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e-ISBN 978-65-5609-144-0
Título original: Unbirthday
Querida Alice,
Por favor, nem se dê ao trabalho de inventar uma desculpa em
que, de qualquer forma, nós nunca acreditaríamos.
Venha ou sua irmã jamais nos dará sossego.
Com amor, sua mãe.
ALIC E OUVIA O FLIP flip flip das cartas que a perseguiam. Como
desejou ser enorme, para poder virar-se e apanhá-los e enfiá-los no
bolso como as criaturinhas malcriadas que eram.
Se morresse no País das Maravilhas, morreria na vida real?
Ela afastou pessoas e criaturas (e pessoas-criaturas) do caminho,
e disparou para o portão levadiço do outro lado. Teve uma breve
visão, à sua direita, do Valete da Contabilidade, que aparentava
estar surpreso, mas mal registrou a cena. O País das Maravilhas
tinha se alterado um pouco, como de hábito, enquanto ela esteve na
arena, embora isso não alterasse o plano de fuga de Alice pelo
simples fato de que ela não tinha um. Lançou-se para a direita e
permaneceu próximo à muralha, com a remota esperança de que os
soldados deduziriam que ela teria corrido para a planície além do
castelo, de volta ao laranjal.
A muralha que cercava a arena se dividiu em duas, que então se
uniram em uma série de paredes menores e espessas em ângulos
esquisitos. Por sua vez, essas paredes foram substituídas por buxos
e topiaria. Alice entendeu de súbito: agora estava no labirinto
horrendo que quase a prendera para sempre na sua última visita ao
País das Maravilhas!
Era ainda mais ameaçador agora, todo pintado de vermelho.
Grandes pedaços densos e gotejantes de tinta amontoavam-se em
cima de folhas encaracoladas e moribundas.
Alice arriscou um olhar rápido para trás.
Os soldados não foram enganados. Eles se aproximaram, pernas
marchando perfeitamente e braços levantados de forma idêntica,
lanças curtas a postos. Onde estavam as cartas bobas de antes?
Os bufões estabanados que pintavam rosas muito mal e serviam de
aros de croquet? E o mais assustador não era a compleição física
exótica ou a bizarrice geral de objetos inanimados atacarem
conscientemente, mas a sincronia perfeita com que o faziam.
Mas eles não tinham um comandante ou servo que não fosse
carta. A Rainha ainda estava ausente, o que, para a surpresa de
Alice, trazia-lhe certo alívio. Tudo parecia mais sobrevivível e menos
confuso sem os ininterruptos gritos de ameaças de morte.
— Você ganhou — Alice rugiu para o labirinto. Poderia resultar em
problemas depois, mas naquele momento seu único objetivo era
despistar os perseguidores.
Escolheu um caminho aleatório: esquerda, direita, direita,
esquerda e depois uma pequena subida. A tinta se acumulava no
chão debaixo dos arbustos em linhas grossas e pegajosas, uma
lambança horrorosa de poeira e lama vermelha. Seu cabelo estava
completamente desfeito agora e, quando resvalou em uma parede
ao dobrar uma esquina, sujou as madeixas, que ficaram pesadas e
grudentas.
Sons ecoavam estranhamente por entre os altos bastiões de
árvores e arbustos vermelhos e, como da última vez, não era claro
se o céu acima era o mesmo do lado externo do labirinto ou era só
um teto muito alto. O barulho das cartas atrás de si foi sumindo e
Alice começou a se sentir mais segura: tão segura quanto um rato
fugindo de um gato dentro de um labirinto. Saindo da frigideira para
cair no laboratório.
Diminuiu o ritmo, e seus passos soavam alto. A solidão aumentou
exponencialmente em função do tempo que a afastava da entrada
do labirinto.
Engoliu um soluço incipiente e quase se engasgou com a poeira e
com a própria garganta ressecada. Os ouvidos zumbiam com as
batidas do coração. O fôlego vinha em arquejos curtos.
— Quando voltar à Inglaterra, realmente preciso adotar uma rotina
de exercícios e ginástica — Alice disse a si mesma, focando no fato
de estar fora de forma, não em estar sozinha e assustada. — Nunca
se sabe quando será necessário fugir de um exército de cartas de
baralho. Ou de cães bravos.
Ela seguiu por um caminho aleatório, pois que diferença fazia?
Passou por um cruzamento. Ao final de um dos caminhos, havia
uma figura: um sujeito esquisito, humano, na maior parte, usando
uma vestimenta em formato de sino, em vermelho vivo, que ia até o
chão e um chapéu combinando, no formato de sino invertido. Os
pontos da costura eram largos e obviamente apressados. Alice
estava muito segura de ter visto um ou dois pregos tortos usados no
lugar de alfinetes para unir a peça.
— Abençoada seja, criança — o homem esquisito a saudou,
fazendo um gesto com a mão.
— Perdão? — Alice perguntou educadamente.
— Somos todos peões torcendo para chegar ao fim do jogo.
— Peão? Você parece mais um bispo — Alice disse,
enfaticamente, olhando para o chapéu dele.
— Somos todos peões — o homem repetiu, também com ênfase.
— Chegamos ao fim do jogo iguais e sem medo. Na verdade, com
muito medo. Salve a Rainha de Copas!
— Que jogo? — Alice indagou, avançando na direção dele. —
Não é de cartas? Seria xadrez? Ou vagamos por domínios
completamente diferentes agora, como pachisi ou quoits? Isso tem
algo a ver com as execuções?
— Que Ela seja a última a prevalecer! — O peão olhou em volta
nervoso. — Diga — instou-a em um sussurro desesperado.
— Por quê? — Alice também sussurrou.
— Eles escutam em todos os lugares, você sabe disso. diga!
— Não quero que ela seja a última a prevalecer. Eu não desejo
nada para ela, muito menos que prevaleça. Ela parece ter ficado
completamente fora de controle desde minha última vez aqui. O
País das Maravilhas parece ter sido destruído por um ciclone terrível
ou por algum ato de Deus. Agora repito: que jogo, que final, qual é a
razão e por que o comportamento assassino dela de repente se
tornou tão… rigoroso e sistemático? E por que todos estão adulando
os caprichos dela? Ela é ridícula. Unidos, vocês não precisariam ter
medo.
O homem viu algo além de Alice, por cima de seu ombro, e
empalideceu de desespero:
— Veja! Eles ouviram. Lá vêm eles!
Alice olhou para trás. Não havia ninguém.
Quando se virou novamente, o homem havia sumido.
— Pessoas vem e vão dos jeitos mais curiosos por aqui —
suspirou.
— Você não respondeu. É a favor da Rainha de Copas? — sibilou
uma voz de dentro da parede, próximo à cabeça de Alice.
Ela espiou entre os galhos avermelhados, espinhosos e
ressecados. Lá dentro rastejava uma pequena serpente, verde-
clara, com grandes olhos pretos. Parecia adorável e bastante
inofensiva, mas Alice havia lido vários contos educativos a respeito
de cobras da África cujo veneno era tão forte que mataria um
homem em dez passos depois da picada.
Além disso, havia a Bíblia e tudo mais.
— Não posso ser a favor de algo ou alguém a não ser que eu
conheça toda a situação — Alice disse educadamente. — Mas diria
que provavelmente não sou. Foi por sua causa que o pobre homem
desapareceu? É você quem está escutando pela Rainha de Copas?
— Por que uma menina boba precisa conhecer toda a situação?
E, de qualquer forma, eu trabalho para o Coelho Branco, não para a
Rainha de Copas. É uma pergunta simples: você é a favor ou contra
ela? — A cobra empurrou um graveto para poder ver melhor Alice: a
moça estava quase certa de que antes ele não tinha os apêndices
frontais pálidos e quase translúcidos.
— Ah, pare com essa falação — Alice disse, irritada. — Uma
serpente em um jardim murado, francamente. Muito sutil. Duvido
que o diabo seria tão grosseiro.
— Registrarei sua relutância e obstinação em responder
prontamente! — a coisinha chiou.
— Faça isso. Por favor. Eu insisto — Alice rebateu, soltando o
galho para a posição original. O grito da víbora ao voar foi
diminuindo conforme ela caía nas profundezas do arbusto.
Alice respirou fundo e seguiu em frente.
— Agora, como sair daqui e ajudar meus amigos?
Enquanto vagava por um caminho estreito, pensou em como
aquilo era estranho: o termo amigos. Nenhuma das três criaturas
que ela ajudou a salvar era, exatamente, amiga dela, nem sequer a
tratavam bem. Ainda assim, pensava neles como tal: velhos e
queridos amigos de quem sentia falta, que não via há anos e com
quem estava ansiosa para se reunir. O que era estranho, pois, até
as fotografias, havia se esquecido da maioria deles. Estava claro
que, fossem quais fossem os termos em que seu relacionamento
tinha acabado antes — Alice pisando duro ao deixar um chá maluco
para o qual não tinha sido convidada —, o Chapeleiro, ao menos,
pensava nela da mesma forma: com esperança e nostalgia. Vira
isso nos olhos dele.
Graças aos céus, eles tinham conseguido fugir, apesar de seu
fracasso em organizar um resgate. Era inquietante o fato de
biscoitos e chá do País das Maravilhas não terem qualquer efeito
sobre ela. Da última vez em que esteve ali, não podia comer ou
beber nada sem que algo acontecesse. Cogumelos, elixires, bolos…
Mesmo luvas perfumadas haviam alterado dramaticamente seu
físico.
Seria a Rainha de Copas também responsável por essas
mudanças? Ela parecia ter dominado, literalmente, a maior parte do
País das Maravilhas. Teria agora influência sobre suas regras e
seus efeitos?
Quantas coisas terríveis devem ter acontecido enquanto estive
fora, pensou, com tristeza.
É claro que os habitantes do País das Maravilhas temiam a
Rainha de Copas antes, mas não insanamente como o Homem Sino
Vermelho ou as multidões abatidas que iam obrigadas assistir às
execuções de seus companheiros de mundo da fantasia. E o que
era aquela história sobre ser a última a prevalecer?
Alice explorou o labirinto timidamente, sem um objetivo em mente
além de evitar os soldados e tentar encontrar o Chapeleiro e a
explicação de tudo.
— Mas você nunca deveria ter partido.
Alice olhou ao redor: não havia nada ali.
Esperou impaciente.
Cruzou os braços e bateu repetidamente o pé no chão.
Por fim, uma boca cheia de dentes surgiu, mas seu sorriso não
era o mesmo sorriso largo e prateado de outrora, era irônico. Um
par de olhos por fim surgiu acima, mais resignados do que malucos.
— Mestre Gato! Já era hora. O que você quer dizer com “eu
nunca deveria ter partido”?
— Você estava dizendo, quer dizer, você estava pensando… — O
restante do gato surgiu no ar, torcendo-se languidamente como se
estivesse rolando em cima de um sofá macio e estofado. — Eu
estou meio confuso. É um problema com a minha hipergatividade.
Na sua cabeça um instante atrás, não em voz alta, agorinha mesmo.
Mas é tão verdadeiro como nunca. Vocês jamais deveriam ter
partido, vocês duas.
Alice precisou resistir à vontade de estender a mão para acariciar
o pescoço do gato, como Dinah teria gostado. Não se deve tocar
criaturas sencientes sem a expressa permissão delas, pelo menos
não no primeiro encontro. Ela se perguntou se haveria algum livro
infantil no País das Maravilhas, cheio de regras úteis de etiqueta e
de comportamentos adequados para bons meninos e boas meninas
ali.
— Mas o que você quer dizer, que eu nunca deveria ter partido?
— ela perguntou. — Não quis partir, apesar de temer pela minha
vida: a Rainha queria me matar. Eu simplesmente, sabe, meio que
acordei.
— Sim, mas acordou cedo demais. Você não compreendeu até o
fim, porque Mary Ann ainda não tinha dado fim.
— Mary Ann… A Mary Ann do Coelho Branco? Então era ela
quem estava com o cartaz de desaniversário. Ela… me chamou
aqui!
— Uma igual chamando outra igual — o gato disse, agora
entediado. — Uma ou outra. Você salva, ela salva, ele, ela, isso
salva, nós todos salvamos. Em latim, é pipsquo.
— Não é bem assim. Mas… — Suas lembranças do País das
Maravilhas eram caóticas: uma rainha cabeçuda gritando matanças
sangrentas e cortem-lhe a cabeça, soldados e todo mundo correndo
em todas as direções, Alice desejando gritar e chorar. — Mas… por
que esperar por mim então?
— Por que não você? Você não é daqui, mas está aqui. Você é
Alice de outra terra: Inglaterra. Não tão boa quanto Mary Ann, mas
você tentou. Mostrou-se à altura. Literalmente.
— Mas não posso me mostrar à altura agora — Alice protestou.
— Não posso crescer como pão. Eu comi os biscoitos “coma-me” e
tomei as bebidas, e nada aconteceu.
— Bem, claro. — O gato rodopiou de novo, mas só o corpo
listrado de rosa e roxo: ele girava ao redor enquanto a cabeça e os
olhos permaneciam fixos nela. — Você parou de crescer e encolher
agora. Atingiu seu ponto alto. Não pode ser mais alta do que o mais
alto possível, ó, minha Alice.
— Isso é uma assonância — Alice sinalizou com presunção. —
Claro, vou ajudar você e Mary Ann se eu puder. Mas o que
precisamente está acontecendo aqui? Qual jogo a Rainha de Copas
está jogando?
As palavras, uma a uma, rolaram pela língua de Alice como se
tivessem esperado durante toda sua vida pelo diálogo apropriado
com outra pessoa para poderem brincar. Parecia um jogo, um jogo
de gente crescida que ela não jogava há anos. A sensação era boa.
O gato a observava com uma sobrancelha erguida.
— Ela tem mãos, mas não pode agarrar. Ela tem dentes, mas não
pode morder. Ela tem pés, mas são frios de rachar. Ela tem olhos,
mas não pode entrever — ele recitou.
Ele desceu para o chão, os pés primeiro, claro, e olhou para ela
de forma inescrutável. Como um gato normal.
— Ah, você não ajuda — Alice disse, irritada. — Com toda a
recriminação e as charadas.
