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MultiAtual
© 2022 – Editora MultiAtual
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Organizadores
Marcus Matraca
Fábio Nieto-Lopez
Conselho Editorial
Ma. Heloisa Alves Braga, Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, SEE-MG
Me. Ricardo Ferreira de Sousa, Universidade Federal do Tocantins, UFT
Me. Guilherme de Andrade Ruela, Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF
Esp. Ricael Spirandeli Rocha, Instituto Federal Minas Gerais, IFMG
Ma. Luana Ferreira dos Santos, Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC
Ma. Ana Paula Cota Moreira, Fundação Comunitária Educacional e Cultural de João
Monlevade, FUNCEC
Me. Camilla Mariane Menezes Souza, Universidade Federal do Paraná, UFPR
Ma. Jocilene dos Santos Pereira, Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC
Esp. Alessandro Moura Costa, Ministério da Defesa - Exército Brasileiro
Ma. Tatiany Michelle Gonçalves da Silva, Secretaria de Estado do Distrito Federal, SEE-DF
Dra. Haiany Aparecida Ferreira, Universidade Federal de Lavras, UFLA
Me. Arthur Lima de Oliveira, Fundação Centro de Ciências e Educação Superior à Distância
do Estado do RJ, CECIERJ
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-89976-25-7
DOI: 10.5281/zenodo.5877791
Permitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos
autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins
comerciais.
Todos os manuscritos foram previamente submetidos à avaliação cega pelos pares, membros
do Conselho Editorial desta Editora, tendo sido aprovados para a publicação.
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ÍNDICE
Capítulo 1
A SINGULARIDADE DO CORPO NAS ARTES CIRCENSES E TEATRAIS
14
Andreia Aparecida Pantano
Capítulo 2
O PALHAÇO LEVADO A SÉRIO
25
Alberto Magalhães
Capítulo 3
PALHAÇARIA COMO CURA: O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE
DA PALHAÇA ALIÁS E O ENCONTRO COMIGO MESMA 36
Alessandra Simões
Capítulo 4
PALHAÇARIA ATRAVESSADA PELAS MÍDIAS – TEM PALHAÇO(A)
ONLINE! 50
Tiago Marques da Silva
Capítulo 5
DÚVIDAS, ESCORREGÕES E PROPOSTAS DE UMA DUPLA DE NÃO-
MESTRES 60
Fábio Nieto-Lopez; Martin Domecq
Capítulo 6
ACESSE A SUA TECLA S.A.P
72
Marcus Matraca
Capítulo 7
GERAÇÃO DA LEITURA: PALHAÇARIA E LITERATURA EM UM
EXPERIMENTALISMO BRABO PARA CRIANÇAS E IDOSOS EM SÃO
89
GONÇALO-RJ
Leo Salo; Karen Guimarães Cardoso; Melissa Coelho Ferreira
Capítulo 8
DOTORA CLÔ - UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DE PALHAÇARIA E ENSINO
DE SAÚDE 101
Maíra G Baczinski; Tania C Araujo-Jorge
Capítulo 9
A PRÁTICA DA ARTE PALHAÇARIA POR PESSOAS COM AFASIA EM
CONTEXTO PRESENCIAL E REMOTO: RELATO DE EXPERIÊNCIA DO
PROJETO PALHAFASIA 117
Elisabeth Araujo de Abreu; Gabriela Maria Lima Santos; Mauren Cereser;
Mayara Batista Pereira; Magda Aline Bauer; Lenisa Brandão
5
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Capítulo 10
PROTOCOLO DE BIOSSEGURANÇA PARA PALHAÇOS DE HOSPITAL:
PROMOVENDO ATIVIDADES LÚDICAS COM RESPONSABILIDADE
136
Maria Rosa da Silva; Geórgia Maria Ricardo Félix dos Santos; Maria Cristina da
Costa Marques; Susana Caires
Capítulo 11
DE DOTÔ, PALHAÇO E LOUCO TODO MUNDO TEM UM POUCO: A PRÁTICA
DA SAÚDE E O TERRITÓRIO DO BRINCAR
153
Rebeca Torquato de Almeida; Silvana Solange Rossi; Marcus Matraca; Marcio
Luiz Braga Corrêa de Mello
Capítulo 12
PALHAÇARIA E O CUIDADO DE SI
174
Fábio Nieto-Lopez; Karen Kessy; Naiommi Schinke Campos
Sobre os Autores
189
Os Organizadores
196
6
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Prefácio
Pensando a vida como um encanto que acontece nas frestas, nos desvios, nos
mistérios, esse prefácio é um ato de reconhecimento da experiência admirável produzida
pela confluência das potências de Marcus Matraca e Fábio Nieto-Lopez. Afinal, sou porque
somos. Então cromosSomos.
Lançar o olhar do palhaço para além da arte, pensar o ofício como um ato de vida,
é como um triplo salto mortal. Encarrar o risco da travessia na corda bamba, é permitir-
se o encantamento do desconhecido existente na sabedoria dos cruzos. Pôr-se em diálogo
com a ciência, a saúde e a educação é mover-se dentro dos mistérios dos universos, é ir
além dos conceitos limitantes, que um dia classificaram essas áreas como matérias
diferentes, separadas, e até antagônicas.
Manuel de Barros
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Houve o encontro generoso com o Palhaço Hacker e Exu Laboral, que fora do livro
também pode ser encontrado como Seu Flôr; algumas das diversas manifestações
artísticas, tanto nos picadeiros quanto nas encruzilhadas, de João Artigos3 que nos
presentou com as palavras que abrem essa gira. As parcerias entre o Laboratório Atelier
1 Instagram: https://www.instagram.com/sereiascarecas/?hl=pt-br ou
https://www.instagram.com/coisasdalolla/?hl=pt-br
2Instagram: https://www.instagram.com/luzananda/?hl=pt-br
3 @joaoartigos (instagran) e @joaocarlosartigos (facebook)
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
sobre o palhaço e o picadero virtual. O estudo explanado trata do atravessamento das mídias
em nossas vidas cotidianamente e o reflexo na prática artística do palhaço, partindo do histórico
da arte de agenciar as tecnologias contemporâneas em seus fazeres como meio de atualizar as
tradições e seguir potente em sua comunicação direta com o público.
O capítulo seis, Acesse a sua tecla S.A.P, escrito por Marcus Matraca, é dedicado a
apresentar a metodologia da oficina de iniciação e sensibilização à palhaçaria. O texto
evidencia cada etapa da oficina e como os jogos e as vivências utilizados convergem para
a construção da figura do palhaço. Ao detalhar cada etapa, o autor mostra a
intencionalidade das suas ações que têm o objetivo de proporcionar aos participantes
uma nova abordagem de mundo, construindo caminhos e alternativas de possibilidades
de transformações sociais e humanas.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
se viu inesperadamente com microfone em mãos diante uma plateia que esperava uma
fala sobre saúde do homem. A experiência trouxe a oportunidade para as autoras
refletirem acerca de diversos temas de interesse tanto da palhaçaria quanto da educação
popular em saúde.
A oficina “De dotô, palhaço e louco todo mundo tem um pouco” é o tema do capítulo
seguinte, escrito por Rebeca Torquato de Almeida, Silvana Solange Rossi, Marcus Matraca
e Marcio Luiz Braga Corrêa de Mello. Intitulado De dotô, palhaço e louco todo mundo
tem um pouco: a prática da saúde e o território do brincar, relata a construção da
oficina que teve como objetivo fortalecer os trabalhadores da saúde e o SUS. Construída a
partir dos princípios da Palhaçaria, do Psicodrama, da Política Nacional de Humanização
(PNH) e da Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEPS-SUS), a oficina
apresenta o arquétipo do palhaço na sensibilização dos trabalhadores da saúde.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Capítulo 1
A SINGULARIDADE DO CORPO NAS
ARTES CIRCENSES E TEATRAIS
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
INTRODUÇÃO
1 Uma primeira versão foi publicada na dissertação: A personagem palhaço: a construção do sujeito.
(Marília), 2001.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
No teatro, assim como nas artes circenses, o corpo é fundamental, pois o “corpo
fala”, é o corpo nas palavras de Jean-Jacques Roubine (1987, p.44), o “mediador da
presença”, isto é, antes de qualquer encenação, a forma como o corpo do ator apresenta-
se, denota sua particularidade, assim como a palavra, o corpo também fala. Deste modo,
na composição da personagem seja palhaço, ator dramático ou um acrobata, a base da
encenação é o corpo, pois é este que irá sustentar a personagem.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Desta forma, como relata Mikhail Bakhtin, é pela via do corpo grotesco do palhaço
que alguns atos humanos são retratados em cena, ou seja, é através do corpo que são
materializadas nossas emoções e atitudes, isto é, todo o ridículo da condição humana é
explorado ao máximo para despertar o riso.
Assim, além de todo um trabalho de percepção sobre o corpo, cabe ao ator transpor
as próprias barreiras que o inconsciente impõe sobre si mesmo, a fim de superar seus
limites e resistências.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
palavras de Roubine, presença (grifo nosso). O corpo é o responsável por trazer em cena
a personagem, isto é, antes da possível interpretação do ator, o público consegue
visualizar a pintura da personagem, e perceber assim sua singularidade. Tal percepção a
respeito da presença do corpo do ator, e de quanto este tem voz antes mesmo que a
encenação possa ocorrer é predominante entre comediantes.
Se atualmente tanto nas artes circenses como no teatro o corpo é fundamental para
a interpretação do ator, pois este expressa certa individualidade e, por conseguinte, revela
toda teatralidade, a história demonstra que este teve seus momentos de censura.
Tal proibição consistia em inibir o próprio poder do corpo, poder este de sedução.
Porém, como salienta Roubine somente a partir de 1965 na França, o corpo será
devidamente revelado, o que irá causar repulsa entre os moralistas. Será exaltado neste
momento por Jerzy Grotowski, como descreve Roubine a busca por uma encenação não
mais calcada em artifícios capazes de mascarar o corpo, pois se torna fundamental o
despojamento, uma vez que o ator deverá estar só diante do público. Em outras palavras,
a proximidade entre ator e público torna-se uma prática essencial neste teatro, pois aqui
o corpo a corpo é o que deveria mover a cena.
Desta forma, seja na arte do acrobata ou no corpo grotesco do palhaço essa nudez,
isto é, essa presença do corpo torna-se evidente e recupera um instrumento primordial
no teatro como no circo, o poder do corpo que durante algum tempo foi recriminado pela
sociedade.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Os espetáculos de circo, assim como o teatro, são formas de arte que têm um
caráter libertador e renovador: utilizam-se do corpo do ator para readaptá-lo, tirando-o,
assim, da vida cotidiana e do mecanicismo da vida moderna. Por determinado tempo o
ator é livre, isto é, mostra o seu ser quando está representando 3.
E é este ser, este mostrar-se que o ator deve buscar, seja um ator dramático ou
cômico, um olhar sobre o corpo e a tomada de consciência de quanto este em cena diz a
respeito de sua personagem foi o caminho para a realização da interpretação.
O circo apresenta uma estética corporal que possibilita aos seus artistas um amplo
conhecimento de seu potencial artístico.
2 “O termo augusto tem sua raiz na língua alemã e foi utilizado pela primeira vez em 1869, em Berlim,
quando Tom Belling, um cavaleiro, teve uma apresentação desastrosa no picadeiro. O público, então, gritou:
‘Augusto! Augusto!’ August, em dialeto berlinense, designava as pessoas que se encontravam em situação
ridícula, ou ainda aquelas que se faziam ridículas”. (BOLOGNESI,2003, p.73).
3 "A indústria cultural conserva o vestígio de algo melhor nos traços que aproximam do circo, na habilidade
obstinada e insensata dos cavaleiros, acrobatas e palhaços, na 'defesa e justificação da arte corporal em face
da arte espiritual'. Mas os últimos refúgios da arte circense que perdeu a alma, mas que representa o
humano contra o mecanicismo social, são inexoravelmente descobertos por uma razão planejadora, que
obriga todas as coisas a provarem sua significação e eficácia. Ela faz com que o sem-sentido na base da
escala desapareça tão rapidamente quanto, no topo, o sentido das obras de arte" (HORKHEIMER; ADORNO,
1969, p. 134).
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Sabemos que a arte circense possui um vínculo com o passado, no entanto, isto não
exclui o seu caráter revolucionário4. O palhaço com seus trejeitos, com sua expressão
corporal consegue ridicularizar a todos, ninguém escapa ao olhar atento desta
personagem. Todos são de certa forma satirizados.
4 Ao caracterizar o circo como revolucionário estou considerando a forma como este desmistificou o corpo
humano, colocando-o em evidência. Ver AUGUET, R. Histoire et légende du cirque. Paris: Flammarion,
1974.
5 Em seu livro Natureza e sentido da improvisação, Sandra Chacra define o que é improvisação: “A ideia
corrente que geralmente se faz a respeito da improvisação é de algo informal, espontâneo, imprevisto, sem
preparo prévio, inventado de repente, arranjado às pressas, súbito, desorganizado, aleatório, enfim, trata-
se de um produto inspirado na própria ocasião e feito sem preparo e sem remate. Em oposição, tem-se a
ideia do "ser em forma” como algo preparado, organizado, elaborado, deliberado, portanto um produto
pleno, formalizado e arrematado. No primeiro caso, costuma-se inserir a improvisação teatral e, no segundo,
o teatro como obra de arte. Poder-se-ia pensar que a partir destes conceitos, ainda que genéricos,
improvisação e teatro sejam duas coisas diferentes e opostas. Mas esta seria uma maneira um tanto
simplista de ver o problema, o que conduziria a restringir o conceito de teatro e estreitar o de improvisação.
Ambos fazem parte de uma mesma realidade, são dois aspectos de uma mesma matéria: aquilo que é quando
é com plenitude ou em perfeição e aquilo que é quando é ruína ou está incompleto. A distância entre estes
dois pólos, o improvisado e o formal, é que determina as diferenças entre si, através de graus, onde a
manifestação teatral torna-se mais ou menos formalizada ou mais ou menos improvisada." (CHACRA, 1991,
p.11-12).
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
que lhe foi dado, sendo possível então construir sua personagem com uma certa liberdade
criativa.
Por ser uma arte cujo poder estético transita no espaço e o tempo, marcando sua
singularidade através de sua linguagem adversa diante das outras formas de arte (como
a literatura, por exemplo, que desperta mais a imaginação e a capacidade criadora do
leitor), o teatro (assim como o circo), por sua vez, a cada encenação passa por uma
metamorfose, revelando que o que se está representando jamais será encenado do mesmo
jeito, por outro. Isto é, cada encenação é um momento único, tanto para o ator como para
o público.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Por ser despojada, na arte do palhaço o espaço para a improvisação é bem maior
que o teatro. A criação da personagem palhaço é concebida pelo próprio ator. Assim
sendo, a liberdade de criar em cena e o descompromisso em seguir um texto fechado
acaba dando margem maior para o improviso. Entretanto, mesmo que o teatro tenha um
texto definido com as devidas falas, gestos e ações de suas personagens, isto não é tão
categórico que não possibilite o improviso7. O ator é livre para criar e melhor conduzir
sua personagem, ao contrário do teatro tradicional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Neste sentido, o corpo seja dos palhaços ou do ator irá expressar a versatilidade
capaz de se metamorfosear em vários personagens e criar diversas situações em que este
irá atuar.
O circo vem a ser o mundo das possibilidades. Um mundo que aproxima o real e o
irreal, e neste universo há uma liberdade para criação artística, para o grotesco e para que
o improviso se manifeste. Ao contrário do teatro, em que o texto é fundamental, no circo
essa preocupação não existe, uma vez que os atores circenses só recorrem a este quando
é necessário ensaiar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Capítulo 2
O PALHAÇO LEVADO A SÉRIO
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Alberto Magalhães
PAPO DE PALHAÇO
Quando o Palhaço Matraca fez o convite para escrever um texto sobre a atuação do
palhaço na sociedade, de cara achei que não tinha as credenciais para tal, já que não sou
um cientista social. Mas, revendo as minhas histórias no exercício do ofício, fui me dando
conta da importância do meu trabalho além de um mero provocador de risos.
Espero que tenha conseguido assim contribuir com o livro. Para mim, relembrar, deixar
registrado e compartilhar histórias que já faziam parte do meu subconsciente já valeu a
pena, por si só. Matraca, muito obrigado por me incluir nesse importante trabalho.
