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Aluizio Lendl

Maria Lidiane de Sousa Pereira


Rakel Beserra de Macêdo Viana

Percursos linguísticos e
ensino de línguas
COLEÇÃO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS
Cada volume desta coleção promove um rico debate teórico-metodológico a
respeito do complexo processo de ensino e aprendizagem de línguas. As
discussões estão sustentadas a partir de abordagens (in)disciplinares, mestiças e
nômades, esses estudos se dão nos mais diversos contextos e têm potencial para
enriquecer distintos olhares sobre a temática, uma vez que ousam pensar de
forma diferente.

Conselho editorial
Prof. Dr. Fábio Marques de Souza (UEPB, Brasil) Profa.

Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentina)

Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri-Kaneoya (UNESP, Brasil)

Comitê científico da obra


Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani (USP).
Profa. Dra. Cristina Bongestab (UEPB).
Profa. Dra. Cristiane Navarrete Tolomei (UFMA).
Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus (UFMT).
Profa. Dra. Eliete Correia dos Santos (UEPB).
Prof. Dr. Ivo Di Camargo Junior (SME-Ribeirão Preto-SP).
Prof. Dr. José Alberto Miranda Poza (UFPE).
Prof. Dr. Maged Talaat Mohamed Ahmed Elgebaly (Aswan University).
Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri-Kaneoya (UNESP).
Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentina).
Profa. Dra. Maria Manuela Pinto (Universidade do Porto).
Profa. Dra. Mona Mohamad Hawi (USP).
Prof. Dr. Nefatalin Gonçalves Neto (UFRPE).
Profa. Dra. Rosa Ana Martín Vegas (USAL, Espanha).
ALUIZIO LENDL
MARIA LIDIANE DE SOUSA PEREIRA
RAKEL BESERRA DE MACÊDO VIANA
(ORGANIZADORES)

PERCURSOS LINGUÍSTICOS E ENSINO DE LÍNGUAS


Copyright © dos autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser
reproduzida ou transmitida ou arquivada, desde que levados em
conta os direitos dos autores.

Aluizio Lendl, Maria Lidiane de Sousa Pereira, Rakel Beserra de


Macêdo Viana [Organizadores].

Percursos linguísticos e ensino de línguas. São Paulo:


Mentes Abertas, 2019, 130 p.

ISBN 978-65-80266-14-2

1. Linguística 2. Ensino de Línguas. 3. Linguagens. 4. Ensinar. 5.


Aprender. I. Título.

CDD 410
Capa: Lucas de França Nário Oliveira

http://www.mentesabertas.com.br/
SUMÁRIO

Prefácio .................................................................................................................................... 5
Cássio Florêncio Rubio

Apresentação ......................................................................................................................... 8
Michelle Soares Pinheiro

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ENEM: UMA BREVE ANÁLISE DE PROVAS DE


LÍNGUA PORTUGUESA ...................................................................................................... 10
Cassio Murilio Alves de Lavor
Rakel Beserra de Macêdo Viana

APONTAMENTOS SOBRE A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA MÍDIA DIGITAL: A


(RE)PRODUÇÃO DE DISCURSOS DE AUTORIDADE E AS INFLEXÕES NO
ÂMBITO EDUCACIONAL ................................................................................................... 30
Alberto Lopo Montalvão Neto
Francisco Vieira da Silva
Éderson Luís Silveira

COMPORTAMENTO VARIÁVEL DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE 3ª DO PLURAL


E ALGUMAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS ................................................................. 43
Maria Lidiane de Sousa Pereira
Aluiza Alves de Araújo
Brenda Kathellen Melo de Almeida

ESPANHOL COMO LE NOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DO ENSINO MÉDIO


INTEGRADO DO IF SERTÃO-PE: UMA ANÁLISE DISCURSIVA ............................... 57
Kélvya Freitas Abreu
Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa

LETRAMENTO: LEITURA E ESCRITA COMO PRÁTICAS SOCIODISCURSIVAS DE


LINGUAGEM E DE INTER(AÇÃO) ................................................................................... 67
Marcos de França
Cláudia Rejanne Pinheiro Grangeiro

UM ESTUDO SOBRE A MEGAESTRUTURA MULTIMODAL DO MERRIAM-


WEBSTER: VISUAL DICTIONARY ONLINE .................................................................... 82
Aluizio Lendl
José Marcos Rosendo de Souza
Antônio Luciano Pontes

O ENSINO DE LITERATURA MEDIADO PELO PROJETO “ESCOLA-CASA DE


LEITORES” ............................................................................................................................ 93
Cássia da Silva
Antônia Cândido de Souza
Maria Lúcia Pessoa Sampaio
O METADISCURSO INTERACIONAL EM ARTIGOS CIENTÍFICOS DA ÁREA DE
ECONOMIA ......................................................................................................................... 110
Antônio Luciano Pontes
Evandro Gonçalves Leite
José Juvêncio Neto de Sousa

SOBRE OS ORGANIZADORES ........................................................................................ 123

SOBRE OS AUTORES ........................................................................................................ 124


PREFÁCIO

No tocante às competências relacionadas à linguagem a serem


desenvolvidas no âmbito escolar, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
publicada em sua última versão no ano de 2017, reitera o que já se apontara de
forma bastante clara nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), datados do
final do século XX, qual seja a necessidade da compreensão da linguagem como
“construção humana, histórica, social e cultural”, sendo reconhecida como meio de
expressão da subjetividade e identidade. O documento destaca a importância do
conhecimento e da exploração das mais variadas práticas de linguagem como
meios de construção de uma sociedade “justa, democrática e inclusiva” e menciona
o papel fundamental dessa habilidade humana para a “defesa de pontos de vista e
para o respeito ao outro e a promoção dos direitos humanos, da consciência
socioambiental” e a atuação crítica do indivíduo frente a questões do mundo
contemporâneo. Concernente especificamente a esse último ponto, a BNCC
defende como competência específica a ser desenvolvida o reconhecimento e
respeito “à diversidade de saberes, identidades e culturas”, com a aquisição de uma
“postura crítica, reflexiva e ética”, nas mais diversas práticas sociais mediadas por
diferentes linguagens.
As competências da linguagem mencionadas nos documentos oficiais se
relacionam intimamente com o que se tem desenvolvido no âmbito dos estudos
científicos da linguagem, nas mais variadas correntes e perspectivas teóricas que,
longe de se chocarem, complementam-se, proporcionando diferentes “pontos de
vista” sobre o mesmo objeto, como já anunciara Saussure, há mais de um século.
Pontos de vista esses que permitem uma visão ampla, completa e complexa dessa
atividade exclusivamente humana. Nesse contexto, os trabalhos acadêmicos
desenvolvidos se constituem em fonte fundamental de subsídio para o que
preconizam as diretrizes e parâmetros da área de Linguagens.
É justamente com base na correlação possível (e necessária) entre os
estudos da ciência linguística e o ensino de línguas que se reúne, nesta obra, uma
série de frutíferos trabalhos desenvolvidos a partir de diferentes abordagens
teóricas, as quais apresentam resultados de pesquisas ou reflexões sobre a relação
essencial e imprescindível entre os inúmeros componentes da linguagem verbal e
o contexto escolar.
O livro Percursos linguísticos e Ensino de Línguas, organizado por Aluizio
Lendl, Maria Lidiane de Sousa Pereira e Rakel Beserra de Macêdo Viana, muito
além de se constituir em mais uma relevante ferramenta para estudantes e
pesquisadores da área dos estudos da linguagem, evidencia a importância e a
legitimidade do pensamento acadêmico e científico como único meio para a
construção do conhecimento.
As experiências dos autores, pesquisadores com sólida formação nas mais
renomadas universidades do país e atuantes em diversos contextos escolares,
comprovam, em cada um dos oito capítulos de que se compõem esta obra, a
indissociável relação entre os fundamentos teóricos da linguística e a prática
docente no ensino de línguas, permeada sempre pelo contexto social, cultural,
político e histórico dos usuários das línguas naturais.
Já no primeiro capítulo, apresenta-se uma análise que trata de fenômenos
de variação linguística evidenciados em provas do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), com pesquisa de cunho Variacionista, que opõe os Parâmetros

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Curriculares Nacionais (PCN), os objetivos específicos da Competência 8 da Matriz
Curricular do Enem, no que concerne ao conhecimento do aluno acerca da língua
portuguesa e de suas variedades, à prova do Enem aplicada entre 2013 e 2018. Os
resultados desse comparativo, revelados ao final do capítulo, irão apontar, dentre
outras questões, se o Exame tem abordado, de forma satisfatória, temáticas
relacionadas à variação linguística, como preceituam os PCN e a Matriz Curricular
da prova.
O segundo capítulo trata da compreensão do posicionamento de discursos
de divulgação científica presentes na mídia digital, com base no viés teórico de
diferentes autores da Análise do Discurso. A investigação dos autores desse
capítulo coloca em debate a imagem do cientista como ser iluminado e a ciência
como inefável e transformadora, a considerar que esses sujeitos se integram à
sociedade, influenciando-a e sendo por ela influenciados.
No terceiro capítulo desta obra, discute-se, com base nos pressupostos
teóricos da Sociolinguística, um tema bastante presente dentro e fora do ambiente
acadêmico e escolar do ensino de língua portuguesa, a variação na concordância
verbal de terceira pessoa do plural no português brasileiro e suas implicações
pedagógicas. As autoras proporcionam, neste capítulo, importante debate sobre a
vivacidade do fenômeno variável, com atuação de diferentes fatores de ordem
social e linguística, e apontam, em suas conclusões, a relevância da consideração de
uma prática pedagógica que considere aspectos sociais e científicos envolvidos no
emprego das variantes linguísticas.
Em seu quarto capítulo, a obra conta com uma análise discursiva que tem
como foco a proposta dos projetos pedagógicos de curso (PPC’s) do Ensino Médio
para o ensino de Espanhol como língua estrangeira, buscando verificar a
orientação apontada nesses documentos institucionais para a prática docente. No
desenvolvimento da discussão, destaca-se o comparativo crítico das pesquisadoras
entre o que preceituam os documentos oficiais governamentais, como a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), os PCN, as Orientações
Curriculares do Ensino Médio (OCEM) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Básica, e entre o que figura nos PPC’s considerados na pesquisa.
Com base em uma abordagem sociodiscursiva, o quinto capítulo do livro
trata do processo de letramento como prática social e discursiva que permite o
emprego da leitura e escrita de forma crítica e torna o indivíduo um sujeito. Os
autores debatem, ao longo de seu texto, as consequências da formação de
indivíduos alfabetizados ou de leitores/escritores proficientes na produção de
gêneros textuais reais.
O sexto capítulo desta obra, propõe um estudo centrado nas
representações conceituais analíticas em verbetes ilustrados online, por meio da
exploração de dicionários eletrônicos ilustrados. Com base na Teoria da
Multimodalidade, a partir da Gramática do Design Visual, os pesquisadores
debatem aspectos relacionados à organização composicional interna dos verbetes,
com destaque para sua construção de sentido.
No sétimo capítulo, são apresentados os resultados do Projeto “Escola-
casa de leitores”, que visa, por meio do trabalho com obras literárias indicadas no
vestibular da Universidade Regional do Cariri, contribuir na preparação dos
participantes para o exame vestibular. O debate desenvolvido ao longo do capítulo
evidencia uma visão crítica dos problemas que envolvem a leitura dentro e fora da
escola e da diversidade temática das obras literárias. Além disso, expõe uma

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proposta metodológica para o estudo da literatura, com o estabelecimento da
relação entre escola e casa e a formação de leitores críticos.
O último capítulo desta obra volta-se para pesquisa realizada com artigos
científicos da área da Economia, com análise dos usos e funções do metadiscurso
interacional. A discussão empreendida ao longo do texto permite a comprovação
científica de quais recursos metadiscursivos são mais empregados na área do
conhecimento considerada. Essas estratégias revelam características do contexto
de produção e dos produtores e podem subsidiar pesquisas em outros contextos
discursivos, acadêmicos e não acadêmicos.
Este é um livro que permite ao leitor o contato com rica pluralidade de
pesquisas vinculadas aos estudos linguísticos, as quais possuem em comum a
relação imprescindível entre o saber acadêmico e a prática docente, ou, em outras
palavras, o trabalho com a linguagem verbal no contexto escolar. Os textos que
aqui se apresentam filiam-se a diferentes áreas, teorias, perspectivas e abordagens,
como a Sociolinguística, a Análise do Discurso, a Teoria da Multimodalidade, o
Estudo do Metadiscurso e até mesmo o emprego da literatura para a formação do
leitor crítico, entretanto se coadunam em um ponto essencial, o ensino de línguas,
visto como um processo contínuo, que se inicia nos primeiros anos de vida de um
ser humano e segue por toda a sua vida, com a leitura e a produção de gêneros
mais complexos, ligados ou não ao ambiente acadêmico.
Uma excelente leitura a todos e a todas.

Prof. Dr. Cássio Florêncio Rubio


Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
Redenção-CE, 2 de maio de 2019.

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APRESENTAÇÃO

O livro “Percursos linguísticos e ensino de línguas” trouxe grandes


contribuições no campo teórico da linguística, por meio de reflexões,
questionamentos e inquietações, as quais esmiúço a seguir:

Cassio Murilio Alves de Lavor e Rakel Beserra de Macêdo Viana deram


relevância ao caráter heterogêneo e flexível da língua portuguesa por meio de uma
análise minuciosa de como as provas do ENEM fomentam a variação linguística. Os
autores concluíram que, entre os anos 2013 e 2018, cerca de 16,7% das questões
de Língua Portuguesa abordava o fenômeno da variação linguística, o que
evidencia o respeito aos documentos oficiais de ensino e um compromisso
sociopolítico em prol da diversidade linguística.

Alberto Lopo Montalvão Neto, Francisco Vieira da Silva e Éderson Luís


Silveira analisaram, em linhas gerais, algumas das maneiras pelas quais a mídia
contribui para produções/caracterizações identitárias, onde várias formas são
assumidas pelos sujeitos dos meios de comunicação, reverberando discursos
inerentes às posições em que falam, de suas Formações Discursivas (FD) típicas.
Além disso, os autores também abordam a forma autoafirmativa e o caráter de
verdade imposto pelo discurso midiático, em um conflitante jogo ideológico.

Maria Lidiane de Sousa Pereira, Aluiza Alves de Araújo e Brenda Kathellen


Melo de Almeida analisaram o comportamento variável da concordância verbal da
3ª pessoa do plural. As autoras perceberam que o uso da variante analisada sofre
um estigma social como também não ocorre de forma aleatória nem é resultado da
falta de conhecimentos verbais por parte dos falantes. Ou seja, para as
pesquisadoras, a variante em questão se localiza especificamente na atividade
linguageira dos fortalezenses. O que demanda uma intervenção pedagógica nos
ambientes educacionais a fim de se amenizar os valores simbólicos
discriminatórios em nossa sociedade.

Kélvya Freitas Abreu e Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa analisaram


a relação entre as prescrições governamentais e os projetos pedagógicos de cursos
(PPC’s) do Ensino Médio Integrado do IF Sertão-PE. As autoras constataram que se
faz pertinente reformular esses PPC’s com a finalidade não somente de aproximá-
los aos documentos governamentais como também de relacioná-los de forma mais
contundente à pedagogia dos (multi)letramentos e ao dialogismo bakhtiniano.
Dessa forma, segundo as autoras, a aula de Língua Espanhola poderia instigar um
posicionamento crítico e um engajamento discursivo por parte dos discentes.

Marcos de França e Cláudia Rejanne Pinheiro Grangeiro analisam as


diferenças teóricas entre alfabetização e letramento. Os autores consideraram
alfabetização como um processo necessário para se atingir o letramento, este
último visto como práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. A partir dessa
distinção, para os pesquisadores, a escola deve assumir a responsabilidade de
desenvolver práticas de letramento a fim de sensibilizar os estudantes a serem
cidadãos politicamente ativos e agentes de mudanças sociais por meio da

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língua(gem).

Aluizio Lendl, José Marcos R. de Souza e Antônio Luciano Pontes, com base na
Gramática do Design Visual e nos fundamentos teóricos da Lexicografia, analisaram
a organização composicional interna da megaestrutura do dicionário visual online
Merrian-Webster. Os autores concluiram que predomina a relação de coesão e
coerência intersemiótica entre as definições verbais e imagéticas na megaestrutura
do dicionário analisado, além de haver muitas representações conceituais
analíticas com o objetivo de sistematizar a exposição dos elementos verbo-
imagéticos e seus componetes fundamentais.

Cássia da Silva, Antônia Cândido de Souza e Maria Lúcia Pessoa Sampaio


alertaram para a necessidade de formar leitores de obras literárias dentro e fora
do contexto escolar (neste caso, intermediado pelo projeto “Escola-Casa de
Leitores”) com o intuito de (re)pensar uma metodologia para desenvolvimento ou
aprimoramento da competência leitora. Dessa forma, os estudantes teriam mais
condições de construir interpretações textuais com viés crítico acerca das mais
variadas questões sociopolíticas presentes nas obras literárias.

Antônio Luciano Pontes, Evandro Gonçalves Leite e José Juvêncio Neto de


Souza discorreram sobre usos e funções do metadiscurso interacional em artigos
científicos do âmbito da Economia por intermédio de uma abordagem
quantiqualitativa. Os autores identificaram que os recursos metadiscursivos mais
empregados nos textos analisados foram os marcadores de engajamento e os
atenuadores. Os pesquisadores destacaram ainda que os membros da área da
Economia demonstram interesse de modalizar seu discurso e de envolver o leitor
no texto.

Diante do exposto, indico a leitura apurada dos artigos deste livro por
acreditar na relevância social e acadêmica dos conteúdos aqui elencados e por
sentir que o atual momento sociopolítico brasileiro demanda leituras, intervenções
e análises que transcendam os limites da criticidade. Penso que, somente por meio
de uma pedagogia crítica e engajada, poderemos nos motivar para agir de maneira
concreta contra todo e qualquer autoritarismo e preconceito sociodiscursivo seja
na escola, na universidade ou na comunidade.

Profa. Michelle Soares Pinheiro


Instituto Federal do Ceará

9
A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ENEM: UMA BREVE ANÁLISE DE PROVAS DE
LÍNGUA PORTUGUESA

Cassio Murilio Alves de LAVOR


Rakel Beserra de Macêdo VIANA

Introdução

A base da sociolinguística está ancorada no pensamento de Weinreich,


Labov e Herzog (2006) que nos apresentaram a noção de heterogeneidade
linguística, afirmando que a língua se trata de um sistema heterogêneo, contrário à
ideia de uma língua como sistema fechado, fixo e homogêneo. A língua é, na
verdade, um sistema de regras variáveis e categóricas que dão conta da
sistematização de um possível ou aparente “caos” linguístico. Essa concepção
ganhou força e conseguiu adeptos em todo o mundo, mas nem sempre foi assim,
pois, principalmente, por se considerar, anteriormente, a língua um sistema
homogêneo, o estudo das variações não despertava o interesse dos estudiosos da
língua.
Os estudos sociolinguísticos encontraram terreno fértil para a análise de
diversos fenômenos e para a conscientização da variação linguística no português
brasileiro (doravante PB), além da luta em desmistificar muito preconceito
linguístico em relação a diversos falares no país.
No âmbito educacional, os documentos oficiais da educação, assim como
os programas dedicados ao ensino básico no país, trazem diretrizes que orientam
escolas, professores e demais atores da educação, a contemplarem a variação
linguística e reconhecerem a diversidade do PB, com a perspectiva de erradicar o
preconceito linguístico na sociedade brasileira.
Dessa forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) reconhecem a
variação linguística como inerente à língua e, quanto ao tratamento a ser atribuído
às variedades linguísticas nos PCN de Língua Portuguesa, salienta-se a necessidade
de se reconhecer que nosso país apresenta uma unidade linguística que é
constituída por muitas variedades, sendo que “o uso de uma ou outra forma de
expressão depende, sobretudo, de fatores geográficos, sócio econômicos, de faixa
etária, de gênero (sexo), da relação estabelecida entre os falantes e do contexto de
fala” (BRASIL, 1998, p. 29).
A partir das recomendações oferecidas pelos PCN e da verificação de sua
aplicabilidade nos livros didáticos recomendados pelo MEC, através do Plano
Nacional de Livros Didáticos (PNLD), surge uma dúvida quanto à cobrança da
variação linguística nas provas anuais do Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem): o exame vem contemplando o fenômeno da variação linguística, conforme
recomendado pelos PCN, em suas avaliações na área de Linguagens e Códigos? E
quanto essa participação representa na totalidade das questões?
Para responder a essas questões, outros pesquisadores já buscaram
respostas baseadas em exames anteriores do Enem, como Andrade (2015),
Andrade e Freitag (2016a, 2016b), e Bagno (2015) que realizaram análises
anteriores ao ano de 2012 e Silva Jr. (2018), que trouxe questões de aplicações
mais recentes do exame. Em todos esses estudos, a análise voltava-se para

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questões que continham a abordagem variacionista de forma mais específica, ou
seja, como conteúdo solicitado pela questão.
A presente pesquisa objetiva analisar a presença de fenômenos de
variação linguística na língua portuguesa na prova do Enem. Pretende-se examinar
questões apresentadas nos últimos seis exames, ou seja, o interstício entre 2013 a
2018, especificamente, aquelas que pretendem avaliar o conhecimento do aluno
acerca da Língua Portuguesa e suas variedades e registros, objetos específicos da
Competência 8 da Matriz Curricular: “Competência de área 8 – Compreender e usar
a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora
da organização do mundo e da própria identidade” (BRASIL, 2009, p. 60).
Para isso, propomos analisar as questões por dois prismas: aquelas que
tratam de forma específica do conhecimento da variação linguística e aquelas
questões que trazem a variação linguística de maneira não específica na questão.
Dividimos este trabalho em seis seções, a partir desta introdução,
trazemos uma breve apresentação dos PCN e suas considerações sobre o ensino de
linguagens e códigos; em seguida, um conciso histórico sobre o ENEM. A quarta
parte da pesquisa traz alguns trabalhos que analisaram o fenômeno variacionista
em exames do Enem; já, na seção seguinte, apresentamos a metodologia usada e o
corpus examinado, seguida da análise de questões das provas examinadas e
concluímos, por fim, com nossas considerações acerca dos resultados
apresentados.

Os PCN de Linguagens e Códigos

Desde a década de 1980 que o ensino de língua portuguesa nas escolas é


apresentado como o principal meio para melhorar a qualidade da educação no
país, ou seja, segundo os PCN, dominar a língua materna passa a ser uma
ferramenta para que o educando possa ter uma participação social plena e
concreta, pois é através da língua que as práticas sociais são construídas, que o ser
humano pode expressar suas opiniões, defender suas ideias e produzir
conhecimentos.
Assim, os PCN, criados em função da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) nº 9.394/96, define-se como uma coleção de documentos que
propõe a grade curricular de toda e qualquer instituição educativa de ensino
básico no Brasil, elaborado com o propósito de nortear o trabalho docente e as
atividades realizadas na sala de aula.
Quanto às orientações destinadas à Língua Portuguesa sobre variação
linguística, os PCN orientam que:

[...] a questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de
fala utilizar, considerando as características do contexto de
comunicação, ou seja, saber adequar o registro as diferentes
situações comunicativas [...] é saber, portanto, quais variedades e
registro da língua oral são pertinentes em função da intenção
comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se
dirige (BRASIL, 1997, p. 31).

A partir do exposto, podemos entender que, para os PCN, o sistema


educacional precisa valorizar uma educação social, democrática e que contemple

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as diferenças culturais do educando, proporcionando o acesso real aos saberes
linguísticos, para que esses possam exercer sua cidadania, um direito inalienável
de todos. É certo que muitas discussões em torno do tema foram promovidas nas
universidades do país, o que se refletiu nas mudanças ocorridas nos documentos
oficiais de ensino nas últimas décadas, no entanto, podemos observar que muito
ainda precisa ser feito para que se observe mudanças nas práticas docentes.
Dessa forma, podemos ver que os PCN reconhecem a Língua Portuguesa
falada no Brasil como um conjunto de variedades, quando apresenta a variação
linguística como sendo:

[...] constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os


níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente
de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em Língua
Portuguesa está se falando de uma unidade que se constitui de
muitas variedades (BRASIL, 1998, p. 29).

Os PCN de Língua Portuguesa contemplam a visão variacionista da língua,


ao reconhecê-la como algo inerente à língua, e entende a variação como um
fenômeno associado a valores sociais, orientando o professor e a escola a cuidar
para que não se possa existir, muito menos se produzir e/ou reproduzir, o
preconceito linguístico. O trabalho em sala de aula deve valorizar a competência
comunicativa, tornando o aluno capaz de interagir com os outros, valorizando as
diferenças linguísticas que vão desde questões sociais a questões pessoais, como
práticas de linguagens exercidas por jovens adolescentes. Segundo o documento:

[...] é preciso considerar o fato de que os adolescentes


desenvolvem um tipo de comportamento e um conjunto de
valores que atuam como forma de identidade, tanto no que diz
respeito ao lugar que ocupam na sociedade e nas relações que
estabelecem com o mundo adulto quanto no que se refere a sua
inclusão no interior de grupos específicos de convivência. Esse
processo, naturalmente, tem repercussão no tipo de linguagem
por eles usada, com a incorporação e criação de modismos,
vocabulário específico, formas de expressão etc. São exemplos
típicos as falas das tribos, grupos de adolescentes formados em
função de uma atividade (surfistas, skatistas, funkeiros etc.)
(BRASIL, 1998, p. 47).

Mesmo considerando a abordagem variacionista vista nos PCN e na


proposta do exame, autores como Gonzáles e Stein (2012) apresentam duas
ressalvas: a primeira é de que ambos os documentos trazem um tratamento
superficial aos conceitos variacionistas; a segunda é de que esses documentos se
utilizam de variados termos de áreas distintas da linguística e da linguística
aplicada, em que a leitura exige profundo conhecimento de variadas áreas que
cooperaram para sua constituição ressalva essa corroborada em Bagno (2015).
Ainda segundo Gonzáles e Stein (2012), mesmo que os PCN sejam capazes
de fornecer subsídios para uma pedagogia da variação linguística, esses subsídios
se apresentam confusos e com pouca aplicabilidade.
Por fim, sabemos que os PCN defendem e estimulam o trabalho com a
variação linguística, mas é a escola a maior responsável pela oferta de

12
conhecimento sobre a língua e o direcionamento dos alunos à reflexão de que a
língua compreende diversas variedades, e que há ocasiões em que cada variedade
pode e deve ser usada, afinal, um dos pressupostos da sociolinguística é a
adequação das variedades da língua às diversas situações comunicativas dos
indivíduos.

O Enem: breve histórico

A Prova do Enem é uma avaliação do perfil do aluno na conclusão do


ensino básico, com o objetivo de oferecer uma referência em relação às diferentes
competências construídas pelo mesmo, durante sua escolarização. Esse exame está
estruturado sob os conceitos de competências e habilidades que explicitam
aptidões básicas e necessárias ao mundo do trabalho e ao ingresso à universidade.
A prova do Enem, segundo as orientações do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), difere dos tradicionais
vestibulares, pois aquele não exige a conhecida “decoreba” de datas, fórmulas e os
famosos “bizus”, como esses, uma vez que, as questões apresentadas no Enem
permitem ao aluno testar suas possibilidades individuais, para resolver problemas
do dia-a-dia, sejam eles de natureza pessoal, de trabalho, de capacitação para o
ensino superior e até de relacionamento social, algo inovador que abrange desde o
conhecimento teórico cientifico até os conhecimentos empíricos desenvolvidos dia
a dia. Segundo Macedo (2005), a situação-problema é um dos recursos utilizados
para a avaliação escolar e o desenvolvimento de competências.
O fato de ser um exame que abarca todo o território nacional serve, além
do SAEB1 e ENADE2, como um instrumento de avaliação que pode demonstrar
como anda a educação no país, ou seja, seus números são um forte indicador de
como o ensino está em cada localidade e, com isso, fornecer subsídios para futuras
políticas públicas por parte dos governos estaduais e federal, no tocante a melhoria
desses dos índices. Além disso, o Enem promove discussões entre professores e
alunos relacionados à concepção de ensino defendida pela LDB, pelos PCN e pela
Reforma do Ensino Médio (BRASIL, 2017), norteadores da atual concepção do
exame.
A estrutura e a organização do Enem refletem o pensamento do poder
público a respeito da representação social dos itens avaliados. A incidência maior
ou menor de uma competência ou habilidade avaliada indica a relevância do tópico
para o elaborador do instrumento de avaliação, assim como, a presença de um
determinado conteúdo. É preciso considerar, portanto, que atualmente esse exame
goza de grande relevância e importância social por ser uma forma de acesso às
universidades mais renomadas do país, fato que envolve, além do aluno, a família e
a sociedade.
As provas objetivas do Enem são elaboradas com itens, ou questões, que
seguem as recomendações do Guia de Elaboração de Itens, desenvolvido também
pelo INEP, com o objetivo de assegurar que apresentem uma estrutura adequada
ao objetivo do exame, que é testar as habilidades e competências do educando ao
término do ensino médio, contemplando a Matriz de Referência do Enem
elaborada em 2009 que avalia o candidato com a prova de Linguagens, Códigos e

1 Sistema de Avaliação da Educação Básica.


2 Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – exame destinado a alunos de graduação.

13
suas Tecnologias quanto aos conhecimentos referentes a 09 competências e 30
habilidades
Os itens da prova são compostos, cada um, por: um texto base, usado para
estimular o estudante a mobilizar recursos cognitivos na solução da situação-
problema proposta, que pode ser, uma imagem, charge, tira, ou seja, um texto
verbal ou não verbal, chamado de suporte do item; pelo enunciado, que pode vir
sob a forma de complementação ou de interrogação, mas tem que ser preciso e
estar totalmente ligado à habilidade que se pretende avaliar, chamado de comando;
por alternativas de respostas, apresentadas na forma de cinco opções, sendo
somente uma correta, o gabarito, e outras quatro alternativas que não contemplam
a resposta escolhida como correta, chamadas de distratores, que mesmo sendo
respostas incorretas eles têm de ser plausíveis, ou seja, parecerem corretas para o
candidato sem se tratarem de pegadinhas.
A resolução da prova de Língua Portuguesa do Enem envolve, portanto,
uma postura ativa do candidato e a ativação de suas estruturas cognitivas de
leitura e raciocínio, assim como a ativação de seus conhecimentos prévios, tanto
linguísticos, como específicos sobre o tema tratado. A prova de Linguagens e
Códigos é composta por quarenta e cinco questões de língua portuguesa, cinco
questões de língua inglesa e cinco de língua espanhola, sendo, essas duas últimas,
uma opção do inscrito. Vale lembrar que, em consonância com os PCN, as questões
devem ser elaboradas de modo a permitir que o aluno mobilize suas competências
e habilidades para eleger a única alternativa correta entre as cinco oferecidas.
Além disso, atualmente, o Enem possui uma edição extra, seguindo o
mesmo formato da prova regular, nas unidades prisionais e de internação de
adolescentes que cumprem medidas socioeducativos, o Enem PPL, aplicada cerca
de um mês após a avaliação oficial. Esse recurso é uma oportunidade para menores
infratores e adultos presidiários retomarem suas vidas por meio do ensino
superior ou da conclusão do ensino médio, pois a nota pode servir para a obtenção
do certificado de conclusão do ensino médio em cursos de Educação de Jovens e
Adultos (EJA). Para os que pretendem o ensino superior, as notas terão que estar
acima de 600 pontos.
Vejamos, na seção seguinte, o estado da arte que trazemos para contribuir
com nossa reflexão e análise dos dados.

A variação linguística no Enem – alguns estudos

Temos como estado da arte, alguns trabalhos que já procuraram verificar


como se dá o tratamento da variação linguística em diversas edições do Enem,
desde sua origem. Dentre esses trabalhos, destacamos apenas alguns, como os de
Andrade (2015), de Andrade e Freitag (2016a, 2016b), Bagno (2015) e Silva Jr.
(2018), por serem mais recentes e procurarem o mesmo objetivo que o nosso.
Andrade (2015) analisa as provas objetivas de língua portuguesa dos anos
2000 a 2012. A autora verificou em sua pesquisa que há coerência entre as
prescrições dos documentos oficiais da educação brasileira e as normas
orientadoras do Enem, entretanto, Andrade (2015) nos afirma que ainda é
necessário que haja mudanças para que o tratamento da variação linguística seja
mais efetivo, tanto no exame, quanto no ensino da língua. Para a autora, sua
pesquisa:

14
[...] possibilitou a constatação da aplicação das prescrições
contidas nos documentos, identificada desde a presença das
concepções sociolinguísticas dos contínuos propostos por
Bortoni-Ricardo (2004a), até a existência das terminologias
indicativas de variação, demonstrando que há uma congruência de
sentido entre todos acerca da concepção de língua [...] (ANDRADE,
2015, p. 79).

Em Andrade e Freitag (2016a), vemos uma maneira diferente de


apresentar os dados estatísticos. As autoras utilizaram a wordcloud (ou tagcloud),
que consiste em uma representação visual de várias palavras através do formato
de uma nuvem, possibilitando maior visibilidade aos resultados, pois as palavras
mais frequentes tornam-se maiores na nuvem desenhada. Andrade e Freitag
(2016a) identificaram 161 questões de língua portuguesa, em 14 provas, sendo
que daquele total, somente 35 abordaram o conteúdo de variação linguística. Para
as autoras, não há padronização das questões de variação, pois há provas que não
trazem questões de variação – duas edições –, em outras edições, as questões
aparecem correspondendo a 30% a 44% da prova de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias.

A análise realizada demonstrou que existe uma congruência


quanto às prescrições dos documentos oficiais e às normas
orientadoras do exame, todavia, a observação das questões
evidencia o quanto ainda são necessárias mudanças para que
aconteça uma abordagem variacionista mais efetiva no Enem e no
ensino de Língua Portuguesa (ANDRADE; FREITAG, 2016a, p. 293-
294)

Já, em Andrade e Freitag (2016b), o foco da pesquisa está na proposta de


contínuos trazida por Bortoni-Ricardo (2004), a saber, o contínuo de urbanização,
de oralidade-letramento e de monitoração estilística. Para as autoras, entre as
questões do exame que tratam da variação linguística, poucas são as questões que
se enquadram na proposta dos contínuos de Bortoni-Ricardo (2004), mas
verificaram, ainda, outras questões de variação linguística ligadas à variação
regional, histórica e entre português do Brasil e de Portugal.
Andrade e Freitag (2016b) corroboram Faraco (2008) quando entendem
que a primeira capacidade verificada no exame está relacionada ao domínio da
norma culta, concepção adotada no exame, como apresentado por Faraco (2008):

Nossa crítica é que há na definição dessa grande competência dois


equívocos. O primeiro é não distinguir suficientemente a norma
culta da norma curta (o que leva os documentos do exame a
falarem em norma culta e as questões a se orientarem antes pelos
preceitos de norma curta). Segundo e mais sério, tomar a norma
como um fenômeno em si, isolado das práticas sociais de fala e
escrita em que ela faz sentido e, por consequência, sobrepondo-se
a elas (p. 179).

Também verificando o tratamento da variação linguística em provas do


Enem, Bagno (2015) examina as provas do interstício de 1998 a 2012 além de

15
analisar o discurso assumido por grandes corporações midiáticas e de cursinhos
pré-vestibulares de nosso país, sobre o Enem.
Inicialmente, o autor faz uma discussão sobre a falta de homogeneidade do
exame para designar a variedade falada por indivíduos letrados e defende que para
a sociolinguística, “não existe falante de estilo único” (BAGNO, 2015, p. 210, grifos
do autor). Continuando, Bagno (2015) ainda apresenta os contínuos de letramento
trazidos por Bortoni-Ricardo (2004), apresentando questões do referido exame
que não contemplam de maneira adequada a abordagem da variação linguística,
afirmando que “a separação rígida entre fala e escrita, criticada há bom tempo
pelos estudos antropológicos, linguísticos e pedagógicos em torno do letramento,
continua, no entanto, impregnando o senso comum” (BAGNO, 2015, p. 212, grifos
do autor).
Finalizando seu texto, Bagno (2015) realiza uma grande crítica a empresas
de cursinhos pré-vestibulares e à mídia, que usam o exame em prol de seus
benefícios próprios e de uma elite cultural, através de críticas contra o exame,
exame este, que vem universalizando o aceso ao ensino superior à população mais
pobre do país. Concluindo seu texto, o autor insiste com os elaboradores do exame
nacional que:

[...] devem exibir coerência teórica, precisamente para não


oferecer armas terminológicas à ideologia conservadora, como a
falsa oposição entre “culto/padrão/escrito” e
“coloquial/informal/regional” que, saindo da esfera acadêmica
para o campo da distorção ideológica praticada pelos meios de
comunicação, em nada contribui para o aprimoramento do debate
sobre questões de linguagem e ensino em nossa sociedade
(BAGNO, 2015, p. 224, destaques do autor).

Por último, na pesquisa de Silva Jr. (2018), são analisadas seis questões
dentre as edições 2015, 2016 e 2017 da prova de Língua Portuguesa do Enem. Para
o autor:

[...] o aluno deve ser preparado para discutir acerca da variação


linguística, uma vez que as questões apesar de serem poucas, são
complexas, exigindo do estudante uma análise detalhada das
situações comunicativas para poder chegar a uma resposta exata
(SILVA, 2018, p. 28).

