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DAS POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO À COMUNICAÇÃO POLÍTICA (E

VICE VERSA)
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Sérgio Capparelli
Professor do Programa de Mestrado em Comunicação e Informação
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
IMPRIMIR

Este trabalho pretende refletir sobre as inter-relações de comunicação e política nas


atividades dos pesquisadores brasileiros. Em outras palavras, verificar o que os
pesquisadores da área de comunicação no Brasil querem dizer quando falam de
comunicação e de política. Uma resposta a essa pergunta será procurada em textos de
autores vinculados a área e na trajetória dessas reflexões dentro da prática científica, na
hipótese de que o arranjo particular desses dois termos expressa momentos históricos
diferentes Com esses propósitos, aventamos também que se fizermos um recorte histórico
dos últimos anos na prática da pesquisa no país, encontraremos indícios de que a
hegemonia deste ou daquele arranjo vocabular (comunicação e política, políticas de
comunicação, comunicação política) sinaliza prioridades dentro desse campo de estudos
provocados por um contexto histórico particular e que suas evidências podem ser
verificadas no conteúdo das revistas especializadas, nas discussões das associações
científicas e, mais parcialmente, na produção acadêmica da pós-graduação.
Essa reflexão é necessária por diversos motivos. Primeiro, por uma questão de exatidão.
Os dois termos comunicação e política, assim, justapostos, sugerem dois campos que
seguem paralelos; em comunicação política, a política é um atributo de comunicação, talvez
seu conteúdo; e em políticas de comunicação, é a comunicação como objeto de uma prática
que se encontra fora dela. Mas essas três instâncias não existem de forma independente.
Fixar-se apenas um dos eixos é perder de vista o movimento dialético da singularidade ao
geral, do geral à singularidade; ou, no dizer de Rudiger, tomar o processo em sua totalidade.
Parafraseando-o numa citação em outro contexto, metodologicamente, o ideal seria
confrontar os resultados da análise das políticas de comunicação no seu sentido amplo,
mais os produtos com suas formas socialmente determinadas de recepção (Rudiger, 1997,
p. 4).
Em segundo lugar, porque a política e a comunicação estabelecem um diálogo, uma inter-
relação ou uma consubstancialização dentro de um contexto dinâmico e não estático,
privilegiando um ou outro aspecto desse arranjo. Se tradicionalmente a política, no sentido
comum, trata do que o governo faz, afetando o cotidiano das pessoas, ou no sentido amplo,
do exercício do poder de algumas pessoas sobre outras (Tansey, 1995, p. 3), tanto o Estado
quando as formas de exercício desse poder se transformaram nos últimos 15 anos. A
passagem de uma ditadura militar de 20 anos para uma democracia no início dos anos 80
trouxe novas preocupações ao campo da política e da comunicação; da mesma forma, o
enfraquecimento do Estado e o fenômeno da globalização trouxeram perspectivas novas
para as análises tanto da política quanto da comunicação.
E finalmente, no caso brasileiro, a assunção da televisão enquanto meio de comunicação
hegemônico e o deslocamento do eixo da escrita para a imagem redefiniu prioridades no
campo da pesquisa. Nessa sociedade, a dimensão pública "aparece como específico
espaço social, habitado e vivenciado por imagens.(...) Esta proliferante construção de
imagens introduz no cenários novos componentes" (Rubin, 1990, p. 62). Ou, adaptando as
reflexões de Mangone e de Warley para o contexto argentino, as relações da política com a
comunicação no Brasil retomaram fôlego com a redemocratização nos anos 80, seguindo o
ritmo de revalorização das práticas políticas tradicionais: o parlamento, a propaganda
eleitoral, a pregação partidária junto com o esmiuçamento do discurso autoritário que havia
regido o país no período anterior (Mangone e Warley, 1996, p. 9). Em outras palavras, esse
período sublinhou a passagem do discurso normativo das políticas de comunicação. Essa
diferença é aliás, muito clara no caso do inglês, que utiliza a expressão “communication
policy” para o primeiro caso e “political communication” para o segundo.
