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Introdução às

Neurociências

J. Marques-Teixeira

Fernando Barbosa

2021/22
Neurohistologia funcional

ÍNDICE Todos os tecidos e órgãos do corpo são formados por células. As funções especializadas das células
e o modo como interagem determinam a função dos órgãos.
1. Descrição dos neurónios
O cérebro, enquanto órgão, obedece à mesma lógica: para se desvelar as suas funções deve-se
a. Corpo celular começar por perceber como funcionam as células nervosas individualmente e depois ver como se
b. Dendrites organizam em conjuntos para trabalharem em consonância.

Neste capítulo focar-nos-emos na estrutura dos grandes tipos de células do sistema nervoso e das
c. Axónio
suas divisões, incluindo as células de glia. Apesar de as células de glia serem importantes, os
2. Classificação dos neurónios neurónios são, na verdade, as células mais importantes em razão das suas funções únicas na

a. Classificação baseada no número de neurites organização do cérebro: captação de alterações no ambiente e comunicação destas alterações a
outros neurónios para organização das respostas do organismo a essas alterações. Por sua vez as
b. Classificação baseada nas conexões células da glia contribuem para o bom funcionamento dos neurónios, basicamente constituindo o seu
c. Classificação baseada no tamanho axonal “esqueleto”, o seu apoio “logístico”, o seu mecanismos de “limpeza informática”.
O sistema nervoso constitui uma hierarquia que culmina no cérebro, com cerca de 86 mil milhões de
3. Células de glia ou neuróglia
neurónios de numerosos tipos, idêntico número de células gliais (com rácios > 10:1 em certas regiões)
4. Potenciais de ação 100 milhões de milhões de sinapses, mais de 500 mil Km de prolongamentos neuronais, milhares de
agrupamentos neuronais e fibras nervosas, centenas de regiões funcionais, dúzias de subsistemas
5. Transmissão sináptica
funcionais, 7 regiões centrais e 3 grandes divisões.
6. Organização dos neurónios
Todas estas partes formam um epitélio coerente, pervasivo, diversificado e complexo com uma
1. Colunas funcionais conectividade neuronal interdependente, a maior parte do qual não é nem sensorial, nem motor, mas
sim intermédio, quer sob o ponto de vista anatómico, quer sob o ponto de vista funcional.
2. Organização laminar

3. Organização conexional ou em circuitos


Os princípios organizacionais deste sistema são a centralização e a integração. O sistema nervoso
desempenha dois papéis: regulação e iniciação. Na regulação, ele reage: isto é, responde, de forma
homeostática, aos estímulos externos ou internos, avaliando o seu significado de curto e longo termo e

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gerando atividade. Na iniciação, ele atua: de forma mais endógena e menos distâncias. A transmissão do sinal de um neurónio a outro faz-se ao nível de
homeostática, substitui um estado da atividade neuronal por outro, gerando contactos bem definidos: as sinapses.
atividade. Os neurónios são grandes consumidores de energia. Para lhes fornecer a energia
Apesar de as divisões e regiões do sistema nervosa dos humanos normalmente que necessitam vários vasos sanguíneos trazem-lhes a glicose que precisam, que
desenvolvidos serem idênticas, quer a sua especificação genética, quer a sua é o seu nutriente exclusivo, bem como o oxigénio indispensável ao seu
história pessoal são únicas, como o são as permutações e combinações da sua funcionamento. Pelos vasos sanguíneos também são drenados os produtos
função unificada. metabólicos resultantes do seu funcionamento.