A partir da leitura e análises realizadas por Silva Jr. (2018), a pesquisa é


finalizada com a afirmação de que é necessário que os alunos tenham aceso aos
mais diversos tipos de variações linguísticas, para que o estudo da língua seja mais
dinâmico e significativo, finalização que vem corroborando as conclusões já vistas
nos estudos acima apresentados.
Vejamos como propusemos a realização de nossa pesquisa.

Metodologia

Realizamos uma seleção minuciosa de todas as questões que contemplam


o fenômeno da variação linguística, nas duas aplicações anuais das provas do

16
Enem, para obtermos material necessário à análise quantitativa. Assim,
conseguimos uma amostra significativa das questões das provas do Enem,
realizadas entre 2013 a 2018.
Destacamos que, nessa etapa, levamos em consideração não somente
questões que exigem do aluno, explicitamente, conhecimentos sobre a variação
linguística, mas selecionamos, também, questões em que seu contexto apresenta o
fenômeno da variação e mudança linguística, adequadas às H25, H26 e H27 da C8
do Enem3. Para tanto, a busca pela variação linguística abrangeu as questões que
continham em seu suporte (que pode ser um texto verbal ou não verbal, comando,
distratores e/ou gabarito) o reconhecimento da variação da língua, da
sociolinguística como um todo.
Essa análise parte do pressuposto de que se um item ou questão
apresenta em seu suporte, assim como em seu comando ou em seus distratores e
gabarito, algo que contemple a diversidade, variação e mudança linguística,
demonstrando o caráter heterogêneo da língua, estamos diante de uma escolha
pensada, por parte da banca organizadora, em contemplar os eixos cognitivos
presentes em uma das cinco matrizes de referências do Enem, para além de
verificar o conhecimento sobre o tema em pauta, validando a variação linguística.
Posto isso, o corpus desta pesquisa foi formado por todas as questões
selecionadas nas provas de Língua Portuguesa, de primeira e segunda aplicação do
Enem no período de 2013 a 2018, que totalizam 480 questões.
Vejamos, no Quadro 1, o demonstrativo das questões encontradas.

Quadro 1- Número de questões por prova


Provas Questões 1ª aplicação Questões 2ª aplicação
Enem Específicas Não especificas Específicas Não específicas
2013
106- 126-118 116-117-133 107-125-127-128 ----
Amarela
2014 105-114-115-117-
97-100-110 102-114-130 112- 131- 134
Amarela 118-129-133
2015 107-115-122-124-
109-127 109-110-123 111-114-115-119
Amarela 131
2016 100-103-108-112-
102-106-121 111-130-133-135 97-102-105-121
Amarela 113-115-124
2017
08-32-33 18-22 42 13-15-24-30-32
Amarela
2018
06-07-31-43-44 10-26 19-20 26-33
Amarela
Nº total de
38 42
questões
Fonte: elaborado pelos autores.

Do total de 480 questões analisadas, 80 referem-se a questões que


abordam, de uma maneira ou outra, o fenômeno da variação linguística no PB. Essa
abordagem se dá de forma não específica (como vemos, no Quadro 1, 16 questões,
na primeira aplicação, e 25 na segunda aplicação), a partir de textos, imagens,
intertextualidade no suporte, comando e distratores, e de maneira específica, a

3 H25 - Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as


variedades linguísticas sociais, regionais e de registro; H26 - Relacionar as variedades linguísticas a
situações especificas de uso social; H27 - Reconhecer os usos da norma padrão da língua
portuguesa nas diferentes situações de comunicação.

17
própria questão sobre variação linguística, testando os conhecimentos prévios dos
alunos sobre as variedades linguísticas brasileiras (como vemos, 22, na primeira
aplicação, e 17 na segunda aplicação).
Destas 80 questões, 38 são referentes à primeira aplicação do Enem, e 42
são de segunda aplicação. Dessa forma, as demais 400 questões abordam outros
fenômenos linguísticos como fonologia, morfologia, sintaxe, ortografia,
concordância, interpretação, literatura, entre outros.
Vejamos, na seção a seguir, a análise de nossos dados e os resultados a que
chegamos. Em nossas análises, apresentamos os percentuais de ocorrência do
fenômeno variacionista nas provas do Enem, exibindo, primeiro, o percentual geral
e, em seguida, os percentuais para as provas de primeira aplicação e de segunda
aplicação. Por último, traremos os resultados comparativos entre as questões que
tratam o tema aqui levantado.

Análise e discussão dos resultados

Entre 2013 e 2018 foram aplicadas 12 provas do Enem, sendo que 6 foram
aplicadas a toda a comunidade estudantil do país, com livre acesso a partir da
inscrição, e 6 foram aplicadas àqueles alunos que, por alguma razão, estão reclusos
em algum centro de reabilitação social. Em um total de 480 questões analisadas,
obtivemos um total de 80 questões (16,7%) que contemplam, de forma específica e
não específica, o fenômeno da variação linguística no Brasil, como podemos ver no
gráfico a seguir.

Gráfico 1 – Percentual de questões nas provas do Enem de Primeira e de Segunda aplicação


entre 2013 a 2018

16,7%

Abordagem variacionista
Demais abordagens

83,3%

Fonte: elaborado pelos autores.

Como podemos observar, no Gráfico 1, das 12 provas aplicadas, 83,3% do


conteúdo (400 questões) se destinam a outras áreas dentro da prova de Língua
Portuguesa, e 16,7% (80 questões) contemplam a abordagem variacionista da
língua, seja em questões que cobram o conhecimento específico sobre o tema, ou
questões que abordam o tema da variação linguística em seus textos, imagens,
charges e quadrinhos sem que para isso procurem testar o conhecimento do aluno
a respeito do fenômeno em estudo, ou seja, que abordam o tema de forma não
específica.
Vejamos, nos Gráficos 2 e 3, os percentuais de questões por edição da
prova do Enem.

18
Gráfico 2 - Quantidade de questões de cunho sociolinguístico na 1ª aplicação do ENEM
20,0%

15,0% 12,5% 12,5%


10%
10,0% 7,5% 7,5% 7,5% 7,5% 7,5% 7,5%
5% 5% 5%
5,0%

0,0%
2013 2014 2015 2016 2017 2018

Específicas Não específicas

Fonte: elaborado pelos autores.

Para as provas do Enem de 1ª aplicação, observamos, a partir do Gráfico 2,


uma média de 6 questões por ano, como mostrou o Quadro 1. Os anos de 2015 e
2018 foram os que apresentaram um maior número de questões que contemplam
especificamente o fenômeno da variação linguística: juntos, somam 10 das 39
questões do interstício investigado.
Já, a partir do Gráfico 3, verificamos um total de 42 questões, sendo destas,
17 que contemplam o fenômeno da variação linguística de forma específica, e 25 de
forma não específica, o que difere das provas de 1ª aplicação: as questões não
específicas estão em maior quantidade na 2ª aplicação do exame.

Gráfico 3 - Quantidade de questões de cunho sociolinguístico na 2ª aplicação do ENEM


20,0% 17,5% 17,5%

15,0% 12,5%
10% 10%
10,0% 7,5% 7,5%
5% 5% 5% 5%
5,0%
0%
0,0%
2013 2014 2015 2016 2017 2018

Específicas Não específicas

Fonte: elaborado pelos autores.

Podemos perceber, diante dos resultados apresentados, que existe um leve


acréscimo percentual de questões que contemplam de forma não específica, o
fenômeno da variação e mudança linguística nas provas de 2ª aplicação do Enem.
Para esse segundo exame, assim como os de 1ª aplicação, os números percentuais
de questões que abordam o fenômeno são bastante significativos, levando em
consideração que existem muitos outros assuntos abordados na prova de Língua
Portuguesa. Esses números demonstram que as provas do Enem vêm, ao longo dos
últimos seis anos, apresentando o fenômeno da variação linguística de maneira a
atender as recomendações dos PCN.
Vejamos agora, no Gráfico 4, essa divisão entre questões específicas e não
específicas nas questões que abordam a variação linguística.

19
Gráfico 4 - Percentual de questões específicas de variação linguística e questões não
específicas nas provas do Enem de 1ª e 2ª aplicação de 2013 a 2018

47,5%

Questões específicas

Questões não especificas

52,5%

Fonte: elaborado pelos autores.

Como apresentado no Gráfico 4, das 80 questões selecionadas como as que


contemplam o fenômeno da variação, 39 questões exigem do aluno conhecimentos
específicos sobre o fenômeno de variação linguística. Já, 41 destas questões,
abordam a variação linguística, mas não como uma questão específica, mas sim,
tratam da variação em sua estrutura sem cobrar do aluno um conhecimento
específico da sociolinguística variacionista, reconhecendo, dessa forma, que a
língua é heterogênea e permite diversas variações e variedades.
De posse da seleção das questões que contemplam o fenômeno da variação
e mudança linguística para formar a amostra desta pesquisa, de maneira específica
e não específica, pudemos verificar que os organizadores tiveram a preocupação
em trazer para o exame a abordagem sociolinguística da linguagem cotidiana, fato
que nos surpreendeu.
Acreditamos que o tratamento, mesmo que de maneira sutil, da variação
linguística, traz reflexões acerca da forma como a língua é propagada pela
gramatica normativa, reconhecida como a correta, e, também, outras formas
linguísticas mais presentes na realidade histórico-social do aluno, reconhecidas em
sua oralidade. Acreditamos que o simples contato com outra forma de língua no
exame, mesmo tratada como inadequada pela gramática normativa, pode levar o
aluno a fazer considerações acerca do que se acredita como certo e errado na
língua. Esse tipo de abordagem nas questões do Enem pode fazer o aluno perceber
que o falante está, a todo momento, migrando entre situações de oralidade e de
escrita, como trata Bortoni-Ricardo (2004),

Nos diversos domínios sociais, inclusive na sala de aula, as


atividades próprias da oralidade são conduzidas em variedades
informais da língua, enquanto para as atividades de letramento os
falantes reservam um linguajar mais cuidado (BOROTNI-
RICARDO, 2004, p. 335).

Vejamos como ocorre as duas abordagens nas questões selecionadas de


nossa amostra, a partir dos Quadros 2 e 3, na sequência.

20
Quadro 2 - Questões nº 97 e nº 08 específicas da abordagem variacionista

Enem 2014, caderno 5, amarelo, p. 7. Enem 2017, caderno 2, amarelo, p. 7.

No Quadro 2, encontramos a questão de nº 97 da prova do Enem de 2014


e observamos que a mesma trata do fenômeno da variação linguística no Brasil a
partir dos versos de Antônio de Barros, apresentando formas variantes fonético-
fonológicas, como: óia em vez de olha, pr’esses em vez de para esses. No texto, as
diferenças linguísticas são apresentadas de forma explícita através do verso “Vou
mostrar pr’esses cabras”, a partir da junção da preposição para com o pronome
demonstrativo esses. Além disso, o uso do substantivo cabra para se referir, nesse
contexto, a um homem sertanejo típico nordestino.
Como vemos, a problemática é abordada nos versos, o suporte do item, e
cobrada no enunciado da questão, o comando, que utiliza o registro formal da
língua para verificar o conhecimento do aluno acerca da variação regional,
diatópica, questionando-o em que verso se apresenta uma característica do falar
popular regional. O gabarito da questão apresenta a letra “C” como sendo a correta
(“Vou mostrar pr’esses cabras”), ou seja, o enunciado pede uma forma característica
da fala popular em detrimento da fala tida como norma padrão pela gramática.
Já a questão nº 08, ainda no Quadro 2, apresenta, a partir dos versos, a
forma variante jerimum, conhecida em algumas regiões do país como abóbora. No
dicionário, a palavra é grafada com “j”, mas o texto apresenta o substantivo escrito
com g, em vez de j. Esse mesmo texto aborda a questão da classe de palavras
substantivo, onde a palavra jerimum escrita com “G” maiúsculo, indica que a
palavra se trata de um substantivo próprio, o nome de um lugar, diferenciando de
jerimum, o legume. O gabarito da questão apesenta a opção “E” como sendo a

21
correta: “Reafirmar discursivamente a forte relação do falante com seu lugar de
origem”.
A questão em análise espera que o aluno compreenda que há uma forte
relação do falante com seu lugar de origem, ou seja, a questão demonstra o caráter
heterogêneo da língua, além da valorização do interior brasileiro e suas variedades
linguísticas, a partir do poema trazido no suporte da questão. Essa questão, além de
apresentar como válida a relação entre o falante e sua variante linguística, mostra
uma posição de valorização linguística das variantes do PB.
Vejamos, no Quadro 3, mais duas questões de nossa amostra em análise.

Quadro 3 - Questões nº 122 e nº 102 específicas da abordagem variacionista

Enem, 2015, caderno 5, amarelo, p. 14. Enem, 2016, caderno 5, amarelo, p. 7.

No Quadro 3 a questão nº 122 apresenta, em seu suporte, uma reportagem


sobre as novas tecnologias e como a escrita vem acompanhando essas novas
formas de comunicação. Ainda no suporte, vemos que o texto apresenta, ao
candidato, a linguagem como um código de comunicação que pode ser usado de
distintas formas, a depender do contexto situacional, da comunicação e dos

22
propósitos comunicativos dos indivíduos, ou seja, o texto apresenta a língua,
enquanto código de linguagem que permite variações.
O comando da questão, além de afirmar o surgimento de usos particulares
da língua a partir do desenvolvimento da tecnologia como uma nova realidade,
indaga o candidato sobre a função da escola: “cabe à escola levar o aluno a...”. Dessa
forma, com o propósito de verificar se ao aluno possui conhecimentos
sociolinguísticos, o gabarito da questão, letra “E” afirma que cabe à escola levar o
aluno a “perceber as especificidades das linguagens em diferentes ambientes
digitais”.
Já a questão nº 102, ainda do Quadro 3, nos oferece, em seu suporte, um
fragmento da peça O santo e a porca, de Ariano Suassuna. Semelhante à questão nº
97 do Quadro 2, o comando da questão exige do candidato conhecimentos de
variedades linguísticas relacionadas ao Nordeste brasileiro. Com o questionamento
“Nesse texto teatral, o emprego das expressões ‘o peste’ e ‘cachorro da molest’a’
contribui para...”, o exame apresenta, em um texto canônico da literatura brasileira,
a variedade linguística presente nas regiões do Brasil a partir de expressões
próprias. Podemos, portanto, verificar a necessidade de conteúdos de variação
linguística para que o candidato possa responder corretamente à questão, a partir
do gabarito, item “B”, que traz como resposta: “caracterizar usos linguísticos de
uma região.”.
Vimos, portanto, quatro questões que solicitam os conteúdos de variação
linguística de forma específica ao candidato. Seguindo agora uma nova análise, o
Quadro 4, nos apresenta, portanto, duas questões que consideramos cobrar de
maneira não específicas a variação linguística.

23
Quadro 4 - Questões nº 10 e nº 116 não específicas da abordagem variacionista

Enem, 2018, caderno 2, p. 6. Enem, 2013, caderno 5, p. 112.

Como podemos observar no Quadro 4, a questão nº 10 não apresenta, em


seu enunciado, uma abordagem específica sobre o fenômeno da variação e, sim,
sobre tradução semiótica, com a adaptação do livro Grande sertão: veredas para o
quadrinho. Acreditamos que essa questão se trata de uma forma não específica de
abordar a variação linguística, pois, além de se utilizar de expressões da linguagem
do dia a dia, uma linguagem mais coloquial, como em “causa dum”, no lugar de “por
causa de um”, o comando pede que se identifique a inter-relação entre diferentes
linguagens, no qual o gabarito, a letra “D”, reforça os conteúdos de variação
linguística e a tese de que o uso da variação é legítimo, atingindo, inclusive, outros
propósitos.
Lembramos, então, que os PCN partem do pressuposto de que a língua se

24
realiza nas práticas sociais, portanto, dotar o aluno de competência textual, oral e
escrita, para uma atuação eficiente além dos muros escolares passa a ser a
finalidade principal do ensino de Língua Portuguesa, anteriormente focado no
desenvolvimento de habilidades de leitura e no domínio da língua escrita padrão.
Assim, deve ser desenvolvida a competência comunicativa do educando, ou seja,
sua capacidade de realizar a adequação do ato verbal às mais variadas situações de
comunicação (TRAVAGLIA, 2001, p. 17).
Ainda no Quadro 4, a questão nº 106 não trata, especificamente, do
fenômeno da variação, e sim, da função conativa, gênero textual propaganda, texto
híbrido, texto publicitário, abordando a temática do aquecimento global,
especificamente o derretimento das calotas polares, como sua primeira
consequência para nosso planeta. Para isso, o texto publicitário cria toda sua
mensagem a partir da ligação entre a conjugação do verbo “derreter” e o efeito do
aquecimento no derretimento das calotas polares. No entanto, o texto escolhido
para compor a questão apresenta, em sua composição, o fenômeno variacionista
entre o pronome pessoal de 2ª pessoa do singular “tu” e o pronome de tratamento
“você”, quando a questão não aborda o fenômeno variacionista, mas, sim, a
intertextualidade entre o verbal, o não verbal e os conhecimentos de mundo do
candidato.
Para essa questão, a banca, também não apresenta, em seus distratores,
nenhuma opção que leve o aluno ao fenômeno da variação linguística apresentado
na imagem, assim como também não apresenta na opção escolhida como a certa, o
gabarito “E”, e muito menos no comando há qualquer menção ao fenômeno. Isso
nos possibilita concluir que, mesmo uma questão não exigindo o conhecimento
especifico sobre o fenômeno da variação e mudança linguística, não significa que o
fenômeno não possa ser contemplado pela questão, a partir de uma música
regional, uma charge usando a fala coloquial, uma poesia, entre outras maneiras. O
fato é que a banca teve a opção de escolher uma imagem que, em seu conteúdo, não
suscitasse tal discussão e que, ao optar por essa imagem, possibilitasse ao aluno a
certeza de que ambas as formas são aceitas na língua cotidiana.
Entendemos que esse fato está ancorado na C8 e H26, ou seja, o aluno vai
relacionar a variedade linguística no texto apresentado na campanha a situações
específicas de uso social, portanto, passível a ser aceita como correta. Nesse caso, o
participante do exame não vai se atentar à variação linguística presente no texto
para responder ao comando da questão. No entanto, ele está consciente de que, em
determinados contextos, orais ou escritos, a variação é permitida sem nenhum
prejuízo ao entendimento textual, pois “a principal razão de qualquer ato de
linguagem é a produção de sentido” (BRASIL, 2000, p. 5).
Vejamos, no Quadro 5, as últimas questões de nossa análise.

25
Quadro 5 - Questões nº 133 e nº 22 não específicas da abordagem variacionista
Brasil

Enem, 2016, caderno 5, p. 16. Enem, 2017, caderno 2, p. 10.

No Quadro 5, podemos ver as questões nº 133 e nº 22, que não solicitam


do candidato um conteúdo explícito, específico de variação linguística.
A questão nº 133 disserta sobre história da língua e sobre tabu linguístico.
Vemos então, que essas duas temáticas podem ser trabalhadas através da
sociolinguística, mas não se referem necessariamente a variação linguística, dessa
forma, tratando da sociolinguística de forma tangencial, ou seja, não específica, pois
compreende dois assuntos também trazidos pela variação da língua: a mudança
diacrônica da língua e o tabu linguístico como motivo da mudança linguística.
O comando da questão afirma ao candidato que “O texto descreve a
mudança ocorrida na nomeação do inseto, por questões de tabu linguístico”. E para
solicitar o conteúdo da língua, o comando solicita do candidato qual o motivo da
mudança no nome do inseto devido ao tabu: “Esse tabu diz respeito a...”. Como
gabarito da questão, encontramos o item “E”: “restrição ao uso de um vocábulo
pouco aceito socialmente”.
Essa questão apresenta um ponto do uso da língua que é o uso de palavras
que representam temas censurados, por trazerem, muitas vezes, um sentido que
gera ambiguidade com cunho sexual de forma jocosa que foi, no caso do item nº
133, o substantivo “caga-lume” antepassado de “vaga-lume”. Dessa maneira, a
questão solicita um conteúdo não específico de variação linguística, mas que, de
todo modo, perpassa as amplas dimensões de variação do PB.
Passando à questão nº 22, do Quadro 5, encontramos no suporte da
questão, um texto retirado e adaptado de um jornal, uma lista de pares de
vocábulos semanticamente semelhantes e seus respectivos significados, segundo o
autor do texto, como em “Euforia: alegria barulhenta. Felicidade: alegria
silenciosa.”, como vemos nas palavras destacadas em itálico. O comando da questão
já antecipa ao candidato que “O texto trata da diferença de sentido entre vocábulos
muito próximos.”, dessa maneira, solicita do estudante que ele saiba o motivo pelo

26
qual o autor tratou essas palavras por pares: “Essa diferença é apresentada
considerando-se a(s)...”. Como gabarito, a banca do exame confere o item “B”:
“adequação às situações de uso.”.
Esta questão, assim como as três anteriores estudadas, surge com
abordagens de usos da língua portuguesa, como a adequação vocabular bastante
discutida na sociolinguística, mas não traz, especificamente, a variação lexical, por
exemplo, tratando, destarte, de forma não específica da variação linguística.
Os exemplos apresentados, a partir das questões do Enem, servem para
demonstrar o método que usamos para selecionar a amostra desta pesquisa,
tratando as questões que apresentam em seu escopo o fenômeno variacionista,
mesmo que a diretriz da questão trate de outros fenômenos linguísticos ou
questões formais da língua e da comunicação, mas não propriamente a
sociolinguística.
Podemos perceber que a diferença entre o total de questões específicas e
questões não específicas, sobre variação linguística no PB, não é significativa, pois,
no geral, é de 5% a mais para as questões não específicas. De qualquer modo, isso
demonstra que os organizadores do Enem têm a sensibilidade de ampliar o
número de possibilidade de visualização da variação linguística ao longo de todas
as edições do exame, e isso pode ser considerado como uma forma de atender às
recomendações dos PCN e às matrizes do Enem.

Considerações finais

Essa pesquisa tornou possível trazermos considerações sobre o processo


seletivo do Enem, no tocante à presença do fenômeno da variação e mudança
linguística no PB, nos exames aplicados no interstício de 2013 a 2018.
A partir dos resultados apresentados, podemos concluir que, no período
analisado, as provas do Enem trouxeram em seus itens uma presença significativa
sobre o fenômeno, com exatamente 16,7% das questões de Língua Portuguesa,
sendo que, desse total, 47,5% buscam medir o conhecimento do aluno de forma
específica e 52,5% abordam a variação linguística de forma não específica, ou seja,
corrobora com a variação linguística quanto à presença da variação nos comandos,
suporte e distratores das questões.
Concluímos, dessa maneira, que a prova de Língua Portuguesa no Enem
tem contemplado e respeitado cada vez mais as recomendações dos PCN quanto à
presença de discussões sobre a variação linguística, fato que se contrapõe aos
resultados encontrados por outros pesquisadores – como os apresentados em
nosso estado da arte –, em consequência, talvez, de termos considerado, além das
questões específicas, as questões não específicas.
Esta pesquisa não se encerra aqui, uma vez que o próprio objeto de estudo
está sempre em processo de mudança, fato esperado, especialmente, com a atual
conjuntura política do país, o que poderá instigar futuros pesquisadores a
investigar se as mudanças anunciadas pelo atual governo se alinham ou não com as
recomendações dos PCN e quais mudanças podemos visualizar adiante.

REFERÊNCIAS

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27
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29
APONTAMENTOS SOBRE A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA MÍDIA DIGITAL: A
(RE)PRODUÇÃO DE DISCURSOS DE AUTORIDADE E AS INFLEXÕES NO
ÂMBITO EDUCACIONAL

Alberto Lopo MONTALVÃO NETO


Francisco Vieira da SILVA
Éderson Luís SILVEIRA

Notas preliminares sobre o discurso midiático

Não é novidade que a mídia possui uma grande influência sobre/na


formação de sujeitos, influenciando opiniões e disseminando comportamentos,
através de uma máquina discursiva que apela para o esquecimento (este
constitutivo do sujeito), de forma a formular o imaginário que se pretende sobre
questões atuais, conforme aponta Garcia (2007). Nesse caráter de silenciamento,
cujos dizeres apagam a noção de que não são os primeiros a serem ditos e, que
também, o fazem quanto à ideia de que o dito poderia ser feito de outra forma (mas
como não o é, tem-se a noção de transparência da linguagem), a mídia contribui
para produções/caracterizações identitárias, onde várias formas são assumidas
pelos sujeitos dos meios de comunicação, reverberando discursos inerentes às
posições em que falam, de suas Formações Discursivas (FD) típicas. Além disso, de
forma a autoafirmar o caráter de verdade do discurso midiático, em um conflitante
jogo ideológico, muitas vezes, assumem-se outras posições-sujeito, recorrendo-se,
assim, a outras formações ideológicas para consolidar um dizer. E é a partir das
noções de “posição-sujeito”, “forma-sujeito” e de “lugar-discursivo” (esta última
proposta por Grigoletto (2013)) que gostaríamos de trabalhar.
Um discurso é polifônico. Essa definição, derivada de um preceito
bakhtiniano, é utilizada ao se pensar que o mundo está repleto de “vozes”
(BUBNOVA, 2011), e que a constituição do sujeito se dá na interação com o outro.
Seja na visão bakhtiniana, ou na visão de autores da Análise do Discurso (AD),
reconhece-se que o sujeito não é dono único e primeiro de seu dizer, e que este,
apesar de ter a ideia de que seu discurso é completo (ter a sensação de
completude, em discursos que parecem ter efeito de cessar em si, de ser próprio de
uma individualidade marcada), sabe-se que esse efeito não passa de um primado
de ilusões constituídas por apagamentos, por silenciamentos de processos
interdiscursivos. Conforme aponta Grigoletto (2005), ao exemplificar a forma
como se dá o entrecruzamento de discursos científicos, que são comuns ao
trabalho de um jornalista científico, temos “um discurso constitutivamente
heterogêneo, já que abriga, na sua materialidade, diferentes sujeitos e,
consequentemente, diferentes vozes, diferentes ordens de saberes” (GRIGOLETTO,
2005, p. 1).
É justamente a questão da heterogeneidade dos discursos que nos faz que
pensar se o sujeito é um ser ideologicamente marcado historicamente, e essas
ideologias o colocam em determinadas posições de sujeito na sociedade, definem
seus dizeres, lhe “autorizam” a falar por estar inscrito em dada FD, que
multiplicidade de vozes são essas? Como pensar, diante das formações ideológicas
existentes, em como o discurso do outro se incorpora no que é dito por um dado

30
eu? Conforme aponta Kader (2012), Authier-Revuz traz considerações
importantes, pensando na presença do discurso do Outro/outro 1. Além disso,
defende a questão da heterogeneidade de vozes que, tal como a ideologia,
atravessa sujeitos ao enunciarem. Essas vozes heterogêneas podem ser tanto
constitutivas do discurso, como apenas mostradas em dadas situações. No caso de
uma heterogeneidade mostrada, esta pode estar devidamente marcada, onde
reconhece-se explicitamente a presença do outro no discurso do eu ou podem não
estar marcadas. Nesse último caso, apesar de haver rastros do discurso do “outro”,
estes são indiretos, ou seja, não evidenciados (FERNANDES, 2008).
A exterioridade é aspecto fundamental do discurso. A AD busca justamente
compreender o que está por trás da língua, dessuperficializando a mesma,
tentando entender para além do que está aparentemente transparente, o dito e o
não-dito, pois o não dizer também significa. A linguagem não é fixa. Esta é
dinâmica, instável, se (re)significa, reconstrói-se. E a formulação de sentidos se dá
pelo apagamento do caráter material da ideologia, designando um imaginário
sobre algo, onde se tem a noção de transparência. Dessa forma, FD's se tornam
dominantes, em um processo onde ideologia e inconsciente atuam como
“estruturas-funcionamentos” (ORLANDI, 2001), constituindo o sujeito, de forma
que estes discursos dominantes, atrelados ao interdiscurso, não sejam claros na
constituição do indivíduo. Cabe ao analista de discurso pensar em como essas
ideologias constituem o sujeito e como ocorrem na dinamicidade da língua em
funcionamento.
Grigoletto (2005), baseando-se principalmente em preceitos pecheutianos,
coloca em pauta tais questões, ao tratar dos termos “lugar social”, “lugar
discursivo”, “posição-sujeito” e “forma-sujeito”. Estas noções mostram como o
sujeito discursivo tem potencialidades para produzir movimentos de
(des)identificação. A noção de forma-sujeito está interligada a inscrição do sujeito
em uma determinada FD, na qual este vai se identificar, se constituindo. Esta forma
se dá, então, por meio do interdiscurso, onde o sujeito se inscreve no imaginário de
uma determinada posição social e assume seu discurso. É o que ocorre com a
posição que assume enquanto profissional, onde incorpora uma identidade da
imagem que lhe é atribuída socialmente daquela posição (médico, repórter,
cientista, etc.), ou mesmo outros sujeitos que (co)participam de um mesmo espaço
social, mas assumem posições diferentes, que o autorizam ou não o dizer dentro de
uma relação de forças (relação aluno versus professor, leigo versus especialista,
etc.), dentre outras formas. Porém, apesar de ter uma formação ideológica basal,
um sujeito pode assumir diferentes posições dentro do discurso. Como aponta
Grigoletto (2005, p. 02), ao citar a definição de Pêcheux, na “posição-sujeito”, há
uma “relação de identificação entre o sujeito enunciador e o sujeito do saber
(forma-sujeito)”. O sujeito, então, assume diferentes posições em uma FD, pois se
identifica de forma particular com um saber, produzindo, assim, efeitos discursivos
que vão se relacionar (COURTINE, 1982 apud GRIGOLETO, 2005). Nessa relação, é
importante pensar que a posição que um sujeito assume em seu discurso não é
algo universal. Esta se dá por uma construção histórica, por meio da qual
ideologias levam a constituição de FD's características de determinado grupo
social, ou seja, o indivíduo ocupa um lugar discursivo, porque ocupa um lugar

1 Cabe lembrar que o grifo “Outro”, marcado pela inicial da palavra maiúscula, se dá em relações de
discursividade, enquanto que o termo “outro” refere-se ao sujeito com o qual se dá a relação de
interlocutor.

31
social que é constitutivo de si. Exemplificando, quando falamos da posição de mãe,
médico, cientista, professor, político, ou outra, assumem-se discursos, dado ao que
as hierarquias sociais nos impelem a concebê-los como certos e dados.
Há, no entanto, uma passagem desse lugar empírico, onde o sujeito está
engendrado em sua FD, pertinente a sua “forma-sujeito”, para o espaço discursivo,
dinâmico, onde o sujeito se inscreve em um determinado lugar discursivo, “o qual
está determinado pelas relações de verdade e poder institucional que ele
representa socialmente” (GRIGOLETTO, 2005, p. 01). O sujeito então interpreta,
dentro de seu discurso heterogêneo e (re)ordena os saberes, de modo que
coabitam diferentes vozes em seu discurso.
Dado que nossas análises se pautam na ciência que se apresenta como
“verdade absoluta”, nos rastros de uma concepção de ciência cartesiana e
positivista que lança discursos dogmáticos e hierárquicos, interessa-nos a noção de
verdade. Conforme Gregolin (2007), o discurso possui uma “espessura histórica”, e
é função do analista de discursos a busca da compreensão de como tais verdades
se produzem e se enunciam, de forma a propiciar conexões tanto materiais, quanto
históricas dos enunciados. Assim, “em vez de sujeitos fundadores, continuidade,
totalidade, buscam-se efeitos discursivos” (GREGOLIN, 2007, p. 15). Nessa
perspectiva, Gregolin (2007) assinala que Foucault “propõe analisar as práticas
discursivas, pois é o dizer que fabrica as noções, os conceitos, os temas de um
momento histórico” (idem). Nessa perspectiva, para Foucault, esse tipo de análise
permite identificar a relação do que é dito com a produção de uma “verdade” que
ocorre no limiar do histórico. Em outra perspectiva, mas que nos ajuda a pensar
em possibilidades correlatas de como enxergar a questão de “verdade” e
“responsabilidade” do sujeito pelo que este diz, Silveira (2014) une criticamente o
conceito de Foucault, “coragem da verdade” com a “responsabilidade do ato” de
Bakhtin. Resumidamente, Silveira frisa que, para Bakhtin (2010, p. 04), “todo ato
de pensar é responsável, porque o sujeito somente pode falar a partir de sua
posição social e historicamente situada no mundo”, o que confere subjetividade ao
ato, já que, apesar da relação com o “outro” nos constituir como sujeitos (através
de relações dialógicas), somente o “eu” pode pensar por si. Concomitantemente, é
necessário considerar que a constituição do “eu” está relacionada à exterioridade,
ao social. O sujeito não é um ser de individualidades fechadas. A noção de ato
responsável vem justamente por este ser um “evento único e irrepetível tal qual o
sujeito que o realiza devido as condições sociais, históricas, culturais, a
responsabilidade das ações realizadas por ele recai sobre este sujeito” (SILVEIRA,
2014, p. 5). Já o termo de Foucault, a “coragem de verdade”, condiz com os efeitos
que o sujeito enunciador sofre ao “dizer a verdade”.
Vê-se nessa noção de Foucault, a vontade, a busca incessante pela verdade,
que é inerente às condições sociais, históricas e culturais. Da mesma forma, vemos
que um sujeito é responsável pelo que diz, logo, é responsável pelas supostas
“verdades” que produz. Nesse sentido, propomos pensar o dito em relações
afirmativas, que apontam para efeitos de verdade, como é o caso da ciência
divulgada de forma assistemática pelas mídias.
Dado o proposto e os pressupostos levantados, cabe-nos adentrar no
escopo de análise. Tal como Grigoletto (2005), pretendemos entender as relações
de discursividade em mídias de divulgação científica, mas não voltados com
exclusividade na perspectiva das posições e formas do sujeito. Pautamos nossos
esforços para pensar em “quem fala”, mas nosso propósito também é pensar em

32
“como” se fala. Pensar nos sujeitos enquanto ocupantes de uma posição social,
inseridos em uma determinada FD não basta para pensar em ciência, nos discursos
que são propagados por meio de enunciados que naturalizam dizeres dogmáticos,
dotados de um efeito de “verdades inquestionáveis”.

Uma análise do discurso da divulgação científica na web

De forma a compreender como se posicionam os discursos da divulgação


científica e quais os possíveis efeitos de sentidos que são gerados, analisamos
algumas materialidades, cotejando-as com as suas condições de produção. O texto
selecionado encontra-se em uma seção do Portal Terra denominada de Hypeness. O
trajeto para se chegar a essa subseção está demarcado linearmente pelos atalhos
(ou “tags”) Ciência > Filhos > Homossexualidade, e tem como título da matéria
“Avanço científico permite que casais homoafetivos tenham filhos biológicos”.
Antes de adentrar no texto propriamente dito, ressaltamos o nome da
seção: “Hypeness”, que traduzindo ao português seria um termo polissêmico, mas
que pode ser entendido como algo próximo de “exagerado”, ou mesmo se remeter a
uma estratégia de marketing para enfatizar algo, seja uma ideia ou certo produto.
Esse termo seria, então, utilizado para se referir a algo que está sendo amplamente
discutido (vulgo, “bombando”), ou seja, do qual muitas pessoas estão falando
muito. Trata-se, então, de uma página que é editorada por sujeitos com alguma
relação com o marketing, e que, na própria apresentação da página, tem-se um
anúncio, usado para atrair publicitários e outras profissões consideradas
“criativas”, que buscam “inovação” 2. Como diz a web página “[…] o formato
editorial do Hypeness é composto de textos curtos, imagens grandes e vídeos para
ninguém perder tempo”. Com isso, marca-se um intuito da web página de criar um
espaço de divulgação rápida, não somente de informações/curiosidades científicas,
mas também de marketing, de produtos.
A ideia de inovar, ser criativo, se dá em um contexto que tende a atender
necessidades capitalistas de produção e consumo. Tais necessidades se
intensificaram após a Revolução Industrial do século XVIII, e na atualidade
reverberam de muitas maneiras, sendo o mundo globalizado caracterizado pelo
consumo. A informação também se torna um produto nesse mundo consumista, a
exemplo dessa página, que ao fornecer um texto (que a priori tem a intenção de
informar), pensa em um público que, ao buscar se apropriar de uma informação
vista como curiosidade científica, acaba por ser “bombardeado” por estratégias de
mercado, de oferta de produtos.
Corroborando com tal visão, Strapazzon e Machado (2012), ao discutirem
sobre os diversos mecanismos do capitalismo moderno, que busca atrair adultos e
até mesmo crianças para a sociedade de consumo, destacam que “com isso o
mercado capitalista utiliza-se de todos os meios de comunicação para chamar a
atenção do consumidor para comprar” (STRAPAZZON; MACHADO, 2012, p. 2) e,
portanto, “diante das fortes desigualdades, o capitalismo se organiza para atingir
seus objetivos, sempre centrados na obtenção de maiores lucros” (STRAPAZZON;
MACHADO, 2012, p. 4). A essa perspectiva, também se enquadra a ideologia tal
qual proposta por Pêcheux, que se baseou nos postulados de Althusser e em seu
recorte epistemológico marxista de uma sociedade dividida em classes, ao dizer

2 A web página sugere como profissionais “criativos” sujeitos dos ramos da arquitetura,
ilustradores, designers, decoradores, estilistas, empreendedores, planejadores, dentre outros.

