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ANAIS DO I SIMPFENNC O
ISBN: 978-65-87128-57-3
Todas as atividades foram transmitidas por meio do canal Grupo de Pesquisa – GPFENNCO
no YouTube:
https://youtube.com/channel/UCqOOVdzKHxWUTTMFA0WP0p
@gpfennco
Reitor
Ari Miguel Teixeira Ott
Coordenação Editorial: José Flávio da Paz & Casa Literária Enoque Cardozo
4
FICHA CATALOGRÁFICA
ISBN: 978-65-87128-57-3
APRESENTAÇÃO
I SIMPÓSIO DE POESIA CONTEMPORÂNEA DE AUTORIA FEMININA DO NORTE,
NORDESTE E CENTRO-OESTE: VOZES DE MULHER
......................... 07 .........................
5
CAPÍTULO I
LITERATURA FEMININA: METAFORIZAÇÃO, EROTISMO E RESISTÊNCIA NA VOZ DA
POETA ACREANA FRANCIS MARY
PINTO, Auxiliadora dos Santos
NETO, JOSÉ DE Ribamar Muniz Ribeiro
SOARES, Manoel Messias Feitosa
......................... 09 .........................
CAPÍTULO II
LÍRISMO E SENSUALISMO EM HILDA HILST
FERNANDES, Caren Larissa Rocha de Souza
......................... 23 .........................
CAPÍTULO III
UM OLHAR SOBRE MEMÓRIA E IDENTIDADE INDÍGENAS NA OBRA FLOR DA MATA,
DE GRAÇA GRAÚNA
MELO, Carlos Augusto de
SOARES, Laís Cristina
SANTOS, Márcia Dias dos
......................... 33 .........................
CAPÍTULO IV
TRAJETÓRIA MULTICULTURAL NAS PRÁTICAS SOCIAIS: LITERATURA E OUTRAS ARTES
MORAIS, Elaine da Silva
MONTEIRO, Robério Modesto
......................... 53 .........................
CAPÍTULO V
ENTRE A (IN)DOMÁVEL LUBRICIDADE E O SÔFREGO AMORDAÇADO: A
TRANSGRESSÃO DA PALAVRA NA POÉTICA HILSTIANA
ASSIS, Guilherme Ewerton Alves
FRANÇA, Hermano de França
......................... 63 .........................
CAPÍTULO VI
AFROLOGIA TUCUJU: ESCREVIVÊNCIAS NA POÉTICA DE NEGRA AUREA
UTZIG, Ingrid Lara de Araújo
......................... 77 .........................
CAPÍTULO VII
ENTREM! COM RAÍZES E ASAS - DESGUTEM DAS GULOSEIMAS POÉTICAS 89 6
SOUZA, Jocineide Catarina Maciel de
OLIVEIRA, Maria Elizabete Nascimento de
......................... 89 .........................
CAPÍTULO VIII
A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM EM CIDA PEDROSA
MELO, José Eduardo Martins de Barros
SANCHES, Maria Elizabete
......................... 103 .........................
CAPÍTULO IX
DE GUTENBERGS À CONCEPÇÃO DE LIVRO NA ATUALIDADE: APONTAMENTOS
SOBRE A (IN)ESTÉTICA DO LIVRO DE ARTISTA
PAZ, José Flávio da
......................... 115 .........................
CAPÍTULO X
RELAÇÃO ÉTNICO - RACIAL NA PRATICA DOCENTE: UM ESTUDO COMPARATIVO
ENTRE ESCOLAS MUNICIPAL E ESTADUAL EM MACAPÁ-AP
ESPÍRITO SANTO, Maria Aurea dos Santos
......................... 123 .........................
CAPÍTULO XI
MULHER NEGRA POETISA: BUSCA POR VISIBILIDADE ÉTNICO-RACIAL NO AMAPÁ
LUZ, Maria das Neves Maciel da
SILVA, Maria de Jesus Leal da
......................... 143 .........................
CAPÍTULO XII
ESSÊNCIA DA LITERATURA: ANÁLISE DA OBRA ―SACI, MOLEQUE SACI‖
SILVA, Rute Barboza da
OLIVEIRA, Altino dos Santos
......................... 155 .........................
APRESENTAÇÃO
7
Este trabalho reúne os artigos e comunicações do I Simpósio de Poesia
Contemporânea de autoria Feminina do Norte, Nordeste e Centro-oeste: Vozes da mulher,
realizado em outubro de 2020 e que reuniu pela primeira vez em nossa história
pesquisadores e pesquisadoras de todo o país, para discutir e apresentar trabalhos
acadêmicos cujo objeto de investigação fosse, prioritariamente, a poesia da mulher nessas
regiões.
Assim, os trabalhos aqui publicados abrangem estudos sobre farta produção poética
de autoria feminina ao longo dos últimos cinquenta anos, que procuram na competência de
seus limites trazer à luz parte da produção literária de autoria feminina em diversas
situações ignoradas pela crítica colonizadora e feudal. Nesse sentido é um espaço que se
coloca pleno para que tais discussões cheguem a outras esferas e outras instituições, no
sentido de dar visibilidade a esta produção de regiões muitas das vezes ignoradas.
RESUMO:
Este artigo apresenta resultados de um estudo sobre a metaforização e o erotismo como elementos estéticos
composicionais que marcam a resistência na obra da escritora Francis Mary. Para compreender a poesia de
autoria feminina produzida por Francis Mary, poeta acreana que nasceu e viveu a maioria de sua vida nos
espaços amazônicos, é necessário considerar que na Amazônia existe uma cultura e uma literatura próprias
da região, conforme propõe Loureiro (2000).A pesquisa, do tipo bibliográfica, de natureza descritiva e com
abordagem qualitativa será desenvolvida a partir da leitura e análise de poemas das seguintes obras: O dia em
que a lua caiu no Açude (1996 e 2021) e Pré-Históricas e outros livros (2004). As análises estão sendo
fundamentadas pelos estudos de: Reis (2013); Bosi (1997); Dalcastagné (2018), Zolin (2009), Lopes (2006);
Loureiro (2014), Bataille (1996); Priore (2012) e outros. Os resultados da pesquisa evidenciam que a poesia de
Francis Mary apresenta como uma das linhas de força a metaforização e o erotismo, recursos estes que se
mesclam também com o uso de elementos de amazonicidade.
INTRODUÇÃO
Este artigo é resultado de uma pesquisa cujo objetivo foi discutir sobre o uso da
metaforização e o erotismo como elementos estéticos composicionais que marcam a
resistência na obra da escritora Francis Mary, destacando-se, também, alguns elementos da
poética e da poemática.
1 Doutora em Letras- Literaturas de Língua Portuguesa, pelo IBILCE/UNESP/SJRP. Mestre em Linguística, pela
UNIR/Campus de Guajará-Mirim. Especialista em Educação Superior, pela UNIR/Campus de Guajará-Mirim, Graduada em
Letras, pela UNIR/Campus de Guajará-Mirim. Professora Adjunta do Departamento Acadêmico de Ciências da Linguagem
do Campus de Guajará-Mirim, da Universidade Federal de Rondônia/UNIR. Vice-líder do Grupo de Estudos
Interdisciplinares das Fronteiras Amazônicas - GEIFA. Membro do Grupo de Pesquisa sobre Poesia Contemporânea do
Norte, Nordeste e Centro Oeste - GPFENNCO. Orcid ID: https://orcid.org/0000-0002-6955-7849. E-mail:
auxiliadorapinto@unir.com.br.
2 Mestrando em Letras: Literatura, pela Universidade Federal de Rondônia/UNIR. Graduado em Letras, pela UNIR/
Campus de Guajará-Mirim. Membro do Grupo de Estudos Interdisciplinares das Fronteiras Amazônicas - GEIFA. Membro
do Grupo de Pesquisa sobre Poesia Contemporânea do Norte, Nordeste e Centro Oeste -GPFENNCO. Orcid ID: ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-7172-3383. E-mail: netoletras2015@gmail.com
3 Doutorando em Letras: Linguagem e Identidade, pela Universidade Federal do Acre/UFAC. Mestre em Letras: Linguagem
e Identidade, pela Universidade Federal do Acre/UFAC. Especialista em Psicologia Educacional e Escolar, pela UNINORTE.
Graduado em História, pela UFAC/Campus de Rio Branco. Professor Mediador na Rede Municipal de Ensino de Rio
Branco/AC. Membro do Grupo de Estudos Interdisciplinares das Fronteiras Amazônicas - GEIFA. Membro do Grupo de
Pesquisa sobre Poesia Contemporânea do Norte, Nordeste e Centro Oeste - GPFENNCO. Orcid ID:
https://orcid.org/0000-0002-1024-2455. E-mail: messiasfeitosasoares@gmail.com.
O estudo do tema justifica-se porque a literatura de autoria feminina do Acre ainda
é pouco estudada. Nesse sentido, a voz autoral de Francis Mary ecoa em diversos espaços
do universo literário acreano como a representação de uma forma de sentir e compreender
a vida, conforme preconiza Loureiro (2014).
Ao mesmo tempo em que a amazonicidade é um elemento presente no processo
composicional utilizado por Francis Mary, há um diálogo latente com os espaços nacionais 10
dos anos 90 (1994), A noite em que a lua caiu no açude (1996), Antologia de Escritas
(2012), Pré-Históricas e Outros Livros (2004), Gogó de Sola/Flor do Astral (2006), e
diversos poemas avulsos esperando publicação. A noite que caiu no açude – 2ª edição,
(2001) Atualmente, está produzindo um novo livro de poemas intitulado ―Poemas do Ser.‖
Nesse contexto, podemos afirmar que - o europeu, o africano, o japonês, o
paraibano, o acreano, etc. - são referências que têm o significante do espaço social, político
e econômico de suas vivências e, são relações sentimentais estabelecidas e sentidas pelos
sujeitos com o local, conforme menciona Gama-Khalil (2010, p. 16): "[...] o espaço
desempenha relevo capital para os efeitos de sentido gerados pela obra literária." A partir
desse excerto, podemos afirmar que os sentidos literários não estão desvinculados das
vivências do escritor/escritora.
Francis Mary utiliza o espaço amazônico para a composição de suas poesias,
mostrando as relações que os sujeitos estabelecem com o espaço de vida e de memória.
Nesse sentido, a autora utiliza a expressão "Descer e subir barrancos", para expressar a
relação dos sujeitos com o espaço dos fazeres diários, onde se constrói a alteridade desses
sujeitos. Nesse sentido, em suas análises, Lopes (2006), afirma que os poemas da autora,
"[...] se articulam em torno da vida na floresta e das tradições indígenas". Ela tece seus
textos em um processo lírico a partir do qual faz total imersão nos espaços naturais de suas
vivências, corroborando com outros autores que expressam a ideia de que o autor não está
imune às influências dos espaços/tempos de relações, pois são nessas nas tramas sociais que
nascem as narrativas literárias em suas variadas formas.
mudança espacial no poema intitulado ―Eu nortista‖, publicado no livro O dia em que a lua
caiu no açude:
Eu, nortista
Amazônidas
Seringueiros e colonos.
Das lendas do rio
Saem os botos
Que se encantam
Em guerreiros.
À frente cavalgam amazonas,
Lavando nas mãos
Os estandartes da libertação!
Neste poema podemos inferir que estão presentes o espaço/tempo das relações
sociais, políticos e econômicos. A autora apresenta as trajetórias dos sujeitos que se
deslocaram de um espaço de vivência para constituírem outros espaços, nos quais
estabelecem novas relações histórico-sociais com os espaços, rios e com os construtos
imaginários e imaginados desse novo local, tais como: os botos, que se transformam em
seres humanos e desfrutam com as virgem donzelas nas noites de festas.
A estética utilizada pela poeta Francis Mary na construção dos poemas também
mescla elementos singulares do imaginário amazônico, tais como: a floresta tropical, os rios
com suas volumosas águas - ora límpidas, ora barrentas- , os povos nativos e os migrantes, a
extração do látex da seringueira e outras simbologias, conforme podemos observar no
poema ―O rio‖:
O rio
Sementes
Menina,
Dança para mim
A cantiga
Que descobri
No colar que te enfeita:
De semente da açaí...
A floresta presenteia
O Boto
Neste sentido, o discurso poético que estamos analisando transgride de forma sutil
essas convenções e reclama os seus direitos, ainda que estas sociedades hipócritas se
escandalizem.
Podemos depreender segundo Beauvoir (1967), que o erotismo é a manifestação de
sentimentos agradáveis, mas sem a manifestação do desejo sexual, é uma manifestação
narcisista do prazer de si para si mesmo, sem a paixão ou o ato sexual presente. Como
podemos depreender na passagem onde a autora afirma que "o erotismo só aparece em sua
imanência, sem presença real do Outro. Sendo assim, o erotismo é a manifestação de
emoções interiores ao objeto ou ser amado. Em se tratando da manifestação do erotismo
no ser feminino, este é considerado, "[...] mais complexo e reflete a complexidade da
situação feminina. Vimos que, ao invés de integrar as forças específicas em sua vida
individual, a fêmea submete-se à espécie cujos interesses se dissociam dos fins singulares
dela; [...]. (BEAUVOIR, 1967, p. 110).
O erotismo feminino busca colocar em xeque os valores masculinos e patriarcais
presentes, hegemonicamente, na sociedade fundamentada no sistema capitalista
masculinizado. Os sentimentos presentes no ser feminino são construídos através dos 18
valores culturais de cada sociedade e não estamos aqui generalizando esses valores, mas
queremos enfatizar que, na atualidade, eles estão sendo problematizados por grupos sociais
que não se sentem representados pelos valores sociais, eticamente, fundamentados nos
valores capitalistas colonizadores do saber/poder ocidental.
Nesse contexto, podemos inferir, a partir dos estudos de Bataille (1987) e de
Beauvoir (1967), que o erotismo surge na psiquê dos sujeitos como algo da subjetividade
em relação ao outro, o objeto do desejo, um sentimento platônico, mas aos poucos esse
desejo toma sua forma concreta, através de manifestações de sensualidade, ternura,
admiração pela pessoa amada, demonstrando todos os sentimentos e emoções de forma
concreta ao objeto ou ao ser amando, que estimula os desejos e emoções na pessoa que
ama. Segundo Lopes (2006, p. 11).
Na obra de Francis Mary, esses sentimentos internos são expressos, também, por
metáforas e, quando a autora afirma: "suas mãos de rio", nos coloca a possibilidade de
múltiplas percepções de análise. Podemos inferir que o ser amado acaricia todo o seu corpo
como se fosse águas lhe banhando e escorrendo sobre sua pele, mas também nos coloca em
um contexto analítico espaço/temporal, pois não temos como descontextualizar a obra nas
vivências de seus criadores (as). Por outro lado, apesar de utilizar imagens dos
espaços/tempos de experiências, a autora não tem o compromisso de representá-los de
forma realista, para que possamos identifica-los, contudo, a partir da verossimilhança esses
espaços/tempos aparecem na composição dos versos.
De acordo com Gama Khalil (2010, p. 224), ―[...] Muito além de uma simples
geografia física, proliferam dos espaços a geografias humana, a social, a psicológica, a
ideológica e a geografia literária, que se esquiva de toda possível topografia. Dessa forma,
podemos contextualizar o espaço do rio com suas águas barrentas, seus seres encantados e
sua grande variedade de peixes, quando ele revela seus segredos: "A matrichãs e
tambaquis", apresentando uma interação sentimental com a natureza e a fauna aquática. 19
Dessa forma, se nos enveredarmos por outras nuances, podemos inferir que, neste
poema, a autora tenta romper as barreiras sociais que valorizam a submissão das mulheres
aos valores religiosos, patriarcais e capitalistas; que reserva a mulher ao espaço do lar, que
deve ocultar seus sentimentos e desejos. Enquanto o ser manifesto no poema é uma
personagem que se desnuda no rio, e deixa este lhe invadir com seu líquido barrento, lhe
toca sem pudor, no sentido de lhe proporcionar prazer e gozo, o que para as mulheres é
algo interditado pelos valores religiosos, que lhe relegam a dádiva da maternidade e
procriação.
CONSIDERAÇÕES FINAS
A partir da leitura e análise dos poemas de Francis Mary, constatamos que a poesia
militante, a poesia lírica e a poesia amorosa produzida pela autora coloca em destaque a
posição e o comportamento da mulher, mostrando fissuras e reminiscências da dominação
masculina e demonstrando que é necessário dar visibilidade às vozes que ao longo dos anos
foram silenciadas.
A floresta e o rio são representações do ethos amazônico com suas sensibilidades e
multiplicidades de sentidos e traduzem lirismo, misticismo e subjetividades. Para a autora, a
Amazônia não é o paraíso perdido e intocável representado por muitos poetas e escritores,
mas um espaço de trabalho, de encontros entre os humanos e não humanos, local de
embates.
Verificamos que a metaforização e o erotismo são importantes recursos estético-
composicionais utilizados pela poeta para marcar a resistência, a luta e o protesto contra o
comportamento preconceituoso e hipócrita das sociedades patriarcais que são atravessados 20
REFERÊNCIAS
BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: L &PM Editores, 1996.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1977.
DALCASTAGNÉ, Regina; LICARIÃO, Berttoni; NAKAGOME, Patrícia. (Org.). Literatura e
resistência. Porto Alegre/RS: Zouk, 2018.
FERRAREZI JR. C. Metáfora e função de registro: a visão de Mundo do falante e sua
interferência nas Línguas naturais. Linha d‘Água, n. 25 (1), p. 67-86, 2012.
______. Semântica para educação básica. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
LIMA, Francis Mary Alves de. A noite em que a lua caiu no açude. Rio Branco/AC: 3
Serpentes Edições, 2021. (Ebook).
LOPES, Margarete Edul Prado de Souza. Motivos de mulher na Amazônia: produção de
escritoras acreanas do século XX. Rio Branco/AC: Edufac, 2006.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura amazônica. 4ªed. Belém/PA: Cultura Brasil, 2015.
MARTINELLO, Pedro. A Batalha da Borrachana Segunda Guerra Mundial e suas
consequências para o Vale Amazônico. Tese de Doutorado em História Econômica,1985.
IN: Cadernos UFAC (Universidade Federal do Acre). Série C. Estudos e Pesquisas, nº 1,
1988.
SARDINHA, Tony Beber. Metáfora. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia. 1. ed. Rio
de Janeiro: Editora Valer, 1964.
SOUZA, Itamar de; MEDEIROS FILHO, João. Os degredados filhos da seca. 2ª Edição.
Petrópolis: Vozes, 1983.
ZOLIN, Lúcia Ozana. Literatura de autoria feminina. In: ZOLIN, Lúcia Osana (Org.). Teoria
literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: UEM, 2009.
21
22
CAPÍTULO II
LÍRISMO E SENSUALISMO EM HILDA HILST
RESUMO: 23
A poesia de Hilda Hilst compõe um mundo de tensões com vozes dissonantes que dialogam entre si, mas que
formam também um contorno expressivo e sensual. Esse contorno expressivo constitui um discurso produtor
de sentidos que resulta em identidades que dialogam no espaço comum e como reflexão em si, trazendo para
o enunciado poético as similaridades entre essas vozes. Este trabalho investiga parte da obra poética da
autora, pontuando os processos que se desenvolvem como elementos tensivos da linguagem enquanto
representação performática de estilo próprio e de sua sensualidade. Reflete-se aqui sobre algumas questões
levantadas nos estudos da lírica, a partir da hipótese de problematização dos gêneros que se abstrai da poesia
de Hilst, no sentido de concentrar-se na apresentação das obras ―Do desejo‖ e ―Júbilo, memória, noviciado
da paixão‖, que caracterizam bem toda a obra poética em questão no que se refere a constituição lírica, por
meio da presença constante de um interlocutor e os limites da sedução estabelecidos por Hilda Hilst em sua
linguagem. As reflexões de Hugo Friedrich sobre literatura e modernidade e as de Octavio Paz, no que diz
respeito ao amor e ao erotismo, são parte do referencial teórico que utilizaremos aqui. Deste modo, a partir
das discussões propostas a respeito das relações representativas da forma lírica e da sua linguagem, mapeiam-
se os elementos e encaixes deste conjunto de vozes construído enquanto sistema harmônico da expressão do
mundo contemporâneo.
