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A Whole New World: A Twisted Tale
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Diretor editorial: Luis Matos


Gerente editorial: Marcia Batista
Assistentes editoriais: Letícia Nakamura e Raquel F. Abranches
Tradução: Alline Salles
Preparação: Nestor Turano Jr.
Revisão: Tássia Carvalho
Arte: Valdinei Gomes
Adaptação de capa: Vitor Martins

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRB-8/7057

B832a Braswell, Liz


Aladdin às avessas : e se Aladdin nunca tivesse
encontrado a lâmpada? / Liz Braswell ; tradução
de Alline Salles. – – São Paulo : Universo dos
Livros, 2021.
368 p. (Twisted Tales ; 1)

e-ISBN 978-65-5609-065-8
Título original: A Whole New World: A Twisted Tale

1. Literatura infantojuvenil 2. Contos de fadas I.


Título II. Salles, Alline
20-4081 CDD 028.5
Para meu filho Alex, que não é mais, tecnicamente, um pirralho e
agora tem idade suficiente para ler os livros que escrevo. Aproveite!
Agradeço também a David Kazemi pelos detalhes que ajudaram a
trazer a antiga Agrabah à vida, mesmo que não concordemos sobre
como se faz uma boa baclavá.
— L.B.
Prólogo

iluminava a cidade assim como diziam


que o sol brilhava nos países ao norte. Construções de tijolinhos
brancos reluziam como seixos de uma praia distante. As cúpulas
douradas da capital brilhavam como um sonho contra as dunas pálidas
e o vazio escuro e estrelado.
O calor do dia tinha se retirado há muito tempo para o deserto, e a
cidade, que havia cochilado pela tarde quente, estava, enfim, voltando à
vida. As ruas se enchiam de pessoas bebendo chá e fofocando, rindo e
visitando amigos. Idosos jogavam xatranje em mesas do lado de fora de
cafés; crianças ficavam além da hora de dormir jogando seus próprios
jogos nas calçadas. Homens e mulheres compravam de vendedores
noturnos sorvetes com sabor de rosas. A vida era barulhenta e
exuberante na Agrabah à luz da lua.
Bem, não em toda a Agrabah.
Em outra parte da cidade, as ruas eram silenciosas como a sombra e
fúnebres como a morte. Para nenhuma das pessoas alegremente
vestidas era seguro estar ali. Até os moradores locais costumavam ficar
dentro de casa ou passar pelos becos escondidos e passagens
secretas que rodeavam as ruas. Ali, os muros brancos dos edifícios
estavam desgastados e esburacados, a tinta descascadas das
camadas de tijolo em grandes faixas. Estruturas de madeira
parcialmente erguidas eram a única prova do sonho de um antigo sultão
de melhorar o distrito, de ampliar as rodovias, de trazer água. Depois
que ele foi envenenado, todo o projeto foi por água abaixo. Agora os
resquícios de seu grande plano assobiavam no vento do deserto como
corpos pendurados em forcas.
Aquele era o bairro dos Ratos de Rua.
Era onde ladrões, mendigos, assassinos e os mais pobres viviam. As
crianças que ninguém queria, os adultos que ninguém contratava para
nenhum tipo de trabalho honesto, todos eles tinham o local como seu
lar. Os órfãos, os azarados, os doentes e os descartados. Era outra
Agrabah.
Entre as barracas e casebres, os comércios caindo aos pedaços e as
casas decadentes, havia uma casinha minúscula que estava um pouco
melhor que as outras. Seus muros pareciam ter sido lavados com tinta
branca pelo menos uma vez na década anterior. Uma urna quebrada do
lado de fora da porta continha um maço de flores do deserto, mantidas
vivas pela aplicação regular de água preciosa. Um tapete adequado,
embora em farrapos, estava estendido na porta da frente para visitantes
deixarem suas sandálias em cima — no caso improvável de eles
calçarem algo.
Através de uma janela em formato de chave, transeuntes conseguiam
escutar o som baixo de uma mulher cantarolando. Se observassem pela
tela de madeira, veriam uma mulher com olhos gentis que usava trapos
com a elegância de uma rainha. Suas roupas eram limpas, assim como
as calças que ela estava cuidadosamente costurando na faixa de luz da
lua que passava pela janela.
Uma forte batida soou da porta. Três batidas, e muito poderosas.
Nenhum dos Ratos de Rua batia assim. Sempre era furtivo, e
normalmente em código.
A senhora pareceu surpresa, mas, com cuidado, deixou de lado seu
trabalho e ajustou o lenço da cabeça antes de ir até a porta.
— Quem é?! — ela gritou com os dedos na maçaneta.
— Sou eu, mãe — disse uma voz.
A mulher sorriu com prazer e abriu o trinco.
— Mas, Aladdin — ela repreendeu rindo, abrindo a porta —, você
sabe que…
Ela parou quando percebeu que havia quatro pessoas à porta.
Uma era seu filho, Aladdin. Ele era magricela, como todas as crianças
da Ratos de Rua. Descalço, com pele escura e cabelo preto grosso
como o de seu pai, e estava coberto de poeira da rua. Ele se portava
como sua mãe lhe ensinara: cabeça erguida, peito estufado. Rato de
Rua apenas no nome.
Os amigos dele — se podia chamá-los assim — estavam parados um
pouco mais ao lado, rindo e parecendo preparados para fugir. Sempre
que havia algum problema, não havia dúvida de que Morgiana e Duban
estariam envolvidos. Encarando os olhos astutos deles, a mãe de
Aladdin cerrou os dentes com zelo óbvio de tirá-lo do meio dos garotos.
Atrás de Aladdin estava um homem magro e alto, vestido com um
traje azul comprido e turbante da mesma cor. Akram, o vendedor de
frutas secas e castanhas. Ele segurava o ombro ossudo de Aladdin
prestes a apertá-lo caso o menino pensasse em fugir.
— Seu filho — Akram disse educadamente, mas bravo — e seus…
compatriotas… estavam de novo no mercado roubando. Esvazie os
bolsos, Rato de Rua.
Aladdin deu de ombros com carinho. Ao fazê-lo, puxou a parte interna
dos bolsos para fora, revelando figos e tâmaras secos. Mas não foi tão
descuidado a ponto de deixá-los cair no chão.