— Você que não ajuda. Certamente não é Mary Ann. Ela é a
verdadeira heroína. Se quer meu conselho… Desvende minha
charada e encontre-a. A heroína.
Parecia que falar tão diretamente causava dor física ao Mestre
Gato. Ele ficou verde, bufou e tossiu até cuspir uma bola de pelos,
abriu os olhos que estavam cor-de-rosa brilhantes e saiu correndo
para os arbustos.
— Justo. — Apesar de sentir uma pontinha de ciúme dessa garota
superior, Alice precisava se concentrar no fato de que,
independentemente do tipo de heroína que fosse, Mary Ann estava
em apuros. E precisava de ajuda. Todo o País das Maravilhas
precisava. — Mas como eu faço isso?
— Pergunte por aí… — o gato disse, voltando a flutuar. Ele
bocejou e apoiou a cabeça nas patas. — Mantenha os ouvidos no
Conta-pabeça, se quiser.
— Conta-pabeça? — Alice perguntou. — O quê? Onde? Por quê?
Ah… Ele se foi.
O sorriso permaneceu, inanimado, no ar.
— Claro — Alice suspirou. — A propósito, a resposta é boneca —
ela acrescentou, mostrando a língua para o sorriso flutuante. —
Essa é velha. Você está dizendo que a Rainha de Copas é uma
boneca? Ou que Mary Ann é?
Então um grito distante chamou sua atenção.
Lá em cima, no céu resplandecente, uma mancha transformou-se
em um grande pássaro desajeitado e seu cavaleiro com um grande
chapéu. Eles balançavam e agitavam-se conforme avançavam.
Alguém do castelo deve ter, por fim, encontrado uma arma antiaérea
apropriada e estava disparando virotes gigantes contra eles. Alice
se encolheu, mas a artilharia pesada, feita de queijo laranja escuro,
ficava muito aquém de seu alvo.
— Chapeleiro! Arganaz! Dodô! Estou indo! — ela exclamou e
partiu em disparada atrás deles.
Capítulo 8
ALICE TENTOU FICAR DE olho no trio que voava acima dela, mas
logo o perdeu de vista atrás das paredes altas do labirinto. Agora,
prestou pouca atenção às voltas e reviravoltas, entrando e saindo
dos becos ao acaso, sem se importar em memorizar as mudanças
de direção que fazia como resultado disso. Criaturas rastejavam
atrás de si e moviam-se com leves ruídos à sua frente, mas não
prestou atenção nelas. Tudo com que realmente se importou foi o
comprimento e a largura de suas saias, que a impediam de acelerar,
e, vez ou outra, percebia placas tortas que apontavam para lugar
nenhum.
Em dado momento, o labirinto, felizmente, desapareceu.
Os lados do labirinto foram substituídos por arbustos espessos e
selvagens que imitavam precariamente o buxo. Um pássaro-óculos,
empoleirado com seus dedos gigantes em volta de um galho baixo,
trocava de peso de um pé para outro, como se estivesse vigiando,
ou talvez apenas observando, a entrada imaginária para o labirinto.
— Com licença, mas você viu o Chapeleiro Maluco? — Alice
perguntou educadamente.
O pássaro-coisa olhou para a moça inescrutavelmente, nem um
pingo de gentileza, interesse ou curiosidade em seus olhos
estranhos. E isso era o mais estranho de tudo. Na última vez em
que estivera ali, Alice foi gentilmente abordada por todos os tipos de
criaturas estranhas e inofensivas, uma fauna curiosa que queria
brincar com ela ou fugir dela, ou talvez espreitá-la
ameaçadoramente, para mantê-la longe de seu território. Mas eles
nunca tinham exibido esse desinteresse frígido.
— Eu me pergunto se estou entrando de novo no bosque de
Tulgey Wood — Alice disse com casualidade forçada, afastando-se
do pássaro e sentindo-se estranhamente envergonhada, como se
ela fosse a causa de alguma gafe no País das Maravilhas.
(Tulgey Wood! Lembrava tão claramente o nome e o local. Mas se
alguém lhe perguntasse em que rua morava no mundo real, ela teria
dito: “Baxterflashenhall!”. E depois: “Não, isso não está certo de jeito
nenhum…”)
E parecia mesmo a floresta de sua última visita: as árvores tinham
troncos grossos com galhos de contos de fadas, e a escuridão se
ampliava sob suas folhas como uma entidade viva que respirava.
Um musgo verde fantasmagórico brilhava e se espalhava ao redor
das raízes. Pequenas flores, sem olhos, sem boca, floresciam em
formato de estrela no chão da floresta. Luzes estranhas e pálidas
piscavam, ligando e desligando, a distâncias imprevisíveis. Tudo
parecia muito familiar.
Contudo…
Antigamente havia sinais em todos os lugares expondo o absurdo:
POR AQUI, ou POR ALI, ou POR LÁ, vários deles pregados a uma
árvore, esculpidos de qualquer jeito em formas pontiagudas. Os
sinais ainda estavam lá, mas, no lugar das palavras amigáveis e
inúteis, estavam corações ensanguentados pintados de forma
desleixada. Gotas de vermelho, grossas e feias, escorriam feito
lágrimas.
— Todos os caminhos levam à Rainha — Alice repetiu para si
mesma com um estremecimento.
Adentrou a floresta.
E imediatamente notou como tudo estava silencioso; bipes, pios,
riachos borbulhantes e os patos de buzina estavam em silêncio.
Claro que não havia nenhuma trilha e ela só tinha uma remota ideia
da direção que seus amigos haviam seguido. Era como perseguir o
Coelho Branco mais uma vez.
— E onde está o Coelho Branco, afinal? — Alice refletiu. Ele não
estava nas execuções. Normalmente, ele está bem à vista da
Rainha e de outras pessoas importantes. Só que a Rainha não
estava lá… Então talvez ele esteja com ela, onde quer que ela
esteja. O que aquela coisa viperina disse? Que trabalhava para o
Coelho Branco? O que isso quer dizer?
De repente, Alice avistou algo na base de uma das árvores
sombrias: um pequeno lampejo de cor não natural. Inclinou-se para
baixo e viu um único mome rath, um rosa brilhante, tentando
desesperadamente fingir que era uma flor.
— Com licença — Alice disse gentilmente —, entendo que você
possa ser incapaz de diferenciar pessoas, especialmente meninas,
mas não estou nem um pouco associada à Rainha de Copas. E
realmente preciso de sua ajuda. Se não se importar.
A cabecinha de tufos se elevou apenas um tiquinho para que o
topo de dois olhos grandes e inocentes pudessem avaliar a
confiabilidade dela.
— Sério — Alice garantiu com toda calma e paciência que podia
—, você pode ver que não há nenhuma mancha vermelha em mim.
Acabei de libertar meus amigos do Carrasco e agora estou
procurando por eles. São o Chapeleiro, o Dodô e o Arganaz. Mas se
você conhecer mais alguém que sobrou, a Lebre de Março, por
exemplo, eu adoraria revê-los também.
O mome rath se ergueu do chão em um par de pernas cautelosas
de cor rosa-arroxeado. Sem tirar os grandes olhos dela, cambaleou,
não convencido, em torno de seus pés. Alice ficou perfeitamente
imóvel, resistindo à vontade de contrair e retirar os dedos dos pés.
Finalmente, a coisinha se decidiu e foi girando para dentro da
floresta. Alice não sabia ao certo se ele tinha decidido ajudá-la ou se
estava partindo em missão própria, mas o seguiu apesar disso.
— Achei que vocês sempre viajassem em grupo — disse para
puxar conversa. — Na última vez que estive aqui, só vi vocês em
bandos. Ou ninhadas, ou melhor… Como vocês falam o coletivo de
mome raths? Uma manada? Um rebanho? Uma bênção?
A criatura parou por tempo suficiente para encarar Alice com
olhos tristes e funestos. Então abriu as pernas para o lado e caiu
para o chão, de olhos fechados.
— Ah. Entendi. Eles foram pisoteados — Alice disse suavemente.
— Eu sinto muito.
O mome rath lançou-lhe outro olhar que, sem boca ou outro ponto
de referência, era impossível de decifrar. Em seguida, saltou e
retomou o andar cambaleante. Alice o seguiu, continuando a
conversa — mas, desta vez, consigo mesma. Desse jeito, não havia
mais chance de acidentalmente dizer algo ofensivo para os outros.
— Onze anos depois e ainda continuo estragando tudo — ela se
repreendeu. — Eu costumava rir da pequena Alice por contar ao
Arganaz tudo sobre Dinah. Que atitude mais imprópria, gabar-se de
um gato para um rato! E agora aqui estou eu em uma terra
devastada pela guerra, perguntando sobre as últimas vítimas da
Rainha de Copas como se não fossem mais do que uma… imagem
de fundo, uma fotografia ou ilustração sem sentimentos de verdade.
Alice malvada. Seja mais cuidadosa! Pense antes de falar! Lembre-
se do que aconteceu da última vez e aprenda com isso!
Abriu a boca para dizer algo gentil e consolador para a criaturinha,
mas o mome rath tinha desaparecido. Tinha desvanecido como se
nunca tivesse estado lá. Alice se viu ao lado de um pequeno riacho
que se dividia e espumava sobre as rochas formando uma linda
piscininha logo abaixo, mas tudo estava absolutamente silencioso.
Impossivelmente silencioso.
— Não, nada disso. Nada é impossível no País das Maravilhas —
disse com um suspiro, afundando a mão na água e espirrando-a
com os dedos. Mesmo isso não fez barulho.
Então ouviu a mais leve partícula de algo. Uma música que
começou e parou de repente… um coro? No meio da floresta?
— Ora, isso é bastante maluco — notou, ao inclinar a cabeça para
ouvir. — Ah! — exclamou, percebendo o que a música a fazia
lembrar. — Isso é Maluco! Maluco como um Chapeleiro!
Alice escolheu, com cautela, seu caminho rumo aos sons. Foi
bem mais difícil do que deveria ser: as vozes agora muito
reconhecíveis dos habitantes do País das Maravilhas ficaram mais
altas sem motivo aparente e então, de repente, sumiram, como se
uma porta tivesse se fechado. Teve que parar, esperar e, então, dar
meia-volta, testando direções diferentes. Suspeitou que fossem as
árvores. Elas dispersavam os sons de que não gostavam ou não
queriam ouvir, ou talvez traduzissem para algo mais próximo de
arvorês.
Contornou um carvalho particularmente grande e a fonte, por fim,
se revelou. E quase partiu o coração da pobre Alice.
Os prisioneiros fugitivos haviam encontrado o esconderijo
camuflado perfeito: uma pequena clareira entre árvores tão grandes
que seus galhos se emaranhavam lá no alto.
(Literalmente, Alice viu-se suspeitando que alguns dos galhos
emaranhados não vinham, de fato, das árvores, mas tinham
acabado de crescer a partir do nada naquele lugar.)
No chão, havia várias pedras grandes e achatadas adequadas
para sentar-se. Entre elas, tufos de grama alta tinham sido
trançados de forma rápida e inexperiente para fazer uma espécie de
superfície plana. Esse tampo delicado e oscilante estava posto com
um número de objetos improváveis: algumas xícaras de chá
quebradas; uma concha; uma pedra côncava e lisa; uma caixa de
rapé. Todos estavam cheios de água e repousados sobre folhas
largas.
Dois dos velhos amigos estavam afundados de cansaço nas
grandes rochas. Mas o Chapeleiro Maluco manteve as costas
eretas, ombros para trás, cotovelos próximos ao corpo e dedinho
levantado enquanto pegava a caixa de rapé com uma mão e, com a
outra, segurava uma folha embaixo para apanhar qualquer
derramamento.
Além de sua conhecida cartola verde com a etiqueta colada por
fora, o Chapeleiro agora exibia uma muito menor no olho esquerdo.
Alice engasgou quando se deu conta de que o chapéu de veludo do
tamanho apropriado para uma boneca estava lá para cobrir o que
provavelmente era uma órbita vazia; havia arranhões terríveis em
torno da pálpebra e na bochecha. A pele sob o olho direito tinha
bolsas. Ele rangia os dentes.
E também parecia mais alto do que da última vez, altura quase
normal, e sua cabeça de um tamanho mais convencional. Normal e
convencional sendo palavras-chaves aqui e, portanto, assustadoras.
— Não, certamente agora, vamos, e… — ele dizia com um sorriso
forçado.
O Dodô, sem peruca e com várias penas a menos, pegou sua
própria “xícara de chá”, a pedra côncava, com um olhar resignado
no rosto.
— É aqui que ele começaria a cantar — o Chapeleiro recordou à
meia-voz. — A Lebre de Março. Ele cantaria: Ohhh, um bom
desaniv…
— Lamento não saber a letra, mas posso aprendê-las se você
quiser. Ou podemos apostar uma corrida em vez disso? — o Dodô
sugeriu. — Isso pode nos animar! Uma boa corrida da convenção à
moda antiga!
O Arganaz ergueu a cabeça para fora da caixa de rapé da qual o
Chapeleiro estava prestes a bebericar. Também parecia exausto,
mas seus olhos estavam arregalados e sem piscar, e ele tremia um
pouco.
— Brilha, brilha, morceguinho — ele gritou. — se eu fosse
um morcego, poderia voar como todos para longe de tudo!
— Psiu! — disse o Chapeleiro, fechando a caixa de rapé
desesperadamente. Quando a água esguichou pelas laterais, ele de
repente percebeu o perigo para o amigo e abriu-a novamente. O
Arganaz saltou de volta como um joão-bobo, molhado, mas com o
mesmo olhar desvairado.
— Minha nossa! Minha nossa! Minha nossa! — exclamou Alice,
dando um passo à frente, incapaz de assistir por mais tempo.
Ela provavelmente deveria ter se contido um pouco. O Chapeleiro
deu um pulo, puxando a caixa de rapé para perto do peito e
esticando a outra mão para… o quê? Evitar um ataque?
Desarmado? Era um tremendo gesto de bravura. O Dodô se virou
aos tropeços e tentou sibilar como uma víbora ou algo muito mais
perigoso. E embora ele não fosse em nada uma criatura perigosa,
tinha o olhar louco, apesar de sua aparência já ser estranha como
um todo, de alguém que, definitivamente, não tinha mais nada a
perder.