33
que “o sentido das palavras mudam de acordo com a posiçao na luta de classes
daqueles que a empregam” (GREGOLIN, 2004). Com isso, em um discurso
capitalista, a posiçao-sujeito dos elaboradores do site insere-se na FD que
resguarda os interesses de classes dominantes, autorizadas a falar, disseminando
ideologias e discursos, que se sobrepoem aos das classes menos favorecidas
socialmente, mantendo, assim, os anseios de um sistema hierarquizado, em um
movimento em que “tanto a ideologia, quanto o inconsciente operam ocultando sua
propria existencia, produzindo verdades 'subjetivas' evidentes” (GREGOLIN, 2004).
Apenas pelo título já se começa a ver o silenciamento do sujeito. Afinal,
quem propiciou esse “avanço” científico? E o que se entender por “avanço”? Isso
nos faz lembrar de um discurso muito comum, que remete a uma autoridade,
referente a posição-cientista. Exemplo clássico da Biologia, o conceito de
“Evolução”, advindo das teorias darwinistas, é por muitos, atribuído como um sinal
de “melhoria”, em uma noção de “avanço”. Conforme apontam Montalvão Neto e
Fernandes (2014, p. 3), essa conceituação é errônea, pois: “Não necessariamente
evoluir, no sentido darwinista, significa superioridade. (...) Esse conceito remete-se
a uma melhor adaptação de um organismo frente a um ambiente e suas mudanças
de condições de vida”. Não obstante, discursos científicos, muitas vezes,
reverberam uma noção de “progresso”, de forma a se autoafirmar como um
“discurso de verdade”, próprio da autoridade que este (quer) representa(r)
perante a sociedade. Para tanto, adentramos no texto para pensar mais sobre a
interdiscursividade e as posições do sujeito.
Logo no início da matéria, o site apresenta os seguintes enunciados:

Todo mundo sabe que para gerar uma criança é preciso que um
espermatozóide encontre um óvulo, sendo obrigatória, portanto,
a participação de um homem e de uma mulher no processo. Mas a
ciência está dando um jeitinho nisso e, ao que tudo indica, casais
homoafetivos poderão gerar filhos biológicos em breve. O estudo,
que está sendo desenvolvido pela Universidade de Cambridge, na
Inglaterra, conseguiu criar formas primitivas e artificiais de
células sexuais programáveis usando a pele humana
(RASSMUSSEN, 2015, s.p., grifos nossos).

Vamos primeiro pensar nos sujeitos que estão marcados (ou ausentes) no
discurso. A expressão generalizante “todo mundo sabe” se ausenta de identificar
um sujeito específico e causa um efeito de sentido banalizante, de trivialidade, em
que se acredita partir de uma premissa óbvia para afirmar a veracidade do que se
diz (autoafirmar), ao se referir como uma criança é gerada. Essa ideia é atribuída a
uma lógica “biologizante”, historicamente marcada em uma matriz hierárquica
binária de gênero, em que prevalece um patriarcado que se estabelece como
ideologia dominante e traz uma performatividade de gênero que reverbera efeitos
de uma heteronormatividade preponderante. Não esqueçamos também do cunho
religioso embutido no preceito, onde o binarismo homem/mulher é considerado
como o socialmente certo e aceito. Mas atentamos ao detalhe da posição: ao
enunciar sobre os gametas reprodutores, a autora coloca a frente o masculino por
mera coincidência? Sabe-se que nesse modelo patriarcal quem predomina é a
figura do macho, que se estabelece como “forte” e “viril” frente à imagem da fêmea,
frágil e submissa.
Dialogando com essas questões que atravessam os limites das Ciências

34
Biológicas, Bento (2011) destaca as complexas relações de poder que determinam
as relações de sexualidade e gênero, nos diversos campos sociais. A autora, dessa
forma, sublinha que os padrões binários, ao predominarem socialmente, suprimem
a diversidade existente nas identificações de gênero, e essas relações duais
existentes permeiam não apenas a sexualidade, mas também outras vertentes
sociais. Essa noção aproxima-se do que diz a AD ao evidenciar que, ao se dizer algo,
necessariamente, não se diz outra coisa. Há, então, ao se optar por um discurso, a
negação de outro e, muitas vezes, a exclusão de outros discursos. Butler, citada por
Arán e Peixoto (2007), coloca que, no tocante a sexualidade, desejos e identidades
são negadas justamente porque há uma reiteração da norma sexual, instituída por
uma estrutura social em que os comportamentos considerados como “desvio” de
comportamento são colocados como abjetos.
Em outra passagem, emprega-se um tom de humor quando se diz que “a
ciência está dando um jeitinho nisso”, colocando sob um sujeito que se oculta a
responsabilidade por “revolucionar” e “permitir” que se burle o imposto pelo
biológico e pelo heteronormativo, a qual a sociedade se engendra. Cabe ressaltar
que nesse tom burlesco, corporificado no emprego do termo “jeito” em sua forma
diminutiva, emerge uma heterogeneidade mostrada, mas não marcada, pois a
ironia é o manifesto de vozes que se aliam ao discurso do sujeito que enuncia para,
assim, falar da ciência, ressaltar sua autoridade, através do efeito de sentido que se
cria sobre sua eficácia de sobrepor-se ao improvável.
De forma a corroborar ainda mais o efeito de verdade do que diz, observa-
se a referência à Universidade de Cambridge, ressaltando, não por acaso, sua
localização: Inglaterra. Como se sabe, os países nórdicos historicamente
predominaram econômica, política e ideologicamente nas relações sócio-
históricas, disseminando ideologias de superioridade eurocêntricas, baseadas nas
relações de poder construídas milenarmente, e por isso, autoriza-se a eles o dizer,
não mais apenas por se utilizar de um discurso científico, mas também gênese (o
local) desse discurso, de forma a credibilizar o dizer do sujeito que enuncia.
Em um trecho subsequente, é possível notar a construção de um discurso
marcado por verdades científicas.

Esse princípio de célula foi obtido ao tratar uma célula-tronco em


um ambiente controlado por cerca de uma semana. Essas células
têm o potencial de se desenvolver em espermatozoides e óvulos
maduros e esta seria a primeira vez que algo do tipo é feito em um
laboratório. “Não é impossível transformar essas células em
gametas, mas se algum dia nós poderíamos usá-las, essa é uma
questão para outro momento”, afirmou Azim Surani, responsável
pela pesquisa, ao The Guardian (RASSMUSSEN, 2015, s.p.).

Para se afirmar na posição de sujeito pertencente ao discurso da


divulgação científica, a voz que enuncia detalha os experimentos realizados. Os
enunciados são colocados sem a presença de um sujeito, pois oculta quem diz. A
forma como se diz dá a impressão de que a ciência tem uma existência imanente,
que fala por si, de forma transparente. Além disso, mesmo indicando com
expressões informais que estas células permaneceram em cultura durante o
período de uma semana, não há uma referência mais específica acerca da
temporalidade em que isso ocorreu. Por fim, para validar novamente seu discurso,
evoca-se dessa vez uma voz externa, um interlocutor terceiro narrado, não em um

35
diálogo com o eu, mas descrito, através da interpretação que esse eu faz a respeito
do outro.
Nesse caso, mesmo que se tenha feito uma tradução literal da fala do
cientista a que se reportaram (dado que Azim Surani é um sujeito inscrito em
outro lugar, que tem outras FD's, ideologias e formas de enunciar), os sentidos que
este sujeito quis produzir em sua interlocutora não pode ser garantido (e nem o
seria, mesmo que fossem ambos falantes da mesma língua e/ou pertencentes ao
mesmo local, dado que há diferenças de cada sujeito, efetivadas por suas histórias
de vida, histórias de leitura 3, FD's, ideológicas, etc.). O próprio fato de se tratar de
uma especialista em marketing e divulgadora de notícias, interpretando um sujeito
que se inscreve em outra posição já causa possíveis efeitos de sentidos diversos.
Porém, na questão da fidelidade, que é comumente utilizada nos discursos sobre
tradução, é necessário considerar-se o sujeito tradutor relacionado à sua forma-
sujeito (CALDAS, 2010).
Caldas aponta que, o sujeito que traduz, apesar de existir uma aparente
visão de que este seja consciente e autônomo (que faça uma cópia fiel do discurso
como está no original), é atravessado por uma interdiscursividade intrínseca a sua
formação como sujeito, e que influenciará no modo como traduz. Nessa visão do
autor, é interessante lembrar também que o discurso jornalístico é um discurso
“sobre” e não um discurso “de” e, ao se colocar de maneira exterior ao que se fala,
como se fosse um ser imparcial, o sujeito se coloca como autorizado a formular
juízos de valor, emitir opiniões, que não ocorreriam se houvesse um intrínseco
envolvimento com a questão. Institucionalizam-se sentidos ao se falar “sobre” e
não somente isso.
Outro aspecto interessante está na forma como a linguagem científica é
didatizada, como se fosse uma “língua estrangeira”, pouco compreensível para os
“não-especialistas”, conforme traz Baalbaki (2007), ao trazer concepções sobre a
Divulgação Científica. Nesse tipo de discurso, há um discurso-fonte que é o do
próprio cientista, e este é reformulado para que se torne compreensível para o
leitor ou, em outra perspectiva, podemos dizer que houve um gesto de
interpretação4 por parte do jornalista, que se utiliza de um discurso de outra
ordem, ocorrendo um efeito de ressonância do discurso da ciência em um discurso
popular, do senso comum, realizando deslocamentos para dialogar com um público
distinto e leigo.
Por fim, em um último enunciado do texto, ressaltam-se algumas questões.
Em primeiro lugar, coloca-se em pauta uma ideia de validade científica, que é

3 Cassiani, Giraldi & Linsingen (2012) em estudos sobre a formação do leitor na educação em
ciências, colocam que, ao se ler um texto, que pode se apresentar como escrito, imagético, gestual,
dentre diversas outras formas, há sempre o ato de interpretação, e por isso os sentidos não estão
dados ou fixados. O sujeito ao ler um texto, mobiliza suas histórias de leitura para interpretá-lo.
Nessa circunscrição que apontamos, dado que as histórias de leitura de um cientista e de um
jornalista se alicerçam em campos e gêneros textuais/discursivos diferentes, evidenciam-se
discrepâncias nos modos de interpretar. Dadas as visões de mundo, ao entrar em contato com o
texto, mobiliza-se conceitos e preceitos para a interpretação, que se atrelam a FD's diferentes.
4 Conforme colocado por Baalbaki (2007), o Discurso de Divulgação Científica é encarado de

diversas maneiras, por vários autores, podendo ser considerado como uma atividade de
reformulação de um “discurso-fonte”, no caso, o da ciência, na visão de Authier-Revuz; ou como um
movimento/jogo de interpretação na visão de Grigoletto e Orlandi. Mesmo estas últimas, possuem
discordâncias quanto a alguns aspectos teóricos. Ambas as visões analisam a heterogeneidade no
discurso, porém, enquanto a primeira pensa a nível do enunciado, a segunda o faz em nível
discursivo.

36
atestada pelo método científico. Com isso, em uma concepção que advém da linha
de pensamento de um grupo conhecida como “positivistas lógicos”, uma
“descoberta” científica só se torna válida perante a comunidade acadêmica, se e
somente se, suas hipóteses forem devidamente corroboradas e justificadas pelas
evidências, fatos e dados, que possam ser empiricamente reproduzíveis/testáveis
por meio da experimentação (FRENCH, 2009). Observamos isso no seguinte
enunciado:

Em 2012, cientistas japoneses fizeram um procedimento


semelhante usando ratos de laboratório. A partir de células-
tronco, espermatozóides e óvulos foram criados, sendo
fertilizados e dando origem a filhotes. Por ora, empregar gametas
artificiais a fim de tratar problemas de infertilidade é proibido na
Inglaterra, mas uma mudança na lei poderia incentivar a
continuidade do estudo. O uso de células-tronco, principalmente
quando relacionado à fertilização, levanta uma série de questões
éticas ao mesmo tempo em que abre a ciência para possibilidades
consideradas, até então, improváveis (RASSMUSSEN, 2015, s.p.).

Também identificamos nesse discurso a ideia de uma ciência salvacionista,


mística, que se firma diante da improbabilidade. É o caso do discurso dual que se
usa para as células-tronco. Uma das vertentes se dá na mágica possibilidade de se
superar o improvável, o imposto pela natureza humana, pois na linha de
pensamento positivista a “ciência enfatizava o conhecimento científico como o
supremo ou, em certo sentido, a mais autêntica forma de conhecimento” (FRENCH,
2009, p. 49). Ainda há, em outro extremo, o embate entre ciência e ética, ou mais
precisamente entre os valores morais que circundam a sociedade e constituem
ideologias, e que nas quais se silenciam desejos que não contemplem aqueles da
ordem dominante. Nesse jogo de luta de poderes, a ética e a moral surgem em
formas de leis, relacionadas a um constante vigiar para manutenção de poderes, e
punir quem ouse infligir aspectos da ideologia vigente 5.
Na confluência com a materialidade verbal, as imagens dessa página
também significam, fazendo funcionar o discurso da didatização da ciência. Sem
mencionar novamente a explicitação de um desejo capitalista de consumo nas
imagens propagandísticas presentes na página, que causam diversos efeitos de
sentidos sobre, por exemplo, a moda, o mercado fitness, dentre outras motivações
que emergem da ideologia consumista, atemo-nos em duas principais imagens
ligadas ao texto.

5 De acordo com Gaulia (2013, p. 37), a obra de Foucault, Vigiar e Punir, “faz de um exame dos
mecanismos sociais e teóricos que motivaram mudanças nos sistemas penais ocidentais,
dedicando-se à análise de como o poder, por meio de diversas entidades estatais (hospitais, prisões
e escolas), vigia e pune aqueles que qualifica como criminosos (ou 'injustos agressores')”.

37
Figura 1: Representação do óvulo

Fonte: Rassmussen (2015, s.p.).

Figura 2: Representação do Cientista

Fonte: Rassumussen (2015, s.p).

As imagens constroem estereótipos da ciência. A primeira delas mostra


um óvulo parado, esperando pela fertilização in vitro. Essa imagem remete às que
aparecem nos livros didáticos, por exemplo, quando se retrata o tema sexualidade
humana. Isso nos leva a sentidos da fêmea como um ser passivo que aguarda
obedientemente a fecundação por outro elemento que ocupa uma posição ativa.
Conforme aponta Keller (2006), essa ideia de espermatozoide ativo e óvulo passivo
mudou (para a ciência) apenas nos últimos anos, quando se descobriu que há uma
interatividade efetiva em termos químicos e fisiológicos do óvulo, que são fatores
essenciais para a fecundação.
Na segunda figura, há a representação de uma posição de sujeito inscrita
em uma conjuntura afastada do sujeito comum, pois aquele adquire o status do
cientista como um ser genial, dotado de uma capacidade brilhante, formulando
suas ideias em lampejos de inspiração, em momentos chamados de “eureka”
(FRENCH, 2009). Assim, o leitor da imagem pode afastar o sentido da posição de
sujeito-humano e colocar o cientista em um patamar do divino, aquele que dadas
as suas faculdades mentais extraordinárias, dotadas de uma inspiração inata ao
seu ser, é diferenciado, e, por isso, autorizado a dizer.

Sobre “verdades” que se interpenetram: algumas considerações finais sobre


a educação científica e tecnológica

Preferimos no decorrer de nossas discussões nos ater a um olhar crítico


sobre uma esfera específica de enunciados, mas marcá-los bem quanto a sua sócio-
historicidade. Sabemos que, dado o tamanho do nosso recorte, e por preferirmos

38
aprofundar em determinadas questões e não outras, que não podemos generalizar
predições. Porém, nem as queremos. É notável que, mesmo que nos apropriemos
de exemplos de outros trabalhos, que se propuseram a analisar a divulgação
científica em revistas especializadas, jornais, rádios, televisão… enfim, em vários
tipos de mídia, ocorrem fenômenos muito semelhantes, em termos dos efeitos
discursivos que apontamos6.
A historicidade marca-se em um apagamento ideológico, em que o sujeito
esquece não ser dono de seu dizer, ao mesmo tempo em que assume formas e
posições dentro das FD's diversas que caracterizam os discursos. Mas diante do
exposto, quais seriam as possíveis implicações desse embate entre a mídia, que
divulga das mais diversas formas possíveis conteúdos relativos à ciência (e em
nossas análises evidenciamos diversos tipos de ideologias propagadas e
naturalizadas, mesmo em tão poucos enunciados), e o processo de ensino-
aprendizagem em Ciências/Biologia nas escolas básicas? Lembrar-nos-emos que
os alunos são constantemente bombardeados por informações tão dúbias e não
necessariamente possuem a noção das fragilidades a que estão expostos.
Então resta-nos, para chegar à guisa de um efeito de conclusão, trazer
algumas considerações para emergir, não em respostas, mas em reflexões em
torno dessa problemática. Queremos pensar não apenas em um sujeito que se
assume em formas e posições diante da ciência, mas em seres que se posicionam
enquanto integrantes de uma sociedade que sofre, mais do que com os silêncios
fundantes do discurso, com os silêncios que as opressões preponderantes lhes
causam. Os preceitos bakhtinianos sobre dialogismo corroboraram para olhares
como o de Freire (1987), ao pensar nas várias formas de expressão, bem como nas
dualidades existentes entre opressor versus oprimido. Essa dualidade instaura-se
na comunicação que nem sempre é realizada em um genuíno diálogo. Aqui não
falamos de mera interação comunicativa entre interlocutores, mas de um fazer-se
ouvir e ser ouvido de forma humanizadora.
Diante do exposto, é função daqueles que resistem (dentre eles estão os
educadores) procurarem meios de tentar subverter as ideologias dominantes.
Mesmo que existam instituições aparelhadas, que quiçá não sejam os melhores
modelos de ensino (como é o caso da instituição escola, enquanto instituição
ideológica), é possível criar resistências em meio a faces reprodutoras de uma
hierarquia dominante. Afinal, o assujeitamento, em seus múltiplos sentidos,
necessita ser perpétuo? Claro que as palavras do outro, o já dito, as ideologias
inclusas nas formações de sujeito ideológico, não deixarão de existir. Mas é
necessário pensar criticamente, formando sujeitos que, apesar das condições,
resistam. E não são apenas falamos dos poderes de Estado. Pensamos também em
formas de poder como preconiza Foucault que pensa na legitimação deste não
somente enquanto instância jurídica ou de guerras, mas em distintas e dispersas
relações de poder, que estão disseminadas (MAIA, 1995). Conforme aponta Lander
(2005), corroborando com essa compreensão de poderes disseminados que
alienam massivamente, na lógica capitalista-liberal há uma naturalização e
universalidade da concepção de modelo social, sendo necessário que esta seja
desconstruída, para que possamos nos desvencilhar do mesmo, questionando-se
assim a neutralidade e objetividade dos princípios naturalizantes e legitimadores

6 Recomendamos as leituras de textos como Gregolin (2007), ou mesmo de Grigoletto (2005), que
foram as bases de inspiração para nosso teor de análise. Porém, esses efeitos podem ser vistos
semelhantemente, ao mesmo tempo que em diferentes abordagens, em vários tipos de trabalhos.

39
dos parâmetros predominantes de sociedade.
Dessa forma, queremos pensar na formação do sujeito no Ensino de
Biologia/ Ciências não como mero ser condicionado, aprisionado dentro de vozes
que lhe impõe o pensar/dizer. Queremos que se reflitam meios para a abertura de
possibilidades aos sujeitos, em perspectivas críticas, de forma que este possa
encarar, e quiçá superar, as reverberações disseminadas pelas várias esferas
sociais sobre/de ciência. Seja nas abordagens sistêmicas e formalizadas da escola,
ou naquelas assistemáticas presentes em páginas ou blogs informais, deve-se
possibilitar ao sujeito tomar decisões e ter posturas críticas, frente às ditas
inovações científicas e tecnológicas. Nessa mesma perspectiva, Cassiani, Giraldi e
Linsingen (2012), ao se posicionarem diante dessas questões, defendem que
“quando pensamos o ensino de ciências, consideramos que a própria forma como
olhamos a ciência e tecnologia também é um importante questionamento”
(CASSIANI; GIRALDI; LINSINGEN, 2007, p. 47). Com isso, os autores colocam que a
relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) pode contribuir para repensar
na educação.
Finalizamos nossas discussões com uma última citação para (re)pensar
sobre o ensino de ciências, sendo esta, uma das visões que compartilhamos:

Entendemos que os discursos de ciência e tecnologia veiculados


socialmente não apenas comunicam sobre tais conteúdos, mas
que aquilo que se fala e como se fala da/sobre C & T produz
efeitos de sentidos. Além disso, ressaltamos que os silêncios têm
participação fundamental na produção de sentidos. Nesse sentido,
essas reflexões sobre as questões de linguagem têm nos levado a
trilhar caminhos que permitem olhar para a mesma de forma
menos naturalizada e numa perspectiva que a considere não
somente como um instrumento de comunicação, mas, sim, como
parte integrante da própria construção de compreensões acerca
do contexto histórico-social no qual estamos inseridos. Por meio
dessa abordagem da linguagem, podemos tecer outras formas de
entendimento sobre práticas culturais que interessam à educação,
como é o caso das relações entre ciência e tecnologia e suas
implicações sociais. (CASSIANI; GIRALDI; LINSINGEN, 2007, p. 47)

Não compactuamos com uma visão em que se defende uma imagem de


cientista iluminado e de uma ciência inefável e transformadora, mas sinalizamos
para a premência de pensarmos em sujeitos que concebam as novas descobertas
científicas (como é o caso das células-tronco, clonagem, mapeamento gênico,
transgênicos, dentre outras) de forma crítico-transformadora, permitindo-lhe,
então, entrar em uma genuína relação dialógica com as “verdades” e autoridade
dos discursos científicos. Defendemos que esse sujeito tenha a possibilidade de
tomar decisões e de se manifestar diante de questões políticas e tecnocráticas que
influenciam diretamente sua vida. Isso porque a sociedade não é construída por
fragmentos, mas por uma integração de sujeitos que se compõem na relação do eu
que, apesar de sofrer influências e se constituir com o outro, também pode
influenciar os sujeitos à sua volta.

40
REFERÊNCIAS

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42
COMPORTAMENTO VARIÁVEL DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE 3ª DO PLURAL
E ALGUMAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS

Maria Lidiane de Sousa PEREIRA


Aluiza Alves de ARAÚJO
Brenda Kathellen Melo de ALMEIDA

Introdução

Tema frequentemente discutido no cenário das pesquisas desenvolvidas à


luz da Sociolinguística de linha variacionista, no Brasil, o comportamento variável
da concordância verbal (CV) com a 3ª pessoa do plural (3pp) pode ser apontado
como um dos mais ricos e complexos fenômenos de variação linguística por dois
motivos elementares. Em primeiro lugar, sabemos que é possível encontrar
estudos sociolinguísticos que apontam o fenômeno em tela como uma regra
variável em diversas variedades de fala do Português brasileiro (VIEIRA, 2007;
PEREIRA; ARAÚJO, 2016).
Em segundo lugar, sabemos que a variação na CV com a 3pp aguça, ainda
mais, o interesse de diversos pesquisadores porque a marcação vs. não marcação
formal de CV com a 3pp suscita uma série de questões que ultrapassam os limites
da língua enquanto sistema, convergindo para o âmbito social. Essa constatação
tem apontado que as fronteiras entre língua e sociedade são, de fato,
significativamente estreitas. A esse respeito, é fato conhecido que tanto na fala
como na escrita dos brasileiros, o emprego de marcas formais de CV que, ora são
preservadas (como em: (1) eles não pagam transporte), ora não (como em: (2) eles
tinha mania de eleger presidente da sede)1, supostamente sinaliza a existência de
dois polos ou variedades no PB, denominadas ‘culta’ e ‘popular’ (LUCCHESI, 2015).
Na primeira variedade, são postas as formas que se aproximam do modelo
de língua padronizado, frequentemente associado à linguagem de indivíduos com
ensino superior completo, favorecidos economicamente, em situações formais de
interação comunicativa e que se aproximam do modelo de língua perpetuado nas
gramáticas normativas (FARACO, 2008). Na segunda variedade, por outro lado,
agregam-se as formas que se distanciam do modelo de língua imposto pelas
gramáticas normativas e comumente são atribuídas ao comportamento linguístico
de sujeitos com pouca ou nenhuma escolaridade e menos favorecidos
economicamente (CAMACHO, 2013; LUCCHESI, 2015).
Com isso, é comum a variante sem marcas de CV padrão ser estigmatizada
socialmente. No entanto, argumentamos, juntamente com Weinreich, Labov e
Herzog (2006) e Labov (2006, 2008, 2010) que, do ponto de vista linguístico, não
há nada intrínseco às formas não padronizadas que as classifique como inferiores.
Na verdade, o que há é uma complexa teia de relações sociais nas quais se
evidenciam tensões de poder refletidas nas línguas, pois, como bem nos diz Gnerre
(1985, p. 4, aspas no original), “uma variedade linguística ‘vale’ o que ‘valem’ na
sociedade os seus falantes, isto é, como reflexo do poder e da autoridade que eles
têm nas relações econômicas e sociais”.
Tendo como pano de fundo esse cenário, colocamos em discussão o
1 Todas as ocorrências exemplificadas ao longo deste texto foram extraídas de Pereira (2016).

43
fenômeno de variação na CV com 3pp. Nosso objetivo é analisar o modo como a
variante sem marcas de CV na 3pp, em coocorrência com a variante com marcas
formais de CV, é influenciada tanto por fatores linguísticos como extralinguísticos.
No âmbito dos condicionadores internos ao sistema, discutimos a atuação da
saliência fônica, já para a observação dos fatores externos, enfocamos a atuação da
escolaridade.
Para tanto, nos valemos dos postulados teóricos da Sociolinguística
variacionista e retomamos os resultados da pesquisa de Pereira (2016) 2 realizada
com base em dados de linguagem falada por informantes do Projeto Norma Oral do
Português Popular de Fortaleza (NORPOFOR). A partir dos resultados obtidos por
Pereira (2016), refletimos sobre o comportamento variável da CV com a 3pp com
base em uma variedade de fala especifica, isto é, o falar de Fortaleza, e colocamos
em pauta algumas implicações pedagógicas que envolvem a variação na CV com a
3pp.
Este texto está dividido em três partes, além desta introdução. Assim, na
seção denominada Sociolinguística e a heterogeneidade linguística, tratamos alguns
dos principais pontos que caracterizam a sociolinguística enquanto campo de
estudo, com ênfase na noção de língua enquanto fenômeno heterogêneo defendido
por estudiosos vinculados a essa área do conhecimento, bem como o encaixamento
da variação na CV com a 3pp no português brasileiro. Na seção Variação na CV de
3pp e algumas implicações pedagógicas, discutimos a influência de uma variável
linguística (saliência fônica) e extralinguística (escolaridade) sobre o
comportamento variável da CV na 3pp a partir de dados extraídos da pesquisa de
Pereira (2016) e refletimos sobre algumas implicações pedagógicas que cercam o
fenômeno de variação em tela. Por último, tecemos algumas Considerações finais.

Sociolinguística e a heterogeneidade linguística

Tradicionalmente, assumimos que a Sociolinguística variacionista,


enquanto campo do conhecimento, surgiu em meados da década de 1960, mais
precisamente, no ano de 1964, quando o linguista americano William Bright
organizou um congresso na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA)
(CALVET, 2002; CAMACHO, 2012). No referido evento, reuniram-se diversos
pesquisadores que ao longo, principalmente, do século passado desenvolveram
significativos estudos e se tornaram algumas das figuras mais representativas da
área. Dentre outros, merecem destaque John Gumperz, Einar Haugen, Paul
Friedrich, Dell Hymes, John Fischer e William Labov, em especial este último tido
como o grande responsável por delinear com precisão o objeto e os métodos da
Sociolinguística variacionista. Assim como Labov (2006, 2008), os demais
estudiosos presentes no congresso organizado por Bright (1966) apresentaram
uma série de novas propostas para o estudo das línguas naturais.
No cerne de suas ideias, esses pesquisadores defendiam a observação
sistemática das relações entre língua e sociedade (BRIGHT, 1966; ALKMIM, 2012).

2Trata-se de uma dissertação de mestrado defendida pela autora deste capítulo e sob orientação da
professora Drª Aluiza Alves de Araújo, pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada
(PosLA) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). A referida dissertação está inserida no Projeto
Retratos sociolinguísticos de aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos do falar de Fortaleza –
CE e pode ser conferida, na íntegra, através do seguinte endereço eletrônico:
http://www.uece.br/posla/index.php/dissertacoes/288-2016.

44
Essa abordagem assinalava, antes de qualquer coisa, uma oposição ao já
consagrado modo de fazer linguística em outras áreas como o Estruturalismo
(SAUSSURE, 2012) e o Gerativismo (CHOMSKY, 1957, 1965) e, ao mesmo tempo,
marcava uma nova maneira de olhar para as línguas naturais. Afinal, em oposição
ao Estruturalismo e Gerativismo, Labov (2006, 2008) compreende a língua como
um fenômeno essencialmente heterogêneo, mutável e que torna possível toda e
qualquer situação de interação comunicativa entre os sujeitos por meio da
linguagem verbal.
Essa concepção de língua, que está na base do pensamento
sociolinguístico, abriu espaço para a observação de uma série de fenômenos
resultantes da heterogeneidade linguística, vista não mais como um fator
secundário, mas sim como uma das mais marcantes propriedades das línguas
naturais, pois na compreensão de Labov (2008, p. 238):

A existência de variação e de estruturas heterogêneas nas


comunidades de fala investigadas está certamente bem
fundamentada nos fatos. É a existência de qualquer outro tipo de
comunidade de fala que deve ser posta em dúvida [...]. Mas nos
últimos anos fomos obrigados a reconhecer que essa é que é a
situação normal – a heterogeneidade não é apenas comum, ela é o
resultado natural de fatores linguísticos fundamentais.
Argumentamos que a ausência de alternância estilística e de
sistemas comunicativos multiestratificados é que seria
disfuncional.

Partindo da noção de língua enquanto fenômeno heterogêneo, Labov


(2008) toma a língua em uso como objeto de estudo e propõe a observação
minuciosa dos inúmeros fenômenos de variação, fruto da heterogeneidade
sistemática e que emergem da língua em uso. Nesse cenário, dizer que as línguas
variam implica reconhecer, antes de tudo, a existência de formas distintas que se
equivalem semanticamente, isto é, que possuem o mesmo valor referencial, são as
chamadas ‘variantes linguísticas’ que compõem uma regra variável (WEINREICH;
LABOV; HERZOG, 2006; LABOV, 2006, 2008, 2010).
De maneira mais precisa, Weinreich, Labov e Herzog (2006, p.97, aspas no
original) explicam que a língua comporta não apenas regras categóricas — que não
permitem variação — mas também, e certamente em maior número, regras
variáveis com suas formas variantes, as quais “oferecem meios alternativos de
dizer a “mesma coisa”: ou seja, para cada enunciado em A existe um enunciado em
B que oferece a mesma informação referencial [...] e não pode ser diferenciado
exceto em termos da significação global que marca o uso de B em contraste com A”.
Além disso, Weinreich, Labov e Hezorg (2006) explicam que as formas
variantes coexistentes estão disponíveis para todos os falantes e podem ser
produzidas por todos os integrantes de uma determinada comunidade de fala —
salvo os casos em que há algum problema cognitivo por parte do usuário da língua.
Contudo, tendo em vista que, socialmente falando, os sujeitos são estratificados,
Weinreich, Labov e Hezorg (2006) compreendem que, em função de restrições
sociais, alguns falantes tendem a não fazer uso, ou usar em menor proporção que
outros sujeitos, determinadas formas variantes. No entanto, esse fato não implica
dizer que esses falantes não são capazes de compreender os significados das

45
variantes linguísticas, bem como os propósitos de seu uso por parte dos locutores.
Sendo assim, os falantes são capazes de dizer se o uso de determinada variante
está (ou não) adequado à determinada situação de interação comunicativa; aos
propósitos do locutor; às identidades do locutor e interlocutor etc.
Em consonância com esses postulados, vale lembrar que as pesquisas
realizadas nos moldes da Sociolinguística variacionista têm evidenciado que as
formas variantes não estão restritas a um único âmbito da língua. Ou seja, sabemos
que é possível encontrar formas variantes coexistindo nos mais diferentes níveis
da língua: vocabulário, fonético-fonológico, morfossintático e pragmático-
discursivo (MOLLICA, 2012). Para exemplificar a noção de variantes linguísticas,
no nível morfossintático, com a qual operamos na perspectiva variacionista,
observemos os excertos 3 e 4:

(3) Eles viviam pelando minha cabeça (NORPOFOR, Inq. 06).


(4) Eles vive direitinho aí... (NORPOFOR, Inq. 06) 3.

Nos excertos (3) e (4), verificamos ocorrências de construções com e sem


marcas formais de CV na 3pp, respectivamente. Com base na ideia de variante
linguística, postulada por Weinreich, Labov e Herzog (2006) e Labov (2008),
sabemos que a alternância entre as formas com e sem marcas formais de CV na
3pp não significa dizer que passamos a usar um mecanismo linguístico diferente.
Na verdade, temos o mesmo mecanismo sendo realizado de modos diferentes, já
que a alternância entre as variantes que assinalam o comportamento variável da
CV na 3pp, por exemplo, não implica mudança de significado.
Essa afirmação, contudo, é válida para o âmbito estritamente linguístico,
pois, do ponto de vista sociolinguístico, a alternância entre a variante com marcas
formais de CV vs. a variante sem marcas formais de CV na 3pp acarreta significados
ou valores sociais diferentes. Sobre esse ponto, ressaltamos que o ‘significado
social das variantes linguísticas’ figura como uma questão pela qual a perspectiva
variacionista se interessa desde os primeiros trabalhos realizados por Labov
(1966, 1969).
Dentre as muitas questões suscitadas a partir do valor social das formas
em competição, sabemos que o prestígio ou estigma atribuído a determinadas
variantes por uma comunidade de fala específica pode acelerar ou barrar uma
mudança linguística, por exemplo (LABOV, 2006, 2008).
No que concerne à variação na CV com a 3pp, a questão que se coloca no
português brasileiro é que, conforme já sinalizamos, a variante sem marcação
formal de CV na 3pp é uma forma estigmatizada socialmente. Assim, o uso dessa
variante pode e geralmente acarreta julgamentos depreciativos, postura que
caracteriza o chamado ‘preconceito linguístico’4. Por outro lado, a variante com
marcação formal de CV na 3pp é avaliada, “ao menos em meios urbanos e letrados

3 NORPOFOR, Diálogo entre Informante e Documentador (DID. 06): informante do sexo feminino,
60 anos de idade, 0-4 anos de escolaridade.
4 Ainda que seja chamado de ‘preconceito linguístico’, esse fenômeno marca essencialmente um

preconceito social que busca nas diferenças linguísticas algum tipo de sustentação. Afinal, conforme
argumentamos, não existe nada na língua capaz de eleger uma forma variante como superior ou
inferior a outra (LABOV, 2008; CALVET, 2002). Essa eleição é feita exclusivamente com base no
prestígio social que possuem os sujeitos situados em classes sociais favorecidas e que
supostamente usam determinadas formas linguísticas ao invés de outras.

46
de forma absolutamente positiva” (VIEIRA; BRANDÃO; GOMES, 2015, p. 104).
O ponto de partida para a atribuição de valores negativos à variante sem
marcas formais de CV na 3pp reside no fato de que essa forma não condiz com o
modelo de língua conservado pelas gramáticas normativas e amplamente
difundido por grande parte dos veículos de comunicação e preservado pela
educação formal (SCHERRE, 2005; LUCCHESI, 2015). Dado o prestígio que o
modelo de língua apregoado pelos bancos escolares em consonância com os meios
de comunicação disfruta, não surpreende, portanto, perceber que as formas
linguísticas que escapam aos padrões impostos por esses condutores são avaliadas
de modo negativo.
De igual maneira, não é difícil concluir, dado o reconhecimento da
sistematicidade da variação linguística, bem como a legitimidade das variantes
linguísticas, que toda e qualquer atribuição de valores positivos ou negativos a
determinadas formas é feita sem respaldo científico. Na verdade, o que distingue
os valores conferidos a uma ou outra forma variante é sua relação ou não com a
valoração do status social atribuído aos falantes que usam (ou que imaginamos que
usam) determinadas formas variantes.
Segue daí que aos falantes situados em uma escala social economicamente
favorecida, geralmente com amplo acesso aos bancos escolares e a outros bens
culturais prestigiados, são correlacionadas às variantes prestigiadas (caso da
marcação formal de CV com a 3pp). Em sentido oposto, as variantes
desprestigiadas (como, por exemplo, a variante sem marcas formais de CV na 3pp)
são cotejadas em relação ao suposto comportamento linguístico de falantes
posicionados em escalas sociais economicamente desfavorecidas (LUCCHESI,
2015). Essas assertivas indicam que a classificação de uma determinada variante
linguística em ‘melhor’ ou ‘pior’ é feita com base em critérios, exclusivamente,
sociais, isto é, externos à língua (BAGNO, 1999, 2013; CALVET, 2002; SCHERRE,
2005; LABOV, 2008; LUCCHESI, 2015).
No tocante à realização das variantes linguísticas, é essencial pontuar que
o uso de tais formas não acontece de modo aleatório. Na verdade, ao postular a
existência de variantes linguísticas ‘competindo’ entre si, Weinreich, Labov e
Herzog (2006) e Labov (2008) defendem que toda forma variante é influenciada
por uma série de fatores linguísticos, ou internos, bem como por fatores externos
ao sistema que podem ser de ordem social ou estilística. Ou seja, para Labov
(2008), a existência de formas variantes em toda e qualquer língua natural só pode
ser explicada por meio da correlação entre tais variantes e fatores linguísticos e
extralinguísticos, tal como procuramos mostrar na seção seguinte, ao abordar o
comportamento variável da CV na 3pp, com base na pesquisa de Pereira (2016).