INTRODUÇÃO
4Graduação em andamento em Letras - Língua Portuguesa - Universidade Federal de Rondônia, UNIR, Brasil. Membro do
Grupo de Pesquisa Poesia Contemporânea de Autoria Feminina do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste do Brasil CV
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9172365879192775.
Tomam-se aqui como corpus investigativo duas obras de representação da poética
de Hilda com o objetivo de pontuar a malha expressiva que ela constrói ao longo dos anos.
Assim, a proposição aqui apresentada aponta apenas para o ponto de partida desse campo
expressivo. Nesse sentido, cabe lembrar um pouco de sua biografia e a trajetória de sua
obra.
Hilda Hilst nasceu em 21 de abril de 1930, em Jaú, interior de São Paulo. Cursou 24
direito em 1948, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Em 1966, mudou-se para
o sítio da família, onde construiu a Casa do Sol, lugar que é aberto até os dias de hoje, e
onde funciona sua fundação, que é mantida por amigos e fãs. Lá passou a dedicar-se
integralmente a escrita, que abrange a poesia, a dramaturgia, a prosa e a crônica. Morreu
em Fevereiro de 2004 e nos deixou, entre outras obras, Presságio (1950), Balada d‘Alzira
(1951); Balada do Festival (1955); Roteiro do Silêncio (1959); Trovas de muito amor para
um amado senhor (1960); Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974); Amavisse (1989);
Via espessa (1989); Via vazia (1989); Alcoólicas (1990); Do desejo (1992); Da noite (1992);
Bufólicas (1992) e Cantares do sem nome e de partidas (1995).
Foi autora premiada na prosa e na poesia. Venceu o Prêmio Cassiano Ricardo
(clube de poesia de São Paulo),1985, com Cantares de Perda e Predileção; Prêmio Jabuti
(Câmara Brasileira do Livro),1994, com Rutilo Nada; Prêmio Moinho Santista Poesia
(Fundação Bunge),2002, e o Grande Prêmio da Crítica para reedição das Obras Completas
(Editora Globo) - Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA),2002, em que toda sua
obra foi reunida.
Como dito, nossos objetos de investigação são os livros Do Desejo (1992) e Júbilo,
memória, noviciado da paixão (1974). Do desejo, inicialmente chamava-se Amavisse (ter
um dia amado), que se juntou em 1989, com Via espessa e Via vazia. Em 1992, com mais
quatro obras, Sobre a tua grande face, Da noite, Alcoólicas e Do desejo, deu nome e corpo
original ao livro analisado. O livro Do desejo passeia entre dois caminhos: um de
representação de um sujeito em conflito e a presença de um outro, onde o sujeito busca
modos de se realizar. Mostra Eros encarnado em desejo, em ato sexual consumado,
levando a uma explosão de sentidos, em seguida, deparando-se com o amado afastado,
distante.
Já o livro Júbilo, memória, noviciado da paixão, lançado em 1974, por Massao
Ohno, se apresenta dentro dos moldes da tradição lírica, impulsionando a veia da paixão e
do arrebatamento lírico amoroso. Foi relançado pela Companhia das Letras em 2018. É
estruturado em sete partes: ―Dez chamamentos ao amigo‖, ―O poeta inventa viagem,
retorno, e sofre de saudade‖, ―Moderato cantabile‖, ―Ode descontínua e remota para
flauta e oboé. De Ariana para Dionísio‖, ―Preludios-intensos para os desmemoriados do
amor‖, ―Árias pequenas. Para bandolim‖ e ―Poemas aos homens do nosso tempo‖.
Aqui, a voz feminina enfatiza a espera, o lamento pela ausência do amado e a
personificação em Dionísio, Túlio, Amigo e Senhores, destacando-se que esse livro marca o 25
retorno poético de Hilda Hilst, que por um tempo se dedicou à prosa e ao teatro. Nele
encontra-se o discurso sensual e erótico enquanto traço do lirismo amoroso que se
consolida ora na realização erótica sexual, ora como tentativa desse erotismo, ora como
lembrança do mesmo.
Realiza-se esta abordagem por meio do método indutivo-dedutivo com o fito de
visualizar a mobilidade desse discurso sensual/erótico, tanto no sentido do maior para o
menor como na forma inversa. Nesse sentido, as leituras dessas obras se ligam por uma
característica comum, que é a forma sensual-erótica e o lirismo amoroso manifesto em
ambos os casos. Nesse sentido, investigam-se alguns processos que se desenvolvem como
elementos tensivos da sua linguagem enquanto representação performática de estilo
próprio e de sua sensualidade concentrando-se nas obras citadas, que caracterizam bem
toda poética da autora no que se refere a construção lírica, por meio da presença constante
de um interlocutor e da sedução em seu discurso.
O referencial teórico que confere suporte à leitura dos poemas citados tem por base
as reflexões de Hugo Friedrich sobre literatura e modernidade e as de Octavio Paz no que
se refere ao amor e ao erotismo, que é elemento de suporte da poética de Hilda. Separar
no discurso poético, sensualismo, erotismo, e lirismo amoroso exige a delimitação dos
conceitos por suas respectivas fronteiras, que por muitas vezes, se misturam e se confundem
ora com uma visão conservadora e preconceituosa a julgar as expressões artísticas literárias
ora com a ausência de limites na utilização desses conceitos. Sendo assim, colocaremos em
discussão as fronteiras do erotismo e do sensualismo na obra de Hilda Hilst dentro da
abordagem do que traçamos como marcas do seu lirismo amoroso.
Para tanto o trabalho será dividido em quatro unidades e as considerações finais,
sendo a primeira delas esta introdução, a segunda, em que faremos as reflexões sobre amor,
a terceira em que apresentaremos alguns dos vários conceitos de erotismo, sensualismo e
pornografia, em que enfatizaremos algumas reflexões de Octávio Paz e, por fim, o quarto
capítulo em que comentaremos o lirismo Hilstiano, expandindo as ideias do lirismo
moderno de Friedrich e das vozes conceituais de Eliot, discutindo em Júbilo, Memória,
Noviciado da Paixão (1974), e no livro Do desejo (1992) aspectos do sensualismo e do
erotismo enquanto marcas desse discurso da modernidade.
ENTENDO EROS
26
Para falar de amor, falaremos um pouco sobre mito, por onde nos chega a
significação de Eros, a quem devemos, segundo a tradição grega, a relação conceitual com
fala, discurso, diálogo, lenda e fábula. Com o passar dos anos, a palavra mito foi
sobrecarregada de significados, permanecendo ligada ao que é verdadeiro-original, fazendo
pontes com as cosmogonias e teogonias. O mito Eros nos chega em linguagem poética
como significado de paixão, amor, desejo, desejo violento, objeto de amor. Em latim
cupiditas ou cupido traduzem-se como desejo violento e instintivo, carnal, luxurioso,
apaixonado, relacionado ao apetite. O Amor pode tanto significar paixão sexual, amor
sexual ou desejo intenso, quanto amor sentimental, afeição, amizade. É na Teogonia de
Hesíodo que se aponta Eros como divindade:
Eros é sem dúvida uma das mais importantes figuras cosmogônicas, mas na
Teogonia existe outra figura ligada ao amor, a deusa Afrodite, para os latinos ‗A Vênus‘,
que significa prazeres do amor, graça, beleza, ato sexual, apetite, charme.
Já no período Helenístico, a poesia lírica grega liga Eros a um amor romântico
sentimental, com imagem de um menino brincalhão que leva nas mãos um arco com setas
que ferem o coração dos humanos originando a paixão, imagem adotada também pela
mitologia romana. A poesia ocidental, chama Eros por seu nome latino, amor ou cupido,
dando-nos uma visão, através dos trovadores medievais, que o amor está ligado a um
sentimento elevado, puro, que vai além do prazer carnal. Já os cristãos, retomam a
bipolaridade de amor-sagrado/ amor-profano, confrontando a pureza e a sensualidade,
atreladas ao pecado e a luxuria.
No século XX, Eros se sobressai dos mitos, através das manifestações artísticas na
literatura, pintura, cinema, fotografia e chega até a ciência com Freud, através da
psicanálise, como significado de pulsão de vida, cuja realização se dá por meio da libido,
aproximando os deuses dos humanos e dividindo a sexualidade da função genital, o que
nos fará perceber a proposta de Paz, quando afirma que: ―o fogo original e primordial, a
sexualidade, levanta a chama rubra do erotismo e esta, por sua vez, sustem e ergue outra 27
chama, azul trêmula: a do amor. Erotismo e amor: a chama dupla da vida‖. (Paz, 1995,
p.8), como postulado na poesia de Hilda Hilst.
Assim, das reflexões do crítico mexicano, chega-se ao espelho dessas relações via
amor/erotismo.
emana espera e que usa o tom poético amoroso para construir a relação amado/amante,
amante esse ficcional, que se alterna entre personagens denominadas Dionísio, Túlio, o
amado, o amigo, o Pastor, ou os homens de nosso tempo.
Em os ―Dez chamamentos ao amigo‖, no poema de número um, existe uma súplica
e uma evocação, uma voz entre o amado, que o chama, mas que também quer atenção
para si. Vejamos como isso ocorre no poema:
Nos três primeiros versos, há um chamado para uma observação mais atenta,
através da voz lírica. No segundo, há um chamamento de retorno e repetição de memória,
dando a entender que ele já a olhou uma vez, mas não foi atentamente. Há um
impedimento para a junção dessa terra com a água, e existe um desejo desse encontro, por
isso esse pedido de atenção. No terceiro verso ―Olhei-me a mim, como se tu me olhasse‖,
existe uma conciliação sonora equivalente a molhasse, se reportando a fluidez da água, ―do
corpo de água‖ em junção com a terra ―entendo que sou terra‖, propondo uma
transformação em barro, podendo ganhar outras formas, assim como uma construção
estrutural do próprio poema. As imagens fluem a partir de um jogo propiciado por uso dos
elementos visuais. Pastor e nauta, remete submissão ao seu interlocutor, por meio da
sedução, que não se limita ao corpo, mas que avança no sentido do rio, de suas margens e
imagens. Observe-se que os elementos visuais contornam o poema e tornam-se as
metáforas chaves de sua expressão sensual.
Sendo assim, podemos detectar um lírico despersonalizado, como diz Hugo
Friedrich, mostrando ao leitor a voz lírica de Hilst, onde também podemos discutir as três 30
vozes citadas por Eliot. Lugar em que o ―eu‖ se comunica consigo mesma, com um ser
fictício, colocando-se como ouvinte e transformando-se em outros personagens.
Em Do desejo (1992), há um jogo de ausência e presença que é original da obra. O
eu lírico se apossa de um sujeito ausente contornando as imagens de mais sete livros. A
epigrafe ―Quem és? Perguntei ao desejo./Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada‖
aponta características do desejo corpóreo, desfazendo-se no nada, refazendo-se ligação
entre amante/amado. É o que se vê nessa mesma expressão em outra imagem construída no
primeiro poema, o de número um do livro:
Desde Platão, fala-se de duas formas de desejo: o desejo aspiração, que está ligado
a alma e o desejo apetite, ligado ao corpo com ânsia de realização. Para Pessanha: ―o
desejo aspiração é o nostálgico anseio de retorno a incorporeidade pura, apontando para
alhures, já o desejo apetite persegue vorazmente na sofreguidão do corpóreo, o aqui e o
agora‖, (1990, p. 91). As definições de Platão se concretizam em Hilst, o desejo é ânsia
daquilo que não se tem. Uma carência que desequilibra o pensamento e engrandece o que
se deseja
Etimologicamente a palavra vem do latim desiderium=esperar, que pode vir a ser,
―esperar pelo que as estrelas trarão, de desidere, ―dos astros‖. Ou do grego hormê,
derivando da expressão latina relíquia desiderantur = falta o restante. Para Hilst, significa
condição da existência humana, sempre cheia de quereres, pois estes sustentam a vida e a
feitura poética (CBL, 1999.p.37). Nos desejos habitam todas as nossas expectativas e
desilusões.
A concretização da palavra desejo, dada como vontade do corpo que se lança na
vontade da alma, é encontrada nos poemas de Do desejo (1992), em que o corpóreo se
sobrepõe ao incorpóreo, mas não o descarta. O discurso de Hilda Hilst está entre o desejo
aspiração incompleta e a celeridade do desejo apetite que procuramos enfatizar em nossas
reflexões ao longo desse trabalho no sentido de criar os caminhos para trazer a luz das
discussões o lirismo e sensualismo enquanto elementos presentes em sua expressão poética,
em sua linguagem. Dessa forma, passamos agora as nossas reflexões finais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, nossa discussão permeia os conceitos de alguns teóricos, que refletem
sobre estas questões, especialmente, sobre o erotismo, o amor e a expressão da
modernidade, procurando sempre as marcas expressivas de suas realizações eróticas em
níveis diferentes de sensualismo no âmbito de sua poética, construída sob os signos da
incompletude e a busca de sua superação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAPÍTULO III
UM OLHAR SOBRE MEMÓRIA E IDENTIDADE INDÍGENAS NA OBRA FLOR
DA MATA, DE GRAÇA GRAÚNA
RESUMO:
Neste artigo, analisa-se a obra literária da escritora indígena Graça Graúna, com foco no livro Flor da mata
(2014), considerando as construções da memória e da identidade relacionadas às formas de afirmação e
resistência indígenas. Há, ainda, a ênfase às representações poéticas que Graúna constrói sobre os pensamentos
ameríndios dentro do contexto cultural contemporâneo, entrelaçando suas memórias pessoais às práticas
culturais coletivas. As reflexões estarão baseadas em textos da área dos Estudos Culturais e Literários,
principalmente naqueles que se interessam pelas questões indígenas, como Ailton Krenak, Daniel Munduruku,
Rita Olivieri-Godet, entre outros. Desse modo, pretende-se contribuir para a visibilidade da literatura de
autoria indígena, e assim, demarcar um espaço de uma voz literária que fora silenciada e excluída pela história
da literatura brasileira.
Escrevivência
Ao escrever,
dou conta da ancestralidade;
do caminho de volta,
do meu lugar no mundo.
(GRAÚNA, 2017, s/p.)
5 Doutor em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor do Núcleo de
Literatura do Instituto de Letras e Linguística (ILEEL) e do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários (PPLET) na
Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: carlosaug.melo@gmail.com.
6 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia.
7 Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia. Docente do
representantes literários dos povos autóctones brasileiros possibilita que socializem suas
vivências e tradições com um público mais amplo, dando novos significados às suas
histórias, que por muito tempo estiveram subjugadas à posição de ―inferior‖ pelas
perspectivas dos olhares não indígenas:
resistência, palavra de combate, como expressa a voz sujeito lírico, que ecoa as vozes
coletivas de seus parentes indígenas, no texto poético do escritor indígena Tiago Hakiy:
Essas palavras literárias revelam possuir uma linguagem de resistência que se faz
espiritual, ancestral, que se faz coletiva, pois carrega as histórias, identidades, memórias e
vivências não só do escritor, mas também do povo ao qual ele pertence, sendo assim, são
versos que visibilizam, trazem em sua expressão toda uma ancestralidade que aproxima aos
que com ela têm contato de um lugar de desconhecido, porém habitado por outros sujeitos
em um processo de alteridade fundamental no contexto histórico-social do século XXI.
Bernd (2003) afirma que essas literaturas de ―minorias‖ estão voltadas para a formação e a
consolidação de um projeto identitário, no qual o sujeito representado procura se
reapropriar de um espaço existencial. As identidades dos povos originários, na história da
literatura brasileira, estiveram sempre associadas diretamente a estereótipos, os quais foram
formados a partir de representações equivocadas construídas pelos autores ―brancos‖, sem
corresponder à maneira como os próprios indígenas realmente se veem, se sentem e se
percebem nas suas vivências. As produções literárias de escritores indígenas têm como um
de seus focos o rompimento com esses estereótipos que ―acabam funcionando como marca
distintiva ou como característica principal na composição de uma imagem‖ distorcida sobre
esses povos nativos (BONIN; SIMM, 2011, p. 89).
Nesse sentido, este artigo propõe estudar a contribuição da escritora Graça Graúna,
pertencente ao povo potiguara, que, no século XXI, principalmente, tem se mobilizado, por
meio do seu inigualável papel subversivo de criação literária, para reverter a ordem do
discurso dominante. O foco será o livro de poesias Flor da mata (2014), uma vez que nele 36
se constata uma busca por uma visão de ―dentro‖ sobre as identidades indígenas, baseando-
se em uma experiência mnemônica na qual os elementos identitários ancestrais são
resgatados de suas memórias pessoais e coletivas, como são os ritos, os mitos, as danças, as
cantigas, os adornos, a alimentação, as narrativas orais e as representações da natureza.
8 GRAÚNA, Graça. Art‘palavra, 2007. Disponível em: <https://ggrauna.blogspot.com/>. Acesso em: 10 de julho de
2020.
9 GRAÚNA, Graça. Tecido de vozes, 2011. Disponível em: < http://tecidodevozes.blogspot.com/>. Acesso em: 10 de
julho de 2020.
características nas quais se entrelaçam questões de estilísticas, de hibridismos e de
metalinguagem:
A obra de Graça Graúna, Flor da Mata, foi publicada em 2014 pela editora
Penninha Edições. Ela é relativamente concisa, no total de 48 páginas, considerando os
elementos pré-textuais e pós-textuais. A ilustração da obra foi feita por Carmen Barbi nas
35 páginas de seus (quase) haicais (latinos), como a própria a escritora referencia em ―meus
quase haicais‖ (GRAÚNA, 2014, p. 8) e, também, em ―Dias de sol/distendo as velhas
asas/num haicai latino‖ (GRAÚNA, 2014, p. 13). Eles aparecem um em cada página. A
artista conseguiu traduzir nas imagens visuais em preto e branco as sensações alegres, leves e
cheias de sensibilidade presentes na obra.
A capa e a contracapa trazem o projeto gráfico de Letícia Santana Gomes, com as
ilustrações também de Carmem Barbi. O projeto da capa e a contracapa é o único em toda
a obra que traz um colorido. Trabalhou-se com tons de azul, amarelo, preto e marrom. A
atmosfera, em tons leves de azul, circunda uma indígena jovem, cujos cabelos pretos e lisos
são adornados por três belas flores amarelas. No centro da contracapa, aparece o trabalho
gráfico com o poema ―Utopia é cantar/uma trajetória possível:/Pindorama‖ (GRAÚNA,
2014, p. 29), o qual contrasta com algumas das tonalidades da cor azul, imitando a
atmosfera plena do céu, e das flores amarelas colocadas em três delicados ramos.
Damos destaque à apresentação que Graúna faz de sua obra. A escritora inicia com
um canto Kariki-Xocó, afirmando sua condição de ―deslocada‖, mas que também busca por
um lugar de fala indígena que se faz resistência através de suas produções literárias. Ela 39
expressa sua experiência de estar num entrelugar identitário que, de certa maneira, faz
lembrar um dos poemas do livro Tear da palavra, no qual o sujeito lírico encontra-se num
abismo entre a palavra e o silêncio na condição de estreia em realidades que lhe são
cotidianas:
Entre-lugar
De um lado
a palavra
do outro
o silêncio
estreando realidades conhecidas
A pá lavra o abismo
que vai de mim
ao outro (GRAÚNA, 2007, p. 20)
A autora de Canto mestizo representa sua identidade híbrida, fazendo menção aos
trajes e adereços das mulheres do povo Xukuru que usam flores artificiais, destacando que
isso nãos as impedem ―[...] de usar vestimentas feitas da palha de milho, da palha de coco e
das penas de aves, pois este é o costume que vem dos antepassados. (GRAÚNA, 2014, p.7).
