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A Vida de Um Gay No

Armário : como e
porque saíu dele

Renato Frossard
A Vida de Um Gay No
Armário: como, e
porque saíu dele
autobiografia de Renato
Frossard
cantor, flautista, escritor,
professor, servidor público,
karateca e filósofo
NOTA INTRODUTÓRIA

Este livro narra a história de um


humano comum, como muitos
outros. Não me considero
nenhum gênio, nem brilhante ou
super talentoso. Considero-me,
porém, inteligente, sensível,
talentoso, corajoso e capaz.
Acredito que as narrativas
contidas nesse livro podem
ajudar muita gente a se
encontrar e a achar coragem
para escrever sua própria
biografia.
Não se trata de uma biografia
de celebridade ou de artista
renomado, mas pode conter
situações com as quais você,
leitor, se identifique, situações
em que você se veja.
Convido todos à leitura, com um
olhar reflexivo e bondoso.
Sugiro que não leiam como
quem julga, mas como quem
aprende. Espero ajudar a
elucidar muita coisa. Boa
leitura!
ÍNDICE
NOTA INTRODUTÓRIA..........................................................3
PREFÁCIO..............................................................................5
CAPÍTULO 1 - POUSANDO NA TERRA................................9
ATROPELAMENTO..........................................................11
Capítulo 2- ROBERTO, BETO, BETÃO.................................14
CAPÍTULO 3 - PRIMEIROS LARES, PRIMEIROS AMIGOS. 22
CAPÍTULO 4 - A PRIMEIRA ESCOLA...................................36
CAPITULO 5 - UM GRANDE PASSO PARA UM MENINO. . .46
Primeiras Professoras ......................................................46
Professora Severa............................................................50
CAPITULO 6 - BASTIDORES................................................56
CAPÍTULO 7 - BOM ENQUANTO DUROU...........................66
CAPÍTULO 8 - PERSPECTIVA PATERNA............................75
Capítulo 9 - Vida Pós Separação...........................................81
CAPITULO 10 - Karatê-Dô: Parte 1.......................................89
CAPITULO 11 - MINHA CHUPETA, MINHA VIDA..............102
CAPÍTULO 12 - EU E O FUTEBOL.....................................106
Capitulo 13- UMA ESTRANHA ATRAÇÃO - Parte 1...........113
Capitulo 14 - Uma Estranha Atração - Parte 2.....................119
CAPÍTULO 15 – FÉ, DEVOÇÃO DEUS E CONTRADIÇÃO
............................................................................................133
CAPÍTULO 16 – EXAME DE HIV, DEPRESSÃO E
RETORNO À FÉ .................................................................149
CAPÍTULO 17 – RECUPERAÇÃO DA IDENTIDADE,
CONCLUSÃO E PERSPECTIVAS PARA O FUTURO........166
VANTAGENS DE SAIR DO ARMÁRIO...............................171
PREFÁCIO

Este é, talvez, um livro tardio.


Ou, quem sabe, é um livro que
está vindo a existir no tempo
exato, no momento mais
oportuno. Num momento em
que o mundo passa por grandes
desafios, e grandes
transformações.

Neste momento do mundo,


quando esperávamos
humanidade, vimos ódio.
Quando aguardávamos
maturidade, vimos
irresponsabilidade. Quando
esperávamos mais justiça e
equidade, assistimos à retirada
de direitos e à extinção de
antigas conquistas trabalhistas
e sociais.

Também, minha própria


existência foi posta em risco
muitas vezes. Minha vida foi
colocada a prêmio numa
espécie de roleta russa
desenfreada. Tive que desafiar
certezas estabelecidas e ir além
do racionalismo, pois, caso
contrário, eu não teria
subsistido. Quando fui
colocado diante de uma escolha
entre aceitar uma grande
injustiça sob o pretexto,
alegado, de esta ser a condição
para receber algum suposto
prêmio, minha decisão foi
recusar tal oferta, e tentar
permanecer fiel aos princípios
sob os quais eu fui educado. Fui
de um extremo ao outro: da
crença em Deus para a
descrença quase absoluta. E
depois passei por um processo
de re-espiritualização, durante
o qual redescobri a fé em Deus,
e passei a conhecê-lo como um
pai de amor e bondade,
diferente daquele Deus
punitivo e vingativo das
religiões tradicionais. Um Deus
que se compadece dos
sofrimentos do ser humano e
que ama e aceita a cada um
como realmente é.

Este livro é o relato da vida de


um homem gay que, antes de
ser gay, foi criança, foi jovem,
foi adolescente e adulto. A
longa permanência no armário
trouxe diversas consequências e
criou diversas situações.
Algumas dessas situações são
até engraçadas, cômicas. Mas a
maioria delas demonstra o peso
e o sofrimento de ter que negar
um lado muito importante e
vital de mim mesmo: o da
sexualidade. Eu era o Renato:
cantor, flautista, karateca,
professor, cristão, servidor
público, escritor, amigo, melhor
amigo, fiel, sincero, engraçado,
amado, nem tão amado, forte,
esforçado, corajoso,
estouradinho, "cri-cri", etc. Mas
eu era proibido de uma coisa:
de me realizar enquanto ser
sexuado. Eu não tinha uma
identidade sexual. E isso gerou
muito pano pra manga.

Então, esse relato tenta contar


um pouco dessa experiência,
que é semelhante a tantas
outras experiências de pessoas
escravizadas pelo preconceito e
pela intolerância. É um relato
de transformação e de
emancipação. É uma história de
como eu consegui atravessar
meia vida escondendo de quase
todos o que eu sabia muito
bem: minha forte atração sexual
direcionada a outros homens.
Então, ao virar esta página, você
estará entrando num relato de
uma vida cheia de desafios e
conquistas, mas também de
muito sofrimento, muito desse
desnecessário. Os nomes das
pessoas reais apresentadas
neste relato serão alterados
para preservar a identidade
dessas pessoas, muitas das
quais eu amo profundamente.
Espero que a leitura desse livro
te ajude a compreender melhor
as pessoas LGBTQIA+, a ter
mais empatia e a enxergá-las
como iguais. Você verá que não
somos tão diferentes de você:
nós também amamos, nós
também sofremos por amor,
nós também nos apaixonamos.
Mas, pra uma grande parte de
nós, tudo isso fica no mundo
secreto da nossa própria
consciência, e não nos é
permitido viver o que somos e
sentimos. Boa Leitura e Boa
Reflexão!
CAPÍTULO 1 -
POUSANDO NA
TERRA

Minha espaçonave pousou no


planeta terra às 10 horas da
manhã do dia 19 de Novembro
de 1971. Chovia. Mamãe me
tomou nos braços pela primeira
vez, grata de que tudo tivesse
corrido bem com a encomenda.
Um bebezinho moreno claro,
mas que não tinha ainda a
menor ideia de que isso tivesse
qualquer importância. Fui
levado para aquele que seria
meu lar e encontrei meus
quatro irmãos: três meninas e
um menino. Até aquele
momento, a família éramos:
minha mãe, Maria; meu pai,
Nunes; minhas irmãs Clair,
Patty, e Lucy; e meu irmão
Edward.

Desse primeiro momento,


tenho poucas lembranças. As
informações que tenho foram
passadas a mim, mais tarde, por
minhas irmãs e meu irmão. Eu
sei, por exemplo, que nasci
bastante gordinho e
bochechudo. Tinha um
cachinho de cabelo na frente da
cabeça, um topetinho, e ainda
não era bem moreninho, como
me tornaria mais tarde, o que
me renderia apelidos, nem
sempre amáveis, relativos à cor
da pele. Mas nesse primeiro
momento, tudo era festa. Eu
não tinha a menor consciência
de problemas, de carências, de
necessidades, de pobreza, de
conflitos ou violência. Um dia,
ao voltar pra casa, meus pais
encontraram meus irmãos
brincando de me jogar para o
alto, em tempo de me deixar
cair no chão e me esborrachar.
Mas eu, sem ter noção alguma
do perigo, ria e me divertia
naquela montanha russa.

As lembranças mais vivas que


tenho da primeira infância
começam a partir dos 3 anos de
idade. Eu me lembro de ter uma
mania que dava trabalho para a
família. Eles me vestiam, mas,
bastava virarem as costas, eu
me despia e saia correndo pela
casa ou pelo quintal, sem
nenhum pudor ou
constrangimento. Eu brincava
muito e me divertia bastante.
Logo, uma outra brincadeira
minha iria despertar
preocupações em todos. Eu
gostava de pegar alguma saia de
minhas irmãs, vestir e ficar
girando para ver a vestimenta
rodopiar ao vento. Não entendi
porque, mas todos ficaram
muito transtornados e me
advertiram de que eu não podia
fazer aquilo, razão pela qual eu
abandonei definitivamente a
brincadeira.

ATROPELAMENTO

Certo dia, quando já era


maiorzinho, quase
completando 5 anos, fui com
meus irmãos à padaria,
comprar o pão para o café da
manhã. Na volta, ao atravessar
a rua, pensei que daria tempo
de correr, antes do fusca
amarelo que vinha, me atingir.
Mas, errei o cálculo e acabei
sendo atingido, de raspão, e
derrubado pelo veículo. Rolei
no chão da rua semi-
pavimentada, causando grande
susto em meu irmão e irmãs.
Felizmente, não houve nada
mais do que alguns arranhões, e
aqui estou eu, contando essa
história. Em meio a isso tudo,
eu começava a descobrir a
existência da sexualidade, sob a
tutela dos mais velhos. Tudo
uma coisa infantil, até então. Eu
não via nenhuma culpa nessas
coisas, pois meu irmão mais
velho e irmãs me garantiam que
uma criança como eu, não
ficaria sob o peso da culpa ou
da condenação de Deus, e que
não tinha pecado, podendo
fazer o que quisesse. Mas é
claro que essas inocentes e
precoces incursões ao mundo
da sexualidade teriam um peso
em minha vida, gerando prazer,
num primeiro momento, mas
culpa, logo em seguida. Houve,
também, uma ocasião em que,
relatei à minha mãe que uma de
minhas irmãs havia me pedido
para tocar em suas partes
íntimas. Essa irmã, então,
chorou e negou tudo. Diante
disso, fui colocado de castigo, e
também me senti muito
envergonhado, e chorei.
Entendi, então, que essa coisa
da sexualidade era algo que
devia ser tratado como segredo,
e que devia ser uma coisa muito
grave para ser relatada, até
mesmo para seus pais. Tratei de
empurrar essas coisas para o
fundo do subconsciente, mas
essa vergonha inicial não
impediu que novas viagens ao
mundo da sensualidade
acontecessem, o que se
prolongou até bem próximo à
puberdade. Muitas vezes eu não
queria realizar certos atos
propostos pelos mais velhos,
mas acabava sempre sendo
convencido de que aquilo não
tinha tanta importância, e de
que não geraria tantas
consequências. Às vezes, eu
mesmo era quem desejava
aquelas coisas.

Logo a família aumentaria, e


nasceria o sexto filho de meus
pais: Roberto. Eu deixaria de ser
o caçula, mas a história da
família mudaria drasticamente,
com a chegada desse novo
irmãozinho.
Capítulo 2- ROBERTO,
BETO, BETÃO

Meu irmão Roberto, o primeiro


depois de mim, nasceu com
microcefalia. Seu
desenvolvimento foi seriamente
comprometido, de forma que
ele tinha a consciência e as
atitudes de um bebê, muito
embora seu corpo se
desenvolvesse como o de uma
criança normal. Quando
bebezinho, ele praticamente só
chorava e se alimentava. Não se
movia muito, não interagia
muito com os outros. Minha
mãe sentiu-se triste e culpada,
pensando que pudesse ter tido
algo a ver com sua condição de
nascituro. Ela que, até então, e
depois dele, apenas teria filhos
saudáveis e sem deficiência.
Mas mesmo um bebê deficiente
traz alegria para a família e se
tornou o nosso xodó.
Gostávamos de cuidar e de dar
atenção a ele, e ele foi feliz,
durante algum tempo. Os
problemas começaram a
aparecer quando ele começou a
se desenvolver fisicamente,
embora sua mente não
acompanhasse essa evolução.

À medida que crescia, meu


irmão Roberto, que aprendera a
engatinhar, embora não
andasse de pé, deixava pela casa
o produto final de suas
refeições, o que fazia sem a
menor culpa ou
constrangimento, onde quer
que estivesse. Ele também tinha
um apetite voraz, e comeria o
dia todo, se assim lhe fosse
permitido. Às vezes nos
acordava com dolorosas
mordidas nos dedos dos pés.
Isso apenas agravava o
problema das excreções fora de
hora e de lugar. Não preciso
dizer que isso gerava um
enorme contratempo para a
família e que ninguém queria
ser sorteado para limpar o chão
ou para cuidar de meu
irmãozinho bagunceiro. Pois,
embora tivesse mente de bebê,
era já uma criança crescida,
fisicamente. Muitas vezes, essa
tarefa cabia a mim que, por
sinal, logo me tornaria uma
espécie de criado, e seria
responsável por todos os
trabalhos domésticos, mas isso
será contado, em detalhes, mais
adiante.

Dessa forma, devo confessar,


tristemente, que meu irmão
sofreu maus tratos. Ele sofreu
maus tratos porque éramos
seres humanos e, como tal,
maus por natureza. Mas
também porque a família não
tinha grandes recursos para
prover a ele uma melhor
condição de higiene, de
educação, de estímulo e
encorajamento. Um simples
ítem que teria melhorado sua
vida, nem sequer existia na
época: fraldas descartáveis. E as
pessoas, com sua pena, não
ajudavam em nada, pois apenas
diziam palavras como
“coitado”,”é um anjo”,
“pobrezinho”, mas nunca
contribuíram efetivamente para
melhorar sua condição. Sei que
essas coisas não justificam o
que aconteceu com ele, mas
ajudam a explicar porque não
lhe demos um tratamento mais
humano, como algumas
crianças como ele costumam
ter hoje em dia quando
encontram pessoas bondosas,
de grande coração, que cuida
deles e ajuda-os a ter um pouco
mais de dignidade ao longo de
suas vidas.
Mas Roberto, ou Beto como o
chamávamos, ou ainda Betão,
apelido carinhoso que ganhou
de alguns amigos, foi crescendo
e ficando mais esperto e
inteligente. Na esperança de vê-
lo andar, meu pai criou para
Beto uma espécie de patinete,
que ele podia empurrar e se
equilibrar. Foi uma ideia de
meu pai, mesmo. Mas nunca foi
patenteada. O invento
funcionou. Logo meu irmão
aprendeu a equilibrar-se
sozinho, sem o auxílio do
carrinho, o que foi
comemorado por todos. Mas,
logo, o que foi motivo de
alegria, traria mais dificuldades.

O espertinho aprendeu a
assaltar armários, geladeira,
panelas, ou qualquer lugar onde
ele pudesse encontrar o que
comer. Nem mesmo alho ou
cebola escapavam de sua
voracidade, o que além de
torná-lo mais forte e saudável,
contribuía para que tivesse um
hálito característico. Ele
também passou a derrubar as
coisas pela casa, talvez como
uma forma de chamar atenção.
Em decorrência desses atos
corriqueiros, aliado ao velho
hábito de distribuir seus
presentes pela casa, sofreu mais
maus-tratos. Eu tentava ser
misericordioso e ter paciência,
mas confesso que nem sempre
era tão benevolente para com
meu irmão e, principalmente
quando tinha que cuidar de sua
higiêne, eu e meus irmãos o
tratávamos com rispidez. A
essas alturas, já haviam nascido
mais dois irmãos: Henry e
Andrew. Assim, com o carinho
e afeição voltado para os
caçulinhas, a situação de meu
irmão Betão ficava ainda mais
complicada. E cada vez mais, eu
era o selecionado para cuidar
de sua higiene, o que, confesso,
me irritava muito, pois não
achava justo ser sempre eu o
responsável por essas tarefas.
Mas Roberto foi crescendo. Sua
saúde se deteriorou por alguma
razão. Meus pais evitavam levá-
lo a médicos, que sempre
torciam o nariz para meu irmão
e o tratavam com desdém. Eles
o preteriam por sua condição e
assim como o primeiro médico
que, quando procurado por
minha mãe que queria saber o
porque ele não sugava o leite do
peito disse: “você não está
vendo que este menino é
doido?” Por isso, meus pais
tentavam resolver em casa
mesmo os seus problemas de
saúde e a sua condição especial.
Porque meu irmão tinha a
microcefalia, mas ele não era
estático como muitas crianças
com essa condição. Ele se
locomovia livremente. Isso fez
com que ele fosse recusado por
instituições que propunham-se
a cuidar de crianças especiais.
Então, o fato de ele não ter
recebido acompanhamento
adequado tem a participação de
toda a sociedade da época, que
também o recusou e o preteriu.
Sei que hoje existem
instituições que cuidam de
crianças como ele, mas penso
que a situação dessas não é tão
diferente de como era na época.
Um dia, Beto andava no quintal
quando caiu no ribeirão que
passava ao lado da casa. Ele se
afogou, mas sobreviveu. Porém,
parece que seu
desenvolvimento retraiu-se.
Depois de alguns anos, meus
irmãos notaram que seus sinais
vitais estavam fracos - eu estava
na escola - e o levaram ao
hospital. Porém, chegando lá,
os médicos disseram que ele já
havia morrido. Ao chegar em
casa, recebi a notícia. Nessa
época, de seu morte, meus pais
já eram separados, e o velório
foi uma cena triste, pois minha
mãe não conseguiu conter sua
reação de tristeza diante da
morte do filho, e acabaram
pedindo que policiais a
controlassem, o que eu achei
uma grande injustiça. Porém,
eu mesmo encontrava-me
muito triste e fiquei a maior
parte do tempo isolado do resto
da família, e não fiz muito para
impedir que o desfecho do
velório fosse aquele. Também,
na época, nossa relação com a
nossa genitora estava um pouco
fragilizada pelos recentes
acontecimentos da separação. A
vida de Beto durou 17 anos,
mas deixou marcas eternas em
cada um de nós.
CAPÍTULO 3 -
PRIMEIROS LARES,
PRIMEIROS AMIGOS

Minha primeira casa foi em


Governador Valadares, Minas
Gerais. Na verdade, a casa era
de minha avó materna, e
moramos lá por um tempo. Me
recordo de meu pai ir trabalhar
e, ao retornar, trazer sempre
um doce ou bala, pedindo que
eu procurasse pela surpresa em
seu bolso. Eu amava quando ele
chegava em casa e eu saia
correndo para pular no seu colo
e o abraçar. Seu perfume de
almíscar, e o aroma do doce de
chocolate com coco ainda estão
bem vivos em minha memória.

Não sei porque, mas há


algumas memórias dessa fase
que não vão embora. Como
aquela vez em que vi minha
mãe escorregar e cair, quando
transportava as louças para
lavar, e ri, e disse "bem feito!
Ela me repreendeu e eu vi que
devia ter feito algo errado.
Outra lembrança que tenho é
de correr atrás das tanajuras
para brincar com elas,
enquanto cantávamos: " cai-cai
tanajura, na panela de gordura,
que te dou uma rapadura". Eu
nem sabia que se comia essas
formigas fritas, pois nunca comi
uma sequer. Apenas brincava
com elas.