As unidades que asseguram o funcionamento do cérebro, em termos do Descrição dos neurónios


processamento da informação, são as células conhecidas como neurónios. Os Apesar de uma grande variedade de formas, cada unidade neuronal pode ser
modernos métodos neuroanatómicos tornaram possível definir, praticamente,
descrita em relação a 3 partes: corpo celular ou soma, as dendrites e o axónio
cada neurónio, em 3 dimensões:
(Figura 1).
1. Anatomicamentre, pela forma e localização do corpo celular, pelas arborizações
Dendrites
Corpo celular
dendríticas, pelas arborizações axonais e pelas suas sinapses.
Corpo celular ou soma
2. Fisiologicamente, sobretudo pela atividade bioelétrica e condições biofísicas
Terminais axonais
O corpo celular contém o núcleo
e uma massa mais ou menos
dos espaços intra e extracelulares e pela distribuição e número de canais iónicos. Nódulos de Ranvier
esférica de ambiente
3.Bioquimicamente, pela identificação dos neurotransmissores através dos quais o
citoplasmático cheio de
neurónio pode influenciar outros neurónios em relação aos quais esteja
Axónio
Bainha de mielina
organelos e inclusões celulares.
ligado sinapticamente (para além dos neurotransmissores que atuam numa escala
Ao longo do desenvolvimento, o
temporal de milisegundos, existem neuromodeladores que conseguem
Figura 1 - Constituintes do neurónio
corpo celular ou soma é a
modificar o funcionamento de um neurónio em escalas temporais que vão
primeira parte do neurónio a
desde segundos até minutos, ou mais).
aparecer e, salvo algumas excepções, é a parte trófica que mantém a integridade
Ou seja, o neurónio é uma verdadeira unidade anatómica e funcional no pleno estrutural e a saúde do neurónio e dos seus prolongamentos. Os neurónios, como
sentido do termo. É, sobretudo, uma unidade de tratamento: o neurónio recebe veremos, apresentam uma grande variedade de formas e tamanhos.
de outros neurónios (ou células receptoras) uma multitude de sinais elétricos e
Dendrites
químicos, combina-os e utiliza o resultado desta operação para produzir um novo
sinal (ou opor-se a isso) da mesma natureza elétrica e química, que será, por sua Na maior parte dos neurónios, saindo do soma existem as dendrites. São
vez, conduzido e transmitido a um outro neurónio ou a uma célula efetora, fibra relativamente curtas e saem do soma como os ramos de uma árvore. Em

muscular ou glândula. Esta função é assegurada por uma propriedade das células proporções variadas, as dendrites contêm os organelos presentes no soma. Em

nervosas, designada por excitabilidade: capacidade de quando são alguns neurónios, as dendrites emergem no fim do axónio. As dendrites
suficientemente estimuladas responderem com uma descarga eléctrica (potencial ramificam-se de forma elaborada, constituindo o principal prolongamento de
de ação) e a rápida condução (mseg) dos impulsos nervosos para longas receção de informação dos neurónios, muito embora o soma e algumas regiões

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de axónios proximais ou distais possam também receber informações. As Único ou duplo, curto ou longo, ramificado ou não, se existir um axónio, ele
dendrites, pelas suas ramificações representam as relações que o neurónio constitui o eixo funcional do neurónio, o local por onde os impulsos nervosos
tem com outros neurónios e, por isso, o seu papel integrador. Oferecem pontos viajam e cuja velocidade depende do diâmetro das fibras. A eficiência da
de contacto (sinapses) para os terminais axónicos constituindo as regiões de condução depende de um bom isolamento elétrico (bainha de mielina).
receção, combinação, somação e regulação das entradas de informação no
É importante olhar para este desenho neuronal como sendo flexível. Praticamente
neurónio. cada uma das partes pode executar qualquer função comunicacional, sempre
Nos neurónios multipolares, as dendrites originam-se do soma como um ou mais que as circunstâncias ou o desenho dos circuitos tornar essa comunicação
ramos primários, continuando a ramificar-se e tornando-se cada vez mais finos, vantajosa. O único componente invariante do neurónio é o corpo celular que
de tal modo que a sua superfície total pode exceder a do soma. apenas desempenha a sua função trófica.