A autora finaliza a apresentação, enfatizando o que Antônio Fernando Viana, seu antigo
professor da Universidade Federal de Pernambuco, escreveu sobre ela, em cujo texto
profético destacou que Graúna mostra-se como um Haijin, que une simplicidade,
sensibilidade e sabedoria em sua escrita, motivando-a a compartilhar suas experiências
poéticas com o leitor.
Outro destaque inicial que fazemos são as flores, na capa e contracapa, que se
relacionam com o título da obra, cujo nome ―Flor‖, não acompanhado de artigo, escapa de
qualquer determinação, generalização ou identificação, como se encontrasse, nesse
elemento natural originário da ―mata‖, ―presentes agora no Toré [...] a leveza e a força da
‗Mãe-terra‘, leveza e força que o ‗hajin‘ (fazedor de haicai) também necessita para o haicai
acontecer‖ (GRAÚNA, 2014, p. 7-8). O vocábulo ―Flor‖ põe em evidência a força e a
beleza que, há diversos séculos, os povos nativos mantêm para conseguir defender a
liberdade indígena vinda de seus ancestrais por meio do canto do Toré.
Como bem escreve na apresentação, a poesia ancestral do Toré é uma ―ciência‖,
―manifestação sagrada [que] está no ser e no viver indígenas da Região do Nordeste‖
(GRAÚNA, 2014, p. 7), ou seja, é uma manifestação de resistência de que há ―quinhentos 40
anos [...] os índios estão resistindo [...] expandindo a [...] subjetividade [...] (KRENAK,
2019, p. 31), protegidos pelos ancestrais, ―mesmo quando o ser indígena se vê meio
deslocado em terra alheia.‖ (GRAÚNA, 2014, p. 7). Associa-se à imagem daquele Toré que,
na brevidade filosófica de um instante poético, característica própria do haicai, Graça
Graúna consegue enlevar o leitor:
Dançar o toré
perto da gameleira
entre os encantados
(GRAÚNA, 2014, p. 43)
os escritores indígenas põem em funcionamento uma memória literária que funciona como
um fenômeno construído coletivamente. A memória é recriação do tempo passado, é
refazer as experiências do passado e trazê-las para o presente. A lembrança é uma imagem
trazida do passado, mas que vem à tona em razão de juízos de realidade e de valor do
tempo presente (BOSI, 2009).
As temáticas de seus haicais perpassam costumes, crenças, valores e concepções
indígenas, que a escritora de Tear da Palavra desenvolve de acordo com as experiências
vivenciadas em suas peregrinações como mulher, mãe, professora, poeta indígena – a
complexidade da natureza e as diferenças étnicas e sociais envolvem todos os poemas
criados por ela, verdadeiros manifestos de sua luta por um lugar no qual a iniquidade e a
intolerância não se manifestem de maneira alguma. A literatura criada por uma escritora
indígena, de origem potiguara, revela, sob perspectivas bastante sensíveis e particulares, as
culturas e os valores dos povos originários em comunhão, confirmando que a formação das
identidades ocorre por meio da interação entre o indivíduo e o mundo, em diferentes
espaços e instâncias sociais, conforme abordado por Hall (2015).
Nesse sentido, é possível afirmar que a obra de Graça Graúna problematiza as
construções das culturas indígenas, pontuando as distorções e os equívocos sobre elas, no
sentido de colocar em movimento a dinâmica multicultural nacional, reinventando ―a
tradição literária pelo prisma contemporâneo‖ (GUIMARÃES; MELO, 2018, p. 189).
Ademais, a transculturalidade, proveniente dos deslocamentos vividos pela autora, revela-se
na apropriação do gênero haicai, de origem oriental, para expressar os mais profundos
sentimentos de uma indígena latina, de maneira a querer dizer ao leitor que, por meio da
literatura, defende-se a interação cultural entre os povos em suas diferenças.
Em vários momentos, essa poeta potiguar reafirma que o indígena sai de sua aldeia,
mas carrega em si sua indigeneidade. O indígena vai para ―as cidades em busca de novos
horizontes‖ (MUNDURUKU, 2014, p. 176), entretanto ele leva consigo todo seu povo, seus
ensinamentos transmitidos de geração em geração, muitas vezes à espera de um retorno
para sua terra, sua casa, seus irmãos. O poema a seguir sussurra em sua inquietude que:
O tempo de chegada
Transborda o olhar
No tempo de partida
(GRAÚNA, 2014, p. 27). 42
Nesses concisos versos, retoma-se a ideia de que o indígena carrega consigo em seus
deslocamentos o tempo de seus ensinamentos, de suas crenças e de suas vivências. Vê-se
que a identidade cultural na literatura da escritora de Criaturas de Ñanderu está associada,
muitas vezes, à característica de escritas migrantes, que propiciam os espaços vividos pelos
povos excluídos socialmente a favor de que ocupem outros lugares nas vivências em
trânsito. Tematizam-se, por meio desse poema, a densidade que se encontra na
sensibilidade do olhar, sugerindo um transbordamento – como as lágrimas? - de emoções
instaurado entre os movimentos de chegada e de partida na percepção de tempo dos
povos indígenas. Entre chegar/olhar/partir, a autora conota um movimento que nos sugere
um tempo não circunstancial que pode ser observado no início dos versos se lidos em uma
só estrutura: ―o tempo transborda no tempo‖. Um tempo que transborda e se faz memória
afetiva, embora deslocada. Daniel Munduruku afirma que:
Esses versos trazem a revelação de um sujeito lírico feminino, impulsionado pelas suas
aspirações utópicas, que transita entre espaços, físicos ou espirituais, em constantes
movimentações, construindo suas trajetórias errantes. As presenças das consoantes ―m‖ e
―n‖ oferecem a sensação de que esse ―vai e vem‖, como acontece com as ondas da água
dos rios de água doce, é sempre contínuo e duradouro. Essas ideias se aproximam das
vivências pelas quais a poeta Graça Graúna tem passado ao se propor andar por diversas
regiões nacionais e internacionais, em congressos, conferências e eventos acadêmicos, com o
propósito – talvez, em uma concepção ainda utópica - de tornar os saberes indígenas
visíveis ao mundo e respeitados por todos e todas não indígenas, desconstruindo, então, o
modelo epistemológico hegemônico da ciência moderna que rejeita e anula a diversidade
epistemológica do mundo, ou seja, a epistemologia do Sul, que ―é aqui concebido
metaforicamente como um campo de desafios epistêmicos, que procuram reparar os danos
e impactos historicamente causados pelo capitalismo na sua relação colonial com o mundo
(MENESES; SANTOS, 2009, p 12).
Em Flor da mata (2014), percebe-se a articulação entre tradição e memória que, por
meio da contação das histórias, as identidades indígenas possam resistir na
contemporaneidade, como refletido no haicai abaixo. Nele, Graúna leva a crer que, na
prática mnemônica da tradição indígena, existe a potente essência poética de recriação do 44
Em volta da fogueira
memória, história
o mundo se recria
(GRAÚNA, 2014, p. 14)
ancestralidade, um passado uma tradição que precisa ser continuada, costurada, bricolada
todo dia‖. (MUNDURUKU, 2002, p. 41). No poema abaixo, o sujeito lírico resgata da
memória a atmosfera artística que se verifica em um dos modos de transmissão da tradição
indígena: as cantigas de roda. As cantigas, transmitidas de mãe para filha, aparecem como
garantia de que as identidades dos povos indígenas só se preservem no cultivo da arte
ancestral:
No cerrado à tardinha
cantigas de roda
de mãe para filha
(GRAÚNA, 2014, p. 22)
Ipê amarelo,
sonho de primavera
o sol espelha
(GRAÚNA, 2014, p. 22)
Labirintos do ser
Em todos os tempos
(GRAÚNA, 2014, p. 16)
capazes de atrair uns aos outros pelas nossas diferenças, que deveriam
guiar o nosso roteiro de vida (KRENAK, 2019, p. 33)
(ÚLTIMAS) PALAVRAS
Não posso matar o meu texto com a arma do outro. Vou é minar a
arma do outro com todos os elementos possíveis do meu texto.
Invento outro texto. Interfiro, desescrevo para que conquiste a partir
do instrumento escrita um texto escrito meu, da minha identidade. Os
personagens do meu texto têm de se movimentar como no outro
texto inicial. Têm de cantar. Dançar. Em suma temos de ser nós. ―Nós
mesmos‖. Assim reforço a identidade com a literatura (RUI, 1987, p.
310).
Essa prática de afirmação promove uma conexão entre culturas, tradições e dos
saberes outros, evidenciando uma quebra, uma fricção ou ruptura com o discurso
hegemônico. A partir desta perspectiva, este artigo procurou evidenciar, na obra Flor da
mata, esses aspectos de afirmação e da construção da memória e da identidade indígenas na
escrita da poeta Graça Graúna que é uma autora ―em trânsito‖, num entrelugar poético,
potencializada pela enunciação do discurso de alteridade, que não nega sua relação com o 49
outro, mas que busca uma força motriz, sobretudo na literatura, para redefinir, retomar,
discutir e apresentar uma voz literária, a qual emana de um lugar de pertencimento,
embora permeado pelas opulentas imagens de saudade e de perda.
Desse modo, Flor da Mata, de Graça Graúna, promove esse encontro das raízes à
flor como um sujeito (gentes) que: ―[...] pousa na árvore do mundo clandestina‖
(GRAÚNA, 2014, p.41) e que mesmo assim, canta: ―[...] uma trajetória possível:
Pindorama‖, um lugar sonhado, lugar de encontro, lugar este em que a autora busca
evidenciar como uma possibilidade que os indígenas têm de despersonalizarem e
reescreverem suas histórias silenciadas e deturpadas por outras vozes.
Assim, podemos concluir que Flor da Mata é um instrumento de luta literária de
Graça Graúna, uma flecha escritural que tem sido lançada junto com outras produções, tais
como, as de Daniel Munduruku, Eliane Potiguara, Márcia Kambeba, Olívio Jekupé, Denízia
Cruz, Ailton Krenak, Shirley Djukurnã Krenak, Lia Minapoty, Yaguarê Yamã entre outros
escritores e escritoras. Eles e elas têm reafirmado e problematizado a condição do sujeito
indígena na sociedade contemporânea de modo que essa literatura se faz, a partir de uma
voz legítima, reivindicatória, testemunhal, memorialística e, também, simbólica, um ato
político, o qual ocupa um lugar de crítica, luta e resistência. Em resumo, a autora de Flor da
Mata parece representar a própria Graúna, personagem de outro livro da escritora
potiguara, Criaturas de Ñanderu, a qual, sob as energias ancestrais do caboclo velho,
consegue, em pensamento, mergulhar ―nos rios e gralha forte um canto que tem a força da
flecha que atinge certeiro o coração dos malfeitores.‖ (GRAÚNA, 2010, p. 22)
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52
CAPÍTULO IV
TRAJETÓRIA MULTICULTURAL NAS PRÁTICAS SOCIAIS: LITERATURA E
OUTRAS ARTES
MORAIS, Elaine da Silva 10
MONTEIRO, Robério Modesto 11
53
RESUMO:
Pretende-se refletir em torno da linguagem textual e de imagem, espelhar sucintamente a relação da literatura
com a arte, desvencilhar-se do discurso tradicional para edificar temas transversais a partir da literatura e artes
digitais em diferentes novos formatos e espaços. Qual olhar? Impresso ou digital? Qual leitura? Cânone ou
marginal? Preconceito ou parceria? Autonomia ou dependência que a internet revoluciona no mundo à
Covid-19? Norteia-se por De Souza da invenção da imprensa por Gutenberg, resgatar um ponto histórico à
criação do livro impresso envolto ao códex na sua expressiva arte renascentista, rodeado também por uma
pandemia e para dialogar com o texto digital contemporâneo, conforme Kirshof na literatura digital, Chartier
nas práticas de leitura e escrita histórico-cultural, Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido, Antônio Cândido
que articula a literatura como direito à pessoa humana, Bauman na modernidade líquida. O assunto é
instigante, saberes vários interligados à internet que a fortalece, pois, hoje, torna-se peça fluida indispensável à
trajetória multicultural nas práticas sociais na literatura e outras artes na história da humanidade, cercada pela
doença que se repete com muita dor no entorno da vida e da morte, e a busca de significados à pessoa
humana que somos, em harmonia com a Criação Divina. O que a doença quer nos mostrar na/e pós
pandemia mundial?
INTRODUÇÃO
10 Graduanda em Letras Português e Inglês -EaD, Centro Universitário Cesumar-UniCesumar. Especialista em Metodologia
do Ensino Superior, Centro Universitário São Lucas. Graduada em Administração, Universidade do Vale do Itajaí-SC.
Membra do Grupo de Pesquisa em Poesia Feminina do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste do Brasil - Universidade
Federal de Rondônia-UNIR. E-mail: elainefirstname@gmail.com e endereço do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6751567594475960.
11 Graduando em Pedagogia - Universidade Federal de Rondônia-UNIR e membro do Grupo de Pesquisas em Literatura e
Percebemos, então, uma ligação com o passado, sim, laços fortalecidos nas relações
sociais e multiculturas das sociedades em desenvolvimento social, econômico e cultural na
história humana das sociedades passadas com a sociedade corrente e vindouras, quando nos
agarramos ao saber da história literária dos grandes feitos das antigas civilizações,
solidificada com a fala humana e o meio de comunicação, que progridem à medida que
evoluímos na diversidade de saberes científicos, tecnológicos etc. da humanidade.
Cristo. Os textos escritos à mão, sua evolução ao impresso da arte da escrita e da confecção
da capa desenhada e pintada por ilustres artistas e novos profissionais que surgem como
suporte na trajetória do livro manual, do impresso e do digitais desenhados
detalhadamente, ao gosto do cliente leitor e financiador de tal empreitada visionária, que
impactam ao primeiro olhar na tela do computador, pela beleza da arte antiga das
primeiras civilizações, por sua perfeição artística tanto na escrita das letras quanto na parte
externa que reveste os textos em rolo do antigo pergaminho, em uma leitura longa e
contínua, limitada na escrita, em seu manuseio e difusão, mas uma evolução extraordinária
para o conhecimento de poucos na época, que sofre, ao longo do tempo, mudanças
extremamente significativas no conteúdo, leitura, forma e espaço veiculados
tradicionalmente em direção ao novo espaço virtual, o da internet, em função da produção
de inovação da técnica da escrita e com o objeto livro físico, dos antigos manuscritos ao e-
books de nossa era. Podemos dizer um pouco mais democrático e acessível ao público culto
e popular até?
Partimos para descrição sucinta da composição da inovação do livro impresso pelo
gênio da imprensa em seu processo, a seguir:
Digamos que foi um processo difícil que o período Renascentista vivenciou - houve
outras pandemias que a humanidade viveu - não intenciono comentar aqui, assim como
outrora, as sociedades no mundo hoje experienciam, no caso, o vírus da Covid-19,
impregnado de terror, medo, angústia, para talvez, nos ensinar sobre a vida solidária entre
nós, com a natureza, com Deus e sua multiplicidades de vidas no universo, quem sabe ao
encontro de um novo sistema de governar. Como não pensar num sistema tipo
cooperativismo, distantes do capitalismo selvagem, da ―mão invisível‖ que tão bem Adam
Smith (WIKIPEDIA.org, 2021) enxergou retirados de fatos conflituosos e contraditórios que 57
se as práticas através das quais o leitor se apropria do texto, não fossem histórica e
socialmente variáveis. Pensemos e questionemos juntos: O livro impresso de leitura
contínua fechada, rotulado de saber enciclopédico universal está ameaçado, então? É uma
ruptura ou uma continuidade de progresso das invenções humanas?! Pois o livro digital
apresenta leituras fluidas e não sequenciais, configurados nos hipertextos, em espaços e
formatos variados, com autores e leitores que se apropriam da leitura dos textos, na
própria recepção de criação livre em que os textos, leitor e autor se enquadram, para dar
vez e voz as pessoas à margem do cânone, práticas e relações que se configuram e ganham
cada vez mais liberdade e espaços no ciberespaço, temos hoje, por exemplo, entre outros,
o blog e as redes sociais onde texto, leitor e produção convergem para novas roupagens
intertextuais e hipertextos que se configuram na apropriação, produção e divulgação
instantâneas e múltiplas.
Kirchof em seu artigo destaca narrativas como Afternoon a story afirmando que a
mesma é a primeira obra hipertextual de que se tem notícia, produzida em 1987 por
Michael Joyce. Segundo ele, o leitor é convidado a interagir em certos links por escolhas
aliatórias da narrativa. Assim, o enredo, segundo o mesmo autor, varia a cada leitura.
A literatura impressa parece enfraquecer-se, a cada dia, diante da digital, real ou
imaginária dos escritos literários e outras artes, que provém de discursos do olhar
observado, lido das variáveis do indizível visto, mas nem todos sabem como reproduzir
essas pessoas dos discursos ditos do singular e plural observados, sentidos e vividos. Antônio
Cândido, sensível da importância da Literatura como valor educativo e de direito à pessoa
humana em transformação, defende que:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, com base em tudo escrito em busca de reflexões para nos inserirmos um
pouco protagonista e participantes da história nossa, de uma coisa, estou certa, de que tudo
é incerto e efêmero desde a descoberta do fogo, bem como o uso da razão de um povo
predominando perante outros animais, criando hábitos e costumes, gerando a cultura
peculiar e que se integram nas relações sociais entre esses e àqueles outros povos, com
domínio entre seus iguais do poder e glória que também passam, contados e escritos em
diferentes formatos e em diferentes contextos históricos, em função do próprio
desenvolvimento intelecto-moral, social, cultural, político, econômico, tecnológico e o
espaço geográfico do planeta. Será que podemos conceber que existe outro jeito de encarar
e ver mundo, estamos abertos para um menos individualista em direção a um mundo mais
humano, com todo o potencial de criatividade que possamos alcançar?! Termino com uma
frase que li e dizem ser de Gutenberg, não posso precisar tal informação, mas deixo aqui a
essência dessas palavras como útima reflexão: ―O que é a verdade? A verdade é algo tão
nobre que se Deus pudesse me desviar dela, eu manteria a verdade e me afastaria de Deus‖.
REFERÊNCIAS
BARBIER, Frédéric; Tradução DE SOUZA, Gilson César Cardoso. A Europa de
Gutenberg_Capítulo 6_compressed.pdf. Disponível em:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5129411/mod_resource/content/2/A%20Europa
%20de%20Gutenberg_Cap%C3%ADtulo%206_compressed.pdf>. Acesso em:27abr.2021.
BAUMAN, Zygmunt. O Observatório da imprensa apresenta uma entrevista de Alberto
Dines com o sociólogo Zygmunt Bauman. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=kM5p8DqgG80>. Acesso em: 11abr.2021
CÂNDIDO, Antônio. Direito a literatura
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3327587/mod_resource/content/1/Candido%20
O%20Direito%20%C3%A0%20Literatura.pdf>. Acesso em: 11abr.2021.
Disponível em: https://www.dicio.com.br/houaiss/>. Acesso em: 26abr.2021.
FREIRE, Paulo. Conversando com Paulo Freire sobre arte e educação aos 21 anos da
Pedagogia do oprimido. UNICAMP, 1990. Disponível em: 61
RESUMO
Não é dos dias hodiernos que as veredas eróticas são seladas nos textos literários. ―Descarto-me da tronga,
que me chupa/ Corro por um conchego todo o mapa/ O ar da feia me arrebata a capa /O gadanho da limpa
até a garupa‖, versos como esses já foram cunhados pelo (in)devoto boca do inferno, Gregório de Matos,
causando horror e ojeriza pelas ruelas da Bahia setecentista. Inobstantes às forças moralizantes, as canetas
carregadas de libido insurgem, à revelia das convenções civilizatórias, na arte, deixando às escâncaras os
desejos abjetos de eus-poéticos "imorais", sedentos e inebriados pelo doce aroma do sexo e da carne.
