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BOCK, A. M. B.

Psicologia e sua ideologia: 40 anos de Compromisso com


as elites
Daniel Pires Rodrigues Nunes - T353ID9

RESUMO
Segundo o autor, o compromisso social da Psicologia é um tema relevante,
destacado em eventos como a I Mostra Nacional de Práticas em Psicologia.
Essa iniciativa, ocorrida em 2000, apresentou uma concepção específica de
compromisso social, abrangendo trabalhos que atendiam camadas sociais
marginalizadas, inovavam em instrumentos de trabalho e promoviam
experiências interdisciplinares.
O autor ressalta que a Psicologia sempre teve vínculos com a sociedade
brasileira, respondendo a demandas sociais, mas destaca a necessidade de
compreender melhor o tipo de compromisso existente. A Psicologia, ao longo
de sua história, esteve comprometida com os interesses das elites no Brasil, e
o autor propõe a reflexão sobre essa tradição para superá-la.
A história da Psicologia no Brasil, de acordo com estudos citados pelo autor,
revela uma tradição marcada pelo compromisso com os interesses das elites,
focada no controle, categorização e diferenciação. A Psicologia contribuiu
pouco para a transformação das desigualdades sociais no país, priorizando a
manutenção ou aumento do lucro e a reprodução do capital.
Ao abordar a colonização do Brasil por Portugal, o autor destaca a necessidade
de um forte aparato repressivo para explorar a terra conquistada. As ideias
psicológicas produzidas nesse contexto serviam aos interesses da Metrópole,
visando controlar os indígenas, estudando suas características e formas
eficientes de dominação. O autor enfatiza que essa abordagem controladora
marcou a Psicologia desde períodos antigos e precisa ser superada.
Segundo o autor, no século XIX, o Brasil deixa de ser Colônia e torna-se
Império, com ideias psicológicas centradas na medicina e educação, voltadas
para a higienização da sociedade.
Com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, surge a necessidade de
serviços educacionais, levando à abertura de escolas e ao desenvolvimento
urbano no Rio de Janeiro. O século XIX testemunha a importação de ideias
europeias de saneamento e higienização, visando uma sociedade livre de
desordens e desvios.
Nesse período, a educação e a medicina adotam práticas autoritárias e
disciplinares, com a criação de hospícios e asilos higiênicos. A sociedade é
dominada pela ideologia da ordem e higienização, buscando controlar impulsos
considerados inadequados nas crianças e lidar com problemas sociais através
da reclusão em asilos.
As ideias psicológicas desse contexto contribuem para a busca da higienização
moral da sociedade brasileira. A educação, marcada por práticas disciplinares
e moralistas, busca desenraizar o mal na natureza infantil, enquanto a medicina
aborda a degenerescência das raças e propõe soluções como a reclusão em
asilos higiênicos.
As ideias psicológicas também naturalizam a moral, considerando-a inerente
ao homem e perdida na degeneração. Essa moralidade naturalizada reflete
valores dominantes na sociedade europeia, distantes das camadas
trabalhadoras e escravas brasileiras. A associação entre imoralidade, pobreza
e negritude serve às teorias de degenerescência racial.
O final do século XIX traz a República, e o século XX destaca-se pela riqueza
cafeeira e desenvolvimento econômico no Sudeste. A Psicologia adquire
autonomia como ciência na Europa e, posteriormente, nos Estados Unidos.
Segundo o autor, o pensamento educacional do século XX foi influenciado pelo
movimento da Escola Nova, que enfatizou o indivíduo e adotou uma
abordagem cientificista, transformando as escolas em laboratórios. Essa
perspectiva valorizou a infância, abolindo castigos e introduzindo a vigilância
psicológica, demandando conhecimentos da Psicologia do Desenvolvimento.
As ideias psicológicas foram aplicadas à administração e gestão do trabalho,
alinhadas ao pensamento taylorista. A industrialização no Brasil impôs novas
demandas à Psicologia, que contribuiu para a diferenciação entre pessoas,
formação de grupos homogêneos nas escolas e seleção de trabalhadores
adequados para as empresas.
As guerras impulsionaram o desenvolvimento dos testes psicológicos,
instrumentos que facilitaram a prática diferenciadora e categorizadora da
Psicologia. Assim, a Psicologia se institucionalizou no Brasil, sendo
reconhecida como profissão em 1962.
O autor destaca que ao longo de sua história, a Psicologia esteve
comprometida com os interesses das elites brasileiras, seja para controle,
higienização, diferenciação ou categorização. Após 40 anos como profissão
regulamentada, é relevante refletir sobre sua inserção na sociedade brasileira.
Durante esses 40 anos, a profissão de Psicologia serviu predominantemente às
elites, com acesso difícil para aqueles de baixo poder aquisitivo. A categoria
possui baixa inserção social, poder organizativo limitado e entidades frágeis,
negociando pouco com o Estado sobre suas demarcações e contribuições
sociais.