— Aladdin! — sua mãe disse brava. — Seu peste! Sinto muito, bom
senhor. Amanhã, Aladdin fará tarefas para o senhor o dia todo. O que
quiser. Ele vai pegar água para o senhor.
Aladdin começou a protestar, mas o olhar de sua mãe o calou. Duban
e Morgiana riram dele.
— E vocês dois também deveriam fazê-lo — ela complementou.
— A senhora não é minha mãe — Morgiana disse, insolente. — Não
pode me dizer o que fazer. Ninguém pode.
— Infelizmente, você não tem uma mãe igual a esta pobre mulher —
Akram disse, severo. — Vai acabar sem cabeça antes de fazer
dezesseis anos, menina.
Morgiana mostrou a língua para ele.
— Venha — Duban chamou, um pouco nervoso. — Vamos sair daqui.
Os dois saíram correndo pela noite. Aladdin os observou com olhar
triste, abandonado pelos amigos às punições que todos eles mereciam.
— Seria bom evitar a companhia deles, eu acho — Akram disse
pensativo. — Mas vocês três têm sorte que fui eu que os peguei, e não
outro. Há alguns vendedores que exigiriam cortar sua mão pelas frutas
que roubaram.
— Aqui, deixe que embrulho suas frutas para levá-las de volta — a
mãe de Aladdin disse, pegando as frutas do filho e procurando um pano
adequado para embrulhar.
— Está tudo bem — Akram retrucou, desconfortável. Seus olhos
dispararam pelo casebre minúsculo e escuro. — Já guardei tudo por
hoje. E uma mulher trabalhadora que é tão… sozinha não deveria ser
punida pelos pecados de outro. Considere isso um presente.
Os olhos da mãe de Aladdin brilharam.
— Não preciso da sua caridade. Meu marido vai voltar qualquer dia
desses — ela informou. — Cassim terá feito fortuna e vai levar sua
família a um lugar mais apropriado. Só tenho vergonha do que ele verá
quando voltar.
— Claro, claro — Akram disse, tranquilizando-a. — Eu… espero
ansiosamente para vê-lo de novo. Ele adorava minhas castanhas de
caju.
A mãe de Aladdin se emocionou com a lembrança de outra pessoa
sobre seu marido, mesmo que fosse superficial.
Aladdin se curvou abruptamente. A mão de Akram retornou ao seu
ombro, mas, em vez do apertão de um captor bravo, ele deu um tapinha
nervoso de alguém que sentia pena do garoto.
Isso só fez Aladdin se sentir pior.
— Agora está tudo bem?
Um guarda do mercado, um dos mais jovens, caminhava pela noite.
Ele tinha um porrete na mão e um olhar sério.
— Soube que houve uma perturbação na sua tenda, Akram.
— Não foi nada, Razoul — o mercador disse tranquilamente, como
enquanto falava com a mãe de Aladdin. — Um mal-entendido. Está tudo
resolvido agora. Obrigado pela preocupação.
O guarda, cujo único pecado parecia ser comer doces demais, não
insistiu no assunto como outros o fariam. Viu a mulher determinada e
silenciosa, o garoto Aladdin abatido e a pobreza da casa.
— Tudo bem, então. Akram, vou levá-lo de volta à sua tenda. Este
não é um lugar seguro para pessoas respeitáveis como o senhor
andarem à noite.
— Muito obrigado, Razoul. — Akram fez uma reverência à mãe de
Aladdin. — Que a paz esteja com a senhora.
— E com o senhor — ela disse, assentindo. — E… obrigada.
Quando o mercador e o guarda saíram, ela fechou a porta, cansada,
e passou a mão pelo cabelo do filho.
— Aladdin, o que faremos com você?
— O quê? — ele perguntou, não mais curvado, mas sorrindo como
um ladrão e pulando com empolgação. — Deu tudo certo! E olha!
Temos um banquete esta noite!
Empolgado, ele tirou mais figos e tâmaras dos bolsos e os colocou
em uma tigela lascada. E, então, da faixa que segurava sua calça, tirou
amêndoas frescas e pistaches defumados… e, de algum lugar de
dentro de sua camisa em farrapos, castanhas de caju.
— Aladdin! — sua mãe o repreendeu, mas estava tentando não rir.
— Fiz isso pela senhora, mãe. A senhora merece um presente.
Nunca compra nada para si mesma.
— Oh, Aladdin, não preciso de nada. Só de você — ela disse,
pegando-o nos braços e lhe dando um forte abraço.
— Mãe — Aladdin sussurrou na roupa dela. — Eu vejo que me dá a
maior parte do que quer que estejamos comendo. Não é justo. Só quero
cuidar da senhora.
— Há muitas coisas que não são justas, Aladdin. — Ela se afastou
dele, ainda segurando suas mãos, e o fitou nos olhos. — A vida é
assim… e é por isso que é muito importante que os Ratos de Rua
cuidem uns dos outros. Você tem um bom instinto. Deve sempre cuidar
de seus amigos e sua família. Porque ninguém está cuidando de nós.
Mas não significa que precise virar ladrão.
Aladdin olhou para o chão, envergonhado.
Ela colocou a mão no queixo dele e o fez olhar para cima.
— Não deixe a injustiça da vida, não deixe a sua pobreza, decidir
quem você é. Você escolhe quem vai se tornar, Aladdin. Será um herói
que cuidará dos pobres e indefesos? Será um ladrão? Será um
mendigo… ou pior? Você que escolhe, não as coisas… ou pessoas… à
sua volta. Você pode escolher ser algo mais.
Ele assentiu com os lábios trêmulos. Era muito velho para chorar. Ele
era.
A mãe o beijou de novo e suspirou, depois passou por ele a fim de
analisar a fruta.
— Talvez seja porque fica sozinho aqui com sua mãe o tempo todo —
ela disse mais para si mesma. — Você não tem com quem brincar
exceto com aquelas má influências, Duban e Morgiana. Precisa de um
amigo de verdade, ou talvez um animal de estimação, ou alguma coisa.
É, um animal de estimação…
Mas Aladdin não estava escutando.
Ele foi até a janela e abriu a tela. Aquilo era o melhor, a única coisa
boa da casa deles: devido a um truque nas ruas em ziguezague, um
buraco na mente de um arquiteto, eles tinham uma vista perfeita do
palácio.
Ele olhou para as torres brancas, ainda mais brancas sob a luz da
lua, as cúpulas douradas brilhantes, as bandeiras coloridas esvoaçando
nas lanças tão pontiagudas que pareciam que poderiam furar o céu.
Você pode escolher ser algo mais…
Tudo isso por um pão

