimento que esta era uma obra que expressa uma aflição extrema,
Ainda consigo me lembrar da surpresa que tive quando, após ouvir uma canção folclórica grega independentemente de minha resposta a ela.
relativamente alegre, meu colega grego me informou que se tratava de uma peça musical triste Uma analogia que considero útil é entre a música e o humor. Quando ouve uma piada,
e desesperada. Sem dúvida, a compreensão da letra foi parcialmente responsável por sua visão o ouvinte precisa primeiro compreendê-la; ele precisa perceber e identificar as palavras que a

A M Ú S IC A CO M O H A B IL ID A D E C O G N IT IV A
diferente da música; mas eu me dei conta de que a minha resposta tinha sido determinada constituem, reconhecê-las como sentenças, formar uma representação mental das proposições
pela tonalidade maior, pelas harmonias simples e abertas, e pelo ímpeto rítmico geral. Estas que as sentenças fazem e então determinar a natureza da incongruência, do duplo sentido,
características são, de fato, comuns à música folclórica grega. Diferenças mais sutis, não de­ ou de qualquer coisa que a caracterize como piada. Portanto ‘entender a piada’ envolve uma
tectadas por mim, eram responsáveis pela comunicação de afeto. grande quantidade de processos cognitivos, partindo do conhecimento da linguagem e do
Um segundo indício da natureza cognitiva de nossas respostas emocionais é o fato de que mundo. Depois disso, o ouvinte, dependendo de seu humor e gosto, precisa vivenciar uma
estas últimas não devem ser explicadas simplesmente em termos de ‘condicionamento’. A teoria reação emocional que desencadeia a risada. Ou seja, em sua resposta estão presentes tanto
do condicionamento (divertidamente chamada de teoria do ‘meu bem, estão tocando a nossa um estágio cognitivo quanto um estágio afetivo. O estágio cognitivo é um pré-requisito ne­
canção’por Davies, 1978) supõe que uma peça musical adquire significado emocional a partir cessário do estágio afetivo; um ouvinte não pode achar graça em uma piada sem primeiro
das circunstâncias em que é ouvida. Segundo esta teoria, a forma e o conteúdo da música são compreendê-la. Porém, ao estágio cognitivo não se segue necessariamente o estágio afetivo.
irrelevantes para o valor emocional que adquirem. Apenas seu contexto é tido como importante. Uma pessoa pode compreender perfeitamente uma piada e não rir dela. O mesmo ocorre
Embora este tipo de condicionamento possa ocorrer em certas circunstâncias e possa ainda com a música. Alguém pode compreender a música que ouve sem ser movido por ela. Se ele
ajudar a explicar certas idiossincrasias do gosto musical, diversas outras observações mostram é movido por ela, então ele deve ter passado por um estágio cognitivo que envolve a formação
que essa teoria é inadequada como explicação completa para as respostas emocionais: de uma representação interna, simbólica ou abstrata, da música. A natureza desta representação
1. ouvintes de uma determinada cultura musical geralmente concordam a respeito do caráter interna, e as coisas que ela permite que o ouvinte faça com a música é a matéria prima central
emocional de uma peça musical específica, até mesmo sem nunca a terem ouvido (Hevner, da psicologia cognitiva da música.
1936); ao contrário, a teoria do condicionamento prevê diferenças individuais enormes, de A maneira como as pessoas representam a música para si mesmas determina a maneira
acordo com as circunstâncias da audição; como a lembram e a executam. A composição e a improvisação requerem que sejam geradas
2. o caráter emocional de uma peça musical não é unitário e muito menos imutável por natu­ essas representações, e a percepção depende de um ouvinte que as constrói. Estas represen-
tações, e seu processo de criação, não são diretamente observáveis. Temos que inferir sua níveis que examinassem alguns tabuleiros retirados de jogos por apenas cinco segundos, e
existência e natureza observando a maneira como as pessoas ouvem, memorizam, criam e tentassem reproduzir os tabuleiros de memória. Os jogadores mestres conseguiram reproduzir
reagem à música. os tabuleiros quase que perfeitamente; já a atuação dos novatos foi bastante precária. Talvez
Considerando que tais atividades são aprendidas, elas podem ser compreendidas como isso não seja nem um pouco surpreendente. Resultados semelhantes foram obtidos quando foi
comportamentos baseados em habilidades. Muito embora a composição e a execução sejam pedido a músicos e não-músicos que reproduzissem as posições de algumas notas dispostas por
universalmente reconhecidas como habilidades de certa complexidade, é preciso lembrar que alguns instantes em um pentagrama (Halpern ÔcBower, 1982; Sloboda, 1976a). O resultado
certas atividades mais comuns, como a capacidade de assobiar uma melodia conhecida, ou de realmente importante é que a reprodução de tabuleiros ao acaso (que não poderiam ocorrer
detectar uma nota errada’em uma melodia desconhecida, também são habilidades complexas num jogo racional) foi invariavelmente pobre, tanto para os mestres quanto para os novatos.
capazes de lançar luzes sobre a natureza das representações internas da música. O que torna Isso demonstra que os mestres não têm, necessariamente, uma memória visual eidética melhor
especial um compositor ou performer é a sua raridade e não qualquer coisafundamentalmente que os novatos. Eles são superiores apenas quando o material a ser lembrado faz algum sentido,
diferente no que diz respeito a seu equipamento mental. e pode ser agrupado em pedaços’estratégicos (e.g.,a PAWN,a FORK,um cheque-mate).Isso
Para ilustrar este ponto, tomemos dois exemplos musicais contrastantes de habilidade é confirmado pela observação detalhada da maneira como os mestres lidam com uma tarefa
musical para ver como os psicólogos cognitivos os interpretam. O primeiro é o muito citado de reprodução. Eles tendem a lembrar de todas as partes do pedaço’ ao mesmo tempo, com
pausas entre ‘pedaços’diferentes.

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incidente que ocorreu na vida do jovem Mozart quando, tendo sido impedido de ver a partitura
do Miserere de Allegri, ouviu duas execuções na igreja e a escreveu de memória. A principal Para um mestre de xadrez, a representação mental da posição de uma peça no tabuleiro
fonte da autenticidade deste incidente é uma carta do pai de Mozart, datada em 14 de abril não é uma cópia do tabuleiro, e sim uma espécie de descrição abstrata estrutural das relações
de 1770 (Anderson, 1966).Tal façanha, embora não seja única, está muito além da capacidade significativas entre os grupos de peças. Após muitos anos de prática, o enxadrista adquire
da maioria das pessoas, e se tornou uma das muitas lendas sobre os poderes sobre-humanos mecanismos perceptivos automáticos que rapidamente selecionam padrões estratégicos recor­
dos grandes músicos. Ao discutir este exemplo, o psicólogo Farnsworth (1969) sugere que rentes do input. A estimativa é que um mestre precisa reconhecer milhares de padrões desta
a memória ‘eidética’ de Mozart foi responsável por esta capacidade. A memória eidética é maneira.
particularmente vivida, quase alucinatória, um tipo de memória que alegamos estar presente A maior parte dos materiais musicais tem tantos padrões e estruturas quanto uma po­
em algumas crianças. Segundo este ponto de vista, a façanha incomum resulta da posse de sição no tabuleiro de xadrez. Certos estilos musicais particulares têm tantos padrões regulares
poderes mentais também incomuns, uma vez que a maioria das pessoas não possui memória e recorrentes (isto é, acordes, escalas e arpejos), e qualquer pessoa exposta a um estilo poderá
eidética. se familiarizar rapidamente com os tais padrões. A padronização também ocorre em larga
Uma explicação alternativa é que Mozart, por sua experiência, estava mais preparado escala. A maior parte das músicas baseia-se na repetição temática, alguns padrões harmônicos
para fazer algo que todos nós fazemos quando tentamos memorizar matérias complexas; isto são onipresentes, e assim por diante. O mestre pode usar todas estas padronizações quando
é, identificar padrões nessas matérias, de forma a lembrá-los como unidades ou “pedaços”. constrói uma representação mental para uma peça musical qualquer.
É difícil decidir entre estas duas alternativas com relação à memória de Mozart já que não Meu segundo exemplo é um ‘lugar comum’. Quase todas as pessoas são capazes de
podemos mais testá-la. Há, entretanto, evidências contemporâneas que tendem a favorecer a identificar melodias conhecidas, ou de lembrar de alguma quando alguém cita seu título
segunda explicação. A propósito, tem havido recentemente muito interesse nas diferenças entre (como Yankee Doodle, Frére Jacques, God save the Queen). O que torna esta observação
jogadores com diferentes graus de perícia quando se trata de lembrar as posições das peças em particularmente importante no presente contexto é que a altura, a velocidade ou o meio de
jogos de tabuleiro. Chase e Simon (1973) pediram a jogadores de xadrez dos mais diversos produção específicos não são cruciais à identificação, e nenhuma pessoa reproduzirá a melo-
dia, necessariamente, em uma altura já ouvida antes. A propósito, Attneave e Olson (1971) acorde de tônica e nota de passagem) freqüentemente constituem uma forma de extensão da
pediram a diversas pessoas que cantassem a vinheta da NBC a partir de várias notas iniciais capacidade de memória. Um músico pode estar conscientemente buscando estas estruturas,
diferentes. A vinheta vai ao ar diversas vezes ao dia como elemento de identificação daquela o que não implica que elas não estejam disponíveis para os ouvintes não-treinados. Muito
rede nacional de televisão americana, mas sempre na mesma altura. Os sujeitos do experimento pelo contrário, as evidências sugerem que os músicos não-treinados têm um conhecimento
foram capazes de transpor sem muito esforço a vinheta para qualquer tonalidade compatível implícito, que os músicos verbalizam explicitamente. A esse respeito, a música é semelhante
com sua tessitura vocal. Esta é uma das muitas demonstrações de que as pessoas não lembram à linguagem. Pessoas comuns falam suas línguas maternas de acordo com as mesmas regras
de melodias simples com base em alturas e ritmos precisos, mas sim em termos de padrões gramaticais que os lingüistas, embora possam ter destas regras um conhecimento consciente
e relações. A vinheta da NBC permanece identificável desde que as relações entre as alturas bastante limitado.
e as durações das notas sejam constantes. Esta simples demonstração de memória musical já ‘Representação da estrutura musical’é um conceito unificador para vários tópicos trata­
demonstra que a música é uma abstração do estímulo físico. A estrutura seqüencial também dos neste livro; e, neste momento, pode ser útil traçar um pequeno esboço deles e da maneira
influencia os músicos não-treinados. Por exemplo, as músicas que conformam às regras da como serão abordados.
harmonia tonal diatônica são mais facilmente lembradas pelos ouvintes ocidentais do que Um dos principais elementos de qualquer habiÜdade cognitiva é a velocidade. Qualquer
as músicas que desobedecem estas regras. Algumas demonstrações disso são resenhadas no processo, tal como a leitura ou a audição, é inútil se não puder acompanhar o fluxo interno
capítulo 5, que examina os processos envolvidos na audição musical. Eu gostaria de salientar dos novos materiais. Mozart não havia apenas percebido as relações estruturais em uma peça

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aqui a proximidade da analogia aos experimentos sobre as partidas de xadrez. Músicas que não musical memorizada, mas também teve de executar todas as operações mentais necessárias
contêm padrões e estruturas familiares ou conhecidas não podem ser facilmente representadas com suficiente rapidez para seguir acompanhando a música. Uma execução feita com perícia
na memória do ouvinte. também precisa ser rápida e fluente. Isso tem levado os psicólogos a pensar que a execução é
Se os comportamentos dos peritos (experts) e as realizações musicais forem explicados controlada pelos mesmos tipos de estruturas hierárquicas que parecem dar conta da perícia
de maneira análoga, como podemos considerar as diferenças entre os peritos e os novatos? de lidar com o input. Aqui, os procedimentos altamente automatizados captam a configura­
O fator mais importante consiste, possivelmente, no número e na complexidade dos elementos ção correta, enquanto o executante está livre para atentar aos processos de ordem superior.
estruturais em comparação com aqueles que o ouvinte é capaz de representar em música. O A propósito, a pessoa experiente em leitura à primeira vista, quando confrontada com uma
ouvinte ‘comum’ provavelmente tem consciência apenas do plano frontal (‘foreground’) mu­ passagem de uma escala familiar não precisará tomar decisões conscientes sobre quais dedos
sical, notando padrões pequenos compostos por algumas notas adjacentes. Os Mozarts do usar para quais notas. Sua mão automaticamente tomará a configuração certa, enquanto sua
mundo possivelmente têm este nível de representação, porém combinado com processos de atenção poderá estar nos elementos expressivos, ou no preparo mental da próxima frase musical.
agrupamento de ordem superior que formam unidades únicas do plano de fundo Çbackground’) Quando ouvimos a velocidade fenomenal da execução de um virtuose podemos explicá-la, sem
com os grupos de unidades do primeiro plano. O mesmo processo poderia ser repetido nas que isso diminua seu caráter de façanha, lembrando que aquilo que chega aos nossos ouvidos
novas unidades para formar unidades ainda maiores, construindo um esquema hierárquico como 20 notas separadas pode ser, para o executante, uma unidade integrada e automatizada.
que poderia, por sua vez, cobrir uma peça musical com duração de vários minutos. O que torna o resultado impressionante é o número de horas gastas em estudo, necessárias
Uma segunda diferença entre as memórias de músicos treinados e não-treinados pode para o desenvolvimento do grau de automatismo desejado. Ao examinarmos as investigações
estar no grau de consciência que o memorizador tem das estruturas que está utilizando. De psicológicas sobre a performance musical (capítulo 3) encontramos evidências consideráveis
maneira geral, o treino musical envolve a aquisição de um vocabulário específico dos termos que de estruturas abstratas de alto nível governando todos os aspectos de uma performance em
descrevem a estrutura da música. Elementos deste vocabulário (como, por exemplo, cadência, nível de expert.
Passando à criação musical, no caso, à composição ou à improvisação (capítulo 4),percebe­ minha ignorância não permita falar muito a respeito da música de outras culturas, o capítulo
mos que as mesmas noções de representação estruturada e rápido desdobramento das unidades 7 contém uma tentativa de avaliar até que ponto alguns princípios cognitivos, que subjazem
estruturais são úteis na compreensão destas habilidades. A composição bem sucedida apóia-se às habilidades musicais ocidentais, são relevantes para outras formas de música.
na capacidade de ser sensível às grandes estruturas da escala, de modo que o trabalho deta­ Grande parte do pensamento contemporâneo em psicologia cognitiva é funcional, já
lhado possa ser guiado pela concepção de uma estrutura unificadora. Isto se aplica a qualquer que tenta descobrir os princípios estruturais e operacionais que permitiriam a um sistema que
realização criativa grande, tal como escrever um livro. Sem uma concepção unificadora, o autor lida com informações comportar-se da maneira que observamos no comportamento humano.
achará difícil coordenar e formatar as muitas subseções. O sucesso na improvisação também Porém, é preciso termos em mente que estes princípios têm existência defato; em nosso caso,
depende de ‘sacar uma estrutura’, além da habilidade de escolher rapidamente os elementos nas estruturas e funções do cérebro, e que vale a pena descobrirmos o que for possível sobre o
apropriados porém novos para preencherem lacunas em um script básico. Os improvisadores cérebro no que concerne às habilidades examinadas. Estudos resenhados no capítulo 7 revelam
atingem seus melhores resultados quando trabalham dentro de uma forma altamente restrita que, assim como acontece com outras habilidades cognitivas, vários componentes da habili­
(como por exemplo, blues jazzístico e fugas), enquanto que os compositores tendem a ter mais dade musical aparentam ter uma localização específica no cérebro. A organização funcional
sucesso com as inovações nas formas. do cérebro é modular, com partes específicas realizando tarefas específicas.
Considerando que a premissa básica deste livro é que nós aprendemos as estruturas que Comecei este capítulo fazendo referência ao que é, humanamente falando, o fator
usamos para representar música, uma análise do processo de aprendizado em si é central às psicológico mais importante a respeito da música; que ela carrega um significado ou sentido

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nossas preocupações (capítulo 6). Esse processo pode ser visto como um processo de duas fases. emocional para nós. Embora muitos teóricos da música tenham usado esta analogia de uma
A primeira é a enculturação desenvolvimentista, isto é, aquele aprendizado que resulta de nossa forma metafórica e bastante solta, há hoje uma quantidade crescente de teorias e dados que
exposição durante a infância aos produtos musicais comuns de nossa cultura, juntamente com tornam possível uma avaliação mais rigorosa. O capítulo 2 tenta fazer tal avaliação e é possi­
a aquisição de habilidades simples, tais como a habilidade de reproduzir canções curtas. De velmente o mais técnico de todos; seja como for, ele é central ao tema do livro, já que oferece
maneira geral, o conhecimento adquirido nesta fase não resulta de uma aprendizagem ou de uma fonte rica de idéias sobre a natureza das representações cognitivas da música.Estas idéias
um esforço autoconscientes. Ao contrário, as crianças simplesmente adquirem conhecimentos são trabalhadas em outras partes do livro, numa tentativa de compreender as habilidades mu­
através de suas experiências sociais no dia-a-dia. Em conseqüência disso, tal conhecimento sicais específicas. Eu espero, porém, que o leitor consiga ler os outros capítulos em separado,
tende a ser universal em uma determinada cultura, e constitui a base sobre a qual outras ha­ mas também consiga formar uma idéia geral de como a música é representada na mente, e das
bilidades mais especializadas serão construídas. A segunda fase é a aquisição de habilidades razões que tornam a compreensão dessas representações tão central à compreensão de todas
específicas através do treinamento. Estas habilidades não são universais em uma determinada as habilidades discutidas.
cultura; são aquelas que transformam os cidadãos comuns em ‘músicos’. Nosso tratamento da Antes de prosseguir, eu devo dizer alguma coisa acerca do termo ‘psicologia cognitiva’
enculturação pode ser apenas descritivo. Por sua vez, o tratamento das habilidades específicas considerado em si mesmo, e do papel que desempenha neste livro. A psicologia cognitiva é um
deverá ser prescritivo. Os músicos têm algum direito de achar que os psicólogos cognitivos ramo relativamente novo da psicologia. Ela também é uma disciplina em constante transfor­
devem estar particularmente bem qualificados para orientarem professores e alunos a respeito mação, e seria bem difícil dar uma definição de seus objetivos e limites que possa ser aceita de
da aquisição consciente de habilidades. forma generalizada. O surgimento de uma disciplina identificável coincidiu aproximadamente
Considerando que as habilidades musicais são transmitidas culturalmente, segue-se com a publicação da obra seminal Perception and Communication de Broadbent em 1958. Esta
que elas variam significativamente de uma cultura para outra. Muitos estudiosos da psico­ obra marcou o advento de uma mentalidade experimental cuidadosa, que provou ser possível
logia da música falam sobre a música tonal do ocidente como se esta fosse única. Embora a submeter processos como a atenção e o reconhecimento a investigações rigorosas em laboratórios
de pesquisa. Não se exigia que os sujeitos de pesquisa refletissem sobre todos estes processos, Felizmente para o estudante iniciante, estão agora disponíveis muitos livros introdutórios
devendo apenas realizar tarefas a partir das quais seria possível fazer inferências sobre a exatidão sobre o assunto (por exemplo, Anderson, 1980; Solso, 1980), embora estes livros tenham, às
ou a velocidade de execução, e as estruturas internas do sistema que estariam controlando as vezes, a tendência de exagerar quando falam da estabilidade e unidade do campo. Claxton
tais tarefas. Isto ocorreu uns nove anos antes da publicação de Cognitive Psychology (1967) de (1980) nos oferece uma revisão mais cândida e crítica, embora alguns de seus argumentos sejam
Neisser, que forneceu à área seu nome, embora as preocupações dos pesquisadores permaneces­ difíceis para o leitor principiante. Neste livro eu me identifico, ainda que de forma solta, com
sem bastante definidas e de forma bastante restrita, nos anos que separaram estas duas obras. aquilo que percebo ser a corrente principal das pesquisas em psicologia cognitiva delineadas
As pesquisas concentraram nas habilidades de input, incluindo-se o reconhecimento de letras, acima. O foco recai sobre a pesquisa empírica acerca daquilo que as pessoasfazem com a música,
palavras e outros estímulos simples, em ambientes artificiais e simplificados de laboratórios de ao invés daquilo que elas dizem que fazem, e, onde possível, refiro-me aos comportamentos da
pesquisa. As discussões teóricas que envolveram o maior número de pesquisadores centraram-se vida real dos músicos, ao invés dos comportamentos que acontecem nas situações restritivas
em questões de capacidade: quantos itens poderiam ser mantidos na memória de uma só vez? As e artificiais de laboratórios de pesquisa. Tento dar a mesma ênfase às habilidades de output
operações cognitivas anteriores corriam em séries ou de forma paralela? Os anos 1970 viram uma (como a execução) e ao funcionamento cognitivo superior (por exemplo, a composição) e às
expansão da área em diversas direções. Um destes desenvolvimentos foi o crescente interesse em habilidades de input (como a audição). Finalmente, meu critério de seleção dos artigos empí­
processos cognitivos superiores e no controle dos comportamentos complexos, além de um inte­ ricos para fins de descrição é que eles devem ter uma importância teórica ou prática particular.
resse concomitante pela organização do conhecimento e seu impacto nas habilidades cognitivas. Eu não pretendo apresentar aqui uma revisão completa da literatura.

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Houve muitas influências importantes aqui. Uma delas foi um “re-interesse” pelas questões de A psicologia cognitiva da música ainda é uma disciplina bastante jovem e há muitas áreas
resolução de problemas, deixadas de lado desde os anos 1930. A obra Human Problem Solving de de investigação que ainda não receberam uma atenção empírica detalhada. Julguei importante
Newell e Simon (1972) é presumivelmente a contribuição mais importante para esta ramificação identificar algumas destas áreas e dizer algo sobre os tipos de perguntas que precisam ser feitas.
do assunto, e também uma amostra de outra influência importante na psicologia cognitiva - o A esse respeito, o presente livro vislumbra o futuro e não é uma simples afirmação de uma
crescimento da ciência da inteligência artificial. A oportunidade de abarcar teorias em programas posição atual. Eu usei livremente as minhas experiências e intuições de músico atuante para
funcionais de computadores estimulou a preocupação com teorias do funcionamento cognitivo aumentar e complementar os resultados experimentais; a propósito, a seção sobre composição
que são específicas o bastante para predizerem casos reais do comportamento, embora sejam seria praticamente impossível sem elas. Aqui, assim como em outras partes, o meu objetivo
vagas o suficiente para darem conta de uma vasta gama de realizações cognitivas. foi o de estimular a experimentação e o pensamento científicos. Se for provado o contrário de
O segundo maior desenvolvimento dos últimos anos tem sido a tentativa de se estudar algumas idéias deste livro em novas pesquisas, ninguém ficará mais satisfeito do que eu.
as habilidades cognitivas em situações que se pareçam mais com aquelas nas quais as pessoas O último objetivo deste capítulo é colocar este livro no contexto de outros escritos da
se engajam fora do contexto do laboratório de pesquisa. Portanto, o foco tem recaído sobre psicologia da música, e sugerir algumas leituras complementares na área. Alguns aspectos da
a forma como as pessoas lidam com materiais extensos e significativos, ao invés de estímulos psicologia da música fogem às preocupações deste livro. Faço poucas menções ao gosto e às
fragmentados e destituídos de sentido. Este movimento trouxe consigo um grande interesse nos preferências musicais, e o leitor é referido a Farnsworth (1969) para uma introdução a essa
aspectos desenvolvimentistas da cognição e da variação cultural; bem como um compromisso área. Eu não trato das aplicações sociais da música (isto é, da indústria ou da musico terapia).
maior de buscar aplicações práticas para a pesquisa cognitiva. O segundo livro de Neisser, Farnsworth é bastante útil nesse contexto, e Priestley (1975) e Alvin (1975) são duas das muitas
Cognition and Reality de 1976 foi um marco nesta abordagem, e alguns dos primeiros frutos introduções à musicoterapia; há também o Journal of Music Therapy. A pesquisa puramente
de pesquisa nesta linha estão exemplificados em coletâneas como PracticalAspects ofMemory educacional escapa do alcance deste livro. Duas revistas importantes desta área são o Journal
de Gruneberg, Morrí e Syke (1978). of Research in Music Education e Psychology of Music. A psicologia sensorial e a psicoacústica
também não são cobertas em detalhes. 0 Journal of the Acoustical Society of America é uma
fonte importantíssima de pesquisas nessas áreas. Plomp (1977) oferece uma síntese, e Moore
(1982) provê uma introdução à área. As pesquisas em música publicadas nas principais revistas
científicas sobre a percepção tendem a ser assim. Minha última área de exclusão concerne as
abordagens psicométricas da habilidade musical. Shuter-Dyson e Gabriel (1981) oferecem
uma revisão útil das pesquisas que seguem essa tradição.
Coletâneas de artigos organizadas por Critchley e Henson (1977), Clynes (1982) e
Deutsch (1982a) são fontes úteis. Um livro recente escrito por Davies (1978) aproxima-se da
orientação deste livro, muito embora a sua ênfase, bem como aquela da nova revista científica
Music Perception, recaia sobre os processos envolvidos na audição. Finalmente, a revista cien­
tífica Psychomusicology foi fundada recentemente com normas editoriais que coincidem com
os objetivos deste livro. Seu nome, embora, novo e desajeitado, é talvez a melhor descrição em
um único termo do assunto explorado por este livro. 6 Sl<

<
Introdução

^ I I ste capítulo começa examinando dois teóricos influentes: o lingüista


I Chomsky e o musicólogo Schenker. Ambos argumentam, em suas respec-
' ---- tivas áreas de estudo, que o comportamento humano deve ser sustentado pela
capacidade de formar representações abstratas subjacentes. Dois dos produtos humanos mais
altos e complexos parecem apresentar algo central acerca de seu intelecto.

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Chomsky e Schenker tiveram seus principais insights ao examinarem a estrutura da
linguagem e da música ao invés de examinarem os comportamentos lingüísticos e musicais.
Trabalhos empíricos recentes demonstraram que a música e a linguagem compartilham não só
elementos comportamentais como também formais, e, portanto, o capítulo orienta-se para a
revisão desses estudos. A maior parte do capítulo está organizada em torno de uma subdivisão
da linguagem e da música em três componentes: fonologia, sintaxe e semântica. A fonologia
refere-se à maneira como uma variedade potencialmente infinita de sons é recortada’em um
número finito de categorias sonoras discretas, que constituem as unidades comunicativas bá­
sicas. A sintaxe concerne à maneira como essas unidades são combinadas em seqüências. Uma
preocupação central dos estudiosos da sintaxe tem sido a descoberta de regras que permitem
gerar, de forma confiável, seqüências autorizadas pelo sistema e eliminam as não autorizadas.
A semântica preocupa-se com a maneira como as seqüências construídas veiculam sentido.
Combinações particulares e fixas de unidades fonológicas podem ter significados fixos, mas é
característica tanto da linguagem quanto da música que o significado também seja veiculado
pela ordenação e combinação dos elementos em seqüências mais longas.
A preocupação deste capítulo não é apenas descrever regras e categorias lingüísticas
e musicais, mas também examinar o grau em que as evidências psicológicas confirmam sua
realidade. O lingüista busca a maneira mais clara e econômica de descrever a estrutura da
linguagem. O psicolingüista busca a descrição que mais se aproxima dos processos psicológicos composições musicais têm o mesmo tipo de estrutura, e que essa estrutura nos revela algo a
através dos quais a linguagem é produzida e compreendida. Assim tem que ser também para respeito da natureza da intuição musical. Não há indícios de que Chomsky conhecesse o tra­
o psicomusicólogo. balho de Schenker na época em que formulou suas teorias sobre a linguagem. Aparentemente,
as maneiras similares de ver a linguagem e a música surgiram de forma bastante independente
C hom sky e S c h en k er em dois intelectos criativos fortemente imersos em suas áreas de conhecimento.
Minha opinião é que a analogia com a lingüística merece séria atenção em música;
A psicologia cognitiva da linguagem praticamente deve a sua própria existência ao lin- ainda que eu ache oportuno fazer três comentários a título de ressalva. Em primeiro lugar,
güista Noam Chomsky. A maneira radical como tratou do problema de descrever a estrutura seria tolo afirmar que a música é simplesmente uma outra linguagem natural. Há muitas
da linguagem (Chomsky, 1957,1865,1968) foi o principal impulso à formação da disciplina diferenças fundamentais que não podem ser ignoradas, sendo a mais óbvia o fato de que nós
da psicolingüística, e o impacto de seu trabalho ainda repercute nos laboratórios de psicologia usamos a linguagem para fazer afirmações ou perguntas sobre o mundo real e os objetos e
ao redor do mundo. Como sempre acontece com os pensadores seminais, seu trabalho tem relações que há nele. Se a música tem qualquer tipo de conteúdo, este certamente não pode ser
atraído tanta oposição quanto apoio, mas cabe duvidar que haja abordagens atuais da lingua­ o mesmo que o da linguagem comum. Em segundo lugar, esta analogia pode ser claramente
gem que não devem nada a ele. explorada de maneiras metafóricas e poéticas, e contra isso os cientistas têm boas razões para
Um dos principais postulados de Chomsky tem sido que, num nível profundo, todas acautelar-se (a música é a linguagem das emoções’). Contudo, isto não exclui a possibilidade

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as línguas têm a mesma estrutura, e que essa estrutura nos diz algo universal a respeito do de existir um uso mais rigoroso da analogia. De fato, faz sentido defender que as analogias
intelecto humano. Muitos autores que escreveram sobre música têm sido atraídos pela idéia científicas mais produtivas são aquelas que incendeiam a imaginação tanto quanto alimentam
de que há universais na música; talvez exista algo particularmente natural a respeito da to­ os empreendimentos empíricos e teóricos. Em terceiro lugar, saber até onde se pode ir com a
nalidade. É possível que as teses de Chomsky encontrem uma confirmação independente na analogia é uma questão em aberto, e sua aplicação está sujeita à ponderação das evidências e
música? Alguns autores parecem pensar que sim. Por exemplo, Leonard Bernstein comemorou de argumentos empíricos que caracterizam qualquer empreendimento científico. Em outras
recentemente a sua descoberta da conexão Chomsky’ com a exuberância que lhe é própria palavras, a analogia é algo a ser avaliado, não pressuposto.
(Bernstein, 1976). Sundberg e Lindblom (1976) escreveram uma gramática chomskyiana’para Quais são, então, as principais semelhanças entre Chomsky e Schenker? Provavelmente,
um conjunto de canções folclóricas suecas, e alguns pesquisadores da inteligência artificial a semelhança mais fundamental refere-se à distinção entre estruturas de superfície e estruturas
desenvolveram programas para segmentar música que compartilha propriedades formais com profundas. A estrutura de superfície é, grosso modo, a forma extraída de uma seqüência lingüística
programas para a linguagem. Contudo, em sua grande maioria, os psicólogos que investigam (ou musical) tal como ela foi enunciada (ou escrita). As duas sentenças inglesas John phoned
a música não se animaram muito a seguir estes caminhos, preferindo tratar a música como up Mary e John phoned Mary up têm estruturas de superfície diferentes, assim como as duas
um fenômeno totalmente independente. frases musicais do exemplo 2.1. Apesar disso, em ambos os casos, nós gostaríamos de dizer
É claro que há boas razões científicas que justificam abordar o estudo da música sem que há uma semelhança particular entre as duas frases, que não é simplesmente conseqüência
muitas pressuposições, mas minha própria atitude diante dessa questão tem sido profunda­ de ambas conterem os mesmos elementos em diferentes ordens (isto é, a semelhança não
mente afetada pelos escritos do musicólogo alemão Heinrich Schenker (1868-1935), que vêm seria compartilhada por PhonedJohn Mary). No exemplo lingüístico nós desejaríamos dizer,
ganhando influência no pensamento analítico contemporâneo (Schenker, 1935). Há alguns no mínimo, que as duas sentenças significam a mesma coisa. Chomsky propôs que nós pode­
paralelos surpreendentes entre os enfoques de Schenker acerca da música e de Chomsky sobre riamos captar a semelhança de tais frases no contexto da gramática, se atribuíssemos a ambas
a linguagem. Por exemplo, Schenker gostaria de afirmar que, num nível profundo, todas as boas uma mesma estrutura profunda. Essa estrutura profunda não é, em si mesma uma sentença;
é uma entidade abstrata, da qual ambas as estruturas de superfície podem ser derivadas pela
aplicação das regras de transformação. algumas transformações obrigatórias que precisam ser realizadas (nesse exemplo a flexão do
verbo, para indicar tempo). Outras transformações são optativas, tais como o deslocamento de
‘up’para depois do sintagma nominal dependente de VP. Estas transformações geram várias
estruturas de superfície diferentes que uma única estrutura profunda pode representar.
21

Para representar a estrutura profunda de uma frase é útil usar uma notação em forma
de árvore representando constituintes imediatos, como a que aparece nas Fig. 2.1-2.3. Cada
árvore tem um único nó em seu topo; S é usado para sentença. Este nó pode ser decomposto
em dois ou mais nódulos no próximo nível mais baixo. As regras que regem a decomposição
dos nódulos são chamadas regras gerativas (ou de reescritura) da gramática. Uma regra gerativa P art
permite reescrever S como NP +VP (.noun phrase + verbphrase). Outras regras permitem outras I '
Aux
i\
Vpart NP
i
formas de reescrever (por exemplo, VP passa para V + NP, isto é, verbo + noun phrase). No The girl hit the bali John phoned Mary up John (tense) phone up Mary

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nível mais baixo, podem ser especificadas palavras individuais. Para muitas sentenças simples, Figura 2 .1 ; 2.2; 2.3 - Exemplos de árvores de constituintes para sentenças em inglês. Siglas: S = sentença, N P = noun phrase, V P

uma análise das estruturas de constituintes com estas características fornece uma descrição = verb phrase, T = artigo, N = substantivo, V = verbo.

satisfatória de sua estrutura porque as palavras ligadas por um único nó estão próximas umas
das outras. A relação gramatical é sinalizada pela adjacência na seqüência. Na figura 2.1, The Voltemos nossa atenção agora para as seqüências musicais do exemplo 2.1: a análise
tem uma relação gramatical mais próxima com girl do que qualquer outra palavra na sentença. Schenkeriana dificilmente seria aplicada a exemplos tão triviais; mas podemos notar aqui
Portanto, The girl poderia ser substituído por uma única palavra para formar uma nova frase alguns paralelos interessantes em relação aos exemplos lingüísticos. Schenker atribuiria a
com sentido. Ou seja, The girl poderia ser substituído por Mary e, hit the bali por sang; mas ambos os excertos a mesma estrutura profunda {Ursatz). Essa estrutura profunda tem sempre
girl hit the não pode ser substituído desta maneira. dois componentes: uma linha melódica fundamental (Urlinie) que, neste caso, é a progressão
Entretanto, há muitas sentenças nas quais uma análise da estrutura em constituintes 3-2-1 na escala de lá maior, e uma arpejação mais grave (Bassbrechung) que, neste caso, é a
imediatos não capta nossas intuições a respeito das relações gramaticais das palavras. Na Fig. progressão I-V-I na mesma tonalidade. Em cada excerto, o dó melódico não recebe nenhuma
2.2, vemos que a árvore de constituintes liga up e Mary, mas é possível perceber que up está, representação explícita na estrutura profunda, mas constitui uma interpolação entre as notas
de fato, mais relacionado a phoned. E sobretudo, podemos introduzir seqüências mais longas da Urlinie que resulta em expansão ou prolongamento do material. Porém, uma prolongação
entre phoned e up sem destruir essa relação. Assim, John phoned the brown eyedgirl he metfor maior ou menor, desde que apropriada, não destrói a integridade da Ursatz ou a interdepen­
thefirst timeyesterday up é uma sentença aceitável. A solução de Chomsky para este problema dência fundamental de seus elementos. O exemplo 2.2 possui precisamente a mesma estrutura
consiste em propor que a estrutura profunda seja uma árvore na qual as palavras que têm uma profunda de ambas as seqüências do exemplo 2.1. As notas com asterisco mostram a Ursatz.
relação gramatical próxima estão subordinadas a um mesmo nó. Portanto,John phoned upMary A relação do si melódico ao dó precedente não é enfraquecida pelas notas interpostas, assim
tjohn phoned Mary up recebem a mesma estrutura profunda, que aparece na Fig. 2.3. Note-se como a relação de phoned para up não é enfraquecida pelas palavras interpostas.
que os símbolos na linha mais baixa (a ‘seqüência terminal’) não constituem uma sentença. Há

L
* * Em terceiro lugar, a diferenciação entre as peças musicais é atingida no nível estrutural
Ç i i 1
___dLii____ i _____
Jw J| .| 1
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i ^\ 7 \I *f \ ---------------------------n
*
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de superfície e não no nível da estrutura profunda. De acordo com Schenker há muito poucas
. 1 1 1 ___ H____________
variedades de Ursatz. Se a Ursatz determinasse o significado da música, então haveria muito
* * “
Exemplo 2.2
*
pouco a ser dito pelos compositores. Muito do ‘significado’ de qualquer peça musical advém
dos detalhes de superfície. Não é assim na linguagem. O significado de uma sentença, no
A fonte da Ursatz (o nó mais alto em uma hipotética árvore de constituintes) é o acorde discurso corrente, repousa quase por completo em sua estrutura profunda. Há um número
da tríade da tônica. Porém, é preciso admitir que nem Schenker, nem seus seguidores produ­ indefinido de estruturas profundas, que correspondem a todas as diferentes proposições que
ziram qualquer coisa parecida com uma gramática gerativa para derivar as Ursatze das tríades, podem ser expressas em uma determinada língua. As transformações destas estruturas pro­
ou ainda para transformar uma Ursatz em uma composição aceitável através da prolongação. fundas frequentemente reduzem a diferenciação porque, por exemplo, diferentes estruturas
O que eles mostraram é que as Ursatze podem ser descobertas em uma grande quantidade de profundas podem ser transformadas em estruturas de superfície idênticas - como em Bill shot
composições tonais. Um objetivo da lingüística moderna é produzir uma série de regras gerativas the man with a gun. Esta sentença é ambígua: uma estrutura profunda possível representaria
e transformacionais que gerem todas e apenas as sentenças aceitáveis de uma língua como o Bill atirando com uma arma; na outra quem teria a arma seria o homem.
inglês. Analogamente, os Schenkerianos poderiam afirmar que todas as boas composições são A demonstração de que eventos relativamente distantes podem ter uma relação estrutural
construídas com base em Ursatze, eles não teriam a pretensão de possuir as regras que gerariam próxima tanto nas seqüências lingüísticas quanto nas musicais tem duas grandes conseqü-

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apenas boa música. O método de Schenker é essencialmente analítico e não gerativo. ências. A primeira é a de que quaisquer gramáticas que pretendam se dizer adequadas para
Há três diferenças significativas entre as estruturas Chomskianas e Schenkerianas que a linguagem e para a música precisam ser mais poderosas do que as gramáticas de ‘estados
precisamos salientar, antes de prosseguirmos. Em primeiro lugar, ainda que trivial, a Ursatz é, finitos’. Chomsky (1957) apresentou a demonstração clássica de que este tipo de gramática
em si mesmo, uma peça musical permitida pelo sistema. Ele obedece às regras do contraponto é inadequada para a língua natural. Nessas gramáticas, as palavras são geradas uma por vez, e
e da harmonia, assim como acontece com os elementos de ‘superfície’. A análise Schenkeriana cada palavra determina o conjunto a partir do qual a próxima palavra poderá ser escolhida. As
constrói-se por ‘redução’progressiva de uma composição acabada, eliminando prolongamen­ regras são, portanto,‘independentes do contexto’. Não importa em qual contexto uma palavra é
tos subsidiários de modo a revelar um ‘esqueleto’ harmônico e contrapontístico. Através dos encontrada; é permitido exatamente o mesmo conjunto de palavras consecutivas em cada caso.
mesmos métodos, este esqueleto é novamente reduzido até que seja revelada a estrutura mais Em uma gramática de estado finito, por exemplo, a palavra washes precisa permitir que venham
simples e mais fundamental de todas. Em contraste, como já notamos, as estruturas profundas em seguida tanto himselfquanto herself, já que the boy washes himselfe thegirl washes herselfsão
de Chomsky não são, enquanto tais, sentenças aceitáveis. frases igualmente corretas na língua inglesa. Contudo, tal gramática poderia permitir sentenças
Em segundo lugar, as transformações aplicadas a uma Ursatz resultam em prolongar como the boy washes herself, que é inaceitável. Para refinarmos uma gramática de estado finito
e tornar mais complexa a música. Movimentos muito longos que contêm centenas de notas nós precisamos introduzir regras que sejam ‘sensíveis ao contexto’, considerando mais do que
podem ser subordinados a uma única Ursatz. A demonstração disso foi uma das maiores con­ a palavra que precede imediatamente. O mesmo argumento se aplica por analogia à música.
quistas de Schenker. Ao contrário, as estruturas profundas chomskyanas governam apenas as A segunda conseqüência é mais diretamente psicológica. Se a música e a linguagem
sentenças unitárias, que são tipicamente curtas, e o efeito comum de aplicar transformações têm propriedades que demandam gramáticas de uma certa complexidade, então os seres
é a condensação ao invés da expansão. Por exemplo, a sentença John likes Mary andJohn likes humanos devem possuir recursos psicológicos que permitam representar essas gramáticas.
Jane espelha a estrutura profunda que normalmente seria transformada e abreviada em Johns Esta afirmação quase não é controversa hoje em dia, mas é incompatível com o behaviorismo
likes Mary andJane. radical de Skinner (1957) e de outros que dominavam muitas áreas da psicologia na época
dos primeiros trabalhos de Chomsky. A proposta básica desses teóricos era que as seqüências O u t r a s c o m p a r a ç õ e s e n t r e a l in g u a g e m e a m ú s ic a
comportamentais surgem por efeito de cadeias causais simples nas quais uma resposta é acio­
nada imediatamente após a apresentação de um estímulo (que, no caso do comportamento Muito embora o paralelo Chomsky-Schenker pareça constituir um dos maiores elos entre
verbal podería ser o feedback (retorno) interno a partir da palavra precedentemente enun­ a linguagem e a música, ele não é, obviamente, o único. Antes de resenhar detalhadamente
ciada). Hoje, a argumentação clássica de Lashley (1951) em favor de modelos hierárquicos algumas pesquisas, eu gostaria de listar e comentar algumas das principais semelhanças entre
para os comportamentos seqüenciais, nos quais é crucial o mapeamento da seqüência inteira a linguagem e a música.
na mente antes que qualquer comportamento seja iniciado, constitui a base da teoria padrão (a) Tanto a linguagem quanto a música são características da espécie humana que aparentam
(a esse respeito veja Martin, 1972; Shaffer, 1976). Um falante é capaz de produzir sentenças ser universais para todos os seres humanos e específicas dos seres humanos. Dizer que a
gramaticais precisamente porque é capaz de representar cada sentença como uma estrutura linguagem e a música são universais é dizer que os humanos têm uma capacidade geral de
unificada na qual as partes mantêm entre si relações dos tipos que são exemplificadas nas ár­ adquirir competências lingüísticas e musicais. É claro que podem existir razões especiais
vores que representam a estrutura profunda. Do mesmo modo, como argumentaria Schenker, pelas quais alguns indivíduos em particular não adquirem estas competências (por exemplo,
um compositor é capaz de produzir uma obra-prima precisamente porque tem uma intuição lesões cerebrais ou carência de experiências apropriadas). A afirmação de que a linguagem
da Ursatz subjacente, que guia e unifica o processo de geração de notas individuais. é específica dos seres humanos tem sido tema de controvérsias em psicologia. Claramente,
À medida que este capítulo for progredindo, eu retornarei, em diversas ocasiões, a não há nenhuma outra espécie cuja comunicação natural comporte todas as características

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Chomsky e Schenker. Porém, eu não poderei fazer uma análise detalhada nem uma crítica, da linguagem humana, mas algumas tentativas de ensinar aos chimpanzés uma versão
nem da gramática transformacional nem da análise Schenkeriana. Para fazer isso, seriam modificada da linguagem humana (Gardner e Gardner, 1969) tiveram um sucesso sufi­
necessárias longas incursões tanto em lingüística como em musicologia. Para uma introdução ciente para justificar longos debates na literatura psicológica. Em última análise, a maioria
útil ao trabalho de Chomsky, o leitor deve se referir a Lyons (1970) e Greene (1972); Fodor, dos psicólogos concluiría que tais estudos, ao mesmo tempo que nos obrigam a repensar
Bever & Garret (1974) apresentam avaliações psicológicas da gramática transformacional. nossas idéias sobre as capacidades mentais dos chimpanzés, não questionam a hipótese
Uma crítica à lingüística Chomskyana pode ser encontrada em Robinson (1975). da especificidade de maneira convincente. Embora alguns chimpanzés tenham aprendido
Uma dificuldade em abordar o trabalho de Schenker é que ainda faltam boas traduções vocabulários modestos de palavras em linguagem de sinais, eles as utilizam e combinam de
para o inglês de seus escritos. Salzer (1952) e Forte (1962) são os principais musicólogos de maneiras que não vão muito além das capacidades de uma criança de 2 anos de idade em
língua inglesa que usam os conceitos de Schenker. Yeston (1977) apresentou uma coletânea desenvolvimento típico, sem falar que o esforço humano necessário para produzir e manter
de artigos sobre Schenker, e uma abordagem crítica recente é proporcionada por Narmour tal comportamento é prodigioso.
(1977). E importante enfatizar que o trabalho de Schenker não ocupa a mesma posição central A hipótese da especificidade para a música não esteve sujeita ao mesmo grau de avaliação
no pensamento musicológico que o trabalho de Chomsky ocupa na lingüística. Schenker não psicológica que foi dedicado à linguagem. Porém, está claro que as funções da música para o
apresentou suas idéias com a mesma precisão formal de Chomsky, e sua aplicação a qualquer homem não encontram paralelo no mundo animal; muitos dos comportamentos sonoros mais
composição musical que não se enquadra nas correntes majoritárias da música clássica tradi­ altamente padronizados (como, por exemplo, o canto dos pássaros) são sinais intra-específicos
cional é problemática. relativamente rígidos de demarcação de território, agressividade, alerta, etc. No capítulo 7, eu
discutirei se os primatas não-humanos apresentam capacidades que poderiam explicar a ori­
gem da música humana. Certamente, nenhum esforço científico sério foi feito no sentido de
explorar tais capacidades. No momento, uma citação extraída de Williams (1980) é suficiente
como amostra da conclusão normalmente aceita acerca da música não-humana. ‘Na vocalização gramatical é mais explicitada na forma escrita do que na forma falada. Por exemplo, a
dos primatas nós não encontramos os elementos, nem mesmo o começo, dos cantos e rituais ortografia do inglês assinala cada palavra com um espaço em branco, e cada segmento
de dança dos homens primitivos’. maior recebe uma marca de pontuação; ao passo que, na fala, as palavras e orações seguem
(b) Tanto a linguagem quanto a música são capazes de gerar um número ilimitado de se- juntas, sem nenhuma marca explícita. Na notação musical tradicional, a tonalidade, a fór­
qüências novas. As pessoas podem produzir sentenças que nunca ouviram antes, e os mula de compasso, o fraseado e outras informações estruturais são assinaladas de forma
compositores podem escrever melodias que ninguém jamais produziu. As ‘linguagens’ explícita por elementos da notação; enquanto que, no modo auditivo, o ouvinte precisa
animais, ao contrário, geralmente contêm um conjunto finito (e restrito) de enunciações freqüentemente extrair tudo isso da própria seqüência de notas (ver este capítulo, seção
que esgotam o repertório comunicativo. 5 e capítulo 5).
(c) As crianças parecem possuir uma habilidade natural de aprender as regras da linguagem
e da música através da exposição a exemplos das mesmas. A fala e o canto espontâneos Embora o letramento seja difícil de adquirir, sua aquisição pode alterar o funcionamento
aparecem mais ou menos na mesma idade (entre o primeiro e o segundo anos de vida). O cognitivo de maneira profunda. Atividades tais como uma memorização exata de longos trechos,
desenvolvimento da linguagem passa por formas intermediárias, até modelar a gramática ou a composição extensa, seriam impossíveis sem ele. No capítulo 7, eu devo explorar algumas
do adulto, por volta dos cinco anos de idade. Os estudos revisados no capítulo 6 mostram das características que distinguem as atividades musicais letradas das não-letradas.
que há uma progressão análoga em música. (f) As habilidades receptivas precedem as habilidades produtivas no desenvolvimento in­

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(d) O meio natural de transmissão, tanto da linguagem quanto da música é auditivo-vocal. fantil. As crianças podem compreender as sentenças em que se usam certas construções
Isto é, tanto a linguagem quanto a música são recebidas principalmente como seqüências muito antes de poderem inventar sentenças usando as mesmas construções. Na música, as
de sons e são produzidas como seqüências de movimentos vocais que criam sons. Portanto, crianças são capazes de responder aos recursos musicais muito antes de poderem usá-los
muitos mecanismos neurais usados para a análise do input e para a produção do output na criação de suas próprias músicas. Muito embora elas possam ser capazes de aprender
precisam ser comuns. A mais universal de todas as formas musicais é a canção, na qual a reproduzir seqüências musicais específicas, e possam desenvolver capacidades auditivas
palavras e música estão intimamente ligadas. analíticas complexas, as crianças podem ser totalmente incapazes de produzir seqüências
(e) Embora o modo auditivo-vocal seja o primário, muitas culturas desenvolveram maneiras de musicais novas de estilo e complexidade comparáveis aos das seqüências com que são
escrever música. Nestes sistemas de notação, quem escreve expressa a seqüência que deseja competentes para lidar como receptores. Então, por exemplo, um ouvinte pode ter um
comunicar como um conjunto de símbolos escritos, e o receptor recupera a mensagem conhecimento aprofundado das sinfonias de Mozart, evidenciado por sua habilidade de
decodificando símbolos visuais. Embora a maioria das pessoas adquira a habilidade de lembrá-las, descrevê-las e classificá-las, mas pode ser totalmente incapaz de gerar um
entender e de usar a linguagem falada sem nenhum treino específico, a leitura e a escrita tema, e menos ainda uma obra completa que seja original, porém ‘Mozarteana’.
geralmente têm que ser ensinadas depois que a pessoa se torna um usuário competente da (g) As formas adotadas pela linguagem natural e pela música natural diferem entre as culturas,
língua falada. Muitas culturas não possuem um sistema de notação para sua língua e sua mas existem elementos universais que restringem essas formas. O fato de que há formas
música, e muitos indivíduos pertencentes a culturas escritas encontram dificuldades para diferentes tem como conseqüência que pessoas familiarizadas com uma forma particular
tornarem-se letrados. O analfabetismo é reconhecido como um problema social enorme são freqüentemente incapazes de lidar de maneira apropriada com outras formas. Por­
em quase todas as culturas letradas, e a inabilidade de ler à primeira vista atormenta um tanto, um falante nativo de inglês é incapaz de compreender chinês. Do mesmo modo,
número grande deperformers (veja o capítulo 3). A inabilidade de lidar com a notação é alguém cuja cultura musical consistiu em rimas e parlendas inglesas possivelmente não
ainda maior quando, como acontece no caso das notações ocidentais padrão, a estrutura compreenderá o canto tibetano. Tanto na linguagem como na música, há graus variáveis
de diferença formal. Como exemplo, o eslovaco falado é bastante semelhante ao polonês, humanos não-lingüísticos quanto pré-lingüísticos. Há qualquer forma de atividade mental
então o falante nativo de polonês terá algum sucesso para compreender o falante eslovaco. que poderia ocorrer numa mente que não tenha conhecimentos musicais, e que poderia, de
Da mesma forma, Mozart tem mais em comum com as rimas e parlendas do que com o alguma maneira, ser expresso por uma seqüência musical? Tal atividade seria, precisamente, tal
canto tibetano, então alguém familiarizado com rimas e parlendas terá um sucesso, ainda que encontrasse expressão musical em formas tão naturais e diversas como o canto tibetano ou
que parcial, na compreensão de Mozart. As diferenças formais surgem porque há um as rimas e parlendas. Uma sugestão é que o substrato mental da música é algo como o subs­
certo grau de arbitrariedade na precisão dos sons usados para realizar formas linguísticas trato de certos tipos de estória. Nestas estórias, é especificado um ponto inicial de equilíbrio
e musicais. Na linguagem, qualquer conjunto pronunciável de sons funcionará como uma ou repouso. Em seguida, é introduzida alguma perturbação da situação, produzindo vários
palavra, desde que os usuários conheçam a sua função. Similarmente, há muitas maneiras problemas e tensões que precisam ser resolvidos. A estória termina com a volta ao equilíbrio. A
de sinalizar a dependência gramatical, que vão da ordem das palavras à flexão. representação subjacente para a música poderia ser vista como um projeto muito abstrato para
Considerando a diversidade nas formas lingüísticas e musicais, inicialmente parece estórias desse tipo, em que aparecem apenas os elementos que todas elas têm em comum. O
enigmático que alguém possa sustentar a existência de elementos universais. Uma forma de aprendizado de uma linguagem musical poderia então ser entendido como a aquisição de uma
argumentar a favor da existência dos universais lingüísticos é a seguinte: o papel da linguagem maneira de representar estes elementos através do som. Por isso, talvez devéssemos examinar
é expressar o pensamento. A forma do pensamento humano é inata e comum a todos os seres com mais atenção a Ursatz de Schenker, buscando insights a respeito da possível natureza dos
humanos. A estrutura profunda de uma enunciação está fortemente relacionada ao pensamento universais; já que, enquanto estrutura profunda, é provável que tenha uma grande semelhança

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que representa (não precisamos nos perguntar aqui se ela é ou não idêntica ao pensamento). com a representação do pensamento subjacente da música.
Para poder representar um pensamento de maneira fiel, a estrutura profunda sujeita-se a certas A Ursatz deriva de uma tríade da tônica. A tríade da tônica é uma estrutura musical fun­
restrições. Em outras palavras, uma vez que todos os pensamentos pré-lingüísticos humanos damental construída sobre a série harmônica natural. Deixando de lado as oitavas, que podem
têm o mesmo tipo de forma, todas as estruturas profundas lingüísticas que os representam ser consideradas harmonicamente equivalentes, a tríade é o acorde que resulta de combinar
devem ter um mesmo tipo de forma. Para transformar uma estrutura profunda em sentença, os três harmônicos inferiores distintos de uma nota (o segundo, o terceiro e quinto harmô­
o falante precisa transformá-la em uma seqüência linear de sons que oferece as informações nicos). Se a nota fundamental é dó, então estes harmônicos são dó, sol e mi, respectivamente
necessárias ao leitor. Estas transformações estão sujeitas, portanto, a dois tipos de restrições: as (o quarto harmônico é um outro dó). Para Schenker, a tríade da tônica representa o grande
que resultam da natureza do aparelho fonador humano (que determina a aparência superficial ponto de repouso em música, o ponto de onde ela parte e para o qual ela retorna. A tríade da
geral de uma enunciação); e as da estrutura profunda que elas precisam levar até a superfície. tônica tem esta função precisamente porque está presente em muitos sons periódicos naturais
Esta argumentação se baseia em questões complexas da filosofia, lingüística e da psicologia (Klang in die Natur). Quando um meio elástico de qualquer tipo é colocado em movimento
cognitiva. Por exemplo, se a linguagem expressa proposições, isto significa que o pensamen­ periódico, ele produz ondas sonoras correspondentes ao dobro, triplo, quádruplo, da freqüência
to humano é proposicional? Em caso afirmativo, qual o papel da imagética no pensamento de vibração mais grave (fundamental), e assim por diante (Jeans, 1937 para uma introdução
(Pylyshyn, 1973; Kosslyn & Pomerantz, 1977)? Ao invés de discutir estas questões, nosso à física dos sons relacionada à música). Estes sons constituem a série harmônica, embora os
objetivo aqui é o de ver que aspecto teria uma argumentação semelhante, aplicada à música. harmônicos superiores sejam geralmente mais ‘fracos’ se comparados ao fundamental e aos
A primeira pergunta que precisamos fazer é se existe qualquer entidade que tenha a harmônicos inferiores. A tríade da tônica é ‘natural’ num sentido bastante real porque está
mesma relação com uma seqüência musical que o pensamento tem com a seqüência lingüística. presente de maneira audível na maioria dos sons naturais.
Um pensamento não é, por si, uma seqüência lingüística pela argumentação que acabamos
de esboçar. Ele existe independentemente da linguagem e pode ser abrigado tanto por seres
devem apresentar caráter discreto ou descontínuo, seja no nível do ‘episódio’ou da ‘nota’. No
mínimo, a música precisa conter dois aspectos discretos do evento sonoro que iniciem ‘em
unidade’ um com o outro, que passem a um estado de ‘desunidade’ e que depois retornem à
Exemplo 2.3: Uma Ursatz - a estrutura schenkeriana fundamental unidade.
Em segundo lugar, deve haver dimensões sonoras, nas quais a distância possa ser medida.
Se examinarmos uma Ursatz como o que vem no exemplo 2.3, perceberemos que todas Os elementos que induzem à tensão devem estar mais distantes dos elementos iniciais ao longo
as suas notas estão contidas na tríade da tônica (no caso, de sol maior), exceto a nota do meio de uma destas dimensões do que dos elementos finais. Fica claro então que o tempo linear não
da linha superior (a Urlinie). No centro da Urlinie nós encontramos então um ponto que é de pode constituir tal dimensão porque os elementos intermediários indutores da tensão estarão
distanciamento em relação a uma posição de repouso que é estabelecida em ambas as extre­ sempre mais próximos ao início da música do que os elementos terminais, de resolução.
midades da Ursatz. Tensão e discordância já foram introduzidas, mas é uma tensão motivada. Em terceiro lugar, os sons precisam poder ser classificados em uma segunda dimensão,
Pode-se argumentar que em uma boa estória, nem as tensões, nem suas resoluções são arbitrá­ independente do som, representando distância. Isto acontece para que a tensão motivada possa
rias. Achamos insatisfatório quando o autor introduz algum deus ex machina para tirar o herói ser introduzida. Como se viu, a tensão motivada é atingida quando um elemento é discrepante
de uma situação aparentemente impossível. Nós preferimos quando o cerne da solução está de em uma determinada dimensão (por exemplo, a harmonia), mas coincidente em outra (por
alguma maneira implícito nos fatos ocorridos anteriormente. Por exemplo, quando os planos exemplo, a escala), de modo a exibir ambigüidade. O sistema tonal pode ser visto como uma

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diabólicos do vilão contêm a semente de sua própria autodestruição; a dinâmica interna de uma solução particularmente satisfatória para o problema de representação que é coerente com
relação leva os parceiros à beira de um desastre e também proporciona os recursos definitivos estas exigências. Dentro do sistema tonal há duas maneiras de representar a proximidade de
para evitá-lo; e assim por diante. Da mesma maneira, a Ursatz satisfaz porque não é apenas duas notas com altura definida. Uma delas é escalar: as notas estão próximas se suas alturas
qualquer nota (digamos, a nota fá) que introduz a tensão. Neste caso em particular, é um lá que estão tão perto umas das outras quanto a escala o permite. A outra é harmônica: as notas
tem duas funções pivô importantes. Em primeiro lugar, ela cria uma progressão linear na Urlinie, estão próximas quando a razão de suas alturas é a mesma que se estabelece entre os harmô­
B-A-G. Esta linha tem a sua própria lógica ou padrão (duas descidas lineares consecutivas de nicos inferiores na série harmônica. Portanto, uma determinada nota pode estar próxima de
um tom) de modo que, em certo sentido, a nota lá se torna conseqüência inevitável de passar uma outra na dimensão escalar e, estar ao mesmo tempo distante na dimensão harmônica, e
do si ao sol. Em segundo lugar, ela cria, em conjunto com a nota do acompanhamento do baixo, vice-versa. Uma possível explicação para o sucesso do sistema tonal é que suas dimensões de
os elementos de uma nova tríade baseada em ré (o lá é o terceiro harmônico de ré). O elemento proximidade são fáceis de serem trabalhadas. Retomaremos esta questão em maiores detalhes
que induz a tensão opera, portanto, buscando estabelecer uma tríade ‘rival’. No acorde final da no capítulo 7.
Ursatz, nós assistimos à ‘derrota deste sistema rival. Vamos então admitir a hipótese de que (h) É comum considerar a linguagem humana como composta de três componentes: a fo-
um elemento universal profundo’e apropriado do pensamento musical deve ser resumido nas nologia - uma maneira de caracterizar as unidades básicas do som de uma determinada
frases ‘criação e resolução de tensão motivada’. Esta idéia tem alguma semelhança com a teoria língua; a sintaxe - as regras que dispõem sobre o modo como as unidades sonoras são
‘implicativa’de L.B.Meyer (veja adiante neste capítulo). combinadas; e a semântica - a maneira como o sentido é atribuído às seqüências sonoras.
O que podemos dizer (se é que podemos dizer alguma coisa) sobre os elementos universais A música parece dividir-se exatamente nos mesmos três componentes, e as seções seguintes
da música, trazidos pelas limitações de ‘superfície’, como por exemplo as limitações causadas examinam de forma mais detalhada as pesquisas destes três aspectos da linguagem e da
pelo fato de que a música é primordialmente vocal e portanto melódica? Em primeiro lugar, música.
uma vez que a estrutura profunda possui fases discretas, então os constituintes da superfície
F o n o l o g ia m u s ic a l atraso de 0 para 30 ms, os ouvintes ouviríam um som menos parecido com /d/. Quando o
ponto central fosse atingido, esperaríamos ouvir um som ambíguo, e depois, à medida que o
Todos os enunciados de uma língua natural humana como o inglês podem ser analisados atraso se aproximasse de 60ms, o som ficaria cada vez mais parecido ao /t/.
num pequeno conjunto de classes básicas de sons da fala chamados ‘fonemas’. A caracterização O resultado efetivo desta experiência é bastante diferente (Lieberman, Harris, Kinney
de um fonema é um tanto técnica, mas muitos fonemas correspondem diretamente a letras. e Lane, 1961). Até chegar aos 20ms de atraso não há praticamente nenhuma mudança no
“Assim, por exemplo, a palavra”oz/ tem três fonemas correspondentes às três letras. Cada fonema som percebido. Os sujeitos de pesquisa identificaram quase todos os sons como um /d/ ab­
pode ser pensado como um determinado padrão sonoro com certos parâmetros de freqüência solutamente claro, sem distingui-los do caso em que o atraso foi de Oms. Em seguida, após
e duração, tipicamente produzidos por uma combinação característica de movimentos dos lá­ um pequeno aumento no atraso (mais ou menos lOms), a percepção se ‘distorceu’para um /t/.
bios, da língua e das cordas vocais. Não precisamos preocupar-nos aqui com o debate que vem Aumentos conseguintes nos atrasos não produziram quaisquer mudanças perceptivas, todos os
sendo travado sobre até que ponto as características de um fonema são invariáveis em diferentes sons além deste limite ficando indistintos do caso em que o atraso foi de 60ms completos.
ambientes sonoros (Cole e Scott, 1974; Liberman, Cooper, Shankweiler e Studdert-Kennedy, Descobriu-se que este tipo de efeito pode ser demonstrado praticamente para todas
1967). Dois pontos a respeito dos fonemas são particularmente significativos. Um deles é que a as distinções fonêmicas, e isso mostra que o nível de análise ao qual estamos habitualmente
maioria dos fonemas é caracterizada por uma variedade de sons em dimensões particulares ao conscientes descarta muitas informações específicas presentes no som. De sons que variam de
forma contínua ao longo de uma série de dimensões, nós extraímos umas poucas categorias às
invés de valores totalmente específicos. O outro é que línguas diferentes dividem o continuum quais todos os sons de fala normais são atribuídos. São essas as categorias que serão tomadas

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sonoro de maneiras distintas. Portanto, dois sons que constituem fonemas distintos em uma como input das análises sintáticas e semânticas de nível mais elevado.
determinada língua podem ser ouvidos como um mesmo fonema em uma outra língua. Isso Tudo indica que nós adquirimos as categorias de nossa língua materna bem no início da
explica a tão documentada dificuldade encontrada pelas pessoas que tentam aprender uma vida. Uma série de estudos feitos por Eimas e colegas (Eimas, 1975; Eimas Siqueland, Juszcyk
segunda língua que é, fonologicamente falando, muito diferente da sua língua materna. Elas e Vigorito, 1971) demonstrou que os bebês, com apenas três dias de vida, já categorizam os
simplesmente não conseguem perceber distinções importantes. A tendência humana para ter sons da mesma maneira que os adultos. Esta habilidade precoce sugere fortemente a existên­
uma percepção categorial da fala fornece boa parte da explicação para estes fenômenos. cia de mecanismos de aprendizagem específicos para os padrões de fala, já que - é claro - os
A percepção categorial é melhor explicada através de um exemplo específico. Tudo indica bebês categorizam os sons de forma diferente, de acordo com a língua a que são expostos nos
que o principal determinante de ouvir uma consoante como sonora (por exemplo, /d/) ou surda primeiríssimos dias de vida.
(por exemplo, /tf) é a relação de tempo entre o ataque (onset) de dois componentes de um som Estes traços da língua aparentam ter paralelos musicais bastante próximos. O ‘fonema’
conhecidos como primeiro e segundo formantes (^ e f2). Os formantes são explosões do som básico da música é a ‘nota musical’. Assim como o fonema, a nota musical é caracterizada
que ocupam bandas de freqüência discretas. Um som de fala tem tipicamente quatro destas por parâmetros de freqüência e duração. Dentro de uma cultura musical particular, qualquer
bandas. Primeiro formante é o nome dado à banda de freqüência mais baixa entre as presentes; música é composta a partir de um pequeno conjunto destas notas, escolhido num conjunto de
segundo formante é o nome do próximo, logo acima do primeiro, e assim por diante. Estes sons possibilidades indefinidamente amplo. No entanto, culturas diferentes escolhem sub-conjuntos
podem ser sintetizados por uma máquina, e tudo indica que o melhor /d/ é ouvido quando os diferentes de notas possíveis para sua música. A seleção ocorre com base em duas dimensões
ataques de f1e f2 são simultâneos. Em contraste, o melhor /t/ é ouvido quando f começa cerca do som: a freqüência e a duração; cada uma dessas dimensões é merecedora de uma discussão
de 60 milisegundos depois de f2. Com o auxílio da tecnologia, é possível sintetizar sons em que separada.
o ataque sofre um atraso entre 0 e 60ms, e então descobrir como os ouvintes os classificam.
Generalizando a partir de outros estudos perceptivos nos quais se faz variar uma dimensão
entre dois valores extremos, nossa expectativa seria a de que à medida que aumentarmos o
mediárias. As notas ‘externas’ eram sempre o lá de 440Hz e o mi de 659Hz. A nota central
A P E R C E PÇ Ã O C A T E G O R IA L DA F R E Q U Ê N C IA variava entre 554Hz (dó sustenido) e 523Hz (dó natural). Havia dois testes experimentais. No
primeiro, os sujeitos ouviam um acorde (o acorde padrão) e depois de algum tempo, deveriam
Na maioria das ocorrências naturais, a altura percebida de um som musical é determinada dizer se vários acordes ouvidos em seqüência eram iguais ou diferentes do acorde padrão. No
por sua freqüência fundamental de vibração. As exceções ao caso não nos interessam aqui. outro teste, os sujeitos ouviam pares de acordes nos quais as notas centrais diferiam em apenas
Além disso, nós assumiremos que as oitavas são musicalmente equivalentes no contexto desta alguns Hz e deveriam indicar se os acordes eram iguais ou diferentes. Em ambos os testes, os 35

discussão. A ‘fonologia’ da altura, portanto, refere-se à maneira como a oitava é subdividida. sujeitos que eram músicos deram claras provas de sua percepção categorial. A fig. 2.4 mostra
O(s) sub-conjunto(s) de alturas escolhidas por uma cultura musical constituem a(s) escala(s) a média de respostas para 15 músicos. A linha hachurada mostra o resultado do primeiro teste
musical(is) dessa cultura. quando o padrão era o acorde de lá maior (554Hz). Quase todos os acordes cujas notas centrais
Há algumas evidências de que as pessoas que crescem em uma única cultura musical têm tinham alturas superiores a 546Hz foram percebidos como lá maior. Quase todos os acordes
uma certa dificuldade para perceber e reproduzir escalas de outra cultura. É difícil encontrar­ com notas centrais de altura inferior a 540Hz foram ouvidos como lá menor. As evidências
mos evidências contemporâneas convincentes para isto já que a escala diatônica ocidental se sugerem que há uma fronteira categorial ao redor de 542Hz.
infiltrou na maior parte das culturas através dos meios de comunicação de massa. Contudo, há
alguns dados etnomusicológicos que demonstram como algumas melodias que migraram de

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uma cultura para outra foram adaptadas a uma nova escala (Cohen e Cohen, 1973). Hodeir
(1956) lançou uma hipótese interessante segundo a qual as blue notes na escala do jazz resul­
taram das dificuldades dos músicos africanos (oriundos de uma cultura que utilizava a escala
pentatônica) em assimilar a escala diatônica da cultura norte-americana. Se representarmos
a escala diatônica como uma seqüência de nomes de notas (tal como, dó, ré, mi, fá, sol, lá, si),
então a escala pentatônica em questão usaria apenas dó, ré, mi, sol e lá. Os usuários da escala
pentatônica não teriam nenhuma representação usual para as notas diatônicas mi e si deste
exemplo. Ao tentar reproduzir uma melodia ocidental usando estas notas, os africanos as te­
riam ouvido como notas ‘desafinadas’ caindo em algum lugar entre o ré e o fá, ou entre o lá e
o dó. Sendo assim, eles tentariam ‘pescar’estar notas quando estivessem tocando ou cantando,
produzindo algo que soaria instável e desafinado para os ouvidos ocidentais. Gradativamente,
esta característica acidental ter-se-ia formalizado como parte do estilo do jazz - a terça e a
sétima abaixadas. Salientemos que esta é uma hipótese que ainda não foi provada e que não Figura 2.4: A percepção categorial em músicos (extraído de Locke e Kellar, 1973).

é aceita universalmente (Virden e Wishart, 1977).


O princípio fisiológico subjacente a estes exemplos parece ser a natureza categorial da
percepção de alturas. Isso foi demonstrado em condições laboratoriais por Locke e Kellar
(1973). Eles apresentaram aos ouvintes tríades em que a afinação da nota central (a terça do
acorde) variava sistematicamente de maior para menor, passando por diversas alturas inter­
80
um enquadramento para a construção da escala musical. Este enquadramento deve oferecer
um mínimo de duas notas simultâneas (ou sucessivas mas muito próximas), de modo que uma
possa atuar como a ‘tônica’para a outra. As notas da escala musical são definidas não de forma
absoluta, mas relativa, de modo que a escala possa ser construída a partir de qualquer altura,
usando um conjunto característico de razões de freqüências para gerar as notas. Sendo assim,
36 o que os ouvintes musicais portam consigo em suas memórias não são as alturas absolutas de
uma escala em particular, mas sim procedimentos para gerar uma escala a partir de qualquer
tônica dada. No estudo de Locke e Kellar, este enquadramento era dado pelas notas invariantes
externas do acorde que mantinham constante a razão da freqüências 3:2. Isto as identificava,
" "T "..... T'" T....... T "T 1 " " * ...... < } dentro da tonalidade diatônica, como a tônica (o primeiro grau) e a dominante (o quinto grau)
554 550 546 542 538 534 530 526
de uma escala diatônica. Esse enquadramento impunha uma categorização da nota central
como a mediante (terceiro grau), de uma escala diatônica maior ou menor. Se o experimento
Figura 2 .5 : A percepção categorial dos não-músicos (extraído de Locke e Kellar, 1973).
tivesse sido feito usando apenas uma única nota variável sem o contexto de um acorde, seria
improvável que qualquer categorização ocorresse. Dados obtidos através de estudos psicofísicos
Os dados do segundo teste (linhas contínuas) corroboram com esta representação dos

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normais sustentam esta idéia. Não há nenhuma evidência de descontinuidade nas funções de
fatos. As quatro linhas indicam graus diferentes de separação das alturas testadas. Em cada discriminação de freqüências isoladas.
caso há um pico claro de discriminação no limite da categoria. Isto é, quando um dos dois Uma terceira questão concerne à gênese da categorização no indivíduo. Os dados musicais
acordes do par ultrapassa a fronteira, a discriminação é boa. Porém, quando ambos estão do sugerem que, diferentemente do que acontece com a linguagem, a mera exposição à música
mesmo lado da fronteira, a discriminação é precária. tonal não é suficiente para provocar o aparecimento da percepção categorial. Há algum aspecto
É interessante notar que os não-músicos não mostraram evidências tão claras de percep­ da educação musical que aumenta a tendência a categorizar. Por exemplo, grande parte da
ção categorial. As funções de discriminação têm picos ao redor de 546Hz, mas as comparações educação musical envolve o aprendizado de uma terminologia específica de nomes de notas e
com um padrão mostram uma função cujo declínio é mais suave; quanto maior a diferença de escalas. E possível que o domínio de rótulos verbais aumente a probabilidade de que a infor­
alturas, menos provável um julgamento de ‘semelhança’(veja a figura 2.5). mação categorial seja extraída e guardada. Uma outra possibilidade é que, para alguns músicos,
Este estudo traz à baila diversas questões. Primeiramente, há uma questão da acessibi­ cada categoria acabe ficando associada a uma banda de freqüência ‘absoluta’e prototípica. Isto
lidade para os ouvintes de informações de freqüências não categorizadas. Nos estudos de fala, é possível, ao menos nas culturas ocidentais, porque há convenções geralmente aceitas acerca
tudo indica que esta informação não está normalmente disponível à percepção consciente. das freqüências exatas em que os instrumentos musicais precisam ser afinados. O lá de concerto
Entretanto, tal informação em música certamente pode ser disponibilizada na consciência. Se é geralmente definido como um lá de 440Hz.Tais freqüências poderiam passar a representar
não fosse assim, então nenhum acorde poderia soar como desafinado - a assimilação às cate­ posições ‘centrais’de categorias de escalas para os ouvintes, sendo as alturas desviantes atribuídas
gorias completaria a experiência perceptiva. Devemos concluir que o ouvinte de música tem ao protótipo mais próximo. Há evidências consideráveis da existência de uma habilidade que
alguma habilidade para operar tanto dentro quanto fora do modo categorial. poderia sustentar tal comportamento, conhecida como ‘ouvido absoluto’. Apenas uma pequena
Uma segunda questão é, portanto, quais contextos perceptivos estimulam a percepção minoria de músicos treinados têm essa habilidade. Trata-se de uma memória de longo prazo
categorial? Para a maioria dos ouvintes, a resposta mais provável é que o contexto deve fornecer apurada para alturas prototípicas e seus nomes associados à escala - um assunto que discutirei
de forma mais aprofundada no capítulo 5. Nós não sabemos, infelizmente, quantos dos sujeitos onda atinge seu pico) são responsáveis pela percepção desta qualidade.Tempos de preparação
‘músicos’da pesquisa de Locke e Kellar tinham ouvido absoluto. de 30ms ou inferiores dão origem a sons ‘dedilhados’e, tempos de 60ms ou superiores produ­
Um tipo de evidência diferente para a assimilação da música com categorias escalares zem sons ‘de arco’. A função de discriminação mostra um pico na fronteira da categoria (por
é proposto por Dowling (1978). Nesse estudo, pedia-se que os sujeitos de pesquisa julgassem volta de 40ms) e quedas dentro de cada categoria. O interesse neste fenômeno se justifica por
pares de melodias curtas como iguais ou diferentes. Em alguns casos, a segunda melodia (que três motivos. Em primeiro lugar, por coincidir com as funções de percepção categorial de uma
sempre tinha altura diferente da primeira) era uma transposição exata da primeira melodia. distinção fonética particular na fala; aquela que se observa entre as palavras chop e shop. Esta
Em outros casos, a segunda melodia era uma ‘resposta tonal’ à primeira; isto é, o contorno também depende dos tempos de preparação e também possui uma fronteira categorial por volta
melódico tinha sido transposto, para cima ou para baixo, dentro de uma mesma tonalidade. A de 40ms (Cutting & Rosner, 1974). Em segundo lugar, a adaptação a um som bem contido
conseqüência disso é que os intervalos exatos da melodia original não são mantidos. O exem­ em uma categoria desloca a fronteira categorial na direção da categoria não-adaptada. Isto
plo 2.4 exemplifica o tipo de estímulo melódico usado por Dowling. O exemplo 2.5 é uma também está de acordo com os dados sobre a percepção da fala (Eimas e Corbit, 1973). Em
transposição exata do mesmo. Já o exemplo 2.6 é uma resposta tonal que começa com a mesma terceiro lugar, bebês de apenas dois meses de idade demonstram possuir percepção categorial
nota com que começa 2.5. Dowling descobriu que seus sujeitos não conseguiam discriminar para estes sons (Juszcyk, Rosner, Cutting, Foard & Smith, 1977), e esse é também o modo
de maneira consistente as transposições exatas e as respostas tonais. Uma explicação plausível como lidam com muitos sons da fala (Eimas, 1974; Eimas et al., 1971).
para este resultado é que, pelo menos no caso de melodias desconhecidas, os sujeitos codificam Estes resultados de pesquisa têm sido usados para contestar a tese de que a percepção

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melodias como contornos nos quais é representado o número de tons e semitons entre notas da fala envolve processos e mecanismos psicológicos específicos. Cuttin et al. (1976) afirmam
adjacentes, mas não a distância exata das alturas. que e evidente que o arsenal de resultados empíricos, que num determinado momento distin-
guiam a percepção da fala como uma forma singular de percepção auditiva está sendo pouco
1 - a pouco esvaziado. Tudo indica que nós possuímos, de fato, alguns mecanismos perceptivos,
zk h = A
que já estão presentes no início da vida, e que são mobilizados na percepção tanto da fala
como da música, de modo a produzir a percepção categorial. A razão pela qual o mesmo
atributo físico (o tempo de preparação) resulta em experiências perceptivas distintas na fala e
na música é provavelmente o fato de os contextos acústicos serem diferentes. Há evidências
de que a natureza da vogal/nota imediatamente seguinte afeta a maneira como o segmento
Exemplos 2.4, 2 .5 e 2.6: Exemplos de estímulos usados por Dowling (1 9 7 8 ). de preparação é ouvido. Por exemplo, os padrões sonoros para as consoantes oclusivas (como
/t/ e /p/) são ouvidos como estridências quando são apresentados isoladamente (Mattingley,
A P E R C E P Ç Ã O C A T E G O R IA L DA DU RAÇÃ O Liberman, Syrdale Halwes, 1971), e necessitam de uma vogal subseqüente para serem ouvidos
como sons da fala. Do mesmo modo, Cutting et al. (1976) demonstram que sons musicais
Um dos tópicos mais bem pesquisados nesta área concerne à percepção de notas to­ sintéticos precisam durar pelo menos 250ms após a preparação inicial para serem ouvidos
cadas com arcos e notas dedilhadas de instrumentos de cordas (Blechner, Day e Cutting, como sons dedilhados ou ‘de arco’.
1976; Cutting e Rosner, 1974; Cutting, Rosner e Foard, 1976). Numa série de experimentos A questão do contexto também assume importância central no segundo grande aspecto
cuidadosamente planejados, Cutting e colegas demonstraram que as variações no tempo de da duração musical que eu desejo discutir. Trata-se da percepção da duração de uma nota. Os
preparação (o tempo desde o ataque sonoro até o momento em que a amplitude da forma da resultados dos testes psicofísicos padrão indicam que quando dois tons sucessivos isolados
são apresentados para fins de discriminação de duração (isto é, os sujeitos devem dizer qual era seguida por um clique com um atraso entre um oitavo e sete oitavos de um tempo. Os
dos dois é o mais longo), quanto mais longo for o som, maior deverá ser a diferença entre eles sujeitos deveriam, então, colocar um clique equivalente após a batida seguinte. A reprodução
para ser detectada de forma confiável (Woodrow, 1951). Entretanto, em música, as durações das subdivisões mais curtas (menos de um terço de um tempo) foi feita invariavelmente de
absolutas são menos importantes que as implicações rítmicas que as notas adquirem através forma errada; sendo todas essas subdivisões superestimadas. Ao contrário, a reprodução foi
do contexto imediato. Um elemento fundamental para grande parte da música ocidental é o bastante exata quando a subdivisão ocorria na metade, três quartos, cinco sextos e sete oitavos
conceito de pulso (beat) subjacente a qualquer melodia. De maneira geral, as notas ou come­ do tempo. Um padrão de resultados semelhante foi obtido quando se pediu aos sujeitos que
çam no tempo ou em alguma subdivisão simples do pulso (as mais comuns são a metade, um estimassem o atraso do clique através de categorizações verbais (por exemplo, ‘entre um oitavo
terço e um quarto). Este fato se reflete na terminologia e na notação musicais, em que existe e um sétimo do tempo), exceto que, nestes casos, os erros consistiram em íwi>estimar os atrasos.
um conjunto limitado de categorias que descrevem as durações das notas. Estas categorias Por que os sujeitos se deram tão mal? É possível que os atrasos reproduzidos e estimados com
são, em grande parte, divisões de uma categoria mais longa em duas metades iguais. Ou seja: precisão correspondam aos padrões rítmicos que ocorrem com freqüência em música, que
há duas semínimas para cada mínima; duas colcheias para cada semínima, e assim por diante. são prontamente categorizados. Na figura 2.6.1, eu transcrevi os estímulos experimentais em
Numa situação particular de performance, um destes símbolos pode ser definido como tendo notação musical. A primeira, a segunda e a quarta notas em cada exemplo correspondem às
uma duração particular (por exemplo, ‘semínima = 120’ é uma forma padrão de indicar que batidas regulares, e a terceira nota corresponde ao clique. As últimas seis formas notadas são
deve haver 120 pulsos de semínima por minuto). Portanto, todos os outros símbolos adquirem conhecidas da maioria dos músicos que se dedicam à execução. É difícil pensar em exemplos
uma duração definida que é exatamente o dobro ou a metade da duração padrão. Todavia, é

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conhecidos para os primeiros quatro exemplos acima citados. E estes são, precisamente, aqueles
certo que haverá desvios significativos das durações pré-definidas em qualquer performance que causaram maiores dificuldades aos sujeitos testados por Sternberg et al. Talvez eles sejam
humana. particularmente difíceis de perceber como exemplos de categorias rítmicas distintas.
Tais desvios resultaram ser abundantes em todos os estudos empíricos que mediram os Como na discussão acerca da percepção categorial de altura, ninguém gostaria de afirmar
tempos entre os inícios das notas sucessivas (Michon, 1974; Seashore, 1938; Shaffer, 1981b; que a percepção categorial da duração torna impossíveis as discriminações temporais mais
Sloboda, 1983), até mesmo quando foi pedido ao performer que produzisse ritmos absoluta­ sutis. Com um treino apropriado, nós podemos ouvir a imprecisão rítmica e o rubato, embora
mente exatos (Gabrielsson, 1974). Ainda assim, os ouvintes conseguem identificar rotinei­ as diferenças finas em timing não sejam freqüentemente percebidas desta maneira, mas sim
ramente o ritmo visado, mesmo tendo que enfrentar continuamente os rubatos e as variações como diferenças na qualidade (a ‘vitalidade’ou o swing) de umaperformance. Isto explica, par­
gradativas de andamento, que são fenômenos confusos. Em contraste com isso, a percepção cialmente, a intangibilidade do estilo em performance (ver Capítulo 3). As diferenças de estilo
exata dos desvios métricos (referentes à fórmula de compasso) é difícil e requer muito treino são devidas a diferenças reais na performance, mas muitas não chegam a ser conscientemente
específico. É quase impossível, para um performer, imitar outro de maneira exata. Tudo isso categorizados pela maioria dos ouvintes. Muitos de nós possuímos apenas meios globais e
sugere, fortemente, que os ouvintes alcançam uma categorização das durações das notas que imprecisos para capturar nossa experiência de como os estilos diferem entre si.
ouvem na forma de semínimas, colcheias e etc.
À luz destas considerações, torna-se mais fácil compreendermos alguns dados intri­
gantes apresentados por Sternberg, Knoll e Zukofsky (1982), mostrando que três músicos
altamente treinados, entre os quais estava Pierre Boulez, foram incapazes de reproduzir com
precisão subdivisões não-padrão de um compasso. Durante a realização dos experimentos, os
sujeitos ouviram uma série de batidas regulares em intervalos de um segundo, uma das quais
A SINTAXE MUSICAL

n
7
A R E A L ID A D E PS IC O L Ó G IC A DA G R A M Á T IC A
1/7 • J
A tentativa de construir descrições formais das estruturas musicais constitui uma pre­
1/6 J jr ,w ] ocupação central da musicologia (veja, por exemplo, Brent, 1980); Schenker é apenas um dos
T T
1/5 • JjJ J J inúmeros autores que tentaram caracterizar as regularidades seqüenciais da música em termos
Jj J
de um sistema de regras. Uma vez que a música, assim como a linguagem, é um produto hu­
1/4 • mano, podemos supor, de forma legítima, que a estrutura musical observada nos diz algo sobre
a natureza da mente humana que a produz. Mas o que é exatamente esse algo? Um ponto de
1/3 é í JJ j vista extremado seria a de que os procedimentos psicológicos usados para gerar a música ou a
linguagem são as próprias regras da gramática musical ou lingüística. Este ponto de vista tem
1/2 t J J sido fortemente criticado sob vários aspectos, tanto em relação à música (Laske, 1975), quanto
em relação à linguagem (Olson & Clark, 1976). Um dos argumentos mais fortes é que não

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existe uma gramática única para qualquer conjunto de dados. Regras diferentes aplicadas em
3/4 • 4.

5/6 «
r JJJ J ordens distintas podem produzir exatamente os mesmos conjuntos de sentenças ou seqüências
—^ musicais. A mera descoberta de uma ou outra gramática que funciona não garante que essa
J
i
7/8 J j .. J gramática seja a que melhor descreve os processos psicológicos envolvidos no engendramento.
Um outro argumento provém da observação de que os seres humanos podem transgredir as
Figura 2.6: Estímulos usados por Sternberg, Knoll e Sufovsky (1 9 8 2 ), expressos em notação rítmica convencional. regras que parecem dar conta de parte de seu comportamento, e o fazem deliberadamente.
Portanto, defato, as pessoas falam de forma agramatical, e os compositores também violam as
Minha discussão sobre a fonologia musical foi concebida com o objetivo de ilustrar uma convenções formais dentro das quais trabalham. Uma sintaxe ou gramática formal é um sistema
característica fundamental do comportamento musical. Isto é, nós tendemos a categorizar fechado cujo único objetivo é gerar um conjunto de seqüências estipuladas como ‘gramaticais’.
nossa experiência musical segundo as dimensões sonoras disponíveis, dando importância às A produção psicológica da linguagem é, ao contrário, um processo com objetivos mais amplos.
diferenças inter-categoriais em prejuízo das diferenças intra-categoriais. As noções de escala A intenção de comunicar uma proposição significativa particular é a motivação psicológica
e compasso são conceitos fundamentais que subjazem à fonologia musical (muito embora se por trás dos enunciados, e se o falante tiver bons motivos para supor que será compreendido,
possa defender que o timbre e a intensidade são dimensões adicionais). A esse respeito, as mesmo sem uma gramática correta, ele poderá desconsiderar as convenções gramaticais. A
semelhanças entre linguagem e música não são gritantes, embora a percepção categorial em intenção de violar as expectativas do ouvinte pode levar a uma liberdade comparável com a
música não seja tão completa ou universal como parece ocorrer na linguagem. Para compreender gramática, em música.
o significado musical de categorização precisamos agora voltar-nos para a maneira como as O ponto de vista moderado sustentado por muitos psicólogos é que muitas caracte­
notas são combinadas entre si. Isto é assunto da sintaxe musical. rísticas das gramáticas têm implicações para o modo geral como pensamos a respeito dos
processos psicológicos. Uma implicação da abordagem gerativista, exemplificada pelo trabalho
de Chomsky, é que nós decidimos o que diremos aplicando um conjunto finito de regras (ou de passos a serem executados. Para sermos exatos, quem usa o segundo processo só terá certeza
procedimentos) a alguma proposição não dita que desejamos dizer, ao invés de termos de de que a sentença é agramatical depois de ter gerado todas as sentenças possíveis e notado a
lembrar, por associação, o enunciado correto para cada proposição. Numa perspectiva asso- ausência da sentença em questão. Como é possível afirmar que o número de sentenças do inglês
ciacionista, só se consegue expressar a proposição de que João ama Maria depois de aprender é indefinidamente grande, este é claramente um mecanismo psicológico bastante implausível.
a fórmula verbal João ama Maria’, e de adquirir a capacidade de lembrá-la no momento ne­ É mais plausível que as pessoas tenham um ‘meta-conhecimento’ dos sistemas gramaticais
cessário. Numa perspectiva gerativista, o falante pode não ter nunca ouvido ou falado a frase com os quais trabalham. Por exemplo, alguém pode saber que em inglês uma sentença nunca
João ama Maria, e ainda sim ser capaz de produzi-la para expressar a proposição apropriada. começa com um verbo no modo indicativo. Em si mesma, esta não é uma regra da gramática
Isto se faz da seguinte maneira: o conhecimento da pessoa de que João ama Maria é caracte­ gerativa (embora formulações desse tipo sejam, muitas vezes, chamadas erroneamente de regras
rizado, grosso modo, como o conhecimento de que uma certa pessoa, João, é o agente de uma gramaticais). Trata-se de uma generalização sobre os produtos da gramática. Mais uma vez, tudo
determinada atividade, a de amar, sendo que essa atividade é dirigida a uma receptora, Maria. indica que as pessoas usam considerações não-sintáticas no julgamento de sentenças. Dada a
Dessa forma, a pessoa constrói a sentença apropriada reportando-se às regras que estipulam sentença John the apple ate, um ouvinte pode tentar buscar uma proposição plausível em que
como se expressam, de maneira geral, as relações entre os agentes e os objetos. Uma forma estejam incluídos todos os elementos mencionados (presumivelmente, isso leva a pensar na
de expressão é dada pela fórmula agente + verbo de forma ativa + receptor. Nas proposições maçã como tendo sido comida por John) e em seguida determinar como eles expressariam,
naturalmente, essa proposição; o enunciado dado é rejeitado se não for idêntico ao dele.
simples de três elementos, as condições de aplicação dessa fórmula são satisfeitas; portanto, Uma terceira implicação, que eu desejo examinar em detalhe porque tem a ver com dados

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com o conhecimento apropriado dos itens de vocabulário ama’, ‘Maria’e João’, o falante pode experimentais comparáveis em linguagem e música, é que, independentemente de nossas con­
enunciá-los na ordem correta. Considerando que, numa língua como o inglês, o número de clusões acerca da equivalência das gramáticas gerativa aos processos psicológicos, as estruturas
sentenças aceitáveis é indefinidamente grande, e que todos nós somos capazes de gerar sen­ presentes em tais gramáticas têm realidade psicológica. Resumidamente, a hipótese é que os
tenças aceitáveis jamais ouvidas anteriormente, parece inevitável concluir que armazenamos elementos de um enunciado que estão intimamente ligados entre si na gramática também estão
regras para construir sentenças e não (ou não apenas) sentenças prontas. intimamente ligados psicologicamente, qualquer que seja a forma de representação cognitiva
Uma segunda implicação, relacionada à primeira, é que os ouvintes precisam ser capazes de sentença ou melodia feita pelo falante ou ouvinte. Se a estrutura de uma seqüência é mais
de categorizar os enunciados que ouvem em aceitáveis e inaceitáveis. Portanto, a maioria das bem representada na gramática como uma árvore do tipo apresentado nas Figs. 2.1-2.3, então
pessoas é capaz de dizer de certos enunciados nunca encontrados antes que são agramaticais, e a hipótese é que os itens adjacentes regidos pelo mesmo nó são mais próximos no ‘espaço
de outros enunciados igualmente novos que são aceitáveis. Uma vez que nenhum desses enun­ psicológico’ que os itens adjacentes governados por nós diferentes. A figura 2.7 apresenta
ciados possui um significado associativo prévio, parece ser evidente que essa avaliação consiste uma árvore de constituintes idealizada, que podería ser proposta tanto para uma seqüência
em verificar se eles se conformam a um conjunto de regras de construção. Contudo, questões lingüística quanto para uma seqüência musical de oito elementos. Os nós estão indicados pelas
difíceis surgem quando tentamos especificar quais regras, exatamente, são evocadas. Seria a letras, os elementos terminais que constituem a seqüência efetiva estão indicados por números.
gramática gerativa, como tal, a principal ferramenta mental? Em caso afirmativo, o ouvinte Tomando-se, por exemplo, os elementos 3 e 4, percebemos que eles estão fortemente ligados
teria que julgar agramatical uma quase-sentença como John the apple ate (João a maçã comeu) próximos na estrutura. Ambos estão subordinados ao nó E e, mais remotamente, ao nó B. É
fazendo com que a gramática rode em sentido contrário, e mostre-se incapaz de condensar a diferente o caso dos elementos 4 e 5: embora sejam membros adjacentes na seqüência, não
sentença em um único nó. Alternativamente, ele podería tentar gerar sentenças de acordo com estão intimamente ligados na estrutura. O elemento 4 é ‘regido’ pelo nó B, ao passo que o
a gramática e descobrir que é impossível encontrar uma que coincida com a quase-sentença em elemento 5 é ‘regido’pelo nó C.
questão. O problema é que qualquer um desses processos pode envolver um número infinito
Uma técnica experimental desenvolvida para investigar essa idéia envolve a audição de A
seqüências musicais ou lingüísticas curtas e bem formadas, às quais foram sobrepostos alguns
cliques audíveis, em um determinado ponto. Pede-se aos sujeitos de pesquisa que indiquem / \
exatamente quando ouvem cada clique, informando qual é a sílaba ou nota musical que pareceu B C
ser simultânea a ele. Os primeiros resultados da aplicação desta técnica foram relatados, por
Fodor e Bever (1965) e Ladefoged e Broadbent (1960) no que diz respeito à linguagem; e por /\ /\
Gregory (1978) e Sloboda e Gregory (1980) no que diz respeito à música. Os resultados básicos D E F G
em ambas as áreas são fáceis de resumir. Primeiramente, a localização dos cliques foi bastante l\ A l\ l\
inexata. Em segundo lugar, os cliques aparentam migrar perceptivamente para os limites entre 1 2 3 ^ 5 6 7 8
agrupamentos estruturais. Por exemplo, na sentença That he was happy was evidentfrom the way Figura 2 .7 : Uma estrutura idealizada de árvore de constituintes.

hesmiled (Que ele estava feliz era evidente pela maneira como ele sorria), um clique ocorrido
durante a quarta palavra tendeu a ser ouvido como aparecendo depois de seu momento efetivo
de ocorrência. Ocorrendo durante a quinta palavra, o clique era ouvido de forma antecipada.
Uma análise em constituintes da sentença (Fig. 2.8) atribui as quatro primeiras palavras ao

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nó mais alto NP (o “sintagma nominal” analisado tradicionalmente como o sujeito1 da sentença)
enquanto o resto da sentença constitui o VP (o “sintagma verbal”, analisado tradicionalmente
como opredicado12). Em termos estruturais, portanto, as palavras 3 e 4 são próximas, assim como
as palavras 5 e 6. No entanto, as palavras 4 e 5 não são estruturalmente próximas. Os resulta­
dos experimentais mostram que estas relações estruturais são representadas psicologicamente.
Tudo indica que há uma tendência para representar os elementos estreitamente relacionados
como ‘ininterruptos’e assim o evento externo (o clique) é empurrado para um ponto onde as Figura 2 .8 : Análise por meio de árvore de constituintes de uma sentença usada no estudo de Fodor e Bever (1 9 6 5 ).
ligações estruturais são fracas.
Uma analogia pictórica do processo pode ser obtida se imaginarmos as palavras (ou
notas) de uma seqüência dispostas em uma linha numa superfície. Cada agrupamento es­
trutural principal é coberto por uma abóbada hemisférica e macia. O clique pode, então, ser
representado como uma cápsula pequena derrubada na superfície de uma posição vertical que
fica mais alta em relação a sua localização real na sentença. Quando a cápsula atinge a super­
fície da abóbada, sua posição final é determinada pela curvatura da abóbada naquele ponto.
Cápsulas que caem próximas do ápice da abóbada tendem a se deslocar pouco; cápsulas que
caem perto das bordas tendem a rolar para os espaços entre elas.
1 NT: Essas cinco palavras foram incluídas pelo tradutor a fim de dar maior clareza ao texto.
2 NT: Idem.
Os resultados das pesquisas feitas com música precisam ser explicados de maneira seme­
lhante aos das pesquisas lingüísticas. Aqui, a unidade estrutural principal é a frase musical. No
experimento de Gregory e Sloboda (1980), cada melodia continha duas frases metricamente das frases. Portanto, como argumentam Reber e Anderson, os resultados dos experimentos
iguais, e durações iguais para todas as notas em uma das condições. O exemplo 2.8 mostra uma anteriores podem ser explicados como um viés dos sujeitos no sentido de colocar suas respostas
destas melodias. Os músicos geralmente concordam que a primeira frase termina na quarta nos limites das frases e não como uma migração perceptiva. Contudo, é possível argumentar
nota do segundo compasso. Neste experimento, as notas eram geradas por um computador e que a tendência de organizar qualquer aspecto do comportamento cognitivo, perceptivo ou
eram exatamente iguais sob todos os aspectos, exceto em altura. Em termos físicos, portanto, orientado por respostas comportamentais, que tenha por base a estrutura frasal, constitui uma
as notas 4 e 5 do segundo compasso eram tão próximas uma da outra quanto as notas 5 e 6 forte evidência da realidade psicológica das estruturas gramaticais. Mais preocupantes, talvez,
são os estudos como aqueles realizados por Bond (1971) e Lehiste (1972) que sugeriram que
(possivelmente ainda mais próximas já que tinham a mesma altura). Estruturalmente, porém, certas pistas não-gramaticais, tais como pausas e acentos de intensidade eram mais importantes
as notas 4 e 5 eram separadas. Um clique situado na nota 5 mostrou uma tendência mais do que a própria sintaxe para determinar a natureza da migração. Do estudo de Sloboda e
elevada para ‘migrar’ para trás do em que qualquer outro posicionamento, confirmando que Gregory, também resultou que as pausas (notas longas) provocavam a migração dos cliques.
os ouvintes estavam representando os limites das frases de forma especial. A tendência para Contudo, em ambos os casos, não há nenhum prejuízo ao sentido geral de nosso argumento
migrar ficava realçada nas melodias que marcavam o fim de frase com uma nota longa (veja se considerarmos que os padrões de pausa e acento na fala e na música podem ser gerados
o exemplo 2.7), mas reduzia-se em melodias que não possuíam uma estrutura harmônica por uma gramática juntamente com a ordem das palavras (veja Chomsky e Halle, 1968 para
normal’ (exemplos 2.9 e 2.10). o caso da linguagem; e Martin, 1972, e Sundberg & Lindblom, 1976, para o caso da música).
Em outras palavras, talvez seja porque eles ocorrem de um modo sistematicamente associado

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_L^_---)------- _j
à sintaxe, que os acentos e pausas se tornam ‘imãs’psicológicos para os cliques, em indivíduos
- ^ ■f - r + i - A T 3 r í :
T u a .: com longa experiência de uma determinada gramática.
A ‘clicologia’não é a única maneira pela qual se pode demonstrar a realidade psicológica
das estruturas gramaticais. Por exemplo, se as frases são unidades psicológicas, então cabe
$4—i
= # fr
1— U —
ir ,.: -- ~f7~7~]--------d
d fc ^ L .: J esperar que o processamento em frases isoladas aconteça com mais rapidez e eficiência do
que o processamento que requer a integração de informação de duas frases. Esta previsão foi
confirmada por Green e Mitchell (1978), que demonstraram que as pausas dos leitores são mais
y f ' -r-
— tL— (J J
2 _.._rs. I 2±
^= = T 1 longas após reparos {fixations) que completam unidades gramaticais maiores. Levin e Kaplan
(1970) também demonstraram que o intervalo olho-voz na leitura tende a se estender até o
... , _r ►
limite da frase. Intervalo é definido aqui como o número de palavras (ou notas) que um leitor
U —^
f- 1CS
]U j '1 consegue produzir após o texto ser removido repentina e inesperadamente. Trata-se de uma
medida de quanto foi interiorizado adiante daquilo que está sendo de fato dito (ou tocado).
Exemplos 2-7 a 2.10: Exemplos de estímulos usados por Sloboda e Gregory (1980) Os resultados sugerem que os leitores interiorizam coisas até o limite da frase corrente, logo
após o início da leitura, mas, em seguida, ‘marcam o passo’até que a execução desta frase tenha
A interpretação exata a ser dada a experimentos com cliques foi tema de muita contro­ sido praticamente completada; em seguida, eles correm rapidamente até o próximo limite.
vérsia na literatura (Olson e Clark, 1976). Por exemplo, Reber e Anderson (1970) colocaram Até este ponto da discussão, eu fui deliberadamente vago acerca da sintaxe musical e
seus sujeitos de pesquisa diante de sentenças sem nenhum clique sobreposto, mas disseram a sua natureza. Por razões expositivas, optei por pressupor que foram descobertas gramáticas
esses sujeitos que as sentenças continham alguns cliques muito sutis. Aos sujeitos cabia detectar da música e da linguagem com poder e sofisticação mais ou menos equivalentes, para poder
a localização exata dos cliques’. Os resultados indicaram uma localização de cliques nos limites introduzir alguns resultados psicológicos. Preciso confessar agora que, até onde eu sei, tem
havido pouquíssimas tentativas de produzir gramáticas gerativas completas para qualquer influências), e também pelas avaliações subjetivas de ouvintes experientes (avaliações sobre
corpus significativo de música, até mesmo a título de esboço. A seguir, eu pretendo discutir os que tipos de música que soam parecidos). Por outro lado, diz-se freqüentemente que grandes
trabalhos de orientação psicológica mais significativos desta área, com o intuito de ajudar-nos repertórios musicais compartilham certos aspectos de sintaxe. Se isto for verdade, deveria ser
a compreender os tipos de estruturas que usamos para representar, mentalmente, a música. dado o maior realce possível a estes aspectos. Abordar peça por peça pequenas áreas da música
Isso vai por à mostra algumas semelhanças com a linguagem, e também algumas diferenças pode tornar invisíveis os padrões mais gerais (por exemplo, elementos básicos da construção
significativas. harmônica, melódica e rítmica que são comuns à música tonal). Aqui, começarei falando de
trabalhos que adotam a primeira abordagem acima citada, a mais cautelosa, e passarei depois
As E S T R U T U R A S S IN T Á T IC A S EM M Ú S IC A a considerar mais amplamente a música tonal como um todo.
Sundberg e Lindblom (1976) escreveram uma gramática gerativa completa para melo­
Na tentativa de produzir uma sintaxe musical, uma questão importante para ser respondi­ dias de oito compassos, todas semelhantes a uma série de canções infantis suecas escritas no
da é ‘que corpus da música desejamos que a sintaxe descreva? A resposta para esta pergunta não século XIX por Alice Tegner. Tais canções são conhecidas e cantadas hoje por grande parte
é tão clara como acontece no caso da linguagem. A maior parte das pessoas tem à disposição das crianças suecas. O esqueleto desta gramática é dado na Fig. 2.9, e se parece com a fono-
apenas uma língua, cuja gramática é bastante estável por períodos longos. A língua inglesa logia gerativa de Chomsky e Halle (1968) em dois aspectos. Em primeiro lugar, a estrutura
é delimitada como o conjunto de todos os enunciados que a maioria dos falantes de inglês gramatical básica é uma árvore hierárquica. Em segundo lugar, há um contorno proeminente’
aceitam e consideram significativos. Ao contrário, as formas e estilos musicais com os quais que tem papel constitutivo na árvore. Na fala, tal contorno é usado para indicar o acento, o

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uma determinada pessoa tem chance de estar familiarizada podem ser bastante diversos. As ritmo (timing) e a entoação de uma sentença. Na gramática musical, o contorno é usado para
formas musicais mudam rapidamente, e há uma discussão acalorada em nossa cultura acerca gerar acordes e durações apropriadas.
daquilo que conta ou não conta como música aceitável. E interessante especular a respeito
das razões desta diferença. Uma razão possível é que as funções comunicativas da linguagem
favorecem a unidade e a estabilidade. A sintaxe é um veículo para comunicar conhecimento
sobre o mundo e, como o mundo segue sendo o mesmo tipo de lugar e como as preocupações
humanas continuam as mesmas, há pouco a ganhar e muito a perder com uma diversificação
e evolução rápida da sintaxe. A música de arte, ao contrário, não tem uma função tão clara­
mente definida. A sintaxe se torna, em si, um objeto de consciência estética, e as pressões por
novidade fomentam a diversidade e a mudança. Provavelmente, a música alcança sua maior
estabilidade nos contextos culturais em que se torna veículo para atividades não-musicais
(contar estórias, ritual, etc).
A abordagem mais cautelosa da sintaxe musical consistiria em partir de uma sub-área
pequena e particular da música, como por exemplo, as obras de um único compositor, e tentar
descobrir uma gramática adequada para este corpus. O próximo passo poderia consistir em
estender o domínio da gramática descobrindo se ela dá certo para outras composições e outros
compositores. Aqui, poderiamos deixar-nos guiar por fatores históricos ou sociais (investigando h a rm o n ized m elody
os compositores que viveram na mesma época e que estiveram sujeitos aos mesmos tipos de
Figura 2.9: Esboço da gramática de canções infantis de Sundberg e Lindblom (1 976)
A estrutura da árvore de constituintes que aparece na Fig. 2.10 é completamente simé­ -------------------- 1---------
r r .zl— r~.— » — n — r
r ir .
_____ í-i . .I..... = j C = Z 3
m_£__f __ t _+ 4 r~— l— —

trica e composta por subdivisões binárias de cada nó. Portanto, cada frase divide-se em duas
H v ; — r----- f— j f— T ...ri__ ___J.♦ 2—1 ___ fUL__1... £— LLL— J— J-.I..

subfrases iguais; cada subfrase divide-se em dois compassos iguais; e assim por diante. Note-
se que a estrutura é baseada em compassos (ao contrário da análise schenkeriana, na qual a
A .. . ...... * *
m r ------ ^ ~r j f rr ____ *______O ___ í—— ---------i
rm f — r— A l — t~ -i— r 1 1 j r r J__ JL.I __ t __€..1 . -J-Z--------- i-------l
estrutura fundamental se baseia na harmonia). t y ~ -t.. —n... - -*...y- - 1
— - —
Exemplos 2.11
— i ------ ‘

O contorno de proeminência é derivado da árvore na medida em que se dá prioridade } ■ __„__.........p r


aos elementos da esquerda de cada pé, e se dá prioridade aos elementos da direita em subu- r — rr~j A, rr i^— —..^t — i ...r z í -__i__ I_ • - 53

nidades maiores. O contorno derivado por Sundberg e Lindblom aparece na parte de baixo
da figura 2.10. O número 1 indica um elemento com mais alta proeminência. Os elementos
com números iguais têm a mesma proeminência. p i I P
Exemplos 2.12

PHRASE: 1 yFT n f?-• f * ~ • •' ‘f T f ?'■ ZÈ=


*4* *
SUBPMRASE:

BAR:

M Ú S IC A , L IN G U A G E M E S IG N IF IC A D O
FOOT: A A A /\ rA
lt Fru f*13AF*14 *»!
FA>F
BEAT: J J J J J J J J J J J J J j J J J J J J J J J J J j J j J j J j
4 í ( 5 4í
Figura 2.10: Estrutura constituinte das canções gerada pela gramática de Sundberg e Lindblom (1 9 7 6 ).