Para esse mapeamento e interpretação, construímos nosso objeto de estudo a partir de três
eixos. O primeiro é constituído pela trajetória de uma revista científica Comunicação &
Política, desde seu primeiro número em 1983, até o último, em 1997, num total de 26
edições. Trata-se do único periódico existente no Brasil que enlaça os dois termos no seu
próprio título, se bem que já no primeiro editorial afirma que essa área temática é
predominante mas não exclusiva. O segundo eixo é constituído pelos artigos apresentados
em grupos de trabalho das duas principais associações científicas brasileiras (Intercom e
Compós) nas suas três últimas reuniões anuais. E finalmente, o terceiro eixo, composto
pelas dissertações e teses que abordam as relações entre comunicação e a política,
selecionados entre as 400 apresentadas ou defendidas como requisito para a obtenção do
título de mestre ou de doutor, em 10 programas de pós-graduação. As análises foram feitas
a partir dos resumos desses trabalhos, com acesso ao texto completo apenas para dirimir
dúvidas.

Pesquisa e Política
As pesquisas em comunicação no Brasil estiveram sempre ligadas aos programas de pós-
graduação, especialmente àqueles financiados por verbas públicas. . Não existe aqui a
tradição, como nos outros países, de institutos isolados de pesquisa que cubram essa área.
Apesar de o Estado que financia essas instituições de ensino público estabelecer políticas
de pesquisa para áreas consideradas prioritárias, como Química Fina, Biotecnologia,
Informática ou Telecomunicações, trazendo para o setor grande parte do apoio à pesquisa,
nunca aconteceu uma intervenção dos órgãos de fomento para que fosse estabelecida
alguma área prioritária. Só recentemente um órgão como a Capes estabeleceu uma lista de
centros de excelência no Exterior, reconhecidos pelos seus estudos em área de novas
tecnologias, para qualificar seus bolsistas em busca de estágios de pesquisa ou
doutoramento.
Sendo assim, o apoio a uma presumível linha de pesquisa relacionando comunicação e
política aconteceu ou por via natural, através da circulação de idéias, apoiados, muitas
vezes, por grupos organizados institucionalmente dentro dos programas de pós-graduação,
ou por uma politização das prioridades das reflexões, quando o Estado utilizava os meios de
comunicação, especialmente, a televisão, para obter uma legitimidade. A evolução desse
quadro nas universidades coincide com dois fatores subsequentes. De um lado, a reforma
universitária de 1968 que estabeleceu a indissociabilidade do ensino e da pesquisa,
reordenando a carreira universitária, e do outro, a exigência de qualificação profissional em
programas de pós-graduação, como forma de ascensão na carreira docente.
Assim, no fim dos anos 60 e início dos anos 70, o país assiste à criação de mestrados e de
doutorados, primeiro na em São Paulo e Rio de Janeiro, logo depois em Brasília e só no fim
dos anos 80 e início dos anos 90 a uma descentralização desses cursos, que se
estabelecem na Bahia e no Rio Grande do Sul. Essas ressalvas são importantes porque se
pretende aqui restringir a análise dos trabalhos produzidos no campo acadêmico da
comunicação.
Dentro desse quadro institucional sobressaem duas tendências de pesquisa, uma
dissociando a "política e a comunicação como campos fenomenológicos que têm um ponto
de encontro, a que se chega por atividades distintas dando lugar a uma nova realidade
cultural (...) e a segunda partir de uma consubstancialização da comunicação e de boa parte
da atividade política" (Del Rey, 1996, p. 55).
A primeira, procura então dissociar política e comunicação, privilegiando a análise da
política no sentido de tradicional de "certas pessoas, instituições, práticas e discursos em
que a denominação política parece estar reservada: o presidente, os partidos políticos, o
congresso, plataformas partidárias, horário político etc. (Mangone e Warley, 1996, p. 16) e,
poderíamos acrescentar, a reserva do conceito de política também no sentido das relações
do cidadão ou instituições civis com o Estado. Assim, essa tendência procura analisar a
dimensão institucional da comunicação e da política para intervir nos seus segmentos mais
importantes (rádio e televisão), procurando redirecioná-lo para a consecução de outros
objetivos, geralmente político-ideológicos.