Seduzidos pela palavra, apossam-se física e metafisicamente do seu objeto amado, de tal sorte a lhes auferir a
espúria condição de mortais. Assim, o presente trabalho escrutinizará os veios eróticos, ora desvelados ora
taciturnos, dos textos "proibidos" de Hilda Hilst, em especial, as obras Poemas malditos, gozos e devotos
(1984) e Do Desejo (1992), no intento de atinar as profusões tesas de uma poética sitibunda, que orbita pelas
voluptuosidades sígnicas, agonias semânticas e euforias sintáticas. Para tanto, recorrer-se-á ao aporte
psicanalítico, entremetendo-se pelas descobertas freudianas sobre as pulsões, o amor e as fantasias, diluídos na
tessitura de seus principais artigos, quais sejam: Além do Princípio do Prazer (1920), Três Ensaios sobre a
Teoria da Sexualidade (1905) e Sexualidade feminina (1931).
INTRODUÇÃO
12 Graduando em Letras – Português pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Graduando em Filosofia pela
Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL).
guilhermeewerton10000@gmail.com e http://lattes.cnpq.br/8606450392344888
13 Doutor em Letras – Português pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Psicanálise – Teoria e Prática
pelo Espaço Psicanalítico: Estudos, Clínica e Consultoria. Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Letras
(PPGL), na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
hermanorgs@gmail.com e http://lattes.cnpq.br/7615268087421599
se encontrava dormindo. Eros, enquanto fazia a pontaria, ficou admirado com a radiante
beleza de Psique, nesse tempo, contudo, a princesa se revira inesperadamente de seu sono e
tal movimento desconcentrou Eros, fazendo-o se ferir com sua própria flecha. Por fim, o
deus ferido se apaixona imediatamente pela jovem e bela mortal (BRANDÃO, 1987).
Posto esse preâmbulo mitológico, a metafísica do filósofo grego Platão é a
metafísica de Eros. Este deus, como a alma, pertence à hereditariedade de seres 64
intermediários entre o mundo sensível e inteligível, cuja sua missão consiste em comunicar
os dois mundos postulados pela teoria platônica. O amor platônico, no que lhe tange, é
esse amor transcendental, entre dois mundos, dois seres, dois polos – divino e mortal. É o
amor impossível, entretanto o que o torna possível é a sua impossibilidade. Apesar da
graciosidade da teoria filosófica, o deus Eros, em sua essência, não é apenas um amante
bondoso e gentil, mas sim é uma divindade cruel que usa suas flechas de forma
imponderável – inclusive, atingindo sua mãe e Zeus (PAZ, 1993). Já o arquétipo de Psiquê,
é percorrido pela busca da sua imortalidade14, obtida apenas com a união com um deus.
Não à toa, o amor e o mundo inteligível – metafísico, divino –, sempre estão unidos
pela corrente do erotismo. Mesmo os indivíduos, como freiras e monges, que tentam se
distanciar dos prazeres da carne, (in)conscientemente infringem o interdito e a castidade,
através das frenéticas e contínuas imagens lúbricas que aparecem nos sonhos e em suas
poluções noturnas. Ao contrário, a figura libertina passa por fases de abstenção sexual, em
decorrência de vários fatores, como a saturação e impotência (PAZ, 1993). Destarte,
afastando-se, timidamente, do contexto greco-filosófico, na religião judaico-cristão, apesar
da tentativa de se afastar dos prazeres mundanos, almejando uma vida celestial, os ritos e
procedimentos do cristianismo também contêm elementos com um certo teor erótico, que
realizam também a ponte entre a religião e a sexualidade, confirmando o dilema
batailleano (1987) do erotismo religioso.
Por conseguinte, o universo literário não poderia se afastar da dubiedade entre o
erótico e o religioso. O irreverente escritor português Eça de Queiroz, em O Crime do
Padre Amaro (1875), aproxima esses cernes (des)semelhantes ao incutir em um padre o
desejo de ter relações sexuais com uma fiel de sua paróquia. Logo, não apenas nos textos
prosaicos, a poética também recorre a essas temáticas controversas e perturbadoras para a
cultura ―moral‖ e ignóbil dos dias hodiernos, a fanopeia e, concomitantemente, a logopeia
14Essa busca pela imortalidade e/ou continuidade é intrínseca nos seres humanos. Porém, para atingir esse fim, valem-se do
ato sexual e erotismo como um meio. (BATAILLE, 1987)
(POUND, 2013) proporcionam aos leitores reflexos da realidade, a rima sendo o coito dos
sons; assim, a poesia é uma forma de erotizar a linguagem, pois, em seu âmago o poema é
erotismo. A poesia está para a linguagem, assim como a erotismo está para a sexualidade
(PAZ, 1993).
Diante disso, direcionar-nos-emos a uma das mais célebres escritoras brasileiras, Hilda
Hilst, que traz consigo temas místicos, insanos, eróticos, libertinos. Apresenta-se também, 65
em suas obras, uma realidade fraturada e com figadal fluxo de consciência, proporcionando
um complexo (i)lógico nas personas por ela cunhadas. Por esse veio, é latente o traço de
sua pena dicotômica e vacilante, enveredada por vieses ora sagrados, ora profanos,
apresentando um Deus semelhante ao Eros – ambos transpassados pela flecha da
carnalidade e atravessados pela perversão e crueldade para com os seres mortais –, e um
eu-poético feminino amante desse deus, semelhante à Psiquê, que anseia à imortalidade,
continuidade.
I
Pés burilados
Luz-alabastro
Mandou seu filho
Ser trespassado
Pés burilados
Fino formão
Dedo alongado agarrando homens
Galáxias. Corpo de homem?
Não sei. Cuidado.
Vive do grito
De seus animais feridos
Vive do sangue
De poetas, de crianças
E do martírio de homens
Mulheres santas.
Soberbas
De alguns neurônios que tenho
Tão ricos, tão carmesins.
Tem esfaimada fome
Do teu todo que lateja.
Se tenho a pedir, não peço.
Contente, eu mais lhe agradeço
Quanto maior a distância.
E só por isso uma dança, vezenquando
Se faz nos meus ossos velhos.
Pés burilados
Luz-alabastro
Mandou seu filho Ser trespassado
Nos pés de carne
Nas mãos de carne
No peito vivo. De carne.
Cuidado
(HILST, [1984] 2019, p. 408 – 409).
o respeito e a devoção acabam deixando-o neutro: ―Se tenho a pedir, não peço/ Contente,
eu mais lhe agradeço‖, tal submissão decorre de que a religião rebaixa o eu-lírico, referindo-
se a ele como pecaminoso e sórdido: ―Meu Deus, por tamanho esquecimento/ Desta que
sou, fiapo, da terra um cisco/ Beijo-te pés e artelhos‖. Portanto, a voz poética vê a carne da
divindade, direciona sua ira, contudo logo mostra devoção, considerando-se um fiapo e um
cisco de terra, que só tem direito de beijar a parte mais suja e inferior desse Deus, os pés.
Ainda nessa perspectiva de rebaixamento do sujeito, Freud discorre acerca do método que
a religião se vale:
Não obstante desse Deus-amante atroz e (des)almado, estes, todavia, atributos por
ele empregados também compõem a dicotomia do jogo erótico – essa a alternância de
interdição e transgressão é fulcral no erotismo. À vista disso, os objetos sexuais são a
representatividade dessa intercalação ininterrupta de rejeição e atração, como frutos do
interdito e de sua cessação (BATAILLE, 1987). O deus-poético é um Deus libertino, pois a
libertinagem é desarrazoada: simultaneamente anseia pela destruição e a ressureição do
outro (PAZ, 1993), tal característica fica visceral nos próximos versos. Por outro lado, o
objeto sexual do eu-poético em questão é esse Deus maléfico e libertino que atiça o desejo
de sua fiel gozosa através dos atos perversos divinos:
VII
É rígido e mata
Com seu corpo-estaca.
Ama mas crucifica.
O texto é sangue
E hidromel.
É sedoso e tem garra
E lambe teu esforço
69
Mastiga teu gozo
Se tens sede, é fel.
Enveredando-se por entre esses versos, fica mais conspícuo a dualidade volúvel que
o erotismo se configura, permitindo o objeto amado de amar e crucificar,
concomitantemente; de atiçar o desejo, mas mastigar a realização; de deixar o eu-póetico
sedento, porém dar fel. Há uma figura metafórica no último citado: ―Se tens sedes, é fel‖,
refere-se, (in)conscientemente, à religião judaico-cristã, em um episódio da crucificação:
―Mais tarde, sabendo que tudo estava concluído, para que a Escritura se cumprisse, Jesus
disse: ―tenho sede‖. Estava ali uma vasilha de vinagre. Então embebedaram a esponja nela
[...] e a ergueram até os lábios de Jesus‖ (BÍBLIA, 2018, p. 746). Dessa forma, o fel, com o
seu gosto amargo, vinagrento, ao mesmo tempo em que é vil, permite a consumação do
ato. Há também nesses versos uma (des)categorização da Santíssima Trindade: ―É pai, filho
e passarinho‖, entretanto na narrativa bíblica, a última pessoa da trindade é o Espírito
Santo, o qual é representado por uma pomba. Logo, nesse poema em questão, ocorre a
descaracterização do Espírito Santo, visto que ao colocá-lo como passarinho, deixa-o sem
identificação, podendo ser um corvo ou uma ave de rapina, por exemplo. E, nos últimos
versos, aparece a figura desse Deus que assassina, refreia, interdita e castra 15 os ímpetos do
eu-poético, deixando-o ainda com mais vontade. A fonte motora do erotismo é, portanto,
a ambiguidade de repressão e permissão, sublimação e perversão, morte e vida (PAZ,
1993).
Ainda nessa perspectiva de interdito e castração, a poética de Hilda Hilst é marcada
por um eu-lírico com dubiedade, ora submisso – tendo seus desejos refreados, 70
intensificando-os ainda mais –, ora tentado: ―A mim essa mistura/ De piedosa, erudita,
vadia/ E tão indiferente/ Tu sabes./ Poeta buscando altura/ Nas tuas coxas frias‖ (HILST,
[1984] 2019, p. 413). Essa dualidade do eu-poeta almeja elevar a alma às ―alturas‖, porém,
a forma disso ocorrer encontra-se por entre as pernas do objeto amado, ―nas coxas frias‖,
ou seja, um erotismo visando o sagrado, como já foi posto por Bataille (1987). Assim,
diante do impedimento colocado por esse deus-poético ou pela sociedade – fora da obra
literária –, o erotismo, sendo fundamentado pela atividade sexual, fica sob o domínio
tirânico da proibição – é permitido o intercurso, desde que seja às escuras, em segredo.
Todavia, mesmo diante de tal castração imposta pelo Deus – nos versos –, pela (i)moral
sociedade e pela religião, o eu-poético se sente mais excitado. Isso acontece, devido ao fato
de que: ―O proibido confere àquilo em que toca um sentido que a ação proibida, em si
própria, não continha. O proibido arrasta à transgressão, sem a qual não teria havido no
ato má luz que nos fascina... O que enfeitiça é a transgressão do proibido‖ (BATAILE, 1957,
p. 26 – 27). Esse prazer em transgredir o interdito e, ao mesmo tempo, tanger o
inalcançável, fica marcante nas estrofes hilstianas:
IX
Poderia ao menos tocar
As ataduras da tua boca?
Panos de linho luminescentes
Com que magoas
Os que te pedem palavras?
Poderia através
Sentir teus dentes?
Tocar-lhes o marfim
E o liso da saliva
15 O mestre vienense da psicanálise, em seus escritos sobre o complexo de Édipo (1913), introduz a noção de que no
passado havia uma horda primitiva. Nesta, existia um pai soberano e possuidor das mulheres, contudo os seus filhos
tenham desejos de ter relação sexual com essas mulheres. O pai, por sua vez, impede a concretização dessa lubricidade dos
filhos e os castra simbolicamente. Portanto, os tabus do incesto e a castração metafórica do filho feita pelo pai na
sociedade hodierna são frutos desse mito primevo, o qual ficou recalcado no inconsciente.
O molhado que mata e ressuscita?
XXI
Não te machuque a minha ausência, meu Deus,
Quando eu não mais estiver na Terra
16 Segundo Freud (1900), os sonhos são uma forma do inconsciente realizar os desejos recalcados. Como os conteúdos do
inconsciente são muitas vezes perturbadores, existe uma censura que não permite a manifestação de tais conteúdos.
Porém, quando o ser humano dorme, esse censor reduz sua atividade, fazendo com que o inconsciente distorça o sentido
da informação e atravesse a censura, manifestando-se nos sonhos
17 O próprio Eros carrega é dúbio por natureza: luz e sombra; solar e noturno (PAZ,1993)
Nos primeiros versos é possível perceber que o eu-lírico começa a se despedir do
seu Deus e o orienta: ―Não te machuque, a minha ausência, meu Deus,/ Quando eu não
mais estiver na terra‖, ou seja, o eu-poético vai se elevar, contudo Deus-homem e maléfico
continuará na terra, massacrando e maltratando os seres que ficarem ―[...] Meus pares e
outros homens/ Te farão viver destas duas voragens: Matança e amanhecer, sangue e
poesia‖, esses termos aqui escolhidos são frutos do acaso e do cálculo (PAZ, 1956), posto 73
que a morte e o sangue são símbolos do erótico, busca pela continuidade 18 do ser e
rompimento do hímen, respectivamente. Esses dois elementos também são significativos na
religião, a morte e o sangue são representativos em atos de sacrifícios em atividades
judaico-cristãs. Tais atividades de sacrifício ocorrem o assassinato de um animal 19 e o
derramamento de sangue simbolizando a ―expiação dos pecados‖ dos mortais. Levando em
consideração essa imolação dos animais nas práticas cristãs, é possível perceber mais uma
aproximação que o eu-poético faz com o erotismo:
18
Segundo Bataille (1987), a vida é dependente da morte desde o seu início. Para que um humano nasça é
necessário que incontáveis espermatozoides pereçam e somente um espermatozoide sobreviverá. Contudo,
esse que sobrevive também é marcado pela morte, pois, quando o espermatozoide penetra no óvulo e
mistura o seu material genético com o material genético do óvulo, ambos irão perder a sua descontinuidade,
havendo, por fim, uma morte do espermatozoide e uma morte do óvulo, sendo gérmens de um novo ser – é
exatamente isso que os amantes buscam.
19
Na tradição cristã, o animal propiciatório que será morto e, consequentemente, derramará sangue,
geralmente, é uma ovelha: “e trazer perante o Eterno, o Senhor, um animal, como sacrifício para tirar a
culpa do pecado que cometeu” (BÍBLIA, 2018, p. 78)
origens: ―Chora por mim. Pela poeira que fui/ Serei, e sou agora‖, metáfora que o eu-lírico
faz entre ele e o termo ―poeira‖ alude à morte, ao fim: ―Com o suor do seu rosto você
comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó e ao
pó voltará‖ (BÍBLIA, 2018, p. 16, grifo nosso). A saída do eu-lírico de perto do Amado e
sua aproximação com a terra, pó e morte, é a única solução para evitar a descontinuidade
e ser contínuo, pois a continuidade só é ocorre com a existência do ato sexual, porém, 74
como intercurso com o divino não foi concretizado, cabe só a morte dar continuidade a
esse ser descontínuo (BATAILLE, 1987). E, finalmente o eu-lírico feminino declara seu
amor total e (i)rracional pelo amado, um sentimento mortífero.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
75
REFERÊNCIAS
BATAILLE, G. (1987). O erotismo. Tradução de Antônio Carlos Viana. 1. ed. São Paulo:
L&PM.
BATAILLE, G. (2012). As lágrimas de eros. Lisboa: Sistema solar.
BÍBLIA (2018). Português. Bíblia leitura perfeita. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil.
BRANDÃO, J. S. (1987). Mitologia grega. Petrópolis: Vozes.
FREUD, S. (2011). O mal-estar na civilização. São Paulo: Penguin.
FREUD, S. (2012). Totem e tabu, contribuição à história do movimento psicanalítico e
outros textos. Tradução de Paulo César de Souza. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras.
FREUD, S. (2019). A interpretação dos sonhos. Tradução de Paulo César de Souza. 1. ed.
São Paulo, Companhia das Letras.
FREUD, S. (2019). Amor, Sexualidade e feminilidade. Tradução de Maria Rita Salzano
Moraes. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica.
HILST, H. (2020). Da poesia. 5. ed. São Paulo: Companhia das Letras.
PAZ, O. (1982). O arco e a lira [1956]. Tradução de Olga Savary. 2. ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira.
PAZ, O. (1994). A dupla chama amor e erotismo. Tradução de Wladyr Dupont. 1. ed. São
Paulo: Siciliano.
POUND, E. (2012). Abc da literatura. Tradução de Augusto de Campos e José Paes. 12. ed.
São Paulo, Cultrix, 2013.
REGUERA, N. M. A., BUSSATO. S. (2015). Em torno de Hilda Hilst. Recuperado de:
http://editoraunesp.com.br/catalogo/9788568334690,em-torno-de-hilda-hilst.
76
CAPÍTULO VI
AFROLOGIA TUCUJU: ESCREVIVÊNCIAS NA POÉTICA DE NEGRA AUREA
RESUMO 77
Nesta pesquisa, o objetivo principal foi perceber como Negra Aurea absorve e revela todos os elementos
identitários que atravessam o existir do negro na Amazônia, suas escrevivências enquanto mulher e professora
(utilizando o conceito de Conceição Evaristo), além do desejo didático de conscientização na luta antirracista.
Tendo como base os poemas divulgados na página do Recanto das Letras, nos zines e na antologia do grupo
Afrologia Tucuju, o presente artigo buscou fazer um movimento de interpretação e análise de fragmentos que
expressam a lírica engajada proposta pela poeta. Após esse processo, com o subsídio de teóricos como Bernd
(1988), Du Bois (1999), Fanon (2008), Ribeiro (2017) e outros, foi possível perceber que constantes discursivas
de fenômenos como diáspora, memória, ancestralidade, negritude e feminismo se reúnem para representar
uma diversidade de símbolos de resistência, compondo o cenário das relações étnico-raciais e da cultura no
Estado do Amapá.
Quebre-se a corrente
Que interfere no presente.
A melanina não será mais
Vitimada pelo feitor.
Porque hoje pele preta
Tem futuro promissor.
(AUREA, 2019)
INTRODUÇÃO
20Artigo elaborado como requisito obrigatório para a conclusão da disciplina Poéticas afro-brasileiras: ancestralidade,
identidade e resistência, ministrada pelo prof. Dr. Paulo César Andrade da Silva para o DINTER UNESP/UNIFAP. E-mail da
doutoranda: ingrid.utzig@ifap.edu.br.
21 Nome popularmente dado ao povo de origem amapaense, uma vez que a referida etnia habitava as margens da foz do
Maria Aurea dos Santos do Espírito Santo, mais conhecida como Negra Aurea, é
paraense natural de Igarapé-Miri. Nascida em 1971, começou a trabalhar com alfabetização
aos 17 anos. A partir de então começou a escrever pequenas frases para utilizar na leitura
com os alunos. Em 1995, Negra Aurea foi aprovada para cursar Licenciatura em História na
Universidade Federal do Pará (UFPA) - campus Abaetetuba. Porém, no mesmo ano, prestou
concurso público para o Estado do Amapá e em 1996 tomou posse no município de
Mazagão.
Aos poucos, Negra Aurea foi tomando conhecimento sobre Mazagão, mas tinha
dificuldade de encontrar registros escritos acerca de tais relatos. Foi quando resolveu
compilar as narrativas negras da localidade, no intuito de aproveitá-los como estratégias
pedagógicas. O ofício de poeta sempre esteve intrinsecamente ligado ao exercício da
docência. De acordo com ela, uma de suas principais missões é "contar a verdadeira história
dos negros e empoderar crianças na leitura e escrita".
