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Abstract Introdução
1 Instituto de Psicologia, Postpartum depression is a highly prevalent dis- As condições físicas e psicológicas da mãe no pe-
Universidade de São Paulo,
São Paulo, Brasil.
order that can interfere in the mother-infant re- ríodo que antecede e sucede o parto se revestem
2 Sociedade Brasileira de lationship. This study aims to evaluate the preva- de grande importância, já que as bases do desen-
Psicanálise de São Paulo, São lence of postpartum depression in our sample to volvimento infantil se estabelecem nessa mesma
Paulo, Brasil.
compare mother-infant interaction in depressed época e dependem intimamente do funciona-
Correspondência and non-depressed mothers and to assess the mento da díade. Assim, a depressão pós-parto,
V. R. J. R. M. Fonseca
relationship between maternal depression, so- uma condição de alta prevalência em várias cul-
Instituto de Psicologia,
Universidade de São Paulo. cial support, attachment style, and emotional turas e diversas áreas geográficas, foi objeto de
Rua Paulo IV 292, availability. Participants were pregnant women inúmeros estudos para avaliar seu impacto na
São Paulo, SP
who planned to deliver at the University of São interação mãe-bebê 1,2 e no desenvolvimento
05657-130, Brasil.
veraregina.fonseca@gmail.com Paulo Hospital between December 2006 and De- deste. A revisão dessa vasta literatura revela re-
cember 2008. Postpartum depression prevalence sultados por vezes contraditórios.
in our sample was 28%. No difference was found Vários estudos salientam os efeitos deletérios
in emotional availability between depressed and da depressão pós-parto na interação mãe-be-
non-depressed mothers. There was a positive cor- bê 3,4, tais como: comprometimento do afeto
relation between maternal sensitivity and educa- positivo, da sintonia afetiva 5, da regulação de
tion, and between sensitivity and some dimen- comportamentos hostis, de intrusividade e falta
sions of social support and attachment styles. We de contingência 6,7. Por outro lado, os estudos
conclude that postpartum depression prevalence europeus do TCS-PND (Transcultural Study of
in our sample was higher than the average inter- Postnatal Depression) não conseguiram estabele-
national rates, but that depressive symptoms do cer correlação estatisticamente significante entre
not impair mother-infant interaction. Maternal grau de depressão manifesta e prejuízo na intera-
sensitivity is affected by socio-cognitive and emo- ção mãe-bebê. Entretanto, para o grupo de mães
tional factors. deprimidas, maior intrusividade da mãe estava
associada a um melhor engajamento da criança,
Postpartum Depression; Mother-Child Relations; e um comportamento materno mais distante se
Social Support associava a menor vitalidade da criança 8. Car-
ter et al. 9, usando a Escala de Disponibilidade
Emocional, também não encontraram resultados
mais baixos nas mães que apresentavam depres-
A Escala de Disponibilidade Emocional 26, que As gestantes foram recrutadas no terceiro trimes-
está sendo usada pela primeira vez no Brasil, ava- tre de gestação, momento em que também foi
lia a interação mãe-bebê, sendo composta por realizada a primeira entrevista, que incluía, além
quatro dimensões do comportamento da mãe e de questões estruturadas para obtenção de dados
duas do comportamento da criança (para o pre- sócio-demográficos, a EAS e a EAAC. Entre dois e
sente estudo, foi usada apenas uma dimensão da quatro meses após o parto, as mesmas mulheres
criança, a responsividade): foram entrevistadas novamente, aplicando-se
a) sensibilidade (1 a 9 pontos) – expressão e re- oralmente a EDPE, com base na qual foram for-
cepção adequadas das emoções por parte da mãe mados o grupo de estudo (mães com pontuação
e a resposta pronta e flexível às comunicações da igual ou superior a 12) e o grupo-controle (mães
criança; com pontuação de 0 a 11).