Ninguém leva a sério o palhaço. Sua força talvez venha daí. Por não ser levado a
sério pode falar o que quiser, agir de maneira pouco convencional explorando improvisos
que lhe convierem, sem compromisso com o acerto.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
NO PÉ DO MORRO
Anos oitenta. Rio de Janeiro, Zona Sul, Botafogo. Devia ser quase três da manhã.
Estava no ponto da praça em frente ao morro Dona Marta há mais de quarenta minutos
esperando o ônibus. O clima estava meio estranho. Pouca gente na rua. Os passantes na
sua maioria eram bêbados e drogados descendo da boca, além de patrulhinhas que
escolhiam a dedo alguns a serem revistados.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Adidas praticamente novo ao mesmo tempo que cai uma nota de 50 no chão que estava
no fundo do sapato. A pressão da ponta da faca aumenta mais ainda quase ao ponto de
perfurar a barriga. “Tem certeza que não tem mais nada não?”
Suando frio, meto a mão no bolso e pego o relógio que havia comprado há duas semanas
para marcar o tempo das provas do primeiro período da faculdade. “Num falei que tinha?
Pode meter a faca, Douglas...” Fecho os olhos em desespero com as mãos pedindo pelo
amor de Deus.
“Não, galera, soltem o garotão, ele é gente boa”. Todos olham para o líder da gang
que vem chegando. A pressão da faca desaparece. Abro os olhos e vejo um moleque grande
com cara de chefe que abre um sorrisão. “Aí, você não se apresentou no mês passado lá na
Funabem de Quintino. Não era aquele palhaço?” Fiz que sim ainda sem entender muito
bem aonde ele queria chegar. “Pô, iradão, eu tava lá! Fugi semana passada. Era tu que
jogava aquelas bolas pro alto, né? Muito maneiro? Como é que tu faz, hein?”
Peguei três pedras no chão da praça e comecei a fazer malabarismo com elas.
Formou-se uma roda à minha volta com os garotos olhando compenetrados.
Ficaram comigo até chegar o próximo ônibus já perto das quatro da manhã. Sentei
no banco ainda sem entender muito bem o que havia acontecido. Um misto de várias
sensações. Mas tinha uma certeza, fui salvo por ter dado amor com arte àqueles garotos.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
REFLEXÃO PALHACESCA
Não sei exatamente como Bobinaldo surgiu, mas certamente teve influência do
meu avô que me levava desde criança aos circos mambembes que aportavam em
Vassouras, cidade histórica do Vale do Paraíba no interior do Estado do Rio de Janeiro.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
PALHAÇOS NO BAR
Quando chegamos ao Amarelinho não fomos muito bem recebidos. O que aqueles
palhaços seguidos por um bando de maltrapilhos queriam ali no bar? O garçon Almir só
nos atendeu depois de muita conversa e tratou de arrumar uma mesa de canto o mais
distante possível do contato com os outros clientes.
Aos poucos fomos vendo os novos clientes chegarem e escolherem mesas próximas
da gente. Os moradores de rua que estavam à nossa volta pareciam haver deixado de
incomodar. Sem combinarmos nada com o Almir, passamos a ir todas as últimas quartas-
feiras do mês ao Amarelinho. Chope mensal dos palhaços no Amarelinho. Quando
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
chegávamos, mesmo se o Bar estivesse cheio, a nossa mesa estava ali, reservada. Uma
quarta-feira não pudemos ir, na quarta do outro mês Almir veio nos cobrar. Poxa. Vocês
não vieram mês passado. Não façam mais isso não. Quando não puderem vir avisem, senão
o povo todo fica aí esperando...
BOBINALDINHO E TERESA
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Porém, em uma visita ao Centro Psiquiátrico Juliano Moreira, havia uma senhora
chamada Teresa que reclamava de tudo. Os enfermeiros comentavam: “Ih, essa daí é ruim
de dar um sorriso”. Desde que chegamos parecia querer atrapalhar as nossas
intervenções. Sempre se punha à nossa frente quando estávamos a interagir com alguém.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Mas, alto lá! Teresa continuava a atormentar. Na frente do Bloco ia fazendo caretas,
dando língua, dançando de maneira debochada e segurando uma vassoura com um pano
de chão na ponta, sem se dar conta, fazia um misto de abre-alas, porta bandeiras e rainha
da bateria rabugenta.
A mala foi sendo aberta aos poucos e Bobinaldo içou Bobinaldinho. “Com vocês,
Bobinaldinho!” Em um puxão só o boneco marionete era revelado. Um suspiro só. Óóóóó....
Que lindinho! Coisa mais fofa! Um mini palhacinho! Uma salva de palmas se formou e
Teresa era quem batia as mãos com mais força de forma debochada querendo atrapalhar.
As palmas foram cessando. Teresa, com a cara amarrada, foi até o lado de Bobinaldinho
manipulado por Bobinado, olhou pra ele, encarou a plateia, botou a língua pra fora e
exclamou: “Ai que bobeira, mas que coisa ridícula!”. Silêncio Total. Pausa dramática.
Teresa mandou mais uma careta e repetiu alto e em bom tom: “Ai que bobeira, mas que
coisa ridícula!” O público não se aguentou e a gargalhada foi estrondosa. Mostarda e
Bobinaldo acompanharam a plateia e rolaram de rir. Teresa, percebendo que todos riam
dela, mandou mais uma vez: “Ai que bobeira, mas que coisa ridícula!” A reação foi maior
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
ainda e contagiou Teresa. Começou a ter uma crise incontrolável de riso. Era a primeira
vez que os enfermeiros viam Teresa dar uma gargalhada. “Ai que Bobeira, mas que coisa
ridícula” virou o bordão da apresentação até o final. A dupla de palhaços se despediu do
Centro. E adivinhem quem levou a mala amarela de bolinhas vermelha até a porta do
Centro Psiquiátrico Juliano Moreira? Exato, acertaram. Teresa, aquela emburrada do
início da visita se despediu de Mostarda e Bobinaldo com um sorrisão e lágrimas nos
olhos. Deve ter pensado: “Ai que bobeira, mas que coisa ridícula!
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Capítulo 3
PALHAÇARIA COMO CURA: O
DESENVOLVIMENTO DA
PERSONALIDADE DA PALHAÇA ALIÁS E
O ENCONTRO COMIGO MESMA
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Alessandra Simões
Precisamos sempre lembrar que esquecemos. Este aparente paradoxo passou a ser
lema em minha vida desde que vi a frase “Lembrei que esqueci” em uma obra da artista
Amelia Toledo, por quem tenho enorme admiração. A peça “Poço da memória – dedicado
ao meu pai” (1973) é um cilindro de fibra de vidro que nos convida a observar seu interior
revestido de aço inox polido (portanto, bem brilhante), que contém outro cilindro menor
em acrílico transparente onde está escrita a citação em vermelho. Percorrer as exposições
de Amelia significa realizar verdadeiras derivas espirituais entre instalações artísticas
compostas por quartzos gigantes, projeções que representam o céu, longos tecidos
esvoaçantes, em um mergulho sinestésico que nos faz recordar que sempre esquecemos.
É a partir desta metáfora em relação à obra visual de Amelia Toledo que este relato
de experiência se desenrola para tratar do processo de criação da palhaça Aliás,
considerando-se a clown enquanto imagem arquetípica e potencializadora de
transformação pessoal (Volpato, 2017), aos moldes da psicologia analítica e balizada por
autores da área cênica. A clown, segundo Volpato (p.77, 2017), “[...] torna-se um território
de livre expressão que auxilia a auto aceitação e oferece oportunidade de expressão de
qualidades e talentos encobertos por negações ou medo de exposição, tendo como
consequência a potencialização da espontaneidade, alegria e presença.” Portanto, a partir
de questões pontuais de minhas subjetividades, apresento breve corpo teórico-
metodológico ao qual são adicionados ainda conceitos da área cênica, confluindo para um
pensamento sobre a estética relacionada a questões de gênero, entre elas, a autonomia e
a auto-afirmação da mulher. Tento, sobretudo, esclarecer algumas subjetividades a partir
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Como mostra a obra de Amelia Toledo, me esqueci de muitas coisas ao longo dos
meus quase cinquenta anos de vida e, entre todas, a mais recorrente era o esquecer de
mim mesma, um esquecer quase inominável, diferente do esquecer de si nas tradições zen
como chave do insight perene. Estou falando de um exercício de si sobre si mesma, por
meio do qual se procura elaborar, se transformar e atingir um certo modo de ser, como
nos alerta Foucault (2004). Para fazer este exercício é preciso primeiramente nos
lembrarmos que esquecemos. Acho que era isso que Amélia pretendia fazer com seu poço
da memória: ativar em cada fruidor (a) a memória de si. Aprendi, então, que mais
importante do que não esquecer (porque esquecemos sempre mesmo, este é um fato) é
lembrar que esquecemos. E é aí que entra minha relação com a palhaçaria.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Para além do misterioso “ataque autoimune” que meu corpo havia sofrido (eu tive
um acometimento dos rins de origem primária e concomitantemente minha tireoide havia
pirado), eu já tinha a certeza de que aquilo se tratava de uma prova espiritual (além, claro
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
E foi assim que a palhaça Aliás me capturou em seus braços: uma Alessandra
quinze quilos mais magra, mas com muito mais energia e a certeza de que só ficaria em
um ambiente onde houvesse amor. E na palhaçaria encontrei este ambiente moldado por
mulheres que pareciam, em sua maioria, buscar a mesma coisa. Em várias oficinas,
aprendemos muito com Driely que, além de compartilhar os segredos fascinantes da
palhaçaria, temperava-os com doses sobre a relação da palhaça com o feminino e sua
experiência como mulher negra na palhaçaria. Logo após as primeiras oficinas de Driely
foi criado o grupo As Madallenas, do qual participei durante certo tempo. E também o trio
As Forasteiras (pois é assim que são chamadas as pessoas que não são nascidas em Ilhéus,
porém que vivem na cidade), que reunia Aliás, Madame Chumaço e Maga (a multiartista
paulistana Mariaji Gandhi Salvador, que também reside em Ilhéus), pois havia entre nós
três uma química especial. Fizemos várias apresentações e derivas pela cidade. Um
período bastante produtivo até a chegada da pandemia. Aliás, a palhaça Aliás está
descansando durante a pandemia; fez algumas poucas aparições na internet, porém
também faz parte do meu processo como artista, professora e pesquisadora se dividir
entre inúmeras frentes, como a produção de obras visuais, dedicação às aulas (na
Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB), e à pesquisa cujo tema mais predominante
atualmente tem sido o decolonialismo nas visualidades.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
O fato é que este momento de ascensão de cura, o encontro com minha clown foi
muito sagaz. Registrei o trabalho da palhaçaria na área de extensão na UFSB, e atrelei a
ele uma profunda pesquisa sobre a construção da personalidade da Aliás. O projeto,
intitulado “Colombinas em combate: espaços poético-pedagógicos da palhaçaria
feminina”, teve como objetivo inicial traçar, ao longo da história milenar da figura do
clown, as razões pelas quais a palhaçaria foi liderada majoritariamente por artistas
homens, e como na atualidade é possível constatar um crescimento expressivo de
mulheres clownescas. O projeto levanta questionamentos como: É possível existir uma
clown de perfil feminino? Quais seriam as características dessa personagem? Quais as
contribuições que a palhaçaria feminina apresenta hoje para o estado atual do teatro
brasileiro e mundial? Como criar uma clown na qual revelam-se as especificidades do
gênero feminino? Estas indagações estão na base deste projeto de pesquisa e extensão,
que tem entre seus objetivos investigar as origens históricas e os desdobramentos
contemporâneos da presença da mulher na palhaçaria, consolidando assim o
delineamento conceitual da clown mulher. Estes estudos serviram de base para o
fortalecimento da construção poética da personagem Aliás. A partir das pesquisas
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Assim, a Aliás virou uma palhaça meio escatológica: sua maquiagem é toda
borrada, o cabelo parece labaredas enlouquecidas (ganhei a preciosa peruca de Chumaço)
e sua roupa é toda amassada. Ela também é meio mal-humorada e bastante erudita,
modéstia a parte. Acho que ela encarna uma parte sombria de minha personalidade e que
eu tinha certa resistência em trazer à luz: meu espanto diante da estupidez humana.
Reconhecer esta minha acidez diante da vida tem sido importante para abarcar o seu
revés: minha perene admiração pelo milagre da beleza, da arte, da solidariedade e da
natureza. Tudo isso costurado pela abordagem do ridículo que existe em “todes” nós.
O jogo entre estas duas esferas - meu ser ácido e meu ser amoroso - parece ter sido
o caminho encontrado em minha busca pela personalidade da Aliás e a reafirmação da
frase da artista Amelia: Lembrei que esqueci. Afinal, precisamos ser flexíveis no jogo da
vida, como fala Bergson (1983, p. 14), ao dizer que a vida e a sociedade exigem de cada
um de nós certa atenção constantemente desperta, “[...] que vislumbre os contornos da
situação presente, e também certa elasticidade de corpo e de espírito, que permitam
adaptar-nos a ela. Tensão e elasticidade, eis as duas forças reciprocamente
complementares que a vida põe em jogo”. Acho que tem sido esta a minha noção de cura
e de saúde expressas na Aliás: abarcar os polos, relacioná-los, bifurcá-los e reaninhá-los
(este verbo não existe, então com toda licença poética) para o encontro de si. Estar entre
mulheres, por exemplo, foi de um efeito balsâmico avassalador. Tudo depende desta
flexibilidade apontada por Bergson (1983). Precisamos dançar conforme a música. É
interessante que minha postura mais crítica aflorou até mesmo na relação do feminino
com a palhaçaria, e me irritei em certos momentos com palhaças “bonitinhas”, com
maquiagens “gracinhas”. É por isso que a Aliás é tão troncha. Para além das convenções
(a própria palhaçaria feminina, por exemplo), a Aliás prefere o absurdo. Interessante que
sempre amei Samuel Beckett. Inclusive, atualmente, tenho publicado em um jornal local,
Portal Ilhéus, tirinhas com dois personagens inspirados em Vladimir e Estragon, da peça
“Esperando Godot”: Didi e Gogó, os últimos palitos da caixinha de fósforos.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Uma das minhas batalhas na construção da Aliás (lembrando aqui que a construção
é permanente, existe um “devir-Aliás”) foi a recursa deste seu lado mal-humorado. Eu não
queria ser a palhaça Branca em contraposição à Augusta. Porém, no decorrer dos meus
estudos percebi que esta convenção também não deveria ser uma norma e que os estudos
e práticas do clown contemporâneo traziam outras inúmeras sutilezas. Como descreve
Reis (2013, p. 368): “[...] bufão, grotesco, bobo da corte, augusto, excêntrico, fool,
merryman, tony e jogral. E por que não aumentar a confusão com Mateus, Bastião,
Catirinas, e o Preto Velho dos reisados [...]” (o autor ainda acrescenta os Hotxuás, da
tradição indígena). Assim, também tenho aceitado a impermanência da Aliás em sua
construção perene. A necessidade de autorreflexão é necessária, porém não pode se
tornar também uma obsessão, um freio na criatividade do exercício cotidiano cênico do
explorar o ridículo de si em suas variantes cênicas. Como diz Colavitto: “[...] o clown se
constrói na relação” (2016, p. 22).
Acredito que esta relação é dialógica em todos os âmbitos: seja com o (a) mestre
(a), com o público, com os objetos de cena, com os (as) outros (as) clowns, com a
ancestralidade clownesca, consigo mesmo (a). A interação constante, autêntica e
consistente se constrói no dia a dia do fazer artístico. Me deparei com erros e exageros
por parte da Aliás e a partir da reflexão sobre estes “desvios” é que vou acertando as
contas com ela e comigo mesma. Por exemplo: em diversos momentos dentro do grupo
As Madallenas me percebi de certa forma bastante intrometida em relação às minhas
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
colegas. Acho que minha idade mais avançada e experiência prévia na palhaçaria e nas
artes cênicas me faziam ver algumas brechas para interferências audazes, em relação,
principalmente à interação entre as clowns e o improviso durante as cenas. Entretanto,
muitas vezes, eu sentia que elas não respondiam às minhas provocações e isto me
frustrava e a elas também. Em uma conversa sincera achamos melhor que eu deveria me
afastar do grupo, pois de qualquer forma meu interesse estava se voltando mais para a
dramaticidade do clown do que para a veia circense com que elas vinham trabalhando.