Lembro-me também de soltar


pipa com meu pai, que me
havia feito uma manivela, que
era muito usada na época, para
puxar rapidamente a linha e
evitar que algum espertalhão
roubasse o brinquedo, laçando-
o. Hoje em dia não se usa mais
tal instrumento. Os meninos
preferem soltar suas pipas com
a linha enrolada em latões. A
brincadeira também se
modernizou e, hoje, é
praticamente mandatório laçar
a pipa do outro quando está no
ar, o que as pessoas chamam de
mandar.
Lembro-me da casa, que era
ampla, tinha escada, tinha
terraço (o que eu adorava), e
tinha uma área enorme que
dava pra gente correr e brincar.
Tinha até um balanço, onde nos
divertíamos. Tivemos bons
momentos na cidade de
Governador, onde também
visitávamos nossos avós
paternos. O nome de minha avó
e avô maternos eram Dolores e
Antony. E os de Meus avós
paternos Caroline e Bento. Vivi
uns anos felizes naquela cidade,
apesar dos pernilongos que me
causavam alergia e me enchiam
de feridinhas. Era incômodo,
coçava, e ficavam manchas, o
que me rendia alguns apelidos e
gozações, primeiro por parte
dos irmãos, e mais tarde por
parte de colegas de escola e
amigos.
Mudamos então dali e fomos
morar na cidade de Coronel
Fabriciano, no Vale do Aço,
Minas Gerais. Seria o começo
de uma vida nova para meus
pais, e seria também o lugar
onde eu passaria os anos de
minha criação e início da
juventude.

Em Fabriciano, a primeira casa


em que moramos foi no bairro
Melo Viana, num lugar que
chamávamos de Beco. Havia
um pequeno túnel por onde se
adentrava a ruazinha cheia de
casas. Algumas as áreas eram
comunitárias como a área de
lavar roupas. E me lembro que
havia uma pequena área livre
em torno da casa em que eu
gostava de brincar.

O Beco ficava bem de frente


para a avenida Magalhães
Pinto, onde havia de tudo que
uma família necessitava:
padaria, supermercado, lojas,
etc. Quando chegamos, a
cidade ainda era bem rústica, e
cresceríamos junto com ela. Foi
nessa época que ocorreu o meu
atropelamento. E era nessa casa
e vizinhança que eu saia
correndo, após tirar as roupas e
deixá-las pelo chão. Também
não posso deixar de mencionar
minha companheira
inseparável: a chupeta. Usei
esse mimo até os 6 anos de
idade, quando meus pais me
forçaram a largá-lo de lado.
Mais tarde contarei como foi
que consegui deixar o vício da
chupeta. No mais, não tenho
muitas recordações, pois
moramos pouco tempo ali. Por
fim, minha mãe se desentendeu
com algum condômino e nos
mudamos para o bairro Júlia
Kubitschek.

A mudança era, para mim, um


evento muito divertido! Colocar
todos os móveis num
caminhão, ver todas as coisas
serem transportadas e depois
colocar tudo no lugar, na casa
nova. A casa era independente,
separada do vizinho do lado por
um muro. Também tinha
quintal, onde brincávamos.
Um dia, saí para brincar em um
terreno baldio, onde as crianças
haviam improvisado um
parquinho. Você dava uma
moeda e eles te sentavam num
brinquedo e te faziam girar e
girar. Minha mãe descobriu a
traquinagem e me deu umas
palmadas, pondo-me para
correr para dentro de casa.
Também brincávamos de
"cozinhadinha", onde se fingia
estar preparando uma refeição.
Algumas frutinhas silvestres,
folhas e lama eram usados
como ingredientes. Tínhamos
panelinhas de verdade, e
utensílios de plástico. Havia até
fogãozinho de brinquedo. Era
uma brincadeira inocente e
divertida.

Enquanto ainda morávamos


nessa casa, adoeci. Tive uma
pneumonia. Eu mesmo não me
lembro de estar me sentindo
mal, mas fui levado ao hospital
por meu pai e, após conversar
com o médico que deu-me de
presente um pequeno bibelô de
vidro, fui deixado lá,
contrariado e choroso, por meu
pai, que precisava trabalhar. O
tal bibelô, depois, caiu e
quebrou, pois a enfermeira me
garantiu que o guardaria num
lugar seguro. Fiquei triste, mas
depois esqueci. Fui fazendo
amizade ali no hospital.
Lembro-me de ter conversado
com as enfermeiras, e com
algum coleguinha. Quando
minha mãe veio buscar-me, 4
dias depois, apesar de estar feliz
por ir pra casa, senti uma
estranha sensação de saudade.
Ao chegar em casa, tinha como
surpresa um caminhãozinho
com uma roda gigante em cima.
Quando você o puxava, a roda
girava. Uma maravilha da
engenharia. Recuperado, e feliz
com o presente, pensei em
como era bom estar vivo e,
novamente, junto da minha
família. O mundo parecia um
lugar perfeito para mim.

Não muito tempo depois deste


acontecimento, minha mãe teve
novo desentendimento com a
vizinha do lado direito de nossa
casa. Foi uma briga daquelas!
Minha mãe jogou um tijolo na
porta da vizinha, quebrando o
vidro. A vizinha respondeu
jogando alguma coisa para o
nosso lado. Minha mãe
respondeu jogando um balde de
água. A vizinha contra-atacou
jogando água para o nosso lado.
Também se ouviu xingos e
palavrões. Eu gritava e torcia
por minha mãe dizendo
palavras de incentivo. Isso mãe,
acaba com ela! Isso mesmo vai
vai, e coisas do tipo.

Passado mais algum tempo meu


pai nos levou para olhar uma
nova casa no bairro Alipinho.
Era uma casa grande com oito
cômodos. O piso era de
cimento batido vermelho. As
paredes eram brancas e o
telhado de amianto
convencional. Havia um grande
quintal e ao lado da casa,
passava um ribeirão. Assim,
pouco tempo depois, nos
mudamos para esta casa, que
meu pai havia adquirido com o
prêmio que ganhara na loteria
mineira.

A chegada àquela que seria


nossa casa definitiva foi um
grande evento. Depois de
descarregar toda a mudança, e
colocar tudo no lugar, logo
começamos a conhecer os
novos amiguinhos. O primeiro
a se apresentar foi Sílvio, que
me disse ter 6 anos e, após me
perguntar a minha idade, e
saber que também era de 6
anos, perguntou como é que eu
ainda usava bico. Fiquei um
pouco constrangido, mas não
estava disposto a abandonar
meu xodó. Fui conhecendo
vários amiguinhos, mas os
principais foram o Sílvio, seu
irmão Otávio, os irmãos Cleiton
e Clóvis, o pequeno Gladson, e
os amigos da rua de cima, os
irmãos Clésio, Carlson e
Walney. E os irmãos Wanio e
Wander. Com o passar do
tempo, outros amigos foram se
juntando a essa turma e
fazendo crescer o tamanho da
galera. Mas, em meio a tudo
isso, a casa precisaria passar por
uma reforma, antes que tudo
estivesse no seu devido lugar.
Eu não sabia muito bem dessas
coisas de adultos, mas não sei
se minha mãe havia aprovado a
compra da casa.

Como eu já disse antes, a casa


ficava à beira de um ribeirão, o
Ribeirão Caladão. Prevendo a
possibilidade de enxentes, meu
pai achou prudente elevar o
nível do lote. Assim, uma
enorme quantidade de terra foi
descarregada no local. Nós
crianças nos divertimos a valer
brincando na terra vermelha.
Pulávamos, escorregávamos, e
rolávamos na terra. A sujeira
era garantida, e um banho era
necessário, depois de tanta
farra. Logo, toda aquela terra
estava espalhada pelo lote e, na
parte de trás deste, foi
espalhada para criar um terreno
cultivável. Ali, meu pai
plantaria milho, feijão,
melancias, mandioca e
hortaliças como tomates,
taioba, morangos, chuchu e
quiabo. Havia também um pé
de goiaba, que não produzia
muitos frutos e, quando o
faziam, era bicho na certa. Mas
ele servia como local para
nossas brincadeiras, e também
podíamos usar suas folhas para
fazer chá. Num dos lados do
lote, havia uma linda
castanheira imperial, que
permanece até hoje, e é
conhecida e protegida por
todos da cidade. Cortá-la seria
considerado um verdadeiro
sacrilégio. Ela nos dava seus
frutos pulposos que
saboreávamos e distribuíamos
aos amigos. Também nos servia
de poleiro e de palanque para
nossas brincadeiras. Certa vez,
estava empoleirado em um
galho que se quebrou, e eu caí,
mas fiquei, afortunadamente,
enganchado pelas pernas, de
cabeça para baixo, em um galho
inferior. Assim, consegui me
segurar e descer em segurança,
de forma que tive apenas uns
arranhões. Meus irmãos
também caíram algumas vezes.
Mesmo assim, adorávamos ver
se conseguiríamos chegar até o
ponto mais alto da árvore. Uma
vez, uma de minhas irmãs me
cutucou num galho mais baixo
e, desta vez, não tive tanta sorte
e caí, cortando a perna no
arame farpado usado como
varal, origem de uma cicatriz
que tenho na perna. Com o
tempo, á medida em que
enjoávamos das castanhas e
crescíamos, fomos parando de
trepar na castanheira, e ela
tornou-se a casa das galinhas
criadas por meu pai.

Voltando ao assunto da casa,


mudamos então, para esse que
seria o lar de toda a família por
longos anos. Apenas minha
irmã Clair não morava conosco,
pois minha avó a havia tomado,
ainda bebê, para criar. Somente
a víamos quando íamos passear
na casa de minha avó, Dolores,
e quando elas vinham passear
em nossa casa. Essas ocasiões
eram relativamente frequentes,
mas exigiam uma viagem de
aproximadamente 2 horas, para
vencer a distância entre
Coronel Fabriciano e a cidade
de Governador Valadares.
Muitas vezes íamos visitar a
exposição agropecuária anual,
que tinha grandes atrações
como exposições de gado,
feiras, rodeio e shows musicais.
Outras vezes íamos apenas
visitar nossos avós e irmã
mesmo. Mas também íamos ver
nossos primos, tios, tias e avós
paternos, que viviam em outro
lado mais distante e humilde da
cidade.

A casa de minha avó paterna


era bem rústica, com piso de
madeira, mas paredes de
alvenaria. Não havia esgoto,
mas se usava fossa. Achávamos
constrangedor ter que usar tal
recurso, mas procurávamos não
ficar reclamando, ou apontando
defeitos na casa de nossa avó
Caroline, que era sempre muito
amável e nos tratava com
carinho. Mulher negra e
simples, teve 7 filhos, que
geraram muitos netos e
bisnetos. Gostava de um
cigarrinho de fumo, e quase não
saia de dentro de casa. Faleceu
com cerca de 70 anos. Os
primos eram companheiros de
brincadeira e de conversas. Os
primos com os quais tive mais
contato eram os primos
Edivaldo, João e Guilherme.
Recentemente, reencontrei
primos, filhos de meu tio Paulo,
que eu ainda não conhecia. Me
encantei com meu primo
Claude, cuja estatura e
masculinidade me saltaram aos
olhos. Também me encantou
sua simpatia, seu carisma e
inteligência.

Então, essa era a situação


familiar em relação à minha
irmã primogênita. Eu pensava
que ela era feliz assim, que era
escolha dela morar com minha
avó. Meus pais pouco tocavam
no assunto, pois acreditavam
que meus avós poderiam dar a
ela melhores oportunidades.
Somente muito mais tarde fui
saber, de sua própria boca, que
ela nunca foi feliz e que sentia
muito a falta de conviver com
os irmãos. Sentia solidão, e
achava-se prisioneira de um
contexto familiar estrito e sem
liberdade. Preferiria passar por
privações, como as que
passamos muitas vezes, do que
ficar separada de nós. Esse foi
um dos motivos de ela ter se
casado jovem, para poder se ver
livre deste contexto de
isolamento. Assim, teve filhos e
mudou-se para perto de nós,
com a intenção de recomeçar.
Até porque meus avós tiveram
problemas e acabariam
perdendo sua casa, e o
casamento deles chegaria ao
fim, em breve. O casamento de
minha irmã também não durou
muito, e ela acabou seguindo
outros caminhos que, no fim, a
levaram de volta às casa que foi
nossa e de meu pai, onde mora,
hoje em dia. Mas as histórias de
suas andanças eu conto mais
tarde.De volta à casa seguíamos
crescendo e brincando, alheios
ao sofrimento de minha irmã,
sem saber de suas angústias e
de suas lágrimas.
CAPÍTULO 4 - A
PRIMEIRA ESCOLA

Hoje em dia, há escolas de pré-


primário por todos os lados, e
as crianças começam cedo. Mas
na minha época de criança, era
bem diferente. Assim, eu já
estava com seis anos, mas,
ainda assim, fora duro para
meus pais me convencerem a
aderir à ideia de ter que
frequentar uma escola, e de que
eu deveria fazer isso por longos
e longos anos. Mas me
ganharam com a ideia de que,
se eu não fizesse isso, não
conseguiria trabalho no futuro
e seria pobre para o resto da
vida. Temendo tal destino,
entendendo da melhor forma
que uma criança é capaz de
fazê-lo, aceitei o desafio e
fomos, eu e meu irmão,
frequentar o jardim da infância.
Apesar de ter dois anos de
idade a mais do que eu, meu
irmão também nunca tinha ido
às escola, provavelmente pelo
fato de a família ter se mudado
tantas vezes em tão pouco
tempo. Mas agora, com
residência fixa, podíamos
sonhar em ter uma educação
regular.

No Brasil dos anos 1970, a


educação apenas começava a
ser vista como um direito de
toda a população. Meus pais,
por exemplo, só haviam
estudado até a 4° série primária.
A educação era vista como luxo,
como coisa de gente rica. O
pobre tinha era que trabalhar,
aprender um ofício e se ater a
ele. Felizmente, meus pais
perceberam logo que seus filhos
teriam poucas chances de um
bom futuro, se não recebessem
educação adequada, por isso
nos encorajavam. Mesmo
assim, o único dos 8 filhos a
chegar à faculdade, foi esse que
vos escreve. Meus irmãos e
irmãs, até hoje, estão com este
sonho pendente de realização.
A maioria abandonou os
estudos ainda no ensino básico.
Eu mesmo cheguei a abandonar
os estudos e ficar mais de 5
anos fora da escola, tamanhas
eram as dificuldades de acesso
às educação. A escoIa em que
estudava ficava muito longe,
quase uma hora de caminhada
para ir, e outra pra voltar. Isso
foi me desencorajando, com o
tempo, pois meu pai se
recusava a gastar com
passagens de ônibus diárias.
Assim, o jeito era encarar o
trajeto a pé. Mas quando não
era a distância, era a burocracia
escolar que atrapalhava. O
uniforme era ítem obrigatório
para acesso ao colégio, e se
faltasse qualquer peça, nos
faziam voltar para casa, mesmo
tendo andado tanto para
chegar. Livros eram
obrigatórios, e não se podia
assistir aulas se não os
tivéssemos. Numa ocasião, um
fato me emocionou muito. A
professora avisou que eu não
poderia mais ir à aula sem o
livro de português. Então, pedi
o livro emprestado a um colega,
e copiei todas as atividades do
capítulo, respondendo-as em
seguida. A professora ficou
tocada, e sugeriu à turma que
fizesse uma vaquinha, para que
eu pudesse adquirir o objeto. A
turma aceitou, e eu pude ir a
uma livraria escolar e comprei o
livro, novinho em folha. Foi um
dia muito feliz. Me esforcei
muito aquele ano para tirar
boas notas e fui aprovado entre
os melhores alunos. Acabei me
destacando na escola,o que
renderia uma eleição para
Presidente do Grêmio
Estudantil, mas também muita
frustração, por não conseguir
fazer na ada efetivo para os
estudantes, além de uma
grande pressão de professores e
alunos para manter esse alto
desempenho e a liderança. Ora,
em casa as coisas não iam bem,
eram difíceis, e na escola essa
cobrança. Em consequência
disso, no ano seguinte, tratei de
ser menos disciplinado e
aplicado nos estudos, mas isso
também foi um erro de que me
arrependo.
Iniciava-se o ensino básico aos
6 anos, caso os pais pagassem
um jardim-da-infância, e a
partir dos 7, na educação
regular das redes pública e
privada. O ensino se dividia em
primário, ginásio e segundo
grau. O primário consistia em
jardim-da-infância e 1° a 4°
séries. O ginásio era formado
por 5° a 8° séries, e o segundo
grau era composto de 3 a 4
séries, dependendo do curso
que se escolhia. A maioria dos
alunos nem chegava a concluir
o ensino básico. Chegar ao
segundo grau, então, era para
poucos. Minhas irmãs entraram
diretamente na escola regular.
Já eu e meu irmão tivemos a
oportunidade de cursar o
jardim. Mais tarde, como toda
criança peralta, eu. E ganharia
de ter iniciado os estudos mais
jovem que Edward, e também
me achava o mais inteligente.
Mas hoje entendo que seu
início tardio aos estudos não foi
culpa dele, mas das
circunstâncias. Também
entendo que não existe essa
coisa de mais ou menos
inteligente. Apenas existem
diferentes inteligências. Meu
irmão, por exemplo, fazia pipas
incríveis, enquanto eu não
tinha a menor habilidade para
isso. Ele também se tornou
excelente serralheiro e
soldador, o que nunca foi o
meu forte. Mas estávamos
juntos na escola e eu tinha um
companheiro para me
acompanhar nas idas e vindas
ao jardim de infância.

Para chegar ao local onde ficava


a escolinha da professora
Silvana, tínhamos que andar
bastante. Ficava no bairro Santa
Cruz, cerca de uns 30 minutos
de caminhada desde a nossa
casa. Como eu ainda era muito
pequeno, era muito bom que
meu brother estivesse por perto
para fazer companhia, embora
ele também só tivesse oito anos.
Íamos e vínhamos todos os
dias, levando nossas coisinhas e
lanchinhos. Lá na escola nos
dedicàvamos a fazer trabalhos
de pintura, desenho, colagens, e
tudo o mais que a nossa querida
professora, com seus longos
cabelos negros, conseguia
conceber em sua imaginação.

Cantávamos cantigas folclóricas


como "meu tamborzinho" e "Sr.
Capitão". Aprendemos as
primeiras letrinhas e a escrever
os nossos nomes. Realizávamos
atividades de ligar os pontos e
de colorir com lápis de cor, giz
de cera ou guache. Enfim, era
uma escolinha muito divertida
e cheia de descobertas e muitas
atividades. Me recordo de um
coleguinha chamado Abner, e
de termos lido a fábula do
Jequitibá e do Caniço - O
Jequitibá era orgulhoso e
gabava-se de sua imponência e
força. Sabia que era alto e
robusto, e sentia-se
indestrutível. Humilhava e
zombava do Caniço, que apenas
se curvava e aceitava, com
humildade, sua condição
inferior. Uma noite, veio uma
forte tempestade, e o caniço
curvou-se, esperando que ela
passasse, e torcendo para que
tudo terminasse bem. Pela
manhã, depois de acalmada a
tempestade, o caniço ergueu-se
para ver o que tinha
acontecido. Então, viu o
soberbo Jequitibá caído no solo,
com suas raízes expostas,
humilhado e sem vida. Fico
pensando onde andarão meus
coleguinhas. Será que estão
vivos e bem?

Uma vez, tentei apontar um


lápis com uma gilete e fiz um
corte profundo no dedo. A
professora acudiu. Mandou-me
para casa e meus pais me
levaram ao hospital para dar
pontos. Não me lembro bem
quantos, mas foram pelo menos
6 pontos para fechar o
ferimento e evitar que
inflamasse, deixando uma feia
cicatriz. Ganhei um dia de folga
da escola, o que gostei muito.
Outra situação engraçada foi a
vez em que encontrei um ovo
podre e o atirei contra um
muro, ao retornar da escola.
Houve um forte estalo e o mau
cheiro se espalhou
instantaneamente, o que me
ensinou a nunca mais repetir a
façanha.

