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1 9 07 ED ITH NES B IT

A Gatice
de Maurice

TRA D U ÇÃO
D E CA RO L
C H IOVAT TO 1
DAS

BY E D ITO R A WIS H

Tradução:
Carol Chiovatto

Preparação:
Karine Ribeiro
Revisão:
Camilla Mayeda
Capa e projeto gráfico:
Marina Avila

Ilustração de capa:
Giovanna Teixeira

2023 ISBN
Copyright 2022 Editora Wish. Este material possui direitos
de tradução e publicação e, ao não divulgá-lo sem prévia
autorização da editora, você está nos ajudando a continuar
publicando raridades para os leitores. Agradecemos por isso.

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UMA RELÍQUIA DE

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Sinopse
O primeiro conto de um ano
que trará apenas mulheres
à Sociedade das Relíquias
Literárias

O jovem Maurice não sabe como


cuidar direito de Lorde Hugh.
O pobre gato sofre nas mãos do
menino que acredita não estar
fazendo nada de errado.

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Depois de cortar os bigodes de
Lorde Hugh, Maurice vai sentir na
própria pele como é ser um gato
indefeso em um mundo hostil e
aprenderá uma lição sobre tratar
os animais com mais empatia e
cuidado.

Publicado originalmente em 1907,


A Gatice de Maurice é o retorno
de Edith Nesbit à Sociedade das
Relíquias Literárias e abre o hall
das autoras que serão publicadas
em 2023.

6
Em 2023, o
ano é delas!
100% das autoras da
Sociedade das Relíquias
Literárias serão mulheres!
Conheça talentos
esquecidos pelo tempo
e revisite as escritoras
clássicas neste ano!

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A Gatice
de Maurice
Edith Nesbit, 1907