no céu em algum lugar, mas seu irmão sol


comandava agora, e tudo desaparecia na palidez do dia quente — que
era ainda mais quente em um telhado de teto branquíssimo banhado
pelo sol.
— Pronto! — Aladdin disse com um sorriso, segurando seu tesouro
valioso.
Deu uma olhada por cima do muro do edifício para se certificar de
que ninguém o tivesse visto subir ali, seus braços escuros se
flexionaram com facilidade conforme pendurava o torso pelos tijolos.
Então se sentou, relaxou e se preparou para partir seu prêmio precioso
na metade. Seus olhos castanhos grandes e nítidos brilharam com a
expectativa feliz.
— Um pão. Mais valioso do que todas as pedras brilhantes do bazar.
O macaquinho ao seu lado guinchava, ansioso.
Abu tinha sido o último presente de sua mãe. O pai de Aladdin, claro,
nunca voltara de “procurar sua fortuna”. Aladdin nunca acreditara
naquele conto de fadas, então para ele aquilo nunca foi uma grande
perda. Mas sua mãe tinha medo de que ele se tornasse muito
selvagem, muito solitário sem uma família de verdade. Ela pensara que
um animal de estimação o domaria. E talvez fosse verdade…
… só que agora ele roubava para ambos.
— E o almoço está finalmente servido — Aladdin disse, gesticulando
com o pão para o amigo.
— Pare, ladrão!
Abu saiu correndo. Aladdin saltou.
De alguma forma, os guardas do mercado tinham realmente
conseguido subir a escada até o telhado atrás dele. Dois haviam
subido, na verdade, com um enfurecido Razoul logo atrás. Atualmente,
ele usava o turbante listrado coroado com ônix preto que lhe dava a
distinção de capitão da guarda. Apesar de seus desentendimentos, até
Aladdin tinha de admitir que o homem havia subido de cargo
honestamente. Mas não significava que Aladdin gostasse dele.
— Quero as suas mãos como um troféu, pivete! — Razoul berrou. Ele
bufava conforme arrastava o corpo pela escada.
Devia estar duplamente irritado pelo esforço que precisou fazer para
subir até ali.
— Tudo isso por apenas um pão? — Aladdin perguntou exasperado.
Ele tinha escolhido pegá-lo especificamente de um dos carrinhos
carregados para a realeza… um piquenique para o sultão, para uma de
suas brincadeiras com papagaios ou algo igualmente ridículo. Gordo
como ele era, um sultão minúsculo não sentiria falta de um simples
pãozinho.
Porém, aparentemente, os guardas sentiriam. E, sob a lei, se o
acusador escolhesse, poderia pedir que cortassem a mão de um ladrão
como punição.
E a cimitarra de Razoul estava particularmente brilhante e afiada à luz
do sol naquele instante.
Então Aladdin pulou pela lateral do prédio.
Aladdin era muitas coisas: rápido, forte, esperto, ágil, pensava rápido
e era veloz.
Mas não era imprudente.
Então, enquanto os guardas pararam um pouco, chocados com o que
parecia uma atitude incrivelmente mortal e maluca, um Aladdin apenas
meio nervoso despencou rua abaixo, segurando nos varais que ele
sabia que estariam ali.
Havia, lógico, sempre a chance de as cordas não aguentarem.
Mas Aladdin tinha a sorte ao seu lado; esticar o braço só resultou em
ser acertado por roupas limpas e queimar as mãos durante a descida.
Quando ficou doloroso demais para suportar, ele soltou e caiu na rua
empoeirada de um jeito que lhe provocaria hematomas e contusões.
Não havia tempo para refletir sobre sua segurança, sua sorte ou
qualquer machucado a ser examinado mais tarde. Ele precisava
planejar sua próxima fuga imediatamente, ficar à frente dos guardas
que desciam de volta com pressa para ver o que tinha acontecido com
ele.
Os trajes da viúva Gulbahar estavam enrolados nele. Aladdin pensou
que, se ninguém tivesse visto, ele poderia facilmente se envolver com
eles e fingir ser uma devota — embora feia — garota, e saindo de
fininho por um dos haréns.
Ele parou quando uma risada alta e feminina soou acima dele.
Olhou para cima e viu a própria viúva se debruçando na janela e
sorrindo de forma indelicada para ele. Duas outras mulheres estavam
perto, onde faziam uma boa fofoca antes de sua chegada emocionante.
Seria o único prazer delas naquele dia, antes da tarefa de encontrar
comida e de o trabalho começar.
— Você arranjou problema muito cedo hoje, não é, Aladdin? —
Gulbahar zombou.
— Só… ai… só é problema… ai… quando nos pegam — Aladdin
protestou, tentando não demonstrar dor conforme subia e se juntava a
elas.
Esperava que elas entendessem sua intenção ao enrolar um lenço na
cabeça e no pescoço. Apoiou-se na parede no que imaginava ser um
gesto feminino, jogando os quadris para o lado e ficando de costas para
o corredor onde os guardas entrariam.
Gulbahar revirou os olhos e balançou a cabeça.
— Aladdin, você precisa parar — ela suspirou. — Arranje uma boa
garota. Ela vai consertá-lo.
As outras duas mulheres concordaram com a cabeça. Elas
conheciam boas garotas — mas estavam bem longe dessa definição.
— Lá está ele! — Razoul de repente gritou.
Ele e uma tropa de guardas marcharam pelo corredor, bloqueando a
saída de Aladdin.
— Agora é problema — Aladdin disse.
Ele se virou para sair, porém Razoul deve ter aplicado tudo o que
restara de sua raiva e energia em um pulmão furioso. Conseguiu
segurar o braço de Aladdin e girá-lo.
— E desta vez…
Mas, antes que conseguisse terminar a ameaça, um macaquinho
barulhento subiu em sua cabeça e arranhou seus olhos com garras
afiadas.
— Na hora exata, Abu — Aladdin disse dramaticamente para o
deleite das mulheres assistindo.
Depois ele correu.
Deu a volta em Razoul e conseguiu passar pelos guardas, que
tentaram segurá-lo ineficazmente. Dez deles não se igualavam a um
Razoul — ainda bem. Ele era o único com quem Aladdin precisava se
preocupar — e conhecia as ruas quase tão bem quanto o garoto.
Aladdin se enfiou no que parecia uma fenda na própria cidade, onde
dois prédios se desfizeram e caíram um sobre o outro, apoiando-se
como velhos amigos. Aladdin correu por debaixo deles e acabou em um
pátio malcuidado. Havia uma fonte seca e inútil no centro. Uma que, há
muito tempo, funcionara, talvez, quando algum sultão se importava que
as coisas fossem bonitas para os residentes pobres de Agrabah.
Razoul apareceu do lado oposto do pátio com a cimitarra erguida.
— Nem pense que pode escapar de volta para o labirinto das ruas
orientais, Aladdin — ele disse severamente. Quase sorriu ao ver o olhar
surpreso no rosto do garoto. — Oh, sim, eu sei qual é seu plano. Mas
você desobedeceu a lei. Precisa aceitar sua punição.
— Você vai mesmo cortar minha mão por roubar um… pão? —
Aladdin disse, tentando ganhar tempo ao se balançar na ponta do pé,
girando, mantendo a fonte entre eles.
— Lei é lei.
Aladdin se inclinou para a esquerda, depois tentou correr para a
direita. Razoul não era nada bobo; colocou a cimitarra para a direita.
Aladdin se desviou, encolhendo a barriga. No entanto, não saiu ileso:
uma faixa vermelha minúscula apareceu em sua pele. Aladdin chiou de
dor. Razoul parou.
— Talvez, se explicar para o juiz, ele seja clemente. Ele vai… pesar
suas circunstâncias. Mas é o trabalho dele. O meu é levar você.
— De verdade? Pensei que seu trabalho fosse comer baclavá. Está
ficando mais lento, meu velho — Aladdin provocou.
Com um gemido de raiva, Razoul baixou a cimitarra o mais forte que
conseguiu.
Aladdin caiu rolando e se afastou. Saíram faíscas quando a ponta da
cimitarra acertou o pavimento de paralelepípedo.
Ele subiu por andaimes frágeis e velhos que mal suportavam seu
peso. Com certeza, não suportariam o de Razoul. O guarda xingou de
frustração e Aladdin correu o mais rápido que pôde, pulando de telhado
em telhado de maneira aleatória. Sem uma ideia clara, ou mesmo um
plano, ele se concentrou apenas em se distanciar do mercado e descer
rumo àquele que era o mais silencioso e escuro bairro dos Ratos de
Rua.
Um grito anunciou que Abu o havia finalmente alcançado. Subiu no
ombro de Aladdin e se segurou ali enquanto o garoto, ainda cuidadoso,
andava pela sombra e por casas vazias: entrando por suas janelas
quebradas e saindo pelas portas entreabertas.
Enfim, sentiu que poderiam parar quando chegaram em um beco sem
saída tão decrépito e inútil que agia como um depósito improvisado de
lixo para as favelas. Nenhum trabalhador da cidade vinha tirar o lixo,
que crescia em pilhas nas quais os mais pobres dentre os pobres
vasculhavam, esperando encontrar uma migalha negligenciada. Era
fedorento, mas seguro.
— Ufa, o velho está ficando mais lento, mas mais esperto —Aladdin
admitiu a contragosto, batendo a poeira da calça e do colete. — E
agora, Estimado Efêndi,1 banquete.
Ele se sentou na base do muro e finalmente partiu o pão, dando
metade para Abu, que o pegou animado.
Mas, quando Aladdin estava prestes a dar uma grande e bem-vinda
mordida, o barulho de algo batendo na rua o fez parar.
Esperava guardas.
Esperava correr de novo.
Não esperava ver dois dos menores e mais magricelos garotos de
Agrabah. Eles pularam, assustados pelo barulho que fizeram enquanto
remexiam o lixo, em busca de algo para comer. Quando viram Aladdin,
não exatamente se abraçaram, mas se aproximaram para maior
segurança. Seus olhos eram enormes. A barriga deles estava
encolhida. Só analisando melhor ele pôde ver que uma das crianças era
uma menina; seus trapos não tinham forma e eles era muito, muito
magros.
— Não vou machucar vocês. Parece que os conheço. Será que já
nos vimos?
As crianças não disseram nada e esconderam o que quer que
tivessem — ossos e cascas de melão — nas costas.
Ratos de Rua cuidam uns dos outros. As palavras de sua mãe
viajaram pelos anos até ele.
— Aqui — ele disse, levantando-se devagar sem fazer nenhum
movimento repentino.
Sabia como era ter medo de alguém maior, mais saudável ou mais
velho, que te machucaria e roubaria o que tivesse. Ele estendeu as
mãos; uma vazia, em paz, a outra com o pão.
As duas crianças encararam o pão.
— Peguem — ele incentivou com tranquilidade.
Elas não precisaram de muito para serem convencidas. A menina, a
mais corajosa, esticou o braço e o pegou, tentando não agarrá-lo. Ela
murmurou “Obrigada” e, imediatamente depois, partiu-o quase na
metade. Deu o pedaço maior para seu irmão, mais magro e franzino.
Abu observou interessado, mastigando seu pedaço.
Aladdin sentiu um nó de raiva se formar na garganta.
Quando foi a última vez que aquelas duas crianças comeram uma
refeição completa ou beberam água boa, abundante e limpa? Ele foi
assim quando criança. Nada tinha mudado. O sultão ainda descansava
em seu palácio de linda cúpula dourada, brincando com seus
brinquedos, enquanto pessoas passavam fome nas ruas. Nada nunca
mudaria até o sultão — ou alguém — acordar e ver como seu povo
estava sofrendo.
Aladdin suspirou e colocou Abu no ombro. Foi para casa lentamente,
de barriga vazia, mas cheio de raiva e desespero.