Em 2005, a professora foi transferida para Macapá. Dessa vez, lotada na Escola
Estadual Brasil Novo, em um bairro periférico da zona Norte da cidade. No mesmo local,
em 2017, coordenava o ―Projeto Afrodescendentes‖ e, ao executar uma oficina, convidou o
educador Ivaldo da Silva Souza para ministrar uma palestra sobre relações étnico-raciais.
Ivaldo estava organizando uma antologia de poesia negra junto com Cleia Lacerda. Diante
do convite, Negra Aurea teve sua primeira publicação, contendo cinco produções.
Após o lançamento do livro, o ciclo de amizade se ampliou e Ivaldo Sousa, Negra
Aurea, Marcia Galindo, Arilson Viana e Graça Senna resolveram criar o movimento literário
Afrologia Tucuju, cuja estreia coincidiu com o período da Semana da Consciência Negra em
22 Utiliza-se o termo a partir da perspectiva tomada por Conceição Evaristo (em entrevista concedida ao jornal Nexo em
2017). Para ela, ―[a escrevivência seria escrever a escrita dessa vivência da mulher negra na sociedade brasileira. [...] Difícil
a subjetividade [...] não contaminar a sua escrita‖.
23 Todos os dados aqui expostos foram informados pela própria Negra Aurea em contatos via WhatsApp e e-mail.
novembro de 2018. Atualmente o grupo planeja a publicação do segundo volume da
referida antologia, sempre centrada no combate ao racismo.
Negra Aurea faz parte da Associação Literária do Estado do Amapá (ALIEAP) e
participa ativamente dos eventos literários locais. Além de escrever, também é uma
performer da voz. Alguns experimentos artísticos estão disponíveis na internet.
79
80
Tendo como base os poemas divulgados na página do Recanto das Letras 25, nos
zines e na antologia do grupo Afrologia Tucuju, o presente artigo buscará fazer um
movimento de interpretação e análise de fragmentos que expressam a lírica engajada
proposta pela autora.
POÉTICAS ÁUREAS
25
Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=197668. Acesso em 29 dez. 2019.
DIÁSPORA E MEMÓRIA: REGISTRO DOS DESLOCAMENTOS E ORIGENS DA CULTURA
NEGRA DO EXTREMO NORTE
Capoeira ou marabaixeira,
Foram expressões repletas de dor.
Hoje eu sou feliz, eu canto e danço
Na mãe África do Equador.
Mama África!
Macapaba, Amapá.
Mama África!
Bacaba, Macapá.
A Festa de São Tiago, ocorrida em julho de cada ano, é a programação turística que
mais leva visitantes à Mazagão Velho. A celebração teatraliza a disputa entre mouros e
cristãos. Segundo a lenda, o santo apareceu em um momento decisivo da batalha e deu
vitória aos portugueses na guerra contra os muçulmanos. O poema narrativo, em geral,
ilustra um capítulo interessante do Brasil colônia, em que houve uma ―transferência"
geográfica oriunda do traslado de 163 famílias remanejadas da Mazagão africana,
desativada por decisão do Marquês de Pombal (PICANÇO, 1981):
26 Referência ao poema Emparedado, de Cruz e Sousa, presente no livro Evocações (1898). ―Essas paredes traduzem uma
situacao causada pelo egoismo, a mesquinhez, os preconceitos e a visao falsa dos outros. [...] sua indignac ao se levanta
imponente contra todos. Porem, para ele, a situacao e irremediavel, porque esta e a sua raca, e o poeta nao pode
desprender-se dela. A raca e um carcere, uma funda prisao negra, onde ele sente-se entrevado sem poder escapar‖ (CESCO,
2011, p. 12). O símbolo da morte por emparedamento revela todos os obstáculos infindáveis que se põem frente à
tentativa de ascensão social do poeta negro.
Existem outros agrupamentos humanos que estão, metafórica e literalmente, à
margem. Negra Aurea não os ignora. Em Rotina: Mulheres do Campo (2019) estabelece o
panorama do labor da roça:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AUGEL, M. P. E agora falamos nós: Literatura feminina afrobrasileira. In: AFOLABI, Niyi;
BARBOSA, Márcio; RIBEIRO, Esmeralda (Org.). A mente afro-brasileira: crítica literária e
cultural afro-brasileira contemporânea. Trenton: Africa World Press, 2007, v. 1, p. 21-45.
AUREA, Negra. Canal de Negra Aurea no Youtube. 2019. Disponível em:
https://www.youtube.com/channel/UCoOS8Hd-MexRLs2HLI-xElg. Acesso em 28 dez.
2019.
________. Perfil de Negra Aurea no Recanto das Letras. 2018. Disponível em:
https://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=197668. Acesso em 29 dez. 2019.
________. Histórico de Negra Aurea [mensagem pessoal]. E-mail recebido por lara-
chan_ap@hotmail.com em 24 dez. 2019.
BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Brasiliense, 1988.
CESCO, Andréa. Cruz e Sousa: Emparedado em seu Poema. Revista Literatura em Debate, v.
5, n. 9, p. 01-45, ago./dez., 2011. Disponível em:
http://revistas.fw.uri.br/index.php/literaturaemdebate/article/viewFile/604/1122. Acesso em
8 jan. 2020.
DE LIMA, JULIANA DOMINGOS. CONCEIÇÃO EVARISTO: ‗MINHA ESCRITA É
CONTAMINADA PELA CONDIÇÃO DE MULHER NEGRA‘. NEXO: 26 DE MAIO DE 2017.
DISPONÍVEL EM: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2017/05/26/conceição-
evaristo-‗minha-escrita-é-contaminada-pela-condição-de-mulher-negra‘. ACESSO EM 8 JAN.
2020.
DU BOIS, W. E. B. As almas da gente negra. Trad. Heloísa Toller Gomes. Rio de Janeiro:
Lacerda, 1999.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 88
2008.
LIMA, Wanda Maria da Silva Ferreira. O ciclo do Marabaixo: permanências e inovações de
uma festa cultural. 2011. 131 f. Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História) -
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011.
PEREIRA, Edimilson de Almeida. Pulsações da poesia brasileira contemporânea: o Grupo
Quilombhoje e a vertente afro-brasileira. In: PEREIRA, Edimilson de Almeida (Org.). Um
tigre na floresta de signos. Belo Horizonte: Mazza, 2010.
PICANÇO, Estácio Vidal. Informações sobre a História do Amapá: 1500-1900. Macapá:
Imprensa Oficial, 1981.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?. Belo Horizonte (MG): Letramento - Justificando,
2017.
SALES, Cristian Souza de. Pensamentos da Mulher Negra na Diáspora: Escrita do Corpo,
Poesia e História. Sankofa: Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana.
Ano V, n. IX, p. 91-110, jul. 2012.
SILVA, Nádia de Sousa. ―Já torrei mei mundo de farinha nessa vida‖: lugar e memória social
no saber-fazer das casas de farinha no povoado de Boa Vista da Tapera - Encruzilhada -
Bahia. 2019. Dissertação (Mestrado em Geografia): Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB).
CAPÍTULO VII
ENTREM! COM RAÍZES E ASAS - DESGUTEM DAS GULOSEIMAS POÉTICAS
89
RESUMO
Esta abordagem apresenta uma possível reflexão sobre a escrita feminina no âmbito da literatura,
especificamente, na produção poética escrita por mulher em Mato Grosso/Brasil, visando destacar fios que
potencializam o ato da leitura. Neste sentido, enfatiza a importância da pedagogia da pergunta como
potencializadora de relações e de entendimentos das complexidades que envolvem a existência e a vivência
humana. Ao considerar a temática do I Simpósio de Poesia Contemporânea do Norte, Nordeste e Centro-
Oeste do Brasil/SIMPFENNCO- dezembro de 2020, buscamos traçar fios que alinhavam a poesia à formação
de leitores, na tentativa de apontar para a potencialidade da arte na construção de outros olhares sobre as
coisas que conosco partilham do cosmo. Para tanto, apresentamos a poética de Lucinda Persona e Maria
Elizabete Nascimento de Oliveira, destacando três poemas de cada autora, da primeira autora consideramos a
obra Entre uma noite e outra, publicada em 2014, da segunda a obra Asas do Inaudível em luzes de vaga-
lume, publicada em 2019. Produções que dialogam com a nossa experiência como professoras da Educação
Pública, na rede estadual de ensino em Estado de Mato Grosso, assim buscaremos apontar saberes que,
julgamos importantes, sobre a construção do percurso da formação do leitor na educação formal, contando
com as proposituras de Paulo Freire (2002); Miguel Arroyo (2012), Antonio Novoa (2014), Antonio Candido
(1965), Ernst Bloch (2005), Octavio Paz (1956), Nelly Novaes Coelho (1993), entre outros autores que nos
permitem adoecer os olhares com simbioses, com metáforas e com analogias que, de certo modo, trazem para
o universo, a pluralidade, as diferenças e as conexões que nos irmanam; seres humanos e coisas, imersos na
roda viva e pulsante que é o mundo.
INTRODUÇÃO
Ernst Bloch
Básica/CEFAPRO- município de Cáceres – Mato Grosso/Brasil. Doutora em Estudos Literários pela Universidade do
Estado de Mato Grosso/UNEMAT. Endereço eletrônico: m.elizabte@gmail.com.
Arapongas no Paraná, mas residente em Cuiabá desde 1965, portanto, mato-grossense.
Publicou seu primeiro livro em 1995, por Imenso Gosto, seguido de: Ser Cotidiano
(1998), Sopa escaldante (2001), Leito do Acaso (2004), Tempo Comum (2009), Entre
uma noite e outras (2014) e O passo do instante (2019). A autora faz parte da
Academia Mato-grossense de Letras/AML e para além da produção poética, colabora
também com jornais e revistas mato-grossenses na produção de resenhas, de contos e 90
de crônicas.
Especificamente nessa abordagem, trabalharemos com a produção de 2014,
Entre uma noite e outras, com foco em três poemas: Escrevo, Pequeno Lago e O que
dou à fome, traçando alguns fios são fundamentais para refletirmos sobre a produção
escrita, aqui particularmente, por mulher e a formação do leitor. Para tanto, elejo a
pedagogia da pergunta29, construída pelo educador Paulo Freire (1985) e defendida por
outros estudiosos como: Miguel Arroyo (2008), Antonio Novoa (1995), Edgar Morin
(2008), lembrando que o sentir e o sonhar suscitam questionamentos.
O que é a literatura e, sobretudo, a literatura escrita por mulher? E nesse
sentido, acreditamos ser importante que cada um também faça essa pergunta para si,
independentemente das diferenças. Como olho para essa literatura escrita por mulher?
Vejam que é importante observar que o percurso desses questionamentos vão nos
conduzindo a uma perspectiva que considera as subjetividades humanas e a
complexidade de relações existentes na sociedade, como diria Edgar Morin e/ou Nelly
Novaes Coelho (1993), nos direcionam às indefinições traçadas e conduzidas por
experiências e vivências múltiplas que se movimentam, se unem e se separam,
provocam sentidos e constelações que nos assaltam, nos tiram do cotidiano e, ao
mesmo tempo, nos devolvem a ele mais ricos de humanidades.
A Literatura, para nós, é uma necessidade, é uma essencialidade, uma forma de
não nos deixar ir embora, perdida às inúmeras ―imposições‖ da sociedade
convencional. Assim, especificamente a poesia, é um retorno, um caminho de volta, um
acionar de vozes que necessitam ser ouvidas, em um movimento de dentro para fora e
vice-versa. Ela age, em nós, como um escapulário para os sonhos, para acreditar que
outras sociedades são possíveis, tecidas com equidade, com dignidade, com respeito,
com amorosidade e, portanto, aceita todos os corpos, independentemente, das
29 https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/09/15.-Por-uma-Pedagogia-da-Pergunta.pdf
diferenças sociais, culturais, políticas, entre outras. Relembramos o filósofo francês
Maurice Merleau-Ponty (1995) de que poesia é corporeidade, é vida.
Ao pensarmos a formação do leitor a partir da literatura como forma de
expressão de nós mesmos e do mundo, nossa perspectiva de conceito de leitura é como
uma experiência a ser realizada, logo cabem aos professores à busca contínua de meios
para que a experiência entre autor-leitor aconteça e seja mediada com respeito e com 91
Esta perspectiva da autora sobre a produção da mulher e suas ramificações nos levaram
a refletir sobre os diálogos existentes entre as produções escrita por mulheres. Assim,
fomos instigadas a trazer para o debate, as produções da poeta Maria Elizabete do
Nascimento Oliveira, a autora nasceu em Paranaíba/MS, residente em Mato Grosso
desde 1978, publicou: Educação Ambiental e Manoel de Barros: diálogos poéticos
(2012), Asas do inaudível em luzes de vaga-lume (2019), atua na área de linguagens no
Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica/CEFAPRO-
Cáceres/MT. Nesta conversação com a produção da autora publicada em 2019,
também apresentaremos três poemas, intitulados: Escrita; outras vozes e quereres, no
intuito de traçar fios de diálogos com a escrita de Lucinda e legitimar com a produção
dessas mulheres o pensar de Nelly Novaes quando enfatiza que uma mulher reverbera
em outra. Ou seja, sucessivamente os fios de Ariadne vão construindo a grande obra
que movimenta o existir híbrido do feminino. Nesta perspectiva, apresentamos o
poema Escrevo, de Persona (2014) em diálogo com o poema Escrita de Oliveira (2019):
Escrevo
Escrita
Escreveu-se em versos
Alforria,
Ganhou asas,
Voou,
Virou poema.
Por não caber em si
Desaguou em histórias
De muitos passados.
Eu múltiplo 93
Numa história singular,
Composição de uma música
Com várias melodias.
Pequeno lago
Então
Pertinaz
Orienta-se
Para o que está sepultado
No fundo do lago
Quem poderá dizer
O que é que se move
Suavemente
Para diante
E para trás?
Outras vozes
30 OLIVEIRA, Sheila. Uma mulher é morta a cada nove horas durante a pandemia no Brasil. Brasil de Fato: São Paulo, 10
de outubro de 2020 as 17:47. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/10/10/uma-mulher-e-morta-a-cada-
nove-horas-durante-a-pandemia-no-brasil. Acesso: 13 de dezembro de 2020.
preferem ir embora, mesmo tendo-as sempre como presença porque contribuíram em
nossa constituição à procura do SER integral. Como disse Lucinda Persona: ―de algum
modo/tudo está contido/no maior livro/É tão bom saber que/ o tempo favorável é
agora/Hora de considerar de perto (em cena pontual)/o que temos por claro e certo/o
meio-dia mais autêntico/ dorme de pé em qualquer lugar‖. E com tudo isso afetando os
sentidos perceber/sentir os aromas que pulsam da vida e/ou das vidas que partilham da 98
Quereres
Quero...
Ter olhos de lince
Às insignificâncias.
Degustar a beleza das flores,
Sentir o barulho das cachoeiras,
Perceber a magia da lua,
Delirar com o fascínio do sol,
Sonhar com o canto dos pássaros,
Beliscar a ponta do horizonte,
Decifrar algumas linhas da existência,
Despejar sorrisos nos tropeços dos sonhos,
Ler a poeira das tempestades,
Desvirar as linhas da razão,
Dar água aos bem-te-vis,
Encantar com a música do mar,
Enfrentar sombras e escuridão,
Alimentar o balde da bruxaria,
Galopar com o vento,
Perceber os bons presságios,
Ofertar cambalhotas ao desespero,
Ouvir as gargalhadas do silêncio,
Saltar de trampolim,
Acionar as linhas da loucura.
Acordar como se nunca tivesse dormido,
Viver com intensidade
O inefável
E mesmo assim...
Com todos esses quereres,
No fim...
Eu sei!
Sei que ainda morrerei
De fome e de sede
De viver.
poemático aponta essa fome que pulsa no processo das produções poéticas e que de
certo modo, também, destaca a incompletude humana que reverberam nos outros
poemas.
Com esses retalhos de pensares, de dúvidas e de desejos, finalizamos dizendo
que a escrita da mulher vem acompanhada/embaralhada nos tempos vividos. Como
aborda Nelly Novaes Coelho, trata-se de: saberes e sabores dos mais diversos que se
fundem numa escrita seivosa, sinuosa porque a aventura humana está enredada em seus
mil caminhos e veredas que, por sua vez, se cruzam, se entrelaçam e se separam.
Nenhuma vida [existe] de forma independente, mas está enovelada, determinada,
abortada ou frutificada por outras vidas que a ela estão presas por invisíveis e
irredutíveis fios (NOVAES,1993).
Diante do exposto sobre a Literatura da Mulher e a Formação do Leitor na
Educação Básica, o título dessa comunicação - Entrem! Com Raízes e Asas - Degustem
das Guloseimas Poéticas – constitui-se em uma alusão para que possamos nos despir de
concepções ―prontas‖, especialmente quando tratamos de produção de mulher e da
formação de leitor, tudo está por fazer e nós, estudiosos da literatura, professores da
educação básica, estudantes de pós-graduação e/ou do ensino básico, precisamos juntar
nossas raízes e asas na constituição de outros saberes sobre a complexidade de relações
que se estabelecem e/ou que se estabeleceram na história da humanidade, nos
diferentes campos do conhecimento.
Portanto, nossa sugestão é que a arte poética seja expandida pelas mãos de
ourives na construção do mundo (ser humano) agindo de forma atenciosa, cuidadosa e
ordeira e, juntos, possam lapidar caminhos à construção de outra sociedade, tendo
como referencial a poesia e a sua abertura aos diferentes e às complexidades
existenciais. A sugestão prática para as aulas de literatura se dá na procura, na interação
– pesquisadores, professores, alunos e meios de comunicação - que, na interatividade,
criam novas contexturas para a produção literária, construindo diálogos e olhares que
movimentam espaços diferentes e que acionam as reflexões múltiplas e pulsantes do
existir. No entanto, é importante destacar que os elementos para interpretação estão
no próprio texto e, por isso a importância do saber ler com e no texto. Ou seja, a
leitura conduz o leitor ao universo polissêmico das palavras e, quando o leitor volta à
tona da viagem realizada com o texto ele se reencontra, como disse Guimarães Rosa,
em uma terceira margem, capaz de se ver em outro lugar (MICHELETTI, 2006). Ainda 101
nesta perspectiva, Guaraciaba Micheletti (2006, p. 16) enfatiza ainda que: ―[...]
aparentemente preso nas malhas do texto, o leitor salta para a vida e para o real na
medida em que a leitura da palavra escrita pode conduzi-lo a uma interpretação do
mundo‖.
Sugerimos uma novo jeito de aprender e de ensinar, onde a leitura potencializa
uma forma de compartilhar os mundos, o próprio de cada indivíduo e o mundo do
outro e outras, em diálogo com as coisas existentes no cosmo. Entre os vários
sentimentos que a literatura pode proporcionar estão a fruição, a alegria pela
descoberta e o prazer por uma leitura que não apenas decodifica códigos linguísticos,
mas que movimenta o mundo do leitor e potencializa sua identidade na alegre procura
de ser-mais, à busca por um devir ancorado na utopia do esperançar freireano. A
produção poética, quando trabalhada de forma significativa pelo mediador, devolve ao
aluno, sua tinta original e com ela, ele pode desenvolver outras formas de ―pintar‖ o
mundo e de se constituir em humanidade.
REFERÊNCIAS
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BLOCH, Ernst. O princípio esperança. Rio de Janeiro: UERJ/Contraponto, 2005.
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 1ª Ed. São Paulo: Companhia Editora.
Nacional, 1965.
COELHO, Nelly Novaes. A Literatura feminina no Brasil contemporâneo. São Paulo:
Siciliano, 1993.
COSSON, Rildo. Letramento Literário: Teoria e Prática. São Paulo: Contexto, 2006.
FREIRE, Paulo e FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2002.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
MICHELETTI, Guaraciaba. Leitura e construção do real: o lugar da poesia e da ficção.