Os axónios ligam-se nas espinhas dendríticas, cujo papel ainda não é bem Classificação dos neurónios
conhecido. As sinapses localizadas nas espinhas dendríticas são os principais
A. Classificação com base no número de neurites - Esta classificação é
locais excitatórios e apresentam propriedades elétricas que se podem modificar
baseada no número de axónios e dendrites que saem do soma (Figura 2). São,
por pequenas modificações na forma do istmo da espinha, muito provavelmente
assim, classificados em unipolares (com um
nos processos de aprendizagem e no envelhecimento.
só neurite), bipolares (com 2 neurites) e
Axónios multipolares (com 3 ou mais neurites). Podem ainda
Bipolar

Na maior parte dos neurónios emerge do soma um único axónio que pode ser pseudounipolares (1 neurite que se divide).
dirigir-se para distâncias longas (através dos nervos) ou perder-se na rede
B. Classificação com base nas conexões -
neuronal perto da sua origem. Qualquer um destes percursos assegura quer a
Baseada no tipo de funções que o neurónio
comunicação a longa distância, quer a comunicação em milhares de circuitos
desempenha. Distinguem-se, assim, os
locais. Os axónios enviam informações quer para outros neurónios, quer para os
neurónios sensoriais, que são neurónios
músculos ou glândulas. Como as dendrites, o axónio pode ramificar-se (colaterais
bipolares (pólo detetor, sensorial, ou
axonais), constituindo uma expressão das interrelações neuronais, tal como as
terminação de entrada de informação ligado
ramificações dendríticas. Enquanto as dendrites representam o poder
Multipolar ao ambiente; pólo efetor, motor, ou terminação
integrativo de um neurónio, os axónios e os seus colaterais representam o poder Unipolar
de saída da informação para um grupo de
distributivo. Figura 2 - Classificação com base no
células) (Figura 3), que se encontram
Os axónios são, normalmente, únicos, mas podem ser duplos, como acontece número de neurites
principalmente no epitélio olfativo, na retina e
nos neurónios bipolares ou até não existirem (como acontece nas células no gânglio vestibulo-coclear. São neurónios iniciais do processamento dos dados
amácrinas que comunicam pelas suas dendrites). Apesar de os axónios serem sensoriais (neurónios sensoriais primários), funcionando como autênticas
muito mais longos do que qualquer dendrite, muitos neurónios têm uma sentinelas colocados fora do sistema nervoso central (SNC) para reportar as
superfície total de dendrites superior à dos axónios. informações da periferia - o seu número é pequeno (cerca de 20 milhões); e
neurónios sensoriais secundários, células do SNC, na 2ª escala no processamento

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dos dados sensoriais. Os neurónios sensoriais permitem camadas I ou VI, inibitórios e de transmissão gabérgica (podem
deduzir os princípios de análise do sistema nervoso: considerar-se um tipo separado). (2) n. em cesto (Figura 9), com
(1) doutrina do neurónio - o sistema nervoso é "ninhos" densos de axónios à volta dos
formado por uma rede de unidades autocontidas corpos celulares das células
(neurónios) que interagem via contiguidade, em vez piramidais, inibitórios, de
de ser por um sincício neuronal contínuo; (2) transmissão gabérgica,
Figura 3 - Neurónio Sensorial
princípio da polaridade localizados nas camadas III e V
juncional ou polarização dinâmica - o lado da saída Figura 8 - N. fusiforme
e com projecções horizontais.
da informação é o lado axonal e o lado da entrada é Neurónios Motores -
o soma (ou corpo celular) ou as dendrites. Apresenta Figura 9 - N. em cesto
projetam-se para células efetoras não neuronais e
dois modos de organização: (1) Divergência - cada para outros neurónios motores, recebem impulsos quer dos neurónios
axónio gera múltiplas sinapses, normalmente de
Figura 4 - Divergência sensoriais, quer dos neurónios motores e não são em grande número (cerca de 2
ramos distintos (Figura 4). Por causa disto, os
milhões) (Figura 10). No desenho são multipolares e os corpos celulares dos
neurónios sensoriais singulares podem enervar
neurónios motores somáticos estão
(terem sinapses com) mais do que uma célula
completamente localizados dentro do
efetora; (2) Convergência - os ramos de mais sistema nervoso central. Enquanto os
do que um neurónio sensorial podem terminar
neurónios sensoriais são as primeiras
no mesmo efetor (Figura 5).
células no processamento dos dados
Figura 10 - Sequência neuronal
No córtice este tipo de neurónios pode classificar-se neuronais, os neurónios motores são as 1. Estímulo; 2. N. sensorial; 3- Interneurónio;
em: (1) N. estrelados (Figura 6) - podem ter ou não 4. N. motor; 5. Efetor
espinhas dendríticas, as dendrites distribuem-se Figura 5 - Convergência
em torno do corpo celular sem orientação últimas. Dividem-se em: (1) NEURÓNIOS
Dendrite apical ascendente
preferencial (estrelado) e localizam-se, preferencialmente, na PIRAMIDAIS (Figura 11), situados sobretudo
camada granular IV (ver à frente). Subdividem-se em na camada V do córtice, apresentram espinhas
GRANULARES (Figura 7), apresentando dendríticas, axónio vertical descendente, árvore
Corpo celular em forma
granulações no citoplasma, ao serviço da De pirâmide dendrítica bipartida (dend. basais e uma dend.
recepção da informação sensitivo- apical ascendente) e um corpo celular em
sensorial, situados nas camadas II e IV, forma de pirâmide; (2) CÉLULAS DE
excitatórios e de transmissão Axónio
Dendrites basais
MARTINOTTI (Figura 12), com poucas
glutamérgica; ou FUSIFORMES (Figura 8), espinhas dendríticas, distribuição das
Figura 6 - N. estrelado
apresentando um corpo celular em forma dendrites em torno do corpo celular
de fuso, com funções de associação, localizados nas Figura 7 - N. granular Figura 11 - N. piramidais esferoidal, vertical ou horizontal, axónio