Variação na CV de 3pp e algumas implicações pedagógicas

Para estudar a variação na CV com a 3pp à luz da Sociolinguística


variacionista, selecionamos em Pereira (2016), uma amostra de linguagem falada
composta por 72 informantes do Projeto NORPOFOR. Em linhas gerais, o
NORPOFOR, foi desenvolvido entre os anos de 2003 e 2006, com o propósito de
“armazenar e disponibilizar material linguístico representativo do falar popular
dos fortalezenses” (ARAÚJO, 2007, p. 52). Hoje, o NORPOFOR pode ser apontado
como o banco de dados sobre o falar popular de Fortaleza mais atual do qual
dispomos (ARAÚJO; VIANA; PEREIRA, 2018). Com base nos postulados

47
sociolinguísticos, o referido corpus conta com uma significativa quantidade de
informantes, 197 ao todo, estratificados segundo o Sexo (homens e mulheres), a
Faixa etária (I: 15-25; II: 26-49 e III: 50 anos em diante), a Escolaridade (I: 0-4
anos; II: 5-8 anos e III: 9-11 anos) e o Tipo de inquérito (Diálogo entre Informante e
Documentador (DID), Diálogo entre 2 informantes (D2) e Elocução Formal (EF)).
Ainda que tenhamos selecionado informantes estratificados em sexo, faixa
etária e escolaridade nos moldes do NORPOFOR, optamos por trabalhar apenas
com inquéritos do tipo DID. A esse respeito, destacamos que os DID figuram como
inquéritos nos quais temos a interação entre informante e um documentador.
Evidentemente, consideramos apenas os casos de variação na CV de 3pp presentes
na fala dos informantes. Além disso, é importante dizer que, haja vista a presença
do informante, assumimos que os DID apresentam um grau intermediário de
formalidade, já que a presença de um indivíduo estranho, com quem o entrevistado
não estabelece nenhum tipo de laço sócio afetivo pode gerar algum tipo de
monitoramento maior do entrevistado em ralação à sua fala (LABOV, 2008;
ARAÚJO, 2011).
Ao todo, foram computadas 3.489 ocorrências de variação na CV com a
3pp. Esses dados foram devidamente submetidos à análise estatística com o auxílio
do programa computacional Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH,
2005). Com isso, verificamos que 65,4% (2.283) das ocorrências apresentam a
marcação formal de CV na 3pp, enquanto 34,6% (1.206) dos casos correspondem a
não marcação de CV. Sobre os percentuais de uso obtidos para as variantes em
foco, é importante mencionar que a amostra de fala com a qual trabalhamos em
Pereira (2016) é representativa do falar tido como popular, fato que poderia elevar
o percentual de uso da variante sem marcas formais de CV na 3pp, conforme
mostram outros estudos sociolinguísticos (MONTE, 2007; ARAUJO, 2014;
LUCCHESI, 2015).
Por outro lado, não podemos esquecer que usamos uma amostra de fala
composta por informantes situados em uma das maiores metrópoles brasileiras.
Além disso, os dados computados estão inseridos no contexto dos DID os quais,
conforme dissemos anteriormente, apresentam certo grau de formalidade.
Somados, esses pontos podem ter, portanto, contribuído para diminuir o
percentual de uso da variante sem marcas formais de CV na 3pp.
Além das percentagens para as variantes em estudo, o Goldvarb X também
apontou, dentre os grupos de fatores linguísticos e extralinguísticos controlados
em Pereira (2016), aqueles que interferem no comportamento variável da CV na
3pp. Dentre os linguísticos, o programa apontou o grupo da saliência fônica como o
mais pertinente. Os resultados obtidos para todos os fatores que compõem a
variável saliência fônica estão distribuídos na Tabela 1:

Tabela 1 - Atuação da variável saliência fônica sobre a variação na CV com a 3pp


Nível 1: Posição não acentuada Apl/Total % PR
a. Não envolve mudança na qualidade da vogal na forma 165/201 45,1% 0.674
plural
b. Envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural 699/1398 50,0% 0.734
c. Envolve acréscimo de segmentos na forma plural 123/184 66,8% 0.832
Nível 2: Posição acentuada
a. Envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma 71/756 9,4% 0.162
plural
b. Envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas 78/242 32,2% 0.534

48
na forma plural
c. Envolve acréscimos de segmentos e mudanças diversas na 70/543 13,9% 0.194
forma plural
Fonte: Pereira (2016, p. 111).

Os dados da Tabela 1 mostram que as formas menos salientes, distribuídas


no nível 1 (posição não acentuada), favorecem a realização da variante sem marcas
formais de CV, ao contrário dos fatores ‘a’ e ‘c’ do nível 2 (posição acentuada).
Afinal, no segundo nível, vemos que apenas as formas que envolvem acréscimo de
segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural beneficiam, ainda que
discretamente, a variante sem marcas formais de CV na 3pp.
Para que possamos compreender melhor a atuação da saliência fônica
sobre o comportamento variável da CV na 3pp, na amostra de Pereira (2016),
apresentamos nas ocorrências (5), (6) e (7) contextos que correspondem aos
níveis 1a, 1b e 1c, respectivamente. Ou seja, destacamos os contextos que
beneficiam o uso da variante sem marcas formais de CV, na variável saliência
fônica:

(5) não sei dizer o que o eles sabe (NORPOFOR, Inq. 06).
(6) as menina ajuda... (NORPOFOR, In. 06).
(7) aí eles diz assim (NORPOFOR, Inq. 10).

Ao contrário das formas menos salientes, os dados da Tabela 1 indicam


também que as formas verbais mais salientes não favorecem o uso da variante sem
marcas formais de CV na 3pp. No entanto, o fator do nível 2b (envolve acréscimo
de segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural) se mostrou favorável ao
uso da regra em estudo. Ou seja, o nível 2b foi o único situado entre as formas mais
salientes que favoreceu, ainda que discretamente, o uso da variante sem marcas
formais de CV na 3pp. Desse modo, construções como em (8): e elas foram até o
mercado – ainda que situadas no nível das formas mais salientes – se mostraram
favoráveis ao uso da variante sem marcas de CV.
Como uma das explicações para o fato de que as formas verbais menos
salientes – que apresentam diferenças mais sutis entre o singular e plural das
formas verbais – favorecem o uso da variante sem marcas de CV com a 3pp,
entende-se que, por serem menos perceptíveis, essas formas tendem a beneficiar a
não marcação formal de CV na 3pp (SCHERRE, 1989). Em contrapartida, as formas
mais salientes são justamente aquelas mais perceptíveis pelos falantes. Desse
modo, sabe-se que quanto maior o grau de percepção da diferença entre singular e
plural das formas verbais por parte dos falantes, maiores as chances de elas serem
marcadas formalmente (NARO, 1981; ANJOS, 1999; MONGUILHOTT, 2009).
Tendo discutido a atuação da variável saliência fônica sobre a realização
da variante sem marcas formais de CV na 3pp, vale tratar a influência da
escolaridade sobre a regra em estudo. Para isso, vejamos os dados alocados na
Tabela 2:

49
Tabela 2 - Atuação da variável escolaridade sobre a ausência de CV
Escolaridade Apl/Total % PR
0-4 anos 523/1.096 47,7% 0.694
5-8 anos 381/1.020 37,4% 0.525
9-11 anos 302/1.373 22,0% 0.326
Fonte: Pereira (2016, p. 113)

Os dados da Tabela 2 indicam que na amostra de fala analisada em Pereira


(2016), os falantes com 0-4 anos de escolaridade favorecem o uso da variante sem
marcação formal de CV na 3pp. Vemos também que os falantes com 5-8 anos
beneficiam, ainda que discretamente, o uso dessa mesma forma variante. Por outro
lado, constatamos que os informantes com 9-11 anos de escolaridade inibem a
realização da variante sem marcas formais de CV na 3pp. Ou seja, os resultados das
análises empíricas realizadas em Pereira (2016) mostram que os falantes com
pouca ou nenhuma escolaridade são aliados da não marcação formal de CV na 3pp.
As descobertas feitas em Pereira (2016) acerca da atuação da escolaridade
sobre a variação na CV com a 3pp concordam com o que diferentes estudos de
linha variacionista vêm mostrando, isto é, quanto mais alto o nível de escolaridade
do informante, mais marcas de CV tendem a aparecer em sua fala. Por outro lado,
quanto menor o grau de escolarização possuir determinados sujeitos, maiores as
chances de eles não fazerem o emprego de marcas formais de CV (CARDOSO;
CABUCCI, 2014).
Dentre as muitas explicações para esse fato, é importante dizer que a
variante sem marcas formais de CV é coibida pela tradição escolar, pois, conforme
já mencionamos, essa forma variante não condiz com o modelo de língua
perpetuado nas escolas, por meio das gramáticas normativas. O mesmo, contudo,
não ocorre com a variante com marcação formal de CV na 3pp. Afinal, é essa a
variante adotada como modelo a ser seguido nas aulas de Língua Portuguesa.
Desse modo, cabe supor que quanto menos tempo os falantes passarem na escola,
menores as chances de eles fazerem uso do modelo de língua difundido nos
grandes bancos escolares. Com isso, não estamos querendo dizer que:

[...] os falantes menos escolarizados não usem as formas


padronizadas como prevê a gramática, mas certamente as utilizam
com menor frequência que os falantes mais escolarizados.
Também não quer dizer que os mais escolarizados falam a
concordância em 100% das interações (CARDOSO; CABUCCI,
2014, p. 95).

Haja vista as questões que tratamos até aqui, é possível depreender, pelo
menos, duas questões que têm implicações diretas no trabalho com a CV no âmbito
do ensino de língua materna. A primeira dessas implicações diz respeito ao fato de
que, por meio do funcionamento da variação na CV com a 3pp, constatamos a
heterogeneidade própria da língua portuguesa, bem como de toda e qualquer
língua natural, tal como propõe a Sociolinguística.
Em segundo, vemos que essa variação é sistemática, pois, conforme
mostramos nos dados extraídos da pesquisa de Pereira (2016), as variantes com e
sem marcas formais de CV na 3pp são devidamente condicionadas por fatores
internos e externos ao sistema. Dentre os primeiros, destacamos a atuação da

50
saliência fônica. Já no âmbito dos fatores sociais, vimos que a escolaridade é de
grande valia para a compreensão da variação na CV com a 3pp, na linguagem real,
falada pelos fortalezenses.
Naturalmente, o caráter variável da CV na 3pp se estende a diferentes
variedades de fala do Português brasileiro, pois, conforme sinalizamos logo de
início, temos conhecimento de diferentes trabalhos sociolinguísticos sobre o
fenômeno em diversas localidades do país. Isso nos leva a assumir que a variação
na CV com a 3pp pode ser mais bem compreendida se levarmos em conta fatores
linguísticos e fatores sociais que mais bem compreendem diferenças na identidade
social dos falantes do que mesmo diferenças geográficas.
Em nossa compreensão, essas questões, por si só, sinalizam o quão
importante pode ser a abordagem da variação na CV com a 3pp. Assim, estaremos
promovendo o trabalho com uma visão de língua não apenas mais aberta ao
reconhecimento e compreensão das diferenças linguísticas em sala de aula, mas
também com uma visão de língua que está mais próxima da realidade de toda e
qualquer língua natural. Além disso, concordamos com Bagno (2007) quando diz
que, mesmo tendo o trabalho formal com a língua materna avançado no que tange
o tratamento da variação linguística em sala de aula, essa abordagem muitas vezes
está restrita ao reconhecimento de fenômeno variáveis situados no léxico e
marcados por diferenças diatópicas.
De igual modo, Bagno (2007) aponta a necessidade de abrir espaço para o
tratamento de fenômenos variáveis marcados socialmente, como é o caso da
variação na CV com a 3pp. Afinal, a queda de marcas de concordância é um
fenômeno que escapa às regras prescritas pelas gramáticas tradicionais, tornando-
se um ponto problemático para o ensino formal da língua materna, visto que “é um
dos tópicos gramaticais que os professores de Língua Portuguesa, de um modo
geral, mais se empenham em corrigir nos seus alunos” (MONTE, 2007, p. 13).
Diante disso, acreditamos que promover, entre professores e alunos, a
descrição dos fatores linguísticos e sociais que interferem – no uso real que
fazemos de nossa língua – é de suma importância não apenas para a compreensão
do funcionamento das variantes linguísticas, mas também para a quebra do
preconceito linguístico que geralmente sofrem os falantes que fazem uso da
variante sem marcas de CV na 3pp. A questão que se coloca é o reconhecimento da
sistematicidade dessa forma variante marcada pela influência de fatores internos e
externos à língua.
Com isso, estamos mostrando – por meio de dados empíricos – que a
variante sem marcas formais de CV na 3pp não acontece de modo aleatório,
tampouco é fruto de alguma deficiência linguística. Na verdade, essa variante é
fruto da heterogeneidade linguística sistemática presente, conforme sustentando,
em toda e qualquer língua natural. Essa perspectiva, de fato, nos parece bastante
frutífera para a quebra do preconceito linguístico que, por sua vez, “deve ser
enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação
para o respeito à diferença” (BRASIL, 1997, p. 26).
Com isso, não estamos querendo dizer, em instância alguma, que a escola
não deve trabalhar com variedades linguísticas mais prestigiadas socialmente.
Muito pelo contrário, sabemos que ter acesso a tais variedades é um direito
inalienável dos nossos alunos e que deve ser promovido pela escola (WEINREICH;
LABOV; HERZOG, 2006; BAGNO, 2007; LABOV, 2008). Para tanto, é preciso
proporcionar aos discentes o contato com o maior número de situações ou gêneros

51
textuais que os levem a perceber os diferentes usos da língua, tanto na modalidade
falada quanto escrita da língua. Trata-se, portanto, da adoção de um ensino
‘produtivo’ e não ‘prescritivo’ (TRAVAGLIA, 2009).
Assim, por exemplo, cabe levar os discentes a compreenderem que, em
situações de interação comunicativa com alto grau de formalidade, é importante
fazer uso de formas linguísticas mais prestigiadas socialmente. Todavia, variantes
com menor prestígio social – como a variante sem marcas formais de CV na 3pp –
podem e costumam ser empregadas em situações de interação comunicativa nas
quais predomina um alto nível de informalidade (CARDOSO; CABUCCI, 2014, p.
95).

Considerações Finais

A partir do reconhecimento da língua enquanto fenômeno essencialmente


heterogêneo, podemos verificar diversos fenômenos variáveis nos mais diferentes
níveis linguísticos. Ao longo deste capítulo, abordamos de modo mais preciso o
comportamento variável da CV na 3pp. Nosso intuito maior foi observar, a partir
de dados extraídos de Pereira (2016), como fatores linguísticos (saliência fônica) e
sociais (escolaridade) condicionam o uso da variante sem marcas de CV na 3pp.
Com isso, vimos que o uso da variante em foco, ainda que seja
estigmatizada socialmente, não ocorre de modo aleatório, tampouco é fruto de
algum tipo de deficiência verbal por parte do falante. Na verdade, constatamos que
essa variante está devidamente encaixada tanto linguística como socialmente no
falar brasileiro, mais especificamente na variedade popular de Fortaleza.
De igual maneira, sinalizamos, ainda que muito brevemente, algumas
implicações pedagógicas acerca da variação na CV com a 3pp. Nesse âmbito,
discutimos a relevância de promover discussões em sala de aula acerca do
comportamento variável de diferentes fenômenos de variação, em nosso caso
específico, a CV na 3pp.
Desse modo, estaremos promovendo, dentre outras coisas, a compreensão
por parte dos professores e alunos da realidade heterogênea do Português
brasileiro. Ademais, provemos, assim, a reflexão acerca dos valores sociais
atribuídos às formas variantes, a partir do emprego real dessas formas nas mais
diversas situações de interação comunicativa. Sobre esse último aspecto, nunca é
demais lembrar que os valores sociais atribuídos a uma ou outra forma variante
não são fruto de características próprias às formas em competição, mas sim em
função de valores simbólicos – sem nenhum respaldo científico – atribuídos as
variantes no interior das sociedades.
Evidentemente, além das questões que levantamos ao longo deste texto,
muitas outras poderiam ser abordadas acerca do comportamento variável da CV
na 3pp e seus inúmeros reflexos no trabalho com a língua materna em sala de aula.
Assim, seria possível, por exemplo, apresentar questões mais concretas – como a
elaboração de atividades – para o tratamento da variação na CV com a 3pp.
Todavia, como não pretendemos, tampouco seria possível esgotar as
possibilidades de abordagem do fenômeno em discussão, no espaço deste capítulo,
guardamos as propostas para a elaboração de atividades com a variação na CV de
3pp no âmbito pedagógico para trabalhos futuros.

52
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56
ESPANHOL COMO LE NOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DO ENSINO MÉDIO
INTEGRADO DO IF SERTÃO-PE: UMA ANÁLISE DISCURSIVA

Kélvya Freitas ABREU


Maria do Socorro Maia Fernandes BARBOSA

Introdução

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, BRASIL, 1996)


em seu artigo 35 sinaliza que uma das finalidades educacionais destinada ao
ensino médio está associada à formação humana e ética, na busca para que o
educando possa desenvolver a autonomia intelectual e o pensamento crítico.
Assim, o presente estudo objetiva analisar os projetos pedagógicos de curso
(PPC’s) de três cursos de nível médio integrado do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano, Campus Salgueiro, mais
especificamente, em uma disciplina da área de linguagens, a saber: a Língua
Espanhola.
O escopo traçado é no intuito de compreender as relações postas em uma
Lei que incentiva a formação discursiva do discente (LDBEN) e a proposição dada
aos docentes por meio de um documento institucional, no caso, o PPC’s dos cursos
de Agropecuária, Edificações e Informática. Ou seja, buscou-se nos PPC’s saber a
orientação dada à prática educacional da Língua Espanhola como língua
estrangeira (ELE) para fomento à formação crítica e cidadã, associado ainda ao
processo de alteridade como reflexão para aprendizagem, sobretudo cultural desse
idioma. Questiona-se isso, uma vez que em documentos posteriores a LDBEN
(Parâmetros Curriculares Nacionais, PCN, 1998; Orientações Curriculares do
Ensino Médio, OCEM, 2006) e até mesmo através das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica (BRASIL, 2013) em seu eixo específico para a
Educação Profissional Técnica de Nível Médio há o incentivo para que as práticas
no contexto escolar sejam situadas, visando uma reflexão na e pela linguagem,
problematizando ações e relações sociais, históricas, culturais e políticas.
Transformando, assim, os vínculos postos entre o ensinar e aprender uma língua,
de tal forma que se concebe para este estudo o que propõem Oliveira et al. (2018,
p. 224):

[...] partimos da compreensão de que essas relações construídas


por meio das práticas interativas não são neutras, mas sim
permeadas de intencionalidades e relações de poder (DIJK, 2008)
e é no espaço educacional que por meio de uma educação
linguística que envolva não somente a aquisição de
conhecimentos metalinguísticos, mas sim uma reflexão sobre os
usos sociais da linguagem quer seja por meio da leitura ou da
escrita, quer seja por meio de atividades que envolvam
habilidades orais e auditivas, que o sujeito se transforma em
sujeito engajado discursivamente.

Dessa forma, aliados a essa perspectiva, tomou-se ainda para a análise dos
dados, os estudos do letramento, em sua abordagem crítica e da pedagogia dos
57
multiletramentos (CASSANY, 2006; KLEIMAN, 2005; ROJO, 1998, 2009), e, seguiu-
se uma proposta de base dialógica do discurso (BAKHTIN, 2000; VOLOCHÍNOV,
2013), por conceber a linguagem sob o viés de sua historicidade ao ganhar o
caráter ideológico e social em suas práticas.

Reflexões sobre o currículo, o ensino de espanhol como LE e o engajamento


discursivo: (re) conhecendo o cenário em foco

As sugestões governamentais (por meio de leis, orientações,


determinações, diretrizes ou outros mecanismos de efeitos na educação básica
como um todo) propostas no decorrer de um pouco mais de vinte anos vêm
conduzindo ou tentando modificar determinadas posturas tradicionais de ensino,
no caso mais específico tomado para esta investigação, o de línguas. Para Abreu
(2011), as mudanças significativas estão, sobretudo em potencializar o papel do
ensino de línguas como elo para a formação cidadã 1 do sujeito por meio de práticas
de linguagem, por meio de uma educação linguística. O lugar não é de centrar o
processo de ensino e de aprendizagem em tão somente na aquisição do linguístico,
mas sim potencializar como o linguístico se relaciona com o seu contexto de
circulação, produção e recepção.
Nesta linha de raciocínio, a cultura de um povo, e a do próprio alunado, é
colocada em destaque em um processo de alteridade, de reconhecimento e de
respeito nas relações para com o OUTRO. Segundo as OCEM, em capítulo específico
e destinado ao Espanhol como LE2, essa seria a lógica natural em um processo
educacional, o “[...] processo educativo global desses estudantes, expondo-os à
alteridade, à diversidade, à heterogeneidade, caminho fértil para a construção da
sua identidade” (idem, 2006, p. 129).
Logo, para Abreu et al. (2014):

[...] ao enfatizar a formação sob uma vertente crítica, surgiu e


surge a necessidade de rever as maneiras possíveis de se formar
sujeitos, visto que a forma tradicional de ensino ou visão bancária
desse ensino, conforme Freire (1989), centralizava e centraliza o
foco na memorização de conteúdos, pautando-se que quanto
maior for a aquisição de informações será possível formar o
sujeito. Sujeito esse que é moldado por uma individualidade e
obediência a figura do professor como o único detentor do
conhecimento. É nesse sentido que se espera romper com tal
formação, já que o método tradicional se configura como um
modelo educacional insuficiente na demanda de um sujeito crítico
e engajado discursivamente na sociedade. Por isso que na área de
linguagens, não diferentemente, espera-se uma formação que
exija do indivíduo, não apenas a capacidade de memorizar regras

1 Assim como Abreu propõe, compreende-se para este trabalho o seguinte conceito: “Entende-se
como formação cidadã um conjunto de ações possibilitadas no ambiente educacional: o acesso ao
conhecimento; a constituição do sujeito (valores e atitudes); o agir e o posicionar-se no mundo de
forma consciente e crítica; o contato com outras formas de interação através da linguagem; a
oportunidade de debater e de compreender as desigualdades, relações de poder, na sociedade
como um todo; entre outros” (2011, p. 23).
2 Não se tem pretensão, neste estudo, polemizar a retirada da oferta obrigatória do espanhol dos

direcionamentos para a educação básica, estando somente agora como uma disciplina optativa. Em
outros trabalhos aprofundar-se-á e ampliar-se-á o tema.

58
ou decodificar a língua, mas sim a competência de interagir
conscientemente na sociedade, por meio da e para linguagem
(BENVENUTO; ABREU, 2013), fazendo com que ele aja mais
analiticamente, com maior eficácia na forma de ler, de escrever, de
falar, de compreender enunciados (CASSANY, 2006, p. 555).

Mas será que tais mudanças ou propostas de uma educação linguística que
conceba o engajamento discursivo dos discentes já encontra eco nos currículos?
Será que ainda se tem a forte tendência estrutural de ensinar e aprender uma
língua? Será que há a proposta de compreender o texto como um instrumento real,
rico em possibilidades pedagógicas?
Para a proposta deste estudo, analisaram-se os PPC’s de três cursos do
IFSertão – PE, Campus Salgueiro, no caso os PPC’s dos cursos ensino médio
integrado (EMI) do Campus Salgueiro (Agropecuária 3, Edificações4 e Informática5),
por meio de uma pesquisa documental de base exploratória interpretativista e
qualitativa, sendo possível mapear os seguintes efeitos divididos em duas frentes:

Figura 1: Representação gráfica dos resultados encontrados.

PPC's e as
PPC's e orientações para o
documentos ensino de espanhol
governamentais como LE

Fonte: As autoras.

No primeiro eixo dos resultados, obtiveram-se, como diagnóstico das


relações entre os PPC’s e os documentos governamentais, os seguintes dados 6:

3 Disponível em: https://goo.gl/6HVVGv. Acessado em: 07 mar. 2018.


4 Disponível em: https://goo.gl/z6fiF1. Acessado em: 07 mar. 2018.
5 Disponível em: https://goo.gl/y62wYm. Acessado em: 07 mar. 2018.
6 Cumpre destacar que pela delimitação editorial não há possibilidade de esmiuçar todos os

resultados, mas explorar apenas um recorte desses. Em outros estudos e trabalhos serão melhor
aprofundadas essas relações.

59
Tabela 1: PPC’s e documentos governamentais.
CURSOS RESULTADOS
Agropecuária
• Presença de citações diretas a LDBEN, mas sem referências.
• Paráfrases da LDBEN, mas sem referências.
• Quatro premissas sugeridas pela UNESCO: aprender a conhecer;
aprender a fazer; aprender a viver; e, aprender a ser.
• Apresentam 10 (dez) leis que amparam a criação do curso; somadas a
5 (cinco) pareceres Câmara de Educação Básica (CEB) e do Conselho
Nacional da Educação (CNE); mais uma portaria do Ministério de
Planejamento e Gestão; mais quatro resoluções do CEB/CNE. Todas a
título de exemplificação, pois estão citadas apenas em sequência sem
profundidade do que prescrevem – pelo menos não na seção
apresentada. E todas até 2008.
• Para o perfil do egresso, espera-se formá-lo com a base proposta pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (2000),
fundamentado pela Resolução CNE/CEB nº 04/99.
• Apresentam as leis associadas à proposta na organização curricular do
curso.
• Apresenta referências à Organização Didática do IFSertão/PE, mas
sem referência ao número e ano de publicação.
Edificações
• Presença de citações diretas a LDBEN, mas sem referências.
• Paráfrases da LDBEN, mas sem referências.
• Quatro premissas sugeridas pela UNESCO: aprender a conhecer;
aprender a fazer; aprender a viver; e, aprender a ser.
• Na seção de fundamentação legal, utilizam-se da LDBEN e do Parecer
CEB/CNE nº15/98 somente.
• As listagens das competências foram tomadas por base o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM).
• Para o perfil do egresso, espera-se formá-lo com a base proposta pela
LDBEN e as competências elencadas pelo ENEM.
• Nas referências, o documento governamental mais atual, data de 2004.
Informática
• Apresentam a LDBEN, um parecer e uma resolução para a criação do
curso. Todas a título de exemplificação, pois estão citadas apenas em
sequência sem profundidade do que prescrevem – pelo menos não na
seção apresentada. A legislação mais atual data de 1999.
• Paráfrases da LDBEN, com referências.
• As listagens das competências foram tomadas por base o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM).
• Para o perfil do egresso, espera-se formá-lo com a base proposta pela
LDBEN e as competências elencadas pelo ENEM.
• Nas referências, o documento governamental mais atual, data de 2001.
Faz-se referência a uma resolução, mas não há indicação de qual órgão
o publicou com data de 2010.
Fonte: As autoras.

Como é possível observar, as relações travadas com as orientações de


documentos governamentais acabam por possuir um caráter prescritivo
(BRONCKART, 2006) na construção de outros documentos, gerando ecos nas

60
produções escritas e, quiçá, consequentemente, nas ações (ABREU, 2011). Deste
modo, é possível observar a presença constante da LDBEN (1996), mesmo que seja
apenas para citá-la ou relembrá-la como um meio norteador das ações e dos
princípios básicos nas características do EMI. A noção em sua expressão “formação
cidadã” encontra-se expressa nos três documentos, mas sem maiores reflexões ou
aprofundamento, apenas reproduzindo trechos do próprio documento original, no
caso a LDBEN (1996).
Neste sentido, para o docente que tem acesso a esse documento
institucional, caberá buscar o texto fonte/original, para não apenas receber ecos de
vozes que foram entrecortadas por outros sujeitos.
Além disso, nota-se nos três PPC’s a necessidade de reformulação e
atualização, já que temos documentos com mais de 10 anos de publicação7. É
preciso trazer documentos atuais que acabam por compreender melhor as
características desse público nessa modalidade de ensino, como por exemplo, as
próprias Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (BRASIL, 2013).
Nessa diretriz, há espaço específico para o EMI, tomando como embasamento
pareceres mais contemporâneos com a realidade pós fundação dos Institutos
Federais, em 20088.
Outras questões, de igual forma, merecem destaque, tais como:

• Compreender a quais vertentes teórico-metodológicas o documento se


alinha. Isso não é explícito em nenhum dos três PPC’s. Apenas se apresenta
um grande recorte de pensamentos de vários documentos ou até mesmo de
outras propostas como o Exame Nacional do Ensino Médio (esse possui
outros objetivos e finalidades que destoam do propósito de EMI em sua
configuração de base);
• Denominações dadas a termos como competências e habilidades não são
exploradas e nem esclarecem à comunidade escolar com qual viés teórico-
metodológico essas estão sendo expostas e com qual finalidade;
• A constante marca do termo processo de “ensino-aprendizagem”. O uso
dessa expressão significa tomá-lo como uma relação recíproca e
automática de que quando se ensina o aluno imediatamente aprende. Não
sendo essa a realidade;
• Nos três PPC’s há a informação de se pautarem por meio da “prática
administrativa e pedagógica da escola, as formas de convivência no
ambiente escolar e os procedimentos da avaliação deverão ser coerentes
com princípios estéticos, políticos e éticos” (PPC Edificações, 2011, p. 14),
estando assim divididos: a estética da sensibilidade, a política da igualdade
e a ética da identidade. Porém, não se informa ao leitor de onde surge essa
filosofia ou proposta para os três’ PPC’s.

7 Ressalta-se que no decorrer dos últimos cinco anos já foram apresentadas sugestões de mudança
ao currículo. Contudo, após as alterações impostas pela Lei nº13.415/17 na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional - LDBEN (BRASIL, 1996), há a sugestão no Campus de aguardar os
direcionamentos específicos para o EMI.
8 A criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFECT) é recente, datada de

2008. Contudo, a história da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil surge em 1909 no
Brasil, primeiramente com uma política voltada a classes desprovidas, visando uma qualificação
profissional desta camada da população. Porém, atualmente a rede profissionalizante federal “se
configura como importante estrutura para que todas as pessoas tenham efetivo acesso às
conquistas científicas e tecnológicas” (SOUZA, 2013, p. 61), além da sua formação técnica.

61
Portanto, já se observam nesses PPC’s indícios direcionados à proposta de
uma formação cidadã, visando o aprimoramento do educando quer cientificamente
e quer humanisticamente, porém, essas precisam de um melhor amparo teórico-
metodológico e pedagógico no texto base dos cursos.
Já para o segundo eixo dos resultados, e que trata do objetivo maior deste
estudo, foi possível observar que nos três cursos:

• A disciplina de língua espanhola estará associada à parte diversificada


do currículo. Contudo, não se explora o motivo da escolha da língua. No
PPC do curso de Agropecuária, infere-se somente que essa língua integra
a parte diversificada do currículo, pois se trata de componente
curricular “voltada para uma maior compreensão das relações
existentes no mundo do trabalho e para uma articulação entre este e os
conhecimentos acadêmicos” (PPC Agropecuária, 2010, p. 14). Ao passo
que nos cursos de Edificações e Informática estão pelo que normatizava
a LDBEN até o momento: “Será incluída uma língua estrangeira moderna
obrigatória além do espanhol” (PPC Informática, 2010, p. 12). Não se
explora uma reflexão da importância do idioma para as atividades
acadêmico-profissionais dos discentes.
• Para o conteúdo descritivo que compete à língua espanhola como LE,
essa ainda se encontra sob forte influência das abordagens teóricas-
metodológicas dos anos 2000, presente nos PCN (1998), conforme se vê
na figura 2, dividindo-a sobre três eixos: Representação e Comunicação;
Investigação e Compreensão; Contextualização sociocultural. Vale
destacar que esse quadro norteador se encontra presente nos três PPC’s.

Figura 2: Competências Gerais de Língua Estrangeira Moderna - Espanhol

Fonte: PPC de Agropecuária (2010, p. 90).

• As competências e habilidades com uma dada base tecnológica, em síntese,


norteiam o conteúdo a ser ministrado nos três PPC’s9, conforme se expõe na
figura 3. Os três cursos apresentam a mesma proposta.

9A língua espanhola na grade curricular do IFSPE como todo é vivenciada somente nos 3º e 4ºanos
do ensino médio integrado.

62
Figura 3: Currículo Ensino Médio Integrado – Agropecuária

Fonte: PPC de Agropecuária (2010, p. 90-91).

Diante da proposta em tela surgem algumas inquietações, tais como: a


proposta apresentada norteia a aprendizagem em torno de habilidades e
competências na língua estrangeira, contudo distancia-se da realidade do alunado
daquele curso. Nesse exemplo, o PPC de EMI em Agropecuária, ao não especificar
gêneros que esses alunos possuem ou terão contatos como futuros profissionais,
como aproximar a aprendizagem de uma língua a esse contexto, se os alunos não
são expostos com o que vão realmente atuar? Aliás, não há explicitamente a
abordagem de trabalho com gêneros discursivos conforme já direcionam os
últimos documentos governamentais (OCEM - BRASIL, 2006). Nota-se ainda que a
ênfase se encontra em conteúdos gramaticais e léxicos específicos que não
necessariamente se aproximam das práticas de leitura e escrita da parte técnica do
alunado, basta visualizar que não há nem a presença mínima do léxico em torno
dos animais para o caso do curso de Agropecuária. Além disso, essas mesmas
observações podem ser feitas aos demais currículos dos cursos de EMI de
Edificações e Informática ao não proporem a abordagem dos gêneros discursivos
que circulam em sua esfera profissional bem como ao não selecionar léxicos de
cada área.
Portanto, vislumbra-se uma proposta de currículo que não prioriza a
cultura, os temas transversais (ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual,
pluralidade cultural, trabalho e consumo) e a própria relação com o curso dos
discentes.
Deste modo, entende-se como pesquisadores de linguagem que o ponto de
partida em ensinar e aprender língua, no caso em especial, a língua espanhola, para
compreendê-la além dos elementos linguísticos, perpassa nesse ato educativo uma
série de valores, crenças, ideologias, relações de cultura, de pertencimento,
processos de alteridade, inserção na sociedade, reconhecimento histórico e social
do mundo que o cerca, construção e produção do saber, e, sobretudo, a formação
cidadã que se é possível por meio da linguagem. Ou seja, da compreensão, da
produção e da reflexão que a língua pode assumir em um dado contexto como
usuário dessa.

Considerações Finais

Nesta investigação foi possível, após análise dos PPC’s, estabelecer alguns
resultados principais para os objetivos propostos iniciais (compreender as

63
relações postas em torno das prescrições governamentais que incentivam a
formação discursiva do discente e a proposição dada aos docentes por meio de um
documento institucional - o PPC dos cursos), tais como: a prioridade no uso
linguístico da língua por meio de assuntos gramaticais, conforme se esboçam nas
seções dos conteúdos; a ausência de direcionamentos do trabalho com o texto por
meio de gêneros discursivos, por exemplo; e a homogeneização dos conteúdos
entre os três cursos, sem associar as suas particularidades e necessidades.
Dessa forma, conclui-se que há a necessidade de reformulação desses
PPC’s para que se possa construir uma linha de atuação mais próxima dos
direcionamentos sinalizados por documentos governamentais e os preceitos
teóricos recomendados neste estudo (uma pedagogia dos letramentos por meio de
uma educação linguística) associados a uma proposta de base dialógica do discurso
(BAKHTIN, 2000; VOLOCHÍNOV, 2013), no intuito ainda de que uma aula de LE
possa buscar formar cidadãos autônomos, críticos, produtores e consumidores de
linguagem em um dado idioma.
Destaca-se para esse estudo a importância que “o caráter dialógico da
linguagem e das relações postas” dadas em uma interação ou em um processo
comunicativo são de ordem sócio historicamente construídas por meio de um dado
tempo e espaço, estando relações de poder e de intencionalidades envoltas nesses
contextos (LENDL; ABREU; BARBOSA, p. 53, 2018).
De igual forma, fazem-se urgente as adequações desses PPC’s, uma vez que
existem outros “equívocos”, como por exemplo: erros de ordem linguística e até
mesmo de referências relacionados a regras da ABNT. Logo, os gestores devem
estar atentos com relação a reformulação constante e da necessária e oportuna
adequação dos PPC’s com as demandas atuais quer seja de ordem governamental
quer seja de ordem acadêmico-científico, trazendo assim um discurso coeso para a
formação dos discentes.