N
ão dói cortarem
seu cabelo, nem
apararem seus bi-
godes. Mas sapa-
tos de madeira redondos, do formato
de tigelas, não são confortáveis de
se usar, por mais que entretenha o
espectador assistir a você tentando
andar com eles. Se você tiver um bom
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casaco de pele como o de um promo-
tor de empresa, é muito irritante ser
obrigado a nadar vestindo-o. E se
você tivesse um rabo, isso com cer-
teza seria um problema exclusiva-
mente seu; se alguém o amarrasse a
uma latinha isso lhe pareceria uma
impertinência injustificável — para
dizer o mínimo.
Ainda assim, é difícil para um
leigo enxergar essas coisas do ponto
de vista de ambas as pessoas interes-
sadas. Para Maurice, de tesouras na
mão, vigoroso e ansioso para fazer o
corte, parecia a coisa mais natural do
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mundo reduzir os bigodes rígidos do
Lorde Hugh Cecil em uma boa pole-
gada. Não entendia o quanto aqueles
bigodes eram úteis para Lorde Hugh,
tanto na diversão quanto no negó-
cio mais sério de obter sustento. E
Maurice se entretinha em jogar Lorde
Hugh em poças, embora este só te-
nha permitido tal liberdade uma vez.
Colocar nozes nos pés de Lorde Hugh
e observá-lo tentar caminhar no gelo
era, na opinião de Maurice, tão bom
quanto brincar. Lorde Hugh era um
gato queridíssimo, mas Maurice era
discreto, e aquele era mudo, à época
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pelo menos, exceto sob violento so-
frimento.
Mas a lata de sardinha vazia amar-
rada à cauda e às pernas traseiras de
Lorde Hugh — essa tinha voz, e, ti-
lintando contra escadas, corrimões
e as pernas das mobílias atingidas,
clamava aos berros por vingança.
Lorde Hugh, sofrendo violentamente,
ajuntou sua voz, e dessa vez a famí-
lia escutou. Houve perseguição, um
coro de “pobre gatinho!” e “depois,
gatinho!”, e o rabo e a lata e Lorde
Hugh foram pegos debaixo da cama
de Jane. O rabo e a lata concordaram
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com o resgate. Lorde Hugh, não. Ele
lutou, arranhou e mordeu. Jane os-
tentou as cicatrizes daquele resgate
por longas semanas.
Quando tudo se acalmou, pro-
curaram Maurice e, depois de certa
demora natural, encontraram-no
dentro de uma sapateira.
— Ah, Maurice! — sua mãe quase
soluçou. — Como você pôde? O que o
seu pai vai dizer?
Maurice imaginou saber o que o
pai faria.
— Você não sabe o quanto é errado
ser cruel? — a mãe continuou.
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— Não quis ser cruel — disse
Maurice.
E falava a verdade, ainda por cima.
Nenhuma das atenções inoportunas
com as quais banhava Lorde Hugh
tinham a intenção de ferir o robusto
veterano — apenas era interessante
ver o que o gato faria se você o jogasse
dentro d’água, cortasse seus bigodes
ou amarrasse coisas a sua cauda.
— Ah, quis sim — disse a mãe. — E
terá que ser punido.
— Queria não ter — disse Maurice,
do fundo do coração.
— Eu também — disse a mãe, com
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um suspiro. — Mas não foi a primeira
vez. Você sabe que prendeu Lorde
Hugh numa sacola com o ouriço na
última terça-feira. É melhor você ir
para o quarto e pensar nisso. Terei de
contar a seu pai assim que ele chegar
em casa.
Maurice foi para o quarto e pensou
no assunto. E, quanto mais pensava,
mais odiava Lorde Hugh. Por que o
gato bestial não podia ter segurado
a língua e ficado quieto? Na hora,
isso teria sido decepcionante, mas
agora Maurice desejava que houvesse
sido assim. Sentou-se na beirada da
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cama e chutou ferozmente a borda
do tapete da Kidderminster. E odiou
o gato.
Não quisera ser cruel; tinha cer-
teza de que não; não teria apertado
os pés do gato ou fechado a porta em
seu rabo, ou puxado seus bigodes,
ou derrubado água quente em cima
dele. Sentia-se injustiçado e sabia que
a sensação pioraria ainda mais após
a conversa inevitável com o pai.
Mas ela não tomou a forma ime-
diatamente dolorosa que Maurice
previra. Seu pai não disse: “agora vou
lhe mostrar como é a sensação de
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machucarem você”. Maurice havia
se preparado para isso, e antevia o
perdão calmo que se seguiria à tem-
pestade na qual ele tomaria parte
tão a contragosto. Não; seu pai já
estava calmo e razoável — com uma
terrível calma, uma razoabilidade
assustadora.
— Olhe só, meu garoto — disse ele.
— Essa crueldade com animais mu-
dos precisa ser contida. Severamente
contida.
— Não quis ser cruel — disse
Maurice.
— A maldade é forjada tanto pelos
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desejos do pensamento quanto pelos
do coração — disse o sr. Basingstoke,
pois esse era o sobrenome de Maurice.
— E quanto à vez em que você pôs a
galinha no forno?
— Você sabe — disse Maurice,
pálido, mas determinado —, você
sabe que eu só quis ajudá-la a cho-
car os ovos depressa. Está escrito em
Galinhas para comer e gostar que o
calor choca os ovos.
— Mas ela não tinha nenhum ovo
— disse o sr. Basingstoke.
— Mas ela logo ia ter — insistiu
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Maurice. — Pensei que abreviar o
tempo…
— Esse é o tipo de coisa que você
precisar aprender a não pensar —
disse o pai.
— Vou tentar — disse Maurice, in-
feliz, tentando ser otimista.
— Faço questão de que tente mesmo
— disse o sr. Basingstoke. — Hoje à
tarde você irá para a escola do dr.
Strongitharm e ficará lá pelo resto
da semana. Se eu descobrir que mais
alguma crueldade aconteceu durante
o feriado, você vai para lá permanen-
temente. Pode ir aprontar as coisas.
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— Ah, pai, por favor, não — foi tudo
o que Maurice conseguiu dizer.
— Sinto muito, meu garoto — disse
o pai, muito mais gentilmente. — É
tudo pelo seu próprio bem, e é tão
doloroso para mim quanto para você.
Lembre-se disso. O táxi estará aqui às
quatro. Vá e arrume suas coisas. Jane
vai fazer a mala para você.
Então o baú foi arrumado. Mabel,
a irmãzinha de Maurice, chorou por
tudo o que foi posto ali dentro. Foi
um dia muito úmido.