O próximo passo é gerar, em separado, um padrão rítmico e uma progressão de acordes


a partir do contorno de proeminência. O ritmo é gerado por uma série de regras obrigatórias
e opcionais. A mais importante das regras obrigatórias é que nenhuma nota pode começar em ...J . ..... P , t ",....- __l , S F ...J — u A i : ..i
J J - * - .M - .. * g = g Z - _ 4
um elemento que esteja logo depois de um elemento de maior proeminência. Neste exemplo, o
z ± A M = J

último elemento de todos não pode conter uma nova nota, e o penúltimo elemento carregará
a última nota da melodia. Em seguida, há outras regras opcionais, de apagamento e acréscimo,
~ -r eF ¥ z i
—j -A .. J . " L- ■■ f ........ r 1 " t i = z= - -
A - 4 — — --------

com certas restrições de repetição (por exemplo, o ritmo dos primeiros quatro compassos deve Exemplos 2.15

repetir-se nos quatro compassos seguintes). g j j j ..p j j j f i i !


A derivação de acordes baseia-se em dois princípios mais gerais. Apenas as notas com
proeminência de nível 4 ou mais (isto é, 4, 3,2, ou 1) podem introduzir novos acordes; e al­
gumas seqüências de acordes são obrigatórias em certos pontos (por exemplo, o acorde final =41
i^ H l! l i ü r~f-~W-Lr l ü ü
precisa ser de tônica e precisa ser precedido por uma dominante). Exemplos 2.1 6
Exemplos 2.11 a 2 .1 6 : Canções produzidas por Alice Tegner, ou, a gramática de Sundberg e Lindblom (1 9 7 6 )
Assim são geradas as notas efetivas da melodia. Notas em pontos de alta proeminência tonal. Estas não são regras gerativas; ao contrário, permitem conferir se uma determinada
precisam ser escolhidas no acorde especificado naquele ponto. Em outros locais podem ser seqüência está de acordo com aquelas regras. As regras não especificam notas reais, mas sim
introduzidas notas de passagem e suspensões. Os exemplos 2.11-2.16 apresentam seis melodias, acordes dentro de uma tonalidade. Assim, por exemplo, poderia afirmar-se que uma peça
uma delas escrita por Tegner. As demais foram produzidas pela gramática, sendo que a escolha musical deve terminar no acorde de tônica. Portanto, para conferir se este tipo de regra está
entre as alternativas opcionais foi feita de forma randômica em cada ocasião. O leitor está sendo obedecido por uma determinada seqüência é necessário determinar a tonalidade da peça.
convidado a tentar encontrar a melodia ‘real’de Tegner, antes de prosseguir com a leitura. A tonalidade é especificada por uma escala em particular (por exemplo, Sol maior; contendo
Dizem Sundberg e Lindblom que as melodias geradas por sua gramática provocaram as notas sol, lá, si, dó, ré, mi e fá sustenido), e pela atribuição de denominações funcionais
a reação generalizada dos suecos que ouviram informalmente essas melodias foi de que eram (tônica, dominante, etc) aos elementos da escala. A noção de tonalidade também contém a
bastante semelhantes, estilisticamente falando, às melodias de Tegner’. Embora esta não seja idéia de que a tônica é a nota fundamental ou central, em relação à qual são caracterizadas
uma prova rigorosa da adequação da gramática, o trabalho demonstra que se pode produzir todas as outras notas.
música de um determinado estilo a partir de um pequeno conjunto de regras gramaticais O conceito de tonalidade levanta duas questões psicológicas. Em primeiro lugar, em
completamente definidas. As regras poderíam, sem dúvida, ser aperfeiçoadas. Por exemplo, eu virtude de que, no conjunto (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si), a nota dó é ouvida ou compreendida
acho difícil acreditar que as repetições de uma mesma altura no exemplo 2.12 ou o salto entre o como central? Por que não é o mi ou o fá que detém a centralidade? Muito embora existam
segundo e o terceiro compassos do exemplo 2.11 são característicos da língua. Entretanto, não regras simples para atribuir uma tônica à escala (por exemplo, identificá-la como sendo a nota

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parece haver nenhuma razão baseada em princípios que impeça de eliminar tais ocorrências precedida por três intervalos de um tom e um de um semitom, quando as notas da escala estão
pelo acréscimo de mais regras restritivas. A característica importante de qualquer gramática dispostas em ordem ascendente), tais regras não explicam a centralidade psicológica da tônica.
desse tipo é que as principais decisões são determinadas pelo contexto. Elas são governadas por Em segundo lugar, como é que um ouvinte determina qual nota é a tônica de uma seqüência
uma estrutura geral representada na árvore de constituintes e pelo contorno de proeminência musical em uma primeira escuta? Um procedimento possível seria examinar os primeiros
que dela deriva. A implicação psicológica não é que Tegner compôs suas canções aplicando compassos de modo a enumerar todas as diferentes notas ali contidas, colocando-as em ordem
um depois do outro esses passos tão precisos em mente. Ao invés disso, gostaríamos de dizer escalar para descobrir qual escala esteve presente, e então determinar a tônica aplicando a
que seus procedimentos composicionais incorporavam de alguma maneira as estruturas e as regra como a que foi descrita acima. Infelizmente, há muitas músicas em que podemos ouvir
restrições inerentes a esta gramática. facilmente uma tônica, mas que trazem muito poucas notas diferentes em seus primeiros
Dos exemplos acima, apenas 2.15 foi de fato escrito por Tegner. A estrutura da gramática compassos, dificultando o estabelecimento de uma escala única, para não falar das músicas
de Sundberg e Lindblom não fornece uma resposta fácil à questão de quais regras caracterizam em que esses compassos contêm um conjunto de notas que não pertencem a nenhuma escala
apenas a música de Tegner, e quais são características de repertórios musicais mais amplos. cm particular. Dois exemplos extraídos de O cravo bem temperado de Bach ilustram bem essa
Talvez, a maneira mais fácil de lidar com esta questão seja considerar, um depois do outro, os possibilidade. O exemplo 2.17 reproduz os dois primeiros compassos da Fuga número 15 (livro
três elementos tradicionais da música - harmonia, ritmo e melodia. 2). Apenas três notas estão presentes (excluindo-se as oitavas), mas a maioria dos ouvintes
consegue identificar facilmente a quarta nota (sol) como sendo a tônica (e não o ré ou o si).
H a r m o n ia e t o n a l id a d e O exemplo 2.18 mostra o primeiro compasso do prelúdio número 20 (livro 2), que contém
todas as 12 notas da escala cromática, embora os ouvintes identifiquem, sem dificuldades, a
Consultando qualquer livro de harmonia, encontraremos, em seu conteúdo, uma grande tonalidade como sendo lá menor.
quantidade de regras referentes a seqüências de acordes que são ou não permitidos na música
É digno de nota que, tomando-se o dó como origem, todas as outras notas da escala
podem ser atingidas em, no máximo, dois movimentos (um movimento de quinta e um outro
de uma terça maior, ou, no caso de dó-ré, dois movimentos de quinta). Se tomarmos qualquer
Exemplo 2 .1 7 : Extraído de O cravo bem tem perado de J.S.B ach , fuga 15, livro 2.
outra nota como a origem, o número de movimentos aumenta (por exemplo, são necessários
quatro movimentos para ir de lá até ré). Portanto, uma representação mental deste tipo dá
conta de maneira direta da centralidade da tônica; ela tem, em relação a seus correlatos na
escala, uma distância média mais curta do que qualquer outra nota.
Uma outra característica de nota é que o acorde fundamental da música tonal, a tríade
maior, pode ser obtida se tomarmos qualquer nota juntamente com seus vizinhos mais pró­
ximos nas dimensões x e y. Desta maneira, a tríade aparece como uma representação espacial
compacta em formato de L. Sempre que os acordes deste tipo são encontrados, eles sugerem,
fortemente, tonalidades particulares .A tríade dó-mi-sol deve ser encontrada em apenas três
Um quadro teórico em cujo contexto esses problemas podem ser elucidados foi pro­ tonalidades, e estas tonalidades podem ser visualizadas deslizando a caixa de tonalidades para
posto por Longuet-Higgins (1972, 1976, 1978). Nessa teoria, é dada uma coordenada em a esquerda ou para a direita na distância de um tom (resultando em Fá ou Sol maior). Alguns
um espaço psicológico tridimensional a cada nota de uma composição por um ouvinte. Na acordes são até menos ambíguos do que isto. O acorde de sétima da dominante (sol-si-ré-fá)

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primeira dimensão (x) um movimento de +1 aumenta a nota em uma quinta justa (razão de pode ser acomodado apenas dentro da tonalidade de dó maior. Se o quadro das tonalidades
alturas = 3:2). Na segunda dimensão (y), tal movimento aumenta a nota em uma terça maior for movido em qualquer direção, uma ou mais notas cairão para fora dele. Isto reflete o fato
(5:4). Na terceira dimensão, a oitava (2:1) é a unidade. Por objetivos meramente expositivos, de que, na harmonia tonal tradicional, a sétima da dominante tem implicações muito fortes
para a tonalidade. Por outro lado, há alguns acordes que não se encaixam em qualquer caixa de
ignoraremos a terceira dimensão com base no princípio da equivalência das oitavas e repre­ tonalidades (como por exemplo, do-mi-sol sustenido, que é um acorde de quinta aumentada;
sentaremos o espaço tonal de forma bidimensional (veja a figura 2.11). A terceira dimensão ou dó-mi bemol-fá sustenido-lá, que é um acorde de sétima diminuta). Isto se reflete no fato
pode ser imaginada como uma extensão para fora e abaixo da página; todas as notas que têm de que estes acordes não têm implicações para a tonalidade, pelo menos isoladamente.
o mesmo nome, nas diversas oitavas, foram empilhadas’acima ou abaixo da nota dada. Dentro Uma outra característica é que as notas recebem múltiplas representações no espaço.
deste espaço, a tonalidade é um sub-espaço delimitado. Na Fig. 2.11, o espaço de Dó maior é Por exemplo, além do lá no enquadramento de dó maior, há um outro lá logo à direita. Esta
delimitado por uma linha contínua. característica reflete o insight musical de que uma mesma nota pode desempenhar funções
B F# C* G# D# A* E# B# tonais diferentes, de acordo com o contexto. Considere-se a frase do exemplo 2.19. Aqui,
dada uma tonalidade inicial de dó maior, o lá podería tanto constituir parte de um acorde
G D A E B F# C* G# implícito de subdominante (fá-lá-dó) na tonalidade de dó maior, conduzindo à tônica por
Eb Bb F C G D A E meio de uma cadência plagal, quanto constituir parte de um acorde implícito da dominante de
sol maior (ré-fá sustenido-lá), conduzindo a uma modulação através de cadência perfeita na
Cb Gb Db Ab Eb Bb F C tonalidade de sol maior. A explicação de Longuet-Higgins é que, ao ouvir um excerto como
este, nós precisamos decidir qual interpretação daremos ao lá antes de podermos representar
x -------- > p e r f e c t 5 th s o excerto na memória tonal (ou pelo menos reconhecer sua ambigüidade e manter ambas
Figura 2.11: Uma matriz de representação da música tonal. Extraido de Longuet-Higgins (1 9 7 8 ). as leituras até que novas informações nos permitam escolher uma delas). O uso da afinação
temperada em muitos instrumentos musicais aumenta a possibilidade de ambigüidades, uma mesma, um recurso composicional bastante importante. Não posso descrever sistematicamente
vez que as notas dó natural, ré dobrado bemol e si sustenido são todas representadas por um a miríade de tipos de ambigüidades harmônicas encontradas até mesmo nas composições do
mesmo som. Qualquer nota tocada no piano é interpretada levando em conta o contexto na período clássico, mas aqui está um exemplo simples e belo da Sonata de Beethoven para piano
qual aparece, isto é, a ordem dos elementos musicais. Isto equivale a dizer que o ouvinte é (Op. 14, n. 1). O exemplo 2.22 reproduz os compassos 98 a 106 do último movimento. Neste
sensível às considerações sintáticas. momento, a música está solidamente centrada em Lá maior. Considerada isoladamente, a
figura de quatro notas que abre o excerto (e que reaparece em semínimas quatro compassos
adiante) é harmonicamente ambígua. Entretanto, para muitos ouvintes, o contexto sugerirá
uma mudança do acorde de lá para o acorde de ré (através de uma quinta aumentada no lá).
Esta interpretação está confirmada pelo acorde do compasso 100. Isto cria uma forte expec­
tativa de que o padrão harmônico será repetido nos compassos 103 e 104. A primeira nota do
compasso 104 será ouvida como um mi sustenido esperando uma resolução para cima, isto é,
para um fá sustenido, como o anterior. Mas eis que vem um acorde de si bemol (!), levando
a música resolutamente para fá maior, e forçando a interpretação das duas notas anteriores
como o começo de um movimento em direção de fá.Tanto a tendência original de interpretar

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como mi sustenido, quanto a surpresa que causa a reinterpretação como fá constituem parte da
intenção de Beethoven. A passagem perdería toda a sua dramaticidade se o acompanhamento
fosse como no exemplo 2.23. Este último prepararia o ouvinte para uma transição para o fá
maior, e o momento crucial da surpresa seria perdido.
Exemplos 2 .2 1

Algumas destas considerações são bem simples. Por exemplo, não intervindo outros _5 H — f f f F ij , f.-fi
fatores, o ouvinte escolherá para uma nota a interpretação tonal que a coloca perto das notas (D ----U -— ----- <£■ --& —

f pf
precedentes no espaço tonal. Em outras palavras, ele opera dentro de uma ‘janela restrita da P

tonalidade, que só muda de posição lentamente. Um outro princípio poderia ser o de preferir jJ ts L .- . ----------u p
,■ .*■' - ....... l T~

uma interpretação que preserve a armadura atual ao invés de uma interpretação que a muda. '- f - - r 1

A maioria dos ouvintes ouvirá o exemplo 2.19 como uma permanência em Dó maior, e não ©
como uma modulação para Sol maior. Eles escolhem a interpretação do lá que preserva a to­
nalidade inicial. Se, por outro lado, escrevermos dois acordes alternativos de acompanhamento
(exemplos 2.20 e 2.21) poderemos ‘desambiguar’ a frase. A aparição de um fá sustenido no
exemplo 2.21 ‘força’ o leitor a mudar a armadura para Sol maior. Em linhas gerais, quanto
mais cheio for o acompanhamento de uma melodia, menor a possibilidade de existirem am­
bigüidades tonais. Isto não significa, contudo, que os compositores devam ser aconselhados a Exemplo 2 .2 2 : Extrato do segundo movimento da Sonata op.14, n.2 para piano de Beethoven.

engordar suas composições com harmonias implícitas o tempo todo. A ambigüidade é, em si


Podemos pensar que a forte sensação de fá sustenido maior é permitida aqui pelo trinado
na primeira nota. Isso evoca o trinado passando da nota dominante para a tônica, que caracteriza
a cadência final de muitas peças do período. Portanto Bach pode ter confiado na capacidade
dos ouvintes de reconhecerem esta figura tão peculiar para determinarem a tonalidade.
T ...." F f
p 1 í 1 ff
j
L + - f - ^ -4

r-M r* ------------ J 1 T ii
^1._“ . LJ~ H ^ — 1
© Exemplo 2 .2 4 : Extraído de O cravo bem temperado de J.S .B a ch , fuga 13, livro 2.
í mu-
J U - =J=ppt —
- r j? ‘F 1
Tentemos resumir esta pequena discussão sobre a harmonia na tonalidade. Gramáticas
J —T+- gerativas, como aquela proposta por Sundberg e Lindblom (1976) que foi escrita para um
=¥=-- (,4 -t u - r* pequeno conjunto de canções, permitem que outras canções sejam produzidas dentro do mes­
mo idioma. O que falta nessas gramáticas são referências a quaisquer princípios, pelos quais
as regras possam ser compreendidas. O objetivo de teóricos como Longuet-Higgins é o de
Exemplo 2.23: Uma harmonização alternativa para o exemplo 2.22.

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Neste e em todos outros exemplos de ambigüidade musical, não há uma única estrutura produzir postulados gerais sobre a maneira como os ouvintes representam grandes repertórios
sintática. Ao invés disso, temos duas estruturas possíveis, e a intenção do compositor é que musicais. Eles conseguem explicar por que a maior parte da música parece operar dentro de
cada uma dessas estruturas seja construída pelo ouvinte em momentos distintos. As regras certas restrições, mas também nos ajudam a compreender o efeito da música que nosso ouvido
para a introdução de ambigüidades, se é que existem, estão fora do conjunto de regras que percebe como tonalmente ambígua.
descrevem os movimentos permitidos de uma tonalidade. Quando os psicólogos e outros R it m o e c o m pa sso
falam em sintaxe musical, eles estão geralmente se referindo às regras para a construção da
música que se quer não-ambígua (como as canções infantis de Tegner). Retornemos, portanto, A estrutura subjacente ao ritmo de uma peça musical é freqüentemente uma árvore do
com cautela às nossas questões anteriores - como determinar a tonalidade de composições a tipo desenhado na fig 2.10.0 tipo mais simples de estrutura envolve um pulso regular marcado
partir dos compassos iniciais (exemplos 2.17 e 2.18). Um compositor nem sempre deseja que de forma a acentuar toda n-ésima ocorrência (geralmente 2,3, 4 ou algum múltiplo simples
resolvamos facilmente este problema. Em geral, seria correto dizer que as melodias tonais destes). Um acento marca o início de uma unidade de compasso, que é geralmente escrita em
tendem a começar com uma nota do acorde de tônica, e, portanto, o ouvinte estará tentando música através de uma barra de compasso. As vezes, uma árvore tem encaixamentos em diversos
encaixar uma harmonia de tônica na primeira oportunidade possível, mas isso não garante que níveis (como na figura 2.10), mas concentrar-me-ei aqui nas regras que prescrevem possíveis
não serão escritas melodias que começam por outras notas. No exemplo 2.17, o estabelecimento estruturas rítmicas dentro de um único compasso. Assim como acontece com a harmonia, as
e a manutenção rápidos de um acorde de sol maior sugere fortemente uma tonalidade de sol discussões mais produtivas acerca da sintaxe rítmica têm ocorrido no contexto dos problemas
maior, e no exemplo 2.18 a enfática linha do baixo estabelece imediatamente o lá como tônica, com que se depara o ouvinte que tenta identificar o acento rítmico a partir de um padrão sonoro.
embora a escrita cromática faça o melhor possível para dissuadir o ouvinte de sua certeza. Mas Como ele fica sabendo quais notas têm os acentos principais? Se for apresentada ao ouvinte
o que dizer da fuga em fá maior sustenido do livro 2 (exemplo 2.24)? Ela começa claramente uma série de notas igualmente espaçadas e com altura e volume idênticos (exemplo 2.25), não
em um mi sustenido, que não faz parte do acorde de fá sustenido maior.
há nenhum sentido em que se possa dizer que há um ritmo presente [embora o ouvinte possa neste exemplo, algumas formas possíveis de marcar o compasso não podem ser eliminadas sem
impor um agrupamento rítmico por sua própria iniciativa (Woodrow, 1951)]. Para comunicar fazermos referência aos tempos ‘vazios’ 14 e 16. Isto parece ser muito tempo que o ouvinte
uma interpretação rítmica desejada, os acentos principais precisam ser marcados de alguma tem de esperar antes que o ritmo possa ser determinado, sem falar na sobrecarga de memória
maneira. Um método usado para fazer isso envolve variações de intensidade. Na ausência de necessária para guardar tantas notas enquanto que são experimentadas diversas interpretações
outras informações, uma nota acentuada deve ser mais forte do que suas vizinhas. Portanto, rítmicas. Existem outros elementos da estrutura que poderíam ser usados para fazermos um
o exemplo 2.26 fornece uma indicação forte de compasso quaternário, com uma nota mais julgamento menos tardio? Uma estratégia possível é buscar padrões repetitivos, com base na
forte marcando o início de cada compasso. Nos instrumentos em que a mudança de dinâmica premissa de que um padrão rítmico ocupará sempre a mesma posição no compasso, nas duas
não é possível de uma nota para a outra (como, por exemplo, no órgão), é possível recorrer vezes em que aparecer. A distância entre os dois padrões será então um compasso inteiro ou
a maneiras análogas de indicar acentos, através da articulação e do fraseado. Por exemplo, a ainda, um múltiplo simples de um compasso. Segundo este princípio, a repetição do padrão
primeira nota pode ser mantida por todo o tempo de sua duração (tenuto), enquanto outras semínima + colcheia + colcheia do exemplo 2.28 nos limita a um compasso binário ou qua­
notas podem ser encurtadas (staccato), como acontece no exemplo 2.27. ternário porque um compasso ternário faria, inevitavelmente, com que o padrão caísse em
posições diferentes dentro de cada compasso em suas duas ocorrências consecutivas. Entre­
tanto, mesmo esta estratégia não ajuda o ouvinte a decidir entre as duas maneiras de marcar
os compassos quaternários dispostos nos exemplos 2.29 e 2.30. Aqui, é apenas a ausência de

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uma nova nota no tempo 14 que é decisiva em favor de 2.29.

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Exemplos 2.2 8
Exemplos 2.27
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A toda essa classe de procedimentos de marcação eu chamarei ‘marcadores de perfor­ Exemplos 2.2 9

mance’ porque se baseiam na maneira como as notas são tocadas ao invés de suas alturas e
durações específicas. Discutirei mais longamente as marcações desse tipo no capítulo 3 (em
particular, na seção 3.2.3). Elas são análogas ao acento (stress) e à entoação na fala. Exemplos 2.30

Um outro tipo de marcador está ilustrado no exemplo 2.28. Neste caso, fazem-se variar as
durações das notas pela subdivisão dos tempos ou prolongando a nota por mais de um tempo. Outra estratégia que permite uma decisão menos tardia envolve a busca de agrupamento
A observação de várias obras da música tonal permite fazer certas generalizações acerca da dactílicos. Um dáctilo é uma figura na qual uma nota é seguida por outras duas que têm a metade
distribuição dos valores das notas. Por exemplo, o tempo forte geralmente não é subdividido, de sua duração (por exemplo, uma semínima seguida por duas colcheias). Uma segmentação
e não ocorre no contexto de uma nota longa a não ser no início. Portanto, no exemplo 2.28, recursiva baseada nesta forma de agrupamento pode, às vezes, gerar uma marcação de compassos
podemos descartar os tempos 2,6,10,14,15 e 16 como sendo acentos fortes, deixando apenas apropriada bastante cedo. Aplicado ao exemplo 2.28, este procedimento leva a buscar o primeiro
as notas 1,5 e 9 como as únicas interpretações regulares do compasso quaternário. Contudo, dáctilo encontrável, identificando corretamente dessa forma as três primeiras notas. Este dáctilo
é então considerado uma unidade (efetivamente pela substituição das três notas por uma única compositor pode escrever música supostamente ‘sem compasso’ se ouvida isoladamente, mas
nota com suas durações somadas, uma mínima). Então, a seqüência é novamente investigada que adquire uma interpretação particular na mente do ouvinte através da extrapolação do
desde o início em busca de um dáctilo e o procedimento identifica a mínima inicial juntamente compasso precedente. Um bom exemplo disso aparece na Fuga de Bach para órgão, conhe­
com as duas colcheias como um dácilo superordenado. Mais uma vez, o dáctilo é substituído cida popularmente como a ‘Giga-Fuga’. Ela tem este nome por causa do compasso ternário
por uma única nota, uma semibreve. Neste ponto, o procedimento não pode mais encontrar fortemente implícito pelas primeiras oito notas do tema (exemplo 2.33). Então vem uma série
nenhum outro dáctilo envolvendo o primeiro tempo, e então avança passando a considerar o de colcheias. Certamente não há indicativos de compasso aqui, e, na verdade, a repetição da
quinto tempo. Com base na assunção de que o início de um dáctilo marca um tempo forte, este nota 9 pela nota 11 pode ser lida como uma sugestão contrária ao compasso binário. Porém,
procedimento identifica os tempos 1 e 5 como acentos principais. experimentamos uma sensação forte de agrupamento triplo ‘transportado’das primeiras notas.
É claro que, poucas músicas contêm passagens que permanecem na mesma altura por Em outros lugares, o uso da síncope leva esta idéia mais longe, colocando um acento aparente
períodos de tempo longos, e uma outra possibilidade para determinarmos o ritmo baseia-se na em local não previsto pelo compasso anterior. Se a síncope tiver de ser ouvida como tal (e não
tendência de grande parte da música para conter padrões repetitivos de alturas. Muito embora como uma mudança de compasso), então devemos estar atentos à relutância do ouvinte em
as notas do exemplo 2.31 tenham a mesma duração, os ouvintes têm uma sensação de compasso alterar o compasso inferido (e à exploração desta relutância por parte do compositor) e não
ternário porque o padrão de altura repete-se transposto depois de cada três notas. Este efeito para as regras de geração de seqüências de uma ‘árvore’ rítmica.
pode ser realçado dando ênfase à separação da altura da primeira nota em cada grupo, como

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no exemplo 2.32. Para uma discussão mais completa acerca desta e de outras estratégias de G\ | z h = e = = r= ...—- L'” f f A J - n T A T - f
■éz— ... J í J.3 * / ^ «i.----- í*
reconhecimento rítmico, consulte Steedman (1977) e Longuet-Higgins & Lee (1982). I Z 3 t, 5 i 7 í <f lo li ti. J3 15

Exemplo 2 .3 3 : Adaptação da Giga-Fuga para órgão de J.S .B a ch .

7 .......... — , — ..... :------r— : .. — r— f----- t------i—


A - t ... * 2
y ......4 ..—*------------ *----------------------
li:. ..J t "
Assim como acontece com a harmonia, é preciso tomar consciência de que é freqüen-
temente intenção do compositor intrigar ou confundir o ouvinte com ambigüidades rítmicas.
Exemplos 2.31

r f — — -
S t r r f r f t Tomemos, por exemplo, o início do último movimento da Sonata para piano em sol maior de
Beethoven (Op. 14 n. 2), dada no exemplo 2.34. Apesar da marcação de compassos, o efeito
B f t ..3 = Ê T È j

Exemplos 2 .3 2 desta seqüência, até o tempo 9, é o de sugerir um compasso binário, mostrado no exemplo 2.35.
Este agrupamento é sugerido pelos grupos de dátilos, particularmente pelo dátilo superordenado
A dificuldade em passar de estratégias plausíveis como estas para uma gramática do ritmo formado pelos tempos 4, 6 e 7, mas a interpretação esbarra em problemas no tempo 10 (no
é que os compositores, como se podería lembrar, usam seus conhecimentos das estratégias pos­ qual há uma subdivisão do tempo inesperada) e é fortemente posta em cheque pela ausência
sivelmente utilizadas pelos ouvintes para fundamentar uma música neutra ou até uma música de uma nova nota no suposto acento principal, no tempo 12. Neste caso, o ouvinte não tem
que viola as regras implicadas nas estratégias. Por exemplo, é possível postularmos um princípio nenhuma maneira real de fixar-se numa interpretação particular do ritmo, mas se o pianista desse
de coerência com relação à maneira como os ouvintes atribuem uma fórmula de compasso uma pancada no primeiro tempo de cada compasso acabaria com o propósito dessa música. A
a uma determinada peça musical. Se uma seqüência começa com indicativos fortes de uma incerteza faz parte de um primeiro sujeito; uma brincadeira travessa do tipo ‘pegue-me se for
determinada fórmula de compasso, é provável que o ouvinte mantenha o compasso como um capaz’, toda feita de paradas abruptas e de momentos de atividade alvoroçada. As incertezas se
recurso interpretativo por um certo tempo, mesmo na ausência de indícios fortes. Portanto, o resolvem somente no segundo sujeito, sereno e não-ambíguo ritmicamente (exemplo 2.36).
A melhor analogia lingüística para a composição musical não é tanto a enunciação de
W = i = t ± - l~ r j J ” -
T»------- f n
— £ ^ uma sentença nova mas a enunciação de uma não-sentença (como o poema); neste caso, o
enunciador leva em conta as competências lingüísticas de seu ouvinte; por isso, a não-sentença
1 - f -4 ----------- h
■ p j -----------1

1
T*V.'"'J"~T'------------
i (o poema) é significativa para o ouvinte.
4
i $
r— 1 ?— .. ....... ..• : -----«------------- j_
— [i

M e l o d ia
1 2 3 4 8 ‘l
r 6 7 io n

Exemplo 2 .3 4 : Extrato do último movimento da Sonata para piano em sol maior, op.14, n.2 de Beethoven.

Muitas das restrições que pesam sobre a melodia são ditadas pelo fato de que a melodia
precisa ser capaz de comunicar estruturas harmônicas e rítmicas para o ouvinte. É por esta
p f*7 ----------------- —♦— i --------
razão que a gramática de Sundberg e Lindblom gera a melodia após serem determinados a
-/j--1--- 2-- f^ f 4 # fé W
Mf-
TT
1 j 1 harmonia e o ritmo. Contudo, supor que os compositores concebem a harmonia e o ritmo
antes da melodia em todos os casos, seria simplificar demais as coisas. Muito embora um
I compositor possa estar, às vezes, limitado pelo ritmo e pela harmonia (como, por exemplo,
--------- ----------
——--Mt------- ‘Preciso passar de ré maior para lá maior em quatro compassos’), há momentos em que ele

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pode permitir que a harmonia e o ritmo sejam derivados de uma idéia melódica. A afirmativa
Exemplo 2.35: Extrato do último movimento da Sonata para piano em sol maior, op.14, n.2 de Beethoven. de que o ritmo e a harmonia são sintaticamente anteriores à melodia não se baseia em obser­
vações sobre o processo composicional (mais a respeito disso no capítulo 4). Baseia-se antes
Estas considerações nos levam a algumas restrições fundamentais na maneira como em observações acerca do produto musical e seus efeitos nos ouvintes. Em primeiro lugar, o
postulamos que uma gramática da música deve ser usada. Na linguagem, podemos geralmente número de melodias diferentes em um idioma é bem maior que o número de seqüências har­
afirmar que tanto o falante quanto o ouvinte se atêm à gramática, e que a intenção do falante mônicas e rítmicas próprias desse idioma. Há muitos casos em que melodias muito diferentes
é normalmente a de produzir enunciados não-ambíguos que o ouvinte interpretará conforme apoiam-se em progressões harmônicas idênticas, mas comparativamente poucos casos em que
a intenção do falante. Na música, o compositor segue a gramática de maneira mais solta. É harmonias muito diferentes apoiam-se em melodias idênticas. Em segundo lugar, há algum
bem possível que ele saiba de sua existência, e saiba como escrever música sem ambigüidades sentido em falar de harmonia sem melodia, ou de ritmo sem melodia; mas faz pouco sentido
usando-a, mas também pode manter-se afastado da gramática de uma maneira impossível em falarmos sobre melodia sem harmonia ou ritmo, pelo menos no idioma tonal. Quando os
ao ouvinte. Ele antecipa as estratégias que um ouvinte de sua cultura usará para estruturar a ouvintes escutam uma melodia, normalmente seu processamento envolve uma tentativa de
experiência, e contraria essas estratégias de maneiras interessantes. Portanto, uma gramáti­ recuperar a estrutura harmônica e rítmica implícita. Representar a melodia para si mesmos
ca compartilhada não pode gerar composições. Mas é crucial considerar que ela existe para significa recuperar esta estrutura. Ao contrário, uma seqüência de acordes pode ser ouvida sem
determinar a natureza e o grau de liberdade com os quais o compositor pode atuar quando nenhuma tentativa de recuperação de uma ‘melodia implícita’.
transforma e amplia seu estilo musical. Em outras palavras, se uma composição for totalmente Portanto, a melodia representa o nível de maior diferenciação em música, nível em que
gerada pela gramática, é quase certo que será tediosa; se infringir as regras de maneira des­ nossas faculdades avaliativas e críticas são empenhadas da forma mais imediata. É o aspecto
motivada, é quase certo que será ininteligível. da música que está mais próximo da ‘superfície’, aquele que caracteriza a música da maneira
mais imediata para a maioria dos ouvintes. Nossa apreciação de uma ‘grande’ melodia baseia-
se parcialmente em nossa apreciação do fato de que um compositor tem muitas opções boas A derivação da melodia a partir destas regras pode ser ilustrada por estágios. O exemplo
quando está gerando uma melodia, ainda que a harmonia e o ritmo sejam pré-determinados. 2.41 mostra uma melodia derivada apenas da regra de número 1. O exemplo 2.42 mostra as
Sua escolha torna-se memorável quando é suficientemente diferente de qualquer coisa que modificações introduzidas através da aplicação da regra 2, e o exemplo 2.43 mostra a forma
já tenhamos pensado ou ouvido anteriormente, e quando nós percebemos nessa escolha uma alcançada após uma aplicação seletiva da regra 3. Note-se que ainda resta uma nota (marcada
adequação ou acerto singular. A sintaxe para a melodia não deve ter a pretensão de formalizar a com asterisco) que não está de acordo com a melodia de Verdi. Há alguma outra regra que
grandeza. O que ela pode fazer, talvez, é especificar as opções permissíveis de modo a tornar claro poderiamos aplicar para dar conta disso? Talvez sim; mas nós também precisamos admitir
precisamente como é formidável a tarefa do compositor ao selecionar entre essas opções. a possibilidade de que Verdi tenha rompido, de forma deliberada, com as regras formais por
Tomemos então como exemplo uma estrutura harmônica e rítmica bastante simples, e alguma razão em particular. No caso, essa razão não é difícil de ser encontrada. A melodia se
examinemos o tipo de regras que nos permitiriam a derivação de melodias aceitáveis. O exem­ quebra de forma bastante natural em dois segmentos de dois compassos (os dois com ritmo
plo 2.37 fornece um ritmo e uma harmonia que a nossa melodia precisa ‘carregar’. Podemos idêntico). O segundo segmento (compassos 3-4) é uma repetição exata do primeiro, transposto
imaginar que foram gerados pela aplicação de um conjunto de regras sensíveis ao contexto, um tom abaixo. Claramente, Verdi tem em mente que o quarto segmento (compassos 7-8)
como era o caso das regras propostas por Sundberg e Lindblom, e discutidas na seção 5.2 deste deveria ser uma versão similar transposta dos compassos 5-6. Porém, se a transposição fosse
capítulo. Uma primeira regra de construção melódica que podemos querer considerar é: exata, nós teríamos o exemplo 2.44 que deixa as três notas finais sem explicação, de acordo
com as regras que temos até aqui. A ‘concessão’de Verdi consiste em rebaixar as quatro últimas

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1. Uma nota pode ser escolhida de um acorde da harmonia implícita naquele ponto. notas em um tom. Isto preserva o contorno (a relação de sobe, desce ou repetição das notas
adjacentes) do segmento anterior, e, além disso, imita o contorno melódico dos compassos 2
Supondo que estamos na tonalidade de Dó maior, então esta regra permite que qualquer e 4 e no compasso 7. É essa mistura de imitação e leve desvio da repetição exata, acrescida à
nota do primeiro e último compassos seja dó, mi ou sol, e qualquer nota no segundo e terceiro discordância moderada da última nota ‘discrepante’no compasso 7 que dá interesse à melodia.
compassos seja sol, si, ré ou fá (acorde de sétima dominante). Mesmo que a escolha de notas Um compositor menos imaginativo teria fornecido uma solução mais regular e correta’ (veja
esteja limitada a uma única oitava, esta regra permite a criação de 2.985.984 melodias distintas. exemplo 2.45).
Os exemplos 2.38 3 2.39 são apenas duas dessas melodias. Porém, olhando para as melodias
3
publicadas, percebe-se rapidamente que a regra número 1 é demasiado restritiva para muitas f *r _è i pA 7-j
J J U j

melodias porque estas contêm notas estranhas à harmonia em algum momento. Considere-se,
por exemplo, a famosa ária ‘La donna è mobile’da ópera Rigoletto de Verdi, na qual o padrão Exemplos 2 .3 7

exato encontrado no exemplo 2.37 é repetido duas vezes (veja o exemplo 2.40). Há cinco notas
(marcadas com asterisco) que a regra 1 não autoriza. Para acomodar estas notas, precisamos
— t U -------------------- :— i— :------- i -----------1------ ;----------r ~ A ....... — 1-------------- , .................. = 2 = = . 3ZZZZZZJ1
- T - y — ;--------------1 *.. — j — ■ ~r -.5_____ _______________ J — j— — p * . — — H
t— — ;— J 1 i t f 19 1 .1... . . E l i .... 1 W j-J -. — i----- J---- À— - l - I ---------- h
t
de pelo menos mais duas regras:
. 1 ... -----------U - L ----------- ,2....

Exemplos 2.3 8

2. Uma nota pode ser inserida entre duas notas adjacentes de um determinado acorde se -~y~n--j ...-l ------- Lrn—u: —í--- —j; ...m
formar um intervalo de um tom com uma ou mais notas (nota de passagem). í—t---+:----- r-^f Jr-9
/ í—3—3—!
mT*
, I, V1 / 1i .H• P__
j- ----- j- r ____Li__d.-J.__
r J-LL4---- __
PT U.-I]
:2=D
■ * ■ ^ —
3. Duas ocorrências de uma mesma nota podem ser substituídas por um par que inclui essa
nota, precedida por uma outra nota um tom mais aguda (appoggiatura).
Exemplos 2.39
r-_________ « g * ...* f * objetivos provisórios e a aplicação de procedimentos heurísticos para tentar atingi-los. Tais
h r T D .m ..................t.i ......
lj
------- (J procedimentos não se parecem formalmente com os passos da gramática gerativa, e nós exa­
minaremos sua natureza no capítulo 4.
Exemplos 2.40

Padrão e estrutura
---------- ---------
-Ó " " ].~t ~t í..h
^ 4T' - f A - 4 -u t3=cr= L*i v -j - w t -u Embora as regras de harmonia, ritmo e melodia proporcionem boa parte das restrições
Exemplos 2.41 detalhadas que se aplicam ponto a ponto nas seqüências musicais, elas não dão conta de mui­
A vie X} Avie X
tos dos aspectos mais amplos da estrutura musical que, alguém poderia sustentar, recaem no
r ' i .r__ .__.rflrft:., "T
r ------- F™ “1 domínio da sintaxe musical. A repetição constitui, possivelmente, o mais geral destes aspectos.
-fo*- : t J j h
T
-------- =
h f W
1
Repetições exatas podem ocorrer em muitos níveis. Um mesmo fragmento melódico pode ser
Exemplos 2.42
repetido (Suíte francesa de Bach, n. 5 em sol maior, último movimento, exemplo 2.46), assim
como uma figura de acompanhamento (Baixo de Alberti, como ocorre na Sonata de Mozart
Ç KJ±i
para piano em Dó maior, K. 545, primeiro movimento, exemplo 2.47). Em escala mais larga,
pode ser repetida a mesma frase (como na forma de canção típica A-A-B-A) ou uma grande

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.* w 1 9 4 * • 4. #0
porção musical (como ocorre na exposição de um movimento clássico na forma sonata). Po­
rém, freqüentemente, a repetição não é exata. A transposição da altura do material melódico
Exemplos 2.43

é comum. Outras formas de repetição com mudanças incluem inversão, aumento, contração,
segmentação e retrogressão. A forma sonata e muitas formas composicionais posteriores fazem
usos múltiplos de tais transformações de modo a estender e desenvolver o material temático.
Exemplos 2.44 Simon e Sumner (1968) demonstraram que muitas características importantes dos padrões
musicais podem ser capturadas por formalismos simples que incluem os operadores IGUAL
e PRÓXIMO, aplicados às principais dimensões do som musical. Eles tomam por exemplo a
L , -

=4 * 3 =
Exemplos 2.45 Gavotte de Bach da suíte francesa número 5, e mostram como os quatro primeiros compassos
podem ser quase que totalmente descritos em termos de repetições de elementos contidos no
primeiro compasso.
Se existem, de fato, regras simples de construção melódica como as supracitadas, creio
que podemos tirar duas conclusões sobre elas. Em primeiro lugar, encontraremos composi­
tores que transgridem essas regras, de tempos em tempos, quando resolvem dar prioridade a Exemplo 2 .4 6 : Extrato do último movimento da Suíte francesa n.5 de J.S.B ach .
outros princípios organizacionais. Em segundo lugar, essas regras permitem tantas opções que
a arte da composição consiste em desenvolver formas motivadas de restringir as opções. Já
que o ‘espaço de busca’é tão grande, e já que há tantas propriedades que poderiam influenciar
a escolha composicional, a composição parece naturalmente envolver o estabelecimento de
É, acredito eu, o que acontece com a música. A música usa a padronização para atingir
objetivos estruturais; e também usa a padronização para engajar o ouvinte com detalhes
decorativos, mas a coerência estrutural de uma peça musical será encontrada somente no
interior dos princípios de padronização. Estes princípios não têm pontos de partida e pontos
de chegada embutidos em si. Podem ser aplicados repetitivamente a qualquer idéia musical,
Exemplo 2 .4 7 : Extrato do primeiro movimento da Sonata para piano em dó maiôs (K .5 4 5 ) de M ozart. de modo que uma peça musical indefinidamente longa poderia ser produzida (assim como,
pelas técnicas de Escher, seria possível produzir um desenho indefinidamente grande). Os
Embora eu admita que tal padronização constitui parte integrante da música, creio conceitos schenkerianos oferecem uma base possível para falar de estruturas voltadas para um
ser necessário afirmar que ela não pode, por si só, proporcionar uma descrição completa da objetivo, por meio do conceito de percurso harmônico que começa na tônica e a ela retorna
estrutura da composição musical. Posso, talvez, ilustrar este ponto usando duas analogias. A no final, mas, claramente, qualquer caracterização completamente adequada de estruturas com
primeira analogia refere-se à arquitetura. Um arco curvado de alvenaria encontrado em uma objetivo terá de ser complexa e multidimensional. O fato de que é relativamente fácil entender
velha igreja contém diversos exemplos de padronização. Por exemplo, a curvatura de um ti­ e caracterizar as técnicas localizadas de repetição e transformação que operam em segmentos
jolo pode ser levemente maior do que a de seu vizinho, ainda que retenha uma semelhança musicais curtos, ao passo que é extremamente difícil caracterizar os fatores que orientam uma
grande no formato, aparentando ajustar-se ao próximo membro da seqüência. Repetição e obra e lhe dão forma integrada provavelmente explica a crença de Schenker de que é necessário

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transformação estão presentes, mas quando questionamos o porquê daquela transformação um gênio para produzir uma peça musical extensa com uma estrutura unificada e motivada.
em particular ter sido escolhida e quanto de transformação se faz necessário, não podemos Uma implicação comum de diversos aspectos da sintaxe musical que tratamos aqui é
responder esta questão recorrendo ao formalismo que descreve cada elemento transformado que eles são mais bem compreendidos por sua relação com as propensões dos ouvintes em
em termos de seus predecessores. Ao invés disso, precisamos ver qual é a função geral da série inferir estruturas subjacentes particulares das seqüências de notas do que por sua relação com
de transformações: para proporcionar uma ponte auto-sustentável de uma determinada for­ os processos gerativos usados pelos compositores. Recentemente, Lerdahl e Jackendoff (1983;
ma. Há, logicamente, a possibilidade de que alguns aspectos do padrão (digamos, os entalhes e também Jackendoff e Lerdahl, 1982) seguiram as implicações desta observação propondo
decorativos na alvenaria) sejam irrelevantes neste nível de estrutura, mas tipicamente, tal de­ uma série de regras gramaticais que procuram dar conta, sistematicamente, da maneira como
coração será, de alguma maneira, governada pela estrutura (a decoração mantém uma relação os ouvintes atribuem prioridade estrutural aos vários elementos de uma composição musical.
constante com a linha do arco). De fato, eles propuseram um sistema formal para analisar uma determinada seqüência musi­
Uma segunda analogia vem das artes gráficas, valendo como exemplo o trabalho de cal. Suas regras podem ‘lidar’com a ambigüidade porque incorporam uma série de estratégias
M.C. Escher. Em muitos de seus desenhos, uma técnica básica de padronização é facilmente independentes para agrupar elementos musicais. A interpretação final do ouvinte dependerá
discernível. Escher usa séries ordenadas de formas, cada qual é levemente diferente de sua do peso que dá às várias estratégias, e se seus efeitos se reforçam ou contradizem reciproca­
vizinha de modo que, conforme o olho se move pela figura, metamorfoses sutis e perturba­ mente. A teoria ainda é recente para ser examinada em detalhe aqui, mas promete ser uma
doras são vivenciadas. E, no entanto, o que torna a figura interessante não é tanto a técnica contribuição importante ao tópico.
transformacional, mas sim os pontos de chegada usados por Escher para viajar entre as trans­
formações. Cada desenho descreve uma jornada com um começo e um fim, e estruturalmente,
as destinações externas controlam as transformações internas. Nós somos engajados em dois
níveis; a técnica fascina, mas a maior causa do fascínio é a maneira como a técnica é usada
para chegar às várias formas significativas.
S e m â n t ic a m u s ic a l A implicação deste tipo de evidências é que as pessoas re-codificam informação lin­
güística em informação semântica. Para o ouvinte, o ‘significado’ de uma sentença é, grosso
Um fato significativo do comportamento lingüístico é que as pessoas quase nunca se modo, aquilo que ele acrescenta a seu modelo da situação que está sendo descrita, por ter
lembram daquilo que leram ou ouviram nas mesmaspalavras. A evocação lingüística não ape­ ouvido a sentença. Este acréscimo permite-lhe fazer uma quantidade de coisas. Uma delas
nas parafraseia o original, mas também contém muitas inferências de informações que não pode ser reproduzir aquilo que recebeu, mas isto não é, de forma alguma, um desdobramento
estavam no original. Tomemos, por exemplo, esta breve narrativa: necessário, ou mesmo importante (somos capazes de imitar sons de fala que não têm nenhum
sentido para nós). Outras coisas podem incluir a realização de ações apropriadas (por exem­
Jill foi convidada para a festa de aniversário de Jack. plo, em resposta a Você deixou o farol do seu carro aceso’), a representação das informações
Ela ficou pensando se ele gostaria de ganhar uma pipa. recebidas em outro modo (como desenhar a figura de ‘um tijolo vermelho logo abaixo de um
Foi até o seu quarto e chacoalhou seu cofrinho. tijolo verde’), ou experimentar alguma emoção significativa (como ‘a sua avó morreu hoje’).
Dele não saiu nenhum som. De um ponto de vista psicológico, a linguagem é, de certo modo, um substituto da experiência
sensorial. Nós respondemos quando nos dizem que deixamos os faróis acesos da mesma ma­
Uma evocação lingüística típica podería ser mais ou menos assim: neira que responderiamos se os víssemos acesos. Os teóricos contemporâneos dão conta desta
equivalência dizendo que os dois inputs têm efeitos equivalentes em nossas representações

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Jill estava indo à festa de aniversário de Jack. mentais do mundo.
Ela queria comprar uma pipa para ele. A principal questão da semântica musical é se podemos estabelecer equivalências análogas
Ela foi até o seu quarto e chacoalhou o cofrinho. entre a música e algum fenômeno essencialmente não-musical. Será que a música causa efeitos
Não havia dinheiro nele. psicológicos que podem ser causados por outros meios, e o faz de maneira sistemática?
A primeira posição que devemos considerar é que a música, pura e simplesmente, não
Tal evocação, embora nos pareça correta, está fortemente carregada de inferências. Por possui semântica. Segundo este ponto de vista, a música é psicologicamente fechada em si
exemplo, é possível que o cofrinho de Jill não tenha feito nenhum barulho porque estava cheio mesma, uma espécie de atividade psicológica à parte para a qual modos singulares de repre­
de notas de dinheiro. Também é possível que a dúvida de Jill, se Jack gostaria de ganhar uma sentação foram desenvolvidos. A proposta, discutida anteriormente, de que as pessoas repre­
pipa, tenha sido um pensamento passageiro; e que ela, de fato, não quisesse comprar nada para sentam música como um espaço tonal em que as notas recebem funções harmônicas dentro
ele. Estas alternativas normalmente não nos ocorrem porque, com as coisas que ouvimos, nós de tonalidades, é certamente diferente de qualquer outra sugestão que os psicólogos tenham
fazemos interagir o nosso conhecimento: conhecimento sobre festas de aniversário, condições feito acerca da representação cognitiva em outras esferas.
financeiras de meninas pequenas, entre outros. A direção em que apontam as evidências recen­ Há, claramente, muitas coisas no comportamento musical que podem ser explicadas se
tes (veja, por exemplo, Sandford ôc Garrod, 1980) é sugerir que as pessoas fazem inferências considerarmos a representação musical como um subsistema fechado, sem ligações essenciais
durante a recepção da mensagem, com o objetivo de construir um modelo interno da porção com outros domínios cognitivos. Este sistema merece ser estudado, é o principal tópico de
do mundo à qual se refere a mensagem. E possível que a informação dada seja marcada como discussão do presente volume, e é o tema das mais importantes iniciativas de investigação na
tal e guardada em separado da informação inferida; mas é comum as pessoas se desviarem
larga e sistematicamente daquilo que de fato foi dito, mesmo aquelas que julgam ter memórias área. Porém, acredito que as evidências disponíveis nos forçam a aceitar que há um certo ‘vaza­
excelentes daquilo que as outras pessoas dizem, e mesmo em juramentos solenes, (veja a análise mento’. A experiência musical é traduzida em outros modos de representação. Consideremos,
de Neisser do testemunho de John Dean no caso Watergate, 1981). por exemplo, o caso de alguém que acabou de ouvir a execução de uma obra sinfônica longa
e complexa. E bem possível que essa pessoa não consiga lembrar de um único tema da obra
(eu mesmo me pego freqüentemente nesta situação), mas essa pessoa certamente lembra de sagem referencial quase sempre tem uma função dupla: ela aponta para um evento externo,
algo da obra, e pode produzir uma resposta apropriada a isso. Quando esta resposta é expressa mas também constitui parte da estrutura temática da peça como um todo. Trata-se de um
em palavras, ela contém observações sobre a substância da música, e essas observações tipi­ segmento musical bem formado independentemente de sua referência, e um aspecto da artes
camente não são descritivas (estava alto’) nem exprimem uma reação (‘eu gostei’), mas dão da composição consiste, precisamente, em encontrar passagens capazes de desempenhar essa
forma a uma tentativa de caracterizar a música pelo uso da metáfora (‘dava a sensação de uma dupla função.
longa batalha entre heróis que se resolvia de modo triunfal’). Que as pessoas freqüentemente O que se pode dizer, então, dessa enorme quantidade da música que não tem signifi­
discordem em suas caracterizações parece menos significativo do que o fato de que sempre cado no sentido estrito delineado acima? Uma das sugestões mais populares é que, de certa
têm algum comentário a fazer. Não se trata de uma reação arbitrária, mas sim uma tentativa forma, as seqüências musicais denotam ou representam certos estados emocionais. Deryck
genuína de descrever alguma coisa ou experiência real. Portanto, para muitos de nós a música Cooke (1959) apresentou uma das versões mais articuladas dessa tese. Ele argumenta que os
tem significados extra-musicais, embora intangíveis. intervalos da escala diatônica sugerem qualidades emocionais diferentes (por exemplo, a terça
O que faz a música ter significado para nós? Uma possibilidade é a de que ela imita os maior - prazer; quinta e oitava - neutras) e segue isolando diversas combinações melódicas
sons que ocorrem em contextos extra-musicais. Há muita música que faz uso da imitação em dos intervalos que parecem ser recorrentes na música tonal. Por exemplo, há muitas melodias
grande escala (‘canto de pássaros’ nas madeiras para sugerir uma cena pastoral, glissandos de que começam na dominante da escala menor e sobem pela via da tônica para o terceiro grau
violinos para sugerir o início de uma tempestade, e assim por diante). Nosso reconhecimento da escala, antes de descer à tônica, possivelmente por meio da supertônica (exemplo 2.48).

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destes significados requer apenas o conhecimento dos sons extra-musicais apropriados. Outras A respeito desse motivo, Cooke diz: - ele “evoca o sentimento de uma explosão apaixonada
músicas empregam referências simbólicas a um evento extra-musical. Na ópera, por exemplo, de dor emocional, que não segue adiante, mas recai na conformação - uma tristeza em fluxo
se um tema em particular é associado a cada aparição do herói, então esse tema poderá ser e refiuxo. Por não constituir nem um protesto completo e nem uma resignação completa, o
usado para significar que, em sua ausência, a heroína está pensando nele. Às vezes, a música motivo tem um efeito de aflição que não se aquieta”. Em apoio a esta e outras análises, Cooke
pode ser programática, com o objetivo de ilustrar uma determinada estória. No Aprendiz de reuniu uma quantidade impressionante de exemplos de todos os períodos da música tonal
Feiticeiro, de Dukas, há um momento curioso em que a música pára de repente; então, do favoráveis a essa idéia. Os exemplos mais eloqüentes de todos são, talvez, aqueles que ele extrai
silêncio repentino os instrumentos graves retomam, uma depois da outra, as notas do tema da música vocal, em que há evidências independentes que provêm de palavras que se referem
principal, parando no primeiro momento, e depois, aumentando gradativamente a velocidade aos estados emocionais. Para o exemplo 2.48, Cooke fornece catorze exemplos, todos dc música
e a intensidade. Isso corresponde ao momento da estória em que o aprendiz, apavorado e vocal, resumidos na tabela 2.1.
incapaz de desfazer a magia, quebra em pedacinhos a incansável vassoura que carrega baldes
de água. Por um momento, ele pensa ter resolvido o problema e, então, para seu desespero, os
fragmentos se levantam, um a um, e continuam a tarefa, aumentando seu delírio.
Em todos os casos acima citados, o compositor propôs-se a descrever um determinado
conjunto definido de eventos do mundo através de música, e é fácil compreender como isso é
feito. Infelizmente, há poucas músicas em que essas referências extra-musicais são explícitas,
e mesmo quando essas referências extra-musicais existem, elas não esgotam seu conteúdo
significativo. Se o único objetivo de tais músicas fosse a referência, poderiamos ter, ao invés
delas, uma gravação sonora dos eventos a que se referem. A referência musical é especial
porque a música ‘faz sentido’até mesmo quando esta não é percebida pelo ouvinte. Uma pas­
mtnor
I- oL--------- _-------------------
Tabela 2.1

Compositor Data aproximada Palavras (Tradução para o inglês, e posteriormente, para o português)
H 111 g =
Dowland 1612 Quando o pobre aleijado próximo à piscina mentiu.
Exemplo 2 .4 8 : Um dos motivos temáticos de Cooke (1 9 5 9 ).
Bach 1722 Minhas lágrimas correm em enxurradas de choro.

Bach 1729 Tende piedade de mim, ó Deus.

Bach 1731 Estou desgostoso deste mundo. Uma possibilidade é que os motivos sejam intrinsecamente neutros no que diz respeito às
Mozart 1791 O dia da lamentação de amarguras. emoções, e que as pessoas adquiram os significados por causa de associações feitas exatamente
Verdi 1873 O dia da lamentação de amarguras. com os tipos de palavras que parecem acompanhar habitualmente os motivos. Muito embora
Schubert 1823 A vida corre como as águas de um rio.
isso não explique porque os compositores precisariam ter começado a juntar emoções e motivos
Schubert 1827 (O amante que acaba de romper o noivado se despede de sua amada.)
melódicos, essa explicação parece ser a mais simples de todas para o ouvinte que se criou em
Verdi 1852 Adeus ao passado, aos sonhos fehzes e justos.
uma das culturas musicais existentes. Segundo este argumento, um ouvinte não teria nenhuma
dificuldade maior em aprender outras associações entre melodia e emoção. Por exemplo, seria
Wagner 1853 (Ele que deseja o poder do anel deve renunciar ao amor.)

1883 0 dia mais infeliz de toda a minha vida.


possível que a emoção associada ao exemplo 2.48 em nossa cultura fosse associada, digamos, a
Mahler

Mahler 1884 Adeus a todos aqueles que amei.

Britten 1944 Nós planejamos para que suas vidas tenham um bom início. uma terça maior ascendente em outra cultura tonal. Isso é análogo à arbitrariedade dos pares
palavra-sentido da linguagem natural. Acreditamos que em uma língua igual ao inglês, exceto

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pelo fato de que os significados de ‘gato’e ‘cachorro’foram trocados, seria igualmente fácil de
aprender e usar a língua que temos de fato. Não há nada no som da palavra ‘gato’que a torne
A ubiqüidade e a estabilidade de tais motivos são impressionantes, ainda que seja muito mais adequada para descrever particularmente o pequeno mamífero felino doméstico e não
fácil acusarmos Cooke de coletar exemplos favoráveis à sua teoria. Os contra-exemplos não para qualquer outra coisa.
causam muitos estragos à tese, uma vez que a melodia é apenas uma das dimensões ao lon­ Entretanto, Cooke nos convida a rejeitar a noção de neutralidade intrínseca em músi­
go das quais os compositores podem significar emoção. Ritmo, andamento, orquestração e ca. Ele argumenta que certos motivos são mais adequados que outros para sugerir emoções
dinâmica, tudo isso pode modificar o sentido. Está bem claro que o exemplo 2.48 teria uma específicas por conta das relações tonais existentes entre seus componentes. Por exemplo,
conotação emocional diferente, sendo entoado em fortíssimo por todos os instrumentos do emoções positivas são sugeridas por seqüências em tonalidades maiores, especialmente aque­
naipe dos metais de uma orquestra sinfônica ou sendo tocado com um certo balanço por um las que envolvem tríades, porque tais seqüências são derivadas dos membros iniciais da série
violino solo. Não é coincidência que a maior parte dos exemplos de Cooke para este tema harmônica. Do mesmo modo, movimentos que se distanciam da tônica, particularmente
são silenciosos e lentos. Acredito que, com suas análises melódicas, Cooke identificou um aqueles em movimento ascendente, servem para expressar o extravasamento de emoções, ao
componente real e importante do significado musical. Entretanto, como psicólogos, preci­ passo que os movimentos em direção à tônica significam descanso ou repouso. Isso ocorre
samos questionar quais os mecanismos psicológicos que permitem que esses sentidos sejam porque a tônica ocupa uma posição fundamental, um ‘em casa’ na harmonia tonal. Portanto,
compreendidos pelo ouvinte.
o que se sugere é que o sistema tonal, por si mesmo, oferece analogias para a maneira como
as pessoas representam as emoções em algum ‘espaço semântico’, e estas analogias permitem
um mapeamento parcial das relações tonais nas emoções (Makeig, 1982).
Este ponto de vista tem, basicamente, duas implicações psicológicas. Em primeiro lugar,
descobrir as analogias entre música e emoção deveria ser possível, em princípio, para qualquer
pessoa que seja capaz de apreciar as relações tonais em música e que tenha uma compreensão refinadas. Uma hierarquia de pistas emocionais parece ser possível, com pistas primitivas (tais
normal das emoções. Portanto, uma associação explícita entre palavra e música não é neces­ como a velocidade e a dinâmica) disponíveis a todos os níveis de sofisticação musical, e com
sária para a apreciação de significados emocionais em música (embora possa, obviamente, pistas mais sutis (como os aspectos das relações tonais) disponíveis apenas para aqueles que
apoiar o processo de aquisição). Isso ajuda a explicar como tantos compositores, trabalhando têm capacidades mais profundas de análise musical. Uma experiência comum entre muitos
em épocas e locais diferentes, parecem ter esbarrado nos mesmos tipos de formas melódicas amantes da música (inclusive eu) é uma apreciação tardia da diversidade e sutileza emocional
para a expressão explícita de emoções textuais. Em segundo lugar, segue-se que a associação na música de um compositor como Mozart. O ouvinte inexperiente pode achar a música de
de melodias a emoções diferentes daquelas já conhecidas não seria fácil de ser aprendida, uma Mozart muito pálida, insípida, e vagamente ‘alegre’, especialmente quando comparada à tur­
vez que elas trabalhariam em direção contrária às analogias ‘prontas’ inerentes à tonalidade. bulência caleidoscópica dos compositores românticos. Um conhecimento mais aprofundado de
Embora a tese de Cooke seja empírica, não é fácil dizer como ela poderia ser demons­ Mozart (e talvez do mundo das emoções) faz com que sua música se torne expressiva de um
trada em termos práticos. A demonstração ‘ideal’ seria dada por alguém que nunca tivesse modo rico e sublime. A capacidade de ‘ler’a linguagem emocional da música é uma habilidade
sido exposto a qualquer associação palavra-música (através de canções), demonstrando assim aprendida, e talvez, nós não deveriamos nos surpreender se um grupo de sujeitos ‘comuns’não
uma apreciação culturalmente ‘normal’ das conotações emocionais da música. Obviamente, demonstra muita consciência dos detalhes refinados de sua linguagem.
tal pessoa precisaria ter recebido algum tipo de experiência musical e lingüística. É provável Em segundo lugar, devemos considerar a natureza dos estímulos experimentais. No estudo
que as condições para tal demonstração nunca possam ser estabelecidas. de Gabriel, os motivos foram apresentados numa forma musical ‘sem corpo’. Cada estímulo

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A pesquisa de Gabriel (1978) ilustra as consideráveis dificuldades que cercam o psicólogo foi constituído por uma série de ondas senoidais, com igual volume e duração, seguindo um
interessado em realizar investigações empíricas sobre os mecanismos através dos quais os sig­ contexto tonal mínimo de um acorde tônico. A justificativa para isso é o desejo de manter
nificados emocionais em música são transmitidos. Ele tocou duas vezes cada um dos motivos constantes todos os fatores, exceto a melodia. Não uma música de verdade em que a melodia é
básicos de Cooke para um grupo de sujeitos sem nenhum treino musical. Na primeira ocasião, a única dimensão em que dois excertos se distinguem; portanto, é impossível indicar qual das
o motivo foi associado à caracterização emocional dada por Cooke, e na segunda a uma des­ muitas diferenças entre as duas peças musicais foi responsável pela diferença nas conotações
crição escolhida ao acaso da lista de Cooke. Os sujeitos de pesquisa deveriam julgar o grau de emocionais. No experimento de Gabriel, qualquer diferença de significado emocional deve
adequação de cada motivo à descrição. Segundo o argumento de Gabriel, se os sujeitos tives­ ser atribuída a uma diferença no formato melódico, já que nada mais varia. A maior crítica
sem consciência da suposta conotação emocional de cada motivo, deveriam julgar a descrição a Gabriel é que a arquitetura de seu experimento possivelmente destruiu as condições sob
designada por Cooke como mais adequada do que aquelas escolhidas randomicamente. Os as quais um ouvinte poderia ativar os mecanismos cognitivos que relacionam a música e a
resultados indicaram que, de fato, não é esse o modo como fazem a distinção entre as descrições. emoção. Por exemplo, alguém poderia defender a hipótese de que a atribuição de um signifi­
A descrição ‘ao acaso’foi escolhida como sendo a mais apropriada um número igual de vezes. cado emocional depende da exposição a um extenso contexto no qual a melodia crucial está
Portanto, há aqui uma falha aparente na demonstração de qualquer relação entre padrões tonais inserida. Uma analogia: no reconhecimento de expressões faciais nós utilizamos informações
e conotações emocionais. A conclusão provisória de Gabriel é que alguns elementos mais pri­ provenientes da região dos olhos, mas se olharmos apenas para os olhos sem o resto da face,
mitivos da melodia (tais como o contorno) são os principais veículos de significados musicais. a nossa habilidade de usar tal informação se reduz. Talvez precisemos saber em que ponto da
Antes de aceitarmos essa conclusão, porém, vale a pena questionarmos se o experimento de estrutura da música se insere o excerto, antes de podermos interpretá-lo emocionalmente; ou
Gabriel foi maximamente dirigido para conduzir à descoberta dos elos entre melodia e emoção talvez precisemos fazer dele uma leitura métrica. Seria difícil, até mesmo para Cooke, sustentar
propostos por Cooke. Aqui, há três questões que merecem nossa consideração. que toda ocorrência de um motivo melódico tem significado emocional. Mais provavelmente
Em primeiro lugar, há a questão dos sujeitos. É natural supormos que, à medida que é a parte da seqüência que recebe realce por sua posição na estrutura musical, ou seu local na
se torna musicalmente sofisticado, o indivíduo torna-se sensível a nuances emocionais mais
partitura, que agüenta o peso do fardo emocional. Por estas e outras razões, a tarefa de Gabriel estejamos enganados ao buscar os significados musicais do modo como os psicólogos têm
é irreal. Uma tarefa futura é encontrar situações de escuta mais realistas e que permitam um tentado elucidar a semântica da fala, até o presente.
certo grau de controle sobre as várias dimensões do som, o que é um pré-requisito inquestio­ Gostaria de concluir esta seção fazendo um breve comentário sobre o trabalho do notável
nável de qualquer investigação experimental acerca das respostas à música. musicólogo americano L. B. Meyer (1956,1973). Ele fez uma distinção entre duas formas de
Em terceiro lugar, precisamos considerar a natureza das respostas que se cobram dos significado em música, significado incorporado e significado designado. O significado designado
sujeitos de pesquisa. Julgar o significado emocional de uma peça musical não é necessariamente é aquele que se refere, externamente à música, a objetos ou eventos que não estão no domínio
uma tarefa instantânea. Pode ser que o indivíduo só atinja a melhor caracterização dos temas musical. Nesta seção, nós nos preocupamos principalmente com o significado designado. Ao
extra-musicais que parecem expressar-se metaforicamente através da música apenas de modo contrário, o significado incorporado é a significação que uma passagem musical pode ter para
gradativo A analogia com a linguagem, em que ouvimos uma palavra ou frase e instantane­ um ouvinte em termos de sua própria estrutura e da interação desta com o conhecimento
amente acessamos algum aspecto central de seu significado, não é necessariamente a melhor e as expectativas musicais desse ouvinte. A estrutura musical pode criar certas expectativas
para compreendermos o que acontece na escuta musical. Uma analogia melhor seria, talvez, (ou implicações) que podem, por sua vez, ser satisfeitas ou frustradas. Entre as expectativas
o processo mal definido, através do qual chegamos a perceber que um fraseado particular de que são satisfeitas, algumas o são de imediato, outras com um certo atraso. Isso cria um fluxo
um poema tem implicações que contribuem para o significado do poema de um modo que dinâmico de tensões e resoluções que podem influenciar as respostas emocionais e estéticas
seria impossível para uma suposta “expressão sinônima”. Para chegar a esta apreciação talvez do ouvinte.

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seja necessário um trabalho mental extenso durante o qual escrutinamos o objeto de atenção Assim como a de Cooke, a teoria de Meyer exige que o ouvinte represente a música
detalhada e repetidamente. Os sujeitos da pesquisa de Gabriel foram solicitados a fazer um que ouve em termos das categoriais tonais e de outras categorias formais da cultura musical.
julgamento rápido e pouco pensado sobre o significado de curtos excertos musicais. Muito Entretanto, é mais abrangente do que a teoria de Cooke, já que atribui um papel semântico
embora a música possa ter um impacto emocional imediato, nada na tese de Cooke sugere explícito às estruturas musicais de larga escala, quando Cooke se concentra em pequenos pa­
que o elemento tonal da música seja o único portador desse impacto. drões melódicos. A abordagem de Meyer também mostra como um mesmo padrão melódico
Eu decidi discutir mais longamente as idéias de Cooke porque elas parecem ser par­ poderia ter significados variados em contextos diferentes, dependendo de ter ou não preen­
ticularmente claras e simples. Uma vez aceita a idéia geral da existência de analogias entre a chido as implicações do material anterior. Como essa teoria é mais ampla, também fica mais
música e os domínios extra-musicais, contudo, as possibilidades de expressar significados de difícil trazê-la para dentro do laboratório, e eu desconheço qualquer investigação empírica que
outras maneiras são imensas. Eu já esbocei um ‘significado’possível para as estruturas schenke- se baseie diretamente nas idéias centrais de Meyer. Isso é pena, porque ele é claramente um
rianas na seção 3 deste capítulo. Muitas outras possibilidades se sugerem naturalmente. Por dos musicólogos contemporâneos mais influentes e psicologicamente mais bem informados.
exemplo, alguém poderia querer encontrar uma metáfora para a vida humana na forma da Alguns exemplos da noção de implicação melódica proposta por Meyer vão aparecer aqui
sinfonia. A transformação ou metamorfose do tema tem paralelos nas mudanças que viven- no capítulo 5, mas recomendo a leitura do livro de Meyer (1973) a qualquer pessoa que se
ciamos em nós mesmos e em nossas idéias. A unificação dos diversos temas numa estrutura interesse seriamente por semântica musical.
coerente tem paralelo em nossas tentativas de atribuir significado às nossas caóticas vidas. E
assim por diante. Isto é, seguramente, um aspecto do poder da música, e é possível que este
poder seja realçado pelo fato de que falta na música o tipo de significado prático veiculado
pela linguagem. A semântica musical assemelha-se à semântica da poesia, o que não quer
dizer que ambas sejam inacessíveis à compreensão científica, mas tão somente que, talvez,
Conclusões
Espero que os diversos tópicos tratados neste capítulo tenham mostrado que é proveitoso
considerar a música em relação à linguagem. Isso nos permite notar algumas semelhanças
fundamentais (por exemplo, o paralelo entre as teorias de Chomsky e Schenker), mas tam­
bém realçar as diferenças de forma esclarecedora. Por exemplo, o fato de que a percepção
categorial em música não é tão completa nem automática como acontece na linguagem gera
questões instigantes para consideração futura. O que há em relação a esses dois sistemas que
resulta em diferença? O fato de que uma gramática gerativa para a música aparece como um
objetivo menos realizável do que para a linguagem nos força a considerar que há diferenças A perfbrmance
musical
fundamentais entre os propósitos da comunicação lingüística e os da comunicação musical.
Nesse processo, nossa percepção de ambos os domínios torna-se mais aguda.
A analogia lingüística não é nem ‘verdadeira’ e nem ‘falsa’. Como acontece em todas as
analogias, consegue uma sobreposição apenas parcial com seu assunto. O elemento ‘verdadeiro’ i
que eu gostaria de enfatizar com mais força é a noção de que representamos seqüências de
elementos individuais atribuindo papéis temáticos às estruturas abstratas subjacentes, algumas i-H
das quais, particularmente aquelas que têm organização hierárquica, apresentam grandes se­ O

h

melhanças entre si. E é esta relação entre os elementos dentro das estruturas, mais do que sua O
proximidade temporal ou espacial, que determina se elas são psicologicamente próximas ou
não. Nos capítulos seguintes, não levaremos adiante o estudo dessas analogias, mas veremos
que os aspectos da cognição musical realçados por essa analogia têm implicações profundas e
articuladas para todas as atividades musicais que examinaremos.

i
Introdução

/'ffllh sentido mais amplo, a performance abrange todos os tipos de


í comportamentos musicais manifestos. Uma canção de brincar ou brinquedo
v cantado improvisado por uma criança pequenina, o cantarolar de uma melodia
popular, a participação em um ritual coletivo como no canto de hinos ou canções folclóricas e
a dança ao som da música são alguns dos inúmeros modos de performance dignos de investi­
gação psicológica. Num sentido mais restrito, porém, a execução musical é aquela na qual um
executante ou um grupo de executantes, interpreta música conscientemente para um público.
Em nossa cultura ocidental, trata-se freqüentemente de música escrita por alguém que não
está diretamente envolvido na execução. Os performers dão realidade a uma composição pré-

A P E R F O R M A N C E M U S IC A L
existente.
Neste capítulo, eu me concentrarei na performance entendida neste último sentido. Há
muitas razões que justificam isso. Em primeiro lugar, a maior parte das investigações con­
temporâneas refere-se a este tipo de performance. Em segundo lugar, eu pretendo tratar dos
momentos da performance em que o performer também é o criador da música (improvisação)
como um caso especial da composição cuja discussão ocorre no capítulo 4. A música das
culturas não letradas é discutida no capítulo 7, e alguns aspectos do comportamento musical
infantil são examinados no capítulo 6. Em terceiro lugar, na execução de uma composição’, há
um registro objetivo das intenções do compositor, geralmente em forma de partitura. Sem tal
registro não há maneiras fáceis de caracterizar uma peça musical independentemente de sua
execução, e, sendo assim, questões referentes ao grau de perfeição com que o performer realiza
a música tornam-se difíceis de ser respondidas.
Há três estágios principais de envolvimento com uma partitura, que permitem o estudo
da performance. Primeiramente, há a performance não-premeditada que o músico é capaz de
realizar na primeira leitura da partitura. Isso é geralmente conhecido como leitura à primeira
vista. Em segundo, vêm as performances geradas por um período de exposição continuada à
partitura. O objetivo destas performances é geralmente o de aprimorar a execução até que a
mesma atinja um certo critério de adequação, já que a leitura à primeira vista nem sempre execução antes mesmo de introduzir a notação musical (como ocorre no Método Suzuki de
produz uma execução totalmente satisfatória. Este tipo de performance é conhecido como ensino do violino).
ensaio ou prática. Finalmente, há o produto mais ou menos acabado do ensaio, uma execução Fmalmente, e talvez mais importante, há um sentido em que os critérios adotados para
que foi aperfeiçoada e que pode envolver a memorização total de uma partitura. Este último decidir o que é uma leitura bem sucedida são mais frouxos para a linguagem do que para a
tipo de performance será chamado aqui de performance expert, embora seja importante salientar leitura musical. Na maioria dos casos, na leitura da linguagem, basta determinar o significado
que alguns músicos podem executar bem diversas músicas sem necessidade de muitos ensaios. prático do texto. Muitas vezes a leitura é feita em silêncio, e até mesmo quando acontece
Uma boa leitura à primeira vista (e, de fato, um bom ensaio) também identifica um expert. em voz alta, geralmente não se exige muito mais do que a habilidade de proferir as palavras
corretas na seqüência correta. Diferentemente, a leitura musical requer a execução de uma
L e it u r a à p r im e ir a v is t a resposta complexa na qual há pouco espaço para desvios em tempo e qualidade. A única tarefa
lingüística cuja execução se aproximaria da tarefa musical seria a recitação de uma obra de
Quase toda a nossa leitura da linguagem é uma leitura à primeira vista. Exceto nos casos boa literatura, à primeira vista, com todas as nuances vocais, expressivas e temporais que são
em que tentamos memorizar um texto ou o analisamos por alguma razão meramente profis­ esperadas de um ator de primeiro time.
sional, temos a tendência de ler o texto apenas uma vez, contando que isso será o suficiente A pergunta que muitos músicos fazem é “o que torna alguém um bom leitor à primeira
para o nosso objetivo. Em contraste a isso, muitos músicos acham a leitura à primeira vista uma vista”? Esta pergunta inclui duas preocupações distintas - primeira, o que se pode dizer acer­
tarefa muito difícil, e o executante que tiver a coragem de subir ao palco sem conhecimento ca das características de quem que lê fluentemente à primeira vista - e, segunda, o que deve
prévio das peças a serem tocadas é um herói. fazer um indivíduo que apresenta uma leitura à primeira vista ruim? Um fato lamentável, mas

A PERFORM ANCE m u s ic a l
Parte da explicação para esta diferença pode ser atribuída ao fato de que, enquanto a inevitável, é que uma resposta razoavelmente completa da primeira pergunta não conduz,
leitura à primeira vista da linguagem é necessária para um envolvimento completo em nossa necessariamente, a uma receita para a segunda. Por exemplo, a descoberta de que os leitores
cultura, o mesmo não é verdade para a música. Faz-se um esforço educacional enorme para levar fluentes costumam olhar mais adiante na partitura do que os maus leitores não leva automati­
as crianças a uma fluência razoável na leitura da linguagem. Por outro lado, não é necessário camente a recomendar a estes últimos que se exercitem em olhar mais para frente. É possível
que as crianças sejam capazes de ler à primeira vista para terem sucesso nas tarefas musicais que a capacidade crescente de antecipar seja resultado de alguma outra habilidade, tal como a
convencionais, muitas das quais requerem ou mesmo pressupõem freqüentes ensaios. Portanto, habilidade de detectar um padrão ou estrutura na partitura, e que a simples tentativa de olhar
a leitura à primeira vista em música não é ensinada nem de forma rigorosa e nem ocorre cedo adiante não melhorará esta habilidade. Portanto, embora seja certamente importante que os
no curso do desenvolvimento infantil, como é o caso da leitura de palavras. psicólogos tentem dar orientações sobre as técnicas para a aquisição da leitura à primeira vista,
Há também outros fatores. As crianças já são usuários fluentes da linguagem antes mes­ essa iniciativa envolve muitas questões complexas e distintas. Pretendo discutir algumas delas
mo de aprenderem a ler e raramente sãoperformers musicais fluentes. A maioria das crianças no capítulo 6. Aqui, minha preocupação central será com as características das habilidades
aprende uma nova habilidade de execução musical, tal como tocar um instrumento ao mesmo performáticas, independentemente da maneira como cada uma delas é adquirida.
tempo em que aprende a ler música. Esta tarefa dupla pode se transformar em um fardo into­
lerável, e isso freqüentemente se resolve memorizando a nova peça na primeira oportunidade, M ovim ento dos olhos na l e it u r a
de modo que a execução não dependa da habilidade de leitura. Por conseguinte, alguns músicos
não dedicam muito tempo à leitura contínua. Algumas técnicas educacionais modernas tentam O primeiro comportamento manifesto em qualquer situação de leitura é o movimento
contornar este problema fornecendo oportunidades de aquisição de algumas habilidades de dos olhos sobre uma página, de modo a expor porções sucessivas do material à visão central. É
apenas através da visão central que temos a acuidade necessária para registrar detalhes precisos O movimento de olhos na leitura musical não recebeu, até o momento, o estudo inten­
do material visual, muito embora pesquisas sobre a leitura da linguagem, como as de Rayner sivo de que tem sido objeto na leitura da linguagem. Entretanto, as evidências que existem
(1978), demonstrem a importância das informações periféricas para guiar os movimentos de são consistentes com os dados lingüísticos. Por exemplo, os estudos de Weaver (VanNuys &,
olhos. A distância de visão normal, a área de visão clara é um círculo de aproximadamente Weaver, 1943; Weaver, 1943) com a leitura de pianistas mostram que a seqüência de fixações
uma polegada de diâmetro na página. Os mecanismos do sistema de movimento dos olhos é determinada pela natureza da música. A música para piano é escrita em dois pentagramas, o
operam de modo a dar ao leitor uma série de ‘tomadas instantâneas’ (também conhecidas que torna impossível ver todas as notas que devem ser tocadas em uma única fixação; é preciso
como ‘fixações’) de tais círculos. Na leitura fluente, a duração de cada fixação é de aproxima­ fixar primeiro um pentagrama e depois o outro. Poder-se-ia imaginar que a melhor estratégia
damente 250ms (um quarto de segundo) e o olho se move de uma fixação para outra, numa a ser adotada na leitura pianística deveria ser uma varredura vertical do sistema (para cima
varrida rápida, conhecida como movimento sacádico e que dura cerca de 50ms. As evidências ou para baixo), seguida de um deslocamento à direita e de uma nova varredura [Fig. 3.1 (a)].
disponíveis sugerem que recebemos informação visual apenas durante as fixações estáticas e Weaver encontrou que este padrão era de fato utilizado no caso de músicas homofônicas com
não durante os movimentos sacádicos. acordes. Contudo, quando a música era contrapontística, ele encontrou seqüências de fixações
A questão de maior interesse psicológico é como o leitor controla a seqüência e a loca­ que eram agrupadas em varreduras horizontais numa única linha, com um retorno posterior
lização das fixações. A hipótese mais simples é que os movimentos dos olhos são controlados à outra linha [Fig 3.1 (b)]. As figuras 3.1(c) e 3.1 (d) mostram exemplos de padrões de fixação
por elementos de baixo-nível do input. Por exemplo, as fixações podem ocorrer em ordem obtidos por Weaver. A figura 3.1(c) advém de uma passagem com acordes, enquanto 3.1 (d)
regular, da esquerda para a direita, cada fixação ocorrendo em uma distância constante, à direita é contrapontística.
da fixação, anterior de modo que o texto completo é fixado ao longo da seqüência completa.