Aquele ano foi cheio, e aprendi


lições que trago até hoje. Mas o
ano chegou ao fim, e teríamos a
festinha de encerramento da
escolinha. Foi pedido que cada
um levasse um lanchinho.
Minha mãe resolveu enviar um
frango a passarinho, o que me
deixou meio constrangido,
pensando que os colegas não
gostariam,e também por ser
incomum em uma festinha.
Felizmente, todos comeram um
pedaço, e não sobrou nada.
Recebemos um diplominha de
formatura. Cantamos a versão
brasileira de Cielito Lindo:
"Quem parte leva, saudades de
alguém, que fica chorando de
dor, por isso não quero
lembrar, quando partiu, meu
grande amor. Ai, ai, aí, aí, está
chegando a hora, o dia já vem
raiando meu bem, eu tenho que
ir embora. E também a cancão
da despedida: "Já está chegando
a hora de ir, venho aqui me
despedir e dizer, que em
qualquer lugar por onde eu
andar, vou lembrar de você. Só
me resta agora dizer adeus, e
depois o meu caminho seguir.
O meu coração aqui vou deixar,
não ligue se agora deu chorar,
mas agora, adeus… acho que
todos choramos, realmente,
mas acho que a professora
chorou mais. Ela teria, com
certeza, muitas outras
turminhas como a nossa, mas
para nós, formandos, foi única.
Saí com meu diploma, e
pensando que havia concluído
meus estudos. Mas minha
jornada educacional estava
apenas começando. Nunca
mais vi Abner, nem minha
professora, nem nenhum dos
meus coleguinhas de turma.
CAPITULO 5 - UM
GRANDE PASSO
PARA UM MENINO

Primeiras Professoras

Após o fim do ano escolar no


jardim de infância, para minha
mente pueril, eu já havia
completado meus estudos, e
estava, portanto, dispensado da
escola. Mas, logo, eu seria
informado de meu engano.
Uma das poucas vezes que
minha mãe compareceu às
minha escola foi para realizar
minha matrícula no primeiro
ano do ensino primário. Sei lá,
acho que uma criança sempre
pensa que o mundo gira em
torno de si mesma, e que seus
pais só têm a ela para se
preocupar. De qualquer forma,
sempre senti que eles me
davam mais atenção do que aos
outros filhos. Mas em relação às
escola, deixavam que
cuidássemos de tudo,
praticamente, por nós mesmos.
De fato, após um certo tempo,
eu mesmo ia até a escola e
realizava minha própria
matrícula. Esse foi um dos
motivos pelos quais não deixei
de concluir o primeiro grau na
idade correta. Com o segundo
grau, equivalente ao atual
ensino médio, não tive a mesma
sorte.

A Escola Estadual Coronel


Silvino Pereira ficava
relativamente perto de minha
casa, a uns 20 minutos, a pé.
Naquele primeiro dia, minha
mãe me levou até lá, conversou
com alguém e depois foi
embora, deixando-me alí.
Vendo me só pela segunda vez,
a primeira foi naquela ocasião
no hospital, chorei. Mas
quando a professora nos
chamou para a sala de aula,
vendo que ela era uma bela
jovem, atenciosa e gentil, me
acalmei. Quando fui chamar a
professora de tia, como fazia no
jardim, os colegas zombaram de
mim, e riram. Acho que essa foi
a primeira de muitas rejeições,
zombarias, gozações e
agressões que eu sofreria ao
longo da vida estudantil, apesar
de eu ser tranquilo, e de nunca
procurar confusão. Mais tarde,
minha mãe veio me buscar, o
que ocorreria Apenas daquela
vez. Nas próximas, e iria e
voltaria da escola na companhia
apenas de meu irmão, que fora
matriculado na mesma série,
mas em outra turma. Na
verdade, meu irmão pouco
falava comigo na escola, o que
fez com que, com o passar do
tempo, eu me tornasse mais
independente, até mesmo
quando alguém tentava me
agredir.

No dia seguinte, ao chegar à


escola, fui avisado de que seria
trocado de turma. Será que isso
tinha a ver com o fato de eu ter
chamado a professora de tia?
Ou será que estava relacionado
ao tom escuro de minha pele?
Nunca saberei, ao certo. O fato
é que me trocaram de turma e
eu chorei novamente, pois
achava a professora antiga
bonita, e achei a outra
professora feia e velha. Exigi
que fosse devolvido à minha
antiga turma, sem sucesso.
Mas,essa minha indelicadeza,
com o tempo, mostrou-se tola e
infundada, pois, a professora
Ana Gualberto era muito
amável e muito habilidosa na
alfabetização infantil. Me
encantei com a saga da
abelhinha que nos guiou desde
alegra A até a letra Z, nos
ensinou a formar sílabas, e a
reconhecer os seus sons, o que
culminou no aprendizado da
leitura. Quando vi, já estava
lendo. O primeiro textinho que
li dizia alguma coisa sobre um
barquinho, e que eu cheguei em
casa e li para minha mãe,
mostrando que eu já sabia ler.

Havia também uma cartilha


chamada caminho suave. Sei
que criticam a metodologia,
mas as frasezinhas do tipo "Ivo
viu a uva", "Quico comeu
daqui", "Vovó vai viajar", etc.,
me encantavam, pois sempre
vinham acompanhadas de
ilustrações que me faziam viajar
para dentro da história do livro.
Na verdade, eu já havia lido o
livro todo, antes mesmo de o
ano letivo acabar. Ainda me
recordo da capa do livro, onde
apareciam um garotinho e sua
irmãzinha, trajando um
tradicional uniforme escolar
composto de camisa branca e
calção azul, ele, e saia azul, ela.
Este ano marcou o começo de
uma jornada de oito longos
anos de estudo nos quais eu
viveria momentos bons, e
momentos ruins.

Professora Severa

No segundo ano, minha


professora Ivani era severa.
Ameaçava grampear a língua de
quem conversasse fora de hora.
Certa vez me quebrou uma
régua nas costas, outra, me
tomou um dinheirinho que eu
havia "roubado" de meu pai,
sem que ele soubesse, pois
peguei em seu bolso sem pedir,
e achava, ingenuamente que
alguém fosse saber de minha
peraltice. Disse que me
devolveria se eu não achasse o
dono. Fiquei uma fera! Daí,
quando fui perguntar a ela, no
outro dia, se ela havia "achado"
o dono, pois eu sabia quem era
o dono, ela disse, com a cara
mais lavada: ah! O dinheiro?
Chupei picolé com ele. Tomei
ranso da mulher!

Mas até que ela tentava ter boas


attitudes, mas essas escondiam
um preconceito velado. Havia
uma "caixa de material escolar".
Ela não acreditou que meu pai
tivesse uma serralheria, pois
julgava que tais proprietários
eram muito ricos, e me
inscreveu no programa de
benefícios. Outra vez, queria
alguém para encenar a abolição
da escravidão e perguntou se
alguém conhecia um negro.
Como em casa eu era
discriminado pela cor, sendo
chamado de negrinho e de
"escravo Izauro", achei que
finalmente poderia usar essa
característica a meu favor, para
fazer algo útil. Mas ela disse
que eu não era negro o
suficiente. Mas eu conhecia um
amiguinho no bairro que era
um negro forte e bonito, e
perguntei se ele aceitaria
participar da encenação. Ele
topou. Quando a professora o
viu, exclamou: aí sim! Este é
negro de verdade! E o colocou
no trabalho. Mas ela acabou me
deixando participar também.
Fez umas correntes de papel e
colocou em nossos braços. Na
verdade, não dissemos nada.
Apenas ficamos em pé no meio
do pátio, enquanto ela recitava
algo sobre a escravidão, a
Princesa Isabel, e a lei áurea.

Em outra ocasião participei de


uma encenação entre uma
florista e um rapaz a quem ela
tentava vender suas flores, e a
quem este respondia que não
desejava flores, mas sim o amor
da moça. A professora havia
dito para eu cantar bem forte, e
eu cantei gritando, o que
arrancou gargalhadas dos
ouvintes. Outro fato curioso:
estávamos estudando sobre a
independência do Brasil. Ela
nos pediu que fizéssemos uma
redação sobre o tema. Acabei
criando um poema, todo
rimado, que dizia algo como: Às
margens do Rio Ipiranga,
cenário de luta e glória, lutava
Dom Pedro, líder de nossa
vitória. Bradou então à coroa,
com seu grito alto e forte: "
Independência, ou Morte"! Ela
perguntou de onde eu havia
copiado. Disse a ela que não era
cópia. Ela então pediu-me que
passasse a limpo, pois iria
inscrever o poema num
concurso. Nunca soube, depois,
se havia sido premiado. Se fui,
ela deve ter comprado picolé
com o prêmio. Mas, de
qualquer maneira, fiquei feliz
com seu reconhecimento. Ao
longo de minha vida
"acadêmica", esses
reconhecimentos seriam
frequentes, menos nas
matemáticas, disciplina de que
eu nunca fui muito fã, pelo
menos até entender a sua
importância prática. Mas a pior
de todas as raivas que ela me
fez foi uma brincadeira de
"adivinhe o maestro".
Supostamente, alguém deveria
iniciar uma ação qualquer,
como bater palmas, e quem
tivesse sido escolhido para sair
da sala, e só voltar quando
chamado, teria que adivinhar
quem era essa pessoa.
Adivinhem quem foi o
escolhido? E lá fui eu, bem
esperto, e "adivinhei" logo
quem era o tal maestro. Assim,
está pessoa foi para fora e eu
fiquei com o restante da turma.
Ela então deu a instrução
claríssima: quando fulano
voltar, vou dar um sinal, e todos
juntos, gritaremos bem forte,
imitando um cabrito, ok? Para
ver se fulano adivinha o
maestro. Mas beeem forte hein?
Quando o fulano voltou, a
professora disse: vou contar até
três, e então começaremos a
brincadeira, ok? E deu uma
piscadinha. Eu respirei fundo, e
fui com tudo: BEEEEEEE! E
todos os outros ficaram em
silêncio, explodindo em seguida
numa enorme gargalhada!
Preciso falar de minha
vergonha? Nas férias de julho,
eu me confundi com o fim do
ano e disse: graças a Deus,
ficarei livre da senhora. Mas ela
disse: Não seja por isso. Em
agosto estarei de volta.

Mas vá lá, a professora Ivani


não era tão horrível assim. Um
dia, ela percebeu que eu estava
cabisbaixo e perguntou se eu
estava doente. Expliquei que,
naquele dia, não havia
lanchado, e estava faminto. Ela
então me levou às cantina das
escola e pediu às cantineiras
que me dessem algo para
comer. Ganhei pão doce,
salpicado com açúcar, e café
com leite. Comi e me vi
revigorado. Suas aulas de
educação física também eram
ótimas. Ela nos ensinou a
brincar de roda, ensinou a roda
da "chora piranga", da "linda
rosa juvenil", e outras. Nos
ensinou o salto triplo e a jogar
queimada. Aliás, essa foi minha
vingança: uma bolada de
queimada bem carimbada, da
qual ela mesmo disse: você se
vingou, hein menino? O ano
terminou e nunca mais vi a
professora Ivani. Mudou-se de
escola ou abandonou o ensino,
quem sabe?
CAPITULO 6 -
BASTIDORES

Bem, a vida de uma criança não


se resume à escola, e a minha
começava a tornar-se difícil e
sofrida. Após um período de
bonança quase absoluta, o
negócio de meu pai começou a
declinar, depois que um sócio o
roubou. Antes disso, porém,
tivemos momentos de muita
alegria e fartura. Me lembro de
nosso primeiro Natal, quando
meu pai, todo contente,
mostrou-nos um maço de
dinheiro, dizendo que dias
melhores estavam por vir. Senti
uma mistura de êxtase e
encantamento, que durou até o
momento em que meus pais
tentaram fazer funcionar uma
pomba de brinquedo que
deveria ser capaz de voar. Mas
não houve quem a fizesse
funcionar, frustrando-me. Mas
logo esqueci o fato e fui brincar
com os outros presentes, certo
de que meu pai agora tinha
fortuna e, por isso, nada
poderia colocar em risco nossa
felicidade.

Nessa época, foi que começou a


surgir meu interesse pela
música, por volta dos 6 anos. Eu
sempre pedia um instrumento
musical de presente quando
tinha oportunidade. Isso
começou quando vi um
pianinho de brinquedo que
minha irmã Clair tinha ganhado
de meus avós. Me apaixonei por
aquele instrumento, tão
gracioso, capaz de emitir as sete
notas musicais. Mas minha
preferência era por
instrumentos de sopro, pois,
além destes serem mais baratos,
eu havia lido o conto "O
Flautista de Hamelyn", e tinha
me apaixonado pela flauta
mágica. Eu havia me decidido:
serei um flautista mágico. Pedi
a meu pai que comprasse para
mim a flauta mágica para que
eu pudesse iniciar meu
aprendizado. Mas meu pai,
achando que aquilo fosse
apenas um devaneio infantil,
desconversou, dizendo que
compraria o instrumento, mais
tarde. Mas ele nunca deixou de
alimentar meu interesse pela
música, comprando-me sempre
saxofoninhos, mini-escaletas,
clarinetinhas, etc.

Outro alimento para meu


talento musical foi o toca-
discos, comprado por minha
mãe no crediário. Essas coisas já
eram caras naquela época. Os
discos eram de vinil. Minha
mãe tinha um excelente gosto
musical e comprava belíssimas
coleções. Assim, fiquei
conhecendo a MPB com
Gilberto Gil, Caetano Veloso,
Elis Regina, Ney Mato Grosso, o
rei Roberto Carlos e seu amigo
Erasmo Carlos; a música de
Milton Nascimento, e discos
internacionais como o do filme
Grease e uma coletânea do
famoso grupo ABBA, Roberto
Leal, o português mais
brasileiro do mundo, Amelinha,
e muitos outros artistas, além, é
claro, das trilhas sonoras de
telenovelas.

Eu não sabia ouvir música se


não fosse cantando junto com o
disco e dançando, algo que era
bem particular para mim. Meus
pais percebiam algum talento
musical, mas não fizeram
nenhum gesto para encorajar o
hábito a se tornar mais do que
uma simples brincadeira de
criança. Arte era coisa para
ricos. Nós, pobres, deveríamos
nos preocupar em aprender
uma profissão, para ser alguém
na vida. Além disso, se hoje em
dia os músicos são vistos como
vadios, imagine naquela época.
Mas eu cresceria assim, entre
discos e canções. Mas logo
viriam, também, socos e
safanões. Enquanto isso, minha
mãe começou a receber a visita
cada vez mais frequente de um
amigo, sempre que meu pai não
estava em casa. Curiosamente,
sempre que este seu amigo
estava em nossa casa, ela nos
dizia para irmos brincar na rua.
Eu nada via de mais, nisso. Não
naquele momento.

Depois daquele último natal,


muita coisa mudaria em minha
vida. Vieram me informar que
essa coisa de Papai Noel era
lenda, o que me fez encarar
uma das primeiras decepções
da vida. Depois de um período
de aparente perfeição: minha
mãe cuidando da casa e
preparando pratos e doces
deliciosos; Os filhos e filhas
disciplinados e educados,
frequentes à missa e à
catequese; e Meu pai com sua
fábrica de estruturas metálicas
no centro da cidade, as coisas
parecem ter começado a se
deteriorar. Por alguma razão, a
vida íntima de meus pais não
estava bem. Meu pai trabalhava
muito, e chegava em casa
exausto. Daí, você pode
imaginar que a vida conjugal
dos dois não andava lá às mil
maravilhas. E minha mãe era
uma mulher jovem, bonita e
com os hormônios ainda em
plena atividade. Não aceitava
muito bem essa abstinência. E,
naquela época, não era tão
simples para o homem resolver
esses problemas como hoje, em
que basta-se ingerir um
comprimido. Assim, as visitas
do tal amigo tornavam-se cada
vez mais frequentes. Um dia era
para consertar a tranca da
porta, no outro era a fechadura
que estava com defeito, até que
nós mesmos passamos a nós
retirar sempre que o "amigo"
aparecia.

De volta à vida comum, que


continuou apesar de outros
eventos paralelos, eu
continuava a estudar
regularmente e a brincar na rua
com os colegas. Minha mãe
começou a acompanhar meu
pai no trabalho, tentando ficar
um tempo servindo como sua
secretária. Nessa época,
começaram a me fazer apelidos
de "bichinha", "negrinho" e
escravo. Também, minhas
irmãs, aproveitando-se da
ausência de meus pais,
passaram a me espancar e a me
obrigar a realizar, sozinho, os
serviços domésticos. Além
disso, a ausência do olhar
atento de nossos pais permitiu
que nos aprofundássemos cada
vez mais nas descobertas,
precoces, de nossa sexualidade.
Eu aprendi algumas coisas com
meus irmãos e outras com os
colegas de rua. Às vezes tinha
contato físico com outros
coleguinhas, algo que, é claro,
permanecia super secreto, e não
era comentando nem entre nós
mesmos. Depois, cada um
cresceria e seguiria sua
sexualidade natural. Eu não me
tornei homossexual por causa
dessas brincadeiras, mas
porque eu já tinha essa
orientação sexual. As coisas
continuaram nesse ritmo, até
que minhas irmãs começaram a
atacar meus materiais escolares,
rasgando folhas de deveres de
casa. A professora havia exigido
que eu fizesse a tarefa. Assim,
minha mãe levou-me até a casa
de um coleguinha, que me
emprestou sua cópia pare que
eu pudesse transcrever para o
meu caderno. Mauro me
emprestou de bom grado sua
folha, eu fiz a tarefa e fiquei
satisfeito. Infelizmente, as
surras, xingamentos e castigos
sem sentido não pararam, nem
mesmo quando meus pais
estavam por perto. Meu pai não
levava jeito para disciplinar os
filhos e minha mãe só sabia
bater. Mas, estranhamente,
parece que eu atraía para mim
mesmo a maior parte das sovas.

Tudo continuou mais ou menos


normal por algum tempo. Meu
pai trabalhava no centro e
minha mãe voltará a
permanecer em casa, com a
intenção de manter a disciplina
e evitar que nossa imaginação
corresse solta. Eu havia sido
surpreendido numa dessas
brincadeiras sensuais, com um
irmão. Foi extremamente
constrangedor e a reação
parental não me ajudou a me
sentir menos sujo e miserável.
Como algo que gerava prazer
podia ser tão errado? Além de
tudo, meus pais comentaram
com outras pessoas, o assunto
tornou-se público, o que quase
matou-me de vergonha. Meus
pais nos repreenderam
severamente, dizendo que
aquilo era muito imoral e que
estavam muito decepcionados.
Juramos nunca mais repetir tal
coisa e, pelo menos entre nós,
cumprimos a promessa,
tratando de empurrar essas
dolorosas lembranças para
dentro do esquecimento.