Dados de uma pesquisa do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
mostram que a maioria dos psicólogos atua na área clínica/saúde (54,7%), com
poucos em instituições de saúde. Muitos trabalham em consultórios
particulares (41,15%), tornando o serviço inacessível à população de baixa
renda. A inserção do psicólogo na sociedade ainda é limitada, apesar do
potencial humano e técnico.
Segundo o autor, a fragilidade da Psicologia como profissão é evidente, pois
suas respostas são pouco desenvolvidas e genéricas, atendendo às demandas
de forma pouco diversificada. Ana Maria Carvalho (1988) apontou que a
atuação dos psicólogos tende a ser restrita, com poucas atividades
concentrando sua preferência, como aplicação de testes, psicodiagnóstico e
aconselhamento psicológico.
A atuação abrangente da Psicologia, refletindo seu potencial de utilidade à
sociedade, é limitada pela pouca diversificação de atividades desenvolvidas por
uma proporção expressiva dos psicólogos. Embora haja sinais de uma
tendência à diversificação, o avanço efetivo da profissão depende de diversos
fatores, incluindo a qualidade da atuação, um aspecto crucial que não pode ser
esquecido nas reflexões sobre a expansão da profissão.
A contribuição de Carvalho destaca os sinais da fragilidade e pequena
institucionalização da profissão, revelando que a Psicologia ainda está distante
de cumprir a aspiração de colocar-se a serviço daqueles que dela necessitam.
O autor argumenta que a Psicologia, como ciência e profissão, se estabeleceu
na sociedade como conservadora, não construindo nem debatendo um projeto
de transformação social. A perspectiva naturalizante adotada em relação ao
homem e ao desenvolvimento psíquico afastou a Psicologia da construção de
um projeto social, pois as teorias consideravam o psiquismo como algo natural
e pré-determinado pela natureza humana. Essa concepção desvinculou as
teorias das preocupações sociais, resultando na ausência de um
posicionamento claro dos psicólogos em relação a um projeto de sociedade e
de homem.
Segundo o autor, ao longo da história, as tendências progressistas foram
minoritárias na Psicologia, mas obtiveram vitórias nos anos 70 com a criação
da Psicologia Comunitária. Este avanço representou a necessidade de olhar a
realidade social como princípio da construção da ciência e da profissão,
influenciando áreas como saúde pública, educação e assistência social.
O autor destaca que, ao longo dos 40 anos, a Psicologia se tornou uma
profissão majoritariamente feminina no Brasil, adaptando-se ao mercado de
trabalho e permitindo conciliação entre trabalho doméstico, maternidade e
atividade profissional. Essa característica influenciou a timidez e a acomodação
sociais da Psicologia, dada a histórica falta de luta das mulheres na sociedade
até esse período.
Leser, nos anos 70, analisou a profissão em São Paulo, evidenciando seu
caráter elitista e a falta de inserção social. Com essa tradição, em 2002,
celebra-se os 40 anos da profissão, buscando enriquecer a reflexão com
aspectos ideológicos que a acompanham.
O autor destaca três elementos ideológicos da Psicologia: a naturalização do
fenômeno psicológico, a não concepção das intervenções como trabalho e a
visão dos sujeitos como responsáveis pelo próprio desenvolvimento. A
naturalização do fenômeno psicológico é evidenciada pela concepção de algo
enclausurado no homem, abstrato e com destino traçado desde o nascimento,
sendo identificado com um "verdadeiro eu" natural e mais verdadeiro que o eu
social.
Esses aspectos ideológicos, segundo o autor, revelam o processo de
ocultamento da base material e social das ideias, construindo uma visão
naturalizada e individualista do fenômeno psicológico na Psicologia.
Segundo o autor, a concepção de fenômeno psicológico, ao ser encarada
como algo universal e natural, resulta em uma Psicologia que negligencia a
realidade social. A prática profissional se limita a corrigir desvios, associando a
Psicologia a patologias e problemas, sem contribuir para a promoção da saúde
ou qualidade de vida.
O autor argumenta que a Psicologia deve abandonar a visão do fenômeno
psicológico como algo natural e universal. Em vez disso, as concepções sobre
a subjetividade devem integrar o mundo objetivo e subjetivo, compreendendo-
os como construções históricas resultantes da atuação transformadora do
homem sobre o mundo.
A humanidade, para o autor, está presente no mundo objetivo, sendo retirada e
utilizada para construir a singularidade do indivíduo por meio da ação
transformadora do homem. O mundo psicológico não é natural, mas construído
na experiência de contato com o mundo cultural e social, sendo uma obra do
próprio homem.
O autor destaca a importância da concepção correta sobre o fenômeno
psicológico. As visões naturalizantes afastam da compreensão do mundo
social, encobrindo a construção social do psiquismo e tornando-se ideológicas.
Os psicólogos, portanto, devem buscar leituras que conectem o mundo
psíquico ao social e exijam um projeto social ao pensar em transformações
psíquicas.
Segundo o autor, os psicólogos não encaram suas intervenções como trabalho,
mas sim como uma missão sublime de correção do que a natureza planejou e
a sociedade desviou. O mundo psicológico é visto como intrinsecamente bom,
mas o ambiente social é percebido como perverso, exigindo a intervenção do
psicólogo para "corrigir" desvios.