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Entretanto, uma regularidade tão certinha é difícil de ser observada, tanto na linguagem
quanto na música. Ao invés disso, encontramos deslocamentos verticais e horizontais, saltos
que omitem áreas significativas e uma quantidade variável de retornos.
E possível que alguns desses desvios sejam apenas movimentos randômicos de um
sistema sobre o qual nós temos um controle imperfeito. Contudo, uma grande quantidade de
pesquisas recentes sobre o movimento dos olhos na leitura da linguagem nos leva a rejeitar M (b)
essa hipótese. Ao contrário, parece que as irregularidades nos movimentos de olhos estão
sob controle cognitivo imediato. Tomemos, por exemplo, o padrão de movimento dos olhos
nas proximidades de uma palavra bastante comum, como the (0 ’Reagan, 1979). Os leitores
tipicamente não fixam um the diretamente; seus movimentos sacádicos sobre esta palavra são
maiores do que a média. E como se o conhecimento lingüístico interagisse com as informa­
ções periféricas para permitir uma identificação na ausência de uma fixação direta. O sistema
de controle do movimento do olho responde imediatamente ‘saltando’ por cima da palavra
que não requer fixação. Esta é apenas uma das tantas evidências em apoio à idéia atualmente
aceita de que as variações momento a momento na seqüência de fixações, são motivadas por Figura 3.1.(a) Seqüência de fixação vertical na leitura pianística. (b) Seqüência de fixação horizontal na leitura
necessidades cognitivas precisas do leitor em um determinado momento. Portanto, o padrão pianística. (c) Exemplo de uma seqüência de fixação observada em progressão de acordes na música pianística (ex­
traído de Weaver, 1943). (d) Exemplo de seqüência de fixação observada em música contrapontística para piano
de movimento de olhos nos diz algo sobre essas necessidades. (extraído de Weaver, 1943).
Aparentemente, a estratégia geral consiste em identificar unidades estruturais significati­ realização de tais estudos, ninguém publicou ainda experimentos sobre visão prévia e leitura
vas em fixações sucessivas. Na música homofônica, essas unidades são acordes, então é necessário em música. Entretanto, tem sido possível estimar quanto mede a visão prévia na performance
colher amostras de ambos os pentagramas em fixações sucessivas. Na música contrapontística, normal modificando uma técnica desenvolvida para medir o que é conhecido por intervalo
as unidades significativas são os fragmentos melódicos que se estendem horizontalmente no olho-voz na leitura da linguagem. A técnica (conforme tem sido usada por, por exemplo, Le-
curso de um único pentagrama. vin & Addis, 1980; Levin & Kaplan, 1970) consiste em pedir aos sujeitos de pesquisa que
Como é que esses padrões de fixação ajudam o leitor? As evidências disponíveis sugerem continuem lendo em voz alta uma passagem de prosa depois que o texto foi inesperadamente
que os leitores necessitam ter uma previsão das unidades estruturais em um texto se quiserem removido. O tempo ocorrido entre a palavra falada no momento da remoção do texto e a última
organizar uma execução fluente e rápida. Estudos resenhados por Shaffer (1976) ilustram bem palavra correta falada dá uma estimativa de quanto mede a visão prévia. Em situações nor­
isso. Ele examinou o comportamento de copistas/digitadores experientes sob condições de visão mais de leitura, o intervalo olho-voz de um leitor experiente varia entre quatro e seis palavras.
prévia controlada. Os textos foram dispostos em um monitor de computador. A cada caractere Eu mesmo modifiquei a técnica para torná-la aplicável à leitura musical, pedindo a diversos
digitado no teclado pelo digitador, aconteciam três coisas: (1) todos os caracteres mostrados instrumentistas para ler melodias de uma só linha à primeira vista (Sloboda, 1974, 1977a).
mudavam para o próximo espaço à esquerda; (2) a última letra à esquerda desaparecia; (3) um Quando a partitura foi removida, os leitores proficientes foram capazes de produzir até sete
novo caractere surgia no lado direito do monitor. As variáveis independentes cruciais eram o notas seguintes corretas. Se estes performers estivessem olhando adiante apenas o suficiente
número de caracteres mostrados a um só tempo e o número de caracteres que ainda não tinham para organizarem uma execução fluente, podemos concluir com um certo grau de confiança
sido digitados. Esta última variável poderia tomar qualquer valor entre um único caractere e que as unidades nos termos das quais se organiza a execução fluente não possuem tipicamente
uma linha inteira. Os resultados sugeriram que, no caso de o digitador conseguir visualizar um mais do que sete notas consecutivas em uma melodia. Isso parece ser verdade para todos os

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mínimo de 8 caracteres à frente, a execução tornava-se indistinguível da situação normal com instrumentos testados, não resulta de limites impostos por instrumentos em particular.
previsão ilimitada. Porém, conforme a visão prévia decrescia, a performance tornava-se mais A descoberta de que as medições do intervalo olho-mão nem sempre têm os mesmos
lenta e menos regular. Com uma visão prévia de oito caracteres, a velocidade de digitação foi resultados tem uma certa importância teórica. Dependendo da nota da melodia em que a
de aproximadamente dez caracteres por segundo. Com visão prévia de uma única letra, esse partitura é removida, o intervalo pode ser maior ou menor que a média. Aparentemente, há
número caia para cerca de dois caracteres por segundo. Shaffer descobriu que era também pos­ uma tendência de o intervalo coincidir com um limite de uma frase musicalmente definido,
sível diminuir a velocidade mantendo o mesmo nível de pré-visão e manipulando o texto. Em de modo que um limite que fica um pouco além da média ‘estica’o intervalo, e um limite um
primeiro lugar, ele randomizou a ordem das letras: isso praticamente não teve efeitos sobre a pouco aquém da média o encurta. Isso sugere fortemente que os limites de frases marcam
performance. Em seguida, ele randomizou a ordem das letras dentro das palavras, o que teve um limite entre as unidades efetivas da execução, que tendem a ser montadas segundo o princípio
efeito altamente significativo, fazendo com que a velocidade caísse para os níveis encontrados do ‘tudo ou nada’. Também sugere que a frase musical típica não coincide, por si só, com essa
quando a visão prévia havia sido reduzida a uma única letra. A partir dos resultados deste ele­ unidade, já que a maioria das frases contém mais do que sete notas. Temos que supor que
gante estudo, podemos tirar uma conclusão bastante segura: os digitadores necessitam ter uma existem alguns princípios de divisão de frases em unidades menores, análogos às palavras.
visão prévia da palavra toda, mas não mais do que isso, para efeitos de fluência. Aparentemente, Assim como ocorreu no estudo sobre digitação, a manipulação do ‘texto’dá pistas adi­
a visão prévia da palavra permite que eles planejem um conjunto de movimentos parcialmente cionais sobre a natureza das unidades da performance. Quando faltavam as progressões har­
sobrepostos das mãos e dos dedos, reunidos numa única unidade coordenada. mônicas normais nas melodias, o intervalo diminuiu significativamente. Da mesma maneira,
Embora o rápido desenvolvimento de sistemas musicais computacionais (ver Tucker, a adição de notas de passagem, que torna menos perceptíveis as divisões rítmicas entre as
Bates, Frykberg, Howarth, Kennedy, Lamb ôc Vaughan, 1977) possibilitem cada vez mais a frases, também fez baixar o intervalo. Tudo indica que o leitor subdivide a frase em unidades
At performance, de acordo com a estrutura harmônica e rítmica da frase e que, quando as pistas
para estas estruturas são apagadas, a visão prévia não é tão útil e não consegue manter-se em essa estratégia, Além disso, um organizador métrico tem uma característica extremamente útil
níveis normais. - incorpora um pulso regular, por referência ao qual se podem fixar alvos ao movimento dos
A comparação entre bons e maus leitores mostrou que os maus leitores têm intervalos dedos, e por referência ao qual a próxima unidade performática será ‘montada’.
menores (três ou quatro notas) mesmo quando as melodias eram estruturalmente claras. Os Em outras palavras, tal organizador ajuda na fluência e na andadura. Suponhamos, por
maus leitores parecem comportar-se com a música normal’ como o fazem os bons leitores exemplo, que o organizador utilizado seja um compasso de quatro tempos com uma estrutura
com músicas obscuras’. Se a capacidade de manter a visão prévia depende da habilidade de interna como a que pode ser vista na figura 3.2(a). O nível A representa o compasso inteiro e,
isolar unidades estruturalmente definidas, os maus leitores são menos capazes de fazê-lo, até se mantivermos um andamento constante, o início de cada compasso pode ser cronometrado
mesmo quando as estruturas estão claramente presentes. por um relógio operando neste nível. A organização da perfomance do compasso seguinte
Antes de deixar a questão dos movimentos de olhos, vale a pena comentar que, embora pode ser regulada sobre a contagem do compasso anterior. Uma seqüência de movimento de
as unidades performáticas em música sejam análogas às palavras sob muitos aspectos, elas olhos precisa terminar a tempo de proporcionar informações para a próxima unidade antes
não poderiam ser exatamente como as palavras. A língua inglesa contém um número finito que a contagem atinja o marco zero. Os níveis que vão de B a D representam uma maneira
de palavras, cada qual definida por um conjunto de letras em uma ordem particular. É factível possível de estruturar um compasso internamente, usando uma ramificação hierárquica binária
que um digitador conheça cada uma dessas palavras, tendo guardado na memória o padrão em forma de árvore, até o nível da colcheia. O marcador de compasso gera o timing para as
singular de digitação de cada palavra. Não há, contudo, um ‘dicionário’consensual de padrões unidades de meio compasso; os marcadores de meio compasso geram unidades de pulso, e
musicais. É bem possível que uma melodia contenha uma nova combinação de notas. Por assim por diante. É claro que o leitor não precisa usar um organizador tão estruturado como
este; ele poderia usar uma estrutura hierárquica mais simples, em dois níveis, como aquela

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outro lado, há algumas configurações conhecidas e recorrentes de alturas e ritmos em diversas da figura 3.2(b). Dados resenhados adiante neste capítulo (seções 3.2.3 e 3.2.4) favorecem a
melodias (tais como os movimentos de altura nas formas de escala e arpejo, os ritmos dactílicos, noção de que osperformers experientes usam um organizador mais parecido com 3.2(a) do que
etc.) que um leitor poderia aprender a reconhecer como unidades. Portanto, a leitura musical com 3,2(b). Entretanto, o princípio geral de qualquer destes organizadores é que especificam
provavelmente envolve algum tipo de reconhecimento de padrões que ocorrem com freqüência, quando cada nota que faz parte de um grupo deverá ocorrer, de modo que o performer pode
mas também é plausível que se apóie em alguma estratégia geral que organiza agrupamentos iniciar movimentos balísticos dos dedos por referência à contagem de cada nota.
de notas os quais funcionam mesmo quando os padrões são novos. Uma dessas estratégias seria
o agrupamento de acordo com o compasso. Uma unidade de compasso é como uma moldura
que pode ser usada para conter e descrever um número muito grande de seqüências de notas.
A mesma moldura pode ser aplicada repetitivamente a qualquer peça musical em compasso
regular, compasso por compasso. Essas unidades são fáceis de encontrar em uma partitura.
Os compassos são marcados por linhas de compasso; as unidades menores são muitas vezes (a) (b )
marcadas por bandeirolas. Uma estratégia de agrupamento eficiente e padrão (default) parece Figura 3,2: Organizadores métricos possíveis para a perform ance.
então ser esta: tome o compasso como unidade de performance, ao menos que tenha mais do
que sete notas, caso em que a unidade performática será o meio compasso. Considerando
que as frases musicais são geralmente definidas pelos compassos, isto é, metricamente (assim
como melódica e harmonicamente), o efeito de ‘limite frasal’ observado seria coerente com
E r r o s de l e it u r a vra (Haber & Schindler, 1981; Sloboda, 1976b). As pessoas costumam deixar passar erros de
ortografia que são visualmente similares às formas corretas (Healy, 1980).
Os movimentos de olhos fornecem informações úteis sobre a organização da leitura Erros de revisão final também ocorrem em música. Wolf (1976) cita um exemplo inte­
musical, mas é afinal a própria execução que proporciona evidências mais diretas do compor­ ressante de tal erro, extraído de um relato de experiências de Boris Goldovsky, um pianista e
tamento da leitura. Uma medida grosseira mas ainda assim informativa da performance na professor profissional:
leitura é aquilo que podemos chamar de exatidão notacional’- o grau em que um performer
toca as notas corretas em valores aproximadamente idênticos aos previstos pela notação. Uma aluna, que o Dr. Goldovsy descreve como ‘tecnicamente competente, mas com leitura
Em um estudo clássico, Pilsbury (1897) demonstrou que, no caso da linguagem, os ruim’preparou o Capriccio de Brahms (Op. 76 No.2) para a aula. Ela começou a tocar a peça
toda, mas quando atingiu o acorde de dó sustenido maior no primeiro tempo do 42° compasso,
leitores experientes estão sujeitos a cometer erros que transformam palavras impressas com contando a partir do final, ela tocou um sol natural ao invés de um sol sustenido, que deveria
erro em palavras corretas. Por exemplo, onde está escrito internalional um leitor poderia normalmente ocorrer na tríade de dó sustenido maior. Goldovsky pediu que ela parasse e cor­
enxergar internacional. Essas transformações perceptuais são, sob muitos aspectos, incons­ rigisse o erro. A aluna pareceu confusa e afirmou ter tocado o que estava escrito. Para a surpresa
cientes. Os leitores não têm consciência do estímulo original; acreditam estar vendo a pa­ de Goldovsky a garota tinha tocado as notas impressas corretamente - aparentemente havia
lavra impressa em sua forma correta. A explicação geralmente aceita para este fenômeno é um erro de impressão na partitura.
que os leitores são capazes de identificar palavras em informações incompletas, dados seus
conhecimentos da grafia das palavras. Por exemplo, se um leitor de inglês identifica três Este erro ocorre na maioria das edições das obras padrão de Brahms. Portanto, tudo
letras em uma palavra contendo quatro letras, como no caso da palavra W-RK, ele deve ser indica que, centenas de músicos nunca tenham notado a falha. Goldovsky passou a testar

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capaz de identificar a palavra WORK. Não há outra palavra na língua inglesa que combine leitores experientes, dizendo-lhes que a peça continha um erro de impressão e pedindo que
com a informação disponível. o encontrassem. Os leitores podiam tocar a peça quantas vezes e da maneira que quisessem.
Quando as pessoas lêem trechos seguidos de prosa, elas são ainda mais propensas a co­ Nenhum deles encontrou o erro. Somente quando Goldovsky especificou o compasso no qual
meter este tipo de erros do que na visualização de palavras isoladas. Isso acontece porque, no havia o erro de impressão é que a maioria dos leitores conseguiu vê-lo.
caso, contam com uma fonte adicional de informação - o contexto. Por exemplo, a seqüência E fácil compreender por que tal erro de impressão foi tão difícil de detectar. Mas quanto
‘Ela levou o copo de vinho até os...’ sugere fortemente a palavra ‘lábios’ como continuação. ao erro de impressão, o compasso no qual ele se encontrava éra uma transposição quase exata
Talvez não seja necessário que a pessoa realmente a ‘leia’a palavra para poder ‘vê-la’. Em textos do compasso anterior. O movimento harmônico subjacente era o comumente usado V-I (de
normalmente construídos, tais ‘visões’estão geralmente certas. Os problemas ocorrem quando sol sustenido a dó sustenido) passando por um pedal de dó sustenido. Além disso, a notação
o texto incorpora o inesperado. O fenômeno do erro na revisãofinal (em inglês chamado de do compasso anterior já tinha ‘montado’ o sol como sustenido. Há, portanto, diversas dicas
proof-readers error) é bastante conhecido pelos psicólogos (Vernon, 1931). Ele nada mais é fortes para que um leitor experimentado interprete o sol em questão como sustenido (ver
do que a falha em detectar erros de ortografia ou de digitação durante a revisão cuidadosa de exemplo 3.1).
um texto digitado. O revisor faz inferências inconscientes que restauram a forma correta das
palavras erradas, e assim os erros não são detectados.
Manipulando os textos de caso pensado e introduzindo erros, podemos aprender coisas
sobre da natureza das inferências que os leitores experientes fazem. Por exemplo, os leitores
avistam erros com mais freqüência quando ocorrem no início e não em outras partes da pala­

i
te semelhante àquela da obra original. Em segundo lugar, elas foram escolhidas por serem
musicalmente inapropriadas em seus contextos. Isso se deu tanto pela criação de harmonias
dissonantes quanto pela violação das progressões melódicas esperadas. Os erros foram con­
siderados gritantes pelos músicos, o que é particularmente importante já que não há linhas
de divisão definitivas entre aquilo que é aceitável em música e aquilo que não é. Há sempre
uma faixa intermediária obscura, na qual o inesperado pode, de fato, constituir uma violação
legítima das normas, que, por sua vez, estende e transforma o estilo ao invés de ser simples­
* <&&. * mente um erro. Os erros escolhidos para este experimento estavam bem distantes dessa faixa
‘ià. intermediária: eram indubitavelmente erros.
Exemplo 3.1: Compassos 76 a 78 do Capricho opus 76, n.2 de Brahms. Reimpresso sob a gentil permissão
da Peters Edition Limited de Londres.

O que é importante notar sobre esta estória é que foi uma leitora relativamente ruim a
primeira pessoa a encontrar o erro. Como ela não tinha as expectativas dos instrumentistas
mais dotados, ela precisou de maiores informações da partitura para determinar sua execução,
e sendo assim, paradoxalmente, leu de forma mais cuidadosa que os instrumentistas mais
habilitados.

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Embora surpreendente, esta demonstração não passa de um relato anedótico, o que me
levou a elaborar alguns experimentos para verificar o fenômeno em condições laboratoriais
(Sloboda 1976b). O exemplo 3.2 mostra uma das peças-estímulo usada no experimento. Essa
peça é de J. Dussek, compositor do século XVIII. O leitor capaz de ler música está convidado
a tentar uma leitura à primeira vista da peça (de preferência gravando-a para fins de avaliações
subseqüentes), de acordo com as instruções a seguir, que se aproximam daquelas fornecidas
aos sujeitos de pesquisa: “Por favor, leia à primeira vista esta pequena peça para piano, no an­
damento que quiser. Tente tocar exatamente aquilo que está escrito, mas não pare caso cometa
algum erro. Não faça uma leitura prévia da peça; comece a tocar após examinar a partitura por
5 segundos. Pode começar agora.”
Os estímulos foram preparados tomando-se peças pianísticas pouco conhecidas de
compositores clássicos menores e reescrevendo-as com erros de notação propositais. Os erros
tinham duas características. Em primeiro lugar, eles envolviam uma mudança de um tom
na altura anotada na pauta, porém mantendo intactos todos os outros elementos (acidentes,
ritmo, etc). Portanto, uma colcheia em si bemol poderia se tornar uma colcheia em dó bemol
ou lá bemol. A conseqüência disso é que a aparência visual da transcrição errada era bastan­ Exemplo 3.2: Material do estudo de leitura à primeira vista de Sloboda (1976b).
Os resultados do experimento foram bastante claros.Todos os sujeitos testados aponta­ O exemplo 3.3 identifica os erros de impressão’. As notas que eu alterei foram indicadas
ram o erro de revisão final’; isto é, tocaram algumas das notas que estavam trocadas como elas com um círculo. Pode-se notar que os erros foram distribuídos igualmente entre os pentagra­
deveríam ser, e não como estavam notadas. Isso ocorreu embora nenhum sujeito de pesquisa mas superior e inferior. Eles também foram distribuídos entre as frases musicais. Um terço
tivesse conhecimento das peças do teste, e a despeito do fato de todos os sujeitos ‘sacarem’os dos erros ocorre no início de uma frase, um terço no meio, e um outro terço no final. A tabela
objetivos do experimento por notarem pelo menos alguns dos erros propositais. 3.1 mostra a proporção de notas alteradas que foram restauradas coincidindo com o original
pelos sujeitos, para cada pentagrama e também para cada posição na frase musical. Os dados
Tabela 3.1: Número de erros em noras alteradas, em cada posição da frase. do pentagrama superior (que continha os principais materiais melódicos) são surpreendente­
Sujeito Início Meio Final
mente semelhantes àqueles obtidos com palavras. As alterações ocorridas no meio das frases
Pentagrama superior prestaram-se melhor a ser restauradas do que as alterações ocorridas no início ou nos finais de
lá 7 19 12
frases. Portanto, podemos argumentar que as frases formam unidades psicológicas efetivas, tais
si 5 10 4 que a atenção do leitor concentra-se no material que ocorre nos limites das frases, e que alguma
dó 2 16 6 forma de inferência permite ao leitor economizar no input das posições intermediárias.
ré 4 10 6 Um outro elemento surpreendente dos resultados é o padrão de erros em uma segunda
mi 7 10 9
performance dos sujeitos de pesquisa feita com as mesmas peças-teste. Como era de se esperar,
fá 5 8 7
a execução dos sujeitos melhorou, como ficou demonstrado por uma queda significativa no
número total de erros no teste. Isso mostra que os sujeitos aprenderam algo sobre as peças

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sol 7 20 7
quando da primeiraperformance. Contudo, a proporção de erros de revisão final não diminuiu;
Média 5.3 13.3 7.3
muito pelo contrário, aumentou ligeiramente. Isso sugere que, à medida que os sujeitos ad­
% 23 62 34
quiriram um maior domínio da estrutura das peças, eles se tornaram mais propensos a inferir
Pentagrama inferior
as notas esperadas, fica claro que, neste estágio inicial do aprendizado, os sujeitos estavam
lá 7 7 6 começando a armazenar a música na memória, não apenas em termos de notas isoladas, mas
si 5 7 4
também em termos de estruturas de ordem superior. Tal habilidade é claramente um marco
dó 12 11 9
na leitura hábil.
ré 8 8 5
mi 8 10 6
fá 9 10 9
sol 14 12 7

Média 9.0 9.3 6.6


% 42 43 31
Figura 3.3: Exemplos de estímulos usados por Sloboda (1978).
Neste ponto, é relevante questionar se os erros de revisão final em música ocorrem para
outrosperformers, não pianistas. A música para os instrumentos de teclado apresenta algumas
dificuldades específicas, precisamente porque usa mais de um pentagrama, e também porque
muitas de suas notas são tocadas simultaneamente. A maioria dos outros instrumentos é capaz
de tocar apenas uma nota por vez, e a música é normalmente escrita em um único pentagra­
ma. Portanto, as necessidades em tempo real’ficam reduzidas, e a inferência pode ser menos
necessária. Esta questão ainda não foi objeto de verificação experimental.

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Considerando que é relativamente difícil induzir erros na leitura hábil normal, muitos
investigadores da linguagem têm degradado o estímulo visual de modos que tornam a percepção
um pouco mais difícil. A maneira mais proveitosa de fazê-lo tem sido através da exposição de
partes do texto por durações curtas, menores que uma única fixação. Ao variar a duração de
exposição, podemos aprender algo acerca do tempo que leva extrair as informações.
Apliquei esta abordagem à música em uma série de experimentos (Sloboda, 1976a, 1978),
nos quais uma quantidade variável de símbolos de altura era apresentada brevemente em pen­
tagramas aos sujeitos de pesquisa, que deveriam transcrevê-los. A vantagem desta técnica é que
ela permite fazer comparações entre músicos e não-músicos, já que a tarefa de transcrição de
alturas pode ser realizada pelos não-músicos como uma simples tarefa de cópia de elementos
visuais. A figura 3.3 exemplifica o tipo de materiais utilizados como estímulo. Os sujeitos de
Exemplo 3.3: O material do exemplo 3.2 com círculos nas notas alteradas. pesquisa receberam papel de música para escreverem suas respostas, que deveriam ser dadas
imediatamente após o término da breve exposição, que variava entre 20ms e 2s.
Nas exposições mais breves (de até lOOms), tanto os músicos quanto os não-músicos
tiveram um rendimento ruim nas tarefas de gravar as posições das notas. Tanto uns como
outros conseguiam raramente gravar mais do que uma nota de forma correta. Entretanto, ao
serem instados a adivinhar todas as notas numa tela, os músicos obtiveram um rendimento
significativamente melhor do que os não-músicos, em tarefas de retenção do contorno aproxi­ metade era formada por melodias ‘ruins’- escolhidas para violarem o maior número possível de
mado do original. Se, em um dado estímulo, uma nota era mais aguda do que sua vizinha da convenções musicais. Os resultados sugeriram uma execução melhor dos músicos nas melodias
esquerda, então tendia a ser armazenada como sendo mais aguda, ainda que não tivesse sido boas, e nenhuma diferença em melodias boas ou ruins para os não-músicos. Fica claro que um
notada na linha correta do pentagrama. A habilidade de reter o contorno foi particularmente conhecimento musical específico foi responsável pelos resultados superiores dos músicos com
boa quando o contorno original era constituído por uma linha ‘reta’ascendente ou descendente as melodias boas. Essas melodias poderiam ser codificadas como estruturas de ordem superior,
[Fig. 3.3(b)] ou continha apenas uma mudança de direção [Fig. 3.3(c)]. reduzindo assim a carga da memória. Entretanto, mesmo no caso das melodias ‘ruins’, os mú­
Podemos supor que as durações inferiores a lOOms são demasiado curtas para que os sicos mantiveram uma ampla superioridade em relação aos não-músicos. Ou seja, a estrutura
mecanismos de processamento visual possam adquirir informações precisas sobre a posição não é a única coisa que conta. Em meus experimentos, muitos dos estímulos foram gerados
das notas, mas uma informação mais global acerca da forma do contorno das notas podia de forma randômica, e eram portanto estímulos ‘ruins’; isso não impediu que os músicos de­
estar disponível. Isto está de acordo com os dados obtidos em outros experimentos sobre a monstrassem uma ampla superioridade em relação aos dos não-músicos. Esses resultados são
percepção visual (por exemplo, Massaro & Klitzke, 1977; Navon, 1977). O que é particular­ bastante diferentes daqueles encontrados nos experimentos clássicos de xadrez realizados por
mente interessante aqui é que a habilidade para usar a informações sobre o contorno parece Chase e Simon (1973), em que os mestres e aprendizes reproduziram as configurações ‘ruins’
depender da experiência musical. O leitor de música parece estar preparado, em particular, de xadrez de maneira semelhante, e pobre.
para armazenar informações sobre padrões de escalas ou arpejos, o que sugere que tais in­ Uma razão que possivelmente explica esta diferença é que os estímulos musicais são
formações são usadas na leitura ‘normal’. Isso pode ocorrer devido ao fato de tais padrões muito mais simples que os estímulos no xadrez, já que contém menos elementos distribuídos
serem geralmente associados a padrões de movimentos estereotípicos dos dedos e das mãos, em um número menor de possibilidades. Cada par de notas adjacentes terá algum significado

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de modo que a identificação rápida e prévia permite adiantar o planejamento motor. Basta musical independentemente de sua posição. Uma seqüência ao acaso de seis notas pode sem­
que alguém consiga identificar corretamente a primeira nota de um desses padrões, e tenha pre ser representada por três pares de notas, cada qual compreendendo um intervalo musical
algum conhecimento de sua estrutura harmônica nesse ponto através do contexto, para que a comum, de modo que é sempre possível impor algum tipo de estrutura musical à seqüência.
identificação do contorno seja suficiente para especificar a ação necessária. Uma outra razão refere-se às diferenças de experiência em cada tarefa específica. Embora os
À medida que foi aumentada a duração da exposição, aumentou a habilidade de gravar mestres de xadrez tenham, indubitavelmente, passado mais tempo observando as posições das
notas corretamente, tanto em músicos quanto em não-músicos. Contudo, a execução dos peças em um tabuleiro do que os novatos, eles provavelmente não tiveram uma prática maior
não-músicos atingiu seu ápice ao redor de três notas, enquanto os músicos foram capazes de em armazenar posições do xadrez a partir da memória. Diferentemente, na leitura musical
gravar até seis notas em uma única exposição. Essa diferença manteve-se até mesmo para as habilidosa, executam-se continuamente de memória, seqüências musicais curtas, e os músicos
exposições com duração de 2s, quando não podia haver problemas visuais para nenhum dos desenvolvem mecanismos especializados para estas tarefas, coisa que os novatos não possuem.
grupos. A execução superior dos músicos deve-se à sua retenção superior do material dos estí­ É possível predizer que, se um mestre enxadrista dedicasse um esforço considerável ao desen­
mulos. Os músicos têm maneiras de codificar e armazenar notas (enquanto música) que não volvimento da habilidade de reproduzir as posições do xadrez de memória, ele desenvolveria,
estão disponíveis para os não-músicos; estes últimos precisam lembrar dos estímulos como se num curto espaço de tempo, uma superioridade em relação aos novatos, até mesmo para
estes fossem padrões meramente visuais. posições ‘randômicas’ no tabuleiro.
Uma indicação parcial sobre a natureza de codificação por parte dos músicos provém
de um experimento de Halpern & Bower (1982). Usando uma técnica semelhante à minha,
eles variaram a estrutura harmônica dos estímulos. Metade dos estímulos era composta por
‘boas’melodias, seguindo as regras normais das progressões melódicas e harmônicas. A outra
A s p e c t o s e x p r e s s iv o s d a e x e c u ç ã o à p r im e ir a v ist a Até mesmo os performers pouco experientes logo se conscientizam de que sua execução
precisa ser expressiva. Porém, freqüentemente, isto pode significar uma aplicação ao acaso de
Muito embora os erros de leitura possam revelar algo sobre os processos psicológicos mudanças no andamento e na intensidade, coladas ao acaso sobre a música. Um modo simples
subjacentes, é geralmente difícil induzir os performers habilidosos a cometerem qualquer tipo de testar o quanto a execução expressiva é governada por princípios consiste em pedir ao per­
de erro sem uma intervenção experimental. Nesse contexto, entendo por erro o fato de o former ope. apresente duas execuções consecutivas de uma peça relativamente pouco conhecida.
performer tocar notas erradas ou cometer erros grosseiros no andamento ou no ritmo. Se a Se ele consegue apresentar mudanças expressivas muito parecidas em ambas as ocasiões e na
execução habilidosa é isenta de erros, como podemos estudá-la, de modo a compreendermos ausência de instruções explícitas na partitura, podemos inferir que existe algum sistema base­
os mecanismos psicológicos que a controlam? ado em regras que produz variação em sua execução. Podemos descartar a possibilidade de os
Uma possibilidade é perguntar aos leitores à primeira vista habilidosos, o que é que fa­ detalhes da execução demonstrarem apenas uma boa memorização dos detalhes da primeira
zem. Wolf (1976) entrevistou quatro experts em leitura musical à primeira vista mas, embora execução. Como argumenta Shaffer (1981a ):
elas tenham feito observações ricas em insights, é difícil ver nessas observações mais do que
racionalizações informadas acerca dos processos em larga medida inconscientes e automáticos. [...] o pianista não poderia memorizar tal quantidade de detalhes: os músicos não são melhores
Por exemplo, os comentários dos entrevistados demonstraram incerteza sobre a quantidade que ninguém em lembrar informações arbitrárias análogas, e Eric Clarke, em Exeter, demonstrou
de música captada em uma única fixação, ou o tamanho da visão prévia. Ao ser perguntado isso pedindo a alguns pianistas que reproduzissem melodias curtas que ouviam, e que continham
sobre os problemas encontrados na leitura à primeira vista, um performer chegou a dizer sim­ deformações temporais em um único par de notas. É quase inevitável que o pianista altere a
plesmente: - ‘para mim, pessoalmente, não existem problemas’. deformação na direção de um ritmo passível de ser descrito na notação. Portanto, o pianista que
executa Bach pode fazer apenas um uso constante de variação expressiva, de uma execução para

A PERFORMANCE m u s ic a l
Uma abordagem diferente cujo pioneiro foi Seashore (1938), mas que foi aplicada à outra, tendo uma gramática expressiva que permite a construção da variação de acordo com os
leitura à primeira vista por Shaífer (1980), consiste em gravar acuradamente as microestru- elementos presentes na música.
turas de uma execução; isto é, as sutis variações de toque, tempo e andamento, que caracteri­
zam qualquer execução humana. Em alguns casos, essas variações podem ser relativamente Shaffer apresentou evidências a partir de duas execuções à primeira vista e consecutivas de
desinteressantes; flutuações ao acaso por conta de ruídos no sistema (tais como limites de uma fuga de Bach (O cravo bem temperado, livro 2, fuga 7), realizadas por um pianista experiente.
acuidade dos mecanismos de retorno, tremores musculares e lapsos de atenção). Em outros Um piano de cauda foi ligado a um computador para que pudessem ser gravadas informações
casos, porém, as variações mostraram ter uma relação sistemática com os elementos estru­ precisas sobre a duração e a intensidade de cada nota executada (para maiores detalhes consulte
turais da música. Shaffer, 1980). O sujeito de pesquisa não tinha tocado essa fuga por muitos anos; e depois da
Isto é particularmente importante para a nossa compreensão da leitura à primeira vista primeira execução, foi pedido que tocasse novamente a fuga, sem nenhuma instrução no sentido
em situações em que não há instruções explícitas na partitura, no sentido de fazer variações de tocar igual ou diferente. Shaffer encontrou semelhanças na execução expressiva em vários
de toque e de tempo. Consideremos uma fuga de Bach, por exemplo. Bach geralmente não
forneceu quaisquer indicações de dinâmica, toque ou fraseado. Além das notas em si, a única níveis. Por exemplo, no interior dos compassos, o grau de intensidade das notas isoladas foi
informação explícita dada pelo compositor concerne à tonalidade (indicada pela armadura de tendencialmente igual em ambas as execuções. Algumas notas receberam realce em ambas as
clave) e ao compasso (indicado pela fórmula e divisões de compasso). Contudo, seria inapro- execuções, embora não houvesse indicação para tal na partitura. Mais geralmente, as variações
priado se o performer considerasse que todas as notas precisam ser tocadas da mesma forma. de durações dos compassos apresentaram uma semelhança de padrões notável.
Uma execução inócua destas, embora estivesse livre de erros pela definição que propusemos Que tipos de regras controlam a atribuição de variações expressivas? Variações de longo
anteriormente, não seria considerada musicalmente eficaz. prazo, tais como as mudanças gradativas de velocidade e intensidade, são regidas por aspectos
de larga escala da estrutura musical, que freqüentemente requerem que o performer aprecie e
consiga lembrar de marcos temáticos na música. Por exemplo, uma seqüência repetida com § 3 ifj ;i j
alturas gradativamente mais agudas pode assinalar a chegada de um ponto culminante, e uma
resposta apropriada é, freqüentemente, aumentar a intensidade a cada repetição do padrão Exemplo 3.4: Excerto do primeiro movimento do Concerto em ré menor para cravo de J.S.Bach
seqüencial. Isso requer que o leitor tome consciência do padrão, e então reconheça visualmente
que o que vai ser tocado é uma continuação do padrão. No outro extremo, é pouco provável Usei recentemente o laboratório de Shaffer para tentar apresentar evidências do uso de
que as variações que ocorrem no interior do compasso (especialmente no início de uma peça variações relativas à métrica na leitura pianística à primeira vista. A técnica básica utilizada
musical) sejam determinadas por uma estrutura de larga escala da peça; portanto, estas va­ foi a de apresentar uma melodia metricamente ambígua em duas condições diferentes de
riações não dependem de uma apreciação desta estrutura. Aqui, as variações estão ligadas à notação, nas quais a barra de compasso e as bandeirolas variavam na seqüência da melodia,
microestrutura da música, à importância relativa das diferentes notas dentro de um compasso. enquanto os valores das notas e os dedilhados eram mantidos constantes (veja os exemplos 3.5
Um aspecto fundamental desta microestrutura é sua organização métrica, e é nesse aspecto e 3.6). Este é um controle essencial já que observar a execução de uma única melodia notada
que eu pretendo me concentrar agora. não seria suficiente para relacionar a variação ao compasso tal como está notado. Também
Conforme foi discutido no capítulo 2, há duas maneiras pelas quais um ouvinte pode poderia estar relacionada à padronização exata das alturas e das durações, e ao fato de que
determinar a segmentação rítmica de uma seção da música. Em alguns casos, a padronização notas diferentes usam dedilhados diferentes, etc. Neste paradigma, nós temos duas melodias
de alturas e durações sugere um agrupamento particular, de modo que, se o performer tocar em que os padrões de notas e os dedilhados são exatamente iguais. A única diferença entre
as notas corretas por durações aproximadamente corretas, o compasso pode ser determinado. elas é a posição dos tempos fortes e fracos. Portanto, as diferenças sistemáticas na variação

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Porém, em outros casos, a padronização das notas não sugerirá uma interpretação em particular, expressiva devem resultar necessariamente da mudança métrica.
e poderá até mesmo ser fonte de equívocos. Um exemplo que me causou certa perplexidade Foi pedido aos pianistas que apresentassem, à primeira vista, cinco execuções semelhantes
quando o ouvi pela primeira vez foram os compassos do início do Concerto para piano em e sem erros dos exemplos 3.5 e 3.6. Estes exemplos vinham encaixados em um grande número
ré menor de Bach (exemplo 3.4). Eu ouvi as duas primeiras notas como se fossem um tempo de melodias curtas e nenhum sujeito notou que as melodias eram, de fato, idênticas. Cada
forte, acentuando as notas 3 e 7. Esta interpretação é consistente com a regra de que as notas conjunto de 5 execuções representou uma resposta espontânea a cada melodia isolada.
longas geralmente denotam os maiores acentos. É claro que, neste caso, a segmentação correta r - f - * ---------- ^ ------ ^ 4 -------— -----------
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coloca os acentos principais nas notas 1 e 6. Acredito que a única maneira de fazer com que o
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ouvinte segmente essa frase de maneira correta ao ouvi-la pela primeira vez, é que o performer Exemplos 3.5: As melodias usadas no estudo de Sloboda (1983).
faça uma variação expressiva, apropriada e suficientemente ampla, que supere a tendência n ff---- V
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natural do ouvinte para ‘segmentar errado’.


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Exemplos 3.6: As melodias usadas no estudo de Sloboda (1983).


Uma análise nota por nota das diferenças de tempo e intensidade (para maiores detalhes
consulte Sloboda, 1983) evidenciou que havia muitas diferenças significativas entre as execu­
ções das duas melodias. Por exemplo, cinco entre seis pianistas tocaram o primeiro compasso
do exemplo 3.5 com a nota 5 mais ligada (legato) do que as notas precedentes. Entretanto, no
exemplo 3.6, a nota 5 não recebeu nenhum tratamento especial. Esse é um exemplo daquilo que
aparece nos dados como o efeito de “meio de compasso”. Os sujeitos usaram vários artifícios logo se dão conta do quanto podem ‘se safar’ em execuções ao vivo. Tem-me surpreendido
para diferenciar das antecedentes a nota que vinha depois de meio compasso (e que, portanto, com freqüência, na gravação de minhas próprias execuções, ouvir como eram praticamente
caía sobre o terceiro tempo). Os artifícios consistiram essencialmente ou em um aumento de imperceptíveis alguns erros, que na hora da execução me pareceram catastróficos. De fato, parte
intensidade, ou em um aumento do efeito ligado (legato), ou ainda em um pequeno atraso no da arte da leitura à primeira vista consiste em saber que partes da música não serão salientes
início da nota seguinte, ou, ainda, em uma combinação de todas essas coisas. As diferenças para o ouvinte. Aprendemos a maneira de criar uma impressão de exatidão na performance
individuais foram visíveis na natureza das escolhas feitas a partir dessas opções. que, de fato, está bastante longe de ser fiel à partitura.
Os artifícios encontrados não são surpreendentes para nenhum músico performer, pois
correspondem respectivamente z, grosso modo, às noções de acento, ligadura e tenuto. Contudo,
o fato de que os pianistas podem usar estes artifícios na leitura à primeira vista mostra que eles ------ 1 t— ___i
acham pistas, rápida e quase automaticamente, na primeira inspeção de uma partitura. Como
A B

Figuras 3.7
não há pistas explícitas na notação musical que marquem o meio do compasso, as variações de
execução devem surgir a partir de algum tipo de análise das notas que as atribui a estruturas
nas quais o terceiro tempo de um compasso quaternário recebe um destaque especial. É claro r - b -------- ------- — r
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f p f - f

que ao primeiro tempo de cada compasso também é dado um tratamento especial na execução,
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mas há uma dica de notação explícita aqui: a barra de compasso.


A i A i ^3 B

Figuras 3.8

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Com estes dados preliminares, ainda estamos bem longe de compreender, no seu todo, o
processo através do qual variações correlacionadas à métrica são aplicadas numa execução. O
problema principal é que o performer não marca todos os acentos, e quando o faz, ele escolhe Podemos encarar o processo de aplicar variações expressivas na leitura à primeira vista
entre as opções disponíveis, além de decidir sobre a magnitude das variações escolhidas. Podemos como contendo três estágios principais. Em primeiro lugar, vem a formação de uma repre­
supor que os vários performers desenvolvem estilos’de modo que um deles faz um uso maior da sentação mental da música a partir do exame da partitura, que identifica elementos a serem
variação de toque, outro da de intensidade, e assim por diante. Performers altamente proficientes marcados expressivamente na execução. Por exemplo, um compasso quaternário, como o que
podem até mesmo alterar o estilo àz performance a seu gosto, dentro de certos limites. aparece na figura 3.7 pode ser representado como duas sub-unidades iguais encaixadas em
Há também a questão de relacionarmos a performance à percepção. Elementos expressi­ um compasso. Para responder de forma apropriada a uma seqüência ascendente, como a da
vos de execução são inúteis se não puderem ser detectados pelos ouvintes. Do mesmo modo, figura 3.8, é preciso computar representações mais complexas baseadas em altura e tonalidade.
não vale a pena gastar energia para chegar a níveis de exatidão na execução (por exemplo, no O padrão de três notas que se repete por três vezes em altura cada vez mais aguda sugere um
caso do andamento ou da afinação) que não possam ser apreciados pelos ouvintes, já que a aumento de intensidade passando de A l, para A2 e chegando em A3. Uma representação tonal
resolução da performance é mais sutil do que a capacidade de discriminação dos ouvintes. Esta da abordagem cadencial e escalar à tônica tomará B como o ponto culminante da seqüência e,
é uma área em que pouco se pesquisou. O principal problema é que não é possível usar os portanto, surgirá um clímax em B. Os elementos A l-3 e B também têm uma estrutura métrica
dados obtidos através de mensurações psicofísicas padrão para prescrever normas destinadas interna que, quando representada, pode proporcionar a base da variação expressiva internamente
aos performers. Em condições ‘ideais’, um ouvinte pode, de fato, ser capaz de detectar um certo a cada elemento. Considerando-se que a primeira nota de cada elemento coincide com um dos
número de diferenças pequenas no andamento ou na afinação, mas na agitação de um evento acentos principais do compasso, ela poderia ser marcada por uma intensidade maior do que
musical complexo, a discriminação pode vir a ser muito mais pobre. Performers experientes seus vizinhos. Um contorno de intensidade possível, que poderia ser derivado da computação
destas diversas representações (escalar, tonal, e de compasso), poderia ser:
3 1 2 | 4 2 3 | 5 3 4 1 64445 no qual, a calibração para a segunda fase é estabelecida três graus de intensidade abaixo da
primeira.
em que os números representam posições em uma escala por ordem de intensidade. É possível, Podemos aceitar como hipótese de trabalho que quanto menor for a quantidade de
é claro, representar uma melodia em apenas uma destas dimensões e ainda assim produzir música que um leitor precisa ver antecipadamente para descobrir as pistas de uma represen­
alguma variação expressiva. As dimensões podem ser computadas de forma independente. tação em particular, mais provável é que ele formará essa representação. Em muitas músicas, a
Por exemplo, alguém que computasse apenas a representação tonal poderia atribuir o seguinte visão prévia de um compasso é o máximo necessário para formar uma representação métrica
contorno de intensidade: apropriada. Os agrupamentos métricos que importam cabem nos limites de um compasso.
Por outro lado, as progressões tonais podem estender-se por muitos compassos, de modo
4 2 3 | 4 2 3 | 4 2 3 142223 que a previsão torna-se menos possível e o prognóstico exato passa a ser a única maneira
de tomar as decisões expressivas corretas. À medida que o performer vai se familiarizando
E alguém que computasse apenas a representação métrica poderia atribuir este contorno com um idioma, esses prognósticos vão se tornando cada vez mais possíveis; mas todos os
de intensidade: performers passam por momentos em que embarcam no ‘jeito errado de encarar’uma deter­
minada peça musical tocada à primeira vista. Por exemplo, o instrumentista pode achar que
4 2 3| 4 2 3| 4 2 3 | 42223 uma determinada cadência é a resolução de uma seção, e assim ele a enfatiza por meio de
crescendos e allargandos, para depois descobrir que se tratava da penúltima cadência da seção
Há, é claro, níveis adicionais de representação que nos levariam muito além de uma frase, - num momento em que ‘toda a munição já foi gasta’.

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isolada, tal como ocorreria com o exemplo 3.8, caso quiséssemos relacioná-lo a outros mate­ A segunda etapa do processo expressivo envolve o acesso a um ‘dicionário’de variações
riais temáticos em uma peça mais longa. Falando ainda de variação de intensidade, podemos expressivas que são aceitas como eficazes para comunicar as marcações estruturais que foram
querer estabelecer o nível geral para a frase de acordo com aquilo que veio antes ou o que identificadas. Em outras palavras, precisamos pressupor a existência de uma ‘linguagem’ da
ainda está por vir. Suponhamos que o exemplo 3.8 tenha sido precedido por uma frase de dois expressão aceita de comum acordo entrz performers e ouvintes. É possível que parte desta lin­
compassos, em uma peça mais longa. guagem esteja baseada em mecanismos, relativamente primitivos e compartilhados por todas
as pessoas, de agrupamento auditivo em seqüências temporais. Por exemplo, na falta de outras
r-y*— r— ., - * - r H -----frfT f— indicações, uma nota mais forte que suas vizinhas será ouvida como separada das demais.
Alguns desses mecanismos serão objeto de mais discussão no capítulo 5.2. Outros aspectos
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^ l ^3 B
da linguagem são definidos culturalmente e dependem da experiência musical compartilhada
Exemplo 3.8 por performers e ouvintes (como por exemplo, o uso do allargando para assinalar a cadência
final de um movimento na música clássica). Paradoxalmente, este segundo tipo de variação
Nesse caso, podemos querer representar o exemplo 3.8 como um ‘eco’, recebendo a seção pode ser aquele que o performer aprende e aplica mais facilmente, já que é um produto auto-
inteira (de quatro compassos) o seguinte contorno de intensidade: consciente de uma cultura que pode ser explicitamente identificado e discutido.
Por outro lado, as variações momentâneas de pequena escala, que tornam as execuções
6 4 5 | 7 5 6 | 8 6 7 | 97778 / 3 1 2 | 4 2 3 ( 5 3 4 ) 64445 ‘vivas’não são fáceis de descrever. Ao ouvir a performance de um mestre, percebemos que ele
captou a estrutura da música (isto é, conseguimos formar uma representação da música que
se assemelha àquela que orientou sua performance), mas tendemos a perder as informações veis pela execução, que revelarão na forma de sons os dispositivos expressivos selecionados
sobre os meios exatos através dos quais a forma é transmitida. Como notamos anteriormen­ do ‘dicionário’. Há dois aspectos importantes no comportamento fluente de que uma teoria
te, as pessoas são muito ruins em lembrar informações análogas. Em termos de informação de programação motora precisa dar conta. Uma deles é o fato de que os elementos de uma
métrica, podemos experimentar um sentido bastante sutil da métrica graças a uma boa exe­ seqüência motora se sobrepõem no tempo. Quando, por exemplo, o pianista executa uma
cução, e ainda assim sermos incapazes de dizer o porquê de a execução deixar a estrutura tão passagem de uma escala, ele já precisa movimentar o segundo dedo em direção à nova po­
transparente. Este fenômeno não é exclusivo da música; pode ser encontrado em qualquer sição, antes de soltar o primeiro dedo. Como o grau de sobreposição é variável (e depende,
área que envolva a perícia na execução. Um mestre pode nos revelar o impacto dramático de entre outras coisas, da velocidade da execução), o segundo movimento de dedos não pode
um monólogo difícil que não passa de uma coisa chata e pesada nas mãos de um ator não tão ser iniciado com base em alguma pista do primeiro. Este é um dos problemas clássicos do
bom; mas o ouvinte comum aprecia apenas a força da interpretação e não a maneira precisa, comportamento serial delineado no artigo seminal de Lashley (1951), que muito influenciou o
através da qual a força é atingida. pensamento atual. A segunda questão, relacionada à primeira, é que o comportamento motor
Executar com perícia requer, em primeiro lugar, capacidades analíticas de audição de um fluente resulta em alcançar objetivos previamente especificados e não em executar movimentos
tipo desenvolvido, que permitam enganchar-se’às finas variações temporais e de intensidade específicos (Shaffer, 1982). No que diz respeito à execução pianística, por exemplo, o objetivo
que a tornam uma execução magistral, para depois imitá-las. De acordo com minha experi­ da programação motora é garantir que uma determinada nota comece em um determinado
ência, e também com a de muitos músicos, não há nenhuma maneira realmente satisfatória momento e seja tocada com um determinado volume. Isso será atingido por diferentes movi­
de descrever as variações expressivas de modo a permitir que sejam incorporadas na execução mentos dependendo da posição anterior das mãos, bem como daquilo que se segue. Pianistas
individual. As técnicas expressivas são passadas de um músico a outro por demonstração. É peritos podem usar dedilhados diferentes em duas execuções consecutivas de uma mesma

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por isso que os músicos mestres estão quase sempre vivamente interessados em ouvir a exe­ passagem e, ainda assim, obter a mesma sonoridade a cada execução.
cução de outros mestres. É também por isso que os bons professores precisam ser, na minha Essas questões realçam o fato de que a execução humana hábil é raramente uma seqüên­
opinião, bons performers. Posso me lembrar de ocasiões em que meu próprio professor me cia rígida de movimentos na qual cada movimento particular é disparado de forma inflexível
ensinou mais a respeito da execução de uma determinada passagem tocando-a do que falando pelo movimento precedente, e nos fazem tomar consciência de que a execução resulta de
a seu respeito por muitos minutos. uma interação entre um plano mental que especifica elementos intencionais do output e um
Ora, se a perícia na execução depende da perícia em ouvir, o nosso problema passa a sistema de programação flexível ‘que aprendeu, pela experiência, a computar os padrões de
ser o de determinar o que faz com que uma ouça e armazene o tipo de informação deta­ contração muscular que atingirão os objetivos (de produção do output em questão) em uma
lhada, difícil para a maioria de nós reter. Como professor de instrumento, eu notei grandes grande variedade de condições iniciais’(Shaffer, 1981b, p.331).
diferenças na habilidade de notar variações expressivas na execução dos outros, até mesmo Esta conceituação dá conta de muitos aspectos da performance musical. Por exemplo, ela
entre crianças bem pequenas. Para muitos aprendizes, o ensino por demonstração é inútil, dá sentido ao fenômeno de sabermos exatamente como uma determinada passagem musical
simplesmente porque não parecem captar o que está sendo demonstrado. Outros são capazes tocada à primeira vista deve soar, sem sermos capazes de negociar as notas certas. Neste caso,
de uma imitação e retenção imediata e exata. Vejo esta capacidade como um dos melhores o performer formou um plano adequado da música que está tocando; em termos de minha
prognósticos de realização musical em alto grau. E pena que seus fundamentos cognitivos divisão do processo em três fases, ele já completou as primeiras duas etapas, isto é, (1) formou
ainda não sejam bem compreendidos. uma representação estruturalmente baseada da música e (2) atribuiu variações expressivas aos
A terceira etapa no processo é a que tem sido freqüentemente chamada de ‘programação elementos da representação reportando-se a um ‘dicionário’expressivo. O que falta é conseguir
motora’, que consiste na montagem de uma seqüência de comandos aos músculos responsá­ que as mãos façam o que elas precisam fazer. Em minha experiência de tocar piano, uma
causa comum disso era o cálculo errado de um salto desconhecido, ou ‘faltarem dedos’em uma é o músico que consegue tocar músicas relativamente simples com enorme sensibilidade e
passagem rápida. Nestes pontos, o performer experimentado em leitura à primeira vista pode tem uma apreciação crítica e profunda das execuções alheias, mas apresenta falhas quando
inventar um novo plano consistente com o contexto estrutural, um plano que ele é capaz de são necessários níveis elevados de velocidade ou fluência. Tais pessoas tendem a passar muito
programar, de modo a ‘cobrir’ seu erro por meio de uma alternativa plausível. tempo envolvidas com música, mas negligenciam a prática instrumental sistemática. Elas têm
A dissociação existente entre o plano e o programa também nos permite compreender uma habilidade muito elevada para representar a estrutura musical, mas sua programação
algo que muitos professores de instrumento identificam em seus alunos (musicais em tudo motora é insuficiente para transformar as representações em sons. O segundo tipo de músico
mais) como uma ‘incapacidade de ouvirem a si mesmos’. Isto ocorre tipicamente quando o é aquele que encara as peças tecnicamente mais difíceis do repertório, com bons resultados
professor critica o aluno porque deixou de fazer uma variação expressiva quando o próprio do ponto de vista técnico, mas sem sensibilidade. Tal pessoa tende a passar horas diárias
aluno está convencido de ter feito a variação. O que poderia estar acontecendo aqui é que o diante do instrumento, aplicando-se às escalas e exercícios, mas negligencia uma compreen­
aluno formou um plano da música, no qual uma determinada seqüência de notas é marcada são mais profunda da música através de análise e de apreciação crítica. Este indivíduo possui
para variação expressiva, mas a programação motora não levou em conta as marcações (ou uma programação motora bastante refinada, mas os planos de execução que ele tem, e sobre
não as levou em conta de maneira suficiente para que fossem detectadas auditivamente de os quais o sistema poderia agir, são pobres.
forma confiável). O aluno baseou sua avaliação de que a variação expressiva ocorreu com base O músico expert obviamente é excelente em ambas as capacidades. Uma leitura à pri­
em um monitoramento interno de seu plano, ao passo que o professor monitorou o output. A meira vista fluente é, plausivelmente, um exemplo primordial de habilidade que exige aquelas
incapacidade de monitorar a própria performance no nível dos detalhes expressivos é bastante duas sub-habilidades. É necessário um grau elevado de habilidade de representação para ser
comum e não se restringe à música. A maior parte das pessoas fica desagradavelmente surpresa capaz de construir rapidamente um plano apropriado de execução com base em informações

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quando têm acesso a versões gravadas de seus comportamentos verbais ou motores. visuais em que as indicações estruturais relevantes são apenas implícitas, e é necessário um
grau elevado de habilidade em programação motora para ser capaz de executar por inteiro
Finalmente, a dissociação ajuda a explicar porque duas atividades bastante distintas uma seqüência motora fluente na velocidade apropriada. Supondo um júri de um concurso
são necessárias à aquisição de altos graus de habilidade musical. Por um lado, o performer de música instrumental que tivesse apenas cinco minutos para avaliar cada candidato, há boas
precisa aprender a ouvir, a analisar e a discutir muito a música. Estas atividades lhe conferem razões para dedicar todo o tempo à observação da leitura à primeira vista do candidato, penso
a capacidade de representar a música de maneira mais completa, dando-lhe planos mais ricos. eu. Há poucas tarefas que demandam uma condição de músico tão completa.
Por outro lado, ele também precisa dedicar-se a muitas horas de prática instrumental. Até
um certo ponto, a natureza precisa daquilo que ele toca não é tão importante, contanto que
apresente ao sistema motor a gama completa de problemas balísticos que serão encontrados
E n s a i o

no repertório musical de seu instrumento. É apenas através desta prática que o sistema motor A maioria dos músicos provavelmente passa a maior parte de seu tempo e esforço musi­
será exposto a uma‘grande variedade de condições iniciais’que permitirão ao sistema construir cais em ensaios. A natureza e a quantidade de ensaios é possivelmente a grande determinante
rotinas de computação eficazes em resolver problemas de programação de forma rápida e da habilidade de execução. Contudo, o modo exato como ensaiam músicos de diferentes ha­
exata em situações novas. O uso pedagógico de escalas e de estudos na educação instrumental bilidades é um assunto sobre o qual não sabemos praticamente nada. A literatura pedagógica,
tem, portanto, uma base psicológica bastante sólida. Eles garantem que o aluno será exposto que é inegavelmente um recurso útil e rico de insights sobre o assunto, está bastante calcada
de maneira sistemática à gama completa dos problemas de programação.
É claro que os dois tipos de atividade aqui descritos podem ser levados adiante sepa­ em observações informais e experiências pessoais (como, por exemplo, Buck, 1944; Hughes,
radamente, e isso resulta na existência de dois ‘tipos comuns’ de músicos. O primeiro tipo 1915). Podemos certamente recolher algumas generalizações a partir desse conjunto de ex­
periências. Em primeiro lugar, muitos iniciantes acham difícil ensaiar de maneira produtiva
(isto é, de modo a melhorar significativamente sua performance). Sua principal estratégia estava bem acima do que estabelecia essa escala de notas. Cada sujeito de pesquisa recebeu
parece ser a de simplesmente tocar uma mesma passagem por muitas vezes, esperando, como três peças novas compatíveis com seu nível como instrumentista, e podería praticá-las por
se fosse possível, que ela fique boa como se fosse uma roupa que está sendo passada a ferro. 30 minutos. Foi feita uma gravação em áudio de cada seção de prática instrumental, e, sem
Os professores e performers mais experimentados insistem que é necessário bem mais do que seguida, foi atribuída uma pontuação a cada gravação a partir de uma escala de observação
isso. As passagens problemáticas precisam ser ‘quebradas em pequenas partes’. Além disso, detalhada (elaborada por Joseph, 1978). A escolha dos pianistas como sujeitos foi arbitrária.
os experts insistem que o conhecimento seguro de uma peça musica requer a formação de Temos tudo para supor que suas estratégias gerais de prática instrumental eram típicas de
representações múltiplas da mesma. Um dos principais problemas com que se defrontam os músicos.
performers de nível médio [moderateperformers) é que a seqüência da performance fica disso­ Observando os sujeitos de pesquisa em seu conjunto, Gruson descobriu que a execução
ciada de um controle consciente completo. As pistas de cada pequeno trecho são obtidas por ininterrupta ocupava aproximadamente um quarto de todo o tempo de prática. As próximas
associação a partir do trecho precedente, de modo que, quando algo dá errado, não há como ocorrências mais freqüentes incluíam a repetição de uma única nota (16,9%), a repetição
salvar a performance; a memória simplesmente ‘seca’. Como professor, já notei que os alunos de um compasso (16,7%), a diminuição de andamento (16%), e erros (14,3%). Desses com­
conseguem ter acesso a uma peça memorizada apenas em alguns pontos. Se, durante a exe­ portamentos, dois (a repetição de uma única nota e cometer erros) são sempre motivo de
cução, são interrompidos para uma discussão, precisam retornar a um dos pontos de entrada alerta por parte dos professores, que os consideram contraproducentes. A repetição de uma
para continuarem a performance. Ao contrário, os performers experimentados insistem que o única nota não ajuda em nada, já que o objetivo do ensaio é justamente construir unidades
conhecimento pleno de uma peça musical tem como conseqüência a capacidade de começar integradas de execução fluente de diversas notas. Os erros são inúteis porque eles tendem
a tocá-la em qualquer parte. A mente consciente deveria saber o que vem a seguir, indepen­ a reforçar padrões motores inadequados; o ideal é recomeçar a tocar bem devagar, evitando

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dentemente daquilo que os dedos estão fazendo. Segundo os experts, entre as realizações que erros. No outro extremo da escala, certas técnicas de ensaio recomendadas praticamente
se podem dar como garantia de que uma peça musical foi apropriadamente aprendida estão não ocorreram no interior deste grupo de sujeitos. Tocar cada mão em separado ocorreu em
as habilidades de pensar nela esquecendo o instrumento e de escrevê-la de memória. Em apenas 0.97% do tempo e as repetições de seções maiores que um compasso ocorreram em
terceiro lugar, a maioria dos professores reconhece que o ensaio é transferível, de modo que apenas 2.6% do tempo.
cada peça ensaiada diminui a necessidade de ensaios para peças futuras. Em compensação, Para examinar as diferenças em comportamento no ensaio entre os pianistas de níveis
há momentos em que o ensaio intensivo de uma única peça não resulta em melhoras sig­ diferentes, Gruson realizou duas análises. Primeiramente, calculou os coeficientes de correlação
nificativas; chegou-se a algum limite ou gargalo que só pode ser superado passando à peça entre a incidência de cada categoria de comportamento e o nível da habilidade. Ele encontrou
problemática alguns meses ou mesmo anos mais tarde. quatro correlações positivas significativas. Estas correlações incluíam os comportamentos
Gostaria de concentrar a parte mais substancial desta seção em um estudo realizado que aumentavam em freqüência conforme aumentava a habilidade. São eles: 1. a repetição de
por Gruson (1981) que é, pelo o que sei, a única tentativa recente de examinar de maneira uma seção maior que um compasso (r = 0.72); 2. tocar cada mão separadamente (r = 0.49); 3.
detalhada o comportamento dos músicos em ensaios. Seus sujeitos eram quarenta alunos de verbalização (r = 0.37); e 4. tempo dispensado à prática de cada peça (ao invés de tocar algo
piano que tinham aulas individuais e três pianistas profissionais. As experiências musicais diferente da música, parar de tocar, etc, (r = 0.40). As verbalizações incluíam formulações
desses sujeitos foram avaliadas, sem grande precisão, pelo grau de rendimento expresso pelas apropriadas como instruções dadas a si prórpio, tais como ‘diminuir o andamento’ou ‘Errei,
notas de um conselho examinador local. Este sistema previa dez notas que poderiam levar o é melhor tentar de novo’.Três comportamentos demonstraram correlações significativamente
performer até o nível de amador proficiente, e cada nível correspondia mais ou menos a um negativas, isto é, decresceram com o aumento da habilidade. Foram eles: cometer erros (r =
ano de prática instrumental. Logicamente, o nível de experiência dos músicos profissionais -0.31), repetição de uma única nota (r = -0.31) e pausas por mais de dois segundos (r = -0.31).
Esses resultados mostram que o uso das técnicas de ensaio convencionalmente defendidas as estratégias dos músicos mais experimentados são mais eficazes, esperaríamos que eles de­
aumenta em freqiiência com o aumento de habilidades enquanto o uso das técnicas não- monstrassem um rendimento maior do que os iniciantes entre a primeira e a última sessão.
defendidas torna-se menor. Uma outra dificuldade com o estudo é a confusão entre idade e experiência. Os iniciantes
A segunda análise de Gruson fez uso da análise de funções discriminantes para iden­ tendiam a ter menos de onze anos de idade, enquanto os profissionais tinham mais de vinte
tificar a combinação de comportamentos de prática instrumental que podería distribuir os e cinco anos de idade. Algumas das diferenças observadas podem resultar de mudanças das
estudantes, da maneira mais econômica, em três grupos correspondentes aos aprendizes (do estratégias cognitivas gerais decorrentes da idade e não de experiências musicais específicas.
nível 1 ao nível 8), adiantados (do nível 9 à obtenção do certificado), e profissionais. Esta E necessário um estudo que emparelhe por idade os grupos de habilidades diferentes. Inde-
análise apresentou resultados similares àqueles encontrados pelo estudo de correlações e pendentemente disso, o estudo de Gruson é um exemplo pioneiro do tipo de trabalho que
apontou a repetição de trechos como o discriminador mais confiável. Setenta e nove por cento precisa ser feito urgentemente se quisermos adquirir maiores conhecimentos sobre a aquisição
dos sujeitos foram classificados corretamente com base no uso de um único comportamento. das habilidades de execução.
A hipótese de Gruson é que o uso crescente da repetição de trechos indica uma consciência
crescente da estrutura da música a ser aprendida, sendo que os trechos repetidos são isolados A PERFORMANCE EM N ÍV E L DE E X P E R T
como unidades significativas. A quebra da música em unidades apropriadas passa a auxiliar
a memorização e a construção da execução fluente. Para dar força total a essa hipótese, pre­ A performance em nível de expert requer um grande número de sub-habilidades. Cada
cisaríamos verificar se os trechos repetidos poderíam de fato ser isolados por razões musicais uma dessas sub-habilidades merece investigação psicológica, e algumas já foram bastante
a priori.
estudadas psicologicamente. Há habilidades técnicas específicas tais como o vibrato na execu­

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O estudo de Gruson teve uma segunda etapa na qual a pesquisadora pediu a um sub­ ção de um instrumento de cordas e no canto (Clarkson ôc Deutsch, 1978; Seashore, 1938), a
grupo de sujeitos de pesquisa (níveis 2 e 6 e alunos em nível de obtenção de diploma) que
continuassem praticando as peças por mais dez sessões. O objetivo disso foi verificar se a independência das mãos na execução pianística (Shaffer, 1981b), o controle da dinâmica pelos
experiência continuada de uma mesma peça musical alterava a maneira de ensaiá-la. No geral, instrumentistas de sopro (Patterson, 1974), a sincronização na execução em conjunto (Rasch,
a pesquisadora encontrou poucas mudanças em qualquer um dos graus de habilidade. Os 1979), e assim por diante. Porém, o expert é claramente alguém que possui mais do que estas
sujeitos pareciam bastante presos a seus próprios comportamentos de ensaio, de modo que habilidades. Ele atinge o nível de expert demonstrando sem falhas todas essas habilidades ao
os comportamentos que os discriminavam na primeira sessão (particularmente a repetição de mesmo tempo, e subordinando-as à estrutura geral da composição musical.
trechos) ainda os discriminavam na décima sessão. Parece que os pianistas habilidosos têm Como professor, penso que um dos grandes entraves dos alunos é a exigência de atender
um repertório de estratégias de ensaio que os ajuda logo quando da aquisição de uma nova às diversas dimensões da experiência musical simultaneamente. Um aluno pode ser muito
peça musical; os menos habilidosos são igualmente persistentes na adoção de estratégias que capaz de tocar uma passagem com a dinâmica apropriada, mas, pode perder o controle da
podem não ser tão vantajosas. Gruson conclui que a principal influência no comportamento dinâmica assim que lhe pedem que acrescente algum tipo de fraseado, e pode perder estas
de ensaio tem que ser a experiência ganha através de ‘muitas horas praticando uma grande duas características se lhe pedem que faça um terceiro ajuste. Cada habilidade está presente,
variedade de peças musicais’. Num cálculo muito cauteloso, ‘muitas’ deve significar, pelo mas sua utilização impede de dar uma atenção significativa aos outros aspectos. Podemos
menos, ‘milhares’. expressar isso em termos teóricos tradicionais dizendo que cada habilidade requer alocação
O estudo de Gruson deixa claramente muitas questões sem resposta. Por exemplo, de atenção a partir de um pool limitado de recursos de atenção. De um modo ou de outro,
nós não sabemos se as diferenças de estratégia de fato tornam o ensaio mais eficaz. Seria o expert conseguiu contornar essa limitação. É crença corrente que o expert não tem mais
interessante eliciar tentativas de execução após a primeira e a última sessões de prática. Se recursos de atenção do que as outras pessoas; ao invés disso, cada habilidade requer pouca
ou nenhuma atenção para a sua execução, por ter se tornado automática’. Na próxima seção,
tentarei detalhar algumas implicações disso para a execução musical.
Quando alguém é capaz de executar uma obra em nível de expert, ficaríamos surpresos
ao descobrir que se tratar da única peça que consegue tocar dessa maneira. Isso acontece porque
nós pressupomos (e isso é correto) que algumas das habilidades reveladas em uma determi­
nada execução são habilidades gerais, aprendidas na execução de peças musicais já estudadas Exemplos 3.10 12
e aplicáveis a obras futuras. Estas habilidades são usadas na aprendizagem de uma nova peça
embora não sejam significativamente alteradas nessa aprendizagem. A execução em nível de Uma habilidade importante da memorização é a capacidade de codificar a música em
expert de uma determinada peça musical é o resultado da interação entre o conhecimento termos de agrupamentos e de estruturas familiares. Às vezes, a estrutura é escondida’fazendo
específico da mesma e o conhecimento geral adquirido no decorrer de uma vasta experiência com que uma execução adequada seja atingida somente quando o padrão é descoberto. Um
musical. Este ponto é válido já que são os problemas específicos de uma determinada peça que exemplo de uma experiência pessoal recente refere-se à parte de piano da canção Sea-snatch
causarão maiores preocupações para a grande maioria dos performers. Portanto, é fácil esque­ (Op.29 n.6), de Samuel Barber. O exemplo 3.11 mostra os compassos 7 a 9 da parte de piano.
cermos que as atividades específicas derivam e são construídas a partir de um vasto estoque Não consegui fazer nenhum progresso com a peça até dar-me conta que a mão direita repete
de conhecimentos musicais gerais. O que distingue o expert do iniciante são a extensão e a a mesma seqüência de quatro notas por quatro vezes (em oitavas diferentes, com exceção do
disponibilidade desses conhecimentos. último acorde). Tendo aplicado o mesmo padrão de dedilhado em cada uma das quatro se-
O exemplo 3.9 é um excerto simples que serve como base para uma discussão acerca qüências, a prática aprimorou rapidamente a execução. A principal razão pela qual não notei

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de alguns elementos da execução em nível de expert. Quais os elementos que estariam en­ este padrão no princípio foi a irregularidade das bandeirolas que agrupavam, visualmente, os
volvidos em chegar a uma performance em nível de expert do excerto em questão? Talvez o acordes em cada compasso, quebrando os grupos repetidos, cuja descoberta foi essencial para
primeiro elemento a ser discutido seja o papel da memorização, já que muitas execuções de
experts são realizadas de memória. Está claro que a memorização de uma peça é uma vanta­
gem porque liberta o performer de ter que olhar da partitura e por garantir a disponibilidade
de informações sobre aquilo que virá em seguida. Muito embora a função de memorização
seja a de permitir o domínio da seqüência específica das notas que tornam esta peça única, na
memorização estão também envolvidas algumas habilidades gerais.Tais habilidades podem ser Exemplo 3.11: Excerto de Sea Snatch, opus 29, n.6 de Samoel Barber. Direitos autorais © G. Schirmer, Inc.
demonstradas se considerarmos os problemas adicionais que se apresentam quando tentamos Usado sob permissão da editora.
memorizar o exemplo 3.10. Apesar de os dois excertos terem a mesma fórmula de compasso
e o mesmo número de notas, o exemplo 3.10 apresenta maiores dificuldades porque suas Em outras ocasiões, é necessário encontrar uma estrutura familiar à qual a música que
partes são menos familiares, e também porque os princípios de construção ou padronização está sendo executada possa ser relacionada. Podemos nos lembrar de um acorde estranho como
são menos transparentes. É fácil descrever de forma concisa o exemplo 3.9 como sendo ‘uma sendo um acorde mais familiar ao qual foi acrescido ou retirado algo, ou de uma melodia
escala maior ascendente de uma oitava, de tônica a tônica, seguida por um arpejo descendente estranha como uma passagem interrompida de uma escala. Em qualquer música, independen­
na mesma oitava. Contrastando com esse caso, é difícil pensar numa descrição do exemplo temente de seu tamanho, é possível utilizarmos eventos que vêm antes na música para ajudar
3.10, que fosse mais concisa do que uma simples enumeração de suas notas. na lembrança de eventos que vêm depois. Às vezes, a mesma música é repetida de maneira
exata, mas mesmo quando é transposta ou transformada, a música anterior proporciona um tocar o dó central, continuando com 2, 3, 4 e 5 até o sol, e retornando descendentemente
molde para uma codificação econômica. É comum os professores terem a experiência de um ao arpejo 3,2,1.
aluno que já perdeu as esperanças aprender um longo movimento musical até que alguém Este é um bom dedilhado por várias razões. Em primeiro lugar, ele permite que o pri­
lhe aponta como os dedilhados descobertos para uma determinada passagem podem ser meiro compasso seja tocado legato. Em allegro vivace, uma passagem de semicolcheias tende
adaptados a outras passagens similares. As vezes os alunos não notam que duas passagens a não ser executada com precisão, a não ser que os dedos adjacentes sejam usados onde quer
distantes contêm notas idênticas, e, portanto precisam ser aprendidas apenas uma vez. que seja possível. A execução contínua em legato, ascendente ou descendente, é possível por
Considerações como estas sugerem que a memória musical eficaz depende da habilidade causa da oposição do polegar em relação aos outros dedos. Neste exemplo, o polegar pode
de representar a música em termos de agrupamentos de notas que podem estar relacionadas estar escorregando para a direita sob os dedos 2 e 3, de modo a estar em posição para tocar a
a padrões estilísticos e estruturas familiares, e também a outras seqüências dentro da mesma quarta nota a tempo. Em segundo lugar, o dedilhado permite que a nota sol aguda seja tocada
peça. Isso não significa, necessariamente, que estes agrupamentos serão os mais presentes à com o quinto dedo, permitindo um movimento reverso fácil para descer na oitava sem mudar
consciência durante uma execução de memória altamente trabalhada. Aspectos de pequena a posição da mão. Finalmente, ele permite que o polegar recaia sobre o segundo tempo do
escala da estrutura podem ser subsumidos por unidades de execução maiores que não são primeiro compasso, dando a oportunidade de usar sua força, que é superior, para acentuar a
analisadas’a cada ocasião. Voltando à canção de Barber, descobri que, conforme minha fluência nota, se necessário.
melhorou, eu não precisei mais pensar conscientemente na música como grupos de quatro para Muito embora existam razões explícitas para a escolha de um dedilhado em particular,
que meus dedos fizessem o que se esperava deles.Toda a seção tornou-se, gradativamente, um a maioria dos pianistas experientes se verá tocando com estes mesmos dedos, sem ser por
único enunciado fluente, muito embora eu ainda pudesse impor as subdivisões caso quisesse. uma escolha consciente. Suas mãos simplesmente parecem ‘cair no lugar certo’. Quando os

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A maioria dos performers acredita que há um momento em que podem tocar integralmente pianistas falam de música que ‘cai direitinho sob as mãos’eles estão, em parte, relatando que
uma peça bem aprendida no ‘piloto automático’, voltando sua atenção consciente para outras muitos problemas de dedilhado são solúveis de primeira vista, desta maneira sem esforço.
coisas. Esta é a experiência que alguns músicos descrevem por meio do verbo ‘flutuar’; nela, Eles tendem a concordar a respeito de músicas em que isso é verdade, refletindo assim sua
as mãos parecem ter vida própria, é certamente uma experiência divertida. Contudo, ela pode experiência, comuns com a literatura musical/pedagógica. A maioria dos performers de nossa
representar alguns problemas nas performances públicas. Ao menos que se esteja completa­ cultura sofre uma exposição intensa aos repertórios clássico e romântico, nos quais as escalas,
mente confiante, é difícil deixar de se perguntar ‘será que eu sei o que vem a seguir?’, e deixar os arpejos e as tríades diatônicas constituem grande parte da substância da maioria das com-
de entrar em pânico se a resposta parece ser ‘não’. posições. Os problemas de dedilhado associados a estes elementos encontrar-se-ão resolvidos
*•

Exemplos mais modestos de ‘flutuação’ subjazem praticamente a qualquer exemplo muitas vezes no decorrer da carreira de um performer, e não é difícil ver como um conjunto
de execução habilidosa. Voltemos ao exemplo 3.9. Qualquer músico habilidoso deveria ser relativamente simples de regras heurísticas pode proporcionar soluções adequadas ao grande
capaz de olhar para o excerto por alguns momentos e então executá-lo de forma fluente número desses problemas. A observação das seqüências de dedilhados dos músicos e a ela­
no instrumento. Um pianista, por exemplo, escolherá um dedilhado apropriado. Esta não é boração de modelos para as estratégias heurísticas que podem subjazê-las, parece constituir
uma escolha trivial já que as opções de dedilhado são muitas. A arte do dedilhado consiste uma área de estudos particularmente tratável e válida, em que, a meu ver, não há trabalhos
na escolha de uma seqüência que permitirá o legato onde a música o requer, e que deixará a significativos até o momento.
mão em posição tal que as notas seguintes estarão ao seu alcance. Há muitas soluções legíti­ Como a facilidade de dedilhado está relacionada às experiências passadas, a maioria
mas para o exemplo 3.9, mas uma solução comum consiste em começar no polegar da mão dos músicos terá tido a experiência de começar a trabalhar um novo compositor ou idioma,
direita (chamemo-lo de 1), seguido por 2 e 3, e então passar o dedo por baixo da mão para cuja escrita parece, de início, muito difícil de executar, mas que se torna mais fácil após uma
exposição moderada. A música para piano de Olivier Messiaen, por exemplo, é freqüentemen- tomar a mesma decisão a cada execução. Portanto, a variação também implica algum tipo de
te vista como impossível de ser executada pelos pianistas de formação clássica, quando estes opção em qualquer sistema que controla a construção da execução: na verdade, essa opciona-
se deparam com ela pela primeira vez. A música de Messiaen não contém escalas e arpejos lidade é altamente provável quando lidamos com materiais de padronização complexa, como
tradicionais, e a maior parte dos acordes é desconhecida. Entretanto, após aprender diversas é o caso da música. Tais materiais freqüentemente apresentam ambigüidades estruturais;
peças fica possível reconhecer estruturas de acordes e seqüências típicas, cujos problemas de isto é, podem ser agrupados de maneiras diferentes se princípios diferentes forem invocados
dedilhado estão estreitamente relacionados uns aos outros. As soluções tornam-se disponíveis (rítmicos, harmônicos, melódicos, etc.,); além disso, um determinado elemento pode desem­
gradativamente, sem esforço consciente. penhar uma dupla função com respeito aos elementos circunstantes (veja o capítulo 2, seção
Uma forte objeção pode ser feita a esta linha de raciocínio. É possível argumentar que 5.4). Por outro lado, a execução não admite ambigüidades - é preciso atribuir valores defini­
um performer expert que toca algo de memória terá certamente resolvido seus problemas de dos de intensidade, timbre e duração a cada nota. Numa ocasião, o performer pode escolher
dedilhado durante a etapa de ensaios e terá chegado a um dedilhado definitivo que memorizou parâmetros performance que dão ênfase a uma nota em virtude de sua importância rítmica.
juntamente com as notas. Embora eu concorde que isso é possível, e pode acontecer às vezes, Em outra ocasião, ele pode escolher uma execução menos enfática em virtude de uma função
quero defender que a execução em nível de expert é freqüentemente caracterizada por uma harmônica subsidiária da nota.
reconstrução nova dos parâmetros de execução (o dedilhado é um deles), em cada ocasião. A execução em nível de expert também é caracterizada, como se costuma dizer, pela ca­
Tenho muitas razões para acreditar nisso. Uma delas é que os performers experimentados são pacidade de ‘pegar’ a estrutura maior ou ‘arquitetura’de uma composição. Um fator que pode
freqüentemente prolíficos, por natureza e necessidade. Quero dizer com isso que um performer contribuir para isso é a coerência interna de uma execução. Em muitas músicas, nós esperarí­
experimentado pode aprender rapidamente uma nova peça no padrão de um concertista, bem amos encontrar o mesmo tema tocado da mesma maneira em cada uma de suas ocorrências,

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como ter muitas peças no repertório ao mesmo tempo. O argumento da economia sugere que no decorrer de um movimento. Por exemplo, se escolhermos uma determinada articulação
ele aprenderá apenas as novas informações necessárias para executar a nova peça, usando sua para a primeira entrada de uma fuga, as entradas subseqüentes deveriam ter uma articulação
bagagem musical geral para fazer todo o resto. É possível que isso valha mais particularmente semelhante (ao menos que exista uma razão baseada em algum princípio que justifique a
para os músicos de orquestra, os acompanhadores e os expoentes da música nova. Simplesmente mudança). A performance dos imperitos é freqüentemente incoerente. A maneira como um
não há tempo suficiente para aprender cada peça no nível da ‘flutuação’completa. tema é tocado em suas sucessivas ocorrências tende a ser determinada por contingências
Uma segunda razão concerne à existência de uma certa variabilidade entre as perfor­ locais. Em uma fuga, por exemplo, é relativamente fácil, para quem toca teclado, dar atenção
mances de uma mesma peça por um mesmo músico. A razão pela qual vale a pena assistir a à articulação da primeira entrada, por esta ser desacompanhada. Uma entrada posterior pode
execuções musicais ao vivo é que cada execução será diferente. Freqüentadores regulares de constituir uma linha entre duas ou três que são tocadas simultaneamente, e, com todos os
concertos falarão de um performer como estando ‘particularmente inspirado’ num dia, ‘desli­ problemas de dedilhado que isso cria; e a articulação sofre com isso.
gado’em outro, e assim por diante. Sem dúvida, parte desta conversa não se deve a nada que o Por um período mais longo, a execução em nível de expert é caracterizada pelo controle
músico faz, mas o fenômeno é demasiado onipresente para estar apenas na mente do ouvinte. sobre a progressão da velocidade e sobre a dinâmica. Manter uma peça em tempo constante
Os próprios músicos têm consciência de quando suas execuções ‘atingem altos níveis’ou ‘não ou retornar ao tempo inicial após uma variação não é uma tarefa trivial. Conseguir o comando
chegam a se tornar vivas’. Se todos os aspectos de uma execução fossem predeterminados em dos recursos dinâmicos necessários para chegar ao clímax precisamente no momento musical
um plano memorizado, tal variação seria inexplicável. Se, ao contrário, muitas decisões são correto é igualmente difícil. ‘Ir à deriva’na velocidade sem querer, administrar incorretamente
tomadas, independentemente, a cada execução, fica mais fácil compreendermos a variação na os crescendi - chegando ao máximo antes ou depois - tudo isso são erros comuns dos performers
execução. E claro que tal processo não torna a variação inevitável, porque o performer pode pouco experimentados, e bastante conhecidos de qualquer professor.
Não há praticamente trabalhos científicos sobre os elementos em larga escala da execução bater um pulso regular com um membro e um ritmo regular com o outro. Curiosamente, a
que contribuem para a formação do julgamento de expertise pelo ouvinte. Uma exceção notável capacidade de fazer isso parece depender, ao menos em parte, da combinação dos membros
é o trabalho de Shaffer (1981b) sobre timing, e nós podemos usá-lo como exemplo da direção utilizados. A maioria das pessoas consegue marcar um pulso com a mão esquerda e o ritmo
que esses trabalhos deveriam tomar. Ele gravou execuções pianísticas de música clássica de na mão direita, mas não vice-versa.
forma que os intervalos de tempo entre notas sucessivas pudessem ser medidos com precisão. O leitor deve ter notado neste capítulo uma concentração maior na execução pianísti-
Isso permitiu examinar a variabilidade de tempo com um certo detalhe. A covariância entre ca. Isso ocorreu em parte porque sou pianista e tenho, portanto, uma maior consciência das
as durações das notas foi de particular interesse. Duas quantidades co-variam positivamente questões de execução neste instrumento. Além disso, a maioria das pesquisas disponíveis sobre
se tenderem a aumentar ou diminuir juntas. Num accelerando macio, por exemplo, as durações o assunto deste capítulo foi realizada com pianistas. Até que ponto os princípios isolados na
das notas temporalmente próximas deveriam co-variar positivamente. As notas em um ponto execução pianística são aplicáveis à vasta gama de instrumentos musicais? Nos níveis mais
da seqüência tendem todas a serem mais rápidas ou mais lentas do que as notas em outros altos, eu gostaria de reivindicar um certo grau de generalidade para as observações feitas neste
pontos. Ao contrário, duas quantidades co-variam negativamente se uma decresce enquanto capítulo. A influência da estrutura e da padronização na construção de planos de execução e
a outra aumenta. Os dados de Shaffer demonstram que em execuções métricas por experts programações motoras advém da natureza da música tonal e sua representação psicológica, e
de Bach e Bartok, as durações das notas adjacentes tendiam a co-variar negativamente. Isto não da natureza do instrumento que a realiza. Entretanto, em um nível inferior, os problemas
sugere que atua um mecanismo compensatório tal que se uma duração for mais curta do expressivos e técnicos apresentados são muito diferentes de um instrumento para outro. Os
que o ideal esperado, à próxima nota será dada uma duração mais longa, fazendo com que pianistas escapam de uma série de problemas referentes à altura, afinação e modulação do
o par de notas tenha uma duração próxima o ideal esperado para aquele par. Isto significa timbre, com que se defrontam os instrumentistas de cordas sopros e os cantores. Os meios

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que algum tipo de monitoramento e timing está ocorrendo em um nível superior ao das pelos quais os performers adquirem controle sobre a altura e o timbre não são bem compre­
notas individuais. Uma conclusão supersimplificadora, mas no geral correta, a ser extraída endidos, muito embora exista alguma evidência da existência de um retorno homeostático
dos dados complexos de Shaffer é que o controle do tempo, nos performers experimentados, em loop que lhes permite fazer microajustes na altura, para mantê-la de acordo com a altura
opera de modo hierárquico. O performer gera um pulso que especifica o início de um grupo desejada (Deutsch StClarkson, 1959).
de notas (seja ele de um compasso, tempo, ou outro) e usa os procedimentos aprendidos para Modulações em altura e timbre não são simplesmente ‘problemas’a serem superados, mas
controlar o tempo das notas dentro do grupo. Claramente, a probabilidade da ‘sair à deriva constituem parte do repertório expressivo da música. Análises por meio de espectrogramas de
no tempo’será reduzida se o performer puder operar com tal pulso. É possível hipotetizar que sons naturais produzidos por trompistas profissionais, por exemplo, demonstram que durante
a execução inexperiente é caracterizada por uma inabilidade de manter a execução referen­ a execução de uma única nota longa, não há apenas um ‘espectro de trompa’ mas mais de 30
ciada a um pulso. Ao invés disso, o tempo é determinado localmente por procedimentos de ou 40 em momentos diferentes, o que dá origem à impressão auditiva de um som ‘vivo’. Se
diminuir pela metade ou dobrar durações precedentes, ou, ainda, por tocar padrões rítmicos uma trompa sintetizada por computador usar apenas um espectro para toda a duração da nota
comuns. Infelizmente, Shaffer não comparou seus performers experts e inexperientes; mas (deixando de lado a porção inicial do ataque como um problema separado), o som resultante
uma observação informal que apóia a hipótese de uma deficiência no controle do pulso é a é completamente plano e ‘nada trompístico’. Além disso, os performers podem controlar a mo­
inabilidade de muitos músicos inexperientes para contarem alto o pulso enquanto tocam dulação em altura e timbre para realizarem variações expressivas relativas à estrutura musical,
músicas em que o pulso é subdividido de maneira variável. Este resultado é semelhante àquele assim como os pianistas usam variações de tempo e intensidade. Na esteira de Seashore (1938),
que foi encontrado por Ibbotson e Morton (1981), a saber que os não-músicos são menos os pesquisadores têm tentado medir as dimensões destas variações, mas poucas iniciativas
aptos do que os músicos para uma tarefa particular de bater ritmos. A tarefa consistia em foram tomadas para descrever as estruturas de controle que aplicam as variações a serviço da
comunicação musical. Os trabalhos preliminares de Sundberg (1978,1982) com cantores são (1981b) ou Sloboda (1983). Por exemplo, uma variação intencional deveria ser repetida em
uma exceção ao caso. uma segunda execução.
A pesquisa de Rasch (1979) é um dos poucos exemplos recentes de trabalhos realizados Muito embora a literatura sobre a performance em nível de expert seja muito dispersa, é
com instrumentistas que não são pianistas. Ele se preocupou com a sincronização entre três possível afirmar com relativa certeza quais são seus princípios subjacentes, ainda que em um
músicos independentes em trios de cordas e sopros. Seus sujeitos de pesquisa, músicos pro­ nível de certa generalidade. Em primeiro lugar, nós notamos a existência de um conhecimen­
fissionais, tocaram peças clássicas de seus repertórios, e foram examinadas as relações entre to dos agrupamentos ou padrões de larga escala dentro da música, que controla a execução.
os tempos de ataque de sons que deveriam ser simultâneos de acordo com a notação. Um dos Em muitos casos, esse controle é hierárquico; os parâmetros que se aplicam ao agrupamento
resultados foi que o violino precedia os outros instrumentos do trio 4 a 8ms., em média. Isso maior estabelecem a organização dos elementos no interior do grupo. Em contraste, a perfor­
pode ter implicado em uma estratégia intencional de ‘dar destaque’ ao principal instrumento mance inexperiente é tipicamente controlada pelas características musicais de primeiro plano.
melódico. Contudo, o ‘espalhamento’ (scatter) da assincronia foi bastante elevado, e a média Em segundo lugar, o controle hierárquico é apoiado por procedimentos altamente flexíveis
de assincronia entre quaisquer dois instrumentos esteve entre 30 e 50ms. Isso sugere um destinados à resolução de problemas locais. Estes procedimentos operam de forma rápida, e
componente de erro que deveria ser consistente com os mecanismos homeostáticos de tempo freqüentemente sem a necessidade de um monitoramento consciente. O performer inexperiente
que, por sua vez, se mantiveram próximos ao alvo mediante ajustes que corrigiram o tempo não consegue exercer o controle de mais alto nível porque seus recursos estão completamente
para mais ou para menos. E interessante notar que a maioria destas assincronias não foram comprometidos em achar a solução desses problemas imediatos. Em terceiro lugar e final­
percebidas pelos ouvintes. As performances dos conjuntos profissionais causaram a impressão mente, o performer experimentado tem os meios para monitorar adequadamente sua própria
de sincronia perfeita. De certo modo, isto é surpreendente já que em condições experimentais execução e tomar iniciativas para corrigi-la, antes que ela se desvie demasiadamente do plano.

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ideais (veja Hirsh, 1959), os sujeitos conseguem facilmente julgar qual de dois sons, separados O monitoramento adequado não é tanto uma questão de ouvir, mas sim de saber o que ouvir.
por 20ms, veio primeiro. Esta é uma evidência que vem confirmar minha afirmativa anterior de É preciso que haja uma representação clara do som que se quer, caso sejam necessários ajustes
que precisamos examinar a acuidade perceptiva em contextos musicais reais e não generalizar apropriados ao som. Porém, é provável que o que permite aos performers experimentados fazer
a partir de resultados obtidos em estudos psicofísicos ‘ideais’. As razões possíveis dos resul­ ajustes tão eficientes a partir de um feedback seja o fato de que estes últimos não dependem
tados de Rasch são muitas. Uma delas tem a ver com o fato de que instrumentos diferentes de um retorno monitorado consciente a toda a hora e em todos os níveis. Um elemento im­
ocupavam ‘correntes de altura’diferentes (capítulo 5.2). portante da programação motora do expert é a capacidade de operar de forma relativamente
Rasch também mostrou que a sincronização perfeita prejudica, de fato, a capacidade dos independente do retorno consciente. Portanto, um performer pode escolher como e quando
ouvintes de identificarem as notas que compõem um acorde, de modo que um pequeno grau monitorar sua execução, sabendo quais os aspectos que pode deixar sem riscos a cargo dos
de assincronia contribui para a clareza perceptiva das diferentes linhas. Esta é a razão pela qual
falta a algumas músicas polifônicas sintetizadas por computador a clareza contrapontística das procedimentos de programação aprendidos. Para uma discussão mais completa de trabalhos
execuções ao vivo. Programas avançados incorporam um dispositivo que faz variar o timing experimentais acerca do feedback na performance, remete-se o leitor a Sloboda (1982), em que
para melhor simular o som ao vivo. também sefa z um balanço rápido dos fatores sociais e motivacionais relativos à execução musical
Finalmente, Rasch descobriu um pequeno número de diferenças relativamente grandes -fatores estes quefogem ao alcance deste livro.
nos ataques iniciais em seus dados (isto é, entre 100 e 200ms). Estes eram claramente audíveis
aos ouvintes. E possível que tratasse de erros técnicos, mas precisamos estar abertos à possi­
bilidade de que alguns deles fossem deformações intencionais de tempo, relativos à estrutura
musical. Não podemos, contudo, saber disso ao certo sem os controles impostos por Shaffer
f s>

capítulo
I ntrodução

V/ /^“flfcapítulo anterior, nós examinamos como os performes lidam com sua


' tarefa de materializar em sons uma composição pré-existente, guardada
V na memória ou especificada por uma partitura. Voltemo-nos agora ao próprio
processo criativo, através do qual são geradas peças musicais novas.
Há um vasto corpo de escritos publicados sobre as composições musicais de maior realce
em nossa cultura artística, mas a maior parte deles tratam do produto final da composição e

C O M P O S IÇ Ã O E IM P R O V IS A Ç Ã O
não da composição enquanto processo. Até mesmo a análise crítica que, segundo Meyer (1973),
‘tenta compreender e explicar as escolhas feitas por um compositor em uma determinada
obra (p.18), interessa-se mais pelas relações musicais evidentes no produto final do que na
história psicológica momento-a-momento da gênese de um tema ou passagem musical. O
analista pode afirmar que um tema tem uma determinada estrutura porque foi intenção do
compositor criar um equilíbrio ou contraste particular. No entanto, ele não pode afirmar se
tal intenção surgiu diretamente como objetivo no processo composicional. O tema pode ter
surgido como resultado de alguma estratégia não-relacionada, que foi seguida devido a uma
descoberta posterior do compositor de que, de fato, o tema possuía qualidades de contraste ou
equilíbrio que o recomendavam. Também é possível que alguns elementos da composição
evidenciados pela análise crítica não constituíssem parte das intenções, conscientes ou não,
do compositor. Em um sistema amplo de sons inter-relacionados, como o de uma sinfonia, é
inevitável que haja relações que a análise aponte, mas que não foram percebidas ou planejadas
pelo compositor.
Como poderemos, então, ter insights psicológicos sobre esse processo musical central
e fundamental? Parece-me que há quatro métodos possíveis de investigação. O primeiro é o
exame da história de uma determinada composição conforme aparece nos manuscritos do

ia.
compositor. Esboços e anotações, quando datados, podem mostrar como uma composição M inha intenção neste capítulo é dizer algo a respeito daquilo em que cada um
cresceu e mudou no período de tempo em que manteve ocupada a mente do compositor. destes quatro métodos pode contribuir para a compreensão psicológica, dando sempre
Alguns compositores, como Beethoven, fizeram esboços que foram revisitados e remodelados possíveis exemplos retirados da literatura musical e psicológica. Salientarei duas facetas das
pt>r muitos anos. Ainda que os esboços não existam, podemos, muitas vezes, descobrir algo atividades psicológicas envolvidas. Uma delas é a presença constante de estruturas ou planos
acerca da seqüência da composição pela análise do manuscrito final. Por exemplo, podemos superordenados que parecem guiar e determinar a descoberta, nota por nota, dos detalhes.
perceber, pelas diferenças de tinta nos manuscritos de Mozart, que, muitas vezes, ele escreveu A outra é o grau em que esses planos, particularmente os que se referem à composição, são
primeiramente as linhas da melodia e do baixo de seções inteiras, retornando, tempos depois, provisórios. Eles podem, por exemplo, ser alterados de acordo com a maneira como ‘sai’uma
para ‘preencher’ as linhas harmônicas. determinada passagem. O leitor deve ser alertado para o fato de que a composição é o menos
Em segundo lugar, está a análise daquilo que os compositores dizem a respeito de seus estudado e compreendido de todos os processos musicais, e não há uma literatura psicológica
próprios métodos de composição. Muitos compositores têm relutado em fazer esse tipo de substanciosa a ser resenhada. Embora eu pretenda manter uma atitude empírica naquilo que
relato; contudo, alguns tentaram dizer, em termos gerais e a título de retrospectiva, o que digo, é mais provável que minha estória seja inadequada, ou até mesmo errada aqui, do que
acontece enquanto compõem. em qualquer outro lugar. O que me incentiva a continuar é apenas a centralidade absoluta
Em terceiro lugar, está a observação ‘ao vivo’ dos compositores durante as sessões de deste aspecto da cognição musical.
composição. Isto requer por parte do compositor um grau de cooperação que é muito raro, e,
até onde eu sei, há apenas um exemplo publicado deste tipo de estudo na literatura psicológica As E V ID Ê N C IA S D O S M A N U S C R I T O S

C O M P O SIÇ Ã O E IM P R O V ISA Ç Ã O
(Reitman, 1965). Durante tal sessão, é possível observar as notas escritas, sua seqüência e seus
agrupamentos no tempo. Além disso, é possível obter comentários simultâneos do sujeito E s b o ç o s

acerca daquilo que ele próprio julga estar fazendo. Tornou-se bastante comum, na observação
de comportamentos referentes a vários tipos de resolução de problemas, pedir aos sujeitos que Um esboço é um rascunho incompleto ou preliminar de uma obra (ou parte dela), que
pensem em voz alta’, proporcionando assim o que é conhecido como ‘protocolo’ para fins de foi escrito antes do manuscrito final. Tem havido grandes diferenças entre os compositores
análises posteriores. quanto à freqüência com que usaram esboços e, mais particularmente, quanto ao preparo que
Em quarto e último lugar, estão a observação e a descrição de execuções improvisadas. tinham para passar para o papel suas primeiras idéias. Os esboços de muitos compositores
Este é o caso especial em que o compositor também é o executor, que produz um enunciado são rascunhos quase completos da versão final e requerem pouquíssimas ou praticamente
musical sem nenhuma premeditação em contexto público. Pode-se afirmar que a improvisação nenhuma revisão mais profunda. Muitos dos esboços ainda existentes de Mozart, Haydn e
revela mais coisas psicologicamente interessantes que uma partitura. O improvisador tem menos Schumman, por exemplo, apresentam ‘qualidade final’. (Forte, 1961). Beethoven, por outro
oportunidades de disfarçar suas pegadas. Entretanto, as restrições inerentes à improvisação lado, foi um grande rabiscador de esboços, que preenchia muitos cadernos com fragmentos e
- imediatez e fluência - tornam plausível que haja processos que a improvisação e a composição seções que apresentam diferenças consideráveis em relação aos trabalhos finalizados. Muitas
não compartilham. De fato, seria muito insensato pressupor que todos os compositores ou vezes, ele trabalhou em uma mesma composição por vários anos. Por exemplo, um primeiro
improvisadores fazem sua arte de uma mesma maneira. A leitura mais superficial da literatura esboço do tema de abertura da O p .lll foi encontrado em um caderno que precede a versão
musical apresenta abundantes evidências de que os diferentes praticantes seguem habitualmente final em quase 20 anos.
caminhos mentais distintos até levarem a cabo sua obra. Como expressou sucintamente Neisser Este traço da vida de Beethoven como compositor levou alguns estudiosos a adotar a
(1983),‘a prática não torna todos os praticantes iguais, só os torna igualmente eficazes’. respeito dele uma visão ultra-romântica, pela qual ele teria sido um gênio atormentado que lutava
com uma matéria bruta intratável, buscando dobrá-la ao serviço da arte maior. Os primeiros
estudiosos dos esboços os consideram primordialmente como comentários morais acerca do
caráter do compositor. Johnson (1980) vê nas célebres transcrições e comentários de Nottebohm
(1887) a preocupação de ‘retratar a resistência demoníaca [...da matéria musical bruta], deixando-
nos maravilhados com a força do espírito, que acabou por sobrepujá-la’ (p.4).
Nossas preocupações são bastante diferentes. Precisamos perguntar se os esboços são 1 19
capazes de revelar algo sobre os processos cognitivos que levaram à gênese de determinadas
obras e passagens musicais - como um compositor teve uma idéia inicial; que tipos de
transformações e combinações foram aplicadas à idéia original; em vista de que objetivos
trabalhou; por que os esboços iniciais foram considerados insatisfatórios e rejeitados.
Johnson (1980) argumenta que a análise musical dos esboços não produziu insights
novos acerca de composições finalizadas. Ele identificou duas razões principais para isso. Uma
delas é a excessiva dependência em que se colocam os musicólogos modernos em relação às
análises mais antigas das obras acabadas, bem como ao pressuposto de que só a obra acabada
tem a estrutura bem formada prescrita, por exemplo no nível harmônico, conforme postulado
por Schenker (ver capítulo 2). Sendo assim, os esboços tendem a ser tratados como tentativas

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fracassadas - temas que vão em direções contrárias às intenções de Beethoven. Para nós, pode
ser mais proveitoso considerar os esboços como sinais de competência, recursos necessários
que preparam para o processo composicional. Como psicólogos, não buscamos tanto novos
insights sobre a composição finalizada, mas sim novos insights sobre os meios através dos quais
uma composição é finalizada.
Uma segunda razão para a falta de avanços é identificada por Johnson com o profundo
pessimismo com que os musicólogos encaram a possibilidade de compreendermos o ato
da composição. Ele cita Kramer (1973) como emblemático desta atitude: ‘O ato criativo é Exemplo 4.1: Extrato do esboço da Sonata para piano, Op.lO, n.3 de Beethoven - primeiro movimento.
Transcrita por Johnson (1980).
misterioso... Trata-se de um ato tão complexo, motivado por tantos impulsos - tão remoto e
impessoal quanto toda a rede de história que se podería conhecer, e tão remoto e intensamente Tomemos, então, um pequeno exemplo de um dos cadernos de Beethoven que ilustra
pessoal quanto a soma da experiência de um único homem - que as evidências materiais
(registros do ato) são mais do que meras anotações de um processo profundo e contínuo’ (p. os potenciais e os problemas do estudo de esboços. Escolhi o esboço do primeiro movimento
516-517). Embora Kramer esteja indubitavelmente certo, ele descreve condições que pertencem da Sonata para piano n.3, opus 10 (exemplo 4.1) da Flschof Miscellany, que foi transcrita por
a muitos, senão, à maioria dos processos que têm algum interesse psicológico. Os psicólogos Johnson (1980; F45V, 1), mais ou menos ao acaso, e também por ser razoavelmente extenso
e a maioria dos outros cientistas estão habituados a operar em tais situações. O progresso é e possuir muitas características típicas de seus esboços.
possível porque há maneiras de atingir uma compreensão parcial de um sistema com base em O primeiro problema é conhecer a escala temporal da composição do esboço. Mudanças
dados bastante restritos. no papel, na tinta ou no estilo da escrita podem significar longas interrupções ou quebras nos
processos composicionais, mas as pequenas interrupções também têm interesse psicológico. Por Resumindo, as semelhanças e os contrastes estruturais entre os esboços e a versão final
exemplo, o que aconteceu neste esboço na linha 1, na qual cinco compassos foram riscados? sugerem a existência de uma hierarquia de limites, dentro da qual Beethoven operava. Ele
Seriam estes compassos o resultado de um ‘lapso da pena’imediatamente percebido e corrigido, estava fazendo sucessivas tentativas para ‘preencher’uma estrutura que, sob certos aspectos, já
ou eles representavam uma primeira tentativa percebida como insatisfatória, à qual sobreveio estava especificada em sua mente. Entretanto, podemos ver que algumas exigências (como a
um pensamento mais musical? Acho que temos razões para preferir a segunda explicação. O estrutura frasal de quatro compassos) foram abandonadas durante o processo de composição,
esboço como um todo revela algumas características musicais claras; em primeiro lugar, o uso em benefício de algum objetivo recém descoberto.
repetido de um motivo temático baseado em uma escala descendente de quatro notas a partir
da tônica ré; em segundo lugar, o uso de frases de quatro compassos como enunciado musical
básico; e em terceiro lugar, o uso da forma sonata clássica como estrutura de larga escala.
Podemos encarar estes elementos como elementos que estabeleceram condicionamentos
para aquilo que ia sendo escrito, antes que a caneta chegasse ao papel ou logo após s escrita
ter começado. Ambas as versões da primeira frase levam a música ‘para cima’ partindo da
harmonia da tônica de ré maior para a dominante de lá maior. Na primeira tentativa (apagada),
foi usada uma mera escala ascendente. Na segunda tentativa, a primeira metade da ascensão
é arpejada, levando a melodia até o fá sustenido antes de descer ao lá passando pelo sol