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SOUZA, A. S. O Ensino de Língua Espanhola no Instituto Federal de Brasília: o


dito, o feito e o pretendido. (Dissertação de Metrado) Programa de Pós-Graduação
em Linguística Aplicada. Universidade de Brasília, 2013.

65
VOLOCHINOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. Org. Trad. e
notas: João Wanderley Geraldi. São Carlos: Pedro e João Editores, 2013.

66
LETRAMENTO: LEITURA E ESCRITA COMO PRÁTICAS SOCIODISCURSIVAS DE
LINGUAGEM E DE INTER(AÇÃO)

Marcos de FRANÇA
Cláudia Rejanne Pinheiro GRANGEIRO

“[…] defende-se hoje em dia que o letramento é um direito humano


universal.” (F. Coulmas)

Introdução

É gritante, ainda, a situação, mesmo com os avanços dos estudos


linguísticos (ou das ciências da linguagem), em que se encontram os níveis de
leitura e de escrita do alunado brasileiro de um modo geral. A expressão
“analfabeto funcional” (cunhada no final dos anos 70 pela UNESCO, segundo Soares
[2004a]), hoje, mais do que nunca, é aplicada àquele que consegue decodificar o
código linguístico, mas não consegue estabelecer uma relação de sentido(s) àquilo
que leu, ou seja, ele consegue decifrar o código em letras, sílabas e frases, mas não
consegue compreender. Se há alguns anos esse domínio era suficiente para se
considerar uma pessoa alfabetizada, e suficiente para atender algumas demandas
sociais, hoje, a realidade é outra, porque há outras necessidades que ser apenas
alfabetizado já não atende, como, por exemplo, o domínio das tecnologias digitais,
como a telemática, e dos gêneros textuais que circulam nesse suporte, como os
hipertextos. Nesse caso, na literatura corrente, se diz que estamos diante de
alguém que é alfabetizado, é verdade, porém ele tem um baixo nível de letramento.
Ou seja, como ele não tem um domínio que o torne proficiente em leitura e escrita,
dentro da perspectiva que aqui abordamos, o indivíduo não é letrado1.
Ser proficiente em leitura e escrita permite dispor dos bens culturais
existentes na sociedade e implica um posicionamento crítico e uma participação
política ativa nessa sociedade. O domínio pleno dessas duas habilidades possibilita
ao indivíduo posicionar-se como cidadão ativo politicamente, posto que só assim
ele poderá ter “voz e vez” na sociedade na medida em que se torna um agente
social consciente de seu papel sócio-político, portanto, um sujeito político, no
sentido pleno de ser cidadão. Sendo assim, a leitura e a escrita devem ser
encaradas como práticas discursivas e sociais de linguagem, como ações
linguageiras que implicam ação sócio-política ativa na sociedade em que o sujeito
vive ou atua.
Essa perspectiva de domínio proficiente em leitura e escrita tomadas
como práticas de linguagem sociodiscursivas e como ferramentas de ação sócio-
política é o que aqui entendemos como práticas de letramento. Porém, é consensual
entre os estudiosos do tema, como Soares (2004a, 2004b, 2006), Tfouni (2006) 2 e

1 O sentido aqui empregado não é o de “literato, erudito, instruído, literato, jurisconsulto”, como
encontrado no dicionário, mas no sentido de ter letramento.
2 A autora realizou sua pesquisa com informantes analfabetos e aplicou questões de silogismo para

avaliar se eles são capazes de elaborar respostas dentro do raciocínio lógico, considerado como
uma ação cognitiva de caráter altamente abstrato só possível para indivíduos com certo nível de

67
Street (2014), que é possível haver alguém com certo nível de letramento e não ser
alfabetizado assim como pode ser alfabetizado e não ter domínio de certo nível de
letramento (com proficiência em leitura e escrita). É preciso dizer, portanto, que
essa é uma perspectiva de letramento grafocêntrica, altamente valorizada pela
atual sociedade tecnológica. De acordo com Coulmas (2014, p. 8):

A estratificação social das habilidades letradas que observamos


hoje é uma herança antiga […], pois aqueles que sabiam ler e
escrever tinham controle sobre o fluxo da informação escrita na
sociedade desde o início, e quanto mais importante se tornou o
exercício do poder através da escrita, mais pesada se tornou sua
influência. Aprender a ler e a escrever sempre tem sido algo ligado
a privilégio e vantagem social. As conexões entre letramento e
estratificação social são bidirecionais: a classe social tem
influência na distribuição das habilidades letradas, e o consumo e
[a] produção de material escrito são indicadores da classe social.

O surgimento na Língua Portuguesa do termo “letramento” em detrimento


do termo alfabetização foi impulsionado por esses aspectos socioeconômicos da
estratificação social que, por sua vez, são uma consequência de uma sociedade
tecnológica que exige cada vez mais mão de obra especializada e atualizada com os
novos avanços da tecnologia. Dentro dessa perspectiva é que se constituiu a
concepção de letramento em contraponto com a de alfabetização, sem, no entanto,
se opor a esta ou procurar negá-la. Por isso, o que se defende é que a alfabetização
é um requisito necessário para o processo de letramento, daí um processo,
necessariamente, não excluir o outro. Pelo contrário, são complementares e
interdependentes.
Mas para se chegar ao nível de letramento tão desejado, seria necessário
provocar uma mudança na concepção de linguagem que norteia o fazer pedagógico
no ensino de língua materna, desde a alfabetização, e conceber a leitura e a escrita
como práticas sociais de linguagem. 3 A concepção de alfabetização, que antes era
suficiente para atender à demanda socioeconômica, já não atende ao que o
momento histórico-ideológico requer para uma formação crítica de leitores e
escritores, visto que codificar e decodificar o código linguístico mecanicamente (o
suficiente para se considerar o indivíduo alfabetizado) não possibilitam ao
indivíduo agir como sujeito em práticas sociais de linguagem. E essas práticas
devem ser tomadas como ações que devem atender também às demandas do
mercado de trabalho, um dos espaços da sociedade onde se requer ações
linguageiras concretizadas em algum gênero textual produzido, geralmente, em
usos formais de linguagem.
É na trilha desta perspectiva que discutiremos, aqui, numa abordagem
sociodiscursiva, o letramento como uma prática social e discursiva de linguagem
que se concretiza no uso proficiente da leitura e da escrita empregado em algum
gênero textual (oral ou escrito) que circula na esfera social como forma de
exercício de cidadania. O uso da leitura e da escrita de forma crítica caracterizaria

letramento. A autora constatou que a falta do rigor lógico é substituído pelas narrativas
explicativas, o que demonstraria um certo nível de letramento.
3É claro que isso teria que passar também pela formação do professor que trabalha nas formações

iniciais, na alfabetização.

68
essa prática social tornando o indivíduo um sujeito. Este implica ser um agente de
ações e práticas sociais e políticas por meio de usos da linguagem, tornando-se um
actante, um ator social e político atuante na sociedade.
Este capítulo tem por objetivo discutir os usos da leitura e da escrita como
práticas sociais que caracterizam o processo de letramento para além da
alfabetização. Nesse sentido, nossa discussão ocorre no contraponto entre a
concepção de alfabetização e a concepção de letramento como dois processos
complementares e não excludentes. Com base em autores como Soares (2004a,
2004b, 2006), Tfouni (2006), Street (2014) e outros, sustentaremos nossa
discussão sobre as concepções de alfabetização e letramento, visto que na
atualidade se discute com certa veemência o fato de que ser alfabetizado não é
garantia de pleno letramento; pelo contrário, a existência dos chamados
“analfabetos funcionais” se apresentarem como o produto final de quatro anos ou
mais de escolarização é prova cabal da ineficiência da escola em proporcionar um
nível de letramento que faça da leitura e da escrita uma prática social de
linguagem. A nossa proposta, portanto, é mostrar que o uso da leitura e da escrita
como prática social de linguagem só é possível/viável para o exercício ser/estar
em sociedade quando o indivíduo passa por um processo de letramento e não
apenas de alfabetização, tornando-se, portanto, um sujeito menos “assujeitado”,
como diria Althusser (1974) ou capaz de resistências, como diria Foucault (2001),
no âmbito das ações sócio-políticas.
Para alcançar esse intuito, num primeiro momento, defenderemos que a
concepção de linguagem como interação social e a de leitura e de escrita como
processos e produções de sentidos estão atreladas à adoção de uma concepção de
letramento, a qual está condicionada a uma perspectiva de leitura e de escrita
como práticas sociodiscursivas de linguagem. Esse condicionamento foi favorecido
por um contexto sócio-histórico-ideológico que proporcionou rever a concepção de
alfabetização e o surgimento de uma nova concepção que atendesse aos interesses
do momento presente, no caso o conceito de letramento.
Num segundo momento, discutiremos, em contraponto, as concepções de
alfabetização e letramento e os seus contrastes, não como concepções que se
opõem, se excluem, mas como conceitos que se complementam. Nesse sentido, o
processo de codificação/decodificação (alfabetização) é necessário para se atingir
o processo de produção de texto e de sentidos (letramento), que é o almejado.
Na terceira seção, analisaremos alguns textos que circularam na esfera
social nos meios digitais (internet: uma notícia e uma tirinha) com base na
discussão aqui levantada sobre o letramento como prática social de linguagem e a
importância do papel da escolarização no processo de formação do sujeito como
um agente sócio-político de ações de linguagem por meio do domínio pleno da
leitura e da escrita. Por fim, apresentaremos as nossas considerações finais, onde
exporemos as nossas conclusões resultantes das leituras e das análises realizadas a
partir do corpus selecionado.
O nosso propósito é de contribuir, modestamente, porém de forma
significativa, com os debates contemporâneos no campo de estudos sobre leitura,
escrita e letramento, principalmente na relação com o ensino de português como
língua materna.

Concepções de linguagem, leitura e escrita: uma relação direta

69
Nesta seção, discutimos qual a concepção de linguagem, entre aquelas
correntes na literatura linguística, que atende à proposta e concepção de
letramento que se defende para este momento histórico marcado por fronteiras
fluidas, assim como as concepções de leitura e escrita estão interligadas à
concepção de linguagem como interação.

Linguagem Como Interação Social

Como uma consequência das diferentes abordagens de estudos sobre a


linguagem, Geraldi (2008) diz que se pode apontar pelo menos três concepções de
linguagem, a saber: i) a linguagem como expressão do pensamento; ii) a linguagem
como instrumento de comunicação; iii) a linguagem como uma forma de interação.
Cada uma delas aborda a linguagem sob um determinado enfoque.
Para Travaglia (2003, p. 21), “A concepção de linguagem é tão importante
quanto a postura que se tem relativamente à educação”, ou seja, há uma estreita
relação entre as concepções de língua e linguagem e o ensino de língua (aqui o
ensino de Língua Portuguesa), posto que é a partir da concepção de tais termos
assumida pelo sujeito de ensino que se moldará o tipo de ensino a ser ministrado.
Conforme Oliveira e Wilson (2009, p. 236), “Em termos de ensino, assumir
uma concepção formalista significa considerar a linguagem uma entidade capaz de
encerrar e veicular sentidos por si mesma, expressar o pensamento.” À concepção
de linguagem como “expressão do pensamento” está atrelada a ideia de que só se
expressa bem, de forma correta, quem pensa corretamente, assim, como correlato,
dentro dessa concepção, as pessoas não se expressariam bem porque não
pensariam de forma lógica, por isso, não organizam o pensamento.
Já para a terceira concepção, linguagem como “forma ou processo de
interação”, o que “[…] o indivíduo faz ao usar a língua não é tão-somente traduzir e
exteriorizar um pensamento, ou transmitir informações a outrem, mas sim realizar
ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)” (TRAVAGLIA, 2003, p. 23,
grifo nosso). Isso porque, para essa concepção, a linguagem é vista como um lugar
de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de
sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um
contexto sócio-histórico e ideológico determinado.
Conforme afirmam Bakhtin/Volochínov ([1929] 2006), a verdadeira
substância da língua é o fenômeno da interação verbal realizada por meio de
enunciações. A relação da linguagem com o seu exterior lhe é constitutivo, no
entanto, é essa relação com a exterioridade que lhe confere também um caráter de
incompletude. Orlandi (2006) afirma que a incompletude é a condição de
existência da linguagem, por isso, “Como a linguagem tem uma relação necessária
com a exterioridade, a ideia de unidade (de todo) não implica a de completude: a
linguagem não é uma coisa só e nem é completa” (ORLANDI, 2006, p. 23). Em vista
disso, a autora afirma que o estudo da linguagem não pode estar apartado da
sociedade que a produz porque os processos que entram em jogo na constituição
da linguagem são histórico-sociais, consequentemente, o discurso é um produto
histórico-social cuja materialidade é linguística e/ou multissemiótica, conforme
discutido em Grangeiro e França (2018).
Vista desse modo, a linguagem não pode ser apenas um suporte de
pensamento ou instrumento de comunicação, como é encarada sob a perspectiva
estruturalista. A noção de estrutura limita o trabalho com o simbólico e com a

70
materialidade, que é o que atende a uma abordagem de análise discursiva do texto.
No entanto, a concepção de linguagem como “forma ou processo de interação”
parecem atender às expectativas de uma abordagem discursiva.
De acordo com Brandão (2004, p. 11), “[…] a linguagem enquanto discurso
é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente e nem
natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia.” Sendo assim,
ela não pode ser concebida como uma entidade abstrata, “[…] mas como o lugar em
que a ideologia se manifesta concretamente, em que o ideológico, para se objetivar,
precisa de uma materialidade […]” (BRANDÃO, 2004, p. 9). É a linguagem em uso –
em movimento, em funcionamento, a linguagem como interação – que materializa
o discurso e o discurso por sua vez materializa a ideologia. Consequentemente, ao
se adotar uma concepção de linguagem como a aqui defendida, implica uma
mudança de concepção de leitura e escrita.
É sobre as concepções de leitura e de escrita que discutiremos na subseção
seguinte.

Concepções de Leitura e Escrita

Dependendo, portanto, do momento histórico-ideológico, do foco ou da


abordagem teórica, as concepções de leitura e de escrita mudam. Neste momento,
em que predominam as teorias da corrente funcionalista da ciência da linguagem, a
leitura e a escrita são concebidas como processos sociodiscursivos cuja palavra-
chave norteadora é “interação”.

Concepções de Leitura

Se há concepções de leitura, é porque há diferentes correntes teóricas que


tratam o objeto sob o seu olhar particular, da perspectiva teórica na qual se filia
dentro da Linguística. Aqui, apresentaremos, de forma superficial, algumas que se
filiam a uma perspectiva de leitura discursiva, como a pragmática, a
psicolinguística e a análise do discurso.
Sob a perspectiva da Pragmática, trabalhando com os conceitos de
implícito e inferência, Fernandes (2011, p. 2) compreende “[…] a leitura como um
processo cognitivo de inferências e como um processo sócio-discursivo que se
realiza num contexto enunciativo”, por isso, é preciso promover numa prática de
leitura exercícios que possibilitem fazer as inferências de um determinado texto
para que o aluno perceba que o sentido do texto está além do que está posto, que é
preciso ativar cognitivamente conhecimentos outros que não estão postos, mas são
ativados por estes. E esse processo requer não só o conhecimento linguístico e ou
multissemiótico, mas também um conhecimento de mundo por parte do leitor para
que possa fazer as inferências plausíveis que o texto ofereça. Ora, sendo assim, é
papel do professor de Língua Portuguesa, no processo de ensino-aprendizagem da
leitura:

[…] conduzir o aluno ao estudo de aspectos semântico-


discursivos, especificamente das noções de pressupostos e
subentendidos, para o desenvolvimento de habilidades de leitura
nos diversos níveis de escolaridade, com vistas a contribuir para a
formação de leitores atuantes e críticos, capazes de encarar a
leitura como um processo dialógico (FERNANDES, 2011, p. 2,

71
grifos nossos).

Fazer as devidas inferências no processo de leitura, portanto, é de grande


relevância para se estabelecer sentidos num texto, pois esse processo de leitura,
como assevera Fernandes na citação anterior, não só poderá favorecer a percepção
do aluno-leitor de que a leitura é um processo dialógico (que um texto dialoga com
outros textos, isto é, perceber a presença desses outros textos no texto em
questão), como também desenvolver outras habilidades de leitura, tornando-se um
leitor mais crítico e menos intuitivo, capaz de ler “nas entrelinhas” e compreender
que a leitura está além do que está na superfície do texto, da mesma forma que
estabelecer sentidos para um texto requer que o leitor faça relações com outros
elementos que não estão explícitos no texto, mas que podem ser inferidos a partir
dele, embora as inferências feitas, inicialmente, possam ser negadas em favor de
outras no decorrer da leitura.
Entre outras concepções, “[…] a leitura [é concebida] como um processo
cognitivo de inferências e como um processo sócio-discursivo que se realiza num
contexto enunciativo” (FERNANDES, 2011, p. 2), portanto, ler é interação, é
produção de sentido, é interpretação e compreensão. Em outros termos, é possível
afirmar, sob a perspectiva de uma concepção de leitura pragmática, que “Saber ler
um texto é saber fazer as inferências corretas ou plausíveis que cada trecho do
texto propicia” (MOURA, 2007, p. 33).
Seguindo essa mesma perspectiva de abordagem cognitiva e
sociodiscursiva, sob os aportes da Psicolinguística, Leffa (1996, p. 10) afirma que
“Embora a leitura, na acepção mais comum do termo, processa-se através da
língua, também é possível a leitura através de sinais não linguísticos. […]. Não se lê,
portanto, apenas a palavra escrita, mas também o próprio mundo que nos cerca.”
Isso quer dizer que não se lê apenas a palavra escrita, em linguagem verbal; é
preciso considerar a massa de textos em outras semioses, como os não verbais e os
virtuais, por exemplo, que circulam na esfera social. Além disso, é mister
considerar que a leitura por ser uma prática social e histórica, sofre, por isso
mesmo, transformações com o passar dos tempos. Hoje, por exemplo, a leitura de
textos virtuais, dispostos nas telas dos computadores, impõe novas reflexões e
desafios ao ensino aprendizagem da leitura (SILVA, 1999). Assim, norteado por
uma perspectiva interacionista de leitura, Silva (1999, p. 16) afirma que: “Ler é
sempre uma prática social de interação com signos, permitindo a produção de
sentido(s) através da compreensão-interpretação desses signos”.
Sob os aportes da Análise do Discurso (AD), Orlandi (2006, p. 11) diz que
“Saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz, mas o constitui
significativamente.” Isso implica dizer que, de acordo com a autora, quando se lê,
se deve considerar não só o que está dito como também o que não está dito, mas
que também está significando pela ausência. Assim, para a AD, a leitura é um
processo; e nesse processo se procura determinar o processo e as condições de
produção do texto, por isso, é possível dizer que “[…] a leitura é o momento crítico
da constituição do texto, o momento privilegiado do processo de interação verbal,
uma vez que é nele que se desencadeia o processo de significação” (ORLANDI,
2006, p. 38). Para a autora, é no momento em que se realiza o processo da leitura,
que também se configura o espaço da discursividade em que se instaura um modo
de significação específico (ORLANDI, 2006).
Para concluir, então, esta subseção, trazemos a concepção de ler na

72
perspectiva de Magda Soares (2006) que nos parece dar a tônica do que de fato é
leitura e o que envolve em seu processo de realização: “Ler é um conjunto de
habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar
sílabas ou palavras até ler Grande Sertão: Veredas [...] ler é um conjunto de
habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo
continuum [...]” (2006, p. 48, grifos da autora).
Em síntese, podemos concluir que todas as concepções de leitura aqui
apresentadas têm como eixo norteador a concepção de linguagem interacionista,
portanto, de caráter dialógico, cognitivo, inferencial, discursivo e pragmático o que
implica acionar, no sujeito-leitor, uma série de habilidades e comportamentos que
vão além do linguístico, da estrutura, do código. Exige também, pois, o
extralinguístico, o conhecimento de mundo do sujeito-leitor e as condições de
produção envolvidas no processo.
Não se pode deixar de anotar que a uma concepção de leitura, está
atrelada uma concepção de escrita, que é o que apresentaremos e discutiremos na
próxima subseção.

Concepções de Escrita

Responder à pergunta “o que é escrita?”, segundo Koch e Elias (2012, p.


31), “[...] é uma tarefa difícil porque a atividade de escrita envolve aspectos de
natureza variada (linguística, cognitiva, pragmática, sócio-histórica e cultural).”
Diante disso, qualquer conceito ou definição do termo pode correr o risco de cair
num reducionismo por não abranger todos os aspectos que estão envolvidos no
processo, como os elencados na citação anterior. No entanto, é preciso esclarecer
que o conceito de escrita/escrever vai variar dependendo da abordagem e/ou da
linha teórica.
Vejamos, inicialmente, como esse termo é definido em um dicionário
comum. Como verbete de dicionário, a escrita é concebida como: “1. representação
da linguagem falada por meio de signos gráficos. 2. conjunto de signos num
sistema de escrita.” 4 Essas definições do dicionário são reducionistas porque não
dão a real dimensão e complexidade do ato de escrever, não a toma como um
processo.
Assim, uma concepção de escrita que leva em conta o processo de escrita,
isto é, a atividade de elaboração textual é precedida de uma atividade composta
por leitura de texto, seguida de conversa sobre a leitura e o estudo do vocabulário,
das sentenças, das construções sintáticas como meio de acesso aos processos
linguísticos, semióticos e discursivos presentes no texto é uma concepção
discursivo-interacionista. Em vista disso, seguindo essa orientação teórica,
segundo Antunes (2005), escrever é: a) uma atividade de interação, de intercâmbio
verbal; b) numa perspectiva da interação, uma atividade cooperativa; c) por ser de
forma interativa, uma atividade contextualizada; d) uma atividade
necessariamente textual.
Dentro de uma concepção de letramento, a leitura e a escrita são
indissociáveis, pois uma implica a outra, ou seja, elas têm uma relação de
interdependência. Se “[…] a leitura precisa ser concebida como aquilo que vai em
busca do ponto de vista, que leva ao questionamento, à investigação dos meios que
permitiram elaborá-lo, ao confronto com seus próprios pontos de vista, a sua

4 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (Eletrônico).

73
relação com o instrumento que permite elaborá-los” (SAVELI, 2007, p. 112-113), a
linguagem escrita ultrapassa a concepção de escrita como “[...] meio de
comunicação, de expressão, mas, ao contrário, tal definição exige considerar a
escrita como a linguagem que permite acesso ao plano abstrato mais elevado”
(SAVELI, 2007, p. 110). Portanto, “A escrita é um meio de construir um ponto de
vista, uma visão do mundo, de encaixar cada fato num conjunto, de estabelecer um
sistema, de dar um sentido às coisas” (SAVELI, 2007, p. 111). Em outros termos, é
por meio da escrita que é possível sistematizar e organizar com maior precisão as
ideias, os argumentos, o ponto de vista defendido etc., porque se pode pensar,
pesar, retomar, repensar etc. antes da versão chegar até ao leitor.
A escrita, enfim, pode ser entendida como uma atividade de produção de
texto que se realiza com base nos elementos linguísticos e na sua forma
organizacional e que requer a mobilização de um vasto conjunto de conhecimentos
do escritor, no interior do evento comunicativo, o que inclui também o que ele
pressupõe ser do conhecimento do leitor ou do que é compartilhado por ambos
(KOCH; ELIAS, 2012). Nessa perspectiva, trazemos a definição de escrever
concebida por Magda Soares que nos parece dar a tônica do que de fato é essa ação
de linguagem e o que ela envolve em seu processo de realização: “Escrever é
também um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde
simplesmente escrever o próprio nome até escrever uma tese de doutorado [...]
Assim: escrever é também um conjunto de habilidades, comportamentos,
conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum [...]” (2006, p. 48-
49, grifos da autora).
Em síntese, assim como ler, escrever também envolve uma série de
habilidades e estratégias e não pode ser reduzida a simples codificação linguística
porque envolve aspectos cognitivos, linguísticos, pragmáticos, sócio-históricos e
culturais.

Alfabetização e letramento: concepções e contrastes

A palavra “letramento” foi traduzida para o português da palavra inglesa


literacy. Para Soares (2004b, p. 96):

Seu surgimento pode ser interpretado como decorrência da


necessidade de configurar e nomear comportamentos e práticas
sociais na área da leitura e da escrita que ultrapassem o domínio
do sistema alfabético e ortográfico, nível de aprendizagem da
língua escrita perseguido, tradicionalmente, pelo processo de
alfabetização.

O termo “letramento” surge como uma “[...] consequência da necessidade


de destacar e claramente configurar, nomeando-os, comportamentos e práticas de
uso do sistema de escrita, em situações sociais em que a leitura e/ou a escrita
estejam envolvidas” (SOARES, 2004b, p. 97). Ou seja, em princípio, o letramento
está indissociavelmente atrelado aos usos efetivos de práticas de leitura e de
escrita “em situações sociais” em que se requerem domínios que a simples
alfabetização não consegue atender, dar conta.
Alfabetização e letramento não são necessariamente termos opostos. Pelo

74
contrário, são interdependentes, complementares, pois o processo de letramento
requer que o sujeito tenha um domínio de leitura e escrita básico com ponto de
partida. O sujeito precisa dominar, em princípio, a descodificação e a codificação
do sistema alfabético. A ideia é alfabetizar letrando e letrar alfabetizando, ou seja, o
ideal é que se alfabetize dentro de condições de letramento e que tal processo
implique em uma imersão proficiente nos materiais verbais e/ou multissemióticos
contemporâneos, que vão além do texto puramente verbal. Por isso, hoje, é
preferível se falar em texto verbo-voco-visual:

Nessa perspectiva, a língua é entendida, pois, como parte de um


contexto sócio-cultural. Assim, os elementos visuais, sonoros,
gestuais existem dentro dos sistemas de representações moldados
pela cultura e pela história e tais informações são sempre
carregadas de conteúdos ideológicos. […]. A língua é um conjunto
de signos verbo-voco-visuais e como fenômeno sócio-histórico e
ideológico, necessita ser aprendido (GRANGEIRO; FRANÇA, 2018,
p. 59).

Nesse sentido, é preciso notar que o processo de alfabetizar letrando e


letrar alfabetizando que se está propondo aqui se baseia em um ciclo: descoberta
da leitura-escrita/domínio da leitura-escrita/uso da leitura-escrita. Porém,
ressaltamos, diante do que foi explicitado na citação anterior, que na atual
conjuntura não se pode ficar limitado ao texto verbal na modalidade escrita porque
é necessário considerar as outras realidades textuais constituídas por outras
semioses, como os hipertextos, por exemplo. 5

Concepção de Alfabetização: “Modelo Autônomo”

Segundo Street (2014), há dois modelos de alfabetização que ele os


denomina de “modelo autônomo” e de “modelo ideológico”. Segundo o autor, “O
modelo [autônomo] pressupõe uma única direção em que o desenvolvimento do
letramento [/alfabetização] pode ser traçado e associa-o a ‘progresso’, ‘civilização’,
liberdade individual e mobilidade social” (STREET, 2014, p. 44). A alfabetização
alinhada a essa concepção pode ser entendida, portanto, como a aquisição do
sistema convencional de escrita (SOARES, 2004a), ou seja, a concepção de escrita
está relacionada ao domínio de codificação, de reprodução de palavras do léxico da
língua. E a concepção de leitura que está atrelada é a de decodificação do código
linguístico, por isso, se faz necessário uma mudança de perspectiva teórico-
metodológica no processo de alfabetização cuja abordagem já seja dentro da
concepção de linguagem como interação, logo, considerando a relação entre o Eu e
o Outro sociodiscursivamente.
Uma proposta teórica de alfabetização sob os aportes da Linguística
Aplicada que busca conciliar teoria linguística no processo e a teoria do
“Paradigma Indiciário” é apresentada por Abaurre e Mayrink-Sabinson (2002). O
paradigma indiciário é uma teoria da História, proposta por Carlo Ginzburg,

5 Por isso, hoje, é mais apropriado se falar em multiletramentos, porque há multimodalidades


textuais que requerem um domínio que vai além, porém sem prescindi-lo, do domínio do texto
verbal, pois envolve outras semioses como som e imagem.

75
historiador italiano, e que as autoras trazem para a linguística e aplica os seus
princípios no processo de alfabetização. Segundo Abaurre e Mayrink-Sabinson
(2002, p. 59): "À luz de tal paradigma, as particularidades, as singularidades, os
indícios devem ser utilizados como recurso metodológico, a partir dos quais se
pode identificar de forma mais eficaz a relação de interação entre o sujeito e a
linguagem." Como podemos perceber, na proposta das autoras, com base no
Paradigma Indiciário, deve-se buscar os indícios, as particularidades que o sujeito
possa ou venha a demonstrar ter com a linguagem, ou seja, a partir do que o aluno
demonstra conhecer de linguagem explorar isso em favor do seu aprendizado, ou
seja, prioriza o sujeito do processo interativo com a ação de linguagem.
Deve-se entender "indício" como "pista". Por isso a referência comparativa
que se faz com a atividade de um detetive, porque é exatamente com o indício, com
a pista que ele trabalha para chegar às suas deduções lógicas. O que normalmente a
pedagogia tradicional considerava "erros", podem ser, na verdade, indícios de
como o aluno se relaciona com a linguagem e como isso interfere no seu processo
de aprendizagem da escrita. Em outras palavras, ao invés de o professor olhar para
os erros como algo em si, de forma estática, poderia analisar, procurar saber o
porquê desses erros. Em vista disso:

A relevância de tal teoria para a construção da escrita se dá


exatamente porque, por um longo tempo, as práticas pedagógicas
e estudos voltados para a escrita consideravam “erros” as
tentativas de produção escrita do aprendiz. Na verdade, esses
“erros” têm sido considerados sinais, indícios individuais da
interação entre o sujeito e a linguagem (ABAURRE; MAYRINK-
SABINSON, 2002, p. 59).

Perceba também que a concepção de linguagem que norteia a aplicação de


tal proposta é a de linguagem como interação. Sendo assim, a ideia é que se
perceba as marcas do Outro (o sujeito de ensino, o professor, e os demais
interlocutores com quem a criança interage) na escrita do Eu (o sujeito de
aprendizagem, o aluno, a criança) e como isso se revela na sua escrita ou fala.
Uma mudança de foco teórico-metodológico no processo de alfabetização,
quem sabe, poderia promover o letramento, o que discutiremos a seguir.

Concepção de Letramento(s) (ou Alfabetismo?): “Modelo Ideológico”

Em oposição ao modelo autônomo, Street (2014) defende o “modelo


ideológico” de alfabetização. Esse modelo ideológico apresentado por Street, a
nosso ver, se coaduna com a concepção de letramento adotada na literatura
linguística brasileira. Para o autor inglês:

Um modelo “ideológico” [...] força a pessoa a ficar mais cautelosa


com grandes generalizações e pressupostos acalentados acerca do
letramento ‘em si mesmo’. [...] O modelo ressalta a importância do
processo de socialização na construção do significado do
letramento para os participantes e, portanto, se preocupa com as
instituições sociais gerais por meio das quais esse processo se dá,
e não somente com as instituições “pedagógicas”. (STREET, 2014,

76
p. 44)

O modelo ideológico de alfabetização de Street implica a socialização do


uso de habilidades letradas e não como algo com fim “em si mesmo”. Por isso,
letramento é “[…] entendido como o desenvolvimento de comportamentos e
habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais”
(SOARES, 2004a, p. 97). Sendo assim, não se pode pensar nos dias atuais num
ensino de línguas dissociado de condições de letramento que envolvam a leitura e
a escrita como práticas sociais. Essas, por sua vez, tomadas como ações de
linguagem significativas no processo de socialização e participação político-social
efetiva do sujeito na sociedade da qual faz parte e não como meras e simples
práticas escolares.
Para o Programa de Avaliação Internacional de Competências Adultas da
OCDE6 (PIAAC) letramento é definido como:

A capacidade de identificar, entender, interpretar, criar,


comunicar e calcular, usando materiais impressos e escritos,
associada a contextos variados. O letramento implica um contínuo
de aprendizagem ao permitir aos indivíduos alcançarem as suas
metas, desenvolverem seu conhecimento e potencial,
participarem plenamente de sua comunidade e da sociedade em
geral (apud COULMAS, 2014, p. 87).

Em síntese, “Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por


um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-
históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade” (TFOUNI, 2006,
p. 20).

Letramento: o uso da leitura e da escrita como práticas sociais de ação de


linguagem

Se aceitarmos que a leitura e a escrita são práticas sociais de linguagem,


então, a escola tem um importante papel na formação de sujeitos leitores e
escritores críticos dentro da proposta do processo de letramento, haja vista que a
escola é uma (não a única e em alguns casos, nem a mais importante) das agências
sociais promotoras dessa formação. No entanto, é, em geral, a mais reconhecida e
socialmente referenciada, dessa formação, pelo menos em princípio. A questão é se
ela tem cumprido a contento esse papel: formar sujeitos proficientes em leitura e
escrita, considerando também as multissemioses contemporâneas que abrangem
também os gêneros textuais multimodais.
No entanto, ainda se concebe como alfabetizado alguém que “sabe ler e
escrever” se for capaz de reproduzir um texto ditado ou de escrever uma
sequência sígnica fora de qualquer contextualização, sem que isso implique uma
reflexão sobre “o que” ou “para que” se escreve ou se lê, isto é, sem qualquer
reflexão ou relação com a sociedade em que o sujeito vive e convive socialmente.

6Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico. É uma organização internacional,


composta por 34 países e com sede em Paris, França. A OCDE tem por objetivo promover políticas
que visem o desenvolvimento econômico e o bem-estar social de pessoas por todo o mundo.

77
O texto I a seguir bem ilustra que parâmetros são utilizados para se
considerar alguém alfabetizado no Brasil.

TEXTO I7
Aprovado
Tiririca passa no teste de alfabetização
Em teste, o palhaço eleito deputado federal provou que sabe ler e escrever
Depois de provar para quase um milhão e meio de eleitores que merecia
uma vaga de deputado na Câmara federal, o palhaço Tiririca agora prova que é
alfabetizado e pode assumir o mandato. A Justiça Eleitoral aplicou nesta quinta-
feira 11 um exame para verificar se o recém-eleito Francisco Everardo Oliveira
Silva - o homem por trás do personagem - sabe ler e escrever. E ele passou. [...]
No exame aplicado, Tiririca precisou ler título e subtítulo de duas
reportagens de jornal, além de escrever um ditado 8 retirado de um livro sobre
a própria Justiça Eleitoral. Walter de Almeida Guilherme, presidente do Tribunal
Regional Eleitoral de São Paulo, confirmou que o recém-eleito cumpriu as tarefas a
contento.

Vemos que decodificar o alfabeto escrito e reproduzi-lo já são o suficiente


para ser considerado alfabetizado e, portanto, habilitado para ser, inclusive, um
parlamentar. Segue-se a concepção tradicional de alfabetização – o modelo
autônomo a que se refere Street (2014). O que seria, então, considerada uma
pessoa alfabetizada neste caso é ser capaz de reproduzir o código linguístico sem
que precise fazer relações ou estabelecer sentidos; ou, tampouco, refletir sobre o
que escreve ou para quem escreve e em que gênero etc.
Certamente, “ler título e subtítulo de duas reportagens de jornal” e
“escrever um ditado” não são, necessariamente, sinônimos de “alfabetização”, visto
que, principalmente na última ação, não se considerou, por exemplo, a autoria, ou
seja, que o texto seja escrito pelo próprio sujeito, ou que fosse proposto um gênero
textual simples como um bilhete, por exemplo, como prática significativa de
escrita.

TEXTO II9

7 http://www.cartacapital.com.br/politica/tiririca-passa-no-teste-de-alfabetizacao. Acesso em: 04


abr. 2016.
8 Grifo nosso.
9 http://tirasdemafalda.tumblr.com/page/3. Acessado em: 04 abr. 2016.

78
A tirinha da Mafalda faz uma crítica contundente ao método tradicional de
alfabetização, que tem como base as cartilhas, as quais seguem uma metodologia
de repetição e de exercício mnemônico como princípio de aquisição da leitura e da
escrita.
O texto II ilustra bem como a escola tem formado os nossos alunos em
termos de leitura e escrita. O processo de alfabetização enquanto for concebido
como “[…] uma técnica que está diretamente ligada à decodificação […]”, isto é,
“[…] a decifração do código escrito – o alfabeto […]” (ROSÁRIO, 2013, p. 39), a
escola estará longe de formar sujeitos proficientes em leitura e escrita. Enquanto a
escola considerar que repetir frases feitas fora de contexto (“Minha mãe me mima.
Minha mãe me ama.”) e “ler título e subtítulo” e “escrever um ditado” é o suficiente
para estar alfabetizado, é provável que não tenhamos o tipo de leitor que a
personagem Mafalda representa: um sujeito criticamente politizado, com uma
percepção de mundo que o leva a “ler” que a escola não está cumprindo o seu papel
político-social de formar cidadãos letrados, se continuar insistindo em usar
métodos arcaicos de alfabetização que não proporcionam o letramento do aluno.