Expressão de uso corriqueiro na nobreza de países do Oriente Médio,


a qual equivale a “senhor”, “mestre” ou mesmo “amigo”. (N.E.)
… mas por uma maçã

: o sol começou sua jornada abaixo, a lua se preparou


para subir, e Aladdin acordou de sua soneca da tarde animado com a
promessa de um recomeço. E o que o mantivera vivo e saudável
durante todos aqueles anos de miséria — talvez mais do que seus pés
mais rápidos que o vento, sua mente ligeira e sua língua ainda mais
ligeira — era o seu otimismo infinito. Se ele simplesmente mantivesse
os olhos e a mente abertos, qualquer coisa seria possível.
Até o jantar.
Ele saiu do bairro dos Ratos de Rua para fazer de vítima
comerciantes que talvez o conhecessem um pouco menos, assim como
às suas técnicas. Macacos não eram tão incomuns em Agrabah;
macacos que passeavam muito pelo mercado e roubavam
continuamente eram.
— Sinto que hoje é dia de melão — Aladdin disse, procurando um
alvo em potencial nas sombras de uma carroça movida a camelo.
Seu estômago roncou, concordando, ao pensar na fruta madura e
suculenta. No entanto, os acontecimentos da manhã ainda estavam
frescos em sua memória, e pesaram mais em sua decisão. O
comerciante de melão em questão estava gritando com uma mulher e
recusando a pechincha.
— Eu morreria de fome se baixasse os preços para você. Todo
mundo iria pedir. E onde está seu lenço, mulher insolente? Volte para o
harém de onde veio!
A mulher se virou triste para ir embora. Tinha cabelo escuro comprido
puxado para trás em uma trança com mecha cinza. Suas túnicas se
penduravam nela largamente. Aladdin não conseguiu deixar de pensar
em como ela se parecia com sua mãe. Uma menina magricela — filha
ou neta — grudada atrás dela.
— É. Definitivamente, melão — ele murmurou para si mesmo. Pegou
Abu e apontou para a tenda. — Sua vez, amiguinho.
Não precisou de muito para encorajar o macaco a ir na direção das
pilhas gigantes da fruta verde-escura.
Aladdin saltou na sacada acima e aterrissou levemente na viga que
suportava a tenda de melão. Ele se debruçou e escutou com cuidado.
No instante em que ouviu o vendedor gritar e correr atrás de Abu,
esticou-se para baixo como uma cobra sinuosa e pegou o melão
maduro mais próximo.
Assim que estava seguro e fora de vista, assobiou um chamado curto
que poderia ser confundido com o som de uma pomba.
Instantaneamente o macaco parou de fazer barulho.
— É, vá embora, seu ladrão! — Aladdin escutou o comerciante
rosnar.
Um instante depois, Abu apareceu na viga ao lado de Aladdin. Ambos
agachados em posição comicamente similar, Aladdin partiu o melão
com uma madeira e o serviu.
— Isso faz tudo valer a pena. Isto é a vida — Aladdin disse,
saboreando a primeira suculenta mordida.
Descansou confortavelmente, comendo seu jantar, sentindo o sol
aquecer-lhe a pele e os músculos. Os hematomas da manhã já estavam
sumindo de seus braços e pernas. As pessoas começaram a se
amontoar no mercado quando o último calor do dia começou a diminuir.
Tendas e toldos coloridos apareciam em toda estrutura até o fim do
horizonte, como borboletas que acabam de nascer abrindo as asas. A
luz alaranjada do fim da tarde fazia os arcos, torres e turbantes brancos
brilharem como ouro antigo.
Moradores locais — homens em túnicas e turbantes e coletes e
calças, mulheres em trajes coloridos, às vezes de seda, às vezes de
algodão, às vezes com lenços combinando, às vezes não —
analisavam os produtos e as mercadorias com olhos interessados.
Entre eles, andavam estrangeiros e homens com olhos esquisitos em
jellabiyas2 escuras e mulheres com maquiagem igualmente escura. De
vez em quando, havia um brilho de ouro em volta de um punho, um
brilho de pedras verdes em um pescoço.
Aladdin suspirou de satisfação. Poderia haver algo realmente mais
maravilhoso no mundo do que a cosmopolita e movimentada Agrabah?
Porém, nas sombras, ficavam velhos esqueléticos, quase nus,
esperando para serem chamados para limpar o estrume de camelo ou
outros resíduos. Com esperança de uma gorjeta. Era assim que eles
passariam o resto da vida. Depois de uma vida toda cuidando da
família, não era a vez de eles cuidarem de si próprios? Tomar chá, jogar
xadrez, fumar narguilés e aproveitar os netos?
— Venha, Abu, vamos…
E então ele parou.
Aladdin sentiu uma mudança no clima da multidão do mercado. As
pessoas virando a cabeça e observando uma garota passar por elas.
Ela usava um traje e um lenço cor de bronze, as roupas de uma
habitante local… mas não parecia frequentadora do mercado.
Movimentava-se lentamente e olhava para tudo com uma curiosidade
infantil. Seus olhos eram grandes e nítidos, o cabelo tão preto quanto a
noite. Ela exibia um sorriso carinhoso nos lindos lábios e, obviamente,
estava murmurando olás e com licenças para pessoas que realmente
não se importavam ou não queriam conversar. Andava com a graça de
uma nuvem ao vento, como se seu corpo não pesasse nada, e tinha a
cabeça erguida com uma tranquila dignidade. Tranquila.
Aladdin sentiu o coração se contrair. Nunca a tinha visto… ou nunca
tinha visto alguém como ela.
Quando a moça ajustou o lenço, revelou no cabelo um diadema com
uma esmeralda ridiculamente grande incrustada nele.
Ah, uma riquinha, saindo para um dia de compras no mercado sem
seus criados. Vivendo perigosamente, brincando de fugir de casa.
Então, claro, Aladdin viu as outras pessoas observando-a.
Olhos selvagens e sorrisos falsos. Seu estômago se afundou. Ele só
roubava comida para si mesmo e Abu. E para uma criança faminta de
vez em quando. Outros Ratos de Rua não eram tão distintos. Da forma
como ela estava perambulando, sem prestar atenção, teria todas as
suas joias e bens mundanos roubados antes de chegar ao outro lado da
praça. Porque se Duban e Morgiana estivessem ali, eles a teriam
roubado ou enganado em menos tempo do que se precisava para
comer um melão.
A menos que estivessem distraídos por seus olhos amendoados
deslumbrantes…
Um Rato de Rua “acidentalmente” entrou em seu caminho. Aladdin o
conhecia: era pequeno para sua idade, esguio e magro, com uma
cabeça grande e olhos igualmente grandes. Sempre se passava por
uma criança bem mais jovem do que era, e estava fingindo ser muito,
muito jovem e estar muito, muito faminto naquele instante. E, de alguma
forma, acabou parando diante da garota.
Aladdin não conseguia escutá-los, mas era óbvio, pelo olhar de pena,
concluir o que ela dizia. Ela era um alvo perfeito.
Abu o chamou. Se o humano não iria terminar seu melão como
alguém esperto, então o macaco gostaria muito de comê-lo.
— Shhh! — Aladdin pediu.
O que aconteceu em seguida não foi nada que ele — ou qualquer
Rato de Rua — poderia ter previsto.
A garota linda pegou uma maçã da tenda mais próxima e deu ao
menino.
E saiu andando.
O Rato de Rua olhou para a maçã e para a garota saindo de costas,
confuso.
O vendedor de fruta segurou-a e exigiu o dinheiro.
Ela deu de ombros e balançou a cabeça como se ele fosse louco.
O Rato de Rua — e todo mundo — a observava como se ela fosse
maluca. O que deveria ser. Ela havia simplesmente planejado pegar
aquela maçã? E dar para alguém? Sem pagar por ela?
O comerciante também a encarou por um instante, sem compreender.
Depois a pegou e a jogou contra a tenda. Uma multidão se amontoou
para assistir. Alguns homens murmuraram e protestaram, mas ninguém
se mexeu para ajudá-la. O comerciante tirou um punhal extremamente
afiado e ergueu acima do punho dela.
Quando ela começou a berrar, Aladdin já estava no ar e na metade
do caminho até a tenda.
— Ninguém rouba nada aqui na minha banca — o comerciante gritou.
A ponta de sua lâmina brilhou vermelha na luz da tarde.
— Não! — a moça gritou.
A faca desceu rapidamente, cortando o ar.
A multidão arfou.
— Obrigado, bondoso senhor — Aladdin disse, de repente entre o
comerciante e a garota.
Antes que alguém conseguisse registrar a presença do recém-
chegado, ele gentilmente empurrou o braço do homem para longe com
uma mão e segurou a garota com a outra.
— Milhares de agradecimentos para o senhor por encontrar minha
irmã.
— O quê? — o homem perguntou confuso. — Você conhece esta
moça?
— Procurei você por toda parte — Aladdin disse, repreendendo a
garota e balançando um dedo na cara dela.
A moça estava muito confusa.
— O que você…? — ela começou a perguntar.
— Shhh! — Aladdin sussurrou. — Só me siga!
— Explique-se! Ela estava roubando da minha barraca! — o
comerciante gritou.
— Minhas desculpas, meu bom senhor. Minha irmã… às vezes causa
problemas. Ela fugiu de casa de novo — Aladdin disse com pesar. Ele
deu um tapinha na lateral da cabeça. — Infelizmente, ela é maluquinha.
A moça pareceu furiosa com aquelas palavras. Aladdin lhe lançou um
olhar afoito.
Finalmente, ela entendeu.
Ela assentiu a cabeça de leve.
— Ela disse que conhece o sultão — o comerciante cuspiu, fazendo
uma grande encenação ao analisar Aladdin de cima a baixo. Com
brincos dourados enormes, saúde perfeita e pele brilhosa, a moça
parecia alguém que poderia conhecer o sultão. E Aladdin, com sua
calça puída, definitivamente não parecia.
A mente de Aladdin trabalhou rápido.
Abu guinchou de maneira inquisitiva no chão. O macaco, obviamente,
sentiu o problema generalizado no ar.
Era isso.
— Ela pensa que o macaco é o sultão — Aladdin sussurrou alto no
ouvido do comerciante. Alto o suficiente para a multidão… e a garota…
ouvirem.
— Oh, sábio sultão — a moça começou, insegura, aproveitando a
deixa.
Ela olhou para o solo coberto de poeira e, depois, para o punhal
afiado que o vendedor ainda segurava, o qual estava apontado para
Aladdin agora.
Ela se jogou na terra, prostrando-se diante de Abu.
— Como posso servi-lo?
Os homens e as mulheres da multidão soltaram sons de empatia, e
começaram a se dispersar da cena vergonhosa.
O comerciante observou a menina linda na poeira da rua e começou
a parecer convencido.
A essa altura, Aladdin tinha que acabar tudo rapidamente e sair dali
antes que algo desse errado. Ele discretamente pegou outra maçã da
tenda.
— Trágico, não é? — ele suspirou arrependido. Entregou a maçã ao
vendedor. — Bem, que bom que ela não se machucou. Venha,
irmãzinha, vamos voltar para casa da tia Idina agora.
A moça se levantou e tentou fazer os olhos parecerem imbecis e
malucos. Foi um pouco demais, Aladdin pensou, mas nada mal para
uma riquinha ingênua. A jovem colocou as mãos nos ombros dela e a
guiou pela multidão. Ela se deixou ser guiada, andando rigidamente —
mais como um espírito do que como uma pessoa louca, mas não
importava. Foi bom o bastante.
Ela parou diante de um camelo.
— Olá, tia Idina! — ela disse com um sorriso largo e besta.
— Esta não é a tia — Aladdin disse entre dentes cerrados e a
empurrou para andar mais rápido. Chamou Abu. — Vamos, sultão.
Infelizmente, isso voltou a atenção para Abu. O macaquinho pegava
da tenda o máximo de maçãs pequenas que conseguia — até segurava
uma na boca.
O comerciante, que finalmente se desinteressara dos acontecimentos
e havia acabado de se virar para arrumar suas frutas, viu isso.
Se ele estivera bravo antes, agora estava muito mais. Seu rosto ficou
roxo e vermelho de raiva. Por um instante, Aladdin quase se preocupou
que o vendedor caísse morto no lugar.
— Pare, ladrão!
Aladdin pegou a mão da moça e correu.
Abu saiu atrás deles, desesperado, tentando segurar pelo menos
uma maçã.