Os psicólogos acreditam que sua missão é ajudar as pessoas a se
desenvolverem, mas sem direcionar esse desenvolvimento, pois consideram
que a natureza já o determina. A concepção é de que os indivíduos são
autônomos, capazes de produzir seu próprio movimento de individualização, e
o papel do psicólogo é apenas desvelar as "verdades" sobre o sujeito para que
ele mesmo se conduza.
O autor destaca as consequências dessas concepções para a prática
psicológica, enfatizando que os psicólogos se isentam de assumir um projeto
social e não questionam que sociedade e que homem estão promovendo com
suas abordagens. Para a maioria dos psicólogos, o trabalho não é visto como
uma intervenção intencional e direcionada sobre o mundo, e todas as teorias e
práticas são consideradas neutras e universais, desvinculadas de interesses
sociais e disputas políticas.
A prática profissional é descrita como técnica, voltada para auxiliar o
desenvolvimento do indivíduo, sem finalidades sociais ou políticas. As
intervenções visam retomar um "caminho desviado", reduzir o sofrimento e
promover o autoconhecimento, mas não há uma reflexão sobre o impacto
social ou político dessa prática.
Segundo o autor, os discursos dos psicólogos revelam noções importantes,
como a onipotência da profissão e a crença na capacidade de buscar sentido
na vida e na essência do Homem. A ideia de ajuda incondicional ao outro,
visando adaptação e felicidade, é proeminente. Os psicólogos acreditam poder
fazer mudanças significativas no indivíduo, apesar de negarem que eles
próprios mudam as pessoas, alegando apenas contribuir para que se
modifiquem.
A onipotência inicial do psicólogo se disfarça em humildade ao negar a própria
intervenção direcionada, ocultando seu papel ativo na transformação do
indivíduo. Apesar disso, o psicólogo, na prática, utiliza energia para orientar o
desenvolvimento na direção desejada, evidenciando a existência de um modelo
ou padrão do que é considerado certo, normal e desejável. O discurso da
Psicologia, no entanto, nega essa intervenção, tornando-o ideologicamente
oculto e autodeterminante.
O autor propõe um exercício crítico para psicólogos, destacando que os
critérios para julgar a saúde psíquica muitas vezes refletem as regras morais
da sociedade, evidenciando a estreita relação entre a moral vigente e a prática
da Psicologia. A naturalização dessas relações sociais e morais é apontada
como um desafio crítico a ser superado.
Segundo o autor, a Psicologia concebe os sujeitos como responsáveis e
capazes de promover seu próprio desenvolvimento, utilizando a imagem do
Barão de Münchhausen para ilustrar essa ideia de que o homem possui uma
força interna para conduzir seu desenvolvimento. Nessa concepção, a
sociedade é vista como externa ao sujeito, sem papel no desenvolvimento,
sendo muitas vezes percebida como um obstáculo a ser superado.
Os psicólogos, ao adotarem essa perspectiva, voltam as costas para a
realidade social, acreditando que o fenômeno psicológico pode ser
compreendido exclusivamente a partir do indivíduo. Isso resulta na ocultação
das determinações sociais, construindo uma ideologia que responsabiliza as
pessoas por seus próprios processos de desenvolvimento, sucesso e fracasso.
Na prática profissional, essa concepção leva à responsabilização do sujeito
pelos problemas psicológicos, relegando a sociedade e suas instituições à
margem de qualquer responsabilidade.
A Psicologia, ao conceber os sujeitos como capazes de promover seu próprio
desenvolvimento, isola a subjetividade do mundo social, desvinculando os
sofrimentos psicológicos das instituições sociais e modos de produção da
sobrevivência. Os problemas do mundo psíquico são explicados pela
autossuficiência desse desenvolvimento interno, desconsiderando influências
sociais e estruturais.
Segundo o autor, a Psicologia no Brasil, ao longo de seu desenvolvimento
como ciência e profissão, tem produzido ideologia ao ocultar a dimensão social
na formação do humano e de seu mundo psicológico. Os psicólogos, ao
conceberem o homem e o mundo psicológico de maneira isolada, evitam
discutir projetos sociais, resultando em poucas manifestações contra
desigualdades sociais e questões contemporâneas.
A Psicologia construiu ideias que demandam superação, como atribuir
problemas educacionais, familiares e sociais a supostos mecanismos naturais
do mundo psicológico. A explicação de questões sociais por meio desses
mecanismos naturais mascara as relações sociais e formas de produção da
vida, perpetuando interpretações individualistas e simplistas.
Para superar essas construções ideológicas, é necessária uma abordagem
crítica que inclua o mundo cotidiano, cultural e social na compreensão do
mundo psicológico. A Psicologia precisa analisar as determinações do humano
sem isolar o mundo psíquico como algo natural e universal. Essa mudança de
concepção permitirá a superação da ideologia presente na Psicologia,
consolidando um novo compromisso dos psicólogos com a sociedade,
orientado para a melhoria da qualidade de vida, direitos humanos e o fim das
desigualdades sociais.

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