— Alice! — exclamou o Chapeleiro. E, mais uma vez, aquela
mudança de expressão no rosto dele: a suavidade, o alívio, o
desespero atingiram Alice direto no coração. Nunca o vira menos
Maluco do que então.
— Alice? O que é uma Alice? — o Dodô perguntou, apalpando-se
à procura de um par de óculos ou algo que obviamente não possuía
mais. — Ah, eu te conheço… Você alguma vez já correu para se
secar, minha querida?
— Já, sim, obrigada — ela respondeu. — Estou tão feliz que
conseguiram escapar!
— Sim, nós conseguimos — disse o Chapeleiro, o rosto voltando
a desmontar. — Sim, nós escapamos — repetiu suavemente.
— Por favor, conte-me o que está acontecendo — ela suplicou. —
Eu recebi sua mensagem, seu grito por socorro. Eu estou aqui
agora. O que posso fazer?
— É monstruoso. Ela é monstruosa — suspirou o Arganaz em sua
voz trêmula, balançando na caixa de rapé feito uma naja hipnotizada
por uma flauta.
— Maldita seja a Rainha de Copas e sua proibição da corrida da
convenção! — o Dodô disse, tentando esmurrar a mesa com o
punho (asa), o que resultou em nada além da grama sendo
entortada e esmagada por sua força. A concha de água deslizou
precipitadamente em direção ao solo. — Eu beberei até a sua
remoção! — Ele agarrou a própria pedra côncava, brindou a todos e
tomou um gole. — Excelente safra — observou.
— Mas qual é exatamente o plano da Rainha? Qual é o escopo
de suas operações? Quais são suas intenções?
— Escopo? Intenções? — disse o Chapeleiro Maluco, de repente
encarando Alice com olhos brilhantes e aquosos que ficaram claros
apenas por um instante. — Que pergunta! Isso importa? Ela está
arrastando seus exércitos por toda a terra e queimando tudo por
onde passa. Está jogando todos na prisão. Está apreendendo a
propriedade de todos. Está executando qualquer um que a confronte
ou que se atreva a perguntar o porquê. Executando! Por quê? Eu
não tenho ideia do porquê. Pergunte ao olho que não tenho mais.
Pergunte aos amigos que não estão mais aqui. É porque ela…
simplesmente… quer. Quer tudo. Todo o bolo. Tanto faz.
— Ah, um bom pedaço de bolo cairia bem com este vinho do
Porto — o Dodô observou.
— É chá — corrigiu delicadamente o Arganaz, como se o Dodô
fosse maluco e exigisse cautela no trato. — Mas experimente o
pudim de castanha. É maravilhoso.
E, com isso, arremessou um joio espinhoso na cabeça do
pássaro: não era castanha, muito menos pudim. O Dodô apanhou o
joio com seu copo de pedra e o engoliu, o que, claro, resultou em
um ataque de tosse e engasgo conforme os pequenos ganchos se
agarraram ao interior de sua garganta.
Alice fechou os olhos e contou até dez. Eles eram todos malucos
ali. Tinha que se lembrar disso.
— Será que não ajudaria se soubéssemos qual é o objetivo final
dela? Croquet e cartas: a questão é sempre ganhar um jogo. O que
ela quer ganhar? Reger todo o País das Maravilhas? Sozinha?
— Reger? — o Chapeleiro zombou. — Regência é para
governantes. E linguistas. E talvez músicos.
— Bem, alguém pode até se perguntar qual é a utilidade da
Batalha — o Dodô disse filosoficamente. — Não tem propósito.
Basta puxar as cartas uma e outra vez, e vence quem tiver mais
cartas no fim.
— Não tem propósito — o Chapeleiro repetiu de uma maneira
sombria. — É só uma questão de liberar soldados uma e outra vez e
vence quem tiver mais corpos no fim.
É claro que isso tinha alguma lógica estranha no País das
Maravilhas: no fim das contas, a Rainha de Copas nada mais era do
que uma carta cujo poder subiu à cabeça. Alice costumava jogar
Batalha — ou Rapidez — o tempo todo quando era pequena.
Principalmente contra Dinah ou suas bonecas, já que Mathilda e os
adultos achavam o jogo aleatório, cansativo, sem sentido e bobo.
Corou ao lembrar que, às vezes, costumava empilhar secretamente
sua metade do baralho com valetes, reis e rainhas de todos os
naipes, para ganhar vantagem contra a oponente felina.
Ainda assim, era no mínimo estranho que a Rainha fosse tão
enérgica e direta em sua violência indefinida. Algo não se encaixava
bem.
— Então, até onde sabemos, ela só está enfurecida, destruindo
todo o País das Maravilhas?
— Ou até que o Grande Relógio chegue ao fim — disse o
Chapeleiro com um suspiro exaurido. Ele coçou distraidamente a
minúscula cartola de veludo sobre o olho esquerdo.
— Sim, o que você viu no Reino de Copas é apenas o começo —
o Dodô falou com outro suspiro. — Uma amostra do que está por vir.
— Muito bem, temos um Napoleão louco em nossas mãos —
Alice disse bruscamente. — Ainda não sei o que posso fazer para
ajudar: ela tem um bando horroroso de soldados do lado dela e,
como você viu, não posso mais crescer e encolher como costumava
fazer.
— Não pode mais crescer porque decidiu que parou de crescer —
comentou o Chapeleiro timidamente. — Você não cresceu em anos
e perdeu o jeito.
— Queira me desculpar se, no meu mundo, você não decide se
deve ou não parar de crescer. Minha mãe é bastante baixa, meu pai
não é muito alto, e eu acredito que estou na média para uma moça
inglesa.
— Você “acredita” — refletiu o Chapeleiro. — Houve um tempo
em que você costumava acreditar em seis coisas impossíveis antes
do café da manhã, se não estou enganado.
Alice começou a contestar, mas então sentou-se sobre os
calcanhares e refletiu: ela era um estranho no ninho ali, por assim
dizer. Esses locais conheciam a realidade e as normas de sua
própria terra. Talvez ela tivesse decidido parar de crescer. Parecia
possível, já que ela tinha uma resposta pronta e fácil sobre seus
pais.
— Você não cresceu muito, na verdade — o Dodô disse, de forma
um pouco rude. — Exceto pela sua altura, quero dizer. Você
continuou a mesma, na mesma casa, tentando fazer as mesmas
coisas que sempre fez.
— Alto lá! — Alice interveio, de cenho franzido. — Agora eu tenho
uma paixão pela fotografia e terminei meus estudos. Se vocês
tivessem me contatado antes, talvez eu pudesse ter vindo mais
cedo e evitado um pouco dessa bagunça.
— Bagunça? — o Chapeleiro disse, com ironia. — Eu me
pergunto se a Lebre de Março chamaria isso de bagunça, que a
pobre alma orelhuda descanse em paz.
— Ah… — Alice se encolheu.
Todos ficaram em silêncio. O Arganaz se balançou tristemente.
— Sinto muito, muito mesmo — ela disse suavemente. — Eu não
queria desrespeitar o coitado. — Alice respirou fundo. — Mas se
queremos evitar que tais ocorrências horrendas aconteçam a outras
pessoas, devemos bolar estratégias. Trabalhar juntos. Planejar. Não
é por isso que você me queria aqui? Para ajudar?
— Mary Ann queria você aqui — respondeu o Chapeleiro, mal-
humorado. — Ela estava tentando parar tudo. Teve a estranha
percepção de que você poderia ajudar.
Mary Ann pensou que ela poderia ajudar? Alice tentou não deixar
esse pensamento distraí-la. Mas como essa outra garota poderia
saber alguma coisa sobre ela?
— Mary Ann! — o Dodô grasnou. Mas não como alguém
imaginaria um dodô grasnar, ou qualquer outra ave; ele grasnou
feito um homem excessivamente dramático. — Agora ela é o
petardo do tardígrado!
— O… desculpe, não tenho ideia do que isso significa — Alice
disse, sem confiança em si mesma para repetir corretamente a frase
confusa.
— Petardo do tardígrado. O falarapo da equidna. Você sabe.
— Lamento, mas não sei. Suponho que seja algo bom?
— Algo bom? Uma raridade, de fato! — o Chapeleiro bufou. —
Você já viu um petardo tão minúsculo que ficaria bem em um
tardígrado? O Dodô é um pouco lerdo às vezes, mas acertou em
cheio aí: Mary Ann poderia consertar tudo.
— Tudo bem — Alice concordou, incerta. Era estranho e um
pouco perverso, mas não podia deixar de se sentir um pouco
incomodada com o elogio constante a Mary Ann, essa outra versão
de si mesma. Na primeira vez que esteve no País das Maravilhas,
com todo o crescimento e encolhimento, ela se perguntou se ainda
era a mesma Alice depois. Até considerou a possibilidade de ter se
tornado completamente outra garota. Incluindo garotas específicas
que ela conhecia e que tinham vidas terrivelmente chatas, cheias de
lições e sem brinquedos. Como isso teria sido terrível!
Mas aqui Mary Ann era a salvadora do reino de fantasia, Alice, a
garota da Inglaterra que levava uma vida comparativamente chata e
normal até que foi chamada para ajudar. Bem, que bela reviravolta!
E um tanto dolorosa para o ego.
Francamente, querida menina, ela se reprovou, mesmo que essa
Mary Ann seja mais irritante pessoalmente do que é nas histórias, é
ela quem parece ser mais capaz de salvar todo mundo. Deixe seus
pensamentos infantis de lado e faça o que é certo!
Em voz alta, Alice disse:
— Como ela conseguiu? Quero dizer, entrar em contato comigo?
O Chapeleiro deu de ombros:
— Ela teve que esperar pelo seu desaniversário. O certo, quero
dizer: o décimo primeiro aniversário da sua primeira visita. Imagino
que não houvesse nada mais para fazer na prisão, além de
aguardar, e esperar, e torcer.
— Isso explica por que ela apareceu do jeito que apareceu na
fotografia — disse Alice, arrepiando-se ao lembrar-se da venda e
das feridas. — Ela certamente parecia estar em uma prisão.
— Ela viajou até você por meio de uma fotografia? — o Dodô
perguntou, com curiosidade.
— Ela apareceu em uma fotografia. Minha. Na verdade, alguns de
vocês apareceram em fotos no lugar das pessoas que eu conhecia.
Desconfio que cada um aqui reflita uma outra versão de si mesmo
no mundo real, perdão, no mundo da Inglaterra.
— Sério? Como assim?
— Bem, Chapeleiro, no meu mundo você é… Bem, um
chapeleiro.
— Ah, é? — ele perguntou, parecendo encantado pela primeira
vez desde que ela havia chegado. — Eu sou um chapeleiro nesse
outro reino? Que emocionante! E que tipo de chapéus eu faço?
— De todos os tipos. Em especial grandes e elegantes para
mulheres.
— Imagine só! Chapéus para mulheres! — Ele tomou um gole
sonhador da caixa de rapé, esquecendo-se do Arganaz. O rato
parecia mais curioso do que chateado.
— Mas Mary Ann não está mais na prisão, agora — o Dodô disse.
— Ela está livre! Com base no que você disse, prefiro pensar que
talvez ela tenha fugido por fotografia.
— Mesmo?! Que maravilha! — Alice disse, batendo palmas. —
Então acho que o melhor a fazer é a encontrarmos e nos unirmos a
ela.
O Arganaz se balançava sonhadoramente:
— Dizem que ela está se escondendo no Verso do Além…
— Eu ouvi falar que ela foi até Helenbach — o Chapeleiro
acrescentou casualmente, bebericando sua água como se
estivessem discutindo onde um amigo estava passando o verão.
— Ouvi falar que ela estava organizando um movimento de
resistência, reunindo revolucionários e mendicantes — confidenciou
o Dodô.
— Ouvi falar que eram flautas — refletiu o Chapeleiro.
— Flautinha agudinha batidinha chupetinha menininha — o
Arganaz cantou assobiando antes de tombar, dormindo, na água,
espirrando um pouco para fora.
— Independentemente de ser bateria ou flauta — Alice atalhou,
antes de começarem outra digressão típica do País das Maravilhas
—, ela poderia estar em algum lugar chamado Conta-pabeça?
Todos olharam para ela em choque.
— Como conseguiu essa informação? — o Chapeleiro perguntou,
desconfiado. — Ninguém sabe exatamente onde ela está!
— O Mestre Gato me contou — disse Alice, sem ver motivo para
esconder a verdade.
— Ah. Bem, ele é ninguém — reconheceu o Dodô, assentindo. —
Na maior parte do tempo. E em lugar nenhum o resto do tempo.
— O que é o Conta-pabeça, posso saber? — a garota perguntou
timidamente.
O Chapeleiro bateu na xícara de chá com impaciência:
— Sabe quando você está procurando segredos ou o lugar onde
escondeu aquele último torrão de açúcar, ou para onde os ladrões
vão para vender suas tortas roubadas? Você resmunga por aí
procurando pela coisa certa e errada.
— É claro — disse Alice, levando a mão à cabeça. — Conta-
pabeça. Isso faz muito sentido. Enfim, como chegamos lá?
— Geralmente, a pé — disse o Chapeleiro, dando de ombros.
— Eu prefiro ir de cadeira de balanço — o Dodô refletiu.
— Não restaram muitas por aí desde a Sina Vermelha — disse o
Chapeleiro, meneando a cabeça. — Eu me pergunto se ela matou
todas ou se as atirou em estábulos.
— É mais rápido ir por garrafa, por causa do Mar de Lágrimas —
disse o Dodô, com um olhar significativo e acusador para Alice.
— Tudo bem, podemos encolher de alguma forma? Para caber
em uma garrafa? — ela perguntou rapidamente. Fora Alice que
criara o Mar de Lágrimas alguns anos atrás, quando era uma
menina gigante que chorava por causa de sua situação. Acabou
inundando o lugar e deixando vários habitantes do País das
Maravilhas molhados e rabugentos.
— Não, mas depende sempre de mim, não é? — o Chapeleiro
disse, com rabugice. — Atualmente não é permitido ficar Maluco
nem mesmo um quarto do dia. — Ele saltou e começou a apalpar o
paletó, vasculhando os bolsos.