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sustenido. As duas versões não são semelhantes em um nível superficial, embora se submetam
aos condicionamentos acima descritos, assim como o faz a versão final do tema (exemplo 4.2),
que é diferente nos dois esboços. Nunca saberemos, com precisão, o que motivou a rejeição
dos dois temas esboçados em prol da versão final, mas os esboços apresentam evidências
convincentes de que soluções sucessivas foram produzidas respeitando os limites estabelecidos
pelos condicionamentos ou planos iniciais. Independentemente da alternativa produzida, ela
teve que deixar intacto o motivo temático inicial, e teve que passar de uma harmonia de ré
para uma harmonia em lá no espaço de quatro compassos. Vemos, neste esboço, um plano
harmônico e rítmico persistente, ainda que provisório, válido para a estrutura da seção, no
interior do qual as alterações melódicas puderam ser feitas.
Contudo, alguns aspectos deste plano são provisórios. Isto fica claro quando examinamos
a versão final (exemplo 4.2). Aqui nós descobrimos que, após a frase inicial, Beethoven abandona
o esquema rígido de quatro compassos. As próximas três frases possuem seis compassos cada, de
modo a produzir uma seção com um primeiro assunto assimétrico de 4+6+6+6=22 compassos. Exemplo 4.2: Extrato da Sonata para piano opus 10, n.3 - primeiro movimento. Direitos autorais
© de G. Henle Verlag, Munique. Reproduzida sob permissão.
Este esquema pouco convencional torna a primeira seção musicalmente nova, embora force a
concepção original ao invés de abandoná-la. O movimento harmônico da seção do primeiro
tema e a estrutura da ponte em si menor é preservado.
Um segundo problema que precisamos considerar é até que ponto o pensamento momento da preparação da aula, mas nada garante que um colega poderia reconstruir a mesma
composicional significativo acontece nos momentos em que o compositor não está escrevendo. aula a partir das notas.
Quando comparamos dois esboços consecutivos é bobagem supor que sejam próximos no Não há aqui nem tempo e nem espaço para enveredarmos por um estudo exaustivo
processo composicional. Eles podem estar separados por uma extensa reflexão composicional dos processos que diferentes compositores utilizam em seus esboços. Trata-se de uma tarefa
não-escrita. No caso de Beethoven, isso é bem plausível, se tomarmos por base um de seus longa, que ainda requer muitos conhecimentos musicológicos e psicológicos. Contudo, nunca
comentários extraído de uma conversação escrita com Louis Schlosser em 1822 (Hambúrguer, é prudente limitar-se a um único caso, nem mesmo ao fazer comentários preliminares. Como
1952; re-impressão de Morgenstern, 1956): comparação, passarei agora para um assunto de período e estilo completamente diferentes
- os esboços que Stravinsky fez para a sua Sagração da Primavera. Uma coleção, que inclui
Carrego meus pensamentos sobre mim mesmo por bastante tempo antes de escrevê-los [...] cerca de quatro quintos de todos os esboços de seu trabalho foi recentemente reproduzida e
Altero muitas coisas, descarto outras, e continuo tentando até estar satisfeito; então começo a comentada por Robert Craft (Stravinsky, 1966). No caso de Stravinsky, há pouca necessidade
elaborar em minha cabeça a obra em toda sua largura, estreiteza, altura e profundidade e, já que de transcrição já que o original é bastante legível na maioria das passagens.
tenho consciência daquilo que quero fazer, a idéia de fundo nunca me abandona. Ela aumenta Há algumas comparações instrutivas que podemos fazer com os esboços de Beethoven.
e cresce; eu ouço e vejo a imagem diante de mim por todos os ângulos possíveis, como se tivesse Assim como Beethoven, Stravinsky freqüentemente registra uma mistura de idéias em uma
sido fundida igual a uma escultura; e então resta apenas o trabalho de escrever, um trabalho mesma página - às vezes elaborações sucessivas de um mesmo material, às vezes com materiais
que não precisa demorar, mas varia de acordo com o tempo de que disponho, já que trabalho, diferentes. Em segundo lugar, assim como Beethoven, ele não se atém à cronologia do trabalho
freqüentemente, em mais de uma coisa ao mesmo tempo.
final, mas pula para frente e para trás na seqüência. Em terceiro lugar, assim como Beethoven,

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Esta passagem confirma aquilo que deduzimos dos esboços - que podemos fazer uma muitos esboços trazem apenas um esqueleto - uma única linha melódica, uma seqüência de
distinção entre a idéia básica e a descoberta das notas, uma a uma. A primeira está presente acordes, um padrão rítmico: raramente é encontrada uma parte completa de orquestra. Mais
na mente por um período longo, e esta última está sujeita a repetidas experimentações. uma vez, os esboços parecem agir como aide-mémoires2, registrando os temas e idéias a partir
Um terceiro problema é até que ponto um esboço tem o mesmo significado para quem dos quais o resto pode ser reconstruído em datas posteriores.
está de fora e para o compositor. Podemos sustentar que o objetivo de redigir esboços é lembrar Mas entre Stravinsky e Beethoven há também diferenças. Enquanto os esboços de
alguma idéia musical que precisa ser deixada de lado por algum tempo. Trata-se de um aide Beethoven indicam, predominantemente, linhas melódicas, muitos esboços de Stravinsky
mémoiré e não um registro completo. O compositor pode usar símbolos de uma criptografia descrevem várias linhas simultâneas. A estrutura de acordes é freqüentemente especificada
própria ou símbolos que representem um esqueleto, sabendo que eles serão suficientes para por completo, juntamente com os principais elementos contrapontísticos, bem como uma
recuperar mais tarde a idéia completa. No caso de Beethoven, os esboços resumem-se, muitas indicação preliminar de como as partes deverão ser distribuídas entre os instrumentos da
vezes, a uma única linha melódica sem harmonia ou contraponto. Seria extremamente tolo orquestra. Estas diferenças não são nada surpreendentes tendo em vista as diferenças profundas
imaginar, por isso, que Beethoven concebeu uma melodia antes de atribuir a ela um contexto de estilo e conteúdo na música de ambos os compositores. Ao menos em seus períodos
harmônico ou contrapontístico. Ao invés disso, devemos concluir que Beethoven escreveu inicial e intermediário, Beethoven trabalhou dentro de uma estrutura harmônica de forma
apenas esse tanto, sabendo que seria capaz de recuperar ou criar o resto de novo, bastando para convencional. As ‘regras’ da harmonia diatônica e da forma-sonata eram bem conhecidas.
isso examinar o escrito anterior. As notas no plano de aula de um professor são personalizadas Dentro dessa estrutura, o elemento melódico tornou-se o fator principal de individuação de
da mesma maneira. Elas permitem a ele ou ela recuperar aquilo que estava em sua mente no uma determinada obra, bem como o fator determinante para outros elementos. Sem muitas
dificuldades, alguém versado no estilo clássico poderia reconstruir, sem muitas dificuldades,
1NT: Expressão mantida em francês, como no original. 2 NT: Novamente mantido em francês, como aparece no original.
um movimento plausível para uma sonata, conhecendo apenas a linha melódica (de fato, este Uma outra diferença entre Stravinsky e Beethoven concerne ao número de esboços
tipo de tarefa é muito usado como exercício pedagógico). Já Stravinsky estava trabalhando preliminares feitos até que fosse produzido algo próximo da versão final. De maneira geral,
com uma série de condicionamentos cujas limitações eram muito menos nítidas. Seu uso Stravinsky produziu um número de esboços bem menor que Beethoven. Freqüentemente,
da tonalidade era completamente inédito, tanto em termos dos efeitos harmônicos criados, podemos observar esboços separados de algumas idéias que foram, então, combinadas em um
quanto em termos de movimentos harmônicos. Para uma análise completa do estilo musical de todo contrapontístico em uma mesma página. As idéias propriamente ditas, em sua maioria,
Stravinsky, remete-se o leitor a Forte (1978). Aqui,bastará dizer que, nesse trabalho, Stravinsky ficam inalteradas em relação aos primeiros esboços. Os esboços subseqüentes mostram suas
estava forjando um estilo novo com respeito à cultura musical vigente, além de ampliar seu combinações e extensões, ao invés de transformações. Quando as transformações ocorrem, elas
próprio estilo. Nessas condições, é bem possível que Stravinsky precisasse capturar mais detalhes são freqüentemente radicais e arrojadas, e marcam um salto para a versão final que se faz sem
de textura em seus esboços. Tais detalhes eram suficientemente novos a ponto de constituir a quaisquer anotações intermediárias. Craft aponta um exemplo surpreendente disso na página
essência da composição, e não algo que pudesse ser reconstruído a partir de uma única linha. 35 dos esboços (exemplo 4.3). A página intitula-se 'Dança da terra e, em seu final, encontramos
um esboço que é essencialmente a versão final do primeiro enunciado do tema principal desta
seção. Logo acima, há quatro fragmentos melódicos. Três deles são claramente incorporados à
versão final; mas o primeiro aparenta, num primeiro momento, ser anômalo. Trata-se de um coral
simples de tipo folclórico construído sobre terças consecutivas, que não aparece na seção ou em
qualquer outra parte do trabalho. Embora esse fragmento seja desconhecido, Craft argumenta

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de modo convincente que se trata, de fato, do ponto de partida da gênese desta seção (dada no
exemplo 4.4 na versão final arranjada para dueto de pianos). Ele escreve:
Descobrimos, em um primeiro momento, que o compositor transpõe a melodia do agudo para a
voz média (segundo pentagrama da parte de piano do exemplo 4.4.); em um segundo momento,
descobrimos que ele forma agregados harmônicos a partir da melodia, sobrepondo as notas
como se fossem apojaturas\ e num terceiro momento, que ele explora seu contexto tonal como
um todo - a harmonização em terças maiores - em uma figura de ostinato de baixo em que a
nota fundamental é o fá sustenido (ao invés de dó); num quarto momento, que ele renova o
ritmo (p. xxiii).
Este não é um exemplo isolado, e Craft usa os esboços para postular para Stravinsky
uma técnica composicional básica. ‘Muitas das primeiras notações do compositor eram
melodias simples com jeito de melodias folclóricas, que ele transformou submetendo-as a um
certo número de operações de cirurgia plástica, tais como mudar a ordem das notas, extrair o
essencial ou enxertar novos ritmos e elementos temporais’. São apenas estas melodias folclóricas
aparentemente anônimas, lado a lado com suas versões transformadas nos esboços, que nos
Exemplo 4.3: Página 35 dos esboços de Stravinsky de “A sagração da primavera" (1969), dão este insight único sobre os processos composicionais de Stravinsky.
reproduzido sob permissão de M.F.Meyer.
qual trabalhava em outras seções e, certamente, em nenhuma outra composição. Além disso,
sabemos que ele compunha ao piano (Stravinsky, 1946, p. 14). É plausível supor que as idéias
intermediárias entre as versões iniciais finais eram testadas no piano, modificadas e descartadas,
eliminando-se a necessidade de notação. A escala de tempo era curta o bastante para que o
processo como um todo pudesse ser guardado de memória até a versão final. A estrutura do
trabalho -com episódios curtos e contrastantes deveria favorecer essa estratégia. Em um
determinado nível, cada seção curta de 20 a 30 compassos poderia ser composta como uma
entidade auto-suficiente.
Vale a pena comentar, como o faz Craft, que muitos dos fragmentos melódicos iniciais
com características de música folclórica compartilham algumas características comuns, tais
como: um único movimento ascendente ou descendente na escala, um caráter levemente
obsessivo gerado por repetições da mesma nota ou de motivos curtos, harmonização em terças
paralelas, etc. Tais semelhanças nos levam a supor que há um núcleo central de idéias temáticas
para as quais Stravinsky retornou diversas vezes, em busca de seus materiais composicionais
básicos. É exatamente esta unidade temática no centro da diversidade que ajuda fazer de seu

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trabalho uma das realizações composicionais mais poderosas do século XX.
O M A N U S C R IT O FIN A L

Está claro que o estudo dos esboços pode, apesar de todas as dificuldades, gerar insights
valiosos acerca do processo composicional. Entretanto, conforme mencionado anteriormente,
nem todos os compositores deixaram esboços. Alguns compositores escrevem muito pouco
Exemplo 4.4: Extrato de A dança da terra’ de A sagração da p rim a ve ra ’ de Stravinsky, versão para dois pianos. antes de escrever a versão final. Isto, juntamente com alguns comentários atribuídos a Haendel
Direitos autorais © Boosey and H a w kes L im ited , Londres. Reproduzido sob permissão. e Mozart, levou alguns círculos a representar suas composições como uma espécie de ditado
da inspiração, no qual os sons da obra desfilam completamente formados na imaginação
Podemos perguntar: o que permitiu a Stravinsky saltar de uma primeira idéia para uma - cabendo ao compositor apenas capturá-los com a pena. Desta forma, os compositores de
versão final radicalmente transformada? Seria errôneo pressupor que Stravinsky tinha uma inspiração fluente, como Mozart, são comparados a compositores como Beethoven, que
técnica mais segura, ou ainda, que as transformações por ele utilizadas poderiam ser aplicadas tiveram que trabalhar conscientemente seus materiais, conforme demonstram os esboços dos
depois de uma reflexão menos extensa do que no caso de Beethoven. A diferença provável entre dois autores.
os dois compositores é a escala de tempo ao longo da qual cada um deles estava preparado A divisão dos compositores em duas classes é, acredito eu, uma simplificação abusiva e
para deixar uma idéia desenvolver-se. Beethoven guardou alguns temas por muitos anos. Ele grosseira baseada nos erros de equacionar o esboço e o esforço composicional consciente, e de
precisava anotar versões intermediárias enquanto fazia outras coisas. Stravinsky, ao contrário, dar uma atenção inadequada aos detalhes daquilo que os compositores dizem sobre seu próprio
passava de uma concepção inicial a um tema final num tempo muito mais curto, durante o
processo composicional (veja seção 3 deste capítulo, a seguir). Em seu comentário, citado na seguida na escrita seria tão eficaz quanto qualquer outra. Suponhamos, por exemplo, que um
página 142, Beethoven diz que há muito esforço composicional antes de qualquer coisa ser playback permitisse a cópia de uma única linha. Por que, então não trabalhar a partitura de
entregue no papel, ainda que ele fosse um esboçador prolífico. Além disso, as evidências que cima para baixo? Além disso, há um outro elemento intrigante nos manuscritos de Mozart. Há
temos acerca da maneira como Mozart escreveu seus manuscritos finais é incompatível com momentos em que, na primeira tinta, Mozart preencheu toda a partitura por alguns compassos.
a hipótese do ‘ditado’. Em outros pontos, algumas passagens isoladas de partes internas foram escritas na primeira
Não é muito claro quais seriam os limites do ‘ditado’, mas podemos começar adotando tinta.Tais pontos não são musicalmente arbitrários, mas consistem em passagens entre seções,
os limites do ditado ‘real’, no qual se exige que o músico ponha em notação musical uma que finalizam cadências orquestrais, contra-sujeitos importantes e outros pontos em que as
passagem desconhecida tocada ou cantada por alguém. Nesse caso, o tamanho, a velocidade e partes interiores têm uma saliência ou importância singular. Parece que Mozart estava ansioso
a complexidade da passagem são condições cruciais de sucesso. O indivíduo estará engajado para ‘fixar’estas passagens no papel, talvez por medo de que fossem menos fáceis de recuperar
em uma espécie de luta para ‘não perder o pé’ da música, perdendo algumas passagens em outras ocasiões.
rápidas e harmonias complexas, ao mesmo tempo que tenta pôr no papel algumas seções mais Estamos então caminhando rumo à noção de que aquilo que era guardado na memória
transparentes e lentas. Com toda certeza, as partituras de Mozart não mostram nenhuma de Mozart não era uma simples concatenação serial de notas - algum tipo de gravador
evidência desse tipo de luta. Mas talvez nós devéssemos afrouxar um pouco as exigências.Talvez mental que poderia ser ligado ou desligado à vontade.Tratava-se, antes, de uma representação
o compositor tenha controle sobre a velocidade do playback, a ponto de ser capaz de sustentar organizada em seções, que identificava partes cruciais subordinadas a um plano mais geral.
o fluxo de inspiração por um tempo suficientemente longo para registrar todos os detalhes de A primeira escrita permitiu que Mozart fixasse no papel os elementos cruciais que tinham,

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forma adequada. Neste caso, esperaríamos ver uma partitura escrita ‘verticalmente’ com cada na composição, um papel de identificação. Estes elementos permitiriam a reconstrução do
seção completamente transcrita antes de passar à próxima seção. Entretanto, osfac-símiles dos resto, até mesmo no caso de o plano geral ser perdido da memória. Para Mozart, escrever não
autógrafos de Mozart publicados recentemente (por exemplo, Mozart, 1979) contam uma era tanto fazer um ditado, mas sim negociar, de forma planejada, uma representação interna
estória completamente diferente. Para sorte nossa, Mozart trocou de tinta durante a redação altamente estruturada.
de A flauta mágica. A segunda tinta usada descorou mais rapidamente do que a primeira, Não há, obviamente, nenhuma evidência de manuscrito que poderia ser pertinente à
de modo que a passagem do tempo revelou a história da escrita. Em muitos movimentos, a questão de um ‘ditado mental’ anterior, ao menos para aqueles compositores que não deixaram
primeira tarefa de Mozart foi escrever a melodia completa e as linhas do baixo nos pentagramas esboços. É totalmente incompatível com as evidências encontradas nos manuscritos que Mozart
inferiores, deixando lacunas nas partes internas. Mais tarde, usando uma tinta diferente, ele ‘ouviu’ suas composições como alucinações únicas e nunca mais repetidas, tocadas para ele
retornou à partitura para escrever as partes internas. por uma orquestra imaginária em sua mente inconsciente. A representação de tais ‘execuções’
Se quisermos manter a hipótese do ‘ditado’, estes dados nos forçam a postular algum tipo em forma de memória estruturada poderia bem ser resultado de uma estratégia consciente de
de armazenamento da composição recebida, tal que Mozart pôde retornar a ela quando bem reter os detalhes da alucinação, assim como argumentamos anteriormente que tais estratégias
entendia, bem como obter sucessivos playbacks. Em outras palavras, deve haver dois processos foram responsáveis pelo sucesso na lembrança do Miserere de Allegri (capítulo 1).
de ditado: inicialmente, um processo durante o qual o fluxo inspirador foi ‘fixado’na memória Porém, tal imagem é profundamente insatisfatória para um psicólogo cognitivista
- um processo mental que não requer nenhuma atividade visível; em seguida, uma série de porque ela deixa sem explicação os processos inconscientes, através dos quais uma composição
ditados de playback, em que aquilo que estava fixo na memória passa a ser fixado em papel. altamente estruturada poderia aparecer, completamente formada, na consciência do compositor.
Entretanto, até mesmo esta estória deixa alguns quebra-cabeças sem solução. Por exemplo, Se um compositor foi, ou é, um mero ‘receptor’de composições formadas inconscientemente,
por que Mozart precisaria escrever primeiro a melodia e o baixo? É certo que qualquer ordem então as perspectivas de análise e compreensão do processo de composição não são boas.
De fato, quando passarmos a considerar as evidências verbais, encontraremos (b) Você pode me perguntar onde obtenho minhas idéias (para um tema). Não posso responder
pouquíssimos momentos em que os processos composicionais são totalmente inescrutáveis a isso com certeza: elas vêm sem ser chamadas.
ao indivíduo em questão. O caso mais convincente de ‘composição inconsciente’ em larga (c) De onde e como vêm (minhas idéias), eu não sei: e também não posso forçá-las. Retenho na
escala é o de Rosemary Brown, que afirmava receber composições de compositores mortos memória as idéias que me agradam, e estou acostumado, conforme fui ensinado, a cantarolá-
las para mim mesmo. Se continuo por este caminho, logo me ocorre a maneira como poderei
por ‘ditado’. Os trabalhos assim produzidos, em sua maioria para o piano, são certamente transformar este ou aquele bocado para ajustar contas... de maneira agradável, com as leis do
coerentes e característicos dos vários compositores que ela cita nominalmente. Muito embora contraponto, e com as peculiaridades dos vários instrumentos.
seja uma pianista razoavelmente competente, com conhecimento do repertório pianístico (d) O primeiro estágio do trabalho de um compositor é...‘inspiração’. O compositor... ‘tem uma
clássico e romântico, ela não tem nenhum treino formal em composição. Seus relatos verbais idéia’... que consiste em notas musicais e ritmos definidos que engendrarão num momentum
e sua técnica de escrita são consistentes com o processo de ‘ditado’literal nota-por-nota e, ao em que seus pensamentos musicais avançarão. A inspiração poderá vir como um relâmpago,
menos que esteja perpetrando uma complicada farsa que vem durando há muitos anos, suas ou, poderá crescer e de se desenvolver gradativamente, como acontece muitas vezes. [Neste
último caso], a inspiração toma a forma... não de um clarão repentino de música, mas de um
composições apresentam evidências incontroversas da possibilidade de haver composições impulso claramente visualizado em direção a um determinado objetivo pelo qual o compositor
inconscientes numa ampla escala. Parrott (1978) faz, em primeira mão, um relato de sua foi obrigado a lutar...
observação de Rosemary Brown durante o trabalho:
Após a inspiração e a concepção, vem a execução. O processo de execução consiste
Eu observei o processo por muitas vezes, e muitas vezes o filmei. Você saberá melhor que eu primeiramente em ouvir a música em si mesmo - à medida que ela própria toma forma; em
como a composição normal de fato ocorre; certamente nunca vi algo como o processo utilizado

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pela Sra. Brown. A música flui literalmente no papel em um movimento contínuo - às vezes permitir que a música cresça; em seguir tanto a inspiração quanto a concepção, para onde quer
ambas as claves simultaneamente, outras vezes uma clave e depois a outra. E durante todo o que elas nos levem. Uma frase, um motivo, um ritmo, até mesmo um acorde, pode conter em
tempo, a Sra. Brown dialoga: ‘Não tão rápido; você disse natural ou bemol? Este sol ou oitava si, na imaginação do compositor, a energia que produz movimento. Ela guiará o compositor,
acima?’, etc. E tão rápido quanto ela consegue escrever, tudo fica registrado. através de forças de seu próprio momentum ou tensão, a outras frases, outros motivos, outros
acordes...
R e l a t o s d e c o m p o s i t o r e s s o b r e seus p r o c e s s o s c o m p o s i c i o n a i s
[O compositor] não é tão consciente de suas idéias quanto é possuído por elas. É muito
comum que ele não se dê conta de seus exatos processos de pensamento, até ter passado
Para provocar o faro do leitor quanto aos tipos de insights que podemos ter estudando os inteiramente por eles; com extrema freqüência, o trabalho completo parece ser incompreensível
relatos dos compositores, quero começar esta seção com quatro excertos curtos extraídos dos ao compositor logo depois de acabado. Por que? Porque sua experiência na criação do trabalho
relatos de diversos compositores, sem fazer nenhum tipo de comentário ou identificação. é incalculavelmente mais intensa do que qualquer outra experiência que ele possa ter a partir
dele; porque o produto final é, por assim dizer, o objetivo da experiência, e, em nenhum aspecto,
(a) Faz parte de minha experiência com o ato criativo que, de repente, me ocorre um motivo ou uma repetição da mesma.
uma frase melódica de dois a quatro compassos. Eu os anoto no papel e, imediatamente, amplio-
os até chegar a uma frase de oito, dezesseis ou trinta e dois compassos, que, naturalmente, não Estas citações demonstram, creio eu, que os compositores têm sido capazes de fornecer
se mantém inalterada, mas que após uma ‘maturação’ mais curta ou mais longa, é trabalhada, relatos coerentes e articulados de suas próprias experiências. Entre a primeira e a última dessas
gradativamente, até chegar a uma forma definitiva... O trabalho segue, então, em uma velocidade citações transcorreram cerca de 150 anos, mas há tantas coincidências naquilo que elas relatam
que depende, primordialmente, de minha espera pelo momento em que minha imaginação será que parece possível pôr fé na tarefa de retirar delas alguns traços fundamentais do processo
capaz e estará pronta para me servir novamente. de composição e da experiência criativa. Antes de examinarmos, em detalhes, as implicações
psicológicas das citações, é melhor identificá-las:
Penso que a escolha do desenvolvimento ‘certo’ pode ser regida por considerações
(a) Richard Strauss (1949); traduzida por Morgensten (1956). estruturais e de equilíbrio de larga escala, como aquelas que foram discutidas no capítulo 2.
(b) Beethoven (1822); extraída de Hambúrguer (1952). Esta citação deve ser lida juntamente A arte da composição baseia-se, em parte, na escolha de extensões de idéias temáticas iniciais
com a citação da página 142, proveniente da mesma carta. que respeitam condicionamentos de ordem superior, freqüentemente passíveis de serem
(c) Atribuída a Mozart (1789); extraída de Anderson (1938).
(d) Roger Sessions (1941). formalizados em termos de estruturas hierárquicas que governam seções ou movimentos
inteiros. As noções schenkerianas de movimento melódico e harmônico constituem uma
Quero concentrar-me no fato de que os relatos são unânimes em afirmar a existência maneira possível de expressar condicionamentos de ordem superior, mas há sem dúvida
de dois estágios na composição: o primeiro, chamado de ‘inspiração’ por Sessions, durante o outras maneiras de fazê-lo. Em poucas palavras, podemos explicar muito da seqüência do
qual aparece na consciência uma idéia ou tema em forma de esqueleto; o segundo, chamado comportamento composicional se supusermos que os compositores mais experimentados são
de “execução”, durante o qual a idéia é submetida a uma série de processos mais conscientes freqüentemente incapazes de usar os condicionamentos de nível mais elevado como pontos de
e deliberados de extensão e transformação. Esta dicotomia não está, de maneira alguma, partida para processos gerativos, mas são capazes de usá-los para reconhecer materiais musicais
restrita à composição musical; é encontrada em todos os ramos de atividade criativa, como satisfatórios gerados de qualquer outro modo.
mostram as coletâneas organizadas por Ghiselin (1952) e Vernon (1970). É como se o artista Newell, Shaw e Simon (1962) postularam uma teoria geral de resolução de problemas
criativo tivesse um repertório de coisas que ele pode fazer com um material básico, embora em que distinguem duas classes de processos: - os processos de geração de soluções e processos
não tenha um repertório análogo para gerar os primeiros germes sobre os quais exercerá sua de verificação. Tipicamente, os processos de geração de soluções envolvem o uso de alguma

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arte. A inspiração parece quase ‘dada externamente, assim como se pode dar a um escultor um heurística para produzir soluções plausíveis. Tornar-se hábil na resolução de problemas envolve
pedaço de pedra de uma determinada forma e textura. A habilidade composicional implica a a descoberta de heurísticas melhores, isto é, daquelas que produzem um número menor de
existência de um repertório de maneiras de estender e construir a partir dos materiais dados, soluções ruins e tomam menos tempo. As heurísticas são sempre imperfeitas. Não garantem
descobrindo e usando as propriedades que são inerentes a eles, segundo princípios. É bem mais sucesso; e uma opinião respeitável é que, em situações mal definidas de resolução de problemas,
fácil descobrir o que os compositores fazem com os temas através da análise de esboços e relatos como é precisamente o caso da composição musical, na qual o compositor está livre para mudar
do que descobrir qual é a origem primeira dos temas. A bibliografia que analisa as composições a natureza do problema no decorrer de seu trabalho, os algoritmos (geradores de soluções à
musicais mostra que trabalhos extensos são construídos a partir de temas nucleares através de prova de descuidos) têm um valor limitado, mesmo no caso de serem descobertos. Considerando
recursos como transposição, aumento, subdivisão e recombinação de elementos, mudança de que nenhuma heurística é perfeita, há de haver um processo de verificação em que as tentativas
ritmos, etc. Muito daquilo que identificamos como estilo composicional é inerente às maneiras de solução sejam avaliadas como felizes ou não com base em critérios.
habituais como os compositores modificam materiais temáticos iniciais. Aquilo que costumamos chamar de processos composicionais, aqueles eventos sobre
os quais os compositores têm um controle consciente maior, podem talvez ser identificados
Porém, ainda que um compositor seja seletivo em relação às diferentes transformações como geradores de solução na teoria de Newell et al. Trata-se dos repertórios das maneiras de
que usa, ainda há liberdade em demasia. Qualquer um pode aprender os ‘macetes da profissão’ ‘fazer bom proveito dos temas’, explorando e transformando suas propriedades segundo certos
e concatená-las, mas o resultado pode ser fraco e sem unidade. É claro que os compositores princípios. O processo de avaliação em que um desenvolvimento particular é aceito ou rejeitado
realmente capazes são muito duros consigo mesmos, rejeitando muitos desenvolvimentos possíveis por atingir objetivos composicionais, pode ser identificado com os processos de verificação
por considerá-los insatisfatórios; mas da mesma forma que eles são incapazes de descrever em postulados por Newell et al. E aqui, possivelmente, que as tentativas de solução são testadas por
detalhe a origem da inspiração, também são muito pouco claros a respeito dos critérios usados referência aos condicionamentos de ordem mais alta. Esse processo também muda à medida que
para escolher entre as maneiras possíveis de desenvolver um determinado tema.
se desenvolve a competência, à medida que o compositor desenvolve objetivos mais abrangentes UNCONSCIOUS CONSCIOUS

e de maior escala. Inicialmente, um jovem compositor apóia-se numa compreensão superficial


das formas de sua cultura para determinar seus objetivos. Por exemplo, ele pode notar traços
superficiais de um movimento em forma sonata, tal como a introdução de um segundo sujeito
na tonalidade da dominante. Conforme aprimora o conhecimento de seu meio, o compositor
pode começar a extrair os princípios mais fundamentais dos movimentos harmônico e melódico
que subjazem a formas específicas. Ele compreenderá porque os elementos padrão da forma
sonata geralmente ‘funcionam’ musicalmente; mas também perceberá como e quando tais
elementos podem ser usados para produzir novas formas que também ‘funcionam’. Portanto,
a verificação está baseada na ‘intuição’de que o que foi composto é de algum modo eficaz.
Nos dois últimos séculos, os compositores têm insistido que o melhor caminho para
o desenvolvimento de habilidades composicionais é o estudo detalhado das obras de Bach e
dos mestres do contraponto. Compositores tão diferentes entre si como Schumann, Kodály Figura 4.1: Diagrama dos recursos e processos típicos da composição musical
e Stravinsky salientam, cada um à sua maneira, os princípios comuns que subjazem à música
tonal dos últimos 500 anos, e devido aos quais é útil a imersão nos ‘velhos mestres’. Através Podemos resumir nossa discussão até agora remetendo a um diagrama dos recursos e dos

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dessa imersão, ganha-se a familiaridade necessária com os potenciais e as possibilidades do processos composicionais do ‘compósito típico’. Aparentemente, há uma distinção a ser feita
meio tonal, a partir da qual é possível forjar um estilo pessoal. Verdi resume este ponto de entre os processos dos quais o compositor consegue falar com certa facilidade e os processos dos
maneira bem sucinta (Werfel & Stefan, 1942): quais não consegue falar tão facilmente. Por conveniência, nós os chamamos respectivamente
Nada de estudar os modernos! Muitas pessoas acharão isto estranho. Mas hoje em dia, quando ‘conscientes’ e ‘inconscientes’. Os retângulos ilustram os conhecimentos ou estruturas que
ouço e vejo tantas obras compostas da maneira como os alfaiates ruins montam as roupas num ficam guardados na memória de longo prazo. As elipses contêm os materiais transitórios que
modelo padrão, não posso vacilar em minhas opiniões... Quando um jovem passou por um constituem versões sucessivas de uma composição em desenvolvimento na mente do compositor.
treinamento severo, e construiu um estilo próprio, aí sim, se achar oportuno, poderá estudar Os retângulos representam itens de conhecimento de longo prazo, construídos ao longo de
estas obras, e não correrá mais o risco de tornar-se um mero imitador. (Extraído de uma carta vários anos pelo compositor e que podem ser aplicados a novos problemas composicionais. As
a Giuseppe Piroli, 1871).
linhas que unem as figuras representam os processos que transformam ou usam os conteúdos
Sob uma ótica psicológica, podemos explicar os benefícios de tal estudo, lembrando que das próprias figuras.
forçam o aluno a concentrar-se nas propriedades básicas e subjacentes do sistema tonal, ao A elipse B representa o núcleo temático que aparece ‘sem ser chamado’ à mente, a partir
invés das formas composicionais particulares que estão em moda na cultura, e que constituem do depósito de conhecimento temático (storehouse of thematic knowledge) (F). A elipse A pode
estar ou não presente, tendo em vista os comentários (veja Sessions, 1941) de que às vezes
apenas um pequeno subconjunto das muitas formas de escrever música tonal aceitável. uma idéia mais ou menos específica do tipo de música exigida, precede um tema concreto na
consciência.
A elipse C representa os resultados da aplicação de técnicas composicionais de
transformação e modificação (E) ao tema original. Seus conteúdos são então julgados em
relação a critérios de ‘certo e errado’ (G) e, se deixarem a desejar, são modificados até ser conteúdo. Antigamente eu era descuidado e não dava atenção suficiente à revisão crítica de meus
atingida uma forma final satisfatória (D). O caminho alteração de objetivos’reconhece o fato esboços. Conseqüentemente, minhas costuras ficavam aparentes, e não havia uma união orgânica
de que as propriedades descobertas nos temas intermediários podem sobrepor-se aos objetivos entre meus episódios individuais. Esse era um defeito sério, e eu só melhorei gradativamente
originais, dando ao compositor a impressão de que a composição gerou seu próprio momentum com o passar do tempo; mas a forma de minhas obras nunca será exemplar porque, muito
ou ‘vida’, quase que independentemente da vontade dele. embora eu possa fazer modificações, eu não consigo alterar radicalmente as qualidades de meu
temperamento musical.
E preciso salientar que a figura 4.1 não é uma ‘teoria’ ou ‘explicação’ do processo de
composição, mas simplesmente uma maneira econômica de descrever alguns elementos Traduzindo isto nos formalismos da figura 4.1, podemos dizer que a rota F-B-C-G é
presentes nos relatos que os compositores fazem acerca de suas atividades, que esclarecem forte, mas que as rotas G-C e G-A-B não o são. O mais provável é que as propriedades do
as relações possíveis entre esses elementos. Uma teoria psicológica rigorosa da composição
teria que especificar em detalhe os conteúdos das várias figuras, bem como a natureza das tema controlem a eventual estrutura, e não que haja uma forte concepção estrutural exercendo
transformações que operam sobre elas. controle sobre o processo temático.
O teste mais rigoroso da eficácia das teorias da ciência cognitiva moderna seria a Claramente, Tchaikovsky vê seu processo composicional como inadequado, e outros,
produção de um programa de computador que funcione, cujo comportamento externo simule como Hindemith (1952), reforçam o ponto de que a distância entre o compositor experiente
aquilo que se quer explicar. Até o presente momento, nenhum desses programas foi escrito. {master composer) do compositor ‘comum’, pode ser tão grande como a distância que separa
Os poucos programas existentes e documentados (veja Sundberg ôcLindblom, 1976) não se o compositor do novato. Sobre os temas e motivos que formam a substância da inspiração,
propõem a ser um modelo de seqüências composicionais como as retratadas pela figura 4.1. Em Hindemith diz: ‘eles são compartilhados por todas as pessoas, profissionais ou leigos; mas,

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particular, não há nenhuma interação entre o processo gerativo e os processos de verificação. enquanto na mente do leigo eles morrem na primeira infância por falta de uso,... o músico
O computador ‘acerta’na primeira tentativa. criativo sabe como pegá-los e elaborá-los mais longamente’. Esta maior elaboração é,
Também vale notar que a distinção entre consciente e inconsciente é irrelevante numa precisamente, o processo de moldagem, de transformação que identificamos na rota B-C-D
teoria válida sobre a composição. Ambos os processos precisam ser totalmente especificados, e na figura 4.1. Entretanto, Hindemith vai mais longe, quando afirma que ‘se apenas contasse o
o que conta é a lógica interna do processo. Podemos supor que, para compositores diferentes, trabalho envolvido em alcançar o objetivo, haveria muitos gênios por aí.Tecnicamente falando,
a linha que divide os processos conscientes dos inconscientes tem que ser traçada em lugares o compositor insignificante poderia fazer o mesmo que o gênio, e estaria quase justificado
diferentes. Na realidade, a questão geral das diferenças individuais constitui um tópico ao sentir-se como um Deus... por ter sido capaz de transformar em música o canto que ele
importante de estudo. Seria uma simplificação excessiva pensar que há apenas um caminho murmura internamente - coisa que o leigo jamais conseguiria fazer’.
para se chegar a uma composição aceitável. Uma análise completa de tais diferenças ultrapassa Hindemith pergunta, então, o que separa o gênio do compositor ‘braçal’ e identifica
os objetivos deste livro, mas podemos ilustrar com um único exemplo o tipo de questão que como marca do mestre a ‘visão’, conceito que explica da seguinte maneira:
surge aqui.
Tchaikovsky, em suas cartas (Newmarch, 1906; reimpressas em Vernon, 1970), identifica Um criador genuíno... terá... o dom de ver - iluminado no olho da mente como pelo clarão
com grande sinceridade um ponto em que se achava particularmente fraco - a forma: de um raio - uma forma musical completa (embora sua posterior realização na execução
possa durar três ou mais horas); [e] terá a energia, a persistência e a habilidade para trazer
Não posso me queixar de pobreza de imaginação ou de falta de inventividade; mas, por outro lado, para a existência a forma assim visualizada, de modo que, até mesmo após meses de trabalho,
eu sempre sofri por falta de jeito em lidar com a forma. Somente após um trabalho estrênuo é nenhum de seus detalhes terá sido perdido, ou deixará de ajustar-se à imagem fotográfica que
que consegui fazer com que a forma de minhas composições correspondesse, mais ou menos, ao ele faz dela. Isto não quer dizer que qualquer fá sustenido no compasso 612 da peça final terá
sido determinado no primeiroflash cognitivo... mas que, ao trabalhar seu material, ele sempre
terá diante do olho de sua mente a imagem completa. Ao escrever progressões melódicas ou
harmônicas, ele não precisa fazer escolhas arbitrárias, ele apenas tem que completar o que a casos, os indivíduos que tentam relatar seus processos cognitivos o fazem não com base em
totalidade concebida requer...O homem de talento médio também pode ter visões; mas ao invés introspecções reais, mas sim com base em teorias apriori acerca de causas e efeitos possíveis.
de vê-las na claridade do relâmpago, percebe contornos escuros, sem ter o poder divinatório de
preenchê-los adequadamente... [Ele] pode lidar bastante bem com algumas regras básicas de Eles reconstroem de maneira mais ou menos racional o que inferem que deve ter acontecido
construção e todas as suas possibibdades de combinação, porém o mais alto grau de sutileza em para produzir os resultados da cognição. A avaliação da literatura sobre os processos criativos
que cada item técnico é congruente com a respectiva parte da visão, esse também só pode ser levou Nisbet e Wilson à conclusão que
atingido pelo gênio. Há relativamente poucas obras primas em que esta congruência extrema
pode ser sentida. [...] as pessoas com atuação criativa descrevem quase sempre a si próprias como espectadores,
que diferem dos outros observadores apenas no fato de serem os primeiros a testemunhar os
Hindemith concebe a aquisição da maestria composicional como um processo em que resultados de um processo que é quase completamente oculto à visão. Os relatos destas pessoas
as demandas do retângulo G da figura 4.1 adquirem um controle maior sobre o processo são caracterizados pela insistência em dizer que (a) os estímulos influentes são completamente
composicional, de modo que a concepção (A) exerce desde o princípio um condicionamento obscuros - o indivíduo não faz idéia de quais foram os fatores que conduziram à solução; e
(b), até mesmo o fato de um processo estar ocorrendo é desconhecido do indivíduo antes do
maior sobre o processo de composição. A subordinação da elaboração de detalhe ao controle de momento em que a solução aparece na consciência.
um plano ou esquema tem sido dada como explicação parcial para os comentários introspectivos
atribuídos a Mozart e a outros compositores (Gardner, 1980), mas está claro que Hindemith Ao mesmo tempo que é verdade que alguns processos de composição parecem
entende por ‘visão’muito mais do que a capacidade de planejar uma composição de acordo com inacessíveis à consciência, o material resenhado aqui sugere que as conclusões de Nisbet e
alguma fórmula padrão (tais como minueto e trio, rondó ou a forma da sonata). Ele refere-se Wilson podem ser demasiado radicais. Há muitos aspectos do processo que estão abertos

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a alguma unidade temática e harmônica subjacente que transcende a quaisquer formas em à inspeção e ao controle conscientes. Além disso, a insistência de muitos compositores de
particular. que há processos sobre os quais eles não sabem relatar, nos encoraja a pensar que eles não
A luz dos comentários de Hindemith, fica mais fácil compreender as realizações de estão ‘dizendo mais do que sabem’; que estão realmente tentando descrever a experiência
alguém como Rosemary Brown. Podemos notar que ela adquiriu algumas regras de construção fenomenal sem subentendidos.
usadas na música dos mestres clássicos e românticos. Mas as composições que ela produz têm, Ericsson e Simon (1980) argumentam que Nisbet e Wilson são demasiado pessimistas
em sua maioria, uma forma episódica simples, faltando-lhes a maestria orgânica que geralmente quanto ao grau em que podemos tomar os relatos verbais como indicadores confiáveis
conseguem os compositores de que ela se pretende porta-voz. Ela é uma imitadora de estilos do processamento cognitivo. Eles lembram que o ato de relatar verbalmente sobre dados
superficiais, boa ainda que inconsciente. Porém, no que se refere ao completo alheamento introspectivos significa tipicamente lembrar uma seqüência passada de eventos. A distinção
de sua consciência em relação aos processos de composição, ela seria tão pouco digna de entre ser e não ser capaz de relatar não é necessariamente uma distinção entre processos
conscientes e inconscientes, pode ser uma distinção entre aquilo que é facilmente lembrado
atenção quanto os incontáveis e imemoráveis imitadores que existem em todas as esferas do e aquilo que não é.
trabalho criativo. Não há nela as evidências da ‘visão’que seus compositores tiveram com tanta Eles citam evidências que sugerem duas condições sob as quais não se consegue lembrar
abundância no decorrer de suas vidas. materiais que foram o objeto de uma atenção focal: casos em que a solução é alcançada em um
A questão geral referente ao status psicológico dos relatos verbais tem sido central para único passo sem soluções intermediárias ou parciais e também casos em que um processo ou
o debate cognitivo. É obviamente ingênuo supormos que as verbalizações da introspecção produto é transitório, sendo mantido no foco de atenção por apenas um breve instante antes
possam ser tidas como descrições de processos mentais em todos os seus aspectos. Nisbet de ser substituído por novos materiais. Eles argumentam que estes fatores são ‘adequados para
e Wilson (1977) baseiam-se num vasto corpo de evidências para sustentar que, em muitos dar conta do fenômeno de insights repentinos, que por sua vez, são assunto de tantas anedotas
na literatura sobre criatividade’. Os estudos, citados em apoio aos insights repentinos, baseiam- compunha uma seção de uma obra para coro e órgão. Conforme fui trabalhando nesta seção,
se em ‘relatos retrospectivos de atos criativos supostamente reais, freqüentemente relatados eu escrevi todos os passos de meu pensamento que pude captar, juntamente com a notação
muitos anos depois de sua ocorrência. O ponto de vista de Ericsson e Simon é apoiado por musical relevante.
evidências reunidas através de estudos em que se pediu aos sujeitos de pesquisa que fizessem
sua introspecção ao mesmo tempo em que resolviam o problema (veja, por exemplo, Bulbrook, O PR O T O C O L O DE R e IT M A N DE C O M P O S IÇ Ã O DE U M A FU GA
1932; Durkin, 1937; Henry, 1934). Eles afirmam que esse tipo de estudo demonstra que o
progresso rumo à solução foi gradual ou determinado por tentativa e erro. Nenhum outro Especificar uma fuga é o mesmo que especificar certos elementos que a composição final
processo inconsciente precisou ser postulado. deve ter. Uma fuga propriamente dita contém duas ou mais vozes contrapontísticas, que entram,
Relacionada a essas, a falha da memória há também uma outra causa: o fato de que os uma após a outra, enunciando um único tema. A entrada da segunda voz é acompanhada por um
processos mentais que precedem à ‘inspiração’ são freqüentemente difusos, não-planejados e material novo e contrastante na primeira voz, material esse que caracteriza o chamado “contra-
indiretos, podendo misturar-se com outras tarefas cognitivas que formam o foco principal da sujeito”. Assim que cada voz entrou, a música desenvolve-se, segmentando e recombinando
atenção. Apesar de tal pensamento desestruturado ser difícil de ser lembrado, há evidências de várias maneiras os elementos temáticos; perto do final da fuga, encontramos normalmente
(veja Klinger, 1971) de que ele não é inconsciente. Quando se pede que as pessoas verbalizem algumas intensificações dramáticas da textura, trazidas pelo clímax harmônico e dinâmico, pela
seus processos no momento em que ocorrem, elas conseguem fazê-lo, mas a memória para esses superposição de entradas temáticas em várias vozes (stretto), e outros artifícios convencionais.
eventos esvai-se rapidamente. Os limites principais de uma fuga referem-se ao fato de que cada voz deve possuir alguma
Ninguém gostaria de negar a imensa complexidade dos processos envolvidos na continuidade e coerência individual, e que deve haver um mínimo de escrita livre em que o

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composição musical. Os argumentos de Ericsson e Simon são simplesmente um lembrete material da voz não deriva dos materiais do tema e do contra-sujeito (veja Bullivant, 1971).
de que podemos estar tornando a vida muito difícil para nós mesmos se sucumbirmos, por O problema de qualquer compositor, ao trabalhar em qualquer tipo de meio, consiste
completo, aos preconceitos do psicólogo contemporâneo em relação ao uso de relatos verbais em estabelecer condicionamentos adicionais acima e além daqueles que são especificados de
como dados empíricos. Com uma compreensão clara das condições sob as quais eles tendem a forma frouxa por um determinado tipo de composição. Há um número infinito de temas de
não ser confiáveis, podemos continuar fazendo um uso relativamente livre deste vasto depósito fugas e de fugas possíveis. Em sua busca, o compositor não pode, obviamente, passar por todos
(.storehouse) de dados psicológicos relevantes. O sentido geral do argumento de Ericsson e Simon os temas possíveis sem recorrer a princípio nenhum. Em termos técnicos, ele deve ‘reduzir seu
é que obteremos o quadro mais detalhado, analisando as verbalizações feitas concomitantemente espaço problemático’. No protocolo de Reitman encontramos evidências de que há limites
ao ato. São estes os dados para os quais nos voltamos agora. externos operando, como a necessidade de encontrar algo que dê certo sob as mãos do pianista.
Ao tentar compor um contra-sujeito, o compositor diz: (apagando algumas notas) ‘penso que
O b s e r v a n d o os c o m p o s i t o r e s d u r a n t e o t r a b a l h o vamos abandonar a idéia de um trecho sincopado mais longo para fugir da repetição do tema...
e tentar fazer algo mais pianístico’.
Esta seção baseia-se em duas pesquisas observacionais. Uma delas foi relatada por Entretanto, é provável que os condicionamentos internos gerados pelo material já
Reitman (1965) e envolvia a obtenção de um protocolo verbal de um compositor desconhecido, composto, de acordo com algum princípio geral de consistência ou equilíbrio, sejam mais
incumbido de escrever uma fuga para piano (Sanchez e Reitman, 1960). Ele traz um certo importantes do que tais condicionamentos externos. No decorrer do protocolo, observações
número de insights, embora tenha também inadequações. O protocolo completo não foi como ‘Estou tocando até o compasso seis para tentar acostumar meu ouvido a este tipo de
publicado, e não há registros do protocolo musical concomitante das notas experimentadas ao material’ são comuns. Parece que o compositor busca descobrir propriedades inicialmente,
piano e escritas. Analogamente, a segunda observação foi baseada em mim mesmo enquanto não notadas, no material já composto, para ajudá-lo a gerar novas idéias para continuar. Ele
cede àquilo que Reitman chama de adoção post-factum de uma convenção consistente com dos arranjos de intervalos harmônicos por elas formados, e ignora também o aspecto rítmico
aquilo que já foi feito’. para gerar continuidade.
Há um momento em algumas composições quando são tantos os condicionamentos, A partir do breve conjunto ou seleção de fragmentos apresentados por Reitman, não
externos ou auto-impostos, que o elemento de busca ou escolha parece estar reduzido ou mesmo é possível ter nenhuma idéia sobre a elaboração musical detalhada dos princípios gerais de
completamente ausente. Conforme se aproxima do término do protocolo, o compositor grita resolução de problemas que emergem claramente. Esses fragmentos não nos facultam ter a
' Voilãl A partir deste ponto o final é bastante óbvio e não há problemas. Eis a solução... A experiência da música a que se referem as palavras. É o que fará o próximo protocolo, que, em
estrutura da peça está resolvida agora... Acho que não posso mais perdê-la’. É um fenômeno acréscimo às palavras, nos dá alguns dos materiais musicais.
universal da vida mental experimentada que, no processo de resolução de problemas, ocorram
alguns pontos em que se ‘encontra uma estrada conhecida’, já tantas vezes percorrida que Um p r o t o c o l o a u t o g e r a d o d e c o m p o s iç ã o c o r a l
a novidade e o desafio do problema a ser resolvido desaparecem. E claro que tais pontos
dependem de um conhecimento consumado (conhecimento expert) por parte de quem resolve Alguns detalhes autobiográficos são necessários para estabelecer o contexto. Sou o
os problemas e podem não ser detectados quando atingidos por um novato que trabalha com regente de um pequeno coral amador e decidi, alguns anos atrás, tentar compor algo para
o mesmo problema. ele, retomando um interesse pela composição que muito me absorveu assim que cheguei
Eu sou um jogador ruim de Bridge e, ao sentar-me à mesa dos ‘bons’, me surpreendo à idade adulta. Meu estilo composicional pode ser descrito como aquele tipo de ‘música
freqüentemente quando o declarante, portador de três ou quatro trunfos, baixa as cartas e diz religiosa inglesa do século XX’, que se costuma exemplificar com compositores como Herbert
que ‘o resto é óbvio’. Segue-se, então, algum tipo de explicação acerca de suas intenções no Howells. O estilo é tradicional e dá grande realce à melodia e ao contraponto, além de ter uma

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jogo - explicações com as quais os demais jogadores imediatamente concordam - e eu fico estrutura harmônica fortemente tonal. Cheguei a este trabalho com uma série de exigências:
tentando acompanhar confusamente o que parece tão óbvio aos outros. Minha auto-estima um coral amador precisaria ser capaz de aprendê-lo; precisaria ser composto a quatro vozes
só é parcialmente restaurada quando vejo que o declarante está errado às vezes. Um oponente e com acompanhamento do orgão; precisaria conformar-se a meu próprio estilo - já que
mais esperto diz, ‘Me desculpe, mas se importaria de continuar a jogada?’ fazendo com que eu não pretendia transformar ou estender, deliberadamente, o meu repertório de artifícios
o infeliz declarante descubra alguma modificação imprevista na distribuição das cartas ou na composicionais.
tática que derruba sua estratégia. O mesmo vale para a composição musical, e o compositor Escolhi escrever algo com base no Salmo 923, traduzido para a língua inglesa. O salmo
de Reitman teve a lucidez de acrescentar e claro, você nunca pode saber até chegar ao final; é tem cinco versos e uma disposição vigorosa, alegre e triunfante (‘O Senhor reina, ele está vestido
sempre perigoso...’ Algum conflito imprevisto entre os diversos condicionamentos adotados de majestade’). As necessidades de contraste me sugeriram que o terceiro verso deveria ter uma
pode impedir que se encontre um final satisfatório. organização mais tranqüila, nascendo assim uma seção vaga de três notas; uma organização
Quando muitos condicionamentos se acumulam no decorrer de uma composição, inicial vigorosa para os versos 1 e 2; uma seção calma e descansada para o verso 3; chegando
pode ser que se torne impossível encontrar maneiras de progredir que respeitem todos a um encerramento triunfante nos dois últimos versos.
os condicionamentos. Em tais situações, o protocolo revela que o compositor deixa No começo, meus esforços composicionais conduziram-me ao início da última linha
temporariamente de lado alguns deles, produzindo continuações que têm apenas alguns dos do segundo verso, e então eu tive um bloqueio. Minha idéia inicial para as palavras ‘De toda
traços definidos anteriormente. Em seguida, ele faz reajustes em uma de duas maneiras: ele a eternidade, Ó Deus, vós sois’parecia não conduzir-me a lugar nenhum, e assim abandonei
pode modificar os novos materiais de modo a alinhá-los com os condicionamentos previamente o projeto por pelo menos um ano.
estabelecidos, ou pode modificar os condicionamentos. Por exemplo, em um determinado
momento, o compositor pode ignorar todos os atributos de um par de melodias com exceção 3 N T : E m algumas edições, trata-se do Salm o 93.
Alguns meses após essa desistência é que comecei a desenvolver um interesse explícito
pelo processo da composição. Quando retomei a tarefa de completar a composição, no verão de
1981, ocorreu-me a idéia de que seria interessante fixar alguns de meus passos composicionais
em um protocolo. Na época, eu ainda era relativamente ingênuo no que diz respeito à literatura
resenhada neste capítulo, e tinha algumas idéias pré-concebidas acerca do tipo de coisa que
um tal protocolo deveria mostrar. Your throne has stood firm frorn of
1.65
O protocolo começa no compasso 27 da composição, no qual aparece em forma de
rascunho o tema abandonado. O exemplo 4.5 mostra a partitura, desde o compasso 21 até o
29, tal como estava quando recomecei. Já que o protocolo é bastante curto, ele pode ser dado
por inteiro, com alguns comentários e exemplos musicais. O protocolo aparece em letras itálicas;
os comentários e explicações acompanham cada segmento do protocolo em letras normais.
Devo acrescentar que o protocolo escrito original é altamente críptico, e contém abreviaturas
pessoais bem como desvios em relação à norma gramatical. A versão aqui apresentada é a
tradução o mais literal que é possível fazer para um inglês gramaticalmente correto.

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oid Your throne has stood firm from of oíd From af! e ■ ler ni • ty

E x e m p lo 4 .5

A. Como devo prosseguir no compasso 29? O próximo verso será mais calmo e mais lento. Há
a necessidade de um tema para ‘Desde toda a eternidade'. A tentativa anterior, em que a composição
ficou interrompida, não parecia boa, em parte porque terminou rápido demais. Esta passagem
inicial pode ser vista como uma enunciação do problema a ser resolvido, e como a colocação
de duas exigências imediatas. Havia uma necessidade geral de ‘descer’de uma textura bastante
extrovertida e ‘atarefada’para uma ‘calmaria’ no próximo verso; e uma necessidade particular
de encontrar um tema para a última linha do segundo verso. Encompridar as frases das vozes,
que até o presente momento eram curtas e bem destacadas, poderia constituir uma maneira de
introduzir a ‘calmaria’necessária. Entretanto, estas exigências ainda não eram suficientemente
específicas para serem uma sugestão concreta de notas .
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Exemplo 4.6 -------fr r J-ft - P


^ ------------ ------------- ----- —4 —
in.-
...... ........ 4

Exemplo 4.7
■O---- *---------
f c - ^
B. Decido prosseguir com o acompanhamento de modo que estefique mais lento.. Me ocorre que —-----------

apalavra 'eternidade’pode ser representadapor um motivo circular repetitivo. Já temos umfragmento Exemplos 4.8
circular de quatro notas nos compassos 23 a 27 (Exemplo 4.6/ Então, tento usá-lo para diminuir
o andamento (Exemplo 4.7/ A escrita dos compassos 27 a 33 torna-se então uma tarefa de rotina. J. f J. J J
Um si bemol é acrescido ao compasso 33 com base na intuição de que um movimento harmônico se
ter ni - ty 0 Lord
faz necessário neste momento. O tema vocal para ‘Vosso trono manteve-se firme’ é uma frase

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bastante fechada, completa em si mesma. Não teve quaisquer implicações no sentido de uma Exemplo 4.9
continuação particular, para mim. Entretanto, o acompanhamento é mais fluente e aberto neste
ponto. Para superar o ‘bloqueio’ no material vocal, decidi desenvolver o acompanhamento, na RLLE3 - t - .T-1—
_i I.
esperança que este, por sua vez, iria sugerir o que as vozes poderiam fazer por sua vez. A palavra
‘eternidade’sugeriu a possibilidade de haver um motivo cíclico repetitivo, e o acompanhamento Exemplo 4.10
acabou incluindo o tal motivo, introduzido já no compasso 23, por razões que agora eu não
me recordo. O motivo consiste em uma escala descendente de quatro notas, que retorna à No compasso 33, o problema foi percebido como sendo o de manter o interesse e, ao
nota mais aguda apenas para descer mais e mais (veja o Exemplo 4.6). Parece que decidi que mesmo tempo, continuar com material melódico repetitivo. A solução que me ocorreu foi a de
a passagem dos compassos 27 a 33 deveria ser harmonicamente estática (sobre um pedal da alterar as implicações tonais do pedal em sol acrescentando um si bemol à harmonia, sugerindo
dominante em sol). A tarefa, então, consistiu em simplesmente repetir o motivo descendente uma reinterpretação da tonalidade como se esta tendesse para um fá maior.
por muitas vezes e na mesma altura, mas com espaçamento e com rallentando de modo que, C. Agora eu deixo de lado o acompanhamento e retorno às vozes. O padrão rítmico básico
a partir do compasso 31, há apenas um ciclo por compasso (Exemplo 4.7). Uma vez que o do tema anterior, insatisfatório (Exemplo 4.9, compassos 27-28), parece correto, mas precisaficar
problema foi ‘reduzido’ até este ponto, pude compor de maneira bastante mecânica, daí o mais lento. A subida em altura também está correta, mas precisa ser menos radical. Se incorporarmos
comentário que esta seção é ‘tarefa de rotina’. A parte completa do orgão para os compassos quartas ascendentes e terças descendentes alternadas (Exemplo 4.10), issoproduzirá uma coincidência.
27 a 33 é dada no exemplo 4.8. Começando onde eu sinto estar certo (compasso 31), sai em si bemol ao mesmo tempo que o
acompanhamento (Exemplo 4.16, compasso 33). Nesta seção bastante condensada do protocolo,
o acompanhamento é deixado de lado. Ela proporciona uma espécie de camada sobre a qual
novos materiais vocais serão acrescentados. O primeiro passo, não registrado, foi o de apagar
as entradas das vozes abandonadas nos compassos 27 e 28 (Exemplo 4.5), de modo que, ao 1 1 É IÉ
chegarmos ao compasso 29, apenas o orgão estaria soando. Fica claro que eu estava gostando Exemplo 4.15
do ritmo básico do tema abandonado, com sua direção ascendentes em altura, mas a velocidade
do ritmo e o nível da altura eram demasiado rápidos para a função “de alívio” que este tema A coincidência refere-se à feliz descoberta de que, ao iniciar a primeira entrada vocal
deveria exercer. A primeira modificação que ocorreu foi dobrar a duração dos pares dactílicos em ré maior no compasso 31 da linha do soprano - por razões que não me lembro, pareceu-
(do Exemplo 4.11 para o Exemplo 4.12). A segunda modificação foi a de permitir que as me que eram estes o momento e a nota exatos para o começo - a estrutura já determinada do
notas alternadas se encarregassem da elevação em altura, com as notas intermediárias em queda tema levou a um si bemol, precisamente no momento em que eu já tinha decidido introduzir
(mudança do Exemplo 4.13 para o Exemplo 4.14). Não sei ao certo por que escolhi o intervalo um si bemol no acompanhamento (veja o Exemplo 4.16). Isso pareceu confirmar que eu estava
de uma quarta ascendente neste momento. É possível que eu estivesse voltado para o material ‘no caminho certo’naquele momento.
temático anterior em busca de um fator de coerência. A própria abertura do tema da obra, de
fato, continha dois elementos germinais, uma subida por meio de quartas ascendentes e uma ©>
escala descendente de quatro notas (Exemplo 4.15). ....T..4—L —
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C O M P O S IÇ Ã O E IM P R O V IS A Ç Ã O
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Exemplo 4.11

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From all e te r - ni ty 0 Lord
Exemplo 4.16
Exemplo 4.12 D. O tema do soprano termina em Dó (compasso 33), mas eu gostaria que esse movimento
repetitivo ascendente continuasse. Precisarei dar este tema a uma outra voz, uma oitava abaixo. Meu
primeiro pensamento éprosseguir, começando no compasso 34. Meu segundo pensamento é começar
antes (compasso 33) e crescer a partir de uma terminação do soprano. Issofunciona para a voz do
Exemplo 4.13 tenor. A harmonia do órgão no compasso 33 não é resolvida (veja o Exemplo 4.8) e isso cria a
sensação de que a música ainda está se movendo em direção ao ponto de resolução. Tive uma
forte sensação de que o movimento ascendente iniciado pela voz do soprano deveria continuar,
mas de modo a introduzir uma outra voz. O primeiro pensamento foi o de iniciar uma voz
E xem plo 4.14
mais grave, imitando o soprano no compasso 34. Isto foi descartado quase que imediatamente
em favor de uma junção sobreposta em que a voz mais grave se inicia antes de terminar a voz
do soprano, de modo que o ciclo de quartas ascendentes e terças descendentes não se quebra.
Ao escrever a voz do tenor em Dó no compasso 34 fica determinada a nota sol como inicial
no compasso 33, isto é, se for para ser uma imitação muito próxima (uma exigência que não
formulei explicitamente, mas que me parece fazer parte dos elementos estilísticos da obra como
um todo),Tal imitação permitiu que o tema do tenor fosse copiado em fá no final do compasso
35. O exemplo 4.16 mostra os compassos 30 a 35 como ficaram ao término desta etapa.
E. Ficaria monótonofazer isso novamente numa terceira entrada da voz. Será que cabería uma Exemplo 4.18
entrada nos espaços rítmicos, de modo a criar uma espécie de stretto’? Experimento, com separações
intervalares diferentes. Uma voz no baixo entrando uma quarta abaixo do tenor parecefimcionar E agora, comofica o acompanhamento? Experimentando, descubro que uma queda parafá no
bastante bem, então preencho a voz até o compasso 36 (Exemplo 4.18). Parece claro que eu estava baixo combina bastante bem com aspartes vocais no compasso 35. Prolongo mediante uma ligadura
cobrando de mim mesmo a aplicação da exigência relativamente rígida do contraponto, de que um si bemol do compasso 33 ao 34, repito a escala descendente da mão esquerda do compasso 32 no
cada uma das quatro vozes entre em seqüência com o tema. O meu problema foi, portanto, compasso 34, e ligo o dó central do compasso 33 ao 34. De acordo com as regras, o ré do tenor (compasso
saber quando e como introduzir próxima voz. Decidi que ficaria desinteressante escrever a 34) deve se estender até o compasso 35, assim como as notas ligadas da voz aguda. Isso soa um pouco
terceira entrada em relação à segunda entrada mediante uma analogia direta com a relação bagunçado? No compasso 35 nós certamente não podemos repetir a figura fá-m i ré-dó porque as

C O M P O S IÇ Ã O E IM P R O V IS A Ç Ã O
estabelecida entre a segunda e a primeira entrada. Ao invés disso, concebi uma entrada que vozespassaram para o espaço tonal de mi bemol. Talvez este seja o momento de interromper opadrão
vem antes, e permite a existência de um jogo rítmico (exemplo 4.17). Uma vez decidido isso, e deixar que o ré do tenor desça para o dó. Faço uma tentativa. Agora temos um acompanhamento
só faltou definir a altura da terceira entrada. O protocolo sugere aqui uma experimentação totalmente estático (exemplo 4.19, compasso 35);portanto,precisamos olhar para as vozes para ver
extensa ao piano, do tipo tentativa e erro (sempre componho ao piano). Acabei por escolher como issopode se desenvolver.
uma entrada no baixo em ré, por achá-la harmonicamente atraente, e a escrevi no compasso
36 (veja exemplo 4.18).

voice 2 (tenor) j J J j —Lj j j . j J.


voice 3 (bassj j •J j J.

Exemplo 4.17
rejected
i
xr
Figura 4.19
Esta seção do protocolo oferece o comentário mais detalhado de todos até o momento, e um movimento circular ao redor do ciclo de quintas em tonalidade, com o aumento de um
apesar de estar relacionada à composição de pouco mais que um compasso do material para tom a cada entrada. Parece-me que quis continuar com a textura contrapontística, mas sem
órgão. Era claramente um momento difícil e crucial para a direção da música. O principal um movimento harmônico suplementar, então fui levado a quebrar o limite auto-imposto de
problema era que parecia não haver uma maneira de impedir o acompanhamento de continuar que as entradas deveriam ser imitações exatas. No compasso 37, o tema do soprano desceu
ininterruptamente com o padrão estabelecido nos compassos 31 e 32. No entanto, as vozes se um semitom em relação àquilo que ‘deveria ser’, e assim quebrou o movimento contínuo ao
moviam para regiões harmônicas remotas, e portanto alguma mudança no acompanhamento redor do ciclo das quintas (veja Exemplo 4.20).
era necessária. A primeira decisão foi abandonar o pedal em sol e descer para o fá no compasso Neste momento, surgiu uma vaga idéia de forma para os próximos compassos. O órgão
35. A segunda decisão foi abandonar a repetição da passagem da escala. O padrão estabelecido pára, deixando as vozes desacompanhadas e intensificando o stretto até uma espécie de cadência
nos compassos 30 a 34 foi que a última nota da passagem da escala ficaria ligada até o primeiro que leva ao clímax, que é marcada pela ‘re-entrada’do órgão emfortíssimo. Havia agora o objetivo
tempo forte do próximo compasso (veja Exemplo 4.8). Se a passagem da mão direita do de controlar os próximos compassos, mas ainda não havia uma idéia da tonalidade final.
compasso 34 for escrita de acordo com esta regra (repetindo os compassos 32 e 33), isso resulta
em um ré ligado no compasso 35. O acorde assim produzido (no órgão: fá, re, si bemol dó;
sol no baixo e mi bemol no tenor) foi auditivamente insatisfatório. Ele continha dissonâncias
demais. Ao quebrar o padrão e descer do ré para o dó, o acorde foi simplificado, sugerindo um
ponto de repouso parcial. Essa sugestão foi confirmada pelo ‘teste’de colocar uma continuação

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para o padrão de escala da mão direita no compasso 35 (fá, mi, ré, dó, como no compasso
33). Isso gerou uma dissonância desagradável entre o mi bemol da voz e o mi do órgão, que
foi instantaneamente rejeitada enquanto possibilidade. Logo, restou-me um acorde simples
e estático no compasso 35 (veja exemplo 4.19), sem implicações óbvias para a continuação. p From all eter m ty 0

Retornei às partes vocais para encontrar uma tonalidade para os desenvolvimentos futuros.
G. Eu precisofazer a voz do soprano render com o tema. Imito a entrada do baixo em relação
ao tenor, portanto começo no lá bemol no compasso 35 (Exemplo 4.20). Se eu seguir rigorosamente,
isso me leva do ré bemol ao sol bemol no compasso 37. Isso é demasiado distante harmonicamente,
então eu trapaceio e coloco ré e sol. Agora tenho quatro entradas, mas tenho a sensação de que este
‘stretto’precisa ser mantido por um tempo sem trabalhar com notas mais agudas. Que tal tirar o
órgão no compasso 35 ou 36, e trazê-lo mais tarde irrompendo em algum tipo de cadência perfeita? From all eter m ty O Lord you »re You ate . you are!

Tonalidade? Quem sabe? Aqui encontramos a conclusão (em princípio) das entradas dos
corais. Suspeito que a quarta entrada foi dada ao soprano ao invés do contralto por conta de From all eter m ty O Lord you are >

sua tessitura aguda. A voz do soprano entra no compasso 35 e suas relações com a voz do
baixo (numa oitava apropriada) são as mesmas que para o tenor. Mais uma vez, este padrão lo rd you are / (From all eter m ty O Lord you are

de entradas sucessivas pode ser repetido indefinidamente. Contudo, diferentemente do »«7ͧPÉi«‘


acompanhamento nos compassos 30 a 35, há um movimento ascendente contínuo das alturas E xem plo 4.20
H. Noto que o tema vocal dura quatro compassos, então deve serpossível trazê-lo em uma voz ch oir h a rm o n y

diferente a cada compasso, \adinfinitum. Entro com osoprano no compasso 36 em mi bemol (na mesma f = 3 J h~ij%--------------- r o - -------------jj
relação que antes à voz precedente). A seguir, entra o tenor em lá no compasso 37, o baixo em mi bemol
(não —ganhamos um lá bemol indesejado). Tento começar emfá - issoparecefuncionar. Escrevo aparte o rg a n b a ss

.. -a_ - _ __ — g------e--------- - ----


do baixo até o compasso 40. Como encaixar as vozes do soprano e do contralto enquanto o baixo está ........ y n 0

terminando? Repito you are’mais insistentemente, no contratempo com as outras partes (compassos 5Z I !D major) 175
39 e 40). Somente ao chegar a este estágio relativamente tardio do trabalho com o material Exemplos 4.21
vocal é que percebo que o tema tem quatro compassos de duração, deduzindo que ele poderia,
portanto, caber em um padrão indefinidamente longo, em que uma nova entrada começa uma
vez a cada compasso, em uma das quatro vozes. Isso permitiu a escrita como tarefa rotineira’ 0_____
=7
de mais três entradas; do contralto no compasso 36, do tenor no compasso 37 e do baixo no rs t A
compasso 38 (veja Exemplo 4.20). A primeira tentativa de criar a entrada do baixo (seguindo Vou are.

relações rígidas de altura com a entrada previamente estabelecida) teve como conseqüência Exemplos 4.22
um resultado harmônico insatisfatório. A escala mi bemol-fá-sol-lá ficou demasiado distante
da tonalidade prevalente, de modo que, novamente, afrouxei minhas exigências, permitindo ]. O coral tem que ter algo no acorde de dó maior (o silêncio soa errado). Aperto novamente a

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que o tema começasse em fá, permanecendo assim em consonância com as outras partes. tensão no soprano com mi e lá (Exemplo 4.22).
Por alguma razão, eu decidi que não deveria haver mais entradas plenas após o baixo, Encontro agora uma harmonia coral que combina, especialmente tendo em mente o mi bemol
então o problema passou a ser o que fazer com as vozes superiores durante os compassos 39 no baixo do compasso 41 (Exemplo 4.23). Acho que o que soava errado aqui era o acorde não-
e 40. Antecipando um clímax iminente, esbarrei na idéia de pegar as duas últimas notas do resolvido do coral no compasso 41. Ele precisava ser resolvido, tanto no coral como no órgão.
tema (uma quarta ascendente) e repeti-las com insistência crescente. Isso levou, no compasso Eu então retornei ao contexto coral imediato para encontrar algo que pudesse ser usado, e
41, a um acorde que, no contexto, é harmonicamente instável e prescinde de resolução (mi cheguei à idéia de subir em um tom a figura ascendente do soprano do compasso 40, para levar
bemol, sol, ré). No entanto, mesmo neste ponto eu não tinha clareza da direção em que ele os sopranos ao lá agudo (exemplo 4.23, compasso 43), a nota mais aguda de toda a peça e parte
seria resolvido. integral do acorde de ré maior pensado para o órgão. Desta maneira, o acorde do compasso
I. Agora o acompanhamento entra no compasso 41. Tento várias notas no baixo. O lá soa bem, 43 torna-se o clímax, o ponto culminante e uma espécie de resumo de toda a primeira seção.
sugerindo uma cadência perfeita para ré maior. E demasiado direto ir de lá a ré. Experimento lá, Percebo agora, em retrospectiva, que toda a composição moveu-se, neste ponto, de um sol
si, dó e ré ascendentes. Isso soa bem. Neste momento, eu estava pescando’a harmonia certa para maior inicial para um ré maior, o movimento tradicional de tônica-dominante da exposição
o órgão através da experimentação no piano. Um lá no baixo foi reconhecido como sendo da forma sonata; e que o compasso 43 contém a enunciação mais enfática de todas do motivo
a nota certa para o compasso 41, e logo eu encontrei a cadência necessária (Exemplo 4.21). de quarta ascendente que inicia a peça. Tudo isso escapou à minha atenção consciente no
Uma elaboração (notas intermediárias si e dó, em tamanho menor) logo surgiu. Interpreto momento, mas, como poderiamos defender, contribuiu para a minha sensação de ser este o
agora a necessidade que senti destas notas como um prolongamento da dissonância que não desenvolvimento ‘correto’. Encaixar as três partes externas do coral no compasso 43 foi um
estava resolvida, apertando a tensão até o último momento. Aqui, apenas a linha do baixo da trabalho rotineiro de harmonização. O exemplo 4.23 apresenta a versão final das partes do
parte do órgão estava delineada. coral nos compassos 41 a 43.
composicional, assomou a imagem indistinta do ‘inevitável’movimento schenkeriano de I-V,
implorando para ser realizado mas, de início, totalmente desarticulado. Passado o momento
mais importante do clímax, então ficou fácil preparar a cena para minha seção central mais
lenta. Os compassos 44 a 50 surgiram rapidamente, permitindo que o órgão se estabilizasse
num acompanhamento em forma de um balanço gentil, para o que estava por vir.
A seguir, aconteceu algo que tem uma importância considerável para que cheguemos a
compreender as forças e as fraquezas de um protocolo como este. Pouco depois de eu chegar
ao compasso 50, comecei a trabalhar na próxima seção da composição; mas imediatamente
me dei conta de uma diferença na qualidade da experiência composicional. Era como se eu
tivesse uma sensação mais urgente de direção. Ali me veio o desejo de captar uma forma que
se desdobrava, antes que eu a perdesse. O resultado disso foi que me vi incapaz de continuar
com o protocolo, e embarquei num período intenso de composição, que produziu os próximos
35 compassos sem qualquer interrupção do trabalho.
Isso não significa que tive a experiência de um ‘fluxo de inspiração’ pura. Ao contrário,
foi como se eu tivesse medo de perder algum momentum, caso eu parasse de registrar meus

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pensamentos através das palavras. Num exame retrospectivo de meu manuscrito, percebi uma
qualidade lírica que abarca toda a próxima seção, dando-lhe uma unidade e repouso bem
diferentes da natureza caleidoscópica da primeira seção. A seção está em ré maior e move-
K. A escrita para o órgão é um pouco despojada nos compassos 41 a 43. Acrescento uma parte se, através de tons intermediários, por um caminho harmônico bastante batido, I-V-I, sendo
para a mão direita, com quartas descendentes. 0 compasso 44 é um acorde direto de ré maior e, a que uma única idéia melódica desdobra-se nas partes vocais. Eu hesitaria em dizer que esta
seguir, o motivo do coral do compasso 43 é repetido de uma maneira mais exuberante (compasso 45). seção é melhor que a seção para a qual foi feito o protocolo verbal, mas tenho quase certeza
Repito os compassos 44 e 45 e isso começa aformar um acompanhamentofluente, a partir do qual de que a estratégia composicional foi diferente. Eu tive sorte o suficiente para colocar, de
inicia-se opróximo tema coral (exemplo 4.23). Aqui termina o protocolo. início, uma série de condições que, nos limites de meu estilo composicional, quase permitiram
A cadência do órgão, que tem um papel tão importante como indicador de clímax, exigiu que a seção se ‘compusesse por si’. Parece provável que os protocolos verbais revelem a parte
mais substância do que uma simples linha despojada no baixo. A idéia de introduzir uma linha mais autêntica do processo composicional precisamente quando o compositor não sabe para
descendente em movimento contrário na mão direita deve ter surgido facilmente. Agora, onde ir, e percorre a esmo o estoque de recursos de transformação e extensão que domina
enquanto escrevo, reparo que a progressão melódica ré, dó, si, lá é uma versão lenta da escala conscientemente, para achar uma possível solução. Quando as coisas correm bem, a exigência
descendente de quatro notas que dominou as partes anteriores do acompanhamento (compassos de apresentar um protocolo pode muito bem alterar, e até mesmo atrapalhar completamente,
22 a 33). A justaposição desse motivo com a escala ascendente no baixo (derivada do início do o processo que se está tentando descrever.
tema vocal da seção do compasso 31), cria uma espécie de enunciação final grandiosa do núcleo Tchaikovsky expressou bem a concentração que geralmente se exige quando a atividade
temático de toda a seção. Em retrospecto, todo o processo composicional aqui descrito pode ser criativa parece fluir particularmente bem;
encarado como uma busca por esta cadência crucial. Por entre as brumas de minha mediocridade
Eu me esqueço de tudo e me comporto como um louco.Tudo, dentro de mim, começa a pulsar e abrangente é preponderante. No decorrer de todo o protocolo, vejo-me fazendo uso deliberado
a agitar-se; mal comecei meu esboço e os pensamentos já se atropelam. Em meio a este processo de algum elemento de melodia ou de harmonia presente no material já escrito, como ponto de
mágico, freqüentemente acontece que uma interrupção externa me acorde de meu estado de
sonambulismo: um toque da campainha, a entrada de meu criado...Tais interrupções são terríveis. partida para uma continuação. Por outro lado, há muitos casos em que considerações de ordem
As vezes elas cortam o fio da inspiração por um tempo considerável, de modo que preciso voltar superior relativas à harmonia e à estrutura prescrevem mudanças que modificam ou reformulam
a procurá-lo, muitas vezes em vão. as estratégias essencialmente imitativas que geraram as primeiras continuações. Assim como o
(Extraído de Newmarch, 1906; reimpresso em Vernon, 1970). compositor de Reitman, encontro-me comprometido na tentativa de caracterizar aquilo que
já tenho, para que as continuações sejam, de alguma maneira, compatíveis ou estejam ‘dentro
Que conclusões psicológicas gerais podem ser tiradas deste protocolo? A primeira é que, do estilo’; mas eu também tenho variação, e algumas noções confusamente percebidas sobre
apesar de seu detalhamento, o protocolo e sua explicação subseqüente deixam muitas coisas o rumo que será seguido por um determinado trecho, que me permitem discernir quando à
não-ditas. Eles ficam longe de documentar a base racional da escolha de cada uma das notas. imitação estrita precisa parar.
Por exemplo, há muitos padrões melódicos possíveis que são compatíveis com as exigências Em terceiro lugar, como as características dos materiais já escritos são freqüentemente
que identifico para o tema vocal que começa no compasso 31. Por que eu escolhi aquele que descobertas algum tempo após a escrita, mas ainda podem ser importantes para delinear eventos
escolhi, e não outro? Em retrospecto, posso formular algumas razões pelas quais o tema que futuros, suspeito que um componente importante da habilidade composicional é o grau de
escolhi é melhor do que um tema alternativo, como o do exemplo 4.24. O tema escolhido ‘confiança’nos próprios meios - a certeza de que os processos habituais de geração resultarão
(exemplo 4.15) tem mais interesse melódico (uma alternativa que é demasiado repetitiva), e em materiais que são mais ricos do que parecem ser à primeira vista, e que, ainda que sejam

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tem mais movimento harmônico (a alternativa é do tamanho de uma oitava e, desta forma, inicialmente insatisfatórios, geralmente contenham propriedades que podem ser descobertas
é harmonicamente um tanto estática). Tenho dúvidas se eu teria refletido conscientemente e usadas com proveito. Tal confiança é parcialmente engendrada pelo mero fato da resolução
sobre essa alternativa. É como se eu fosse capaz de escolher, quase automaticamente, o tipo de prévia de problemas; mas também tem algo a ver com uma consciência crescente da riqueza
tema que tinha potencial musical. Isto faz lembrar de observações feitas sobre outras formas de um meio como o sistema tonal. Há tantos tipos diferentes de relações que se estabelecem
de escolha habilidosa, como, por exemplo, no jogo de xadrez (Simon, 1979). Ao escolher as entre um conjunto de notas que até mesmo o mais simples dos temas pode se transformar em
jogadas, os enxadristas mais hábeis parecem considerar um número menor de movimentos uma inesgotável fonte de descobertas. Verossimilmente, o prazer prolongado, que qualquer
não-promissores do que os novatos. O meu próprio protocolo está repleto de escolhas não- trabalhador criativo vive na fecundidade específica de seu meio, não é apenas um sub-produto
explicadas. Algo é sentido como sendo certo, ou escolhido sem qualquer justificativa. Tomo agradável da atividade criativa, mas sim a fonte essencial de motivação que o mantém envolvido
isso como uma característica geral da resolução de problemas hábil. com seu próprio material, passando por ‘bloqueios’ e becos sem saída no processo criativo.
Tal prazer é amplamente atestado por praticantes de todos os tipos de habilidades, desde os
^4-------------------------- f ----r— ..\ :™'_~ ti matemáticos até os poetas (por exemplo, Poincaré, 1924 e Spender, 1946; ambos reimpressos
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em Ghiselin, 1952 e Vernon, 1970).
From all e - ter - ni - ty O Lord you are.
Ao discutir meu protocolo com colegas psicólogos e músicos, uma questão que surgiu
Exemplo 4.24 freqüentemente foi a de usar tais protocolos para gerar pesquisas científicas produtivas sobre
a composição. Reunir protocolos resulta em uma espécie de história natural, mas, embora seja
Uma segunda conclusão é a de que, pelo menos no meu caso, a interação entre as um primeiro passo essencial na compressão de qualquer processo mental complexo, por si só,
propriedades descobertas em materiais previamente compostos e alguma concepção mais não permite a construção e a testagem de teorias. Para isso, duas linhas de ataque parecem
possíveis. Uma delas seria focar numa tarefa de composição simples, tal como a harmonização pode confiar nas características obrigatórias já dadas pela forma, juntamente com seu próprio
de uma melodia curta, tentando especificar todos os passos cognitivos que subjazem à escolha ‘estilo’ de dar unidade à música.
de acordes específicos para cada compositor. Isso conduziría naturalmente a alguma forma de Se observarmos uma das formas em que floresce a improvisação, poderemos ver como
simulação computacional, a fim de testar a adequação da teoria do indivíduo A ou B. Uma outra ela ajuda o improvisador a construir sua performance. ‘Tema e variação’, por exemplo, é uma
possibilidade correlata seria tomar alguma tarefa composicional limitada, talvez a mesma de forma comum na linguagem própria da música clássica, da música popular e do jazz. Uma
que acabo de falar, e pedir que uma gama de músicos com habilidades e experiências musicais estrutura típica é: |g j
variadas a realizem. Pela análise comparativa do comportamento dos diferentes sujeitos pode
ser possível especificar algumas das maneiras como as habilidades composicionais mudam frase: AA BA A1A} Bj A1 A2 A2 B2 A2 etc.
com a experiência.
seção: tema primeira variação segunda variação etc.
I m p r o v is a ç ã o
Nessa estrutura, o tema é composto por quatro frases (cada uma das quais tem
A tônica do processo composicional parece ser o trabalho de moldar e aperfeiçoar tipicamente uma duração de oito compassos). A segunda e a quarta frases são repetições
idéias musicais. Embora uma idéia possa surgir espontaneamente, ‘sem ser chamada’, e da primeira frase; a terceira frase é diferente, embora seja relacionada à primeira, tanto
instantaneamente, seu desenvolvimento subseqüente pode levar anos. Na improvisação, o estilisticamente quanto tematicamente. O tema será caracterizado por uma determinada

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compositor não tem a oportunidade de moldar e aperfeiçoar seu material. Sua primeira idéia progressão harmônica subjacente, e esta progressão será repetida a cada nova variação. O
precisa funcionar. Seria, então, o improvisador um animal diferente do animal compositor? improvisador mantém o interesse e o impacto enfeitando e transformando a melodia e a
Seria ele um músico que, como Rosemary Brown, parece não investir nenhum esforço criativo textura dentro desta moldura harmônica repetitiva. Uma vez determinado o caráter da frase
consciente na produção de música coerente? A documentação existente diz que não pode ser A variante, o restante da variação torna-se altamente limitado. Um improvisador pode, por
assim; sabemos que compositores como Beethoven também eram mestres da improvisação. exemplo, passar rapidamente pela última frase de uma variação como se fosse uma cópia
O mesmo homem que podería levar 20 anos para burilar um mesmo tema, também podia tosca da primeira frase, ao mesmo tempo que deixa que o pensamento antecipe-se um pouco
produzir improvisações com um alto grau de acabamento. na construção de uma nova seção.
Quero defender nesta seção que o que distingue a improvisação da composição é Para nos ajudar a pensar na improvisação musical em perspectiva, é preciso compará-la
basicamente a pré-existência de um grande conjunto de exigências formais que incluem um a alguma habilidade verbal que tenha, grosso modo, o mesmo tipo de demandas, como é o
‘projeto’ ou o ‘esqueleto’ da improvisação. Portanto, o improvisador pode dispensar boa parte caso do ato de recontar uma estória por um habilidoso contador de estórias. Primeiramente,
do trabalho que é próprio do compositor, no que se refere a tomar decisões de estrutura e o contador de estórias possui conhecimentos acerca de uma série de episódios específicos que
direcionamento. Ele usa um modelo que é, na maioria dos casos, fornecido externamente constituem o ‘enredo’ de sua estória. Isso é semelhante ao conhecimento de uma melodia ou
pela cultura, enfeitando-o e ‘preenchendo-o’ de diversas maneiras. Tais modelos geralmente seqüência de acordes em música.
possuem uma forma com seções que se repetem, de modo que o executor familiariza-se com Em segundo lugar, cada elemento do enredo faz referência a pessoas, situações e objetos
a estrutura da seção básica, que pode, em grande parte, ser considerada independentemente conhecidos, cujas características detalhadas não estão necessariamente especificadas no enredo,
das demais seções. Isso significa que o improvisador não precisa reportar-se constantemente mas podem ser usadas para elaborar a narrativa e fazer com que ela pareça uma narrativa nova a
ao detalhe da elaboração das seções anteriores como parece que o compositor precisa fazer. Ele todo momento. Por exemplo, o enredo pode especificar um personagem, digamos um fazendeiro,
que, sem prejuízo para o enredo, pode ser ulteriormente especificado como sendo velho, solitário, o problema; e isso implica, muitas vezes, a resolução de ‘sub-problemas’ intermediários.
alegre, alto, etc., em determinadas passagens. Minsky (1977) usou o termoframeApara descrever Finalmente, o objetivo é alcançado. Essas estruturas permitem, tanto a quem conta como a quem
a estrutura cognitiva que é acessada quando uma palavra como ‘fazendeiro’é introduzida. Essa ouve, não esquecer os detalhes complexos internos de uma estória, denominando-os de acordo
moldura recorta um conjunto de características apropriadas ao objeto ou à situação, que podem com o papel que exercem na estrutura conhecida. Quando as estórias não se conformam com
ser especificados, juntamente com um detalhamento dos limites e das possibilidades de tais os modelos estruturais conhecidos, elas são muito difíceis de compreender e recordar (Bower,
especificações. Por exemplo, num conto popular, um fazendeiro é geralmente um ser humano 1976). O contador de estórias pode usar tal estrutura compartilhada para dar um andamento à
adulto, portanto é possível, embora não necessariamente, ser mais específico sobre sua idade, estória. Se ele percebe que o público está perdendo o pé do enredo, ele pode acrescentar frases
digamos, 15 ou 70 anos. Os contadores de estórias e os ouvintes operam, freqüentemente, com explicativas para refrescar sua memória quanto ao ponto em que se encontra, no contexto da
valores default para os atributos que não são de fato especificados.Tais valores podem ser fruto estrutura (por exemplo,‘neste momento, o príncipe precisava encontrar só mais uma coisa para
de escolhas compatíveis com informações anteriores ou podem surgir a partir de estereótipos’. depois matar o dragão malvado’). Do mesmo modo, se o enredo parecer demasiado simples
Por exemplo, quando se for mencionado um fazendeiro, muitos ouvintes irão supor que se ou muito despojado para o seu público, o contador de estórias pode entrar por uma digressão,
trata de um homem de meia idade bastante ‘bronco’; então o contador de estórias pode decidir com a condição de que consiga deixar uma ‘marca’para indicar onde ele está, no contexto da
deixar alguns detalhes não especificados, sabendo que, ainda assim, o ouvinte conseguirá dar estrutura principal.
sentido à estória recorrendo aframes e estereótipos compartilhados. Podemos, grosso modo, equiparar a estrutura da estória com a ‘forma’ musical, tal como
Em música, podemos equiparar os frames com progressões harmônicas ou melódicas é exemplificada por ‘tema e variação’, ‘fuga’, etc. Quando tais estruturas são conhecidas pelos

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que subjazem a muitos tipos diferentes de música. Por exemplo, as cadências são molduras ouvintes, eles são capazes de apreciar a função dos eventos que estão acontecendo e, antecipando
harmônicas; alguns tipos específicos de movimentos melódicos como escalas, arpejos, notas exigências futuras, podem apreciar a arte que produz seqüências novas para preencher a função
de preenchimento ou padrões de mudança de nota (Rosner e Meyer, 1982) são frames relevante no momento certo. Na música para conjuntos de ja zz, por exemplo, há geralmente
melódicos. Como nas estórias, muitos desses frames podem ser preenchidos de maneira uma distinção entre um ‘refrão’ (chorus) relativamente invariante, tocado pelo grupo inteiro, e
bastante simples, com algumas notas ou acordes, mas também podem ser encorpados com um ‘solo’, em que é dada a um executor individual a oportunidade de ficar em primeiro plano
vários tipos de ornamentação, como, por exemplo, notas e acordes de passagem. Há muitas e improvisar por um número fixo de compassos, antes de levar à entrada do próximo refrão. O
opções de preenchimento dos frames. Os executores e os ouvintes de uma determinada ouvinte que conhece esta estrutura pode perceber que o solo está perto de terminar e imaginar
cultura conhecerão muitos detalhes a respeito das maneiras estereotípicas de preenchê-los. O de que maneira o solista irá reencontrar o refrão, de maneira satisfatória e apropriada, depois
compositor e o improvisador conseguem um impacto estético quando encontram maneiras de suas, excursões harmônicas e melódicas. Quando um executor desses retorna para casa’ de
novas e surpreendentes de ornamentar um frame sem mudar seu caráter básico. uma maneira apropriada, porém inovadora, o ouvinte experimenta uma satisfação que seria
Um terceiro elemento das estórias é sua tendência para conformar-se com certas negada a alguém que não apreciasse as exigências da estrutura. Do mesmo modo, o próprio
especificações estruturais. Um tipo comum de estória é a que segue a estrutura ‘problema- conhecimento que o executor tem da estrutura permite que ele planeje excursões ao mesmo
esforço-resolução’. Descreve-se uma situação inicial. Essa situação apresenta algum problema tempo em que mantém presentes algumas marcas de informação, que lhes dizem exatamente
para uma personagem central, ou para um grupo de personagens centrais. Elas tentam resolver4 quando deve chegar a um determinado desdobramento da música.
Num certo sentido, qualquer ato de contar estórias que não seja uma recuperação ipsis
4 NT: O termo foi mantido em inglês por ter se tornado corrente e ter o mesmo sentido em áreas como inteligência artificial
e lingüística, em alguns países de língua portuguesa.
verbis (verbatim recall) é um ato de improvisação. Entretanto, tal improvisação atinge um
ápice em façanhas, como no canto dos poemas épicos da tradição homérica, preservado no
século vinte entre os cantadores folclóricos da antiga Iugoslávia5(Lord, 1960; Parry, 1971). Os era menor, mas a música era consideravelmente mais complexa. Suas análises identificaram
cantadores são freqüentemente analfabetos, mas cada cantador possui um grande repertório vários ‘tons principais’que constituíam uma moldura melódica básica para sucessivos versos.
de poemas (até 100), alguns dos quais têm alguns milhares de linhas e levam mais de uma Trabalhosas, as transcrições mostraram que o cantor ornamentava cada verso de maneira
hora para serem cantados. As observações e gravações de Parry mostram que os cantores distinta e que não se permitia usar as mesmas ornamentações em duas apresentações da
épicos compunham seus cantos como se fossem cantos novos, a cada ocasião. Nunca duas mesma canção. Havia um grande uso de interpolações: glissandos, apojaturas, mordentes,
performances foram iguais. trinados, ornamentos e notas de passagem.
Neisser (1982) resume as principais características desta poesia épica: De maneira geral, embora a música vocal não seja incapaz de conviver com o tratamento
improvisatório, a música puramente instrumental parece ter incentivado a improvisação musical
[...] (os cantos) mostram repetição de unidades em dois níveis de análise, conhecidos como de maneira mais ambiciosa através dos tempos. Uma razão para isso é que as palavras limitam a
temas efórmulas. Os temas são tipos de eventos que ocorrem em muitas canções diferentes; um música vocal de muitas maneiras. Quando se ornamenta a melodia cantada, perde-se o caráter
concilio de guerra, a armadura do guerreiro, o retorno do herói disfarçado. A fórmula, unidade direto da comunicação verbal. A melodia folclórica ‘básica’ possui, geralmente, apenas uma
bem menor, é ‘um grupo de palavras usado regularmente sob as mesmas condições métricas,
para expressar uma determinada idéia essencial’(Lord, 1960, p. 30). O cantador pode ter uma nota por sílaba. Se mais notas são acrescentadas, as palavras precisam ser repetidas, ou então,
dúzia de soluções formulaicas para descrever o romper do dia: ‘quando o alvorecer estende suas novas sílabas precisam ser criadas, ou, ainda, as sílabas existentes precisam ser encompridadas e
asas’, ‘quando era o amanhecer e dia claro’, ou ‘quando o sol tinha aquecido a terra’, por exemplo. cantadas por várias notas. O segundo desses recursos fica evidente nas transcrições de Bartók,
Quando chega a uma parte da ação que acontece na alvorada, ele usa a solução que melhor se nas quais há interpolação de sílabas sem sentido (por exemplo, aj’ ou ‘ahaj’) às palavras. Da
coaduna com a métrica e com seu estado de espírito de momento. Ele conhece dúzias de temas

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e milhares de fórmulas, não por tê-las estudado de cor, mas tê-las ouvido e utilizado, do mesmo mesma maneira, as canções folclóricas inglesas são freqüentemente ornamentadas com ‘ fa la’
modo que conhecemos as palavras e as frases de nossa própria língua. ou ‘foi de rol’, etc. O terceiro recurso é conhecido como melisma e é comum a muitos tipos de
música vocal. No entanto, o uso excessivo do melisma destrói a métrica natural das palavras
Esse tipo de poesia tem um interesse especial para nós porque é cantado e, portanto, e pode dificultar gravemente sua compreensão. No canto gregoriano, por exemplo, o canto
também envolve a improvisação musical. O compositor e musicólogo Béla Bartók tinha de uma única sentença pode levar cinco minutos - uma distorção que só pode ser tolerada
um interesse particular na música folclórica da Europa oriental e colaborou com Lord na quando o texto é bem conhecido dos ouvintes.
transcrição e análise de algumas das gravações feitas por Parry (Bartók & Lord, 1951). Os Embora a improvisação tenha florescido em diversos contextos culturais e históricos,
poemas épicos sempre eram cantados por um homem, que se acompanhava por uma gusla, basearei o restante desta seção na improvisação do jazz. O jazz é um gênero musical ocidental
uma variação do alaúde com uma única corda, que podia proporcionar apenas umas poucas contemporâneo em que a improvisação é preponderante. Trata-se de um gênero musical
notas diferentes para um acompanhamento com bordão. A música cantada era uma versão prático de estudar, porque (a) a linguagem da maioria de seus estilos deriva da música popular
do canto. Até onde é possível compreender os comentários de Bartók e Parry, que não ocidental (em seu sentido mais amplo) e, portanto, é transparentemente tonal; e (b) por
transcreveram muitos dos poemas épicos, esses cânticos eram melodias curtas e simples, que ser contemporâneo, pode ser vivenciado por qualquer ouvinte que tenha acesso a um rádio
eram repetidas com pequenas variações a cada linha sucessiva dos poemas. Bartók estava ou a um toca-discos. Como soava uma improvisação de Mozart ou Beethoven é algo que
mais interessado nas canções curtas ‘das mulheres’, em que o grau de improvisação verbal mal conseguimos imaginar, dada a imprecisão dos relatos dos observadores. (Para algumas
observações acerca de gêneros improvisatórios não-ocidentais, refira-se ao capítulo 7).
3 NT: No original, escrito em 1983, há referências à Iugoslávia, que não mais existe. Por esta razão, o termo foi traduzido Há duas formas principais nojazz: a forma do blues de 12 compassos, e a forma da canção,
por antiga Iugoslávia. de 32 compassos. A melodia é freqüentemente um standard, que é tocado, para começar, de
maneira bastante direta. As improvisações repetidas mantêm a seqüência harmônica básica Primeiramente, foi necessário muito do monitoramento visual, mas com o tempo acabou
(embora com a possibilidade de variar os detalhes harmônicos); mas a essência da improvisação, sendo possível dar conta das seqüências das canções comuns independentemente do controle
tanto aqui quanto no blues de 12 compassos, recai sobre a linha melódica. Isso acontece visual.
parcialmente pelo fato de que o veículo original e prototípico do jazz é o conjunto de metais no Em seguida, melodias de canções padrão (não improvisadas) foram combinadas com
qual, pelo fato de que cada instrumentista só pode produzir uma nota por vez, a performance suas seqüências apropriadas de acordes, de modo que o primeiro enunciado da canção de 32
do solista é necessariamente melódica.O jazz para piano apareceu mais tarde, mas copia as compassos poderia ser dado. Tudo isso era preparação para a tarefa central, isto é, a improvisação
características do conjunto de metais no modo de tocar. A mão esquerda apresenta tipicamente melódica sobre uma seqüência de acordes na mão esquerda.
acordes e ritmo; a mão direita ‘toca o solo’, sendo portadora de uma única linha melódica que No início, Sudnow não sabia como começar ou, tendo começado, para onde deveria ir.
é o foco do esforço improvisatório. A mão
Tudo isso, no entanto, não descreve o jazz de maneira unívoca. Seria muito possível
produzir algo perfeitamente ‘Mozarteano’, usando a estrutura dos 12 compassos do blues. O [...] bem poderia ter ido para qualquer lugar, mas quando o fazia, não havia mais nada que ela
que dá a uma performance seu caráter jazzístico são os tipos particulares de recursos melódicos, pudesse fazer, e eu descobri, logo de cara, que se você não sabe para onde está indo, você não
pode ir para lugar algum, a não ser de modo incorreto. A mão precisa ser motivada a deslocar-se
rítmicos e harmônicos que formam os blocos cuja combinação forma seqüências maiores. para as próximas teclas a serem pressionadas, e quando não tinha nenhum lugar para ir, ficava
Tais recursos são quase exatamente análogos às fórmulas da poesia épica. Eles constituem totalmente imobilizada, tropeçando por aí [... ] (p. 18).
o vocabulário do jazz. Porém, assim como os cantores Iugoslavos não aprendem de cor um

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dicionário de fórmulas, em geral, ninguém aprende a improvisação do jazz munindo-se de Ele não tinha fórmulas para pôr em jogo, apesar da longa experiência com a audição de
uma lista de acordes e progressões características. Aprende-se jazz ouvindo de maneira focada improvisações no jazz. Ele achava as passagens improvisadas por seus músicos favoritos tão
outros músicos e tocando com eles. Livros e notação não são necessários; muitos dos grandes rápidas e complexas, que simplesmente não conseguia chegar a uma apreensão detalhada, nota
músicos de jazz não seriam capazes de ler uma única nota de música. por nota, da estrutura. Ele conta: ‘levei muitas horas para perceber suficientemente os detalhes
O pianista David Sudnow prestou uma contribuição valiosa ao escrever um livro em que de um trecho musical de 3 segundos, parte de uma improvisação (gravada) de jazz que eu já
registra seus progressos na aprendizagem da improvisação no jazz (Sudnow, 1978). Ele nos deu tinha ouvido por muitos anos...’ (p.16).
uma exposição detalhada de suas experiências nos diversos estágios de seu desenvolvimento. Ao O professor de Sudnow lidou com este problema oferecendo a ele algumas fórmulas
extrairmos os principais elementos de seu relato, podemos reforçar e expandir a caracterização específicas. Ele dizia: ‘com este acorde específico você obtém um som característico ao executar
da improvisação que já expusemos sinteticamente mais acima. esta escala’. Um exemplo de combinação acorde-escala que Sudnow aprendeu desta maneira
Quando Sudnow encarou a tarefa de aprender o jazz ele já era um pianista clássico aparece no exemplo 4.25. Ele aprendeu um número destas escalas: bastava para ele ter uma
competente. A primeira coisa nova que ele aprendeu foi a anatomia dos acordes dejazz típicos escala disponível para cada um dos doze acordes cromáticos de sétima da dominante, e tornou-
da mão esquerda - praticando a colocação de cada um dos acordes nas várias tonalidades da se fluente na execução rápida de cada uma delas, tanto ascendente quando descendente. De
escala cromática, de modo que sua mão poderia adotar as configurações de dedos indicadas início, ele podia começar estas escalas em apenas um ou dois lugares. Ele conta: ‘nos primeiros
de maneira rápida e exata, sem esbarrar em notas adjacentes erradas. anos, quase todas às vezes que toquei esta escala em particular, comecei ou pelo fá tocado pelo
Em segundo lugar, veio a tarefa de combinar acordes em seqüências tipicamente polegar (exemplo 4.25) ou com o quarto dedo (lá), descendo em seguida em direção ao fá
encontradas nas canções. Isso implicou o movimento balístico coordenado do braço, da mão (Exemplo 4.26)’. Esta rigidez numa escala que, em princípio, poderia começar em qualquer
e dos dedos, a fim dar conta das seqüências num ritmo suave, porém preciso. nota, foi atribuída à falta de conhecimentos úteis sobre qual dedo usar no caso de começar

i
numa nota com a qual não tinha familiaridade. Para começar, por exemplo, no si natural e subir Sudnow continuou essencialmente na mesma direção por mais alguns anos, acrescentando
seria necessário usar o segundo dedo. Mas Sudnow sabia a coisa apenas em bloco’. Ele sabia a cada vez mais fórmulas ao repertório. Até que um dia, em seu terceiro ano de prática de
nota para começar, e o resto ‘simplesmente acontecia. Então, em suas primeiras improvisações, execução, ele começou a ter uma experiência diferente ao tocar, algo que ele denomina ‘indo
ele simplesmente encontrava a escala apropriada para cada acorde específico, variando apenas atrás dos sons’. Essa experiência era essencialmente a de selecionar e antecipar notas específicas
a oitava em que havia iniciado ou o número de notas utilizado. em uma improvisação melódica. Ele explica que, até aquele momento
12 3 12 3 12 1 [...] em relação à textura fina, nota-por-nota, de minha execução, havia uma ordem que era
I proporcionada pela construção teórica formal de meu caminho [...] (por exemplo, uma escala)
m
[...] Eu não fazia um trabalho de seleção de cada nota em separado. Decidia onde começar
fe* cada passagem e em que velocidade tocá-la. Mas, podemos dizer, não havia nenhum objetivo
visado ao alcançar cada altura - apenas esses ‘parâmetros’ gerais recebiam uma determinação
i motivada, (p.39).
Agora, ao contrário disso, Sudnow começou a planejar alguns efeitos particulares das
4.32 123 1 2 3 1 2 1
notas. Ele fez isso primeiramente tentando relacionar uma linha melódica específica ‘recuando’
para aquilo que havia feito anteriormente, no acorde anterior. Desse modo, a dois acordes
—fr-s

M r m l l -í j í
adjacentes, poderia ser dada a realização mostrada no exemplo 4.27. Aqui, o segundo grupo

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Figuras 4.25 a 4.26 de quatro notas é uma imitação melódica do primeiro grupo.
Pouco a pouco, foi sendo construído um repertório de fórmulas jazzísticas típicas: arpejos
para serem tomados e escalas para serem tocadas linearmente, vários ‘escorregões’constituídos
por certas relações intervalares’. Foi neste momento que Sudnow pagou para ver, tocando
com um trio de jazz num clube. Seu relato verbal deixa claro o quão longe da verdadeira
improvisação ele se encontrava:
Exemplo 4.27
[...] e agora é tocada uma ‘corrida até o acorde A, começando próximo ao centro do teclado
e subindo, enquanto é tocado o melhor caminho que conheço para o acorde B, começando
também pelo centro. E assim comecei a subir com um movimento de escala rápido, agitado e Previamente, Sudnow tinha apenas a capacidade de responder melodicamente para
nervoso, e o acorde seguinte surgiu, e aí eu tive de descer rapidamente para o centro do teclado, um acorde de cada vez, conforme ele aparecia ‘tirando alguma coisa da manga do casaco’
para preparar bem aquilo que eu sabia fazer, e então havia o próximo acorde [...] Uma linha em que tivesse relação apenas com aquele acorde (Fig. 4.2, estágio 1). Agora ele era capaz de
movimento ascendente terminaria mais ou menos quando acabasse a sustentação do acorde
seguinte, independentemente de onde ele estivesse. Ou então, a fim de chegar ao próximo escolher a continuação que, ao mesmo tempo combinava com o acorde, e tinha semelhança
ponto de partida, eu terminaria um pouco antes, para me dar tempo de relocação, sentindo o com os fragmentos melódicos anteriores (Fig. 4.2, estágio 2). Esta nova forma de tocar levou,
acorde vindouro como sendo uma presença invasora, cuja necessidade fora fixada pela aderência inicialmente, a uma perda de fluência. Uma vez que a mão tentava fazer coisas mais ambiciosas,
à tabela de acordes da canção... de modo que aquilo que a mão esquerda fazia, de maneira pre­
determinada, era guiar o que a mão direita era obrigada a fazer. (p.37). ela errava na maioria das vezes. Por exemplo, para transpor um padrão melódico para cima ou
para baixo em um número fixo de semitons são necessários dedilhados e configurações de mão
diferentes, de acordo com os padrões específicos de teclas brancas ou pretas da tonalidade para um conjunto fechado de notas que apesar de não serem totalmente compostas por semitons,
a qual se transpõe. O fragmento melódico do exemplo 4.27, se for transposto para começar tinham um caráter cromático (Exemplo 4.28). Tais recursos eram potenciais ao alcance para
em mi bemol, exigirá uma seqüência de teclas preta-branca-preta-preta, contrastando com a manter a ação acontecendo num determinado setor, para criar fluxos de notas, para executar
seqüência original em que todas as teclas eram brancas. Isso requer uma mudança no formato uma quantidade razoável de objetivos impensados e fracamente direcionados. Eles permitiam
da mão e, quando o novo formato só é conhecido de maneira insegura, ocorre a possibilidade sustentar, ao mesmo tempo, um tecido conectivo de ação que era parte de tentativas de amarrar
de tocar notas erradas. As fórmulas de escalas bem aprendidas, no entanto, eram tocadas o traçado iniciado com um acorde aos traçados iniciados como o próximo’ (p.60).
impecavelmente nesse estágio. Entretanto, Sudnow sabia que ele ainda não estava realmente tocandojazz da forma como
Neste estágio, uma experiência típica é descrita da seguinte maneira: gostaria. Ele tocava um jazz muito aos botes’, isto é, um jazz composto de porções esporádicas
de improvisação motivada, unidos uns aos outros por meio de conexões ad hoc. Foi logo após
Eu tocava uma figura, partia para a sua repetição, trabalhava isso um pouco e errava. Para ouvir o pianista de jazz Jimmy Rowles (e após observá-lo) que se deu uma ruptura. Rowles
preencher aquilo que eu percebia ser o espaço vago restante, dando continuidade ao jazz, eu ‘sentava-se ao piano numa posição bem abaixada e jogado para trás, encarando o piano com
fazia coisas que tinham pouco a ver com as continuidades explícitas que eu havia parcialmente mesma preguiça com que um motorista competente e desligado fica folgado atrás do volante
realizado. Eu conseguia realizar o início da reiteração (transposição, inversão...duplicação exata,
etc.), e então, por exemplo, usava o tempo remanescente do acorde pegando quaisquer notas que em uma rodovia sem movimento. Ainda assim, ele cuidava da melodia, acariciando-a, dando
por ventura estivessem disponíveis para serem pegas. (p.56). aquilo que se devia a cada trecho. Ele nunca tinha pressa...’ (p.81).

