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08 - As Bruxas Não São Mulheres - Quimera Rosa
08 - As Bruxas Não São Mulheres - Quimera Rosa
Nunca mudei porque alguém me convenceu da sua boa, ou verdadeira ideia. Nunca mudei,
convencida por uma ação justa, ou boa. Sempre mudei à base de feitiços, sejam estes
relacionais, teóricos, accções, ou narrações… e justamente, de facto, um feitiço desfaz estas
fronteiras. Mudanças que se me apresentaram, primeiramente, como bruxaria. Cada orgia,
como uma cerimônia sabática. Cada saber e prática nova, um feitiço. Cada “componente” da
rede, uma bruxa.
A história oficial (a narração consensual) oscila entre uma e, outra negação. A negação de que
a caça às bruxas foi a base do estabelecimento da moderna sociedade ocidental. E a negação
de que tenham sido e existido bruxas…
A primeira, nega que se tenha tratado de um projeto de extermínio, com fins muito claros: a
eliminação voluntária e organizada, daquelas que manifestavam uma oposição e uma
diferença à universalização da norma, em expansão naquele momento. Essa primeira negação
provém daqueles que defendem a norma actual, desde o seu lado direito.
A segunda negação, era a de que as bruxas eram mais que mulheres. Nega-se então, sob o
pretexto paternalista de defendê-las, pois eram mulheres opostas à ordem heteropatriarcal.
Uma postura victimizadora que pretende transformar as bruxas em mulheres “normais”,
quando estas eram mulheres que se definiam, precisamente, em oposição a esta norma, ao e,
por serem feministas. Pela mesma ocasião, minimiza-se a violência da ordem
heteropatriarcal, apresentando a caça às bruxas como um excesso ocasional desta ordem e
não, como sua característica estrutural. Abrindo, assim, a porta para que este poder, possa ser
outra coisa. Uma negação que surge, desta vez, pelo lado esquerdo, pretendendo que este
poder já não seja o mesmo e, proclamando que, as bruxas, como tal, não existiam. Negando,
assim, que possam perdurar, hoje em dia.
A caça às bruxas foi, sem dúvida, o extermínio de antagonistas e desertoras à norma. Elas,
tinham práticas sexuais opostas à heterossexualidade e viviam de forma autónoma e
independente do patriarcado. Tinham modos de vida organizados em rede que combinavam
entre, a criação de zonas autónomas e o nomadismo e, que se opunham à herança patriarcal e
estatal da terra e das riquezas. Tinham saberes situados e ordens simbólicas próprias, como
forma de se oporem à centralização do conhecimento e da teologia dogmática. Trabalhavam
para elas, ou não trabalhavam e opunham-se à relação hierárquica feudal e matrimonial. A
caça às bruxas deu-se de modo total (militar, ideológica, cultural, de género, sexual, territorial
e económica), de modo a atingir a modernização (quer dizer: a fase imperialista, totalitária e
estatal) do regime heteropatriarcal. Deste modo, podemos ver esta caça às bruxas com o
principal objectivo de atingir uma consistente normalização planeada e sistemática.
A imagem folclórica que se tem, hoje em dia, da “Bruxa” é o reflexo dessa normalização.
Uma imagem que nos apresenta uma bruxa sem feitiços, uma mulher que tinha mais relação
com a “natureza”, pela sua própria natureza. Com essa visão essencialista, nega-se que as
bruxas, com uma identidade heréctica escolhida por elas, conseguiram desenvolver por si
mesmas os seus conhecimentos. Que haviam obtido estes conhecimentos por meio de suas
práticas e não, por meio de algumas supostas características inatas (que lhes permitiam
entender melhor as plantas, o corpo, a terra…) limitando desta forma, retrospetivamente, os
conhecimentos que possuíam, a algumas poções de plantas e feitiços esotéricos sem efeitos
tangíveis. Opõem-se a bruxaria à técnica e à ciência “moderna”. Com isto, conseguem
defender a ideia de que as suas práticas eram pré-lógicas, pré-científicas, quando na realidade
eram elas as que tinham o saber mais amplo nesse período.
As bruxas não tinham mais conhecimentos sobre a “natureza”, mas sim, sobre o “entorno”, o
“contexto”. As bruxas eram as mais hi-tech do seu tempo. As bruxas eram já, nessa época,
ciborgues. Manipulavam os signos, os símbolos, os objetos e os corpos, para transformar
efetivamente o mundo, à base de leis enunciadas e enunciados lidos, à base de narrativas
constitutivas de novas realidades, à base do uso da química e de suas possibilidades para
alterar as capacidades mentais, à base de intervenções sobre o corpo para alterar suas funções,
à base de práticas sexuais capazes de gerar identidades não-normativas…Os seus feitiços
eram efetivos e, hoje em dia, encontram-se catalogados sob as etiquetas de arte, política,
filosofia, técnica, ciência, sexualidade…