Roupa tradicional egípcia proveniente do Vale do Nilo. (N.E.)


O preço do conhecimento

aposentos do palácio, um trabalho secreto


brilhava em vermelho e laranja do fogo líquido que fluía nas fendas ao
redor. Apesar do brilho ardente e sangrento, o cômodo estava frio —
quase gelado. Jafar se movimentava com cautela em seu traje
envelopado, batendo os dedos com impaciência na superfície negra e
cintilante de seu bastão.
Ele era o grão-vizir do sultão e conselheiro mais confiável — e seu
único amigo desde que a sultana morrera. Se o público fofo-cava
abertamente sobre a princesa, eles limitavam a conversa sobre Jafar
para a noite. Diziam que ele mexia com magia negra. Que seu bastão
com cabeça de cobra lhe dava poder sobre outros. Que o sultão estava
tão completamente sob o controle de Jafar que nada estava fora de seu
alcance.
Fofocas à parte, também havia fatos sólidos sobre o homem: era a
segunda pessoa mais poderosa no reino, parecia saber tudo o que
acontecia em todos os lugares de Agrabah e tinha — mais do que
algumas vezes — pegado pessoas e desaparecido com elas nos
calabouços, ou pior.
Aquele trabalho fazia parte do “pior”.
Um equipamento terrível e estranho cobria a mesa onde Jafar estava
debruçado no momento. A madeira cor de ferrugem fora esculpida em
engrenagens e pintada com runas feias que pareciam sussurrar quando
ele se aproximava. O metal negro, que não era de ferro retorcido, tinha
formas perturbadoras como uma jaula em volta da madeira. Pedaços de
itens esguios — tecido rasgado, seda de aranha, penas com sangue —
presos em seus espinhos se balançavam em uma brisa oculta como o
cabelo debaixo da água.
O ar no meio disso tudo estremecia e rasgava como se o próprio
mundo estivesse sendo rasgado. No buraco sangrento e sombrio, uma
forma oscilante apareceu.
Jafar se aproximou, tentando desvendar a imagem. Essa era a magia
mais proibida e esotérica que pessoas da laia dele faziam: Rizar
Hadinok, ou “Ver Além”.
Só então, uma forma esfumaçada e suada desceu os últimos degraus
de pedra que levavam à sala secreta de Jafar. Razoul estava
obviamente tentando não parecer nervoso e o cumprimentou da forma
mais apropriada que conseguiu.
— O senhor me chamou, grão-vizir?
— Preciso que encontre e me traga esse homem. É de suma
importância para… o sultão.
Jafar indicou a forma embaçada no ar com o dedo comprido. O
capitão da guarda se aproximou com passinhos vacilantes, tentando
manter a maior distância que conseguia entre seu corpo e o
equipamento que parecia diabólico. Mas, quando focou na imagem no
ar, perdeu o nervosismo para sua surpresa.
— Ele, vizir? Ele é só um pivete. Um Rato de Rua. Um ladrão trivial
no mercado, nada mais. Não poderia prejudicar o sultão.
Jafar ergueu uma sobrancelha pontiaguda para a presunção do
guarda.
— Minha magia previra o papel dele em certos eventos que envolvem
o destino de Agrabah. É imperativo que o traga imediatamente — ele
rosnou.
— Sim, claro, grão-vizir — Razoul se apressou em se desculpar,
baixando em uma reverência.
Quando se levantou, despediu-se, dando uma última olhada no
trabalho proibido.
— Onde está Iago? — ele perguntou antes de conseguir se impedir.
— Hummm? — Jafar perguntou distraído, já voltando sua atenção ao
seu equipamento.
— O… seu… papagaio — Razoul gaguejou. — Ele sempre está no
seu ombro. Ou por perto.
Jafar encarou o guarda pelo canto do olho durante um instante que
se tornou assustador.
— Comendo biscoito em algum lugar, eu presumo.
— S-sim. Claro. Grão-vizir — Razoul disse com outra reverência.
Depois se apressou para fora do cômodo o mais rápido que pôde, sem
demonstrar medo.
Jafar pousou a mão esquerda sobre a mesa e, lentamente, batucou
os dedos, um após o outro, contemplando a imagem.
— Então — ele disse devagar para a imagem do menino. — Os
poderes antigos dizem que você é o único que pode entrar na caverna e
viver. Você vai fazer isso muito bem, meu diamante bruto…
A Agrabah que ninguém vê