Se a primeira tendência acontece nos anos 70 e início dos anos 80, a segunda surge no fim
dos anos 80 e parece se tornar hegemônica na primeira metade dos anos 90. Ela parte de
uma espécie de consubstancialidade da comunicação e da política e não de um cruzamento
ou intersecção dos dois campos. Essa tendência parte do princípio de que "a política está
em todas as partes. Não existem palavras, gesto ou ação que, mesmo que se empenhe em
negá-lo de forma explicita, não se projete politicamente, considerando o político em um
sentido amplo, enquanto posicionamento valorativo de um indivíduo ou grupo frente ao
conjunto da comunidade que integra" (Mangone e Warley, 1996, p. 16). Estudos oriundos
dentro dessa segunda tendência procuram só estabelecer uma nuclearidade da
comunicação nos mecanismos políticos e sociais da atualidade. Em seu texto sobre a revista
Comunicação&Política, Barbosa Filho cita uma nota do editor Marcondes Filho na edição de
1989, sobre os textos que começam a ser produzidos:
A preocupação que associou a maioria dos textos produzidos na época, segundo
Marcondes Filho, foi a de apresentar o fenômeno da comunicação como processo
nuclealizador dos mecanismos políticos e sociais da atualidade: se, no passado, a economia
funcionava como determinante último de processos históricos e sociais, hoje ocupa o
complexo comunicacional - com sua derivações na moda, no estilo de vida, na formação das
imagens de políticos e empresas - a posição centralizadora" (apud Barbosa Filho, 1997, p.
42).
Na próxima secção, vamos analisar essas duas tendências citadas nos textos produzidos
pelo campo acadêmico sobre as relações entre comunicação e política. Mesmo que os
conceitos continuem fluídos, vamos denominar “políticas de comunicação” essa primeira
fase; e “comunicação política”, a segunda.

Políticas de Comunicação
No início dos anos 70 no Brasil, ainda predominavam idéias de Sartre sobre a Literatura, no
sentido de que o escrever era um ato político e engajado, devendo funcionar como um
propósito de transformação social. Os suplementos literários da época, bem como as
universidades, procuravam estabelecer o alcance da literatura como engajamento dentro de
propósito político transformador.
O debate sobre a arte engajada acontecia também dentro da pesquisa em comunicação na
América Latina, onde pesquisar significava uma intervenção social e política. Roberto
Amaral, um dos primeiros editores da revista Comunicação&Política, reforça essa posição
ao dizer que a interseção da comunicação com a política é a leitura política da comunicação
ou a leitura política pela comunicação (Barbosa Filho, 1997, p.7). Intersecção em Amaral é
um conceito que bem caracteriza dois campos distintos e não uma consubstancialização.
São dois campos que se cruzam, convergem ou se entrelaçam, constituindo a primeira
grande tendência da pesquisa nesse campo de conhecimento. Investigar, eleger áreas
prioritárias, buscar ferramentas teóricas, tudo isso integrava uma prática de intervenção
política no campo da comunicação. Nesse sentido, a consubstancialização não estava entre
comunicação e política mas entre o pesquisador, a política e a pesquisa a ser desenvolvida.
O exame da revista em questão sinaliza o contexto histórico em que era publicada, depois
de 20 anos de autoritarismo. Esse interesse pela comunicação e pela política talvez se
explique pelo fenômeno habitual que ocorre na pré-história desse tipo de estudos,
constatado por Érik Neveu: Não é indiferente constatar que a pré-história dos trabalhos
sobre “comunicação política nasce nas reflexões ligadas ao modo de funcionamento dos
regimes totalitários (Neveu, 1991, p. 162)”
Quando fala em comunicação política, Neveu refere à sua utilização durante governos
totalitários na Alemanha e na antiga União Soviética, principalmente em relação a trabalhos
pioneiros, como o de Serge Tchakotine. No Brasil, esse interesse começa de forma velada
durante as ditaduras militares iniciadas em meados dos anos 60 e principalmente, ao fim
desses 20 anos de autoritarismo, no bojo dos processos eleitorais.