Porém, Com meu pai longe,


minha mãe tornou-se cada vez
mais ousada em seu, agora
todos já sabíamos,
relacionamento extra conjugal.
Como os vizinhos passaram a
comentar, minha mãe começou
encontrar-se com o amante em
locais um pouco afastados de
casa, mas isso não impedia os
olhares observadores e
condensadores das pessoas. Nós
filhos, também, não tínhamos
maturidade para entender que
nossa mãe também tinha
necessidades, angústias e
tristezas. Sabemos que ela
tentou, muitas vezes,
abandonar essa relação antes
que tudo chegasse aos ouvidos
de meu pai. Infelizmente, não
foi o que aconteceu. Cada vez
mais, ela se envolvia e, nesse
contexto de infidelidade,
nasceu Andrew, meu irmão
caçula. Longe de nós
cogitarmos a possibilidade de
meu irmão não ser o filho
biológico de meu pai. O
aceitamos como igual,
principalmente meu pai, que o
amou desde o princípio. Com
aquela alegria momentânea
chegando à casa, esquecemos,
por um tempo, os problemas
conjugais de nossos pais,
voltando toda a nossa atenção
para nosso irmãozinho, que era
cuidado, mimado e protegido.
Até que um dia, voltando de
uma partida de bilhar onde
alguém havia, finalmente, lhe
revelado certos fatos, meu pai
irrompeu para dentro de casa,
acoando minha mãe que,
primeiro, tentou negar tudo.
Mas diante da agressão física,
irada, ela derramou toda a
história em sua face,
anunciando também que meu
irmãozinho era filho biológico
do amante. O mundo caiu para
nós. A esperança de um lar feliz
e unido estava destruída. Nosso
pai pegou seu automóvel e saiu
de casa, sem saber ao certo o
que faria em seguida.
CAPÍTULO 7 - BOM
ENQUANTO DUROU

Durante o tempo que durou a


união de nossos pais, houve
também momentos de alegria.
Íamos à igreja juntos, e sempre
ganhávamos pipoca, no final da
missa. Eu gostava de ouvir e
acompanhar os cânticos, mas
me enfadava com os ritos da
cerimônia, quanto ao sentar,
levantar, sentar de novo, etc.
Gostava do momento do
ofertório, quando minha mãe
me dava alguma moedinha para
lançar na cestinha. Essa foi a
religião que minha mãe nos
ensinou. Mais tarde, depois de
adulto, eu viria a me converter
à religião evangélica, mas até
uma certa idade, isso nunca
passou-me pela cabeça.

Minha mãe gostava de nos ver


arrumadinhos. Ela nos
comprava roupas e calçados,
sempre que possível. Isso era
mesmo necessário, pois
crianças crescem rápido, e logo
um calçado que servia fica
apertado, e as roupas ficam
curtas. Lembro-me de ter
ganhado, certa vez, uma bonita
calça jeans da marca US Top, e
um macacão azul que, a
princípio, não gostei, pois achei
que tinha ficado feio. Mas
depois até que me afeiçoei a ele.
Ela também investia em nossa
educação. Nos comprava livros
de literatura, de ciências, jogos
educativos, edições cristãs, e até
uma divertida revista infantil
que eu amava e que, mais tarde,
quando tornei-me evangélico,
soube ser, coincidentemente,
uma edição da mesma igreja à
qual eu pertencia.

Outra ocasião que nos divertia


eram as idas ao supermercado.
Eram tempos de uma economia
mais estável, e podíamos
encher o carrinho com todos os
mantimentos necessários para o
mês. Eu passava pelas gôndolas
e, onde eu via um doce ou
guloseima, colocava no
carrinho, só para ver o produto
ser retirado do mesmo por
minha mãe. De vez em quando
ela deixava passar algum desses
regalos, para minha alegria e de
meus irmãos. Eu acho que até
um certo ponto de minha vida
eu fui uma criança amada e
protegida. Acho que isso
mudou depois que perdi o
posto de caçula, tornando-me o
filho do meio. Penso que há um
certo peso que recai sobre os
extremos. Assim, primogênitos,
filhos do meio e caçulas
acabam, uns, sendo mais
cobrados e, outros, sendo mais
mimados que os demais.

Minha mãe, certa vez, tentou


revender cosméticos da marca
Avon. Ela fazia as encomendas
que vinham em uma caixa
fechada. Nos divertíamos
abrindo-a e desempacotando os
produtos. O perfume que os
produtos exalavam, enchia o ar,
antes mesmo se de serem
abertos. Alguns desses
produtos, minha mãe comprava
para sí própria, e nós podíamos
usar. Eram perfumes, cremes
faciais, para os cabelos e para a
pele. Charisma, era o nome de
um dos perfumes mais famosos
da marca. Também eram
vendidas bijuterias, e eu, certa
vez ganhei um crucifixo
dourado, para por no pescoço.
Perdi-o, pouco tempo depois.

Quando meus pais e irmãos não


estavam em casa, eu aprontava.
Usava todos os produtos, vestia
roupas de minha mãe que eu
pegava em seu guarda roupa,
testava seus batons e acho que
cheguei até a beber perfume.
Coisas de criança, mas que
certamente teriam visto como
problema, caso tivessem me
surpreendido. Mas eu me
diverti assim algumas vezes.
Não se tornou um hábito,
porém. Em parte, porque fui
encontrando outros
passatempos, e em parte
porque minha família tinha
grande preconceito em relação
a qualquer coisa que fizesse ou
esboçasse referência à
homossexualidade (na época
era chamado de
homossexualismo, um termo
totalmente pejorativo).

Enquanto tínhamos nossa mãe


morando conosco e cuidando
de nós, apesar de algumas
surras e castigos do tipo,
ajoelhar em cima de grãos de
feijão, a presença dela trazia
muitas coisas boas. Ela sempre
foi uma excelente cozinheira, e
os pratos que preparava davam
água na boca. Eram bolos,
pudins, assados, tortas, e a
tradicional comida brasileira
composta de arroz, feijão,
saladas e carne. A única iguaria
de que eu não gostava e não
comia, exceto algumas vezes,
por insistência de minha mãe,
era o arroz doce. Mas era
preparado com todo o carinho e
técnica, e todos os outros filhos
e meu pai adoravam. Mas eu
tinha lá meus desgostos
gastronômicos como o jiló e o
chá mate. Certa vez, o preço do
café estava muito alto, devido a
uma crise econômica nacional.
Por isso, estávamos bebendo
chá mate. Eu detestava a
bebida, por isso, pedi a meu pai
que comprasse café ou algo
alternativo. Ele comprou
cevada, que era uma bebida um
pouco mais semelhante ao café
e mais aceitável ao meu
paladar. Mas quando o velho e
bom café retornou á mesa,
fiquei muito feliz.
Ela também nos contava
estórias como a da menina que
pensava: vendo o leite, compro
os ovos, crio os pintos, faço
isso, faço aquilo. Mas quando
ainda ia vender o leite,
tropeçou, derramando a
preciosa bebida. Assim, a
estória nos ensina a não fazer
planos com lucros incertos ou
promessas sem garantia. Ela
também me disse certa vez que
eu não deveria roubar, sequer
um alfinete na casa de alguém
pois, quem é capaz de furtar um
alfinete, dizia ela, é capaz de
roubar um avião. Minha mãe
seguia essa máxima para sí
mesma pois, quando se viu em
dificuldades, escolheu o
trabalho duro, ao invés de
entregar-se a práticas
desonestas. Em resumo,
quando minha mãe estava bem,
ela conseguia nos passar coisas
boas. Ela nunca foi de beijos e
afagos, mas tinha lá suas formas
de demonstrar amor.
Uma criança não entende a dor
dos pais. Por isso, fomos muito
críticos e rancorosos a respeito
do fim do casamento dos
nossos. Como numa música de
Kelly Clarkson ao contrário,
fomos nós que enxergamos
apenas o nossa próprio
sofrimento. Não paramos para
pensar, então, o que teria
levado nossa mãe a procurar
outro relacionamento e o
porquê de ela ter escolhido
abandonar o lar.
Diferentemente do que
costuma ocorrer, ela decidiu
sair de casa e ir viver separada
da família, embora tenha
sempre permanecido por perto.
Mas nossa relação ficou muito
fragilizada, pois já não era essas
coisas com ela em casa, devido
a seu temperamento rígido e
disciplina estrita. Com a
separação, nossa ligação se
tornou ainda mais tênue. Só
não nos afastamos dela
totalmente porque nosso pai
não deixava, e porque nossa
mãe nunca nos negou uma
certa coisa: alimentos gostosos.

Mas, hoje, que eu mesmo já


troquei os pés pelas mãos
tantas vezes, e já não me sinto
melhor ou mais justo que ela,
entendo que sua decisão de sair
de casa partiu do seu
entendimento de que o erro
havia partido dela e que, por
essa razão, ela devia arcar com
as consequências. Também o
fato de meu pai ter se recusado
a deixar os filhos, fez com que
ela, que desejava mesmo a
separação, tomasse a decisão de
partir. Isso certamente
envolveu muito sofrimento. Ela
sempre demonstrou ser muito
forte, mas penso quantas
lágrimas ela chorou. Saiu sem
pensão, sem auxílio, sem um
teto. Saiu do casamento como
entrou: sem nada. Sou grato a
Deus por ter compreendido isso
ainda enquanto ela está viva.
Não devemos, nunca, nos
colocar em posição de
superioridade em relação a
outras pessoas. Mas também
não me culpo por ter me
ressentido durante una boa
parte de minha adolescência e
juventude, pois entendo que
todo amadurecimento requer
tempos experiência, e a minha
experiência e tempo, levaram
anos para chegar. Mas, foi isso.
O casamento acabou, ela saiu
de casa, e tivemos que aprender
a nos virar com aquela nova
realidade.
CAPÍTULO 8 -
PERSPECTIVA
PATERNA

Meu pai era um homem bom e


íntegro e nós, seus filhos,
aprendemos a amá-lo ainda
mais depois da separação. Ele
decidiu ignorar os
constrangimentos e
comentários maldosos de
vizinhos e conhecidos, e
abraçar irrestritamente seus
filhotes. Trabalhava de
domingo a domingo, nunca
escondeu de nós bem algum,
nem para si guardou coisa
alguma. Tudo usou em
benefício dos seus, mesmo
recebendo muito pouco em
troca.

Claro que meu pai tinha


defeitos, como todo ser
humano. Ele tinha um
temperamento explosivo e
perdia a paciência com
facilidade. Nesses momentos, o
melhor mesmo era sair de
perto. Mas na maior parte do
tempo era um homem doce e
amável. Sempre estendeu sua
mão a todo que lhe pedia ajuda
e nunca fechou as portas para
um estrangeiro que precisasse
de abrigo. Muitas e muitas
vezes abrigou sobrinhos, filhos
e filhas (mesmo casados),
netos, bisnetos, amigos e
empregados. Meu pai sempre
dava oportunidade a quem
queria aprender uma profissão
e estava disposto a trabalhar.
Não podia pagar muito, mas era
uma boa ajuda para quem
precisava ganhar algum
dinheiro, numa cidade onde as
oportunidades eram escassas.
Foram vários desses
contratados ao longo de sua
vida como serralheiro.

Meu pai dizia que aos 4 anos de


idade já trabalhava. A verdade é
que começou jovem, e não
parou mais, até o dia em que
morreu. Havia tido outros
empregos antes de assumir,
definitivamente, a serralheria.
Ele morou em Belo Horizonte,
uma época, antes de eu nascer.
Acredito que foi nessa época
que ele trabalhou em uma
empresa de transportes. Mas foi
como serralheiro que tornou-se
o conhecido e querido Careca,
serralheiro. A antiga Serratel:
Serralheria Arte LTDA, que era
de propriedade de meu pai e
seu sócio, e depois do
rompimento da sociedade,
tornou-se apenas dele, logo
deu lugar à Serralheria do
Careca, que durou anos e anos,
até o falecimento de meu pai, já
que nenhum dos filhos realizou
seu sonho de dar continuidade
ao seu ofício. Mas foi da
Serralheria do "Careca", apelido
com que papai foi consagrado,
que saiu todo nosso sustento e
educação.

Quando descobriu a relação


extra conjugal de minha mãe,
papai ficou arrasado. Ele ficou
muito nervoso e chegou a bater
nela. Nessa época, ele já havia
transferido a empresa para os
fundos de nossa casa, de forma
a permanecer mais perto e
manter os olhos no gado. Se
isso para nós crianças era
ótimo, pois passamos a ter o
nosso pai sempre por perto,
para minha mãe tinha sido
péssimo, pois tirou um pouco
de sua liberdade e dificultou
que ela mantivesse seu caso em
segredo. Após a confusão
inicial, meu pai entrou no carro
e saiu de casa, indo dormir em
algum lugar, uma pensão,
talvez. Essa situação durou
alguns dias, até que ele viu-me
chorando na rua e perguntou: -
Porque você está chorando,
Renato? - Porque você foi
embora, respondi. Isso cortou o
coração dele. Pouco tempo
depois, ele estava de volta às
nossa casa, para ficar. Fomos
mandados para ficar com meus
avós, por uns dias, enquanto
meus pais conversavam,
tentando uma reconciliação.

Assim, nossos pais decidiram


tentar reatar o casamento.
Fomos buscados na casa de
nossos avós e voltamos para
casa. Tudo parecia ter voltado
ao normal. Meu pai havia
oferecido o perdão à minha
mãe, caso ela desejasse manter
o relacionamento. Acredito que
ele estivesse pensando no nosso
bem, pois ainda éramos, a
maioria, pequenos. Mas havia
um clima de tristeza e
escuridão no ar. Eu percebi que
minha mãe não estava
satisfeita. Uma noite, eles
saíram para passear, tentando
religar as coisas. Ao voltar,
minha mãe me achou acordado,
e me entregou um espetinho de
frango, que comi, mas também
me sentia triste. No outro dia,
minha mãe preparou uma carne
vegetal, o conhecido Beef Pink,
para o almoço. Achei o sabor
bem diferente de uma carne
normal, mas saboroso.

A tentativa de retomar no
casamento, infelizmente, foi
frustrada. Logo meus pais se
desentenderam novamente, e
minha mãe se foi, dessa vez em
definitivo. Ela queria que meu
pai se mudasse, para que eles
pudessem tentar reconstruir
suas vidas em outro lugar. Mas
meu pai não aceitou. Já havia se
apegado ao lar, à sua serralheria
e à vizinhança. Minha mãe não
suportou os julgamentos, os
olhares. E assim, acompanhada
de minhas duas irmãs, ela foi
embora. Eu a vi afastar-se pela
janela e chorei, mesmo sob os
protestos de meus irmãos. Meu
pai nunca mais a perdoou, e
viveram com o mínimo de
contato, desse dia em diante.
Depois minhas irmãs voltaram
para casa, o que, para mim,
traria grandes dificuldades, no
começo.
Capítulo 9 - Vida Pós
Separação

Minha mãe alugou uma casa e


tentou começar um pequeno
negócio de roupas próprias com
uma colega. Ela fazia roupas
sob encomenda, pequenos
reparos e algumas roupas para
pronta entrega. Medo de
trabalhar, ela nunca teve. O
negócio da costura não vingou,
e ela, então, passou a trabalhar
como empregada doméstica. Às
vezes eu a visitava em seu
trabalho, e ela sempre me dava
algo para comer que havia
preparado ali, alguma sobra de
uma refeição dos patrões. Eu
apreciava muito estas super
saborosas sobras.

Depois que saiu desse emprego,


mamãe foi tentar a sorte em
São Paulo. Não tardou a
conseguir emprego, pois além
do talento e disposição para a
limpeza e organização, era
cozinheira de forno e fogão,
como dizia. Mas a cidade
grande a intimidava, e, agora
que se viu separada, sentiu
saudades dos filhos, e retornou
a Minas Gerais, onde seguiu
trabalhando como doméstica,
até não dar mais conta, por
causa da saúde debilitada -
minha mãe tem asma
brônquica e, com a idade,
desenvolveu diabetes melitus.

Mas, em nossa casa, tentávamos


nos adaptar à nova realidade.
Papai enfiou a cara no trabalho
e evitou fazer comentários
sobre o fim do casamento.
Apenas nos dizia que não
queria ver minha mãe nem
pintada de ouro. Eu tentava me
conformar. Pensava que, talvez,
fosse uma situação temporária,
e torcia para que tivesse volta.
Mas os meses se passaram,
viraram anos, e a
irreversibilidade do quadro se
confirmou. Mas voltemos aos
momentos que se seguiram ao
rompimento definitivo de meus
pais.
Com minha mãe fora de casa, e
meu pai o tempo inteiro
trabalhando, minhas irmãs
cresceram suas asas e se
tornaram senhorias. Minha
situação tornou-se a seguinte: -
Negrinho, arrume a casa. -
Negrinho, encere e lustre o
chão, até ficar brilhando. -
Negrinho, dê banho no Beto. -
Negrinho, varra o quintal. Etc.
Mesmo assim, fazendo todo
esse trabalho, eu levava muitas
surras. Às vezes era deixado
sem comer, trancado fora de
casa, deixado sem cobertor para
dormir no chão puro, xingado
de nomes pejorativos e
homofóbicos, dentre outras
malvadezas que elas
conseguiam conceber em suas
criativas mentes adolescentes.
Eu sonhava com o dia em que
cresceria, e me tornaria forte o
suficiente para enfrentá-las.
Mas, então, era lembrado de
que, à medida que eu crescesse,
elas também cresceriam,
continuando donas da situação.
Assim, me adestravam como a
um cãozinho em quem se bate
por muito tempo, e este se
torna amuado e medroso, não
tendo coragem para enfrentar o
agressor.

E eu não estou falando de


palmadas. Falo de socos,
pontapés, golpes com tênis,
pauladas, etc. Também era
humilhante pois as pessoas
questionavam minha
masculinidade, lançando sobre
mim a responsabilidade pelos
maltratou que eu mesmo sofria.
"Você não é homem, não?
Atacavam. Mas eu me sentia
acuado e sem saber como sair
daquela situação. Apesar dos
espancamentos, eu sempre
perdoava e continuava a manter
relações fraternas com minhas
irmãs. Também continuei a me
destacar nos estudos, apesar de
tudo. Aliás, a escola era como
um oásis para mim. Um refúgio
onde eu podia mergulhar no
mundo do conhecimento e
esquecer-me dos problemas.
A ausência do atento olhar
parental, também permitiu que
explorássemos nossa precoce
sensualidade e praticássemos
coisas de que, mais tarde, nos
arrependeríamos e sentiríamos
vergonha. Felizmente, com a
chegada da puberdade e através
de uma participação mais ativa
na religião católica, fui me
conscientizando, até abandonar
de uma vez por todas qualquer
interação que envolvesse
sensualidade entre fratelos.
Porém, mantive sempre a
prática regular da masturbação.
De fato, excetuando-se os jogos
da infância, já relatados, que
nunca mais ocorreram após
meus 7 a 8 anos, a masturbação
foi a minha única atividade
sexual, até a idade de 40 anos.
O lado bom disso é que pude
participar de quase todas as
atividades que uma criança
normal participa, com meus
amigos, sem me preocupar
muito com o assunto da
sexualidade. Meus impulsos
sexuais mais forte por garotos
só surgiriam após os 16 anos de
idade. O lado ruim, foi passar
uma vida inteira, praticamente,
negando quem eu era de
verdade, me envergonhando,
sentindo-me culpado por não
sentir atração por garotas, e
esperando uma mudança que
nunca acontecia.