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vertical ascendente e irregularidade dos ramos colaterais do (4) Células de Schwann, que se encontram no SN periférico e são cruciais para a
axónio. regeneração neuronal e para assegurar a elasticidade dos neurónios.

Interneurónios - Não são nem sensoriais nem motores, Potenciais de ação


situando-se entre os dois em termos conexionais (Figura 10).
Os potenciais de ação resultam de alterações temporalmente coordenadas na
O sistema nervoso é o seu domínio e a neuroanatomia é, em
permeabilidade selectiva da membrana Na++
grande parte, o seu estudo e das suas conexões. São em Na++: 117 membrana celular
para diferentes iões, resultantes da K+: 3

grande número (entre 1011 - 1012) e são a fonte da


ativação ou inativação dos canais iónicos despolarização
atividade neuronal endógena. Figura 12 - C. Martinotti Na++
dependentes da voltagem (Figura 13). Na++: 30
K+: 90

Definem-se 2 tipos de interneurónios: Neste sentido, o potencial de ação é uma


(1) Interneurónios locais: com um axónio que se ramifica inteiramente na região mudança breve do potencial de membrana. Figura 13 - Mecanismo iónico do potencial
ou grupo celular que o gerou; O processo é o seguinte (Figura 14): de ação

(2) Interneurónios de projeção: com um axónio que pode ramificar-se localmente,


mas que se projeta sempre para outra região ou grupo celular.

Os interneurónios asseguram quer a alternância entre a excitação e a inibição,


quer a geração de padrões.

C. Classificação com base no tamanho axonal - Alguns neurónios têm axónios


longos que se estendem de uma parte do cérebro para outra (neurónios Golgi tipo
I ou neurónios de projeção), enquanto outros não se estendem para além dos
territórios vizinhos (neurónios Golgi tipo II ou neurónios de circuitos locais).

Células de Glia ou Neuróglia


São cerca de 100 mil milhões (em algumas regiões podem ter rácio > 10:1 em relação aos
neurónios) e para além das ações de suporte também são metabolicamente ativas, assistindo os
neurónios no desempenho das suas funções comunicativa e integrativa.
São constituídas por várias categorias, sendo as principais as seguintes:

(1)Astrócitos, têm funções complexas, tais como assegurarem os nutrientes cruciais


para os neurónios, a mobilização dos iões e dos neurotransmissores, a
produção de fatores neurotróficos e a “limpeza” do ambiente neuronal.

(2) Oligodendrócitos, produzem mielina, Figura 14 - Génese do potencial de ação


(3) Micróglia, têm funções imunológicas.