São Paulo: Cortez, 2006. (Coleção aprender e ensinar com textos; v.4).
NOVOA, Antonio (org,). Profissão professor. Portugal: Porto Editora, Col. Ciências da
educação, 2014.
OLIVEIRA, Elizabete. Educação Ambiental e Manoel de Barros: Diálogos poéticos. São
Paulo: Paulinas, 2012 102
103
RESUMO
Há no mundo contemporâneo uma tendência quase unânime de se estabelecer uma linha limítrofe entre as
artes e ao mesmo tempo, a partir dessa linha, mergulhar nas relações entre elas. Diz Étienne Souriau que em
qualquer arte, o artista força a matéria a manifestar seu sonho, mas isso apenas quando esse sonho já tiver
desposado da matéria, que no caso específico de Cida Pedrosa, se manifesta no olhar e na concepção da
imagem como tal. Neste sentido, as nossas reflexões se fundamentam nas bases da discussão herdada do
pensamento de Mikhail Bakhtin no que concerne à concepção dialógica e polifônica dos estudos da
linguagem. Perceber e estudar estes rumos é tarefa inadiável ao investigador da contemporaneidade, seja no
campo das artes ou do comportamento social como um todo. Este artigo é consequência dos estudos que
desenvolvemos sobre a poesia de Cida Pedrosa, referência da escritura da mulher na literatura pernambucana,
cuja cidadania literária está vinculada ao Movimento dos Escritores Independentes de Pernambuco de 1980.
Nosso objetivo, a partir de referenciais teóricos levantados nas obras do pensador russo Mikhail Bakhtin e do
francês Étienne Souriau é revelar como sua linguagem é um construto de emoções que se imbricam no espaço
entre o diálogo das diversas formas de expressão artística, notoriamente as formas literárias e plásticas e o
cenário íntimo do eu a partir de um olhar observador, que recorta da exterioridade o universo imagético da
arte. Discutiremos como em Cida Pedrosa se manifesta uma poesia de marcações visuais, que se apresenta ao
leitor como invariante de uma nova perspectiva da voz feminina diante do universo caótico que nos rodeia,
numa sucessão de quadros polifônicos capazes de atrair pela beleza plástica dos versos que são construídos
com a força do fazer literário do nosso tempo e de nossa paisagem íntima, como demonstraremos nas leituras
de seus poemas publicados no Gume, cujo processo de composição surge pelo desdobramento geométrico das
quatro partes de que se constitui e que dialoga com os cinco livros anteriores da autora, armados como uma
tela projetada em processo de disjunção e conjunção de quadros desmembrados dos primeiros recortes, os
livros Restos do fim, O Cavaleiro da epifania, Cântaro, As filhas de Lilith e Miúdos e o livro que inicia a fase
posterior, Claranã, que formam uma síntese polifônica da paisagem íntima do ser composta pela integração
entre as formas de percepção do mundo e as correspondências da arte.
INTRODUÇÃO
31 Este texto tem como base o artigo Cida Pedrosa: a poesia que se vê de Eduardo Martins, publicado nos anais do XIII
CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC.
32 Professor Dr. da Fundação Universidade Federal de Rondonia.
33 Professora Ma da Fundação Universidade Federal de Rondonia.
de promover e acomodar diferentes modos de integração entre os textos e suas vozes. Os
fragmentos de elementos visuais e de imagens que dialogam entre si na construção poética,
quase não nos deixam perceber esses limites, isto porque esses fragmentos se imbricam
como para compor uma peça única, um monumento de expressão que se antecipa aos
olhos sobre a imagem. Neste sentido o estudo da análise da linguagem, enquanto
ferramenta que propicia a construção desse mosaico, se faz por meio do processo interativo 104
O foco deste trabalho é o livro Gume, que se constrói a partir de dois grandes
cortes de tensão , falo do rio de estio / e no amor falo agora, que se fragmentam em oito
pequenos recortes (poemas urbanos, poemas da libertação, poemas da passagem,
engenharia da dor, haicais da visitação, amor maior que deus, corpos sob o neon e a
próxima dança) simetricamente distribuídos em quatro quadros para cada lado, revelando
para o leitor duas focalizações imperiosamente distintas, que dialogam entre si, formando
um conjunto polifônico de cenas, que às vezes privilegiam o particular e às vezes o
universal, na distância ou na proximidade do olhar, de acordo com as frestas que a própria
organização estrutural das imagens da obra nos permite perceber.
Aqui temos a movimentação do espaço especializado para o espaço espacializante,
como diria Merleau-Ponty, usada como recurso de ampliação do campo de apreensão do 105
objeto focado.
Bom exemplo do que estamos falando encontramos nos poemas urbanos,
especificamente no texto "passeio pelas ruas do espinheiro", um poema extremamente bem
realizado e de extraordinário nível de compleição poética, capaz de nos propiciar o êxtase
advindo das imagens que saltam e aguçam a nossa visão e que merece a transcrição na
íntegra:
quero
pelos olhos da cidade
apreciar papoulas
abertas de par em par
para deleite dos cãezinhos
e colares de pérola maiorca
quero
pelos olhos da cidade
sentir cheiro de pão e fuligem
de brisa e de cimento
e testemunhar o preciso instantelos
em que o beija-flor afaga
a papoula aberta de par em par
(PEDROSA, 2005)
Nele, constatamos que a presença de elementos formais constrói uma poesia visual
em Cida por diferentes níveis de discurso irmanados de maneira a acomodar a polifonia das
vozes representadas, tanto pelos elementos cotidianos, como pelos fragmentos de
subjetividades que se precipitam diante desses elementos.
As sinestesias e o gosto pelo emblemático, aliado a técnicas de montagem e
remontagem textual constituem, em última instância, a bricolagem das imagens pinceladas
em fluxo contínuo que alterna a horizontalidade da percepção dos elementos externos ao
ser e o seu interior frente a verticalidade que se aloja no uso dos parênteses e parece isolar-
se no meio da paisagem, construto da solidão e do refúgio da "rigidez das horas", um
tempo-mapa, contado, minutado, por meio das cenas recortadas, em que o discurso 106
toca de caranguejo
puçá de siris
tetéia de goiamuns
partidapalavraperdida
remete a uma enorme e majestosa pedra que de tempos em tempos é iluminada por luzes
azuis e que abrigava um reino encantado. Por isso mesmo, a reconfiguração emblemática e
plástica de que se compõe o livro, manifestação palimpséstica do processo de refazimento
das imagens retidas no processo de criação da autora.
Assim, como no poema, a palavra é o instrumento de recorte que emoldura,
harmoniza e recria seu mundo. As imagens são coladas umas sobre as outras como partes de
um conjunto de vozes mais amplo, a obra. Ao leitor compete captar o voo seccionado no
ícone do albatroz e sua multiplicidade de voos. "É essa, precisamente, aquela posição
radicalmente nova que transforma o objeto, ou melhor, o homem reificado, em outro
sujeito, em outro "eu" que se auto-revela livremente". ( BRAIT, p.194)
Uma poesia que se vê como foto em movimento nas diversas leituras do quadro
real que se refaz ora por via da memória curta e ora por meio de seu alcance mais
longínquo. Um universo em que os tons e sobretons constroem a marca de um desenho,
que também se desfaz para ressurgir enquanto força expressiva das emoções de diversos
tons e cores. Aliás, as cores estão quase sempre presentes nos textos de Cida, ora de forma
clara e facilmente perceptível, ora de forma escamoteada, em sombreamentos que parecem
querer ocultar os segredos de sua identidade.
É o que se pode perceber em "serva das cores", "a passarela", "um certo sol sobre
São Paulo", "vinil, a face e o sertão", "branco sob buganvília" e vários outros textos deste
primeiro corte do livro (e também do segundo), como na passagem impressionista de "o
morto-vivo", em que a cor das uvas, em decorrência de seu estado físico, atua como ícone
de remissão da morte que, por sua vez, dialoga com a fragilidade orgânica do ser:
as uvas apodrecem
na fruteira
tu te perfilas na cadeira da mesa
que cheira a suor de ancestrais
Este constructo plástico, recorrente ao longo do livro, torna-se ritual de marca
estilística, porque moldura a tela a partir da compartimentação do objeto que propicia a
multiplicação de focos e transfere ao observador uma sensação lateral de sua integridade.
Ele também irá aparecer nos livros posteriores, especialmente em Claranã, em que
as tonalidades mais claras, quase brancas ou pouco azuladas, como reflexo de sua poética,
aparecem. É o que se tem no fragmento que transcrevemos do poema sem título publicado 109
no livro:
poeta Jô Patriota, a tonalidade prata que margeia entre o branco e o azul que seguem suas
pinceladas no processo de construção das imagens.
Desta forma, o livro se abre em um segundo corte e volta o seu olhar para a
interioridade do sujeito, alterando muito pouco no que se refere à plasticidade do mosaico
de vozes presentes na construção de sua linguagem. Aqui, a agonia da urbe parece evoluir
para a harmonia no que diz respeito à temática que desta feita posicionará o eu como
elemento-foco de sua percepção, chamando para si a sensualidade, a dor e o prazer de ser e
de se desenhar mulher, notoriamente nos recortes haicais da visitação e amor maior que
deus.
Esta segunda parte é essencialmente feminina, especialmente no que diz respeito à
voz que sussurra e pinta, com as cores do refinamento, os seus segredos mais secretos. Para
se ter uma ideia da dimensão desta atenção ao discurso visual e de sua sensualidade basta
observar no livro as recorrências do olhar em suas diversas formas de aparição e invocações
implícitas, como no poema "van Gogh": são vinte e três ocorrências no primeiro bloco da
obra para quarenta poemas, e quinze também para quarenta poemas, no segundo. No
primeiro bloco, apenas no poema "cinema aos domingos", temos sete recorrências e, no
segundo, no curto poema "olhos de mar", temos seis recorrências. Qual seja, a cada dois
poemas dos dois conjuntos o olhar aparece em pelo menos um, ora caracterizando-se como
perscrutador do outro, ora como voz confidente do próprio eu em seu diálogo com o
mundo exterior. Desta forma, esse olhar desvenda o processo de engenharia na edificação
da imagem. Vejamos:
Como se pode facilmente perceber, também neste segundo bloco, o uso das figuras
de repetição, usadas muito pouco em seus primeiros livros, parece constituir a novidade 111
formal deste Gume, posto que articuladas para gerar um efeito muito mais provocativo do
sujeito para quem se dirige o poema, já que se aliam a outras nuances plásticas e sonoras da
linguagem e se unificam no labirinto forma/fundo que, em última instância, é a própria
essência poética, o complexo de seus lados e de seus tons.
É o que ocorre em "senda", um desses poemas laterais que nos deixa perplexos pelo
contorno e pela multiplicação das formas que vão sendo reveladas umas sobre as outras a
medida em que se justapõem e embaralham o conjunto sonoro do coro subjetivo:
a senda aberta
acende a sanha
a senha acende
a sanha aberta
a sanha lava
a lava acende
a senda aberta
teus olhos
são mais azuis 112
sobre este chão de flamboaiã
o que dizer do céu
que espia e espelha
o teu desejo
no horizontal instante
entre a flor e a pele
um pássaro paira
ao som
do canto do teu corpo
alça um vôo
verticalmente azul
PERCEPÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS:
I. Livros da autora
PEDROSA, Cida e Martins, Eduardo. Restos do fim. Recife: Edição independente, 1982.
PEDROSA, Cida. O cavaleiro da epifania. Recife: Edição independente, 1986.
_________. Cântaro. Recife: Edição Independente, 2000.
_________. Gume. Recife, Edição independente, 2005.
_________. As filhas de Lilith. Rio de Janeiro: Caliban, 2009.
_________. Miúdos. Recife: Editora edições, 2011.
II. Textos sobre a autora
CAMAROTTI, Marco. Apresentação. In: O cavaleiro da epifania. Recife, Edição
independente, 1987.
CARRERO, Raimundo. Uma faca de dois gumes. In: Gume. Recife, Edição independente,
2005.
ESPINHARA, Francisco. Movimento de escritores independentes. Recife: Editora 114
Universitária, 2000.
GUIMARÃES, Marco Polo. Poesia de carne e vida. In: Cântaro. Recife, Edição
independente, 2000.
MELO, Alberto da Cunha. A têmpera de Cida. In: Gume. Recife, Edição independente,
2005.
MONTEIRO, Ângelo. Epifania poética. In:O cavaleiro da epifania. Recife, Edição
independente, 1987.
NOGUEIRA, Lucila. Cida Pedrosa: uma poética em ascensão. In: Gume. Recife, Edição
independente, 2005.
II. Textos teóricos
115
RESUMO
O livro: suas origens e seus conceitos. A modernidade trouxe transformações que mudaram a forma de ler,
ver e pensar o mundo, o conceito de livro como suporte das memórias humanas também sofreu adaptações e
deu origens a outras formas de expressões artísticas. O livro de artista é um bom exemplo disso. Seria livro ou
seria um objeto de arte? Um diário? Um livro para colorir, recortar e colar? É realmente um livro ou a ideia
de um livro? Produzido para a massa ou para um pequeno e seleto grupo social? São inúmeras as indagações,
como muitas e infinitas são as respostas. O objeto deste ensaio e refletir sobre a história do livro a partir da
imprensa de Gutenbergs, passando pelo reconhecimento do livro como objeto de registo das memórias,
histórias e lembranças, mas destacando o grande desfalque ocorrido com a chegada das tecnologias da
informação e da comunicação até compreendamos que o conceito de livro não cabe apenas na obra impressa,
mas nas dinâmicas atuais que o livro de artista começou a produzir e provocar pós-ditadura, no século
passado. A metodologia adotada é a social-dialógica e analítica em obras de livro-objetos e teóricos que
refletem sobre a importância do livro, sua história e as suas funções sociais. Espera-se, portanto, contribuir no
processo de disseminação de valores e sentidos do livro de artista na atualidade.
A escrita, o processo de contagem e a arte impressa têm suas origens ainda na pré-
história ocasião que o homem começou a se preocupar com os registros diversos utilizando-
se de pedras, da argila e outros recursos vegetais e animais, sendo estes os primeiros
suportes utilizados, objetivando esclarecimentos as gerações futuras, pelo menos é nisto que
acreditam os pesquisadores.
Inicialmente, um texto pictográfico nos foi apresentado, ocasião que a escrita se
utilizava apenas das imagens para comunicar:
UNEAMT, flavio.paz@unemat.br.
Depois, surgiu à escrita ideográfica que, como o nome sugere, sustentado na
representação da ideia por meio de imagens e símbolos, ou seja, um sistema de registro
escrito que nos foi apresentado por meio ―de ideogramas como símbolos gráficos ou
desenhos (signos pictóricos), formando caracteres separados e representando objetos, ideias
ou palavras completas, associados aos sons com tais objetos ou ideias são nomeados no
respectivo idioma.‖ (LUCAS et al, 2017, p. 3). 116
A escrita seja ela qual for sempre foi uma maneira de representar a
memória coletiva, religiosa, mágica, científica, política, artística e 117
cultural. A invenção do livro, e, sobretudo da imprensa são grandes
marcos da história da humanidade, depois, e claro da própria
invenção da escrita. Esta foi passando do domínio de poucas pessoas
para o do público em geral e seu consumo é mais significativo na
forma de leitura do que na produção de textos. Os jornais e revistas
são hoje tão comuns quanto à comida. Para a maioria das pessoas,
além de aprender a andar e a falar, é comum aprender a ler e a
escrever (CAGLIARI, 1989, p. 112).
Desse modo, o livro, enquanto arte impressa, surgiu para o registro das nossas
memórias, abrigar ideias possibilitando (re)visitar e sequenciar o estado da arte que tal
fenômeno ou situação se encontra e como podemos projetá-la e aperfeiçoá-la positiva e/ou
negativamente; apreender, socializar e transcender o conhecimento que também é
sinônimo de poder em uma sociedade capitalista como a que vivemos, além de ampliar a
imaginação e conduzir a um pensamento crítico e criativo.
Pode-se afirmar que, no Ocidente, em especial, após o desenvolvimento da
imprensa aconteceu a maior revolução que se possa imaginar. E não poderia se diferente se
considerarmos que a imprensa de Gutenbergs (1439) surgiu em meio a grandes revoluções,
sendo objeto de desejo de muitos, mas de custo altíssimo e acessível apenas pela elite da
época. Sua confecção envolvia outros profissionais, como joalheiros, mecânicos, químicos e
outros, não bastando somente produzir um livro pelo livro, era preciso acrescentar mais
valores que o próprio conteúdo, tornando-o, em muitas ocasiões, inclusive na atualidade,
um instrumento artístico.
Desse período renascentista (era de Gutenbergs) até o fim do século XIX quase nada
de novo acontece à história e ao modo de se confeccionar um livro, seja no seu formato,
forma de coloração, letras, técnicas de produção, designers gráficos, enfim, nada.
Este cenário mudaria radicalmente, como dito anteriormente, na primeira metade
do século XX, a partir do momento que o Electronic Numerical Integrator And Computer -
ENIAC, o primeiro computador do mundo foi mostrado ao mundo em 14 de fevereiro de
1946 e com o surgimentos de profissionais como o design gráfico, antecedidos pelos
tipógrafos, letristas e retocadores, também denominados de ―artistas comerciais‖, oriundos
das exigências da Revolução Industrial.
Todavia, acredita-se que existam equívocos nesta história, pois, para o designer
gráfico norte-americano, professor, historiador e autor de livros sobre o tema, Philip Baxter
Meggs, ―… a crítica de design e a (investigação da) sua história já existe desde o século
XVI‖. O que significa dizer que, 118
Frente ao exposto, o livro no seu formato inicial e seguido por mais de cinco
séculos a forma física e engessado deu origem a outros formatos, incluindo os e-books, em
especial, nas últimas décadas do século XX aos dias atuais e, dentre estes, aliados aos
movimentos artístico-literários e da promoção da leitura e da escrita, bem como do
incentivo à leitura e as artes pós-ditadura militar – 01 de abril de 1964 a 15 de março de
1985, o conceito e a missão do livro impresso parece ter chegado ao fim.
Sobre este assunto, os escritores Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, no
livro/entrevista, intitulado ―Todos os livros que não lemos‖ refletem e respondem quando
indagados sobre as possíveis causa do (não) desaparecimento do livro impresso na
sociedade e a sua importância na memória e nas outras artes literárias ou não.
Ubiratan Brasil, entrevistando Umberto Eco, em 13 de março de 2010, para o
Jornal Estadão, na apresentação do entrevistado afirma que ―(...) o livro é uma invenção
consolidada, a ponto de as revoluções tecnológicas, anunciadas ou temidas, não terem
como detê-las.‖. Na sequência pergunta: ―O livro não está condenado, como apregoam os
adoradores das novas tecnologias?‖ Tendo como resposta de Eco:
Assim, podemos afirmar que o livro cumpriu e ainda cumpre a sua missão,
delegando aos novos tempos, cenários e técnicas a possibilidade de se ver, tatear, imaginar
e criar livros, independentemente do seu formato e fins.
O livro de artista tem muito mais a ver com a expressão do artista que com a
preocupação entre o dizer e o não dito. Nas palavras de Marcia Ronsenberger: ―Gosto de
pensar no livro como uma plataforma de experimentação artístico-sensorial sem limites,
que dialoga com o corpo do artista e abre uma infinitude de possibilidades dialógicas com
sua poética.‖ (ROSENBERGER in: PAZ, 2020. p. 63)
Na produção do livro de artista, o autor ou a autora, constitui um verdadeiro faz-
tudo. Assume-se as funções poeta, escritor, editor, ilustrador, encadernador, distribuidor,
vendedor e muitas outras inerentes aos percursos de editoração e comercialização da obra,
pensamento decorrente dos movimentos artísticos e literários das décadas de 50, 60 e 70
do século passado que vendo as artes e a cultura para poucos privilegiados, abraçaram as
causas de acesso ao universo artístico por todos, indistintamente das classes que
pertencessem.