Então, Aliás se tornou uma convidada das Madallenas. Neste período, também fiz uma
interessante oficina com o ator italiano Stefano Bottai, no Circo da Lua, em Serra Grande
(BA), na qual foi possível explorar as várias facetas cênicas do clown, isto é, entender a
“nobre arte da estupidez” a partir da expressão teatral. Esta experiência confirmou meu
interesse por me aproximar mais das técnicas cênicas do clown mudo do que do palhaço
ao estilo circense (lembrando também que os dois podem ser fundidos, de qualquer
forma).
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
sentido. Tanto que formamos o grupo chamado Forasteiras (somos todas de fora de
Ilhéus) e nos unimos no sentido de uma investigação cênica mais profunda sobre a arte
do clown. Os encontros das Forasteiras eram momentos sagrados para mim, tanto no
tocante à pesquisa como para o fortalecimento de nossa visão feminina de mundo, algo
mesmo terapêutico (estamos planejando voltar a fazer nossos encontros em breve).
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Afinal, como afirma Colavitto (2016, p. 34): “[...] o clown não é um personagem ou
uma linguagem teatral, e sim um estado de ser.”. Isto é, nós não representamos um
palhaço, nós somos o palhaço, a palhaça: este ser “[...] encharcado de um desejo poético
de alcançar algo muito sensível e humano [...]” (COLAVITTO, 2016, p. 34) é algo que nos
aproxima da infância. Acima de tudo, pensar sobre a Aliás, trabalhar com a Aliás, sempre
me levou à certeza de que arte é cura. Porque a cura física perpassa a cura de nosso ser
espiritual. Trabalhei (e ainda trabalho) em muitos locais em que há uma relação bastante
doentia entre as pessoas. Isto é bastante comum, especialmente, no ambiente da
universidade pública, onde deveríamos estar permanentemente unidos pelo bem comum,
porém é onde ocorrem as maiores disputas por espaços, ideologias, egos inflados, guerras
sem fim que expressam a mesquinhez humana em seu lado mais tosco. Me sinto uma
observadora em perplexidade constante em relação a isto. Mas tenho aprendido a me
afastar e até mesmo a rir destas situações. Quando elas me ferem e me deixam triste, tento
apelar para a escuta de mim mesma, pois sei que o outro, que está enredado em seu
próprio ego, não tem condições de me escutar e de me entender (afinal, não escolhi ser
psicanalista e sim palhaça). E, aliás (Aliás?), me valho deste próprio material humano que
me cerca para a construção da Aliás, uma palhaça meio intelectual e ao mesmo tempo
escrachada. “A ‘outra lógica de mim’ ri de mim por meio do outro”, como define Wuo
(2019, p. 33). E, assim, rimos eu e público da ridicularidade da vida, de nossos atos falhos,
de nossas vãs filosofias.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Acho tudo isto válido para todas as outras artes que pratico, pois acredito na visão
junguiana de que a prática artística é fundamental para minha estruturação psíquica.
Quando nos encontramos com nosso ser profundo, relaxamos, podemos nos perder de
nós mesmas para ir ao encontro do outro. São estes paradoxos que compõem a
complexidade do processo de criação artística. A partir destas operações, a arte da
palhaçaria, e todas as outras artes, nos fazem sentir-nos mais vivas. Estamos presentes e
protegidas por este amparo primordial e espiritual que é a dimensão do ser artístico. Isto
é cura, saúde e viver com intensidade, espontaneidade e sentido. A clown que existe em
mim abre um portal permanente para a relação criativa e significativa com a vida. É claro
que muitas vezes perdemos esta linha. Mas ela estará sempre lá para ser resgatada e nos
guiar pelos labirintos existenciais, comprovando que a presença cênica é a presença na
vida. Desbloquear constantemente esta presença se tornou uma missão para mim no
constante resgatar da lembrança do esquecimento. À medida em que exercito isto com
mais frequência, seja no fazer artístico ou por meio de sua reflexão (como neste texto), me
torno mais forte e viva. Rememoro e pratico a espontaneidade perdida de minha primeira
infância, traumatizada pelos dualismos e egoísmos sociais. Acolho meus erros e defeitos
e transformo-os em riso. Me aceito e me autorrealizo.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
REFERÊNCIAS
BERGSON, Henri. O Riso. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.COLAVITTO, Marcelo. Meu Clown:
uma pedagogia para a arte da palhaçaria. Curitiba: CRV, 2016.
COSTA, Marcus de Lontra (org.). Amelia Toledo - Lembrei que esqueci. Centro Cultural
Banco do Brasil, São Paulo, 2018.
FOUCAULT, Michel. "A ética do cuidado de si como prática da liberdade". In: Ditos &
Escritos V - Ética, Sexualidade, Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
SITES
https://slavasnowshow.com
http://www.agaboom.com/
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa108965/cristiane-paoli-quito
INSTAGRAM
@palhaca_alias
@drielydesnuda
@asmadallenas
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Capítulo 4
PALHAÇARIA ATRAVESSADA PELAS
MÍDIAS – TEM PALHAÇO(A) ONLINE!
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
INTRODUÇÃO
Um palhaço maltrapilho sob uma lona desbotada em uma cidade muito pequena1.
Ao dizer “olha o pé na cara!” e fazer um chute no ar, obviamente desengonçado e sem
distância suficiente para acertar o golpe, o palhaço fazia o pequeno circo explodir em riso
e a plateia saía dali repetindoo bordão - “Olha o pé na cara!”. Um dos repetidores era eu,
ainda criança e segurando na mão do pai. Uma das poucas e melhores lembranças da
infância. O riso gerado pela palhaçaria transformou- se em amor platônico e hoje
profissão.
Em meados de 2003, o amor platônico teve encontro carnal nas primeiras oficinas
de palhaçaria e de lá pra cá cresceu em tamanho e dedicação, me levando a realizar
espetáculos e até mesmo um Trabalho de Conclusão de Curso na graduação em Artes
Cênicas sobre palhaçaria. Anos se passaram e aqui estou debruçado sobre a
PALHAÇARIA, atuando, mas também, atento às mudanças à nossa volta e porque não
àquelas que nos atravessam?
Em uma época não tão distante, falava-se em mídias dentro das artes da cena ou
na arte do palhaço e logo num primeiro momento podia se pensar em projeção
audiovisual. Este recurso, com avanço tecnológico dos equipamentos, segue em uso e
sendo redescoberto como ferramenta de jogo e até cenografia e muitas vezes
ultrapassando as funções “convencionais” e ganhando protagonismo em alguns
espetáculos, shows e eventos de games.
Hoje ao ouvir a palavra “mídias”, nossa mente, tal qual a página do Google,
completa com a palavra “sociais”. O tempo presente se caracteriza também pela
comunicação virtual e rede social. Antes, para um comércio, uma boa localização ditava
1 A cidade mencionada é Bady Bassitt, cidade localizada no norte do estado de São Paulo
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
o sucesso. Hoje seu êxito está muito mais atrelado ao perfil que possui nas mídias sociais
de fácil acesso, por exemplo, o instagram. No campo das artes e mais precisamente da
palhaçaria, a pandemia trouxe a necessidade de encontrar outros meios de comunicação
e contato com público, já que o presencial ficou paralisado (pois antes temos que
preservar a saúde da humanidade). Sendo assim, 2020 foi ano de incontáveis cenas
gravadas, espetáculos virtuais, web – sarais, lives artísticas, bem como inúmeros debates,
aulas, seminários também sobre técnicas e bastidores. O compartilhamento dos
conhecimentos, pesquisas e produções artísticas foi disponibilizado rapidamente.
Podemos escutar as vozes, que até então nos pareciam distantes, pois a internet e a
necessidade de dividir e estar juntes, fez com que pudéssemos circular por muitos lugares
e países, em encontro com nossas referências, angústias e de certo modo,foi suprindo a
falta de diálogos e a necessidade de trocas, mesmo que virtuais. Na maior parte desses
eventos resilientes, as forças motrizes foram a tentativa de melhorar o clima emocional
da população, dar vazão à criação e seguir praticando o oficio, além da necessidade
financeira, é claro. A palhaçaria está online.
Esse texto pretende abordar algumas das novas relações e novas maneiras de se
relacionar, que acompanham a evolução ‘necessária’ e tecnológica do nosso tempo.
Somos todos, artistas ou não, hardwares desse tempo presente e a cada dia o software se
atualiza e se faz urgente dialogar com opresente como meio de atualizar a tradição.
Os palhaços são encontrados em muitas culturas, dos egípcios aos índios, dos
chineses aos indianos, dos gregos aos latinos, com características diferentes, mas ainda
assim, palhaços. Emdiferentes culturas primitivas encontram-se mascarados que faziam
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
danças toscas e davam gritos. Todos com mesmo objetivo: provocar o riso.
O palhaço (a) foi em cada época e em cada cultura chamado de um nome, seja
clown, bobo, Joey, menestrel, truão, excêntrico, jogral e outros, mesmo que os palhaços
ou clowns, assim como os bufões, os cômicos Dell’Arte e até os bobos da Idade Média
tenham uma mesma essência,“que é a de expor a estupidez humana” (BURNIER, 2001, p
206). O palhaço pode ser onírico, poético, mas provocador, subversivo, entre muitas
outras coisas, mas em essência podemos descrever sua atuação/situação como “um ser
vulnerável em sua humanidade, diante de outro ser que observa, e pode provocar o riso
nas suas mais sutis gradações” (PUCCETTI, 2009, p 119).
Há quem diga que a arte da palhaçaria não acontece via streaming, se é gravado e
exibidopor uma tela pode até ser outra arte, mas não palhaçaria, pois para muitos ela se
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
dá apenas no presencial. Mas o momento pandêmico trouxe a web quase que como única
opção de exercício do ofício. A pandemia não é a única responsável por tal movimento,
ela apenas acelerou a percepção sobre ele.
As artes da cena, sem abrir mão de suas tradições e séculos de saberes, têm,
essencialmente, a comunicação como eixo. Se não comunica com o ser humano, não
acontece. Talvez seja até um pilar ético: é sempre necessário dialogar com o tempo
presente e seus acontecimentos. Influência em mão dupla. A arte é influenciada pelo
agora e a arte influencia e questiona o que estamos vivendo. Não apenas “debate” o que
acontece, mas incorpora esse“acontecimento” em suas manifestações e representações.
Ainda que o texto seja antigo e que o ofício seja um senhor em idade, o fazer tem de ser
sempre atual! E, se vivemos em uma sociedade cada vez mais “virtualizada” é um
movimento natural percebermos nossa arte também atravessada pelos meios digitais.
1Teófanes Silveira dá vida ao palhaço Biribinha. O artista nasceu em 1958 e atua como palhaço desde 1965
quando tinha apenas 7 anos de idade. Sua família está na 5ª geração circense.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
passado, questionar os caminhos que nos levarão ao futuro mas suas ferramentas, tal
qual de um celular, se atualizam. “O palhaço se formou sob o imperativo da necessidade,
tanto da diversificação do espetáculo quanto da sobrevivência pessoal do artista diante
da impossibilidadefísica provocada pela idade ou por um acidente” (BOLOGNESI, p. 70,
2003), e por que não da impossibilidade imposta por uma pandemia?
Não pretendo defender a extinção do presencial, eu o amo e vivo dele, mas para
nossa tãoviva (re)construção é importante estudar esses movimentos e entender que
degrau estamos subindoe também como as “virtualidades” podem ser complementares
ao oficio em sua essência.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
A atuação do palhaço também se caracteriza pelo jogo, seja com as pessoas, com
objetos,com o próprio lugar. Na internet há um primeiro item a se relacionar e jogar: a
câmera!
Se o mundo digital é lugar para a palhaçaria (tanto como para outras artes da cena)
muitaspessoas terão opiniões distintas e em nome da arte presencial dirão não. Mas
vivemos no tempo doagora em que as certezas dizem mais respeito ao passado e não
sabemos como os avanços tecnológicos influenciarão ainda mais a maneira do homo
sapiens sapiens se relacionar. Cabe a nósinvestigar e fazer parte da história enquanto ela
se faz. O certo é que no campo tecnológico dificilmente andaremos para trás. Então
maquiagem e nariz vermelho a postos, wi-fi ligado, tem palhaço online!
Ensaio fotográfico para marketing do espetáculo “O AstroLábia”. Um guru que atende por vídeo
chamada. Foto de Lafaiete do Vale. 2020.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Passei anos nos palcos pedindo a plateia que desligasse o celular, que não o
usasse, que nos concentrassemos no agora! Nosso entendimento era de que a tecnologia
presentificada no telefone móvel distanciava nossa relação presencial. Mas agora as
pessoas sempre tem seus aparelhos celulares a mão, e não é figura de linguagem, as
pessoas conversam com outras pessoas com seus telefones empunhados e alternando o
foco. A mesma tecnologia, que nos “salvou” na pandemia, distancia-nos no presencial?
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
atividade este aparelho pode realizar conosco, neste encontro humano e artistico multi-
meios. A afirmação de Lucia Santaella anterior a pandemia, lida hoje, pode fazer parecer
que a questão do atravessamento das mídias já está encerrada e bem resolvida. Creio
que não. Independente desta resolução Santaella nos dá a diretriz precisa do foco,
utilizar a tecnologia para nosso encontro ser cada vez mais humano, em todas as suas
acepções.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Capítulo 5
DÚVIDAS, ESCORREGÕES E PROPOSTAS
DE UMA DUPLA DE NÃO-MESTRES
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Fábio Nieto-Lopez
Martin Domecq
Este texto é um esforço de retomar parte desta história reflexiva e prática que
gestou mais do que um curso iniciático à palhaçaria, permitiu pressentir uma exigência
ética de, pelo menos, procurar soluções, sabidamente provisórias, para um tema tão
deslumbrante, extraordinário e imprevisível. Assim, a oportunidade deste curso, e dos
que vieram a seguir, nos confrontou com a urgência de nos questionar princípios
artísticos e, especialmente, didático-pedagógicos, éticos e políticos. Estes
questionamentos, vivenciados de maneira sincera e pungente, desassossegam não apenas
as bases do encontro pedagógico em si mesmas, mas todo um conjunto de práticas como
humanos em relação, sejam quais forem nossas funções: educadores, estudantes,
cidadãos, pais, filhos.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
PROFESSOR OU MESTRE?
De nossa parte, como professores, também havia outro desafio. Como vocês
sabem, não é fácil a um discípulo autorizar-se a ser mestre. O psicólogo argentino Pichon-
Rivière analisa como processos de mudança mobilizam intensamente nossas ansiedades
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
e medos primordiais, por mais que algumas transições sejam vistas como positivas e
desejadas. A mudança de papel mobiliza medos fundamentais de perder o que já possui
e de não dar conta do que irá encontrar do outro lado deste caminho.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Embora tais objetivos sejam desejáveis para a condução dos trabalhos, nosso
estranhamento se localizava justamente na relação de poder marcada pela
desproporcionalidade, no qual o mestre encarna a lei, a regra, o conhecimento, o poder,
e seu discípulo a mais absoluta humilhação e subserviência. É exatamente essa a
estrutura da relação dos dois palhaços típicos, o Augusto e o Branco.
O palhaço “Branco”, como nos explica Bolognese (2003), possivelmente tem esse
nome em decorrência de seu rosto “enfarinhado” que caracterizava sua maquiagem,
herdeira da máscara branca e plácida de Pierrô, com elementos da máscara pontiaguda
e avermelhada de Arlequim, da comédia dell’arte. É um personagem que carrega consigo
a tradição aristocrática, a fineza dos gestos da assim chamada “boa educação”, a
elegância nos trajes, que tem entre suas inspirações o Mestre de Pista, de indumentária
militar, que participava das entradas circenses, encarregado de trazer a lucidez à cena
dos palhaços, e se tornou uma espécie de soberano dos clowns.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
construir um processo formativo que tivesse como sustentação outra tradição de ensino,
dessa vez inspirada nas propostas de Paulo Freire.