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(1) Abertura dos canais de Na+;

(2) Permeabilidade da membrana é aumentada;


(3) Os iões de Na+ entram na célula, tornando o potencial de membrana menos
negativo (despolarização);

(4) Saída de K+ da célula (repolarização-hiperpolarização).

Estes potenciais são de curta duração (cerca de 1 mseg), são elicitados segundo
a lei do tudo-ou-nada e as células nervosas codificam a intensidade da
informação pela frequência dos potenciais de ação (i.e., quando a intensidade do
estímulo aumenta, o tamanho do potencial de ação não aumenta, mas a sua
frequência aumenta). Figura 15 - Impulso elétrico nas fibras amielinizadas (esquerda) e mielinizadas (direita)

O potencial de ação geralmente ocorre na 1ª parte do axónio (segmento inicial), Transmissão Sináptica
onde a densidade de canais iónicos de Na+ dependentes da voltagem é maior do O processamento da informação no cérebro está baseado em redes de conexões
que na membrana das dendrites ou do soma. A corrente espalha-se sinápticas complexas e específicas. No ser humano, o número de sinapses é de
eletricamente (passivamente) desde das sinapses dendríticas e somáticas até
aproximadamente 1015, constituindo zonas assimétricas de contacto entre
ao segmento inicial do axónio. Se a despolarização for suficientemente forte neurónios, fortemente aderentes, morfológica e funcionalmente.
(atingir o limiar), os canais iónicos de N+ e K+ dependentes da voltagem abrem-
Existem, em média 1000-10000 sinapses por neurónio, muito embora o número
se e produzem um potencial de ação que se propaga ao longo do axónio. Nos
total de sinapses de um neurónio não seja uma propriedade intrínseca desse
neurónios não mielinizados, esta propagação é sob a forma de uma onda de
mesmo neurónio.
despolarização, seguida de perto por uma correspondente onda de repolarização.
A maioria das sinapses são químicas (uma fenda sináptica relativamente grande
Nos neurónios mielinizados, o potencial de ação também se regenera ao longo
exige a presença de neurotransmissores para a passagem do impulso nervoso -
do axónio mas, ao contrário dos outros tipos de neurónios, o potencial de ação
Figura 16) mas também há eléctricas (fenda
apenas é regenerado em cada um dos nódulos de Ranvier, onde a densidade de
sináptica mínima, com comunicação direta
canais de Na+ dependentes da voltagem é maior. O potencial de ação também
entre os canais iónicos). Nas sinapses
aparece na 1ª parte do axónio, mas a corrente propaga-se passivamente até ao
químicas, em resposta ao potencial de
primeiro nódulo de Ranvier (devido ao isolamento da bainha de mielina, que não
ação, os terminais pré-sinápticos
permite perdas de cargas iónicas do interior da membrana); nos nódulos de
altamente especializados libertam o
Ranvier a despolarização da membrana leva à abertura dos canais dependentes
neurotransmissor para a fenda sináptica.
da voltagem e a um potencial de ação (Figura 15).
O neurotransmissor difunde-se para a
Muito embora os potenciais de acção se possam elicitar nas dendrites, o seu área pós-sináptica na qual, um elaborado
limiar é muito superior ao do segmento inicial do axónio devido à menor Figura 16 - Sinapse química
aparelho de transdução de sinal medeia a
densidade de canais dependentes da voltagem.
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receção do neurotransmissor e a propagação do sinal. A forma de atuar do receptor.
neurotransmissor é pela alteração da probabilidade de o canal estar num estado O outro grande tipo de receptores não está diretamente
aberto, não induzindo um estado permanente de abertura ou fecho. ligado aos canais iónicos atuando, antes,
A diversidade da excitabilidade dendrítica depende da morfologia e da indiretamente por intermédio de proteínas G e de
distribuição dos canais (das alterações funcionais dinâmicas e dependentes da mensageiros intracelulares. As proteínas G podem ser
voltagem). consideradas como os tradutores universais de

Um canal iónico que é controlado pelos neurotransmissores (ou outras diferentes tipos de sinais extracelulares em respostas

substâncias químicas) designa-se por canal iónico ligado ao neurotransmisor celulares (por exemplo, a tradução da luz e das