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ST AGE 1. melody a b c d
t t t t
chords A B C D etc. Figura 4.28

O modo relaxado de Rowles tocar o piano constrastava com as tentativas ‘frenéticas’de


STA G E 2. melody b
Sudnow para lidar com as passagens rápidas. Rowles passou a tocar mais devagar, dando mais
chords
t t í t
A ---- *-B — *-C ---- *-D etc. atenção à melodia básica. Na tentativa de imitar Rowles, Sudnow começou a perceber que:
[...] nas minhas sessões de prática, pequenas inundações daquele jazz que eu tinha ouvido nos
'reiaxed discos inesperadamente, começaram a se mostrar para mim, desaparecendo logo em seguida.
formula
Ia EZ Z D
meiodying' •formula
Tão logo eu tentava entender um pedaço do jazz bem tocado que saía no meio das minhas
improvisações, ele já tinha ruído. Mas não há dúvidas de que o jeito de fazê-lo tinha sido
ST A GE 3. melody | .......... *

chords
t t ; t
A B C D etc. vislumbrado [...] Todos os modos de ser anteriores parecem profúndamente falhos, e a nova
Figura 4.2 maneira é encontrada através de uma sensação de e isso aí’, quase como numa revelação [...]
Enquanto eu tocava, por um breve momento uma linha melódica seria gerada entrelaçando-se
de maneira fluente por toda a duração de diversos acordes, envolvendo-se com fluidez de um
Gradativamente, Sudnow passou a trabalhar mais na direção de algo mais seguro e modo que eu nunca tinha visto minhas mãos se envolverem antes (p. 83-84).
governado por princípios, quando as tentativas de imitação falhavam. Essa solução, que ele
chama de “saída cromática” - envolve essencialmente uma mão agrupada (bunched) que toca
De início, Sudnow não sabia como caracterizar exatamente o que fazia nestes momentos, Muito frequentemente, uma ‘nota errada’na tentativa de tocar uma fórmula poderia ser
mas chegou gradativamente a perceber que era um tipo de ‘liberação’ das fórmulas rígidas que usada com um bom propósito. Ao invés de corrigir o erro com um tropeço, a nota podia ser
o haviam mandado correr, para cima e para baixo no teclado, com base na nova compreensão de explorada de uma maneira jazzística. Vemos, portanto, uma compreensão crescente de que
que ‘as escolhas de notas poderiam ser feitas a qualquer momento, que não havia necessidade quase qualquer nota pode ser utilizada para dar efeito no jazz. Presumivelmente, isso vem com
de dar botes, que as notas utilizáveis de cada acorde estavam ao alcance da mão, que não os anos de experiência em explorar os sons que um teclado emite. O improvisador é relaxado e
havia necessidade de encontrar um caminho ou imaginar-se à frente para prevenir-se contra não tem pressa, porque sabe que, qualquer que seja o lugar a que chegue, há dúzias de maneiras
um enunciado inadequado... As notas boas estavam em toda parte ao alcance da mão, bem diferentes de sair dali para outros lugares.
embaixo de seus dedos’. Ele descobriu, Essa confiança na disponibilidade de uma infinidade de ‘rotas de fuga’ é, com toda
certeza, a marca registrada da habilidade, em qualquer realização de improviso. Tomando uma
[...] por exemplo, que no lugar onde anteriormente parecia ser necessário tomar um caminho analogia não-musical de minha experiência pessoal, a minha profissão requer que eu faça, com
longo para se chegar a um acorde, prevendo sua localização e suas necessidades organizacionais bastante freqüência, palestras e seminários a outros colegas de profissão. Quando comecei a
[...] uma única nota seria suficiente para fazer uma melodia pelo curso de duração de diversos
acordes. Eu podia esperar sem pressa para fazer uma corrida longa, podia demorar-me, fazer isso, eu ficava particularmente aterrorizado com a sessão de perguntas que se seguia a
encontrando todos os tipos de possibilidades melódicas bem ali, no alcance de uma mão que minha ‘fala pré-organizada’. Eu tinha medo de muitas coisas: não saber a resposta de uma
não precisava procurar às cegas (p.94-95). pergunta, receber críticas arrasadoras ao meu trabalho, não ser capaz de formular uma resposta
fluente sem preparação prévia. Tais medos começaram a diminuir conforme (a) fui percebendo

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Isso lhe permitiu escapar à tirania de uma programação rígida do tempo, que tanto havia que eu tinha uma vantagem natural sobre o meu público por conhecer os detalhes de meus
complicado suas tentativas anteriores. No modo antigo de tocar, cada acorde era como um tiro materiais; resultado de ter-me envolvido com ele, por vários meses, muito mais a fundo do
de revólver que dava início a uma corrida em busca de um novo padrão. Deste modo, o padrão que qualquer pessoa do público, e (b) eu desenvolvi um repertório de maneiras de lidar com
anterior precisava terminar a tempo, quem sabe parando em algum lugar não planejado. Às vezes questões esquisitas ou desagradáveis sem hesitar ou ficar confuso. A coisa mais importante
ele falhava em chegar a tempo no novo começo, então suas mãos moviam-se sem querer fora em situações como esta não é apresentar a melhor resposta, mas fornecer uma resposta de certa
de fase, e a próxima figura era apressada para voltar à programação. O novo estilo permitia respeitabilidade com aquele grau de fluência e imediatez que denota competência. Hoje em
dia, geralmente enfrento uma sessão de perguntas com a mente relaxada e confiante porque
[...] mobilidade no percorrer o terreno, de modo que os compromissos com o tempo de chegada sei que serei sempre capaz de encontrar algo apropriado para dizer. O improvisador do jazz
podiam ser alterados continuamente e modificados no decorrer das negociações, uma batida
constante para a canção como um todo sustentado durante todo o tempo [...] Vinha permitir pode gostar de sua improvisação porque sabe que sempre haverá algo que ele possa tocar.
descomprometer-se com o terreno sem gaguejos e tropeços, quando uma frase não estivesse à Em sua competência, como os demais improvisadores, sabe que produzirá improvisações
mão; descomprometimentos esses que não fariam a música parar, mas que seriam silêncios da bastante comuns por grande parte do tempo; mas que, de tempos em tempos, e de acordo
música (p. 103-104). com circunstâncias como humor e escolha, surgirá algo realmente superlativo.
Aqui está, portanto, a diferença fundamental entre a improvisação e a composição. O
Portanto, agora a relação entre os acordes e a melodia era mais solta; os acordes ainda compositor rejeita as soluções possíveis até encontrar uma que pareça ser a melhor para as suas
sugeririam fórmulas típicas, porém uma determinada fórmula poderia passar para o próximo finalidades. O improvisador precisa aceitar a primeira solução que lhe cai nas mãos. Em ambos
acorde, deixando a mão em posição para fazer um pouco da nova melodização relaxada, os casos, o responsável pela autoria precisa ter um repertório de padrões e de coisas correlatas,
esperando o tempo necessário para introduzir a próxima fórmula (Fig. 4.2, estágio 3). que possa usar sempre que quiser ou necessitar; mas, no caso da improvisação, o fator crucial
é a velocidade em que se consegue sustentar o fluxo da invenção e uma disponibilidade de que são mais ou menos óbvios. Por exemplo, alguém poderia pré-gravar seqüências simples
coisas a fazer que não exija demais dos recursos disponíveis. Na composição, a fluência torna- de acordes e pedir a executores com diferentes graus de habilidades que dessem o maior
se menos importante; em compensação, é bem mais importante manter em vista os objetivos número de variações melódicas de que fossem capazes. Seria então possível analisar os efeitos
estruturais de longo-prazo e uniformizar os materiais do presente com aquilo que aconteceu de ‘esterotipização’ das seqüências de acordes, ou sua velocidade. Há aqui um veio de dados,
anteriormente. rico e até agora intacto, que espera urgentemente pela atenção dos psicólogos.
Como dissemos no início desta seção, o que dispensa o improvisador da tarefa da avaliação
e planejamento de longo-prazo é oframe formal relativamente rígido dentro do qual acontece a
improvisação, e que dita a estrutura formal de grande escala de suasperformances. Considerando
que esteframe persiste por muitas improvisações, o executor constrói um repertório de coisas
que funcionaram bem no passado’. Os críticos do jazz têm salientado que geralmente há
bem menos improvisação no palco de um concerto do que se costuma imaginar. O músico
freqüentemente está ‘tocando de modo seguro’, fazendo uso de recursos improvisatórios que
funcionaram bem em outras circunstâncias, de modo a criar os melhores efeitos que ele sabe
como criar. Desse modo, a assim-chamada ‘improvisação’ pode, de fato, ser uma performance
cuidadosamente planejada e ensaiada; embora não haja nada cvaperformance que nos permita

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saber disso. Para avaliar o grau real de improvisação, seria necessário solicitar e comparar duas
ou mais performances de uma mesma peça. Tal estudo não seria feito para denegrir os músicos
em questão. A improvisação ainda é o cerne de sua arte, mas as pressões sociais e comerciais
do palco não incentivam o risco que está inevitavelmente presente na improvisação. Para
encontrar o jazz realmente improvisatório em seu mais alto grau, é necessário buscar por sessões
informais do fim de madrugada, quando, em meio a um público dedicado e empático, podem
ser observados experimentos falhos, ao lado daqueles que alcançam novas alturas.
Do mesmo modo que o fizemos após a discutir a composição, podemos perguntar
de que modo estas observações informais sobre a improvisação podem levar a um estudo
científico mais rigoroso de todos os processos envolvidos. Os comentários de Sudnow, com
todos os seus méritos, foram formulados algum tempo depois dos atos improvisatórios
em questão, e num certo nível de generalidade. Faz-se necessário um estudo controlado e
detalhado de improvisações in vivo. Já que não é fácil conseguir protocolos concomitantes de
um improvisador, a próxima e melhor coisa a fazer seria uma retrospecção imediata.
Gravando uma improvisação e tocando-a em seguida para o executor, com todas as pausas
e retornos que forem necessários, poderiamos esperar obter um registro detalhado das decisões
conscientes envolvidas na construção da improvisação. Também há estudos experimentais
199
In t r o d u ç ã o

Á s duas atividades musicais que nós consideramos de maneira detalhada em capítulos


anteriores deste livro, a performance e a composição, levam, cada qual, a um produto
Vfinal que pode ser visto de fora. Na performance, é necessário fazer uma seqüência
de movimentos que produzem sons, e na composição, é necessário produzir uma partitura ou
algum outro registro comunicável. Diferentemente, a audição musical é, em muitas situações,
uma tarefa passiva. Quando eu vou a um concerto sinfônico ou escuto um disco, é possível
que exista muita atividade mental, mas não há necessariamente qualquer atividade física
observável. O produto final principal de minha atividade auditiva é uma série de imagens
mentais, sensações, memórias e antecipações passageiras altamente incomunicáveis. Quando

O U V IR M U S IC A
tenta compreender o que acontece durante a audição musical, o psicólogo está, portanto, em
considerável desvantagem. Nos dois capítulos anteriores, nós usamos evidências concretas de
performances, partituras, esboços e etc, para inferir algo acerca dos processos cognitivos que
o produziram. Tais tipos de evidência proporcionam o que podemos denominar registros’da
música em questão, porque apresentam uma correspondência detalhada - de evento para evento
- com a música. Muitos dos casos de audição musical (senão a maioria) não proporcionam
‘registros’nesse sentido.
As vezes há uma atividade comportamental específica acoplada à audição. Por
exemplo, alguém pode dançar, bater as mãos ou os pés em resposta à música. A partir de
tal comportamento, os psicólogos podem ser capazes de inferir algo acerca da habilidade
do ouvinte em derivar ritmo e compasso da música (vide discussão sobre ritmo no capítulo
2, seção 5.4); mas tal resposta não é quase nunca um registro da música. Trata-se, antes, de
uma resposta generalizada a algumas características rítmicas que podem ser compartilhadas
por muitas peças musicais. Analisando apenas essa resposta, não seria possível saber qual
peça musical foi ouvida.
Chegamos o mais perto da obtenção de um registro musical quando pedimos a um com sentenças isoladas (por exemplo, Fodor, Bever & Garrett, 1974); seus resultados não
ouvinte que reconheça o que ouviu, como podemos fazer quando ensinamos uma nova canção permitem formar um quadro muito claro do modo como os ouvintes ou leitores lidam com
a alguém. Contudo, a menos que o material a ser reconhecido seja muito curto, nós corremos parágrafos inteiros ou livros completos. Para isso, será preciso encontrar maneiras de observar
o risco de subestimar seriamente o tanto de atividade mental de natureza musical que ocorreu. os comportamentos em resposta a unidades maiores (Bransford, 1979; Clark & Clark, 1977;
Frcqüentemente, eu tenho sido incapaz de reconhecer detalhes de uma peça musical longa Sandford &c Garrod, 1981).
após ouvi-la uma única vez, apesar de estar totalmente engajado quando se deu a escuta. Como Um problema suplementar atrapalha nossa tentativa de avaliar a importância dos estudos
na audição de uma palestra ou na leitura de um romance, pode acontecer que os detalhes do sobre a audição musical. Precisamos distinguir os efeitos que ocorrem em conseqüência de
argumento e do enredo engajem completamente o intelecto enquanto as idéias vão sendo elementos reais e permanentes da escuta comum daqueles que resultam especificamente de
expostas e, ao final da sessão, deixem poucos traços recuperáveis. tarefas experimentais, que podem envolver atividades bem distintas daquelas da escuta comum.
O principal problema com que se depara quem estuda os processos de audição é Vejamos um exemplo comum disso. Muitos estudos pedem que o ouvinte ouça dois excertos
encontrar uma maneira válida de obter a história, momento a momento, do envolvimento musicais curtos e então julgue se eram iguais ou diferentes, sob um determinado aspecto. A
mental com a música. À medida que examinamos as pesquisas nos campos da percepção, inferência comum, feita a partir desses estudos é que se o ouvinte consegue dizer, de maneira
atenção e memória musicais, percebemos que este problema ainda não foi realmente resolvido confiável, quando um certo tipo de diferença está presente, então ele extrai esta informação na
de maneira satisfatória. Grande parte das pesquisas fogem desta questão crucial examinando escuta comum e, inversamente, se ele não consegue detectar a diferença de maneira confiável,
respostas dadas a segmentos musicais muito curtos, compostos por 2 a 20 notas.Tais segmentos então ele não extrai tal informação na escuta comum. No entanto, nenhuma destas inferências
raramente confrontam o ouvinte com a vasta gama de padrões e de relações, com os quais ele é necessariamente válida. O sucesso na discriminação durante uma tarefa experimental pode
precisa lidar, até mesmo na mais curta das canções. resultar da capacidade do sujeito de enfocar a dimensão em questão, por um período curto. Isso
Em defesa de tal pesquisa, é possível, logicamente, argumentar que a música é composta não significa que ele quererá ou saberá enfocar essa mesma dimensão numa escuta contínua,
por uma grande quantidade de pequenos fragmentos encadeados, e que a percepção musical é em que outras dimensões sonoras também solicitam sua atenção. Por exemplo, diferenças sutis
simplesmente a concatenação de uma série de atos perceptivos aplicados a esses fragmentos. no tempo ou na afinação podem ser perceptíveis em seqüências muito curtas, mas podem ser
Entretanto, se fosse assim, teríamos que admitir que toda a arte da composição de tradição completamente irrecuperáveis em seqüências maiores. Fracassos de discriminação na tarefa
clássica foi em vão, porque, conforme discutimos anteriormente, eventos bem distantes no experimental podem estar relacionados à falta de pistas que seriam dadas em um contexto
tempo podem estar intimamente ligados na estrutura. Um ponto de vista defensável é que a mais extenso. Por exemplo, veremos que os ouvintes são geralmente incapazes de discriminar
audição inteligente capta tais relações; ela procura abarcar um número grande de notas para entre seqüências curtas quando elas têm intervalos de altura levemente diferentes, mas um
tornar-se uma escuta estrutural’ (para usar a frase cunhada por Salzer, 1952). Os compositores contorno melódico - sobe e desce - idêntico. Seria errado concluir que os ouvintes não podem
compõem para os ouvintes e não para os analistas, e o testemunho de muitos ouvintes é que usar informações de intervalos de altura na escuta estendida. Parece que, em situações de
eles conseguem discernir as relações de larga escala caracterizadas pelos analistas. escuta mais próximas da realidade, as informações relativas à altura se tornam cruciais para a
De maneira mais modesta, o que podemos afirmar sobre os estudos que se baseiam em discriminação (Dowling &Bartlett, 1981).
fragmentos melódicos curtos é que lançam algumas luzes sobre alguns processos elementares Um outro exemplo diz respeito ao grau de familiaridade que o ouvinte tem com os
de audição, cujos resultados são, por sua vez, usados em processos de maior complexidade, materiais. Na maioria dos experimentos de percepção musical, esta familiaridade é baixa - o
sobre os quais ainda se sabe muito pouco. Uma analogia possível é com os estudiosos da ouvinte é exposto a seqüências que jamais ouviu. Diferentemente, a escuta da vida real costuma
percepção lingüística, que descobriram muito sobre a maneira como os ouvintes lidam envolver a audição repetida do mesmo material, de modo que sua estrutura interna se torna

mais e mais conhecida. A maioria dos ouvintes sérios da música terá experimentado momentos ao esquecimento. Não desejo ir tão longe a ponto de dizer que a pesquisa sobre a percepção
em que enxerga alguma relação nova entre os elementos de uma peça musical bem conhecida musical é estéril, ou argumentar que a ciência deveria proceder de outra maneira. Porém, eu
- música com a qual eles podem ter convivido por muitos anos. A literatura experimental nos defendería que precisamos nos certificar permanentemente de que as questões que estão sendo
tem dito muito pouco acerca desses processos, embora um trabalho recente de Pollard-Gott feitas e respondidas têm real importância musical. É fácil demais tomar as questões atualmente
(1983) tenha mostrado que os sujeitos mudam suas codificações de segmentos da Sonata em em foco e já investigadas como sendo as questões da percepção musical, apenas porque aí está
si menor de Liszt, bastando para isso algumas poucas oportunidades de ouvir a obra completa. um conjunto substancial de pesquisas com toda a sua solidez, sua riqueza de interconexões,
Em poucas palavras, ela descobriu que a exposição continuada aumenta a probabilidade de genialidade e indubitável competência metodológica.
os sujeitos notarem semelhanças harmônicas ou temáticas ‘profundas’entre os segmentos, em Se isso me faz ter uma posição um tanto indiferente para com as pesquisas atuais,
oposição aos elementos de ‘superfície’como o andamento e a tessitura. mencionando algumas, não todas as abordagens experimentais da percepção musical, então devo
Não tenho a intenção de me demorar mais nos riscos e falhas da pesquisa sobre a dizer que fico feliz em fazê-lo, e a razão mais importante para isso é que há muitas resenhas
‘percepção musical’. Fiz esses comentários acauteladores no início desse capítulo porque para boas e razoavelmente exaustivas dos trabalhos experimentais nesta área, e isso me dispensa
mim é um grande motivo de desapontamento o fato de que uma área de pesquisa da psicologia de repetir o trabalho aqui. Recomendo ao leitor seriamente interessado na percepção musical
da música em que a pesquisa está florescendo é caracterizada por uma relativa insensibilidade que leia o que puder do seguinte: os artigos escritos por Deutsch, Dowling, Shepard e Ward;
quanto aos problemas que aparecem quando se relacionam os resultados de pesquisa à escuta todos contidos em Deutsch (1982a) e/ou a competente resenha e a bibliografia fornecidas
musical comum. Esse desapontamento é compartilhado por outros colegas (por exemplo, por Spender (1980).
Davies, 1976), embora seja raramente verbalizado por escrito.
Um outro fator que requer comentários acauteladores neste momento é o ‘efeito halo’ A ‘a u d i ç ã o n a t u r a l ’: m e c a n i s m o s p r i m i t i v o s d e a g r u p a m e n t o e m m ú s i c a

que pode cercar um corpo de pesquisas que tem credenciais para ser um paradigma, segundo a

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caracterização de Kuhn (1962). Um paradigma é marcado pela existência de um conjunto de A primeira área de estudo que pretendo examinar relaciona-se a uma questão fundamental
problemas de pesquisa comuns, uma metodologia capaz de resolvê-los e de gerar problemas acerca da música. A questão é: Que mecanismos e propensões naturais do sistema auditivo
novos, porém semelhantes, e um grupo de cientistas que interagem trabalhando sobre esses humano podem determinar a maneira como ouvimos agrupados os sons musicais? A principal
problemas. Como acontece freqüentemente, quando um desses grupos ‘toma conta’de canais característica da música é que os sons existem em relações significativas uns com os outros
de comunicação prestigiosos, em periódicos e outros meios, gerando uma série contínua e não de maneira isolada. Para que a percepção musical possa ‘decolar’, os ouvintes precisam
de artigos de pesquisa coordenados e logicamente conexos, é tentador dar à pesquisa uma começar a perceber as relações e identificar agrupamentos significativos. No nível mais alto,
importância que não é necessariamente justificada por suas realizações de longo prazo. A tais agrupamentos serão grandes e complexos e corresponderão às estruturas formais internas
história da psicologia está cheia de paradigmas esquecidos. Muitos deles foram inicialmente de uma obra. No nível mais baixo, eles serão traços relativamente simples do padrão sonoro
motivados por problemas psicológicos importantes e substanciais, mas no fim, alguns problemas que caracterizam pequenos grupos de notas.
subsidiários levantados pela própria pesquisa tornaram-se o foco principal de uma elaboração Os estudos sobre percepção visual revelaram um certo número de tendências de
potencialmente indefinida, que não trouxe nada de relevante a respeito da questão substancial agrupamentos, simples e universais, conhecidos como ‘princípios gestálticos da percepção’
com que tudo tinha começado. Falo, aqui, como alguém que já foi seduzido pelo encanto porque sua primeira demonstração e formulação sistemática foi feita pelos psicólogos da escola
da pesquisa que segue o paradigma; também tenho trabalhado de maneira superficial nas da Gestalt (por exemplo, Wertheimer, 1923). Muito embora os exemplos visuais sejam os mais
margens de um paradigma (Sloboda 1976c, 1977b), que, acredito e espero, já foi confiado freqüentemente citados, esses princípios podem aplicar-se a qualquer domínio perceptivo, pois
representam - assim se entende - tendências de agrupamento primitivas e inatas.Tudo indica esforço o ambiente acústico. Portanto, Deutsch argumenta que ‘sons semelhantes têm toda a
que as crianças bem pequenas e os animais, assim como os humanos adultos, estão sujeitos à probabilidade de emanar de uma mesma fonte, e sons diferentes de fontes diferentes. Uma
operação desses princípios (Gibson, 1969). seqüência sonora que muda sua freqüência de maneira suave tem chance de uma única fonte.
Se esses princípios são inatos e universais, então é possível que eles tenham sido As componentes de um espectro sonoro complexo que sobem e descem em sincronia também
incorporados ao modo de operar do cérebro, para resolver os problemas perceptivos perenes emanam verossimilmente de uma mesma fonte’(Deutsch, 1982b, p.101). Essas possibilidades
com que se defrontam os organismos vivos que interagem com o mundo natural. Alguns governam a maneira como agrupamos as ‘cenas’ sonoras complexas. Uma hipótese plausível
destes problemas foram identificados (veja Sutherland, 1973; Hochbergm 1974; e Marr, 1982 é que a existência de tais tendências de agrupamento é um feliz acaso que nos permite ouvir
para estudos sobre a visão; e Bregman, 1981; e Kubovy, 1981, para estudos sobre a audição). agrupamentos musicais espontaneamente. Vejamos então em maior detalhe como operam
Por exemplo, o princípio de destino comum’dita que os elementos que se movem na mesma algumas dessas tendências.
direção são percebidos de maneira conjunta, e permite a resolução do problema de identificar os As fontes sonoras geralmente têm localizações físicas definidas, e uma maneira possível
elementos de uma cena visual, pertencentes a um único objeto em movimento, que pode estar de desembaralhar um conjunto complexo de sons é agrupando-os de acordo com suas
parcialmente obscurecido ou escondido por outros elementos visuais. Esse princípio explica localizações percebidas. Uma forma de localizar a direção de uma fonte sonora invisível é
porque um animal, que pode estar perfeitamente camuflado em seu ambiente enquanto está através da comparação dos sinais sonoros que chegam a cada ouvido. Quando é ligado um som
parado, torna-se instantaneamente visível assim que se mexe. Demonstrações impressionantes à esquerda do ouvinte, os primeiros impulsos chegam ao ouvido esquerdo um pouquinho antes
de Johanssen (1976) mostram que o movimento simultâneo de luzes colocados nas articulações de chegar ao ouvido direito. O termo técnico para esta diferença de tempo é ‘assincronia de
de um ser humano ‘invisível’ basta para que o observador reconstrua um percepto delas, 2X2s^xt{onset asynchrony)x. Os seres humanos, assim como muitos animais, têm uma habilidade
permitindo que ele não só identifique as luzes como um ser humano, mas ainda possa fazer precoce para localizar uma fonte sonora invisível através da assincronia de ataque. Bebês bem

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estimativas corretas de idade, sexo e ações. pequenos viram a cabeça para olhar na direção de onde o som emana.
A maioria dos mecanismos de agrupamento visual é motivada por necessidades de ‘ação’. Um ouvinte também consegue localizar uma nota contínua pelas diferenças de fase
Eles ajudam o organismo a orientar-se e a mover-se de maneira eficaz no ambiente, a localizar entre os dois ouvidos. Como o som é transmitido através do ar por uma série de moléculas
e reencontrar objetos neste ambiente, e assim por diante. É de se esperar que os mecanismos de ar, e como os pontos de compressão máxima saem da fonte sonora em uma velocidade
de agrupamento auditivo tenham suas raízes em necessidades semelhantes. Deutsch (1982b) finita (levam mais ou menos 680ps para atravessar os 23cm entre os dois ouvidos), há uma
sugere que a função principal dos mecanismos de agrupamento auditivo é dar meios para diferença de tempo entre os picos de energia nos dois ouvidos, e isso pode ser detectado. No
enumerar os objetos que emitem sons, presentes no ambiente. Tais objetos são provavelmente entanto, neste caso as diferenças de energia são pequenas em comparação com aquilo que
importantes porque são outros animais (amigáveis ou inimigos), ou porque assinalam mudanças acontece com os sons que têm picos de energia agudos em seu ataque ou em sua finalização
significativas no ambiente (como, por exemplo, quando uma fruta despenca de uma árvore). (conhecidos como transientes). Portanto, os sons com transientes, como cliques e chilreados
Podemos imaginar os sons de uma floresta à noite, uma confusão potencialmente são mais bem localizados do que as notas contínuas. O vendedor de hi-fi expert faz uso deste
desnorteadora de sons sobrepostos. Entretanto, é possível separar e agrupar os sons. Ouvimos fato na demonstração da potência dos sistemas de som. A música com elementos percussivos
o padrão sonoro complexo criado pelo vento que sopra nas árvores de maneira unificada, resultará em um efeito ‘estereofônico’ mais sobressalente do que a natureza ‘macia da voz ou
porém separada do cricrilar dos insetos. E também ouvimos as chamadas dos três pássaros de os sons dos instrumentos de cordas.1
uma mesma espécie como três sons. A cada fonte, é atribuído um ‘pacote’correto de sons. Os
mecanismos gestálticos de agrupamento subjazem a nossa capacidade de ‘segmentar’sem muito 1 N T : T am b ém conhecida por assincronia de início de estím ulo.
Há outros problemas com o agrupamento por localização. Os ecos e as reverberações musicais (como o piano), com alto-falantes separados no espaço. Mesmo quando as notas
podem fazer com que os sons cheguem ao ouvido de outras direções que não a da fonte sonora. de um alto falante tinham um timbre distinto, os ouvintes continuaram a agrupá-las
Além disso, o sistema auditivo não tem como distinguir entre um único som que sai de uma predominantemente por altura.
fonte localizada em frente ao rosto e dois sons idênticos que emanam de fontes eqüidistantes, Os compositores parecem ter descoberto este fenômeno muito antes de ele ser levado
localizadas dos dois lados da cabeça. Por esta e por outras razões, tem se argumentado que aos laboratórios. O melhor e mais conhecido exemplo ocorre no início do último movimento
a localização é menos importante como pista de agrupamento que a altura (veja Bregman, da sexta sinfonia deTchaikovsky. O exemplo 5.3. reproduz as partes do primeiro e do segundo
1981; Bregman e Campbell, 1971; Deutsch, 1982b; Kubovy, 1981). Na natureza, os sons que violinos tais como são tocadas. O exemplo 5.4 mostra o que escuta a maioria dos ouvintes.
emanam de uma mesma fonte por uma curta duração também tendem a ter uma altura igual Aqueles que conhecem bem a obra antes de ver a partitura, muitas vezes não conseguem
ou semelhante. Se a altura defato muda, é mais provável que isso aconteça de maneira suave ou acreditar que não houve um erro tipográfico! A ‘ilusão’ não exige que os sons dos dois naipes
com pequenos intervalos, e não de maneira descontínua e com intervalos grandes. Além disso, de violino venham de uma mesma direção. A percepção ainda é a mesma quando os dois
na natureza, a altura percebida e a localização percebida costumam coincidir; confirmando o naipes estão em lados opostos do pódio do maestro.
mesmo agrupamento dos sons.
Os sons criados pelo homem, na música e no laboratório, podem contrapor deliberadamente
as pistas de agrupamento, criando perceptos ilusórios ou ambíguos que demonstram as forças
relativas das tendências de agrupamento. Um bom exemplo deste trabalho foi feito por Deutsch
(1975), que tocou duas seqüências sonoras simultâneas, uma em cada orelha dos ouvintes.
As duas seqüências aparecem no exemplo 5.1. A experiência perceptiva mais comum que

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surgiu a partir destes estímulos aparece no exemplo 5.2. Os ouvintes perceberam todas as Exemplos 5.3. e 5.4: Um análogo da ilusão de escala. Extraído da Sinfonia n.6 de Tchaikovsky, último movimento.
notas agudas como se emanassem do fone direito, e todos os sons graves como se emanassem
do fone esquerdo. Deutsch chamou este fenômeno de ‘ilusão de escala’ porque os ouvintes Não está totalmente claro porque Tchaikovsky decidiu escrever partes dessa maneira, já
ouvem o estímulo como duas passagens suaves de escala, em vez dos dois contornos melódicos que ela não se distingue de fato da outra (os violinistas tocando, de fato, as notas do exemplo
angulosos que estavam de fato presentes. 5.4). É possível que a maioria dos violinistas produza sons ligeiramente diferentes quando
realizam uma seqüência melódica angulosa ao invés de suave, o que seria ouvido como uma
R diferença de textura ou timbre.
Um exemplo menos conhecido é encontrado no segundo movimento da Suíte n.2, op.
17, para dois pianos de Rachmaninov. O exemplo 5.5 ilustra uma versão transposta das notas
L 3 tocadas pelo primeiro e segundo pianos, no final do movimento. Recentemente, eu participei
de uma execução desta obra, tocando a parte do primeiro piano, e experimentei a forte ilusão
Exemplos 5.1 e 5.2: A ilusão de escala. Extraído de Deutsch (1975). de que o exemplo 5.6 é que fora tocado. Isso ocorreu apesar de eu ver minha mão tocando duas
notas e não apenas repetindo uma delas. Foi como se alguém tivesse de repente ‘reafinado’ a
Butler (1979) demonstrou que este fenômeno de streaming de alturas é extremamente nota grave que eu estava tocando na mesma altura da nota mais aguda. Podemos supor que
forte. Deutsch usou tons puros com fones de ouvido, mas Butler usou sons reais de instrumentos Rachmaninov escreveu as partes desta maneira porque seria difícil para um pianista repetir a
mesma nota na figura do exemplo 5.6, com o controle de velocidade e dinâmica exigido pela que correspondem aos trinados musicais. Notas em distância igual ou superior do que uma
música (por volta de seis colcheias por segundo, com uma passagem controlada do decrescendo terça menor tendem a serem ouvidas como separadas, produzindo uma fissão de correntes.
ao pianíssimo). Van Noorden (1975) demonstrou que se a velocidade da alternância for reduzida para menos
de seis notas por segundo, torna-se possível ouvir intervalos maiores, de até uma oitava, como
P1
fundidos para formar uma única corrente. O efeito é acessível ao controle consciente, dentro
È 0 í tf f f w u rm de certos limites. É possível mudar a percepção de um caso intermediário, de modo a ouvi-lo
ora como um trinado ou corrente única, ora como duas linhas independentes. Contudo, parece
P2 haver limites além dos quais o percepto não se presta a tais mudanças. Intervalos iguais ou
f u t ü - f
menores do que um tom, quando são alternados repetidamente, tendem a não resultar em
Exemplos 5.5 e 5.6: Uma ilusão perceptiva experimentada através da Suíte n.2, op.17 fissão; por mais lenta que seja a performance, elas são ouvidas como uma única linha.
para dois pianos de Rachmaninov.
Não obstante, o exemplo 5.7 sugere um caso em que intervalos iguais ou menores do
Nos exemplos que consideramos até agora, há duas fontes sonoras realmente distintas que um tom podem ser ouvidos como correntes separadas. Aqui, o dó no final do primeiro
produzindo sons simultâneos. O agrupamento por alturas faz com que alguns sons sejam compasso é ouvido como pertencente à corrente mais grave e não se funde com a corrente
percebidos fora de lugar. Há outros casos em que o streaming por alturas, permite que mais aguda da nota ré que é repetida. Podemos supor que um contexto de padronização mais
uma única fonte sonora seja ouvida como se fossem duas fontes independentes. Logo, um abrangente sobrepuja os fatores imediatos, de modo que as notas ré repetidas são ouvidas
instrumento solo pode criar a ilusão de polifonia pela interpolação das notas de duas linhas como uma linha única e a escala ascendente e descendente como uma outra. Dá-se conta dessa
ou vozes contrapontísticas separadas por altura. Esse recurso tem sido usado com freqüência tendência referindo-a a um outro princípio de agrupamento gestáltico, o princípio ou lei da boa

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pelos compositores, especialmente no período barroco. O exemplo 5.7 mostra este recurso em continuidade. Isso pode ser ilustrado por meio de uma analogia visual quase exata. Na figura
ação na mão direita do Prelúdio em Sol Maior do segundo livro de O Cravo Bem Temperado 5.1 (a), o ponto inferior é visto como se estivesse formando um grupo com os dois pontos
de J.S.Bach. superiores adjacentes. Na figura 5.1.(i>), ele é capturado’pelos pontos inferiores, tornando-se
p ffi gü parte de uma linha curva que é distinta da Unha reta superior.
IPgB 8 g
Exemplo 5.7: De J.S.Bach, O C ravo B em Tem perado, prelúdio 8, livro 2 M • • • • • • • •
Uma linha melódica ser percebida como uma ou duas correntes (streams) de altura
depende crucialmente da separação de alturas e da velocidade das notas que a compõem. Miller
e Heise (1950) apresentaram aos ouvintes uma seqüência contendo duas notas que alternavam
em uma velocidade de dez por segundo. Eles variaram a separação de altura entre as duas notas
e descobriram que os intervalos menores do que, aproximadamente, um sétimo da oitava eram
ouvidos como uma única corrente, ao passo que os intervalos maiores do que isso causavam Figura 5.1. Exemplo de princípios gestálticos de organização perceptiva
a separação das notas em duas correntes independentes. Em termos de escala cromática, isso (a) O ponto inferior aparece junto a seus pontos vizinhos (princípio de proximidade).
significa que intervalos de segunda menor ou segunda maior produzem perceptos de fusão (b) O círculo é "capturado” pela seqüência curva (o princípio da boa continuidade sobrepuja o princípio de proximidade).
O fenômeno básico de streaming de alturas, demonstrado por Miller e Heise, também Dowling encontrou uma condição em que as melodias sobrepostas podiam ser
possui uma analogia visual bem direta (conforme foi notado por Kubovy, 1981). Se duas fontes reconhecidas. Era quando se pedia aos ouvintes que procurassem por melodias específicas,
próximas de luz são ligadas e desligadas alternadamente em um quarto escuro, geralmente pelo nome. Entretanto, percebidas desta maneira, as melodias exigiram esforço por parte
a impressão é a de uma única luz que se move de um lado para o outro entre as duas fontes. dos ouvintes, que não tinham nem a desenvoltura nem a espontaneidade de reconhecimento
Esse conhecidíssimo fenômeno da ilusão ótica é chamado de fenômeno phi. A probabilidade observadas quando as melodias eram separadas por alturas. Era um processo de busca ativa e
de as duas luzes serem percebidas como uma única luz que se move diminui se a velocidade da não de consciência passiva. Uma analogia visual pode ser novamente útil. A figura 5.2 é vista
alternância for aumentada, ou se as fontes ficarem mais longe uma da outra. Sob essas novas espontaneamente como dois triângulos. Não é natural que você veja nela o número 7; mas se eu
condições, é mais comum que se percebam duas fontes de luz independentes que piscam’. pedir para você achar um 7 na figura, você conseguirá fazê-lo. No primeiro caso, sua percepção
Quando as luzes são substituídas por tons e a distância espacial por uma distância de intervalos foi orientada por princípios gestálticos de agrupamento (as ‘leis’ de proximidade, fechamento,
de altura, ofenômeno phi transforma-se no fenômeno de streaming de alturas. e simetria operando aqui), espontâneos e muito automáticos. No segundo caso, você faz uso de
Podemos supor que o extraordinário paralelismo entre estes fenômenos tem sua origem conhecimentos prévios acerca do formato do número 7 para vencer suas tendências naturais
em propriedades gerais dos objetos naturais cujo trato foi um dos fatores de desenvolvimento para o agrupamento e para alcançar uma maneira de ver a figura que é menos espontânea.
do sistema perccptivo. É improvável que dois sons muito próximos em tempo, mas bastante
separados em altura venham de um mesmo objeto. Analogamente, é improvável que dois
eventos visuais, muito próximos um do outro no tempo, mas muito distantes no espaço, venham
do mesmo objeto. No entanto, conforme aumenta a separação de tempo entre os eventos,
aumenta a probabilidade de pertencerem ao mesmo objeto. Um som agudo pode vir de um
mesmo animal tanto quanto um som grave, desde que este tenha tido tempo para ajustar seu

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registro vocal. Uma luz na esquerda pode vir do mesmo objeto que uma luz da direita, se ele
tiver tempo para se mover, sem ser visto, entre as duas localizações.
O trabalho de pesquisadores como Miller e Heise (1950) e Van Noorden (1975)
demonstrou o streaming de alturas em situações perceptivas muito simplificadas. Dowling
(1973) estendeu esses estudos usando estímulos musicais mais realistas. Ele pegou melodias
conhecidas (como ‘Frére Jacques’ e ‘Parabéns a você’) e interpolou pares delas de modo que
os ouvintes escutavam a primeira nota da primeira melodia e, em seguida, a primeira nota da Dowling também descobriu que padrões melódicos desconhecidos (aprendidos pelos
segunda melodia, e depois a segunda nota da primeira melodia, seguida da segunda nota da ouvintes no decorrer do experimento) não poderíam ser reconhecidos facilmente quando
segunda melodia, e assim por diante. Essas seqüências compostas eram tocadas na velocidade interpolados com outras melodias, até mesmo quando a separação de alturas chegava a uma
de oito notas por segundo (quatro notas de cada canção). Os ouvintes deveríam identificar as oitava. Isso mostra que o uso que se pode fazer do streaming de alturas não é invariante, mas
melodias originais que compunham as seqüências. Dowling descobriu que o reconhecimento das pode ser fortalecido ou prejudicado pelos conhecimentos adquiridos acerca da música.
melodias era quase impossível quando havia sobreposição de alturas: elas se fundiam em uma Essa conclusão levanta uma questão geral sobre todas as demonstrações que nós viemos
seqüência irreconhecível única. Contudo, quando as melodias eram tocadas em alturas diferentes, examinando nesta seção. Será que elas realmente mostram o funcionamento do sistema auditivo
de modo a não haver sobreposição de notas, as melodias eram facilmente reconhecíveis. natural, não afetado pela experiência musical que a maioria de nós compartilha? Grande parte
dos experimentos usa materiais que têm maior sentido musical quando estes são agrupados Uma segunda maneira de determinar o papel desempenhado pelo conhecimento
por altura. O agrupamento poderia resultar da aplicação de conhecimentos acerca de padrões musical em tais efeitos é procurar por diferenças entre músicos experientes e novatos. Se
melódicos análogos em música. Esse argumento aplica-se, por exemplo, à ilusão de escala de houver diferenças, fica mostrada a interferência do conhecimento musical. Esse é o caminho
Deutsch. As melodias produzidas pelas várias localizações sonoras são angulosas, com contornos pelo qual enveredaram Smith, Hausfield, Power e Gorta (1982), que compararam músicos
de altura atípicos; já, aquelas que sobem devido a uma suposta operação de streaming de alturas e não-músicos em face de diversas variedades de ilusão de escalas. Eles descobriram que os
212
conformam-se com um dos padrões melódicos mais comuns, a escala diatônica. Portanto, músicos tinham uma tendência maior para realizar o streaming por alturas do que os não-
o conhecimento musical reforçaria a tendência a agrupar por altura. Aqui há, é claro, uma músicos, mesmo na presença de pistas conflitantes (como o timbre), sugerindo um streaming
curiosa circularidade. Pode ser justamente porque o agrupamento por alturas é um fenômeno ‘de ouvido’. Eles procuram provar que os músicos têm maiores probabilidades de esperar por
auditivo fundamental, que muitas seqüências musicais comuns se movem nos limites de um estímulos ‘parecidos com canções’ que os não-músicos.
intervalo de alturas apertado. Independentemente do conhecimento ou da estrutura da música, as demonstrações
Todavia, deveria ser possível separar as contribuições dos agrupamentos auditivos mais convincentes de que o streaming de alturas é um mecanismo primitivo de agrupamento
fundamentais e o conhecimento musical. Uma forma de fazê-lo seria modificando os estímulos auditivo são provavelmente aquelas que requerem julgamentos perceptivos que nada têm
de Deutsch (1975) de modo que os pares de melodias simultâneas fizessem mais sentido musical a ver com a música, enquanto tal, e que apontam para a existência de fluxos contínuos de
quando agrupados por localização do que quando agrupados por altura. O exemplo 5.8 mostra alturas por implicação, e não porque foi pedido aos ouvintes que identificassem os casos de
um desses pares. Aqui, a seqíiência tocada para o ouvido esquerdo forma um arpejo/acorde streaming. Darei apenas um exemplo de tal demonstração. Fitzgibbons, Pollatsek e Thomas
de dó maior, enquanto a seqüência tocada para o ouvido direito forma um arpejo/acorde de (1974) pediram aos sujeitos que detectassem um pequeno intervalo temporal (pausa) em uma
ré bemol maior. Esses dois padrões são comumente encontrados na música tonal e têm uma seqüência de quatro tons, sendo os dois primeiros em alturas agudas (2093 e 2394 Hz), e as
estrutura harmônica simples e forte. O exemplo 5.9 mostra a seqüência obtida quando as

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duas últimas em alturas graves (440 e 494Hz). Esta seqüência (AAGG) foi apresentada com
notas passam por um streaming de altura, tomando a nota superior de cada par como sendo a um intervalo (I) em três posições possíveis: AIAGG, AAIGG, e AAGIG. Em dois casos, o
primeira corrente, e a nota inferior como sendo a segunda. Ambas as correntes contêm saltos intervalo temporal ocorreu entre notas de alturas próximas e, no outro caso, (AAIGG) recaiu
de altura incomuns (quinta diminuta e segunda aumentada) ao invés das escalas suaves da entre duas notas de alturas bem diferentes. Nos primeiros dois casos, a detecção da pausa
ilusão de Deutsch e não têm implicações harmônicas imediatas. Se a tendência de agrupar foi quase perfeita, mas no último caso (AAIGG), a detecção da pausa foi significativamente
por alturas for diminuída em tais seqüências, então o conhecimento musical está implicado pior. A interpretação dada a esses resultados foi que os ouvintes conseguem perceber mais
nos mecanismos de streaming. facilmente as relações de tempo internamente aos fluxos contínuos de alturas do que as relações
de tempo entre fluxos de alturas diferentes. Tais relações não são preservadas nos mecanismos
R automáticos de ‘segmentação’que separam tais estímulos em duas partes independentes com
base na altura.
Tais demonstrações fornecem fortes evidências de que o streaming de altura é realmente
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um fenômeno ‘pré-musical’, muito embora o conhecimento musical possa interagir com seus
efeitos, modificando-os. A altura não é a única pista ‘primitiva’ para o agrupamento. Outras
Exemplos 5.8 e 5.9
pistas, como o timbre e a amplitude, também foram descritas por Deutsch (1982b). Aqui, não
pretendo tratar dessas outras pistas em detalhe. Ao invés disso, eu gostaria de concluir esta
seção olhando para algumas maneiras mais complexas e musicalmente requintadas em que bastante grandes entre as notas adjacentes. Daí para frente, a melodia move-se de maneira
os compositores podem usar as relações de altura como base para criar um ímpeto dinâmico escalar. A velocidade ideal para executar esta fuga é por volta de quatro colcheias por segundo.
em melodias extensas. Isso situa a melodia em uma faixa estabelecida por Van Noorden (1975), na qual os intervalos
Minha discussão deve muito à abordagem teórica da melodia delineada por Meyer de até uma oitava entre as notas sucessivas podem ser ouvidos, quer com separação das duas
(1973). De acordo com Meyer, uma das funções da linha melódica é criar implicações para notas em fluxos contínuos distintas, quer com fusão das duas notas em uma só, dependendo
eventos futuros. Em escritos anteriores (Meyer, 1956), ele usou conceitos como o de criar do contexto’ de cada um. Logo, o início da melodia de Bach pode ser ouvido como uma
expectativas’ nos ouvintes, mas esta é uma maneira de expressar-se ligeiramente equivocada. mesma linha unificada; mas ele é ambíguo - e também pode ser separado em duas linhas,
As implicações são inerentes à melodia em si em virtude de sua estrutura; o ouvinte pode ou uma linha superior criada pelas notas 1,5 e 6 (dó, ré bemol e si bemol), e uma linha inferior
não captar tais implicações e usá-las para formar expectativas sobre aquilo que ouve. criada pelas notas 2, 3,4 e 7, 8, 9 (fá e mi). Por outro lado, o material que segue a nona nota
Para Meyer, as implicações são traços objetivos de uma melodia que criam algum procede por graus escalares de segundas maiores e menores, cada nota sendo necessariamente
tipo de padrão ou direcionamento que permite a continuidade. Por exemplo, uma passagem percebida como parte de uma única linha com suas vizinhas. Portanto, essas sucessões (runs)
de escala ascendente de cinco notas implica, por si só, o acréscimo de uma sexta nota, para de semicolcheias funcionam como uma espécie de cola’ retrospectiva, unificando as linhas
continuar a seqüência. Uma implicação da seqüência dó-ré-dó-ré-dó-ré é que o dó-ré seja potencialmente separáveis das notas do começo. Em contraste, uma continuação diferente
repetido novamente, e assim por diante. Estas são implicações muito simples. Qualquer poderia ter apoiado e acentuado a separação de linhas (exemplo 5.11). A intenção de Bach
melodia interessante tem implicações múltiplas (e às vezes conflitantes). Um compositor pode parece ter sido a de criar uma tensão entre duas linhas melódicas potencialmente separáveis
não necessariamente se dar conta de todas as implicações de um início melódico. Algumas, que são então resolvidas por meio de uma costura. Na terminologia de Rosner e Meyer (1982),
ele pode nem notar, a outras, ele pode opor-se de maneira deliberada, visando a obter efeitos a melodia tem elementos de um tipo rotulado como ‘preenchimento de lacunas’, em que um
musicais. Até mesmo um ouvinte perspicaz pode não perceber como tais aquelas que ele

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intervalo não-preenchido é criado e, então, preenchido por movimentos de escala.
materializa como continuação. Mais provavelmente, elas contribuirão para uma consciência
indiferenciada de que se trata de uma melodia interessante.
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Exemplo 5.11
1
Mas a história não termina aqui. Cada linha melódica do início tem suas próprias
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implicações que não são realizadas nas notas imediatamente seguintes. Cada uma cria uma
- j ; — L I

Exemplo 5.10: Extraído de J.S.Bach, O cravo bem tem perado, fuga 12, livro 2. direção de movimento de altura. A Unha inferior, por sua parte, cria uma implicação para futuros
movimentos ascendentes. Inversamente, a linha superior tem uma implicação para ulteriores
Há muitos recursos para criar implicações que dependem de fatores tonais ou rítmicos; movimentos ascendentes. A nota mais aguda é o dó e depois o ré bemol; uma nota ainda mais
aqui, quero considerar apenas o uso da separação de alturas como um recurso implicativo. aguda é implicada. Ambas as implicações permanecem sem preenchimento no compasso 2,
Considere a melodia que J.S.Bach usa na Fuga emfá menor do segundo livro de O cravo bem mas são preenchidas no primeiro tempo do compasso 3: o movimento mais grave, por meio de
temperado (exemplo 5.10). As primeiras nove notas contêm algumas separações de altura uma segunda entrada em fuga que desce até o dó central; e o movimento superior, através da
chegada simultânea ao mi bemol agudo na primeira voz, a nota mais aguda de toda a peça até uma suposta implicação de uma melodia foi realmente detectada por um ouvinte? Uma
o momento. Essa resolução de implicações pendentes contribui para a sensação de resolução abordagem bem ingênua seria tocar o início das partes das melodias para os ouvintes, e pedir-
que se prova à medida que o segundo tema se inicia, e dá à melodia um movimento dinâmico lhes que ofereçam continuações cabíveis. Por exemplo, poderiamos comparar as respostas
e direcionado, que, por sua vez, lhe dá um sentido de vitalidade e satisfação. Considere como, que os ouvintes dão aos primeiros quatro compassos do exemplo 5.13 e aos mesmos quatro
comparativamente, o exemplo 5.12 é sem vida, e não há uma linha de alturas agudas, e, portanto, compassos modificados do exemplo 5.14. Se eles captarem a implicação do si bemol agudo,
nenhuma sensação de que o mi bemol final resolve uma implicação anterior. então o exemplo 5.13 deveria resultar significativamente em mais continuações cuja altura
situa-se ao redor de si bemol.
Chamo essa abordagem de ingênua porque ela pressupõe que a implicação tende a ser
detectada à primeira audição, de um modo que poderia guiar a escolha consciente. Outra
f t h i, . / n / T n possibilidade a considerar é que, para muitos ouvintes, as implicações de uma boa melodia
ÜÊ sejam reveladas gradativamente no decorrer de muitas audições, e que, mesmo depois de
Exemplos 5.12 e 5.13 reveladas, elas sejam usadas apenas para reconhecer continuações cabíveis ao invés de gerar
continuações criadas pelo próprio ouvinte. Tais considerações tornam muito provável que
Um segundo exemplo do uso do streamingàz alturas para criar implicações é dado pelo nenhum resultado positivo seja obtido através desta técnica. No entanto, vale certamente a
tema principal do último movimento do Concerto em mi bemol para dois pianos (K. 365) de pena tentar algo do gênero. Os únicos experimentos que conheço e que usaram uma técnica
Mozart, conforme o exemplo 5.13. Aqui o movimento escalar do início cria uma linha melódica semelhante (Carlsen, 1981) consistiram em apresentar aos sujeitos seqüências simples de duas
unificada, que vai do fá acima do dó cèntral ao si bemol logo abaixo dele. A última nota do notas, pedindo-lhes que dessem continuações plausíveis para essas seqüências. Os tipos de
compasso 2, um si bemol agudo, é separada dessa linha por uma quarta justa. Nos compassos 3 continuações que podem estar contidos em seqüências de duas notas são muito limitados, e

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e 4, a melodia continua no registro grave inicial. Justifica-se pensar que a nota superior isolada dificilmente dão acesso à variedade de recursos usados pelos verdadeiros compositores. Porém,

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cria uma implicação de mais notas naquela faixa de alturas. Tal implicação só é realizada no

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em seu alcance limitado, os resultados de Carlsen mostram evidências de que a sensibilidade

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compasso 5, no qual a melodia salta para este si bemol antes de descer de maneira escalar para para extensões de altura é um fato. Seus sujeitos mostraram uma tendência acentuada para

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trazer a melodia de volta para o mi bemol inicial. Logo, o compasso 5 é motivado por aquilo

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escolher, como terceira nota, a nota mais próxima em altura da segunda nota dada. Sessenta
que aconteceu antes, o que não aconteceria da mesma forma sem o compasso 2 colocado por por cento de todas as continuações iniciaram com um intervalo de segunda maior em relação
Mozart. Reescrevendo os dois primeiros compassos conforme o exemplo 5.14, então o salto à segunda nota dada. Seria interessante saber se as continuações subseqüentes usaram a técnica
de altura do compasso 5 soa tão arbitrário quanto surpreendente. de ‘lacuna e preenchimento’, retornando à primeira nota através de um movimento como o de
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1.............
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. J _____< .................. . uma escala, mas Carlsen analisou apenas a primeira nota das respostas de cada sujeito.
Os mecanismos de percepção melódica, necessários para que as implicações do tipo
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Exemplo 5.14 discutido acima fossem notadas, envolvem mais do que pode ser feito pelos processos
involuntários e imediatos de agrupamento auditivo. Eles requerem atenção para os aspectos
O meu tratamento destes exemplos tem sido analítico e discursivo, num sentido musical. salientes de um estímulo complexo, e memória de eventos passados que têm relações
Entretanto, eu atribuí a eles algumas conseqüências psicológicas da audição, que ainda não importantes com o material corrente. As próximas duas seções tratam desses aspectos da
foram rigorosamente demonstrados. Que tipos de evidências poderiamos fornecer de que audição musical.
A ATENÇÃO NA AUDIÇÃO MUSICAL só podem prestar atenção ou para o input da leitura à primeira vista (visual) ou para o input
da fala (auditivo), mas não para ambos. Uma maneira alternativa de explicar os fenômenos
Iniciamos nossas considerações sobre a atenção retomando os experimentos sobre de atenção é propor que os processos podem ocorrer simultaneamente, desde que eles não
melodias interpoladas feitos por Dowling (1973). Vimos anteriormente que os sujeitos façam uso dos mesmos mecanismos cognitivos. Nos experimentos de Cherry e em outros
conseguiam reconhecer ambas as melodias desde que elas não se sobrepusessem em altura, e experimentos com a fala, ambas as mensagens eram verbais. No estudo de Allport e colegas,
2 13 formassem fluxos contínuos e perceptivos separados. Porém, Dowling relata que os sujeitos não uma das mensagens era verbal e a outra musical. As duas mensagens solicitavam tipos de
identificavam ambas as melodias ao mesmo tempo. Mais freqiientemente, eles identificavam processamento diferentes.
uma das melodias em uma determinada audição, e a outra em uma audição subseqüente. Eles Se examinarmos as situações cotidianas em que somos capazes de fazer duas coisas
pareciam estar selecionando um ou outro fluxo contínuo para monitorar; mas eram incapazes ao mesmo tempo, podemos perceber que a maioria delas possui propriedades semelhantes
de monitorar ambos os fluxos contínuos ao mesmo tempo. Esse resultado aponta para um àquelas da demonstração de Allport e colaboradores. Podemos manter uma conversa enquanto
problema sério da audição musical. Boa parte do repertório musical é polifônico; isto é, possui dirigimos um carro; ouvir o rádio enquanto executamos tarefas domésticas, e assim por diante;
mais de uma linha musical ocorrendo ao mesmo tempo. Se prestamos atenção a uma só linha mas não conseguimos ouvir uma conversa no rádio enquanto estamos lendo um livro.
por vez, como alcançamos uma experiência completa da estrutura polifônica? Qual a relevância de tudo isso para a música? Isso tudo sugere que nossa dificuldade
Estudos pioneiros sobre a atenção à fala (Cherry, 1953) demonstraram que quando de prestar atenção em duas melodias simultâneas não se deve tanto a uma incapacidade de
duas mensagens de fala são apresentadas simultaneamente, é possível acompanhar (relatar fazê-las entrar, quanto a uma incapacidade de submetê-las simultaneamente ao mesmo tipo
verbalmente) uma delas, mas quase nada fica das características da outra mensagem. Por de análise. Em situações em que nada é exigido do observador, a não ser a detecção de um
exemplo, a mensagem não acompanhada pode sofrer uma mudança de língua ou repetir evento simples, ele é capaz de monitorar muitos ‘canais’ simultâneos, até mesmo quando há
uma mesma frase por muitas vezes, sem que o sujeito tenha consciência disso. Esses estudos, apenas uma única modalidade sensorial envolvida. Por exemplo, Schiffrin e Schneider (1977)

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como outros similares, têm sido usados para sustentar a idéia de que nosso sistema perceptivo relatam demonstrações de que as pessoas têm tanta facilidade para monitorar 49 localizações

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incorpora um canal’ de atenção único e de capacidade limitada, através do qual apenas uma espaciais separadas para a ocorrência de um evento visual breve, quanto para monitorar apenas

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pequena parte de nossa experiência pode passar, em um momento dado. Esse mecanismo opera uma localização. Quando a exigência é que se dê alguma resposta integradora ao material de

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como um ‘filtro’que deixa passar apenas o material que é definido por algum traço distintivo cada canal, por exemplo, detectar uma estrutura seqüencial (como na compreensão de uma
sensorial (como a altura ou a orelha de entrada), em qualquer momento. Todos os outros sentença ou no reconhecimento de uma melodia) é que os problemas começam a surgir. Como
materiais são perdidos antes de poderem alcançar os mecanismos superiores que reconhecem diz Neisser (1983), ‘não há como evitar que o verbo da sentença do falante B seja atribuído ao
e classificam o input. Broadbent (1958) dá uma formulação clássica de tal posição. substantivo da sentença do falante A, e o resultado é um caos organizacional’. Quando ouvimos
Estudos mais recentes têm contestado a teoria do ‘filtro’de diversas maneiras (Allport, duas pessoas falando ao mesmo tempo, o que cada uma delas diz é uma mensagem independente,
Antonis e Reynolds, 1972; Deutsch e Deutsch, 1963; Shiífrin e Schneider, 1977; Triesman, não necessariamente relacionada com a outra. Tentar construir as duas estruturas independentes,
1964). Por exemplo, Allport, Antonis e Reynolds pediram a alguns pianistas que lessem à porém simultâneas, dá origem a resultados enganosos e não-desejados, já que se atribui aos
primeira vista uma peça para piano, ao mesmo tempo em que acompanhavam uma mensagem elementos uma estrutura errada. Não surpreende que as convenções da comunicação lingüística
em prosa, tocada em fones de ouvido. Eles concluíram que as performances nas duas tarefas humana normal tenham sido previstas para garantir que apenas uma pessoa fale por vez.
eram igualmente boas quando aconteciam simultaneamente e quando aconteciam separadas. No experimento de Dowling (1973), as duas melodias interpoladas poderiam ser tão
Tais resultados são incompatíveis com a teoria do filtro, cuja predição seria que os sujeitos sem relação uma com a outra quanto duas mensagens verbais escolhidas ao acaso. Entretanto,
em grande parte da música contrapontística, as diversas linhas não são independentes. Elas sujeitos acertaram 80 por cento na condição A e apenas 67 por cento na condição C. A condição
são construídas de maneira cuidadosa e habilidosa, para se relacionarem umas às outras. B produziu resultados intermediários (74 por cento).
Cada linha possui não apenas sua própria identidade melódica ‘horizontal’ (o que permite Como é que a coerência harmônica auxilia a atenção? Nossa hipótese atual é que a música
que ela se sustente como uma seqüência musical válida), mas também uma função harmônica polifônica é percebida como um padrão ambíguo, capaz de uma ‘reversão figura-fundo’. Há
‘vertical’ relacionada às outras linhas simultâneas. A qualquer momento, as notas que soam muitos exemplos conhecidos disso. A figura ‘rostos-vaso’ de Rubin é uma das mais conhecidas.
22 () simultaneamente formam um acorde que tem identidade musical própria. A progressão dos Ela oscila entre ser a imagem de um vaso branco em um fundo preto, e duas faces pretas
acordes encontrada na peça constitui a estrutura harmônica da música, e essa estrutura age como olhando uma para a outra num fundo branco (figura 5.3). Forma e contorno são vistos como
um quadro subjacente único, no qual linhas particulares podem ser colocadas. Uma hipótese é pertencendo aos elementos que formam a figura num determinado momento. O fundo é visto
que esta unidade harmônica subjacente torna mais fácil o ato de prestar atenção em diversas como uma superfície fechada e sem contorno.
linhas melódicas. Essa hipótese foi testada em um experimento (Sloboda e Edworthy, 1981),
no qual os sujeitos aprendiam duas melodias que tinham coerência harmônica quando tocadas
na mesma tonalidade (exemplo 5.15). Depois que cada melodia era aprendida separadamente,
os sujeitos ouviam ensaios em que as duas melodias eram tocadas juntas. As melodias estavam
sempre separadas em altura por pelo menos uma oitava, de modo que eram facilmente ouvidas
como fluxos contínuos separados. Em cada ensaio, uma das melodias apresentava uma altura
errada em uma das notas. Os sujeitos deveríam dizer qual melodia continha o erro e, se fossem
musicalmente letrados, marcar o erro na partitura.

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Q.----- J---- -------- _ - = = ==_.1 -

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1 ...j l = i - F > f l i J Figura 5.3

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up w .p = j= ± = ± = ± i_1—J.—f---- f-J 1 j. Na música, propomos que apenas uma linha melódica possa ser tratada como ‘figura’, a
cada vez. Quando assim tratada, podemos dizer que a linha está recebendo uma ‘atenção focal’.
Exemplo 5.15: Melodias usadas por Sloboda e Edworthy (1981). A atenção focal permite notar relações que existem no interior de uma linha melódica, de
modo que a melodia pode ser reconhecida, relacionada a outros materiais, e assim por diante.
A variável crucial do experimento foi a relação de tonalidade das duas melodias. Na A outra linha, ou linhas, forma(m) o fundo. Elas são registradas, mas não são processadas de
condição A, as melodias estavam na mesma tonalidade. Na condição B, elas estavam em maneira focal. Ao invés disso, elas são fragmentadas em uma série de notas individuais que
tonalidades separadas por um intervalo de quinta justa (por exemplo, dó maior e sol maior). Na são ouvidas ‘verticalmente’ como acordes que sustentam ou acompanham a melodia focal.
condição C, elas estavam em tonalidades separadas por um intervalo de quarta aumentada (por Portanto, há dois tipos de processos acontecendo, o processamento melódico da linha focal
exemplo, dó maior e fá sustenido maior). Prevíamos que, se a coerência harmônica favorece a e o processamento harmônico das outras partes. Além disso, cada nota da melodia que é
atenção simultânea, então os sujeitos deveríam localizar mais erros corretamente na condição processada de maneira focal possui uma função harmônica que é confirmada pelas notas em
A e uma minoria na condição C. Os resultados apoiaram, exatamente, nossas previsões. Os outras partes, de modo que ambos os processos, melódico e harmônico, contribuem para a
construção de uma representação estrutural unificada para a peça como um todo.
Um diagrama pode ser útil para tornar claras as relações aqui propostas. Considere uma conhecido. Se, no entanto, a melodia focal ‘combina’com a memória que o ouvinte tem dela,
peça musical que contenha três linhas contrapontísticas. A figura 5.4 (a) representa as principais então a inferência é que a nota errada deve estar na outra melodia, a não-focal.
relações notadas quando a linha A é objeto da atenção focal. O ouvinte extrai as relações Se nossa explicação for a correta, então há uma previsão simples que pode ser testada,
melódicas ‘horizontais’ entre as notas de A (representadas pelas linhas duplas), mas não ouve a saber, que quando há mais do que duas linhas simultâneas, a localização de notas erradas
as melodias B e C. Ao invés disso, suas notas individuais são ouvidas como harmonizações torna-se menos eficiente, mesmo quando todas as linhas são harmonicamente coerentes. Isso
das notas simultâneas da linha A, auxiliando a compreensão da estrutura de A. A figura 5.4(U se dá porque no caso em que o erro está em uma Unha processada de maneira não-focal, o
representa o caso em que o ouvinte está ouvindo precisamente a mesma música, mas desta vez ouvinte tem de adivinhar ao acaso entre essas linhas. Ele apenas saberá que houve uma nota
dando atenção focal à linha B. Agora, A e C tornam-se harmonias de fundo. errada que criou uma harmonia estranha, e que essa nota errada não estava na melodia focada.
Pela simples aplicação da teoria da probabilidade, nós esperaríamos que a porcentagem de 80
(a) linha A por cento de acerto da tarefa com duas Unhas caísse para 53 por cento no caso de três linhas
B
e para 40 por cento no caso de quatro Unhas. Esta previsão ainda precisa ser testada.
Um fato que apóia informalmente essa previsão vem de uma experiência que muitos
C já tiveram ao reger conjuntos musicais. Quando um regente está ensaiando um grupo, ele
freqüentemente ouve ‘algo que está saindo errado’, mas é incapaz de dizer com certeza qual
foi a parte que saiu errada sem retomar a seção e ouvi-la novamente. Isso é um possível indício
00 linha A
de que ele estava processando de maneira focal uma parte que não saiu errada, e precisa agora
B redirecionar sua atenção focal para locaUzar o erro.

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Se o processamento focal é limitado a uma única parte, então é pertinente questionar
C como se justifica (se é que se justifica) a afirmação de alguns ouvintes de que são capazes de seguir
Figura 5.4: Duas possibilidades diferentes de processamento focal em uma seqüência contrapontística. todas as partes simultâneas de uma peça contrapontística. Um fator que pode permitir que as
coisas pareçam assim é um grau elevado de familiaridade com as partes individuais, através de
De que modo esta formulação explica nossos resultados experimentais? Supomos escutas repetidas. Cada parte é tão conhecida que não precisa ser continuamente monitorada
que os ouvintes serão bem sucedidos na tentativa de incorporar grande parte do material para refrescar a experiência de sua presença ‘ali’. Esse tipo de escuta é, até certo ponto, como
contrapontístico em suas representações da música quando os acordes fornecidos pelas partes a experiência que realizamos quando lançamos nosso olhar para uma cena visual conhecida,
pertencentes ao fundo são acordes conhecidos que sustentam uma harmonização tonal digamos o nosso próprio quarto: embora a vista só possa focar em uma coisa de cada vez, o
possível para a melodia focal. Quando as duas melodias do exemplo 5.15 são tocadas em uma fato de que cada olhar confirma uma expectativa de alguma coisa que deveria estar presente
mesma tonalidade, elas reforçam mutuamente uma estrutura harmônica simples e comum. torna real a experiência de que a cena como um todo está presente em nossa percepção. No
Os compassos 1 e 2 são subordinados ao acorde de tônica (I), compasso 3 subdominante à caso de música conhecida, o ouvido da mente’pode movimentar-se rapidamente por entre as
dominante (IV-V), e o compasso 4 tônica (I) novamente. Em uma progressão convencional partes; sabe a todo momento o que irá encontrar, e encontra, e assim confirma para a mente
como esta, a experiência da maioria dos ouvintes é que a nota errada ‘chama a atenção como
um polegar machucado’porque ela cria uma harmonia estranha e inesperada. Não importa qual o conhecimento de que todas as partes estão presentes.
é a linha que recebe atenção focal; a harmonia‘extravagante’ é ouvida de qualquer maneira. Se Mesmo quando não se conhece bem cada uma das linhas contrapontísticas de uma peça,
a nota errada estiver na melodia focal, ela será percebida como um desvio do padrão melódico é possível conhecer bem essa peça enquanto melodia e acompanhamento (desde que a mesma
linha contrapontística tenha sido sempre o objeto da atenção focal). Neste caso, cada acorde Nesse exemplo de Bach, ambas as linhas contrapontísticas são igualmente importantes.
pode ser tão bem conhecido que o ouvinte tem a possibilidade de construir uma linha não-focal, Porém, em alguns casos, o compositor pode marcar com relativa clareza uma determinada
colhendo uma nota de cada acorde e compondo com isso uma nova linha. Em tais casos, todas linha como sendo aquela que contém materiais mais significativos, enquanto uma outra
as linhas contrapontísticas podem estar implícitas naquilo que o ouvinte sabe, aguardando apenas parte é relegada a um papel secundário, interessa mais por sua textura do que pela seqüência
a reorganização de seu conhecimento para se tornarem explícitas. Desta maneira, o ouvinte melódica em si. Por exemplo, na música orquestral de Rachmaninov, é comum encontrarmos
pode se dar conta, de repente, de que o acompanhamento’ de uma passagem bem conhecida contracantos subsidiários de uma natureza escalar ‘atarefada, cuja função é prover uma corrente 225
tem, de fato, sua própria integridade melódica. Isso não quer dizer que haja notas que ele não subjacente desassossegada para alguns temas mais salientes. Embora um connoisseur2possa vir
tinha notado anteriormente. Simplesmente ele não as ouvia como uma melodia. a conhecer cada uma das notas desses contracantos, num certo sentido, esse conhecimento vai
Uma outra maneira de atingir a impressão de total consciência na polifonia tem mais a ver além das expectativas do próprio Rachmaninov. Para uma escuta adequada, basta detectar ‘o
com a arte do compositor do que com o conhecimento do ouvinte. Nos casos que discutimos tipo de coisa que está acontecendo’, e isso se faz, provavelmente, sem muita atenção focal, nos
até agora, pressupusemos que uma nota presente em qualquer parte da música está associada espaços entre os eventos significativos da melodia principal.
com outra nota, tocada simultaneamente em qualquer outra parte. Embora essa coincidência Se, de fato, a atenção focal só pode aplicar-se em um único lugar de cada vez, há um
aconteça de fato quando o contraponto se baseia no uso de acordes (um caso típico é o da problema de composição que precisamos passar a considerar. É possível aos compositores
harmonizações de hinos), ela está longe de ser verdade para todo o contraponto. E possível escrever música em que esteja embutida a tendência de dirigir a atenção focal do ouvinte,
suavizar consideravelmente a carga auditiva se limitarmos os eventos significativos a uma desde a primeira audição, para a parte específica visada? Fazemos esta pergunta porque não
ou duas linhas de cada vez. Considere, por exemplo, o contraponto que há nas duas linhas é correto dizer, para a maioria das músicas, que todas as partes são igualmente importantes
superiores na décima oitava das Variações Goldberg, de J.S. Bach (exemplo 5.16). Essas linhas para um ouvinte de primeira audição; ou que ele ouviria a música de maneira correta’,

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(que formam um cânone), caracterizam-se pelo fato de que não há nenhuma ocasião em que as independentemente de qual parte ele estivesse focando. Isso pode ser verdade no caso de
notas começam simultaneamente nas duas partes, muito embora as notas sejam sustentadas de uma fuga; mas não é verdade no caso de uma sinfonia ou sonata. Em tais obras, quase sempre
forma tal que a textura a duas vozes é contínua. Podemos argumentar que os ouvintes conseguem há temas principais que precisam ser apreendidos, porque suas transformações e extensões
processar cada melodia de maneira focal passando de uma linha para outra, conforme cada futuras formam a substância da estrutura composicional. Seria um problema se um ouvinte
nova nota é tocada. Em segundo lugar, uma vez percebida a relação canônica, é possível prever processasse de maneira focal a linha grave do exemplo 5.17 (Sonata para piano em dó maior,
o próximo evento na linha superior por referência àquilo que acabou de acontecer na linha K.545 de W.A.Mozart), em detrimento da linha aguda.
inferior. Trata-se de uma situação bastante diferente daquela que encontramos no experimento r - L... .f
das melodias interpoladas’ de Dowling. Primeiramente, a freqüência das mudanças entre as p f .==1 f t í f - 1
partes é bem menor (por volta de uma por segundo, ao invés de quatro por segundo). E, além
disso, devido à relação musical entre as duas partes, a compreensão de uma delas pode ajudar F f= p = m T = F= F
diretamente o ouvinte a compreender a outra. —
.
J—j —J—
.i- J ■ U

Exemplo 5.17: Extrato do primeiro movimento da Sonata para piano em dó maior (K.545) de Mozart.
r - U -------- • ...- s L p - d ------« U ? .h J
r \ u v o
3
F — f r

E xem plo 5.16: Extraído de J.S.Bach, V ariações G o ld b erg . 2 N T : Em francês no original.


Quase não há trabalhos experimentais diretamente relacionados a esta questão, mas Tabela 5.1 - Exemplos da extensão do mascaramento dos tons musicais (adaptada de Scharf, 1970)
é possível apontar alguns recursos de captação da atenção’ mais facilmente observáveis. Em
Freqüência aproximada do tom Nome da nota musical do Intervalo musical médio a partir do tom
primeiro lugar, parece que, não havendo interferência de outros fatores, a linha que tende a ser mascarador (Hz) tom mascarador mascarador, no interior do qual o limite
processada de maneira focal é sempre aquela que se encontra na faixa de alturas mais elevada. de outro tom sofre aumento
Ao ouvir, digamos, a harmonização da melodia de um hino, muitos ouvintes simplesmente 110 A2 oitava
não se dão conta de que as partes inferiores comportam linhas melódicas. Em grande parte da 220 A3 quinta justa
música clássica, os temas principais são tocados por instrumentos agudos, enquanto os mais 440 A4 (lá de concerto) terça menor
graves tocam matéria subsidiária. Por exemplo, na música para cordas, são quase sempre os 880 A5 segunda maior
violinos, e não as violas ou violoncelos, que apresentam os temas principais; e na música para 1660 A6 segunda menor
piano, é quase sempre a mão direita. Por que isso? Um fator que possivelmente contribui é
que as linhas externas (dos extremos) são mais bem audíveis porque elas estão do lado defora
e, portanto, não estão cercadas’ por outras linhas. Logo, as linhas mais agudas e mais graves
de uma textura polifônica devem ser as mais salientes, e as linhas internas as menos salientes. Estas estimativas grosseiras mostram que na faixa da música comum, os tons graves têm
Ainda precisamos de uma razão específica para explicar por que a linha superior, a mais aguda um efeito de mascaramento sobre intervalos musicais mais largos que os tons agudos. Na faixa
de todas, ‘ganharia’ da linha mais grave. Uma razão possível é que, normalmente, na textura do contrabaixo, duas oitavas abaixo do dó central, tons com uma distância de nada menos
musical, há menos mascaramento recíproco entre as notas agudas do que entre as notas graves. que uma oitava irão mascarar-se reciprocamente. Na faixa do flautim, duas oitavas acima do
‘Mascaramento’é um termo técnico da psicoacústica que denota o efeito prejudicial que tem dó central, notas cuja distância não passa de uma segunda menor não irão mascarar umas às

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a presença de segundo tom sobre a capacidade do ouvinte de perceber um primeiro tom, se outras. Logo, em uma textura contrapontística densa, há razões reais para supor que as notas
ambos forem próximos em tempo ou altura (para uma boa introdução ao assunto consulte mais agudas serão mais audíveis do que as notas mais graves. Num ambiente reverberante,
Moore, 1982). O poder de mascaramento de uma nota específica pode ser avaliado fazendo a percepção das notas graves também é prejudicada pela tendência maior de persistirem no
variar a intensidade das notas próximas até o ponto em que elas quase não são ouvidas. A tal ambiente após serem tocadas, criando um barulho grave e ‘lamacento’, que torna as partes
intensidade dá-se o nome de limite auditivo. Os limites auditivos de notas com altura próxima graves menos passíveis de discriminação. Finalmente, devemos considerar o fato de que as
à da nota mascaradora aumentam consideravelmente com a presença simultânea da nota informações acústicas cruciais podem ser veiculadas, não pela freqüência fundamental de uma
mascaradora. Porém, se afastamos em altura o tom testado do tom mascarador, há um ponto nota musical, mas por suas parciais superiores mais fracas (ou harmônicos). Para os instrumentos
além do qual o tom mascarador perde seu efeito sobre o limite (ouve-se o tom do teste com a graves, essas parciais tendem a ser mascaradas pelos instrumentos agudos, tornando-as menos
mesma facilidade, tanto na presença quanto na ausência do tom mascarador). Para qualquer distintas. Entretanto, isso não pode ser tudo, pelo menos para mim, já que eu experimento um
tom em particular torna-se possível estimar sua ‘banda crítica’. E a faixa de freqüência dentro ‘conjunto’ forte na linha superior do contraponto a duas vozes simples e ‘alternado’, em que
da qual ele exerce um efeito de mascaramento sobre outros tons. Estimativas da banda crítica os efeitos de mascaramento e do ambiente acústico não são significativos (como no exemplo
em diversas freqüências foram apresentadas por Scharf (1970) e outros. A tabela 5.1 mostra 5.18, a Invenção a duas vozes em mi maior de J.S.Bach). É provável que, no geral, a experiência
os tipos de resultados obtidos, traduzindo os valores de freqüência em intervalos musicais com a música comum, em que as vozes superiores são sabidamente mais importantes, tenha
aproximados. resultado em uma predisposição aprendida para concentrar-se na voz mais aguda, quando não
há contra-indicações fortes.
A M E M Ó R IA N A A U D IÇ Ã O M U S IC A L

A maneira como alguém ouve música depende crucialmente daquilo que é capaz
t r f ff f f-ff- de lembrar de eventos musicais passados. Uma modulação para uma nova tonalidade é
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ouvida apenas se alguém se lembrar da tonalidade anterior. Um tema é ouvido como sendo
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Exemplo 5.18: De J.S.Bach, Invenção a duas vozes em mi maior. transformado apenas se alguém consegue lembrar a versão original, a partir da qual se deu a
transformação. E assim por diante. Uma nota ou acorde não tem significado musical senão
Um segundo tipo de característica das linhas melódicas que captam a atenção focal é a na relação com as notas ou eventos anteriores posteriores. Perceber um evento musicalmente
presença de algum elemento que as distinga, de alguma maneira, das outras linhas. Por exemplo, (isto é, reconhecer pelo menos parte de sua função musical) é relacioná-lo a eventos passados.
uma linha pode ter uma dinâmica mais forte que as outras linhas, ou ter um timbre ‘solístico’ Portanto, é importante que nós saibamos até que ponto somos capazes de lembrar eventos
saliente. Ou pode introduzir uma mudança que contrasta com um background que não muda. musicais passados, e que saibamos quais são os fatores que auxiliam a nossa memória.
No exemplo 5.7, nós tendemos a atentar de maneira focal para a corrente de sons graves que Podemos começar considerando uma série muito completa de estudos experimentais,
se move, ao invés da corrente de sons agudos, que é estacionária. Pelo mesmo tipo de razão, realizados por Deutsch, acerca da memória para notas individuais (Deutsch, 1970,1972,1973;
a linha superior do exemplo 5.17 atrai a atenção porque a linha inferior apenas repete várias Deutsch &Feroe, 1975; e outros resumidos em Deutsch, 1982c). A tarefa experimental básica
vezes a mesma figuração. é simples. Os ouvintes escutam duas notas separadas por um intervalo de cinco segundos. Eles
Um terceiro recurso relacionado a isso é a mudança de qualidade ou textura na linha devem julgar se as notas têm ou não a mesma altura. De fato, as notas têm a mesma altura
focal. Isso explora uma tendência natural, às vezes chamada de ‘resposta orientadora’, para dar em metade das tentativas. Na outra metade, elas diferem em um semitom. O interesse nesses

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atenção a um evento novo, em um ambiente complexo, de preferência a outros mais familiares. estudos reside nas formas como Deutsch preencheu o intervalo de cinco segundos. Na condição
Uma das principais maneiras de introduzir mudanças é introduzir em uma textura polifônica básica de controle, o intervalo era silencioso. A maioria dos ouvintes foi capaz, então, de realizar
uma nova voz em uma corrente de alturas distinta. Entradas sucessivas de uma fuga preenchem o julgamento de altura com precisão de 100 por cento. Em uma outra condição, o intervalo
essa condição. era preenchido por números falados, que deveriam ser lembrados ou ignorados. Em ambos os
Em quarto lugar, podemos postular um princípio de conservadorismo atencional’, casos, os ouvintes também foram capazes de fazer o julgamento de alturas com uma precisão
pelo qual o ouvinte tenderá a permanecer com uma linha particular, uma vez que tenha sido de 100 por cento. Uma outra condição crucial consistiu em inserir notas escolhidas ao acaso,
atraído para ela, a menos que existam fortes atrativos para redirigir sua atenção. Por exemplo, entre as duas notas do teste. Nesta condição, o rendimento do teste caiu para 68 por cento,
o compositor pode aumentar a probabilidade de manter o ouvinte na linha certa se evitar apesar de os ouvintes terem sido orientados no sentido de ignorar as notas interpoladas.
mudanças repentinas em outras partes. Este resultado mostra que as notas intervenientes têm um efeito altamente destruidor
É claro que os compositores raramente usam esses recursos de maneira isolada. Uma na memória para a altura de uma nota anterior. Não se trata de uma deficiência geral na
parte importante pode ser a mais elevada em altura e intensidade, e a mais nova de todas as percepção ou na memória de seqüências, já que o rendimento do teste não foi afetado pelos
partes. A avaliação científica da eficácia relativa desses recursos e das condições específicas em números intervenientes, mesmo quando os números deviam ser lembrados. Tudo indica que
o efeito é específico da altura.
que se aplicam ainda espera por um estudo de exemplos musicais controlados, em que cada Testando outras condições, Deutsch descobriu que o efeito de ruptura chegava a
recurso de atenção possa ser manipulado separadamente dos demais. extremos quando uma das notas intervenientes tinha uma altura próxima às notas do teste. A

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ruptura máxima ocorreu quando uma nota interveniente era dois terços de um tom acima ou Das pessoas que têm a capacidade de nomear alturas individuais ouvidas, ou de cantar
abaixo de uma primeira nota do teste. O efeito de ruptura também foi geral para distâncias acuradamente alturas identificadas pelo nome, diz-se que têm ouvido absoluto’ou ‘perfeito’3
compreendidas numa oitava. O mesmo padrão de resultados foi obtido quando a seqüência (vide Ward, 1963a, 1963b, Ward e Burns, 1982). Parece que essa capacidade pode ser aprendida
tonal interveniente subiu ou desceu em uma oitava. por qualquer um que esteja disposto a passar por um treinamento demorado e sistemático
A primeira vista, os resultados de Deutsch sugerem uma conclusão muito lúgubre sobre (Brady, 1970; Cuddy, 1970). Porém, nem todos os músicos possuem o ouvido absoluto (OA),
a memória musical. A memória para alturas individuais parece ser incrivelmente pobre, se e um estudo de Sergeant (1969) demonstra que, numa amostra de 1156 músicos profissionais,
não consegue sobreviver a algumas poucas notas sucessivas. Como é possível lembrar as notas houve uma alta correlação inversa entre a idade do início da formação musical e a posse do
ao longo de estruturas de proporções sinfônicas, contendo dezenas de milhares de notas? A OA. Quase todos os músicos que começaram seu treino musical antes dos seis anos tinham
resposta geral para este problema parece residir nas oportunidades que a música geralmente OA, mas nenhum daqueles que começaram após os 11 anos o tinha.
proporciona aos ouvintes para classificarem e organizarem aquilo que ouvem. As seqüências Um estudo elegante realizado por Siegel (1974) demonstra os tipos de vantagens que
de Deutsch eram atípicas em dois aspectos. Elas não se restringiam a intervalos da escala o ouvido absoluto confere à memória. Seus sujeitos ouviram duas notas, separadas por um
comum (usavam em alguns casos frações de semitons), e suas notas eram escolhidas ao acaso, intervalo silencioso de cinco segundos. Essas notas diferiam em altura por um décimo de tom
de modo que não foram pensadas para formar padrões musicais comuns dentro do contexto da ou três quartos de tom. Foi pedido aos sujeitos que julgassem se a segunda nota era mais aguda
escala. Para ver as possibilidades da memória musical, teremos de considerar os dois aspectos
de organização que os materiais de Deutsch violaram - escala e padrão seqüencial - e mostrar ou mais grave que a primeira. Siegel usou dois tipos de sujeitos: estudantes de música com
como eles podem ser usados pelos ouvintes para construir representações da música que não OA e estudantes de música do mesmo nível, mas sem OA. Siegel descobriu que, enquanto
dependem apenas da preservação da informação precisa sobre alturas. o desempenho dos sujeitos nos intervalos de um décimo de tom não diferiu, os sujeitos com
OA tiveram um desempenho muito melhor que os sujeitos sem OA para os intervalos de um

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E s c a la s quarto de tom. Os sujeitos com OA foram capazes de dar rótulos verbais (nomes de notas)
diferentes às duas notas. Quando as notas tinham apenas a distância intervalar de um décimo
No contexto de uma cultura musical como a nossa, há um consenso geral sobre as escalas de tom, tal codificação verbal não funcionou mais por fornecer um mesmo nome para ambas
que constituem a base da construção da música. Na nossa cultura, as escalas predominantes as notas. Ou seja, eles precisavam recair na codificação ‘sensorial’, que os demais sujeitos de
são as escalas diatônica maior e menor. Além disso, há um consenso geral acerca das alturas que trata o relato de Siegel disseram ter usado o tempo todo.
absolutas em que as escalas devem se basear. Tanto é assim que um instrumento bem afinado A codificação verbal auxilia a retenção por espaços de tempo mais longos, conforme
pode ser tocado em um conjunto musical com qualquer outro instrumento. Portanto, o lá 4, demonstrado num segundo experimento, no qual o intervalo de tempo entre as duas notas de
o tradicional ‘lá de concerto’usado para a afinação da orquestra é fixado em 440Hz. No caso teste foi variado. Agora, o intervalo foi preenchido por outras notas aleatórias na velocidade de
dos instrumentos de temperamento igual, como o piano, é possível fixar cada uma das doze quatro por segundo, tornando a tarefa bastante semelhante àquela em que Deutsch encontrou
notas cromáticas em alturas definidas, o que permite que todas as doze escalas diatônicas, tal desempenho baixo. Para o intervalo de um décimo de tom, o rendimento de ambos os
maiores e menores, soem afinadas’. tipos de sujeitos decaiu muito rapidamente à medida que aumentava o intervalo de tempo.
Uma vez assim fixadas as alturas musicais, surge a possibilidade de os ouvintes de música Contudo, para os intervalos de teste separados por um semitom, apenas o rendimento dos
aprenderem a associar alturas específicas com nomes de notas musicais. Se eles são capazes
de fazê-lo, então é possível fazer com que a memória progrida, recodificando a informação 3 NT: Na língua inglesa há uma distinção entre o ouvido absoluto e o ouvido perfeito. Embora tal distinção não seja feita
sensorial de altura como uma informação verbal - lembram-se os nomes das notas, ao invés pelos falantes de língua portuguesa, foi feita a opção de manter o texto da tradução fiel ao original.
dos sons enquanto tais.
sujeitos sem OA decaiu. O grupo com OA foi igualmente bem após 15 segundos de silêncio musical separa duas notas tocadas simultânea ou sucessivamente, ou ser capaz de cantar num
e após 5 segundos de silêncio. intervalo acima ou abaixo de uma nota inicial dada. Essa habilidade é importante porque
Esses resultados não demonstram apenas um desempenho de memória superior por parte a identidade melódica ou harmônica é conferida a um conjunto de notas pelas relações
dos portadores do OA. Eles também demonstram a natureza categorial do ouvido absoluto. intervalares que mantêm umas com as outras, e não pelas suas alturas absolutas. Uma melodia
Não se trata de dizer que as pessoas com OA têm uma capacidade de discriminação de alturas pode começar em qualquer altura na faixa do audível e ainda assim ser reconhecida como a
mais refinada que as demais pessoas.Elas não conseguem lembrar, com precisão, de alturas com mesma melodia, desde que seus intervalos de altura (razões de freqüência) sejam os mesmos.
uma diferença de um décimo de tom após um intervalo de cinco segundos de silêncio. O que Essa característica da música oferece uma explicação possível para o fato de que, relativamente,
elas conseguem fazer é atribuir a altura a uma classe ou faixa de alturas que recebem um mesmo poucas pessoas que tenham as oportunidades apropriadas aprendem alturas absolutas. Quando
nome. No âmbito de uma categoria de tipo nominal (que cobre talvez uns 30Hz na faixa do uma criança aprende uma canção, ela recebe um reforço, no sentido de produzir os intervalos
lá 4), elas não conseguem lembrar diferenças de altura de maneira confiável. Além disso, os certos, e não um conjunto específico de alturas absolutas. Ela ouve canções cantadas em
resultados mostram como os sujeitos que têm essa capacidade de categorização conseguem diversas alturas (por exemplo, o pai canta a mesma canção em um registro vocal mais grave
ultrapassar o efeito de ruptura das notas intervenientes demonstrado nos sujeitos estudados que a mãe), e geralmente tem todo o incentivo para registrar a informação intervalar ao invés
por Deutsch, e pelos sujeitos sem OA no presente estudo. do ouvido absoluto (Pick, 1979).
Acaso esses resultados sugerem que as pessoas com ouvido absoluto têm o melhor J.A. Siegel e W. Siegel (1977a) demonstraram que o ouvido relativo melhora com o treino
equipamento para escutar e lembrar música? Se elas tiverem, então todos nós que não temos e que os músicos altamente experientes conseguem identificar intervalos de maneira confiável
OA deveriamos provavelmente fazer esforços para adquiri-lo. Na realidade, há outros tipos e exata, independentemente do contexto em que o estímulo se apresenta. Além disso, segundo
de habilidades que podem ser bem mais importantes para grande parte da música tonal. Elas seus próprios depoimentos, para os músicos, os intervalos soam qualitativamente diferentes
incluem a capacidade de identificar intervalos musicais e tonalidades. Falemos mais brevemente