Mesmo quando cessamos de


realizar certas práticas entre
nós irmãos e irmãs,
continuamos a ter nossas
"vidinhas sexuais secretas".
Minhas fratelas começaram a
trazer para casa certas
publicações nada
recomendáveis para a nossa
idade. Com o estímulo visual
que estas nos traziam, ficava
fácil dar asas à imaginação e à
libido. Não sei quais as
consequências isso possa ter
tido na formação de minha
personalidade, mas o fato é que,
se eu pudesse voltar atrás,
talvez tivesse pensado duas
vezes antes de me aventurar
por esses caminhos. Afinal de
contas, eu era cristão, e
costumava ler a bíblia de vez
em quando. Mas ainda assim,
não era capaz de controlar os
meus impulsos, e continuei
com essa prática a vida toda,
salvo as publicações para
adultos, que consegui deixar de
lado por um tempo
considerável. Aliás, na minha
época não havia internet, e isso
dificultava o acesso a tais
materiais.
Mas, felizmente, apesar de
minha vida ter sido dificultada
por mais tratos, ela não se
centrou nisso, pois eu me
concentrava nos estudos, lia
outros tipos de publicação,
como gibis, contos, fábulas,
livros didáticos e a bíblia.
Minhas irmãs também tinham
o hábito de ler romances, que
eram comuns na época de sua
adolescência, e que se
encontravam à venda nas
bancas de revista, por um preço
bem acessível. Quando elas
terminavam de ler, eu os
pegava e os lia. Outra
publicação que marcou essa
fase de minha infância foi a
"Coleção Vagalume", uma série
de contos da literatura infanto-
juvenil. Eram leituras fáceis,
agradáveis, que nos
transportavam para dentro da
estória. Hoje, encontram-se
disponíveis para download na
internet. Mas a petulância e
controle de minhas irmãs foi só
aumentando, a ponto de me
incomodar além do que eu
pudesse suportar. Bastava eu
por os pés na rua, ou estar no
meio de uma brincadeira ou
esporte qualquer, que elas
gritavam meu nome,
ordenando que eu fosse fazer
algum trabalho. Isso só
aumentava as gozações e
especulações em torno de
minha sexualidade, o que,
naquela época, me feria
terrivelmente. Eu precisava
encontrar uma solução para
aquela minha situação.
CAPITULO 10 - Karatê-
Dô: Parte 1

Então eu fui crescendo naquele


contexto de brigas, agressões,
maus tratos, xingamentos, e
trabalhos forçados. Em meio a
isso tudo, eu precisava manter-
me frequente aos estudos e
cuidar de outras atividades
pessoais. Não era raro, também,
que meu pai me pedisse para
fazer algum trabalho
relacionado à serralheria. Eu
não gostava, mas obedecia.
Aliás, é engraçado como são as
crianças. Quando eu era apenas
uma criança pequena, adorava
ir para a serralheria de meu pai
e ficar vendo ele trabalhar. Me
divertia entre ferragens e
máquinas. Foi, a propósito,
numa dessas visitas que sofri
um acidente que quase custou-
me a virilidade. Um disco de
lixadeira quebrou-se, e parte do
objeto atingiu-me bem na
virilha. Fiquei em choque, pois
pensei que havia sido
eletrocutado. Meu pai, de
início, repreendeu-me, até que
comecei a chorar e ele, vendo o
sangue, percebeu o acidente, e
me socorreu. Felizmente, foi só
o susto. Desse dia em diante,
devo ter tomado trauma
daquele ambiente, pois não
achei mais graça em visitar o
local com tanta frequência.

Mas, então, quando eu tinha 12


anos, foi exibido na TV o
clássico filme "Karatê Kid: a
hora da verdade''. O filme narra
a história de um adolescente
que passava por problemas
semelhantes aos meus. Ele
havia se mudado para uma
nova vizinhança, e não havia
conseguido se enturmar muito
bem com os outros jovens
daquele lugar. Assim, estava
sofrendo Bullying na escola, e
correndo sério risco de vida. Foi
então que conheceu um velho
japonês que cuidava de fazer
pequenos trabalhos de reparos
nas casas das pessoas. Porém, à
medida que o conhecia melhor,
Daniel, o personagem principal,
percebia tratar-se de um
homem notável, conhecedor da
sabedoria oriental, da técnica
do bonsai, da medicina
japonesa e, o melhor de tudo,
dos segredos do karatê-do. Ao
ver que Daniel passava por
esses problemas, o mestre
Miyagui decidiu ensinar-lhe o
karatê, para que ele pudesse se
defender, e enfrentar seus
adversários no contexto de uma
competição. Ele, então,
consegue vencer a competição e
se ver livre das agressões, pelo
menos naquele momento, pois
o filme teve mais duas partes:
Karatê Kid 2: A hora da verdade
continua e Karatê Kid 3: o
desafio final.

Bem, independente de ter sido


um sucesso de crítica ou não, a
verdade é que o filme tornou-se
um enorme estouro de
bilheteria, pois caiu no gosto do
público. Imagino que muitos
jovens da época deviam passar
por situações semelhantes à de
Daniel, pois a popularidade do
filme foi imensa, e logo as
academias de karatê estavam
lotadas. E eu, fiquei super
empolgado com essa arte
marcial, vendo nela uma luz no
fim do túnel, uma oportunidade
de me ver livre das agressões.

Ora, eu não teria mesmo


condições de pagar uma
academia de karatê, nessa
época. Eu nem sequer sabia se
havia tal coisa em Coronel
Fabriciano. Por isso, procurei
encontrar publicações através
das quais eu pudesse aprender a
luta. Consegui ter acesso a
livros da editora Ediouro, de
autoria de Oswaldo Duncan e
Marcos Antônio Lopes de Sá,
que se propunham a ensinar a
arte marcial. Também
encontrei uma tradicional
revista da época de nome
Karatê, que também trazia
instruções de técnicas e
posições básicas. Li todos esses
materiais e comecei
imediatamente a praticar, a
princípio sozinho, depois, com
o auxílio de um amigo. Em
pouco tempo, senti-me
confiante o suficiente para
enfrentar minhas irmãs. Foi
uma ocasião memorável, que
contou com a torcida de meus
dois irmãos mais novos e
também dos amigos e da
vizinhança inteira. Uma manhã,
minha irmã me mandou
realizar algum trabalho e eu me
recusei, dizendo que não faria.
Quando ela veio me bater, dei
um golpe, que eu acreditava
estar perfeito, e a fiz recuar. Ela
foi até a cozinha e buscou uma
panela de pressão, para golpear-
me com ela. Tirei inspiração
não sei de onde e, num giro
certeiro, chutei a panela que
voou para longe. Minha irmã
então me agarrou. Mais uma
vez, parecendo já ter técnicas
avançadíssimas de karatê, ergui
os braços me desvencilhando e
a empurrando. Como
estávamos próximos da janela,
ela acabou batendo a mão
contra o vidro, quebrando-o, e
se cortando. Então, essa hora, a
briga estava acabada, mas ela
resolveu gritar, pedindo socorro
a meu pai. Meu pai deu de
ombros e disse que era bem
feito para ela. Senti-me em um
canto e chorei. Um choro
sentido de quem nunca quis ser
violento, mas também de quem
estava aliviado por libertar-se
de um contexto de agressão
doméstica. Daquele dia em
diante, não aceitei mais ser
agredido pelas minhas irmãs e
nem por ninguém.
Continuei com aqueles
treininhos caseiros até os 16
anos, quando comecei a fazer
um curso no SENAI da
USIMINAS. Este curso
merecerá um capítulo às parte,
mais adiante, mas já posso dizer
que foi um dos momentos mais
importantes de minha
formação. Era uma escola
industrial, que visava preparar
jovens para trabalhar na
indústria metalúrgica. Lá
encontrei grandes amigos e
aprendi importantes lições de
vida. Ocorre que meu ego era
muito inflado em relação ao
karatê, pois eu me achava o
Bruce Lee. Meus amigos eram
muito zueiros, e eu respondia a
quase tudo comandadas ou
ameaçando usar o karatê para
resolver a questão. Não
demorou para surgirem as
cobranças em relação a onde eu
treinava, quem era meu mestre,
etc. Além disso, eu mesmo já
vinha nutrindo no coração o
desejo de aprender o Karatê de
verdade, com um mestre, em
uma academia. Mas onde
arranjar dinheiro? E onde eu
encontraria uma academia para
treinar? Mas meu sonho estava
prestes a se realizar.

Eu havia lido um livro em que


um mestre de karatê relatava
seus duros desafios para
aprender a arte marcial. Ele
contava como teve que
enfrentar o frio extremo, longas
caminhadas e uma disciplina
rígida. E ele afirmava que, se
você acreditasse e se esforçasse,
poderia realizar qualquer coisa.
Acreditei naquele conselho e
me pus em ação para iniciar
meu treinamentos numa
academia de verdade. Foi
quando descobri a Academia
Olguin, onde eram dadas aulas
de karatê e ballet clássico. O
mestre de karatê era Matias
Olguin, coincidentemente, a
meu ver, muito parecido com o
mestre Miyagui, do filme. Até
mesmo seu sotaque me
lembrava o personagem. Ele era
argentino, naturalizado
brasileiro e, por essa razão,
falava um português comum
sotaque característico que eu,
na minha simplicidade,
confundia com o sotaque
japonês. A professora de ballet
era sua esposa Zélia Olguin.

A primeira vez que cheguei à


academia e vi as pessoas
realmente treinando karatê,
fiquei estupefato! Eu parecia
estar sonhando. E quando vi
aquele mestre Miyagui, ali, na
minha frente, tive a certeza de
estar no lugar certo. Reuni
minha coragem, fui até ele e
perguntei sobre o valor da
mensalidade. Quando ele me
respondeu, fiquei desanimado,
pois meu dinheiro não daria
para começar. Mas como eu
queria muito, e como eu já
tinha chegado até alí, não iria
desistir tão facilmente.
Perguntei-o se eu poderia pagar
parcialmente e começar a
treinar, pagando o restante
depois. Ele permitiu. Este,
talvez, tenha sido o dia mais
feliz de minha vida. Agora eu
era oficialmente karateca, e
ninguém mais poderia
contestar a autenticidade de
meu Karatê ou a minha
honestidade.

Treinei com o mestre Matias


em Fabriciano por algum
tempo. Depois fiquei
conhecendo seu filho, Júlio
Olguin, que dava aulas algumas
vezes, em seu lugar. Passado
mais algum tempo, Matias
deixou a academia de minha
cidade sob a responsabilidade
de Júlio, passando a cuidar
exclusivamente da academia da
cidade vizinha, onde morava
com sua família,a cidade de
Ipatinga. Então tornei-me aluno
de Júlio, em definitivo, por
enquanto. Mas era um
momento de transição e o
karatê já não estava atraindo
tantos adeptos como antes, o
que, mais tarde, traria ainda
mais consequências para meu
aprendizado de karatê.
Bem, o curso na USIMINAS era
dividido em duas fases. No
primeiro ano, nós cumpríamos
uma carga horária de 4 horas; já
no segundo ano, deveríamos
cumprir 8 horas de jornada
diárias. Nós, inclusive, batíamos
o ponto, como se já fossemos
profissionais. Essa era uma
forma de o Centro de Formação
Profissional Gil Guatimosim,
onde estudávamos, nos educar
para aquela que, pensávamos,
seria nossa profissão. Pena que
quando concluímos o curso um
governante anti-populusta
havia baixado um decreto
proibindo as contratações pelas
empresas estatais, que era o
caso da USIMINAS. Assim,
nosso sonho de nos tornarmos
industriários se viu frustrado.
Mas, então, com a carga horária
de 8 horas tornou-se inviável
treinar karatê em Fabriciano,
pois eu não chegaria a tempo.
Mas eu não estava disposto a
parar, por isso fiquei pensando
numa saída.
Então, após entrar em acordo
com o mestre "Miyagui" e seu
filho Júlio, passei a treinar na
academia de Ipatinga. A
academia de lá era muito maior
e também tinha salas para
musculação e um palco para
atividades de dança, e onde
realizávamos as competições de
karatê. Parecia um sonho
treinar em um dojo tão bonito,
e eu ainda era querido pelo
mestre e sua família. De fato, eu
viria a me tornar, praticamente,
um Olguin, tamanho era o
respeito e admiração que eu
tinha pelo mestre e seus filhos,
por causa dos valores ensinados
pelo karatê-do. Eles também
sempre demonstraram grande
estima por mim e, até quando
eu cometi erros, foram
complacentes e souberam
relevar.

Minha situação financeira é que


não ajudava. De fato, aqueles
dias de fartura da serralheria de
meu pai já haviam ficado para
trás, a muito tempo. Nós não
havíamos começado a trabalhar
cedo, por isso, dependíamos de
papai para tudo. Era ele quem
comprava a comida, quem
pagava as contas, e quem nos
dava a educação. Ele não iria
pagar uma mensalidade de
academia para mim. O jeito foi
pegar o dinheirinho que ele me
dava para pagar as passagens de
ônibus para o curso do SENAI,
ir à pé até o centro, pegando
apenas um ônibus e, assim,
juntando dinheiro para o
pagamento da mensalidade.
Ora, o karatê pra mim era coisa
séria, e meus mestres
aprovavam isso. Infelizmente,
era uma época de economia
muito instável, e os preços de
tudo variavam muito, de sorte
que, logo, o meu dinheirinho de
passagens de ônibus já não era
suficiente para pagar a
academia. Foi então que o mais
incrível aconteceu.

O mestre Matias, patriarca dos


Olguin, chegou pra mim e disse
ter percebido meus problemas
financeiros, e propôs que eu
auxiliasse na academia, em
troca dos seus ensinamentos.
Fiquei maravilhado e, claro,
aceitei prontamente. Daquele
dia em diante, pude me dedicar
inteiramente ao aprendizado do
karatê, sem me preocupar com
pagamentos. Também passei a
sentir-me ainda mais conectado
a meus mestres e tive a certeza
mais do que absoluta de que o
karatê-do era, para mim, muito
mais do que um esporte ou
defesa pessoal, mas um modo
de vida. Até o fim do curso no
SENAI, continuei treinando em
Ipatinga, no bairro Horto.
Quando o curso terminou,
voltei a treinar em Coronel
Fabriciano, tornando-me,
definitivamente, aluno de Júlio
Olguin, que foi meu mestre até
à faixa preta.
CAPITULO 11 - MINHA
CHUPETA, MINHA
VIDA

Eu usava chupeta, e minha


relação com esse objeto era de
absoluta dependência. Muitas
vezes, meus pais precisavam
sair de madrugada para
comprar uma nova, quando a
minha furava ou se perdia. Foi,
inclusive, numa dessas ocasiões
em que meu pai saiu comigo
para comprar uma chupeta
numa farmácia,causa eu tive a
certeza de avistar um disco
voador, que meu pai garantiu
ser apenas a minha imaginação.
Foi um alívio quando chegamos
à farmácia e compramos a
chupeta nova.

A chupeta me trazia conforto,


me dava uma sensação de
aconchego e de segurança,
como se fosse um afago, e eu
não a largava para nada. Meus
pais bem que tentavam fazer
com que eu me livrasse do
vício, mas sem sucesso. Os anos
passavam e eu não abandonava
minha companheirinha. Foi
assim até os 6 anos de idade.

Mas quando nos mudamos para


a casa nova no bairro Alipinho,
isso estava para mudar. Um de
meus amiguinhos já havia
mesmo me falado que eu já
estava bem grandinho para usar
chupeta, ao que dei de ombros,
e continuei com meu mimo.
Até que um dia, a chupeta
sumiu misteriosamente.
Procurei pela casa toda e não a
encontrei. Perguntei a mês pais
e eles disseram que não sabiam.
Meus irmãos também disseram
não ter visto. Disseram que eu
devia abandonar o brinquedo.
Acho isso uma injustiça pois
três de meus irmãos chupam o
dedo até hoje quando vão
dormir. Mas a chupeta, eu tinha
que largar. A verdade é que a
minha tinha sumido, e eu tive
mesmo que ficar sem ela por
uns dias, pois meus pais se
recusaram a comprar outra.
Até que um dia, meu pai me
deu um dinheirinho para que
eu comprasse algum doce e
balas. Vi a oportunidade brilhar
diante de meus olhos e, tão
cedo quanto pude, fui até um
mercadinho para comprar uma
chupeta. Era a vendinha do Sr.
Marçal. As paredes do
estabelecimento eram de um
verde-escuro, e, numa geladeira
estava estampada a foto da
cerveja preta Caracu. Observei
o balcão cheio de doces e balas
e, ali entre esses regalos, avistei
as chupetas. Pedi uma, sem dar
maiores explicações e saí,
saltitando, como quem
encontra um tesouro.

Mas, ironicamente, depois de


ter ficado um tempo sem o
mimo da chupeta, parece que
eu tinha perdido muito do
interesse por ela. Ao colocar a
chupeta na boca, além de sentir
uma certa culpa, vi que já não
tinha tanta graça. Acabei
desistindo de usá-la, e a
coloquei de lado,
definitivamente. Assim
terminava um longo
relacionamento entre um
menino e sua chupeta. Foi bom,
enquanto durou.
CAPÍTULO 12 - EU E O
FUTEBOL

Como todo menino, eu adorava


jogar bola. Ainda me lembro
bem quando ganhei de meu pai
uma bola de couro, sonho de
todo garoto da época. Mas essa
também seria minha primeira
decepção em relação ao
esporte. Meu pai saiu comigo
na rua para estreiarmos a nova
bola, mas, antes mesmo de
chegarmos ao local onde
brincaríamos, meu pai chutou a
bola e ela foi para longe. Então
ele pediu a um moço que vinha
andando, para chutá-la de
volta. O sujeito deu uma bicuda
tão forte na bola, que está
explodiu, ficando presa em seu
pezão. Deve ser por isso mesmo
que, quando eu jogava bola, só
sabia chutar com o bico do pé.
Meus amiguinhos diziam: com
o peito do pé, Renato. Mas eu
nem sabia o que era o peito do
pé que, para mim, era aquela
parte gordinha, semelhante a
um peitoral, que temos na parte
frontal da sola do pé, o koshi,
do karatê. Aí, tudo para mim
era bicudão, e meus colegas
reclamavam.

Aliás, minha aceitação no


mundo do futebol nunca foi lá
essas coisas. Quando eu era
pequeno, era pequeno demais,
e os meninos não me deixavam
jogar junto com eles. Quando
eu cresci um pouquinho, ou
quando eu ganhava uma bola
"dente de leite", uma dessas
bolas de futebol de borracha,
então me deixavam brincar.
Mas sabem aquele garoto que é
sempre o último a ser escolhido
para um dos times? Pois é, era
eu. Se na escola eu era sempre
um dos primeiros a serem
escolhidos para fazer trabalhos
em grupo, pois demonstrava
inteligência, no quesito
esportes ou "beleza", eu sempre
era deixado por último. Certa
vez, haveria quadrilha na
escola, e eu queria participar.
Mas as meninas todas já se
haviam pareado com os
coleguinhas mais bonitinhos e
nenhuma delas havia sequer
cogitado a ideia de me escolher
como par para a dança. Até que
uma colega um pouco maior
disse que aceitava ser meu par.
Fiquei muito feliz e grato a ela
e, desde então, nos tornamos
amigos.

Mas no futebol era assim. Eu


era sempre preterido e deixado
por último. Mas eu insistia em
jogar, pois queria fazer parte da
turma, estar envolvido nas
brincadeiras que eles
inventavam. Quando eu
finalmente era aceito na
brincadeira, meu desempenho
era ruim. De fato, eu acho que
arranjava mais briga do que
jogava bola. Como eu era muito
zuado, compensava a falta de
habilidade na força. Com o
tempo, fui deixando de entrar
na brincadeira e perdendo o
gosto pelo esporte.
Desde cedo, meu time preferido
sempre foi o Cruzeiro Esporte
Clube de Minas Gerais. Aprendi
a pensar que a torcida do
Cruzeiro era pacífica e ordeira,
enquanto a torcida do rival,
Galo, era desordeira e agressiva.
Só depois de adulto e de ter o
ônibus em que eu estava
apedrejado por um torcedor do
meu próprio time, foi que
mudei de ideia quanto ao
comportamento de torcedores
em geral. Mas cresci um
torcedor fiel, e sempre assistia
aos jogos, vibrando com as
vitórias e me entristecendo com
as derrotas. Mas, com o passar
do tempo, fui perdendo o
entusiasmo, também, mas
nunca mudei de time.