Aqui, o palanque de papel criado no meio acadêmico só foi possível com os acenos rumo à
democratização, com o fortalecimento dos partidos políticos e com uma crítica à maneira
como o Estado tratou a radiodifusão nesse período obscurantista. Quer pela criação de
linhas de pesquisa quer pelo surgimento de áreas temáticas, a comunicação e a política
começaram a se entrelaçar em termos acadêmicos, no que se chamou políticas de
comunicação. Essas reflexões, a princípio em termos ensaísticos, quase sempre com forte
conteúdo ideológico, foram influenciadas pela:
- Utilização intensiva dos meios de comunicação pelos governos militares no poder de 1964
a 1984;
- Influência de certas interpretações dos trabalhos da Escola de Frankfurt e o emprego do
conceito de manipulação;
- Difusão de trabalhos de pensadores que haviam trabalhado ou estavam trabalhando em
países também de governos autoritários;
- Discussões da Unesco sobre políticas públicas internacionais de comunicação para a
América Latina.
No último caso, as propostas da Unesco saíram da Conferência Intergovernamental sobre
Políticas de Comunicação na América Latina e Caribe. A preparação do encontro da Costa
Rica começou em 1969 e durou sete anos. O timing da reunião foi problemático (Getino,
1995; Fox, 1989). Ao começar a reunião da Costa Rica, todos os governos da América do
Sul, com exceção doa Venezuela e da Colômbia, viviam sob governos militares. E seriam
eles os responsáveis pela implantação dessas políticas públicas. Boa parte das reflexões
sobre a inter-relação política e comunicação dos anos 70 e 80 continuaram centradas em
políticas de comunicação. Para descrever esse tipo de estudo, não raro com um conteúdo
fortemente ideologizado, poderíamos adaptar a conceituação que Teixeira Coelho faz para
política cultural, ."entendida habitualmente com o programa de intervenções realizadas pelo
Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de
satisfazer às necessidades culturais da população e satisfazer o desenvolvimento de suas
representações simbólicas" (Teixeira Coelho, 1997, p. 294).
Neste caso, basta substituir o termo cultura por comunicação e temos um conceito de
política de comunicação, quando grupos da sociedade civil se engajam na revisão das
normas jurídicas do Estado em relação à política de concessão de emissoras de rádio e de
televisão, assim como uma proposta de conteúdos a serem produzidos no próprio país, tanto
nacional como regionalmente, ao lado de grupos da comunidade que se organizam para
criar espaços independentes de informação, especialmente no que se refere à imprensa
escrita. Nesse último caso, sobressaem, no Brasil, as políticas de comunicação criadas
especialmente dentro de sindicatos, que se traduziu, por exemplo, na TV do trabalhador.
Nesse período, as intervenções nas relações entre os meios de comunicação e o Estado,
pelo que se depreende dos textos produzidos na época, tinham por objetivo levar o Estado a
decidir por um conceito de comunicação e de cultura que se opusesse à prática de
mercado. Estava subjacente a essas propostas uma política para os conteúdos,
estabelecendo cotas para a emissão de programas locais, regionais ou internacionais. Mas,
no mais das vezes, tratava-se de uma política de comunicação em nível da produção pois o
debate sobre o receptor estava ausente das discussões, a não ser na figura de um receptor
condenado à passividade. De certa forma, as pretendidas políticas nacionais de
comunicação refletiram, nos anos 70, o outro lado da teoria do imperialismo cultural ou da
teoria da dependência.
A ementa do Grupo de Trabalho Políticas de Comunicação, da Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Intercom, dão, já nos anos 90, uma pista sobre
suas prioridades:
- Documentação das atividades de luta por políticas públicas democráticas de comunicação
para o Brasil;
- Abordagem de tópicos teóricos relevantes para o debate de políticas de comunicação no
Brasil;
- Análise da legislação brasileira de comunicação;
- Documentação e análise das legislações nacionais e internacionais de comunicação;
- Documentação e análise das políticas de implantação de novas tecnologias de
comuncação no Brasil;
Elaboração de pauta de temas de pesquisa, nacionais, regionais e locais sobre Políticas de
Comunicação no Brasil, a ser sugerido a professores e e estudantes de graduação;
- Desenvolvimento de redes de contatos, com professores de graduação, para sugestão de
temas de pesquisa, recolhimento de proposições e identificação dos trabalhos realizados.