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uns dos outros. Por exemplo, uma terça maior não soa como se tivesse ‘mais tamanho’do que
de todas estas. O ouvido absoluto parece ser mais vantajoso em situações nas quais a música, uma terça menor, soa como um tipo diferente de som. Cada intervalo adquire um caráter único
embora faça uso de notas da escala cromática, quebra as regras comuns de construção harmônica - ou cor’ que lhe é próprio - e isso o torna inconfundível com qualquer outro intervalo. Assim
e melódica, produzindo intervalos desconhecidos e seqüências em que não estão implicados como o ouvido absoluto é ‘categorial’, o ouvido relativo também é. Duas notas não precisam ser
nem a tonalidade e nem o centro tonal. Grande parte da música que se exprime nas linguagens separadas por um intervalo de alturas correto e exato para serem ouvidas como, por exemplo,
‘atonais’ contemporâneas parece satisfazer esses critérios; e os músicos que precisam trabalhar uma terça menor. Suas separações precisam, sim, cair em uma classe de separações ao redor de
com essa música, particularmente os cantores, têm sua tarefa facilitada se possuírem o ouvido um ponto central. A percepção categorial de intervalos foi demonstrada por Locke e Kellar
absoluto. Entretanto, há situações em que o ouvido absoluto pode ser um incômodo. Ouvir ou (1973) - veja o capítulo 2.4 - e também por J.A. Siegel e W. Siegel (1977b), que pediram aos
tocar música transposta pode ser muito difícil: os sons produzidos violam constantemente as sujeitos que julgassem a magnitude de vários intervalos padrões e não-padrões. Apenas 23 por
expectativas criadas pelos conhecimentos prévios que o ouvinte tem daquela música ou pela cento dos intervalos estavam de fato ‘afinados’(com base na afinação do temperamento justo),
partitura impressa. Quando as escalas ou afinações não são padronizadas, é possível pensar os sujeitos julgaram que 63 por cento deles estavam afinados, ou seja, julgaram os intervalos
em tarefas experimentais em que os portadores do OA estejam em desvantagem, porque suas ‘altos’ e ‘baixos’ como tendo magnitude igual à dos intervalos corretamente afinados. Houve
categorizações são inapropriadas para a tarefa (como, por exemplo em Cuddy, 1977, relatado até casos em que os sujeitos julgaram um intervalo ‘alto’como sendo ‘baixo’, e vice-versa. Neste
por Ward e Burns, 1982). caso, parece que eles notaram uma desafinação, mas foram incapazes de reter a informação
Muitos músicos possuem uma habilidade que eles valorizam muito mais que o ouvido de altura precisa que lhes permitiria dizer se o intervalo estava alto ou baixo. Essa perda da
absoluto, às vezes chamada de ouvido relativo’. Trata-se da capacidade de dizer qual intervalo
r

informação precisa de altura tem muitas utilidades musicais, Uma delas é que permite a altura ou contornos aprendidos, eles conseguem realizar as operações de percepção e memória se
existência de uma escala cromática de afinação igual, que distorce levemente muitas das razões os materiais de interferência não se fundirem aos materiais do teste, formando um único fluxo
da série harmônica que se exprimem em números inteiros pequenos. Essas distorções não são contínuo de alturas (veja, neste capítulo, a seção 2). Porém, quando os sujeitos estão tentando
perceptíveis em condições normais e proporcionam aos músicos a vantagem de permitir que manter na memória uma altura absoluta específica para compará-la a materiais posteriores,
toquem música que modula ao redor do ciclo das quintas sem soar cada vez mais desafinado; eles são atrapalhados por qualquer interferência.
diferentemente da afinação exata, em que os intervalos em tonalidades afastadas de uma O experimento de Idson e Massaro envolvia o reconhecimento de um estímulo que,
tonalidade originalmente afinada soam grosseiramente desafinados. Uma discussão técnica da embora contivesse informação intervalar, também conservava a altura absoluta do original.
afinação e do temperamento ultrapassa o escopo deste livro, e o leitor interessado no assunto Uma ocorrência comum em música é a transposição de um tema melódico em uma nova
deve referir-se a Barbour (1951). tonalidade dentro de uma mesma peça musical. Se, de fato, nós lembrarmos de seqüências de
Assim como o ouvido absoluto auxilia a memória em determinadas condições, o mesmo notas em termos de intervalos de altura, deveriamos ser capazes de reconhecer as transposições
ocorre com o ouvido relativo. Idson e Massaro (1976) deram uma demonstração disso. Solicitou- como repetições de um mesmo estímulo melódico. Experimentos realizados por Cuddy e
se aos sujeitos que reconhecessem seqüências de três notas derivadas da permutação das notas Cohen (1976) e Cuddy, Cohen e Miller (1979) mostraram que tanto os ouvintes treinados
lá, dó e ré sustenido em três ordens diferentes. As notas receberam nomes arbitrários (A, B e quanto os não-treinados podem discriminar transposições reais de seqüências de três notas
C, respectivamente) e os sujeitos deveriam identificar uma seqüência como sendo uma entre e transposições de seqüências em que as notas foram aumentadas ou diminuídas de um
seis possibilidades: ABC, ACB, BAC, BCA, CAB e CBA. Quando aprenderam a realizar semitom relativamente às outras. Contudo, esta capacidade é fortemente afetada pela natureza
esta tarefa de maneira correta, uma condição de ‘mascaramento’ foi introduzida, na qual cada específica da seqüência a ser transposta. Por exemplo, Dowling (1978) mostrou que é difícil
nota da seqüência foi seguida por uma nota irrelevante (por exemplo, AMBMCM, em que para os ouvintes discriminarem entre transposições ‘reais’e ‘tonais’(veja Capítulo 2.4).Bartlett

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M é a nota de mascaramento). Esta nota de mascaramento poderia ser tanto na mesma oitava e Dowling (1980) mostraram que a discriminação entre transposições reais e falsas é melhor
da seqüência do teste com outra oitava. Idson e Massaro verificaram que o mascaramento na quando a transposição se faz para uma tonalidade estreitamente relacionada à original. Cuddy,
mesma oitava destruía a identificação da seqüência testada, mas que o desempenho na tarefa Cohen e Miller (1979) mostraram que, se a seqüência a ser transposta estiver embutida em um
de identificação continuava alto se o marcaramento fosse feito em oitava diferente. Em uma contexto tonal, é mais facilmente reconhecível do que se estiver em um contexto não-tonal.
segunda condição, os sujeitos aprenderam a identificar notas individuais, não seqüências. Havia Todos esses resultados sugerem que a memória para intervalos de altura por si só não dá conta
três notas, cada qual com um nome arbitrário (A, B e C). Os sujeitos aprenderam a dizer qual da maneira como os ouvintes lidam com seqüências tonais.
das três notas havia sido apresentada em uma determinada tentativa. A seguir, eles tinham que
continuar a tarefa com a introdução de diversas notas de mascaramento, como na primeira
condição. Descobriu-se que qualquer nota de mascaramento, e não apenas uma que tivesse
altura aproximada à nota a ser testada, atrapalhou imensamente a identificação. Exemplos 5.19,5.20, 5.21
É importante notar que o primeiro teste seqüenciaTpoderia ser realizado com base em
informação de altura relativa, ao passo que o segundo teste necessita de memória absoluta de A maioria das evidências aponta para a importância que tem o estabelecimento de uma
alturas. Podemos interpretar os resultados dizendo que a interferência tende a afetar mais a tonalidade ou centro tonal, para a memorização de seqüências melódicas. Isso proporciona uma
comparação entre notas presentes e passadas quando se baseia em alturas absolutas, do que forma econômica de representar uma seqüência melódica, em termos de graus de uma escala
quando se baseia em alturas relativas. Quando os sujeitos estão procurando por intervalos de no interior de uma tonalidade. Um exemplo ajudará a tornar mais claro tudo isso. Considere a
seqüência do exemplo 5.19. Encarada como uma série de intervalos sucessivos, ela poderia ser anteriormente. Tais notações também permitem uma codificação econômica de transposições
entendida como uma seqüência ascendente com estrutura TTTS (tom-tom-tom-semitom). Se reais. Aqui, ao invés de mudar a nota inicial, mudamos a tonalidade. O exemplo 5.21 é uma
considerarmos as relações intervalares entre notas não adjacentes, podemos acrescentar uma transposição real do exemplo 5.19 e, em nossa notação, seria representado como:
terça menor (lá-dó), uma terça maior (fá-lá e sol-si), uma quarta justa (sol-dó), uma quarta
aumentada (fá-si) e uma quinta justa (fá-dó). Entretanto, encaradas como componentes de Tonalidade: Fá maior
uma escala (neste caso, a escala de dó maior), é possível entendê-la como quatro intervalos Início: 4
ascendentes adjacentes de um tom, começando pelo quarto grau da escala. Os intervalos Seqüência: +1,+1,+1,+1
entre as notas não-adjacentes são, portanto, simplesmente múltiplos de uma unidade que
é o grau na escala. Se ouvirmos as melodias desta segunda maneira, podemos argumentar Aquilo que acabamos de expor oferece uma explicação possível do motivo pelo qual as
que as mudanças de contorno melódico, para cima ou para baixo, na mesma tonalidade, são transposições reais e tonais são freqüentemente confundidas. Acaso poderia também explicar
provavelmente ouvidas como a ‘mesma melodia’porque se conserva um aspecto fundamental por que as transposições para tonalidades relacionadas são mais fáceis de reconhecer do que
da melodia - os intervalos da escala em tons e semitons. Se o exemplo 5.19 for descrito de as transposições para tonalidades remotas? Acho que sim, se nós olharmos mais de perto
maneira compacta pela notação: para a natureza das tarefas experimentais que deram origem a esse resultado. Um ouvinte
ouve uma seqüência melódica curta e, então, sem passar por qualquer preparação, ouve uma
Tonalidade: Dó maior outra seqüência transposta. A menos que a tonalidade da seqüência transposta seja próxima à
Início: 4 tonalidade inicial no círculo das quintas, é possível que o ouvinte simplesmente não consiga
Seqüência: +1,+1,+1,+1 decidir qual é a tonalidade (ou a tônica) da nova seqüência. Se não conseguir, ele será incapaz
de atribuir intervalos corretos à nova seqüência em termos de graus da escala. Uma vez que

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e o exemplo 5.20 poderá ser descrito exatamente da mesma maneira, exceto que o início da o ouvinte estabeleceu a tonalidade, há um conservadorismo que o faz relutar para mudar de
seqüência é agora a nota 7 da escala (B): tonalidade (vide capítulo 2, seção 5.3). A modulação de tonalidade, em grande parte da música,
é produzida por um movimento ao redor do ‘ciclo das quintas’, de dó para sol, de sol para
Tonalidade: Dó maior ré, de ré para lá e assim por diante (ou inversamente). Uma característica de tal modulação é
Início: 7
Seqüência: +1,+1,+1,+1 que as escalas das duas tonalidades compartilham todas as suas notas exceto uma, a sensível
ou sétima da nova escala. Assim, a tonalidade de sol maior contém todas as notas da escala de
No entanto, a descrição do exemplo 5.20 em termos de suas relações de intervalos de dó maior com exceção do fá, que é substituído pelo fá sustenido. Isso traz duas conseqüências
altura, resulta em um padrão muito diferente daquele do exemplo 5.19. Os intervalos entre para a transposição. Uma delas é que as seqüências transpostas podem ser representadas com
as notas sucessivas adjacentes são agora S-T-T-S (semitom-tom-tom-semitom). Entre os sucesso de duas maneiras, como resultado de uma mudança de tonalidade, ou como resultado
intervalos não-adjacentes não há mais uma quinta justa ou uma quarta aumentada, mas há de uma mudança de contorno dentro da mesma tonalidade. Por exemplo, a seqüência dó-mi-
o acréscimo de uma quinta diminuta. O fato de que na opinião das pessoas essas seqüências sol-lá-sol pode ser representada como:
(chamadas de ‘respostas tonais’) são tão semelhantes às originais quanto transposições ‘reais’ Tonalidade: Dó maior
(que efetivamente preservam os intervalos de altura), é um forte motivo para considerar que Início: 1
as representações de seqüências tonais dos ouvintes incorporam o tipo de notação fornecida Seqüência: +2,+2,+2,-1
Quando a seqüência transposta sol-si-ré-mi-ré é ouvida, ela pode ser representada de de se surpreender que o reconhecimento de tais transposições seja difícil. Em grande parte da
duas maneiras: música real, duas apresentações do tema em tonalidades distantes serão separadas por tipos de
como: modulações preparatórias que permitem ao ouvinte manter seu rumo tonal e saber, portanto,
de antemão, quais as escalas que são mais prováveis de serem encontradas. Em tais casos, o
Tonalidade: Sol maior tema transposto é reconhecido com mais facilidade.
Início: 1 Há agora um pequeno corpus de pesquisas acerca dos mecanismos que permitem ao
Seqüência: +2,+2,+2,-1 ouvinte detectar mais prontamente a tonalidade. Algumas sugestões já foram discutidas no
capítulo 2, seção 5.3. Alguns experimentos relatados em Butler (1983) vêm demonstrar que
ou como uma pista indicando tonalidade é a presença de padrões intervalares que são exclusivos daquela
Tonalidade: Dó maior tonalidade, ou que podem ser encontrados num número muito pequeno de outras tonalidades.
Início: 1 O intervalo dó-ré, por exemplo, só pode ser encontrado em cinco escalas maiores - dó maior,
Seqüência: +2,+2,+2,-1 sol maior, fá maior, si bemol maior e mi bemol maior. Por outro lado, o trítono fá (mi sustenido)
- si é encontrado em apenas duas escalas, dó maior e fá sustenido maior. Nos experimentos de
Essa dupla codificação significa que o ouvinte tem duas chances de ouvir a transposição: Butler, as seqüências que tornaram essa relação de trítono ainda mais salientes foram aquelas
crucialmente, não depende dele mudar sua armação de tonalidades. que davam aos ouvintes a sensação mais forte de centro tonal. Uma terceira nota acrescida ao
A segunda conseqüência dessa relação íntima entre tonalidades com dó maior e sol maior trítono especifica uma tonalidade única. Por exemplo, a seqüência fá-si-dó só pode ocorrer
é que a introdução da nota não compartilhada por ambas as tonalidades é uma pista forte e em dó maior (Brown e Butler, 1981).
Uma vez estabelecida a tonalidade, cada nota da escala implicada tem uma configuração

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inconfundível de mudança de tonalidade para uma tonalidade que requer a menor mudança
possível de notas componentes para acomodar a nova nota. Desse modo, transformando uma única de relações intervalares com outras notas da escala (devido à distribuição irregular dos
seqüência dó-mi-ré-si-dó, em uma seqüência sol-si-lá-fá sustenido-sol, sugere-se fortemente intervalos de tom-semitom na subida da escala - veja Balzano, 1980). Logo, o intervalo fá-dó
ouvido em dó maior tem uma qualidade tonal diferente da do mesmo intervalo fá-dó ouvido
uma modulação de dó maior para sol maior. As primeiras três notas da segunda seqüência em fá maior. No primeiro caso, as notas têm uma relação escalar implicada em si natural, ao
(sol-si-lá) têm uma função de articulação que é fundamental. Elas unem as duas seqüências passo que no último caso elas se relacionam a si bemol. Ouvir fá-dó no contexto de dó maior
em um ‘espaço tonal’. Provavelmente, a maioria dos ouvintes escuta estas três notas como uma é apreciar a relação dessas notas com um si natural não-ouvido, porém ‘implicado’.
continuação da tonalidade de dó maior. Em seguida, o fá sustenido força uma mudança de Essas considerações nos ajudam a compreender porque o contexto tem importância tão
tonalidade motivada um grau acima no ciclo das quintas. Contraste-se a impressão causada por crucial no reconhecimento de transposições. Nos experimentos de Cuddy, Cohen e Miller
dó-mi-ré-si-dó seguida por fá sustenido-lá sustenido-sol sustenido-mi sustenido-fá sustenido. (1979), o contexto diatônico ajudou os ouvintes a identificar a tonalidade de cada passagem.
Aqui, as primeiras notas da seqüência transposta não conseguem realizar uma função de elo, Quando o contexto não era diatônico, foi impossível atribuir uma tonalidade a cada passagem
já que nenhuma delas está na escala da seqüência anterior. Isso produz o efeito de arrancar o e, portanto, também foi impossível codificar as seqüências em termos de graus de uma escala.
ouvinte de seu rumo tonal, lançando-o à deriva. Ele precisará esquecer tudo sobre a primeira Provavelmente, o melhor a ser feito seria uma estimativa grosseira de contorno intervalar
escala e tentar construir, a partir do zero, uma escala plausível para a segunda seqüência. Sua (do tipo ‘um intervalo grande e para cima, seguido de um intervalo menor para baixo’). Tal
memória imediata da primeira escala pode interferir nessa tentativa e seus esforços para informação seria demasiado grosseira para ser útil na distinção entre as transposições exatas
interpretar a segunda seqüência podem fazer com que ele perca detalhes da primeira. Não é e ‘alarmes falsos’ com contornos semelhantes de sobe e desce.
É possível, contudo, que não valha a pena descartar esses contornos ‘grosseiros’de sobe e Conforme esperado, as melodias curtas produziram mais resultados corretos do que as
desce como se não exercessem nenhum papel na memória musical. Davies (1978) e Dowling melodias longas. Entretanto, o resultado importante foi que, embora a condição de contorno
(1978), entre outros, propuseram que tal informação de controle éque constitui a base de nossa tenha produzido os melhores resultados para as melodias curtas, foi a condição de altura que
memória musical em algumas situações reais de escuta, e pode ser útil mesmo quando outras produziu os melhores resultados para as melodias longas. Parece assim que, independentemente
representações escalares ou intervalares mais exatas não chegam a se completar. Com certeza, do comprimento das melodias ouvidas, a codificação do contorno de sobe e desce torna-se
essas informações só nos permitiríam lembrar uma melodia muito aproximativamente, contudo, ineficiente. Os sujeitos precisam passar para uma forma de codificação mais difícil que capte,
elas podem ser de fato suficientes, em alguns contextos, para que uma melodia seja reconhecida de alguma maneira, as informações sobre intervalos de altura. À luz da discussão anterior,
como uma repetição ou transposição de um original (especialmente se combinadas a outras tudo indica que esse processamento envolve a codificação da melodia como uma seqüência
informações, tais como o ritmo, por exemplo). de elementos tonais em uma escala ou tonalidade específica.
Edworthy (1983) tentou avaliar a importância da memória de contornos através de um Dowling e Bartlett (1981) apresentam conclusões semelhantes às de Edworthy em
experimento em que os ouvintes escutaram duas melodias, a segunda sendo uma transposição um estudo em que foram tocados excertos curtos dos quartetos para cordas de Beethoven.
da primeira no intervalo de trítono (por exemplo, dó maior-fá sustenido maior). A transposição Os sujeitos tinham que classificar em uma escala de avaliação outros excertos da mesma
preservava os intervalos exatos da melodia original, exceto num certo ponto onde foi introduzida obra, ouvidos após algum tempo, como semelhantes ou diferentes. Alguns dos extratos eram
uma alteração de caso pensado. Pedia-se aos ouvintes que localizassem a alteração. Havia ‘iscas’, isto é, haviam sido escolhidos de modo a se parecem com os originais em termos de
dois tipos de melodia, uma curta (de cinco notas) e uma longa (de 15 notas). O exemplo contorno melódico e a serem diferentes no intervalo exato de altura; outros eram diferentes,
5.22 mostra uma melodia típica de cinco notas. Havia também duas condições auditivas. Na tanto em termos de contorno, quanto em intervalo de altura. Os sujeitos julgaram ambos os
condição altura, a nota alterada foi uma outra nota extraída da tonalidade da melodia que tipos de extratos como sendo ‘diferentes’dos originais; com as ‘iscas’de contorno igual sendo

O U V IR M U S IC A
não mudava o contorno original de sobe e desce (vide exemplo 5.23). Pedia-se aos sujeitos ouvidas como sendo apenas marginalmente mais semelhantes do que as ‘iscas’ de contornos
que monitorassem as alturas das notas para detectar a alteração. Na condição do ‘contorno’, a diferentes. Em uma experimentação posterior, Dowling e Bartlett descobriram que o fato de
melodia foi alterada em sua própria tonalidade, de modo que o contorno de sobe e desce fosse compartilhar o mesmo contorno permitia predizer melhor a semelhança percebida apenas
diferente em um lugar (vide exemplo 5.25). Pediu-se aos sujeitos que monitorassem o contorno quando o tempo transcorrido entre o original e a peça de comparação era curto. Quando esse
de sobe e desce, não as alturas precisas, de modo a localizar a alteração de contorno. tempo foi mais longo, foi necessária uma coincidência exata entre os intervalos de altura para
chegar a avaliações de alta similaridade.

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Exemplo 5.26: Adaptação do primeiro movimento da Sinfonia N.5 de Beethoven

Exemplos 5.22 a 5.25: Exemplos de estímulos do estudo de Edworthy (1983). Tomados em conjunto, esses resultados sugerem que o contorno é uma característica
da música que tem mais importância quando se ouve por períodos curtos, não longos; e que,
se o compositor deseja orientar a atenção do ouvinte para a semelhança de contorno de duas
sequências, elas precisam ser bem curtas (mais próximas de cinco do que quinze notas) além
de estarem próximas na composição. Os casos que me vêm à mente certamente satisfazem
P a d r ã o s e q ü e n c i a l

essa condição. No primeiro movimento da quinta sinfonia de Beethoven, o elemento melódico Parece indiscutível que as seqüências musicais que podem ser representadas como
crucial tem uma extensão de quatro notas, e quando o intervalo de altura é alterado de modo a ocorrendo dentro de uma tonalidade ou escala são mais fáceis de lembrar que aquelas que
preservar apenas a identidade de contorno, então as repetições são freqüentemente contíguas não podem. Contudo, a essa generalização precisam ser feitas algumas ressalvas. Considere as
(veja exemplo 5.26). No prelúdio de Bach em dó menor (de ‘O Cravo Bem Temperado', livro duas seqüências do exemplo 5.29. Se alguém passar dez segundo estudando cada uma delas
2), o motivo repetido tem oito notas, e porque praticamente toda a peça está baseada em com vistas de reproduzi-las, ficará logo aparente que (b) é mais fácil de lembrar do que (a).
repetições contíguas do motivo que preservam o contorno mas não as relações intervalares
precisas, o contorno é bem saliente (exemplo 5.27). Isso acontece a despeito dos seguintes fatores:

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J \_________________________J (------------------------------------------- 1 Exemplo 5.29
Exemplo 5.27: De J.S.Bach, O C ravo bem Tem perado, prelúdio 2, livro 1.
1. (a) começa com uma seqüência de três notas que especifica de maneira unívoca a tonalidade
Considere-se, porém, como uma quantidade mesmo pequena de material interveniente de sol maior, o que não é o caso de (b).
pode camuflar a identidade de contorno. A canção popular Over the Rainbow tem um motivo 2. (a) contém apenas notas extraídas da escala de sol maior, ao passo que (b) contém duas
de três notas que está sujeito à repetição de contorno (exemplo 5.28). Porém, foi apenas notas cromáticas (dó sustenido e lá sustenido).

O U V IR M U S IC A
quando fui incentivado a perceber essa melodia conhecida de maneira analítica (por Rosner 3. (b) é mais longa que (a).
e Meyer, 1982) que percebi a repetição do contorno do compasso 1 no compasso 3. Minha O que torna (b) mais fácil de ser lembrada é que ela parece, de certa maneira, mais simples.
‘segmentação’ da melodia havia agrupado a terceira nota (ré) com outras notas no compasso É ouvida como um padrão de três notas que repete por quatro vezes em um arpejo descendente
2, solapando sua relação às duas notas prévias. de sol maior. Deutsch e Feroe (1981) desenvolveram um formalismo detalhado que capta
alguns dos elementos da música que parecem estar associados à facilidade de memorização.
Elas concebem as melodias tonais simples como operando no interior de alfabetos de notas.
Exemplo 5.28 Um alfabeto é um conjunto de intervalos de alturas ordenadas especificado pela cultura e que
incorpora algum principio tonal. Os alfabetos mais fundamentais de nossa cultura são as escalas
Exemplo 5.28: Compassos de abertura da linha melódica de O ver the rainbow , música de Harold Arlen e letra de e arpejos diatônicos e cromáticos. Tomando qualquer um desses alfabetos, é possível construir
E.Y. Harburg. Direitos reservados © 1938,1939 (renovados em 1966,1967) por M etro -G o ld w yn -M ayer, Inc. uma seqüência ordenada ascendente ou descendente a partir de qualquer nota. A aplicação do
Todos os direitos controlados por L eo Feist, Inc, um catálogo da CBS, divisão da CBS Inc. alfabeto da escala de sol maior à nota sol resultaria em uma seqüência ascendente sol-lá-si-
Todos os direitos reservados. Usado sob permissão.
dó-ré-mi, etc. A aplicação do alfabeto da escala cromática à mesma nota resultaria em sol-sol
sustenido - lá - lá sustenido, etc. A aplicação do alfabeto do arpejo de sol maior renderia sol-
si-ré-sol, etc. A proposta é que, no contexto de cada um desses alfabetos, movimentos por graus
conjuntos constituem o tipo de mudança mais simples e mais fácil de lidar; e que as seqüências, de maneira econômica como estruturas hierárquicas [como acontece no exemplo 5.29 (b)].
a propósito das quais se pode demonstrar que são construídas combinando movimentos desse Outras [como o exemplo 5.29 (b)], não podiam. No primeiro caso, o reconhecimento resultou
tipo, segundo os vários alfabetos, são percebidas como simples e fáceis de lembrar. O exemplo em 94 por cento de acertos; no segundo caso, em apenas 52 por cento. Além disso, quando as
5.29 pode ser expresso como uma estrutura hierárquica simples baseada em movimentos de melodias estruturadas estavam segmentadas temporalmente em grupos de três (pela introdução
um único passo nos alfabetos do arpejo e da escala cromática de sol maior (vide figura 5.5.). de uma breve pausa após cada três notas) correspondendo às principais subdivisões hierárquicas,
244 No topo da hierarquia, começamos com uma única nota, o sol 4. Aplicamos em seguida o o rendimento subiu para 99 por cento. Porém, se a segmentação era por grupos de quatro notas,
alfabeto do arpejo de sol maior a esta nota, descendo em graus consecutivos por quatro notas. portanto quebrando os grupos melódicos de três notas, o rendimento caiu para 69 por cento.
Construímos então um padrão subsidiário na escala cromática, que é obtido tomando uma Por outro lado, um agrupamento temporal de qualquer tipo melhorou o rendimento em dez
nota, movendo-a um grau abaixo e retornando novamente à nota original. pontos percentuais, em média, em relação às seqüências não-estruturadas.
Esses resultados trazem à baila um fator importante que ainda não consideramos
• = G5 G
em nosso tratamento da escuta musical: o papel do tempo e do ritmo. É bem sabido que a
introdução de lacunas temporais em qualquer tipo de seqüência aumenta a tendência das
seqüências serem percebidas como grupos ou pedaços entre lacunas (Bower e Winzez, 1969;
Restle, 1972). Isso é parcialmente explicado pelos princípios gestálticos de agrupamento. A
‘lei de proximidade’ afirma que os elementos aproximados e agrupados em uma dimensão
específica tendem a ser percebidos como uma única unidade, separada de outros elementos
mais distantes. Um análogo visual do fenômeno auditivo é apresentado no padrão seguinte:

O U V IR M U S IC A
Figura 5.5. Representação formal de uma sequência de tons hierarquicamente organizada. Adaptação de Deutsch (1981)
e Deutsch e Feroe (1980). Tonalidade: * = nota de referência (isto é, a nota a partir da qual sequência é construída); p =
movimento descendente de um grau do alfabeto; n = movimento ascendente de um grau do alfabeto; Gtr = alfabeto da
tríade de sol maior; Cr = alfabeto da escala cromática; A[pr]B =a aplicação do padrão B a cada elemento do padrão A.
Esse padrão é visto como cinco grupos de tamanhos diferentes.
Agora, aplicamos este padrão a cada nota do arpejo por vez, para produzir a melodia
final. A figura 5.5 mostra os passos consecutivos da construção e a notação simbólica que
Deutsch e Feroe desenvolveram para descrever tais seqüências de maneira econômica.
Essas formulações teóricas baseiam-se diretamente nos trabalhos de Simon e Sumner
(1968) e Restle (1970) sobre padrões temporais. Contudo, Deutsch e Feroe indicam que
estruturas hierárquicas semelhantes a essas parecem estar implicadas na maneira como
representamos outros inputs complexos, tais como as cenas visuais (Palmer, 1977), e os ambientes
de grandes dimensões (Chase e Chi, 1981), assim como a linguagem (vide capítulo 2). Portanto,
representam uma característica geral do funcionamento cognitivo humano.
Deutsch (1980) ofereceu evidências em primeira mão para esta teoria, pedindo aos Figura 5.6. Adaptado de Smith (1983).
músicos que lembrassem de melodias a partir de ditados. Algumas melodias podiam ser descritas
Entretanto, como já vimos (capítulo 2, seção 5.4), tais agrupamentos simples podem Diversos outros estudos confirmam a importância da organização hierárquica na
ser suplementados por um tipo de agrupamento mais sofisticado baseado no compasso, que percepção de padrões rítmicos (veja Handel e Todd, 1981; Povel, 1981); e Jones, Kidd e
exibe grande parte da mesma estruturação hierárquica que Deutsch e Feroe propuseram Wetzel (1981) deram uma demonstração preliminar de que o ritmo pode funcionar como uma
para o agrupamento de alturas. O modo de operar de ambos os tipos de agrupamento é pista da atenção do streaming de atenção, de maneira análoga ao que ocorre com a altura. De
bem demonstrado em um estudo de Smith (1983), que examinou a memória para padrões maneira geral, o ritmo tem sido o parente pobre da tonalidade’ (Davies, 1978) nos estudos
rítmicos pedindo a músicos e não-músicos que ouvissem seqüências rítmicas, tocadas por um sobre respostas psicológicas à estrutura musical. Ultimamente, porém, estamos começando a
tambor-sintetizador, e tentassem repeti-las. A figura 5.6 dá um exemplo do tipo de padrão perceber que o ritmo não só é um principio organizador tão importante quanto a tonalidade,
rítmico utilizado, juntamente com duas maneiras alternativas de agrupar o padrão. Acima mas que os dois sistemas interagem mutuamente. Logo, em grande parte da música tonal, o
do padrão, há uma representação da amplitude sonora no tempo. O agrupamento gestáltico conhecimento da estrutura tonal pode ajudar a determinar a estrutura rítmica, e vice-versa.
por proximidade temporal resulta nos quatro grupos entre colchetes. Abaixo do padrão, há Mencionamos anteriormente (no capítulo 2) como a repetição de padrões tonais pode agir
uma representação de sua estrutura métrica hierárquica4. Isso dá à seqüência um compasso como uma pista para a métrica (Steedman, 1977). Nesse sentido, o exemplo 5.29 (b) adquire
de três tempos que agrupa notas sem deter-se nasfronteiras dos grupos temporais. Cada grupo um compasso % em conseqüência do padrão repetitivo de três notas. Inversamente, o acento
métrico inicia com uma nota acentuada no início do compasso. Quando Smith analisou os rítmico (tal como comunicado através de variações de acento ou tempo - vide capítulo 3,
erros de seus sujeitos, descobriu que os músicos tendiam a agrupar por compasso e que suas seção 2.3) oferece uma pista para determinar a estrutura tonal. Em grande parte da música,
respostas tendiam a manter a métrica regular do original. Os erros dos não-músicos tenderam as notas mais importantes para a harmonia recaem sobre os tempos fortes, ficando as notas
a não manter a métrica, mas suas respostas preservaram o agrupamento mais primitivo por subsidiárias ou de passagem em outros pontos. Logo, a seqüência cromática do exemplo 5.30
proximidade temporal.Smith descobriu que: terá mais chances de ser ouvida em ré menor se for usado o esquema de acentuação indicado

O U V IR M U S IC A
acima da pauta, mas em mi menor se for usado o esquema abaixo da pauta. Em ambos os
Muitos sujeitos relataram ter usado uma estratégia de contagem’, computando o número de sons casos, os acentos especificam as principais notas da harmonia.
que formavam um grupo, e o número de tais grupos na seqüência. Isso significa que, embora em
pudessem bater o número correto de sons, os intervalos dos e entre os grupos de sons estavam
sendo distorcidos.

Portanto, no estudo de Smith, percebemos não só que a padronização abstrata subjacente


é importante para determinar a memória dos ritmos, mas também que o uso que se faz de tais Exemplo 5.30
padronizações depende da experiência musical. Isso nos faz lembrar de um fato geralmente
aplicável, mas freqüentemente esquecido, que muitos aspectos da habilidade de lidar com a A M EM ÓRIA EM PEÇAS M U SIC A IS E X T E N SA S

música dependem crucialmente da experiência musical. Tal experiência permite aprender as


características dos princípios estruturantes, comuns em música, e os mecanismos para detectá- A literatura que resenhei neste capítulo mostra que nós estamos começando a construir
los. No próximo capítulo, voltaremos a este assunto, examinando de maneira mais aprofundada um quadro detalhado e objetivamente verificável da maneira como os ouvintes representam e
as mudanças que ocorrem no comportamento musical por efeito da experiência. memorizam seqüências melódicas curtas. A questão a que estamos voltando aqui, levantada no
início do capítulo, é: como isso nos ajuda a compreender o que acontece na escuta de passagens
4N T : O u e s tru tu ra h ie rá r q u ic a d e c o m p a s s o .
musicais extensas? Uma opinião bastante ingênua seria que os ouvintes formam representações
na memória de cada seqüência curta da maneira aqui delineada e, simplesmente, retêm essas
seqüências na ordem serial correta; da mesma maneira como alguém poderia lembrar uma lista
de sentenças não-relacionadas entre si. Esse ponto de vista levanta dois problemas: em primeiro
lugar, como um ouvinte segmenta ou ‘quebra’ uma textura musical contínua em seqüências Exemplo 5.31: Exemplos de estímulo usado por Tan, Aiello e Bever (1981)
curtas do tipo apropriado? E, em segundo lugar, como ele mantém distintas e corretamente
ordenadas na memória uma quantidade de seqüências que podem chegar a muitas centenas? O fechamento também pode ser assinalado por elementos rítmicos ou métricos da
Examinaremos agora estas duas questões. música. Por exemplo, há uma tendência de grande parte da música melódica ser construída
Para resolver o problema da segmentação, os ouvintes precisam ser capazes de detectar em múltiplos de unidades de dois compassos. Logo, um tamanho comum de frase é quatro
‘resoluções’em diversos níveis. Muitas vezes, características físicas da música, como as pausas ou compassos. Meyer (1973) propôs que uma forma musical realiza os finais duplos de articulação
as mudanças de instrumentação, sugerirão uma segmentação pertinente. Mas há muita música ou segmentação juntamente à unificação e ao movimento prospectivo, fazendo coincidir várias
em que tais pistas não seriam suficientes. Há indícios de que os ouvintes percebem tipos de pistas ‘defasadas’ de resolução. Portanto, uma melodia pode atingir um encerramento rítmico
resoluções mais abstratas, especificadas por considerações harmônicas ou rítmicas. No capítulo em um ponto, mas sua falta de resolução harmônica implica a necessidade de uma continuação.
2, nós discutimos o experimento das ‘migrações dos cliques’ de Sloboda e Gregory (1980) Com base neste argumento, o final de uma peça musical bem construída não é simplesmente
enquanto fonte de evidências de que a segmentação perceptiva de melodias resulta em separar o ponto em que o som pára, é o ponto em que a resolução é atingida simultaneamente em
frases por cadências. Um estudo realizado porTan, Aiello e Bever (1981) é mais particularmente todos os seus vários níveis. Vamos então presumir que há pistas que os ouvintes podem usar
relevante para a presente discussão porque testou a memória de partes de uma seqüência. Nesse para segmentar a música em unidades curtas, manuseáveis e ‘significativas’.
estudo, foram construídas seqüências de notas com durações iguais que continham duas frases Nossa segunda questão relaciona-se ao problema de manter um grande número de tais
melódicas, cada qual terminando em uma cadência melódica. O exemplo 5.31 mostra uma das segmentos na memória. Estimativas da capacidade de memória para um conjunto de itens
seqüências usadas. Quando tocada ou cantada, ela dará ao ouvinte ocidental a impressão de ser que não estão relacionadas entre si de acordo com algum princípio, sugerem que há um limite
quebrada em duas metades, com um ‘fechamento’parcial após a décima nota. A seqüência que para cada série individual (Miller, 1956). Conforme mais itens são acrescentados, a memória
leva até esta nota (ré-sol-mi-dó) é mais prontamente interpretada nesse contexto como uma para outros itens é perdida. Aparentemente, a única maneira de superar tais limitações consiste
cadência perfeita, mudando da harmonia de sol para a de dó. As notas 11-14 formam parte de em encontrar alguma forma de relacionar ou ligar os itens entre si. Em algumas esferas da
um novo acorde (ré menor) que leva ao final da cadência perfeita em dó. Tan e colaboradores memória, isso se faz ‘importando’ uma estrutura que pode agir como um recurso mnemônico
tocaram tais melodias para os sujeitos e depois pediram a eles que julgassem se uma ‘sonda’ de para unir elementos de outro modo não-relacionados. Na música, tais relações já estão presentes,
duas notas específicas tinha ou não sido apresentada na melodia. Três tipos de sonda ‘verdadeira’ em grande parte, na padronização e na estrutura de uma composição. O compositor escreve
foram de particular importância: o par de notas que encerra a primeira frase (mi-dó no exemplo deliberadamente de modo que os segmentos individuais tenham semelhança e relação, e isso
5.31), o par de notas iniciando a segunda frase (fá-lá no exemplo 5.31), e o par de notas que os liga em unidades maiores. É precisamente pela descoberta de tais semelhanças e conexões
estava ‘a cavalo’ no limite da frase (dó-fá no exemplo 5.31). Eles descobriram que era menos que os limites da memória podem ser superados.
provável que os sujeitos reconhecessem o segundo tipo de sonda como tendo ocorrido, do que Para começar, por exemplo, consegue-se economia na ccaificação se as repetições
os outros dois. Parece que eles estavam mais propensos a formar representações de intervalos puderem ser identificadas e percebidas. Nesse caso, ao invés de ser objeto de duas representações
acessíveis na memória internamente à das frases definidas por cadências, do que no caso de sucessivas, a seqüência em questão pode ser representada uma única vez na memória, e ‘chamada’
notas igualmente próximas no tempo, mas advindas de duas frases diferentes. em suas várias ocorrências no decorrer da peça, por meio de algum tipo de ‘marcador’que localiza
as repetições no interior de seqüências mais longas. Em segundo lugar, é possível perceber as canto, formas musicais curtas e medianamente extensas que tenham uma estrutura de frases
semelhanças inexatas e marcar certas seções codificadas como variantes das seções anteriores. melódicas definidas, mas que tenham notas demais para que sua primeira lembrança tenha
Talvez em uma primeira escuta, o ouvinte não disponha de todos os recursos necessários chances de ser perfeita. Podemos então examinar os erros feitos na reprodução e também como
para codificar exaustivamente as variantes, mas é bem provável que ele seja capaz de lembrá- a representação é construída após sucessivas escutas, e depois de muitas ocasiões, como as
las como ‘bem parecidas’ com algo que já passou. Terceiro, o ouvinte podería extrair alguma melodias são lembradas. Nossos resultados preliminares são animadores. Até mesmo as pessoas
progressão ou padrão subjacente numa seqüência de enunciados musicais, tais como passar com pouco treino musical são capazes de fornecer respostas competentes; e nós percebemos que
por um caminho tonal conhecido ou o mover-se em direção ao clímax, ou ainda reproduzir freqüentemente a primeira lembrança preserva muito das informações de alto nível contidas
alguma forma conhecida como, por exemplo, fazer variações sobre um tema. Isso o ajudaria no original, enquanto alguns detalhes específicos são perdidos. O exemplo 5.33 mostra uma
a reconstruir a ordenação correta para as seqüências, que não seriam mais arbitrárias, já que transcrição de uma primeira tentativa de um sujeito de lembrar o exemplo 5.32. Ao passo
obedeceríam alguma regra ou padrão. Quarto, o ouvinte pode ser capaz de construir um ‘enredo’ que muitas notas individuais não batem com o original, a estrutura métrica é correta (três
ou ‘drama’ emocional ou representacional a partir da música, que pode ajudá-lo a lembrar e frases de dois compassos em compasso simples), a seqüência harmônica (duas frases de dois
ordenar os diversos componentes.Por exemplo, as exigências do ‘enredo’num ponto específico compassos em ré menor na progressão I-V-I, seguidas por um movimento implicado para a
estabelecem que o próximo tema será “atrevido” ou ‘resignado’. Delis, Fleer e Kerr (1978) tonalidade da relativa maior - fá), e diversos padrões melódicos e rítmicos característicos do
forneceram evidências para este tipo de processo em um experimento em que descobriram original.Tudo parece indicar que este sujeito estava reconstruindo alguns detalhes de acordo
que as pessoas lembravam-se melhor de excertos musicais quando eles recebiam rótulos na com as condições impostas por seu conhecimento das estruturas de ordem superior e do
forma de títulos representacionais concretos e, menos bem, no caso de rótulos conceituais estilo da melodia, usando um conhecimento musical geral para ‘preencher as lacunas’ de um
abstratos. Eles entendem que os títulos concretos permitem a construção de algum tipo de modo plausível. Uma discussão mais detalhada desse estudo pode ser encontrada em Sloboda

O U V IR M U S IC A
estória, à qual podem ser associados os vários segmentos da música. É claro que, em grande e Parker (1985).
parte da música, não há títulos representacionais e, portanto, o ouvinte precisa construir sua . 7— ----------------p — ■— rs~ ---- f ^ T " T S C - ..........- 1 1
própria ‘estória’ a partir do caráter da música; o princípio, porém, é o mesmo.
1 1 1 1
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u u -------- V V j j i

Com base em tais sugestões, o quadro geral que eu gostaria de propor é que o ouvinte
está engajado na construção de uma representação multidimensional da música que ouve e r f ----------;—------- ------------1
T T---- • f T 1 •1
Ti *
1» = f eI I a 1=T_*_____
n = = D
que, dependendo de seu conhecimento e de seu estilo cognitivo, sua primeira memória da — LJ—---------

música selecionará dimensões diferentes dentre as muitas disponíveis. O que é crucialmente Exemplos 5.32
importante é que estas memórias não serão necessariamente compostas por episódios isolados
da música. É igualmente possível que ele terá extraído informações globais que especificam
alguns parâmetros da estrutura geral (tais como a construção métrica, a estrutura harmônica, nThir"t i _,___ * ■ , ~ r
<• j~ 1t
r r

os tipos de melodias recorrentes, ou o ‘argumento’ emocional). trt


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Como podemos mostrar esses processos em ação? No momento, eu não consigo pensar
em nenhuma maneira satisfatória de trazer à tona o que acontece quando se ouve música de n r i ~
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proporções realmente extensas; mas uma abordagem intermediária que David Parker e eu * - ... *

Exemplos 5.33
..... i --------------------------------------------- *

começamos a explorar recentemente é pedir aos ouvintes que tentem reproduzir, através do
Espero que a discussão anterior tenha tornado mais claro o porquê de eu querer afirmar subseqüente, porque elas não continham acordes ou padrões instantaneamente reconhecíveis.
que ‘façanhas da memória’, como a memorização do Miserere de Allegri por Mozart (vide Fmalmente, para alguém com tanto conhecimento musical quanto Mozart, sempre existe a
capítulo 1), não envolvem processos de memória inexplicáveis, que colocariam Mozart à parte possibilidade de reconhecer as seqüências como sendo idênticas ou semelhantes às seqüências
dos músicos comuns. Ao invés disso, sua memória o distingue e o caracteriza como alguém de outras peças já conhecidas por ele. Uma vez reconhecida, uma seqüência pode ser descartada
cujo conhecimento e habilidade superiores permitiram que realizasse, rapidamente e com como algo já disponível na representação mnemônica de outra obra.
suprema confiança, algo que todos nós somos capazes de realizar ainda que de maneira menos Embora constituam mera especulação no caso específico de Mozart, esses comentários
eficiente e em escala menor. Examinando a estrutura do Miserere de Allegri, encontramos são claramente testáveis em relação aos músicos contemporâneos que podem produzir tanto
diversos elementos que poderiam apoiar os processos de memória que viemos discutindo. evidências escritas de suas tentativas de memorização, quanto protocolos verbais de suas
A obra possui uma estrutura episódica simples em que o refrão’ polifônico é repetido por estratégias. Esperemos que tais pesquisas comecem muito em breve. Pesquisas acerca de
diversas vezes, separado por uma passagem repetida, simples e homofônica, parecida com um outras tarefas cognitivas, como desenhar de memória (vide Pratt, 1983), oferecem modelos
cântico. Mozart podería ter tido acesso prévio às palavras dessa peça coral e, possivelmente, aos promissores, além de confirmar os tipos gerais de explicações que propusemos aqui para o
relatos de outros ouvintes, o que teria dado a ele uma idéia muito clara do tipo de estrutura a caso da música.
ser esperada. O maior problema, para ele, seria ‘reparar’ a escrita das vozes do ‘refrão’. Nisso,
ele poderia ter sido ajudado pelas diversas repetições idênticas no decorrer da execução.
Dentro desta seção, há uma seqüência harmônica razoavelmente transparente, que sustenta
uma melodia de soprano ornamentada e particularmente saliente. Foi a suposta beleza dessa
melodia, ouvida em seus contextos harmônico e acústico, que levou o Vaticano a proibir sua

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publicação. O fato de que esta música poderia ser ouvida somente na Capela Sistina, sem
dúvida, acrescentou pontos à sua fama.
Há muitas outras estratégias que Mozart poderia ter usado para memorizar a seção
crucial. Uma delas seria focar sua atenção em uma parte vocal diferente a cada escuta (veja
este capítulo, seção 2). No entanto, eu suspeito que a prioridade tenha sido a réplica exata
da célebre linha do soprano juntamente à harmonia correta. Não teria sido muito grave se a
harmonia das vozes internas não estivesse absolutamente certa. Afinal de contas, não havia a
possibilidade da cópia ‘ilícita ser cotejada com a original. Uma vez fixadas a linha melódica
principal e algumas das partes internas mais salientes, Mozart bem que podería ter usado seu
conhecimento estilístico para ‘preencher’o que ele não ouviu direito. Ademais, ele poderia teria
tido aquele reconhecimento ‘instantâneo’dos acordes e intervalos que discutimos anteriormente,
no contexto do ‘ouvido relativo’. Portanto, ele poderia saber que tinha ouvido, digamos, um
acorde de sétima da dominante, sem ouvir, necessariamente, as notas individuais. Mas seus
conhecimentos dos conteúdos referentes a um acorde de sétima da dominante lhe teriam
permitido inferir as notas no seu ‘ouvido da mente’. Após uma primeira audição, ele poderia
ter identificado as seções problemáticas que precisavam de mais atenção em uma escuta
25
I ntro d ução

A habilidade musical é adquirida através da interação com um meio musical. Consiste


na execução de alguma ação cultural específica em relação aos sons musicais.
VEntretanto, a habilidade musical é construída sobre uma base de competências e

O A P R E N D IZ A D O E O D E S E N V O L V IM E N T O M U S IC A L
tendências inatas.Todo desenvolvimento humano envolve alguma forma de construção a partir
daquilo que já é presente. Como todos os cérebros humanos são parecidos, e como alguns
aspectos da experiência são comuns a todos os seres humanos (por exemplo, a experiência do
mundo físico e de suas propriedades), tem sido possível identificar certos aspectos da aquisição
de habilidades no início da vida, que parecem ser compartilhados por todos os seres humanos.
Por exemplo, todos nós adquirimos a habilidade básica de manipular objetos no primeiro ano
de vida; por volta dos três anos de idade, adquirimos a competência em nossa língua materna.
Além disso, alguns psicólogos, notadamente Piaget (1950, 1952), lançaram a hipótese de
que o tipo de aprendizagem do qual somos capazes em qualquer idade é determinado por
características gerais do nosso equipamento intelectual naquela idade. Portanto, a razão pela
qual as crianças não parecem ser capazes de dominar com maestria e confiabilidade certos
conceitos matemáticos até por volta dos 7 anos é que, até essa idade, elas não têm o tipo de
recursos cognitivos que lhes permitiriam compreender certas noções necessárias, como a
transitividade ou a conservação.
Segundo esta ótica, o desenvolvimento cognitivo deve ser parcialmente explicado
com base na aquisição ordenada de novas habilidades e estruturas cognitivas ‘gerais’ (‘gerais’
porque elas estão envolvidas em uma vasta gama de habilidades específicas, não em apenas
uma). Adotada por muitos, a visão de Piaget é que há uma ordem de passagem por ‘estágios’
cognitivos universalmente compartilhada, e que cada estágio é caracterizado por um avanço
bastante rápido na aquisição de habilidades, conforme a nova capacidade é aplicada à vasta

.....i.ial
gama de habilidades específicas em que a criança está engajada. Estes estágios não devem ser Ninguém, até muito recentemente, investigou a noção de que o estilo cognitivo geral poderia
encarados como se emergissem misteriosamente na criança, resultando de uma espécie de ser mudado pela instrução, independentemente de habilidades particulares. Ao contrário,
autorização’biológica de novas capacidades em idades diferentes. Ao contrário, surgem a partir 0 ‘vazamento’ entre habilidades parece ser uma propensão humana espontânea. Pode até
de ajustes ou acomodações’ que ocorrem à medida que a criança aprende certas habilidades. ser uma característica que define o pensamento humano, que exista um ambiente mental
Na hora certa, esses ajustes colonizam’outras áreas em que o indivíduo se empenha. suficientemente abstrato para servir de meio, na transferência de habilidades gerais entre duas
Se olharmos o desenvolvimento musical com olhos piagetianos, precisaremos estar habilidades específicas diferentes. pçg
atentos à possibilidade de descobrirmos seqüências invariáveis de desenvolvimento musical, Não é minha intenção fazer uma descrição exaustiva das teorias do desenvolvimento e
possivelmente relacionadas a mudanças gerais em outros domínios cognitivos.Tais seqüências suas relações com a psicologia cognitiva. Introduções gerais à obra de Piaget foram escritas
dariam conta não dos aspectos precisos do comportamento musical encontrado - isso por Flavell (1963) e Boden (1979); e uma abordagem crítica legível foi escrita por Donaldson
dependería de cultura, motivação e oportunidade - mas dos tipos de atividades musicais (1978). Resenhas das teorias do desenvolvimento relacionadas à música foram escritas por Funk
encontrados a cada idade, em virtude das capacidades cognitivas gerais que esses tipos de e Whiteside (1981) e Shuter-Dyson e Gabriel (1981); esta última também é uma referência
atividades requerem. abrangente para a pesquisa sobre o desenvolvimento musical. O que eu gostaria de fazer aqui

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Há, no entanto, um outro enfoque da capacidade cognitiva humana, apoiado em fortes é usar o amplo quadro teórico que esbocei acima para motivar a divisão deste capítulo em
argumentos, que tem sido associado mais particularmente aos trabalhos do lingüista Noam duas partes separadas, porém complementares.
Chomsky (refira-se também ao capítulo 2). Segundo esse enfoque, o organismo humano está A primeira metade acompanha a aquisição espontânea da habilidade musical em crianças
biologicamente predisposto a alcançar a excelência em algumas habilidades cognitivas específicas, ocidentais, do nascimento até os anos centrais da infância. A segunda metade concentra-se no
uma das quais é a linguagem, e há mecanismos especiais para a aquisição dessas habilidades, desenvolvimento posterior de habilidades musicais especializadas, que acontecem tipicamente
que não fazem, necessariamente, parte da capacidade cognitiva ‘geral’, mas ficam restritas em um ambiente educacional auto-consciente. Grosso modo, esses dois processos podem ser
(pelo menos inicialmente) à habilidade em questão. Seguindo esta abordagem, precisaremos chamados, respectivamente, enculturação1 e treino.
estar atentos para a possibilidade de descobrirmos aspectos do desenvolvimento musical em Os principais elementos da enculturação parecem ser estes: em primeiro lugar, encontramos
sua fase inicial que apontam para capacidades específicas à música e que não têm análogos um conjunto compartilhado de capacidades primitivas, que estão presentes no nascimento ou
em outros domínios. logo após. Em segundo lugar, há um conjunto compartilhado de experiências que a cultura
Estes dois pontos de vista não são mutuamente incompatíveis, e Gardner e Wolf (1983) proporciona às crianças, à medida que crescem. Em terceiro lugar, há o impacto de um sistema
chamaram a atenção para o fato de que elementos de ambos podem ser necessários para cognitivo geral que muda rapidamente, à medida que são aprendidas muitas outras habilidades
explicar de maneira completa o curso do desenvolvimento cognitivo. Eles argumentam que o que têm base na cultura. Esses elementos combinam-se entre si para resultar em uma seqüência
desenvolvimento humano é caracterizado complementarmente por correntes independentes de realizações que é aproximadamente a mesma para a maioria das crianças de uma cultura, e
de aquisição de habilidades específicas, possivelmente baseadas em mecanismos biológicos, em um conjunto de idades mais ou menos semelhantes em que se dão os diversos rendimentos.
especialmente determinados, e ondas de simbolização comuns, nas quais uma realização nova A enculturação também é caracterizada por uma ausência de esforço auto-consciente, bem
em uma corrente ‘vaza’ para correntes aparentemente não-relacionadas. As correntes estão como pela ausência de instrução explícita. As crianças pequenas não aspiram progredir em sua
fortemente relacionadas por papéis culturais específicos - orador, cantor, artista, artesão, etc 1 NT: O termo enculturação foi usado na presente tradução por fazer parte do vocabulário corrente dos estudiosos da área
e apóiam-se nesses papéis. Dentro de cada corrente é comum haver instrução explícita ou específica da cognição musical, apesar de outros estudiosos das ciências humanas fazerem uso do termo “aculturação” para
um ensino personalizado. Por outro lado, as ondas não parecem ser culturalmente salientes. designar um fenômeno bastante semelhante.
capacidade de aprender canções, mas progridem. Os adultos não ensinam às crianças a arte de não se preocupam em compreender os mecanismos psicológicos que resultam no sucesso ou
memorizar canções, mas as crianças aprendem a memorizá-las. no insucesso de métodos educativos específicos. Eles têm caricaturado o estudo educacional
Quando nos voltamos para a questão do treino, passamos a ter um conjunto de típico, representando-o como uma escalação aleatória das crianças para diversos tipos de
preocupações bastante diferentes. Concentremo-nos agora em experiências específicas que não regimes instrucionais e com uma tendência de fazer uma receita da instrução que produziu
são compartilhadas por todos os membros de uma cultura. Ao contrário, essas experiências os melhores resultados. Por outro lado, os psicólogos educacionais acham que os psicólogos
são específicas da sub-cultura que valoriza a aspiração à excelência em uma determinada cognitivos não têm interesse em resolver problemas práticos e têm caricaturado o estudo
habilidade. Tais experiências permitem à pessoa usar os fundamentos gerais da enculturação cognitivo típico, dizendo que ele lida com uma porção microscópica de uma tarefa real e faz
para realizar-se naquilo que podemos chamar de expertise. De modo muito geral, podemos tantas ressalvas a qualquer receita possível que se torna inaplicável a qualquer situação real
dizer que, em nossa cultura ocidental, a enculturação musical é o processo dominante até de ensino. Ambos os pontos de vistas têm vários elementos de verdade, e continua tão difícil
por volta dos 10 anos de idade; depois disso, o treino musical exerce um papel cada vez mais quanto antes, chegar a receitas de ensino que sejam baseadas na verdadeira compreensão dos
importante. De maneira geral, parece que o treino musical tende mais a contribuir para um processos psicológicos envolvidos. Contudo, acredito que ambos os lados estão começando a
aprofundamento do conhecimento e realização no âmbito de uma habilidade em particular, do reconhecer a importância de tentar estabelecer ligações entre a teoria e a prática; os autores

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que a ter implicações gerais para o sistema cognitivo como um todo. As ondas de simbolização’ de textos cognitivos recentes acham que é quase obrigatório derivar prescrições educacionais
de Gardner parecem ser particularmente potentes durante os primeiros anos da infância, quando dos resultados da pesquisa pura (veja, por exemplo, Anderson, 1980; Bransford, 1979). Em
a aprendizagem em todas as frentes é mais rápida. Nesse momento, o sistema cognitivo parece particular, tem sido defendido em várias publicações (por exemplo, Levin & Williams, 1970)
particularmente suscetível a reviravoltas amplas. Diferentemente, o adulto típico apresenta que o professor inteligente tem mais chances de tirar proveito de uma compreensão maior
um perfil de capacidades cognitivas altamente enviesado’. Um indivíduo pode ser um mestre dos processos psicológicos subjacentes a uma determinada habilidade do que de uma receita
improvisador do jazz e ter, ao mesmo tempo, o poder de raciocínio de uma criança de 10 anos qualquer obtida através de um treinamento específico. Essa compreensão maior permitirá que
de idade. Um outro indivíduo pode ter um conhecimento profundo da matemática, ao mesmo o professor faça uso de seus próprios métodos, adequando-os às situações e aos alunos com
tempo em que possui as habilidades musicais de uma criança. E assim por diante. Vemos, quem trabalha e modificando-os com base em princípios.
portanto, que a idade adulta cava canais mais profundos dentro das correntes individuais, ao Esta opinião encontra apoio em minha própria experiência com professores. Por exemplo,
invés das ‘ondas’gerais de desenvolvimento. uma vez eu pedi a um concertista e professor, renomado internacionalmente, que participasse de
O treino também envolve um esforço auto-consciente por parte daquela pessoa que se um experimento sobre leitura à primeira vista.Trata-se do experimento descrito no capítulo 3,
compromete com o objetivo específico de tornar-se mais completo. Tipicamente, essa pessoa seção 2.1, no qual o intervalo mão-visão foi estimado em melodias ‘tonais’e ‘atonais’. Uma vez
procura ou recebe métodos que aumentam suas habilidades.Tais métodos são passados através realizado o experimento, discuti com o professor minha predição de que o intervalo diminuiria
de instrução. Além de buscar descrever e compreender as mudanças que ocorrem durante um no caso das melodias atonais. Ele estava duvidando disso. Especialista na performance de
tipo particular de treino, interessa também ao psicólogo avaliar a eficácia de diferentes métodos música atonal, ele achava que sua convivência com a música atonal agiria em sentido contrário
de treinamento e, com base nessa avaliação, oferecer prescrições acerca da melhor maneira aos possíveis efeitos de meus estímulos levemente atonais. Além disso, em sua experiência, as
de treinar determinada habilidade. Esta abordagem avaliadora/prescritiva constitui a base de melodias atonais não eram mais difíceis de ler que as outras. Mais tarde, eu analisei os dados
uma corrente da psicologia conhecida como psicologia educacional. experimentais e descobri que seus resultados não se distinguiam daqueles encontrados para
Nos últimos trinta anos, as relações entre os psicólogos da educação e os psicólogos os músicos que tinham em Bach e Beethoven sua dieta musical diária. Assim como para estes
cognitivos não foram sempre cordiais. Os psicólogos cognitivos têm achado que os educacionais músicos, o intervalo do concertista diminuiu nas melodias atonais. Depois que escrevi para
ele comunicando esses resultados, ele me respondeu dizendo que esses resultados o levaram a maravilhados quando seus bebês ficam quietos e atentos ao som de uma parlenda deveriam
mudar sua atitude no ensino da leitura à primeira vista. Não sei como ele traduziu suas novas tomar cuidado e não tirar conclusões exageradas acerca de suas habilidades. É possível que a
atitudes em ensino; mas, há claramente inúmeras implicações educacionais neste resultado, criança esteja simplesmente respondendo a mudanças na experiência auditiva, percebendo a
demonstrando que as relações tonais possuem um status necessariamente privilegiado no aparato passagem das rápidas modulações de altura e amplitude encontradas na fala para os parâmetros
musical de um músico (presumivelmente por sua presença contínua e precoce na experiência mais lentos da canção, ou que seja particularmente responsivo a certos tipos de formas da onda
casual de todos os ocidentais). Entretanto, eu não ficaria feliz em derivar dessa informação sonora (Hutt, Hutt, Lenard, Bernuth &Muntjewerft, 1968).
uma receita única para os professores. Esperaria que o professor competente fosse capaz de Um pré-requisito necessário da consciência musical é, de fato, que a criança seja capaz de
fazer o melhor uso de tal informação, de modo que a mesma pudesse ser combinada em suas perceber diferenças nas dimensões cruciais do som. Por exemplo, ela será incapaz de perceber
circunstâncias específicas. os elementos que definem uma melodia particular se não for capaz de detectar diferenças em
Além da avaliação de métodos de ensino, a psicologia educacional tem uma segunda altura ou tempo. Contudo, a verdadeira consciência musical só começa quando a criança é capaz
preocupação central, a saber, a indicação de procedimentos de avaliação que permitam aos de perceber relações seqüenciais entre os sons diferentes. Até que ponto vai a capacidade dos
professores descobrir em que ponto um determinado indivíduo se encontra, em relação ao bebês em detectarem seqüências? Estudos feitos por Chang eTrehub (1977a, 1977b) sugerem

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rendimento médio para a sua idade, em algum tipo de teste padronizado. Em música, tais que bebês de apenas cinco meses já são sensíveis a estruturas seqüenciais. Num dos estudos
testes têm sido freqüentemente rotulados como ‘testes de aptidão musical’. Um dos usos (1977a), elas apresentaram repetições de uma melodia atonal de seis notas para os bebês e
desses testes é como diagnóstico, para pôr em evidência determinadas fraquezas que precisam mediram a percepção da melodia como nova, monitorando os batimentos cardíacos. Já está
de treinamento suplementar. Um outro uso é o preditivo. Notas altas em testes específicos bem estabelecido que mudanças em batimentos cardíacos constituem um indicador confiável
parecem estar correlacionadas ao rendimento futuro, e assim, por exemplo, as escolas de música da percepção de novidade e que, à medida que o mesmo estímulo vai sendo repetido, os bebês
usam testes para selecionar candidatos para ingressar em cursos de treinamento especializado. ‘se habituam’(se acostumam) com o estímulo, havendo uma estabilização correspondente dos
Tais testes são freqüentemente concebidos com o objetivo explícito ou implícito de detectar batimentos cardíacos (Bower, 1971). Quando os bebês se habituaram à primeira melodia, foi
a excelência potencial na ausência de treinamento específico. Examinaremos até que ponto tocada uma segunda melodia. Esta podia ser uma melodia que começava pela mesma nota, mas
eles são capazes de fazê-lo. prosseguia com um contorno - um sobe e desce de notas - diferente, mas podia ser também a
mesma melodia transposta em altura, para cima ou para baixo. Chang e Trehub encontraram
E n culturação m u s ic a l uma desestabilização dos batimentos cardíacos para a nova melodia com contorno diferente,
mas não para a transposição da melodia antiga. Aos cinco meses, portanto, tudo indica que
O P R IM E IR O A N O D E V ID A mudanças no padrão seqüencial já são salientes, ao passo que as mudanças pequenas de altura
não o são. Num outro estudo (1977b), as mesmas autoras demonstraram que os bebês de cinco
A primeira evidência de consciência musical é alguma forma de diferenciar seqüências meses também são sensíveis às mudanças de padrões rítmicos.
musicais - distinguindo-as de outras seqüências musicais ou de seqüências de sons não- E instrutivo compararmos o estudo preciso, porém limitado de Chang e Trehub a um
musicais. Não é adequado dizer, como o fazem muitos autores, que prestar uma atenção mais estudo mais abrangente, porém menos controlado, realizado por Moog (1976). Moog realizou
intensa a sons particulares evidencia, por si só, uma consciência musical. É bem sabido que os um grande estudo transversal sobre respostas dadas por crianças a uma série de fitas preparadas.
bebês são particularmente responsivos a mudanças no ambiente (Kagan e Lewis, 1965). Disso As fitas continham seis ‘testes’. O teste 1 compreendia três canções infantis, cantadas por crianças.
decorre que qualquer som novo ou incomum irá atrair a atenção do bebê. Os pais que ficam O teste 2 compreendia palavras faladas com ritmos definidos, mas sem alturas precisas. O teste 3
compreendia ritmos puros tocados em várias combinações de instrumentos de percussão. O teste combinação de alturas, independentemente das habilidades musicais de seus pais. Entretanto,
4 compreendia música instrumental. O teste 5 tomou um dos trechos tonais e sem dissonâncias não há evidências de que os bebês com idade inferior a um ano consigam imitar seqüências
do teste 4 e o submeteu a várias modificações que introduziram um grau elevado de dissonância melódicas, mesmo as mais breves de duas notas. Além disso, 40 dias de treinamento intensivo
harmônica. O teste 6 consistiu em sons não-musicais, tais como o som de um aspirador de pó e não fazem parte do processo natural de enculturação da maioria dos bebês.
barulhos de trânsito. Estes testes foram tocados para cerca de 500 crianças com idades variáveis Um comportamento muito mais comum que pode ser musicalmente relevante é a
entre três meses e cinco anos. Moog observou a natureza das respostas dadas aos vários testes e habilidade dos bebês de imitar o contorno entoacional da fala. Isso faz parte da exploração
gravou detalhes de todos os comportamentos musicais presentes nessas respostas. vocal pré-fala, também conhecida como ‘balbucio’. Este balbucio melódico é composto
Ele relata que as crianças de seis meses de idade tipicamente param o que estão fazendo primordialmente por glissandos em microtons, movimentos suaves em uma gama de alturas.
e se voltam em direção à fonte sonora com expressões faciais de surpresa, permanecendo, Gardner (1981) relata que as crianças não produzem intervalos discretos de altura até por
inicialmente, imóveis e atentas e, mais tarde, olhando para suas mães e sorrindo. Elas chegam volta dos 18 meses. Esta conclusão baseia-se numa pesquisa longitudinal extensa acerca do
a parar de mamar para olhar na direção da fonte sonora. Os testes 1,4 e 5 (canções e música desenvolvimento simbólico, realizada por Gardner e colegas (Gardner, Davies e McKernon,
instrumental) atraem mais a atenção que os demais. Moog relata que ‘se um sujeito respondia 1981). Nesse estudo, eles observaram o desenvolvimento de uma grande quantidade de

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para apenas uma série, esta era sempre a canção infantil ou a música instrumental; se mais de habilidades, inclusive habilidades musicais, em um grupo de nove crianças, durante seus
uma série atraia a atenção do bebê, então as canções e a música instrumental estavam, sempre, cinco primeiros anos de vida. O estudo envolveu visitas regulares às casas de todas as crianças,
entre os testes aos quais responderam’. documentando seu comportamento musical espontâneo e também tentando ensinar-lhes
Parece que os bebês estão selecionando aqui a qualidade do som como sendo o critério canções simples. Esse estudo provê dados valiosos e pormenorizados sobre o desenvolvimento
para a atenção - sons aveludados no registro soprano. O teste 3 (ritmos) raramente atraiu musical, e nós retornaremos a ele em diversas ocasiões no decorrer deste capítulo.
qualquer atenção, apesar de ter uma dinâmica muito mais forte que todos os outros testes. Não há comportamentos rítmicos explícitos que possam ser notados no primeiro ano
Apesar de valiosos, os dados de Moog não nos informam se os bebês notavam aspectos de vida; embora, novamente, seja preciso tomar o cuidado de distinguir aquilo que pode ser
seqüenciais dos sons.Todos os resultados poderíam ser explicados por uma simples preferência interpretado como rítmico por um adulto e aquilo que é intencionalmente rítmico para a
por aquilo que Moog descreve como um ‘som sensualmente bonito’. criança. Minha filha de oito meses bate repetidamente a colher na mesinha de seu cadeirão, e
Até a idade de seis meses, os bebês raramente demonstram qualquer comportamento repete continuamente uma sílaba sem sentido como parte de seu balbucio, mas eu não gostaria
explícito que possa ser chamado de musical. É claro que é necessário fazer uma distinção entre de atribuir uma intenção rítmica a nenhuma dessas ocorrências aproximadamente regulares.
os comportamentos que podem ser ouvidos como música por adultos e aqueles que revelam uma Ao contrário, ela repete a ação assim que pode depois de terminar a anterior e, como ela leva
consciência musical na criança. Quando Ostwald (1973) fala sobre o choro do recém-nascido mais ou menos o mesmo tempo para realizar cada repetição, um pulso que é de certo modo
dizendo que tem qualidades musicais, ele se refere claramente à primeira interpretação. Não regular acaba se estabelecendo. Para atribuir intenção rítmica, eu procuraria por alguns dos
faz sentido supor que um bebê pretende qualquer coisa de musical através do choro. seguintes comportamentos:
O primeiro sinal de comportamento intencional de tipo musical parece consistir na a) subdivisão de algum tempo, de modo que existam, às vezes, dois ou mais eventos no interior
habilidade que alguns bebês têm de imitar alturas cantadas. Kessen, Levine e Wendrich (1979) de um pulso regular e super-ordenado;
investigaram isto em um estudo em que as mães aprendiam uma técnica para treinar seus b) omissão de um tempo, com a retomada do pulso no momento correto, após uma pausa;
bebês de três a seis meses a acompanhar a altura cantada por elas num diapasão de boca. Eles c) imitação de um padrão rítmico dado;
descobriram que, após 40 dias de prática, todos os bebês acertavam mais do que erravam nessa d) movimentos corporais ou batidas seguindo o tempo da música.
Normalmente, nenhum destes comportamentos ocorre no primeiro ano de vida. de fazer movimentos apropriados quando escutam ‘canções de ações’ que são associadas a
O estudo de Moog (1976) descobriu que praticamente todos os bebês respondiam aos gestos específicos. Contudo, não é necessário haver uma melodia. As crianças continuarão
testes com algum tipo de movimento corporal. As respostas mais comuns foram balançar fazendo o movimento apropriado se as palavras forem faladas de maneira rítmica. Dowling
o corpo para os lados ou mover o corpo para cima e para baixo, quando sentados. Estas (1982) relata que ‘aos 18 meses, minha filha corria em direção ao aparelho de TV quando
respostas foram mais comumente observadas com as canções e a música instrumental do ouvia o tema de Vila Sésamo, mas não quando ouvia outras melodias’. Portanto, fica claro
que com os ritmos puros, e não estavam ritmicamente coordenadas com a música. Entre que as crianças pequenas são capazes de reconhecer alguns aspectos de músicas conhecidas.
os nove meses e um ano de idade, tais movimentos aumentaram em freqüência, duração e Entretanto, não podemos concluir disso que elas ‘conhecem a canção’. Seu reconhecimento
intensidade. Moog também descobriu que, por volta dos nove meses, os bebês começam a da canção pode estar baseado nas palavras, ou em alguma diferença de textura ou timbre. E
fazer vocalizações particulares em relação à música. Ele chama essas vocalizações de ‘balbucio decepcionante para mim descobrir que posso cantar Baa baa black sheep' praticamente em
cantado’, porque tendem a variar na altura mas não apresentam variedade fonêmica, tendo qualquer altura; desde que eu mantenha as palavras e o ritmo, minha filha parará de brigar
freqüentemente por ‘letra uma vogal aberta. O balbucio cantado não possui qualquer e parecerá contente.
relação com a altura ou com o ritmo da canção que está sendo tocada; parece ser uma O que podemos então concluir sobre a enculturação musical no primeiro ano de

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resposta específica de expressão de prazer diante dos sons. Isso é confirmado pelo fato de vida? Parece que as crianças vão conseguindo distinguir os sons musicais dos não-musicais,
que os movimentos e as vocalizações ocorreram sobretudo em resposta às fitas de canções conforme demonstrado pelo aumento da atenção, do movimento e das vocalizações. As
e música instrumental e não ocorreram com a mesma freqüência em resposta à fita dos principais qualidades que distinguem seus sons preferidos parecem ser as da voz cantada ou
ritmos ou dos ‘barulhos’. De fato, os bebês com mais de nove meses começaram a mostrar dos instrumentos. É possível que estas respostas surjam a partir de uma propensão biológica
sinais claros de desprazer diante dessas duas últimas tarefas, virando-se na direção oposta à para responder de maneira especial a certas classes de sons. Também observamos que os
da fonte sonora, mostrando rostos ‘insatisfeitos’, e até mesmo sinais de medo. O aumento bebês conseguem imitar alturas cantadas específicas e podem discriminar seqüências curtas
das vocalizações em resposta à música durante o primeiro ano de vida é impressionante. com contornos melódicos ou rítmicos distintos, quando são ouvidas várias vezes em seguida.
Aos três meses de idade, apenas 5 por cento das crianças vocalizaram. Aos seis meses, essa Porém, há pouca ou nenhuma evidência de que as crianças guardam muita informação musical
proporção tinha aumentado para 30 por cento e, aos nove meses, 100 por cento das crianças sobre canções que ouvem com freqüência; e suas produções envolvendo altura e ritmo não
testadas vocalizaram durante a música. No entanto, o relato de Moog não deixa claro se ele compartilham os elementos organizacionais das melodias que as evocaram. Entretanto, é
conferiu que as vocalizações ocorreram mais durante a música que em outros momentos, importante dizer que estas conclusões gerais precisam ser urgentemente refinadas por meio de
ou se os resultados demonstram simplesmente que há um aumento na propensão dos bebês estudos experimentais controlados, do tipo de que usufruíram por 20 anos ou mais os estudos
para vocalizar a qualquer momento. sobre outros aspectos da infância.
Será que os bebês com menos de um ano reconhecem peças musicais conhecidas?
A possibilidade inicial de que isso ocorra reside no fato de que os pais costumam cantar A CRIANÇA P R É -E SC O LA R (ü E UM A CINCO A N O s)

sempre a mesma canção infantil para os seus filhos. Minha filha ouve ‘Baa baa black sheep’
de alguém aqui de casa pelo menos uma dúzia de vezes por dia. Numa idade um pouco mais A primeira mudança notável de comportamento explícito após o primeiro aniversário
avançada, podem ser acrescentadas à lista de experiências musicais repetidas as músicas de chega por volta dos 18 meses, quando começa a surgir o canto espontâneo. A principal
abertura dos programas de TV conhecidos, os discos que mais tocam em casa e outras. Moog característica do canto espontâneo é o uso de alturas discretas estáveis (ao invés dos glissandos
(1976) relata que, ao final do primeiro ano de vida, as crianças já são geralmente capazes micro tonais do ‘balbucio cantado’anterior). Essas alturas juntam-se em seqüência para formar
pequenos padrões intervalares simples. Embora a criança desta idade geralmente já tenha parênteses indica um intervalo aproximado de um quarto de tom, acima ou abaixo da nota
começado a falar, as palavras geralmente não são usadas no canto espontâneo. Isso sugere que dada. Podemos perceber que as canções são dominadas por repetições da mesma altura, ou
o desenvolvimento musical nesta idade segue por uma ‘corrente’que é genuinamente separada por pequenos movimentos de altura ascendentes ou descendentes. Elas também são primitivas
da fala. Moog (1976) observou que ‘ podem ocorrer palavras isoladas ou partes de palavras, em termos de ritmos, predominando as repetições simples de durações de uma única nota.
distribuídas em uma seqüência de sílabas sem sentido, ou no início de um canto balbuciado Quando ocorrem pausas, elas parecem estar relacionadas sobretudo à necessidade de a criança
que, após começar com a palavra, prossegue com a repetição de uma sílaba isolada’. Nesta fase, respirar, e não a de qualquer noção desenvolvida de diferenciação rítmica. Contudo, o final
nada indica que as crianças estão tentando imitar canções ouvidas; ao invés disso, elas parecem do exemplo 6.1 parece envolver uma imitação melódica e rítmica de uma figura de três notas,
estar experimentando a construção de intervalos melódicos. Gardner et al (1981) notaram e isso é interessante. Mas está claro que estas canções têm pouca noção da tonalidade e
que os intervalos mais freqüentes usados inicialmente aproximavam-se de segundas e terças harmonia dos adultos.
maiores e menores. Conforme se aproxima o segundo aniversário, as crianças começaram a
fazer suas experimentações com intervalos bem maiores, como quartas e quintas. Em todos M__=
J = 66

?.. iJ .r i —f-+--r —)—j—,—í-—1—,—J—i-U—


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os casos, o que chamamos de intervalos são meramente aproximações, e há poucas evidências ±—*•#«! í

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O A P R E N D IZ A D O E O D E SE N V O L V IM E N T O M U S IC A L
de que as crianças estejam produzindo os intervalos exatos da escala diatônica. Vários autores
tentaram transcrever esses cantos espontâneos, usando a notação musical convencional. Ao r f ---------------------
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mesmo tempo em que isso dá uma idéia útil das características gerais do canto infantil, é .;.. H — i-------

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preciso ter cuidado para não atribuir a ele uma coerência tonal e rítmica maior do que aquela
que está de fato presente. A tentação para um adulto ouvinte é sempre a de enquadrar aquilo Exemplo 6.3 Canção espontânea de uma criança de 32 meses. De Dowling (1982).
que a criança canta nas categorias do adulto.
Entre as idades de dois e três anos, as canções espontâneas tornam-se mais longas e
começam a exibir maiores sinais de organização interna. O exemplo 6.3 reproduz uma canção
de uma criança de 32 meses (extraída de Dowling, 1982). Cada nota foi cantada na sílaba ‘yeah’
e os parênteses indicam pontos em que a afinação está relativamente correta. Nos demais locais,
m as alturas notadas são apenas aproximadas. Podemos perceber agora um uso claro e deliberado da
la la Ia repetição. Uma figura maior descendente 3-2-1 é repetida por nove vezes em alturas diferentes
com o mesmo ritmo. Além disso, muitos dos intervalos usados correspondem exatamente
aos intervalos diatônicos da escala. Embora haja uma variação na altura geral da canção e
não exista uma noção abrangente de centro tonal estável, cada frase tende a ser tonalmente
Exemplos 6.1 e 6.2: Canções espontâneas de uma criança de um ano de idade. De Moog (1976). coerente. Aos dois anos e meio, a criança parece ter assimilado as noções de que a música se
constrói a partir de um pequeno conjunto fixo de intervalos de altura, e de que a repetição de
Tendo em mente essa recomendação de cautela, podemos examinar alguns exemplos padrões intervalares e rítmicos é um de seus alicerces. O que ela não percebe é que há sempre
de canções espontâneas. Moog (1976) dá dois exemplos típicos de canções produzidas no alguma estrutura hierárquica à qual se subordinam os grupos de padrões, e que essa estrutura
segundo ano de vida (exemplos 6.1 e 6.2). Um sinal de bemol ou sustenido colocado entre determina a direção e a finalização da canção. De maneira geral, a canção infantil nesta idade
tem a característica de ‘não ter rumo’- pode prosseguir indefinidamente, sem qualquer noção
de finalização. A decisão de quando terminar é em grande medida arbitrária.
Por volta dos dois anos e meio, um novo marco é alcançado. As crianças começam a Hop - pe, hop - pe Rei - ter

tentar imitar partes das canções que ouvem ao seu redor. As letras são o primeiro aspecto da
canção que as crianças imitam - não as letras completas, mas alguns trechos particularmente
salientes ou muito repetidos. Moog relata que as crianças imitavam freqüentemente o ‘din
din don dorí de uma das canções contidas em sua série de testes. Gardner (1981) relata ter
observado “an oink oink here, an oink oink there", parte da letra da canção ‘Old MacDonald’.
E comum que as mesmas palavras sejam repetidas interminavelmente. No início, há poucos
esforços para reproduzir tanto o ritmo como a melodia da canção em questão. Ao contrário, . . .eilt nach Haus
o----
ge - schwind.
as crianças parecem juntar esses padrões de palavras aos tipos de fragmentos melódicos que
vieram produzindo em suas canções espontâneas.

O A P R E N D IZ A D O E O D E SE N V O L V IM E N T O M U SIC A L
A próxima etapa é a extração de padrões rítmicos e melódicos das canções da cultura.
No estudo de Gardner et al (1981), isso tendeu a ocorrer perto dos três anos de idade. No Figura 6.4: Interação entre uma criança de dois anos e sua mãe, recolhido por Moog (1976). A mãe fala, a criança
responde após uma pequena pausa, e novamente depois de uma outra pausa. Em seguida a mãe canta, e a criança
estudo de Moog (1976), 50 por cento das crianças haviam atingido esta etapa aos dois anos. responde usando micro-intervalos.
Essa discrepância não é algo com que precisemos nos preocupar muito. Não só as amostras
eram diferentes em termos de nacionalidade (Gardner - EUA; Moog - Alemanha), mas De maneira geral, o contorno melódico foi imitado mais freqüentemente que a altura
também pelo seu tamanho. As generalizações de Gardner baseiam-se principalmente em exata e Moog não observou em nenhum caso a existência de uma imitação exata por mais
estudos aprofundados sobre nove crianças. As generalizações de Moog baseiam-se num corte de um compasso de cada vez; aliás, essa imitação exata só ocorreu quando a criança cantava
transversal feito a partir de um grupo de 500 crianças. Ambos os estudos chegam aos mesmos juntamente com a pessoa que ela estava imitando.
resultados quanto à ordem em que são alcançados os diversos marcos; e podemos perceber que Durante o terceiro e quarto anos de vida, a criança desenvolve sua capacidade imitativa
no estudo de Moog houve várias divergências entre as crianças das várias idades. a ponto de conseguir repetir canções inteiras. Geralmente ela adquire o domínio do ritmo e
Moog dá um exemplo do tipo de imitação produzido por uma criança de dois anos do contorno melódico antes da habilidade de reproduzir intervalos precisos e manter uma
durante sua interação com a mãe (exemplo 6.4). Vemos aqui uma imitação exata das primeiras mesma tonalidade no decorrer de uma canção. A maioria das crianças consegue reproduzir
quatro notas de Hoppe, Hoppe, Reiter', transposta para uma nova altura. Em seguida, a criança de maneira correta canções conhecidas, rimas e parlendas de sua cultura por volta dos cinco
abandona a imitação estrita e inicia uma brincadeira musical espontânea e repetitiva a partir anos de idade.
da palavra ‘Hoppe’. No segundo exemplo, a mãe canta a canção ‘Little John, e assim que ela O que acontece com as canções espontâneas à medida que aumenta a capacidade de
termina, a criança repete o contorno melódico das últimas cinco notas (com intervalos bem imitação da criança? Em primeiro lugar, elas se tornam mais longas. Moog relata que as crianças
menores). de três anos produzem, com certa freqüência, canções contínuas com muitos minutos de
duração. No entanto, essas canções se tornam mais raras à medida que aumenta a preocupação
com a imitação. Por volta dos quatro anos de idade, cerca de 30 por cento dos sujeitos de Moog
estavam produzindo o que ele chamou de canções ‘pout-pourri’. Nessas canções, ‘as crianças
criam canções novas juntando pedaços de diversas canções já conhecidas’. Palavras, linhas usando, possivelmente pela primeira vez, as características da canção que são determinadas
melódicas e ritmos misturam-se, alteram-se, são separados e novamente unidos de maneiras por estruturas mais abrangentes de tonalidade e ritmo. Embora este comportamento possa
diferentes, e então tudo isso é colocado entre os vãos das ‘idéias originais’. Geralmente estes parecer estático a um observador externo, é bem possível que a criança esteja usando seus
‘pout-pourris’eram estruturas episódicas livres com pouca noção de organização geral. Contudo, crescentes conhecimentos e sua memória de alturas exatas e relações temporais para construir
em alguns casos isolados, figuras ou frases de canções aprendidas foram alteradas de acordo conhecimentos sobre as estruturas musicais de ordem superior, extraindo um novo nível de
com -algum princípio formal definido. Uma menina de três anos e meio cantou toda a canção conhecimento sobre escalas e tonalidades, bem como sobre ritmo e compasso. Vemos este
natalina ‘I hr Kinderlein kommet’ em compasso ternário ao invés de quaternário. Ela fez isso conhecimento em ação num estudo de Davidson e McKernon (Gardner, 1981), em que eles
substituindo o padrão dactílico por uma tercina, onde quer que ele ocorresse. Entretanto, nessa ensinaram uma canção folclórica desconhecida a crianças de quatro e cinco anos de idade. Eles
idade, essa sensibilidade para a estrutura formal é geralmente incomum. encontraram mudanças significativas, entre os quatro e os cinco anos, nos produtos imitativos
Aos cinco anos de idade, já houve um declínio sensível na freqüência de canções resultantes da aprendizagem. As crianças de cinco anos eram capazes de manter uma única
espontâneas. A criança está agora mais auto-consciente e preocupada em evitar erros’e imitar tonalidade por toda a canção, começando e terminando na tônica, mesmo quando algumas
com precisão. Isso coincide com a tendência geral das crianças desta idade para dominarem o notas individuais eram lembradas de maneira errada. Ao contrário, a tonalidade das canções

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detalhe. Gardner e Wolf (1983) caracterizam isso como uma ‘onda de simbolização’, que faz com produzidas pelas crianças de quatro anos tendiam a ‘ir à deriva’conforme a canção progredia.

S I C
que as crianças passem de uma fase de ‘mapeamento topológico’para uma fase de ‘mapeamento Em segundo lugar, as crianças de cinco anos eram capazes de organizar suas reproduções com

U
base em um pulso subjacente. Suas canções ajustavam-se ao pulso mesmo quando os ritmos

M
digital’. No estágio anterior, as crianças operam principalmente com relações aproximadas de

T O
forma e de tamanho. No desenho, por exemplo, elas não estarão muito preocupadas em acertar individuais eram lembrados erroneamente. Ao contrário, as crianças de quatro anos tendiam

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o número de dedos numa representação da mão humana. No estágio seguinte, o digital, as a organizar o ritmo de ‘maneira local’, em grande parte através da colocação de acentos nas

I M
L V
crianças ficam quase obcecadas com a quantificação e classificação exatas. E a idade em que palavras, e sem manter um pulso constante.

O
Uma outra conseqüência de concentrar-se na precisão é que, depois dos cinco anos, a

V
elas se dão o trabalho de colocar o número exato de dedos em cada mão, mesmo que isso

E S E N
contrarie as exigências estilísticas do desenho. Por exemplo, figuras em movimento geralmente experimentação musical espontânea pode deixar de ter qualquer papel real na vida da uma

D
aparecem ‘congeladas’ e sem vida porque a criança está mais preocupada em tentar representar pessoa, a menos que seja objeto de estímulos específicos. Nossa cultura ocidental não oferece

O
muitas oportunidades para as pessoas improvisarem. Muito mais importância é atribuída à

E
os detalhes anatômicos corretamente, do que em transmitir uma noção de movimento por

O
reprodução compartilhada de músicas bem conhecidas (por exemplo, no canto dos hinos, no

D
causa da qual, em idades anteriores, poderia ter ocorrido o acréscimo de uma braço ou perna

A
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sobressalentes. canto ritualístico dos torcedores de futebol, na sub-cultura da música clássica de concerto, etc).

D
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Essa mesma tendência pode dar conta também do amor pela repetição exata. Moog Na nossa cultura, os compositores e os improvisadores não saem da enculturação normal; suas

R
relata que ‘uma dúzia de pais atentos à música concordaram que as crianças pequenas seguem habilidades são alimentadas através de apoio e de treino específicos e culturalmente atípicos.

P
A
Nós examinamos o desenvolvimento do canto entre as idades de um a cinco anos com

O
pedindo-lhes que cantem a mesma canção por semanas ou meses, assim como pedem que seus
pais contem a mesma estória... Quando olham para livros ilustrados, procuram sempre pela algum detalhe. Há, é claro, outros aspectos do comportamento e da consciência musical
mesma figura e, quando eles próprios desenham, continuam desenhando as mesmas coisas que também se desenvolvem no decorrer desses anos; devemos, portanto, voltar a eles e
por bastante tempo’. examiná-los.
Essa preocupação com a precisão e a repetição entre os quatro e os cinco anos tem Consideraremos primeiro o desenvolvimento do movimento corporal em resposta à
uma quantidade de conseqiiências possíveis. Uma delas é que a criança está focalizando e música. No segundo ano de vida, a maioria das crianças aprende a caminhar. Isso permite uma
gama de movimentos bem mais rica, um enriquecimento que também é visível nos movimentos Vemos aqui mais um tipo de dissociação à qual teremos bons motivos para voltar.Trata-
que a criança faz em resposta à música. Moog (1976) percebeu que mais da metade dos bebês se da dissociação entre o conhecimento implícito (neste caso, o compasso) que as crianças
de 18 meses de sua amostra ‘dançavam’em resposta à música, fazendo movimentos circulares demonstram ter em seu repertório passivo (tal como é demonstrado no canto de canções
ou de girar sobre si mesmos, batendo os pés. Ele também notou um grande aumento na conhecidas) e a habilidade explícita de isolar e usar tais conhecimentos em tarefas de percepção e
freqüência com que as crianças ‘regiam’, isto é, balançavam os braços em resposta à música. julgamento. Neste caso, as crianças de cinco anos têm um conhecimento implícito de compasso,
Esses movimentos não são coordenados ritmicamente com a música; parecem refletir um mas parecem não ser capazes de usar este conhecimento de maneira explícita.
entusiasmo motor generalizado e uma exuberância que a música elicia de algum modo. Não pretendemos aprofundar a discussão sobre o movimento em resposta à música.
Por volta dos dois anos de idade, ‘cerca de dez por cento das crianças começam, por Consideraremos agora o desenvolvimento da discriminação. A julgar pela extensa amostra
pequenos espaços de tempo, a combinar seus movimentos ao ritmo da música... As poucas de Moog, parece que muito poucas crianças distinguiram a música instrumental ‘normal’
crianças que são capazes de fazê-lo, são as únicas que conseguem manter a coordenação durante de suas manipulações ‘dissonantes’. As crianças prestaram atenção, fizeram movimentos
alguns compassos por vez’. Até por volta dos cinco anos, não parece haver nenhuma mudança vocais e rítmicos de maneira igualmente pronta em ambos os testes. ‘Nem uma única criança
especial na habilidade de mover-se em sincronia com a música (confirmado por Rainbow demonstrou o menor sinal de desprazer’ às dissonâncias. Ao contrário, muitas crianças não
e Owen, 1979; e Frega, 1979). Contudo, duas tendências são perceptíveis. Em primeiro

A L
produziram quaisquer respostas (ou produziram uma resposta negativa) no caso dos ritmos

S I C
lugar, a variedade de movimentos aumenta. Em segundo lugar, e talvez mais significativo, a puros (teste 3). Aos três anos, 37 por cento das crianças simplesmente ignoraram o teste.

U
quantidade de movimentos espontâneos diminui de maneira significativa. À medida que as Outras 24 por cento demonstraram sinais de desconforto; e um menininho perguntou a sua

M
T O
crianças crescem, elas tendem a estar mais propensas para uma audição concentrada, quieta mãe ‘quando vamos ouvir música novamente? ’Um outro disse ‘isto não é música, não é mesmo

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e atenta. Por volta dos cinco anos, muitas crianças não demonstraram quaisquer movimentos mamãe?’A partir destas observações, concluímos que a harmonia não é particularmente saliente

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espontâneos em resposta aos testes de Moog. Isso pode fazer parte da mesma tendência

L V
para a criança em idade pré-escolar, porém essa criança já identifica a música com algum tipo

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discutida anteriormente, que vai se desenvolvendo com respeito à imitação e à precisão. Como de conteúdo melódico.

V
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não há um modelo definido para movimentos específicos a serem realizados, as crianças A respeito de música conhecida, Moog descobriu um interesse gradativo no autêntico
preferem não fazer movimento nenhum.

D
reconhecimento da melodia até por volta dos cinco anos. Quando uma canção infantil conhecida

O
Para eliciar respostas de movimento corporal em crianças de cinco anos, parece ser era tocada em versão instrumental sem palavras, apenas 40 por cento das crianças de quatro anos

E
O
necessário pedir a elas que façam movimentos específicos, tais como bater palmas ou bater os pés, a reconhecia. Essa proporção aumentou para 75 por cento aos cinco anos de idade. Nessa idade,

D
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para ver se elas os relacionam à música. Moog fez isso e percebeu que, muito freqüentemente, de maneira confiável, as crianças estão começando a ter noção de que a identidade melódica é

D
as crianças ‘batiam palmas de qualquer jeito e que, às vezes, seus movimentos nem ritmo regular veiculada pelo padrão de ritmo e altura, independentemente do timbre e das palavras.

E N
tinham’. Somente cerca de dois terços das crianças acompanharam o ritmo com a música, nem

R
Finalmente, Moog examinou o efeito do ambiente sobre o desenvolvimento. Ele resume

P
A
que fosse por pouquíssimo tempo. Por outro lado, quando se pedia que batessem ao mesmo assim seus resultados:

O
tempo que cantavam uma canção conhecida, elas conseguiam bater palmas em sincronia
com as notas sucessivas da canção. Contudo, não está claro que as crianças desta idade sejam Até por volta dos três anos não pudemos observar nenhuma diferença significativa nas respostas
capazes de manter palmas mim pulso constante se a canção subdivide variavelmente os tempos à música que fossem determinadas pelo ambiente; crianças de lares mais pobres reagiram aos
e contém tempos de silêncio. Ao invés disso, elas são capazes de usar os mesmos mecanismos nossos testes da mesma maneira que as crianças oriundas de grupos economicamente mais
que dão o andamento à seqüência de notas para dar andamento à seqüência de palmas. elevados. As crianças que, segundo o relato de seus pais, ficavam imersas em música de manhã
até a noite, mostraram pouquíssimas diferenças, tanto na quantidade quanto na qualidade de
suas respostas, em relação às crianças que só podiam ouvir quantidades racionadas de estímulos Dos CINCO AOS DEZ ANOS
musicais bem escolhidos... Mas, entre as idades de três e quatro anos, as diferenças referentes
ao ambiente doméstico começaram a mostrar seus efeitos no campo da música. As meninas e As investigações de Piaget acerca do desenvolvimento intelectual levaram-no a uma
meninos que aprendem canções e brincadeiras musicais com seus pais, irmãos ou irmãs, ou nas
creches, levam uma vantagem clara sobre as demais crianças. proposta segundo a qual há uma mudança profunda nas habilidades cognitivas gerais por volta
dos sete ou oito anos. Ele chama isso de uma mudança do pensamento ‘pré-operacional’para
Moog também encontrou diferenças bem marcadas entre crianças de um mesmo tipo de ‘pensamento operacional’. O ‘sintoma’mais célebre dessa mudança é a capacidade das crianças
ambiente. Fica impossível descartar a possibilidade de haver diferenças inatas na receptividade de realizar bem tarefas que envolvam a noção de conservação de quantidades.
musical, embora não devéssemos, talvez, pular para esta conclusão tão rapidamente como Tomemos um exemplo comum. Mostra-se a uma criança uma bola feita de massa de
Moog o faz. O que os resultados sugerem é que após os três anos, a criança torna-se receptiva modelar enrolada. Diante de seus olhos, o pesquisador desfaz a bola criando uma salsicha
a certos tipos de ‘enriquecimentos’promovidos pelo ambiente. Antes disso, a imersão de um longa e fina. A criança pré-operacional tende a pensar que agora há mais massa de modelar
bebê na música pode não ajudá-lo a tornar-se um segundo Mozart. (porque num aspecto fundamental, parece haver mais). A criança operacional sabe que a
Como podemos resumir o caminho do desenvolvimento musical entre o primeiro e o quantidade é a mesma. Mais do que isso, ela sabe que tem que ser a mesma. Outros exemplos
quinto aniversários? Acredito que vemos aqui quatro linhas principais. Em primeiro lugar, há

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de tarefas de conservação envolvem despejar líquidos de béqueres curtos e largos em béqueres

S I C
um crescimento na propensão da criança para imitar palavras, depois fragmentos melódicos e, altos e estreitos, ou esticar um pedaço de barbante que inicialmente apresentava contornos

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finalmente, canções inteiras. Em segundo lugar, um jogo-de-notas livre e improvisatório e não- ‘amontoados’. Em cada um destes casos, a criança operacional não se deixa enganar. Ela sabe

M
estruturado vai sendo subordinado às formas da cultura musical pela incorporação de intervalos

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que a quantidade permanece a mesma.