— Se fosse qualquer outra escola
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que não a do velho Strong — ela so-
luçou.
Ela e o irmão conheciam bem
aquela escola: as janelas, escureci-
das com persianas, seu grande sino,
os muros altos do terreno, cheios de
espetos, os portões de ferro, sempre
trancados, através dos quais meni-
nos tristes, aprisionados, faziam car-
ranca para um mundo livre. A escola
do dr. Strongitharm era para “meni-
nos difíceis e atrasados”. Preciso di-
zer mais?
Bem, não teve jeito. A caixa es-
tava arrumada, o táxi na porta.
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As despedidas haviam sido ditas.
Maurice decidiu que não choraria
e não chorou, o que lhe deu o único
toque de orgulho e alegria que um
cenário daqueles poderia permitir.
Então, no último momento, quando
o pai tinha posto uma perna dentro
do táxi, a Receita ligou. O pai entrou
de novo na casa para assinar um
cheque. A mãe e a irmã haviam se
retirado aos prantos. Maurice usou o
indulto para abrir seu álbum de selos.
Já planejava como impressionar os
outros meninos da escola, e a sua era
realmente uma bela coleção. Correu
para dentro da sala de aula, esperando
21
encontrá-la vazia. Mas alguém estava
lá: Lorde Hugh, bem no meio de uma
toalha de mesa suja de tinta.
— Seu bárbaro — disse Maurice
—, você sabe muito bem que vou em-
bora, ou não estaria aqui.
E, de fato, a sala, de algum modo,
nunca fora a favorita de Lorde Hugh.
— Miau — disse o gato.
— Mé — disse Maurice, com des-
prezo. — Isso é o que você sempre diz.
Toda essa confusão por causa de uma
latinhazinha de sardinha. Qualquer
um pensaria que você ficaria feliz
em brincar com ela. Eu me pergunto
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se você gostaria de ser um menino.
Surras, aulas e impostos, e ordens de
sair da mesa do café da manhã para
lavar as orelhas. Você lava as suas em
qualquer lugar… Eu me pergunto o
que me diriam se eu lavasse as mi-
nhas orelhas no tapete da sala de es-
tar?
— Miau — disse Lorde Hugh, e la-
vou uma orelha, como se estivesse se
exibindo.
— Mé — repetiu Maurice. — Você
só consegue dizer isso.
— Ah, não é não — disse Lorde
Hugh, parando de limpar a orelha.
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— O quê? — disse Maurice num
tom chocado.
— Se você acha que gatos têm uma
vida tão alegre, por que não ser um?
— perguntou Lorde Hugh.
— Eu seria, se pudesse — disse
Maurice. — E lutaria com você…
— Obrigado — disse Lorde Hugh.
— Mas não posso — disse Maurice.
— Ah, pode sim — disse Lorde
Hugh. — Você só precisa falar.
— Falar o quê?
Lorde Hugh disse-lhe uma pala-
vra, mas não lhe contarei por medo
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de você dizê-la por acidente e se ar-
repender.
— E se eu disser isso vou me trans-
formar num gato?
— Claro — respondeu o gato.
— A h, si m, entend i — d isse
Maurice. — Mas não vou, obrigado.
Não quero ser um gato para sempre.
— Não precisa — disse Lorde Hugh.
— Você só tem que conseguir alguém
para lhe dizer: “por favor, deixe de
ser um gato e vire Maurice de novo”,
e pronto.
Maurice pensou na escola do sr.
Strongitharm. Também pensou no
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horror de seu pai quando descobrisse
o seu sumiço, desaparecido sem dei-
xar rastros.
Então ele vai se arrepender, Maurice
pensou consigo, e, para o gato, disse
de repente:
— Certo. Vou falar. Qual é mesmo
a palavra?
— … — disse o gato.
— … — disse Maurice.
De repente, a mesa ganhou a al-
tura de uma casa; as paredes, a altura
de cortiços; o padrão do tapete tor-
nou-se enorme, e Maurice viu-se de
quatro. Tentou ficar em pé só com os
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dois pés, mas seus ombros estavam
estranhamente pesados. Só conse-
guiu empinar-se e ficar reto por um
momento, então caiu com tudo sobre
as mãos. Baixou os olhos para elas.
Pareciam ter encurtado e engordado
e estavam encerradas em luvas de
pele pretas. Sentiu um desejo de an-
dar de quatro — tentou — conseguiu.
Era muito estranho — o movimento
dos braços vindo direto dos ombros,
mais semelhante ao pistão de uma
máquina do que qualquer coisa em
que Maurice conseguisse pensar no
momento.
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— Estou com sono — disse o me-
nino. — Estou sonhando isso. Estou
sonhando que sou um gato. Espero
que tenha sonhado aquilo com a lata
de sardinha e o rabo de Lorde Hugh,
e com a escola do dr. Strong.
— Não foi sonho — disse uma voz
que ele conhecia e não conhecia. —
Você não está sonhando.
— Estou sim — disse Maurice. — E
agora vou sonhar que luto com um
gato preto bestial e lhe dou a melhor
surra que ele já tomou na vida. Vamos
lá, Lorde Hugh.
Uma risada alta respondeu-lhe.
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— Perdão pelo sorriso — disse a
voz que ele conhecia e não conhecia
—, mas não está vendo… Você é Lorde
Hugh.
Uma grande mão pegou Maurice
do chão e içou-o no ar. Ele sentiu que a
posição não apenas era indigna como
insegura, e se sacudiu num misto
de alívio e ressentimento quando a
mão o pousou na toalha manchada
de tinta.
— Você é Lorde Hugh agora, meu
querido Maurice — disse a voz, e um
rosto gigante aproximou-se bastante
do seu.
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Era seu próprio rosto, como apa-
receria se visto através de uma lupa.
E a voz — ah, que horror! — era a
sua própria voz, a voz de Maurice
Basingstoke. Ele recuou para longe
da voz com um sobressalto, e teria
gostado de arranhar o rosto, mas não
tinha nenhuma prática.
— Você é Lorde Hugh — a voz re-
petiu. — E eu sou Maurice. Gosto de
ser Maurice. Sou tão grande e forte.
Poderia afogar você no bebedouro,
meu pobre gato. Ah, seria tão fácil.
Não, não cuspa nem xingue. É falta
de educação. Mesmo para um gato.
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— M a u r i c e ! — g r i t o u o s r.
Basingstoke de fora da porta, a ca-
minho do táxi.
Maurice, por hábito, pulou na di-
reção da porta.
— Não adianta nada você ir —
disse a coisa que parecia um grande
reflexo de Maurice. — Quem ele está
chamando sou eu.