Considerações finais

A partir da perspectiva sociodiscursiva da linguagem (de linguagem como


princípio de interação), compreendemos a alfabetização como um processo
necessário para se atingir o letramento, porém, é necessário enfatizar que o mero
acesso ao código linguístico não é suficiente para atender as demandas sócio-
comunicativas do mundo moderno, tecnológico e multissemiótico no qual estamos
inseridos.
A leitura e a escrita são práticas sociais exigidas em qualquer contexto ou
em grande parte das situações de uso da linguagem. Sendo assim, é necessário que
a Escola proporcione aos educandos condições que favoreçam o seu pleno domínio
das práticas sociais de linguagem, como forma de exercício de cidadania na
sociedade na qual o sujeito esteja inserido.
Se a escola continuar a formar sujeitos alfabetizados aptos apenas a
descodificar e codificar a língua (como no caso do texto I) e não atentar para um
processo de alfabetização mais eficiente e significativo “atualizado” com as novas
diretrizes suscitadas pelos estudos e pesquisas da Linguística (como sugere o texto
II), então, continuará “formando” leitores/escritores sem o domínio proficiente de
leitura e de escrita e dos gêneros textuais reais (concretizados
multissemioticamente) que circulam na esfera social. Sendo assim, ela não está
cumprindo o seu papel/função social de formar o cidadão politicamente ativo
como agente de mudanças sociais por meio de ações e práticas sociodiscursivas de
linguagem, ou seja, o cidadão letrado.
Mas para não criarmos uma expectativa de que estaríamos propagando
um possível preconceito e discriminando aqueles que não detêm um certo nível de
letramento formal (principalmente de escrita), reconhecemos que, como defendem
Street (2014) e Tfouni (2006), há um nível de letramento que está além dos
domínios da escola, “das instituições pedagógicas”, ou da “tirania da escrita”, como
diz Coulmas (2014), pois pressupõe que toda e qualquer pessoa possui
conhecimento de mundo, independente de ser letrado ou não.
Diante do que foi discutido até aqui, gostaríamos de finalizar (por
79
enquanto!) nossa fala com a sensatez e serenidade das palavras de Magda Soares
(2006, p. 49): “Conclui-se que há diferentes tipos e níveis de letramento,
dependendo das necessidades, das demandas do indivíduo e de seu meio, do
contexto social e cultural.” E a escola deve ter esse papel profícuo não só de
proporcionar o letramento pleno como também de conscientizar sobre tais
nuances do letramento e de respeito ao outro.

REFERÊNCIAS

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Ramos. Lisboa: Presença. São Paulo: Martins Fontes, 1974.

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escrita: o sujeito e o trabalho com o texto. Campinas: Mercado de Letras, 1997.

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diferentes perspectivas de análise. In: ROJO, R. (org). Alfabetização e letramento:
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problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 12. ed. São Paulo:
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TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de


gramática. 9. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2003.

81
UM ESTUDO SOBRE A MEGAESTRUTURA MULTIMODAL DO MERRIAM-
WEBSTER: VISUAL DICTIONARY ONLINE

Aluizio LENDL
José Marcos Rosendo de SOUSA
Antônio Luciano PONTES

Introdução

Objetivamos, neste capítulo, explorar a organização interna do dicionário


visual online Merrian-Webster, mais especificamente a megaestrutura multimodal.
Para isso, visitamos o trabalho de Pontes (2009), que estudou a organização de
dicionários escolares; e o de Welker (2004), cuja abordagem relaciona estudo de
dicionários em geral. Sobre a megaestrutura especializada, observamos os
trabalhos de Haensch (1982); Hartmann & James (1998) e Gelpí Arroyo (2000),
que trazem comentários relevantes sobre a estrutura do dicionário.
Além do estudo metalexicográfico, apoiamo-nos na Teoria da
Multimodalidade, aporte teórico que nos proporciona embasamento para
compreender a estruturação visuais dos diferentes textos. Nesse sentido,
advertimos que não faremos um aprofundamento teórico pormenorizado dessa
teoria, tampouco as descrições das imagens, pois ela aqui aparece como recurso
que nos permite entender, que os recursos imagéticos não ocorrem simplesmente
justapostos como modos separados, mas estão integrados e são combinados para
formar um todo produtor de sentido.
Unindo lexicografia e multimodalidade podemos entender melhor sobre a
organização de dicionários visuais, consequentemente, disponibilizando estudos
para a melhor construção de dicionários dessa natureza. Ainda, ajudando a
promover critérios de avaliação desses e de outros dicionários.
Desse modo, para além desta introdução, na sequência, apresentamos uma
breve fundamentação sobre lexicografia e, em seguida, o estudo exploratório da
megaestrutura. Por fim, apresentamos as nossas considerações finais.

Entendendo a organização interna de dicionários

Uma generosa parcela dos pesquisadores da área da lexicografia mantém


um consenso sobre a organização de dicionários. Normalmente, estando dividida
em megaestrutura, macroestrutura, medioestrutura e microestrutura. Essa
organização trata-se das características internas, como a redação das definições, a
marcação de palavras com respeito às diferenças gráficas, de estilo, de área de
conhecimento e função dos exemplos.
Quando se fala em organização, Pontes (2009, p. 66) afirma que “o texto
lexicográfico se forma a partir de dependência mútua, isto é, as informações não
aparecem na sua composição de maneira aleatória ou ao acaso”. Pois, é um texto
passível de se identificar características que façam as informações serem
coerentes. Ainda que as partes internas estejam interconectadas, como um
conjunto de estruturas encaixadas.

82
O elemento que estudaremos desse sistema organizacional é a
megaestrutura. Adotamos este termo, usado por Pontes (2009) e Hartmann &
James (1998), por ser parte de um conjunto maior que gera uma sequência lógica
com as outras estruturas. Entretanto é importante fazer entender que outros
estudiosos adotam outras nomenclaturas, como é o caso de Welker (2004) e
Hausmann & Wiegand (1989), os quais chamam de textos externos; Haensch
(1982), que nomeia de macroestrutura; e Gelpí Arroyo (2000) que batiza de
hiperestrutura. De modo geral, todos entendem esta estrutura como sendo a parte
geral do dicionário, contendo três partes principais, o material anteposto, a
nomenclatura e o material posposto.
Sobre as três partes mencionadas, Hartmann & James (1998) designam
como conjunto formado pelas nomenclaturas e os textos externos – outside matter.
Assim, dividem a megaestrutura em front matter, middle matter e back matter1.
Cabe ainda mencionar que Pontes (2009) traz outra nomenclatura à
megaestrutura de dicionários escolares, porém as definições dadas aos termos não
divergem daquelas dos autores já citados. O autor divide-a em “páginas iniciais
(elementos preliminares, material anteposto), o corpo (nomenclatura ou
macroestrutura) e as páginas finais (material posposto)” (PONTES, 2009:66-67).
Em suma, Welker (2004) constata que a megaestrutura pode ser constituída pelo
prólogo, prefácio, introdução, lista de abreviaturas usadas no dicionário,
informações sobre a pronúncia, resumo da gramática, lista de siglas e/ou
abreviaturas, lista de verbos irregulares, listas de nomes próprios, lista de
provérbios, bibliografia, fonte e, algumas vezes, certas curiosidades.
Quanto ao material anteposto, Pontes (2009, p. 67) destaca que é de
presença obrigatória na megaestrutura do dicionário. Por outro lado, Welker
(2004: 80) nos mostra que há autores que consideram apenas o corpo do
dicionário como parte obrigatória. O que é consenso entre os dois autores é que há
a necessidade de informações sobre como usar os dicionários, isto é, uma
explicação sobre a organização. Sobre esses textos externos, Welker (2004, p. 80)
constata que não possuem uma posição fixa, “a não ser o prefácio e a introdução,
que devem preceder as nomenclaturas”.
Front matter ou material anteposto desempenha função metalinguística, já
que ressalta como os dicionários foram feitos e os seus usos possíveis. Serve,
portanto, para que os consulentes compreendam como a obra se organiza e como
manuseá-la. Tecnicamente, Pontes (2009, p. 67) destaca elementos que deveriam
constar nesta parte introdutória, são eles: as características da obra; a definição de
critérios adotados pelo lexicógrafo; as indicações de uso, como guia para a consulta
da obra; e a indicação do leitor potencial do dicionário. Dentro desse mesmo
entendimento, elencamos a seguir o que Damin (2005, p. 83) considera como
elemento importante do material anteposto:

(i) Deve explicar para quem é destinado e quais informações o usuário irá
encontrar na obra;
(ii) Deve oferecer um guia de uso que explique como procurar as palavras
utilizando a ordem alfabética;

1 Anterior, interno e posterior, respectivamente. (Tradução nossa)

83
(iii) Deve explicar como o usuário pode entender a organização do artigo
léxico e se movimentar dentro dele;
(iv) Deve informar sobre como as acepções estão ordenadas;
(v) Deve ter informações sobre como entender e utilizar o sistema de
remissão entre as partes do dicionário;
(vi) Deve conter explicações sobre símbolos, ícones e abreviaturas.

Percebemos que a parte introdutória é responsável por instruir o leitor


quanto à compreensão da obra e promover o acesso a todas as informações. Pontes
(2009, p. 69) nos explica que “isso é necessário para a formação do leitor de um
dicionário, já que os dicionários não são todos iguais”.
Middle matter ou corpo do dicionário são as nomenclaturas. É o dicionário
propriamente dito, o conjunto de entradas do dicionário. É verticalmente
organizado por ordem alfabética ou campos semânticos. São os substantivos,
verbos, advérbios, conjunções, preposições, abreviaturas, prefixos e tudo que
possa funcionar como entrada nos dicionários.
Back matter ou material posposto é de caráter opcional, situado no final dos
dicionários, logo após a nomenclatura. São os apêndices e os anexos. Os apêndices
apresentam uma minienciclopédia, elementos de composição, resumo gramatical,
tabelas de conjugação dos verbos; os anexos apresentam documentos, estatísticas,
grafia, quadros, ilustrações ou textos que mantenham estreita relação com o
assunto do dicionário. Pontes (2009) nos diz que essas informações são
importantes para os dicionários escolares.
Ademais, os elementos que compõem o Front matter e o Back matter devem
ser visualmente destacados para melhor acessibilidade dessas partes. Por sua vez,
o Middle matter possui uma organização particular, assunto que abordaremos no
próximo parágrafo. Na próxima seção, apresentaremos a discussão da organização
interna do dicionário visual.

A megaestrutura do visual dictionary online

Sabemos que a megaestrutura é formada pela relação harmônica entre


Front matter, middle matter e back matter. Para facilitar a compreensão, utilizamos
a terminologia de Pontes (2009, p. 67), cuja denominação é material anteposto,
macroestrutura e material posposto, que possui o mesmo significado conceitual
daqueles dispostos em inglês. Nesse contexto, ressaltamos que a nossa observação
ficará restrita especificamente ao material anteposto e ao posposto, tendo em vista
que a macroestrutura encontrar-se-á analisada ulteriormente.
Nos dicionários impressos, o material anteposto pode ser considerado como
a parte que introduz o consulente sobre os conhecimentos prévios que precisam
ser acionados quando do acesso à obra e, também, para dá outras providências. Já
mencionamos que a parte introdutória pode incluir a apresentação, o prólogo, a
introdução, as normas de uso, dentre outros elementos. Isso tudo deveria aparecer
nas páginas iniciais de dicionários impressos. Por sua vez, o material posposto, tem
caráter opcional e aparece logo depois da macroestrutura, no final do dicionário,

84
tais como apêndices e anexos.
Entretanto como podemos notar, o dicionário visual eletrônico não está
organizado dessa forma, a rede megaestrutural está arquitetada a partir do todo
organizacional de informações, tal como as funções do menu. Percebemos que não
há uma preocupação direta do dicionário em explicitar as características técnicas
da obra, as indicações de uso ou definição de critérios adotados pelo lexicógrafo.
Para fazer entender melhor sobre como essas informações são apresentadas,
dispomos a página inicial do dicionário eletrônico.

Figura 1: interface do dicionário

Fonte: visualdictionaryonline.com

Notadamente, observamos na imagem anteriormente apresentada que cada


um dos links apresentados ancora informações relevantes quanto a megaestrutura
do dicionário. A sequência de links disposta como menu, na parte superior da
figura, apresenta informações que ajudam a esclarecer o leitor quanto a suas
características de elaboração e outras instruções históricas e informações gerais
sobre o dicionário.
Se acessarmos o link ABOUT THE VISUAL (Sobre o visual), perceberemos

85
que ele se divide em outros quatro links:

(i) Overview (visão geral): Este link nos chama atenção sobre a visão geral
do dicionário. Por exemplo, que o dicionário possui 20.000 termos com
definições contextualizadas e 6.000 imagens coloridas, que é projetado
para quando você sabe como algo é, mas não como é chamado, ou
quando conhece a palavra, mas não consegue visualizar o objeto, o
dicionário visual tem essa resposta. Isso por que a busca por uma
palavra ou termo pode acontecer a partir dos campos temáticos
(Themes), pela busca de uma palavra isolada ou uma busca simples a
partir da imagem (Index), ambos dispostos do lado esquerdo da
imagem.

Figura 2: Campos temáticos

Fonte: visualdictionaryonline.com

(ii) Behind the visual (Por trás do visual): Neste link o dicionário apresenta a
equipe responsável pela construção do dicionário, desde a criação da
imagem à escolha das terminologias e das definições que passaram por
um sistema de aprovação. Isto mostra que o dicionário seguiu critérios
bem definidos, ele nos diz que:

(a) As imagens mostram realisticamente e com precisão um objeto, um


processo ou um fenômeno, e os detalhes mais significativos de sua
composição. Serve como uma definição visual para cada um dos
termos apresentados.
(b) A terminologia foi estabelecida por uma equipe de terminologistas
profissionais que estudaram uma grande quantidade de
documentação de alta qualidade, procurando o termo que designa

86
cada noção respectiva. Eles escolheram o termo mais usado e
recomendado pelas agências oficiais.
(c) As definições trazem informações essenciais que não podem ser
vistas ou são apenas sugeridas pela palavra. Como a definição deixa
de fora o óbvio da imagem, as imagens e as definições se
complementam.

Figura 3: Por trás da imagem

Fonte: visualdictionaryonline.com

(iii) History (História): Neste campo, o dicionário não traz características


sobre a organização interna ou externa da obra. Mas apresentam a
historiografia dos dicionários visuais já produzidos pela Merriam-
Webster. Segundo informações do sítio eletrônico, há mais de 20 anos o
dicionário visual vem sendo organizado.

(iv) International (Internacional): Neste link o Visual Dictionary destaca que


está disponível em versões bilíngues e multilíngues, em versões
adaptadas a grupos etários específicos e em trinta idiomas e mais de
cem países.

87
Figura 4: Internacional

Fonte: visualdictionaryonline.com

Ao acessar o link GAME, a página sugere um jogo que objetiva construir o


vocabulário do consulente ou testar o conhecimento a partir da associação entre
palavras e imagens. Abaixo, mostramos o jogo da semana, a ideia é que o leitor
possa relacionar o país a sua bandeira.

Figura 5: Jogo da semana

Fonte: visualdictionaryonline.com

88
Por seu turno, o link cuja denominação é TOOLS (ferramentas), discute
sobre a possibilidade de uso do Dicionário Visual em blogs, redes sociais e outras
atividades. A indicação é que todas as imagens, terminologias e definições podem
ser utilizadas livremente, desde que sem fins lucrativos, contanto que não seja feita
nenhuma modificação na ilustração ou na terminologia.

Figura 6: Ferramentas

Fonte: visualdictionaryonline.com

O link designado BOOKS é a parte comercial do dicionário que fornece


informação sobre valores e como comprar a versão do dicionário visual impresso.

Figura 7: Venda de livros

Fonte: visualdictionaryonline.com

89
Por sua vez, o link APPS direciona o consulente para outro sítio. Nessa nova
página, percebemos que a Merriam-Webster disponibiliza uma nova versão em
formato de aplicativo do Dicionário Visual para dispositivo móvel, com mais de
8.000 imagens de alta definição rotuladas e explicadas por 25.000 palavras em
cinco idiomas que dão nome e descrevem nosso mundo contemporâneo, conforme
podemos observar na imagem a seguir:

Figura 8: Nova interface

Fonte:ikonet.com/en/thevisualplus/

No link sobre DOWNLOAD encontramos informações sobre os sistemas


operacionais que podem executar o Dicionário Visual Online. Por fim, no link
ABOUT US aparecem informações sobre a editora que alimenta o dicionário, bem
como sua reputação internacional a partir das publicações do produto.
Como se pode observar, as informações disponibilizadas na megaestrutura
têm a intuição de instruir o leitor na compreensão da obra e promover o acesso às
informações de modo eficaz. Desse modo, como a constituição e a organização da
megaestrutura eletrônica online dos dicionários podem ser diferentes, faz-se
necessário informações de como entender e utilizar o sistema.
Por outro lado, percebemos que informações importantes são deixadas de
lado. Por exemplo, com vistas aos critérios de Damin (2005), o dicionário não traz
um guia de uso que explique como procurar as palavras disponibilizadas nos
campos e subcampos temáticos e como entende como elas estão ordenadas,
tampouco sobre as formas de remissão que são diferentes dos dispositivos
impressos. Percebemos, ainda, que o dicionário não disponibiliza imagens em
movimento, tais como vídeos e/ou gifs, não trazem imagens em outras dimensões
(3D ou 4D), nem em formato 360º 2, isto é, o Merriam-Webster não explora as
potencialidades multimodais que os dispositivos conectados em rede podem
promovem.
Para além das potencialidades e das desvantagens que o dicionário

2 Veja como funciona a imagem em formato 360º de Natal – RN no link:


https://www.guiaviagensbrasil.com/imagens360/rn/imagens-360-graus-de-natal/

90
apresenta, percebemos que somente um dicionário eletrônico pode disponibilizar
semanalmente jogos multimodais interativos diferentes, que busca fazer aprender
uma língua a partir da relação entre termo e imagem. Acrescentamos, sobretudo, a
possibilidade de comunicação mais rápida entre os consulentes e a equipe do
Merriam-Webster. São facilidade como essas que fazem de um dicionário visual
eletrônico uma ferramenta diferenciada das obras impressas.
Constatamos, portanto, que megaestrutura do dicionário visual eletrônico
online possui uma rede organizacional complexa, diferente em termos estruturais e
informacionais dos dicionários impressos, visto que o eletrônico disponibiliza
certas informações através de abas ou menus em forma de link para acesso das
funcionalidades dentro do próprio dicionário ou encaminha por meio de uma nova
guia de acesso em outro sítio eletrônico.

Considerações finais

Neste capítulo, discutimos sobre o funcionamento da megaestrutura do


dicionário visual online – Merrian-Webster, ou seja, estudamos a organização
interna filiada a lexicografia eletrônica. Assim, visitamos o dicionário e coletamos a
maior quantidade de informações disponíveis no nível estrutural em questão.
Ao término da análise, constatamos, primeiramente, que dicionários
eletrônicos online disponibilizam informações a partir de links, com remissões
internas e/ou externas, para oferecer maiores informações sobre o dicionário e
sua organização geral. Adiciona, ainda, a possibilidade de atividades interativas
dentro do dicionário. Aspecto muito diferente dos dicionários impressos em geral,
uma vez que, conforme os autores desse estudo, a organização dos impressos é
estruturada em inúmeras páginas, denominados de materiais antepostos e
pospostos, com informações explicativas que rodeiam as partes periféricas e o
corpo do dicionário.
Desse modo, percebemos que dicionários visuais eletrônicos online
facilitam ao consulente o melhor acesso às informações gerais do dicionário, posto
que a maior parte das informações estão disponíveis de forma mais rápida e
prática.

REFERÊNCIAS

PONTES, A. L. Dicionários para uso escolar: o que é como se lê? Fortaleza:


EdUECE, 2009.

DAMIM, C. Proposição de critérios metalexicográficos para avaliação de


dicionário escolar. Dissertação (mestrado em Letras). Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. 2005.

GELPÍ ARROYO, C. La Lexicografia. Barcelona: Santillana, 2000.

HAENSCH, G. “Tipología de las obras lexicográficas e Aspectos prácticos de la


elaboración de diccionarios”. In: ETTINGER, S. et allii. La lexicografía. De la
lingüística teórica a a la lexicografia prátctica. Madrid: Gredos, 1982.

91
HARTMANN, R. R. K.; JAMES, G. Dictionary of Lexicography. London: Routledge.
1998.

WELKER, H. Dicionários: uma pequena introdução. 2ed. Revista e ampliada –


Brasilia: Thesaurus, 2004.

92
O ENSINO DE LITERATURA MEDIADO PELO PROJETO “ESCOLA-CASA DE
LEITORES”

Cássia da SILVA
Antônia Cândido de SOUZA
Maria Lúcia Pessoa SAMPAIO

Introdução

A partir de pesquisas já realizadas por renomados estudiosos, impressões


advindas de experiências em sala de aula e pelo contato direto com os alunos,
percebemos, enquanto estudantes e profissionais da área de Letras, que o estudo e
o ensino de literatura nas turmas de nível médio até que acontece, mas com um
enfoque apenas nas obras impostas à escola junto ao Ministério da Educação.
Sendo assim, é possível afirmar, previamente, que há uma lacuna no que tange à
leitura e interpretação de textos literários em sala de aula. Isso, no entanto, não se
configura como uma problemática de responsabilidade apenas da escola,
carecendo, portanto, do suporte de outras instituições, primordialmente, da
família.
Partindo desses pressupostos, o incentivo a leitura não deve existir apenas
na escola, mas também em casa, inserida nas atividades cotidianas e no convívio
social entre as pessoas. Nesse contexto, faz-se necessário falar sobre leitura e
debater sobre ela de forma crítica, de modo a exigir, não só da escola, como
também da família e dos governantes, uma educação mais digna que prime pela
qualidade em todos os níveis de ensino: fundamental, médio e superior. O fato é
que a leitura de vários textos em outros horários, assim como em casa, por
exemplo, faz-se importante, pois o saber vai além da escola e suas modalidades e
para que isso aconteça, não devemos ficar presos apenas ao método de estudo
adotado pela escola. É de imensa relevância sabermos onde começa e onde termina
o ensino dessa instituição e, mais ainda, termos conhecimento de que o estudo em
casa também faz parte do processo de ensino-aprendizagem.
Com base nessas considerações introdutórias, o interesse pela temática
deste trabalho surgiu a partir de uma experiência de estágio numa escola de ensino
fundamental no município de Missão Velha–CE, onde tivemos o prazer de
acompanhar uma turma do 6º ano e logo foi possível observar o quanto o
desprazer pela leitura era enorme. Posteriormente, através de outra prática de
estágio, dessa vez numa escola de nível médio no mesmo município, também
tivemos conhecimento de que os alunos saem do ensino fundamental sem a base
necessária em relação à leitura literária.
O nosso objetivo principal é propor um projeto que envolva o tripé escola-
literatura-casa com foco nas obras literárias indicadas no vestibular da
Universidade Regional do Cariri (URCA), no intuito de fortalecer o ensino e
aprendizagem dos alunos e contribuir na preparação dos discentes para a
realização de processos seletivos de vestibular. Acreditamos que projetos desta
natureza podem influenciar não somente na realização de exames desta
instituição, mas também de outras universidades, incluindo o Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM), o vestibular brasileiro mais concorrido, na atualidade.

93
Partimos do entendimento de que é nosso dever mediar a literatura fazendo com
que ela seja viva não só no Ensino Médio, mas também em todos os níveis de
ensino e que os alunos junto aos professores procurem fazer a mediação entre casa
e escola, conscientizando, assim, também a família sobre o quanto é importante as
crianças e jovens terem gosto pela leitura, também em casa.
A pesquisa que apresentamos neste capítulo justifica-se relevante devido
às dificuldades encontradas no ensino médio em relação à leitura de obras
literárias que venham a ser primordiais nos vestibulares e que são pouco
trabalhadas nas modalidades de ensino e aprendizagem dos alunos. No entanto, é
de imensa importância salientar que não defendemos um modelo de ensino de
literatura voltado apenas para exames pós ensino médio. Pretendemos, com este
estudo, (re)pensar esse modelo de ensino no qual a literatura é posta em segundo
plano, buscando fazer com que o aluno se torne um cidadão crítico capaz de fazer
suas próprias escolhas e de se impor a determinadas situações no mundo atual que
vivemos. Para isso, adotamos obras que estão no edital da URCA, mas que podem
ser adaptadas, dependendo da faculdade e do vestibular.
Nosso trabalho se encontra dividido, além de uma introdução, na qual
visamos reforçar a leitura mediadora entre escola e família, enfocando
principalmente as obras do vestibular da Universidade Regional do Cariri (URCA)
com objetivo de também levar esse conhecimento para dentro das casas de cada
um dos discentes que desejam passar no processo seletivo de qualquer natureza. A
segunda seção é referente à teoria utilizada no embasamento deste trabalho. Na
terceira seção, tratamos da metodologia escolhida para a realização do estudo aqui
empreendido. Já na quarta seção, nossa atenção volta-se para o projeto “Mala da
Leitura”, inspiração para a criação do nosso, e para as obras literárias que serão
trabalhadas à medida que ele for desenvolvido. A quinta seção é dedicada à
descrição do nosso projeto intitulado “Escola-Casa de Leitores”.

Um olhar voltado para o que nos diz a teoria: pressupostos

Durante o Ensino Fundamental e Médio o que é trabalhado com gosto e


disponibilidade de conteúdo, é a gramática, a qual deixa os alunos com uma grande
carência em leitura, logo, vem sendo a principal decadência nos vestibulares em
que só é aprovado o candidato que fizer, principalmente, uma boa redação. Ao
decorrer dos primeiros anos do Ensino Médio, devemos dar mais ênfase aos textos
e a leitura em casa, isso porque o tempo em sala de aula é muito pouco para lermos
e respondermos as atividades de todas as disciplinas, em especial as de Português
que por sinal trazem também a literatura, que faz parte de toda nossa vida. Faz-se
necessário aproveitar as horas vagas para complementar o estudo escolar
dedicando, pelo menos, 2 horas diárias do tempo em casa para aprofundar
conhecimentos de mundo através das leituras, com destaque, de obras literárias.
Deste modo, a busca por novas estratégias de ensino, que visem o
incentivo em despertar nos alunos o gosto pela leitura, deve ser constante. Sendo
assim, as escolas devem sempre estar aptas a novos modelos de ensino, criar e
inovar projetos de leitura que visem o gosto também dos alunos. No presente
momento, para que isso aconteça, é preciso a conscientização de todos em busca
de criar leitores para o mundo, ampliando o método de ensino, por vezes, muito
distante de sua realidade. Como diz Pelandré (2011, p. 25):

94
Nas salas de aula, os alunos sentam-se em carteira, enfileiradas
uma atrás da outra. O professor posiciona-se, em geral, a frente
dos alunos, dirigindo-se a todos ao mesmo tempo, e em algumas
situações fazem perguntas a alunos em particular e os demais,
quando desejam manifestar-se levantam o braço – sinal de pedir
licença para fazer uso da palavra.

Com isso, percebemos que o modelo de ensino ainda está muito distante
da realidade que vivemos, pois ainda está relacionado com um passado não muito
distante, e para que possamos melhorar, é preciso que nos convertamos a
realidade do mundo que vivemos.
Uma alternativa útil para a dinamização do ensino é a utilização da
tecnologia a favor da aprendizagem escolar, pois a grande maioria dos jovens
possui um aparelho tecnológico com acesso a internet (geralmente um celular),
utilizando-o para se comunicar com outras pessoas via redes sociais, jogar jogos,
fazer downloads de músicas, assistir filmes, séries etc. Por que não utilizar essa
habilidade de manuseamento da tecnologia em favor da escola? Pelandré (2011, p.
31) recomenda:

Pensar no ensino de língua portuguesa e literatura implica,


portanto, considerar todas as questões mencionadas, levando em
conta, sobremaneira, o avanço tecnológico que vem propiciando
novos modos de sentir, de ver e de pensar as realidades
vivenciadas. A internet chegou às escolas e temos outros desafios:
incorporá-la como ferramenta imprescindível de acesso a
informação e a produção de conhecimentos.

Dessa forma, a autora aponta outro modelo de ensino: aproveitar a


internet como um livro aberto ao qual todos os alunos e professores tenham
acesso em tempo real e não se prenda a um método muito antigo de ensino. Nos
níveis fundamental e médio, por exemplo, os alunos querem usar o celular o tempo
todo. Sendo assim, por que não aproveitar isso para dar aula de um novo jeito?
Deixemos claro que não estamos incentivando o seguimento de um modelo de
ensino diferente do Ministério da Educação e das escolas. Sugerimos adaptações às
mudanças do nosso tempo, com um olhar mais atento para o mundo atual, para
que os alunos também possam enxergar a realidade criticamente, utilizando esse
posicionamento na resolução das questões sobre literatura, nos exames que
possam vir a fazer.
Assim, Silva (2009, p. 44) reforça que:

É preciso que o ensino médio ensine o aluno a pensar, tirar


conclusões, a situar no seu contexto do cotidiano o saber que
adquire na escola. Em outras palavras: nossos alunos precisam ser
leitores críticos - na leitura de textos literários e na leitura do
mundo. Por tanto ler, ler muito e de tudo é a melhor maneira de o
aluno preparar-se para essa prova.

Acreditamos e enfocamos ainda mais a citação de Silva, pois só a leitura da


escola não é suficiente para prestar um vestibular ou concurso público. O que
realmente temos que ter é todo e qualquer tipo de leitura e que essa leitura faça

95
parte de nossa vida e da realidade que vivemos, temos que saber levar para casa o
conhecimento adquirido na escola e saber se situar diante desse conhecimento
tanto na escola quanto em casa.
A leitura literária nos faz viajar e dar mais ênfase em outras leituras
necessárias para passar nos vestibulares e provas que realizamos no decorrer do
nosso ensino. No entanto, Silva (2009, p. 45) ressalta que “a grande ênfase das
leituras de vestibulares, portanto, está no romance e no conto produzidos nos
últimos 80 anos”. Sendo assim, ao observarmos o Ensino Médio, notamos que os
textos que são cobrados pouco têm do que realmente cai nos vestibulares, pois o
que o ensino pede o tempo todo, não somente no Ensino Médio, mas em todo
ensino, é o estudo da gramática tanto em casa quanto na escola deixando, assim, o
estudo literário para depois, o qual se cobra tanto numa prova. Logo, Silva (2009,
p. 47) ainda afirma que “a linguagem literária é sutil: treinar um olhar crítico pela
via e ficção é conhecer mais a fundo a natureza humana, um aprendizado essencial
para cada um de nós”. Isso nos diz que a literatura está dentro de cada um de nós e
só precisamos nos interessar por obras literárias que nos façam pensar
criticamente.
No entanto, para que isso aconteça, é necessário que as escolas e as
famílias também olhem para o ensino literário com bons olhos. Logo, os alunos não
vão para escola apenas para estudar o português, praticamente dito, mas também
pela literatura. Segundo Leite (2006, p. 21), “na Europa, a sociologia da literatura já
vem inventariando, há anos, os usos da literatura na escola, pondo em evidencia a
sua função ideológica e seletiva”. Posto isso, fica claro a importância dada à
literatura em outras escolas de países que não são diferentes do nosso, e ainda nos
primórdios. “No Brasil, esses estudos são ainda muito raros” (ibdem).
É comum os textos literários serem “jogados” no meio da disciplina de
Português, como se não tivesse nenhuma importância para o desenvolvimento
interativo dos alunos. Sendo assim, é meio que obrigação ensinar literatura que,
por sinal, é tão rica em conteúdo, mas que pode se tornar muito pobre se não
aplicada como deveria, tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio.
Linhares e Lopes (2007 p. 7) nos apontam que, “nas aulas de literatura
geralmente as metodologias aplicadas não permitiam o contato dos alunos com
textos literários, tampouco favoreciam o trabalho de reflexão e interpretação sobre
eles”. Este excerto reforça o que vem sendo dito, sobre o fato de o ensino de leitura
literária ser muito pouco em relação à sua necessidade, fazendo com que os alunos
não desenvolvam a capacidade de interpretação e nem compreensão do que estão
lendo.
Se não houver o incentivo à leitura literária desde cedo é quase que
impossível o despertar desse gosto quando o aluno chega ao Ensino Médio, até
porque vivemos em uma sociedade na qual já é muito difícil estudar e,
considerando a realidade dos alunos, onde muitos têm que conciliar estudo e
trabalho, isso acaba prejudicando, fazendo, assim, a leitura pouca para quem
estuda e trabalha, e muita para quem apenas estuda. Sendo assim, é pertinente
falar novamente em Linhares e Lopes (2010, p. 2), numa leitura que fizeram de
Martins (1993) afirmando que: “a leitura historicamente é concebida como
privilégio de classe no Brasil permitindo o domínio de um setor da sociedade sobre
os demais, porque a leitura é conhecimento e conhecimento é poder”.
Como podemos perceber, o crescimento profissional depende de muito
estudo e bastante leitura não só na escola, mas em todos nossos momentos de

96
convivência familiar. Como diz Brandão e Micheletti (2007, p. 26), “a escola deveria
desde as séries iniciais, encarar a literatura como atividade produtiva no sentido
mais amplo”. Para isso acontecer, é necessário também o apoio dos pais em casa,
fazendo, assim, a mediação entre escola e família.
Ainda segundo as autoras (2007, p. 26), “a literatura integra diversos
prazeres: o da criação, o da ação, o do conhecimento, o do bem-estar interior, o do
lazer - que se condensam na fruição; a escola pode ser séria sem ser sisuda e
enfadonha”. Como podemos perceber, o ensino e assimilação dos conteúdos
podem ser cobrados sim, mas que a literatura seja sentida emocionalmente por
todos que constituem o ensino e aprendizagem de maneira igualitária.
Faz-se necessário formar leitores dentro e fora da escola e fazer como
Lajolo, (apud INFANTE, 1998, p. 63):

Se cada leitor preocupado com a leitura do próximo, sobre tudo


leitores-professores, leitores-pais-e-mães, leitores-tios-e-tias,
leitores-avos-e-avos, montar sua própria antologia e contagiar por
elas outros leitores, sobre tudo leitores-alunos, leitores filhos-e-
filhas, leitores sobrinhos-e-sobrinhas, leitores-netos-e-netas, por
certo a prática de leitura na comunidade representada por tal
círculo de pessoas, terá um sentido mais vivo. E a vida será melhor
iluminada pela leitura solidaria de histórias, de contos, de poemas,
de romances, de crônicas, e do que mais falar a nossos corações de
leitores que, em tarefa de amor e paciência, apostam no
aprendizado social da leitura.

Que emocionante seria se realmente isso acontecesse, na prática, e todos


os familiares e professores dessem as mãos todos em busca da leitura formando,
assim, vários cidadãos literários. Como consequência, viveríamos num mundo mais
humanizado de saberes múltiplos perante a sociedade, com pessoas capazes de
intervir nas injustiças sociais de modo a contribuir em melhorias na vida de todos.
Para isso, são criados os projetos de leituras visando ver a maior parte da
população lendo como um todo.
Infelizmente, no mundo que vivemos, predomina, ainda, o modelo de
ensino focando muito o livro didático, às vezes com tão poucos textos literários e
os que têm, nas questões provenientes deles, pedem para encontrar e relacionar a
gramática dentro do texto. Muitas escolas ainda desconsideram o fato de, como
aponta Martins (1998, p. 25), “no contexto brasileiro a escola é o lugar onde a
maioria aprende a ler e a escrever, e muitos têm sua talvez única oportunidade de
contato com os livros didáticos”.
É verídico afirmar que isso realmente acontece. Muitos alunos têm seu
primeiro contato com livros didáticos, os quais, no nosso ponto de vista, têm pouco
conteúdo em relação à literatura, deixando o aluno e sua imaginação presos
somente no que ele está vendo, apenas cobrança de perguntas e respostas. Claro
que isso é importante para o ensino e aprendizagem, mas que isso não venha a
traumatizar os alunos em seu primeiro contato com a escola. A leitura é tão fácil de
ser sentida, basta que nos interessemos por ela assim como Luzia de Maria (2009,
p. 121) nos alerta: “conhecer a literatura, não é decorar dados e datas a seu
respeito”. Concordamos plenamente com a autora que a literatura deve ser sentida
e não apenas codificada, pois ler é emocionante, principalmente, quando se trata
de literatura. Para que isso aconteça, é importante que aos poucos aprendamos a

97
ser leitores começando a ler, principalmente, o que gostamos. Como acrescenta
Maria (2009, p. 159):

[...] nenhum leitor nasce lendo Fernando Pessoa ou Guimarães


Rosa. Até porque é preciso maturidade de leitor para apreciar os
mestres. Prefiro ver um adolescente lendo, feliz, Harry Potter do
que vê-lo sendo obrigado, pela escola, a ler um romance qualquer
de Machado De Assis, por conta de ser seu centenário, e odiando,
por tabela, qualquer leitura.