Para o nosso dilema, abandonar a tradição nos trazia ainda mais insegurança para
enfrentar a novidade que se apresentava, mas nos possibilitava encarnar os princípios
freireanos de inacabamento e do professor em processo de recriação, assim como da
própria estética do palhaço, que em diversas momentos são coincidentes, como o
acolhimento do emergente, a abertura para a leitura atenta e desconcertante do mundo,
a construção do processo junto ao estudante e na situação, a aceitação das condições
propostas como possibilidade para reinvenções de novos mundos, através da forte
presença da imaginação, da criatividade, da alegria, e da ousadia de desejar ser mais.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Com isso, nos parece estranho falar em nome de um palhaço, como geralmente
encontramos na literatura. Textos muito bem intencionados em defender ou revelar a
potência deste dispositivo no mundo, falam de ‘o palhaço’, e partem para uma
generalização perigosa e estranha à sua condição de imprevisibilidade, ruptura e criação.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Uma das participantes da oficina nos relatou seu processo desta forma: “Me senti
livre, com certeza foi o que mais gostei. Consegui me ‘desprender’ do meu mundinho e
dar liberdade à palhaça que mora dentro de mim.”. Ficamos muito satisfeitos com o
retorno dos participantes que apontavam para a liberdade da criação, compreendendo
que não havia nenhuma expectativa a ser alcançada, senão o próprio prazer de participar
deste processo de descoberta.
A plateia é parte fundamental das artes cênicas e a ela também aparece desde os
primeiros momentos de uma oficina, seja de teatro ou de palhaço. Desde o momento que
nos sentamos em roda e começamos a nos apresentar há o componente da apresentação
e da plateia. Nenhum mal há nisso, mas observamos ao longo das oficinas que estabelecer
diferentes grupos, sendo que um assiste e outro apresenta, não trouxe resultados muito
interessantes para uma oficina de iniciação, experimentação de si mesmo e criação de
seu palhaço. Assim como nos relata Viola Spolin, rapidamente se estabelece uma
dinâmica de aprovação/desaprovação, mais próximo de uma experiência exibicionista
do que de jogo, diversão e criação, que estávamos buscando.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Outra regra que seguimos parece ter ajudado bastante para construir o ambiente
de confiança, de parceria e de experimentação que foi vivenciado na oficina. A regra era
bem simples: gerar um espaço livre de registros imagéticos e de julgamentos de valor.
Durante a oficina não filmamos, nem tiramos fotos. Nas rodas de conversa também
insistimos bastante na ideia de que aquilo que acontecia dentro da oficina era de cada
participante, era algo privado que não devia ser publicizado pelos/as outros/as fora dos
muros da oficina. Evitávamos as palmas e toda forma de julgamento de valor que pudesse
instalar na oficina a ideia de espetáculo ou de competição.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
atividades, nem tampouco entendia algumas dinâmicas. Hoje me sinto mais segura,
consigo me soltar e aprender que o que antes parecia meras brincadeiras, são técnicas
que possibilitam as ações do palhaço.”.
Esse tema do nome apareceu ao longo do curso, nos momentos de diálogo com os
participantes, que sempre ocorriam ao final de cada dia. A inquietação apareceu e foi
colocada pelos próprios participantes, e a nós professores coube refletir junto com eles
a pertinência de inventar outras modalidades, procurando compreender quais eram as
peculiaridades das demandas apresentadas, que não eram uníssonas, mas heterogêneas.
Uma das participantes protestou com uma frase mais ou menos assim quando descobriu
que na nossa tradição o nome era escolhido pelo mestre: “isto é muito injusto, se já
nascemos com um nome que escolheram para nós, sem nossa participação, como palhaço
temos o direito de escolher.”
Não havíamos pensado nisso e não tínhamos ideia de como encontrar uma
alternativa. Incentivamos que cada um procurasse elementos para compor o próprio
nome, assim como as características estéticas dos palhaços, especialmente com relação
ao figurino, à maquiagem, e adereços. Para o evento do batizado, oferecemos um varal
com diversos nomes e, para cada um, duas propostas diferentes em papeis
dependurados, mas também disponibilizamos papeis em branco, com canetas para
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Talvez se ancorar na figura de mestre que paira acima dos demais, que precisa ser
ouvido e respeitado, possa tornar tentador querer controlar a criação do nome,
provavelmente a principal construção identitária de um palhaço, mas um professor
precisa ter a consciência de que está apenas acompanhando uma experiência criativa, e
aproveitar o privilégio de criar as melhores condições para que as potências ganhem
expressão.
Na oficina que realizei com o grupo Guilda Cacilda este processo me incluiu por
decisão dos participantes. Provavelmente consideraram injusto que todos tivessem que
passar por esta experiência e eu, não. Aí, então, meu palhaço que chamava-se Esfiapo
devido minha extrema magreza na época da minha formação de palhaço, passou a se
chamar Ex-fiapo, aquele que um dia já foi muito magro. Além de um exercício complexo
de construção de palhaço e de exercício de empatia, este pequeno ritual marcou, para
mim, uma relação mais próxima e horizontal com o grupo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Capítulo 6
ACESSE A SUA TECLA S.A.P
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Marcus Matraca
Um rito acontece quando, não bastando as palavras para dizer a beleza, elas
se transformam em gestos. O rito é um poema transformado em festa!
(Rubem Alves)
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
encantados que a partir do ensinamento do Pajé da aldeia seu Manezinho: “Estar vivo é
estar encantado”, saberes compartilhados por esta ancestral nação indígena.
Paulo Freire (2019) fala sobre a boniteza que os aprendizados geram no ser
humano, fomentando, assim, processos de encantamentos. Neste espírito me iniciei como
pesquisador sobre o tema da palhaçaria construindo percepções do quanto, tornar-se
Palhaço, é uma tarefa que exige do neófito desapego para compreender sua complexidade,
diversidade e singularidade. Esse percurso ocorreu paralelamente ao mestrado que
traçou outro caminho de pesquisa, abrindo assim duas frentes de investigação,
demandando um tempo maior no amadurecimento como Palhaço e pesquisador.
travadas desde nossos velhos e velhas que já se foram; mas, que deixaram seus nomes como grandes
exemplos para nós como João Binga, Quitéria Binga, Miguel Binga, Manezinho, Antônio Moreno, Luís
Caboco, hoje Seres Encantados (SILVA et al, 2021).
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Assim, segui meu instinto e fui para rua. Vesti uma roupa do meu cotidiano, fiz uma
maquiagem, coloquei o meu nariz vermelho e sai para todos os tipos de encontros que os
ambientes me ofereceram. Desse modo nasci como Palhaço que, posteriormente, foi
batizado de Matraca pelo músico-compositor Batone. Nome que adoto também para
minhas assinaturas científicas e artísticas e, nas apresentações artística, uso o nome Dr.
Palhaço Matraca para brincar com minha trajetória e com a dureza dos territórios que
ocupo.
Tenho que ressaltar que cursar Ciências Sociais me possibilitou exercitar o olhar
da paisagem social, ensinamento compartilhado pelo professor e sociólogo da
Universidade do Estado de São Paulo (Unesp – Marilia) Dr. Sebastião Jorge Chammé
(2000) que relatava com minucias e percepções sensoriais algumas observações das
paisagens sociais que suas aventuras sociológicas propiciaram vivenciar. Com mais esse
aprendizado pude dialogar com métodos que consolidaram a rua como território do meu
campo e, posteriormente, o foco para população em situação de rua e profissionais do
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sexo nasce na dialética do olhar do Palhaço e do coração do cientista; uma fusão que
podemos denominar CiênciArte2.
O outsider é aquele que desvia das regras e valores impostos por uma
determinada estrutura social, sua ação é vista como uma distorção da normalidade
sistêmica, um desvio, uma ação patológica, uma infração, como a presença de
moradores em situação de rua, profissionais do sexo e Palhaços no cenário cultural
imposto. Essa estrutura já era prenunciada por Émile Durkheim (1973), como sendo
um grande organismo social, com dois estados principais: o normal e o patológico. O
normal é aquele fato que não fere os valores e regras de um determinado grupo e o
patológico é quando se está fora da regra social e da moral vigente. Entretanto, quando
alguma anomalia também denominada como outsider coloca em risco suas regras
estamos diante de um acontecimento de caráter mórbido, uma doença social que
2 CienciArte é um campo em construção, não formatado e que foge ao aspecto rígido e disciplinar. Os
conhecimentos produzidos nos campos da ciência e da arte são inter e/ou transdisciplinares por natureza
(Araújo-Jorge, 2018).
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precisa ser harmonizada. Inúmeros outsiders não se adaptam, seres humanos que
estão fora de padrões simbólicos e midiáticos, como canta o compositor Nando Reis
(2007) “Será que eu falei o que ninguém ouvia? Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar, me adaptar, não vou me adaptar! Me adaptar!”.
Assim nasce a oficina Saúde, Alegria e Palhaçaria (S.A.P), fruto de toda essa
sensibilização e da não adaptação às várias imposições simbólicas. Ao acessarmos a
oficina S.A.P adentramos em um ambiente de ludicidade, brincadeiras, risos, afetos e
todas as possibilidades que um bom encontro recheado pela diversidade das nossas
diferenças possa nos proporcionar. Dessa forma, temos como grande atração o Palhaço
com seu nariz vermelho, a menor máscara do mundo, um anti-herói, o outsider que
expõe nossos erros e defeitos, ridicularizando-os a ponto de não levarmos tudo tão a
sério, visto a brevidade da vida (CAMPOS, 2009). A primeira versão da oficina foi
realizada em 2004 no II Simpósio de Ciência, Arte e Cidadania com o nome Saúde e
Alegria, a partir de 2006 adotei o nome Saúde, Alegria e Palhaçaria. Nestes dezoito anos
de existência do S. A. P, foram realizadas cerca de cento e vinte oficinas, estimando
mais mil participantes de ambientes, públicos e territórios diversificados.
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É importante ressalta que a oficina se constituí de muitas mãos, vozes e gestos que
se materializam nos jogos e nas brincadeiras realizados durante a S.A.P e são inspirados
na brincadeira de rua e nos jogos teatrais que existem desde a minha infância. Tenho que
evidenciar que as ações realizadas no território dos projetos e pesquisas realizada na
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A OFICINA S.A.P
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secreto social pronto para uma revolução. Na poesia este anti-herói, tem seu “porte
atlético invisível, num topete conversível, ele prepara o sermão, pra tratar do mundo cão,
colocando a vida em perigo, por amor a profissão” (BATONE, 2007); e a ALEGRIA que não
é aquela forjada e sintética ou envolvida por vícios e paixões que iludem o ser humano no
consumo e na solidão. Mas a alegria que pode advir dos bons encontros, situações
inesperadas, súbitas e desconhecidas, gerando surpresas, admiração e encantamento.
Para realização da oficina S.A.P alguns recursos são necessários, como uma sala
ampla3 para acolher o mínimo de oito e o máximo de vinte e dois participantes. A sala
deve estar vazia tendo uma mesa e seis cadeiras, das quais quatro serão usadas nos jogos
e duas utilizadas como apoio pelo condutor e o auxiliar da vivência. É importante que haja
uma pessoa para auxiliar a oficina e que, de alguma forma, já tenha sido iniciada na
palhaçaria. Também utilizaremos uma corda para sustentar a, essencial, cortina vermelha
3Para realização da oficina o ideal é uma sala que comporte 35 estudantes e com medidas aproximadas de 35m x 50m;
padrões fornecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) do Ministérios da Educação. Fonte:
http://www.fnde.gov.br/index.php/component/k2/item/525-projetos-arquitet%C3%B4nicos-para-
constru%C3%A7%C3%A3o
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A música conduz várias etapas da oficina, por isso utilizo uma caixa de som com
uma playlist elaborada para as etapas que a oficina pede durante as cinco horas de
experiência. Solicito que os participantes sejam pontuais, pois não é permitido que
adentrem quando iniciamos a vivência. Para as pessoas que participarão da oficina é
solicitado o uso de roupas leves para brincar e uma canga, toalha ou tecido para deitar no
momento do relaxamento. Esta é a estrutura que desenvolvi para a realização da S.A.P,
mas cada mediador deve adaptá-la da forma que fique mais confortável possível durante
a condução da oficina.
4 A Traição das Imagens (La Trahison des Images) é uma série de pinturas produzidas por René
Magritte entre os anos de 1928 e 1929. A mais famosa delas é a Ceci n’est pas une Pipe (Isto não é um
Cachimbo), que surpreendentemente causou muita polêmica desde então, principalmente em razão de seu
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
aparente nonsense: vê-se um cachimbo e afirma-se que não se trata de tal. Pertence ao surrealismo, sento
Magritte um dos principais representantes desse movimento. Disponível em:
https://arteeartistas.com.br/a-traicao-das-imagens-de-rene-magritte/
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
etapa. Logo após todas as pessoas passarem pela experiência de catarse, que é o primeiro
pisar no picadeiro com o Exercício Berro-Gol, o condutor orienta para que todos peguem
seus tecidos, canga, toalha e deitem para a Relaxaria, momento de relaxamento que dura
em média quinze minutos. Essa atividade é conduzida por uma música relaxante ou de
meditação ao fundo e com foco na respiração, sendo sugerido exercícios para respirar e
sentir o corpo. Concomitantemente, o auxiliar coloca em uma das mãos dos participantes
– que estão em estado de relaxamento - o nariz vermelho para ser usado no momento do
picadeiro. Tempo que o condutor tem de trazer o seu Palhaço para a cena; eu, nesse
momento, coloco minha indumentária e me torno o Dr. Palhaço Matraca, o mestre de
cerimônias que vai conduzir as vivências do picadeiro com todos participantes.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Nestes quase vinte anos realizei inúmeras oficinas, em sua maioria com estudantes
de graduação e pós-graduação, que possibilitou compreender o significado desta vivência
para os futuros profissionais de saúde que tiveram a oportunidade de participar de
projetos direcionado à arte da palhaçaria no campo da saúde. Diante dos vários caminhos
que esta arte oferece no campo optamos pela palhaçaria de rua embebida na Educação
Popular que desdobra na Atenção Básica em Saúde, via Unidades Básicas de Saúde. O
Palhaço se torna um Agente Cultural de Saúde, o brincante que chega na rua sem o
estereótipo do jaleco branco e se entrega na Dialogia do Riso com as habitantes do
território em ação. Esta estratégia educacional se mostrou e(a)fetiva no desenvolvimento
e aprimoramento de habilidades sócio emocionais com estudantes do ensino superior na
área da saúde. Além disso, a experiência no projeto S.A.P contribuiu para o alívio do
estresse durante o período acadêmico, possibilitando aos estudantes ampliar suas
perspectivas futuras, vislumbrando uma nova forma de atuação na prática em saúde.
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Como relatei anteriormente, não foi meu objetivo criar uma cartilha, mas sim
dividir essa experiência com todas as pessoas, para que possam usar e ressignificar os
exercícios à vontade. O objetivo é compartilhar o método que venho desenvolvendo,
porque acredito que nesse momento tão obscuro se faz necessário exercitar o SONHAR -
verbo transitivo direto, indireto e intransitivo - que pode se transformar em flores,
odores, amores, horrores, alegrias, risos e políticas pública. Ainda porque, sabemos que,
uma política pública requer mais que uma decisão política, necessita do envolvimento de
todos nessa diversidade de ações estrategicamente selecionadas para implementar as
decisões tomadas coletivamente. O SONHAR, aqui manifesto, é aquele que torna
praticável que os problemas de saúde sejam possíveis de serem prevenidos (prevenção)
e a qualidade de vida possa ser alcançada por qualquer pessoa (promoção); recheada de
CiênciArte e Educação Popular em Saúde com mais Alegria, Saúde, Prosperidade e de
forma equânime para o Sistema Único de Saúde (SUS); em todo território pindorâmico
dessa nossa amada terra chamada, hoje, de Brasil.
Desejo, no compartilhar desse relato, a todes leitores bons SONHOS e que o sonhar
se transforme em ações e criações, gerando bons encontros com mais alegria e esperança
cotidiária. A força da palhaçaria esta dentro de você, quando precisar ou não, ACESSE A
SUA TECLA S.A.P.
BIBLIOGRAFIA
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Capítulo 7
GERAÇÃO DA LEITURA: PALHAÇARIA E
LITERATURA EM UM EXPERIMENTALISMO
BRABO PARA CRIANÇAS E IDOSOS EM
SÃO GONÇALO-RJ
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Leo Salo
Karen Guimarães Cardoso
Melissa Coelho Ferreira
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bem como de seus atores e suas relações/leituras de mundo. Experimentar com o outro
é respeitar contextos. É aceitar que conceitos antes fechados precisam se alargar,
contemplar novas significações para continuarem vivos, pulsantes e atuantes.