— Mas não concordei com você ser
eu.
— Isso é poesia, mesmo não sendo
gramática — disse a coisa que parecia
Maurice. — Ora, meu bom gato, não
vê que se você sou eu, tenho de ser
31
você? Do contrário, nós interferiría-
mos no tempo e no espaço, entorta-
ríamos a balança do poder e talvez até
destruíssemos o sistema solar. Ah,
sim, eu sou você, isso é bem certo, e
serei até alguém lhe dizer para dei-
xar de ser Lorde Hugh e voltar a ser
Maurice. E agora você precisa encon-
trar alguém para fazer isso.
(Maurice!, ribombou a voz do sr.
Basingstoke.)
— Vai ser fácil — disse Maurice.
— Você acha? — perguntou o ou-
tro.
— Mas ainda não vou tentar.
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Primeiro quero me divertir um pouco.
Vou pegar montes de ratos!
— Você acha? Esqueceu que está
sem os bigodes. Maurice os cortou.
Sem bigodes, como vai julgar a lar-
gura dos lugares que atravessa?
Cuidado para não ficar preso num
buraco de onde não vai conseguir
sair, seja por onde entrou, seja pelo
outro lado, meu bom gato.
— Não me chame de gato — disse
Maurice, sentindo sua cauda engros-
sar e se irritando.
— Você é um gato, sabe. E esse
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toque de mau humor que estou vendo
na sua cauda me lembra…
Maurice sentiu-se agarrado no
meio do corpo, abruptamente er-
guido e carregado depressa pelo ar.
A rapidez do movimento causou-lhe
vertigem. A luz passou tão depressa
por ele que bem poderia ser escuri-
dão. Não viu nada, não sentiu nada,
exceto um tipo de náusea, então de
repente não o estavam movendo.
Voltou a conseguir enxergar. E sen-
tir. Estavam-no segurando com uma
força de aço — um aço coberto por
tecido xadrez. Parecia a estampa,
34
muito exagerada, de suas cuecas
de escola. Era. Estava preso entre os
joelhos duros e implacáveis daquela
criatura que já fora Lorde Hugh e em
cujo rabo ele amarrara uma lata de
sardinha. Agora ele era Lorde Hugh,
e algo estava sendo amarrado a seu
rabo. Algo misterioso, terrível. Muito
bem, ele mostraria não temer nada
que pudesse ser atado a rabos. O cor-
dão friccionava contra seu pelo do
modo errado — era isso o que o inco-
modava, não o cordão em si; e quanto
ao que estava na extremidade do cor-
dão, como poderia importar para um
gato sensato? Maurice tinha bastante
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certeza de que era — e continuaria
sendo — um gato sensato.
O cordão, entretanto, e a posição
apertada e desconfortável entre aque-
les joelhos cobertos pela estampa xa-
drez — uma coisa ou outra começava
a lhe dar nos nervos.
— Maurice! — gritou o pai no an-
dar de baixo, e o menino-tornado-
-gato continuava confinado entre os
joelhos da criatura que vestia suas
roupas e sua aparência.
— Já vou, pai — a coisa respon-
deu alto e saiu correndo, deixando
Maurice na cama da empregada, sob
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a qual Lorde Hugh se refugiara, com
sua latinha, havia tão pouco e, simul-
taneamente, tanto tempo.
As escadas voltaram a ecoar com
o som das botas que Maurice nunca
julgara barulhentas; com frequência,
na verdade, perguntara-se como al-
guém podia lhes fazer objeção. Agora
já não se perguntava mais.
Ouviu a porta da frente bater.
Aquela coisa fora para a escola do dr.
Strongitharm. Isso oferecia algum
consolo. Lorde Hugh tornara-se um
menino; saberia como era ser um
menino. Ele, Maurice, era um gato, e
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tinha intenção de saborear comple-
tamente todos os prazeres felinos, do
leite aos ratos. Enquanto isso, estava
sem ratos ou leite e, apesar de desa-
costumado a um rabo, não conseguia
deixar de sentir que havia algo errado
com o seu. Havia uma sensação de
peso, de desconforto, de franco terror.
Caso se movesse, o que aquela coisa
atada a sua cauda faria? Tilintaria,
claro. Ah, mas ele não suportaria se
aquela coisa tilintasse. Bobagem; era
apenas uma lata de sardinha. Sim,
Maurice sabia disso. Mas ao mesmo
tempo — se de fato tilintasse! Moveu
a cauda dois centimetrozinhos.
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Nenhum som. Talvez na verdade não
houvesse nada atado a sua cauda.
Mas não daria para ter certeza a
menos que se movesse. Mas caso se
movesse, a coisa tilintaria, e se tilin-
tasse, Maurice tinha certeza de que
morreria ou enlouqueceria. Um gato
louco. Que coisa horrível para ser! No
entanto, não podia ficar sentado na-
quela cama para sempre, esperando,
esperando, esperando a coisa terrível
acontecer.
— Ah, céus — suspirou o gato
Maurice. — Antes eu não sabia o que
as pessoas queriam dizer com “medo”.
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Seu coração de gato batia pesada-
mente contra seu flanco peludo. Seus
membros começavam a dar cãibras
— precisava se mexer. Mexeu-se. E na
mesma hora a coisa horrível aconte-
ceu. A lata de sardinha tocou o pé de
ferro da cama. Tilintou.
— Ah, não aguento, não consigo —
gritou o pobre Maurice, num miado
comovente que ecoou pela casa in-
teira. Pulou da cama e atravessou a
porta e desceu as escadas numa ex-
plosão, e atrás de si veio a coisa mais
horrível do mundo. As pessoas po-
diam chamá-la de lata de sardinha,
40
mas ele sabia a verdade. Era a alma de
todo o medo que já existiu ou poderia
vir a existir. Tilintava.
Maurice, que era um gato, desceu
as escadas voando. Desceu, desceu
— o tilintar seguiu-o. Ah, horrível!
Desceu, desceu! No pé das escadas,
o horror, preso em algo — um corri-
mão, uma barra de segurar o tapete
nos degraus — parou. O cordão na
cauda de Maurice apertou mais, so-
frendo um puxão que o deteve com
um solavanco. Mas o barulho havia
parado também. Maurice ficou no pé
da escada, mal tendo sobrevivido.
41
Foi Mabel que desatou o cordão e
acalmou seu pânico com carinhos
e palavras afetuosas. Maurice sur-
preendeu-se ao descobrir que menina
boazinha sua irmã era.
— Nunca mais vou provocar você
— tentou dizer, baixinho, mas não foi
o que saiu, e sim um ronronado.
— Querido gatinho, coitadinho de
você — disse Mabel.
E escondeu a lata de sardinha e
não contou nada a ninguém. Isso
pareceu injusto a Maurice até ele se