Certa vez, já resignado com


meu fracasso futebolístico,
enquanto os meninos da rua
jogavam bola, me recolhi num
cantinho e, com um vidro vazio
de maionese, água e areia,
brincava de fazer um pequeno
laguinho. Nisto, um de meus
amigos, o Olavo, veio e, por
traquinagem, chutou o vidro,
derramando a água. Sem
titubear, peguei o vidro e
arremessei contra ele, em fúria,
enquanto ele corria para se
safar. O vidro o atingiu em
cheio na nuca, e ele, gritando,
chamou a atenção de toda a
vizinhança. Foi aquela
confusão. Entraram os pais no
meio, fui repreendido e fiquei
muito triste. Ele chorava de dor,
e eu chorava de
arrependimento. Outra vez,
este mesmo amigo fez alguma
brincadeira comigo e eu, mais
uma vez perdi o controle,
brigamos, e eu acabei o
derrubando e ele bateu sua
cabeça contra o meio fio,
ferindo-se de forma
relativamente grave. Na hora,
me senti o torrão, mas depois,
refletindo melhor, vi o quanto
havia sido tolo. Pedi perdão ao
meu amigo e encerrei de vez
minha carreira no futebol.
Mas, antes de parar de jogar
definitivamente este jogo, eu
me diverti, como pude, no
campinho que havia no bairro.
Na verdade, era um grande
terreno vago que compreendia
uma área de campo, onde
jogávamos bola, e uma outra
área onde cresciam livremente
plantas silvestres como bucha,
capim, mamona, colonhão e
outras hervas. A garotada do
bairro descia em peso para
brincar, e tínhamos que revezar
o espaço. Como em toda
vizinhança que se preze, havia
turmas rivais, e às vezes éramos
postos pra correr. Havia um
certo grandalhão metido a
valente no bairro, Amaro, que
adorava me fazer bullying e me
atacar de qualquer forma que
pudesse. Esse era a minha
maior chateação depois de
minhas irmãs, mas eu sempre o
enfrentava, e ele acabou não
cumprindo suas ameaças de me
bater, afinal.
Depois que parei de jogar
futebol, um amigo ensinou-me
a jogar ping-pong, numa
mesinha improvisada, bem
menor que a mesa de tênis-de-
mesa real. Me apaixonei pelo
esporte/brincadeira e passei a
jogar regularmente. Depois
contarei mais sobre isso. Depois
veio o voleibol, que tornou-se a
minha maior paixão depois do
karatê. Me saí bem melhor
neste esporte do que no
futebol, mas também não me
tornei nenhum Marcelo
Negrão, por causa da baixa
estatura e do pouco domínio de
um fundamento chamado,
toque. Também voltarei a falar
com a minha relação com estes
dois esportes.

Assim acabou minha relação


com o futebol e nunca mais
joguei, salvo umas poucas vezes
que atuei como goleiro. Acabei
perdendo a pouca habilidade
que ainda tinha, perdendo
totalmente o contato com o
esporte, a não ser como assíduo
torcedor da seleção Canarinho
e torcedor eventual de meu
time da infância, o Cruzeiro.
Hoje em dia, até que estou
assistindo bem mais aos jogos e
até acho terapêutico ficar
ouvindo a voz dos narradores e
o burburinho da torcida. Jogar,
mesmo? Só voltando para
escolinha de futebol.
Capitulo 13- UMA
ESTRANHA
ATRAÇÃO - Parte 1

A única vez que me senti


atraído por uma menina foi no
segundo ano primário. Seu
nome era Cristina, e tínhamos 8
anos na época, pois as turmas
eram niveladas por idade. Mas,
na verdade, Cristina nunca
sequer notou que eu era seu
colega de classe. Era uma
menina muito bonita, de
cabelos loiros e pele bem clara.
Mas eu ia nutrindo aquele
namorico platônico infantil,
sem nenhuma maldade, e
incapaz de estabelecer qualquer
contato, sequer verbal. Naquele
mesmo ano, Cristina saiu da
escola, provavelmente
transferida por seus pais para
uma escola privada, já que era
notável o fato de que nossas
classes sociais eram diferentes.
Nunca mais a vi, nem tive
notícias de seu paradeiro. Na
verdade, nem sei se isso era
uma atração, ou apenas uma
admiração da beleza dessa
menina, pois, nunca deixei de
admirar a beleza feminina,
porém, sem sentir nenhuma
atração física.

Por volta dos 11 anos, minha


amizade e convivência com um
amigo de idade semelhante
começou a se estreitar.
Brincávamos juntos,
conversávamos, tínhamos uma
relação de crianças normais,
que são amigas. Luke era um
garoto simpático, muito
carismático e muito animado
para as brincadeiras e para um
bom papo. Mas, à medida que
convivíamos, eu notava que
meu carinho, minha
dependência de estar perto
desse amigo, apenas
aumentava. Nunca houve
nenhum contato físico entre
nós, e nem passava pela minha
mente ideias homo-afetivas,
mas, depois de adulto, eu
entendi que essa foi minha
primeira paixão verdadeira. Por
mais engraçado ou tolo que
pareça, acho que deve ser assim
que ocorre com cada criança,
enquanto está se descobrindo.
Os preconceituosos ficariam
surpresos em saber que, até
uma certa idade, a pessoa pode
até mesmo não sentir interesse
por nenhum dos gêneros, ou
por ambos ao mesmo tempo.
Mas Luke mudou-se para um
bairro distante, e não o vi mais,
por um tempo. Eu o revi anos
depois, quando me convidou
para conhecer sua nova casa, e
quando me visitou na minha.
Ele me contava de sua
conversão ao Cristianismo
Evangélico, numa época em que
eu estava totalmente satisfeito
com o Cristianismo Católico.
Meu amigo foi embora, e não o
vi novamente. Recentemente,
soube que tornou-se pregador,
que está casado e que tem uma
linda família. Sinto o mesmo
carinho pelo meu amigo, mas a
paixonite da infância, é claro, já
se foi.
Depois de Luke, me apaixonei
diversas vezes, sempre por
amigos héteros que não tinham
a menor desconfiança de meus
sentimentos que, afinal, nem eu
mesmo sabia que eram
homossexuais, até meus 18
anos, ou mais. Até então, eu
pensava que meu desinteresse
em mulheres estivesse ligado ao
fato de estar focado nos estudos
e na prática do karatê. Se me
recordo, cheguei a gostar de
mais de um ao mesmo tempo.
O segundo sentimento mais
forte que senti por um amigo
foi por Ronald. Estudávamos na
mesma escola, o que tornou
mais próxima nossa
convivência. Eu também era
amigo de seus pais e irmãos, e
não era raro que eu dormisse
em sua casa. Mas também
demorei a me dar conta desses
sentimentos e, com o tempo,
vendo que nunca seria possível
haver nada dessa natureza
entre nós, forcei meus
sentimentos a se adequarem,
colocando o respeito e a
amizade acima de todo e
qualquer sentimento.

E, finalmente, acho que o mais


amado de todos, nessa fase de
juventude, antes de completar
18 anos, foi meu amigo Rômulo.
Na verdade, é um grande amigo
até hoje, por quem tenho
grande respeito e admiração.
Mas eu o achava muito bonito e
atraente, mas também forcei-
me a não dar asas a algo
imaginário. É claro, eu também
não tinha essa liberdade de
revelar sentimentos
homossexuais aos meus amigos.
Nunca foi apenas uma questão
de chegar pro amigo e dizer: oi,
estou gostando de você além da
amizade. Pelo contrário, eu
poderia ser rechaçado, zuado,
ou até mesmo perder o amigo
se fizesse algo assim. Então, o
armário, muitas vezes, não é
uma questão de escolha. Há
uma porção de gente nutrindo
expectativas de que você seja
um machão "pegador". Toda a
sua base, as pessoas que você
mais ama, esperam que você
tenha e sustente a
heterossexualidade. Então, mais
uma vez, cuidei de matar
qualquer sentimento homo-
afetivas, colocando todo o meu
carinho no campo da amizade e
do respeito.

Depois dos 23 anos de idade,


tive várias dessas paixões
platônicas, que nunca partiram
para o contato físico. Ávila,
Denisson, Wander, Piter,
Alegzander… mas sempre foram
amizades em que eu deixava
meus sentimentos crescerem
além do nível do neto afeto, e
desenvolvia uma forte
dependência emocional em
relação a esses amigos.
Geralmente, esses sentimentos
passaram com o tempo e com o
afastamento que a vida,
inevitavelmente, coloca entre as
pessoas. Esse tipo de relação
acaba sendo meio doentio pois,
geralmente, um dos lados, o
que está apaixonado, acaba se
doando muito mais. Por outro
lado, sou muito feliz e grato
pois muitos dos grandes amigos
que tenho são exatamente esses
pelos quais me apaixonei, mas
tive que domar qualquer
sentimento excessivo de afeto,
para adequá-los a sentimentos
de carinho, respeito, gratidão,
fraternidade, etc.
Capitulo 14 - Uma
Estranha Atração -
Parte 2

Como eu estava no armário e


não aceitava admitir quem eu
realmente era, fui vivendo
minha vida, fazendo amizades,
cultivando amizades. Tive
algumas amigas mulheres, mas
a maior parte de minhas
amizades era com homens.
Assim, de vez em quando
acontecia de eu sentir atração
por algum desses amigos. Sim,
às vezes, porque um dos
equívocos que as pessoas
cometem em relação aos gays é
pensar que eles sentem atração
por todo o homem que vêem
pela frente. Mas isso não é
verdade. Assim como o hétero,
cada pessoa, gay ou não, tem o
tipo físico e de personalidade
que a atrai. Portanto, eu não
sentia, nem sinto atração por
todo homem que vejo. Mas, de
novo, amei muito fortemente
alguns de meus amigos.
Já lá atrás, no SENAI da
USIMINAS, me apaixonei
fortemente por um amigo. Mas,
naquela época, eu não tinha
ideia de que isso fosse paixão.
Eu achava que isso era um
sentimento normal de amizade.
Mas como, por ironia ou por
alguma coincidência, eu só
tinha amigos héteros, até então,
eu nunca tinha tido nenhum
contato físico com nenhum
desses amigos. Que eu saiba,
pelo menos, isso nem passava
pela cabeça deles. Esse amigo,
de quem falo, até havia narrado
que tinha tido uma experiência
com o mesmo sexo, mas isso
não significa que ele fosse
homossexual. Tanto que ele
mantinha relacionamento
estável com uma moça e, apesar
de nossa forte amizade, nunca
demonstrou nenhum interesse,
nem nunca insinuou nada nesse
sentido. Pelo contrário, me
retorquiu em relação às minhas
cartinhas melosas. Pode ser que
me achasse feio, ou que eu não
fosse o tipo masculino que o
atraísse. Também não tenho
informações sobre como sua
vida prosseguiu, pois nos
afastamos. Por isso, não sei se
ele se casou, se teve filhos, se
seguiu sua vida na
heterossexualidade, ou se
houve alguma mudança de
percurso. Mas esse foi um dos
amores mais sinceros que senti.
Porém, depois que fui ignorado
e que meu amor foi dispensado,
tornei-me ressentido e
vingativo. Briguei, fui embora, e
nunca mais o vi. Mas hoje,
gostaria muito de rever este
amigo, e mostrar a ele meu
novo eu, amadurecido e sábio.

Depois dele, amei muito a outro


amigo a quem chamarei de A.C.
Eu o conheci na época em que
trabalhava numa rede de fast
food. Ele era muito simpático e
bem humorado. Tinha um
humor desbocado e sem
rodeios. Ia direto ao ponto e
contava piadas picantes, sem
rodeios. Quando eu me
demonstrei muito animadinho
com nossa amizade, perguntou-
me à queima roupa se eu não
estava era apaixonado por ele.
Eu, no armário, neguei até à
morte. Ele também era muito
claro em afirmar sua
heterossexualidade, sua posição
totalmente oposta a qualquer
pensamento ou sentimento
homo-afetivo, embora não fosse
preconceituoso. Eu me apeguei
muito a ele. Ele também se
tornou meu amigo, muito
querido. Mas, então, no auge da
minha paixão, um gerente -
maldito seja - me transferiu
para outra loja, para nos afastar.
Também ficava fazendo
piadinhas, quando eu passava
na antiga loja para conversar
com meu amigo. Assim,
acabamos nos afastando de vez.
Eu o revi poucas vezes, desde
então. Eu o tinha como amigo
em redes sociais, mas depois
sumiu de vez. Mas ainda tenho
grande carinho por ele,
guardado no coração.
Mas, percebam, que até então,
meus amores eram
simplesmente platônicos, pois
nem passava pela minha cabeça
tentar alguma coisa e acabar
sendo rejeitado ou humilhado.
Mas o tempo passou e eu
conheci a internet. O mundo
virtual trouxe uma série de
possibilidades até então
inimagináveis para mim. Passei
a ter contato, ainda que
somente digital, com pessoas
reais. Os contatos, a princípio,
apenas por texto, eram
estimulantes e excitantes. Eles
foram minha primeira
experiência no mundo gay. Mas
eu me recusava a admitir pra
mim mesmo essa tarja.

Com o avanço das tecnologias


de comunicação a distância, os
contatos virtuais passaram a
incluir som e imagem, de forma
que se tornaram ainda mais
excitantes e envolventes. E eu
podia usar nicks, apelidos, que
mantinham o anonimato e a
privacidade, pelo menos, eu
acreditava nisso, na época. E fui
continuando ali, no meu
armário virtual, livre de
violências, de DST's, de
problemas. O único problema
era o medo dos olhares
vigilantes das pessoas, que
sempre querem saber mais do
que devem ou precisam saber.
Eu estava satisfeito com esses
contatos virtuais, e não pensava
em estabelecer contatos reais
com ninguém.
Assim, voltando aos amores
platônicos, eu tinha, agora, meu
segredinho. Enquanto lutava
para resistir à atração física que
tinha por eles. Nessa época,
descobri, também, que podia
fantasiar relações com eles, em
minha mente, e me realizar
sexualmente através da
masturbação. Isso era muito
satisfatório, mas me deixava
culpado e confuso. Aos poucos
fui abandonando essa prática,
salvo quando era realmente
impossível resistir.
Até que um dia, conheci um
jovem, de 17 anos,na época, e eu
tinha 27. Foi amor às primeira
vista. Não o conhecia, nem
conversei com ele. Apenas o
achei um encanto, um belo
homem e sua alegria me
cativou. Um dia, enquanto eu
trabalhava como agente
censitário, acabei indo à sua
casa, e pude, ao menos, me
dirigir a ele que, na ocasião,
conversava com alguma moça.
Mais tarde, fomos apresentados
oficialmente por um amigo em
comum e, com o tempo, nos
tornamos amigos. Ele começou
a praticar karatê, como meu
aluno, e nós falávamos quase
todos os dias.

Vou chamar esse amigo de J.W.


Esse meu amigo, então, foi
demonstrando ter uma
personalidade bem inconstante.
Às vezes estava todo aberto a
conversar e conviver, e outras
vezes não queria papo. Mas eu
era insistente. Ele não gostava
de abraços, de afeto exagerado,
mas eu não deixava de estar por
perto. Quando tínhamos
alguma discussão, eu tentava
suborná-lo com presentes e, às
vezes, funcionava. Tivemos
vários rompimentos em nossa
amizade, ficando muito tempo
sem nos falar, e depois
voltávamos a reatar. Até que eu
descobri a massagem.

Eu aprendi a fazer massagem. A


princípio, não era algo sensual,
nem tinha esse objetivo. Mas eu
estava completamente
apaixonado - já tínhamos anos
de amizade, ele já não era mais
adolescente, e sim um homem -
e o contato de minhas mãos em
sua pele eram uma forma de
conexão que, para mim, era
algo maravilhoso. Eu me
realizava ao fazer este carinho
em meu amigo, e ansiava pela
próxima vez em que ele me
procuraria, pois eu mesmo não
oferecia, ou às vezes eu apenas
chegava e começava a praticar a
massagem. Não havia contato
sexual. Demorou muito até que
eu o convencesse a tirar a
camisa, por exemplo. Fiquei
anos tendo essa relação com
ele, até ele se afastar por
circunstâncias da vida. Até que
um outro amigo surgiu na
história.

M. era um homem forte, bonito


e viril. Fizemos amizade na
faculdade, e nem me passava
pela cabeça de, um dia, ter
qualquer contato sexual com
ele. Ele tinha até me contado
uma história meio tumultuada,
de ter sido iludido por um
amigo que, segundo ele, se
aproveitou dele, fazendo com
que ele tivesse contatos sexuais
com ele contra sua vontade. Por
isso mesmo, eu seria o último a
fazer algo que pudesse ferir
meu amigo, que pudesse
ofendê-lo. Mas eu já me sentia
muito atraído e, à medida que o
tempo passava, fui me
apaixonando. Enquanto eu me
aproximava de M., JW se
reaproximou de mim. Eu me
dividia entre essas duas
devoções, amando os dois,
profundamente. J.W foi morar
em minha casa, pois estava
tendo problemas em sua casa.
Ficou poucos meses, mas o
suficiente para ganhar, pra
sempre, um lugar em meu
coração. Mas J.W nunca
permitiu que eu cruzasse a
linha da amizade, até alí.