— É verdade — sussurrou o Dodô para Alice. — O pobre sujeito
teve o absurdo arrancado de si junto com o olho. Não é o mesmo
desde então.
— Minha nossa — Alice sussurrou de volta, preocupada. Isso
explicava a altura e cabeça normais; ele estava ficando são.
— Ele continua tentando. Ser Maluco, quero dizer — o Dodô
continuou, com tristeza. — Simplesmente não vem mais com
naturalidade.
Desta vez, pelo menos, o Chapeleiro conseguiu: ele tirou um
enorme guarda-chuva de dentro do colete. Com um gesto teatral,
abriu a coisa preta e com arabescos. Gotas de chuva caíram
debaixo do guarda-chuva até que ele sacudiu para secar.
— Eu não… — Alice começou.
— Você nunca — suspirou o Chapeleiro.
E, dizendo isso, ele o jogou, com o cabo para cima, no riacho
onde Alice havia mergulhado a mão antes (água que decerto
fornecera o “chá” para a reunião deles). Embora ela tivesse quase
certeza de que, até aquele exato momento, o riacho não estava bem
ao lado deles. Prímulas amarelas sorriram das margens,
literalmente, é claro. Suas cabeças assentiam e acenavam alegres,
como Alice sempre imaginou que flores silvestres felizes fariam.
Com uma reverência educada e outro floreio de mãos, o Chapeleiro
sinalizou para Alice entrar no guarda-chuva.
— Obrigada, caro senhor — agradeceu com uma pequena
mesura e, tentando não mostrar qualquer relutância, entrou. Se ela
encolheu ou se o guarda-chuva cresceu, não importava no fim das
contas; embarcar nele não foi fácil nem gracioso como se pode
imaginar em um conto de fadas. Ele balançava exatamente como
faria no mundo real, e Alice passou por maus bocados, oscilando e
se equilibrando, para não virar a coisa toda. O Dodô meio que
voejou para o lado dela, mais como um canário delicado do que
como uma ave grande que (praticamente) não voa. O Chapeleiro
saltou entre eles.
E o guarda-chuva começou a flutuar rio abaixo.
Capítulo 9
— Até parece que ela tem tempo para fazer tortas com todas as
guerras e matanças e execuções — disse o Dodô, em
desaprovação. — Mas não me impressiona você ter fugido. Ela
colocaria sua cabeça em uma lança, com certeza.
— Não… O Rei iria castigá-lo — falou Alice. — Só isso. E o Valete
devolveria as tortas. De acordo com a rima, quero dizer.
— Alice, o Rei está morto ou preso ou fora de serviço há mais de
duas semanas… Você não tem prestado atenção? — perguntou o
Chapeleiro, exasperado.
— Bem, de qualquer maneira, agora não posso devolver as tortas,
posso? — o Valete disse com um suspiro. — O Dodô tem razão, a
Rainha cortaria minha cabeça e, em seguida, usaria para decorar
suas muralhas. Foi tolice de minha parte fugir para a Floresta do
Esquecimento. Eu esqueci e comi.
— Você poderia ter, ao menos, poupado uma — disse Alice,
aborrecida. — Eu podia ter usado uma torta para ver se conseguia
crescer novamente.
— Ah! E como você se sente, pequena Alice? — o Chapeleiro
perguntou, dançando. — Nova em folha? Pronta para recomeçar
tudo de novo? Está deslembrada agora? Pode crescer e encolher
conforme o momento exige?
— Por favor, não me chame de pequena. Pelo menos não até eu
encolher. Você e eu temos quase o mesmo tamanho — observou
Alice. — E eu sou totalmente cres… ah, uma adulta agora. Assim
como você. Eu não sou sua pequena coisa nenhuma.
— Bah, parece que ela ainda sabe matemática e tudo — o Dodô
disse. — Que fracasso!
— Bem, não saberemos até encontrarmos alguma guloseima. E,
de qualquer maneira, pode-se muito bem presumir que a
experiência de vida e os conhecimentos adquiridos nos últimos onze
anos me ensinaram a crescer ou encolher ainda melhor do que eu
fazia antes.
— E ainda assim você não cresce nem encolhe — observou o
Chapeleiro. — Como queríamos demonstrar.
— Isso tudo é uma perda de tempo. Podemos muito bem seguir
para M… — o Grifo começou a dizer, mas o Chapeleiro tirou o
chapéu e jogou nele.
— Para onde estão indo? — o Valete perguntou, sacando
imediatamente que havia um segredo ali.
— Não é da sua conta, homem da Rainha — disse o Dodô com
altivez.
— Já disse que não sirvo mais a ela — falou o Valete, mãos
estendidas e abertas em súplica. — Estarei com os minutos
contados se eu aparecer em qualquer lugar perto do castelo. Então
bem que poderiam me levar com vocês. Talvez eu possa até ajudar,
se vocês estiverem… Sabe, planejando algo.
— Você é bom com a espada? — perguntou o Chapeleiro.
— Ou com um cadarço? — o Dodô acrescentou.
— Com ambos, e ambos seriam dedicados… à causa — o Valete
disse com uma reverência. — Ou pelo menos à senhorita aqui.
— Tudo bem, mas terá que carregar Abílio, então — o Dodô
disse, colocando sua asa para fora para que o pequeno lagarto de
capa pudesse engatinhar e subir na manga extravagante da carta. O
rosto do Valete pareceu se contorcer por um momento em uma
expressão de nojo, mas logo se suavizou. Alice não podia culpá-lo
por isso. Não tinha certeza se iria querer particularmente um lagarto
estranho tão perto assim de repente, rastejando em sua pele.
— Talvez, depois de termos sido devidamente apresentados e
depois de conversarmos um pouco, estaria tudo bem — disse ela
para si mesma.
O grupo partiu em uma direção que foi debatida várias vezes
antes que todos conseguissem concordar. O ar parecia crepuscular,
o sol, contudo, sentia-se vagaroso e estava pendurado no céu,
longe da hora de dormir. A leste, a lua, amuada no horizonte, se
afastou de seu irmão, que sempre parecia monopolizar a atenção.
Àquela luz, a planície gramada rapidamente se tornou uma
paisagem aconchegante de arbustos emaranhados, velhas
macieiras e um bosque de aveleiras abandonado, cujos residentes
arborizados preferiram crescer seus novos brotos em espirais, feito
o cabelo selvagem e indomável de uma menininha — muito difícil de
colher. Os pássaros-espelho amavam se empoleirar neles, no
entanto, e Alice não podia deixar de parar de vez em quando para
conferir sua aparência, apenas pela novidade dos tipos de armação
que exibiam. Alguns dos reflexos até mudavam o cabelo, os lábios e
a cor da pele! Seus amigos apressaram-se à frente, conversando
entre si e escutando um pouco absortos demais as histórias da corte
real em sua atual fase mortal, contada pelo Valete.
Alice se demorou em um pássaro-espelho em particular, cujo
reflexo mostrou sardas no rosto da imagem. A moda na Inglaterra
era, claro, tentar minimizar o bronzeamento e outros efeitos do sol,
pelo menos entre jovens mulheres de criação elevada, pelo uso de
pó ou chapéus de sol. Mas ela gostou bastante da aparência
saudável e amigável que as pintinhas conferiram a seu rosto outrora
sem marcas.
— Vejo que Alice enxergou a si mesma — disse uma voz
pensativa por trás dela. Como Alice já sabia quem era, não se virou
imediatamente, preferindo dar uma última enrugada do nariz para
ver o quanto as sardas lhe conferiam um ar de bruxinha.
O Mestre Gato estava, é claro, girando em um ramo espiralado
atrás dela, ele próprio como uma série de círculos: sobre o ramo
circular, a cabeça e o corpo enrolados, seus olhos pareciam quicar
um pouco no rosto como se para enfatizar a presunção.
— Que original de sua parte — comentou Alice, seca. — Mas eu
ainda gosto de gatos, por mais ingênuos que pareçam, para sua
sorte. De gatinhos, bem como de bichanos velhos, listrados e
sarnentos. — Ela coçou abaixo do queixo dele para suavizar as
palavras.
— Humm… — O gato rolava o corpo e balançava as patas,
obviamente gostando. Mas a cabeça dele permaneceu exatamente
na mesma posição, é claro: impossível.
— Por que não vem conosco, em vez de aparecer só de vez em
quando? — Alice sugeriu. — Eu gostaria muito da sua companhia e
acho que você pode ajudar o Chapeleiro a recuperar um pouco do
absurdo. Pode se sentar nos meus ombros, se quiser, ou eu poderia
carregá-lo.
— Ahhhh, e receber carinho o tempo todo da Grande e Poderosa
Alice — disse atrevidamente o Mestre Gato. Ele se torceu para que
ela pudesse alcançar melhor a sua barriga, mas a cabeça dele
sumiu por um momento para fazê-la piscar. — Pelo menos até
chegarmos a Mary Ann.
Alice parou de fazer carinho nele e olhou feio.
— Tudo bem, tudo bem, farei uma reverência silenciosa quando
ela assumir o controle do seu bando. Eu não sou uma líder nem sou
treinada em rebeliões ou desobediência civil. Não tenho muito a
oferecer ao seu lado. Mas ainda vou me consolar em ver a Rainha
de Copas destronada e punida por suas ações para que todos
possam voltar ao normal, digo, ao absurdo, e às vidas seguras no
País das Maravilhas. Então, em vez de fazer piadas, venha com a
gente e ajude!
O Mestre Gato lançou a ela um olhar inescrutável. Depois fingiu
estar fatigado.
— Mas estou ajudando… Você não sabe como é difícil manter um
pensamento direto em um lugar como este. — O corpo dele de
repente tornou-se uma série de ângulos retos e agudos, de orelhas
retangulares até a longa cauda em espiral que agora era uma
espiral de viradas de não-exatamente-noventa-graus. Ele se
destacava em uma austeridade rosa e roxa em contraste com o
orgânico espiralado das árvores atrás de si.
— O tempo está se esgotando. Ele nem mesmo pagou sua parte
da conta.
Agora o felino se levantou e fez um triângulo com as patas acima
da cabeça; então a cabeça começou a drenar seu corpo como uma
ampulheta de areia:
— Cuidado com o que igrejas e naipes e prisões têm em comum.
— Isso é outra charada? — Alice quis saber. — É isso… Ah, ele
se foi.
É claro que o gato sumiu de vista, os olhos por último, que
rolaram para cima na cabeça agora invisível. Então eles quicaram e
rolaram pelos galhos em espiral feito pequenas bolas de croquet.
— Que coisa! Como as pessoas ainda vêm e vão neste lugar! —
Ela se permitiu apenas uma interjeição de indignação e bateu o pé
só uma vez, como a menina de sete anos que já tinha sido, depois
correu atrás dos amigos. Eles estavam falando absurdos uns para
os outros sem nem mesmo perceber que ela não estava ali. A
charada do gato a lembrou de outra charada, muito antiga, do País
das Maravilhas.
— Chapeleiro! Chapeleiro! Você se lembra da sua antiga
charada? Uma que você me disse da última vez em que estive
aqui?
— Eu não tenho nenhuma charada — ele respondeu, puxando os
bolsos para fora para mostrar como estavam vazios. Agulhas e
alfinetes caíram. Eles correram para o lado da trilha para não serem
pisados. — Eu peguei uma emprestada uma vez, mas duvido que a
Lebre de Março será capaz de cobrá-la agora.
Alice respirou fundo.
— O que é, o que é que o corvo tem em comum com uma mesa?
— ela perguntou.
— Não sei, o quê? — ele perguntou resolutamente.
— Não… Você me perguntou isso da última vez. Eu não consegui
descobrir a resposta sozinha. Mas perguntei a todo mundo quando
acordei e voltei para a Inglaterra, e até li um grande número de
livros sobre enigmas e charadas para tentar resolvê-la. Então agora
eu sei várias respostas. Então me diga qual é a certa!
Alice começou a contar nos dedos.
— Um: os dois têm penas mergulhadas em tinta.
Seu público apenas a olhava com gravidade.
Alice passou para o próximo.
— Dois: o autor americano, sr. Edgar Allan Poe, escreveu sobre
ambos.
O Dodô e o Grifo se entreolharam e encolheram os ombros,
desamparados.
— E três, meu amigo Charles veio com essa, cada um pode
produzir algumas notas, que podem até ser musicais!
Alice sentou-se sobre os calcanhares, muito satisfeita consigo
mesma, e esperou por uma reação.
O Chapeleiro a segurou delicadamente pela mão:
— Ah… Não existe uma resposta, minha querida menina. Esse é
o objetivo de uma charada.
— Esse não é o objetivo de uma charada! — Alice quase gritou.
— Eu acho que o calor a afetou — o Dodô sussurrou seriamente
para o Grifo.
— Mas acabei de dar três respostas!
— Bem, é melhor pegá-las de volta, elas teriam melhor uso em
outro lugar. Aqui estão — disse o Chapeleiro graciosamente.
Alice olhou em silêncio para todos eles por um longo momento:
— Estou me lembrando disso da última vez — ela disse
finalmente. — Nada satisfaz no País das Maravilhas. Você sempre
acha que disse a coisa certa, fez a coisa certa, descobriu a maldita
resposta, mas está sempre errada. Sempre! A chave está longe
demais. Você é muito baixa. As regras de etiqueta são todas
distorcidas. As regras do croquet são insanas. É como o mais lindo,
porém pior tipo de sonho, onde tudo está com frequência de ponta-
cabeça e poderia ser bonito e perfeito, mas, em vez disso, é
enlouquecedor!
— Definitivamente o calor — o Grifo sussurrou de volta.
— Bem, como é no seu mundo? — o Dodô indagou
educadamente.
— Na Inglaterra, se aprender e seguir corretamente as regras,
você geralmente chega aonde deseja ou recebe o que quer ter.
— Parece chato — disse o Dodô.
— Parece fácil — disse Abílio.
— Não importa quem você é? Não importa a sua altura? — o
Chapeleiro perguntou curiosamente.
— Não importa a sua aparência ou… — Alice fez uma pausa,
pensando nas crianças da Praça. — Bem, talvez seja um pouco
mais fácil se você for nascido na Inglaterra.
