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Armário : como e
porque saíu dele
Renato Frossard
A Vida de Um Gay No
Armário: como, e
porque saíu dele
autobiografia de Renato
Frossard
cantor, flautista, escritor,
professor, servidor público,
karateca e filósofo
NOTA INTRODUTÓRIA
ATROPELAMENTO
O espertinho aprendeu a
assaltar armários, geladeira,
panelas, ou qualquer lugar onde
ele pudesse encontrar o que
comer. Nem mesmo alho ou
cebola escapavam de sua
voracidade, o que além de
torná-lo mais forte e saudável,
contribuía para que tivesse um
hálito característico. Ele
também passou a derrubar as
coisas pela casa, talvez como
uma forma de chamar atenção.
Em decorrência desses atos
corriqueiros, aliado ao velho
hábito de distribuir seus
presentes pela casa, sofreu mais
maus-tratos. Eu tentava ser
misericordioso e ter paciência,
mas confesso que nem sempre
era tão benevolente para com
meu irmão e, principalmente
quando tinha que cuidar de sua
higiêne, eu e meus irmãos o
tratávamos com rispidez. A
essas alturas, já haviam nascido
mais dois irmãos: Henry e
Andrew. Assim, com o carinho
e afeição voltado para os
caçulinhas, a situação de meu
irmão Betão ficava ainda mais
complicada. E cada vez mais, eu
era o selecionado para cuidar
de sua higiene, o que, confesso,
me irritava muito, pois não
achava justo ser sempre eu o
responsável por essas tarefas.
Mas Roberto foi crescendo. Sua
saúde se deteriorou por alguma
razão. Meus pais evitavam levá-
lo a médicos, que sempre
torciam o nariz para meu irmão
e o tratavam com desdém. Eles
o preteriam por sua condição e
assim como o primeiro médico
que, quando procurado por
minha mãe que queria saber o
porque ele não sugava o leite do
peito disse: “você não está
vendo que este menino é
doido?” Por isso, meus pais
tentavam resolver em casa
mesmo os seus problemas de
saúde e a sua condição especial.
Porque meu irmão tinha a
microcefalia, mas ele não era
estático como muitas crianças
com essa condição. Ele se
locomovia livremente. Isso fez
com que ele fosse recusado por
instituições que propunham-se
a cuidar de crianças especiais.
Então, o fato de ele não ter
recebido acompanhamento
adequado tem a participação de
toda a sociedade da época, que
também o recusou e o preteriu.
Sei que hoje existem
instituições que cuidam de
crianças como ele, mas penso
que a situação dessas não é tão
diferente de como era na época.
Um dia, Beto andava no quintal
quando caiu no ribeirão que
passava ao lado da casa. Ele se
afogou, mas sobreviveu. Porém,
parece que seu
desenvolvimento retraiu-se.
Depois de alguns anos, meus
irmãos notaram que seus sinais
vitais estavam fracos - eu estava
na escola - e o levaram ao
hospital. Porém, chegando lá,
os médicos disseram que ele já
havia morrido. Ao chegar em
casa, recebi a notícia. Nessa
época, de seu morte, meus pais
já eram separados, e o velório
foi uma cena triste, pois minha
mãe não conseguiu conter sua
reação de tristeza diante da
morte do filho, e acabaram
pedindo que policiais a
controlassem, o que eu achei
uma grande injustiça. Porém,
eu mesmo encontrava-me
muito triste e fiquei a maior
parte do tempo isolado do resto
da família, e não fiz muito para
impedir que o desfecho do
velório fosse aquele. Também,
na época, nossa relação com a
nossa genitora estava um pouco
fragilizada pelos recentes
acontecimentos da separação. A
vida de Beto durou 17 anos,
mas deixou marcas eternas em
cada um de nós.
CAPÍTULO 3 -
PRIMEIROS LARES,
PRIMEIROS AMIGOS
Primeiras Professoras
Professora Severa
A tentativa de retomar no
casamento, infelizmente, foi
frustrada. Logo meus pais se
desentenderam novamente, e
minha mãe se foi, dessa vez em
definitivo. Ela queria que meu
pai se mudasse, para que eles
pudessem tentar reconstruir
suas vidas em outro lugar. Mas
meu pai não aceitou. Já havia se
apegado ao lar, à sua serralheria
e à vizinhança. Minha mãe não
suportou os julgamentos, os
olhares. E assim, acompanhada
de minhas duas irmãs, ela foi
embora. Eu a vi afastar-se pela
janela e chorei, mesmo sob os
protestos de meus irmãos. Meu
pai nunca mais a perdoou, e
viveram com o mínimo de
contato, desse dia em diante.
Depois minhas irmãs voltaram
para casa, o que, para mim,
traria grandes dificuldades, no
começo.
Capítulo 9 - Vida Pós
Separação
Eu já conhecia a massagem, e
eu já sabia que poderia fazer
isso, sem fazer nada que
insinuasse a sensualidade.