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diatônicos e depois por frases tiradas de canções conhecidas que, finalmente, desaparece Vários pesquisadores da área da música tentaram construir tarefas musicais análogas a

I M
e é substituído pela imitação exata. Em terceiro lugar, cresce a capacidade de organizar o

L V
comportamento relativo à canção de acordo com regras tonais e métricas (de compasso). Em essas. Pflederer (1964), por exemplo, tocou uma mesma melodia em dois andamentos diferentes

O
e perguntou às crianças se elas eram iguais. Apenas 50 por cento das crianças de cinco anos

V
quarto lugar, tudo isso é acompanhado pela incapacidade de extrair informações métricas ou

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harmônicas nas situações em que se espera uma resposta abstrata ou avaliativa. As crianças acharam que as melodias eram iguais. Por volta dos oito anos de idade, esta proporção havia

D
desta idade não marcam o pulso de uma canção de maneira confiável e não parecem perceber aumentado para 94 por cento.

O
Embora esta tarefa tenha uma semelhança superficial com as tarefas piagetianas de

E
dissonâncias grandes. É como se o conhecimento estivesse incorporado às ações antes de poder

O
conservação, ela difere em alguns aspectos cruciais. Em primeiro lugar, as crianças não vêem

D
formar uma base de julgamento.

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Este último ponto pode ser demonstrado através de outros aspectos do desenvolvimento a melodia passando por transformações contínuas entre um andamento e outro e, portanto,

D
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cognitivo. Por exemplo, as crianças acham mais fácil lembrar de uma lista de objetos quando não têm nenhuma maneira independente de saber que as duas melodias são a mesma

R
‘coisa’ (Wohlwill, 1981). Em segundo lugar, não há nenhuma necessidade lógica de que tais

P
conseguem agrupá-los sob os rótulos de duas ou mais categorias (por exemplo,‘frutas’, ‘roupas’);

A
o
mas na mesma idade, podem ser incapazes de )ulgar uma lista categorizada como sendo mais transformações conservem quaisquer quantidades ou qualidades musicais. Isso quer dizer
fácil de lembrar que uma lista não-categorizada. É apenas com idade mais avançada que elas que alguém poderia apresentar duas melodias em andamentos diferentes que não tivessem
conseguem julgar exatamente quais listas são mais fáceis (ou difíceis) de lembrar, sem realizar, identidade melódica. Ao contrário, não há como deformar um pedaço de massa de modelar
de fato, a tarefa de memorização. Segundo tem sido observado, essa capacidade de ‘sacar’ de modo a mudar sua quantidade. As crianças tornam-se competentes nas tarefas piagetianas
uma situação refletindo sobre ela, começa geralmente a ocorrer na idade entre oito e dez anos de conservação, precisamente quando se dão conta de que as transformações de configuração
(Hunter, 1976; Moynahan, 1973). são sempre irrelevantes para os juízos de quantidade.
Em música, é problemática, quiçá incoerente, a noção de uma melodia sofrendo uma de dissociação entre o conhecimento estrutural e um contexto puramente passivo, mantém-se
transformação contínua e observável. Cada ocorrência da música é um evento separado no a ligação com uma tarefa de performance que não requer uma consciência direta da estrutura.
tempo, totalmente distinto do próximo evento. Portanto, não há nenhuma relação necessária Podemos perguntar quando as crianças são capazes de formar juízos sobre as seqüências
entre um evento musical e o próximo. Quando Pflederer e outros afirmam ter demonstrado musicais, quando se pede que emitam tais juízos de maneira direta.
que as crianças de cerca de oito anos tornam-se capazes de conservar quantidades musicais, Uma maneira de examinar isso é pedir às crianças que classifiquem os exemplos musicais
talvez fosse melhor dizer que as crianças dessa idade são capazes de perceber e lembrar como ‘bons’; ‘ruinsVcompletos’,‘incompletos’, etc. Por exemplo, Imberty (1969) tocou excertos
aspectos invariantes de padrões musicais diferentes. Embora essa habilidade tenha profunda de corais de Bach para crianças de várias idades e depois pediu que julgassem se os excertos
importância e interesse psicológicos, não se trata de conservação. Entretanto, podemos supor estavam completos ou incompletos. As crianças de 8 anos tenderam a ouvir as melodias como
que ela compartilha com a conservação uma conscientização crescente por parte das crianças, completas quando terminavam na tônica, no contexto de uma cadência perfeita; mas, até
acerca da possibilidade de ir além dos elementos perceptivos da superfície, na busca por padrões mesmo as crianças de 10 anos tenderam a não aceitar como completas as cadências perfeitas,
e estruturas subjacentes. com resolução melódica na mediante.
Se tivéssemos que descrever, em poucas palavras, a principal tendência do desenvolvimento Examinei o modo como se desenvolvem esses juízos em um contexto ligeiramente
diferente. No meu estudo, apresentamos às crianças um par de estímulos musicais, dizendo que

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musical, entre os cinco e os 10 anos, poderiamos dizer que ela refere-se à conscientização um dos componentes do par tinha sido tocado ‘corretamente’, enquanto o outro apresentava

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reflexiva crescente a respeito das estruturas e padrões que caracterizam a música, já implícitos ‘erros’. Cada membro do par provinha de uma fonte sonora distinta, bem afastada da outra

U
no repertório passivo da criança. Por exemplo, aos cinco anos uma criança já é capaz de

M
no espaço e no tempo. Pedimos às crianças que indicassem (por escrito ou apontando com

T O
cantar a mesma canção em andamentos ou alturas diferentes. Em certo sentido, portanto, este o dedo - dependendo da idade) qual fonte sonora havia produzido a versão ‘correta’. Havia

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comportamento demonstra a existência do conhecimento de que a melodia continua sendo

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quatro testes. No primeiro teste, o item ‘correto’ era parecido com uma seqüência em cadência,

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a mesma após as transformações. O que a criança de cinco anos não tem é a capacidade de derivada de uma harmonização coral a quatro vozes; o item ‘incorreto’ derivou de um item

O
traduzir esse conhecimento em um procedimento que permita produzir juízos pensados em

V
correto, através da modificação de cada acorde, de modo a torná-lo dissonante. Para um ouvido

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uma situação perceptiva na qual se recorre à justaposição temporal para pôr em evidência ocidental adulto, tais dissonâncias são extremas (o exemplo 6.5. reproduz um desses pares;

D
uma mudança, digamos, de andamento ou de altura. O progresso do conhecimento passivo todos os itens deste estudo foram tocados ao piano).

O
para o conhecimento reflexivo não acontece de uma só vez, e encontramos vários aspectos da

E
O
consciência musical passando por essa mudança, nessa seqüência, durante os anos intermediários (a) (b)

D
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da infância.

D
Um aspecto desta mudança, que acontece bem cedo, é ilustrado pelo trabalho de Zenatti

E N
m i
JJ

R
(1969). Ela apresentou às crianças melodias de três notas, cada qual seguida por uma segunda

P
1

A
i
melodia em que uma das notas havia sofrido uma alteração de altura. Algumas das melodias m

O
eram atonais e as demais eram tonais. Foi pedido às crianças que localizassem a nota alterada. Exemplo 6.5: Um par de estímulos do teste 1.
Zenatti descobriu que as crianças de cinco anos foram igualmente mal nos dois tipos de melodia,
mas que, por volta dos seis ou sete anos, produziam um resultado superior nas melodias tonais.
Estas permitiam a extração de algumas informações estruturais que poderiam ser mantidas na
memória, ajudando na comparação com a outra melodia. Embora isso demonstre um começo
to (b) o experimento com cinco grupos etários diferentes; cinco, sete, nove e onze anos, e com
f ... n
h --------e -----------
um grupo controle composto de adultos. As médias dos escores dos vários grupos, em cada
teste, aparecem na tabela 6.1. Os escores em negrito não são significativamente diferentes da
■ r k ..............í í
T

J2 adivinhação. Os escores sublinhados não diferem significativamente entre si.


n - n

.... í
Tabela 6.1: Média de escores (sobre 12) em cada teste, para cada grupo etário

Exemplo 6.6: Um par de estímulos do teste 2.


Idade ■......... ' 7 , 9 11 Adulta
No segundo teste, os itens consistiam em acordes individuais, um deles altamente Teste 1 7.3 9.1 11.4 11.8 12.0
Teste 2 5.5 7.7 M 9ã 10.6
consonante e o outro quebrando uma ou mais regras da construção convencional de acordes
Teste 3 5.6 7.3 9.3 10.5 11.6
(veja exemplo 6.6.). No terceiro teste, os itens eram seqüências de acordes consonantes. Em
Teste 4 6,4 97 M 11.6
uma das seqüências de par, os acordes estavam em uma ordem musical’ que levava a uma lã

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cadência convencional. Na outra seqüência, os mesmos acordes estavam presentes, mas em
uma ordem ‘embaralhada’(vide exemplo 6.7). No quarto e último teste, os itens consistiram em Em primeiro lugar, podemos observar que as crianças de cinco anos tiveram resultados
seqüências melódicas não-acompanhadas. Um item era uma melodia diatônica que permanecia muito fracos. Apenas no teste 1 elas tiveram um rendimento levemente superior à probabilidade
em uma única tonalidade. O outro item era uma seqüência com contorno semelhante, mas estatística. Em muitos casos, observei que as crianças faziam escolhas a partir de bases não-
contendo várias notas de tonalidades distantes, de modo que a tonalidade tornava-se obscura musicais. Por exemplo, uma criança escolheu sempre a mesma fonte sonora, sem se importar
v(vide exemplo
u 6.8.).'
se a música saía ou não dela. Uma outra criança alternou entre as duas fontes sonoras.

t
uto'i (b)
Os escores das crianças melhoraram significativamente em todos os testes, por volta
É p f dos sete anos, com exceção do teste 4 (melodias não-acompanhadas), apesar de ainda estarem
muito abaixo dos escores dos adultos. Aos nove anos, os escores nos testes 1 e 2 tornaram-se
indistintos dos escores dos adultos. É pertinente notar que, por volta desta idade, as crianças
¥
f
m
f começaram a demonstrar fortes reações estéticas aos itens ‘incorretos’ (acordes dissonantes)
Exemplo 6.7: Um par de estímulos do teste 3. - fazendo caretas de desgosto, dando gargalhadas e risadinhas . Estes testes requerem menos
to (b)
‘trabalho’ porque o erro surge a partir de sons simultâneos. Cada evento está ‘errado’ em si e
---- 1---- ---- j---- , n
não requer que se lembrem eventos anteriores na mesma seqüência.
Foi somente aos 11 anos que os escores no teste 3 (seqüências de acordes) se aproximaram
/_____ r \ i
' T * Jju J . — 1---- 1---- ti
* -------- J J—

Exemplo 6.8: Um par de estímulos do teste 4. dos escores dos adultos. Nesse teste, cada acorde é aceitável em si mesmo; para detectar o erro
era preciso atentar para a ordenação dos acordes. O rendimento no teste 4 (melodias não-
Em cada teste, havia doze pares, de modo que, se cada item correto’ recebesse um acompanhadas) não sofreu melhorias entre os 9 e os 11 anos e ficou significativamente aquém
ponto, a pontuação máxima para cada teste seria 12 pontos. Um sujeito de pesquisa que do rendimento dos adultos. Aqui, é possível argumentar que o ‘trabalho’ era o maior de todos.
estivesse chutando’ poderia, no máximo, conseguir um escore médio de 6 sobre 12. Realizei Não só os eventos incongruentes não acontecem simultaneamente; além disso, as pistas para
uma tonalidade implícita ou uma estrutura harmônica são muito mais esparsas que no caso Aos oito anos de idade, o escore médio tinha subido de 10,5 para 16, e as crianças
de acordes plenamente harmonizados. foram capazes de emitir os mesmos ‘juízos’ mesmo quando os dois segmentos não soavam
Este estudo mostra, portanto, que há uma progressão dos cinco anos até a idade adulta, como continuação. Normalmente, os sujeitos descreviam suas percepções, usando adjetivos
na qual o ouvinte torna-se mais apto a produzir juízos reflexivos sobre a qualidade musical de ou metáforas tirados de fora da música: ‘animado’, ‘chato’, ‘como na igreja’, ‘coisa de adulto’,
aspectos cada vez mais ‘difíceis’ da música, começando pela habilidade de rejeitar dissonâncias ‘como uma corrida de cavalos’.
grosseiras e passando à habilidade de detectar violações em estruturas seqüenciais comuns. Aos 11 anos, o escore médio foi de 12.4 e os sujeitos começaram a fazer referências
Dois resultados subsidiários devem ser notados. As meninas tiveram desempenho explícitas a aspectos da instrumentação, ao caráter rítmico e à textura ao emitirem seus juízos.
melhor que os meninos na maioria dos testes e na maioria dos grupos etários. Tal resultado Embora o escore médio não subisse depois dos 11 anos, os sujeitos de 14 anos começaram
tem sido obtido numa grande quantidade de pesquisas sobre o desenvolvimento musical a justificar suas respostas em termos de estilo geral, usando termos como ‘jazzístico’ ou
(Shuter-Dyson 8c Gabriel, 1981). Em segundo lugar, o treino musical não afetou em nada ‘barroco’. Coincidentemente, houve uma habilidade maior para diferenciar corretamente os
os escores. As crianças que estavam tendo aulas regulares de instrumento não tiveram um pares formados por ‘desiguais’ quando estes provinham de eras com estilos muito diferentes.
desempenho melhor nos testes do que aquelas que não tinham aulas de instrumento. Esta é Por exemplo, eles desempenharam melhor na discriminação entre Boulez e Bach (300 anos os
separam) do que entre Schumann e Brahms (que foram contemporâneos). Notamos, portanto,

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uma forte indicação de que as habilidades com as quais estamos lidando aqui são produtos
reais da enculturação e não dependem de um treinamento específico. Elas surgem a partir dos nesse estudo, uma progressão desde julgamentos baseados em elementos físicos simples aos
encontros intelectuais da criança comum com a música de sua cultura. seis anos de idade para julgamentos baseados em aspectos multidimensionais complexos do
O tópico que quero discutir neste final de seção é o desenvolvimento da habilidade de estilo e numa ‘linguagem’ subjacente por volta dos 14 anos.
fazer classificações mais refinadas na música que é comumente aceitável. Esta habilidade é Podemos resumir as principais tendências que emergem de nossa revisão da enculturação
freqüentemente chamada de ‘sensibilidade estilística’ e relaciona-se com a habilidade, própria musical, como segue. Há indícios da existência de propensões especiais que dão suporte ao
de algumas pessoas, de dizer se dois excertos musicais provêm de uma mesma composição, estabelecimento inicial de uma ‘corrente’ específica de desenvolvimento musical. As crianças
bem pequenas parecem ser particularmente responsivas aos sons que apresentam alturas
de um mesmo compositor ou do mesmo período. Gardner (1973) investigou a sensibilidade próprias da música e também respondem a mudanças nas seqüências de altura e ritmo. Durante
estilística em um experimento em que tocou pares de excertos musicais para crianças, alguns o segundo e terceiro anos de vida, notamos o aparecimento da canção improvisada, que não
dos quais de uma mesma composição e outros não. As crianças deveríam dizer se elas pensavam é uma imitação direta da canção da cultura (assim como as primeiras manifestações de fala
que os dois excertos faziam ou não parte de uma mesma peça musical. das crianças não são puramente imitativas). Por volta dos cinco anos, as crianças são capazes
Houve uma melhora significativa de acordo com a idade, na habilidade de fazer isso. de usar as estruturas tonais e métricas subjacentes para guiar sua performance com canções,
As crianças menores (com 6 anos) tinham a tendência de julgar os excertos como ‘diferentes’, muito embora não parecerem ter uma consciência reflexiva de tais estruturas e sejam quase
e Gardner sugere que ‘as peças musicais tinham de soar idênticas ou como continuação uma completamente incapazes, por exemplo, de identificar grandes dissonâncias em notas que
da outra para serem julgadas como parte de uma mesma composição’. As crianças de seis soam simultaneamente.
anos possuíam uma habilidade muito limitada para explicar suas escolhas, e aquelas que Também vemos a possível influência de ‘ondas’ mais abrangentes de desenvolvimento
conseguiam fazer comentários baseavam a maior parte de suas discriminações em dimensões intelectual exercendo efeitos sobre a esfera musical. Por exemplo, a crescente preocupação com
como agudo/grave, forte/fraco ou rápido/lento. Dos 16 pares apresentados, as crianças de a precisão e a imitação que se manifesta por volta dos cinco anos, espelha o desenvolvimento
seis anos julgaram apenas uma média de 9.7 como sendo corretas (a probabilidade estatística em outros domínios simbólicos, entre os quais o desenho (Gardner e Wolf, 1983).Tal mudança
seria 8). também corresponde a uma mudança de um ‘estágio do romance’ para um ‘estágio da precisão’,
sugerida há muitos anos por A.N.Whitehead (1917).
Entre os 5 e os 10 anos, as mudanças na consciência musical parecem refletir uma ainda o recomendaria como leitura essencial para qualquer performes. O autor tem a principal
mudança intelectual geral, da competência passiva, que só aparece apenas em atividades credencial para escrever um livro desta natureza: a experiência de uma vida inteira dedicada
específicas e direcionadas, para uma consciência reflexiva das estruturas e dos princípios que são a um ensino de qualidade em todos os níveis.
subjacentes a tal competência. Esta mudança é caracterizada por Piaget como uma mudança Os quadros interpretativos que a psicologia oferece para compreender a aprendizagem são
do pensamento pré-operacional para o pensamento operacional. Em música, ela é marcada muitos e, às vezes, conflitantes. Eu gostaria de organizar esta seção apresentando em detalhe
por uma habilidade crescente de classificar explicitamente a música como algo que se ajusta uma única proposta teórica e mostrando, mediante uma discussão informal, como ela pode
a regras e estilo, e por uma melhora crescente em tarefas de memória e percepção sobre as ser usada para embasar generalizações amplas acerca das questões de ensino e aprendizagem.
seqüências que conformam com as regras. Trata-se da Teoria Sistêmica de Produção (Production System Theory), tal como foi aplicada
à aquisição de habilidades por Anderson (1981, 1982). O que atrai na Teoria Sistêmica de
T r e in a m e n t o e a q u is iç ã o de h a b il id a d e s Produção é sobretudo o fato de que ela permite construir máquinas (que tomam corpo como
programas de computador) as quais operam de acordo com os postulados da teoria. Alguns
O treinamento musical é o meio de aquisição de habilidades específicas que tem como aspectos típicos do pensamento e do comportamento humanos podem ser simulados mediante

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base a enculturação. Vimos na seção anterior que a criança normalmente enculturada já tem tais máquinas. Os elementos básicos de um Sistema de Produção são muito simples e precisos,
uma série de habilidades musicais - tais como a habilidade de lembrar canções conhecidas no entanto, quando muitos destes elementos são postos a funcionar, juntamente com algumas
e aprender outras novas; a habilidade de distinguir tipos de música diversos; a habilidade de regras simples sobre seus modos de interação, pode-se obter a partir desses elementos alguns
usar elementos subjacentes, tais como compasso e tonalidade, na organização da performance. comportamentos de certa complexidade. É muito importante ter em mente que os sistemas
Na fase de ‘treinamento’, que pode sobrepor-se à enculturação e estender-se indefinidamente de produção, enquanto tais, não fazem parte da mente humana. São, sim, análogos formais
prosseguindo pela idade adulta adentro, observamos o desenvolvimento de diversas habilidades dos processos mentais. Contudo, a fim de simplificar minha tarefa, falarei como se os sistemas
- a execução instrumental e vocal, a composição, a análise auditiva, a regência, etc. Nenhum de produção fizessem parte da mente. Isso evitará que tornemos mais obscura a exposição
indivíduo se torna necessariamente um perito em todas essas habilidades, mas em cada cultura com repetidas ressalvas.
há geralmente concordância quanto às habilidades que se podem exigir de um ‘músico completo’, Antes de entrarmos em uma exposição detalhada, gostaria de introduzir alguns conceitos
e esse conjunto de habilidades é institucionalizado nas rotinas de treinamento e de exames gerais associados à aquisição de habilidades, que complementarei com teoria e exemplos. São
das escolas e das faculdades de música. conceitos bastante fundamentais que aparecem, de um jeito ou de outro, na maioria dos textos
Cada habilidade musical traz problemas peculiares no que se refere ao treinamento e tem sobre aprendizagem. Primeiramente, há o conceito de que a aprendizagem de uma habilidade
uma longa tradição pedagógica própria. Num livro como este, seria impossível examinar todos envolve a aquisição de hábitos. A principal característica de um hábito é ser automático e usar
os aspectos da habilidade musical, com o detalhamento que merecem. Já examinamos alguns pouca ou nenhuma capacidade mental para ser executado. Os precursores dos hábitos são
aspectos da aquisição da habilidade performática (capítulo 3) e da habilidade improvisatória comportamentos conscientes, deliberados e marcados pelo esforço, que geralmente envolvem
(capítulo 4). O que eu quero fazer nesta seção é traçar alguns princípios gerais da aquisição um controle verbal. Em segundo lugar, está a noção de que, para aprender habilidades, é preciso
e do treino de habilidades, com exemplos ilustrativos extraídos de algumas habilidades passar de um conhecimento factual (saber o quê) para um conhecimento procedimental (saber
específicas. Minha preocupação com os princípios é tal que eu não tenciono preocupar-me como). Saber o que implica uma habilidade é muito diferente de executá-la praticamente, e
muito em fornecer ‘conselhos para professores e alunos’. Há muitos livros deste último tipo, uma teoria da aprendizagem deveria ser capaz de refinar nossa compreensão do que muda
de que é um exemplo excelente Psychologyfor musicians (1944), de Buck. Apesar de antigo, eu exatamente quando um conhecimento factual transforma-se em conhecimento procedimental.
Uma parte da mudança parece ser o fato de que o conhecimento passa a ser controlado de Passemos agora a considerar como se parece um aspecto do estágio cognitivo para alguém
maneira mais íntima e direta por objetivos. Para a maioria de nós, formular o objetivo para que já é competente na leitura e na execução de um instrumento e que começa a aprender
executar uma determinada tarefa, como dizer uma palavra comum, é suficiente para que a tarefa um segundo instrumento. Eu mesmo encontrei-me nessa situação quando, após ter tocado
seja realizada. Parece não haver qualquer lacuna psicológica entre a vontade (ou a intenção) piano por muitos anos, comecei com a clarineta. Quando tentava tocar minhas primeiras
e o fazer. melodias simples na clarineta, eu tinha que recorrer constantemente à informação verbal, às
Muitos dos nossos objetivos são tão pequenos e efêmeros quanto como dizer uma vezes puxando pela memória com certa dificuldade, e no mais das vezes recuperada apenas no
palavra. Outros objetivos são maiores e mais de longo prazo, como, por exemplo, o objetivo manual de instrução. As informações tinham sobretudo a forma o dedilhado para a nota X é
de ser capaz de tocar um instrumento musical. A habilidade de formar e sustentar objetivos a combinação Y’. Quando a combinação correta de dedos encontrava as chaves certas, ainda
parece ser condição essencial da aprendizagem. Tal habilidade é freqüentemente chamada de havia o problema de produzir o som através do sopro. Isso não era uma tarefa direta, pois para
motivação. Outras condições gerais essenciais para grande parte do aprendizado de habilidades produzir qualquer som reconhecível era necessário ajustar constantemente a boca, a língua e
são a repetição e a presença de um retorno (feedback). Geralmente, as pessoas tornam-se hábeis os lábios, de acordo com outro conjunto de instruções verbais. As coisas diferentes em que era
numa certa tarefa quando são confrontadas com sucessivas oportunidades de envolver-se preciso prestar atenção ao mesmo tempo pareciam ser tantas, que uma performance fluente

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com elementos dessa tarefa. A quantidade total de tempo que a pessoa passou realizando afigurava-se como um sonho impossível.
uma atividade é um dos melhores meios de prever seu nível da habilidade. Para qualquer A sensação de uma multidão de exigências e da impossibilidade de atendê-las todas é
habilidade complexa, tal como escrever um programa de computador, jogar xadrez ou tocar uma característica do começo do aprendizado em qualquer atividade, seja ela dirigir um carro
um instrumento musical, graus moderados de habilidade são alcançados por aqueles que lhe ou aprender um novo idioma. Simplesmente, há coisas demais para pensar e lembrar. Essa
dedicaram centenas de horas. Para ser verdadeiramente um expert, milhares de horas são sensação pode ser altamente desestimulante, e pode fazer com que o aprendiz desista antes
necessárias. O retorno (ou reforço, como é chamado em alguns contextos) é essencial para mesmo de fazer qualquer progresso. O aprendiz mais sortudo terá disponível uma estratégia
que se aprendam apenas os procedimentos ‘que levam ao sucesso’; qualquer procedimento que possivelmente ensinada por um bom professor ou um bom manual, que pode ajudar a evitar
leve a sucessivos fracassos é descartado. o bloqueio. A estratégia consiste em quebrar a habilidade a ser aprendida em um conjunto de
Começamos nosso tratamento detalhado fazendo referência à idéia de Fitts (1964) de componentes que podem ser adquiridas passo a passo. A cada passo, a quantidade de informação
que os processos de aquisição de habilidades podem ser quebrados em três fases ou estágios: verbal nova é pequena, e o aprendiz é capaz de superar o estágio cognitivo com este pequeno
o estágio cognitivo, o estágio associativo e o estágio autônomo. Anderson (1982) resume estes ‘pacote’ antes de andar adiante. Desta maneira, o aprendiz é capaz de se proteger do básico
estágios como a seguir: que o atemoriza, voltando os olhos para o próximo estágio.
No todo, parece ser justo dizer que quanto mais jovem, menos capaz será a criança de
[...] o estágio cognitivo envolve uma codificação inicial da habilidade em uma forma suficiente planejar e impor seu próprio programa de atividades. Até mesmo os adultos podem achar tal
para permitir que o aprendiz gere o comportamento desejado, pelo menos num nível de tarefa difícil e serão beneficiados se um professor experiente tiver organizado previamente
aproximação grosseira. Neste estágio, é comum observar mediações verbais, em que o aprendiz o material a ser aprendido. O professor tem uma visão de conjunto que falta ao novato. Ele
repete as informações necessárias à execução da habilidade. O estágio associativo é aquele em sabe quais são os aspectos de uma habilidade que tipicamente causam maiores dificuldades, e
que a habilidade passa a ser executada de maneira suave. Os erros na compreensão inicial da quais são os aspectos que, aprendidos no início, ajudam no curso da aprendizagem posterior.
habilidade são sucessivamente detectados e eliminados. Concomitantemente, desaparece a Na clarineta, por exemplo, há muito a ser dito a respeito da aquisição de certa fluência no
mediação verbal. No.. .estágio autônomo há uma melhoria gradativa e continuada na performance
de uma habilidade. Freqüentemente, neste estágio, as melhorias continuam indefinidamente. registro grave, antes de tentar tocar músicas que ‘quebram a barreira’. Cada registro reutiliza a
mesma seqüência de dedilhados, descobrindo chaves sucessivas à medida que o registro sobe
em direção ao agudo. Quando alguém chega na nota mais aguda do registro grave, precisa Tabela 6.2: Exemplo de Sistema de Produção
pressionar uma chave de mudança de registro, re-arrumar os dedos e modificar o sopro para
subir para a próxima nota. Na clarineta em si bemol, a nota mais aguda do registro grave é um Pl. SE o objetivo for tocar o dó central
si bemol acima do dó central. Um iniciante adulto autodidata sem qualquer orientação podería, e os dedos não estiverem na configuração: dedos da mão esquerda cobrindo as primeiras três chaves
(configuração L3)
como primeira tarefa, decidir aprender a escala de dó maior que fica uma oitava acima do dó ENTÃO o sub-objetivo é chegar à configuração L3
central. Isso envolvería cruzar a barreira, com todas as suas complicações inerentes. O professor P2. SE o objetivo é chegar à configuração L3
experiente (ou um bom manual) dirá ao aprendiz que uma escala melhor para começar seria e não há nenhuma configuração sendo executada no momento
ENTÃO coloque os dedos na configuração L3
a de fá maior ou sol maior, que pode ser totalmente encontrada no registro grave. e o objetivo foi alcançado
A aplicação deste princípio pode ser estendida indefinidamente. Por exemplo, na P3. Se o objetivo for chegar à configuração L3
aprendizagem do piano, faz sentido adquirir os padrões que não exigem mudanças na posição e uma configuração diferente de L3 está sendo executada
ENTÃO o sub-objetivo é chegar ao estado de não ter nenhuma configuração sendo executada
das mãos, antes daqueles que exigem. Na aprendizagem do violino, faz sentido dominar bem as P4. SE O objetivo é chegar a um estado em que não haja nenhuma configuração sendo executada
posições de cordas soltas antes da aprendizagem das posições dedilhadas; e assim por diante. e Alguma configuração está sendo executada
ENTÃO Tire todos os dedos das chaves

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Em virtude de sua visão panorâmica da habilidade como um todo, apenas quem tem prática e O objetivo é alcançado
e experiência em uma habilidade particular está completamente qualificado para pensar em P5 SE o objetivo for tocar o dó central
esquemas de treinamento dotados de utilidade geral. Contudo, é válido enfatizar o ponto e os dedos estão na configuração L3
de que há muitas maneiras possíveis de segmentar uma tarefa de aprendizagem, de modo a ENTÃO Assopre
e o objetivo é alcançado
adequar-se às necessidades do aprendiz; e é talvez mais importante fazer com que o princípio
de segmentação seja assimilado, do que passar ao aprendiz a crença de que um dos muitos
esquemas disponíveis respeitados é, por qualquer razão, o melhor de todos. Cada um dos enunciados de P l a P5 é um passo procedimental chamado regra de
O que acontece com o aprendiz, quando ele passa do estágio cognitivo para o estágio produção. Cada regra constitui-se de condições (SE) + ações (ENTÃO). Elas dizem, em
associativo com relação a uma parte específica do conhecimento da habilidade? Nosso apanhado termos simples e inequívocos, o que fazer quando ocorre um estado de coisas qualquer. Muito
de conceitos referentes à aquisição de habilidades sugeriu que ele está adquirindo certos embora a linguagem de uma regra de produção seja simples, ela pode causar perplexidade ao

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conhecimentos procedimentais, além dos conhecimentos factuais (ou declarativos) que foram leitor que a vê pela primeira vez. Uma razão dessa perplexidade é que, em si mesma, cada regra
adquiridos através da palavra impressa ou falada. Para continuar com o exemplo da clarineta, parece totalmente trivial e sem substância. Ao redigir na forma de um enunciado lingüístico
um conhecimento declarativo podería ser o seguinte: uma regra que será objeto de análise consciente, dedica-se a essa regra mais atenção do que
Dl. O dedilhado da clarineta para o dó central consiste em cobrir as primeiras três chaves com ela recebe do indivíduo que a tem em seu repertório procedimental. O interesse das regras de
os dedos da mão esquerda produção é que elas são tão simples, que a mente subconsciente é capaz de executá-las às dúzias,
sem atenção e esforço, em poucos segundos. O que a nossa consciência atenta julga serem
Na Teoria Sistêmica de Produção, uma parte simples do conhecimento procedimental passos únicos no pensamento são, na realidade, composições de muitos passos subconscientes
equivalente seria algo como o que aparece na tabela 6.2. porém logicamente primitivos, que já demos tantas vezes e que se tornaram completamente
automatizados. Portanto, um clarinetista que usa os procedimentos P l a P5 estaria, de fato,
dando os passos cognitivos aí contidos em uma fração de segundos. Isso contrasta com os
atarefados minutos que gastei escrevendo as produções e que o leitor gastou em compreendê- de objetivos inerentes em nosso pequeno exemplo, reportando-nos ao diagrama (Fig. 6.1).
las. Escolhi uma tarefa bem simples, a de tocar o dó central, precisamente para que as regras Os objetivos encontram-se nos retângulos, e as flechas numeradas indicam como os passos
de produção fossem poucas. Se eu tivesse escolhido uma tarefa mais complexa e interessante, procedimentais transferem o controle de um objetivo a outro.
teria levado semanas para escrever as regras de produção necessárias e o leitor levaria horas
para compreendê-las.
Vamos agora separar algumas características dos sistemas de produção, usando este 291
exemplo. Uma característica crucial é a maneira como as regras incorporam uma hierarquia
de objetivos e sub-objetivos. Neste exemplo, o objetivo principal é tocar o dó central. As duas
regras que mencionam explicitamente esse objetivo como condições (PI e P5) aparecem
alinhadas à esquerda e tornam mais clara a estrutura do objetivo. Se o instrumentista tiver a
sorte de estar com os dedos na posição necessária, então tudo que lhe restará fazer é assoprar
e seu objetivo será alcançado (P5). No entanto, se os seus dedos não estiverem posicionados Figura 6.1: Diagrama da estrutura de objetivos de um sistema de produções para tocar o dó central

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de forma correta, então ele precisará posicioná-los corretamente. Nesse caso, ele deixa de lado
por um instante o seu objetivo principal, que é tocar o dó central e enveredar na direção de um É fácil ver que um aspecto crucial do Sistema de Produção é ser uma forma de lembrar
objetivo subsidiário que é colocar os dedos na configuração correta (Pl). As regras P2 e P3 (com certos objetivos superiores enquanto se dá conta dos sub-objetivos. Por exemplo, não seria

o A P R E N D IZ A D O E O D E S E N V O L V IM E N T O
recuo gráfico de um espaço) relacionam-se a esse novo objetivo. É comum ver os principiantes muito útil ao nosso clarinetista chegar ao ponto de executar a regra P4 (liberar as chaves do
tirarem por completo as mãos das chaves antes de cada nota e então escolherem a próxima instrumento) e então descobrir que havia esquecido a razão pela qual ele tinha liberado as
configuração a frio’. É claro que esse é um desperdício de energia, e que os instrumentistas chaves. O que a performance eficiente requer é algum tipo de empilhamento de objetivos. A
mais experientes aprendem procedimentos em que a posição já existente das mãos é usada idéia de um empilhamento de objetivos é muito simples e está baseada na analogia mecânica
na busca pela próxima posição. Então, por exemplo, se uma parte dos dedos necessários já se dos porta-pratos de molas ou empilhadeira de pratos que alguns restaurantes e cantinas têm.
encontra posicionada, ela não deverá ser movida. O design é tal que, se mais pratos forem colocados na empilhadeira, a base desce de modo que
Com nosso instrumentista hipotético, presumimos que se ele perceber que suas mãos o prato superior permaneça preso apenas por umas lingüetas. Quando um prato é retirado,
estão adotando uma configuração própria para tocar uma outra nota que não o dó central, o próximo prato ‘aparece’ em nosso campo de visão. Nessa analogia, o objetivo principal
precisará deixar de lado o sub-objetivo de colocar as mãos na configuração do dó central e corresponde ao primeiro prato colocado no porta-pratos. O próximo prato é o primeiro sub-
perseguir um terceiro objetivo subsidiário, o de ‘liberar’ as chaves do instrumento (P3). P4 objetivo, que empurra para baixo o objetivo original. O segundo sub-objetivo empurra para
(com recuo gráfico de dois espaços) é a regra de produção pertinente para este terceiro objetivo baixo os anteriores, e assim por diante. Quando um objetivo particular é alcançado, ele é tirado
e sua execução permite que o objetivo seja alcançado. O sistema então devolve o ‘controle’ da pilha e esquecido; então o objetivo anterior ‘reaparece’e ‘reassume o controle’.
ao segundo objetivo, e agora, P2 é pertinente. Isso permite que o objetivo seja alcançado, e Tem que ficar claro que, na execução de uma habilidade complexa, a pilha de objetivos
finalmente o controle é devolvido ao objetivo inicial; com isso P5 pode ser executado e assim pode tornar-se enorme muito rapidamente. A capacidade para guardar objetivos na memória
a tarefa se completa. Em um sistema ‘realista’o objetivo de tocar o dó central seria em si um não é ilimitada e é comum, especialmente no início da aprendizagem, que uma pilha de objetivos
sub-objetivo de um processo maior e, então, quando ele tivesse sido alcançado, o controle fique sobrecarregada, perdendo-se assim alguns objetivos superiores. Algumas variedades de
passaria ao próximo processo superior, e assim por diante. Podemos representar a estrutura ‘erros de distração’podem ser atribuídas ao esquecimento de objetivos (Reason,1977), como
quando alguém vai a uma loja e de repente não se lembra o que foi fazer lá. Na performance
musical, o esquecimento de objetivos pode ajudar a explicar porque alguns aprendizes acham às que estão no topo da pilha). As ações das regras de produção podem envolver comportamentos
vezes difícil ‘lidar’ com formas de larga escala, aplicando as mudanças de larga escala apropriadas explícitos, mas não necessariamente. O que elas precisam fazer é alterar, de alguma maneira,
na dinâmica e em outras qualidades da performance. Eles têm tantos objetivos subsidiários a os conteúdos da memória de trabalho. Um comportamento explícito normalmente fará isso
cumprir na execução de notas individuais, que a pilha de objetivosfica sobrecarregada, e o rumo’ porque ele resultará em uma mudança observável no ambiente ou no estado do corpo. Contudo,
geral da performance se perde. Retornaremos mais tarde à questão de como uma experiência outros tipos de ação são igualmente comuns. Às vezes, o que se pede é uma operação mental.
maior permite superar essas dificuldades. Por exemplo, no sistema de produção da aritmética mental, uma regra poderia especificar que
Um outro aspecto crucial de um sistema de produção é que cada regra passa a funcionar dois números que estejam na memória de trabalho sejam somados, sendo seu resultado gravado
de maneira completamente automática (com certas exceções que não precisam preocupar-nos nesta memória. Um terceiro tipo de ação envolve tanto a adição de um novo objetivo à pilha
agora) sempre que encontra confirmação de que suas condições estão sendo realizadas. Quando de objetivos, quanto a percepção de que um objetivo foi alcançado e, portanto, descartado da
é encontrada tal confirmação, então ocorrem automaticamente as ações que a regra prescreve. pilha. Em nosso modesto exemplo, a regra PI não envolve qualquer comportamento explícito.
Parece não fazer diferença quantas outras regras de produção o sistema contém; tão logo as Sua única ação é estabelecer um novo objetivo.
condições para aplicar uma determinada regra se verificam, suas ações acontecem imediata e Portanto, embora as regras de produção tenham muitas semelhanças com o par

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automaticamente. A capacidade do ser humano para aprender habilidades é aparentemente ‘estímulo-resposta’ adorado pelos teóricos da aprendizagem da tradição behaviorista, elas são
ilimitada. mais sofisticadas e versáteis de muitos modos. Incorporam diretamente os estados mentais e
Os teóricos do Sistema de Produção chamam de ‘memória de trabalho’o local para onde os objetivos internos, ao invés de fazer um discurso que os descarta.
as regras de produção ‘vão olhar’ para saber se suas condições vigoram. Uma aproximação As regras de produção do nosso hipotético clarinetista incorporaram conhecimentos
leiga deste termo seria ‘consciência’. A memória de trabalho contém detalhes de aspectos do específicos acerca de diversas coisas, inclusive a configuração de dedos necessária para tocar
ambiente externo que alguém está observando no momento. Ela contém itens de informações o dó central. Num certo momento, ele não detinha esse conhecimento específico. Segue
declarativas (factuais) recentemente recebidas ou recuperadas da memória; contém a pilha que, de alguma maneira, estas regras devem ter sido construídas como resultado de sua
de objetivos que está sendo processada (atual); contém detalhes do estado pessoal interno ou experiência corrente como tocador de clarineta. Como essas regras foram acrescidas ao seu
somático, e coisas semelhantes. Especificamente, ela não contém todos os fatos e memórias que conhecimento?
são armazenados na mente e que poderiam ser recuperados de alguma forma. Por exemplo, a Um postulado primordial da Teoria de Produção de Sistemas é que o conhecimento
maioria dos leitores sabe o nome da cidade que é capital da França. Paris, é claro. Entretanto, só consegue afetar o comportamento se houver uma regra de produção que possa agir sobre
até o momento em que tocamos no assunto, o fato de que ‘Paris é a capital da França’ não ele. Uma outra maneira de dizer isso é afirmar que todo comportamento é procedimental,
fazia parte da memória de trabalho - não estava na consciência atenta. Ao invés disso, ela e que um fato não pode influenciar o curso de um comportamento a não ser que exista um
precisou ser recuperada da memória ‘de longo prazo’ e o processo de recuperação tomou algum procedimento que possa usá-lo. Por analogia, embora um livro contenha muitas idéias, essas
tempo. No caso deste exemplo, o tempo gasto provavelmente não foi muito longo; mas para idéias não podem ter nenhuma influência sobre o curso da história, a menos que alguém
fatos menos conhecidos, o tempo poderia ser considerável e, de fato, a busca podería falhar as leia e aja de acordo com elas. Anteriormente, nós dissemos que a passagem do estágio
em casos específicos. cognitivo para o associativo envolvia a aquisição de conhecimento procedimental com base
As condições das regras de produção são, portanto, conteúdos da memória de trabalho. em conhecimento declarativo. No início da aprendizagem, não havia regras de produção que
Podem ser fatos a respeito do mundo observável. Podem ser itens de conhecimentos factuais incorporassem diretamente o conhecimento do dedilhado para o dó central. Portanto, seria
recuperados da memória de longo prazo. Podem ser objetivos momentâneos (isto é, objetivos errado imaginar que o fato de que ‘o dedilhado do dó central é.. .etc’ pudesse evocar diretamente
o comportamento necessário. Ao invés disso, deve ter havido alguns procedimentos gerais já em variáveis. Grosso modo, uma regra como esta deveria enunciar que, se você quer atingir
disponíveis, que podiam selecionar e usar os novos conhecimentos. Em termos de Sistemas de um objetivo e não sabe qual conjuntura levaria a esse objetivo, então você precisa dar-se ao
Produção, deve ter havido uma série de regras de produção com ‘lacunas’, em que poderiam trabalho de descobri-la.Tal sentimento pode parecer banal, mas sempre foi e é um fato que, na
inserir-se informações específicas. ausência de um procedimento que as materializasse, a maioria das pessoas não estaria motivada
Talvez a maneira mais fácil de assimilar esta noção seja escrever parte do conjunto das a buscar por soluções que não fossem imediatamente óbvias. Em tal situação, o problema seria
regras de produção que, hipoteticamente, poderiam ter estado presentes no estágio cognitivo simplesmente abandonado.
inicial da performance. Os termos (VA) e (VB) representam os buracos vazios que podem Vemos, portanto, que na maioria dos exemplos específicos do comportamento de
ser preenchidos por uma variedade de valores específicos. Na linguagem formal, VA e VB são aprendizagem, há aplicação (pela especificação de variáveis) de um conjunto de procedimentos
variáveis. ou estratégias muito gerais para balizar o aprendizado. Com estas estratégias, é possível
fazer algum tipo de tentativa coerente para dominar qualquer tarefa. Newell e Simon (1972)
P6 SE o objetivo é tocar uma nota (VA) construíram um sistema de computador incorporando estes princípios, que eles denominaram
e a informação da forma 'o dedilhado para a nota (V A ) é a configuração
(V B )' não está na memória de trabalho ‘Solucionador Geral de Problemas’. Não podemos discutir aqui as características e capacidades
ENTÃO o objetivo é colocar na memória de trabalho a informação da forma do Solucionador Geral de Problemas, de maneira aprofundada. Basta dizer que ele incorpora

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‘o dedilhado para a nota (VA) é a configuração (V B )'
P7. SE o objetivo é tocar uma nota (VA) a característica mais geral da estruturação de objetivos - quebrar um objetivo maior em um
e a informação da forma ‘o dedilhado para a nota (V A ) é a configuração conjunto de sub-objetivos a serem alcançados ao longo do caminho.
(V B )' está na memória de trabalho
e os dedos não estão na configuração (VB) Cabe perguntar: de onde vêm essas estratégias gerais? Nascemos com elas ou as
ENTÃO o sub-objetivo é realizar a configuração (VB). adquirimos? Embora ninguém tenha construído uma resposta articulada para esta pergunta,
P8. SE o objetivo é tocar a nota (VA) parece que nascemos com um conjunto de regras de produção bem específicas, que nos
e a informação da forma ‘o dedilhado para a nota (V A ) é a configuração
(V B )' está na memória de trabalho permitem responder de maneira instintiva a certas conjunturas. Um bebê pequeno, por exemplo,
e os dedos estão na configuração (VB) não se dá conta de uma coisa que é banalmente óbvia para mim e para você, que se você perder
ENTÃO Assoprar
e o objetivo é alcançado.
de vista uma coisa e quiser encontrá-la novamente, você aumentará suas chances se começar a
procurá-la. As regras para esta generalização são adquiridas gradativamente durante a infância
através de algum tipo de processo de abstração a partir de sucessos específicos. Os mecanismos
P6 exprime o conhecimento de que, se alguém quiser tocar uma nota particular e não sabe para este processo de abstração são pouco compreendidos, embora esteja claro que os seres
o dedilhado daquela nota, precisa descobri-lo antes de prosseguir. O conjunto completo humanos são particularmente dotados para ele, e que a linguagem é um importante mediador
de regras de produção incorporaria, portanto, um conjunto de procedimentos para trazer o nesse processo. O que podemos dizer com certeza é que por volta dos 10 anos, quando uma
conhecimento necessário para a memória de trabalho (esquadrinhando a memória de longo criança encara um problema de aprendizagem novo, ele ou ela já adquiriu um grande conjunto
prazo, consultando um manual ou tentando descobri-lo a partir de seus princípios básicos, de procedimentos abstratos gerais que podem ser mobilizados.
etc.). Só depois que isso estiver feito é que P7 pode ser executado. Interessa salientar que P6 Se retornarmos a nossas regras específicas de produção, é fácil ver que P7 é uma versão
é uma regra geral, que auxiliaria na decolagem de qualquer aprendizagem instrumental. Não geral de Pl, e que P8 é uma versão geral de P5. Através de um processo semelhante de
se trata de uma regra específica para a clarineta. Ela é, contudo, específica à música em sua substituição de notas e dedilhados específicos por variáveis, podem ser construídas as versões
aplicação, mas está relacionada a uma classe ainda mais geral de regras que podem ser obtidas, gerais correspondentes de P2, P3 e P4. Esse conjunto geral parece que seria, de certa maneira,
transformando todos os valores específicos que há na regra (‘tocar’, ‘nota’, ‘dedilhado’, etc.) mais econômico que um conjunto específico para o dó central. É porque para a execução da
clarineta ser possível, seria necessário um conjunto específico diferente para cada nota da
clarineta. Ao contrário, o conjunto geral servirá para o instrumento todo. Essa economia é, comportamento é uma característica freqüente e espontânea das crianças, e pode ser que a
contudo, falsa, precisamente porque as regras gerais não funcionarão até que a informação necessidade de repetição integre uma tendência natural que sobreviveu, em parte, por ser tão
específica de dedilhado seja encontrada. Se tal informação não estiver disponível, então o benéfica à aprendizagem.
conjunto de procedimentos iniciados por uma regra como P6 poderia ser muito complicado e As técnicas pedagógicas de ensaio, exercício, etc, são extensões dessa necessidade
pouco econômico, em termos de tempo ou esforço. Nas condições corretas, que descreveremos natural de repetir, não imposições totalmente externas. No entanto, muitos músicos experts
em breve, há boas razões para que o aprendiz construa o grande conjunto de regras específicas testemunharão que, normalmente, o progresso rápido só é alcançado mediante um grau de
de produção que o dispensam da necessidade de procurar por informações particulares, em prática repetitiva, que excede o que seria prazeroso ou intrinsecamente gratificante. Para alcançar
proveito de produções mais gerais. os objetivos valorizados pela cultura, o aprendiz precisa freqüentemente encontrar formas de
Quais são, então, as condições sob as quais um aprendiz acrescenta regras de produção transformar um esforço intrinsecamente desagradável em agradável, ou, ao menos, suportável.
como PI até P5 ao seu repertório, no qual, anteriormente, só existiam regras gerais como Grande parte das técnicas de ensino e aprendizagem diz respeito a esse problema.
P6 até P8? Os teóricos do Sistema de Produção estão apenas começando a formular uma O retorno também é essencial para o sistema adaptativo, para evitar produções fracassadas
resposta detalhada para esta questão (Anderson, 1982), mas já podemos ver a orientação geral ou potencialmente danosas. O aprendiz precisa ter um meio de descobrir se a aplicação de

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da resposta. Tais adições ao conhecimento ocorrem quando uma regra geral de produção é uma porção específica de seu conhecimento declarativo em um sistema geral de produção foi
usada, de maneira repetida e com sucesso, juntamente com a informação factual específica. Os feliz. Ela só se tornará procedimental se for repetida inúmeras vezes com sucesso. Como diz
alicerces de qualquer aprendizagem procedimental são, portanto, repetição e retorno. Anderson (1982):
Uma visão ingênua do papel da repetição é a de que ela, de alguma maneira, cria uma
‘marca’ do novo aprendizado, assim como os golpes sucessivos do machado aprofundam Se uma nova porção do conhecimento declarativo se revela falha, ela pode ser assim rotulada, e
gradativamente o corte num pedaço de madeira. A interpretação cognitivista que defendemos conseqüentemente desconsiderada. E muito mais difícil corrigir um procedimento com falhas.
aqui é um pouco mais sofisticada. Nós supomos que um sistema adaptativo é necessariamente Tomemos um exemplo grosseiro: suponhamos que eu disse a uma criança ingênua ‘se você
conservador e não acrescentará uma nova regra específica de produção ao seu repertório, a quiser alguma coisa, então faça de conta de que aconteceu’. Traduzido em uma produção, isso
menos que exista alguma evidência de que terá utilidade geral. Isso acontece porque, uma vez tomaria a seguinte forma:
inserida no sistema, uma regra de produção é imensamente poderosa. Quando suas condições SE o objetivo é alcançar X
são preenchidas, ela automaticamente ‘assume o controle da situação’. O sistema tem de estar ENTÃO o objetivo X está alcançado
bem certo de que quer dar esse tanto de controle para uma única regra, antes de incorporá-la.
A melhor evidência da utilidade de uma regra que o sistema pode ter é que a situação que Isto resultaria numa criança possivelmente feliz, porém iludida, que jamais tentaria
requer sua aplicação tenha ocorrido com muita freqüência. Em muitas situações ‘naturais’ de realizar qualquer coisa, porque sempre acreditaria que a realização já aconteceu. Em termos
aprendizagem, as repetições, sugerindo que um novo procedimento é útil ao organismo, são de um sistema cognitivo útil, ela chegaria a um bloqueio. Entretanto, mesmo que a criança
dadas pelo ambiente natural, à medida que o organismo interage com ele para realizar seus fosse ingênua a ponto de codificar isto em forma declarativa pelo seu valor nominal e para
objetivos fundamentais. Por outro lado, é possível construir, de maneira auto-consciente, um agir em função, logo percebería que é uma mentira (através dos procedimentos de contradição
ambiente em que o sistema cognitivo do indivíduo é defrontado com mais repetições das que possui); rotularia essa mentira como tal, o que evitaria que viesse a ter qualquer impacto
mesmas circunstâncias que aconteceriam de qualquer modo. Dessa forma, é possível provocar em seu comportamento futuro e continuaria sua vida normal de esforçar-se para realizar os
uma alimentação forçada do sistema que aprende. Não se trata, aqui, de distorcer por completo próprios objetivos.
os padrões normais da aprendizagem humana. Serem repetitivas em muitos aspectos do O retorno manifesta-se de diversas maneiras. Em alguns casos, o insucesso é indicado
de maneira mais ou menos direta por uma quebra completa no comportamento, ou por uma Esta regra funcionaria apenas à noite! Chamamos o aprendizado deste tipo de ‘dependente
incapacidade visível de alcançar o objetivo. No nosso exemplo da clarineta, se for fisicamente de contexto’ ou ‘dependente de algum estado’. Os professores de música e outros observam
impossível usar uma determinada configuração, então isso constitui uma evidência dramática freqüentemente os efeitos de tal aprendizado. Um aluno a quem foi mostrado um determinado
de que há algo muito errado com o conhecimento’com que operamos. No outro extremo, o dedilhado ou uma sugestão de fraseado para uma passagem específica pode ser incapaz de
aprendiz não tem como saber se se saiu bem, a menos que alguém lhe diga. Um bom exemplo transferi-los para uma seqüência exatamente semelhante, localizada em outra parte da música.
aqui seriam os estágios iniciais do ‘treinamento auditivo’, em que se trata de identificar um O que a prática distribuída parece fazer é dar mais oportunidades para que o contexto
acorde ou intervalo específico. O aprendiz ouve o acorde, faz uma tentativa de identificá-lo e varie, de modo que apenas as condições essenciais, e não as espúrias, sejam incorporadas em
então recebe a resposta ‘correta’ do professor ou a encontra no manual. A maioria das situações uma nova produção. De fato, uma das conseqüências importantes da persistência, por muito
são um meio-termo entre esses dois extremos, no sentido de que existe um retorno ‘interno’ tempo, na prática de uma habilidade, é que ela se torna a cada dia mais ‘desacoplada’ de
disponível para o aprendiz, se ele for capaz de percebê-lo. O professor pode ajudar fazendo contextos específicos.
com que a atenção do aprendiz fique ligada nesse retorno interno. Assim que foram acrescentadas as regras de produção relevantes no estágio associativo
Quando uma regra geral de produção de tipo geral mobiliza, repetidamente, uma porção de aprendizagem, segue-se um período de melhora gradual da habilidade, que Fitts chama
de ‘estágio autônomo’, durante o qual a performance torna-se gradativamente mais rápida e

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específica de conhecimento e é repetida com sucesso, tal conhecimento declarativo específico
incorpora-se a uma versão específica da regra de produção. No entanto, há indícios de que o fluente. Há muitas razões para que isso ocorra. Uma delas é que muitas produções simples
sistema cognitivo tende a incorporar, nas regras de produção, qualquer porção dos conteúdos da fundem-se em uma única produção, compartilhando assim, um mesmo objetivo geral. Portanto,
memória de trabalho que apareceu sempre que a regra atuou, mesmo que essas porções sejam, ao invés de ser aplicada uma seqüência de produções por vez, cada uma das quais requer um
de fato, irrelevantes para o sucesso da regra. Isso é um possível motivo para a freqüência com tempo finito para ser encontrada e usada, apenas uma produção é necessária.
que se afirma que a prática distribuída é melhor que a prática em massa. Distribuir a prática Por exemplo, se o objetivo for tocar um padrão de arpejo (digamos dó, mi, sol,dó em
significa espalhá-la por vários períodos separados, em vez de concentrá-la em uma única sessão. dó maior), podemos imaginar um estágio inicial de aprendizagem, em que há quatro regras
Por exemplo, se alguém dispõe de sete horas por semana para dedicar-se à prática, pode ser separadas, uma para cada nota do arpejo. A primeira regra seria aplicável somente se a primeira
melhor realizar essa prática uma hora por dia do que sete horas em um dia só. nota não tivesse sido tocada, e assim por diante. Se tais regras fossem aplicadas constante e
Em termos de Sistema de Produção, a prática acumulada incentiva a formação de regras sucessivamente em seqüência, o sistema cognitivo acabaria por ‘acoplá-las’, e assim a condição
de produção que contêm condições espúrias associadas ao período particular de prática em de ter como objetivo tocar o arpejo provocaria, no âmbito de uma única regra, a ação ‘tocar
questão. Essas condições precisam ser preenchidas para que a prática opere. Recorrendo a um a nota 1, depois a nota 2, depois a nota 3, e depois a nota 4’. Em termos tradicionais, o arpejo
exemplo ridiculamente exagerado, poderiamos imaginar alguém que só praticasse de noite, passaria a ser um padrão integrado e automatizado da performance.
formando a seguinte regra de produção: Esse ‘empilhamento’ não poderia ocorrer, é claro, antes que o performer fosse capaz de
ter um objetivo como ‘tocar um arpejo de dó maior’. Isso, por sua vez, dependeria de já ter
SE o objetivo é tocar o dó compreendido o que é um arpejo de dó maior, quer por demonstração, quer por inferência a
e já é noite partir de suas repetidas ocorrências em música. Na execução musical a partir de uma partitura,
e os dedos não estão na configuração Z uma regra de produção de performance como a que foi mencionada acima tornaria necessária
ENTÃO o sub-objetivo é alcançar Z uma regra de produção perceptiva, para reconhecer a presença de um arpejo de dó maior no
papel. O início da aprendizagem instrumental é geralmente difícil porque as duas ‘metades’
da habilidade - perceptiva e motora - são aprendidas ao mesmo tempo.
É importante realçar que a formação de uma regra de produção para um padrão qualquer outro paradigma teórico disponível, que permita uma formalização tão detalhada
de performance como o arpejo de dó maior não deve especificar todos os parâmetros da dos processos cognitivos, e que, ao mesmo tempo, sustente muitas conceituações e observações
performance. Ela não será um ‘padrão fixo de ação’ que aparece sempre com os mesmos sobre a aprendizagem que são gerais, embora vagas. Desse modo, distanciamo-nos da análise
parâmetros de tempo e dinâmica. Ao contrário, a regra especifica uma série de sub-objetivos detalhada dos sistemas de produção e passamos a alguns comentários mais gerais, que tal
(tocar as várias notas numa certa ordem), e cada um deles poderá chamar em cena novos abordagem põe no centro da atenção.
procedimentos, que determinam os parâmetros exatos para as notas, de acordo com informações Há muito tempo, está claro para os professores perspicazes que não se cria aprendizagem
transitórias da memória de trabalho. oferecendo às pessoas fatos ou receitas. Essas ofertas não têm utilidade, a menos que as
Um outro aspecto do estágio autônomo’ é a aquisição de novas regras específicas de pessoas possam incorporá-las aos procedimentos que já possuem. Senão, os fatos permanecem
produção, que aliviam a carga da pilha de objetivos. Consideremos novamente nosso pequeno ilhados de qualquer influência real na habilidade. Em todas as esferas de atividade, inclusive
sistema de produção para tocar o dó central (P1-P5). Vimos que ele contém três níveis de em música, os professores freqüentemente têm a sensação de que não estão conseguindo
empilhamento de objetivos. O terceiro objetivo (remover todos os dedos) foi estabelecido por chegar’ ao aluno. Os fatos são adquiridos e reproduzidos, mas sente-se que o aprendiz não
P3. Poderiamos eliminar a necessidade de haver P3 (e também P4), se fôssemos capazes de captou a essência daquilo que foi dito. Por exemplo, eu tive alunos de piano que tocavam de
incorporar uma regra para ir de cada dedilhado específico para o dedilhado desejado. Uma

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maneira quadrada e sem vida. Falei com eles sobre variações de tonalidade, planejamento de
regra desse tipo poderia ser: crescendos para chegar a pontos acentuados ou culminantes, falei sobre rubato, etc., e tudo foi
compreendido no nível ‘declarativo’, no sentido de que eles conseguiam definir termos como
P9 SE o objetivo é atingir a configuração de ter os dedos da mão esquerda cobrindo as três rubato e acento. Além disso, sob instrução, eles eram capazes de obedecer a tais prescrições
primeiras chaves, e os dedos da mão esquerda já estão cobrindo as duas primeiras chaves ENTÃO
cobrir a terceira chave, e o objetivo é alcançado. literalmente em contextos específicos. Um aluno aceitou o meu conselho de que uma certa
cadência deveria ser acompanhada por um rallentando\ mas a aplicação do conselho teve um
Para chegar ao dó central a partir de qualquer outra nota, seriam necessárias umas 30 efeito grotesco, uma espécie de ‘soluço’ arbitrário na música, ao invés da pausa calculada que
regras como esta. Para chegar de uma nota qualquer a outra nota qualquer, seriam necessárias deveria realçar a importância do acorde, permitindo que a música continuasse. Estava claro que
umas 900. Não é absurdo supor que um clarinetista expert tenha todas essas 900 regras em o meu aluno não tinha nenhuma sensibilidade para o que havia de ‘correto’ no meu conselho,
seu sistema de produção. O tempo e o esforço exigidos para adquiri-las é grande, mas é e permitiria acomodá-lo às necessidades específicas do contexto. Eu não sei se e como essa

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compensado pelo fato de eliminar de um objetivo da pilha e, conseqüentemente, por tornar sensibilidade pode ser ensinada. Tudo que um professor pode fazer é atentar para os sinais de
mais leve a carga da memória de trabalho. Tipicamente, produções novas desta natureza serão tal sensibilidade, e quando ela aparece, encorajá-la e usá-la construtivamente. Com todos os
adquiridas uma a uma, de modo que transições comuns, tais como mudar de uma nota para a aprendizes e em todos os níveis, chega-se a um momento em que um professor dotado de tato
próxima nota da escala ou arpejo, são adquiridas no início da aprendizagem, num estágio em precisa passar por cima de um erro, sabendo que, na conjuntura em questão, os comentários
que o aprendiz ainda retorna a P3 e P4 no caso das transições mais incomuns. não trazem progresso.
A tarefa de escrever um sistema de produção para um aspecto não-trivial da habilidade O maior fator do progresso em qualquer aprendizado é o próprio aprendiz, os procedimentos
musical ainda não foi realizada; e também não foi ainda realizada a tarefa ainda mais crucial de de que dispõe e as motivações que tem. Para usar uma analogia com a agricultura, um professor é
modelar em detalhes algum aspecto da aprendizagem musical. Não está claro, neste momento, como um jardineiro que cuida, rega, poda e ‘treina’sua planta. Sem a sua atenção, a planta cresceria
se as noções teóricas disponíveis dependem completamente da aprendizagem musical, e assim mesmo, talvez não tão ereta e alta; mas o fato é que o jardineiro não pode alterar a forma e
eu não pretendo me enganar quanto a isso. Parece-me, no entanto, que não há atualmente a natureza essenciais do crescimento. Até certo ponto, isso também vale para o próprio aprendiz.
Mesmo em um ambiente de aprendizado caracterizado pelo autocontrole e pelo planejamento, atraentes. A motivação para poder ler suas próprias estórias sempre que quiserem, parece ser
o aprendiz não consegue controlar por completo o seu progresso. Ele acha algumas coisas mais forte o suficiente para que as crianças se auto-ensinem. Os professores ajudam nesse processo
fáceis do que outras; percebe que não tem motivação ou concentração suficientes para superar proporcionando informações e feedback quando necessário e dando alguma estruturação
um determinado obstáculo, seus dedos recalcitrantes não formam o padrão desejado. E assim, elementar à seqüência, de modo que, por exemplo, a criança se defronte de início com palavras
em muitos sentidos, o aprendiz observa seu próprio progresso, às vezes com satisfação e outras diretamente ligadas aos objetos e às idéias de sua experiência. A principal conclusão a tirar
com desespero, de modo diferente de como o faria uma pessoa externa. dessa massa de pesquisas sobre os métodos de ensino parece ser que, para a maioria das
Em termos de Sistemas de Produção, podemos dizer que os esforços conscientes do crianças, não importa muito qual o ‘método’ oficialmente adotado; elas aprendem a ler de
aprendiz tendem a alterar os conteúdos da parte ‘declarativa’ de seu conhecimento, mas não qualquer jeito. O fator determinante do sucesso parece ser a pessoa do professor (Williams,
conseguem ‘ir fundo até as regras de produção’, no ponto que realmente conta. Ele precisa 1970). Tem sido observado que dois professores de uma mesma escola, com os mesmos
esperar pacientemente que o sistema de produção, operando de acordo com suas próprias leis tipos de crianças, podem produzir resultados invariavelmente diferentes, apesar de usarem
e andamento, extraía do conhecimento declarativo aquilo de que pode apropriar-se. o mesmo ‘método’. Não seria desarrazoado concluir que os bons professores são aqueles que
O planejamento da aprendizagem é, portanto, um caso de tentativa e erro. Ninguém, proporcionam, com confiabilidade e eficiência, as informações, o retorno e a motivação de

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nem mesmo o próprio aprendiz, pode estar completamente ciente dos procedimentos que as crianças precisam, à medida que lidam com o problema de se tornarem bons leitores.
automáticos de pensamento que formam a base de sua competência. Portanto, é impossível Freqüentemente, isso não passa de coisas básicas, tais como criar um tipo de ambiente no
para qualquer um planejar a dieta ‘ideal’ de treinamento, de um modo feito exatamente qual a criança desejosa de alcançar algum tipo de aprendizagem, não corre o risco de ser
sobre medida para as competências do indivíduo em questão. Ao invés disso, os professores interrompida por outras crianças.
e aprendizes desenvolvem estratégias amplas que, no todo, parecem produzir resultados. Na música, uma motivação inicial consiste freqüentemente no desejo de ser capaz de
Isso ajuda a explicar a enorme lacuna que há entre a teoria cognitiva e a prática do ensino reproduzir os sons musicais de uma cultura. Em mais casos do que se poderia imaginar, a
/aprendizagem. É impossível derivar receitas infalíveis para uma situação em que, quase por mera presença de um instrumento musical em um lar pode dar à criança a oportunidade de
definição, os fatores determinantes cruciais (o conjunto existente de regras de produção em aprender um modo idiossincrático de fazer música - selecionando combinações e seqüências
um mesmo indivíduo) não podem ser facilmente conhecidos. O que os bons professores (e os que soem familiares ou interessantes. Em algumas culturas em que predomina a improvisação,
bons aprendizes) parecem fazer é construir um estoque de fatos freqüentemente observados tais iniciações idiossincráticas podem, em sua culminação, produzir um executor perito que
acerca dos ambientes de aprendizagem e da organização do tempo, que, no todo, funcionam se destaca, com técnica e estilo incomuns porém eficientes para a música escolhida. Em nossa
bem para eles. À medida que o aprendiz vai se tornando mais experimentado, a chance é que própria cultura, na qual se dá ênfase às performances em que se reproduzem as composições
tais condições sejam específicas para ele, porque a forma assumida por seu conhecimento é ‘artísticas’ significativas, os professores sentem-se obrigados a dirigir seus alunos para o tipo de
única. Nossa melhor esperança de derivar generalizações a partir das experiências, parece ser apreensão técnica e formal que acabará por permitir a realização de execuções culturalmente
no início do treinamento, quando é possível esperar que os aprendizes compartilhem uma aceitáveis de, digamos, uma sonata de Mozart ou um estudo de Chopin. Neste caso, é necessário
herança razoavelmente comum dos procedimentos e das motivações proporcionados pela familiarizar os aprendizes com maneiras de segurar as mãos e movimentar os dedos que, de
interação das propensões biológicas com as experiências da enculturação. início, parecerão antinaturais, mas que são necessárias para tocar passagens rápidas com o tipo
Ou seja, parece ser verdade para a nossa cultura, por exemplo, que as crianças mais bem de fluência e controle exigido pela execução visada.
motivadas aprendem a ler quando lhes é dada a possibilidade de conseguirem informações Este contraste é exemplificado pela diferença entre os pianistas de jazz basicamente
sobre os sons das letras e das palavras, juntamente com um estoque de livros adequados e autodidatas e os alunos formados nos conservatórios de música, nos quais se aplica uma
abordagem técnica ‘rigorosa, e os aprendizes são instruídos sobre um mesmo repertório deliberadamente um erro, estando ciente o tempo todo do dedilhado correto. Outros sujeitos
concertístico relativamente pequeno, que os habilitará a participar de competições internacionais. praticaram da maneira ‘convencional’, tocando o dedilhado correto. Foi pedido, então, aos
O pianista de jazz terá freqüentemente uma técnica que seria vista como ‘desesperadoramente dois grupos de sujeitos, que apresentassem performances corretas repetidas como medida do
desajeitada’por um pianista de concerto bem preparado, embora sirva bem aos seus propósitos. grau em que um erro havia sido corrigido e eliminado. Reitmeyer não encontrou diferenças
O aluno formado em conservatório terá, geralmente, uma técnica muito parecida com a dos significativas entre a eficácia das duas técnicas.
outros pianistas treinados pela mesma escola, freqüentemente a ponto de sua individualidade Fora de um quadro teórico, tal resultado é praticamente não-interpretável e leva a
ficar submersa. Uma relação equilibrada’entre o professor e o aprendiz busca provavelmente conclusões fracas, como as do autor (por exemplo, ‘alunos e professores de instrumento devem
o meio-termo entre esses dois extremos. O professor tentará formar e moldar o que já está considerar a prática negativa como sendo uma alternativa ocasional para a prática positiva’).
presente sem ‘retornar à estaca zero’ e o aprendiz incorporará e transformará em seu aquilo À primeira vista, os resultados tornam falsas as afirmações de Buck. Mas, eu sou contrário
que o professor lhe oferece. a alterar o conselho de Buck. Está claro que a prática positiva é um caminho para o sucesso,
Uma vez aceita a maneira de olhar para a aprendizagem que eu tentei delinear nesta aliás um caminho apoiado pela tradição e intuição educacionais. Ainda que a prática negativa
seção, então me parece necessário aceitar que o treino (de si e dos outros) é mais uma tivesse resultado melhor que a prática positiva no estudo de Reitmeyer, eu ainda seria contrário
arte que uma ciência. Por maior que seja a quantidade de informações que as pesquisas e a recomendá-la, por imaginar que os aprendizes achariam difícil conviver com ela e acreditar

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teorias científicas possam nos oferecer, elas nunca nos permitirão ter um conhecimento em uma estratégia tão contra-intuitiva.
total do sistema cognitivo do aprendiz, porque cada aprendiz é único. Por maior que seja a Como psicólogo cognitivo, é claro, eu tenho fascinação por saber como a performance
quantidade de informações científicas disponíveis, professores e aprendizes ainda precisam

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negativa poderia funcionar. É possível que pensar de maneira insistente e concentrada sobre
tomar decisões em bases altamente intuitivas. Confesso, causa-me um certo alívio que esta o dedilhado correto seja mais importante do que, de fato, tocar o dedilhado correto. Isso
conclusão possa ser tirada com base na teoria, porque se alguém tivesse de depender das encontra apoio nos estudos de Neisser (1983) sobre o jogo de dardos. Ele descobriu que seus
pesquisas em educação musical, seria difícil encontrar um conjunto de resultados coerentes sujeitos melhoravam se lhes fosse pedido que simplesmente se imaginassem arremessando os
e universalmente aplicáveis. dardos. Na Teoria Sistêmica de Produção, é aquilo que acontece na memória de trabalho (ou
Considere, por exemplo, a questão de como corrigir erros habituais em performance (tais consciência) que determina o curso da aprendizagem. Como os sujeitos de Reitmeyer estavam
como a execução de uma nota errada ou um dedilhado errado em uma passagem musical). rotulando ativamente o que tocavam como ‘errado’e estavam rotulando um outro dedilhado
Neste ponto, Buck (1944) dá alguns conselhos específicos e diretos: não tocado como ‘certo’, podemos concluir que os sistemas de produção extraíram apenas a
informação rotulada como ‘certa’. Podemos contrastar este caso com um outro caso externamente
Se você trabalha uma passagem em que a dificuldade está no dedilhado, sua única chance é decidir semelhante, em que alguém toca uma nota errada, mas não pensa simultaneamente na nota
como dedilhá-la, e trabalhá-la com o pensamento concentrado até que ela se torne automática. certa, de uma maneira focada. Num caso desses, seria realmente extraordinário se houvesse
Isso pode significar umas mil repetições. Mas, se após realizar 50 delas você se distrai e tropeça,
você não errou apenas uma vez; você apagou todos os benefícios derivados, provavelmente, de qualquer melhora. Infelizmente, um professor não tem como saber facilmente se um aprendiz
25 tentativas (p.20). está ou não pensando na nota correta enquanto pratica a nota errada. A prática negativa é,
portanto, uma técnica educativamente desastrosa, precisamente porque um observador não
Segundo esse ponto de vista, a única maneira de corrigir o erro é tocar o dedilhado pode conferir se ela está sendo aplicada de maneira eficaz. A prática positiva tem a vantagem
correto um grande número de vezes. Isso é intuitivamente plausível. Entretanto, um estudo de que o aprendiz precisa necessariamente estar pensando na nota correta a fim de tocá-la (a
extraordinário de Reitmeyr lança sérias duvidas sobre essa conclusão (Reitmeyr, 1972). Nesse menos que, é claro, ele já conheça a passagem tão bem que ela já ficou automatizada; neste
estudo, pediu-se a alguns sujeitos que incorressem em práticas negativas. Isso envolvia praticar caso, não há um problema de aprendizagem).
Os problemas que surgem quando se tenta extrair da pesquisa educacional receitas de Contudo, devido às diferenças de potencial inato, motivação ou experiências em certos
treino específicas têm sido ilustrados através deste exemplo (que não é atípico). Com isso, períodos críticos, a ‘absorção’ do conhecimento varia de criança para criança. Portanto,
não se pretende sugerir que tais pesquisas não têm valor. Mas parece-me que a pesquisa mais antes mesmo que algumas crianças sejam escolhidas para se submeterem a um treinamento
útil é aquela que oferece ao músico um recurso geral que ele pode usar, adaptando-o às suas especializado, elas diferem enormemente umas das outras nas habilidades e sensibilidades
próprias necessidades, e não aquela que oferece um método de detalhado. Uma área em que que possuem. Às vezes, essas diferenças não são imediatamente aparentes no comportamento
esta condição é preenchida é o desenvolvimento de novas tecnologias, que dão ao músico a musical explícito das crianças.Por exemplo, pode haver diferenças na capacidade de ouvir
oportunidade de melhorar ofeedback que tem à sua disposição. e apreciar música. Ou, ainda, uma criança com habilidades musicais relativamente escassas
Tucker, Bates, Frykberg, Howarth, Kennedy, Lamb e Vaughan (1977) descrevem um pode ter sido treinada num instrumento de modo a ter um rendimento explícito que não é
recurso interativo para músicos, baseado no computador, que permite visualizar uma passagem encontrado numa criança que não teve esse mesmo treinamento, mesmo que esta última tenha
tocada no teclado de um órgão eletrônico, representando-a em uma notação modificada que muitas outras habilidades “despercebidas”, diferentes daquelas que constam da lista oficial
reflete a duração exata das notas executadas. Com o auxílio deste feedback, um pianista com de tarefas usada no treinamento. Uma criança que possui essas habilidades numa medida
nível de concertista melhorou sua performance de um trinado triplo de maneira impressionante, superior à de seus companheiros de idade tem maiores chances de progredir rapidamente,

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em apenas alguns minutos. Do mesmo modo, Basmajian e Newton (1974) demonstraram que submetendo-se a um treinamento formal e a maiores possibilidades de alcançar a excelência.
através de um retorno visual eletromiográfico, músicos de sopros aprenderam a suprimir ou Em seu treinamento, uma criança que não dispõe dessas habilidades tenderá a não progredir
ativar, em poucos minutos, partes específicas do músculo bucinador da bochecha. Os cantores tão rapidamente, necessitará de mais esforço para atingir a excelência e, possivelmente, já
também podem ser ajudados por meios semelhantes (Fourcin & Abberton, 1971). terá passado algum período crítico de desenvolvimento após o qual, atingir a excelência é
improvável.
Sem questionar essa linha de argumentação, examinemos algumas situações típicas
A v a l ia n d o a h a b il id a d e m u s ic a l em que tais testes poderiam ser úteis. Um exemplo é o caso da escola em que há um coral
excelente que faz apresentações públicas e grava programas que vão ao ar (como é o caso de
Terminamos este capítulo com uma reflexão rápida sobre os ‘testes de habilidade musical’. muitas escolas inglesas de coral). Os membros do coral dedicam muitas horas semanais aos
Nas culturas musicais em que há uma tradição pedagógica organizada, o rendimento em ensaios, sacrificando outras atividades escolares, e a maioria das crianças selecionadas para o
habilidades musicais específicas, tais como performance e teoria, são medidos diretamente coral precisam atingir o nível exigido em pouco tempo, para que o número de integrantes não
através de exames ou provas. À parte, os problemas causados pelo ‘nervosismo’e pelo ‘pânico diminua, já que as crianças mais velhas deixam o coral todos os anos. Pouquíssimos ingressantes
do palco’, tais exames parecem alcançar seus objetivos de uma maneira direta e inquestionável. em potencial tiveram uma experiência intensiva com o canto. Após garantir que os candidatos
Nós não os consideramos mais aqui. O objetivo dos ‘testes de habilidades musicais’ são conseguem cantar melodias simples de maneira agradável e com boa afinação, o regente do
bastante diferentes. Ao passo que os exames pressupõem uma preparação intensiva de coro faz a seleção final com base em um teste de habilidades musicais.
materiais específicos, os testes de habilidade não envolvem qualquer conhecimento prévio Um segundo exemplo pode ser o caso de uma criança mais velha, no início ou na
de seu conteúdo. Na realidade, esses testes são invalidados pela prática extensiva das tarefas metade da adolescência, que passa a interessar-se seriamente por música após anos de relativa
específicas que eles contêm. Isso tem a ver com a base lógica que subjaz à sua construção. negligência. Ansioso por saber se terá alguma chance de sucesso em uma carreira musical, esse
O argumento é que todas as crianças de uma cultura passam pela experiência de uma adolescente procura um orientador vocacional e é encaminhado para um teste de habilidades
exposição e envolvimento na música que é sensivelmente o mesmo, pelo menos no início. musicais. Seu escore fica muito abaixo da média para a sua idade, e ele é advertido de que será
improvável que consiga superar as barreiras da seleção e da competição e garantir um lugar Em quarto lugar, o teste deveria ser uma medida válida de habilidade musical. A validade
na faculdade de música. pode ser medida de duas maneiras. Um teste tem uma validade ‘nominal’ ou ‘de conteúdose
Esses dois exemplos têm em comum o uso do teste como auxiliar em algum tipo de seleção ele requerer manifestamente o uso da habilidade que pretende testar. Um teste que envolve a
educacional. Embora o princípio da seleção em si possa ter conseqüências desafortunadas e audição e depois o canto, por parte do sujeito, de uma melodia curta tem uma alta validade
indesejadas, também há alguns aspectos benéficos. Não se ganha nada ao permitir que uma de conteúdo como um teste de habilidade musical. Um teste em que se pede que o sujeito
criança embarque num tipo de um treinamento para o qual lhe faltam condições intelectuais ou lembre de uma lista de números tem validade de conteúdo baixa. Um teste pode vir a ser válido
de temperamento, qualquer que seja sua ‘vontade’num certo momento. Ora, dado que alguma nesse segundo sentido, mesmo quando sua validade de conteúdo é baixa. Esse segundo tipo é 309
seleção é inevitável e possivelmente útil, podemos perguntar se e como os ‘testes’podem ser chamado de ‘validade associativa’ e surge quando há boas correlações entre o teste e alguma
usados para tornar tal seleção a mais justa e acurada possível. outra medida de rendimento. Uma maneira de avaliar a validade associativa é ver de que modo
Em primeiro lugar, um teste só deveria ser usado quando não existem outros indícios o resultado de um teste o correlaciona com outro teste de habilidade. Freqüentemente, esse
mais diretos de rendimento a serem examinados. A performance instrumental ou vocal, que método é um pouco circular, porque deixa subsistir o problema de avaliar a validade do outro
demonstra maestria técnica e expressiva, oferece melhores evidências da habilidade musical do teste. Um método melhor é considerar como a performance em um teste correlaciona-se com
que qualquer teste. Em ambos os nossos exemplos, antes de realizar qualquer teste, o professor rendimentos futuros. Se houver uma alta correlação positiva, diz-se que o teste possui uma

O A P R E N D IZ A D O E O D E S E N V O L V IM E N T O M U S IC A L
ou orientador sensato teria procurado certificar-se da falta de evidências seguras e diretas boa ‘capacidade preditiva’. Por exemplo, supondo que a habilidade de lembrar números tenha
daquilo que o candidato realizou. uma alta correlação com o rendimento musical futuro, ela será um teste válido de habilidade
Em segundo lugar, quando possível, os resultados dos testes deveriam ser considerados musical. O problema com estes testes que têm apenas validade preditiva é que obrigam a confiar
juntamente a outras evidências, formais e informais. Por exemplo, uma criança que vai bem plenamente na adequação dos estudos que pretenderam estabelecer a validade. Pode haver
em um determinado teste mas não parece estar particularmente interessada ou animada por um grande número de razões pelas quais as condições que foram pertinentes para validar o
ele, pode não estar ainda pronta para uma educação musical intensiva. E sempre possível, estudo não são pertinentes nas situações específicas em que é aplicado o teste. Por esta razão,
por exemplo, que os pais, superentusiasmados, tenham descoberto a natureza geral dos testes seria recomendável usar testes que, quando possível, tenham uma alta validade de conteúdo.
empregados e tenham dado a seu filho um treinamento especialmente voltado para o tipo de Se houver evidência de que há também uma alta validade associativa, tanto melhor. Contudo,
tarefas presentes nos testes. convém dizer que geralmente é muito difícil obter apreciações realmente convincentes da
Em terceiro lugar, a testagem deveria ser realizada apenas com respeito a uma questão validade preditiva. Para conseguir tais apreciações são necessários testes não seletivos aplicados
educacional a ser respondida em um momento específico e não para fornecer um ‘laudo’ a uma população grande, bem como estudos subseqüentes de acompanhamento (follow up),
definitivo acerca da capacidade ou potencial de rendimento do candidato. No exemplo do para avaliar o rendimento. Idealmente, o estudo de validação deveria ser feito em um contexto
coral, os testes costumavam selecionar as crianças que, daí a poucos meses, teriam chances de educacional semelhante àquele em que o teste será aplicado. Ou seja, em nosso exemplo do
‘segurar a barra’em um programa de treinamento acelerado. Para o adolescente, a questão foi coral, a validação ‘ideal’envolvería uma seleção de crianças que ingressam para o coro, por parte
se ele seria capaz de aumentar seu rendimento de modo a alcançar os níveis exigidos em um da escola, com base em um teste que não seja o musical. Entrementes, o teste específico de
exame particularmente competitivo dentro de poucos anos. Em nenhum dos casos, resultados habilidades musicais em questão seria aplicado a todas as crianças por uma terceira pessoa, e os
relativamente fracos levam a concluir que uma pessoa é ‘amusical’ ou ‘incapaz de ter algum resultados seriam mantidos em sigilo.Todas as crianças passariam pelo treinamento normal e,
rendimento em música’. A respeito da pessoa em questão, julga-se apenas que dificilmente no final do período de treinamento, seu rendimento seria avaliado pelos meios convencionais.
alcançará determinados objetivos de rendimento em um tempo específico. Aí, os resultados dos testes seriam revelados e sua capacidade preditiva seria avaliada. A verdade
é que poucas escolas poderiam arcar com esse tipo de experimento.
Em quinto lugar, o teste deveria ser razoavelmente confiável. Um teste é confiável se Há cerca de 24 testes de habilidades musicais documentados na literatura recente. Shuter-
o mesmo sujeito obtém a mesma pontuação quando o teste é realizado mais de uma vez. Dyson e Gabriel (1981) propõem uma descrição e uma discussão abrangentes de todos eles.
Na prática, nenhum teste é 100 por cento confiável e as pontuações individuais flutuam de Todos os testes têm uma validade de conteúdo básica, isto é, todos exigem que as crianças
uma aplicação para outra. Muito disso tem a ver com concentração e com outros fatores escutem e julguem excertos musicais curtos. Nenhum destes testes requer uma performance
pessoais. Um teste tenderá a não ser confiável para um determinado indivíduo se muitos musical explícita, como cantar ou marcar o pulso. O tipo de item mais comum de teste é um
dos itens estiverem nos limites de suas habilidades. Em um ‘dia bom’, ele terá sucesso em par de notas, acordes ou seqüências, que podem ou não diferir em algum aspecto. O sujeito
todos os itens. Em um ‘dia ruim’, ele simplesmente irá mal. Uma boa preparação para o teste deve dizer se os membros de um par são iguais ou diferentes, ou fazer um mero julgamento
pode reduzir este problema. A técnica padrão consiste em ter uma série de itens com graus sobre as diferenças (‘qual é mais forte?’,‘qual é melhor?’, etc.).Todos os testes comportam dois
variados de dificuldade, começando com itens bem fáceis e passando para os mais difíceis, subtestes ou mais, examinando aspectos distintos da música. Os mesmos tipos de subtestes
de modo que todos os sujeitos encontrarão muitos itens que poderão acertar sempre e ocorrem em muitos dos testes. Por exemplo, um dos subtestes mais comuns pede que o sujeito
outros que sempre vão errar, tanto em dias bons quanto ruins. O que irá variar de um teste ouça duas melodias curtas de um mesmo tamanho. Na segunda melodia, uma nota pode
a outro são as notas atribuídas aos poucos itens que se localizam ao redor de sua nota ‘de resultar de uma alteração em relação à primeira melodia. O sujeito deve julgar se as melodias

E O D E S E N V O L V IM E N T O M U S IC A L
corte’. Já que nenhum teste é completamente confiável, um aplicador de testes experiente são iguais ou diferentes e, no caso de serem diferentes, em que lugar da seqüência localiza-se
resistirá à tentação de fazer distinções entre os indivíduos com base em pequenas diferenças a nota diferente.
nos resultados dos testes. Os testes deveriam ser usados apenas para situar as pessoas em As diferenças entre os testes localizam-se nos subtestes escolhidos, nas faixas etárias
grandes categorias (como ‘o grupo dos 25 por cento melhores’ ou ‘o grupo dos 33 por para as quais os testes foram elaborados, na eficiência dos processos de padronização e nos
cento mais fracos’). Mesmo isso não torna um teste completamente justo. Suponha-se, estudos sobre sua confiabilidade e validade. Muitos não são publicados comercialmente e outros
por exemplo, que alguém só pode ficar com 25 por cento de uma determinada população tiveram suas publicações esgotadas. Os testes mais disponíveis e mais amplamente usados na
e usa um teste como o único critério de seleção. Não há alternativa coerente que não seja, Grã-Bretanha parecem ser o Seashore Measures ofMusical Talents (Seashore, Lewis & Saetvit,
simplesmente, selecionar os 25 por cento com pontuações mais altas. Isso pode significar 1960) e o Wing Standardized Tests of Musical Intelligence (Wing, 1962). Para uma avaliação
a aceitação de alguém que tirou, suponhamos, 62 pontos, e recusar alguém que tirou 61 detalhada desses testes, consulte Sloboda (1984).
pontos embora seja possível que suas posições se invertam em outro teste. Não há nenhuma Tanto os testes de Wing como os de Seashore foram concebidos para serem aplicados em

o A P R E N D IZ A D O
solução completamente satisfatória para este problema inquietante. Uma resposta flexível crianças a partir dos oito anos de idade. Como vimos anteriormente neste capítulo, a maioria
e humana seria abandonar as cotas rígidas e examinar como se distribuíram as pontuações das crianças de oito anos possui um repertório passivo de canções que aprenderam em sua
dos testes. Muito freqüentemente, é possível perceber que os escores ‘aglomeram-se’ ao cultura e que são capazes de reproduzir com precisão rítmica e melódica. Nesse momento, elas
redor de certos valores, com lacunas bem visíveis entre as pontuações de grupos diferentes. estão começando a desenvolver sua consciência reflexiva das estruturas e dos estilos contidos
Em tal caso, a imparcialidade e a confiabilidade da seleção aumentariam consideravelmente na música de sua cultura. Elas estão começando a distinguir as consonâncias das dissonâncias
se a nota ‘de corte’ fosse colocada na lacuna mais expressiva e mais conveniente, ainda que e a adquirir noções de direção e resolução harmônica. Eles também começaram a detectar
isso significasse aceitar bem mais ou bem menos candidatos do que a cota pré-estabelecida. semelhanças de ‘estilo’ em alto nível. O período anterior aos 12 anos, mais ou menos, é em
Uma outra resposta envolvería usar as pontuações dos testes como um critério de seleção geral, um período de mudanças rápidas e significativas na consciência musical; e a maioria dos
entre outros, de modo que os casos ‘limítrofes’poderíam ser resolvidos a partir de critérios estudos observacionais e experimentais relatados na primeira parte deste capítulo encontraram
com maior capacidade de discriminação. uma grande variação nas habilidades conforme a idade. Infelizmente, tanto o teste de Wing
quanto o de Seashore foram elaborados muito antes que estas pesquisas fossem publicadas Na profissão de educador musical, os testes de habilidade musical nunca tiveram o mesmo tipo
(Wing, 1948; Seashore, 1919). Se alguém fosse elaborar um teste hoje, seria irracional não de impacto que os testes do 'núcleo curricular’ têm tido em áreas como a leitura e a matemática. Seria
testar as diversas habilidades que desenvolvem nos anos intermediários da infância, conforme interessante investigar as razões disso, mas aqui não é o localpara fazê-lo. Contudo a ausência de
as pesquisas mais recentes têm demonstrado. O teste poderia incluir versões do teste de uma demandaforte e constante dosprofessores, parece ser aprincipal razão da oferta insatisfatória de
sensibilidade de estilos de Gardner (1973), dos testes de memória tonal de Zenatti (1969), testes musicais no mercado editorial. Sem tal demanda, épouco provável que apareçam as iniciativas
dos testes de resolução harmônica de Imberty (1969), e assim por diante. de pesquisa e osfundos necessários para criar um teste que atenda a contento a comunidade musical.
Alguns dos subtestes de Wing e Seashore aproximam-se muito de todos estes testes Não se trata de dizer aqui que um determinado professor ou instituição não acharão que um teste
de pesquisa. Por exemplo, ambos contêm uma questão sobre memória melódica. Os testes de de habilidade musical seja útil em um contexto particular. Mas, seria sensato tratar os resultados
Wing contêm uma questão dedicada à discriminação das harmonizações convencionais e não dos testes com muita precaução. Particularmente, seria tolo, epossivelmente injusto, tomar grandes
convencionais, e da acentuação métrica e não-métrica. Outros testes parecem ser mais difíceis decisões educacionais com base apenas nos escores dos testes.
de justificar. Os testes de Seashore, por exemplo, contêm um teste de discriminação de alturas
em que as diferenças vão baixando até 2Hz (cerca de um décimo de um semitom na tessitura
das alturas testadas). As pesquisas que nós discutimos no capítulo 5.4 demonstram que muitos

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músicos adultos experientes são incapazes de fazer discriminações tão sutis, e que a atribuição
a categorias de altura e escala é um traço mais característico (e útil) da mente musical. Manor
(1950) encontrou uma correlação de zero entre os escores do teste de alturas de Seashore e o
sucesso em tocar clarineta ou trombone. Uma pequena correlação positiva foi encontrada para
o sucesso na execução do violino - uma habilidade em que a percepção acurada das alturas é
plausivelmente mais importante do que qualquer outra.
Analogamentee, os testes de Seashore incluem uma prova de discriminação de intensidade,
tão refinada que vai além da capacidae da grande maioria dos fagotistas profissionais (Patterson,
1974).
E certamente verdade que a incapacidade total de fazer discriminações em dimensões
sonoras como a altura e a intensidade tornariam impossível o rendimento musical. Contudo,
precisamos questionar o valor de certas discriminações extremamente sutis, que vão além de
um mínimo exigente. O sentido geral das evidências apresentadas neste livro é que a expertise
musical consiste na compreensão dos vários níveis de estrutura que existem no seqüenciamento
musical. Um teste de habilidades musicais ou de aptidão deveria estar demonstravelmentepreocupado
com tais habilidades estruturais. Nesse sentido, o teste de Wing épreferível ao de Seashore e parece
produzir melhores estimativas de validade do que ele (Shuter-Dyson e Gabriel, 1981). Ainda assim,
há deficiências técnicas sérias na apresentação dos testes de Wing, e isso impede que o recomendemos
incondicionalmente (Sloboda, 1984). Ambos os testes são, de certo modo, datados e precisam ser
reformatados em vista das populações contemporâneas.

t
r

J k m e n te m u s ic a l e m c e n te s e tõ :
!

31
Introdução

A disciplina da psicologia ocupa uma posição curiosa e bastante precária no mundo


da ciência. Encontra-se a meio caminho entre as ciências ‘físicas’, como a biologia

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a fisiologia, e as ciências ‘sociais’, como a sociologia e a antropologia. Dentro de
seus próprios limites, vive uma tensão criada pelos puxões exercidos em sentidos opostos às
ciências ‘físicas’ e ‘sociais’. Sendo assim, há uma subdisciplina chamada psicologia fisiológica
e outra psicologia social. A psicologia cognitiva ocupa uma posição intermediária entre essas
duas subdisciplinas, assim como a psicologia entre as ciências biológicas e sociais.
A abordagem biológica da psicologia tenta dar conta do comportamento humano em
termos do funcionamento do cérebro e do sistema nervoso, que é, por sua vez, influenciado
pela constituição genética do organismo humano.Trata-se freqüentemente de uma abordagem
‘reducionista’ porque busca substituir entidades psicológicas como ‘consciência’, ‘intenções’
e ‘memórias’ por combinações de entidades fisiológicas com eventos tais como as atividades
de certas áreas do cérebro. Esta abordagem tende a dar realce à base inata de grande parte
do equipamento mental humano, à universalidade da constituição psicológica humana como
sendo o resultado de materiais genéticos compartilhados, e propõe que muitas de nossas
convenções e instituições sociais básicas surgiram porque prolongam a sobrevivência dos
indivíduos de uma espécie e, portanto, foram selecionadas através da evolução darwiniana.
Os críticos desta abordagem lembram que há grandes variações culturais e históricas no
comportamento humano; e que os filósofos defenderam, de maneira bastante convincente, o
ponto de vista de que as tentativas de reduzir os eventos mentais a eventos cerebrais falham
por razões conceituais.
A abordagem social da psicologia tenta dar conta do comportamento humano em
termos das instituições e das convenções sociais nas quais a pessoa se desenvolve. Assim

..
sendo, os padrões significativos de comportamento pensante são aprendidos na interação com C ultura e p e n s a m e n t o m u s ic a l
a cultura e são específicos de cada cultura em particular. Esta abordagem dá realce à natureza
relativa da maior parte das habilidades humanas e ao fato de que dependem de contextos As músicas do mundo apresentam uma variedade enorme. Até onde vai essa variedade
sociais específicos para serem executadas. Os críticos desta abordagem lembram que todos os provavelmente não tinha sido plenamente avaliado até o nosso século, quando os acadêmicos
seres humanos compartilham a mesma herança genética, além de um ambiente físico comum ocidentais começaram a estudar e gravar sistematicamente as músicas de outras culturas que
e certas constantes culturais, tais como o crescimento das crianças orientado pelos adultos, não a sua própria.
o aprendizado da linguagem, e assim por diante. Esses fatores convergem dando origem a Uma das principais abordagens no estudo da música do mundo é essencialmente
universais psicológicos. taxonômica ou classificatória. Trata-se de um primeiro passo para compreender a relação
Assim como a maioria das dicotomias grosseiras, cada uma dessas abordagens afirma entre música e cultura. Nessa abordagem, por exemplo, os sons musicais de uma cultura são
coisas importantes sobre o homem, mas não consegue abarcar toda a verdade. A psicologia classificados de acordo com os instrumentos utilizados, as formas típicas encontradas, as escalas
cognitiva ocupa uma posição vital de articulação entre os extremos porque tanto os ‘biólogos’, e os sistemas de afinação utilizados, os contextos sociais em que ocorre a música, e assim por

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quanto os ‘sociólogos’identificam os pensamentos e as ações individuais humanas como um diante. Usando tais informações, é possível construir um mapa mundi musical comparativo,
‘dado’ que exige explicações. O psicólogo cognitivo ‘neutro’ tenta articular a estrutura do agrupando as culturas cujas músicas mais se parecem entre si.
pensamento e da ação humana de modo a deixar de lado a questão de causa - biológica ou Para dar um exemplo, parece ser possível dividir o continente africano em dois grandes
social. Por esta razão, o psicólogo cognitivo típico não está preocupado em examinar uma subcontinentes musicais, com a fronteira meridional do deserto do Saara estabelecendo uma
gama vasta de contextos desenvolvimentistas ou culturais. Ao invés disso, ele toma um estágio fronteira aproximada entre os dois. No norte da África, onde a influência muçulmana foi
particular do desenvolvimento comportamental de uma atividade no interior de uma cultura particularmente forte, é possível discernir elementos da música autóctone que têm relações
específica e pergunta: - qual a melhor maneira de caracterizar o sistema que está operando diretas com o oriente próximo. Aqui, a voz é soberana. Há relativamente pouca música
naquele momento e naquele lugar? Como princípio geral, eu tentei seguir uma orientação instrumental, e os instrumentos são mais comumente usados para prover um acompanhamento
relativamente ‘neutra’neste livro; e isso embora autores como Sampson (1981) argumentem grave ou rítmico para uma linha vocal. A música é principalmente monofônica e solística, e o
que tal posição só serve, indiretamente, para reforçar as hipóteses fortes sobre a natureza do cantor solista usa um tipo específico de produção vocal que dá (aos ouvidos ocidentais) uma
homem e da sociedade. qualidade nasal forçada. As melodias estão baseadas nas escalas pentatônica (de cinco notas)
Independentemente de aceitar ou não essa crítica, fica claro que a neutralidade vale, pelo ou heptatônica (sete notas), mas são ornamentadas com vibratos microtonais. Os contextos
menos, como estratégia temporária que deixa em aberto algumas questões de importância sociais para fazer música incluem as cerimônias e os festivais religiosos, e a narração de poemas
vital. As influências biológicas e sociais precisam ser incluídas numa explicação completa da épicos. A música do norte da África é geralmente vista como parte de uma tradição ‘Pan
conduta humana. De acordo com isso, este capítulo explora algumas considerações sociais e Islâmica’maior, que se estende até a Turquia e a Europa Oriental. Os cantos épicos da antiga
biológicas relevantes para o pensamento e para os comportamento musicais. Iugoslávia, discutidos no capítulo 4, fazem parte desta tradição ‘Pan Islâmica’.
Do lado social/cultural, olhamos para alguns dos fatores que podem ser responsáveis A música do sul da África possui características que a distinguem da música Pan-Islâmica.
por diferenças culturais na música e perguntamos se, não obstante, há indícios de elementos Aqui a música é raramente solística, pois envolve grupos de pessoas. Uma forma fundamental é
subjacentes universais na música. Do lado biológico, examinamos alguns estudos que lançam o canto responsorial, no qual um solista canta alguma frase curta à qual se segue uma resposta,
um pouco de luz sobre a organização neural da função musical. Também perguntamos se há cantada por um coro. A música é geralmente polifônica, o que quer dizer que, geralmente,
uma base biológica para a origem da música em nossa espécie. A música preenche uma função há pelo menos duas coisas independentes porém igualmente importantes, que acontecem ao
biológica? Ela tem precursores evolucionários em nossos ancestrais imediatos?
mesmo tempo. Os instrumentos, e particularmente os tambores, são muito importantes, e (1977). Depois disso, passarei à questão dos indícios da existência de ‘universais’ subjacentes
muitas músicas têm uma grande vitalidade e uma grande força rítmica, criadas pela repetição à diversidade superficial da música.
de padrões rítmicos curtos, altamente complexos e em diversos patamares, produzidos por Meu objetivo é levantar algumas questões que parecem ser importantes para uma
percussionistas diferentes que tocam, simultaneamente, seus próprios instrumentos rítmicos. O compreensão mais ampla da cognição musical do que se consegue ao examinar um único
conteúdo tonal parece ser mais familiar aos ouvidos ocidentais do que no caso da música Pan- tipo de música. Os psicólogos não têm se interessado de maneira visível pela música de
Islâmica. O canto é a plena garganta e menos propenso a variações microtonais. A harmonia é outras culturas que não a sua, e há pouquíssimos trabalhos empíricos feitos no contexto
simples e os acordes típicos são construídos com base em intervalos de terças maiores e menores, do pensamento psicológico moderno. Nesta seção, eu estarei avançando algumas hipóteses
quartas e quintas justas. Os contextos sociais da música são muitos e variados. Praticamente, gerais, às vezes provocadoras, que precisam claramente de um refinamento à luz da pesquisa
qualquer reunião social, seja ela motivada pelo trabalho, pela intenção de comemorar ou pela de orientação psicológica. Uma avaliação psicologicamente informada da vasta literatura da
religião é motivo para fazer música em grupo. Quase todas as músicas são baseadas em textos, etnomusicologia também se faz necessária. Somente a falta de trabalhos de fôlego é que justifica
com estruturas de poemas e canções constituindo o núcleo das formas musicais. Até mesmo minha precipitação em lidar com esta questão vasta e complexa.