Sendo assim, é de imensa importância a escola adotar também esse


modelo de ensino, mas no nosso ponto de vista, esse modelo só funciona em casa e
quando a família quer ajudar dentro e fora da escola, onde o aluno, raras vezes, ler
o que quer. Logo:

[...] de tudo o que as escolas podem fazer com as crianças e os


jovens, não há nada de importância maior que ensinar o prazer
pela leitura. Todos falam na importância de alfabetizar, saber
transformar símbolos gráficos em palavras. Concordamos. Mas
isso não basta. É preciso que o hábito de ler dê prazer. As escolas
produzem, anualmente, milhares de pessoas com habilidade de
ler, mas que, vida a fora, não vão ler um livro se quer. Acreditamos
piamente no entrar no mundo humano (ALVES, 2008, p. 61).

É de importante que o aluno conheça os tipos de textos relacionados às


obras literárias que caem nos vestibulares. “Não é por mero acaso que, de uns anos
para cá, algumas universidade, ao lado das leituras literárias, vêm recomendando
que os candidatos assistam a uma série de filmes, a maioria dos quais baseados em
obras literárias” (SILVA, 2009, p. 44).
Dessa forma, vale ressaltar as obras que caem no vestibular da URCA, que
buscam desenvolver, também, o pensamento crítico dos alunos através, não só da
gramática, mas também do ponto de vista literário, considerando a base de
aprendizagem que o aluno traz do Ensino Médio em literatura, e se essa bagagem é
suficiente para prestar um vestibular, ou qualquer outro exame dessa natureza. “É
preciso que o Ensino Médio ensine o aluno a pensar, a tirar conclusões, a situar no
contexto do cotidiano o saber que adquire na escola” (SILVA, 2009, p. 44).
Gostaríamos muito que a escola levasse em conta a visão de mundo que os
alunos trazem consigo, mas, infelizmente, isso não acontece. Um exemplo disso
pode ser percebido a partir das experiências no estágio de observação e regência,
onde foi possível presenciar, perceber e sentir as dificuldades dos alunos em
relação à leitura de textos literários. Foi notável a exiguidade de pensamento
crítico deles sobre qualquer tipo de texto. Isso faz com que as dificuldades deles só
aumentem, principalmente, na hora de prestar um vestibular. E a escola, o que ela
deve fazer para melhorar isso? Trabalhar as obras das universidades dentro do
ensino médio? Sim, e por que não? No nosso caso, principalmente as obras
literárias do vestibular da URCA.

Os passos da pesquisa: um percurso metodológico

Uma pesquisa pode ser definida, segundo Motta-Roth e Hendges (2010, p.

98
111), como “um conjunto de ações determinadas para propósito de investigar,
analisar, e [criticamente] avaliar determinada questão ou problema em dada área
do conhecimento”. Sua estrutura é composta por elementos fundamentais para o
entendimento e organização das ideias, dos dados e dos resultados, mediados por
um denominador comum essencial para o seu desenvolvimento: o método.
Constituindo um ponto importantíssimo para a pesquisa acadêmica, a
metodologia é a parte responsável pelos caminhos trilhados para o alcance dos
objetivos do pesquisador na busca pela obtenção de resultados. Consoante esses
pressupostos, esta pesquisa constitui-se como bibliográfica a qual obtivemos
resultados qualitativos, pois segundo Salvador (1978, p. 10), “a pesquisa feita em
documentos escritos é chamada de pesquisa bibliográfica, quando se utiliza de
fontes, isto é, documentos escritos originais primários”.
Nesse sentido, privilegiamos obras de teóricos que consideramos
propícios ao enriquecimento do nosso trabalho cientifico e que tratam do ensino
de literatura no ambiente escolar e em casa, como Martins (1988), Infante (1998),
Leite (2006) e Silva (2016) que nos ajudaram a enxergar as dificuldades da leitura
em sala de aula. Além desses autores, usamos em nossa metodologia, uma
sondagem em escolas do município de Missão Velha, com o intuito de recolher
informações sobre o projeto “Mala da Leitura”, enleio motivador deste estudo, no
qual adaptamos e acrescentamos novos elementos voltados agora para o Ensino
Médio.
Partindo de uma perspectiva voltada para o Ensino Fundamental (o
Projeto Mala de Leitura), propomos uma abordagem direcionada para o Ensino
Médio, destacando, assim, a transição da leitura nesses anos pré-universitários, da
escola para casa e enfocando as obras em (prosa e poesia) que as universidades
propõem para o vestibular, em específico, da URCA.
Já avançados no desenvolvimento deste estudo, faz-se necessário situar
nossos possíveis leitores acerca do que está por vir. As páginas seguintes são
dedicadas à apresentação do projeto “Mala da Leitura” e da análise das respostas
dadas ao questionário aplicado à professora X. Em seguida, há um breve resumo
das oito obras escolhidas para serem estudadas no projeto “Escola-Casa de
Leitores” a ser especificado num capítulo adiante, sendo as mesmas indicadas pela
URCA. Em seguida, nossas últimas considerações sobre o percurso realizado até
aqui.

A Literatura no vestibular: as obras indicadas pela URCA

Quadro 1: Relação de livros indicados para o vestibular da URCA


PROSA
1. A CIDADE E AS SERRAS (Eça de Queiroz)
2. BIG JATO (Xico Sá)
3. BOM CRIOULO (Adolfo Caminha)
4. OS PAPÉIS DO INGLÊS (Ruy Duarte de Carvalho)
5. TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESAMA (Lima Barreto)
POESIA
1. O FERROLHO DO ABISMO (Geraldo Urano)
2. ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA (Cecília Meireles)
3. SONETOS (Camões)
Fonte: http://cev.urca.br/cev/vestibular/pdf/20172/ObrasLiterarias_ATUAL.pdf

Tomando como base o Quadro 1, inicialmente, chamamos atenção para o

99
fato de a Universidade indicar livros tanto em prosa como em poesia, o que mostra
um avanço, considerando a afirmação de Silva (2009) que ressalta que ênfase dada
ao romance e ao conto, presente no capítulo teórico deste trabalho. O quadro de
indicações é composto por oito obras, sendo cinco em prosa e três em poesia, cujas
temáticas variam desde uma relação homoafetiva, passando pelo desejo patriota
de instauração de uma cultura como a oficial de um país, até a poética de um autor
cujo lirismo o transformou no maior poeta português de todos os tempos.
O primeiro romance indicado é a Cidade e as Serras, do escritor português
Eça de Queiroz. Brevemente, a narrativa trata da vida no campo e na cidade
através do personagem Jacinto de Tormes, que sai do campo para viver em meio à
civilização de Paris. O narrador da história é José Fernandes, que descreve Jacinto
como um homem muito rico que passou por estranhas transformações à medida
que foi se civilizando. As mudanças são tamanhas que com o passar do tempo seu
comportamento é associado ao de um louco em um mundo totalmente diferente do
mundo dos humanos em sua expectativa de vida. O romance termina com as
consequências da chegada de Jacinto à Tormes, onde se encantou com a beleza do
lugar e logo casou-se, encontrando a felicidade em uma vida simples, diferente da
que tinha em Paris.
Big Jato, do cratense Xico Sá, é uma obra construída pelo viés da memória
através de suas próprias lembranças de barulhos ouvidos na região do Cariri. A
vida real tornou-se ficção numa representação da vida no sertão nordestino,
precisamente no Crato, sua cidade natal. O enredo gira em torno da trajetória de
um menino, um velho, de um beatlemaníaco e de um caminhão limpa-fossa, do
qual saiu o título da obra “Big Jato”. Através dele, visualizamos a difícil história de
Xico Sá e de sua família que sobrevivia graças a profissão de seu pai como
motorista de um caminhão de limpa-fossa.
Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, é uma obra cujo enredo desenvolve-se a
partir de uma relação homoafetiva entre dois homens, tendo como personagens
centrais Amaro, Aleixo e dona Carolina. Aos poucos, se forma um triângulo
amoroso, pois Amaro, um escravo negro, se apaixona por Aleixo, um homem loiro
de olhos azuis. Depois de Amaro se envolver numa confusão no navio que ele
trabalhava para defender Aleixo, os dois passam a se encontrar num quarto
alugado por dona Carolina, que era prostituta. Passado algum tempo, Amaro foi
transferido do navio e os desencontros começaram, deixando o caminho livre para
Carolina seduzir Aleixo e deixá-lo apaixonado. Amaro desconfia da traição, no
entanto, pensa ser com outro homem e, por conta de tanto sofrimento, ele entra
em outra briga no navio, logo é castigado a 150 chibatadas e foi hospitalizado,
Amaro manda recado para Aleixo ir lhe visitar, mas ele não vai então Amaro foge
do hospital que está internado e descobre a traição de Aleixo com dona Carolina,
ele fica indignado e o mata a navalhada.
Em Os Papéis do Inglês, o escritor português Ruy Duarte de carvalho
escreve um romance de ganância, violência e paixão, que tem como personagem
principal um professor, que investiga a morte de um caçador de elefantes na África.
Esse próprio caçador mata um amigo de profissão, mas se entrega as autoridades
portuguesas, que por sinal, não lhe dão ouvidos, deixando-o, assim, livre para sair
atirando em tudo que vir pela frente no acampamento, e em seguida, termina por
atirar em seu próprio peito.
Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, é um clássico da
literatura brasileira, publicado primeiramente, em folhetins e que retrata o mundo

100
político em um momento histórico da história brasileira, tendo como foco principal
a inconformidade de um major chamado Policarpo Quaresma, em ver seu país
seguindo modelos portugueses políticos e culturais. Em suma, o personagem
pretende valorizar a cultura do Brasil, lutando contra políticos que desvalorizam a
verdadeira cultura brasileira. Policarpo é tido como louco ao exagerar no seu
desejo em abrasileirar a sociedade em que vivia, começando pelo Rio de Janeiro,
para, em seguida, abranger todo o país, fracassando nesse percurso.
Não só de prosa faz-se o vestibular da URCA. Aqui, falamos também da
Poesia representada por obras como O ferrolho do abismo, de Geraldo Urano. O
poeta nascido em Crato-CE, em 10 de julho de 1953, foi grande participante dos
festivais regionais da Canção e grande escritor da geração mimeógrafo. Produziu
dois livros solos. Em um deles, ele reúne suas poesias por completa. Sua poesia é
inspirada na própria vida dos moradores de Crato, pincelada em recordações de
suas andanças pelas raízes culturais de sua terra.
Em Romanceiro da inconfidência, publicada originalmente em 1953, Cecília
Meireles transcreve para a poesia notas líricas sobre um importante
acontecimento histórico brasileiro: a Inconfidência Mineira. Esse livro, apesar de
publicado em 1953 foi escrito em 1940, resultado das andanças de sua autora por
Vila Rica e, inicialmente, sob outra pretensão de escrita. A atmosfera da cidade fez
com que Cecília, diante dos conflitos políticos que ali efervesciam, buscasse
inspiração nas verdadeiras histórias e lendas da população daquela cidade, hoje,
Ouro Preto, para construir uma lírica com densos tons políticos em uma revolta
marcada, principalmente, pelo enforcamento de Francisco José da Silva Xavier, o
famoso Tiradentes.
Por fim, mas não menos importante, temos Sonetos, de Luís de Camões, o
maior poeta português de todos os tempos. Fonte inesgotável de inspiração bebida
por escritores do passado, do presente e, certamente, do futuro, esse poeta
português é conhecido, principalmente, por seu clássico da literatura “Os lusíadas”.
No entanto, outros escritos de Camões merecem destaque, a saber, seus sonetos,
aqui representados pelo (talvez) mais conhecido deles “O amor é fogo que arde
sem se ver”. Através dele pode ser percebida a transcendência temporal de sua
escrita, quando esta perpassa as linhas do tempo, passando pela canção do grupo
musical brasileiro Legião Urbana e chegando a atualidade, adentrando o espaço
musical do sertanejo universitário. Com isso, fica visível o quão o estudo dessas
obras, no Ensino Médio, e cobrado no vestibular de uma Universidade que vem se
destacando a cada dia no meio acadêmico, pode contribuir para debates sobre
temas diversos, discutidos a partir da literatura. Decorridas as considerações feitas
até aqui, passamos, agora, a discutir mais especificamente os pontos contemplados
na proposta do nosso projeto.

“Escola-Casa de Leitores”: levando a literatura da escola para casa

Nesta seção, apresentamos o projeto “Escola-Casa de Leitores”, o passo a


passo da forma como ele será desenvolvido e as atividades a serem realizadas
tanto na escola como em casa. Com isso, esperamos proporcionar um
entendimento de que a leitura literária deve ser incentivada e necessita de
metodologias que dinamizem esse processo.

Conhecendo o projeto “Escola-Casa de Leitores”

101
Os textos literários são ricos em conteúdo que não merecem ficar
guardados em uma biblioteca. Eles foram/são escritos para serem lidos e
trabalhados dentro da escola para, a partir dela, expandir-se para fora de seus
muros, através da mediação feita pelos professores entre a família e esta
instituição de ensino. Dessa forma, reafirmamos que buscamos através deste
estudo, conscientizar a todos que a ele tiverem acesso sobre a importância de se
incentivar a leitura literária como forma de contribuir para produção crítica do
pensamento humano e do mundo, por intermédio da literatura, focada nos exames
aplicados pelas universidades em seus vestibulares. Apresentamos, portanto, o
projeto “Escola-Casa de Leitores”.
Como “ponta pé inicial”, para a idealização deste projeto de leitura,
destacamos as qualidades e dificuldades que os alunos da rede pública e da rede
privada enfrentam em relação à leitura, com enfoque nos primeiros. Partimos do
entendimento de que o ensino privado, na escola em que aplicamos o questionário
de pesquisa citado anteriormente, tem uma boa base de leitura e desenvolve, em
parceria com as famílias dos alunos, projetos que visam à formação de leitores. No
entanto, vale ressaltar que o ensino público também possui boas escolas e bons
professores que podem desenvolver projetos desta mesma natureza, se tiverem as
ferramentas e o apoio necessário.
Ressaltamos ainda que, apesar de ser mais difícil, considerando as
dificuldades enfrentadas pelas famílias dos alunos da rede pública, também é
possível fazer a mediação entre pais, alunos e professores, fazendo da literatura a
ponte de ligação entre casa e escola, nestas instituições públicas.
O projeto “Escola-Casa de Leitores” é uma proposta que busca desenvolver
a leitura literária dentro e fora da escola enfocando, principalmente, alunos que
estão cursando o terceiro ano do Ensino Médio. Sabemos que nestas turmas é
comum o estudo da literatura voltado quase que exclusivamente para o ENEM.
Dessa forma, direcionamos nossa atenção para outros exames (os vestibulares),
especificamente o da URCA. O objetivo do projeto é incentivar a leitura de obras
literárias indicadas para a realização dos vestibulares com metodologias que
envolvam o aluno e o motive a querer ler tais obras não por obrigação, mas por
prazer.
“Escola-Casa de Leitores” divide-se em quatro etapas a serem
desenvolvidas durante o ano escolar, em conformidade com os bimestres que
regem o calendário de atividades anuais da escola. Optamos por esta divisão
acreditando que, desta forma, todas as obras podem ser trabalhadas aprimorando
o desenvolvimento do aluno de maneira mais ampla e eficaz, já que eles estão
próximos de prestarem um vestibular. Além disso, temos a esperança de causar
algum tipo de mudança na vida dos alunos, já que a literatura tem o poder de
humanização do homem (CANDIDO, 2011).
Dessa forma, trabalharemos com duas obras em cada bimestre uma em
prosa e outra em poesia, no 1°, 2º e 3º, e duas em prosa, no 4º bimestre. No
primeiro bimestre, a obra em prosa é A cidade e as serras (Eça de Queiroz), da qual
se podem tirar características do mundo civilizado e da vida simples que o homem
pode ter sem tanta globalização. A poesia fica por conta de Ferrolho do abismo
(Geraldo Urano) valorizando, assim, o grande escritor da terra local Crato-CE,
cenário escolhido por Geraldo Urano em suas poesias.
Daremos continuidade a nossa sequência de aplicação das obras,

102
abordando, já no segundo bimestre, a obra Big Jato (Xico Sá), autor também da
cidade do Crato-CE, que é também onde fica a sede central da URCA. Para darmos
andamento, ainda no segundo bimestre, utilizaremos a poesia presente em
Romanceiro da Inconfidência (Cecília Meireles), tratando dos fatos históricos do
Brasil através da literatura.
No terceiro bimestre, a prosa a ser trabalhada com os alunos é Bom crioulo
(Adolfo Caminha), através da qual abordaremos o grande triângulo amoroso entre
Amaro, Aleixo e dona Carolina. E, para dar leveza ao trabalho de leitura, por vezes
enfadonho, devido à extensão dos romances, trabalharemos também com os
Sonetos (Luís de Camões), autor de obras literárias que serviram de exemplos para
outros escritores.
Por fim, no 4º bimestre, todas as atividades estarão relacionadas a dois
romances, pois, segundo o quadro de indicações das obras do vestibular da URCA,
há um número maior de obras em prosa. Assim, restam Os papéis do inglês (Rui
Duarte de Carvalho), história de um professor que investiga a morte de um caçador
de elefantes, e Triste fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto), na figura do
visionário Policarpo e seu desejo de resgatar a cultura brasileira.
Seguindo essa ordem cronológica de estudo e considerando a diversidade
de temas presente nestas indicações, serão desenvolvidas ações dentro da escola,
em que serão explorados todos os ambientes, principalmente a biblioteca, em
consonância com a feitura de atividades em casa, onde serão estimuladas
pesquisas e a confecção de materiais, ambos mediados pela leitura individual e
coletiva dessas literaturas. Resumir os elementos básicos de uma obra pode
induzir os leitores a buscarem lê-la, por isso, é importante saber indicar algo, no
nosso caso um livro, que já conhecemos e gostamos, para despertar o interesse de
outras pessoas a também conhecê-los. Dessa forma, Silva (2016, p. 30) afirma:

A indicação de uma obra a um familiar ou/e amigo também pode


ser vista como uma pequena demonstração de interpretação, já
que para indicarmos um livro a alguém sempre o fazemos
argumentando, ou seja, apontando motivos pelos quais tal livro
merece ser lido, isso denota entendimento e valorização da obra.

Concordando com as palavras da pesquisadora, o projeto “Escola-Casa de


Leitores” constitui-se de atividades a serem realizadas na escola e em casa, unindo
escola e família em um objetivo comum: formar alunos/filhos leitores. Para que
isso aconteça, indicaremos livros especialmente selecionados para ele. Além disso,
o aluno segue um cronograma de atividades 1 de acordo com os períodos
bimestrais da escola, a fim de dividir as leituras e facilitar a compreensão dos
textos.
Deste modo, alinharemos esses estudos diálogos com aspectos sociais em
evidência na atualidade, realizando debates sobre os textos literários e
relacionando-os com as problemáticas do mundo. Esse projeto deve, portanto, ser
aplicado para desenvolver alunos leitores, mas como uma atividade prazerosa, de
forma que deixe o discente à vontade para fazer sua interpretação das obras.
Consideraremos, também, o gosto particular de cada aluno.
Na escola, serão desenvolvidas atividades de leitura, rodas de conversa,
trabalhos em grupo, apresentações de trabalhos, enfim, metodologias que

1 O cronograma de atividades encontra-se anexado no final deste capítulo.

103
instiguem a participação dos discentes e contribuam para o entendimento dos
textos selecionados, refletindo em possíveis resultados que, esperados, sejam
satisfatórios. Essa dinamização do ensino-aprendizagem é também uma maneira
de fugir do tradicionalismo do ensino abordado por Pelandré (2011), no qual a sala
de aula é regida por normas que padronizam o comportamento de todos os
presentes neste espaço de conhecimento.

O que será feito na escola e o que será feito em casa

“Escola-Casa de Leitores” busca incentivar o hábito de leitura na vida dos


alunos. Para darmos início ao projeto, primeiro é necessário apresentá-lo a seus
protagonistas, os alunos. Portanto, na aula de abertura do projeto, explicaremos
sua composição e seus objetivos e que o compromisso dos discentes no
cumprimento das tarefas será de fundamental importância. Para sondar a
frequência de leitura dos alunos, aplicaremos um questionário com perguntas
envolvendo a leitura em várias modalidades (receitas de bolos, notícias, sinopse de
filmes, resumo de novelas, conversas via redes sociais e livro), provocando, a partir
disso, debates. Apresentaremos as obras.
Ao estudarmos as duas obras iniciais, A cidade e as serras e O ferrolho do
abismo, enfocaremos aspectos sociais presentes tanto no meio rural quanto no
meio urbano, apontando suas principais diferenças, bem como as consequências
do processo de urbanização na vida do homem. Além disso, o lirismo de uma
poesia que exalta o regionalismo nordestino e as experiências de um eu-lírico pelas
andanças em sua terra, chamando a atenção dos alunos para a valorização da
cultura e dos poetas/escritores locais.
Na escola, apresentaremos as duas obras resumindo, brevemente, dados
sobre seus enredos, seus autores e seu contexto histórico. Em seguida, dividiremos
a turma em dois grupos através de um sorteio, enumerando fichas com 1 e 2,
devidamente embrulhadas e colocadas dentro de uma urna. Os alunos que
retirarem as fichas com o número 1 comporão o grupo que trabalhará o livro A
cidade e as serras, e os alunos que retirarem as fichas com o número 2, O ferrolho
do abismo. No entanto, deixaremos claro que todos deverão ler as obras indicadas,
pois, para realizar as tarefas referentes a cada uma delas, faz-se necessário sua
leitura. Este mesmo processo será realizado nas etapas seguintes, podendo ser
alterado de acordo com as necessidades e os resultados obtidos.
Partindo do entendimento de que, por vezes, a realidade dos alunos da
rede pública de ensino brasileira não corresponde às expectativas econômico-
sociais, o acesso ao material a ser utilizado no projeto deve ser discutido com todos
os envolvidos para, em comum acordo, decidirmos a maneira mais viável e
acessível. Ressaltamos que diversas possibilidades serão apresentadas, desde o
uso dos livros presentes na biblioteca da própria escola, até parcerias com outras
instituições de ensino público do município, cópia das obras estudadas, incluindo a
disponibilização de algumas na versão PDF via redes sociais, visto que algumas
encontram-se em domínio público.
Para casa, serão solicitadas a leitura das obras e uma pesquisa mais ampla
sobre os autores e o contexto histórico de cada uma. Além disso, solicitaremos que
cada aluno traga o nome do livro que mais gostou de ler e de um que ainda não leu,
mas gostaria. Um dos alunos ficará responsável por criar um grupo no whatsapp e
adicionar todos os colegas de turma, inclusive nós, professores. Com a inserção da

104
tecnologia na aplicação desse projeto, colocaremos em prática a orientação de Silva
(2003) quando aponta a necessidade de incorporar as ferramentas tecnológicas ao
ensino/estudo como meio de acesso ao conhecimento, pois, juntando a ideia da
autora com a de outro pesquisador, reconhecemos que: “Assim, como a nossa
cultura está ligada aos feitios digitais, entendemos que não poderíamos mais
pensar na aprendizagem dos estudantes sem inseri-los em um contexto real de
ensino” (BEZERRA, 2016, p. 59).
Na segunda etapa do projeto, aquela que tem como foco o estudo das
obras Big jato e Romanceiro da inconfidência, os pontos a serem destacados
referem-se, tanto a aspectos sociais, como históricos. A partir do texto literário,
discutiremos as desigualdades sociais existentes na sociedade brasileira
conscientizando os alunos a se posicionarem criticamente diante dessa situação.
Sabemos que existem diferenças entre as famílias, principalmente em relação à
renda, pois poucos ganham muito dinheiro e uma maioria gigantesca não ganha
nem o suficiente para o seu sustento.
Esse entendimento pode ser o ponto de partida para relevantes discussões
e também uma forma de elevar a autoestima de alguns alunos, pois é comum os
alunos se sentirem envergonhados por conta de sua condição humilde, diante de
outros alunos que demonstram ter boas condições financeiras. Também é uma
forma de valorizar a cultura da nossa terra, por meio de autores da própria região,
chamando a atenção dos discentes para os escritores locais.
A terceira etapa consiste no estudo do romance Bom crioulo e dos Sonetos
de Luís Vaz de Camões. A mescla entre essas duas importantes obras das
literaturas brasileira e portuguesa é importante para o entendimento de dois
movimentos literários, a saber, o Classicismo e o Realismo-Naturalismo. Portanto,
ao estudarmos a lírica de Camões, revisaremos as características da poesia clássica
para um melhor entendimento. Também será necessário apontarmos as principais
características do Realismo-Naturalismo.
Além disso, pelo tema presente no cerne dessas obras, provocaremos
debates acerca de um delicado assunto e muito presente em nossa sociedade: a
homossexualidade. Em Bom crioulo, presenciamos as aventuras e desventuras de
uma relação homoafetiva marcada por um assassinato. A partir dessa obra,
trabalharemos a homofobia, deficiência social que maltrata física e
psicologicamente homens e mulheres, pelo fato de se relacionarem com pessoas do
mesmo sexo.
É interessante para o estudo de uma obra literária, incitar o desejo dos
alunos por lê-la. Assim, iniciarmos as atividades com algo que os motivem a querer
se aprofundar nessa leitura. Esse momento inicial provou ser bastante proveitoso,
cumprindo, assim, sua principal função: motivar o aluno. Segundo Cosson (2014, p.
28):

As motivações que propusemos sempre foram bem recebidas


pelos alunos. Acreditamos que o elemento lúdico que elas contém
ajudaram a aprofundar a leitura da obra literária [...] É preciso
lembrar que a motivação prepara o leitor para receber o texto,
mas não silencia o texto nem o leitor... Naturalmente, a motivação
exerce uma influência sobre as expectativas do leitor, mas não tem
o poder de determinar sua leitura.

Sendo assim, para introduzir os estudos sobre a obra Sonetos, de Camões,


105
iniciaremos a aula/encontro com a reprodução da música “Monte castelo”, do
grupo musical Legião Urbana, na qual encontra-se transcrito, na íntegra, o soneto
“Amor é fogo que arde sem se ver”, chamando atenção para o fato de que existe
relação entre outras artes. Além da canção de Legião Urbana, será reproduzida
outra música de título “Impressionando os anjos”, do cantor sertanejo Gustavo
Mioto, em que aparece o trecho que dá nome ao poema camoniano.
Na quarta etapa do projeto, o corpus do estudo é composto por dois
romances Os papéis do inglês e Triste fim de Policarpo Quaresma. Pela leitura desses
textos, evocaremos questões políticas, bem como sociais, incluindo uma temática
bastante discutida na atualidade, o suicídio. Para tanto, iniciaremos os debates
incentivando, de maneira dinâmica, a leitura dessas obras, para depois suscitarmos
os debates. Para tanto, uma abordagem desse tema tomando como exemplo algo
que esteja próximo do universo dos jovens, será feita, a partir da exibição de
alguns trechos da série Thirteen Reasons Why, em que o suicídio é o foco central.
Adentrando no meio político e num passeio pela cultura brasileira através da
figura de um visionário personagem da literatura nacional, Policarpo Quaresma
será, portanto, o fio condutor para se trabalhar assuntos atuais sobre a pátria
amada.

Considerações finais

Chegamos ao final deste estudo conscientes de seu (in)acabamento. Desse


modo, reforçamos a importância da realização de projetos, trabalhos, atividades ou
qualquer outra atividade dessa mesma natureza, que incentive a leitura tanto na
escola como em casa. Ele está acabado em relação à ideia escolhida como norte
para o desenvolvimento deste estudo, acreditamos ter alcançado os objetivos
motivadores. E está inacabado, pois apesar de concluída esta proposta, esperamos
que as discussões aqui expostas abram caminho para outras novas, que venham a
somar continuamente.
Como acadêmicos e profissionais da área de Letras, pretendemos colocar
em prática o projeto apresentado, neste capítulo, pois temos o interesse de
adentrar o espaço escolar preenchendo-o com leituras que despertem nos jovens o
gosto pela leitura. É de nosso interesse aproximar nossos alunos do livro literário,
a fim de prepará-los para enfrentar os exames de vestibular, neste caso, em
específico, o vestibular da URCA. Para que isso aconteça, na prática, é necessária a
compreensão e o apoio de todos, inclusive dos pais e professores, para juntos
podermos transformar nossos alunos/filhos em leitores-críticos.
Assim, a leitura literária com ênfase nas obras do vestibular da URCA,
elencamos como pontos principais abordados nessa escritura: 1) a teoria
direcionada aos problemas que evolvem a leitura dentro e fora da escola,
apontando possíveis soluções para sanar a carência leitora por parte dos alunos; 2)
a diversidade temática das obras indicadas no vestibular da URCA, que são fios
condutores para relevantes discussões sobre questões sociais, políticas e humanas;
3) o projeto “Escola-Casa de Leitores”, como uma proposta metodológica para o
estudo da literatura com fins comuns e escolares, unindo a escola e a casa num
mesmo propósito: despertar o gosto pela leitura e preparar o aluno para as provas
de vestibulares, especificamente, no que tange à literatura.
Desde o início, nossa intenção foi fazer a adaptação de um projeto de
leitura voltado para o Ensino Fundamental, que desenvolva o ensino e

106
aprendizagem do aluno, transpondo-o para o ensino médio, buscando, com isso,
tentar suprir as necessidades que os discentes têm em relação à leitura. Se ao
colocarmos em prática o projeto “Escola-Casa de Leitores” e com ele influenciar
positivamente no desempenho escolar e na leitura de textos literários, estamos
satisfeitas. É essencial formar pensadores críticos, buscando aprimorar sempre o
seu conhecimento de mundo através de leituras que os façam pensar e ver o
mundo diante de obras que enriqueçam sua personalidade. Dessa forma, deixamos
aqui a nossa contribuição para formação de alunos leitores.

REFERÊNCIAS

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Loyola, 2008.

BEZERRA, Aluizio Lendl. Práticas discursivas de produção de textos online:


explorando a construção de HQ. Dissertação de Mestrado. Pau dos Ferros: UERN,
2016.

BRANDÃO, Helena H. Nagamine; MICHELETTI, Guaraciaba. Teoria e prática da


leitura. In: CHIAPPINI, Lígia. Aprender e ensinar com textos. São Paulo: Cortez,
2007.

CANDIDO, Antonio. Vários escritos: o direito à literatura. Rio de Janeiro: Ouro


Sobre Azul, 2011.

CHIAPPINI, Ligia. Aprender e Ensinar com Textos. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
v. 2.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014.

GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006.

INFANTE, Ulisses. Do texto ao texto: curso prático de leitura e redação. São Paulo:
Scipione, 1998.

LEITE, Lígia Chiappini de Moraes. Gramática e literatura: desencontros e


esperanças. In: GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo:
Ática, 2006.

LINHARES, Maria Coura; LOPES, Elisa Cristina. A leitura no Ensino Médio:


Concepções e Práticas (UFGF) Disponível em:
www.UFGF.br.files/2010/05/5a8PDF. Acessado em: 30 jun. 2018.

MARIA, Luzia de. O clube do livro: ser leitor – que diferença faz? São Paulo: Globo,
2009.

MARTINS, Helena Martins. O que é leitura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1998.

107
MOTA, Roth Desirée; HEDGES, Graciela Rabusk. Produção textual na
universidade. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

PELANDRÉ, Nilcéa Lemos. Metodologia do ensino de língua portuguesa e


literatura. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2011.

SALVADOR, Domingos Ângelo. Métodos e técnicas de pesquisa bibliográfica:


elaboração e relatório de estudo científico. Porto Alegre: Sulina, 1998.

SILVA, Cássia da. A sequência básica em prol do letramento literário em sala


de aula via webQDA. Dissertação de Mestrado. Pau dos Ferros: UERN, 2016.

SILVA, Vera Maria Tietzmann. Leitura Literária & outras leituras: impasses e
alternativas no trabalho do professor. Belo Horizonte: RHJ, 2009.

VALVERDE, Eunice Saes Moreno. Livro da família, 1 ao 3 ano. Curitiba: Positivo,


2012.

108
Anexo

“ESCOLA-CASA DE LEITORES”

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES

SALA CASA
1º Bimestre • Leitura das obras A cidade e as • Leitura das obras A cidade e as
serras (Eça de Queiroz) e O ferrolho do serras (Eça de Queiroz) e O ferrolho do
abismo (Geraldo Azevedo. abismo (Geraldo Azevedo.
• Debates sobre as duas obras e as • Pesquisa sobre a vida e obra dos
características do gênero romance e poesia. autores e sua importância nas literaturas
• Realização de um leilão literário brasileira e portuguesa.
com a resolução de algumas questões de • Preparação para as apresentações
vestibular relacionadas às duas obras. de trabalho.

2º Bimestre • Introdução ao estudo das obras Big • Leitura das obras Bom Crioulo
Jato (Xico Sá) e Romanceiro da Inconfidência (Adolfo Caminha) e Romanceiro da
(Cecília Meireles). Inconfidência (Cecília Meireles).
• Roda de conversa sobre os artistas • Confecção de cartazes relacionados
(poetas, escritores, cantores, etc.) aos dois temas debatidos, pensando em
nordestinos e da região do Cariri. alguma contribuição para a sociedade.
• Roda de conversa sobre a • Produção de um texto/resumo
Inconfidência Mineira e seus impactos na descrevendo os principais elementos
história do Brasil, bem como sua influência contidos nas obras.
na literatura. • Resolução de questões sobre os
livros estudados.
3º Bimestre • Continuação do projeto com os • Leitura das obras Bom crioulo
primeiros diálogos sobre Bom crioulo (Adolfo Caminha) e Sonetos (Camões).
(Adolfo Caminha) e Sonetos (Camões) • Pesquisa sobre outras obras
• Debate sobre o tema literárias que tratam do preconceito nas
homossexualidade, exibição do curta- várias formas que ele se apresenta na
metragem Hoje eu não quero voltar pra casa sociedade.
sozinho, discussão sobre a homofobia. • Ensaios para o recital de poemas
• Reprodução da música “Monde com os sonetos de Camões a ser realizado
castelo” (Legião Urbana) e “Impressionando em um espaço da escola onde seja possível
os anjos” (Gustavo Mioto), cantadas por um convidar outros alunos e professores para
convidado. participar.
• Realização de um recital de poemas
com os sonetos de Camões.
4º Bimestre • Estudo dos romances Os papéis do • Leitura das obras Os papéis do
inglês (Ruy Duarte de Carvalho) e Triste fim inglês (Ruy Duarte de Carvalho) e Triste fim
de Policarpo Quaresma (Lima Barreto). de Policarpo Quaresma (Lima Barreto).
• Exibição do primeiro episódio da • Assistir em grupo os outros
série Thirteen Reasons Why, em que o tema episódios da série.
do suicídio, também presente no livro de • Produção de uma redação sobre a
Ruy Duarte é o principal assunto. fala do psicólogo convidado para debater
• Roda de conversa sobre o suicídio sobre o suicídio relacionando com a obra de
na adolescência com um psicólogo Ruy Duarte e a série Thirteen Reasons Why.
convidado. • Pesquisa sobre vida e obra de Lima
• Leitura de um artigo científico Barreto.
sobre a obra Triste fim Policarpo Quaresma • Resolução de questões de
para que os alunos conheçam a estrutura vestibulares.
dos trabalhos que terão de fazer ao
entrarem na Universidade, bem como uma
análise mais aprofundada desta obra.
• Encerramento do projeto.

109
O METADISCURSO INTERACIONAL EM ARTIGOS CIENTÍFICOS DA ÁREA DE
ECONOMIA

Antônio Luciano PONTES


Evandro Gonçalves LEITE
José Juvêncio Neto de SOUZA

Introdução

O estudo do metadiscurso, embora novo no contexto das pesquisas


brasileiras, tem-se tornado cada vez mais frequente em gêneros de texto
pertencentes às mais diversas esferas da atividade humana, como textos didáticos,
turísticos e, especialmente, acadêmicos (BONNET; GONZÁLEZ, 2016; CABRERA;
BARTOLOMÉ, 2005; CARVALHO, 2011; FARIA, 2009; KAN, 2016; MORALES et al.,
2015; OLIVEIRA, 2005; POSTIGO; JIMÉNEZ, 2006), evidenciando como se constrói,
neles, a interação entre autor e leitor/ouvinte por meio do texto.
Nosso trabalho, dando continuidade a esses estudos, visa analisar o
metadiscurso em artigos científicos, no âmbito da Economia. Mais particularmente,
dedicamo-nos a estudar os usos e funções do metadiscurso interacional, levando
em conta as categorias de análise desenvolvidas pela teoria do metadiscurso
proposta por Hyland (2005). Fundamentamo-nos também no conceito de cultura
disciplinar, do próprio Hyland (2004), para tentar definir certos usos linguísticos
que são comuns a determinada disciplina.
Metodologicamente, recorremos a contribuições da Linguística de Corpus
para o tratamento dos dados, que consistem em 60 (sessenta) artigos publicados
em um periódico da área de Economia. Os dados foram obtidos e tabulados com a
ajuda do programa computacional Antconc e submetidos a uma análise
quantitativa, acerca da frequência de uso de cada categoria de metadiscurso
interacional, e qualitativa, acerca da apresentação e análise de exemplos
representativos dos usos e funções dos recursos metadiscursivos nos textos.
Este capítulo estrutura-se da seguinte forma: primeiramente,
apresentamos nossas bases teóricas, acerca da definição e caracterização do
metadiscurso na perspectiva de Hyland (2005), com destaque para a categoria
interacional, assim como do conceito de cultura disciplinar; em seguida,
descrevemos nossos procedimentos metodológicos, alicerçados na Linguística de
Corpus, quanto à coleta e catalogação dos dados; posteriormente, realizamos a
análise quantitativa e qualitativa dos recursos metadiscursivos presentes nos
artigos científicos da área de Economia; por fim, seguem nossas conclusões.