Analisando o campo cultural, Teixeira Coelho levanta outros aspectos que podem descrever
essas relações entre a comunicação e a política nos anos 70 e 80. Segundo ele, essa
intervenção no campo da cultura - e diríamos nós, da comunicação, tem origem numa visão
conspiratória da realidade social e política. No caso da comunicação, diríamos que ela
baseia-se no pressuposto de que existem conteúdos positivos a serem veiculados pelos
meios de comunicacão - especialmente pela televisão - "de importância superior para uma
comunidade e de âmbito restrito, que deve ser compartilhado pelo maior número de pessoas
(Teixeira Coelho, 1997, p.295).
A fragmentação da sociedade, a mudança teórica do estatuto do receptor e das audiências
ativas, a entrada em cena do campo simbólico, da subjetividade, do individualismo, da
segmentação do mercado, o enfraquecimento do Estado, e o impasse das sociedades
nacionais diante da globalização, provocando, inclusive propostas de mudança nos
paradigmas das ciências sociais em torno da globalização, onde a comunicação teria um
papel central, o recuo do Estado enquanto operador ou regulador dos meios de
comunicação, a queda do muro de Berlim, a passagem de uma economia fordista, rígida,
para a acumulação flexível, o horizonte descortinado pelas novas tecnologias (TV por
assinatura, comunicação em rede) tudo isso levantou uma série de questões sobre o
discurso rígido e às vezes economicista das políticas de comunicação. Essa perplexidade,
que fez Marcondes falar no ano zero da comunicação, levanta outras questões e outras
perplexidades nas relações entre comunicação e política. É o que veremos na próxima
secção.
Comunicação Política
No fim dos anos 80 e início dos anos 90, o Brasil havia mudado politicamente. O general
Figueiredo passou o poder a Tancredo Neves, numa eleição indireta, depois de 20 anos de
autoritarismo. Em 1989, o país assiste às primeiras eleições diretas em quase 30 anos. Nas
últimas, de 1962, a televisão ainda estava nos seus inícios, mais da metade da população
brasileira vivia em áreas rurais, uma cidade com 20 mil habitantes era considerada de porte
médio e as taxas de analfabetismo estavam situadas entre uma das mais altas do mundo.
Nessas eleições de 1989, os comícios e práticas políticas em espaços públicos tradicionais
foram substituídos pela videopolítica em todas as suas modalidades: o palanque eletrônico,
a linguagem publicitária e o marketing aplicados à persuasão e a telepolítica. E a Rede
Globo, uma das cinco maiores do mundo, davam uma nova dimensão da política em
tempos eletrônicos. Essa perplexidade diante das novas relações entre comunicação e
política foram expressas um ano depois na nova etapa da revista Comunicação & Política,
cuja publicação começou a ser feita na Universidade Federal do Rio de Janeiro, cujo
programa de pós-graduação há muito tempo vinha estudando as novas sociabilidades a
partir das novas tecnologias, os imaginários e a subjetividade no espaço da comunicação.
Ao mesmo tempo, o programa de mestrado em Comunicação da Universidade Federal da
Bahia, que já vinha se consolidando, tinha Comunicação e Política como uma de suas
linhas de pesquisa mais fortes.
Mas essa perplexidade vinha de São Paulo, externada num artigo curto no número 11 da
revista:
Mesmo os chamados meios de comunicação já não satisfazem mais esse nome; não se
pode mais separá-los de uma forma funcional-positivista, em rádio, TV, jornal, cinema etc. A
nova realidade mediática comprova que a TV não apenas superou os demais media mas os
liquidou: tornaram-se apêndices da linguagem, da lógica e da supremacia da TV na cultura
(Marcondes Filho, 1990, p.60).
As ponderações de Marcondes Filho são seguidas pelas de Albino Canelas Rubim, num
texto exatamente sobre as mudanças nas relações entre comunicação e política em que
expõe sua perplexidade diante das mudanças. Depois de reconhecer que os novos meios de
produção e difusão culturais, com destaque para a televisão, criam, aceleradamente,
imagens e imagens e que a proliferante construção de imagens introduz no cenário novos
componentes, ele reconhece que cada vez mais a atividade política parece fadada a
transitar e ser exercida na dimensão pública da sociedade através do trabalho mediador da
moderna comunicação (Rubim, 1990, p.62) De certa forma, sua perplexidade pode parecer
apenas retórica mas, na realidade, tal ênfase seria impossível alguns anos antes pelo
simples fato de que a política eleitoral não tinha ainda entrado na televisão com tamanho
vigor porque simplesmente as eleições não existiam e, se existiam, passavam por um
controle rigoroso dos governos autoritários. E, de repente, dentro da nova dimensão pública
dos meios de comunicação, os pesquisadores descobrem a dimensão espetacular da
política pela televisão, do palanque eletrônico aos partidos eletrônicos.