que ele pensou ser uma distância segura do


mercado, Aladdin finalmente se jogou em uma tina de água velha e
quebrada.
— Oh, uau, você viu a cara dele? — ele perguntou, dando risada. —
Caramba, ele ficou bravo. Deve estar se sentindo estúpido agora. Ele
acreditou em tudo! Até você arruinar tudo completamente, Abu.
Abu pareceu sentir que estava sendo criticado. Pulou do ombro de
Aladdin e ficou reclamando, rabugento.
A moça estava curvada, com a mão na cintura, arfando. Depois que
suas arfadas diminuíram para meras respirações profundas, ela uniu as
mãos e fechou os olhos. Então fez uma série de alongamentos que
eram graciosos e pareciam bem praticados.
— Desculpe — Aladdin disse. — Acho que não está acostumada a
correr muito, não é?
— É, você deveria estar pedindo desculpa mesmo por me salvar de
ter a minha mão cortada. E não, não estou acostumada a fugir das
pessoas. Corro com Rajah, meu… — ela pausou como se pensasse em
uma palavra apropriada — cachorro.
Ela estava sendo vaga de propósito. Não que precisasse ser um
gênio para descobrir que ela provavelmente passara a vida inteira nos
aposentos de mulheres de alguma mansão ou propriedade.
— Onde estamos, por sinal? — ela perguntou, mudando de assunto e
olhando em volta.
Estavam descansando na interseção ampla entre prédios demolidos
pela metade sem um propósito específico. Não havia ninguém à vista, e
a brisa do deserto soprava com tristeza pelos poucos gramados e
plantas secos que tentavam crescer na beirada das estradas
compactas.
O único outro barulho era de uma luta em algum lugar por perto,
gritos pontuando golpes terríveis e com som reverberante.
De repente, Aladdin percebeu como aquilo devia ser para a garota.
Sozinha com um estranho, no meio do nada, sem saber como voltar
para o lugar de onde viera. Se ele fosse o tipo errado de pessoa — do
tipo de Rato de Rua mais perigoso —, aquele seria exatamente o lugar
para o qual a teria levado a fim de despi-la de todos os seus pertences
de valor. Um lugar em que ninguém a escutaria gritar.
— Bom, eu poderia te contar, mas provavelmente não adiantaria
muito — ele disse, tentando soar amigável. Levantou-se e abanou as
mãos enquanto falava, um guia turístico perfeito. — Entramos
oficialmente na seção bizarra e residencial da parte mais pobre de
Agrabah. Muitas daquelas ruas nem têm nomes. Só as chamamos de “o
caminho oriental do Hakim” ou “o corredor fedorento perto da ratoeira”.
O principal ponto de referência mais próximo é a velha mesquita
Ottoman, bem ali… que não é usada há séculos, exceto por pombos e
mendigos quando as tempestades de areia chegam do deserto.
A garota estava franzindo o cenho. Não brava, era mais como se
tentasse desesperadamente entender. Algo no que Aladdin dizia — de
forma tão simples — a frustrava.
— Ãh, onde parou? — Aladdin perguntou. — Foi na parte do “pombo”
ou da “tempestade de areia”? Ou “fedorento”?
— Na verdade, foi “mendigo” — a garota respondeu lentamente. —
As pessoas… moram na velha mesquita?
— Não o tempo todo. É um pouco assustadora. Alguns dizem que é
assombrada. Ei, falando em casas, há algum lugar para onde eu possa
levá-la?
Era a coisa certa a se fazer, claro. Salvar a moça bonita, levar a moça
bonita para casa. Recusar a recompensa. Tudo bem, talvez aceitar a
recompensa. Se houvesse uma recompensa. Em geral, não tinha uma
recompensa? Provavelmente, na realidade, eles dariam uma olhada
nele, pegariam a garota e o mandariam embora apontando uma
cimitarra afiada.
Ele esperava que ela morasse bem longe, para que demorassem a
chegar na casa dela.
Como em um oásis, no deserto. Seria perfeito.
Ele ficou surpreso e grato quando ela balançou a cabeça.
— Me mostre a sua casa. Quero ver onde você mora.
Aladdin se viu ruborizar, uma condição bem incomum para ele. Jogou
o cabelo escuro no rosto para ela não perceber.
— Oh, não vai querer ver. Não tem nada de especial.
Na verdade, não tinha nada se considerasse uma casa como algo
com quatro paredes, um teto e algum tipo de porta.
— Vamos! — a moça implorou, tendo recuperado o fôlego… e o
entusiasmo. — Eu me joguei no estrume de camelo ao entrar na sua
onda. Acha que me importo com como é sua casa?
Aladdin percebeu que estava sorrindo.
— Tudo bem, mas lembre-se, você que pediu!
Ele olhou rápido em volta, avaliando o melhor caminho. Então a levou
para os fundos de uma das casas antigas que caía aos pedaços e
começou a abrir uma escada magricela e velha.
— Hum… — ela perguntou cética, encolhendo a cada degrau no qual
pisava como se temesse que a coisa toda fosse se quebrar. — O que
vamos fazer?
Aladdin pulou em uma sacada e ofereceu sua mão a ela, que fingiu
não vê-la, pulando com agilidade quando observou aquilo que tinha que
fazer.
— Lembra da parte “pobre” e “fedorenta”? Ãh, quero dizer, eu não
sou fedorento, mas não moro exatamente na parte mais segura de
Agrabah. Acho que é melhor sairmos da rua, onde podem nos ver.
— O que tem de errado em sermos vistos? — ela perguntou.
— Não sei. O que tem de errado em não pagar por uma fruta e dar
para alguém?
— Eu não sabia… — Sua voz sumiu.
— Que tinha que pagar pelas coisas? — Aladdin terminou, sorrindo
gentilmente.
— Está bem, foi minha primeira vez em um mercado — ela admitiu.
— Na verdade, nunca comprei alguma coisa antes. Nunca pensei em
como as coisas funcionavam, preços, macaco e essas coisas. Você me
pegou.
Ele não conseguiu deixar de parecer convencido. Estava muito certo
quando a julgou de riquinha disfarçada.
Mas ela estreitou os olhos e lhe deu um tipo de olhar que ele
geralmente esperava receber da viúva Gulbahar.
— Não estou vendo uma bolsinha de moedas de ouro com você,
espertinho. Como você paga pelas coisas?
Aladdin se viu — bem possivelmente pela primeira vez na vida —
sem palavras.
— Você… é muito esperta — ele finalmente disse. — Mas é
completamente diferente! Só roubo porque, do contrário, morro de
fome!
— Então não tem problema você roubar… porque precisa de comida.
Mas para mim tem problema. Quem diria? E estava só tentando ajudar
uma criancinha.
Aladdin cruzou os braços.
— Tudo bem, é, você é total e absolutamente esperta. Vamos só
dizer que o motivo de estarmos aqui em cima nos telhados é porque,
aparentemente, você não sabe o que é roubar, e eu sei, e estou
acostumado a… esse tipo de vida. Olhe ali.
Ele se abaixou na sacada e a puxou para perto. Na sombra de uma
torre torta, havia um pequeno grupo de crianças e dois adolescentes
deitados desordenadamente. Usavam trapos e tinham olheiras. Dois
dos mais novos tentavam jogar um jogo com um seixo, jogando-o para
a frente e para trás. As crianças mais velhas sujavam os braços com