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a música puramente instrumental deriva normalmente de um modelo vocal.
Esse contraste muito simplificado entre a música do norte e do sul da África dá uma A NO TA ÇÃ O M U SIC A L COM O FO RÇA C U LTU R A L
pequena amostra do tipo de descrições que os etnomusicólogos têm conseguido fazer sobre
as músicas do mundo. É claro que, em regiões menores, há muito mais distinções sutis do Muitas culturas do mundo são, ou foram até recentemente, não-letradas (ou orais).
que sugere esse esboço, e que a África não tem menos diversidade do que qualquer outra Isto é, elas não têm usado recursos de notação visual para registrar os detalhes das transações
região de área comparável do mundo. Quanto a mim, não tenho nem a competência nem o humanas. Há muitos contrastes a estabelecer entre as culturas letradas e as culturas orais.
espaço para oferecer um quadro sintático das músicas do mundo, ainda que fosse num nível Desejo concentrar-me em quatro propostas amplas acerca das conseqüências de dispor de
extremamente geral. Há uma bibliografia vasta e detalhada sobre todos os aspectos da música uma notação:
do mundo. Grande parte das pesquisas fundamentais está publicada na revista Ethnomusicology, 1. a existência da notação escrita permite uma recuperação, palavra por palavra, e extensa de
mas alguns resumos úteis são dados em Kunst (1959), Malm (1977) e Nettl (1964,1973). materiais significativos complexos;
Resumos úteis e atualizados e sugestões de bibliografias podem ser encontrados no The new 2. a notação permite a proliferação e a migração do material, de modo a exceder a capacidade
Groves dictionary of music and musicians (ed. Sadie, 1980). de um único indivíduo de saber tudo;
O que eu desejo fazer aqui é ir além da taxonomia, passando à questões de causa. Quais 3. a notação estimula a separação do conteúdo de um enunciado de seu contexto, facultando
os fatores, culturais e sociais, que ajudam a dar conta das vastas diferenças que há entre as que um enunciado seja tratado como ‘uma coisa em si’;
culturas musicais do mundo? Concentrar-me-ei em um fator que, embora não seja o único 4. a notação seleciona alguns aspectos do som para preservá-los e, assim fazendo, não só
fator significativo, me parece ter conseqüências de mais amplo alcance. Ele é particularmente materializa a teoria corrente, mas ainda tende a restringir o desenvolvimento da música de
importante porque parece relacionar-se, de modo muito forte, às diferenças entre a música de algumas maneiras.
arte ocidental (que tem sido o principal assunto deste livro) e outras formas. Eu estarei sugerindo Em primeiro lugar, eu ampliarei a discussão desses pontos mediante uma referência à
que a forma da música ocidental e a natureza das habilidades cognitivas que ela sustenta, estão linguagem e, então, sugerirei como as observações feitas podem ser aplicadas à música. Antes,
intimamente ligadas à existência de um sistema desenvolvido de notação musical. Nisso, eu porém, é preciso fazer algumas ressalvas. As culturas contemporâneas podem ser dispostas ao
me baseio fortemente nas idéias de Blacking (1976), e Shepher, Virden, Vulliamy e Wishart longo de um continuam que vai desde as culturas em que não há letramento até aquelas em que
o letramento permeia todos os aspectos da atividade social. Há muitas culturas ‘semiletradas’, eles estavam errados, enquanto os funcionários os consideravam declarações factuais, registros
em que o letramento existe em classes ou em situações restritas, e isso tem efeitos diretos do que havia acontecido de fato, e não podiam concordar que os nativos iletrados pudessem estar
sobre os membros orais da cultura. Até mesmo nas culturas predominantemente letradas mais bem informados sobre o passado do que seus predecessores letrados. O que nenhum dos
lados reconheceu foi que, em qualquer sociedade desse tipo, ocorrem mudanças que exigem um
tais como a nossa, pode haver indivíduos que não são letrados, mas que acabam realizando reajuste constante nas genealogias se estas tiverem que continuar desempenhando suas funções
atividades que se baseiam, direta ou indiretamente, no letramento de outros. Por outro lado, como memória das relações sociais.
os indivíduos que são plenamente letrados podem, ao mesmo tempo, ter áreas de atividade
significativas que são essencialmente orais. Muitos ocidentais são lingüísticamente letrados É comum para muitas pessoas letradas presumir que a vida e o conhecimento da
e musicalmente orais. Algumas pessoas musicalmente letradas mantêm áreas de atividades cultura letrada são, de algum modo, superiores aos da cultura oral; que o letramento amplia
musicais, como ojazz e a música folclórica, que são essencialmente orais. Portanto, a distinção os recursos humanos, e sem tirar nada. Seria mais correto dizer que as culturas letrada e
letrado/oral não é tão clara culturalmente falando, como eu dou a entender, para tornar mais oral são diferentes, e que há ganhos e perdas envolvidos no letramento. As vantagens são
clara minha exposição. tão claras para nós que mal precisam ser ditas: a disponibilidade crescente e a durabilidade
Um outro fator de complicação são os novos modos de preservação do passado, do conhecimento, permitindo que se desenvolvam estruturas sociais e de conhecimento

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particularmente os registros fonográfico e fotográfico. Eles preenchem muitas das funções complexas e geograficamente espalhadas. As desvantagens, às vezes, nos escapam, e precisam
da notação, mas também têm propriedades novas. Como esses modos de gravação não são de mais realce. Numa sociedade completamente oral, o ganho de conhecimento não pode
simbólicos, as pessoas podem usá-los sem tornar-se letradas. Isso tende a tornar ainda menos estar divorciado das interações humanas fundamentais daquela sociedade. O conhecimento é
claras algumas das distinções que faço, ao menos quando aplicadas à cena contemporânea. preservado pelos próprios costumes e rituais que unem a sociedade. Desde que o grupo social
Tendo em mente essas ressalvas, podemos seguir adiante. seja estável, o conhecimento que transmite tende a ser estabilizador, confiável e suficiente para
Para muitas pessoas, a notação é tão importante que a realidade torna-se mediada, de a vida. Há pequenas possibilidades de uma pessoa tornar-se contrária às regras da sociedade
muitas maneiras,por suas notações. O que pode ser escrito e preservado é correto e definitivo: por desconhecer algo importante. A limitação do conhecimento àquilo que é importante o
a performance e/ou memória humanas são julgadas, tendo como critério os registros escritos. suficiente para tornar-se parte do tesouro das tradições orais garante que cada indivíduo saiba
Na cultura oral, o conhecimento e a memória presentes são os únicos guias. As discordâncias tudo aquilo de que precisa.
são resolvidas através da negociação, ou recorrendo ao veredito de indivíduos respeitados Ao contrário, o letramento envolve a possibilidade de que o conhecimento venha a ser
(DA.zevedo, 1962). Quando os membros de uma cultura letrada e de uma cultura oral esotérico e não-gerenciável. Há tanto conhecimento guardado em uma cultura letrada que é
interagem, essas ‘visões de mundo’ diferentes podem induir à incompreensão mútua. Goody impossível, para um único indivíduo interagir com mais do que uma pequena fração dele. Desse
e Watt (1963) dão um exemplo claro disso (citado em Shepherd, 1977): modo, o ser humano torna-se dependente de outros experts que se tornam mediadores e usuários
do conhecimento em seu lugar. Uma vez que o conhecimento escrito pode ser disseminado
Os primeiros administradores britânicos entre os Tiv da Nigéria estavam cientes da grande bem longe do contexto social que o gerou, a quantidade de conhecimento ‘inútil’(com respeito
importância dada a [...] genealogias que eram continuamente discutidas em casos dos tribunais a um indivíduo ou grupo particular) torna-se muito grande. Na melhor das hipóteses, isso
em que se disputavam os direitos e deveres de um homem em relação a outro. Conseqüentemente, pode significar que a pessoa perderá muito tempo e energia antes de encontrar o conhecimento
eles tiveram o trabalho de escrever a longa lista dos nomes e preservá-los para a posteridade, para útil. Na pior das hipóteses, essa situação pode ser motivo de sérios enganos, disponibilizando
que os futuros administradores pudessem reportar-se a eles ao administrar a justiça. Quarenta conhecimentos que são simplesmente impróprios para a situação própria da pessoa.
anos depois [...] seus sucessores ainda usavam as mesmas genealogias [...] Contudo, essas árvores A notação escrita também nos motiva para nos afastarmos de nossas palavras e das dos
genealógicas escritas agora deram origem a muitos desentendimentos; os Tiv sustentavam que
outros. Uma vez capturadas de forma permanente no papel, é mais fácil analisá-las, dissecá-las
e tratá-las como objetos sem vida, separados de nós e de nossos pensamentos. Desta forma, elas Com isso não se pretende dizer que os membros de uma cultura vêem a música como uma
perdem parte de sua força e seu caráter imediato. Isso tem conseqüências boas. Permite-nos, coisa fluida e indefinida. Há uma aprendizagem real e detalhada de peças musicais específicas;
por exemplo, resistir ao poder das palavras usadas na persuasão, na sedução ou na demagogia, mas o que é aprendido é inevitavelmente uma abstração de nível relativamente elevado que
pelo menos até certo ponto. Mas também incentiva a formação de uma imagem de nós mesmos deriva de uma sucessão dtperformances que são diferentes em detalhes perceptíveis. O tipo de
em que somos separados de nossas palavras e ações. Nós nos percebemos observando e agindo conhecimento exato que podemos obter a respeito de peças musicais específicas, examinando
sobre o mundo e não como sendo parte dele. repetidamente as partituras ou ouvindo repetidamente um mesmo disco, são literalmente
Finalmente, por selecionar os aspectos de um enunciado que são preservados, a notação impossíveis em uma cultura oral.
pode resultar em uma comunicação empobrecida. Nossa própria notação alfabética é incapaz Há diversas coisas que precisamos ter em mente, ao avaliarmos essa afirmação. Em
de preservar informações significativas sobre andamento, entonação, voz, gesto - e seleciona as primeiro lugar, ela não nega que há coisas que podem ser lembradas palavra por palavra.
informações fonéticas para fins de preservação. Isso pode ter uma influência profunda sobre alguns Melodias curtas podem ser facilmente memorizadas e temos razões para crer que as canções
aspectos da linguagem falada, legitimando um tipo de fala, em que o elemento fonético carrega folclóricas, rimas e parlendas, transmitidas oralmente em nossa cultura e em outras, mudaram
cada vez mais o fardo da comunicação. Em alguns contextos, pode ficar pressuposto que a fala

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muito pouco no decorrer dos anos. Elas têm normalmente uma estrutura de versos repetitiva, e
educada e letrada é gramaticalmente correta, foneticamente bem articulada, descontextualizada, o material musical ultrapassa raramente as 50 ou 60 notas. Em segundo lugar, aquela afirmação
autônoma em relação ao gesto e suave no andamento e altura, quando comparada à fala da não nega a existência de façanhas ‘prodigiosas’ da memória. Em contextos orais, as pessoas
oralidade ou à fala da criança. A tentação é tornar a língua falada parecida com sua contrapartida lembram de peças musicais muito longas. O que está em jogo aqui é que é improvável que
escrita, de modo que o meio de troca da fala, que normalmente passa despercebido com todas a memória seja uma réplica idêntica (nota a nota) de uma performance anterior. Nas culturas
as suas riquezas de expressão, torna-se aviltado e desvalorizado. O cúmulo desta tendência pode letradas, há muitos relatos de recordações literais longas, nas quais quem lembrou não estava
ser encontrado, talvez, na figura dos locutores dos noticiosos radiofônicos, de quem (pelo menos necessariamente fazendo uso da notação. Isso não contradiz a afirmação geral porque fica
na Grã-Bretanha) se pode dizer sem exagero que não transmitem nada mais do que o ouvinte razoavelmente claro que tais façanhas baseiam-se indiretamente na existência de notação.
poderia aprender lendo o próprio texto da notícia. As atrocidades da guerra e as flutuações no Podemos argumentar que uma longa recordação nota por nota depende de a cultura ser
mercado financeiro são noticiados em um mesmo tom comedido. capaz de proporcionar muitas repetições exatas da mesma peça musical. Antes do advento
Tendo delineado alguns aspectos gerais dos efeitos do letramento, vejamos agora como das técnicas modernas de gravação, a notação seria a única forma de dar aos executores a
essa argumentação poderia ser aplicada à música. Nas culturas orais, a música é passada de oportunidade de produzir repetições nota a nota de obras mais longas. Quando tais repetições
pessoa para pessoa sem o uso da notação e, portanto, como o conhecimento verbal, está sujeita estão disponíveis a um ouvinte, ele pode começar a desenvolver as habilidades de representação
a mudanças no decorrer do tempo. No entanto, apenas o escriba ou o gravador podem registrar necessárias para atingir a recordação nota a nota. Eventualmente, um indivíduo pode chegar
tais mudanças. No contexto das culturas orais, não há outra forma de checar se uma performance a um ponto em que consegue memorizar uma obra longa após uma ou duas escutas (por
em particular é ‘a mesma música que antes, a não ser pelo consenso. Não há indício de que as exemplo, o Miserere, de Allegri, memorizado por Mozart, discutido nos capítulos 1 e 5). Não
culturas orais guardem por mais tempo recordações musicais que sejam exatas (isto é, nota há, entretanto, qualquer relato psicologicamente plausível de longas recordações nota a nota
a nota, conforme um modelo). A música é ‘recriada ex-novo a cada performance. Aquilo que que não se baseie em uma história anterior em que a habilidade de recordar ‘foi treinada’ na
vimos ser verdade dos cantos iugoslavos é também característico de grande parte dos produtos repetida audição de peças curtas.
musicais mais longos das culturas orais. Muito embora eles possam seguir um padrão básico Em terceiro lugar, a afirmação não pretende dizer que os mecanismos de memória são
ou núcleo,performances sucessivas apresentam diferenças significativas de detalhe e elaboração. completamente diferentes em pessoas de contextos orais e letrados. A base fundamental para a
memória musical, conforme tem sido argumentado em todo este livro, é a habilidade de extrair complexidade tende a referir-se a elaborações dentro das próprias seções e não a elaborações
estruturas de ordem superior das seqüências de notas. Em um contexto oral, o músico usa entre uma e outra seção. Considere-se, por exemplo, a canção Venda (África do Sul) dada
uma estrutura armazenada para gerar seqüências de notas diferentes, porém estruturalmente como exemplo por Blacking (1976), e aqui reproduzida no exemplo 7.1. Ela repete a mesma
relacionadas, em ocasiões distintas. Em contextos letrados, essa habilidade passa a ser chamada frase curta diversas vezes, ainda assim as assimetrias rítmicas derrubariam muitos concertistas
de ‘improvisação’. Quando a notação (ou tecnologia de gravação) permite diversas escutas da ocidentais. A fórmula de compasso é, com efeito, um 5/8 + 7/8 +5/8 + 7/8 muito rápido, um
mesma seqüência de notas, então o músico pode elaborar sua memória estrutural para conseguir ritmo que é sustentado por percussionistas, ao mesmo tempo em que ocorre toda uma série
uma recordação exata (nota a nota). A memória ainda é estrutural, conforme mostram as de permutações polifônicas possíveis, duas das quais dadas aqui.
evidências experimentais resenhadas no capítulo 5.
Um efeito da existência de notação, diferente porém relacionado a esses, refere-se às
formas musicais que existem no contexto de uma cultura. É lícito ser favorável à tese de que
a notação permite a construção de formas complexas e longas, em que são planejadas, em

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detalhes, relações que se estabelecem à distância de centenas de notas. Ela também permite
o uso de recursos como a inversão e a retrogradação, e o contraponto estrito. Isso porque o
compositor pode fazer registros detalhados de eventos do início da obra e, depois, tomá-los
repetidamente como referência para construir eventos posteriores. Em um contexto puramente
oral, é improvável que as relações temáticas tenham a mesma exatidão matemática de algumas
formas notadas; elas têm então uma associação mais solta, porém musicalmente eficaz.
Em geral, as formas da música oral não se comparam às da música letrada em
complexidade ‘arquitetônica’ porque, na música letrada múltiplos encaixes estruturais podem
produzir composições longas e variadas, porém integradas. Ao invés disso, encontramos na Exemplo 7.1
música oral a preponderância de estruturas ‘em cadeia’ em que o mesmo tipo de elemento
curto é repetido, com variações, por muitas e muitas vezes. A estrutura ‘tema e variação’ Há pelo menos duas formas diferentes, porém complementares, de compreender uma
que discutimos no capítulo 4 a propósito de performance improvisatória, parece incorporar peça musical. Uma delas é através de seu contexto, a outra através de seu conteúdo. Essas
características fundamentais da música oral de qualquer cultura. duas maneiras de olhar a música são ambas disponíveis em todas as situações, mas é possível
Vale notar que embora seja necessária para o desenvolvimento de formas como a sonata, argumentar que a notação altera o equilíbrio em favor da abordagem via conteúdo, e tende a
fuga, etc., a notação certamente não pode ser uma condição suficiente para isso. Há muitas desvalorizar o contexto. Isso ocorre precisamente porque a notação (e a gravação sonora) nos
culturas com sistemas notacionais articulados que usam formas musicais distintas das da permite examinar o conteúdo musical, isolando-o de contextos performáticos específicos. A
tradição da música clássica ocidental. Precisamos encarar a notação como apenas umas das música oral não pode ser isolada de seu contexto dessa mesma maneira, e um certo grau de seu
várias influências que se compõem no desenvolvimento de uma forma. ‘significado’ é dado pelo contexto. Sem tal contexto, somos encorajados a perceber a música
Além disso, dizer que a música oral não tem a complexidade formal de algumas das como uma “coisa em si” e a buscar aquilo que Goodman (1976) descreveu como ‘repletude’,
formas ocidentais não quer dizer que ela não tenha nenhuma complexidade. A música oral em que cada aspecto perceptível do conteúdo é tomado como sendo significativo, e pensado
proporciona todo tipo de oportunidades à elaboração e ao trabalho artístico. No entanto, tal para ser significativo. Entretanto, precisamos ter o cuidado de certificar-nos de que a pessoa
que deu origem à música tinha a intenção de que ela fosse repleta nesse sentido. Podemos A notação ocidental moderna surge através de uma complexa cadeia de desenvolvimentos,
‘ler demais’ nas entrelinhas de uma composição notada, mas o perigo aumenta quando a partir dos neumas, que são freqüentemente encontrados nos manucritos religiosos do oitavo
abordamos a música oral com essa mesma disposição, pois é menos provável que o músico século d.C. Estes eram usados para notar os cantos de acordo com os quais as orações fixas
oral tenha revirado todos os elementos em sua mente, buscando as notas exatas para capturar eram cantadas nas comunidades religiosas. O exemplo 7.2 ilustra um dos primeiros exemplos
seu significado exato. E claro que não há nada de inerentemente errado em ouvir qualquer de neumas de um manuscrito francês copiado por volta de 871 d.C. Os neumas são escritos
32 g música de maneira analítica. Disciplinas intelectuais como a musicologia seriam impossíveis acima do texto em grego e indicam a forma aproximada do contorno melódico (as subidas e
sem isso. Há, no entanto, o perigo de que tal análise afaste ainda mais, ao invés de aproximá- descidas de altura). Nesse sentido, o símbolo ‘ / ’ denotava uma subida, e o símbolo ‘ V uma
la, a mente do músico engajado em música oral, para o qual tal análise pareceria inapropriada descida, e ‘\ f uma descida seguida de uma subida. Wishart (1977) comenta sobre os neumas
e até mesmo sem sentido. como segue:
Um último aspecto importante a ser observado na notação musical é que, assim como
acontece com a linguagem, ela seleciona alguns aspectos do som para preservá-los e descarta Os neumas não tentavam marcar o que consideramos hoje como alturas individuais e unidades
os demais. Isso tem influências importantes nas concepções teóricas da música e, a longo de ritmo, mas apenas as formas e contornos das linhas melódicas usuais na prática corrente,

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prazo, na natureza da música em si. Para ilustrar esse ponto, podemos examinar rapidamente e portanto, para tornar-se utilizáveis, também exigiam familiaridade completa com o que era
o desenvolvimento da notação musical ocidental padrão durante os últimos mil anos, mais ou corrente na prática melódica, além de adesão a essa prática.
menos. O pesquisador seriamente interessado no assunto deve consultar Apel (1953), Cole
(1974), Karkoschka (1972) e Read (1974) para maiores detalhes. Em outro lugar, escrevi mais Os neumas foram concebidos sem qualquer intenção de gravar música para a posteridade
longamente sobre os aspectos psicológicos da notação musical (Sloboda, 1981). ou de disseminá-la para outros lugares. Ao contrário, serviam de recursos mnemônicos para a
memória de pessoas familiarizadas com convenções de execução locais. Dispondo apenas da
H V ANCi i t ‘ notação neumática, a pessoa não conseguida reconstruir a melodia notada, nem mesmo uma
i i c lí * C M j l • L A Ii N t primeira aproximação.
* D 'cnu. en i p ú í h f £ J LonA tn o o x í/ if
Por volta dos séculos doze e treze, a notação musical já havia passado por uma série de
* thío kí-tp< 5ir mudanças que ampliaram de maneira significativa seu uso, descontextualizando-o. Em primeiro
Vrim* (ti %mhnyfHf pAK ir» h m n im t; lugar, os símbolos tornaram-se a contraparte de entidades conceitualmente estáticas, as ‘notas’
bonf- uoLuntxaf •
ao invés de ‘contornos’móveis. Uma nota é um som que, do ponto de vista nocional, permanece
fn u m e n ff
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na mesma altura por toda a sua duração. Em segundo lugar, foi criado um meio de calibrar a
*' ^ft- \ * B f n A tc im u C r f
. ^ distância de altura entre as notas com a introdução das linhas do pentagrama. Nos exemplos
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anteriores, vinha apenas uma linha, identificando uma única altura fixa. No exemplo 7.3 do
r f

C ra x u C ijim -nbi
século dez, a altura fixa é o fá abaixo do dó central. É necessário algum trabalho de adivinhação
T Srx rm íjitiú
para decidir quais possam ser as outras notas. No entanto, as linhas múltiplas acabaram por
r ro p f rriA^U n u ”
gCmJun. "t>nV tornar-se a regra, como as conhecemos hoje, com as linhas e espaços indicando os principais
(lÁíl&M tfurxntf- níveis de altura melódica. Em terceiro lugar, alguns aspectos do tempo começaram a ser notados
lo 7.2: Notação neumática do século nove.Fotografia da Biblioteca Nacional de Paris
no formato dos símbolos das notas. Num primeiro momento, essas distinções de tempo eram
muito grosseiras (por exemplo, longo, curto, muito curto) mas, gradativamente, a subdivisão fechado, cujas partes sustentam-se reciprocamente; através desse sistema, a música pode ser
binária do tempo em meios, quartos, oitavos, etc. tornou-se codificada. Enquanto a notação descrita, notada, transmitida e compreendida.
esteve ligada aos textos cantados, justifica-se pensar que a informação temporal não era tão Muito embora a notação tenha ajudado a cimentar a teoria e a prática no decorrer
importante, já que os executores cantavam todos o mesmo texto, e as palavras regulavam o dos tempos, acredito que seria errado pressupor que a música verbal pré-notação não tinha
tempo. Mas a notação acurada do tempo foi crucial para o desenvolvimento da polifonia e da características discretas na altura e em outras dimensões. Em qualquer estágio da história, foi
música instrumental. Um feito como aperformance de um quarteto de cordas seria totalmente preciso perceber que o sistema de notação usado na performance proporcionava um entrosamento
impossível se não houvesse meios precisos para garantir a sincronia e a coordenação entre os relativamente bom com a prática corrente, como condição para que os executores o aceitassem.
instrumentos (veja Sloboda, 1981). Muito embora a notação não seja a única maneira possível Sabemos que o caráter discreto existe nas culturas orais contemporâneas, muito embora fique
de promover a sincronia, sem sombra de dúvidas ela contribuiu para o rápido desenvolvimento freqüentemente obscurecido, devido à liberdade maior no uso de ornamentações microtonais
da complexa polifonia da cultura ocidental. e microrrítmicas. Sobretudo, sabemos que desde a pré-história, os instrumentos musicais têm
tido as qualidades exatas de tipo discreto que são codificadas pela notação tradicional, pelo

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sf 1 • J menos no domínio da altura. Um instrumento de cordas dedilhadas emite uma nota única
r e imutável. Um conjunto de tubos ou cordas oferece um conjunto de alturas relativamente
• È
Exemplo 7.3: Notação neumática do século dez. Extraída de Read (1974). fixas e, por necessidade, a música tocada por estes instrumentos precisa ficar confinada nesse
conjunto de alturas. Notar a música instrumental com símbolos discretos de altura não é uma
Para funcionar fora do âmbito de grupos sociais específicos, qualquer sistema de operação de Procrusto. Ela espelha de maneira bastante fiel o estado sônico das coisas. Até
notação precisa tornar-se sistemático e confiável. Isso se consegue principalmente se houver onde podemos supor que os sons de instrumentos de altura fixa influenciaram a prática vocal
um pequeno número de constituintes finitos e discretos, através dos quais toda música pode dos músicos orais, temos boas razões para supor que os instrumentos exerceram uma força
ser construída por combinação. Mas a música natural, particularmente a música vocal, não é contínua no sentido de tornar discreta a prática vocal.
necessariamente feita de elementos discretos. Altura, tempo, timbre e intensidade, tudo isso Também podemos notar que as mais antigas teorias da harmonia estiveram baseadas
pode variar de forma contínua nas diversas dimensões do som. Parece então que encaixar em intervalos discretos de altura, e que os gregos antigos e os chineses usaram notações
a música vocal no leito de Procrusto da notação discreta pode ser, portanto, uma decisão teóricas que empregavam convenções alfabéticas. Contudo, talvez nós não devéssemos dar
de risco. Decisão de risco, é claro, a menos que a voz se conforme, de fato, às exigências a isso uma importância exagerada porque, até a baixa Idade Média, a teoria musical baseada
do sistema de notação, procurando fazer ‘saltos’ discretos nas dimensões que ele controla, nas propriedades das vibrações das cordas e das colunas de ar, conforme ficou registrado nos
em particular na dimensão da altura. Na cultura ocidental contemporânea, é certamente escritos e nas notações dos filósofos, teve, de fato, muito pouco a ver com a prática de fazer
verdade que grande parte da música vocal aspira ter o caráter discreto que nosso sistema música. Não ocorrería aos filosófos usar suas notações e teorias para registrar a prática musical
de notação incorpora. O treino escolar dos principiantes dá realce ao cantar afinado’ e ‘no do tempo. Não ficamos sabendo quase nada sobre o que os antigos cantores e instrumentistas
tempo’, evitando glissandos de altura e grandes desvios em relação às subdivisões de tempo gregos faziam, a partir dos escritos desses teóricos. Isso vale também para os primeiros escritores
expressas por números inteiros. Portanto, em alguns aspectos cruciais, a música executada é medievais como Boécio (c. 480-524), que ensinou que os intérpretes e compositores estavam
‘como’ a música notada. Na teoria musical convencional, as explicações de altura e tempo ‘separados da intelecção da ciência musical’.
incorporam esse caráter discreto elaborando os conceitos de escala, compasso, etc. (veja o O que torna tão diferente o desenvolvimento tardio da notação na Europa medieval
segundo capítulo). Ou seja, a teoria, a notação e a prática performática formam um sistema é que ele teve suas raízes na prática e, de certo modo, trouxe a reboque a teoria. Além disso,
a notação surgiu em um contexto religioso em que os instrumentos eram mal vistos (apesar O sistema de notação aperfeiçoado por Guido abriu caminho para que surgisse uma
de alguns instrumentos como o órgão serem gradativamente aceitos a partir do século oito: nova raça de músicos, a dos leitores à primeira vista (veja o capítulo 3, seção 2). Trata-se do
ver Caldwell, 1978). A música instrumental era quase inteiramente profana - a província da intérprete que usa a notação para fazer uma performance musical razoavelmente refinada, sem
laicidade essencialmente oral - e só começou a ser notada muito tempo depois que a notação ensaio prévio. Ele faz isso através de sua intensa familiaridade com o sistema de notação.
em pentagrama foi amplamente aceita. Com os avanços das técnicas de impressão e o resultante aumento da legibilidade, a leitura à
A aceitação da notação em pentagrama assenta em grande medida nos trabalhos de Guido primeira vista chegou à apoteose no século atual.
D ’Arezzo (c. 1000-1050). Atribui-se geralmente a ele o fato de ter completado e sistematizado E preciso enfatizar que a seletividade da notação musical nãoforça a prática da performance
a restringir-se àquilo que está notado. Mesmo com a notação ocidental padrão, sobra para
a notação na pauta de quatro linhas que é usada ainda hoje na notação do canto (Hoppin, 1978). os performers uma latitude de interpretação considerável (veja o capítulo 3), e é necessário
Guido era plenamente consciente da importância da necessidade de completar seu próprio muito além da habilidade de ler música para fazer uma performance culturalmente aceitável
sistema. Ele conseguia ‘produzir um cantor perfeito no espaço de um ano, ou no máximo, dois’, de uma sonata de Beethoven. O que a nossa notação faz é fixar um nível de detalhe através
quando, anteriormente, 10 anos de estudo resultavam em um conhecimento apenas imperfeito’. do qual é possível dizermos que, qualquer um que toca de acordo com a notação, realizou a

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Com seu sistema, os cantores podiam agora ler e executar uma melodia que nunca tinham performance daquela peça musical e não outra. Assim, aperformance mais idiossincrática e mal
ouvido antes. Além de aprimorar o sistema de notação com pauta de quatro linhas, Guido realizada de uma sonata de Beethoven ainda é aquela sonata. Isso não seria verdadeiro no
também foi responsável por idealizar o recurso mnemônico ‘sol-fa1para os cantores. Trata-se caso de alguém tentando oferecer uma performance do canto gregoriano a partir da notação
de uma maneira de lembrar das relações de altura entre as notas na pauta, por referência às neumática anterior. A notação simplesmente não é específica o bastante. A notação moderna
notas de uma melodia bem conhecida. A melodia que ele escolheu foi hino a São João Batista é normativa num nível em que a notação neumática anterior não podia ser. Entretanto, isso
‘Ut queant laxis’(exemplo 7.4). Este hino ‘soletra’ uma escala de seis notas, ut-re-mi-fa-sol-la. não impede a notação moderna de ser usada para objetivos em que não é normativa, casos em
Com pequenas modificações, o sistema ainda é usado nos dias de hoje, embora a letra arcaica que ela deixa aperformance significativamente indeterminada (como, por exemplo, no caso do
‘Ut queant laxis' tenha sido substituída por canções contemporâneas mais apropriadas (como baixo contínuo da música barroca).
aquela que foi imortalizada por Rogers e Hammerstein em ‘A noviça rebelde). Muito embora a notação tenha trazido alguns desenvolvimentos positivos, ela também
tem aspectos negativos. Wishart (1977) argumenta que o beco estéril e ‘sem saída’em que
entrou a música dodecafônica foi devido a uma limitação da imaginação musical, causada
Ut que-ant Ut - xis re-só-na-re fi-bris Mi - ra ge-sto - rum fa-m u-li tu-o - rum. pelas categorias implícitas no sistema de notação:
Sol ve pol - lu - ti La - bi - í re a-tum, San - cte Jo-an-ne$. Em sua busca constante por novos modos de expressão, a tradição da música clássica ocidental foi
[...] limitada precisamente pelo fato de concentrar-se nas relações de um conjunto limitado de
- -

Exemplo 7.4: Hino a São João Batista. Extraído de Hoppin (1978)


‘alturas’e portanto passível de notação, para levar a seu limite o campo das relações harmônicas
passíveis de notação. O passo final em direção ao dodecafonismo e portanto à técnica serial
O sistema de Guido espalhou-se rapidamente pela Europa e, logo, todos os cantos ‘integral’, em vez de ser uma ‘liberação’desse conjunto restrito de tonalidades, precisa ser visto
da liturgia romana tinham de ser notados em seu sistema. Adivinha-se facilmente que nem em perspectiva histórica como a capitulação final e total diante dos ditames permutacionais
todos os cantos existentes encaixavam-se facilmente nesse sistema pelo fato de que alguns finitistas de um sistema de notação analítico racionalizado, e como o portal aberto para um
cantos passaram por reescrituras e transposições radicais no decorrer dos anos, o que pode ser formalismo muito estéril e racional [...] Usos mais sutis da altura, como as inflexões emg/issando,
que podem variar numa infinidade de velocidades possíveis, intervalos e curvaturas de glissando
entendido como uma tentativa de ‘colocá-los na linha’(Hoppin, 1978). [...] não eram compatíveis com esta abordagem finitista.
A libertação da música estéril e formal foi possibilitada, não tanto por novos sistemas fixas o tempo todo, mas são geralmente fixas por toda a duração de uma mesma peça musical.
de notação, mas sim através da oportunidade, agora dada aos compositores, de ultrapassar Em muitas culturas, a principal altura (ou alturas) de referência é mantida no decorrer de toda
completamente as barreiras da notação e compor diretamente os sons, com o auxílio de a música na forma de um ‘bordão’ (geralmente instrumental). Mesmo onde não há bordões,
máquinas eletrônicas. Isso ocorre em parte porque fica difícil entender como qualquer sistema podemos geralmente perceber que algumas alturas são privilegiadas’, já que a música retorna
de notação poderia dar conta, de maneira confiável, de coisas como inflexões em glissandi; e constantemente a elas e gira em torno delas. Às vezes, os etnomusicólogos representam essa
em parte porque o sistema fixo dodecafônico foi entronizado pela tecnologia instrumental característica derivando uma escala de pesos para uma determinada peça musical. Isso ordena
convencional. Não é possível fazer glissandos com variações de altura no piano. as principais alturas em uma seqüência ascendente e associa cada altura a uma duração notada,
Sugeri que a seletividade da notação musical reforça a tendência de ver os elementos que, grosso modo, reflete o número de ocorrências daquela nota na peça. O exemplo 7.5, por
musicais como caindo em categorias discretas, uma tendência que é,de todo modo, incentivada exemplo, dá a escala de pesos associada a uma canção específica dos aborígines (Malm, 1977).
pela existência de instrumentos de alturas discretas. Entretanto, ainda temos o direito de Ele mostra que há cinco notas principais, com o fá ocorrendo em maior freqüência, e o lá
perguntar: por que o homem vem favorecendo os instrumentos de alturas definidas para sua bemol, menos freqüentemente.
música? Recentemente, tem se argumentado (Balzano, 1980; Pressing, 1983) que o caráter

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discreto, tanto da altura quanto da dimensão temporal, são essenciais se a música tiver de servir • ____ q ç ________ n

certas funções de comunicação. Veremos, na discussão a seguir, que grande parte da música, A ------- » r X- 2-------------

tanto da tradição oral quanto da tradição letrada, compartilha características básicas comuns, - w
t f
-

em vista das quais precisamos concluir que até certas forças culturais muito fortes, como a 16 .5 >0 22 14 1

Exemplo 7.5: Notação de escala de pesos. Extraída de Malm (1977).


notação, não são todo-poderosas para determinar a natureza da música.
Ou seja, embora a tonalidade, como a conhecemos, não seja de modo algum universal,
U niversais m u s icais as noções de escala e tônica possuem analogias formais na maioria das culturas. Uma das
influências favoráveis ao desenvolvimento de pontos discretos fixos ao longo de um contínuo
Acabamos de examinar um fator que pode contribuir para a variação cultural na música, é, conforme argumentamos anteriormente, a existência de instrumentos que são ou de altura
Há, é claro, muitos outros fatores. Por exemplo, nem todas as culturas sustentam a existência fixa permanente (por exemplo, os metalofones, de que são exemplos os gongos, sinos e xilofones)
de músicos especialistas’ tais como compositores, instrumentistas, etc. Isso pode ter uma ou então, que podem ser afinados, mas que oferecem um conjunto fixo que se mantém estável
influência profunda sobre o tipo de atividade musical que ocorre. Será possível que, apesar enquanto dura cada performance (por exemplo, os instrumentos de cordas como a harpa, a citara
de todos esses fatores, existam alguns traços subjacentes que são típicos de grande parte das e o violão). Além disso, no contexto da maioria destas escalas, a oitava aparenta ser um intervalo
músicas? Se existirem, então eles devem estar relacionados a alguma base cognitiva universal particularmente privilegiado. A disposição das alturas é repetida a cada oitava, e a oitava
que transcende às culturas individuais. Já sugerimos a possibilidade de haver estratégias aparece freqüentemente como um intervalo na música polifônica. É particularmente comum
primitivas de agrupamentos auditivos que exercem um papel na maneira como a música é encontrarmos a principal altura de referência sendo reforçada pela voz ou por instrumentos
ouvida (quinto capítulo). Um outro conjunto de universais possíveis surge em conexão com o em diversas oitavas diferentes. Além disso, os intervalos próximos aos nossos intervalos de
uso da dimensão da altura em diversas culturas. quinta justa e quarta justa aparecem na polifonia da maioria das culturas.
Um número muito grande de culturas contém, tanto na teoria quanto na prática, a noção Mas as semelhanças não param por aqui, porque parece que as subdivisões da oitava
de que a música ocorre em relação a alturas de referência fixas. Essas alturas não precisam ser em graus de escala segue os mesmos princípios na maioria das culturas. Em primeiro lugar, o
número de subdivisões é sempre moderadamente pequeno. O ‘número 7 mágico mais ou menos (seis semitons) é único. Nenhum outro par de notas é separado por esse intervalo (o trítono)-,
dois’ de Miller (1956) seria adequado para a maioria das escalas do mundo. Particularmente e, portanto, o ouvinte que escuta uma seqüência melódica como 4-7-8 em uma escala maior
comuns são as escalas de cinco e sete notas. Na realidade, o termo oitava deriva do fato de pode identificar a última nota como sendo a tônica. Na escala indiana Sa-grama, o intervalo
que, na escala de sete notas, a oitava nota marca o início da repetição do padrão da escala entre as notas três e cinco é igualmente único (oito sruti), pelo menos em teoria.
em uma altura cuja freqüência é aproximadamente o dobro da freqüência da primeira nota. Shepard (1982) argumenta que é esta propriedade de espaçamento desigual que:
Uma segunda semelhança é que praticamente nenhuma escala é dividida em intervalos de
razões iguais. Em outras palavras, não se encontram quase nunca escalas em que os intervalos [...] permite ao ouvinte ter, a todo momento, uma sensação clara de onde a música está em relação
de altura entre notas adjacentes são os mesmos para todo e qualquer par. Ao invés disso, as a uma estrutura. E somente em relação a uma estrutura como essa que pode haver coisas como
movimento e repouso, tensão e resolução ou, resumindo, os dinamismos subjacentes à música
escalas são compostas a partir da seleção de um número de intervalos menores (que são muitas tonal. Em contraste, a completa simetria e regularidade das escalas cromáticas e de tons inteiros
vezes nocionalmente iguais), mas de modo que existam intervalos diferentes entre alguns dos significa que um tom tem o mesmo status que qualquer outro. O fato de que para tais escalas
membros adjacentes da escala. Nossa própria escala maior diatônica seleciona sete notas de não há um senso claro de localização e, portanto, de movimento, é, acredito eu, a razão pela qual
tais escalas nunca tiveram aceitação ampla ou duradoura enquanto bases para a música.

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uma escala cromática nominal de 12 notas com intervalos iguais (Fig. 7.1.). A escala indiana
Sa-grama é derivada de uma escala teórica sruti de 22 intervalos (Fig. 7.2.).
Além disso, foi argumentado (Balzano, 1980) que o impacto da significação musical
de uma escala não recai nem em sua afinação precisa, nem no grau de perfeição com que são
representadas as razões de freqüência em números inteiros entre seus membros (por exemplo,
1 2 -n o t e c h ro m a tic ui (2) (3)
14

I I I
s e m it o n e sc a le 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 15 etc.

3:2,4:3, etc.), mas na configuração que a escala toma em virtude de selecionar seus membros
i | I I
1 1 I I I

(1) (2)
m ajor s c a le 1 2 3 4 5 6 7 8 9 etc.

a partir de um conjunto maior de graus nocionalmente iguais. Muito embora os intervalos


l o c t a v e ---------------------------1
‘perfeitos’ tenham sido historicamente importantes para o desenvolvimento dos sistemas de
Figura 7.1. Subdivisão da oitava de uma escala diatônica maior escalas, as escalas alcançam muito de sua significância psicológica através de propriedades
de configuração que Balzano fixou usando as noções da teoria dos conjuntos, de procedência
2 2 note 's r u t i'
matemática. Ele salienta que,
sc a le

7 - n o t e 's a -
1

1
I I I
2 3 4

2
5

3
6 7 8 9 10
I
4
I
11 1 2 1 3 1 4 1 5

5 6
I 7
I
16 1 7

8
I 1 8 1 9 2 0 21 2 2

etc.
23 etc.

g r a m a ' sc a le
Quando olhamos para as afinações justas, pitagóricas e de temperamento igual de nossas bem
1-------------------------------------------- o c t a v e ------------------------------------------------------- !

Figura 7.2. Subdivisão da oitava de uma escala indiana Sa-gram a


conhecidas escalas maiores, fica evidente que há um sentido importante em que todas elas
funcionam substancialmente da mesma maneira: não precisamos aprender a compor ou ouvir
cada uma delas em separado. As razões, que são diferentes para cada um dos três esquemas de
A ubiqüidade desse princípio de intervalos desiguais nos leva a perguntar se ele atende afinação, não tratam de explicar esse caráter comum fundamental.
a algum objetivo psicológico fundamental. Foi sugerido anteriormente (capítulos 2 e 5) que
uma conseqüência desta distribuição desigual é permitir ao ouvinte adquirir um balizamento As evidências que já analisamos, ao falar de percepção categorial (capítulos 2 e 5),
tonal’ quando ouve um subconjunto de notas de uma escala, sem necessidade de qualquer demonstram que a afinação precisa dos intervalos não tem grandes conseqüências psicológicas
marcação necessária e explícita da tônica por repetição ou por um tratamento privilegiado da em muitas situações. O que Balzano fez foi formalizar o nível de descrição em que podemos
performance. Por exemplo, no caso da escala maior, o intervalo que separa as notas quatro e sete perceber que todas as diversas afinações da escala maior fazem o mesmo trabalho (em termos
da teoria matemática dos conjuntos). Apenas um número muito limitado de outras escalas 20~fold division 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1011 1 2 1 3 1 4 1 5 16 17 1 8 1 9 2 0 21

poderia realizar a mesma função. i i ; i l l I i i i i


I I I I I I I I I !
Balzano's soale 1 2 1 3 4 5 6 7 8 9 1

first modulatíon 6 —► 7 8 9 1 2 3 4 5 6
round 'circle
of fifíh s ' ;------------------------------------------------- o c ta v e -------------------------------------------------- *

M i l I I
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 U 15 16 17 18 19 20 21 2 2

Figura 7.4. Subdivisão de oitava na escala de nove notas de Balzano (1980).


z -sc a ie 1 2 3 4 5 6

L -------------------------------------------------o c t a v e ------------------------------------------------------------- -
39 -

Figura 7.3: Subdivisão da oitava da escala"Z”. Balzano (1980) demonstrou que há um conjunto limitado de escalas artificiais que
compartilham com a escala maior diatônica propriedades cruciais definidas em termos da
Uma função da escala, conforme já argumentamos, é dar ao ouvinte uma sensação de teoria matemática dos conjuntos. Essas escalas exigem que a oitava seja subdividida em 12,
localização, em virtude das diferentes relações intervalares que valem entre seus vários membros. 20, 30 ou 42 intervalos iguais, ou qualquer outro número maior obtido através da fórmula
Se essa fosse a única função da escala, então o melhor tipo seria aquele que é ilustrado na figura n(n-l). Cada uma dessas subdivisões gera um, e apenas um, tipo de escala com as propriedades

I A
desejadas. Para a divisão em 12 partes, o resultado é a escala maior diatônica. Para a divisão

G
7.3, na qual todos os intervalos entre notas adjacentes são diferentes, assim como a maioria

L O
em 20 partes, o resultado é a escala de nove notas ilustrada na figura 7.4. Sua parente’ mais

B I O
dos intervalos não-adjacentes. Podemos chamar, arbitrariamente, esta escala, que se baseia em
uma divisão da oitava em 20 porções, a escala Z. Há outras propriedades que as escalas como próxima é gerada começando no quinto grau e acrescentando um sustenido a uma única nota

E
(a segunda nota da escala antiga). A aplicação recursiva desta operação produz todas as 20

R A
a escala maior têm, e que a escala Z não compartilha. A mais importante é provavelmente a

L T U
relação especial que há entre as doze escalas maiores geradas, sucessivamente, quando se parte escalas possíveis nesse modo. Note-se que, aqui, há apenas dois intervalos diferentes entre as

C U
da primeira nota da escala cromática. Cada escala compartilha todas as suas notas, menos uma, notas adjacentes, 2/20 ou 3/20, de uma oitava. Uma característica geral do conjunto de escalas

:
de Balzano é que dois intervalos encontrados entre as notas adjacentes, são separados quanto

N T E X T O
com a escala que tem início no quinto grau. A quarta nota da escala antiga recebe um sustenido
para formar a sétima nota da nova escala; e, ao executar recursivamente esta operação segundo ao tamanho por apenas uma subdivisão da oitava. Portanto, a escala de onze notas, derivada de
o ciclo das quintas’, é possível gerar todas as escalas maiores. Isso permite que o conceito de uma subdivisão em 30 partes de oitava, tem intervalos adjacentes de 2/30 ou 3/30 da oitava. A

C O
relação de escalas ou tonalidades faça sua entrada na música. Sol maior está próximo a dó escala de 13 notas derivada de uma subdivisão de 42 partes de oitava tem intervalos adjacentes

E M
maior porque ambas compartilham todas as notas menos uma. Fá sustenido maior é distante de 3/42 ou 4/42 de uma oitava. Conforme diminui o tamanho das subdivisões, a diferença

A L
relativa e absoluta entre esses intervalos torna-se menor. É muito mais fácil discriminar entre

S I C
de dó maior porque o compartilhamento é de apenas uma nota. A escala Z não possui esta
um tom e um semitom do que entre os intervalos análogos encontrados nas outras escalas do

U
propriedade. Não há nenhum um lugar onde se possa começar a escala Z causando uma

M
conjunto. Portanto, é possível defender que a divisão em 12 partes é psicologicamente ótima;

T E
sobreposição de todas as notas, exceto uma, com outra escala Z. Intuitivamente, percebe-se

E N
que o grande número de intervalos diferentes torna isso impossível. A escala maior contém e, embora Balzano defenda o uso experimental de outras escalas microtonais na música de

M
computador, não surpreende que haja poucos indícios de que essas outras escalas tenham sido

A
apenas dois tipos de intervalos entre as notas adjacentes, o tom e o semitom; e tudo indica
que esta propriedade é essencial. desenvolvidas nas culturas do mundo.
As considerações em que Balzano baseia suas formulações são essencialmente algébricas.
As formulações tradicionais da estrutura da escala têm sido essencialmente acústicas, apontando
para a ocorrência natural de alguns intervalos de escala na série harmônica. A escala cromática de
doze notas pode ser encarada como o único sistema que satisfaz tanto as exigências da álgebra,
quanto da acústica e, portanto, pode ser encarada como o sistema para o qual a música, num através da acentuação pode ser alcançada de diversas maneiras. Por exemplo, a subdivisão de
certo sentido, tende. Três observações corroboram a tese da centralidade da escala diatônica: tempo pode ser simétrica, com assimetrias de altura ou de padrões de dinâmica. Isso também
1. muitas escalas pentatônicas estão baseadas em um subconjunto da escala diatônica completa pode ser visto na parte do didjeridu do exemplo 7.6. Todo quarto pulso das clavas é marcado
e, portanto, podem sem convertidas em uma escala diatônica, mediante o acréscimo de duas por uma mudança de altura no didjeridu, criando assim um pulso superordenado, que justifica
notas a mais; o posicionamento das linhas de compasso na transcrição.
2. longe de ser uma invenção ocidental recente, a escala diatônica remonta aos sistemas de
afinação mais antigos decifrados até o momento a partir de registros arqueológicos (Kilmer, .160

Crocker e Brown, 1976, citados em Shepard, 1982). Voiee :j r ..f \ r


3. até mesmo nas culturas em que a oitava é teoricamente dividida em um número de partes Rhvthm
sticks 1 T
diferente de 12, a prática diverge freqüentemente da teoria, indo na direção de um Didjeridu
sistema de 12 partes. Assim, por exemplo, embora tenhamos visto que a teoria musical -------- “
‘=pulsing sound T f— 'T-*— *TÍ— ***--- ^ Lr
indiana postula uma divisão da oitava em 22 partes em sua escala sruti, a prática musical

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Exemplo 7.6: Abertura de canção aborígine. Extraído de Malm (1977).
contemporânea parece basear-se em uma subdivisão da oitava em 12 partes, embora cada
uma dessas partes admita uma larga margem de tolerância quanto à altura efetiva (Jairazbhoy,
1971). E importante lembrar que muitos performers indianos excelentes não têm qualquer Desse modo, pode ser criada uma hierarquia de tempos de referência, já que o pulso de
conhecimento direto da teoria musical ou qualquer interesse por ela (Malm, 1977). ordem superior pode, por sua vez, tornar-se a base de um agrupamento ainda mais elevado.
Deixaremos agora o domínio da altura para considerarmos a existência de universais Na música para gamelão de Java, por exemplo, a unidade fundamental de tempo é o gongan.
musicais no domínio temporal. Assim como as alturas de referência parecem ser universalmente Cada gongan é marcado pelo soar do maior gongo do grupo e é dividido em duas metades
importantes, o mesmo ocorre com os tempos de referência; momentos importantes em relação iguais pelo soar do kenong. Cada kenong é dividido em duas metades iguais pelo soar do kempul,
aos quais outros sons são organizados; e, assim como muitas culturas mantêm a referência de que é dividido em duas metades iguais pelo soar do kethuk. Cada kethuk pode ser objeto de
altura presente à consciência, através do uso de um bordão, muitas culturas mantêm os tempos mais subdivisões (um kethuk corresponde grosseiramente a um compasso da música ocidental,
de referência presentes à consciência através do uso de instrumentos que marcam um pulso ou portanto um gongan é uma unidade de oito compassos).
um compasso regular. O mais simples de todos os pulsos envolve uma série de sons igualmente Quando uma unidade de pulso em algum nível é subdividida de maneira assimétrica
espaçados, como acontece no tique-taque de um relógio, mas em praticamente todas as no tempo, geralmente falamos que as subdivisões formam um ritmo, ou um padrão rítmico.
culturas, tal pulso básico torna-se mais elaborado devido a detalhes intermediários. O exemplo Assim como as escalas são geralmente criadas a partir da seleção de intervalos assimétricos
7.6 reproduz os primeiros dois compassos’ de uma canção aborígine australiana, extraída de de altura, a partir de um conjunto maior de intervalos menores e iguais entre si, os padrões
Malm (1977). Aqui vemos que as clavas fornecem um pulso básico não-ornamentado. Mas rítmicos são formados através da seleção de intervalos assimétricos de tempo, a partir de um
o didjeridu está fazendo algo mais complexo. Ele está em sincronia com as batidas das clavas, conjunto maior de intervalos de tempo menores e de mesmo tamanho; e, da mesma maneira
mas acrescenta um segundo som pulsante’ logo após cada batida, o que dá um efeito de que as escalas tendem a repetir a oitava, os padrões rítmicos tendem a se repetir de modo a
subdivisão da batida, marcando sua passagem por uma disposição assimétrica dos sons (o som marcar o tempo em segmentos iguais.
‘pulsante’longo marca o final da batida, o som curto marca o início). Através de tal assimetria, Um dos ritmos mais simples de muitas culturas musicais é o dáctilo (um intervalo longo
cria-se uma sensação de localização no tempo. A tal indicação de localização é dado o nome seguido de dois intervalos curtos). Na música ocidental, ele é escrito como uma mínima seguida
geral acentuação, e ela é essencial à música de praticamente todas as culturas. A diferenciação de duas semínimas e significa que são selecionados como marcados o primeiro, terceiro e quarto
de quatro pulsos subjacentes. Quando essa figura é repetida algumas vezes em um ostinato, Sem pontos de referência, seria impossível para as pessoas fazerem os ajustes antecipatórios
a maioria dos ouvintes ouve uma nota longa marcando fortemente (acentuando) o início do e planejados necessários para coordenar seu comportamento aos demais, e, portanto, seria
próximo agrupamento de quatro notas. No geral, na música ocidental, a seqüência repetitiva impossível fazer do comportamento musical o fenômeno social estruturado que ocorre em
e subjacente de unidades de tempo iguais (compasso), a partir das quais derivam os padrões todas as partes do mundo.
rítmicos, tende a conter números pares pequenos de unidades. O dáctilo exige um compasso
de quatro unidades, mas seis e oito unidades também são seqüências muito comuns. Além B io l o g ia
disso, as assimetrias rítmicas são freqüentemente construídas com base num princípio de
e c o m p o r t a m e n t o m u s ic a l

subdivisão binária da unidade de compasso. Logo, podemos imaginar que se constrói o dáctilo,
subdividindo o compasso de quatro unidades em duas metades iguais, cada qual contendo duas A o r g a n iz a ç ã o n e u r a l d a f u n ç ã o m u s ic a l
batidas. A primeira metade é então ‘preenchida’ por uma única nota, enquanto na segunda
metade é há uma divisão maior, em duas ‘ semínimas’ iguais. Em outubro de 1959, o ilustre compositor russo V.G. Shebalin (1902-1963) sofreu
Em algumas outras culturas (por exemplo, na África do Sul e na índia), encontramos um derrame muito grave. Quando retomou a consciência, ele sofria de uma paralisia parcial

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ritmos mais complexos. Em primeiro lugar, o número de batidas contidas em um compasso que afetou o lado direito de seu corpo. Ele também sofreu um distúrbio severo na função
pode ser grande e desigual. Na música indiana, é comum encontrarmos talas com um tamanho da fala, que o acompanhou até o final de seus dias. Ele achava difícil compreender, produzir
variável entre sete e dezesseis tempos. Em segundo lugar, as subdivisões não são freqüentemente ou reproduzir a fala. Por exemplo, cerca de um ano após seu derrame, quando lhe foi pedido
feitas com base no princípio de subdivisão binária. Quando o número de batidas é ímpar, a que repetisse três frases curtas: A lua está brilhando. A casa está queimando. O cachorro está
subdivisão binária torna-se impossível; mas, mesmo quando há um número par de batidas, latindo’, ele respondeu: A lua está brilhando.. .e a casa.. .não., .eu realmente não compreendo’.
freqüentemente encontramos subdivisões não-binárias. Consideremos, por exemplo, o padrão Na tentativa de descrever sua história como compositor, ele disse:
rítmico das partes do tambor no exemplo 7.1 (Canção dos Venda da África do Sul). O padrão Um oratório é descido... foi há muito tempo... isso é um tipo de espiritual... ah... gradativamente
repete-se a cada doze compassos, mas o efeito das duas notas longas (colcheias na voz mais se tornou... foi estendido... e então... e agora... gradativamente... ah... ficou muito diferente...
grave) é criar uma subdivisão desigual de cinco mais sete. como posso dizer... eu preciso me lembrar... oh... nada... eu tenho pensamentos... não... é
A capacidade do ritmo de fornecer ao ouvinte uma sensação pormenorizada de localização difícil demais...
temporal dentro de uma unidade de compasso, através da subdivisão assimétrica das unidades de
tempo sugere que, num certo sentido, as estruturas rítmicas complexas desempenham o mesmo A leitura e a escrita também foram afetadas, porém não tanto. Apesar de todas essas
tipo de funções cognitivas que se apoiam na tonalidade diatônica em nossa cultura (Pressing, dificuldades severas (conforme relato de Luria, Tsvetkova e Futer, 1965), ele continuou
1983). Independentemente do quão longe esta analogia possa ir, é certamente verdade que trabalhando como compositor:
escala e ritmo exercem a mesma função essencial - dividir o contínuo de altura e de tempo em
regiões discretas e re-identificáveis, transformando-se em uma tela de fundo em que podem Ele trabalhava arduamente com seus alunos, ouvindo suas composições, analisando-as e
corrigindo-as. Dedicou um tempo considerável ao seu próprio trabalho de criação. Já afásico,
florescer as atividades dialéticas essenciais (tensão-resolução, movimento-repouso). ele terminou composições que havia começado antes de ficar doente e criou uma série de
Fmalmente, esses pontos fixos fornecem pistas para a sincronia, de modo que os músicos novas composições que outros músicos consideraram de boa qualidade e que não diferiam
possam organizar seus comportamentos em relação àquilo que os outros estão fazendo. Um significativamente de suas composições de anos anteriores.
elemento universal da música polifônica é a coordenação temporal e de altura das partes.
Sobre sua quinta sinfonia, composta em 1962, Dmitri Shostakovich disse, “é um trabalho criativo Há diversas fontes convergentes de evidências que sustentam essa conclusão:
brilhante, repleto das maiores emoções, otimista e cheia de vida. Essa sinfonia, composta 1. estudos de pessoas com lesões cerebrais mostram que os danos ao hemisfério esquerdo
durante sua doença, é a criação de um grande mestre.” estão geralmente associados às desordens na linguagem (como no caso do Professor
Shebalin), enquanto danos no hemisfério direito raramente causam estragos significativos
Como é possível que a habilidade verbal de um homem se desintegre, deixando intacto na linguagem;
o seu intelecto musical? Uma grande quantidade de evidências tem apoiado a idéia de que as 2. através da anestesia temporária de um ou outro hemisfério, é possível interromper, de
funções intelectuais estão localizadas em áreas distintas do cérebro, de modo que a lesão em maneira seletiva, diferentes funções intelectuais. Por exemplo, Gordon e Bogen (1974)
uma área pode afetar apenas uma parte das funções intelectuais normais. O examz post-mortem descobriram que as intervenções no hemisfério esquerdo causavam problemas na fala,
do Professor Shebalin revelou um dano considerável no lobo temporal esquerdo e nas regiões enquanto as intervenções no hemisfério direito causavam problemas no canto;
parietais do cérebro, e mais nada. Tal dano está geralmente associado a desordens na linguagem 3. é possível observar assimetrias de vários tipos na grande atividade elétrica do cérebro, que se
e a defeitos sensório-motores que se manifestam no lado direito do corpo. alteram de acordo com a tarefa a ser realizada. Por exemplo, McKee, Humphrey e McAdam
(1973) fizeram registros eletroencefalográficos de pontos da cabeça acima das regiões

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Para podermos discutir essa questão em maiores detalhes, precisamos apresentar temporais-parietais de ambos os hemisférios. Os registros foram tomados enquanto os
sucintamente alguns fatos neuroanatômicos básicos. O cérebro e o corpo humano estão sujeitos realizavam várias tarefas musicais e lingüísticas. O hemisfério esquerdo esteve mais
divididos em duas metades aproximadamente simétricas. Cada metade do cérebro recebe ativado durante a realização das tarefas lingüísticas do que durante as tarefas musicais;
inputs nervosos e dá comandos nervosos a um lado do corpo. Contudo, por razões que ainda 4. quando o input lingüístico ou não-lingüístico fica restrito a um único ouvido, o material
não são bem compreendidas, há um ‘cruzamento’ dos neurônios que entram e saem do cérebro, lingüístico é mais bem processado se for apresentado ao ouvido direito (hemisfério esquerdo)
de modo que os nervos pertencentes ao lado direito do corpo ligam-se ao cérebro esquerdo, e o material não-lingüístico, como a música, é mais bem processado se apresentado ao ouvido
e os nervos pertencentes ao lado esquerdo conectam-se ao cérebro direito. Dizemos que a esquerdo (hemisfério direito). Uma técnica muito usada é a ‘apresentação dicóticaem que
organização neural é essencialmente contralateral (literalmente oposta pelos lados’). duas seqüências diferentes de estímulos são apresentadas simultaneamente aos dois ouvidos
A parte do cérebro que parece mais profundamente implicada nas habilidades cognitivas (veja Kimura, 1964; 1967). Quando as duas mensagens são trechos de fala, a mensagem
aprendidas é o córtex cerebral que, no homem, constitui a maior parte do cérebro. O córtex que chega ao ouvido direito parece ser melhor percebida. Quando as duas mensagens são
circunda o resto do cérebro como uma touca grossa, mas é dividido no meio em dois hemisférios seqüências musicais, então o padrão tende a se inverter, tendo o ouvido esquerdo o melhor
cerebrais. Embora os dois hemisférios sejam, até certo ponto, capazes de realizar operações desempenho.
independentes, eles são conectados por um emaranhado de fibras nervosas chamado de corpus
callosum. Quando este está intacto, as informações podem ser transferidas de um lado do córtex A bibliografia sobre especialização dos hemisférios é bastante vasta e cresce continuamente.
para o outro. Na maioria dos animais, cada hemisfério cerebral parece fazer mais ou menos Introduções gerais e recentes da área foram escritas por Springer e Deutsch (1981) e Kinsbourne
o mesmo trabalho. Contudo, em alguns mamíferos superiores, especialmente no homem, há e Smith (1974). Revisões da bibliografia com atenção particular à música foram escritas por
evidências irrefutáveis de que cada hemisfério é, ou se torna, especializado em algum grau. Benton (1977), A.R. Damasio e H. Damasio (1977), Gates e Bradshaw (1977),Marin (1982),
Para a maioria das pessoas (os cerca de 90 por cento que são inconfundivelmente destros), Shuter-Dyson e Gabriel (1981) e Wyke (1977). Ao invés de tentar resenhar esse conjunto
os mecanismos de controle do comportamento da linguagem parecem estar concentrados grande e não muito homogêneo de pesquisas, limitar-me-ei ao exame crítico de algumas
principalmente no hemisfério esquerdo, e aqueles que controlam a orientação espacial e outras descobertas notáveis na área, aquelas que parecem ter uma relevância particular para os assuntos
habilidade não-verbais parecem estar concentrados no hemisfério direito. de que temos tratado no resto deste livro.
O primeiro ponto a estabelecer é que a música não é uma capacidade única e monolítica, danos ao hemisfério esquerdo e teve dificuldades com alguns aspectos do funcionamento da
que existe ou não existe em um indivíduo. A habilidade musical tem muitas subhabilidades linguagem, ligados à recepção. Alguns aspectos da função musical permaneceram intocados.
logicamente independentes, que também podem, portanto, ser anatomicamente independentes. Esses incluíam:
Em termos neurais, uma região de um hemisfério cerebral é um lugar muito grande e, mesmo
que fosse possível afirmar que a música está em’uma parte do hemisfério direito, ainda seria 1. a reprodução de notas isoladas através do canto ou tocadas ao violino;
pertinente questionar se diferentes componentes da habilidade estão em localizações anatômicas 2. a discriminação de alturas até intervalos menores do que um semitom;
3. a percepção de diferenças entre pares de melodias e acordes;
diferentes, dentro daquela mesma região. Particularmente, os psicólogos foram alertados para 4. a detecção de violações tonais nas melodias;
a possibilidade de que subhabilidades muito específicas venham a ser consideradas como 5. a nomeação de notas individuais escritas;
sendo funcional e anatomicamente distintas por trabalhos analíticos realizados na última 6. a identificação de escalas maiores e menores.
década sobre desordens de linguagem causadas por danos cerebrais (veja Coltheart, Patterson
e Marshall, 1980). Há muitos anos, sabe-se que uma pessoa pode sofrer desordens receptivas Outros aspectos ficaram perturbados. Esses incluíam:

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de linguagem sem que a produção seja afetada, e vice-versa. As pesquisas recentes vão além
disso e demonstram que o distúrbio pode limitar-se a umaparte específica de uma habilidade 1. a perda do ouvido absoluto (isto é, a capacidade de nomear alturas);
singular, como a leitura. Assim, por exemplo, uma pessoa pode ser capaz de ler nomes concretos 2. a incapacidade de reconhecer peças musicais conhecidas, ou de identificar compositores e/ou
conhecidos, mas ter a maior dificuldade do mundo com conectivos e outras palavras com estilos;
funções específicas (por exemplo, V, ‘que’, aquele’, etc.). Isso é importante psicologicamente 3. a incapacidade de identificar intervalos melódicos;
4. a incapacidade de reproduzir padrões rítmicos;
porque mostra que os mecanismos, através dos quais são compreendidas as palavras dotadas de 5. a incapacidade de ler seqüências de notas;
conteúdo e as palavras gramaticais, precisam, até certo ponto, ser funcionalmente distintos. 6. erros no canto de melodias conhecidas;
Através desta abordagem analítica foi descoberto que o funcionamento da linguagem 7. erros na cópia e na transcrição musical.
não está inteiramente confinado ao hemisfério direito, até mesmo em pessoas plenamente
destras. Por exemplo, parece certo que o hemisfério direito pode compreender palavras e Esse padrão de distúrbios não tem uma explicação fácil, mas Marin (1982) sugere que
frases simples, contanto que tal compreensão possa ser sinalizada por ações não-verbais, como ele é compatível com a preservação de habilidades perceptivas simples (discriminação de
obedecer a um comando e apontar ou pegar um objeto nomeado. alturas, reprodução de alturas) e também de algumas estruturas de conhecimento seguidamente
Um dos maiores problemas em estudar o efeito dos danos cerebrais nas habilidades encontradas no aprendizado e automatizadas (escalas maiores e menores, progressões
musicais é que o nível de habilidade anterior ao dano pode variar imensamente, e é tonais básicas), juntamente com a perda do reconhecimento e identificação de seqüências
freqüentemente desconhecido, enquanto a maioria das pessoas possui um grau de habilidade musicais, particularmente nos casos em que alguma operação lexical (como a nomeação) é
lingüística alto e verificável, antes do acidente. Os casos musicais mais informativos são aqueles necessária.
em que o paciente era um músico profissional, antes de sofrer o dano cerebral. Nestes últimos Esse paciente mostra um perfil de desordens muito diferentes do Professor Shebalin,
casos, podemos saber com bastante certeza quais habilidades estavam presentes antes do dano. que aparentava não ter sofrido qualquer perda musical. Ocorre que o caso de Shebalin é
Logo, um caso como o relatado por Wertheim e Botex (1961) é particularmente interessante. bastante raro na literatura clínica. Existem apenas uns doze casos relatados de desordens
O paciente que eles estudaram era um violinista profissional conhecido por ter ouvido absoluto da linguagem em músicos que não se fazem acompanhar por desordens musicais. Mais
antes da lesão cerebral. Ele desenvolveu distúrbios sensório-motores que coincidiam com os comumente, a música e a linguagem são simultaneamente afetadas, especialmente quando a
lesão ocorre no hemisfério esquerdo. Há também um pequeno grupo de casos documentados
em que a desordem musical (principalmente de natureza receptiva) não vem acompanhada O trabalho de Bever e Chiarello tem estimulado uma enxurrada de trabalhos
de distúrbios lingüísticos visíveis. Nestes casos, o dano cerebral geralmente ocorre no experimentais que examinam a maneira como interagem a habilidade e a experiência musicais,
hemisfério direito. a estratégia de processamento e os materiais-estímulo, dando origem a padrões diferentes de
Percebemos, portanto, que embora a lesão no hemisfério direito quase sempre atrapalhe o diferenças hemisféricas. As pessoas que aparecem mais bem classificadas nos testes de aptidão
funcionamento musical nos músicos, os danos ao hemisfério esquerdo freqüentemente também musical tendem a mostrar uma vantagem do hemisfério esquerdo, independentemente de
o fazem. Logo, é uma simplificação abusiva dizer que a música localiza-se ‘no’ hemisfério treino (Gaade, Parsons e Bertera, 1978), da mesma forma que os não-músicos quando adotam
direito O que a literatura complexa e um tanto insatisfatória sobre as lesões cerebrais faz, seja conscientemente uma estratégia ‘analítica’nas tarefas de percepção musical (Peretz e Morais,
como for, é mostrar que as habilidades musicais são tão dissociáveis e tão sujeitas a ficarem 1981). O correto seria dizer que a literatura ainda não fornece um quadro coerente completo da
separadamente danificadas quanto as habilidades lingüísticas. assimetria hemisférica na função musical. As diferenças entre os escores dos ouvidos esquerdo
Para colher mais insights sobre a organização neural da habilidade musical, deixaremos e direito, apesar de serem estatisticamente significativas, são geralmente muito pequenas e
os estudos sobre pacientes portadores de lesões, passando a uma série de estudos sobre sujeitos
normais e perfeitos. A linha de investigação que desejo descrever teve início com Bever e dependem muito da natureza das tarefas, dos materiais usados como estímulo e da estratégia
usado pelo sujeito. Além disso, os experimentadores ainda não estudaram toda a variedade

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Chiarello (1974). Em seu experimento, eles usaram dois grupos de sujeitos. Os ‘músicos’ eram
aqueles que tinham tido aulas de música por pelo menos cinco anos e tocavam ou cantavam de atividades musicais, pois se concentraram no reconhecimento de pequenas mudanças de
correntemente. Os ‘não-músicos’ eram aqueles que tinham recebido menos de três anos de acordes ou seqüências melódicas curtas. Por todas essas razões, embora a distinção analítico-
aulas de música e não tinham estado musicalmente em atividade cinco anos anteriores.Todos holístico pareça ser atualmente ‘a melhor aposta’ como explicação das diferenças ligadas aos
os sujeitos eram destros. Eles ouviram uma fita com melodias especialmente preparadas e lados direito-esquerdo dos sujeitos normais, o quadro está longe de estar completo.
deveriam dizer se cada uma das melodias já havia ocorrido anteriormente na seqüência. Para Marin (1982) argumenta convincentemente que o estudo das bases neurológicas
metade dos sujeitos, as melodias foram apresentadas ao ouvido direito (hemisfério esquerdo), da música não avançará substancialmente, enquanto as categorias e as distinções entre as
e a outra metade ao ouvido esquerdo (hemisfério direito). Bever e Chiarello descobriram que atividades musicais feitas com base na psicologia e na teoria musical não forem levadas
os não-músicos se saíam melhor quando as melodias eram apresentadas ao ouvido esquerdo. a sério pelos pesquisadores. Muito freqüentemente os testes são pensados com base em
Isso confirmou a opinião ‘tradicional’ de que a música é processada no hemisfério direito. conveniências metodológicas, ao invés de levarem em conta considerações musicais precisas e
No entanto, os músicos mostraram o padrão exatamente inverso de resultados: eles se saíram bem fundamentadas. Por exemplo, as distinções tradicionais entre as habilidades da recepção e
melhor quando as melodias foram apresentadas ao ouvido direito. da produção, não são suficientemente refinadas para nos dizer se o fenômeno estudado opera
Bever e Chiarello tentaram dar conta desses resultados, recorrendo à idéia amplamente em um nível fonológico, sintático ou semântico (capítulo 2).
aceita (inicialmente proposta por Hughlings-Jackson, vejaTaylor, 1932) de que o hemisfério O que podemos perceber claramente, mesmo neste quadro um tanto incompleto, é que
esquerdo é especializado para o processamento ‘analítico’e ‘seqüencial’, enquanto o hemisfério
direito é especializado para o processamento ‘holístico’ ou ‘global’. Sob este ponto de vista, o as várias subhabilidades da música têm um certo grau de independência neural. Há poucas
‘cruzamento’ da lateralidade no reconhecimento musical ocorre porque os músicos adotam evidências de que exista um único ‘centro musical’no cérebro. Além disso, as áreas do cérebro
uma estratégia analítica, enquanto os não-músicos adotam uma estratégia holística. Os termos responsáveis pela música parecem ter alguma sobreposição parcial, porém incompleta, com as
‘analítico’e ‘holístico’são bastante amplos em suas conotações, mas suas aplicações à música têm áreas responsáveis pela linguagem. Não deveriamos, portanto, nos surpreender se a analogia
sido relacionadas a distinções como processar o contorno da melodia e processar os intervalos comportamental e cognitiva entre a música e a linguagem (capítulo 2) apesar de fascinante,
exatos de altura de que se compõe a melodia (veja capítulo 5.3), sendo o primeiro um processo é incompleta. A música, se não faz uso de uma função neural totalmente distinta, quase
holístico e o segundo um processo analítico. certamente faz uso de uma configuração diferenciada dos recursos neurais.
O rig en s
determinado grupo social possam localizar-se uns aos outros e indicar seu estado motivacional.
É possível que a primitiva música humana tenha tido funções análogas. A esse propósito,
e fu n çõ es da m úsica

Os princípios da evolução e da seleção natural, propostos por Darwin, continuam a Blacking (1976) relata que uma pessoa Venda geralmente pode saber exatamente o que um
exercer um papel central nas teorias do desenvolvimento biológico (Dawkins, 1976). Darwin grupo distante está fazendo, pela canção que está cantando. As canções e os rituais de dança
propôs que a música humana evoluiu a partir das vocalizações de primatas subhumanos como servem para unir e definir agrupamentos sociais. Contudo, essa analogia entre os macacos e o
os macacos (Darwin, 1874, capítulo XIX), que serviam como sinais “emocionais”. Por mais homem não é de maneira alguma exata e falha por não dar conta da natureza temporalmente
correta que esteja a teoria geral de Darwin, sua explicação da evolução musical está longe de organizada da música humana. A tendência especificamente humana de criar e considerar
ser satisfatória. Por um lado, as vocalizações dos macacos parecem ser padrões involuntários e padrões organizados, hierarquias e seqüências, superou e mudou de direção quase todos os
se assemelham mais a comportamentos humanos como rir, chorar e gritar, que sobrevivem de tipos de comportamento ‘herdados’ dos primatas não-humanos.
maneira muito evidente nos seres humanos como algo bem diferente da música. Por outro lado, Comparando o homem aos seus parentes biológicos mais próximos, pareceu a muitos
as vocalizações dos macacos não compartilham quaisquer qualidades organizacionais da música que, apesar das semelhanças observáveis, há uma ‘lacuna quantitativa’ intransponível entre

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humana. Elas não se baseiam em padrões de escala ou de ritmo - uma característica encontrada as maiores realizações dos macacos e aquilo que todo ser humano normal consegue fazer em
em todas as formas humanas - e não revelam nem o caráter planejado, nem a orientação para um caráter de rotina. E claro que, na teoria padrão, a evolução ocorre por saltos discretos, cada um
objetivo que caracterizam outras áreas do comportamento dos primatas, como a locomoção e a dos quais é ocasionado por uma mutação genética em um indivíduo. Porém, simplesmente
manipulação de objetos. Se os macacos possuem um intelecto, há poucas evidências de que suas afirmar esta teoria não dá uma explicação satisfatória para cada caso. Não temos nenhuma
vocalizações estejam a seu serviço. É por esta razão que as tentativas de ensinar a linguagem vocal idéia se é possível que uma única mutação (ou um número pequeno e controlável de mutações)
aos chimpanzés têm sido um terrível fracasso. Apenas quando foi ensinada aos chimpanzés a poderia transformar uma criatura como um macaco em algo que se pareça com um homem.
linguagem manual de sinais é que houve discretos progressos (vide Gardner e Gardner, 1969). Além disso, no caso da música, não fica imediatamente claro como o comportamento musical
Segundo a idéia de Darwin, a maioria dos sons musicais (alturas) dos macacos era nos torna indivíduos mais bem adaptados com maiores possibilidades de sobrevivência; e
produzida pelo macho durante a corte, e, de maneira análoga, a primeira forma musical humana isso, é claro, é um pré-requisito para que qualquer mutação seja selecionada para transmissão
foram canções de amor. Estudos etnológicos modernos nos forçam a rejeitar ambas as partes às gerações futuras. Isso coloca a música como um caso diferente da linguagem e de outras
dessa noção. Os chamados da maioria dos primatas significam ‘tudo vai bem’, estou aqui’, habilidades ‘práticas’, cujo interesse para a sobrevivência é maior e mais óbvio.
‘perigo’e outras coisas análogas. (Marler, 1965; Petter e Charles-Dominique, 1979, Williams, O homem precisa da música? Se ele precisa, então sua privação deveria ser de alguma
1980). Williams diz que os macacos e os primatas, de fato, não possuem chamados sexuais maneira prejudicial. Sabemos, por exemplo, que o sono é necessário aos seres humanos, já
específicos, e que não há razão para supor que os ancestrais do homem primitivo faziam que a privação contínua do sono tem efeitos prejudiciais, físicos e psicológicos. Nesse sentido,
serenatas para seus futuros pares’. Em segundo lugar, as canções mais primitivas de que temos a música é bem diferente do sono. As pessoas podem ficar sem música por períodos muito
notícia não estão preocupadas com o amor pessoal ou com as relações sexuais. As canções longos sem sofrerem quaisquer danos notáveis. Pode ser, contudo, que essa seja uma abordagem
poéticas dos aborígines, por exemplo, expressam sentimentos de homens e mulheres enquanto demasiado ingênua. Há diversas atividades que são vitais para a continuação da espécie (como
membros de uma comunidade e não enquanto indivíduos. Mesmo se comemoram a fertilidade, o sexo), das quais os indivíduos podem se abster sem sofrer qualquer prejuízo aparente. A
ela é representada em seu papel maior de sustentar a ordem natural e social. música pode ser assim, necessária à espécie e não a um indivíduo em particular.
Uma das grandes funções dos chamados dos primatas parece ser a coesão do grupo’ Se essa for uma linha de argumentação adequada, então a ‘unidade’ para um experimento
(Petter e Charles-Dominique, 1979). Os chamados são usados para que os membros de um de abstenção teria de ser toda uma cultura. Culturas sem música de fato não existem, mas
parece difícil imaginar como a ausência da música poderia ser prejudicial a uma civilização qual curso de ações levará ao melhor resultado em uma situação complexa. E por isso
como a nossa. Podemos argumentar, porém, que as culturas modernas desenvolveram uma que o desenvolvimento do pensamento científico foi um dos passos mais importantes do
necessidade de música, e é nas culturas primitivas e não-letradas que a música tem o maior desenvolvimento humano. Ele proporciona um método que permite fazer essas avaliações pela
valor em termos de sobrevivência. Para sobreviver, toda sociedade exige organização. Em nossa aplicação do pensamento lógico e de observações controladas do mundo. Entretanto, muito
sociedade, dispomos de muitos artefatos complexos que nos ajudam a exteriorizar e objetf. ar antes do desenvolvimento do método científico, as pessoas já sabiam dominar seu ambiente
as organizações de que precisamos e que valorizamos. As culturas primitivas têm poucos com um grau notável de sucesso. Elas alcançavam esse sucesso precisamente através dos tipos
artefatos desse tipo, e a organização da sociedade precisa ser expressa, em maior grau, através de processos mentais que, hoje, podemos defender formalmente como maneiras eficazes de
de ações transitórias e através da maneira como as pessoas interagem umas com as outras. modelar e conceituar eventos no mundo. Elas usavam esses processos, não necessariamente
Talvez a música propicie um quadro mnemônico singular, através do qual os humanos podem porque eles tenham emergido de um processo de cálculo racional, ou por tentativa e erro, mas
expressar, através da organização temporal do som e do gesto, a estrutura de seu conhecimento porque era atraente comportar-se daquela maneira. A evolução havia criado no ser humano
e de suas relações sociais. Canções, poemas ritmicamente organizados e dizeres formam o uma propensão natural para ter um comportamento adaptativo. Isso incluía a propensão para

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principal repositório do conhecimento humano nas culturas não-letradas. Isso parece ocorrer usar a linguagem e a música. De fato, a música traz um benefício enorme enquanto recurso
porque tais seqüências organizadas são mais fáceis de lembrar do que o tipo de prosa que as mnemônico, mas a evolução não implantou uma consciência racional desse fato na mente
sociedades letradas usam nos livros. Seria provavelmente um exagero dizer que não havia humana. Ao contrário, ela proporcionou à música uma motivação, de modo que entregar-se
alternativa lógica para a música, enquanto recurso mnemônico. Contudo, parece-me que há a ela tornou-se agradável e ‘natural’ para as pessoas.
pouquíssimas coisas que as pessoas naturais’poderíam fazer de modo solidário com a fala, sem Agora, a sociedade mudou, de modo que temos à nossa disposição muitos recursos
ir em direção àquilo que entendemos por música. Elas podem mover seus corpos e modular mnemônicos bem mais poderosos que a música. Entretanto, nossos instintos e motivações
o tempo de sua fala. Quando isso acontece de forma organizada, cria-se o ritmo. Elas podem mudam mais vagarosamente. Ainda apreciamos a música e, graças a Deus, o fazemos. Separada
modular a altura da voz. Quando isso acontece de maneira organizada, cria-se a melodia e de suas origens no mundo, ela agora pode servir como veículo para uma vasta gama de
alguma forma de estrutura tonal. experiências estéticas e transcendentes. No entanto, duas palavras de cuidado são necessárias.
Iniciamos este livro com a observação de que a música tem um apelo emocional para a Como os nossos instintos para a música têm raiz nas condições que vigoravam na infância da
maioria das pessoas e arriscamos a hipótese de que esse apelo vem da estrutura, de modo que humanidade, asformas que estavam disponíveis aos primeiros homens (homem primitivo) são de
há um componente cognitivo inevitável no ato de apreciação musical. Exploramos a natureza influência primordial e inescapável. Particularmente, são a voz e o corpo humano em movimento
dessas estruturas e processos cognitivos em algum grau de detalhe através dos sete capítulos do rítmico que constituem a principal mola propulsora da música. Se a música se afastar muito
livro. Tentei apresentar o quadro o mais completo possível daquilo que se sabe sobre a cognição dessa mola propulsora, ela deixará de ter qualquer sentido profundo e qualquer poder sobre
musical humana, sem muita especulação, mas com os olhos atentos às lacunas consideráveis nós. Os músicos contemporâneos, acredito eu, já começaram a perceber que o desenvolvimento
que existem em nosso conhecimento. Talvez me seja permitido concluir com uma nota de irrestrito da música eletrônica leva à esterilidade e à falta de vida. Os instrumentos eletrônicos
especulação pura acerca da questão fundamental que, de muitas maneiras, precisa motivar toda precisam ser sempre limitados pelos parâmetros do fazer musical ‘humano’, realçando e
a investigação científica em música. Trata-se, é claro, de perguntar: por que a música permeia enriquecendo esses parâmetros ao invés de dar tiros em direções arbitrárias.
toda a cultura humana? O segundo ponto, e final, é mais sombrio. Apesar de todas as suas realizações, nossa
Apesar dos seres humanos possuírem um intelecto que, em certos aspectos, é muito sociedade ocidental tem um certo grau de precariedade. É demasiado fácil construir cenários
poderoso, eles não acham fácil avaliar os efeitos de longo prazo de suas ações, ou predizer que poderiam levar à destruição dos equilíbrios delicados que preservam nossos arranjos sociais
complexos. Em tal situação, aqueles de nós que sobrevivessem encontrar-se-iam num mundo
em que os artefatos de nossa sociedade atual teriam desaparecido por completo. Os recursos que
carregaríamos em nossas cabeças seriam, novamente, uma forma de manter nossas tentativas
de sobrevivência. Canções e poemas seriam transformadas em armas coesivas e mnemônicas
vitais para a construção de uma nova sociedade, e a habilidade musical seria, de fato, uma
habilidade para sobrevivência. Portanto, alcançar uma compreensão melhor da habilidade
musical não é simplesmente uma tarefa de curiosidade científica desinteressada. A música é
um recurso humano fundamental que já desempenhou, e pode vir a exercer novamente, um
papel fundamental na sobrevivência e no desenvolvimento da humanidade. ( d e f e r ê n c i a s
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Q ê d n d i c e d e a s s u n t e
acorde, 57-61 Concerto para cravo em ré menor, 109 37
identificação, 298 Giga-Fuga para órgão, 65
afinação, 233-234,337 Invenção a duas vozes em mi maior, 227
agrupamentos auditivos, 203-213,244-247 Suíte francesa n.5 em sol maior, 71
Allegri, G., Miserere, 149,252 Variações Goldberg n. 18,224
alfabetos de notas (relativo à tonalidade), 243 O Cravo bem temperado, 55-56,61,107,242
altura de referência fixa, 334 Baixo de Alberti, 71
ambigüidade, 57-60,65 banda crítica, 226
análise de composições musicais, 135 Barber, Samuel, Sea Snatch Op. 29, n. 6,123-124
análise de gravações, 184 Bassbrechung
análise espectral dos sons da trompa bebês, 262-267
análise Schenkeriana, 18-24 Beethoven, L.van
apresentação dicótica, 345 esboços, 139
aquisição de habilidades, 284-306 performance, 333

ín d ic e de a s s u n t o
árvores sintagmáticas de estruturas de processos composicionais, 152
constituintes, 47,51-52 Sinfonia n. 5,241
assincronia de ataque, 205 Sonata para piano Op. 10, n. 3,137
assimetria, 340,348 Op. 14, n. 1,59
audição musical, 199-253 Op. 14, n.2,59,65-66
avaliação da habilidade e da aptidão musical, Brahms, J. Capricho Op. 76, n.2, 97
262,306 Brown, Rosemary, processos composicionais,
arpejo, 299-300 150-151
atenção
focal, 225,228 canção, desenvolvimento nas criança, 262-273
na audição, 217,218-230 canção de pássaros, 25
na execução, 121 canções espontâneas das crianças, 267-271
atividade criativa, 180 canções infantis, 264
Austrália, música dos aborígines, 340-341 cânone, 224
canto Gregoriano
bebês, consciência musical, 263 cérebro, localização das funções musicais, 349
Bach, J.S. clarinete, 288
contraponto, 154 compasso
composição na performance, 128-131 fonema, 32—33 Kodaly, Z., 154
como estratégia de resolução de na reprodução de ritmos frames, 182,194
problemas, 153 nos ensaios, 117-120 freqüência fundamental leitura
inspiração na, 160,177 empilhamento de objetivos nos sistemas de fúga à primeira vista
o papel dos esboços, 136-137 produção, 291,299 funções da música da escrita
processos inconscientes emoção, 3-5 da música pianística
protocolos, 160-180 enculturação, 259,262-267 Goldovsky efeitos das lesões cerebrais
composição coral, 163-180 ensaioll7-120 gramática movimentos de olhos
conhecimento factual, na aquisição de erro na revisão final, 96 gerativa letramento, 321-325
habilidades, 285,288 esboços, 137-147 na música e na linguagem limites auditivos, para altura
conhecimento procedimental na aquisição de de Beethoven, 137-147 regras gramaticais linguagem
habilidades, 285,288 de Stravinsky, 143-147 gramática de estado finito leitura
conservação, 277-278 181-182 na composição, 135 gramática gerativa relação com a música
contação de estórias e relação com a escala de pesos, 335 em canções infantis suecas localização dos cliques, na música e na
improvisação musical, 181-182 escala musical, 230-247,335-338 gramática transformativa linguagem
contorno em diferentes culturas, 337-338 Guido D’Arezzo, 332 localização dos sons
bebês, 265 pentatônica
melódico, 239-242 relações com a memória hábitos na aquisição de habilidades, 285 manossolfa
na leitura musical, 103 Escher, M.C. Haendel, G.F. mapeamento digital
papel da memória, 104, espaço tonal, 238 harmonia, 54-61 mapeamento topológico, 272

ín d ic e de a s s u n t o
crianças, desenvolvimento das habilidades estágio associativo, da aquisição de habilidades, 286 percepção, 246-247 mascaramento de alturas, 226,234
musicais, 257-284 estágio autônomo, na aquisição de habilidades, 286 papel da harmonia na leitura, 331 medidas de talento musical de Seashore, 311-312
cultura e música, 303,317-320,351-352 estágio cognitivo, da aquisição de habilidades, 286 Hindemith, P., 156-158 melodia
culturas orais, 321-326 estratégias gerais, 295 consciência dos bebês
estrutura harmônica ilusão de escala, 206 construção
dáctilo, no ritmo musical, 63,342 estrutura hierárquica, 153,244-247 implicação em música, 214-215 reconhecimento por parte das crianças
dedilhado, 304 estrutura horizontal na polifonia improvisação reconhecimento, 219-223
na execução pianística, 124-125 estrutura vertical na polifonia comparada à composição, 180 memória, 247-253
na aquisição de habilidades, 287-294 estruturas de superfície, na música e na no jazz, 185-194 capacidade, 249
desenvolvimento do julgamento musical, 278, linguagem, 19 independência das mãos na execução pianística em culturas orais e culturas letradas
282-284 estruturas profundas, na música e na linguagem, 19 inferência, 235 323-327
dissociação, 275 etnomusicologia insight, 135,138
Dukas, Paul, O aprendiz dofeiticeiro evolução Darwiniana inspiração na composição, 147,150-151 na performance, 324-325
Dussek, J., 98 execução, na composição inteligência artificial para melodias, 217,244
expectativa, em música para notação musical
efeitos do treinamento musical expert, 297,300,323 jazz, 34,183-195 para notas individuais, 229-230
na especialização dos hemisférios, 348 expertise, 260 blue note, 34 para posições no tabuleiro de xadrez
na leitura musical, 103 improvisação para ritmos, 249
na percepção categorial, 34-38 para variações, 250
memória de trabalho nos sistemas de produção Over the Rainbow, 242 Shebalin,V.G., 343-345,347
Messiaen, O. psicologia cognitiva, 317-318 significado, em música, 337
Método Suzuki de Educação do Talento, 89 pânico de palco, 306-307 e educação significado designado
modulação de tonalidade, 237 papel da coesão do grupo, 350-351 psicologia educacional significado incorporado
movimento dos olhos na leitura papel dos padrões na memória sincronia na prática de conjunto, 130, 342
da linguagem paradigmas na pesquisa Rachmaninov, S., 207,225 sintaxe na música e na linguagem
na música para piano percepção categorial, 32-38 Suíte para dois pianos Op.17,207 síntese computacional
movimento em resposta à música por crianças da fala razões intervalares, 336-337 de instrumentos dedilhados e de arco
273-276 de altura (freqüência), 34-38 reconhecimento de sons da fala
Mozart, W.A., 81 de duração (ritmo), 38-42 de melodias, 244-246 solucionador de problemas
Capacidade de memória, 252-253 de intervalos, 233-238 de ritmos Strauss, R., processos composicionais, 152
Concerto em mi bemol para dois percepção de estruturas polifônicas, 221-226 em culturas orais e letradas Stravinsky, I., 154
pianos, K.365,216 percepção melódica, 217 recurso mnemônico, 352-353 A sagração da primavera, 144-145
Manuscrito autógrafo da ópera A flauta performance em nível de expert, 106,121-127 referências na música streaming, 208-210,213-216,247
mágica, 148 performance expressiva Reitman, 160-162 Tchaikovsky, RI., 156
manuscritos percepção da relação de tonalidade, efeito na atenção, 220 processos composicionais, 156
processos composicionais, 152 performance instrumental relatos verbais de processos composicionais, Sinfonia n. 6,207
Sonata para piano em dó maior, K. 545, sincronia 163-180 técnica pedagógica, 297
71,225 violino na retorno (ou feedback), 286, 303 Tegner, Alice, 51
música de gamelão de Java, 341 performance musical na performance, 131 tema e variação, 326

ín d ic e de a s s u n t o
música do sul da África (África sub-saariana), performance pianística na aquisição de habilidades, 303 temperamento
319-320,342 compasso reversão da figura-fundo na atenção musical tempo
música dodecafônica dedilhado ritmo em diversas culturas
música indiana independência das mãos ambigüidade na performance
escala Sa-grama, 337 planejamento da aprendizagem, 302 comunicação tensão em música
esquemas métricos, 342 poema épico, da antiga Iugoslávia e leitura
música programática, 76 prática distribuída, 298 em diferentes culturas teoria sistêmica de produção, 285-302
prática negativa, 305-306 nos bebês teorias de agrupamentos das escalas musicais
neumas, 329-330 princípio ou lei da boa continuidade percepção teste de habilidade musical, 306,308-313
notação, 27 princípio de segmentação, 288 reprodução teste padronizado de inteligência musical de
e cultura, 321-334 princípios de Gestalt, percepção, 203,210-222 Rowles, Jimmy, performance jazzística Wing, 311-313
limites, 333 processamento analítico tonalidade, 54-61,236-239,335
ocidental, 325-333 processamento holístico Schumman, R., 154 percepção , 237
processos inconscientes na composição musical segmentação na memória musical, 247 significado emocional
ondas de simbolização, 258,272 programação motora na performance musical, 131 semântica musical tônica, 55
organização neural da música, 343-349 protocolo e relações tonais acorde
origem da música, 350-354 da composição de uma fuga sensibilidade aos estilos musicais nas crianças, 312 em diferentes culturas, 335-336
ouvido absoluto, 231-233 de uma composição coral, 163-180 série harmônica importância para a memória
ouvido relativo, 233 pontos fortes e fracos Sessions, R., processos composicionais, 152 na escala musical ou na tonalidade, 56-58
transposição, 38,235-238 variação expressiva, 109
transcrição, 184-185 Verdi, G., 68-69,154
treinamento, 284-306 La donna à mobile, 68
trítono, 239 vibrato na performance
violino
universais, 25,334-354 na música camerística
Urlinie, 21-24 no ensino
Ursatz, 21-24,29-30 vocalizações de primatas
xadrez, memória
validade e validação da testagem musical, 309-310
variabilidade na performance em nível expert,
110-111

ik À
i

Título M e n te M u s ic a l: a p s ic o lo g ia c o g n itiv a d a m ú s ic a

A u to r Jo h n A . S lo b o d a

Tradução B e a tr iz Ila ri

R o d o lfo Ila r i

Revisão Técnica R o g é r io B u d a s z

Capa G u s ta v o N a s c im b e n

Projeto Gráfico/Editoração G u s ta v o N a s c im b e n ; M a r ia d e L o u r d e s M o n te ir o

Preparação de Originais A n d r ia F r a n c ie ly d a S ilv a M o t a ; G a b r ie la T a u il

M a c h a d o

Revisão F in a l M a r th a A u g u s ta C o rr ê a e C a s tr o G o n ç a lv e s

Revisão de Provas A n to n io L e m e s G u e r ra Ju n io r ;

Divulgação M a r ia H e le n a d e M o u r a A r ia s

Formato 2 1 x 2 3 c m

Tipologia A d o b e C a s lo n P ro

Papel C o u c h é 3 5 0 g / m 2 (c a p a ); C o u c h é 9 0 g / m 2 (m io lo )

N úm ero de páginas 4 1 6

Tiragem 5 0 0 e x e m p la r e s

os, Impressão e Acabamento V ie n a G r á fic a e E d ito r a

Editora Associada à:

Impressão e
Acabamento:
Câmara Brasileira do Livro

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PRESER VE A
T: (14) 3332.1155 NATUREZA PAPEL RECICLÁVEL
Quais são os processos mentais
envolvidos na audição, na execução e na
composição musical? Quais habilidades
estão imbricadas na “compreensão” de
uma peça musical e como são adquiridas?
Por que algumas pessoas têm mais
facilidade para cantar ou tocar do que
outras? Questões como essas constituem
as bases da psicologia cognitiva da música.
Neste livro, John Sloboda procura
respostas a essas questões por meio de
uma extensa revisão crítica da literatura
de pesquisa experimental em música,
introduzindo tanto a teoria musical,
quanto os conceitos psicológicos ao leitor
não-especialista, porém sem perder a
profundidade. Escrito originalmente em
1983, Â mente musical rapidamente se
transformou em um clássico da área e é
leitura obrigatória para qualquer
pesquisador interessado nas interações
entre a música e a mente humana.

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