Eu já conhecia a massagem, e
eu já sabia que poderia fazer
isso, sem fazer nada que
insinuasse a sensualidade.
Ofereci a massagem a meu
amigo M. Foi maravilhoso, no
início. Era um carinho, ele
ficava feliz e grato, e nossa
amizade se fortalecia. Eu
pensava estar no controle
absoluto de meus impulsos, até
que, um dia, percebi que,
enquanto eu o massageava, seu
membro ficou ereto. Fingi
ignorar e continuei a massagem
normalmente. Mas era
impossível ignorar. Passei a
tocar seu membro,
disfarçadamente, com o braço,
enquanto o massageava, e isso
funcionou bem, por algum
tempo. Até que, um dia,
perguntei se ele não queria que
eu o massageasse, também,
naquela parte sensível de seu
corpo. Ele permitiu. Comecei a
massagear e, no final, ele pediu-
me explicitamente que o
masturbasse. Depois que ele
alcançou o clímax, sentiu-se
culpado e culpou a mim. Eu
também me culpei. Fiquei
aterrorizado em pensar que
poderia perder sua amizade, e
me ofereci para acompanhá-lo
ao ponto de ônibus. Fomos
conversando, ele deu algumas
justificativas para o que havia
ocorrido, colocamos tudo no
campo do acaso, e a amizade
pôde continuar. Eu queria
sinceramente que essa fosse a
única vez em que perdi o
controle. Tentei oferecer o
karatê como uma forma de
substituir a massagem e tornar
a relação entre nós mais
saudável.
Mas M. não abriu mão das
massagens, de forma que fui me
envolvendo mais e mais,
tornando-me cada vez mais
dependente e, quando
terminava a massagem, não
sabia se ficava feliz ou sentia
culpa. Até que, um dia, quando
eu já estava com 36 anos,
aproximadamente, durante a
massagem - eu o havia
convencido a despir-se
totalmente para realizar a
prática - ele perguntou se eu
não gostaria de praticar sexo
oral nele. Eu me recusei, disse
que nunca tinha feito isso, que
não queria. Mas ele insistiu, e
disse que não teria problema
algum, que era apenas uma
forma de carinho. Consenti,
então, e comecei. Realizei o ato,
e depois fui tomado de imensa
culpa arrependimento. Pensei
que aquela seria a primeira e
última vez. Mas houve a
segunda, a terceira e
prosseguiu, mais ou menos, por
uns 2 anos, e eu me envolvia
cada vez mais, e fui me
tornando totalmente sem
limites. Até que houve, por
umas 2 vezes, o contato sexual,
com o uso de preservativo. Mas
M. não quis repetir isso outras
vezes, dando preferência ao
contato oral. Porém, M. sempre
me culpava, atribuindo a
responsabilidade dessas coisas a
mim, e se isentando de
qualquer responsabilidade.
Fomos nos afastando, e eu me
reaproximei de JW.
Continuei a minha amizade
com JW como antes, só que,
agora, ele já havia percebido
que a massagem era algo que eu
gostava de fazer nele, e
começou a me pedir dinheiro
para que ele me permitisse
massageá-lo. Eu cedi, muitas
vezes, e dei o dinheiro. Um dia,
já perdendo totalmente o
receio, toquei em seu membro
que, eu já sabia, também ficava
ereto com a massagem. Eu
ainda era apaixonado por ele,
nas nunca tinha feito nada
desse tipo. Ofereci um presente
para que ele me permitisse
massagear seu membro. Ele
acabou permitindo, e eu
comecei a massagem, mas não
consegui ficar apenas tocando
com a mão, e passei para o sexo
oral. Depois que acabou, ele foi
embora, e eu fiquei com uma
estranha sensação de culpa,
pedi perdão a ele, cumpri o
prometido, e esperei que nada
se repetisse. Mas repetiu-se
várias vezes. Eu já estava com
42 anos de idade, quando isso
começou. Só que, agora, JW
não era mais o único homem
com o qual eu já havia tido
contato, e eu tinha muita
preocupação de não lhe
transmitir nada. Assim, eu me
cuidava e procurava cuidar
dele. Mesmo assim, tinha
receio. Fiquei contente quando,
ele mesmo, passou a pedir o
uso de preservativo todas as
vezes em que eu fazia isso nele.
Nunca houve nada além disso.
Assim, essas foram minhas
únicas amizades, amores
platônicos, que resultaram em
contato sexual, mas isso não
significou relacionamento
amoroso, pois nenhum dos dois
admitiu que esse fosse o caso.
M. sumiu, e nunca mais o vi,
salvo uma ocasião, num
restaurante. JW, também não
vejo a algum tempo. Também,
não tenho expectativas em
relação a JW, mas,
estranhamente, ainda guardo
um carinho especial por ele. E
apesar dessas coisas terem
ocorrido, eu continuei no meu
armário, que já começava a me
cansar. To be, or not to be?
Bom, ser eu era. Só não havia
dito e assumido para mim
mesmo e para os outros que eu
era e sempre havia sido gay.
CAPÍTULO 15 – FÉ,
DEVOÇÃO DEUS E
CONTRADIÇÃO

Desde que me entendo por


gente, sempre fui uma pessoa
religiosa. Aprendi as principais
histórias da bíblia com minha
mãe, como a história de Sansão
e Dalila, A Arca de Noé e Daniel
na Cova dos Leões. Eu gostava
de ler uma velha bíblia católica
que tínhamos, daquelas grandes
e cheias de ilustrações da vida
de Cristo, dos discípulos e de
outros personagens bíblicos
importantes. Me perguntava
sempre porque a bíblia falava
sobre certas coisas que as
pessoas não praticavam, como a
santificação do sábado e o
sacrifício de animaizinhos
como expiação do pecado. Ao
mesmo tempo que os relatos de
milagres e maravilhas me
enchiam de temor e admiração,
o relato de guerras, batalhas e
massacres de povos inteiros,
incluindo crianças, me enchiam
de tremor e de espanto. Mas o
mais importante foi conhecer e
aprender sobre o Deus no qual
meus pais criam e ao qual
professavam sua devoção.

Foi também na infância que me


dei conta de uma estranha
dicotomia entre o ser espiritual
que habita em nós, e o ser físico
que nos representa para o
mundo externo. Percebi que,
embora as histórias da bíblia
me enchessem de desejo de me
dedicar áquele Deus incrível e a
buscar santificação, havia uma
parte do meu ser que pendia
para a busca dos prazeres e para
a satisfação pessoal. Eu não
entendia o porquê de eu não
conseguir ser cem por cento
puro e espiritual como eu
desejava e a bíblia requeria.
Além disso, a percepção, ainda
que tardia, da
homossexualidade reprimida,
mas que lutava para se
expressar, apenas me fazia
sentir ainda mais infeliz, pois
não era algo aceitável na época,
e ainda hoje é mal entendida.
Me tornei uma criança
reprimida e infeliz. Fui
crescendo sem nenhum contato
afetivo, salvo algumas
brincadeiras eróticas entre
garotos da minha idade, ou
ainda alguma coisa do tipo
entre meus irmãos. Mas, de
qualquer forma, tudo era
considerado errado e
repreensível.

Na minha adolescência, fui me


isolando dos amigos e passando
a ficar muito mais sozinho do
que em grupos ou na
companhia de outros jovens.
Não fossem as amizades
proporcionadas pelo karatê, o
tênis de mesa, o vôlei e a escola,
eu provavelmente teria sido
uma pessoa ainda mais
antissocial. Mas eu tive sim,
como já relatei, amigos
preciosos e amados que
conservo até o dia de hoje. Mas
minha personalidade
“diferentona" me rendeu um
certo isolamento , zoações,
apelidos e até brigas de rua e de
escola. Eu buscava encontrar
meu lugar no mundo e não
conseguia me sentir
completamente encaixado em
nenhum grupo. Não aceitava
nem admitia a
homossexualidade, julgando ser
aquele um destino muito cruel
e injusto que eu não estava
disposto a acolher. Comecei a
tentar de tudo para sentir
atração por meninas, tentei a
oração, o pensamento positivo,
a neurolinguística, a fé, a força
e a determinação. Mas, se
vocês estão lendo este livro, é
porque minha Orientação
sexual não mudou num estalar
de dedos, nem se esvaneceu
num passe de mágica.

A noção recebida desde a


infância de que a
homossexualidade era um grave
pecado conflito a diretamente
com aquilo que a minha
natureza me levava a sentir e a
desejar. Assim, embora eu
nunca houvesse, até a idade de
40 anos ou algo assim,
vivenciado o sexo de fato, eu
me sentia culpado por desejar
outros rapazes e fantasiar
relações com estes em minha
mente. O leitor pode imaginar
o sofrimento e a culpa que isto
gera, principalmente quando
não se pode confidenciar isso a
ninguém. Seria um massacre
social, se eu simplesmente
resolvesse conversar com um
amigo ou, até mesmo, com um
familiar sobre o assunto. Assim,
passei décadas de minha vida
em silêncio, sem contatos
afetivos eróticos e lutando para
controlar e esconder meus
desejos e paixões por meus
amigos mais próximos. Ainda
assim, creio que posso dizer
que eu era feliz a maior parte
do tempo. Eu me escondi no
louvor, na oração e na
religiosidade onde, afinal, eu
buscava forças para lidar com
essas questões. A propósito, a
única vez em que confidenciais
a alguém sobre minha
inclinação sexual foi a um
pastor. Na ocasião, ele me
aconselhou a orar por esse
propósito específico, crendo
que, assim, eu encontraria
solução para meus conflitos. Eu
efetivamente orei a Deus para
que eu não mais sentisse
desejos homossexuais, mas,
embora eu não duvide em nada
do poder e da efetividade da
oração, creio que Deus é que
decide no final, e eu não tive
minha sexualidade mudada ou
anulada.
Mas, falando a verdade agora,
vocês realmente acreditam que
um ser humano consegue viver
40 anos sem ter nenhuma
experiência sexual? Creio que é
possível, mas muito difícil.
Assim, eu tive minhas
brincadeiras sexuais, não algo
frequente, enquanto a
inocência ou imprudência da
infância permitiram. Um
contato superficial, sem chegar
muito longe, uma única vez na
juventude com um rapaz. E,
depois disso, eu me mantive
satisfeito com a prática de auto-
indulgência ou sexo virtual com
homens que, igualmente,
mantinham em segredo sua
homossexualidade. Porém, até
prática da masturbação era algo
mantido em segredo, nunca
comentado ou divulgado, pelo
menos não com frequência ou
sem incômodo.

Por volta dos 22 anos, senti a


necessidade de me aproximar
mais de Deus. Entrei em uma
igreja católica e me sentei em
um dos bancos para buscar a
presença divina. No entanto,
naquela ocasião, não consegui
sentir a presença espiritual
naquele lugar. Talvez, isso se
devesse ao fato daquela ser uma
igreja grande, onde eu não
experimentava senso de
comunidade ou pertencimento.
Portanto, naquela época,
comecei a ouvir muito músicas
religiosas e louvores. Pela
primeira vez, comecei aceitar a
ideia de buscar uma igreja
evangélica da qual eu pudesse
me tornar membro. Era uma
época de florescimento das
rádios cristãs e, portanto, havia
grande divulgação e
popularização das canções
gospel. Como sempre gostei de
música, isto me incentivou
ainda mais em minha busca
espiritual.

Poucos meses mais tarde,


influenciado por um grande
amigo do qual eu havia também
ganhado minha primeira bíblia,
comecei a frequentar a mesma
igreja evangélica que ele estava
visitando. Em pouco tempo,
estávamos nos preparando para
aceitar ou não o batismo nesta
religião. Conhecemos alguns
irmãos desta fé e começamos a
receber estudos bíblicos com o
objetivo de nos preparar para o
batismo. Eu estava achando
tudo maravilhoso e estava
muito entusiasmado com a
ideia de me unir a esta igreja.
No entanto, quando vieram
alguns pontos polêmicos de
doutrinas dessa religião, reagi
negativamente e me opus a
aceita-los, assumindo um tom
agressivo com os professores.
Porém, depois de refletir muito
e de receber um certo empurrão
da esposa de meu amigo, fui à
igreja no dia marcado para a
cerimônia de batismo e, após
conversar com o pastor, aceitei
ser batizado de acordo com as
regras daquela fé.

Apesar da regras rígidas, e de


ter que fazer mudanças radicais
em meu estilo de vida e até
mesmo na minha alimentação,
no início, tudo parecia perfeito,
e eu esperava que minha
homossexualidade sumisse,
como por encanto. Tive
experiências maravilhosas nessa
religião, conheci e fiz grandes
amigos e amigas, e tive
experiências espirituais
incríveis. Mas também tive
muita dificuldade em lidar com
as minhas questões pessoais,
dificuldades para ocultar minha
real orientação sexual e fugir de
qualquer tipo de tentativa de
mulheres de estabelecer comigo
algum tipo de relacionamento a
amoroso. Me incomodava o fato
de eu não ter abandonado a
masturbação e de continuar a
fantasiar relações com homens,
e de uma forma cada vez mais
intensa. Às vezes eu chegava a
ficar entusiasmado só de olhar
os rapazes belos no ônibus
coletivo, ou até mesmo na rua.
Não obstante, digamos que
passei toda essa fase de furor
sexual da juventude, escondido
e protegido em meu armário. A
vantagem era nunca ter que me
preocupar com doenças
sexualmente transmissíveis e
ficar longe das ameaças da
temida síndrome imunológica.
Fui envelhecendo sem sequer
pensar muito nessas coisas.

Minha vida cristã era bastante


ativa. Na igreja eu descobri o
dom de cantar. Eu sempre
cantei, desde criança, como já
mencionei ou devo ter
mencionado por aqui, mas foi a
fé cristâ que me levou a querer
aprofundar-me nesta arte.
Comecei a cantar hinos
cristãos, de louvor e adoração,
antes mesmo de me batizar em
uma religião evangélica. Na
igreja católica, eu exercia o
canto litúrgico juntamente com
os irmãos, depois em um coro
responsivo e finalmente, tive a
oportunidade de servir como
líder de canto em algumas
ocasiões. Mas a minha
experiêcia mais marcante neste
contexto foi assistir a um coral,
pela primeira vez, em vozes
divididas, cantando cânticos
maravilhosos de louvor. A
música que mais me recordo
deles cantando é “Jesus é Tudo
Para Mim”. Me apaixonei por
aquele tipo de canto, e procurei
saber como me tornar, também,
um cantor de corais, passando a
fazer parte daquele mesmo
coral com o qual me encantei,
na época. Isso foi mais ou
menos no ano de 1986.

Depois de me tornar membro


de uma igreja evangélica,
descobri, alí, uma dinâmica
diferente das apresentações de
louvor. Isto é, diferentemente
da igreja católica, onde não era
comum os irmãos se
apresentarem com solos,
duetos, trios ou quartetos,
cantando cânticos de louvor, na
igreja evangélica isso era usual.
Eu fiquei maravilhado com as
vozes dos cantores e com a
beleza dos cânticos. Não podia
imaginar como era possível que
pessoas sem nenhuma
instrução ou conhecimento
formal em música pudessem
demonstrar um talento natural
tão grande no canto e na
música, pois alí também havia
instrumentistas como pianistas,
violinistas, violonistas, etc. Na
época, eu atribuí esse fato a
algum dom sobrenatural,
concedido por Deus para os
seus próprios propósitos, e
continuo a pensar assim até o
dia de hoje.

Não tardei a questionar os


irmãos mais antigos como eu
poderia participar como cantor.
Então foi me dito que eu
poderia me apresentar sempre
que houvesse a oportunidade e
eu fosse escalado para fazê-lo.
No início, cantava as canções
que conhecia da própria igreja
católica. Depois fui aprendendo
os cânticos evangélicos daquela
mesma fé, os chamados gospel.
É claro que, hoje em dia, o
gospel já é um fenômeno que
engloba diversas religiões e que
permite a migração entre
diferentes denominações, mas
na época, a música sacra ainda
não era tão difundida como é
nos dias de hoje. Eu mal pude
acreditar quando me ouvi
cantar pela primeira vez na
religião evangélica. Eu estava
maravilhado com a minha
própria voz e reconheci que,
realmente, aquele era um dom
de Deus, uma graça concedida
por ele a quem o queria louvar.
Continuei a cantar e a aprender
e a me desenvolver, através de
cursos de música, depois
graduação e mestrado em
música, sendo que, o motivo
inicial, era o louvor. Depois, a
vida foi me levando pra outros
rumos e a música voltou a ser
algo mais do que uma prática
devocional, mas um projeto de
vida, e voltei a cantar outros
tipos de música e a praticar
com outros objetivos além do
louvor. No entanto, o gospel
nunca saiu totalmente de
minha vida e, hoje, mesmo em
forma de devoção particular,
continuo a cantar as músicas
que aprendi durante meu longo
tempo de igreja.

A fé evangélica não me livrou


de sofrer com piadinhas
homofóbicas, pressão para me
casar, pressão para namorar,
difamação, bullying, e outras
formas de homofobia, apesar de
eu ser celibatário e de não ter
assumido publicamente minha
sexualidade, já que isso era
intolerável aos olhos da igreja.
Assim, foram começando a
surgir problemas com esse tipo
de ofensa, eu sofria por ter que
manter uma vida puritana
rígida, não poder me realizar
sexualmente e ainda ter que
ouvir ofensas homofóbicas
rotineiramente. O pior era
quando eu me sentia atraído
ou, até mesmo, me apaixonava
por algum amigo da igreja e,
além de não poder expressar
nada além de um afeto de
amigo, ser acusado de estar
tendo “um caso”, ou de estar
envolvido em alguma prática
homossexual com aquele
amigo. Muito embora isso
nunca tenha acontecido, ainda
assim eu sofri esse tipo de
preconceito dentro da igreja, e
acredito que é assim com todos
os gays cristãos que preferem o
celibato e o armário como
forma de seguirem em suas
vidas espirituais. Muitos
acabam chegando ao cúmulo de
se forçarem a casar-se com
pessoa do sexo oposto, para
agradar a sociedade e ficarem
fora do alvo de seus ataques
homofóbicos. Mas, creio eu,
nem mesmo isso é capaz de
aplacar o ódio contra os gays,
pois até mesmo os que se casam
com mulheres continuam
sendo alvo de piadinhas ao
longo de suas vidas.

Apesar de tudo, fui vivendo


aquela vida de igreja como
pude, evitando investidas
femininas, me esquivando, me
desviando e tentando me
realizar no louvor. Com o
passar do tempo, percebendo o
pouco apoio da igreja a
cantores e músicos, depois de
passar por muitas dificuldades
financeiras e de viver
precariamente, fui me
distanciando aos poucos e,
quando percebi, estava fora da
igreja. Continuei cantando
músicas de louvor, mas apenas
em minha casa, e continuei a
trabalhar e estudar. Nesta
época, não me passava, ainda,
pela cabeça, assumir minha
homossexulidade, por isso,
cheguei até mesmo a gravar um
CD Gospel. Foi em 1988. O CD
foi intitulado Por Causa do
Amor e foi veiculado em
pequena tiragem, apenas entre
pessoas conhecidas e próximas.
Fiz até uma tentativa de
reaproximação da igreja na
época, com o intuito de voltar a
cantar e divulgar o trabalho
gravado. Consegui permanecer
no meio evangélico por mais
algum tempo, cheguei a
ingressar num quarteto
vocal, mas, após ser
convidado a sair do
mesmo por questões
doutrinárias relacionadas
ao repouso semanal,
acabei me distanciando
novamete, desta vez um
pouco mais magoado.
Esse foi o fim do primeiro
capítulo de minha vida
evangélica.
CAPÍTULO 16 – EXAME
DE HIV, DEPRESSÃO
E RETORNO À FÉ

Estava eu em minha vidinha de


trabalhar estudar e dormir,
mantinha minhas relações
apenas virtuais com homens
que encontrava nos famosos
chats gays. Não tinha grandes
expectativas quanto à vida
afetiva, mantinha minhas
paixões platônica não
realizadas, praticava a auto-
indulgência e, para mim, isso
estava bom. Ocorre porém que,
num determinado tempo, por
volta do ano de 2008, precisei
me mudar de residência, indo
morar em um lugar onde não
havia um bom serviço de
internet. Isso acabou me
impulsionando a ter meu
primeiro encontro real com um
homem, por volta dos 40 anos
de idade. Depois disso, foi
questão de tempo até que esses
encontros começassem a ser
rotineiros.
Tudo ia bem. Eu me cuidava
usando sempre preservativo, eu
não me arriscava em práticas
sexuais arriscadas e, na maioria
das vezes, nem sequer chegava
a penetrar ou a ser penetrado
pelo parceiro, ficando apenas
nas carícias e afagos. Mas,
minha inexperiência, aliada à
minha ingenuidade, me
levaram, um dia, a ter um
contato sexual, ainda que
furtivo, quando não estava
usando a camisinha. Este foi
um grande erro que me custou
a paz e que me causaria grande
sofrimento nos anos seguintes.

Após aguardar um tempo e


depois de passar muita tensão e
preocupação, eu decidi fazer o
exame de HIV, pois já havia
iniciado o curso de graduação
em música e queria tirar da
cabeça qualquer preocupação
para que eu pudesse seguir uma
nova carreira sem que nada me
atrapalhasse. Infelizmente, uma
série de erros e enganos se
seguiu, fazendo com que a
minha vida, no espaço de uns 10
anos, se tornasse um verdadeiro
martírio. Primeiro, o exame
atestou positivo para HIV, o
que caiu como uma bomba e
minha vida. Caí numa
depressão profunda e, eu que
havia me afastado da igreja,
senti necessidade urgente do
auxílio divino e tratei de
retornar aos braços da fé.
Prometi a Deus que, se me
curasse, eu me retrataria,
mudaria meu comportamente e
abandonaria minha
homossexualidade para serví-lo
para sempre. No início, isso me
deu uma incrível força e, em
pouco tempo, estava livre da
depressão e de volta à fé cristâ
com todo o meu vigor e
empenho.