lembrar de que, é claro, Mabel achava
que ele na verdade fosse Lorde Hugh
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e a pessoa responsável por atar o cor-
dão fosse seu irmão Maurice. Então
sentiu-se meio grato. Ela o levou num
colo macio e seguro para a cozinha e
pediu à cozinheira para lhe dar um
pouco de leite.
— Diga-me pa ra volta r a ser
Maurice — disse ele, bem desgastado
por suas experiências felinas. Mas
ninguém o escutou. O que ouviram
foi: — Miau, miau, miaaau.
Então Maurice percebeu como
fora enganado. Poderia voltar a ser
um menino assim que alguém lhe
dissesse: “deixe de ser um gato e vire
43
Maurice de novo”, mas sua língua não
tinha mais poder de pedir a ninguém
que o fizesse.
Não dormiu bem naquela noite.
Primeiro, não estava acostumado
a dormir no tapete da cozinha, e os
besouros eram muitos e cordiais de-
mais. Ficou feliz quando a cozinheira
desceu e o expulsou para o jardim,
onde a geada de outubro ainda jazia
branca nas hastes amareladas dos
girassóis e das chagas. Deu uma ca-
minhada, subiu numa árvore, falhou
em apanhar um pássaro e sentiu-se
melhor. Também começou a sentir
44
fome. Veio um cheiro delicioso, esca-
pando da porta dos fundos da cozi-
nha. Ah, que alegria, haveria arenque
no café da manhã! Maurice apres-
sou-se a entrar e tomou seu lugar na
cadeira de costume.
— Desce, gato — disse a mãe, e gen-
tilmente inclinou a cadeira de forma
a fazer com que Maurice caísse.
Então a família comeu os aren-
ques. Maurice ficou repetindo: “vo-
cês podiam me dar um pouco”, e foi
com tamanha frequência que o pai,
que obviamente só escutava miados,
disse:
45
— Pelo amor de Deus, tirem esse
gato daqui.
Maurice tomou o café da manhã
mais tarde, na lixeira. Cabeças de
arenque.
Mas se manteve de bom humor
com uma nova e esplêndida ideia.
Eles logo lhe dariam leite e iam ver.
Passou a tarde sentado no sofá da
sala de jantar, ouvindo a conversa
entre seus pais. Dizem que bisbilho-
teiros nunca escutam falarem bem
de si. Maurice ouviu tanto que ficou
surpreso e mais humilde. Ouviu o
pai dizer que era um mocinho bom
46
e corajoso, mas precisava de uma li-
ção severa, e o dr. Strongitharm era
o homem certo para dá-la. Ouviu a
mãe dizer coisas que fizeram seu co-
ração pulsar na garganta e lágrimas
arderem por trás de seus olhos verdes
de gato. Sempre julgara os pais um
pouco injustos. Agora eles lhe faziam
tanto mais do que a simples justiça,
que ele se sentiu minúsculo e mal-
vado dentro de sua pele de gato.
— Ele é um menino bom e afetuoso
— disse a mãe. — É só aquela agitação
toda. Você não acha que talvez tenha
sido um pouco duro com ele, querido?
47
— Foi para o bem dele — disse o
pai.
— Claro — disse a mãe. — Mas não
aguento pensar nele naquela escola
horrorosa.
— Bom… — o pai começava a
dizer, quando Jane entrou com os
apetrechos do chá numa bandeja ba-
rulhenta, cujo som fez todas as per-
nas de Maurice tremerem.
Os pais começaram a falar do
tempo. Maurice sentiu um grande
carinho por eles. O modo natural de
demonstrá-lo era pular no aparador
e, de lá, nos ombros do pai. Aterrissou
48
ali sobre as quatro patas acolchoadas,
leve como uma pluma, mas o pai não
ficou feliz.
— Esse gato chato! — exclamou. —
Jane, tire-o da sala.
Maurice foi posto para fora. Sua
grande ideia, que era ser levado para
tomar leite, certamente não acon-
teceria na sala de jantar. Procurou
na cozinha e, vendo a lata de leite no
parapeito da janela, pulou para lá,
parou ao lado e deu batidinhas nela,
conforme vira Lorde Hugh fazer.
— Meu Deus! — disse uma amiga
de Jane, que por acaso estava ali.
49
— Não é que esse gato é esperto? Uma
perfeita virtude, é o que digo.
— Dessa vez, não dá para se gabar
da inteligência dele — disse a cozi-
nheira. — O que posso dizer em favor
de Lorde Hugh é que não costuma
ficar tão encantado com uma lata
vazia.
Isso, naturalmente, foi humi-
lhante para Maurice, mas fingiu não
escutar e pulou da janela para a mesa
de chá, dando batidinhas no jarro de
leite.
— Venha — disse a cozinheira. —
Agora sim.
50
E serviu-lhe um pires cheio, pou-
sando-o no chão.
Era a oportunidade que Maurice
vinha esperando. Agora podia levar
sua ideia a cabo. Estava com muita
sede, pois não ingerira nada desde
o desjejum delicioso na lixeira. Mas,
naquele momento, não teria bebido
o leite por nada no mundo. Não. Com
cuidado, mergulhou a pata direita,
pois planejava escrever letras com ela
no oleado da cozinha. Queria escre-
ver: “por favor, diga para eu deixar de
ser um gato e virar Maurice de novo”,
porém descobriu que sua pata dava
51
uma caneta muito desajeitada, e teve
de esfregar o primeiro “p” até apagá-
-lo, pois parecia acidental. Então ten-
tou de novo e, de fato, saiu um “p” que
qualquer pessoa de mente razoável
leria com facilidade.
— Queria que elas notassem —
disse e, antes de conseguir escrever
o “l”, elas notaram.
— Droga de gato — disse a cozi-
nheira. — Olhe como está sujando o
chão.
E tirou-lhe o leite.
Maurice deixou o orgulho de lado
52
e miou para que ela o devolvesse. Mas
não deu certo.
Muito desgastado, com muita sede
e muito cansado de ser Lorde Hugh,
dirigiu-se até a sala de aula, onde
Mabel fazia suas lições com paciente
dedicação. Ela o pegou no colo e ficou
acariciando-o enquanto aprendia um
verbo em francês. Maurice sentiu es-
tar criando grande afeição pela irmã.
As pessoas tinham razão em serem
gentis com animais mudos.
Mabel teve de parar com o ca-
rinho para desenhar um mapa. E,
depois disso, ela o beijou e o pôs no
53
chão e saiu do cômodo. Durante todo
o tempo em que ela se dedicara ao
mapa, Maurice não pensara em outra
coisa: tinta!
No instante em que a porta se fe-
chou atrás da irmã — como eram
sensatas as pessoas que fechavam a
porta com cuidado —, ele ficou em
pé na cadeira dela com uma pata no
mapa e a outra na tinta. Infelizmente,
a boca do tinteiro servia para mergu-
lhar canetas, não patas. Mas Maurice
estava desesperado. Derrubou a tinta
deliberadamente — a maior parte
rolou pela toalha de mesa e caiu no
54
tapete fazendo um barulho repeti-
tivo, mas, com o que restou, ele escre-
veu com clareza por cima do mapa:

Por favor, diga a Lorde Hugh


para deixar de ser
um gato e virar Mau
rice de novo.

— Pronto — disse ele. — Não dá


para se enganar em relação a isso.
Não se enganaram. Mas erraram
quanto a quem o fizera, e Mabel foi
privada de geleia no pão da ceia.
55
Sua certeza de que algum menino
travesso devia ter entrado pela ja-
nela e feito aquilo não convencera
ninguém e, de fato, a janela estivera
fechada a trinco.
Maurice, louco de indignação, não
ajudou em nada ao aproveitar a opor-
tunidade de alguns minutos a sós
para escrever:

Não foi a Mabel


foi Maurice
quer dizer Lorde Hugh

56
Pois, quando viram aquilo, man-
daram Mabel direto para a cama.
— Não é justo! — gritou Maurice.
— Minha querida — disse o pai —,
se esse gato continuar miando tanto
assim você vai ter de se livrar dele.
Maurice não disse mais nenhuma
palavra. Já era ruim o bastante ser
um gato, mas um de quem fossem
“se livrar”! Sabia como as pessoas se
livravam de gatos. Num silêncio ma-
goado, ele deixou o cômodo e esguei-
rou-se degraus acima — não ousou
miar outra vez, nem mesmo na porta
do quarto de Mabel. No entanto,
57
quando Jane entrou para apagar a
luz, Maurice seguiu-a na surdina e,
no escuro, tentou com miados aba-
fados e ronronados explicar para
Mabel o quanto sentia muito. A irmã
o acariciou e ele foi dormir, o último
pensamento desperto sendo sobre a
cegueira que um dia o fizera chamá-
-la de criancinha tonta.
Se você já tiver sido um gato, vai
entender alguma coisa acerca do
que Maurice enfrentou durante os
terríveis dias que se seguiram. Se
não, nunca serei capaz de transmitir
completamente a sensação. Houve a
58
história da bandeja do peixeiro equi-
librada no muro perto da porta dos
fundos — o delicioso badejo enro-
lado; Maurice sabia tão bem quanto
você que não se deve roubar peixe
das bandejas dos outros, mas o gato
que ele virara, não. Enfrentou certo
conflito interno — e Maurice perdeu
para a natureza felina. Mais tarde,
apanhou da cozinheira.
Houve ainda aquele incidente
muito doloroso com o cachorro do
açougueiro, a fuga pelo jardim, a se-
gurança da ameixeira, encontrada no
último minuto.
59
E, o pior de tudo, o desespero to-
mou conta, pois percebeu que nada
a seu alcance faria alguém dizer
aquelas simples palavras que o li-
bertariam. Havia nutrido esperan-
ças de que finalmente poderia levar
Mabel a compreender, mas a tinta
falhara com ele; a irmã não entendia
seus miados atenuados e, quando
ele conseguiu as letras de papelão e
construiu a mesma frase com elas,
ela pensou apenas ser obra daquele
menino travesso que atravessava
janelas trancadas. De algum modo,
ele não conseguia soletrar diante de
ninguém — seus nervos não eram
60
mais o que haviam sido. Seu cérebro
já não lhe dava novas ideias. Sentia
estar de fato se tornando um gato
em sua mente. Seu interesse nas re-
feições crescia, além até do que fora
quando eram as destinadas a um ga-
roto em idade escolar. Caçava ratos
com entusiasmo crescente, embora a
perda de seus bigodes para medir os
lugares estreitos houvesse tornado a
caça difícil.
Tornou-se especialista em per-
seguir pássaros e frequentemente
chegava bem perto de um antes de
este último voar para longe, rindo
61
dele. Mas por todo o tempo, em seu
coração, estava muito, muito infeliz.
E assim a semana passou.
Maurice, em sua forma de gato,
temia cada vez mais a hora em que
Lorde Hugh em forma de menino vol-
taria da escola do dr. Strongitharm.
Sabia — melhor do que ninguém —
exatamente o tipo de coisas que me-
ninos faziam com gatos, e tremia até
as pontas de sua bela cauda de mes-
tiço de persa.
Quando o menino chegou em casa,
ao primeiro som de suas botas no sa-
guão, Maurice no corpo de gato fugiu
62
com pressa silenciosa para esconder-
-se na sapateira. Ali, dez minutos de-
pois, o menino que voltara da escola
do dr. Strongitharm o encontrou.