Essa nova perspectiva de análise das relações da comunicação e da política não é um
movimento isolado. Venício Lima vai falar sobre o deslocamento da produção/intenção para
recepção construção de sentido (Lima, 1990). Alguns anos antes, analisando as reflexões
sobre esse mesmo tema, Mattelart havia dito algo parecido, sobre um retorno do sujeito à
comunicação. E Mattelart tinha sido um dos pesquisadores mais conhecidos da fase
anterior, circulando entre as políticas de comunicação tal qual conceituada, a economia-
política crítica ou o imperialismo cultural implícito na maioria de seus trabalhos. Ele fala
sobre essas mudanças:
Mais além das lógicas de reestruturação do poder, volta à superfície uma interrogação,
minoritária e pouco escutada durante muito tempo, sobre o papel da sociedade na
construção cotidiana da democracia. Ao mesmo tempo, levantam-se dúvidas sobre os
modos de organização da resistência, construídos sobre uma idéia do coletivo que
historicamente desprezou tomar em consideração o sujeito, o indivíduo. (Mattelart, 1987,
p.92)
São essas novas realidades que vão permear boa parte das reflexões sobre comunicação e
política. Um exame dessa nova fase da pesquisa no setor revela uma mudança de
prioridades de pesquisa. As preocupações deslocam-se da produção para a mensagem,
para o imaginário, para o discurso, para as novas sociabilidades, para os processos
eleitorais.
As discussões atualizam-se na publicação de textos sobre horário gratuito para a
propaganda política na televisão, comunicação e processos eleitorais, ou trazendo modelos
de análise, exemplificados nos cenários de representações políticas, trazidos por Venício
Artur Lima (“...designa o conjunto de valores e de significados sobre a política, construídos
na e pela televisão, no marco do qual se desenvolve o processo político eleitoral”) e
desenvolvido posteriormente em outras reflexões, em que as análises tanto se debruçam
sobre um processo eleitoral como em telenovelas ( Lima, 1994 e 1995). Junto com essa
preocupação voltada para o político em eleições ou em gêneros como a telenovela, verifica-
se uma rediscussão e de conceitos como espaço público ou esfera pública, buscados em
Habermas mas atualizados num período em que a televisão torna-se um meio de
comunicação hegemônico (ver Keane, 1996).
Até mesmo o estilo muda. Os títulos são imaginosos sobre o novo imaginário. Exemplos,
selecionados ao acaso, são O camelo, o dromedário e o caracol (n.21, ano 2, 1992), ou A
pilhagem do imaginário (n.21, ano 2, 1992). E pela primeira vez aparece um texto sobre
recepção (La investigación de la recepción en la educación para los medios, (n.21, ano 2,
1992), do mexicano Guillermo Orozco Gomez. De uma maneira geral, os textos perdem o
tom de intervenção política, apontam para reflexões à distância da arena do poder,
acadêmicos , passam a ser trabalhados com maior refinamento metodológico e com
princípios explicativos mais variados. Cresce no período as análises da política enquanto
discurso.
As preocupações de Del Rey são válidas para essa nova fase da revista - e das relações
entre política e comunicação no Brasil, no sentido de que os limites tornam-se mais
complexos, concluindo por uma "a consubstancialidade da política e da comunicação afeta
boa parte das atividades políticas (...) e hoje se pode considerar um aspecto da política e
não uma atividade que, de fora, traz informações sobre ela" (Del Rey, 1996, p.55).