b) estruturação (1 a 5 pontos) – capacidade ma- Quatro meses após o parto, as díades mãe-
terna de fornecer estrutura de interação na qual bebê foram filmadas no Laboratório de Obser-
a exploração da criança coexista com sua auto- vação do Comportamento do IP/USP. A filma-
nomia; gem compreendeu 14 minutos de interação
c) não-intrusividade (1 a 5 pontos) – estar dis- mãe-bebê com o uso de brinquedos, e, para sua
ponível para a criança sem interferir demasiada- análise, foi usada a Escala de Disponibilidade
mente; Emocional. Os codificadores e a pesquisadora
d) não-hostilidade (1 a 5 pontos) – comporta- principal (V.R.J.R.M.F.) eram cegos quanto ao
mento materno disponível, afetivo, paciente e status depressivo da mãe. Os vídeos foram avalia-
não agressivo; dos por um grupo de codificadores previamente
e) responsividade da criança à mãe (1 a 7 pontos) treinados pelo workshop requerido pela escala e
– capacidade da criança de responder às ações da também pela pesquisadora principal. Caso seus
mãe de modo disponível e afetivo. escores fossem muito discordantes daqueles do
grupo, chegava-se a um consenso após nova ava-
• Escala de Apoio Social liação conjunta.
Tabela 1
Média e desvio-padrão das pontuações nas escalas de disponibilidade emocional no grupo de estudo (n = 39) e no grupo
controle (n = 92).
Sensibilidade (1 a 9)
Média 5,74 6,03 0,19
Desvio-padrão 1,17 1,13
Estruturação (1 a 5)
Média 3,72 0,77 0,05
Desvio-padrão 3,98 0,66
Não-intrusividade (1 a 5)
Média 3,96 0,71 0,74
Desvio-padrão 4,01 0,79
Não-hostilidade (1 a 5)
Média 4,69 0,47 0,11
Desvio-padrão 4,82 0,39
Responsividade (1 a 7)
Média 5,00 1,24 0,54
Desvio-padrão 5,14 1,18
Apenas três mães disseram, no terceiro tri- Relação entre disponibilidade emocional
mestre de gestação, que não haviam aceitado a e variáveis referentes ao estilo de
criança até o momento da entrevista. Embora o relacionamento da mãe
número seja pequeno para a realização de análi-
se estatística, as médias de disponibilidade emo- Houve correlação significativa entre as pontu-
cional das mães que não aceitaram o bebê foram ações das mães nas subescalas de proximida-
visivelmente menores quando comparadas às de e de confiança da EAAC e nas subescalas de
médias das outras mães, sobretudo em sensibili- sensibilidade e estruturação da disponibilidade
dade (média de sensibilidade das mães que acei- emocional, conforme mostra a Tabela 2. Tam-
taram o bebê: 6,0; média das que não aceitaram: bém houve correlação positiva significativa entre
3,8). No entanto, a responsividade dos bebês foi, pontuação na EDPE e ansiedade, e correlação
em média, semelhante nos dois grupos. negativa entre essa mesma pontuação e os itens
Testes de ANOVA foram feitos para investigar proximidade e confiança.
se a sensibilidade, dividida nas categorias baixa Pontuações mais altas em proximidade cor-
(menor que 5), média (5 a 6) e alta (maior que 6), relacionaram-se com pontuações mais altas em
apresentava associação com a idade, escolarida- sensibilidade (r = 0,252, p = 0,009) e estruturação
de e número de filhos da participante, bem como (0,311, p = 0,001). O mesmo ocorreu com a su-
com o número de pessoas que moravam em sua bescala confiança: pontuações mais altas nessa
residência. escala estiveram significativamente correlacio-
Foi encontrada diferença estatisticamente nadas com sensibilidade (r = 0,250, p = 0,010) e
significativa entre os grupos para a variável anos estruturação (r = 0,256, p = 0,008).