O TERRITÓRIO: ACR-SG
Ao lado do Abrigo, funciona ainda, uma igreja católica, que comumente realiza
casamentos e festividades no espaço externo às moradias dos idosos. O Abrigo do Cristo
Redentor de São Gonçalo é uma associação civil sem fins lucrativos fundada por Raphael
Levy Miranda em 1939 e tem como objetivo prestar assistência a pessoas idosas carentes,
ofertando moradia, refeições diárias, assistência à saúde, atendimento médico,
fisioterapia, psicologia, assistência social, terapia ocupacional, nutricionista, enfermeiros,
auxiliares de enfermagem e cuidadores (ABRIGO DO CRISTO REDENTOR, 2017)
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GERAÇÃO DA LEITURA
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METODOLOGIA
Com esta proposta de escuta, a equipe de palhaçaria registrou as visitas por meio
de relatórios, discutindo histórias e situações relacionadas aos idosos, que poderiam
posteriormente ser levadas aos demais artistas do projeto para a seleção conjunta dos
livros que seriam comprados, bem como para o desenho de cortejos, rodas de leitura e
demais atividades que pudessem despertar o interesse dos idosos no abrigo.
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DISCUSSÃO
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Três dos quatro palhaços do grupo (Da Lapa, Lelê Vitta e Primeira Dama) já haviam
atuado no ACR-SG, em outros projetos de intervenção desenvolvidos por outros grupos
culturais. Essa experiência anterior facilitou bastante a execução do Projeto Geração da
Leitura, pois já havia um conhecimento prévio do território e de suas dinâmicas. Não
houve, portanto, nenhuma necessidade especial em relação à adaptação ao trabalho no
abrigo. Os demais integrantes, entretanto, realizaram visitas de reconhecimento ao local,
antes de iniciarem suas atividades.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
O geripalhaço precisa estar aberto para extrair do idoso sua criança interior, que
ainda pode ser forte e rica em suas vivências. Com alguns será mais fácil trocar alegrias.
Outros, entretanto, necessitam colocar para fora suas tristezas, e encontrar ouvidos que
se interessem por sua dor, não julgando ou duvidando de suas palavras. Porque, na
verdade, não importa nem um pouco para o geripalhaço se o que dizem são alucinações,
memórias confusas ou parciais, ou mesmo se são invenções conscientes usadas com o
propósito de chamar a atenção. Tudo o que vem deles deve ser jogo para o palhaço,
material de trabalho, compartilhamento, e criação.
A palhaçaria aqui voltada para a terceira idade é feita logicamente por um artista
que antes de ser “geri” é “palhaço”. É um ser, que nos tempos atuais ganhou não apenas
corpo e roupagem, mas sobretudo uma linguagem própria em termos de visão de mundo
a partir do circo moderno. Ao longo dos anos esta linguagem ou estética é notadamente
construída a partir do perfil individual de cada artista, que procura exacerbar e evidenciar
algumas características pessoais próprias (PANTANO, 2007).
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
RESULTADOS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito embora não tenha sido o foco do presente trabalho, é oportuno pontuar, que
discussões sobre palhaçaria e terceira idade frequentemente levam em conta os
benefícios para a saúde do idoso oriundo desta interação, como os trabalhos de Prerost
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REFERÊNCIAS
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Capítulo 8
DOTORA CLÔ - UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA DE PALHAÇARIA E ENSINO
DE SAÚDE
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
DOTORA CLÔ –
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DE PALHAÇARIA E ENSINO DE SAÚDE
Maíra G Baczinski
Tania C Araujo-Jorge
INTRODUÇÃO
FORMAÇÃO
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
A composição de uma palhaça passa por um mergulho interno, por uma busca de
elementos genuínos, que nos remeta à criança interna; à criança que um dia fomos; ou
mesmo a características, tendências pessoais, aspectos da personalidade e da percepção
de mundo que nos torna únicos. Para a autora Lili Castro, “o palhaço é uma manifestação
performática, destinada a gerar o riso que esteve presente em diferentes épocas e
civilizações, da qual cada atuante se apropria de forma única e individual. (...) Uma
multiplicidade aberta, híbrida e migrante”. (Castro, 2019, p.25).
Desta maneira, não há uma formação única em palhaçaria, e nem uma atuação
única. Desde o trabalho em picadeiros de circo, até o trabalho em teatro, passando por
performances de rua, e os tipos mais antigos como palhaçaria ancestral, bobo da corte,
bufão, há uma multiplicidade de artistas, que desenvolvem o trabalho palhacesco. Na
contemporaneidade, esses artistas estão saindo do centro de cenas e de shows, para
ocupar espaços na rua, e áreas não relacionadas às artes cênicas, como os palhaços sem
fronteiras, que fazem performances em áreas de risco social, projetos sociais, e a
palhaçaria em hospitais.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Segundo as autoras, o foco na identidade feminina, seus conflitos, suas tendências, seus
elementos, questionam as estruturas cômicas clássicas, e contribuem para a elaboração
de uma nova dramaturgia, com o desenvolvimento de “gags”, cenas e textos originais, que
abordam dimensões profissionais, pessoais, afetivas, e estruturantes e centradas na
mulher.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Assim, a Dotora Clô é uma figura que mexe com a sisudez, a lógica e a crítica
pessoal. Mostra-se com frequência como dona da razão, ou com ar de superioridade, e
exausta pela ignorância e pela distância do que sabem os outros, principalmente por não
conseguir desenvolver na prática toda a “sabedoria” que domina. Uma relação bastante
conflituosa entre conhecimento e vivência, e de um lugar muito específico, que é ser
mulher, e as percepções e condições que isso acarreta no cotidiano e na relação com os
outros. Aproxima-se mais de elementos que emergem de contrastes grotescos e
subversivos com que se coloca e aponta as desigualdades sociais, do que como uma
palhaçaria sutil, criando situações e jogos as vezes constrangedores.
O EVENTO
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Ao lado do espaço ocupado pelos meus parceiros da Fiocruz, tinha uma tenda de
Saúde do Homem, oferecendo gratuitamente exame de próstata; na entrada uma mesa
plástica apoiava modelos de pênis e do sistema reprodutor feminino; camisinhas e
panfletos sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) estavam disponíveis para
quem quisesse pegar.
Figura 1 - banca expositiva da saúde do homem: camisinhas lubrificantes e o sistema reprodutor feminino
em acrílico (acervo pessoal)
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Palhaça, como se sabe, deve estar aberta ao improviso e ao convite, e assim, fui,
ingenuamente, entrando esbarrando e acenando para todos, sem graça, mas também sem
grandes pretensões, criando brincadeiras com quem estava sentado aguardando
atendimento. No entanto minha situação se complicou quando me ofereceram um
microfone.
RESULTADOS
Lá estava eu, vestida de Dotora Clô, jaleco branco, cabelos para cima; com uma
prótese peniana em uma mão e um microfone na outra, no centro de uma tenda de saúde
do homem, cujo público-alvo são homens com mais de 60 anos, que aguardavam
agendamento ou atendimento gratuito para exame da próstata. Sem preparo, sem pensar
no que seria feito ou dito, sem menor planejamento ou estrutura, iniciei com total
confiança que uma bufona tem a dar uma bronca nos homens sentados na tenda, e falar,
do que me lembrava, sobre sexualidade, prevenção de doenças, uso de camisinha, e ainda,
internamente observando e investigando, em falas ou ações, onde encontrava o riso da
plateia.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Pensei, pronto, essa foi a pior performance da minha vida, pode encerrar sua
carreira de palhaça, que de graça não tem nada, afinal, o que tinha que se meter a falar
sem preparo sobre um assunto tão delicado como esse. Mas qual não foi a minha surpresa
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Também passei a experimentar uma escuta mais atenta sobre em quais trechos das
diversas falas e ações que eu propunha, havia mais riso. Uma mulher, que acompanhava
seu parceiro, ria compulsivamente, lacrimejando, e acenava com a cabeça, concordando e
aprovando tudo que eu falava, cutucando o companheiro, e falando alto tá vendo? tá
vendo? (Para mim: “fala mais, mas fala mesmo”); As moças que faziam o atendimento,
coletando dados e organizando a fila, riam sem parar, e por vezes interrompiam o
atendimento para beber água ou se controlar. Nitidamente minha comicidade se dirigia a
elas, e buscava como escada elementos da masculinidade tóxica.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Figura 4: aula de yoga, outra atividade proposta pelo evento (acervo pessoal)
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
sequer é uma “pessoa de verdade”, mas quase uma entidade, falando termos chulos, sem
delicadezas ou sutilezas ou compromisso com termos técnicos ou status social cria alguma
empatia, de abrir um espaço de comunicação e honestidade. Vários homens buscavam no
canto informações sobre doenças, como identificá-las em si próprios e nas parceiras, da
mesma maneira que pediam para entender melhor sobre como usar o preservativo ou
como agradar o sexo feminino. Apesar de não apresentar uma personalidade dócil nem
buscar agradar, a figura excêntrica e marcada pelo gênero feminino, desloca também essa
expectativa de que se espere uma “palhacinha boazinha”, trazendo à tona as diversas
relações que se constroem sobre a própria palhaçaria, e, neste contexto, sobre sexualidade
e suas marcas de gênero, tais como a tendência de abordagens de ensino deste campo,
revelando algumas situações normalizadas, como ausência do modelo feminino
verossimilhante, não apenas no evento, mas na busca em sites e empresas que oferecem
esses itens para abordagens educativas, o que estabelece um papel socio político
importante. Além de claramente atender uma necessidade dos organizadores, em abordar
assuntos íntimos de uma maneira mais aproximada do público, ou de chamar atenção
para várias nuances que constantemente ficam fora dos panfletos, manuais e abordagens
de ensino de saúde, embora se constituam como pautas dos movimentos feministas, glbt,
e outros movimentos sociais.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Não é possível afirmar se os homens gostaram, uma vez que nenhuma estratégia
metodológica fora elaborada para investigar isso, embora os organizadores tenham
afirmado que sim. Ao encerrar esta vivência, estabeleci contato com a instituição
organizadora no desejo de criar atividades ou parcerias que possibilitassem outros
encontros como este, o que revelou interesse, escassez e inovação na construção de uma
abordagem de palhaçaria para ensino de saúde. Mas a pandemia do coronavírus encerrou
as atividades presenciais, e com isso ficou difícil retomar qualquer atividade nesse
sentido.
AGRADECIMENTOS
REFERENCIAS
BORGES, Ana Cristina Valente e CORDEIRO, Karla Abranches (2017) Palhaçaria Feminina:
trajetória de investigação e construção dramatúrgica de espetáculos dirigidos por Karla
Conká. Seminário Internacional Fazendo Gênero (Anais eletrônicos). Florianópolis.
CASTRO, Lili (2019) Palhaços: multiplicidade, performance e hibridismo. Rio de Janeiro:
Mórula.
FÉRAL, Josette (2015) Além dos limites: teoria e prática do teatro. São Paulo,
Perspectiva.
FREIRE, P. (2005) Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e terra.
MATRACA, M. V. C., WIMMER, G. e ARAUJO-JORGE, T. C. Dialogia do riso: um novo
conceito que introduz alegria para a promoção da saúde apoiando-se no diálogo, no riso,
na alegria e na arte da palhaçaria. Revista Ciência Saúde Coletiva 16 (10) out 2011.
MARANDINO, M, SILVEIRA, R. V.M., CHELINI, M. J., FERNANDES, A. B., RACHID, V.,
MARTINS, L. C., LOURENÇO, M. F., FERNANDES, J. A., FLORENTINO, H. A. (2003) A
educação não formal e a divulgação científica: o que pensa quem faz? Bauru, SP:
ENPEC/ABRAPEC
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Capítulo 9
A PRÁTICA DA ARTE PALHAÇARIA POR
PESSOAS COM AFASIA EM CONTEXTO
PRESENCIAL E REMOTO: RELATO DE
EXPERIÊNCIA DO PROJETO PALHAFASIA
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
INTRODUÇÃO
A afasia acomete, em sua maioria, pessoas com 60 anos ou mais, sendo que a causa
mais frequente da afasia é o acidente vascular cerebral (AVC). O tratamento do AVC agudo
no Brasil tem tido importantes avanços, de modo que o número de sobreviventes tem
aumentado, aumentando, assim, o número de pessoas que vivem com afasia.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
a saúde mental das pessoas que vivem com afasia vem ganhando mais espaço. A literatura
científica vem pautando de forma crescente a importância de considerar as evidências de
redução da qualidade de vida de pessoas com afasia. No Brasil, sobreviventes de AVC (a
principal causa da afasia) apresentam incidências altas de depressão. Os achados
demonstram que a participação em grupos sociais modera os efeitos da depressão e da
deficiência na qualidade de vida dos sobreviventes de AVC. Além disso, atividades
artísticas mostram-se eficazes na promoção da saúde mental dessa população.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
abordado em práticas de palhaçaria que promovem a interação com pessoas que vivem
com demência (HENDRIKS, 2012).
A possibilidade que o palhaço tem de expor e lidar com fracassos tem potencial
para mudar o que é visto como "eficaz" ou “bem-sucedido”. O palhaço que toca a plateia é
aquele que expõe seus "fracassos" e desafia o medo do ridículo. Nesse sentido, pode-se
esperar uma mudança sobre as concepções de sucesso na percepção dos indivíduos que
praticam palhaçaria e dos espectadores participantes. A palhaçaria implica brincadeira,
que está associada a emoções positivas e bem-estar. Os adultos geralmente são privados
do lúdico e da diversão, e a arte clownesca pode atender à necessidade humana de brincar
(DUARTE; ROCHA; BRANDAO, 2020).
PROJETO PALHAFASIA
O Palhafasia é um projeto de extensão voltado para pessoas com afasia e que coloca
alunos de graduação em Fonoaudiologia, Psicologia, Dança e Artes Cênicas em contato
com uma prática humanizadora de promoção à saúde. Os encontros do grupo fomentam
a prática ativa da palhaçaria pelos participantes a partir de jogos e improvisações que
envolvem corpo, voz, gestos e face. Com isso, cada membro do grupo de palhaçaria é
estimulado a descobrir seu próprio palhaço e a trabalhar aspectos como empatia,
iniciativa, humor, atenção compartilhada e reciprocidade. Sobre o acolhimento e a
sensação de pertencimento no grupo, uma participante com afasia relata:
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
O ambiente para as práticas de jogo envolve objetos e figurinos, bem como uso de
música. Esses aspectos, combinados com o foco em relações horizontais, zelam pelo
cuidado e pela segurança afetiva de todos os participantes.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
PENDZIK, 2018). Evoluem do estágio de estar sozinho em cena e entrar em contato visual
com o grupo, que faz as vezes de público espectador nas sessões. A seguir, o compartilhar
atenção em relação a um objeto, progredindo para a interação com um parceiro de cena.
Essas interações em parceria envolvem atividades que fazem uso do grammelot, que é
uma técnica teatral que tem sua origem na Commedia Dell’Arte e que utiliza o recurso de
linguagem através dos gestos, ritmos e sonoridades, podendo ser visto como um jogo
onomatopeico de palavras. Também são exploradas práticas de improvisação guiadas que
revelam a expressão espontânea e ridícula de facetas dos palhaços Augustos e Brancos,
tipos de caráter que podem se alternar em um mesmo palhaço ou que podem predominar
na maneira de agir de diferentes palhaços. O palhaço Augusto é conhecido por ser
ingênuo, bobo, desajeitado e humilde. O palhaço Branco é conhecido pelo seu caráter
intelectual, dominador e elegante, e em geral representa o tolo que acha que sabe o que
está fazendo. Essas facetas não devem ser entendidas de forma superficial, como
definidoras dos palhaços, que ora sentem-se mais de uma forma do que de outra,
desenvolvendo flexibilidade para alternar papéis em favor do melhor jogo entre duplas
ou mesmo na interação com objetos (GOMES, 2012).
Quando eu trabalhava ... tudo que eu fazia tinha que ser certinho. Tudo
tinha que ser feito a tempo ... Eu não podia simplesmente não ficar brabo
quando as coisas davam errado. Então eu tive um ... AVC. Isso me fez
começar a fazer outras coisas. Comecei a fazer fono. Eu fui para ... (faz um
gesto de dança e canta ao mesmo tempo)... fui ser palhaço. Foi quando
comecei a brincar com todo mundo. Aí tudo virou uma coisa boa na minha
vida. Fica cada vez melhor. Meu nome de palhaço é Nene. Hoje Nene é o
que eu tenho e agora serei Nene. Ele é um cara brincalhão. Ele tem
problemas de fala e brinca. Ele sabe que ficar com raiva não ajuda em
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
nada. A vida é assim. Quando ele se apresenta no teatro… ahhh é tão bom
(risos)… É uma coisa muito louca (sorriso).