cinzas, fazendo parecer que eram mais doentes do que o normal.
— No instante em que alguém… e quero dizer qualquer um… exceto
por outro Rato de Rua, entrar por ali, eles vão se levantar e rodeá-lo.
Ou rodeá-la. Pedindo. E se ele, ou ela, não der alguma coisa, um pão,
uma moeda… ou, às vezes, mesmo se der, enquanto uma criança está
gritando que está com fome, outra estará mexendo no bolso dessa
pessoa.
A garota pareceu horrorizada.
— Eles estão só fingindo ser pobres?
Aladdin deu risada com a ironia.
— Não, não estão fingindo. Não estão fingindo ser pobres, ou sem
sapato, ou mendigos, ou famintos. Tudo é muito, muito real. Mas às
vezes precisam de fantasias, maquiagem e interpretação para as
pessoas enxergarem a verdade debaixo do nariz.
A moça observou as crianças e Aladdin viu a expressão dela
enquanto tentava processar tudo que acabara de ouvir. Ela era
inocente, isso era verdade. Mas havia inteligência naqueles olhos
grandes. Entendia as coisas muito, muito rápido. Era mais do que
Aladdin poderia dizer normalmente daqueles que não eram Ratos de
Rua. Que desperdício, para algum pai, prender uma garota tão esperta
e interessante atrás de um portão de jardim, como um animal
premiado…
— Cadê os pais deles? — ela perguntou.
— Mortos. Ou doentes. Ou na rua, tentando encontrar trabalho. Ou
comida.
— Onde eles…? Por que eles não podem…?
Aladdin observou quando ela tentava encontrar palavras para ideias
que nunca tivera antes.
— Por que não fazem nada para resolver isso? — ela, enfim,
perguntou, com a voz brava.
— Oh, vamos, quem se importa conosco, Ratos de Rua? — Aladdin
retrucou um pouco mais triste do que pretendia. — O sultão fica
trancado no palácio, brincando com seus brinquedos dourados o dia
todo. Só sai para observar um eclipse ou empinar pipa. Quem sabe se
ele ao menos tem conhecimento de que metade da cidade passa fome?
Os olhos da garota se semicerraram à menção do sultão. Ele não
conseguia identificar se estava brava com o sultão também ou… Bom,
tecnicamente, sua cabeça iria a prêmio se falasse algo ruim sobre o
sultão ou sua família. Isso nunca impediu ninguém do bairro dos Ratos
de Rua. Poderia não existir carne, pão ou água — mas havia uma
infinidade de insultos.
Ele pensou que ela estivesse prestes a dizer algo, mas a garota
apertou os lábios com uma finalidade pensativa.
— Venha — Aladdin disse, pulando e dando-lhe a mão, tentando
aliviar o clima. — Não é tão ruim. Temos total liberdade nas ruas… e,
acredite em mim, se crescer aqui, nunca terá que se preocupar em
andar sozinha para algum lugar. As pessoas têm medo de você.
Dessa vez ela aceitou a mão dele, talvez porque seus pensamentos
estivessem em outro lugar. A pele dela era macia e suas unhas, curtas,
mas perfeitas. Aladdin lhe deu um leve aperto na mão, mas depois
soltou, arrependendo-se, para ajudá-la com a escada seguinte.
— Você disse… nós — ela falou lentamente. — Então… se considera
um desses… Ratos de Rua?
— Todo mundo se considera — ele confirmou um pouco
sombriamente. — Mas… sim. Digo, sou pobre, cresci aqui, eles eram
meus amigos e família… mas não faço parte realmente do grupo. Não
mais. Como eu disse, só roubo para comer. Quando eles roubam,
fazem isso para lucrar. Eu quero algo melhor na minha vida. Essa… é a
vida deles. Não que tenham escolha — ele complementou com rapidez.
— Não é como se alguém estivesse dando pão ou emprego.
— Parece bem complicado — a garota disse. Não soou como
banalidade.
— Não achei que fosse — Aladdin disse, pausando para refletir. —
Eu não. Eu só… sou eu. Meio ladrão e perdido no mercado de frutas.
— Acho que há mais em você do que aparenta.
Ela exibia um sorrisinho misterioso no rosto e estava, obviamente,
observando a forma como ele subia a escada. Um calor estranho
percorreu seu corpo; era como se ele não conseguisse se decidir se
ruborizava ou se se exibia. Não escolheu nenhum dos dois, virando-se
rapidamente para pular para cima e por cima da beirada do telhado.
Então ele chegou e a ajudou a subir.
Ela tropeçou na roupa quando subiu, uma ação estranha para uma
garota que parecia tão graciosa. Aladdin a pegou antes de ela cair no
chão — ou, nesse caso, no telhado. A jovem caiu sobre ele,
pressionando o próprio tronco contra o de Aladdin ao abraçá-lo para se
apoiar.
O calor da pele dela queimava através de suas túnicas e ele sentiu a
maciez daquele corpo. Ela cheirava melhor do que qualquer coisa no
bairro dos Ratos de Rua — melhor do que qualquer coisa que Aladdin
conseguia se lembrar. Melhor até do que o perfume de rosa que
roubara para a mãe certa vez — e que ela o obrigara a devolver.
Quando a garota se levantou, não se afastou dele. Em vez disso,
permaneceu próxima e encarou seu rosto, aparentemente tão fascinada
quanto ele.
Aladdin sentiu que estava caindo no chão.
— Eu… — a garota disse.
Ele se obrigou a focar em como chegariam ao próximo telhado; as
estacas que normalmente ficavam lá para carregar urnas de argila
secando no sol estavam bem onde ele as deixara. É claro. Ele se
ocupou em alcançar uma.
— Não cheguei a te agradecer por ter me salvado daquele homem —
a garota terminou baixinho, conseguindo não soar afobada demais.
— Oh, não se preocupe com isso — Aladdin disse com sinceridade.
— Você parecia alguém que precisava de ajuda assim que entrou no
mercado.
Com a habilidade de alguém que vivia em constante perigo, Aladdin
correu para a beirada do prédio e saltou com a ajuda da estaca para o
edifício ao lado.
— Foi tão óbvio? — a garota perguntou ironicamente.
Aladdin sorriu. Havia algo maravilhoso naquela garota que não levava
a si mesma muito a sério.
— Você meio que se destaca — ele admitiu.
Ela se iluminou com o elogio não intencional, seus olhos brilharam
lindamente.
— Ãh, quero dizer, não parece que você entende o quanto Agrabah
pode ser perigosa — Aladdin se corrigiu, passando a mão pelo cabelo
de propósito.
Ele olhou em volta para procurar uma placa que pudesse colocar
entre os telhados para que ela os atravessasse.
Porém, antes que pensasse em algum jeito de mudar de assunto —
ou de falar naquilo mesmo —, a garota encontrou uma segunda estaca
para si e saltou com agilidade para alcançá-lo. Bem, bem mais graciosa
do que ele. Seus trajes esvoaçaram em volta dela conforme pousava
como uma rainha dos Djinn3 iluminando as areias douradas do deserto.
— Mas aprendo bem rápido — ela retrucou com insolência
zombeteira.
Aladdin ficou de novo sem palavras. Que tipo de riquinha era ela?
Uma que conseguia se equilibrar como um bode da montanha e se
fazer de louca quando precisava? Que nunca tinha visto pobreza e,
agora, confrontada com ela, pensava bem sobre isso em vez de fazer