Considerações sobre o metadiscurso

O conceito de metadiscurso originou-se nos estudos enunciativos,


notadamente no campo da Pragmática. Tem sido denominado de conceito “guarda-
chuva”, por abarcar aspectos heterogêneos como coesão e traços interpessoais.
Vários autores têm-se interessado em estudar o metadiscurso, propondo
classificações diversas para o fenômeno. Neste trabalho, especificamente, tomamos
como base o conceito e a classificação de Hyland (2005), que tem fundamentado

110
seus estudos mais recentes (HYLAND; TSE, 2004; HYLAND, 2017; HYLAND; JIANG,
2018).
Hyland (2005) parte de uma concepção de linguagem como interação e
não apenas como troca de informações. Para o autor, nos diversos propósitos com
os quais fazemos uso da linguagem (persuadir, informar, entreter, engajar-se com
a audiência etc.), transmitimos uma atitude em relação ao que é dito e ao nosso
leitor ou ouvinte. Nesse sentido, a linguagem veicula, ao mesmo tempo, um
conteúdo proposicional (informações), mas também aspectos que se referem à
própria interação (dimensão interpessoal), atinentes à maneira como a informação
é organizada discursivamente e à relação a ser estabelecida entre o locutor e sua
audiência.
Dessa concepção deriva sua visão da fala e da escrita como engajamento
social e comunicativo entre interlocutores (HYLAND, 2005; HYLAND; TSE, 2004).
Trata-se, então, de formas de relação social, de construção e negociação de
sentidos, a partir das quais o locutor promove interação com seu destinatário por
meio do texto, procurando projetar uma imagem de si e do outro com o uso de
recursos linguísticos que melhor cumpram essa função.
Esses recursos linguísticos de natureza interpessoal utilizados pelo autor
para referir-se ao conteúdo proposicional do texto, organizando o discurso, a si
próprio, marcando seu posicionamento, e ao leitor/ouvinte, para guiar sua
interpretação, são chamados de metadiscurso. Nas palavras de Hyland (2017, p.
17, tradução nossa):

Essencialmente, metadiscurso refere-se a como nós usamos a


linguagem em consideração a nossos leitores ou ouvintes com
base em nossa estimativa de como podemos ajudá-los a processar
e compreender o que estamos dizendo. É um filtro de
delineamento do destinatário que ajuda a explicar como
pretendemos que uma mensagem seja compreendida, oferecendo
comentários constantes sobre ela. Isso é importante, pois chamar
a atenção para o texto dessa forma revela a percepção de um
escritor sobre o leitor e o tipo e a extensão de sua necessidade de
elaboração, esclarecimento, orientação e interação.

O metadiscurso, como vemos, consiste num recurso interpessoal essencial


ao texto (HYLAND; TSE, 2004), para que ele faça sentido no processo de interação
verbal. Por meio dele, o falante ou escritor se projeta no texto e marca sua atitude
em relação ao conteúdo proposicional e ao leitor ou ouvinte. Dito de outro modo,
compõe-se de expressões autorreflexivas que têm a finalidade de ajudar o escritor
ou falante a expressar um ponto de vista para uma determinada audiência.
Hyland (2005, p. 38, tradução nossa) elenca três princípios do
metadiscurso, postulando: “1. que o metadiscurso é distinto dos aspectos
proposicionais do discurso; 2. que o metadiscurso se refere a aspectos do texto que
abrangem interações escritor-leitor; 3. que o metadiscurso se refere apenas às
relações internas ao discurso”. O primeiro princípio evidencia que, no processo de
interação por meio da linguagem, há algo a dizer (proposições), relacionado às
informações sobre o mundo transformado em linguagem, como também há a
maneira de dizer conforme a audiência (metadiscurso), relacionada à
construção/organização do texto e a sua recepção. O segundo princípio, que todo
metadiscurso é interpessoal, visto que a construção de sentidos de um texto é uma

111
negociação que envolve os conhecimentos do leitor/ouvinte, suas experiências
com textos e necessidades de interpretação, a serem levados em conta pelo autor
(como exemplo, cita as conjunções, recursos textuais que são interacionalmente
motivados a fim de guiar a interpretação do leitor sobre o texto). O terceiro
princípio diz que o metadiscurso se refere a relações que são construídas
discursivamente, na organização e no funcionamento da linguagem, ao passo que o
conteúdo proposicional alude a elementos externos, da organização dos eventos do
mundo.
Ao realçar o aspecto interacional em detrimento de critérios puramente
linguísticos, Hyland (2005) propôs um modelo2 que ele denomina de interpessoal,
a compreender duas dimensões: a interativa e a interacional. A primeira concerne
à organização do conteúdo proposicional para o leitor/ouvinte, ordenando e
relacionando o material linguístico, a fim de dar coerência e convencimento ao
texto e orientar sua interpretação. A segunda diz respeito, mais especificamente, à
condução da interação entre os interlocutores, explicitando a visão e os
julgamentos do autor e envolvendo e engajando o leitor. O quadro a seguir
apresenta cada uma dessas dimensões, com seus respectivos recursos
metadiscursivos:

Quadro 1 – Um modelo interpessoal de metadiscurso


Interativa Ajuda a guiar o leitor no texto Recursos
Transições expressam relações entre as além disso; mas; então; e
principais orações
Marcadores estruturais referem-se a atos do discurso, finalmente; para concluir;
sequências ou estágios meu objetivo é...
Marcadores endofóricos referem-se a informações em outras observado acima; ver Fig.; na
partes do texto seção 2
Evidenciais referem-se a informações de outros de acordo com X; Z postula
textos.
Códigos glosais elaboram significados proposicionais a saber; isto é; tal como; em
outras palavras
Interacional Envolve o leitor no texto Recursos
Atenuadores negam o compromisso e abrem o pode; talvez; possível;
diálogo aproximadamente
Intensificadores enfatizam certeza ou encerram o de fato; definitivamente; está
diálogo claro que
Marcadores de atitude expressam a atitude do autor em infelizmente; eu concordo;
relação às proposições surpreendentemente
Automenções fazem referência explícita ao(s) eu; nós; meu; mim; nosso
autor(es)
Marcadores de engajamento constroem explicitamente relação considere; note; você pode ver
com o leitor que
Fonte: Hyland (2005, p. 49, tradução nossa).

Na dimensão interativa, os marcadores de transição, como advérbios e


conjunções, permitem ao leitor interpretar a conexão entre passos e argumentos,
por meio de relações semânticas de adição, comparação, consequência, oposição

2 A classificação de metadiscurso proposta por Hyland (2005) é funcional, pois leva em


consideração o contexto de uso e os propósitos comunicativos. Relaciona-se com as metafunções da
linguagem na perspectiva sistêmico-funcional de Halliday: a função ideacional remeteria ao
conteúdo proposicional, enquanto as funções textual e interpessoal, ao metadiscurso.

112
etc., entre as ideias do texto; os marcadores estruturais sinalizam fronteiras
textuais ou elementos da estrutura esquemática do texto, sequenciando suas
partes e indicando a ordenação dos argumentos, dos estágios, dos objetivos e da
mudança de tópico; os marcadores endofóricos remetem a informações de outras
partes do texto; os evidenciais indicam, na forma de citações, fontes de
informações presentes no texto, marcando as posições de outras pessoas; e os
códigos glossais oferecem informações adicionais (paráfrases), explicando ao leitor
o que foi dito.
Na dimensão interacional, os atenuadores indicam a avaliação do autor
sobre ponto(s) de vista do texto, mas com certo grau de incerteza e de imprecisão;
os intensificadores também indicam uma avaliação sobre o conteúdo
proposicional, mas com certeza e ênfase; os marcadores de atitude expressam
atitude subjetiva ou afetiva do autor em relação ao conteúdo proposicional, como
surpresa, concordância, obrigação, importância etc.; as automenções indicam o
grau de explicitação do autor no texto; e os marcadores de engajamento
direcionam-se ao leitor/ouvinte, para focalizar sua atenção e incluí-lo no texto.
Ao estudar os usos e funções do metadiscurso, Hyland (2005, 2017),
Hyland e Tse (2004) e Hyland e Jiang (2018) têm privilegiado os textos
acadêmicos, neles enfatizando a relação desse fenômeno com aspectos como
propósito comunicativo, gêneros de texto, comunidades discursivas, registros,
culturas e idiomas. Em nosso trabalho, ao analisarmos elementos metadiscursivos
em artigos científicos da área de Economia, destacamos a relação com o conceito
de cultura disciplinar de uma determinada comunidade discursiva.
Segundo Hyland (2005, p. 58), o metadiscurso está relacionado a práticas
de uma comunidade, seus valores e ideias, haja vista que constitui o modo como o
autor percebe e interpreta a comunidade e os participantes com os quais interage,
ao utilizar os recursos discursivos mais adequados a eles, definindo, assim, certos
padrões. Essas práticas, valores e ideias de uma determinada comunidade
acadêmica ou profissional constituem sua cultura disciplinar.
Para Hyland (2004), as práticas de escrita de uma determinada disciplina
(como Economia) são situadas. Isso significa que cada disciplina (re)produz e
veicula, através dos textos, normas, atitudes, concepções e valores que definem sua
cultura, a identidade dos membros que dela fazem parte. Nesse sentido,
depreender características dessas práticas linguageiras, como as marcas
metadiscursivas, permite-nos vislumbrar algumas peculiaridades de dada cultura.
Nas palavras de Hyland e Tse (2004, p. 175, tradução nossa):

Metadiscurso é, portanto, um aspecto da linguagem que fornece


um elo entre textos e culturas disciplinares, ajudando a definir o
contexto retórico, revelando algumas das expectativas e
entendimentos da audiência para quem um texto foi escrito.
Diferenças nos padrões do metadiscurso podem oferecer um
importante meio de distinguir as comunidades discursivas e
explicar as maneiras pelas quais os escritores especificam as
inferências que gostariam que seus leitores fizessem.
Simplificando, o significado do metadiscurso reside no seu papel
de explicar um contexto para a interpretação e sugerir uma
maneira pela qual os atos de comunicação definem e mantêm
grupos sociais.

113
Desse modo, o uso de recursos como o metadiscurso nas práticas
linguageiras depende de fatores contextuais, que definem o modo como o autor
marca sua presença e sua posição no texto, tenta predizer certas expectativas da
audiência e negocia com ela o sentido do que se diz, mediante a organização do
conteúdo proposicional. Esses elementos, por sua vez, podem fornecer-nos
indícios de aspectos da cultura disciplinar de uma comunidade, como a Economia.
A seguir, apresentaremos os procedimentos de coleta e de análise dos
dados utilizados para tal finalidade.

Procedimentos de coleta e de análise dos dados

Esta seção descreve os métodos e critérios adotados para a realização


deste artigo. Inicialmente, discorremos sobre os pressupostos da Linguística de
Corpus (LC); em seguida, apresentamos o corpus, sua constituição e o tratamento
dado; posteriormente, exibimos o programa computacional intitulado Antconc em
sua versão demo 3.2.3w, software que utilizamos para a etiquetagem do corpus;
por fim, estabelecemos os critérios para a análise.
A LC é uma área do conhecimento que vem se desenvolvendo nos últimos
anos, principalmente por conta da forte industrialização da informática. Vale
ressaltar que já existiam, embora de maneira mais discreta, trabalhos e pesquisas
que versavam sobre o uso de corpora; todavia, com o advento do computador e de
programas com ferramentas capazes de etiquetagens e análises de um vasto
número de textos e com um imenso emaranhado de palavras, foi dada maior
visibilidade à área.
Quando se fala em corpus, estamos discutindo o estudo da língua por meio
do uso real, na sua totalidade natural do sistema linguístico no espaço de
comunicação. Assim, percebemos que, através de um corpus, podemos encontrar e
verificar os aspectos da linguagem.
Tagnin (2005) aponta que a LC proporciona uma metodologia que tem
como objetivo facilitar a identificação das unidades convencionais a partir da
observação simultânea em um vasto número de textos, de forma a organizar e
padronizar uma enorme quantidade de dados que são encontrados em diversos e
variados corpora eletrônicos. A autora destaca que, para a LC:

Um corpus é uma coletânea de textos necessariamente em


formato eletrônico, compilados e organizados segundo critérios
ditados pelo objetivo de pesquisa a que se destina. O formato
eletrônico permite que esses textos sejam investigados e
analisados automaticamente, com o uso de ferramentas
computacionais específicas (TAGNIN, 2005, p. 21).

Logo, um estudo baseado em corpus assume uma natureza de base


quantitativa que, por sua vez, é copilado e analisado através da mensuração de
dados percentuais e estatísticos para, finalmente, voltar à natureza da linguagem,
interpretando-a de forma qualitativa.
Destacamos que estudar esse conjunto de dados com o advento das
ferramentas da LC podem nos levar a uma gama de possibilidades lexicais sobre o
uso e o reuso do corpus. Tais ferramentas nos proporcionam uma inovação no
domínio linguístico, técnico-científico, gramaticais e comunicativos que estão

114
associados à delimitação do tema, com vistas a obter os resultados almejados com
a investigação.
O corpus se constitui de 60 artigos científicos coletados, entre 2013 e
2016, na “Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política” (B2 na área de
Economia de acordo com a classificação Qualis-Capes 2013-2016). A escolha dos
textos se deu em função do objetivo da pesquisa de estudar o metadiscurso
interacional na linguagem especializada da Economia.
Para a seleção dos termos que compõem o metadiscurso interacional,
utilizamos a ferramenta Concordance do software computacional da LC, o Antconc
versão 3.2.3w3. Essa ferramenta nos permite extrair termos, palavras e expressões,
sua frequência de uso e emprego nos artigos. Os termos, palavras e expressões das
categorias do metadiscurso interacional que procuramos e encontramos foram os
seguintes:

Quadro 2 – Itens lexicais pesquisados e encontrados nos artigos por meio do software
Antconc
Categoria Itens lexicais
Atenuadores talvez, provavelmente, possivelmente, (é) possível, é provável, poder
(possibilidade), dever (possibilidade), porventura, aproximadamente, às vezes,
ocasionalmente, parecer, quase, sugerir, usualmente
Intensificadores de fato, é certo, certamente, decerto, indubitavelmente, sem dúvida,
inquestionavelmente, é inquestionável, está claro que, definitivamente, é fato,
não há dúvida, com certeza, claramente, é claro, não é possível, não poder,
necessariamente, obviamente, perfeitamente, realmente, sempre
Marcadores de (in)felizmente, (eu/nós) concord-, surpreendentemente, minha/nossa opinião,
atitude (eu/nós) acredit-, (eu/nós) ressalt-, enorme, extraordinár-,
extraordinariamente, fantástic-, fundamental(is), grande(s), importante(s),
precis-, significativ-
Automenções eu, mim, me, nós, nos, meu(s), minha(s), nosso(s), nossa(s), -mos
Marcadores de considere(-se), veja(-se), observe(-se), note(-se), você, -mos, nós, nos, nossa(s),
engajamento nosso(s), dever (obrigação), é importante, é preciso, ter que
Fonte: Elaborado pelos autores.

Os dados que coletamos referentes ao metadiscurso interacional são


submetidos a uma análise quantitativa e qualitativa. Quantitativamente,
observamos o percentual e a frequência de uso de cada categoria de metadiscurso
interacional, a fim de identificarmos os mais presentes. Qualitativamente,
interpretamos usos e funções das marcas metadiscursivas e suas respectivas
categorias nos artigos em estudo.

Análise dos artigos científicos

Nas análises que realizamos no corpus, pudemos obter os seguintes


resultados quantitativos referentes ao número e à frequência de utilização de cada
tipo de metadiscurso interacional:

3 O programa pode ser encontrado e baixado gratuitamente no website


<www.laurenceanthony.net>. O AntConc é um programa compatível com sistemas operacionais tais
como: Windows, Macintosh OSX e Linux. As ferramentas que compõem o AntConc são: Concordance,
Concordance Plot, File View, Clusters, Collocates, Word List e Keyword Lis. Para utilizar as
ferramentas do programa, é preciso converter os textos para o formato txt e salvá-los no programa
Bloco de Notas.

115
Tabela 1 – Funções do metadiscurso interacional em artigos científicos da área de Economia
Categoria Número de itens Por 10.000 palavras % do total
Atenuadores 2.211 39,23 26,34
Automenções 1.678 29,77 19,91
Intensificadores 1.219 21,63 14,46
Marcadores de atitude 1.389 24,64 16,48
Marcadores de engajamento 1.930 34,24 22,9
TOTAL 8.427 149,51 100
Fonte: Elaborado pelos autores

Como percebemos, a categoria mais presente nos artigos é a de


atenuadores. De maneira geral, os atenuadores modalizam as informações,
apresentando-as como prováveis, provisórias e refutáveis, de modo que podem ser
revistas posteriormente. Esse uso, assim, justifica-se pela própria natureza
dialética das ciências e da produção do conhecimento, que não se pode fechar a
verdades absolutas, inquestionáveis e imutáveis.
Em seguida, vêm os marcadores de engajamento. Seu uso tem em vista
reforçar a interação entre o autor e o leitor, de modo que este se sinta mais
próximo e envolvido na construção da argumentação e, consequentemente, da
persuasão no texto, conforme Hyland e Jiang (2018). Coracini (1991) também
afirma que o discurso científico é um fazer persuasivo, que consiste na defesa de
um ponto de vista sobre determinado objeto de estudo.
Em número menor, aparecem as automenções e os marcadores de atitude.
Sua presença no texto ajuda a desconstruir a ideia, ainda constante no senso
comum e, em certa medida, também no meio científico, de que o discurso científico
é neutro e imparcial. Na área das ciências humanas e socias, às quais os artigos
pertencem, já está relativamente bem estabelecido que rigor e objetividade
científica não se confunde com ausência de marcação em primeira pessoa ou de
avaliações do autor sobre o que escreve, por exemplo.
A categoria menos presente é a dos intensificadores. Essa frequência mais
baixa de uso, acreditamos, pode estar associada ao que argumentamos em relação
aos atenuadores. Assim, os artigos científicos em análise preferem adotar uma
atitude moderada e comedida em relação ao conteúdo proposicional a fazer
afirmações generalizantes e inequívocas. Mesmo assim, o uso de intensificadores,
em alguns momentos, pode designar uma atitude de autoridade, precisão e certeza
do que está sendo enunciado.
A tabela permite-nos concluir, dessa forma, que os artigos pretendem,
através do uso de marcadores metadiscursivos, evidenciar ponderação no
tratamento do objeto de estudo, ao mesmo tempo que tenta engajar o leitor no
texto, a fim de negociar com ele os sentidos. Portanto, percebemos uma postura de
não impor ao leitor um ponto de vista definitivo, mas de construí-lo pela interação
entre autor e leitor, de modo compactuado.
Vejamos, a seguir, alguns exemplos do uso desses diferentes recursos
metadiscursivos nos artigos em análise. Comecemos pelos atenuadores, cuja
utilização é mais frequente:

116
Exemplo 1
“Tal elevação poderia desencadear uma valorização da moeda doméstica frente às moedas
estrangeiras, afetando os setores produtivos locais, risco conhecido na literatura como doença
holandesa.” (RIBEIRO, 2014, p. 46, grifo nosso)
“É possível pensar neste estágio do debate como um período intermediário entre duas fases de
polarização teórica forte.” (ANDRADE; MARQUES, 2013, p. 25, grifo nosso)
“Esta é uma das razões, talvez a principal razão, pelas quais Magdoff e Foster acham que a
participação da classe trabalhadora nos salários caiu vertiginosamente” (KLIMAN, 2014, p. 50, grifo
nosso).

Nesses exemplos, os autores apresentam as informações ao leitor como


possíveis e prováveis. Para isso, lançam mão de verbo auxiliar modalizador
(“poderia”) flexionado no futuro do pretérito do indicativo, de construção
oracional (“é possível”) e de advérbio de dúvida (“talvez”). No conjunto do corpus,
observamos a utilização de outros advérbios que indicam dúvida ou aproximação
(“provavelmente”, “possivelmente”, “quase”, “aproximadamente”, “às vezes”), além
de verbos como “parecer”, “sugerir” e “dever” (este indicando possibilidade). Em
todos esses casos, os autores procuram não se comprometer de modo definitivo
com as afirmações que fazem, demonstrando, assim, comedimento e precaução.
Em relação aos marcadores de engajamento, observemos os excertos
seguintes:

Exemplo 2
“A SPVEA, criada em janeiro de 1953, foi instalada em Belém em 21 de setembro deste ano,
aprovando-se seu regimento interno um mês depois – veja o largo espaço temporal entre a sua
criação em lei e a sua efetivação.” (MARQUES, 2013, p. 171, grifo nosso)
“[A propriedade privada] Deve, assim, ser entendida como um resultado da atividade alienada, e
não a sua causa.” (CARDOSO; PINTO, 2016, p. 14, grifo nosso)
“Note-se agora, passando para o momento seguinte, que Marx tem por verdade a seguinte
afirmação: conquanto nem toda mercadoria seja dinheiro, é certo que o dinheiro é mercadoria, mas
propriamente uma mercadoria sui generis” (PRADO, 2013, p. 133, grifo nosso).

Os três enunciados apresentam, por meio de diferentes recursos


linguísticos, a tentativa do autor de engajar o leitor no texto: no primeiro, pelo uso
de um verbo no imperativo que faz uma interpelação direta ao leitor; no segundo,
pelo emprego do verbo modalizador “dever” para alinhar os objetivos do autor aos
do leitor, expressando necessidade ou obrigação (de entendimento, no caso do
enunciado em questão); no terceiro, por meio de um verbo na voz passiva
pronominal, que também se dirige ao leitor, mas de forma indireta. Outros
recursos linguísticos empregados no nosso corpus são o pronome de tratamento
“você” e pronomes na primeira pessoa do plural, que, além de se referirem ao
autor, procuram integrar o leitor no discurso.
Esses pronomes de primeira pessoa do plural são, conjuntamente aos de
primeira pessoa do singular, recursos que também funcionam como automenções.
Vejamos alguns casos:

117
Exemplo 3
“Muitos teóricos consideram uma diferença entre os termos alienação e estranhamento tal com
utilizados por Marx. Nós, no entanto, nos posicionamos ao lado daqueles que utilizam ambos
como sinônimos.” (FRANKLIN; MOURA, 2015, p. 35, grifo nosso)
“Do nosso ponto de vista, a não consideração desse modo de exposição é o que dificulta a
compreensão da construção dialética da teoria da superexploração no Livro I de O capital.”
(NASCIMENTO; DILLENBURG; SOBRAL, 2015, p. 107, grifo nosso).
“Como a questão central aqui é o que causou a Grande Recessão, eu vou limitar minha explicação
para os dados até o ano de 2007, quando, ao seu final, a recessão entrou em erupção” (KLIMAN,
2014, p. 40, grifo nosso).

Nesse exemplo, percebemos várias marcações linguísticas de primeira


pessoa, como pronomes pessoais, verbos e pronomes possessivos, que são as
formas pelas quais as automenções se apresentam no corpus. Ressaltamos que a
primeira pessoa do plural é bem mais utilizada do que a primeira pessoa do
singular, o que pode significar: uma questão de humildade autoral, o chamado “nós
de modéstia”; uma tentativa de mostrar que a construção de conhecimento
científico é um fazer coletivo, na interação com toda a comunidade daquela área;
e/ou uma maneira de integrar o leitor no discurso, deixando-o mais próximo do
que é dito, tendo em vista a função argumentativa e persuasiva do discurso
científico.
Os marcadores de atitude também estão presentes em textos acadêmicos,
como o artigo científico. Verifiquemos alguns casos:

Exemplo 4
“É importante destacar que a interpretação dos conflitos representava, para os pesquisadores, um
esforço para articulá-los com as macro-transformações em curso na sociedade brasileira.”
(MASSUQUETTI, 2015, p. 85, grifo nosso)
“Como ressaltamos anteriormente, a base da alienação do trabalho no capitalismo nasce da criação
de uma classe de trabalhadores despossuídos.” (FRANKLIN; MOURA, 2015, p.30, grifo nosso)
“Eu acredito que o futuro vai aprender mais com o espírito de Gesell do que com o de Marx” (YUKI,
2015, p. 136, grifo nosso).

Os textos contêm vários recursos de marcação da avaliação pessoal do


autor sobre o conteúdo proposicional. Há presença de adjetivos, como
“importante”, “grande”, “fundamental”, “significativo”, “extraordinário” e “enorme”;
de verbos que marcam posicionamento do autor, como “acreditar” e “concordar”, e
realce ou destaque de determinada informação, como “destacar” e “ressaltar”;
advérbios de modo, como “(in)felizmente”, “precisamente”,
“surpreendentemente”; e ainda expressões como “na minha/nossa opinião”. Em
todos esses itens, observamos que o autor deixa transparecer explicitamente seu
ponto de vista, no intuito de guiar a intepretação do leitor para o que considera
importante, relevante e desejável.
Por fim, os intensificadores são os recursos metadiscursivos menos
presentes nos artigos investigados. Eis algumas ocorrências:

118
Exemplo 5
“É a essa camada que, de fato, o discurso trabalhista se dirige, qual seja, trabalhadores urbanos,
sobretudo os não-formalizados.” (VARASCHIN, 2016, p. 142, grifo nosso)
“De acordo com a concepção do materialismo histórico de Marx, o capitalismo, enquanto modo de
produção historicamente localizado, chegará necessariamente a um fim.” ((FRANKLIN; MOURA,
2015, p. 27, grifo nosso)
“Certamente o discurso marxiano pressupõe que o sujeito do processo histórico é “o homem” e que
o predicado exprima simplesmente distintas formações sócio-históricas” (ANDRADE; MARQUES,
2013, p. 25, grifo nosso).

As três ocorrências mostram que o autor atribui ao conteúdo


proposicional o valor de certeza inquestionável, fechando-o a outras possibilidades
de interpretação. As marcações linguísticas mais recorrentes são os advérbios e as
locuções adverbiais de afirmação, como os itens destacados acima, além de outros
como “claramente” e “obviamente”; advérbios de modo (“perfeitamente”,
“necessariamente”) e de tempo (“sempre”); e orações (“é certo”, “é claro”, “não é
possível”). Esses recursos metadiscursivos buscam reforçar a construção de uma
imagem de autoridade do escritor.
Como vemos, os recursos metadiscursivos mais utilizados nos textos são
os marcadores de engajamento e, especialmente, os atenuadores. Nossos
resultados assemelham-se aos de outros estudos que se dedicaram a analisar
textos acadêmicos, como Hyland e Tse (2004), Hyland e Jiang (2018) e Morales et
al (2010), que também destacam o uso de atenuadores em textos acadêmicos.
Acreditamos que a presença preponderante desses elementos metadiscursivos se
deve principalmente à natureza negociada, intersubjetiva, interativa e modalizada
da construção e da divulgação do conhecimento científico. Além disso, tal presença
pode estar relacionada às características da própria comunidade disciplinar do
campo da Economia, como uma espécie de valor compartilhado entre os membros
da área que se torna visível por meio de marcas linguístico-discursivas com
relativo grau de padronização.

Conclusão

Neste artigo, realizamos um estudo sobre usos e funções do metadiscurso


interacional em artigos científicos do âmbito da Economia. Para isso, selecionamos
um corpus especializado da área da Economia, analisados à luz de Hyland (2005) e
seus desdobramentos.
Mediante abordagem quantitativa dos dados, evidenciamos que, dentre
todos os recursos metadiscursivos que analisamos, os mais utilizados nos textos
são os marcadores de engajamento e, especialmente, os atenuadores, cuja
predominância aproxima nosso estudo de outras pesquisas do metadiscurso
acadêmico que vêm sendo desenvolvidas recentemente. Qualitativamente, esses
resultados nos revelam que os membros da área de Economia se preocupam em
modalizar seu discurso e em envolver o leitor no texto.
Ressaltamos, assim, que esses usos e funções do metadiscurso interacional
podem nos revelar alguns valores e padrões discursivos que são característicos da
cultura disciplinar da área de Economia, como a forte presença de atenuadores e
de marcas de engajamento que permitam uma interação mais efetiva entre autor e
leitor. Assim, esses traços, de algum modo, relacionam-se com o fazer científico da

119
disciplina cujos artigos analisamos.
Para finalizar, deixamos claro, em primeiro lugar, a limitação do nosso
corpus quanto ao volume textual. Em segundo, a possibilidade de outras reflexões
que podem ser levantadas a respeito do metadiscurso na área de Economia, seja
focalizando a categoria interativa (ou ambas, comparativamente), seja
considerando diferentes subáreas (que não foram discriminadas neste trabalho),
comparando-as. Como vemos, os estudos do metadiscurso em textos acadêmicos
dessa e de outras áreas de conhecimento apresentam como campo fértil de
possibilidades.

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CARDOSO, T. L: PINTO, E. C. Teorias do desenvolvimento: uma análise marxista


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FRANKLIN, R. S. P. MOURA, P. P. As cooperativas de produção na estratégia


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Política, São Paulo, n. 40, p. 12-35, fevereiro-maio 2015.

KLIMAN, A. Mais uso indevido de dados sobre salários na Monthly Review: a


superacumulação de um excedente de erros. In: REVISTA Soc. Bras. Economia
Política, São Paulo, n. 38, p. 36-56, junho 2014.

MASSUQUETTI, A. Da natureza das relações de produção à dimensão cultural


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NASCIMENTO, C. A. DILLENBURG, F. F. SOBRAL, F. M. Teoria da exploração e da


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PRADO, E. F. S. Da controvérsia brasileira sobre o dinheiro mundial


inconversível. In: REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, n. 35, p. 129-
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RIBEIRO, C. G; NOVAES, H. T. Da “Lei do Petróleo” ao Leilão de Libra: Petrobras


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VARASCHIN, J. Para além do populismo: governo João Goulart e a crise do


modelo trabalhista de política econômica. In: REVISTA Soc. Bras. Economia
Política, São Paulo, n. 42, p. 122-146, outubro 2015 – janeiro 2016.

122
SOBRE OS ORGANIZADORES

Aluizio Lendl Bezerra


É doutor em Letras/Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Letras
(PPGL) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). É professor
substituto de linguística da Universidade Estadual do Ceará, na Faculdade de
Educação, Ciências e Letras de Iguatu (UECE/FECLI). É vice-líder do grupo
Tecnologias, Culturas e Linguagens (TECLIN – CNPq/UEPB) e integrante do grupo
Lexicografia, Terminologia e Ensino (LETENS – CNPq/UECE). Desenvolve
pesquisas sobre a produção e compreensão dos mais diversos gêneros
multimodais aplicados ou não às práticas de ensino.
E-mail: lendl.b3@gmail.com

Maria Lidiane de Sousa Pereira


É mestre e doutoranda em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação
em Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará (URCA).
Graduada em Letras pela Universidade Regional do Cariri. Atua na área de Letras
com ênfase em Língua Portuguesa, Linguística e Sociolinguística.
E-mail: lidiane_lidiarock@hotmail.com.

Rakel Beserra de Macêdo Viana


É mestre e doutoranda em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação
em Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Graduada em Letras Português/Inglês pela mesma instituição, na Faculdade de
Filosofia Dom Aureliano Matos - UECE/FAFIDAM (2007). Especialista em Gestão
Educacional (2009) e em Ensino de Língua Inglesa (2012). Tem experiência no
Ensino Básico com desenvolvimento de Projetos de Leitura e Escrita, e no Ensino
Superior em Educação à Distância.
E-mail: rakelbeserra@gmail.com.

123
SOBRE OS AUTORES

Alberto Lopo Montalvão Neto


Doutorando em Educação pela Unicamp; Mestre em Educação pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação e Tecnologia da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC).
E-mail: neto_19901812@yahoo.com.br.

Aluiza Alves de Araújo


Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Ceará. Professora Adjunta do
curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada da Universidade Estadual do Ceará. Atua na área de Letras com ênfase em
Língua Portuguesa e Linguística (Sociolinguística).
E-mail:aluizazinha@hotmail.com.

Antônia Cândido de Souza


Graduada em Letras pela Universidade Regional do Cariri – URCA e professora de
Língua Portuguesa.
E-mail: toinha-souza@hotmail.com.

Antônio Luciano Pontes


É doutor em Linguística (UNESP) e mestre em Linguística (UFPB) Líder do grupo
de pesquisa cadastrado no CNPq – Lexicografia, Terminologia e Ensino (LETENS).
Professor Titular do curso de Letras da UERN, onde está vinculado ao Programa de
Pós-graduação em Letras (PPGL) e Mestrado Profissional em Letras. Está vinculado
ao Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada (POSLA) da Universidade
Estadual do Ceará. É membro-efetivo do GT Lexicologia, Lexicogradia e
Terminologia da ANPOLL.
E-mail: pontes321@hotmail.com.

Brenda Kathellen Melo de Almeida


Mestre em Linguística Aplicada pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Graduada em Letras pela
UECE. Atua na área de Letras com ênfase em Língua Portuguesa, Linguística e
Sociolinguística.
E-mail:brendakathellen@yahoo.com.

Cássia da Silva
Doutoranda do PPGL/Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Pau
dos Ferros – RN.
E-mail: cassia_silv@hotmail.com.

Cassio Murilio Alves de Lavor


Mestre em Linguística Aplicada, Programa de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada da Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE.
E-mail:murilolavor_rh@hotmail.com.

124
Cláudia Rejanne Pinheiro Grangeiro
Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” e com pós-doutorado em Linguística pela Universidade
Federal do Ceará; professora-adjunta de Língua Portuguesa do Departamento de
Línguas e Literaturas da Universidade Regional do Cariri.
E-mail: claudiarejannep@yahoo.com.

Éderson Luís Silveira


Doutorando e Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC).
E-mail: ediliteratus@gmail.com.

Evandro Gonçalves Leite


Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte (PPGL/UERN), Campus de Pau dos Ferros, RN.
E-mail: evandrogleite@yahoo.com.br.

Francisco Vieira da Silva


Doutor em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor
Adjunto da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). Docente do
Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN) e do Programa de Pós-Graduação em Ensino
(POSENSINO) da associação entre a Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN), a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e o Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).
E-mail: francisco.vieiras@ufersa.edu.br.

José Juvêncio Neto de Souza


Mestre em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(PPGL/UERN), Campus de Pau dos Ferros, RN.
E-mail: jjn_zezynho@outlook.com.

José Marcos Rosendo de Souza


Doutorando e Mestre em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Letras
(PPGL) na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Professor Assistente na
Universidade Estadual do Ceará. Atualmente atua com terminologias da LSB que se
referem as plantas medicinais, com pesquisa no PPGL/UERN/CAMEAM.
E-mail: mark_city@hotmail.com.

Kélvya Freitas Abreu


Doutoranda em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Pau
dos Ferros – RN. Professora EBTT do Instituto Federal do Sertão Pernambucano,
Salgueiro - Pernambuco.
E-mail: kelvya.freitas@ifsertao-pe.edu.br.

Maria Lúcia Pessoa Sampaio


Professora adjunto IV do Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte - UERN. Pau dos Ferros – RN.
E-mail: malupsampaio@hotmail.com.

125
Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa
Doutora em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Natal – RN. Professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Pau dos Ferros, RN.
E-mail: socorromaia@uern.br.

Marcos de França
Doutor em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba, professor-assistente
de Língua Portuguesa do Departamento de Línguas e Literaturas da Universidade
Regional do Cariri; pós-doutorando em Linguística Aplicada pela Universidade
Federal do Ceará.
E-mail: santanadefrança@yahoo.com.br.

126
Coleção TECLIN - Tecnologias, Culturas e Linguagens
1. Velhas práticas em novos suportes? As Tecnologias Digitais como mediadoras do
complexo processo de ensino-aprendizagem de línguas - Fábio Marques de Souza &
Geyza de Freitas Santos.

2. Letramentos digitais como práticas sociais: limitações e possibilidades para a


educação básica - Élida Ferreira Lins, Fábio Marques de Souza & Aluizio Lendl.

3. Confluências entre textos, tecnologias e educação - Cristiane Navarrete


Tolomei, Fábio Marques de Souza, José Veranildo Lopes da Costa Junior &
Renata Barbosa Vicente [orgs.].

4. Culturas, tecnologias e ensino de línguas - Fábio Marques de Souza, José


Veranildo Lopes da Costa Junior & Cristiane Navarrete Tolomei [orgs.].

5. Multimodalidade, metadiscurso e ensino - Aluizio Lendl & Antônio Luciano


Pontes [orgs.].

6. Entre língua(gens), tecnologias e discursos - Fábio Marques de Souza, José


Veranildo Lopes da Costa Junior, Cristiane Navarrete Tolomei & Renata
Barbosa Vicente [orgs.].

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