Com o passar do tempo, porém,


depois de ficar muitos dias sem
me envolver em qualquer
prática sexual, as pulsões foram
retomando forças e eu me
masturbava, o que me causava
grande frustração, e o medo de
perder a cura que havia
recebido. Cheguei ao cúmulo de
procurar um relacionamento
heterossexual com uma moça,
relacionamento que,
felizmente, não durou mais que
alguns dias e não resultou em
nenhum envolvimento sexual
ou mesmo em toques e carícias.
O fato é que eu logo percebi
que não seria justo comigo,
nem com a outra pessoa, casar-
me sabendo o que eu sentia por
outros homens e sabendo que
eu não sentia atração sexual
pela moça com a qual eu
pretendia me relacionar.
Concluí que o melhor era
terminar o namoro e continuar
cuidando do meu problema
sozinho, focando na minha fé e
na religião. Eu só não sabia
como fazer isso. Graças ao
acaso, após uma viagem em que
eu pretendia me colocar numa
busca espiritual para obter
forças para lutar e continuar na
caminhada cristã, essa moça
insistiu em ir junto. Como eu
estava depressivo e também
porque já não conseguia
esconder minha real
personalidade, não a tratei da
forma como ela esperava ser
tratada por um namorado e, na
viagem de volta, ela resolver
terminar o relacionamento.
Num primeiro momento, tentei
convencê-la a repensar, mas ela
foi irredutível. Após três dias do
ocorrido, algo muito drástico
ocorreu dentro de mim. Decidi
tomar as rédias de minha
situação e depender apenas de
Deus. Esqueci esse assunto de
namoro, joguei fora o anel de
comprommisso, e comecei
realmente a lutar pela cura e
pela liberdade.

Uns três anos após o ocorrido,


quando eu já me considerava
curado e nem me preocupava
mais com esse assunto de
exame de HIV, começou a
ocorrer, no meu trabalho uma
certa pressão em relação ao
assunto, fato que ocorreu
também no início mas havia se
arrefecido. Uma colega de
trabalho começou a tocar muito
nesse assunto, ela fazia
referência constante ao
problema, mas eu fingia que
nem ouvia. O tempo foi
passando, até que outros
problemas no ambiente de
trabalho fizeram com que eu
fosse transferido de setor. Após
alguns dias de aparente
tranquilidade, a coisa começou
a se tornar visivelmente um
ataque contra a minha pessoa.
No início, comecei a ouvir os
meus colegas de trabalho
fazerem comentários velados
sobre mim e sobre o fato de
saberem desse exame de HIV.
Aquilo me deixou apavorado.
Eu não sabia se fugia ou se
ficava. Eu temia que, se eu
protestasse de alguma forma,
iriam ligar o fato ao vírus e me
acusariam, me demitiriam ou
fariam algo pior. Eu ouvia uma
pessoa dizer que não admitia
que eu trabalhasse naquele
ambiente se não me submetesse
ao tratamento alopático contra
o vírus. Outros faziam ameaças
ou sugeriam que eu “iria sofrer
demais”, porque eu não queria
“entender” algo ao que eles se
referiam, mas nunca me diziam
diretamente.

Comecei a notar que a tal


colega do início passava de
setor em setor e conversava
com outros servidores e fazia
referência velada a mim e ao
HIV. Tudo passou a girar em
torno desse assunto, me
amedrontando, me
aterrorizando, me torturando e
acabando com minha paz. A
igreja foi o meu refúgio, e
alguns irmãos me deram apoio
nos momentos de depressão.
Mas eu nunca havia
comentado o fato com ninguém
da igreja ou mesmo do
trabalho, fato que me deixava
ainda mais furioso, pois eu não
sabia como essa informação
sobre o exame médico e seu
resultado havia ido parar nos
ouvidos dessas pessoas. Mas eu
continuava trabalhando e
tentando fingir que não sabia
de nada, mas até mesmo isso
era usado contra mim.

Depois de um tempo,
começaram a surgir estudantes
que faziam também referência a
alguém chamado “Renato” que
teria HIV e não queria fazer
tratamento. Isso prosseguia
durante o dia todo, enquanto
eu trabalhava, na sala de aula
quando estava estudando e em
todos os ambientes em que eu
estava. Eu praticava karatê e
kung-fu na época, mas acabei
sendo forçado a parar porque os
ataques eram constantes e
acabavam com minha força e
me tiravam a coragem. Por
pensar que me deixariam em
paz se eu aderisse ao tal
tratamento alopático, procurei
os médicos para iniciar a toma
de comprimidos para HIV.

Isto, porém, não fez com que as


perseguições e ataques
parassem, pelo contrário, eles
prosseguiram me atacando e
me perseguindo, fazendo com
que tudo fosse caso de paranóia
como o fato de comer demais
ou de menos, de beber água
demais ou de menos, de usar
suplementação vitamínica, de
fazer muitas atividades físicas,
de ter religião, de comer
“canela”, de comer coisas com
milho, etc. Parecia que minha
vida havia acabado. Procurei
igrejas que nem eram a que eu
frequentava, pedi o conselho de
pastores e obreiros, recebi
orações, fiz de tudo para que
essas pessoas me deixassem
viver em paz. Eu não podia falar
nada no trabalho, não podia
pedir ajuda, não podia recorrer
à justiça, pois tudo era feito de
maneira velada. Eu voltei a ficar
muito deprimido e tive que
buscar ajuda psiquiátrica. Mas
até mesmo isso foi usado para
me atacar: “deve se preocupar
com o HIV e não com a
cabeça”, diziam. Mas eu sou
muito forte e teimoso. Busquei
firmemente a Deus e continuei
a trabalhar e a me cuidar como
podia, mas a tristeza e a dor
eram praticamente
insuportáveis, e estes foram
anos que considero perdidos
em minha vida.

Depois de muitos anos


enfrentando essa situação, fui
me tornando mais indignado e
corajoso. Passei a fazer
manifestações de repúdio ao
sistema que me oprimia, ainda
que não pudesse me dirigir
diretamente aos que me
atacavam. Eu percebi que estas
pessoas estavam me
monitorando o tempo todo e
tendo acesso a todas as minhas
informações e declarações. Me
vi forçado a comprar um
apartamento para sair do
imóvel alugado, pois ouvia a
dona do mesmo fazer
referências a que “aquela não
era a minha casa”. Mas até
mesmo isso foi usado contra
mim, pois uma colega de
trabalho dizia que “aí sim é que
eu iria sofrer”, se comprasse o
tal apartemento. Mas eu não
entendia ainda ao que ela se
referia até que eu efetivamente
o comprei, e passei a ser
atacado e humilhado até
mesmo por ser honesto e pagar
as prestações do imóvel sempre
em dia.

Depois tomei coragem para


conversar com um amigo a
respeito deste exame e do que
estava ocorrendo comigo. O
exame foi realizado em 2013 e,
até essa convera, deve ter
demorado uns 5 anos. Em 2020,
com a pandemia, passei a ser
atacado de forma mais intensa,
pois estava isolado dentro de
casa e sem poder comparecer
ao local de trabalho para nada.
Senti que ia perder o imóvel,
por que teria que abandonar o
lugar, pois se tornara
insuportável e inviável a vida
ali. Pensei que a instituição a
quem eu servia ou o diretor da
unidade em que eu trabalhava
me prestariam algum auxílio
em relação à moradia, mas fui
informado de que eles “não
tinham nada a ver com meu
problema habitacional”. Acabei
tendo que deixar o imóvel e
cheguei a dormir na rua, por
alguns dias. Comecei a
enfrentar uma série de
problemas como palpitação
cardíaca, dificuldades para
dormir e desconfiança
exagerada de tudo e de todos.
Passei a não ter certeza de nada
e ao mesmo tempo ter certeza
de que tudo e todos estavam
contra mim. Os médicos me
receitaram inúmeros
medicamentos, e minha casa já
estava parecendo uma farmácia.

Aí sim foi que a indignação se


apossou de mim de uma forma
tão intensa, que passei a
questionar seriamente o HIV e
sua infecção ou o potencial
deste, se é que existe, de causar
doenças. A verdade é que eu
jamais aceitei o exame que
recebi dos laboratórios como
verdadeiro, sempre duvidei
deles mas, quando questionava
aos médicos sua validade, eles
desconversavam, e nuncam me
deixavam relatar o que se
passava em minha vida e como,
mesmo assim, eu me
encontrava saudável e bem
fisicamente.

Passei a caminhar todos os dias


nas ruas, muito embora
estivéssemos no meio de uma
pandemia mundial, pois era
melhor contrair o COVID 19, do
que ser morto dentro de casa
por fumaça tóxica,
envenenamento ou até mesmo
por violência. Depois, numa
noite em que eu estava sob
extrema ansiedade e buscava o
auxílio de Deus, isso depois de
já estar novamente afastado da
igreja, pois decidira me desligar
uns dois anos antes disso, eu
recebi um insight, uma
revelação de que eu nunca
havia estado infectado com o
tal vírus e que, embora eu tenha
repetido o exame várias vezes,
de alguma forma, eles sempre
reimprimiam o mesmo
resultado, pois há um sistema
de coisas que visa o ganho
financeiro de vultosas quantias
em vendas de remédios para o
HIV que, na minha opinião,
nem sequer existe, o que já foi
evidenciado por diversos
cientistas, pelo fato de que,
simplesmente, o vírus jamais foi
isolado. Abandonei então,
definitivamente, o tratamento
com remédios antivirais e
prossegui minha vida. Em todos
esses anos, nunca adoeci
gravemente, não tive mais que
gripes e resfriados normais, não
tenho doenças associadas à
AIDS como Hepatite,
Tuberculose, DSTs ou outros
problemas que dizem estar
associados ao vírus HIV.
Aprendi a confiar plenamente
em Deus e a tentar viver feliz
comigo mesmo e com minha
sexualidade. Saí
definitivamente do armário em
2020, durante a pandemia,
declarando publicamente, nas
redes sociais que eu era gay,
falando do exame de HIV mas
já o considerando
definitivamente como FALSO
POSITIVO e então tratei de
buscar formas de seguir a
minha vida. Voltei a ter uma
vida sexual, reponsável, sempre
com o uso de preservativo e não
muito frequente. Me tornei
mais “vivo” em relação a
qualquer tipo de pessoa mal
intencionada e não mais me
arrisquei a ir a lugares ermos e
distantes do ambiente urbano.
Desde sempre, sou uma pessoa
perfeitamente saudável e
normal. Passei a malhar,
mantive o peso e ganhei massa
muscular, me sinto muito mais
sensual e bonito, e tenho minha
alto-estima elevada, e nunca me
sinto rebaixado ou com medo
de não conseguir parceiros por
causa deste exame, que
descartei totalmente de minha
vida. Apenas me cuido para que
não tenha nenhum contato
desprotegido para que, muito
embora eu nem acredite mais
no vírus, eu não corra o risco de
contrair alguma doença real.
Além disso, sempre que a
pessoa é considerada positiva
para HIV, lhe dão também o
diagnóstico positivo de alguma
outra DST como Sífilis, por
exemplo, alegando que a pessoa
deve procurar o serviço de
saúde pública para receber o
antibiótico, pois não vendem na
farmácia e se negam também a
aplicar o medicameto. Parece
até que vão monitorando a
pessoa celibatária até que ela dê
um deslize e eles possam acabar
com a vida dela. No meu caso,
acredito piamente que houve
esse tipo de má-fé. Hoje,
contiuo a lutar contra o
preconceito e ataques de
pessoas que perseguem quem
fez exame de HIV. Enquanto
escrevo esse texto, elas estão lá,
acompanhando tudo, elas
comentam e se manifestam.
Mas eu não tenho mais medo,
vergonha, constrangimento ou
culpa em relação ao sexo ou em
relação a este exame
laboratorial. Todos os outros
exames que fiz de contagem de
vírus tinham contagem
desprezível do mesmo, e
atestavam que minha contagem
de CD4 era baixíssima. No
entanto, eu nunca tive
nenhuma doença ou problema
no meu sistema imune que é
forte e saudável e que me
mantém sadio sempre. Por isso,
não me preocupo mais com
esse assunto.

Em relação à minha saúde


geral, aprendi a orar com foco
no organismo integral.
Descobri uma forma de
meditação que me conecta com
a energia divina curativa e que
me restaura e me renova nos
momentos em que os ataques à
minha pessoa se tornam difíceis
e insuportáveis. Uma vez, fui
atacado de forma tão veemente
enquanto treinava karatê, com
A palavras e falatório, que tive
uma forte dor de cabeça.
Mantive a calma e conversei
com Deus, falando a Ele que
confiava nele e que eu sabia que
tudo ficaria bem. Ao chegar em
casa, após tomar um banho, me
deitei e comecei a orar dessa
forma. Imediatamente senti o
processo de cura começar a
acontecer e, pela manhã, eu já
estava livre de dor e restaurado.
Tenho praticado essa oração
meditativa todos os dias e
noites e sempre que tenho
oportunidade de estar
recostado em meu leito. Não
tenho medo de nada, nem de
doenças, nem de espíritos, nem
de violência física. Só evito ficar
bancando o herói, e procuro
ficar dentro de minha
residência quando não estou
fazendo algo relevante que me
leve a sair à rua, como para me
exercitar, comer e estudar. Hoje
eu me sinto pleno e tenho uma
prática constante de oração
como nunca tive antes em toda
a minha vida cristã. Estou
sempre orando e intercedendo
por amigos, familiares, parentes
distantes, pessoas
desconhecidas, artistas,
celebridades, governantes,
pessoas influentes, e por todos
aqueles que Deus me chama a
interceder. Orei por um amigo
que estava enfrentando uma
grave doença e senti que ele se
reconfortou. E venho orando
por ele e por todos quantos eu
me lembro, todos os dias e
todas as noites. Hoje, tenho o
projeto de ensinar esse método
de oração às pessoas para que
elas alcancem a cura para os
seus males e encontrem
refrigério para suas almas.
DEUS ME CUROU E ME
LIBERTOU!
CAPÍTULO 17 –
RECUPERAÇÃO DA
IDENTIDADE,
CONCLUSÃO E
PERSPECTIVAS
PARA O FUTURO.

Enquanto eu estava passando


por tudo isso, cheguei a perder
de vista a minha identidade e a
não saber mesmo se estava vivo
ou morto. Fiquei à deriva, como
um barco sem rumo a vagar nas
águas do oceano. Eu me olhava
no espelho e me odiava. Me
sentia um imbecil por ter
permitido que a falta de uma
camisinha me metesse em
tamanha enrrascada. Me
culpava por ter aberto uma
porta para que as pessoas
tivessem a oportunidade e se
sentissem no direito de se
colocarem superiores a mim e a
mim como inferior a elas. Por
ter permitido que me
colocassem numa lista separada
de “pessoas com HIV” e me
cadastrassem em seu sistema
nefasto e cruel de classificação
dos que são dignos de viver e
dos que são considerados
indignos de ter trabalho,
habitação, vida sexual, vida
afetiva, religiosa e familiar. Eu
me sentia um inútil.

Depois que eu reconheci a


graça de Deus e o seu perdão
incondicional, e reconheci que
ele não me culpava por ser gay
ou exigia que eu me tornasse
heterossexual para me conceder
o seu perdão, eu recuperei a
minha identidade e a minha
auto-estima. Voltei a ter noção
de que eu era um homem
talentoso e especial, amado por
Deus e por muitos amigos e
familiares. Esqueci o medo da
rejeição ou o medo da morte.
Passei a depender totalmente
de Deus e de sua misericórdia.
Hoje eu não tenho mais crise
identitária e vivo feliz comigo
mesmo, com quem eu sou. É
claro que tenho meus
momentos de dúvida, de auto
questionamento, de
introspecção, mas com as
orações meditativas, isto tem se
tornado cada vez mais raro, e a
minha fé tem atingido níveis
realmente relevantes, a ponto
de eu ver a ação diária de Deus
em minha vida, mesmo em um
contexto em que tudo parece
ser sobrenatural e em que tudo
parece ser a voz de Deus, eu
não me deixo confundir, e sei
exatamente quando é Deus que
está tentando se conectar
comigo, ou quando é alguma
outra energia humana,
espiritual ou simplesmetne
energia da natureza. Me sinto
mais feliz e realizado a cada dia,
apesar de não saber exatamente
o que o futuro me reserva.

As minhas perspectivas quanto


ao futuro são de que eu possa ,
muito em breve, deixar o
emprego em que atuo hoje, a
fim de me tornar um coach em
saúde e bem estar. Pretendo
usar toda essa experiência de
sobrevivente para levar a
esperança e a cura a outras
pessoas assim como eu também
encontrei. A cura não é uma
exclusividade minha, não sou
apenas eu que tenho a
capacidade de me conectar com
Deus a fim de receber poder e
de ser curado por ele. Todos
podem alcançar essa graça e eu
quero mostrar isso às pessoas.

A vida é curta e rápida como


um cometa. Eu não estou com
medo de viver pouco, nem com
pressa de viver muito. Apenas
deixo a vida transcorrer
livremente. Quero viver cada
dia, conforme as graças e as
misericórdias de Deus vão me
mostrando. Vi muitos queridos
partirem nests anos de luta.
Muitos não sobreviveram a
acidentes, a enfermidades,
violência, Covid 19, depressão e
outros males. Mas eu ainda
estou aqui, firme e forte, bom,
quase sempre. Creio no poder
de um Deus infinito, que se
manifesta de infinitas formas,
através do sorriso de um amigo,
e até mesmo através de alguém
que te oferece o pão. Desejo
que todas as pessoas possam
conhecer a Deus como eu
conheço hoje, e que possam se
achegar a Ele sem medo no
momento da angústia, e receber
dele a cura que necessitam. E
que não temam a morte, pois a
morte também é uma forma de
passagem disso que estamos
vivendo agora, para algo
diferente, que não conhecemos.
Não desejamos a morte, ela é
um inimigo a ser vencido, como
diz o texto sagrado, mas não
tememos a morte, também,
pois confiamos no poder de
Deus. Apenas cabe a cada um
de nós seguir em frente,
buscando a Deus diariamente
para que nos dê sabedoria e
graça para que possamos viver
da melhor maneira possível.
Deus quer curar a todos, mas
nem todos sabem como se
achegar a ele para receber a sua
cura. Seguem sofrendo,
perdidos e desesperados,
quando bastaria estenderem a
mão, e colherem da árvore da
vida o fruto curativo e
restaurador que tanto
procuram.

Continuará
VANTAGENS DE SAIR
DO ARMÁRIO

1- Poder ser você mesmo, sem


disfarces ou culpa.
2- Não dar margens a
especulações e boatos.
3- Poder conversar, livremente,
com seus familiares e amigos
sobre sua orientação sexual.
4- Poder direcionar seu afeto
para a pessoa e para o sexo que
te atraem, sem ter que dar
explicações.
5- Poder recusar ofertas de
afeto erótico, vindas do sexo
oposto, sem ter medo de
ofender a pessoa, deixando,
assim, espaço para uma
amizade saudável.
7- Não ter vergonha de si
mesmo.
8- Parar de culpar-se por sentir,
amar e desejar afeto e carinho,
como qualquer outro ser
humano.
9- Descobrir que a maior parte
de seus amigos te aceita do
jeitinho que você é, e poder
afastar-se de quem não o faz,
pois estes não são amigos
verdadeiros.
10- Poder rir, brincar e se
divertir com situações e temas
que dizem respeito ao "ser gay"
e os desdobramentos que isto
traz, sem disfarces.
11- Poder ser feliz,
acompanhado ou só.
12- Viver sem medo de ser
descoberto, porque você
mesmo está se revelando aos
outros e nada mais há a ocultar.

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