de escolaridade (F2,119 = 7,339, p < 0,001). O post- Uma ANOVA mostrou que a sensibilidade da
hoc Tukey’s B mostrou que a diferença nas médias mãe, quando transformada nas categorias baixa,
se deu no grupo de sensibilidade baixa (média = média ou alta, evidenciou diferenças significati-
7,20), cujas mães haviam estudado menos que as vas quanto à subescala proximidade [F(2) = 7,521,
dos grupos de sensibilidade média (média = 9,31) p = 0,001]. O post-hoc Tukey’s B mostrou que
e alta (média = 9,90). as mães de sensibilidade baixa (média = 19,31)
apresentaram média significativamente inferior
à apresentada pelas mães das categorias média
(média = 22,76) e alta (média = 23,89). Não foi
Tabela 2
Correlações entre as pontuações nas subescalas da Escala de Apego Adulto Revisada de Collins e pontuações nas dimensões
da Escala de Disponibilidade Emocional e na Escala de Depressão Pós-Parto de Edimburgo (EPDE).
* p < 0,001;
** p < 0,05;
*** p < 0,01.
encontrado efeito significativo de sensibilidade relação interna satisfatória, o que pode ser con-
sobre outras subescalas de apego adulto. siderado um indicador de que seus critérios são
aplicáveis a nossa população.
Apoio social e disponibilidade emocional Entretanto, a qualidade da interação entre a
mãe e a criança aos quatro meses, avaliada por
Testes de correlação de Pearson foram realizados essa mesma escala, não foi diferente nos grupos
para investigar a associação entre o apoio social com e sem depressão pós-parto, exceção feita a
na gestação e (i) a pontuação das mães na EDPE, uma diferença marginal quanto à dimensão es-
aplicada de dois a quatro meses após o parto, e truturação. Podemos considerar, a partir de tais
(ii) as pontuações de disponibilidade emocional resultados, que a relação mãe-bebê aos quatro
da díade quatro meses após o parto. Os resulta- meses não seja amplamente afetada pela de-
dos podem ser observados na Tabela 3. pressão pós-parto medida pela EPDE, como já
Houve correlação negativa estatisticamen- foi apontado por Gunning et al. 8. Por outro lado,
te significativa entre a pontuação na EDPE e a sendo a disponibilidade emocional uma escala
pontuação total na EAS, bem como com suas di- holística, aspectos mais sutis, porém importan-
mensões emocional e de informação e afetivo e tes da interação, não são avaliados. Acreditamos
de interação positiva. Esse resultado indica que que será interessante incluirmos na análise dos
o apoio social durante a gestação agiu de forma vídeos outras dimensões, tais como contingência
protetora, estando associado a sintomas depres- e sincronia, sorriso 32 e contato de olhar. Além
sivos menos intensos no puerpério. disso, deve-se levar em conta a possibilidade de
Em relação à disponibilidade emocional, fo- que a alta taxa de perda, próxima de 50%, tenha
ram encontradas correlações positivas significa- interferido nos resultados (as mães desistentes
tivas entre apoio social e a estruturação da mãe e poderiam, por exemplo, ser aquelas com menor
também entre apoio social e responsividade do disponibilidade emocional).
bebê. A não-hostilidade apresentou correlação Prosseguindo na análise dos resultados, ve-
positiva estatisticamente significante com a di- remos que novamente a estruturação apresenta
mensão de apoio afetivo e de interação positiva. uma correlação positiva com o apoio social per-
cebido pela mãe: quanto mais a mãe se sente am-
parada afetiva e materialmente pelo ambiente
Discussão social, mais ela é capaz de organizar a atividade
da criança e prover regras e estímulos de acordo
Em nossa amostra, encontramos uma prevalên- com a necessidade individual e da faixa etária.
cia de sintomatologia depressiva bastante su- Note-se que a responsividade do bebê também
perior à média mundial (10% a 15%) e próxima apresenta correlação positiva, ainda que fraca,
às taxas mais altas referidas para o Brasil (entre com o apoio emocional, de informação e mate-
32,9% e 37,1%). rial percebido pela mãe.
A Escala de Disponibilidade Emocional, usa- Na mesma linha, a estruturação também ca-
da pela primeira vez no Brasil, apresentou cor- minha junto com as dimensões proximidade e
Tabela 3
Correlações de Pearson entre as pontuações na Escala de Apoio Social na gestação, a pontuação na Escala de Depressão
Pós-Parto de Edimburgo (EPDE), entre 2 e 4 meses após o parto, e nas escalas de disponibilidade emocional quatro meses
após o parto (n = 138).