Ofereci a massagem a meu
amigo M. Foi maravilhoso, no
início. Era um carinho, ele
ficava feliz e grato, e nossa
amizade se fortalecia. Eu
pensava estar no controle
absoluto de meus impulsos, até
que, um dia, percebi que,
enquanto eu o massageava, seu
membro ficou ereto. Fingi
ignorar e continuei a massagem
normalmente. Mas era
impossível ignorar. Passei a
tocar seu membro,
disfarçadamente, com o braço,
enquanto o massageava, e isso
funcionou bem, por algum
tempo. Até que, um dia,
perguntei se ele não queria que
eu o massageasse, também,
naquela parte sensível de seu
corpo. Ele permitiu. Comecei a
massagear e, no final, ele pediu-
me explicitamente que o
masturbasse. Depois que ele
alcançou o clímax, sentiu-se
culpado e culpou a mim. Eu
também me culpei. Fiquei
aterrorizado em pensar que
poderia perder sua amizade, e
me ofereci para acompanhá-lo
ao ponto de ônibus. Fomos
conversando, ele deu algumas
justificativas para o que havia
ocorrido, colocamos tudo no
campo do acaso, e a amizade
pôde continuar. Eu queria
sinceramente que essa fosse a
única vez em que perdi o
controle. Tentei oferecer o
karatê como uma forma de
substituir a massagem e tornar
a relação entre nós mais
saudável.
Mas M. não abriu mão das
massagens, de forma que fui me
envolvendo mais e mais,
tornando-me cada vez mais
dependente e, quando
terminava a massagem, não
sabia se ficava feliz ou sentia
culpa. Até que, um dia, quando
eu já estava com 36 anos,
aproximadamente, durante a
massagem - eu o havia
convencido a despir-se
totalmente para realizar a
prática - ele perguntou se eu
não gostaria de praticar sexo
oral nele. Eu me recusei, disse
que nunca tinha feito isso, que
não queria. Mas ele insistiu, e
disse que não teria problema
algum, que era apenas uma
forma de carinho. Consenti,
então, e comecei. Realizei o ato,
e depois fui tomado de imensa
culpa arrependimento. Pensei
que aquela seria a primeira e
última vez. Mas houve a
segunda, a terceira e
prosseguiu, mais ou menos, por
uns 2 anos, e eu me envolvia
cada vez mais, e fui me
tornando totalmente sem
limites. Até que houve, por
umas 2 vezes, o contato sexual,
com o uso de preservativo. Mas
M. não quis repetir isso outras
vezes, dando preferência ao
contato oral. Porém, M. sempre
me culpava, atribuindo a
responsabilidade dessas coisas a
mim, e se isentando de
qualquer responsabilidade.
Fomos nos afastando, e eu me
reaproximei de JW.
Continuei a minha amizade
com JW como antes, só que,
agora, ele já havia percebido
que a massagem era algo que eu
gostava de fazer nele, e
começou a me pedir dinheiro
para que ele me permitisse
massageá-lo. Eu cedi, muitas
vezes, e dei o dinheiro. Um dia,
já perdendo totalmente o
receio, toquei em seu membro
que, eu já sabia, também ficava
ereto com a massagem. Eu
ainda era apaixonado por ele,
nas nunca tinha feito nada
desse tipo. Ofereci um presente
para que ele me permitisse
massagear seu membro. Ele
acabou permitindo, e eu
comecei a massagem, mas não
consegui ficar apenas tocando
com a mão, e passei para o sexo
oral. Depois que acabou, ele foi
embora, e eu fiquei com uma
estranha sensação de culpa,
pedi perdão a ele, cumpri o
prometido, e esperei que nada
se repetisse. Mas repetiu-se
várias vezes. Eu já estava com
42 anos de idade, quando isso
começou. Só que, agora, JW
não era mais o único homem
com o qual eu já havia tido
contato, e eu tinha muita
preocupação de não lhe
transmitir nada. Assim, eu me
cuidava e procurava cuidar
dele. Mesmo assim, tinha
receio. Fiquei contente quando,
ele mesmo, passou a pedir o
uso de preservativo todas as
vezes em que eu fazia isso nele.
Nunca houve nada além disso.
Assim, essas foram minhas
únicas amizades, amores
platônicos, que resultaram em
contato sexual, mas isso não
significou relacionamento
amoroso, pois nenhum dos dois
admitiu que esse fosse o caso.
M. sumiu, e nunca mais o vi,
salvo uma ocasião, num
restaurante. JW, também não
vejo a algum tempo. Também,
não tenho expectativas em
relação a JW, mas,
estranhamente, ainda guardo
um carinho especial por ele. E
apesar dessas coisas terem
ocorrido, eu continuei no meu
armário, que já começava a me
cansar. To be, or not to be?
Bom, ser eu era. Só não havia
dito e assumido para mim
mesmo e para os outros que eu
era e sempre havia sido gay.
CAPÍTULO 15 – FÉ,
DEVOÇÃO DEUS E
CONTRADIÇÃO
Depois de um tempo,
começaram a surgir estudantes
que faziam também referência a
alguém chamado “Renato” que
teria HIV e não queria fazer
tratamento. Isso prosseguia
durante o dia todo, enquanto
eu trabalhava, na sala de aula
quando estava estudando e em
todos os ambientes em que eu
estava. Eu praticava karatê e
kung-fu na época, mas acabei
sendo forçado a parar porque os
ataques eram constantes e
acabavam com minha força e
me tiravam a coragem. Por
pensar que me deixariam em
paz se eu aderisse ao tal
tratamento alopático, procurei
os médicos para iniciar a toma
de comprimidos para HIV.
Continuará
VANTAGENS DE SAIR
DO ARMÁRIO