(Figura 17) e estão descritas diferentes variedades de canais em função da sua substâncias gasosas e químicas dissolvidas no líquido
seletividade iónica (isto é, dos tipos de iões que podem passar por um canal) e da extracelular em impulsos nervosos). Os recetores Figura 17 - Canal iónico
ligado à voltagem
sua seletividade de neurotransmissor (isto é, do tipo de neurotransmissor que os acoplados às proteínas G designam-se por

controla). metabotrópicos e os seus efeitos são mais lentos e mais


duradoiros do que os efeitos dos recetores ionotrópicos. A sua ação traduz-se
Muitos canais iónicos não são controlados primariamente por substâncias
por ajustamentos da excitabilidade do neurónio pós-sináptico (Figura 19). A maior
químicas, mas antes pela magnitude do potencial de membrana - são designados
parte dos neurotransmisores atuam
por canais iónicos dependentes da voltagem (Figura 17).
em ambos os recetores, podendo ter
Os efeitos de um neurotransmissor dependem primariamente das propriedades e efeitos rápidos e diretos ao mesmo
localização dos recetores que ele pode ativar. Os recetores que fazem parte tempo que têm efeitos lentos e
dos canais iónicos designam-se por ionotrópicos (Figura 18). Estes recetores indiretos.
que fazem parte dos canais de Na+ ou de Ca2+ exercem ações excitatórias,
A abertura dos canais iónicos produz
enquanto que os recetores acoplados aos canais Cl-, em geral, têm ações
uma corrente rápida resultante da
inibitórias. Em geral, os
passagem dos iões pela membrana.
receptores ionotrópicos induzem
Figura 19 - Recetor metabotrópico Quando o canal iónico está aberto, o
a despolarizam ou a
potencial neuronal tende para o
hiperpolarização rápida e breve
potencial de equilíbrio para esse ião; se este potencial de equilíbrio é superior ao
da membrana pós-sináptica. O
limiar para o potencial de ação, a sinapse é excitatória; caso contrário, é
efeito é imediato porque começa
inibitória. Através do controlo da abertura dos canais iónicos, os
no momento em que o
neurotransmissores regulam o potencial da membrana e a excitabilidade do
neurotransmissor se liga ao
neurónio.
recetor e é breve porque
Figura 17 - Canal iónico ligado ao neurotransmissor e termina assim que o
recetor ionotrópico
neurotransmissor se dissocia do

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Dos neurotransmissores, o glutamato e o GABA são os neurotransmissores mais ocupando uma área lateral que não é mais do que uns décimos de milímetro em
abundantes a atuar nos recetores ionotrópicos, muito embora possam atuar diâmetro. Contudo, esta organização não é estática - isto é, não existe uma
em diferentes tipos de recetores metabotrópicos. Diferentes neurotransmissores divisão anatómica do neocórtice em colunas funcionais fixas e permanentes. Pelo
importantes, como a noradrenalina, a dopamina e a serotonina, exercem as suas contrário, são os circuitos corticais que “re-ativam” as suas conexões laterais em
principais ações nos receptores metabotrópicos. resposta aos sinais de controlo modulatório (provavelmente de origem não
Em síntese, devido ao facto de a distribuição dos recetores diferir, um cortical) de tal modo que, pelo menos alguns neurónios, fazem parte de diferentes
neurotransmissor pode exercer ações diferentes em diferentes partes do possíveis colunas funcionais. Esta constatação levou à presente perspetiva sobre

cérebro. o neocórtice: grupos anatómicos de células (neurónios que estabelecem


contactos sinápticos entre si) que, num certo sentido, são ativados e capazes de
Organização dos neurónios
modular dinamicamente a força das suas conexões com vista a formarem
No Sistema Nervosos Central os neurónios que partilham funções comuns conjuntos celulares funcionais (Von der Malsburg, 2003). Designa-se esta
agrupam-se, geralmente, em núcleos (agrupamentos singulares de neurónios); no propriedade como arquitetura de ligações dinâmicas.
cérebro, a maior parte dos neurónios estão agrupados à superfície, formando
B. Nível 2 - Organização laminar
o córtice. Neste, os neurónios organizam-se em camadas e a maior parte dos
O neocórtice está organizado em 6 camadas (Figura 21), cada uma com uma
neurónios pertencentes a cada camada são funcionalmente semelhantes e
organização própria.
diferentes de outros de outras camadas. As áreas corticais filogeneticamente
mais antigas têm 3 camadas (p.e., cerebelo), enquanto as mais recentes têm
Células pré-sinápticas excitatóriasCélulas pós-sinápticas excitatóriasCélulas excitatórias que recebem pouca ou nenhuma informação