Em suma, como defendeu o poeta visual concretista e artista mexicano, Ulises 121
Carrión, referência mundial para os estudiosos e artistas do livro de artista, autor da obra
―A nova arte de fazer livros‖, que afirma, em paráfrase: o escritor escreve textos e o artista
faz livros.
Nesse sentido, compete mais uma vez ao leitor interpretar e atribuir sentido as
leituras e as produções de livros de artistas, derrubando posicionamento estéticos,
caracterizando-se muito mais pelo conceito/movimento, uma vez que o artista quer
subverter as intenções das artes clássicas, pois ela está muito além dos espaços e galerias,
além das curadorias.
Assim, faz opção pelo contato direto com o público, afinal, a arte só faz sentido se
houver um apreciador, neste caso, um leitor que terá a oportunidade de manusear o livro-
objeto e folheará menos, além de não mais se prender as palavras ou mesmo as figuras,
pois no livro de artista não há apenas esses elementos.
REFERÊNCIA
BRASIL, Ubiratan. ‗Eletrônicos duram 10 anos; livros, 5 século‘, diz Umberto Eco. In: Jornal
Estadão: Caderno Cultura, de 13 de março de 2010. Disponível em:
https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,eletronicos-duram-10-anos-livros-5-seculos-diz-
umberto-eco,523700. Acesso em 11 dez 2020;
BURY, Stephen. Artists' Books: The Book As a Work of Art, 1963–1995. Bury: Scolar Press,
1995;
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística, 1 ed., São Paulo: Scipione,1989
CANONGIA, Ligia (Org.). Artur Barrio. Rio de Janeiro: Modo, 2002;
ECO, Humberto; CARRIÈRE, Jean-Claude. Não contem com o fim do livro. Tradução de
André Telles. Rio de Janeiro: Record, 2010;
LUCAS, Alan; NOGUEIRA, Daniela; SILVA, Jaine; BRAZ, Michele; JERUSA, Nara. A escrita
ideográfica. Campanha: UEMG, 2017;
MADURO, Daniela. Escrita pictográfica: um texto feito de imagens. In: DigLitWeb: Digital
Literature Web. Disponível em
http://www1.ci.uc.pt/diglit/DigLitWebCdeCodiceeComputadorEnsaio27.html#:~:text=A%
20escrita%20pictogr%C3%A1fica%20n%C3%A3o%20representava,da%20l%C3%B3gica
%20temporal%20do%20discurso.&text=Os%20pictogramas%20n%C3%A3o%20tinham
%20uma,reconhecer%20o%20que%20est%C3%A1%20representado. Acesso em 23 122
dez.2020;
MERCADO, Luis Paulo Leopoldo. A História da Escrita. In: Disponível em
http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/material/impresso/imp_basico/e1_assuntos_a1-
4.html. Acesso em 26 dez 2020
PAZ, José Flávio da. Entrevista com a autora Marcia Rosenberger. In. Revista Conexão
Literatura, São Paulo, nº 65, p. 61-68, nov.2020.
ROSENBERGER, Marcia. Histórias para ouvir antes de dormir: a poética nos livros de
artistas no Brasil. In: VILALVA, Walnice (Coord.); PAZ, José; MATA, Josimeire; FERREIRA,
Lucinea; GONZÁLEZ, Néstor (Orgs.). Literatura, cultura e subjetividade. 1ª ed. Joinville:
Clube de Autores Publicações S/A, 2020;
SKAZIS, Crazy. História do design gráfico. Disponível em:
http://disparitybydesigners.blogspot.com/p/historia-do-design-grafico.html. Acesso em 30
dez 2020.
CAPÍTULO X
RELAÇÃO ÉTNICO - RACIAL NA PRATICA DOCENTE: UM ESTUDO
COMPARATIVO ENTRE ESCOLAS MUNICIPAL E ESTADUAL EM MACAPÁ-AP
ESPÍRITO SANTO, Maria Aurea dos Santos 35
123
RESUMO
Este trabalho científico apresenta-se com o título relação étnico - racial na pratica docente: um estudo
comparativo entre escolas municipal e estadual em Macapá-Ap. Assim foi necessário estabelecer objetivo a
alcançar quando se sistematizou Analisar a Relação Étnico - Racial na Pratica Docente realizando um estudo
comparativo entre a Escola Estadual Brasil Novo e a Escola Municipal Lucia Neves Deniur na Zona Norte de
Macapá/Ap. Como metodologia da investigação científica se fixou com enfoque qualitativo e quantitativo, de
desenho não experimental, de nível exploratória descritiva, na modalidade de estudo comparativo, onde
utilizou-se de entrevista e questionário como instrumentos de coleta de dados. A pesquisa permitiu constatar o
quanto é superficial o trabalho nas escolas em evidencia acerca da educação das relações étnico-raciais nas
escolas. Mesmo com as leis determinando e as diretrizes orientando tal trabalho nas escolas há anos, na
atualidade se faz muito pouco a esse respeito e quando se faz é de maneira isolada. No entanto, ao realizar a
comparação entre as instituições escolares, a Escola municipal Lúcia Neves Deniur apresenta-se com maior
feito no trabalho desenvolvido na sala de aula, mas que precisa de muito mais para o respeito as diferenças no
que tange aos afro-brasileiros no País.
INTRODUÇÃO
35Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Amapá (2007). É Especialista pela Faculdade Atual-Ap.em
Gestão do Trabalho Pedagógico: Supervisão Escolar e Orientação Educacional (2010) e Lato Sensu em Educação de Jovens
e Adultos na Diversidade e Inclusão Social pelo IFAP. (2016). É Mestra em Ciências da Educação pela UNINTER- PY. Além
de desenvolver suas atividades como poetisa e cordelista. CV lattes: http://lattes.cnpq.br/0671553050130644.
pudesse ampliar o conhecimento da experiência dessa realidade, quando se esbarrou na
vivência dos coordenadores pedagógicos, professores e alunos do Ensino fundamental, no
ensejo de verificação da ocorrência das relações étnico-raciais, o que vem sendo exigido
legalmente por vários e longos anos na educação brasileira.
O presente trabalho é um resumo da tese de Mestrado em Ciência da Educação,
cursado por Maria Aurea dos Santos do Espírito Santo no Paraguai entre julho de 2017 a 124
janeiro de 2019. A mesma, baseou-se nas seguintes questões: Concepção de relação Étnico
racial nas escolas; Aplicabilidade das Diretrizes Curriculares Nacional, estadual e municipal
para a relação Étnico racial nas escolas; A efetivação da relação Étnico racial nas escolas
nos Componentes Curriculares; Quais mecanismos utilizados para garantir relação Étnico
racial nas escolas e finalmente como acontece a relação Étnico racial no convívio escolar
entre docente e discentes?
De acordo com o exposto, acredita-se piamente, que a mudança nessas dimensões
pode estar ligada ao investimento com afinco, na formação profissional dos educadores,
que ao exercerem seu profissionalismo podem cambiar o espaço escolar em um ambiente
de socialização da diversidade.
Tarefa árdua para os professionais de educação, que em sua formação precisam ter
em mente que não basta só o domínio do conteúdo. A educação vai bem além, é um
processo de transformação, valores sócio - culturais capazes de mudar o mundo e para
tanto, é necessário que estes estejam antenados com as modificações, com a aceitação
étnico racial e a busca de estratégias inovadoras. Ações afirmativas que proporcione a
comunidade escolar conhecer as diferenças.
MARCO TEÓRICO
O que dizer sobre relações étnico - raciais? Antes de tudo é preciso desenvolver
estes conceitos, a fim de entender, que a compreensão ao longo do tempo está sendo
construída paulatinamente.
Segundo o professor Munanga a partir do sec. XV, quando os grandes
navegadores, passaram a ter contato com diferentes pessoas, entre elas os aborígenos da
Oceania, os africanos, os ameríndios, com diferenças morfológicas e culturais, aos quais lhes
foram imposto a convecção ao Cristianismo, questão está resolvida pelo campo da teologia
que tinha o monopólio do conhecimento.
Os iluministas contestavam e mostravam o caminho com racionalidade (razão),
onde apontam os povos diferentes como raças, enfocando mais a cor da pele.
Com o avanço das ciências, além da cor da pele, apresentaram outras formas de
classificá-los, pelo formato do crânio, elementos químicos, marcadores genéticos que
poderiam ser encontrados em vários grupos. A maioria dos autores afirma que raça é um
termo não científico que pode ter significado biológico quando se trata de um ser 125
num caráter dinâmico e processual, não sendo definido, nem estático mais dependendo da
inter-relação entre os envolvidos. Um processo simbólico que adquire valores, conteúdos
significativos e compartilhados a partir das especificidades e vivencia do grupo.
Agora, que já se conceituou os termos ―raça‖ e ―etnia‖, podemos partir para a
concepção da nomenclatura ―Relação Étnico-racial‖. Para Nilma Lino Gomes no site Cor da
Cultura, as relações étnico raciais,
os mais prejudicados são os indígenas e os negros. Motivo pelo qual, torna-se necessário
que o ideário educacional integre a diversidade cultural brasileira em seu programa, como
acervo de valores, postura e ações afirmativas para contemplar as especificidades de grupos
marginalizados.
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCURSSÃO
A concepção de Relações étnico-racial deve ser uma temática conhecida por todos
os seguimentos escolares, mas de maneira adequada.
O educador precisa estar ciente das leis e dos parâmetros que regem a
educação, sua gestão, estratégias e organização. Importa, também,
apropriar-se das políticas e ações afirmativas que se referem às
relações étnicas e raciais no cotidiano escolar. (SANTOS, 2008)
Quanto os mecanismos pedagógicos para a relação étnico-racial:
4.4 – Quanto ao convívio escolar baseada numa Relação étnico Racial: 137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
AGRADECIMENTOS
A Deus pela vida, saúde e esperança em dias melhores; dando-me força para
prosseguir;
Aos meus filhos, esposo, familiares, que de alguma forma me apoiaram para o êxito
desse mestrado;
A Coordenação do Curso e a meu orientador Prof. Dr. João Valdinei Corrêa Lopes
pela colaboração e orientação para que alcançasse com sucesso os objetivos desse trabalho.
REFERÊNCIAS:
ALVARENGA, Estelbina Mirandade. Metodologia da Investigação Qualitativa e
Quantitativa: normas técnicas de trabalhos científicos. 2ª edição. Assunção, Paraguai: Cesar
Amarilhas, 2012.
ARRUDA. Jorge. Educação pela diversidade afro brasileira e africana. João pessoa – PE.
Dinâmica,2006.
BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. Brasília: Ed. Brasília: Universidade de
Brasília, 1992.
BRASIL. Resolução nº 3399 – GS/SEED
Resolve compor Equipes Multidisciplinares nos Núcleos Regionais de Educação – NREs e
Estabelecimentos de Ensino da Rede Estadual de Educação Básica.
BRASIL. Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília:
2009.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 março de
Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de
janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática ―História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena‖. 2008.
BRASIL, Superando o Racismo na escola. 2ªedição revisada/ Kabengele Munanga, 140
RESUMO
Este artigo apresenta uma narrativa sobre a mulher negra poetisa: busca por visibilidade étnico-racial no
Amapá. Cujo objetivo é analisar a perspectiva da mulher negra e suas contribuições enquanto força motriz
diante do racismo étnico-racial e construção do seu papel para sociedade diante do contexto contemporâneo.
Para tanto, a metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica, a partir de leituras de artigos, livro e
contribuições de fala com base em entrevista autorizada pela escritora Maria Aurea dos Santos do Espirito
Santo 2018. O artigo parte do pressuposto de muitas narrativas históricas de mulheres que lutaram em busca
de reconhecimento e que hoje, nos alimentam com suas memorias canônicas. Muitas dessas mulheres
vivenciaram tempos sombrios, devido inferiorização do seu papel diante da figura patriarcal, mais mesmo
assim, lutaram por espaço e autonomia, enfrentado todas as formas de racismo por ser mulher, em seus mais
distintos papéis então com muito engajamento e luta, por meio, de movimentos feministas no Brasil por volta
de 1827, constrói – se direitos feministas. Diante, desses aportes teóricos trago como contribuição uma análise
do Movimento Literário Afrologia Tucuju, Historicidade, Religiosidade Autoestima e Subjetividade do negro
no Amapá, como foco destacar a literatura escrita por mulheres elencando a teoria e critica feminista.
INTRODUÇÃO
As reflexões que escrevemos aqui são fruto de uma proposta de avaliação do Curso
de Pós-Graduação em Estudos Culturas e Políticas Públicas 2019, correspondente à disciplina
Seminário Avançado de Pesquisa cuja temática intitulada ―Mulher Negra Poetisa: busca por
visibilidade étnico-racial no Amapá‖. Que ora desenvolvemos. A proposta a principio é
elencar a voz feminina em especial à feminilidade negra e sua busca por espaço
representativo no Amapá.
Nessa perspectiva, busca-se primeiro entender o feminismo. Num contexto, mas
geral compreende-se não apenas como um movimento articulado de mulheres em torno de
determinadas bandeiras, como o voto, por exemplo. Prefere-se pensar em ―feminismo‖ em
um sentido mais amplo, como toda ação realizada por uma ou mais mulheres, que tenha
como objetivo a ampliação dos direitos civis e políticos ou a equiparação de seus direitos
36 Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais – Universidade Federal do Amapá (2018). Pós-Graduanda no Curso de Pós-
Graduação em Estudos Culturais e Políticas Públicas da UNIFAP. Pesquisadora Associada do Núcleo de Estudos sobre
Etnopolítca e Territorialidades na Amazônia - NETTA. Email: nevesunifap@gmail.com.
37 Pedagoga com Especialização em Educação Especial e Inclusiva. Instituto de Ensino Superior do Amapá. Pós-Graduanda
figura feminina era considerada pessoa mulher que servia para ser dona de casa, saber
bordar, cozinhar, tocar piano. Motivos estes que impulsionaram uma luta por
independência e libertação em favor do direito feminino brasileiro.
Não obstante, com a primeira legislação que permite a criação de escolas públicas
femininas em 1827, abrindo caminho para um novo horizonte a liberdade de expressão do
universo feminino, segundo Duarte as primeiras ‗mulheres educadas‘ na escola desde então
que tomaram para si a tarefa de estender as benesses do conhecimento às demais
companheiras, abrindo escolas, publicando livros, enfrentando a opinião corrente que
insistia em dizer que mulher não necessitava aprender ler e muito menos escrever.
(DUARTE, 1995, p. 02).
Em relação à feminilidade Floresta mesmo com pensamento que possa revelar
contrariedade, seus pensamento não demostram – se um clamor por revoluções, mas por
necessárias mudanças no comportamento masculino com relação à mulher. [...] na
defasagem cultural, social e política existente entre Europa e no Brasil. Na Europa as
vindicações eram feitas numa educação consolidada já existente, enquanto que no Brasil
por volta de 1832, às reivindicações por mudanças de pensamentos patriarcais eram ainda
as primarias, pois mesmo a alfabetização mais superficial esbarrava em toda sorte de
preconceitos. (DUARTE, 1995, p. 154).
Nesse contexto, seleto de mulheres escritoras não canônicas que vivenciam uma
nova realidade contemporânea na sociedade moderna busquemos citar a poetisa Maria
Aurea dos Santos do Espirito Santo: nascida em 23/09/1971 em Igarape-Miri, município do
Pará. É concursada do Governo Estadual no Amapá, cursou Magistério com Licenciatura em
Pedagogia na UNIFAP/AP. Especialista em Gestão do Trabalho Pedagógica: Orientação e
Supervisão pela Faculdade Atual no Amapá e Educação de Jovens e Adultos pelo Instituto
IFAP/AP, Mestra em Ciências da Educação no Paraguai pela Faculdade UNITER. Atua como
professora do Ensino Fundamental I na Escola Estadual Brasil Novo. Mulher negra,
defensora das causas relacionada as relação étnico – raciais, na inclusão, na diversidade, no
combate ao racismo, discriminação e preconceito. (SANTO, 2018, p. 24).
Por ser mulher e negra, a autora sofreu muitos preconceitos na sociedade dentro
espaço cultural de sua vivência, entretanto, diante dos estigmas sofridos o maior
preconceito, não era do outro ser em si, mais da sua própria identidade, por não
―reconhecer-se como negra primeiramente‖ no seu Estado de origem que é o Pará, pode –
se considera este um fator racista da própria identidade do negro, o ―o não vestir sua pele‖,
Santo quando chegou ao Amapá em (1996) deparou – se com um horizonte de perspectiva
e possibilidades e transformou suas dificuldades enquanto negra numa luta por visibilidade
destacando não apenas quanto a sua cor negra, mas também outras camadas não
―invisíveis‖ aos olhos da sociedade moderna com pensamento ocidental eurocêntrico.
Santo, na sua vontade e perspicácia por reconhecimento e visibilidade étnico racial
social se apoia em um trunfo que é o melhor caminho na desconstrução do pensamento
racista ocidental em relação aos sujeitos étnico-raciais38 e demais sujeitos não visibilizados
ou vistos como inferiores de alguma forma. No que tange sua inquietude, Santo não se
priva ao conformismo de ser mulher dona de casa e pedagoga mestra de formação
38 Étnico-Raciais conceito: é toda e qualquer forma de expressão que discrimina uma etnia ou cultura por considerá-la
inferior ou menos capaz. www.significados.com.br/
universitária queria algo mais, não apenas produzir conhecimento que aprendera na
academia, e ficar guardado em meras gavetas fechadas com teoria não compartilhada.
Para Santo sua garra e força de vontade eram incessantes precisava dar voz ao
mundo de suas produções literárias. Com experiências em sala de aula, começando sua
jornada em sala de aula no município de Mazagão durante dez anos ministrando aula no
espaço rural e construindo poesias, fruto das vivencias históricas e memorias de si mesma, 146
39Mulheres Vistas como Canônica: São mulheres que escreveram uma historia em defensa dos princípios feministas, diante
de um sistema político que se opõe a toda e qualquer forma de domínio ou autoritarismo e racismo contra mulheres. E,
mulheres não canônicas são consideradas mulheres que vivenciam uma nova realidade da historia da luta por objetivos
das mulheres contemporâneas.
elaboração desse artigo, como instrumentos norteadores nas contribuições e fortalecimento
dessa construção enquanto cidadão, sobretudo, para o gênero feminino que lutaram para
valorização social, consideradas mulheres referencias nas construções teorias modernas.
Santo é um, exemplo, de mulher não canônica da modernidade encorajada e de
força capaz de vencer seus próprios medos e preconceitos diante de uma sociedade racista
que impõem um padrão ideal de ser humano. E, hoje ela diz ―Me reconheço como negra‖ 147
―antes não‖, enfrentar seus medos, sair de uma bolha vedada a um mundo obscuro irreal,
fantasioso, e abrir - se a realidade de fato. Hoje, poço dizer ―Sou negra com orgulho‖. No
poema intitulado Vista a minha pele, de 2018, além do posicionamento da autora a
respeito da visibilidade étnico-racial tem também uma visão de superação e reconhecimento
de luta, como os transcritos abaixo:
Certamente, muitos foram os caminhos tortuosos que Santo percorreu até chegar
aqui, mas, apesar disso demostra – se ―um produto de si mesma‖, concebe hoje o gosto da
escrita, e do ensinar, a seus alunos ministrando teorias que poderiam ser impensadas pela
sociedade moderna de certa forma, mas não Santo já lançou três exemplares como
ferramenta pedagógica de ensino com leituras e poesias regionais, por meio de seus escritos.
Para a poetisa não tem melhor receita, do que a visibilidade e reconhecimento da sua
produção científica.