Cada vez mais vemos estudos sendo realizados que abordam o efeito da
participação ativa de performances teatrais na vida de pessoas com distúrbios
neurológicos. A literatura demonstra que há fortes indícios de que as experiências de
performance teatral de pessoas que vivem com afasia (COTE, 2011) e demência
(STEVENS, 2012) são marcadas pela presença do humor e produzem benefícios para a
autoestima e expressividade não verbal. A prática da palhaçaria por pessoas com afasia
mostra-se como potente (DUARTE, ROCHA & BRANDÃO, 2020) e embora a maior parte
das publicações internacionais relatem os efeitos de visitas de palhaços a populações
hospitalizadas ou institucionalizadas, alguns estudos brasileiros ligados à palhaçaria já
relatam a prática ativa dessa arte por pessoas com deficiência intelectual (CZÉKUS, 2012;
GÓMEZ, 2017). Essas pesquisas marcam o estabelecimento de diálogos mais inclusivos
entre os territórios da arte e da terapia. Tratam do tema da vulnerabilidade e do
autoconhecimento a partir do processo de despertar do próprio palhaço, reconhecendo
os efeitos dessa arte sobre a saúde. Os próprios pesquisadores do campo das Artes Cênicas
têm constatado que mesmo sem buscarem finalidades estritamente terapêuticas, os
efeitos terapêuticos da prática da palhaçaria estão presentes (GÓMEZ, 2017).
Gradualmente, os efeitos terapêuticos da prática da palhaçaria vêm sendo reconhecidos à
medida que surgem publicações sobre os benefícios de desenvolver abordagens ativas
com determinadas populações (GORDON, SHENAR, PENDZIK, 2018).
125
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
INCLUSÃO DIGITAL
A literatura recente já demonstra que as pessoas que vivem com afasia anseiam
por inclusão digital e que, apesar dos desafios na aprendizagem do uso tecnológico,
sentem-se motivadas a aprender quando recebem suporte e quando as interações virtuais
são significativas (HOPPER, 2021).
126
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
127
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Nesse momento, essa conversa visava oferecer escuta acerca das dificuldades
enfrentadas no contexto de pandemia, contemplando também discussões sobre temas de
interesse e trocas sobre memórias e experiências de vida. Uma atividade realizada nesses
encontros foi a caixa de memórias: os participantes colocavam, semanalmente, um objeto,
foto ou música que remetesse a memórias marcantes em uma caixa, conversando a cada
semana sobre uma memória diferente. Isso proporcionou um diálogo permeado por
sentimentos de alegria e nostalgia, assim como um momento para maior conexão entre a
equipe e os participantes.
À medida que essa interação individualizada se consolidou, ficou claro que havia,
ainda, uma demanda por outro contexto: o de grupo. Para isso, a equipe optou por
introduzir o uso da plataforma Zoom, com o objetivo de, semanalmente, oferecer um
momento com todos os participantes e com a equipe, voltado para a retomada virtual das
atividades do Palhafasia.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
IMPACTOS NA FORMAÇÃO
129
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Por fim, outra voluntária traz seu depoimento, apresentando um terceiro aspecto
que o grupo de alunas ressalta:
130
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
É bem nítido para mim que esse momento que temos toda semana com
alguns participantes é algo que os impacta positivamente. Não é apenas
uma chance de conversar, o que é importante pensando em habilidades
comunicativas; é também um momento de apoio. Aos poucos, vamos
formando uma relação de escuta e proximidade, dando vazão a demandas
que não conseguem ser acolhidas num encontro com o grupo todo. Com
essa atenção mais focada, podemos conversar sobre histórias de vida,
assuntos de interesse, e acompanhar alegrias e dificuldades vivenciadas
durante a pandemia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
131
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
132
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
133
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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135
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Capítulo 10
PROTOCOLO DE BIOSSEGURANÇA PARA
PALHAÇOS DE HOSPITAL: PROMOVENDO
ATIVIDADES LÚDICAS COM
RESPONSABILIDADE
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
INTRODUÇÃO
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
MÉTODOS
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Tendo em vista atuação dos palhaços foi elaborado um protocolo com base nas
recomendações publicadas pelos órgãos nacionais e internacionais competentes:
Ministério da Saúde (MS) (BRASIL, 2006, 2013, 2020a, 2020b, 2020c, 2020d) e do
Trabalho (BRASIL, 2005), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (BRASIL,
2009, 2013), Organização Mundial da Saúde (OMS) (2005), Center for Disease Control and
Prevention (CDC) (CDC, 2007; BOYCE; PITTET, 2002), Organização Pan-Americana de
Saúde (OPAS) (2020), Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) (2020a, 2020b) e
Conselho Federal de Farmácia (CFF). (CFF, 2020; SORRISO DE PLANTÃO, 2020). Além
disso, foram agregadas informações sobre as práticas de biossegurança utilizadas pelo
Projeto de Extensão Universitária Sorriso de Plantão (KRATZEL et al., 2020), para ampliar
e adaptar as normas sanitárias e demais riscos existentes no cenário hospitalar frente as
atividades presenciais dos palhaços.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
IMUNIZAÇÃO
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
proteger de uma variedade de doenças graves e de suas complicações, que podem até
levar à morte.
O álcool em gel a 70% pode ser utilizado quando as mãos não estiverem
visivelmente sujas. Para isso utilizar os dispensadores deste produto instalados na
Instituição de Saúde (BRASIL, 2009). Também é recomendado que cada palhaço leve
consigo uma embalagem individual de álcool em gel no bolso do seu jaleco, faz parte do
seu instrumento de trabalho.
Antes de iniciar qualquer uma dessas técnicas, é necessário retirar joias (anéis,
pulseiras, relógio), pois sob tais objetos podem acumular microrganismos. (BOYCE;
PITTET, 2002; BRASIL, 2009).
VENTILAÇÃO
As portas e janelas devem ser mantidas, sempre que possível, abertas para a
ventilação do ambiente (BRASIL, 2020c). Em caso de presença de ar-condicionado, seguir
as recomendações de uso da instituição de saúde. Ventiladores devem ser evitados, uma
vez que podem aumentar a transmissão do vírus em ambientes fechados (WHO, 2020).
DISTANCIAMENTO FÍSICO
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
boca. Não sentar no leito do paciente ou no chão. Não cumprimentar as pessoas com
apertos de mãos, abraços ou beijos (BRASIL, 2020c).
Entende-se que é muito difícil porque o palhaço estabelece uma relação afetiva,
estes momentos constroem vínculos e são muito convenientes para extravasar os
sentimentos reprimidos. Espera-se que no período pós-pandemia as atividades de rotina
possam ser continuadas oportunizando esses momentos de contato, como aperto de mão
e abraço, mas sempre respeitando as normas de biossegurança hospitalar.
141
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Destaca-se que é essencial que cada palhaço tenha seus próprios produtos, como
pincéis, pancake, blush, batom, rímel entre outros e o seu uso ser estritamente individual.
Além disso, a maquiagem deve ser mínima para ressaltar os traços característicos do
“palhaço” como ser humano, recomenda-se cores primárias como vermelha, branco e
preto. Demais cores podem remeter a hematomas e causar rejeição e/ou medo do palhaço
(MELO; SILVA, 2019).
As unhas devem ser mantidas curtas e sem esmaltes, para garantir a adequada
higienização das mãos (BRASIL, 2009; COFEN, 2020a; WHO, 2020). Os cabelos devem
estar limpos, penteados e presos, podendo ser adotados: rabos de cavalo, faixas,
142
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
tiaras, tranças, grampos ou coques. Os homens devem realizar a tricotomia facial, pois a
presença da barba pode comprometer a adesão da máscara (COFEN, 2020b).
Higienizar, com álcool líquido a 70% e papel toalha, os brinquedos após o uso por
cada paciente, bem como outros instrumentais utilizados nas atividades. Todos esses
itens devem ser organizados para o próximo plantão, armazenados em caixas de plástico/
armários devidamente identificados. Os produtos das brinquedotecas são de
responsabilidade do hospital, já os privativos dos palhaços, os mesmos higienizam. Em
relação aos livros utilizados na contação de histórias, estes devem ser encapados com
papel contact transparente e após a realização das atividades devem ser higienizados com
álcool 70% (MELO; SILVA, 2019).
143
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
b. Calça até o tornozelo e que não apresente furos ou rasgos, havendo este tipo de
vestimenta é orientado uso de meia calça longa ou forro na roupa (Figura 1).
c. Jaleco, de manga longa, cobrindo os braços e o tronco, deve ser usado fechado porque
representa uma dupla proteção para paciente e o palhaço. É estimulado o uso na cor
branca, preconizado no cenário hospitalar, porque visualiza com facilidade a sujidade.
Sugere-se que tenha o logotipo do projeto para identificação do grupo e o nome do
palhaço geralmente no bolso. O corpo do jaleco pode ser pintado ou customizado de modo
que possa ser lavado. Uma outra sugestão é o uso de enfeites com velcro que podem ser
aderidos e depois retirados para higienização separadamente. Por proteger o palhaço e o
paciente, deve ser utilizado apenas no hospital, não é recomendado o uso em outros
cenários. A restrição de adereços nos bolsos e na confecção do jaleco é devido ao risco de
infecção cruzada, pois são materiais vindos de fora do hospital que podem transportar
fungos, bactérias, ácaros e vírus. Desse modo, estes podem ser contaminados e disseminar
nas residências dos palhaços. É importante ressaltar que o jaleco deve ser guardado e
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
transportado em saco limpo que pode ser confeccionado de TNT ou outro tipo de tecido,
desde que não aja contato com objetos pessoais.
d. Gorro. Deve cobrir totalmente o cabelo e as orelhas (COFEN, 2020b). Não é sugerido o
uso de perucas, é um adorno que acumula sujidade, se for utilizado que seja higienizado
após cada plantão.
g. Luvas de procedimento não estéreis. As luvas devem ser removidas, utilizando a técnica
correta e descartadas como resíduo infectante. Não tocar de forma desnecessária
superfícies e materiais (Exemplo: celulares, maçanetas, canetas, portas) quando estiver
com luvas. O uso das luvas não substitui a higienização das mãos (COFEN, 2020b).
h. Protetor facial (face shields). Como forma de adaptação e interação lúdica, o Laboratório
de Experimentos em Designer (LED) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
desenvolveu um adereço, denominado “Feliz Shield”, que é fixado a face shield com fita
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
dupla face. São diversos modelos que simulam a aparência de personagens de desenhos
animados. Eles podem ser impressos em folhas A4, recortados e revestidos com papel
adesivo transparente, assim podem ser higienizados com álcool 70%. Pode ser utilizado
pelos palhaços e também por profissionais de saúde, no período da pandemia COVID- 19
deve ser acompanhado pela máscara cirúrgica (Figura 2).
i. Avental de TNT, é uma opção descartável que pode ser utilizada por cima da roupa e
jaleco do palhaço. Em uma experiência do Projeto Sorriso de Plantão no período da
Pandemia do novo coronavírus, modelos foram confeccionados com estampas coloridas
e/ou personagens infantis como forma de interação com as crianças e caracterização dos
palhaços diferenciando-os dos profissionais de saúde (Figura 3).
Figura 3 – Fotografia demonstrando os palhaços de hospital utilizando os aventais em TNT com estampas
coloridas.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Os palhaços que tiverem contato com pessoas suspeitas e/ou diagnosticadas com
doenças infecto contagiosas ou apresentarem qualquer sinal ou sintoma como: dor de
garganta, febre, tosse, dificuldade para respirar, diarreia, cefaleia, cansaço ou fadiga,
perda do olfato e do paladar, não deverão comparecer as atividades, devendo manter o
isolamento domiciliar e procurar assistência médica. Este procedimento evita a
transmissão do vírus para os pacientes, acompanhantes, visitantes e profissionais da
instituição (BRASIL, 2020a, 2020d).
CAPACITAÇÃO
CONCLUSÃO
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
AGRADECIMENTOS
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
REFERÊNCIAS
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151
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
152
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Capítulo 11
DE DOTÔ, PALHAÇO E LOUCO TODO
MUNDO TEM UM POUCO:
A PRÁTICA DA SAÚDE E O TERRITÓRIO
DO BRINCAR
153
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Peço licença para começar a prosa a partir da minha caminhada uma vez que é de
lá que nascem as inquietações que mobilizam essa escrita. Durante quase toda a
graduação de psicologia nenhuma abordagem tinha feito muito sentido, tudo me parecia
muito sério, meu jeito meio dado a brincadeira me dava sempre a sensação de
inadequação. Até que no último semestre me deparei com o Psicodrama e foi amor à
primeira vista. O Psicodrama é o encontro da arte do teatro com o espaço de cuidado
subjetivo, a espontaneidade e a criatividade são afirmadas como parâmetros de saúde.
Segui com meus estudos na Associação Brasiliense de Psicodrama de Brasília até que um
dia uma colega de turma me arrastou para uma Oficina de Palhaçaria, onde tive a vida
virada de cabeça para baixo, ou para cima a depender do referencial.
154
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Entrar em contato com essa linguagem foi uma grata surpresa da vida. Como quem
tropeça no meio do caminho e por um acaso avista outro, me vi encantada por essa outra
estrada, irremediavelmente apaixonada por essa linguagem que me dava tanta liberdade
para ser eu mesma. Mergulhei de cabeça. Fiz outras oficinas. Passei a ir semanalmente ao
hospital de Palhaça. Assisti inúmeros espetáculos ao vivo e gravados. Me arrisquei a
montar um número. Viajei com o carro cheio de palhaças e palhaços, acredite, é uma
aventura. Partilhei refeições, observei, conversei, dancei, ri, admirei e amei palhaços e
palhaças.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Trago nesse texto uma tentativa de aproximação entre esses universos que me
transpassaram, de psicóloga, de mulher palhaça, de sanitarista e de psicodramatista. As
trilhas de caminho que segui na vida me permitem transitar no universo artístico da
Palhaçaria, mas também no universo da Saúde. Sendo assim, convido você leitor que já
transita no universo da Saúde a caminhar comigo nesse universo encantador do Palhaço
e da Palhaça.
E O PALHAÇO O QUE É?
Quero seguir essa trilha com uma música popular da Carroça de Mamulengo
“Canções de Palhaço”, esperando que ela comece a tocar na sua cabeça assim como toca
na minha.
É bem provável que você já tenha ido ao circo quando criança e ainda se lembre
daquela experiência do cheiro da pipoca, da lona colorida e abafada e da arquibancada em
tábua de madeira. O mestre de pista anuncia cada número com o maior entusiasmo, dando
ênfase na habilidade do circense que entrará em cena como algo que nunca foi visto antes.
Debaixo daquela lona colorida acontecem coisas de fato incríveis: pessoas voam,
acontecem mágicas, malabarismos e equilibrismos. Admiramos, torcemos, ficamos tensos
e aplaudimos efusivamente quando o circense triunfa com a sua peripécia. Porém
tamanha destreza causa algum distanciamento, o espectador comum consegue admirar,
mas não se identificar. Aquele conjunto de habilidades está muito longe do seu cotidiano
e da sua capacidade corporal.
156
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Em meio a todas essas figuras quase super-humanas, surge o palhaço. Diante dos
corpos que voam e pousam com esplendor e elegância, o palhaço é a figura que tropeça e
cai, que fracassa. O público rompe em risadas, é um alívio ver uma figura em que é possível
se identificar, que faz coisas que eu e você sabemos fazer, como tropeçar e cair por
exemplo. Apesar do tropeço ser algo comum em nossas vidas, jamais, em hipótese alguma
estamos autorizados a admitir que tropeçamos, portanto ver o palhaço tropeçar é uma
forma de se identificar, porém se livrando de um peso “Que bom que é ele e não sou eu.”
Dentro do circo moderno europeu do século XVIII o palhaço surge com essa função
de parodiar as grandes habilidades trazendo a comicidade para aquele contexto, sendo
seu assunto principal o próprio circo. Essa característica metalinguística ainda que não
exclusivamente, se mantém até hoje. Nesse contexto histórico, duas figuras clownescas
distintas e complementares se firmaram: o Branco e o Augusto. Nessa dupla um
representa a ordem e é responsável por ditar as normas, e o outro, uma figura marginal
que não se encaixa no progresso, com seu desajuste subverte as ordens às vezes sem nem
perceber. Essas máscaras cômicas fizeram uma clara representação das questões sociais
europeias advindas da revolução industrial como a miséria e a gritante desigualdade
social, carregando consigo a função de denúncia social e de identificação com as classes
populares através do riso (BOLOGNESI, 2003). Esse modelo de comicidade tem forte
influência até os dias de hoje, muito provavelmente por ainda representar as estruturas
sociais de dominação, opressão e desigualdade sociais que continuam se repetindo no
tempo presente e apresentar caminhos de subversão e de sobrevivência.