Tálamo

6 camadas (o neocórtice cerebral). Os neurónios de cada uma destas 6 camadas


Retro-ação
córtico-cortical

têm um padrão único de conexões aferentes e Córtico-


cortical

eferentes. Os axónios dos neurónios corticais em cada


Matriz
talâmica
uma destas camadas constituem os sistemas Córtico-
cortical

eferentes. A localização destes neurónios nas


Córtico-
diferentes canadas determina o alvo das fibras cortical

eferentes. Matriz talâmica


Tálamo
Claustrum

A. Nível 1 - Colunas Funcionais Córtico-cortical


Córtico-
cortical
Córtico-cortical Córtico-cortical
A forma de organização do neocórtice, em termos de Tálamo (matriz)
Protuberância Tálamo
Tálamo (matriz)
Claustrum

cito-arquitetura, é em pequenas unidades de


Colículo Superior Núcleo Reticular Talâmico
Medula Espinal

processamento da informação designadas por colunas


Figura 21 - Representação da estrutura em 6 camadas do neocórtice
funcionais (Figura 20). Cada uma desta colunas é
Figura 20 - Representação responsável por tarefas altamente dedicadas de A camada I, mais externa, também designada por molecular ou acelular, contém
de 1 coluna cortical processamento de sinal. As colunas funcionais poucos neurónios, todos inibitórios, com sinapses com as dendrites dos
estendem-se por todas as camadas do neocórtice, neurónios das camadas mais profundas. As principais estruturas que se
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encontram nesta camada são dendrites e axónios de neurónios de camadas mais Coluna funcional
Functional Column Coluna funcional
Functional Column subcorticais (entradas e
profundas, que correm horizontalmente em distâncias pequenas, ligando-se a Camada
Layer
saídas); (2) conexões córtico-
I
neurónios de colunas adjacentes. Os axónios intra-colunares desta camada corticais (intercolunares); e, (3)
pertencem em exclusivo a células piramidais das camadas II e III. Camadas
Layers conexões locais (intracolunares)
II & III

A camada II, ou granular externa, contém uma mistura de neurónios granulares inibitórios (Figura 22).

e aguns neurónios piramidais, bem como dendrites apicais das células piramidais Camada
Layer 1. Aferentes - A principal via
IV

cujos corpos celulares se encontram nas camadas V e VI. de entrada de informação no

A camada III contém um conjunto de células variado, consistindo em


Camada
Layer
V
neocórtice vem do tálamo,
muito embora também
praticamente todos os tipos celulares encontrados no neocórtice, exceto as Camada
Layer
VI cheguem informações vindas
células estreladas e as células encontradas exclusivamente na camada I. A
do tronco cerebral e do
maioria das células desta camada são pequenas e médias células piramidais. From
do
Cortex
córtice To
para To
para From
do
Substância
White prosencéfalo basal. A maior
A camada IV é onde se encontram, de forma quase exclusiva, pequenas células Branca
Thalamus Basal Thalamus Matter
tálamo gânglios tálamo