— E se não tiver essa sorte? — o Chapeleiro perguntou. — Pode
mudar isso?
— O lugar onde nasceu? Claro que não!
— Parece um pouco arbitrário para mim — disse o Chapeleiro. —
Parece mais difícil do que aqui, onde você simplesmente precisa
correr duas vezes mais rápido para chegar a qualquer lugar. Pelo
menos, você pode escolher como correr.
Alice esfregou as têmporas. Ele não estava errado. Por um breve
momento, teve um desejo cruel de que todos seus amigos do País
das Maravilhas pudessem passar uma semana em Londres,
descobrindo os trens e como conseguir uma xícara de chá pela qual
teriam que pagar, conversando com gatos de rua e arganazes que
não sabem falar.
— Bem, enfim, esqueça minha charada. Talvez você possa me
ajudar com uma nova.
— Achei que ela tivesse dito que a charada era do Chapeleiro —
o Arganaz sussurrou para Abílio. As duas coisinhas assentiram
conscientemente um para o outro.
— Já estamos aqui fora e não tem como entrarmos — o Grifo
disse irritado. — Fale com clareza, menina.
— Me chame de menina de novo e vou colocá-lo em uma coleira
antes que você possa dizer Capturandam — Alice disparou. Os
olhos do Grifo se arregalaram e ele se encolheu atrás do Dodô. E
mais uma lembrança sobre o País das Maravilhas: as ameaças
constantes envolvendo uma crueldade abjeta e aleatória. Bem,
quando em Roma… — O que igrejas e naipes e prisões têm em
comum?
— Ah, essa é boa! Não sei! O que igrejas e naipes e prisões têm
em comum? — o Dodô perguntou, ansioso.
— Eu… não… sei — disse Alice entredentes. — Me falaram essa
charada, mas não a resposta e pode ser importante para nossa
missão.
— Isso é um tanto quanto grosseiro — observou o Valete. —
Exigir a resposta de uma charada para a qual você não tem
resposta.
— Experimente uma das outras respostas que você guardou — o
Chapeleiro sugeriu, ávido. — Poe escreveu sobre ambos, talvez?
— Não… — Alice começou. — Além disso, são três coisas, não
“ambos”.
— Uma igreja produz notas? — o Grifo perguntou ao Dodô.
— Se sinos tocam ou se é luterana — disse o Dodô sabiamente.
— Todos eles têm penas mergulhadas em tinta? — Abílio sugeriu
com entusiasmo.
— Ah, esqueçam! — Alice gritou. — Vou desvendá-la sozinha.
Vocês não ajudam em nada com seus absurdos. Vamos só
continuar até Mary Ann.
Os olhos do Valete se arregalaram quando Alice disse isso, mas
ele não falou nada.
Capítulo 11
ALICE ACORDOU.
Uma leve brisa roçou suas bochechas; tinha um cheiro seco e
doce. A cama em que estava deitada era macia e cedia nos locais
certos. Um lençol de linho espesso e limpo que havia sido colocado
sobre seu corpo a protegia do ar apenas o suficiente para mantê-la
aquecida, sem esquentar demais. A luz era suave. Nada de sons
metálicos, buzinas, gritos, ferraduras sobre paralelepípedos,
grandes rodas sobre buracos, gritos de entregadores ou de
mulheres ou alunos recebendo seus exames de volta. Nada
cheirava a carvão. Tudo era paz e tranquilidade.
Acordara, mas não na Inglaterra.
A primeira emoção que tomou conta de Alice e a fez atravessar a
escuridão da recuperação pós-colapso foi alívio.
O último pensamento que lhe passou pela mente antes de apagar
foi justamente que acordaria em casa, mais uma vez perdendo o
imediatismo dos perigos no País das Maravilhas ao passo que seria
obrigada a lidar com os problemas de seu próprio mundo.
(Só para regressar mais tarde, talvez, com tudo indo de mal a
pior.)
A segunda emoção de Alice foi… nada.
Nem alegria, tristeza, medo ou raiva. Somente tranquilidade.
Não havia mais ninguém no cômodo e ela podia, pela primeira
vez em muito tempo, apenas parar e pensar e ser.
Ponderou o que teria acontecido se tivesse morrido no País das
Maravilhas. Será que seu espírito ficaria preso (livre) lá? Aqui?
Morreria também no mundo real? Havia um Deus e um paraíso para
o País das Maravilhas? Seria Ele tão cheio de absurdos como as
criações Dele? Jamais teria que voltar para casa, para a realidade
monótona e irmãs enfadonhas e flores que permaneciam
firmemente em silêncio…
… e rapazes com bochechas rosadas…?
Será que poderia ficar para sempre em um mundo onde suas
palavras eram constantemente distorcidas? Onde nada nem
ninguém se comportava adequadamente? Onde tudo era um
absurdo o tempo todo, gostando ou não?
— Gostaria de um mundo no meio-termo, eu acho — murmurou
para si mesma, se mexendo um pouco por fim. — Fantasias e
caprichos que não sabem muito bem o seu lugar, mas que
tampouco tentam te matar. Elas seriam agradáveis ou irritantes, mas
pequenas e fáceis de lidar. E o mesmo com o mundo real.
Problemas simples e algum tipo de consistência. Não, isso parece
mais com um desejo pelo fim de todos os problemas do que um
mundo real para se viver. Muito preguiçoso da sua parte, Alice. E
quanto a… problemas grandes e porventura solucionáveis em um
mundo com regras que podem não fazer sentido, mas, pelo menos,
permanecem consistentes? Com amigos, e criaturas, e lugares
ocasionalmente propensos ao absurdo?
Suspirou e se sentou. O penteado tinha se desfeito por completo
e caía um pouco sem graça em torno dos ombros. Seu vestido havia
sumido, mas a roupa íntima permanecera. Com um pouquinho de
dor, conseguiu se endireitar, descansando as costas contra uma
pilha, sem dúvida enorme, de travesseiros.
Não estava em um quarto propriamente dito, era mais um cômodo
amplo simbolicamente delineado por arcos de pedra que
mergulhavam do teto quase até o chão, mas então paravam de
repente, como se tivessem ficado entediados com todo o processo.
Além dos arcos, de um lado, havia uma parede externa com janelas
gigantes abertas (estranhamente indefensáveis). No outro lado da
cama, corredores largos, ou talvez outros cômodos conjugados,
continuavam até o infinito, com paredes internas angulando dentro e
fora aqui e acolá.
Tudo era construído em pedra cinza-clara, vagamente perolada,
como uma concha que Alice poderia pegar à beira-mar e passar
longos momentos contemplando antes de decidir mantê-la ou
abandoná-la. O interior de um mexilhão roxo, talvez, fascinante em
seu prateado que poderia ser o começo de uma joia ou somente
uma mancha da lama em que vivia.
Tudo isso a fez questionar: havia ganhado o jogo? Estava no
castelo da Rainha de Paus? Porque não parecia tão preto como do
lado de fora…
As preocupações de Alice foram, em certa medida, aliviadas
quando uma furoa gigante, escura como a noite (incluindo o vestido,
o avental e o chapeuzinho de enfermeira), veio caminhando
silenciosamente nas patas traseiras. O pescoço era curvado e torto
para que ela pudesse observar e equilibrar cuidadosamente os itens
na bandeja preta lustrosa que carregava: uma garrafinha de um
tônico escuro que dizia, claro, BEBA-ME em letras rebuscadas
prateadas, um copo de vidro preto reluzente e um biscoito digestivo
preto que Alice decidiu imediatamente que não colocaria nem perto
de sua boca, não importava o que estivesse escrito nele. Parecia
eminentemente intragável e muito desagradável.
— Como está a paciente? Levou uma queda bastante
desagradável — a coisa disse em uma voz áspera, muito mais
profunda e masculina do que Alice teria esperado.
— Melhor do que nunca. Me sinto maravilhosa — respondeu
Alice, obviamente manipulando a verdade, rápido demais para
bloquear qualquer sugestão contrária.
Mas uma dor aguda na perna a fez se contrair apesar dos
melhores esforços.
A enfermeira colocou cuidadosamente o conteúdo da bandeja em
uma mesinha de cabeceira, a qual Alice tinha quase certeza de que
não estava lá antes. Depois gentilmente puxou o lençol da metade
inferior de Alice. A panturrilha esquerda, onde o touvo enfiou o
focinho bem fundo no músculo, estava bem enfaixada e cheirando a
algum bálsamo de odor adocicado. Mas a carne pulsava e latejava
com uma magnitude quase insuportável quando ela esticava, ou
simplesmente movia, o dedo do pé.
— Touvos são bichos difíceis — a furoa gemeu, solidária. — Eles
pegam todas as porcarias desagradáveis que vivem debaixo de
relógios de sol, como venenos e maus humores. Sua perna está
infectada. Nós a limpamos da melhor maneira que pudemos, mas
não temos certeza de que removemos todos os feitiços e bestas
ruins.
Alice estava prestes a abrir a boca para corrigir esta noção
ultrapassada de ciência e medicina; graças ao Monsieur Pasteur,
todo mundo sabia que a infecção não era causada por magia ou
espíritos ou criaturas comuns. Apenas minúsculos, microscópicos…
E então uma coisinha azul, menos inseto e mais uma espécie de
estrela com muitas pernas, puxou-se para fora da atadura e olhou
em volta com cautela.
A furoa estalou uma pata antes que Alice pudesse reagir (e, de
qualquer maneira, a reação dela teria sido basicamente gritar de
horror).
Triunfantemente, a enfermeira ergueu a coisa e esmagou entre as
garras.
— Peguei!
Alice desviou o olhar, preocupada que a enfermeira atirasse o
bicho na boca.
Mas a furoa era profissional demais para isso e delicadamente
colocou-o de volta na bandeja e cobriu com um pano.
— Provavelmente será um dos últimos, não se preocupe — ela
disse suavemente. — Agora beba seu remédio.
Alice obedientemente pegou o copinho (muito pesado!) depois
que a enfermeira o encheu até a borda com um líquido preto,
espesso e viscoso. Sentiu-se literalmente incomodada com a
quantidade e virou tudo o mais rápido que pôde, sem saber se
deveria esperar o sabor desagradável de óleo de bacalhau que
vinha com goles de remédios do mundo real ou de poção deliciosa e
complicada que era a especialidade do País das Maravilhas.
Não tinha gosto de nada.
Literalmente.
Era como… água espessa. Meio refrescante, mas difícil de
engolir.
No mesmo instante, Alice sentiu um calor adorável relaxando
todos os pedaços retraídos dentro de si, desatando-os, aliviando a
dor, desenrolando o que não deveria estar emaranhado, queimando
todas as criaturas malignas que permaneciam em sua perna.
— Seu xixi pode ficar um pouco lilás na próxima semana. Não se
assuste — aconselhou a furoa, que depois se afastou com a longa
cauda balançando no ar.
Alice, sentindo-se muito melhor, levantou-se da cama que estava
tão estranhamente colocada no meio do nada e viu mais itens que
não tinha notado antes, que provavelmente não estavam lá antes. A
mais aparente era um vestido pendurado no ar que obviamente era
para ela. Não era nada parecido com seu vestido anterior; era mais
curto e tinha o que parecia calças largas em vez de uma saia de
verdade. As mangas desciam apenas três quartos do caminho e
terminavam em detalhes de tricô em vez de um punho adequado. O
tecido era cinza com linhas em padrão diagonal, muito bonito e
parecia que poderia cintilar um pouco na luz certa.
Sobre o seio direito estava preso um broche brilhante: três clavas
pretas e reluzentes bem juntas. Como paus de um baralho de
cartas.
— Então eu realmente consegui e este é, de fato, o castelo da
Rainha de Paus — Alice murmurou, satisfeita e talvez apenas um
tiquinho presunçosa. — No entanto, não gosto de usar o emblema
dela. Ainda não tratamos, nem mesmo conversamos. Não posso
sair por aí usando a benesse de uma rainha sem saber a opinião
dela sobre certos assuntos.
Enquanto falava, sorriu para si mesma em leve zombaria. Por um
lado, parecia uma menininha tentando fingir que compreendia o
mundo e os políticos e tudo que acontecia entre eles (como fazia o
papagaio de Mathilda). Por outro lado… compreendia, um pouco.
Sabia qual era a orientação nojenta do partido de Ramsés e sobre
as próximas eleições para prefeito e os problemas com o
antissemiotismo.
(Não, não era bem assim. Mas o sentimento e o impulso básico
por trás estavam corretos.)
Então, talvez ela não fosse embaixadora ou espiã, mas sabia o
bastante para perguntar: qual era a opinião da Rainha de Paus
sobre a guerra da Rainha de Copas contra seu próprio povo, e ela
ajudaria?
— Engraçado — Alice disse pensativa. — É como o Mestre Gato
disse: eu carrego mesmo um pouco do mundo real aqui. Apenas
juízo o suficiente ou algo do gênero para me ajudar. Como se
chama isso? Essa coisinha, esse ponto de vista? Aquele jeito de ver
algo diferente de outra pessoa?
Suspirando com tal memória curiosa neste mundo curioso, Alice
retirou cuidadosamente o broche e colocou-o sobre o travesseiro na
cama, e só então vestiu a roupa estranha.
“ABSURDO E BOBAGEM.”
Que escolha estranha — e particular — de palavras, Alice pensou
consigo mesma.
Ela refletiu sobre todos os gêmeos dos dois mundos: ela mesma e
Mary Ann, o Dodô e sua irmã, a Lebre de Março e Alexandros…
Havia algo além disso? Será que acontecimentos, geografias, toda a
vida também era refletida? Será que a disputa para prefeito e o
comício de Ramsbottom, de alguma forma, estavam relacionados
com os eventos ou acontecimentos no País das Maravilhas? Será
que o jogo insano e assassino da Rainha de Copas, de alguma
forma, incitava os eventos em Kexford, atribuindo às próximas
eleições emoções e significados que, de outra forma, seriam
ignorados? Se Ramsbottom vencesse, se as crianças na Praça
continuassem a ser assediadas e presas por crimes que nunca
cometeram e a sra. Yao nunca recebesse justiça… seria tudo isso
por causa de seus duplos?