Alice Viveiros de Castro (2005) em seu livro “O elogio à bobagem” traz uma
narrativa do palhaço para além da figura do circo, mas a de um arquétipo que esteve
presente na história muito antes da criação do circo moderno no século XVIII. Um exemplo
clássico são os bobos da corte que ocupavam lugar especial dentro das cortes, tinham por
função o entretenimento, mas também tinham a liberdade de falar o que todos queriam
falar, mas não podiam. Segundo Burnier (2009) “não eram atores que desempenhavam
seu papel no palco; ao contrário, continuavam sendo bufões e bobos em todas as
circunstâncias da vida. Encarnavam uma forma especial de vida, simultaneamente real e
irreal, fronteiriça entre a arte e a vida”.
Essa forma de vida também foi encontrada nos povos originários que já
aguardavam consigo a sabedoria da importância do riso e da brincadeira. No Brasil, o
157
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
povo indígena Krahô vive ao norte do Tocantins, e é conhecido por ser um povo que ri
muito. O Hotxuá, é um palhaço sagrado, e é profundamente respeitado pela sua
comunidade. Ele vive no meio da aldeia levando o riso e a brincadeira para o cotidiano,
usando a força do humor e do riso para fortalecer a autoestima do povoado, garantindo a
sua cultura milenar e afastando o espírito de depressão da tribo. Independente da forma,
das roupas, da tipicidade física, todas essas figuras carregam consigo a mesma função de
questionamento da ordem e de fazer rir.
Sua função social é fazer rir e dar prazer. Ele não descobre as leis que
regem o universo, mas nos faz viver com mais felicidade. E esta é sua
incomparável função na sociedade. Enquanto milhões se dedicam às
nobres tarefas de matar, se apossar de territórios vizinhos e acumular
riquezas, o palhaço empenha-se em provocar o riso de seus semelhantes.
Ele não se dedica às grandes questões do espírito nem às “altas
prosopopeias” filosóficas; gasta seu tempo e o nosso com.... bobagens. O
palhaço é o sacerdote da besteira, das inutilidades, da bobeira... Tudo o
que não tem importância lhe interessa. (CASTRO, 2005)
O RISO
Que função social é essa? Fazer rir? Quando olhamos para profissionais de saúde
conseguimos pensar claramente na sua nobre função de curar, recuperar, prevenir e
promover saúde, e rapidamente isso é associado a um valor social. É claro que curar quem
está doente é valoroso, mas e fazer rir? Qual a função disso?
O riso em si é algo curioso. Do que exatamente rimos? Bergson afirma que “não
existe cômico fora do que é propriamente humano” (BERGSON, 1993). Só é possível rir de
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Além de fisiologicamente o riso ser prazeroso e benéfico, ele sempre nos lembra
da nossa humanidade, como se nos trouxesse de volta ao corpo. “No riso e no choro, o
controle habitual do homem sobre os usos do seu corpo é perdido. Ele ‘cai’ no riso ou no
choro” (BERGER, 2017). Essa espécie de colapso que sofremos nos desloca da nossa
racionalidade nos fazendo experimentar algo visceral e arcaico, nos conectamos com
nossa essência humana.
O riso é capaz de derrubar barreiras sociais mesmo que por um breve momento.
Imagine uma plateia que tenha ricos e pobres. É possível que a princípio existam olhares
de estranhamento entre as pessoas, porém quando a risada se instala todos são
relembrados da sua humanidade e nesse momento as camadas construídas socialmente
perdem o sentido. A pessoa ao lado se torna cúmplice de um processo de identificação de
algo que as duas já vivenciaram, independente de qual classe social pertençam.
Uma pesquisa feita pelo Dr. Palhaço Matraca sobre a sua intervenção artística com
população em situação de rua, com o objetivo de investigar o potencial dialógico da arte
da Palhaçaria e do riso para a promoção da saúde, afirma:
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Apesar de saber disso, por algum motivo compreendemos que a saúde é assunto
sério demais para que o caiba o riso. Talvez exista uma confusão entre seriedade e sisudez,
porque afinal de contas, o riso é coisa séria.
A SAÚDE
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Uma ampliação do conceito de saúde também foi emplacada pelo campo da Saúde
Coletiva que surge como uma área de conhecimento que pretende compreender a saúde
e a doença como um processo que se relaciona com a estrutura da sociedade, o homem
como ser social e histórico, assumindo os determinantes sociais e o exercício das ações de
saúde como uma prática social. (PAIM, 1982). Sendo assim, a saúde passa a ser
compreendida como um campo complexo e outras disciplinas ganham espaço nessa
construção de saberes e práticas da saúde. Apesar de não ser usual, compreendo que a
arte e, mais especificamente a arte da Palhaçaria, também tem muito a contribuir para
esse campo por lidar de forma muito profunda com o humano, sendo um potencial de
promoção de saúde.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
A Educação Popular traz para campo saúde aspectos da vivência humana que
escapam da compreensão racional e que são também constitutivos e determinantes da
saúde da população. A arte é capaz de alcançar esses sentidos e ser uma possibilidade de
reelaboração da realidade, sendo uma importante ferramenta na produção de saúde.
Faço agora um convite a você leitor para fazer uma incursão para trás do nariz
vermelho, para compreender algumas estruturas e princípios que dão sustentação ao uso
dessa máscara e que podem contribuir com reflexão do papel social de trabalhador da
saúde. Seria impossível esgotar esse assunto porque, por incrível que pareça, atrás do
nariz vermelho tem um mundo de complexidades. Faço aqui um recorte dos princípios
que me foram úteis na vida e no exercício da minha profissão. É uma síntese das minhas
experiências em oficinas, leituras e prática como Palhaça no ambiente hospitalar e da
minha compreensão de como esses saberes podem ser úteis para nós profissionais da
saúde.
Figura 3 – Palhaça Dikeka e Palhaça Kuia no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB)
Fonte: Acervo pessoal.
162
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
O FRACASSO
O medo do erro e do insucesso é capaz do nos fazer deixar de fruir a vida. Deixamos
de dançar por não “saber dançar direito”, deixamos de ir ao clube por não estar com o
corpo perfeito, fechamos o coração para o amor por erros na última relação, a lista é
interminável e cada pessoa vai ter a sua. A experiência clínica tem me mostrado de forma
muito concreta que esse medo de errar e de fracassar em vários momentos está
intimamente ligado a um medo profundo de não ser aceito e de não ser amado. Essa
afirmação daria uma prosa para um trabalho inteiro, mas deixemos para um outro
momento. Contrariando essa lógica, o palhaço é a figura do fracasso e quanto mais ele é
honesto no seu erro, mais o público se empatiza e ama aquela figura.
Simpatia é quando a plateia olha e diz ―Oh, eu sei, eu entendo como essa
sensação é. E a empatia é a reação mais forte. É quando nós sentimos o
que a pessoa sente. E isso acessa as conexões dos neurônios do nosso
cérebro, provocando uma sensação de bem-estar. (Avner Eisenberg)
Imagine uma reunião de equipe, João se levanta de forma meio desastrada e acaba
catando cavaco e caindo no chão, mas sem se machucar. É uma cena absolutamente
inusitada para o cotidiano, todos sentem vontade de rir, porém existe um micro segundo
absolutamente tenso de espera pela reação do colega que caiu. Se João ficar muito sem
163
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
graça e fechar o semblante, é como se ele não estivesse permitindo as risadas, todos vão
segurar o riso e o clima vai escalonar em vergonha e tensão. Na cabeça de João
provavelmente pairaram vários pensamentos como “nossa, que vergonha, eu caí na frente
dos meus colegas”; “o que será que eles vão pensar de mim?”; “eu sou muito desastrado
mesmo”.
Essa sabedoria de aceitar o fracasso é essencial para ser Palhaço ou Palhaça, mas
também é uma sabedoria que pode ser uma benção na vida de qualquer pessoa. É o que
me motiva a escrever todo esse trabalho, contribuir para que a vida fique mais leve. Ter
aprendido a lidar de forma mais acolhedora com meus erros foi a melhor aquisição da
vida com toda certeza, melhor que açaí em dias quentes. Aceitar a condição humana do
erro traz benefícios pessoais e relacionais, é muito mais fácil se imaginar conversando
com uma pessoa comum do que com um super-herói, imagem facilmente associada aos
profissionais de saúde. Schneider e Silva no Caderno de Humanização, levantam questões
que representam alguns elementos coletivos desse papel social de trabalhador da saúde.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
reconhecido por sua inteligência e sua habilidade com a medicina e foi ferido
acidentalmente por uma flecha envenenada lançada por Hércules. Devido à sua
imortalidade, não faleceu, passando a conviver de forma crônica com esse ferimento, e a
partir da sua dor pessoal ele pode compreender empaticamente a dimensão do
sofrimento daqueles que curava. Essa figura da mitologia grega lança luz sobre a
construção do papel de profissional de saúde, para cuidar com empatia é necessário
acessar as próprias dores, reconhecer a condição humana e não super-humana. Aceitar
essa condição facilita a formação de vínculos e o estabelecimento de diálogo que “implica
escuta interessada, humildade para aprender, amorosidade para o encontro, esperança
na mudança de si, do outro e da realidade” (BRASIL, 2012).
“Encontro de dois.
Olho no olho.
Cara a cara.
E quando estiveres perto
eu arrancarei
os seus olhos
e os colocarei no lugar dos meus.
E tu arrancará
os meus olhos
e os colocará no lugar dos teus.
Então eu te olharei com teus olhos
e tu me olharás com os meus”.
JACOB LEVY MORENO (1993)
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
O Palhaço e a Palhaça são seres ingênuos e espontâneos: não tem essa capacidade
de esconderem seus reais sentimentos, eles reagem de forma muito honesta e por vezes
exagerada a tudo o que sentem. Se baterem a cara na parede, vão expressar sua dor com
seu corpo inteiro; se estiverem irritados com seu parceiro(a), rapidamente a discussão
pode virar uma luta de boxe; se sentirem atraídos por alguém que passou pelo corredor,
é possível que eles suspirem de amor e vão atrás da pessoa. O nariz vermelho revela o ser
humano que tem emoções, sentimentos dilatados e que reage a eles por meio do seu
corpo, isso é o que chamamos dar corpo a essas emoções. O clown coloca uma lupa nessas
emoções, por intermédio do seu corpo. (WUO 1999 p.21)
166
Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
A escuta tem algumas dimensões, uma delas é a interna, se relaciona com o que foi
dito anteriormente sobre as emoções, é uma atenção direcionada para os acontecimentos
afetivos internos, para os impulsos e para a intuição. Uma outra dimensão é a Escuta
voltada para o outro. Na prática da Palhaçaria hospitalar, a Escuta entre a dupla de
palhaços se faz absolutamente necessária. Quanto mais tempo de atuação a dupla tem,
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
mais a sintonia tende a aumentar e a Escuta vai ficando cada vez mais natural, refinada e
fluida.
Outro ponto importante dentro dessa escuta é estar sempre no “sim”, é a resposta
básica para tudo. Se meu parceiro propõe um jogo, eu não posso ignorar a proposta dele
e propor outra coisa, preciso primeiro aceitar para depois fazer uma contraproposta.
Trago um exemplo que vivenciei para clarear essa ideia. Estava em uma visita com meu
parceiro e ele começou a fazer um zunido com a boca imitando uma mosca e falou “Dikeka,
você está ouvindo isso?”. Nesse momento ele está me chamando para um jogo com uma
mosca imaginária, não faço ideia de onde ele quer chegar com isso, provável que ele
também não. Embarquei na onda dele, disse sim, comecei a procurar com ele de onde
vinha o barulho. “Aqui Trevo, olha o tamanho dessa mosca!”. Ele pega um mata-moscas
que estava carregando e começamos a caça a mosca. Depois de pousar em vários lugares
e voar quando estávamos prestes a acertá-la, ela pousa na cabeça da criança, nos
preparamos para bater na cabeça da criança com o mata mosca, enquanto isso, ela já
estava se dobrando de rir, então pronto! Missão cumprida!
Além dessa Escuta direcionada à parceria de trabalho, existe também uma Escuta
direcionada ao público. O artista de rua Chacovatti em seu livro Manual e Guia do Palhaço
de Rua descreve a apresentação de um palhaço da seguinte forma:
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
(CHACOVATTI, 2016)
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Carolina. Caminhos para uma palhaça : investigação a partir da obra
de Avner , The Eccentric. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas). Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. 2011.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
BUSS, Paulo Marchiori, and Alberto Pellegrini Filho. A saúde e seus determinantes
sociais. Physis: revista de saúde coletiva 17 (2007): 77-93.
BUSS, Paulo Marchiori. Uma introdução ao conceito de promoção da saúde. In:
CZERESNIA, Dina; DE FREITAS, Carlos Machado. Promoção da saúde: conceitos,
reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2009. p. 19-42
CASTRO, Alice Viveiros De. O Elogio da Bobagem - palhaços no Brasil. Rio de Janeiro:
Editora Família Bastos, 2005.
CATAPAN, Soraia de Camargo; OLIVEIRA, Walter Ferreira de; ROTTA, Tatiana Marcela.
Palhaçoterapia em ambiente hospitalar: uma revisão de literatura. Ciência & Saúde
Coletiva, v. 24, p. 3417-3429, 2019.
CHACOVACHI. Manual e guia do palhaço de rua. 2a ed. La Plata: Contramar, 2016.
CZERESNIA, Dina; DE SEIXAS MACIEL, Elvira Maria Godinho; OVIEDO, Rafael Antonio
Malagón. Os sentidos da saúde e da doença. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013.
PAIM, J. S.; ALMEIDA FILHO, N. Saúde coletiva: uma nova saúde pública ou campo
aberto a novos paradigmas? Revista de saúde pública, São Paulo. v.32, n.4, p. 299-316,
1998.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Capítulo 12
PALHAÇARIA E O CUIDADO DE SI
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
PALHAÇARIA E O CUIDADO DE SI
Fábio Nieto-Lopez
Karen Kessy
Naiommi Schinke Campos
Ocorreu, então, algo que ainda me surpreende e que não consigo descrever de uma
maneira precisa. Estava tomado pela ansiedade de iniciar mais um dia de oficina, com
exercícios já escolhidos, trilha sonora pronta para acompanhar diferentes momentos, sala
limpa, pessoas chegando. Neste momento, uma das estudantes que chega vem até a mim,
me olha e me abraça. Pega nas minhas mãos e me agradece pelo o que eu estava
proporcionando em sua vida, em sua relação consiga mesma, em mudanças que estavam
acontecendo nas outras relações de sua vida. Por quê? Como assim? O que eu fiz? Foram
as perguntas que ocorriam e tentava traduzir por um olhar reticente de quem quer ouvir
mais, mas ali, naquele momento, era isso. Era tudo isso.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Certa vez, há muitos anos, eu estava nos corredores das Obras Sociais Irmã Dulce
interagindo com as pessoas depois de ter trabalhado uma manhã inteira de palhaço. No
canto, próximo ao restaurante, um maqueiro olhava para mim e ria muito. Depois de um
tempo assim ele acena para que eu vá até perto dele e me pergunta: você acha que ainda
está vestido de palhaço, né? Eu quase levei um choque. Era exatamente isto o que estava
acontecendo, eu ainda estava embalado pela força, dinâmica, vivacidade, agilidade
daquela manhã. Apesar de tomar o cuidado de demarcar a ação do palhaço com o uso do
nariz vermelho, de vigiar intrusões de comportamentos e lógicas cotidianas na minha
prática, fui confrontado de que esta experiência não se extinguia ao retirar o nariz e
finalizar meu expediente. Algo ficava.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Karen, por sua vez, já havia iniciado sua própria formação de palhaça. Em comum
entre os dois estudos, além da perspectiva teórica e do conceito de cuidado de si que
investigavam, ambos observavam participantes que realizaram suas experiências
formativas comigo. Se por um lado este fato nos oferecia facilidade de acesso e contato,
também nos impunha, com a mesma vivacidade, limitações importantes nos estudos.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Bem, antes de olhar com mais atenção para o conceito de cuidado de si, estudado
por Foucault, precisamos demarcar diferenças e afastar algumas dúvidas logo no
princípio para evitar equívocos importantes.