No pensar de Santo suas composições visam contribuir com ensino público do
Estado e que seu maior desejo é atingir esse seleto segmento de professores educadores do
sistema de ensino, já em fase de consolidação, através do movimento literário afrologia
tucuju40, que apresenta – se como instrumentos de ensino em sala de aula, pois para autora
acredita – se que, por meio, das poesias os alunos conseguem assimilar com mais facilidades,
o conhecimento é algo que encanta os alunos. Para a autora é também uma forma de
facilitar e desviar um pouco a tensão dos alunos de outros instrumentos tecnológicos,
porém o uso dessa metodologia ainda apresenta resistência.
Floresta, (2010) já dizia, 148
No discurso de Floresta, a educação era das únicas formas de fuga para liberdade
independente do gênero feminino, não tanto diferente assim, Santo defende uma luta além
do enfrentamento racial não somente com a mulher ou pele negra, mais também com
outras descendências étnicas-raciais e de que forma a sociedade pode estar a par, das
histórias por meio da leitura sobre os conhecimentos da região do Amapá na educação, e a
poesia torna – se um instrumento capas de mostra sua representação histórica etnocultural
no âmbito escolar em seus múltiplos tons.
Santo no poema intitulado ―Diga não a discriminação‖, de 2018, autora enfatiza o
quão discriminadamente os povos ―vistos‖ como inferiores sofrem tanta discriminação, a
escola prega uma política de que ―somos iguais‖, entretanto, a contrapartida dos enfoques
teóricos afirma olhares de Brasil racista, e que a igualdade do ―todos‖ confere – se muito
bem nos escritos legais. Então a vem mostra que deve – se combate essas formas
preconceituosas com transcritos abaixo.
Estou aqui de boa e venho pra te dizer, que a discriminação não tem
que acontecer [...] índio, brancos e negros, são irmãos pra valer, o
não à discriminação, só depende de você. Devemos respeitar a todos,
para então ser respeitada, a escola nos ensina sermos alunos
educados. Minha força é de ferro, minha pele é de cor, minha alma é
de valor, minha fala é puro amor. Sou uma negra destemida, prego
40Afrologia Tucuju: é a arte das palavras capaz de sensibilizar o ser humano e tocar no mais íntimo do seu ser e em sua
alma, emocionar, esclarecer, educar, amar. É o que promete o livro de poesias ―Afrologia Tucuju: Historicidade,
Religiosidade, Autoestima e Subjetividade do negro‖, escrito por um grupo de escritores, doutores e mestres. Escrita pelos
autores SOUSA, Ivaldo da Silva, GALINO, Marcia Cristiane da Silva, SANTO, Maria Áurea dos Santos do Espirito, RAMOS
Maria das Graças Senna, SOUZA, Arilson Viana de.(2018).
paz e harmonia. Diga não a discriminação, esse é meu lema, todo dia.
Preconceito e burrice! Discriminação é tolice! E O racismo o quê que
é? E falta de consideração. Com qualquer nação. Nada de
preconceito! Tenha todo respeito! A lei áurea fez sua parte, zumbi foi
um grande marte. Pra quê bullying meu irmão? Somos todos
cidadãos. Toque em minha mão e me de um abraço, vamos fazer uso
deste pequeno espaço. Respeito meu black power! Respeite o meu
falar! Respeite a minha cor! É amigos vais encontrar. Somos todos 149
iguais, com diferentes ideais, somos só uma nação. Diga não a
discriminação! (SANTO, 2018, p.53).
Para Hooks um dos preceitos centrais do pensamento feminista moderno tem sido
a afirmação de que ―todas as mulheres são oprimidas‖. Essa afirmação sugere que as
mulheres compartilham a mesma sina, que fatores como classe, raça, religião, preferência
sexual etc. não criam uma diversidade de experiências que determina até que ponto o
sexíssimo será uma força opressiva na vida de cada mulher. O sexíssimo, como sistema de
dominação, é institucionalizado, mas nunca determinou de forma absoluta o destino de
todas as mulheres nesta sociedade. Ser oprimida significa ausência de opções. É o principal
ponto de contato entre o oprimido (a) e o opressor (a). Muitas mulheres nesta sociedade
têm escolhas (por mais inadequadas que possam ser); portanto, exploração e discriminação
são palavras. (HOOKS, 2015, p.194).
Nas narrativas de Santo a mulher representa um papel de empoderamento, mulher
guerreira, que busca alcançar ideais muito além de uma simples mulher oprimida, submissa
a um lar de dona de casa, ou qualquer outra questão da realidade contemporânea da quais
muitas mulheres são submetidas, Santo não tira seu mérito de mãe mulher, pedagoga e
mestra de formação enfatiza que por ser negra poderia ficar frustrada, mas não com força e
determinação venceu e estar vencendo muitas formas de racismo no mundo atual.
Conforme, seu poema intitulado ―Consciência da mulher negra‖, de 2018, transcrito
abaixo.
Fui classificada ao máximo na cor, na aparência, na estatura. Na fala,
no beiço, nariz e cabelo, à custa de pão, pau e pano. A Diáspora
traçou meu destino, Mama África ficou para traz. A dor que imperava
no ―Tombadilho‖, era que liberdade, eu não tinha mais. Ao avistar a
terra do novo mundo, apesar da beleza natural. Foi me imposto,
costumes e um nome, me distanciando de meus ancestrais. Mais não
poderão calar minha voz, meu tambor, meu afoxé, meu berimbau
[...] meu jeito, meu credo, minha dança, incomodava destemidas
rivais. Muitas lutas eu resisti, no quilombo me refugiei. Pus em pratica
o que de raiz, pois esse chão era minha nova grei. Regado com
sangue fraternal, liberdade no papel alcancei. Pura demagogia racial,
não foi inclusa no social. Mesmo sendo parte do global, pelas
conquistas de direitos, lutei. Mas a nomenclatura magistral me resumia
apenas aos três ps. Difícil ser negra ou mulata, em plena politica do
branqueamento. Ainda bem que ―casa grande & senzala‖,
reinterpretou-me triunfantemente. Hoje com as conquistas vindouras,
tenho meu livro arbitrário. De mostrar, o que sou e o que faço,
afirmo-me do pó ao aço. A minha identidade, reflete pura beleza.
Que rufem os tambores, pois quero dizer: ―viva a consciência da
mulher negra‖!(SANTO, 2018, p.51). 150
Essa experiência pode moldar nossa consciência de tal maneira que nossa visão de
mundo seja diferente da de quem tem um grau de privilégio (mesmo que relativo, dentro
do sistema existente). É essencial para a continuação da luta feminista que as mulheres
negras reconheçam o ponto de vista especial que a nossa marginalidade nos dá e façam uso
dessa perspectiva para criticar a hegemonia racista, classista e sexista dominante e vislumbrar
e criar uma contra hegemonia. (HOOKS, 2015, p.208).
CONSIDERAÇÕES
Diante do exposto, elencamos que a trajetória de vida sobre a poetisa Maria Aurea
dos Santos do Espirito Santo. Enfatizada nesse artigo, cujo tema intitula ―Mulher Negra
Poetisa: busca por visibilidade étnico-racial no Amapá‖. Elencamos, por meio, de seu
depoimento e contribuições teóricas que a escritora poetisa dedica – se o máximo para
desenvolver uma metodologia com enfoque histórico sobre os povos étnico-raciais, bem
como também, destacando outros povos que só poderiam ser vistos em livros didáticos,
reproduzindo sempre a perspectiva dos conceitos eurocêntricos, ou seja, reproduzindo uma
historia de submissão e escravidão servil.
Nesse entendimento, a professora mestra Santo nos possibilita um instrumento
literário como forma de dar voz aos povos tão marginalizados e suprimidos de suas
possibilidades com muita garra e força. Santo mostrar em seus escritos o ―quão à evolução 152
da mulher negra, do negro e outros povos tem alcançado uma dimensão intelectual das
quais só eram alcançáveis em livros didáticos como o subalterno sem voz ativa‖. Nessa,
―angustia de só ler e reler‖, ―o tempo todo de sua formação vendo a negra, o negro
parado no tempo e também trabalhando na educação e seguindo a mesma perspectiva,
continua e sempre via aquela mesma história do negro parado no tempo como se não
houvesse evolução‖.
Nessa perspectiva, Santo nos premia com a desmitificação de uma realidade em
que ―o negro não pudesse ser um Doutor, um cantor, uma poetisa escritora, ou
representante da própria cultura‖, por exemplo: ―só olhar esses povos étnico-raciais de
forma subalterna na visão ilusionista do quilombo escondido, a negra na cozinha‖, o não
compatível à convivência na sociedade moderna, então isso era angustiante para autora,
por ser negra, isso serviu de gás impulsivo na elaboração da escrita dos seus textos poéticos
literários, ―para mostrar essa evolução do negro livre que somos, e que hoje torna – se
primordial trabalhar essa exaltação da comunidade negra, da religiosidade dos povos
subalternos, nas escolas para levantar até mesmo autoestima da comunidade étnico-racial
das novas gerações‖. Escrever para autora é uma forma de destacar a sua visibilidade e de
outras mulheres ou povos supridos ao eurocentrismo, como forma de combate ao
preconceito na sociedade moderna no Amapá.
Outrossim, de Santo como contribuições e aprendizagens literárias ―é oferecer aos
professores do sistema de ensino do Estado textos com narrativas históricas da realidade
local, sobretudo dos povos étnicos-raciais, como efeito marcante em suas poesias‖.
Consideram – se também ―uma ferramenta pedagógica, em que o professor possa usar para
transmitir conhecimento nas suas didáticas de ensino aprendizagem, por meio, das
narrativas com enfoque das vivencias culturais, históricas, territoriais da sociedade
amapaense‖. Além disso, Santo enfatiza que ouvia muitos discursos sobre a escassez de
matérias didática com temáticas locais.
Por esse, olhar negativo do público do sistema educacional sobre teorias
metodologias locais no ensino? Santo nos oferece hoje materiais com escritas propicia ao
sistema de ensino. Não pode – se manter uma discursão da inexistência de materiais
didáticos na região, eles existem e o que podemos fazer é abraçar a ideia e valorizar as
potencialidades das produções teóricas locais de fato. Nesse sentido, as produções literárias
de santo é um instrumento muito relevante na contribuição do conhecimento para 153
REFERENCIAS
DUARTE, Lima Constância. Feminismo e Literatura no Brasil. Estudos avançados 17 (49),
2003.
FLORESTA, Nísia. Direitos das mulheres e injustiça dos homens. 4 ed. São Paulo: Cortez
Editora, (1989).
HOOKS, Bell. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência
Política, nº16. Brasília, janeiro - abril de 2015, p. 193-210.
LUGONES. M. Rumo a um feminismo descolonial.
SOUSA, Ivaldo da Silva, GALINO, Marcia Cristiane da Silva, SANTO, Maria Áurea dos
Santos do Espirito, RAMOS Maria das Graças Senna, SOUZA, Arilson Viana de. Movimento
Literário Afrologia Tucuju: Historicidade, Religiosidade, Autoestima e Subetividde do
Negro. 1 ed- São Paulo: Produções Editoriais Anjo Ltda. 2018.
TONIAL, F. A. L. MAHEIRIE K. GARCIA, C. A. S. A resistência à colonialidade: definições e
fronteiras. Revista de Psicologia da UNESP 16(1), 2017.
154
CAPÍTULO XII
ESSÊNCIA DA LITERATURA: ANÁLISE DA OBRA ―SACI, MOLEQUE SACI‖
SILVA, Rute Barboza da 41
OLIVEIRA, Altino dos Santos 42
155
INTRODUÇÃO
DEFINIÇÃO DE LITERATURA
por finalidade ser aquela que satisfaz de certo modo, aos desejosos de quem está lendo e
que se iguale com ela.
narrativas populares. No entanto, foi apenas após 250 anos que a literatura infantil teve
impulso, destacando que no século XVIII, obras literárias feitas para o público infantil
começavam a ser vendidas no mercado europeu, feitas a partir das técnicas tipográficas
novas provenientes do procedimento da indústria. Perante o capitalismo que dominava o
livro infantil foi transformado em mercadoria para consumidores infantis, passando a ser
produzido em uma escala maior (TORTELLA et al, 2016).
importante pode ser iniciada a partir da interação entre professor e aluno, conseguindo
uma relação por meio do ensino. O aluno se encontra frente ao desafio de entender o
conteúdo da matéria dada, e o professor tem a responsabilidade de auxiliar e orientar esse
aluno em sua leitura valendo-se de estratégias disponíveis para auxiliar o aluno na leitura
como:
Para alcançar êxito nessas estratégias, o leitor entende os níveis mais básicos da 162
leitura, com ajuda e auxílio de um professor que vai orientar como continuar ao longo do
processo da leitura. Portanto, compreender que a função da escola se baseia em criar no
leitor a habilidade de aprender a aprender, dispondo suas práticas pedagógicas pautadas na
formação moral e social do indivíduo, incluindo a construção de um sistema sucessivo de
mudança de assuntos, apoiado por uma biblioteca com uma quantidade abundante de
livros, sendo está apta a prover as buscas da leitura. É importante destacar que o professor é
peça essencial para despertar o interesse da criança em relação à literatura infantil, pois ele
será o responsável por criar um ambiente propício e de interesse para que essa criança
desenvolva seu querer em relação a esse tipo de aprendizagem.
A palavra mito vem do grego e significa história ou palavra. Assim como as lendas,
os mitos não têm autoria conhecida e explicam a existência do homem e os mistérios da
natureza. Tratam de sentimentos básicos: paixão, amor, ódio e medo. Às vezes, mito e
lenda são confundidos, porque os limites de cada um são tênues (GOMES, 2001).
O mito, portanto, é uma "primeira fala sobre o mundo", uma primeira atribuição
de sentido, sobre a qual a imaginação exerce grande papel, e cuja função principal não é
explicar a realidade, mas acomodar o homem ao mundo.
Claro está que mitos são símbolos, e como todo e, quaisquer símbolos
carregam uma mensagem ou uma informação codificada, inteligível
apenas para os que conhecem o código, a decodificação. Alguns são
universais, outros restringem se a uma região, porém, todos são
expressões da necessidade humana de registrar e transmitir uma
descoberta, um conhecimento ou uma lição. (PEREIRA, 2001)
O livro ―Saci, moleque Saci‖, de Carlos Jorge lançado da Franco Editora em Juiz de
Fora no ano de 2007, sob o ISBN 978-857671-058-5 tem 16 páginas, uma ilustração bem
viva com cores fortes mostrando as peripécias do Moleque Saci. Sempre sobre um fundo
nas cores (verde, lilás, preto, telha, marrom e bege), onde se destaca as travessuras do
personagem central da trama, o Moleque Saci. O título do livro ―Saci, Moleque Saci‖, com
as letras se misturando entre maiúsculas e minúsculas e por estarem todas em sentidos de
movimento já proporciona um largo horizonte de expectativas deixando a imaginação do
leitor fluir sobre quais peraltices o moleque Saci os espera dentro da obra. O desenho da
capa da obra embala o leitor a adentrar a história com uma expectativa de que a cada
verso e a cada página uma surpresa está por vir. O fundo preto da capa evidencia a noite 164
tenebrosa, o Moleque Saci de sobrancelhas postas para cima, olhos bem atentos, leva o
leitor imaginar um silêncio absoluto ao ponto de se ouvir o mais leve barulhinho por todo
o ambiente, o pé com calcanhar posto ao solo pronto a sustentar o corpo a espreita e estar
sentado no caminho qual vai até a casa, impunha toda a prontidão do moleque Saci e
sustentando em sua mão seu estimado cachimbo que na escuridão solta fumaças coloridas
por suas baforadas mais fortes e mais fracas devido sentir o ambiente da floresta,
proporciona ao leitor a real visão da intimidade do Moleque Saci para com o ambiente da
floresta onde ele se coloca como guardião. A obra traz uma narrativa lúdica, organizada em
15 páginas, com estrofes que varia os versos conforme o momento da narrativa, como
também a da ilustração que fala por si só. A trama vai se desenrolando com rimas que
deixam o texto provocativo a leitura da próxima página, assim, o narrador vai tecendo as
diabruras do Saci Pererê. Com uma linguagem de palavras simples, leve e coloquial o autor
através do eu lírico do texto, conduz o leitor a um espaço de subjetividade e interação com
a personagem central da história a ponto de, se sentir também, integrante do ambiente
ficcional da narrativa.
Na página três, no verso três a expressão (e morrendo de rir) trata-se da figura de
linguagem ―hipérbole‖ corresponde ao exagero intencional da expressão. As características
do moleque Saci vão sendo descritas sem nenhuma intenção pejorativa. No verso ―um‖ da
página quatro (lá vem o Saci), como em outras partes do texto podemos perceber um
narrador observador que vai participando da história como um coadjuvante que vê o que
narra, mas sem ser o centro do enredo. Palavras que o autor usa em sua narrativa como:
(Endiabrado, danado, estabanado, cachimbando, maluco, azucrinar, amuado), vai
descrevendo a cultura popular, contida nas histórias do folclore brasileiro. As imagens da
página ―seis‖ representam com muita fidedignidade como todos vêem e imaginam o Saci.
Expressões de espanto, curiosidade e apreensão explícita o poder de magia o ser ―mito‖
representante do folclore brasileiro. Na literatura infantil as imagens (ilustrações) são de
fundamental importância, pois amplia o horizonte de magia, encantamento e
entendimento sobre a personagem central da trama ou mesmo o texto. Na página ―nove‖,
a não presença da escrita abre um vazio no texto, deixando o leitor fazer suas conjecturas a
respeito da ilustração. O Saci pula para pegar alguém? O pular olhando de lado, alguém o
assustou? O que de fato aconteceu? Na página seguinte 10, esse vazio e quebrado, foi
apenas mais uma estripulia do Saci. Na página ―dose‖ com a expressão ―Hoje descobri
como enganar o esperto saci:‖, percebemos um vazio no texto. Poder pensar que o 165
moleque Saci por mais esperto que seja tem suas falhas e fraquezas e pode ser vencido. Nas
páginas 14 e 15, é possível perceber um outro traço muito forte nas histórias que envolve
mitos, ―a religião‖. Nessas páginas também apresenta outros vazios do texto, deixando o
leitor valer-se da fé para então se proteger do Saci Pererê. E na página 16, (...) existem por
ai milhares de Sacis! Tal expressão induz o leitor ampliar seu horizonte de expectativas.
Afinal existe uma comunidade, família de Sacis? E por fim, a última página mostra um
ambiente de tranquilidade, as cores representando esperança, ternura, onde a vida flui. O
foco da luz do luar sobre a casinha azul permite o leitor pensar que a noite será de paz e
sossego. A fumacinha na chaminé evidência a presença de alguém. Será o Saci? Quem
souber escreva a próxima página para nos contar!!!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a realização das leituras do aporte teórico que pesquisas sobre literatura
Infantil e a análise da obra ―Saci, Moleque Saci‖, para a realização desse trabalho ficou
ainda mais evidente que o professor deve escolher, com muito esmero, as obras que serão
oferecidas, lidas e trabalhadas em sala de aula. O primeiro contato da criança com a obra
literária faz toda a diferença no despertar para o gosto e bom uso da leitura. Muitas
conquistas no campo da literatura infantil deram-se ao longo do tempo, oferta maior de
obras, linguagem apropriada a diversos seguimentos, diversidade de autores e ilustrações
que acompanham as tendências de evolução das sociedades fazer das obras de literatura
infantil uma fonte inesgotável de oportunidades para professores desenvolverem trabalhos
receados de incentivo e motivação a leitura na primeira infância.
REFERÊNCIAS
AGUIAR E SILVA< Vitor Manoel de. Teoria da Literatura. 8. ed. Coimbra: Almedina, 1992.
BARROS, P. R. P. D. A contribuição da literatura infantil no processo de aquisição de
leitura. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) – Centro Universitário
Católico Salesiano. Lins, 2013.
CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade: estudo de história e teoria literária. São Paulo:
Nacional. 1985.
DANZIGER, Marlies K.: JOHNSON W. Stacy. Introdução ao estudo crítico da literatura. São 166