Ou isso era só maluquice da Inglaterra?
Ou havia uma resposta no meio-termo: cada mundo tinha algum
tipo de efeito no outro?
E se a maluquice que estava acontecendo na Inglaterra pudesse
afetar o País das Maravilhas? Alice de repente se perguntou.
E se a Rainha de Copas estivesse decidida a vencer o mais tolo e
definitivo jogo por causa do que estava acontecendo em Kexford?
Além disso, o Chapeleiro sabia coisas deste mundo porque o
Mestre Gato havia lhe contado, provavelmente porque o próprio
Mestre Gato esteve aqui em algum momento. E o Valete disse que
algumas pessoas podiam ir e voltar! Não apenas Alice. Havia algum
tipo de fluidez entre os dois lugares; ideias, e personalidades, e até
pessoas às vezes poderiam atravessar quaisquer muros que
normalmente os mantinha separados.
Então… possivelmente… tudo o que ela fizesse para resolver os
problemas de um mundo ajudaria o outro. Ou o contrário: se ela
falhasse, destruiria ambos.
Soa terrivelmente injusto, ela pensou. Parece que eu recebi uma
missão irremediável ou peças para um jogo sem quaisquer regras e
um número variável de oponentes, e então tudo depende de eu
desvendar o jogo e vencer.
Bem típico do País das Maravilhas.
Conforme caminhava, a rua ficava mais movimentada e
abarrotada de lojas e escritórios no que era considerado o centro de
Kexford. Alice observava todos os homens de negócios e
empregados e pessoas comprando e conversando e acenando olá
uns para os outros e desejou ter alguém com quem ela pudesse
conversar. Sobre qualquer assunto. Alguém ao mesmo tempo
racional e um pouco maluco. E talvez não tão próximo e preocupado
quanto tia Vivian (abençoada seja, no entanto).
Seu subconsciente já sabia em quem ela estava pensando, e
Alice riu um pouco de sua falsa ingenuidade. Parou brevemente,
debatendo os prós e os contras, literalmente, em uma encruzilhada.
Então virou à esquerda, ciente de que sua mente tinha se decidido
há bastante tempo.
Lá estava: alexandros & ivy, advogados de defesa. Letras
douradas finamente pintadas em madeira.
Hesitou por um instante… Alguém estava olhando? Haveria
boatos sobre a jovem e solteira Alice sozinha em um escritório de
advocacia? Este escritório de advocacia em particular?
Ela entrou.
(E o que Mary Ann teria feito? Ficaria ali parada, impotente,
esperando que a Inglaterra a levasse para o próximo lugar que
precisava dela?)
O interior era fresco e escuro, todo revestido de madeira. Tudo
cheirava a tinta, papel, livros mofados e cera fresca. Um secretário,
sentado a uma mesa, levantou-se após sua entrada. De aparência
jovem, ele era magro, talvez precisasse lavar o cabelo, e dirigiu a
Alice um olhar de tal rejeição que ela quis muito puxá-lo pela orelha
e gritar com ele do jeito que sua vizinha às vezes fazia com os
netos.
— Posso ajudar? — ele perguntou, parecendo que não tinha
intenção de fazer tal coisa.
— Estou procurando o sr. Katz — ela disse educadamente. —
Tenho alguns assuntos para tratar com ele.
— Tem horário agendado?
— Não — Alice admitiu. — Mas tenho certeza de que ele vai me
receber.
E ela tinha mesmo. Podia ter um verdadeiro furacão de absurdo
voando por aí, mas ele tinha ficado com ela no parque e a cobrira
com seu paletó. Havia lhe contado uma charada. Ele a receberia,
tão certo quanto ela sorriria após ver as bochechas rosadas dele.
— Verificarei se ele deseja ser incomodado — disse o secretário,
em um tom que fez Alice perceber de súbito que ele decerto subiria
as escadas, fingiria conferir, então voltaria para lhe dizer que
infelizmente o advogado estava ocupado.
— Eu mesma farei isso. Não se preocupe — Alice disse
serenamente, subindo as escadas apoiando uma delicada mão
enluvada no corrimão.
— Não, eu insisto, ele não deve ser incomodado… — O
secretário foi impedi-la, estendendo a mão.
Alice apenas arregalou os olhos e fez uma pausa: só isso. O
sentido ficou claro o bastante. Você ousa colocar a mão em uma
senhorita? E espera manter seu emprego?
Ele não ousaria.
O homem murchou tão visivelmente quanto um botão de
centáurea azul quando o sol é encoberto por nuvens.
Alice deu-lhe um aceno gélido e continuou escada acima.
Qualquer pânico incipiente que teve quanto a parecer uma idiota
uma vez no topo da escada foi rapidamente dissipado: ao contrário
do País das Maravilhas, as portas aqui estavam claramente
identificadas com plaquinhas bem organizadas. Bateu naquela que
dizia sr. a. joseph katz, adv.
Uma voz respondeu lá dentro:
— Droga, Brigsby, eu disse que iria até a sra. Bickler mais tarde
e… — A porta se abriu. — Ah, é você.
Ele ficou perplexo.
Alice se deu conta de que prendia a respiração.
Eles estavam lá no andar de cima sozinhos, Katz de um lado da
porta, ela do outro, e tal situação se deu somente porque ela
decidira ir vê-lo. Este momento só existia porque ela o procurara, e
esse fato pairava no ar muito palpavelmente. Os olhos castanhos
dele pareciam mais amplos e profundos. Alice sentiu as próprias
bochechas começarem a ficar vermelhas como as dele. O momento
se arrastou. Nenhum dos dois disse nada.
— Desvendei sua charada — ela disse por fim. — É perspectiva.
— De fato! — Seus olhos se enrugaram de alívio e alegria. — E
essa resposta foi útil? Para outras situações na sua vida?
— Sim, mas não totalmente útil, nem para todas as ocasiões.
Existem alguns problemas que as charadas não podem resolver,
infelizmente — ela disse com um suspiro. — E eu tenho um baita
problema. Não é uma questão legal, mas um dilema pessoal, se me
permite, e eu adoraria ter a perspectiva de alguém de fora, se você
tiver um momento.
— Para você, eu tenho cada momento, todos eles — Katz disse
com franqueza. — Vou cancelar meus compromissos do dia, da
próxima semana, se você quiser.
Alice sorriu.
— Espero que não demore todo esse tempo — disse ela, dando
um passo para dentro.
— Espero que sim — Katz disse com sentimento. Em seguida,
sorriu. — Isso é encantador.
O escritório era pequeno, bem equipado e cheio de livros. A mesa
era quase toda organizada — mata-borrão arrumado, canetas e
tinteiros caros, mas simples, várias folhas de papel em pilhas bem
organizadas; o único item fora de lugar era o Kexford Weekly em um
monte desarrumado ao centro, como se tivesse sido jogado lá.
— Ah! — Alice disse. — Foi mais ou menos por isso que eu vim
vê-lo.
Katz fez uma careta e se jogou na cadeira com a força e a
magreza de um rapaz que não abandonou exatamente as
acrobacias infantis, mas era contido pelo elegante terno que vestia.
Alice não pôde deixar de notar o quão bonitos eram seus lábios
mesmo quando estavam franzidos de desgosto.
— É sobre o “comício de Ramsbottom”? Haverá casas queimando
até o final disso, esse tolo idiota — ele cuspiu. — É sempre uma boa
ideia unir o proletariado com ódio e ponche grátis.
— Ah, não, embora tia Vivian e o sr. Willard estejam tão
preocupados quanto você. Eu também estou — ela acrescentou
apressadamente. — Só não vejo o que pode ser feito sobre isso. É
um país livre, sr. Katz, e Ramsbottom pode fazer um comício se ele
quiser e tiver todas as licenças.
— É um país livre para você e o sr. Coney — concordou Katz. —
Alguns de nós podem achar desconfortável continuar vivendo em
uma cidade dominada por ele.
Alice interpretou isso não exatamente como um tapa na cara. Ali
estava ela, que aparecera arbitrariamente na porta dele, enquanto
ele arremessava suas diferenças na cara dela, fazendo-a se sentir
mal sobre isso.
— Sim. Suponho que sou livre. Mas em quem você votou na
última eleição? — Alice perguntou incisivamente.
— Ora, em Garretty, é claro. Ele… Ah — Katz olhou para ela em
divertimento irônico. — Entendi o que acabou de fazer. Você não
votou, é claro. Porque é mulher. Boa jogada, Alice, boa jogada. Fui
justamente colocado no meu lugar.
Ela sorriu:
— Creio que talvez você nunca tenha tido um oponente como eu.
De qualquer forma, vim para pedir o conselho de um amigo, não
para discutir. É por isso que estou aqui. — Ela puxou a foto de Yao
com a pedra de sua bolsa e entregou a ele. Katz teve que estreitar
os olhos e segurá-la sob a luminária verde para vê-la claramente.
— Não entendo — Katz admitiu na mesma hora.
— Algum malandro atirou uma pedra na vitrine da sra. Yao com
um bilhete ameaçador, você poderia ler, se a foto fosse um pouco
maior, mas a nota sugeria que ela deixasse a cidade antes que algo
pior acontecesse à sua loja. Ela teve que refazer a vitrine por conta
própria, e a polícia não fez nenhum esforço para tentar pegar o
verdadeiro bandido. Em vez disso, cercaram e prenderam algumas
crianças inocentes da Praça. Eu pensei que publicar esta foto no
jornal talvez desse um gás na polícia, por assim dizer, para
encontrar o verdadeiro bandido, para liberar as crianças… Ou, no
mínimo, para despertar a simpatia local para a situação dela.
— Hmm, não é um plano ruim — disse Katz. — Além disso, seria
uma boa propaganda para a loja de chá, certamente ajudaria nos
negócios. Alice: “Salvadora branca e inglesa entra em ação” de
novo, né?
— Às vezes você é tão desagradável, sr. Katz — Alice respondeu,
estreitando os olhos para ele. — Não é sobre mim. É sobre minha
amiga e as crianças da Praça. Eu estou perfeitamente disposta a
nem mesmo levar crédito pela foto, estou aqui pensando em você
levar a foto para o jornal, já que eles podem nem mesmo aceitar a
foto de uma mulher.
— Bem, aí eu acho que você está errada. Não sobre eu ser
desagradável, sou inteiramente desagradável. Sou advogado.
Sempre somos desagradáveis. Se agradássemos todos o tempo
todo, não haveria nenhum processo judicial. Acho que todo mundo
em Kexford conhece a Alice, a fotógrafa da cidade, e só ajudaria
saber que você esteve envolvida nisso. Acredito… — Ele puxou
uma lupa e segurou-a sobre a foto, franzindo a testa. — Eu ainda
não consigo ler inteiramente o que diz o bilhete, mas aquela
caligrafia parece terrivelmente caprichada e graciosa para algum
brutamontes aleatório sem escolaridade, muito menos um imigrante
da Rússia… Basta olhar para o floreado no final.
— Sim… Tenho quase certeza de que já sei quem é o canalha. A
polícia, com algum esforço de verdade, também poderia descobrir
quem escreveu o bilhete e pagou outra pessoa para fazer o trabalho
sujo. Provavelmente a mesma pessoa que roubou minha câmera na
tentativa de recuperar o filme.
— Sua câmera? — Katz perguntou, desconcertado. — Foi
roubada?
— Sim, me assaltaram mesmo. Vou lidar com tudo isso em breve.
— Alguém te atacou? — Katz perguntou, levantando-se. — E
roubou sua câmera? Você parece muito tranquila sobre o crime que
foi perpetrado contra você!
— Há tanto acontecendo agora, sr. Katz — Alice disse cansada.
— Por mais estranho que possa parecer, essa não é minha maior
preocupação. Minha cabeça está bem. A câmera pode ser
substituída. O criminoso será pego. Eu tenho outras questões para
voltar minha atenção. Tenho que voltar para um mundo… ah, um
mundo de outras preocupações. Outras coisas precisam de mais
salvação do que eu, sr. Katz.
— Tipo o quê? Uma jovem como você teria que se preocupar
com… com que outras coisas?
— Queria poder te contar. Compartilhar alguns desses problemas
acalmaria bastante a minha mente — admitiu Alice com um sorriso
fraco. — Mas depois você nunca mais falaria comigo… Você me
mandaria direto para o hospício.
— Ah, duvido disso — Katz disse, arqueando uma sobrancelha.
— Quero dizer, não precisamos de um lugar especial para isso. Aqui
tudo é maluco.
Alice o encarou abismada. Mas Katz estava apenas dando seu
sorriso sincero de costume… com talvez um pouco de brilho extra.
Teve o desejo de fazer uma mesura, de ganhar algum tempo
enquanto pensava em algo para dizer. O momento acabou e era
intenso e claro feito um raio de sol ao fim da tarde atravessando
uma janela empoeirada.
— Por que seu nome não está na placa do lado de fora? — por
fim, ela se viu dizendo, um tanto estupidamente.
— Ah — Katz revirou os olhos. — Ainda não sou sócio, faltam
mais seis meses e outro contato com o procurador certo, eu acho.
Falta pouco, nem você, nem minha mãe devem se preocupar com
isso. Olhe, eu tenho toda a parafernália necessária! — Ele foi até
um pequeno guarda-roupa e, com mais energia do que o
estritamente necessário, puxou com um gesto teatral uma toga e
uma peruca. — Até tenho um espelho para ter certeza de que
nenhum fio está fora do lugar.
Ele abriu toda a porta do guarda-roupa e revelou um espelho
simples, mas comprido, que refletia uma versão ligeiramente torta
do belo rapaz: a papada estava puxada para fora em comprimentos
horizontais ridículos e as pontas dos pés se transformaram em
pontas finíssimas. Ele sorriu e colocou a peruca de modo frouxo e
torto, e o resultado fez Alice rir, em voz alta, pela primeira vez em
dias no mundo real.
— Tudo bem, é um tanto carnavalesca — admitiu ele, tirando a
peruca depois de fazer uma última careta. — Mas assim que eu for
sócio pleno, vou comprar uma bem elegante. E uma casa —
acrescentou rapidamente.