Maurice eriçou os pelos da cauda e


desembainhou as garras. O que quer
que o menino pretendesse fazer-lhe,
Maurice tinha intenção de resistir, e
sua resistência machucaria o garoto o
máximo possível. Sinto em dizer que
Maurice praguejou baixo em meio às
botas, mas xingamento de gato não é
errado de verdade.

— Saia daí, seu idiota velho — disse


63
Lorde Hugh em forma de menino. —
Não vou machucar você.
— Vou garantir que não — disse
Maurice, recuando para um canto,
cheio de unhas e dentes.
— Ah, que dias cheios eu tive! —
disse Lorde Hugh. — Não adianta,
sabe, amigão; consigo ver onde você
está pelos seus olhos verdes. Juro, eles
brilham mesmo. Bateram em mim
com a vara, e me trancaram numa
sala escura e me deram milhares de
frases para escrever.
— Bateram em mim também, se
64
você quer falar disso — miou Maurice.
— E teve o cachorro do açougueiro.
— Bom, suponho que isso signifi-
que pax para o futuro — disse Lorde
Hugh. — Se você não quer sair daí,
azar o seu. Por favor, deixe de ser um
gato e vire Maurice de novo.
E, no mesmo instante, Maurice,
em meio a uma pilha de galochas e
velhos bastões de raquetes de tênis,
sentiu, com um coração cheio, que
não era mais um gato. Nada daquelas
indignas quatro patas, daquelas ente-
diantes orelhas pontudas, tão difíceis
de lavar, daquela pelagem, daquela
65
cauda desprezível e daquela terrível
incapacidade de expressar todos os
sentimentos com apenas dois sons:
miado e ronronado.

Ele saiu com dificuldade da sapa-


teira, e as botas e galochas caíram
dele como os respingos de um ba-
nhista. Ergueu-se, ereto, nas mesmas
cuecas xadrez que foram tão terríveis
cobrindo os joelhos que o haviam se-
gurado com força enquanto coisas
eram amarradas a sua cauda. Ficou
cara a cara com outro garoto, exata-
mente igual a ele.
66
— Você não se transformou, então.
Mas não podem existir dois Maurices.
— Não vão, não se eu souber —
disse o outro menino. — A vida de um
garoto é igual a de um cão. Rápido,
antes que alguém apareça.
— Rápido o quê? — perguntou
Maurice.
— Ora, diga-me para deixar de ser
um menino e virar Lorde Hugh Cecil
de novo.
Maurice disse-lhe de uma vez.
E assim o menino desapareceu, e
Lorde Hugh voltou à forma origi-
nal, ronronando educadamente,
67
embora observando os movimentos
de Maurice com cautela.
— Ah, você não precisa ter medo,
amigão. É pax mesmo — Maurice
murmurou na orelha de Lorde Hugh.
O gato, arqueando as costas sob o
carinho de Maurice, respondeu com
um ronronado miado que valia mais
do que mil palavras.
— Ah, Maurice, aqui está você. É
bem legal da sua parte ser gentil com
Lorde Hugh, quando foi por causa
dele que você…
— Ele é um amigão bonzinho —
disse Maurice, casualmente. — E você
68
não é uma meninona de todo má.
Viu?
Mabel quase chorou de alegria
diante daquele elogio magnífico, e o
próprio Lorde Hugh assumiu um ar
mais feliz e confiante.
Por favor, descarte qualquer temor
que você possa ter alimentado de que
depois disso Maurice tenha se tor-
nado um modelo de menino. Não foi
o caso. Mas ficou muito mais gentil
do que antes. A conversa que ouvira
quando era um gato o deixou mais
paciente com o pai e a mãe. E ele é
quase sempre gentil com Mabel, pois
69
não consegue se esquecer de como ela
agiu enquanto ele vestia a forma de
Lorde Hugh. Seu pai atribuiu toda a
melhora do caráter do filho àquela se-
mana na escola do dr. Strongitharm
—, que, como você sabe, Maurice não
frequentou. A personalidade de Lorde
Hugh não mudou. Gatos aprendem
devagar e com mais dificuldade.
Apenas Maurice e Lorde Hugh
sabem a verdade — Maurice nunca
contou a ninguém além de mim, e
Lorde Hugh é um gato muito reser-
vado. Nunca, em nenhuma ocasião,
deu vazão àquele miado contínuo
70
que caracterizou e pôs em risco a ga-
tice de Maurice.