* p < 0,001;
** p < 0,05;
*** p < 0,01.
confiança da EAAC. Talvez a dimensão estrutura- terna e maior responsividade da criança no gru-
ção reflita a capacidade materna de se envolver po de mães deprimidas, não foram replicados
ativamente com a criança e sua disponibilidade em nossa amostra. Para o grupo com depressão
para ir além do atendimento de necessidades pós-parto, mães mais sensíveis são também mais
afetivas e de cuidado (este último refletido na di- estruturantes, menos intrusivas e menos hostis,
mensão sensibilidade), conseguindo ser criativa sendo seus bebês mais responsivos. Para o gru-
sem ser intrusiva, incentivando, assim, a respon- po-controle, essas relações se mantêm apenas
sividade do bebê. para sensibilidade e estruturação; neste caso, be-
Ao dirigirmos nosso foco para a dimensão bês mais responsivos não têm necessariamente
sensibilidade, perceberemos uma nítida asso- mães menos intrusivas ou menos hostis. Uma
ciação entre ela e escolaridade materna e acei- hipótese possível seria que bebês de mães não
tação da gravidez. Além disso, a EAAC revela que deprimidas seriam mais tolerantes aos compor-
as mães menos sensíveis apresentam tendência tamentos intrusivos e hostis das mães; os bebês
de se sentirem menos queridas e de serem mais de mães deprimidas seriam responsivos apenas
desconfiadas em suas relações. Tais resultados na presença de condições de boa disponibilidade
apontam para o envolvimento de fatores tanto materna.
sócio-cognitivos, que são proporcionados pela Para finalizar, é importante ressaltar que o
educação, quanto afetivos e de personalidade, apoio social percebido pela mãe, além de apre-
expressos na aceitação ou não da gravidez e nos sentar correlação positiva com a estruturação ma-
esquemas relacionais pré-existentes. Por outro terna e com a responsividade do bebê, funciona
lado, o apoio social percebido pela mãe não afeta como fator protetor para sintomas depressivos.
sua sensibilidade. Convém notar que, na análi- Tais resultados apontam para a importância
se dos vídeos, a sensibilidade da mãe associa- de se considerar a gestação e o puerpério como
se com frequência à capacidade de interpretar momentos críticos para o desenvolvimento da
o bebê e fazer hipóteses sobre seus estados, re- criança, merecendo atenção especial dos res-
velando que a criança já é considerada em sua ponsáveis pelas políticas de saúde.
subjetividade. Quanto às limitações do estudo, em primeiro
A questão referente a quais aspectos do cui- lugar, ao nos referirmos à depressão pós-parto,
dado materno e da interação são avaliados pelas não estamos falando de diagnóstico de depres-
várias dimensões do constructo da disponibili- são, mas de sintomas depressivos referidos pela
dade emocional está em aberto, mas é um campo própria participante. No entanto, segundo o es-
com importantes implicações para o estudo das tudo de validade da EDPE realizado em Brasília,
relações iniciais entre a mãe e o bebê e o impacto a correlação de Spearman entre o diagnóstico
dessas relações no desenvolvimento infantil. pelo Research Diagnostic Criteria (RDC) e a pon-
Os resultados do TCS-PND 8, que revelavam tuação na escala foi de 0,78. Usando o ponto de
uma associação entre maior intrusividade ma- corte 11/12, a escala apresentou sensibilidade
(proporção de verdadeiro positivo, ou seja, mães Em segundo lugar, ainda que tenha havido
que foram consideradas deprimidas pelo RDC e controle quanto ao fator subjetivo na análise dos
pela EDPE) de 72% e especificidade (proporção vídeos, a subjetividade é inerente à escala usada,
de verdadeiro negativo, ou seja, mães que não com a possibilidade de introdução de vieses.
foram consideradas deprimidas pelo RDC nem
pela EDPE) de 88% 25.
Resumo Colaboradores
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