Katz parecia indeciso, e esperançoso, e nervoso e…
E Alice se deu conta de que estava gostando muito de tudo isso.
— Uma casa. Muito bem, Sr. Katz. Não tinha percebido que elas
eram um requisito para advogados, ou procuradores, ou mesmo
escriturários. Além do uniforme, quero dizer.
Katz corou, mas também sorriu de bom humor.
— Deixe que eu cuido da sua fotografia e da sra. Yao e das
crianças — ele ofereceu. — O que é um pouco mais de pro bono
entre amigos? Qualquer auxílio que acalme sua mente e alivie seus
problemas seria um prazer para mim. E isso permitiria que você se
concentrasse no seu… outro… problema… seja qual for. Salvar o
mundo.
— Obrigada, sr. Katz — agradeceu Alice, levantando-se e
preparando-se para se despedir. Ficou aliviada e sentiu que poderia
mesmo confiar que ele faria a coisa certa. Mas também estava triste
pela conversa estar chegando ao fim. Ela estendeu a mão. — Mas
eu não vou, ah, salvar o mundo. Eu só preciso… preciso encontrar
um jeito de…
— Voltar para aquele mundo? — ele perguntou suavemente.
— Não tenho ideia do que está falando, sr. Katz.
Mas ele estava apontando para o espelho.
Alice arquejou.
Curiosamente, no lugar do reflexo do escritório mal iluminado de
Katz que deveria estar no espelho, havia uma cena de um campo
sombrio, mas iluminado pelo sol: um tabuleiro de xadrez com
fogueiras queimando e fumaça…
Alice olhou para o advogado e se viu procurando uma câmera que
já não tinha mais.
Katz balançou a cabeça:
— Você sabe quem eu sou naquele outro mundo, Alice. Não
precisa de uma fotografia.
— Kat-z — Alice balbuciou. — Mestre Gato!
Ele fez uma reverência com a mesma facilidade que ela poderia
imaginá-lo desaparecendo no meio do movimento ou virando em
uma cambalhota ou qualquer outro gesto bizarro, mas gracioso.
Ele não fez nada disso, no entanto.
— Mas como? E como você… sabe disso tudo?
Katz deu de ombros:
— Como você viaja de um lado para o outro? Minha outra metade
também consegue e vem me visitar. Ele me traz charadas.
— E você dá charadas em troca — disse Alice, lentamente, de
repente vendo todas as suas interações recentes com o Mestre
Gato sob uma nova ótica. Ambos estavam tentando ajudá-la,
durante todo esse tempo.
De maneiras irritantemente misteriosas.
— Volte ao País das Maravilhas — disse Katz, fitando-a nos
olhos. — Salve o mundo deles. Mas… volte para o meu.
— Isso é bastante atrevido de sua parte, sr. Gato.
Ele sorriu. Mas não era exatamente como o sorriso do Mestre
Gato. Havia ali calor e até mesmo amor.
— Não sou eu a moça solteira que fica batendo nas portas de
advogados desconhecidos — ele ressaltou.
— Hum — Alice disse, fungando. — Excelente argumento.
Ele ofereceu a mão para ela. Alice pegou as saias com a outra e
começou a atravessar o espelho, que era macio e se dissipava,
como ela, de alguma forma, imaginava.
Parou antes de atravessar de vez e se virou para olhar para ele.
— Bem, até depois, sr. Katz?
— Até depois — Ele se inclinou para frente e tirou uma mecha de
cabelo do rosto dela. — Boa sorte, Alice. Lembre, o tempo está
sempre do seu lado. Ou no seu pulso, na verdade, se estiver
usando um relógio.
E então ela caiu de costas no País das Maravilhas.
PARA SEMPRE
Alice
Capítulo 35
TEMPO REINICIADO.
O Coelho Branco começou a se mover, mas lentamente, como se
o Tempo estivesse se aquecendo, se alongando.
De repente, ele disparou adiante.
Seus olhos às vezes humanos viram a garota que apareceu
inexplicavelmente entre ele e a torre do relógio. Eles se arregalaram
de choque. Ficou óbvio apenas com aquele pequeno movimento
que ele não tinha ideia de que Alice era capaz de algo como aquilo:
qualquer atitude surpreendente ou perigosa. Alice se lembraria disso
mais tarde.
Mas agora estava muito ocupada sendo confrontada com um
simples fato da natureza. À parte Coelhos Brancos em coletes com
relógios de bolso, coelhos em geral eram criaturas selvagens com
pouco cérebro, mas muito instinto. Ele podia não ter entendido como
Alice chegou lá, mas o quebra-cabeça não significava nada para a
coelhice inerente a ele.
Sem pensar, ele bateu com as patas traseiras para o lado e
contornou em disparada o obstáculo inesperado.
Alice gritou em choque quando ele passou voando por ela, a pata
batendo duas vezes no chão em um baque duplo para compensar a
curva fechada à direita. Pelos de coelho voaram até o nariz de Alice.
Sendo humana (e ainda por cima vitoriana), a garota tinha pouco
instinto e muita racionalidade: precisou de um ou dois preciosos
milissegundos para processar o que aconteceu e, em seguida,
virou-se e correu atrás dele.
Embora seu plano não tivesse funcionado da maneira que tinha
esperado, ela estava, pelo menos, muito, muito mais perto dele do
que na corrida anterior. Alice se obrigou a correr mais rápido,
bombeando os braços e pernas e correndo na ponta dos pés. Foi
fácil porque o vestido já estava rasgado.
O Coelho saltou a grande rocha como antes; desta vez, ela
passou direto por ela.
Lá estavam o córrego e o lamaçal — ele saltou direto sobre eles.
Alice perdeu um ou dois segundos parando para ver qual era a
melhor trajetória para que não empacasse como da última vez. Lá
havia um tufo de mato que parecia perfeito para atravessar… e
pronto. Forte e robusto e flexível, deu a ela uns passos de
vantagem, o que recuperou um pouco dos preciosos metros
perdidos.
O Coelho cometeu um erro humano: olhar em volta, procurando
por ela, assim que ele começou a pular as escadas da torre.
Alice se jogou para a frente para agarrá-lo, mas errou e mais uma
vez caiu contra os degraus de pedra dura, raspando as palmas e as
canelas desta vez. Com um urro de frustração, levantou-se e
praticamente rastejou degraus acima antes de legitimamente
recuperar o apoio dos pés.
Apesar de todas as suas agitações, estava no encalço do Coelho.
Quando os dois chegaram ao topo, ele estava novamente ao
alcance de sua mão.
Sem pensar no perigo da passarela sem grade de proteção e na
altura em que estavam, Alice se lançou para a frente e o agarrou.
Um dedo pegou um pedaço de colete; a mão esquerda mais
sortuda conseguiu o que parecia ser uma dobra no pescoço e um
pouco de carne.
Mas o coelho se debateu e esperneou, e seus pelos se soltaram
nos dedos dela; ele escorregou feito sabão de suas mãos deixando
grandes tufos de pelo branco de coelho.
Ele saltou e se agarrou no ponteiro das horas do relógio. Seu
peso e embalo foram suficientes para empurrar até o treze.
O mundo começou a tremer.
Alice puxou o botão de seu relógio…
Capítulo 39
TEMPO REINICIADO.
A pedra o pegou desprevenido.
Ele quase saltou de cara com ela. No último minuto, tentou mudar
de direção, mas caiu de costas no buraco.
— Rá! — Alice exclamou. — Te peguei agora!
Como um brinquedo de criança — ou Abílio, empurrado para fora
de uma chaminé — o Coelho Branco saltou para fora do buraco,
movido apenas pela força de suas patas traseiras. Ele pairou no ar
por um momento como um balão confuso e depois caiu de volta
para baixo, com uma única garra esquerda tocando no topo da
pedra vertical.
Ele se valeu disso para ganhar impulso de novo e continuou em
direção à torre.
— Droga! — Alice gritou.
Ela perseguiu.
Ele correu.
Ele subiu os degraus de pedra.
Ela tropeçou.
Não tão feio desta vez: nem sequer raspou as mãos. Elas só
ficaram vermelhas.
O Coelho saltou para os ponteiros do relógio.
— Eu fiz isso por… — ele gritou.
Alice puxou o botão de seu relógio. O tempo parou.
Capítulo 41
TEMPO REINICIADO.
Tempo reiniciado.
Tempo reiniciado.
Alice ganhou um corte na testa, um tornozelo ligeiramente torcido,
uma escoriação subindo por toda a panturrilha esquerda, vários
ferimentos nos braços e sujeira incrustada na bochecha. E perdeu
uma bota.
Também perdeu o corpete ao tentar armar uma rede para ludibriá-
lo.
Ela gritou, chutou e jogou pedras no Coelho. Mas elas
desaceleravam à medida que se aproximavam de sua figura e
caíam igualmente lentas no chão, longe de causar dano.
Alice estava de camisa de baixo e espartilho, coberta de lama,
suor e sangue, o cabelo solto caindo-lhe pelas costas e pelos
ombros, parecendo uma bruxa de Macbeth.
Ela se deitou na grama da Planície do Tempo por um instante,
observando o Sol e as Luas estranhas e mastigando um talo de
grama do tempo.
— É só mais uma charada idiota do País das Maravilhas —
refletiu. — Não consigo capturar o coelho. Nunca. Nem antes, nem
agora. Pelo jeito, isso não é permitido. Alice nunca pega o Coelho
Branco. Então o que eu posso fazer? Deixar o mundo acabar?
Alguém me disse que o tempo estava do meu lado… Desvendei
essa parte, pelo menos, com o relógio. Mas se eu não posso pegar
o coelho, quem pode? Como posso impedi-lo? Como posso impedi-
lo de chegar ao relógio e acabar com o mundo? O que é que só eu
tenho para resolver isso? Como a perspectiva pode resolver isso?
Ela encarou a torre, a coisa estranha saída de um sonho ou
pesadelo infantil. Parecia tão inofensia com as bochechas rosadas e
os olhos que se mexiam. Mesmo os degraus de pedra antigos
podiam ser vistos como parte do bloco da torre que uma criança
imaginativa construiu enquanto murmurava para si mesma sobre o
Tempo e coelhos e Cobras e Escadas e jogos de Batalha e pilhas de
brinquedos e sóis e luas e em impedir o fim do mundo. Em ser um
herói. Tantas brincadeiras diferentes da infância, todas misturadas
na mente louca de uma criança solitária. Tudo tão antigo e familiar.
Alice piscou.
— Perspectiva. Eu não tenho a certa! Você se depara com um
coelho e uma torre e uma contagem regressiva e pensa que precisa
parar o coelho. Mas está jogando o jogo errado, Alice — ela disse,
começando a sorrir. — Esqueça o Coelho! A torre é o objetivo deste
jogo! Apenas chegue lá primeiro!
Ela sorriu, levantou-se e tirou a outra bota. Então se alongou e se
preparou, fazendo agachamentos do jeito que tinha visto corredores
profissionais fazerem.
— O último é a mulher do padre — ela disse, por cima do ombro,
ao coelho congelado. — Três… dois… um… vai!
Alice apertou o botão.
Capítulo 42
TEMPO REINICIADO.
Alice não olhou para a esquerda, nem para a direita, nem para
trás. Nem se preocupou em imaginar o olhar surpreso no rosto
bigodudo do Coelho Branco quando ela, de repente, surgiu do nada
na frente dele, correndo rumo ao mesmo objetivo. Ela o ignorou.
Ela bombeou os braços e cravou os pés no chão macio. Foi de
fato muito agradável senti-los se conectar com uma alegria
primordial que não experimentava desde que era uma garotinha na
praia. A terra a empurrava a cada passada, ajudando-a a saltar até
o final. Seus longos cabelos dourados caíam atrás de si, o sangue e
a lama seca se descamando.
Por um breve instante, algo branco apareceu abaixo e à direita
dela, perigosamente perto de seus pés. Era o Coelho, aproximando-
-se mais rápido e mais forte do que nunca. Ele estava tão perto que
Alice poderia ter perdido um segundo para chutá-lo para longe de
seu caminho, para fora da corrida.
Mas não chutou.
Concentrou-se em correr e seguiu em frente.
Preocupou-se, por um momento extático enquanto saltava o
pântano, que estivesse, na verdade, perdendo momentos preciosos
no ar enquanto pairava abaixo dos absurdos orbes celestes.
Mas pousou e continuou mesmo assim.
Os degraus.
Ela chegou lá primeiro. Ela só não podia…
… cair.
Sem pensar, estendeu as pernas e saltou. Não se preocupou com
a aterrissagem.
E então pousou sete degraus acima e o impulso para frente no
final de seu salto só a impulsionou mais adiante.
Ela correu pelo caracol, dois, três degraus de cada vez,
inclinando--se para a torre e deixando seu próprio peso mantê-la em
segurança.
Atrás de si, podia ouvir os pequenos baques na pedra produzidos
pelas patas traseiras do coelho, batendo na pedra cinza.
Com um grito de triunfo, Alice irrompeu na passarela abaixo do
mostrador do relógio. Virou-se para encarar o Coelho Branco, que
arriscou um último e valente salto sobre ela a fim de pousar no
ponteiro das horas. Alice socou direto para cima e o jogou no nariz
do relógio, onde os dois ponteiros de ferro estavam presos.
O Coelho caiu amontoado a seus pés.
— rá! — Alice gritou, ajoelhando-se e agarrando-o. — eu venci!
A Rainha de Copas perdeu! O mundo está a salvo de sua terrível
senhora e também de você e seus atos terríveis, terríveis de vilania!
O Coelho estava estremecendo e tremendo. Alice virou-o para
encará-la, para obrigá-lo a olhar nos olhos dela… e viu que ele
estava chorando.
— A Rainha não pode te machucar — disse ela, hesitante,
confusa. Não mais do que eu e meus amigos podemos, quero dizer.
Ela perdeu. O mundo está salvo e ela será punida. Você também
será, mas em um julgamento justo.
— Vencer…? — o Coelho Branco gemeu. — Eu nunca quis que
ela vencesse. Não estou nem aí para vencer. Eu só queria acabar
com tudo.
— Perdão? — Alice perguntou, sem saber se tinha ouvido direito.