Figure 16. Simplified schematic view of functional column interconnections. Dark symbols representparte excitatorydestas projeções são
Ganglia
basais

excitatórias designadas por células estreladas, muito embora também between se


neurons (PCs and SSCs). Unfilled symbols represent general inhibitory interneurons. Neurons drawn on the boundary
m
functional columns denote ‘neuron sharing’ at the boundaries of the columns. Column-to-column gray o nmatter
o a m i n é r g i c a s ( n o r-
connections are primarily from axon projections from layers II/III PCs. Dendritic arbors may cross column boundaries
encontrem lá alguma variedade de células inibitórias. Esta é a principal camada
at all layers but only adrenalina, dopamina
over a limited distance. e serotonina)
Cortico-cortical connections via theou colinérgicas
white matter are primarily(acetilcolina),
sourced by o que significa
PCs in the superficial layers (II/III) and primarily target neurons in these layers at the destination. The other primary
de receção de entradas vindas do tálamo. inputs to a column are projections from the thalamus, which makes connections in all layers, but primarily targets layer
que a sua sinalização é metabotrópica e reguladora em vez de ser ionotrópica,
IV SSCs and inhibitory interneurons. 90% of PCs make no synaptic connections via the gray matter to neurons beyond
distances of 0.2 to 0.3 mm.
A camada V é composta por grandes células piramidais com uma pequena isto é, sinalizando informação especificamente processada. Por isso, o tálamo
população de células inibitórias. Os grandes axónios das células piramidais
by means é aand
of axonal principal
dendriticvia de entrada
projections de informação
that remain entirely withinionotrópica para
the gray matter. This o neocórtice.
general scheme is illustrated in figure 16, which is meant to convey only the general idea of inter-
projetam-se para os gânglios basais, tronco cerebral e medula espinal. 2. Eferentes subcorticais - A principal saída de uma coluna cortical para as
line between functional columns is not as crisp as the figure might suggest, and it is more correct
A camada VI é uma camada heterogénea com vários tipos de neurónios que se regiões subcorticais é feita pelos axónios das células piramidais das camadas
misturam gradualmente com a substância branca. A maior parte das células desta V e VI. Da camada V, as
A. Thalamic and Other Sub-Cortical Afferents. More than 20 subcortical areas make projections
camada são fusiformes e algumas grandes células piramidais que se projetam para o projeções vão sobretudo para
schematization of the connections they make. One of the main pathways, which carries all or
tálamo. É nesta camada que se localizam um tipo de células inibitórias, os reaching
nearly all ‘specific’ information (e.g. sensory information from throughout the body) gângliosthe basais, núcleos do
neocortex, is sourced from the thalamus. Other important sources include regions in the brain
designadas por células de Martinotti, cujos axónios fazem longas projeções tronco cerebral, colículos
colunas corticais
the basal ganglia and part of the cerebrum but not regarded as part of the neocortex [26, pp. 149-
através de todas as camadas do neocórtice. A seguir à camada IV, a camada VI é superiores e espinal medula. Da
cholinergic (ACh) Camada
signals to the neocortex, which means their signaling is metabotropic and
cortical

o alvo principal das entradas talámicas para o neocórtice. camada


regulatory rather than constituting ionotropic ‘data pathway’ signaling of specific VI
processed as projeções dos
neurónios piramidais retornam
Os neurónios piramidais constituem os neurónios de projeção do neocórtice, isto
20 ao tálamo.
é, eles são os neurónios que asseguram a saída da informação do neocórtice. Saídas para estruturas
extra-corticais Entradas do tálamo

3. Projeções córtico-corticais e
C. Nível 3 - Organização conexional e em circuitos Figura 23 - Representação das entradas e saídas das
intracorticais - A maior parte
A organização funcional do neocórtice sugere que a forma de olhar para a colunas corticais
das projeções córtico-corticais
organização das conexões é categorizá-las em: (1) aferentes e eferentes originam-se nos neurónios
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piramidais das camadas II/III e projetam-se via substância branca. Estas células
piramidais também têm projeções para a substância cinzenta através dos seus
axónios da camada I.

Bibliografia específica
Gray, H. (1918). Anatomy of the Human Body. Lea & Febige: Philadelphia, PA.

Kahle, W e , Frotscher, M (2003). Color Atlas and Textbook of Human Anatomy. Volume 3. Thieme,
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Rodrigues, C. (1992). Manual de Psicologia 2: Motivação. Contraponto, Porto.

Von der Malsburg, C. (2003). “Dynamic link architecture,” in Handbook of Brain Theory and Neural
Networks, 2nd ed., M.A. Arbib (ed.), pp. 365-368, Cambridge, MA: The MIT Press.

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