O distanciamento do eixo de análise políticas de comunicação é evidente. A ementa criada
em 1992 para o grupo de trabalho Comunicação e Política da Associação Nacional de
Programas de Pós-Graduação em Comunicação indica sua linha de ação: abordar as
relações que se constróem entre a Comunicação - aqui entendida privilegiadamente na
dimensão dos media - e o campo da política - visto de forma ampliada, não aderindo à sua
dimensão institucional . Seis linhas principais de abordagem: Comunicação, ética e política;
comunicação, política e sociabilidade; comunicação, política e tecnologia; comunicação,
cenários e imaginários políticos; comunicação e processos eleitorais; comunicação e
discurso da política.
Ao estabelecer sua linha de ação, a ementa parece se distanciar explicitamente das linhas
anteriores, mais ligadas às políticas de comunicação. Não se sabe se a expressão "não
aderindo à sua dimensão institucional" significa o fechamento das portas do grupo a
qualquer trabalho que analise as relações entre política e comunicação na esfera de
produção, se se trata de uma expressão com uma ambiguidade proposital ou se é apenas a
busca de uma identidade que a distancie de um discurso sobre pesquisa que vinha se
exaurindo pouco a pouco.
Finalmente, um levantamento dos trabalhos publicados na revista Comunicação&Política,
os trabalhos apresentados em encontros científicos ou defendidos/apresentados na forma
de teses e dissertações nos programas de pós-graduação falam um pouco mais sobre
essas duas tendências de pesquisa.
Revista - De 1983 a 1997, Comunicação&Política publicou pouco menos de uma centena
de artigos científicos sobre o tema. Analisando 23 das 26 edições, podemos constatar que
dos 83 artigos onde comunicação e política constituem o tema principal da análise, 40 (48%)
deles localizam-se no âmbito de comunicação e política como a intersecção de duas
realidades separadas, balizando uma intervenção política sobre a comunicação; as análises
do discurso ficam com pouco mais do que 11 (13%) desses trabalhos e os processos
eleitorais, comunicação e política, outros 15 (18%); e o restante é dividido em diversos
subtemas.
Os textos publicados mostram também que a área temática de políticas de comunicação
perdem terreno a partir de 1989, coincidindo com uma mudança editorial, num contexto
marcado pelas primeiras eleições diretas em muitos anos. Por outro lado, mais
recentemente, nota-se um aumento de reflexões baseadas na perspectiva da economia
política crítica da comunicação, tendo, como pano de fundo, a convergência das
telecomunicações e da comunicação.
As políticas de comunicação da primeira fase mais a comunicação política dos anos mais
recentes mostram um grande número de trabalhos, divididos entre teses e dissertações,
trabalhos apresentados na Intercom e na Compós e artigos publicados na revista
Comunicação&Política. Se examinarmos as áreas de interesse, poderemos concluir pela
importância que adquiriu o tema em discussão:
Teses e dissertações - 400 teses e dissertações foram produzidas no período entre 1992 e
1995. Desse total, 87 (21%) tinham como eixo principal as relações da comunicação com a
política. As análises do discurso constituíam o eixo principal de 36 (41,3%) trabalhos e as
políticas de comunicação 21 (24,1%).
Compós - A Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação
aceitou 69 artigos científicos no Grupo de Trabalho Comunicação e Política no período
compreendido entre 1993 e 1997. Desses, 22 trabalhos (31,8%) versaram sobre análise do
discurso; 15 (21,7%) sobre processos eleitorais; e 13 (18,8%) sobre políticas de
comunicação, sendo aqueles na perspectiva da economia política. É de se observar,
igualmente, que alguns trabalhos aceitos como do subtema processos eleitorais eram
híbridos, consistindo em análises do discurso dos processos eleitorais.
Intercom - A Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação não tem
um grupo de trabalho genérico sobre comunicação e política. Ou os trabalhos apresentados
estão diluídos em outros grupos, ou se localizam em grupos especializados em políticas de
comunicação ou economia-política da comunicação, que foi sucedida por economia da
comunicação. No entanto, não existem critérios claros quanto aos requisitos de participação
em algum desses dois grupos, pois trabalhos entrecruzam-se, sem critérios claros para
aceitação num grupo ou no outro, tudo isso inviabilizando um exame da área.