Dito isto, podemos compreender que o processo da prática do palhaço possa gerar
efeitos terapêuticos em um sentido bastante amplo, nos mesmos moldes que entendemos
a saúde, não mais como ausência de doença, mas potência de ação criativa em diversos
aspectos da vida. Autores como Pichon-Rivière e Jacob Moreno, por exemplo, desde
meados do século XX já apoiaram suas abordagens de saúde na capacidade humana de
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
CUIDADO DE SI
1. Prática. Em primeiro lugar é uma prática, uma atitude (consigo, com os outros, com o
mundo), uma ação. Dentre as diversas técnicas e práticas tradicionais há diversos
exemplos ao longo da história: meditação, jejum, retiros, exercícios, memorização do
passado, exame da consciência, ritos de purificação, concentração da alma, práticas de
resistência e provação (dor, dificuldades, tentações), preparação para o sonho, escutar
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
cuida do cuidado que temos conosco mesmo; GRUPO. É comum um grupo de pessoas
reunindo-se, associando-se para a prática do cuidado de si, geralmente em torno de um
mestre, um lugar que se elege ir, que se vai sem obrigação, mas pela vontade de
transformar-se a partir da prática.
TRANSFORMAÇÕES DE SI
Uma das participantes relata que havia tido a experiência de, quando criança, ter
subido no palco de um circo, mas que acabou se assustando muito com o palhaço e pulou
para a plateia de uma altura muito alta. Por este acontecimento ela diz que foi
severamente repreendida por seu pai, desenvolvendo o que chamou de trauma de palhaço
e de circo. Com a experiência da oficina ela diz ter conseguido superar esta questão.
Uma participante que já havia tido experiência de palhaço, mas que, curiosamente,
nunca havia realizado oficinas ou um processo formativo antes, mostra em sua fala como
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Outra participante faz uma relação bastante direta entre as oficinas e seu estado
de saúde e diz que “a palhaçaria tem influenciado muito na minha saúde mental”, mas com
bastante compreensão de que não tratava-se de uma resolução, de uma cura, ou mesmo
de um tratamento psicológico. Ela se diz com transtorno de pânico e depressão e, por
conta disso, tem muito medo de ser julgada pelas pessoas ou passar por uma situação
diferente, constrangedora. Devido a isso, evita ao máximo ambientes nos quais estas
situações possam vir a acontecer.
Quando você tem depressão, você se julga o tempo inteiro, você não
dorme se julgando, você não dorme pensando nas atitudes que você
tomou durante seu dia, o que que as pessoas estão pensando de você,
porque que você fez aquilo e, já na aula de palhaçaria, não que eu não faça
esse julgamento, mas o impacto é bem menor. Durante a aula eu não me
faço esse julgamento, eu consegui através das instruções não fazer
esse julgamento.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
aquelas próprias falhas podem ser algo que contribuem para uma melhor
apresentação por exemplo, você consegue driblar esse nervosismo e
desinibir mais, então eu acho que tem contribuído justamente nessa
questão de você não levar tudo pelo lado ruim da coisa. Se acontecer algo
de ruim, como eu falei, uma falha, não só na questão de apresentação por
exemplo, você consegue fazer daquilo algo cômico, por exemplo, e não
precisa ser algo cômico também, porque na palhaçaria eu acredito que
não seja apenas o riso, você vai ter a expressão de vários sentimentos
também, que vai ser algo que vai envolver a sua expressão corporal, Então
a gente aprende também a questão da expressão corporal e isso, acho que
tem me ajudado bastante também, na questão da ansiedade, onde você
observa seu próprio corpo e vê como ele está presente no espaço,
acho que tem disso também na palhaçaria.
Outra palhaça entrevistada, que realizou a oficina há mais tempo, retoma esse
processo de despertar, de conquista de si mesma: “Eu percebi que lá eu podia ser eu assim,
e fazer todas as loucuras que eu pensava, mas que [...] em outros lugares eu não poderia
fazer, mas lá me proporcionou isso, a ser eu mesmo assim.”
Além disso, como nos lembra Foucault, o cuidado de si, mergulha na relação
consigo mesmo, mas possui efeitos nas relações com os outros e com o mundo. Outra
palhaça que havia finalizado sua oficina de curta duração, relata este aspecto:
[...] seu palhaço não é seu personagem, seu palhaço é você, então se você
tá ali e você é mal humorado, você vai ser um palhaço mal humorado, você
vai ser um palhaço estressado, um palhaço birrento, você vai ser um
palhaço chato, ninguém vai te suportar, mas você vai ser você mesmo e
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
A relação com o mestre também surgiu nas falas, parecendo ter dado um suporte
de confiança para o processo que realizaram:
A oficina todos dias tinham exercícios, a cada exercício a gente ganha uma
confiança… e, aprendemos a aceitar os desafios. Não existe o fato de “ah
não sei fazer, ou não vou fazer”, é só fazer e pronto. Hoje se o professor
falar para eu rolar no chão, faria sem medo.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Sobre este aspecto houve para nossa equipe uma importante descoberta ao
perceber que a participante que realizou sua formação há mais tempo e que, desde então,
não realizou outras oficinas depois disso, sente que os efeitos da prática precisam ser
reforçados.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Inicialmente, ao ouvir este relato, Karen se sentiu um pouco frustrada porque não
percebeu a mesma empolgação que vivenciou em seu próprio processo formativo, ou
então na comparação com as respostas daqueles que estavam participando das oficinas.
Contudo, compreendemos que a percepção de que os efeitos de uma prática perdem
bastante de sua potência se não é mais praticada, trouxe maior riqueza e fidedignidade à
proposta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao invés disso, podemos falar sobre os casos estudados, e mostrar que temos
indícios suficientes para pensar na pertinência da relação proposta. Observamos, assim,
a necessidade de novos estudos para esta linha de pensamento investigar diferentes
metodologias de iniciação e prática do palhaço. Com avanços neste caminho talvez
possamos esboçar quais práticas e abordagens metodológicas trariam condições mais
propícias para o cuidado de si.
O aspecto de menor adesão ao conceito de cuidado de si, nos casos observados, foi
o Aguilhão. Não identificamos de maneira evidente este aspecto nas falas ou nas
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
observações na sala de práticas. Como já passamos por este caminho, sabemos que as
dificuldades apareceram e seria leviano pensar que não existem simplesmente porque
não foram relatados. Consideramos que este aspecto do conceito merecia ser melhor
investigado em nossas pesquisas e naquelas que virão.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Nossos estudos nos mostraram com maior vivacidade que a condição de palhaço
não está em qualquer truque, gague ou elemento visual, mesmo que o próprio nariz
vermelho. Para ganhar o direito de acesso à verdade do palhaço é fundamental a
transformação do postulante através de um processo em que se tome como ponto
fundamental, se aceite como seu próprio caminho, dedique-se a si mesmo, observe-se
amorosamente, reconheça seu corpo, suas emoções, sua história, sem julgamentos
aprendidos antes deste processo. Mergulhe em si mesmo, se reconquiste para poder
voltar-se novamente e ganhar o mundo com luz nova, sua luz própria.
REFERÊNCIAS
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
SOBRE OS AUTORES
Alberto Magalhães
É Historiador formado pela Puc-RJ e pela Escola Nacional de Circo. É um dos fundadores
da Companhia de Teatro e Circo Intrépida Trupe e diretor dos Irmãos Brothers. É
acordeonista da Orquestra Sanfônica do Rio de janeiro e trombonista da fanfarra Os
Sideriais. Autor do Livro Três Marujos Perdidos no Mar editado Pela Rocco. Autor e
diretor da Minissérie Bambolina e Bobinaldo. Há quarenta anos representa o palhaço
Bobinaldo.
Alessandra Simões
Docente, pesquisadora e artista. Habita e ama a cidade de Ilhéus, Bahia. Professora
Adjunta e Coordenadora de Extensão na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).
Investiga o "decolonialismo" e suas relações com as questões de raça, gênero, etnia, classe
e geopolítica nas artes visuais, com ênfase em estudos de linguagens contemporâneas.
Leciona no Curso Licenciatura Interdisciplinar em Artes e suas Tecnologias (UFSB) e no
Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais (PPGER-UFSB).
Vivencia a palhaça Aliás e é mãe das trigêmeas Luísa, Carolina e Isabela.
Fábio Nieto-Lopez
Professor Adjunto da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), está interessado em
atuar, pesquisar e dialogar em áreas interdisciplinares, assim como nas grandes áreas de
Artes, Saúde e Humanidades. Doutor e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA), Diretor de Teatro formado pela mesma instituição. Integrante dos Grupos
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Karen Kessy
Acadêmica do curso de Medicina da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) campus
Paulo Freire. Atualmente atuo como Membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Saúde
(NEPS) da UFSB e como Presidente do Centro Acadêmico de Medicina da UFSB. Atuou
como Voluntária no Projeto de Pesquisa Monitora COVID. Participou como vivente do
Projeto de Extensão "Semana de Vivência Interdisciplinar no SUS" (SEVI-SUS) da UFSB
(2016). Participou como voluntária no Projeto de Pesquisa "Avaliação da Efetividade,
Impacto Econômico e Abrangência do Programa Aqui tem Farmácia Popular" da
Universidade Federal da Bahia (UFBA) financiado pelo Ministério da Saúde (2017-2018).
Participou como bolsista no grupo de Humanização em Saúde do Programa de Educação
para o Trabalho em Saúde (PET-Saúde/GraduaSUS) no município de Itabuna/BA (2017-
2018) e do Projeto de Pesquisa "Riso e Saúde: O riso nos cuidados e os cuidados no riso"
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Lenisa Brandão
Fonoaudióloga, Doutora em Psicologia, Professora Associada do Departamento de Saúde
e Comunicação Humana, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Atua com populações que apresentam diversidade neurológica, comunicativa e
cognitiva. Investiga os processos e os efeitos da prática da palhaçaria junto a essas
populações, em especial com idosos que vivem com afasia.
Leo Salo
Graduado em Biblioteconomia. Mestre em Ciências (Informação e Comunicação em
Saúde). Coordenador do Coletivo Experimentalismo Brabo, onde atua com poesia,
palhaçaria e fotografia. Criador da Oficina Apalavrada.
Maíra G Baczinski
É licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
bacharel em Artes Cênicas pela Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna
(ETETMP) e pela Casa de Artes de Laranjeiras (CAL). Possui especialização em
Conscientização dos Movimentos e Jogos Corporais na Metodologia Angel Vianna, pela
Faculdade Angel Vianna (FAV RJ). Mestre em Ensino de Ciências e Saúde pelo NUTES da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É integrante fundadora do grupo Grutta
Teatro. Doutoranda filiada ao programa Ensino de Biociências e Saúde no Instituto
Oswaldo Cruz, da Fiocruz sob orientação da professora doutora Tania Cremonini Araujo
Jorge, bolsista financiada pela CAPES no período entre 2019 e 2022. Profissionalmente
integra o grupo de teatro GRUTTA TEATRO, e na rede básica de ensino em Maricá-RJ.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Martin Domecq
Doutor em Artes Cênicas - PPGAC-UFBA, Professor adjunto UFSB, desenvolve uma
investigação sobre teatro e meio ambiente. Sua tese se titula: "Para um teatro de
interzonas: explorando relações entre artes cênicas e meio ambiente". Graduado em
Filosofia pela Universidade de Buenos Aires, com especialização em fenomenologia.
Pesquisa sobre Paul Ricoeur. Formação em teatro e experiência como encenador e
professor em diversas universidades da Argentina (UNLa, UMSA, UNSA). Trabalhou em
projetos de promoção da leitura e escrita criativa para o Ministério de Educação de
Argentina e para o Ministério de Educação da Cidade de Buenos Aires entre 2002 e 2011.
Autor do livro "Pensar-escribir-pensar: apuntes para facilitar la escritura académica"
(Buenos Aires: Lugar editorial, 2014). No seu doutorado foi orientando da professora
Denise Maria Barreto Coutinho. Coordena o projeto de pesquisa "Filo & Arte" na UFSB.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Mauren Cereser
Mestre em Estudos da Linguagem e Bacharel em Letras pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Atualmente graduanda em Fonoaudiologia.
Susana Caires
Psicóloga, Doutora; Docente da Universidade do Minho/Portugal. E-mail:
s.caires@sapo.pt
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Tania C Araujo-Jorge
Tania Cremonini de Araújo-Jorge é formada em Medicina pela UFRJ (1980 ) e
Pesquisadora Titular em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz desde 1983. Concluiu
Mestrado e Doutorado em Ciências (Biofísica) pela UFRJ e fez Pós-doutorado em 1989-90
na Bélgica (ULB) e na França (Inserm). Atua nas áreas de inovações em doenças
negligenciadas, farmacologia aplicada e ensino de ciências, com foco em criatividade e no
conceito interdisciplinar de CienciArte. Atualmente é diretora do centenário Instituto
Oswaldo Cruz (2021-2025), reflexo do sucesso anterior nas gestões de 2005 a 2013
(eleita e reeleita, primeira mulher em 105 anos), com diversas iniciativas inovadoras em
gestão participativa. Foi coordenadora da Área de Pós-Graduação em Ensino na CAPES e
membro do seu Conselho Técnico Científico do Ensino Superior (2013-2018). Na Fiocruz
é líder do Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do IOC e coordena
o Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde, mestrado e doutorado,
nota 6. Orienta também na PG em Biologia Celular e Molecular, nota 7. Entre artigos em
periódicos especializados e capítulos de livros acumula mais de duas centenas de
publicações. Organizou livros e diversos cursos, oficinas e programas de ensino. Possui
produtos tecnológicos registrados para proteção de direitos autorais, processos e técnicas
sistematizadas. Ministra desde 2000 a disciplina "Ciência e Arte" no IOC, além de outras
em suas demais áreas de competência. Atua como consultora e parecerista da OMS/TDR,
do Ministério da Saúde/Decit, de agências estrangeiras, do CNPq, da CAPES e de
Fundações de Apoio a Pesquisa em diversos estados brasileiros. É membro do corpo
editorial e pareceristas de periódicos científicos no Brasil e no exterior. Sua produção
revela forte rede de cooperação. Formou dezenas de mestres e doutores, além de jovens
em iniciação científica e tecnológica. Recebeu homenagens e prêmios, com destaque para
o prêmio Baldacci 2012 de pesquisa em doença de Chagas. Atua no desenvolvimento de
materiais educativos e de tecnologias sociais articulando ciência, arte, saúde e alegria.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Prêmio Gralha Azul de melhor ator do Paraná. Em 2016, com direção de Ricardo Puccetti
estreou seu segundo solo, “In Concertina”, que no ano seguinte lhe proporcinou uma turnê
europeia passando por 4 países. Em 2019 o ator completou 10 anos atuando como
Palhaço Ritalino em Londrina/ Paraná. No último ano, devido a pandemia, Marques
produziu inúmeros vídeos para web do Palhaço Ritalino. Neste mesmo momento criou
seu terceiro espetáculo solo, ""O Astrolábia"" com direção de Adriane Gomes, on-line e ao
vivo por meio das plataformas Sympla e Zoom."
Lolla Angelucci
Ilustradora
Lolla Angelucci é ilustradora, advogada, modelo vivo, mobilizadora de voluntários,
contadora de causos, mediadora de leitura, cenógrafa de carnaval, aderecista e todas as
profissões que a vida escolher. Formada em Direito pela Universidade Mackenzie e
cursando "O livro para infância: processos de criação, circulação e mediação
contemporâneos" na Casa Tombada, desenha desde sempre.
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Marcus Matraca
Filho da Dona Haide e pai da Tarsila; Eu sou Marcus Vinicius Campos, também conhecido
como Marcus Matraca, nome que adotei desde 2005 para assinar minhas produções
científicas e artísticas. Sou Bacharel em Ciências Sociais (UNESP), Mestre em Saúde
Coletiva (UNICAMP), Doutor em Ensino de Ciências (EBS/IOC), Pós Doutor em Ensino de
Ciências (EBS/IOC), Educador Popular, Músico, Ciclista e Palhaço. Sou docente no Centro
de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB),
atualmente coordeno o Laboratório Ateliê de Educação Popular em Saúde (LAEPS) e
colaboro com o Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos
(LITEB/IOC). matraca@ufrb.edu.br e coretosonoro@gmail.com
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
Fábio Nieto-Lopez
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Palhaçaria: Arte, Ciência, Saúde e Educação para novos Afetos
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