TH E E N D

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A Gatice de Maurice

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E X TR A: BIOGR AFIA

Edith Nesbit
Quando sua caneta tocou o papel
pela primeira vez, Edith Nesbit es-
crevia para adultos, mas foram suas
73
histórias para o público jovem que a
imortalizaram. Edith Nesbit é consi-
derada a primeira escritora moderna
de livros infanto-juvenis e a criadora
do gênero de aventura dentro das
histórias voltadas para o público jo-
vem. Influenciou gerações de outros
escritores, incluindo C.S. Lewis, que
tiraram de suas obras alguns ele-
mentos das histórias mais famosas
que conhecemos.
Nascida em 15 de agosto de 1858,
em Kennington, na Inglaterra, Nesbit
buscou na literatura um escape para
seus ideais e sentimentos. Por não
74
poder criar raízes nos lugares por
onde passou, não teve uma educação
formal e tradicional por um período
constante. Com uma infância divi-
dida entre a Alemanha e a Inglaterra,
a leitura foi parte fundamental de
seu aprendizado.
Edith Nesbit começou sua car-
reira literária cedo. Com apenas 16
anos teve seu primeiro poema publi-
cado, um prelúdio para uma vida de-
dicada à escrita. Suas primeiras obras
não eram destinadas ao público jo-
vem, pelo contrário, algumas eram
histórias de horror ou romances que
75
tratavam dos primórdios do movi-
mento socialista.
Seu interesse pelas causas sociais
a tornou uma das fundadoras da as-
sociação Fellowship of New Life, que
viria a se tornar a Sociedade Fabiana
atual, uma associação política de cen-
tro-esquerda. Apesar de não apoiar
o movimento sufragista, Edith não
permitia ser colocada na posição que
a sociedade vitoriana considerava
adequada para uma mulher.
Recém-saída da adolescência e
grávida de sete meses, em 1879, ca-
sou-se com Hubert Bland, ativista
76
político e escritor. Um escândalo na
sociedade vitoriana, o casal seria no-
tório por não se encaixar no puritano
padrão da época, vivendo um casa-
mento pouco tradicional, com filhos
bastardos por parte de Bland e tendo
uma das amantes dele morando com
o casal.
Nesbit fez de sua própria história
um deleite para quem buscasse co-
nhecê-la. Suas palavras não seriam
tão impactantes e assertivas caso
não tivesse despejado ali sua própria
experiência. Mãe de quatro filhos, a
quem dedicou grande parte de suas
77
poesias, viveu com sua família em
uma casa antiga, nos arredores de
Londres. As paisagens bucólicas e
castelos majestosos de Kent, onde
vivia, serviram de inspiração para
algumas de suas mais famosas his-
tórias.

Nos últimos anos do século XIX, a


autora se tornou um fenômeno e pro-
duziu mais de 60 livros infanto-juve-
nis sob o nome de E. Nesbit. Algumas
publicações inéditas saíram nas pá-
ginas da The Strand Magazine, como
a série “The Seven Dragons”, de 1899,
78
resgatada e publicada pela Editora
Wish em O Livro dos Dragões.
A Noite dos Vultos é uma cole-
tânea de contos macabros organi-
zada e publicada com exclusividade
também pela Editora Wish, como
parte do trio Mulheres do Suspense,
que também contou com livros de
L. M. Montgomery e Mary Elizabeth
Braddon.
Com uma linguagem acessível
e sensível, Nesbit fala sobre senti-
mentos universais por meio de mun-
dos fantásticos e criaturas mágicas,
como os dragões deste livro. Nesbit
79
consegue, com maestria, mergulhar
na psicologia da infância e das crian-
ças, ao tratar de mundos e fantasias
atraentes o suficiente para servir de
escape, mas críveis o bastante para
instigar leitores por gerações.
Edith Nesbit morreu em 4 de maio
de 1924, mas deixou seu legado na
Literatura, e sua memória continua
viva, seja pelas palavras que escre-
veu, escritores que inspira ou encan-
tadoras criaturas que ganham vida
nas páginas que você acompanhou.
Na Sociedade das Rel íqu ias
L iterá r ias fez sua est reia com
80
Melisande, publicado originalmente
em 1901, parte de uma coletânea de
contos de fadas escritos por Edith
Nesbit. Agora, Nesbit retorna com A
Gatice de Maurice, publicado origi-
nalmente em 1907 e que chega com
exclusividade para a SRL.

81
Profissionais
que trabalharam
neste conto

Carol Chiovatto
TR A DUÇÃO

Tradutora, escritora e acadêmica. Mestra


e doutoranda em Estudos Linguísticos e
Literários em Inglês (USP)
@carolchiovatto

82
Karine Ribeiro
PRE PA R AÇÃO

Escritora premiada,
tradutora e revisora,
graduanda em Tradução
pela UFMG. @karineescreve

Camilla Mayeda
RE V ISÃO

Revisora, redatora e
empreendedora. Sempre
em busca do sentido da
vida e das palavras.

83
Giovanna
Vasconcelos
ILUSTR AÇÃO

Ilustradora e Tatuadora.
Apaixonada por toda
forma de arte.
@giro.ink

Marina Avila
PROJE TO G R Á FICO

Produtora editorial e
fundadora da Wish. Mãe
de gatos e de livros.
@casatipografica
e @marinalivros
Valquíria Vlad
COMUNICAÇÃO E
COMUNIDA DE

Escritora, pesquisadora
e publicitária formada
pela Universidade
Federal do Ceará (UFC).
@valquiriavlad

Laura Brand
ME DIAÇÃO E
PA R ATE X TOS

Editora, coordenadora
editorial, jornalista e
criadora de conteúdo.
Formada pela PUC-MG
e Columbia Journalism
School. @nostalgiacinza
85
Muito obrigada
por apoiar este
financiamento
coletivo!
Neste mês foi possível viabilizar a curado-
ria, tradução, revisão e ilustração do conto
The Cat-Hood of Maurice! A cada mês de
assinatura, a Wish continuará resgatando
os tesouros do passado em novas edições
para os caçadores das Relíquias Literárias.

Vamos resgatar estes contos raros juntos?

Relíquia 034/Jan 2023

86
N O P R ÓX I M O M Ê S

Uma história ao
estilo Coraline
Para os fãs de suspense e
da autora Lucy Clifford, um
conto que pode ter servido de
inspiração para Coraline, de Neil
Gaiman.

87

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