Conclusão
As inter-relações entre comunicação e política, configurando a linha políticas de
comunicação, pareciam ter completado seu ciclo já nos fins dos anos 80 e no início dos anos
90. Parecia uma perspectiva gasta, sem sentido num momento em que o Estado distancia-
se da comunicação. A única política que então parece existir é a política de mercado, a
política do livre fluxo da comunicação tal como preconizada pelo neo-liberalismo triunfante. A
partir da onda conservadora que nos anos 80 varreu a maioria dos países do ocidente, os
meios de comunicação ainda operados ou regulados pelo estado se desregulamentam e re-
regulamentam nessa nova perspectiva de atender ao consumo.
É justamente nesse período que as políticas de comunicação retornam ao cenário como a
busca de políticas públicas e democráticas de comunicação. Nessa fase, o discurso e a
prática de políticas de comunicação se transformam, saem de dentro da universidade,
procuram uma interlocução com o Estado mas também com os empresários e se organizam
em termos de transformações dos meios de comunicação enquanto espaços públicos
contemporâneos.
Assim, a Frente Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação, criada no início
dos anos 80, luta tanto para contribuir para os programas de governos de partidos políticos,
com as teses que seriam levadas ao futuro Congresso Constituinte (Ramos, 1995, p.16).
Após um refluxo dessas práticas de políticas de comunicação, renasce reforçada enquanto
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, organizada nacionalmente em torno
da Federação Nacional dos Jornalistas, Federação Nacional dos Trabalhadores em
Empresas de Rádio e Televisão, Associção Nacional de Entidades de Artistas e Técnicos de
Diversões e na Federação Nacional de Teatro. Como lembra um de seus organizadores,
Murilo Ramos, foi esse Fórum quem interveio enquanto instância da sociedade civil, na
audiência pública de 2 de julho de 1991, no Ministério da Infraestrutura, em Brasília, ao lado
de empresários, para discutir a nova lei de televisão a cabo no país. Dessa discussão
saíram as linhas básica da lei, "quase toda digitada por mim depois de exaustivas
negociações com o governo e com os empresários" (Herz, 1997).
Em outras palavras, no momento em que as relações entre comunicação e política tornam-
se mais sofisticadas, através de uma instrumentalização teórica mais cuidadosa, um
refinamento metodológico que pende para a análise do discurso de corte francês, a antiga
relação comunicação e política com recorte em políticas de comunicação, consegue ver a
aprovação de uma das leis mais democráticas em termos de comunicação no país.
Por outro lado, as articulações semânticas dos vocábulos comunicação e política se vêem
enriquecidos por um novo modelo de análise, a economia-política crítica de comunicação.
Esse interesse renovado entre as instâncias comunicação e política, agora recriando um
novo recorte com a economia, tem origem principalmente nas mudanças aceleradas da
reorganização da economia internacional em um mundo globalizado e a importância das
novas tecnologias nesse cenário, caracterizado pela convergência das telecomunicações, da
comunicação e da informática. O impacto dessas novas tecnologias em países como o
Brasil, renova o interesse por esses estudos, preocupados mais em descrever e interpretar
as tendências dessa convergência que vem ocorrendo na América Latina em sua dimensão
institucional, na sua dimensão regulatória e na dimensão de consumo.
Resta-nos saber - e aqui se situa um dos pontos mais importantes da ordenação do campo
- como estabelecer uma ponte entre a as políticas de comunicação ou a economia-política
crítica da comunicação e a comunicação política propriamente dita. Em outras palavras, de
que forma passar do macro para o micro, de que forma dar atenção aos aparatos de
produção discursiva e ideológica e ao mesmo tempo reconhecer que quando analisamos as
brechas, as gretas por onde circula o discurso político mais formalizado e regularizado,
estamos vendo de que maneira o poder se traveste nessa espécie de zona liberada onde,
mesmo quando não fala o aparato, sempre fala o sistema" (Mangone e Warley. 1994, p.31).
Outra questão permanece em aberto, ou seja, de que forma se poderia criar um
conhecimento nas relações entre comunicação e política com pressupostos teóricos-
metodológicos definidos, metodologia refinada, rigor acadêmico e, ao mesmo tempo,
direcionados a uma práxis transformadora, ou melhor, como aproximar a universidade do
cotidiano dos cidadãos. Só com essas respostas as reflexões das políticas de comunicação
perderiam seu discurso excessivamente normativo e as reflexões da comunicação política
relativizaria seu mediacentrismo.

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