A adrenalina e o triunfo ainda pulsavam em seus ouvidos, tornando
difícil entender.
— Acabar com tudo… Acabar com os ataques, as torturas,
execuções, prisões, os saques, incêndios… Acabar com tudo.
Acabar com a dor. Acabar com o reinado dela. Acabar com o mundo
onde minha Mary Ann foi morta.
— Você?— perguntou mais uma vez, tentando entender. —
Queria destruir o mundo? Você? Não a Rainha de Copas? Vir aqui
para adiantar o relógio não era um plano dela?
— Ela queria ter todos os brinquedos quando o mundo acabasse,
independentemente de quando acabasse — disse o Coelho,
apontando tristemente para o relógio. Lágrimas rolaram e molharam
o pelo do rosto, eventualmente afundando e puxando os bigodes
para baixo. Sem pensar, Alice puxou o que restava de seu último
lenço e tentou lhe entregar. Ele nem sequer viu. O pequeno,
respeitável, ridículo Coelho Branco não se importava mais com tais
sutilezas insignificantes. Por algum motivo, isso foi mais chocante
do que qualquer coisa que ele tenha dito. Alice fez o seu melhor
para limpar a maioria das lágrimas ela mesma enquanto ele se
deitava de bruços em seu colo. — Quando ela tivesse certeza de
que tinha mais brinquedos, provavelmente adiantaria o Tempo para
que ninguém tivesse a chance de superá-la e vencê-la. Não estou
nem aí. Eu só quero que este mundo acabe, para recomeçar com
Mary Ann viva novamente. Mesmo se eu não conhecê-la, mesmo
que a gente nunca mais se encontre. Ela estaria viva. E a salvo. E
ninguém mais estaria com dor ou na prisão. Todo mundo voltaria. E
talvez até a Rainha de Copas renascesse como alguém melhor.
Quem sabe?
A cabeça de Alice estava zumbindo.
— Este relógio não acaba com o mundo? Ele… reinicia? — ela
perguntou.
— Faz as duas coisas, sua lerda. Termina um jogo e começa o
próximo. Você não sabe como funcionam os jogos com contagem
de tempo? Você é mesmo uma menina muito devagar quando
comparada à minha Mary Ann. Às vezes. Mas às vezes passa a
perna no Coelho… — ele refletiu.
Alice colocou a mão na têmpora, exausta e confusa por essa
revelação, esquecendo o suor seco e os pedaços de sujeira que
descascaram quando ela fez isso.
— três hurras para a rainha alice!
Alice se inclinou — perigosamente — e olhou para a planície
abaixo.
Havia uma pequena, mas crescente multidão de criaturas
imundas e animadas do País das Maravilhas, batendo palmas,
gritando, pulando e cambaleando.
— Ela salvou o mundo!
— Ela venceu a Rainha de Copas!
— Ela venceu!
— Eu não… — Alice começou, levantando-se para se dirigir
melhor a eles. O Coelho ainda estava em seus braços, deitado,
aparentemente despreocupado com o que aconteceria a seguir.
De repente, Alice sentiu um peso curioso na cabeça.
Embalando o Coelho com a mão esquerda, estendeu com
cuidado a direita e encontrou lá exatamente o que esperava: uma
coroa gigante, provavelmente dourada, pesada, ornamentada e,
pelos pontos de luz que viu refletidos no mostrador do relógio,
muito, muito brilhante. De algum modo, uma capa escorregou sobre
seus ombros, e Alice torceu muito para que a pele macia nas bordas
não fosse de arminho. Tinha visto vários arminhos nesta aventura.
Agora, a multidão abaixo era muito grande: Alice conseguia
distinguir, como formas nas nuvens, pessoas dos vários lugares por
onde tinha passado: havia um contingente de Ornitolândia, muito
dignos, mas com um entusiasmado vendedor de sidra entre eles. A
Rainha de Paus estava à frente de uma procissão fantástica,
montando seu baquecorcunda. Ela deu um largo sorriso para Alice,
aparentemente nem um pouco descontente com sua coroação. Lá
estava o cavalo à frente de um trem, brindando-a com uma xícara
fedorenta de chá de trem.
O coração de Alice disparou quando ela viu o Chapeleiro, o Grifo,
o Dodô e alguns dos outros acenando loucamente bem na base da
torre, dizendo a quem quisesse ouvir como eles a conheciam
pessoalmente. Ela acenou de volta, o que era difícil amparando um
coelho em uma mão e segurando um cetro na outra.
— Que chatice — ela reclamou.
Com cuidado, certificando-se de não tropeçar na capa, desceu da
passarela, percorrendo lentamente o longo caminho até o chão. Na
base dos degraus havia um carro alegórico cerimonial que foi
preparado em sua homenagem, completo, com uma cadeira alta
que lembrava um pouco a torre do relógio, onde ela deveria se
sentar e acenar. Era tão vacilante que Alice se sentia muito mais
tonta e insegura em cima dela do que no alto da própria torre.
A Rainha de Copas estava dentro de uma gaiola em uma carroça,
fazendo beicinho furiosamente. A princípio, Alice achou difícil ficar
com raiva de uma criatura tão ridícula… mas depois pensou em
Mary Ann, na Lebre de Março, no olho do Chapeleiro e em todas as
atrocidades que a Rainha havia perpetrado contra o bom povo do
País das Maravilhas.
— Você é uma criatura vil — Alice disse a ela friamente. —
Desprovida de um pingo sequer de Absurdo. É mal-intencionada,
cruel e odiosa. Você não merece viver, muito menos viver no País
das Maravilhas.
Os olhos da Rainha de Copas arregalaram-se mais do que
parecia possível. De todas as reações que esperava de Alice, esta
era obviamente a mais distante de todas e pior do que qualquer
outra que ela pudesse ter imaginado.
De repente, dois meninos em forma de bola apareceram entre a
gaiola e o carro alegórico de Alice. Da boca deles, saiu um pedido
de desculpas na forma de sons irritantes e bajuladores. As orelhas
de Alice quase se contorceram com horror.
— Sentimos muito, Alice, Alice.
Aquele era Tweedledee.
— Alice, sentimos muito.
Este era Tweedledum, que ergueu as sobrancelhas para o irmão
para mostrar que ele estava mais arrependido.
— Ela pegou todos os nossos brinquedos…
— Mas disse que poderíamos ter novos…
— Quando o mundo acabasse — eles concluíram juntos.
Alice olhou para eles friamente.
Valia a pena sinalizar o quanto o suas palavras eram infames?
— Podemos cantar uma música para você? — Tweedledee
ofertou.
— É muito boa — acrescentou Tweedledum ansiosamente.
Eles abriram a boca…
— Não — Alice cortou, avistando na multidão abaixo algumas
pessoas com quem preferia muito mais passar o tempo. Escorregou
da cadeira e correu até essas pessoas, ainda embalando o Coelho
Branco. O Chapeleiro olhou a criatura com desconfiança.
— Acho que ele está se punindo o bastante — admitiu Alice. —
Ele queria acabar com o mundo para colocar um ponto final em
todas as barbaridades que estavam acontecendo… e porque não
queria viver sem Mary Ann.
— Hum — disse o Chapeleiro pensativamente.
— Mas agora estamos todos a salvo, a Rainha está atrás das
grades e nós podemos viver felizes para sempre — disse Alice com
um sorriso. Ratos e mosquitos estavam (discretamente) substituindo
sua roupa por um vestido de festa dourado e ela nem se importou.
— Isso mesmo! Pelo menos, por mais uma hora, mais ou menos
— o Grifo concordou alegremente.
— Sim, pelo menos por… O quê? O que quer dizer?
— O relógio — disse o Chapeleiro, apontando para ele. — Este
dia está quase acabando. O mundo está prestes a chegar ao fim.
— Bem, devemos impedir isso! — Alice deu um pulo, colocando o
coelho catatônico de volta ao vagão. — Vamos mover os ponteiros
para trás… !
O Chapeleiro a encarou como se ela fosse Maluca:
— Não pode impedir o fim do mundo. Menina tola. Talvez você
tenha roubado meu Absurdo — ele acrescentou, desconfiado.
— Mas! Mas! Isso é terrível! Tudo foi em vão! — Alice gritou,
sentindo o pânico tomar conta de seu corpo, braços e pernas.
— Não é verdade — disse o Mestre Gato, esfregando-se contra
as pernas dela. — Você derrotou a Rainha de Copas. Você evitou
que ela vencesse. Você pegou o Coelho Branco. Você venceu,
tornou-se rainha e acabou com toda a dor e a tristeza neste mundo.
— Mas vocês só têm mais uma hora! — ela lamentou.
— Todos os jogos acabam, Alice — o gato disse suavemente. —
Todos os sonhos enfim acabam com o despertar.
— O mesmo jogo para sempre seria chato — o Dodô pontuou. —
Até para mim.
— Sim, com certeza é hora de algo novo — o Chapeleiro
concordou.
— Mas eu não quero que vocês… — O quê? Morram?
Desapareçam? Reiniciem? — Eu não quero dizer adeus.
— Então não diga — afirmou o Grifo, dando de ombros. Uma
língua bifurcada apareceu e lambeu as lágrimas dela. Era quente e
úmida como a de um cachorro; não totalmente desagradável.
— Mas o que a gente faz então? — Alice perguntou
melancolicamente.
— Agora isso depende de você — disse o Chapeleiro
simplesmente. — Você é a Rainha.
Alice olhou ao redor. Todas as criaturas do País das Maravilhas
que ela conheceu e salvou, as que evitou e aquelas que lutaram ao
seu lado, aquelas com quem cantou canções e outras de quem
fugiu, todas as cartas, e capturandam, e mome raths, e borogóvios,
e gente vestida de jornal e libélulas-dragão, animais e pássaros e
insetos e pessoas, todos olhavam para ela com expectativa.
(O Valete também olhou para ela com curiosidade, brindando-a
com sua sidra.)
— Eu… — Alice pensou muito.
O que mais havia para fazer?
— Eu… declaro hora do chá e Absurdo até o Fim dos Tempos!
Capítulo 43
Resposta:
Não, ele não foi eleito.
No entanto, sua participação na eleição (e a cena no comício de
Ramsbottom) trouxe à luz algumas das crenças menos palatáveis
da outra parte.
Então foi Mallory Griffle Frundus (Frundus – Por nós!) que foi
eleito. E ele fez um ótimo trabalho ao reconstituir o sistema de
esgoto da cidade.
(Até mesmo Willard aprovou, relutante, suas negociações com os
proprietários de fábricas para obter salários justos para os
funcionários em troca de uma reorganização dos bairros da cidade.)
Uma vez eleito, Frundus foi questionado sobre o que pensava
sobre as crianças imigrantes e indisciplinadas da Praça e foi levado
até lá por alguns membros preconceituosos da comunidade para
observar tal comportamento sujo e vergonhoso. Ele observou as
crianças por um instante, franziu a testa e, em seguida, declarou:
— Vocês estão jogando bolinhas de gude errado! Deixem-me
mostrar como fazíamos quando eu era moleque.
Resposta:
Sim.
Foi difícil (muito difícil) no começo; os pais de nenhum dos dois
aprovavam o casal. Mas amor e determinação venceram.
(E netos também. Netos conseguem derreter o coração até dos
idosos mais mal-humorados e difíceis.)
Katz tornou-se sócio pleno do escritório de advocacia; Alice se
tornou ainda mais Alice, expondo suas fotografias e fazendo turnês
pela Europa com ele e ocasionalmente com tia Vivian, que a
apresentou a lugares estranhamente familiares, como o Cabaret
Voltaire. Você não ouvirá falar de Alice ao ler sobre o início do
movimento dadaísta, mas pode ter certeza de que ela estava lá e
desempenhou um papel fundamental em seus anos iniciais.
Resposta:
Ora, caro leitor, acho que você já sabe a resposta desta pergunta.
Um fato era certo, o gatinho branco não teve nada a ver com isso:
foi culpa inteiramente do gatinho preto. Posto que o gatinho branco
tinha a face lambida pelo gato mais velho pelo último quarto de hora
(e, diga-se de passagem, comportou-se muito bem); então perceba
que ele não poderia ter tido qualquer participação na travessura.
Alice estava sentada, aninhada em um canto da grande poltrona,
sua barriga grande e redonda finalmente confortável agora que seu
minúsculo ocupante se conformara um pouco. O gatinho havia
brincado muito com o novelo de lã que Alice estava usando para
tricotar um pequeno suéter, rolando de um lado para outro até que
tudo se desenrolasse; e lá ficou, a lã espalhada sobre o tapete da
lareira, cheia de nós e emaranhados, com o gatinho no meio,
correndo atrás do próprio rabo.
— Ah, sua coisinha perversa! — exclamou Alice, pegando o
gatinho e dando-lhe um beijinho para fazê-lo entender que havia
caído em desgraça. — Sério, Dinah deveria ter te ensinado boas
maneiras! Agora, se me acompanhar, Kitty, e deixar meu tricô em
paz, vou te contar tudo sobre a Casa do Espelho. Lá tudo é invertido
e o doce foge de sua mão. É encantador, com certeza. Ah, seria tão
bom se pudéssemos atravessar mais uma vez para a Casa do
Espelho! Vamos fingir que existe alguma maneira de voltar. Vamos
fingir que o vidro está macio como uma cortina, para que a gente
consiga passar. Ora, está se tornando uma espécie de névoa agora,
veja! Vai ser fácil atravessar… — Ela estava de pé, encostada na
cornija da lareira quando disse isso, embora mal soubesse como
tinha chegado ali. E certamente o vidro estava começando a
derreter, feito uma névoa prateada e brilhante…
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Quando Jafar rouba a lâmpada do Gênio, ele faz uso de seus dois
primeiros desejos para se tornar sultão e o feiticeiro mais poderoso
do mundo. Assim, Agrabah passa a viver sob o medo, à espera do
terceiro e último desejo de seu novo líder. A fim de parar a loucura
do ambicioso feiticeiro, Aladdin e a princesa Jasmine, agora
deposta, precisarão unir a população de Agrabah em uma rebelião.
No entanto, a luta por liberdade passa a ameaçar a integridade do
reino, acendendo as chamas de uma guerra civil sem precedentes.