declarações precipitadas? Que não se importava com o fato de Aladdin
ser um ladrão, exceto quando ele aplicou diferentes truques nela?
Ele era solitário, não um ermitão; tinha conhecido outras garotas.
Morgiana, a Sombra; Abanbanu, a filha do alfaiate; Nefret, com os olhos
verdes esquisitos, que veio do deserto quando a lua estava nova para
trocar bugigangas de terras distantes.
Nenhuma delas era como aquela garota.
— Venha — ele disse, oferecendo a mão.
A moça a pegou, como ele sabia que o faria.
— É por aqui.
A garota sorriu de prazer quando ele a levou sobre placas frágeis e
podres e pedras gastas soltas há incontáveis séculos. Entraram em
uma torre por meio de uma janela em formato de chave, que deve ter
tido mosaicos brilhantes ao redor em uma época passada; tudo que
brilhava ou que valia alguma coisa tinha sido saqueado décadas antes.
Nem ratos moravam naquele lugar alto e isolado.
Bom, moravam dois. Dois ratos, de Rua, se contasse Abu.
— Cuidado com a cabeça — Aladdin disse, certificando-se de que ela
esquivasse de uma viga de madeira gigante que se inclinava de
maneira maluca do centro da torre até a lateral.
— É aqui… que você… mora?
Ela não disse com desgosto. Estava… surpresa? Impressionada?
Aladdin nunca pensou que levaria para sua casa uma garota que
realmente gostasse dela.
Eles chegaram ao andar que ele escolhera chamar de lar. Sua mãe
havia tentado manter o casebre deles o mais receptivo e aconchegante
possível; ele honrava sua memória tentando fazer o mesmo agora.
Havia alguns velhos tapetes puídos, alguns tecidos antes coloridos que
ele pendurava e usava como cortinas a fim de tapar as partes mais
feias e quebradas de pedra. Havia algumas almofadas para dormir em
cima e umas duas urnas de água e, bem, só essa decoração.
— É! Só eu e Abu. Entramos e saímos quando queremos.
— Isso parece fabuloso — a garota disse com um suspiro.
— Bom, não tem nada de mais, mas tem uma grande vista.
Com um gesto dramático, ele abriu a cortina, sabendo que ela ficaria
impressionada.
Bem diante deles estava o palácio. Ficava a um quilômetro e meio,
mas era tão grande que parecia que eles conseguiriam alcançá-lo e
tocá-lo. Conseguiam ver pelo menos uma dúzia de suas cúpulas
douradas com formato de cebola, brilhando como sóis. Os portões
gigantes e a ponte levadiça brilhavam em um tom de azul-royal, como o
céu. A estrada parecia levar diretamente desde a torre de Aladdin até o
palácio, pela cidade, passando por casas e construções desagradáveis
de ambos os lados. Ninguém obstruía a estrada. Precisava ser mantida
livre para caravanas, entregas, desfiles, cavalos, carruagens e carroças
que visitavam a realeza.
Houvera bastante disso ultimamente, porque a princesa precisava se
casar logo.
— O palácio é uma coisa linda, não é? — Aladdin suspirou.
— Oh… é… maravilhoso — a garota disse.
Mas ela não se aproximou para olhar com ele. Em vez disso, sentou-
se nos degraus que levavam ao local em que ele dormia, descansando
de forma exausta a cabeça nas mãos.
— Imagine só morar lá. Ou em qualquer mansão. Não sou exigente
— Aladdin brincou, tentando esconder sua decepção devido à reação
dela. Bom, talvez, pelo menos ele poderia conseguir que ela finalmente
se abrisse e contasse de onde era.
— Todos aqueles criados… e servos…
— Oh, claro, pessoas lhe dizendo aonde ir e o que vestir — a garota
disse, revirando os olhos.
— É melhor do que aqui, sempre atrás de comida e correndo dos
guardas — ele argumentou.
— Acabou de falar que você e Abu entram e saem quando querem.
Se tivesse nascido em uma família real, teria que fazer o que lhe
dissessem. O que esperam que faça. E não poderia ir a lugar nenhum.
— É, bom, é impossível ir a qualquer lugar socialmente quando se é
um Rato de Rua. Nossa mobilidade ascendente é estritamente limitada.
Mesmo que eu quisesse um trabalho honesto, ninguém me contrataria.
Para nenhum trabalho. Nem para um criado em uma propriedade. E
não há mais para onde ir. Quando se nasce no bairro dos Ratos de
Rua, você vive…
— Preso — Jasmine terminou.
Aladdin olhou para ela, surpreso. Era como se a jovem realmente
entendesse — como se se sentisse igual.
Ele se aproximou e se sentou ao lado da garota, que não se mexeu
para lhe dar mais espaço. Suas pernas se tocaram.
Ele pegou duas maçãs de sua faixa, entregando uma para ela e outra
para Abu. Abu o recompensou com um guincho feliz e rouco e, então,
fez exatamente o que Aladdin esperava; subiu para o teto da torre a fim
de comer toda a fruta sozinho.
A garota pegou uma faquinha prateada das roupas e partiu sua maçã
em duas, entregando uma metade a ele. Ele lhe sorriu e brindou com
sua metade.
— Então, de onde vem? — ele finalmente arriscou perguntar.
— O que importa?! — ela rosnou. — Sei que fugi e não pretendo
voltar.
— Sério? Como assim? O que poderia ser tão horrível para você
nunca mais querer ver sua mãe ou seu pai? Ou irmã, que seja?
A garota pareceu se acalmar um pouco.
— Eu adoraria ter uma irmã. Ou um irmão. E minha mãe morreu
quando eu era bem pequena.
Aladdin sentiu algo no coração se quebrar um pouco. Que
característica terrível de se ter em comum com uma linda garota.
— E meu pai… está me forçando a me casar. — Os olhos dela
ficaram rancorosos de novo. — O que você acharia se alguém lhe
dissesse que não pode escolher com quem vai passar o resto da sua
vida?
Ela balançou os punhos com raiva. Aladdin se viu recuando.
— Ele poderia ser trinta anos mais velho que eu. Mas é rico —ela
soltou para Aladdin, como se fosse ideia dele. Ele se afastou com medo
de verdade. — Ele poderia ser burro. Mas rico! Poderia ser arrogante.
Poderia me tratar como simplesmente mais uma posse. Quero dizer, é
assim que meu pai está me tratando, me entregando desse jeito. Ele
poderia ser cruel. Poderia ser… — Ela se impediu de dizer o que
queria, olhando para Aladdin com um pouco de vergonha, como se
fosse algo muito horrível para mencionar em voz alta. — Ele poderia me
encher de filhos, um por ano. Não que haja algo errado com filhos. Um
ou dois. Eventualmente. Tudo que sei é que ainda nem tenho vinte anos
e meu pai já decidiu que minha vida, o pouco que tenho para escolher,
está acabada.
Aladdin engoliu em seco. Por algum motivo, a viúva Gulbahar
apareceu em sua mente: ela não era má, mas e se ele tivesse que se
casar com ela? E passar o resto da vida com ela? Também pensou em
Morgiana. Ela tinha uma faquinha escondida também, mas não era de
prata, e não era para frutas. Se alguém tentasse sugerir que ela se
casasse com alguém contra sua vontade — bom, acabaria bem mal
para todos os envolvidos. Ela nunca deixaria isso acontecer.
— Isso é terrível — ele disse com pesar. — Eu… Eu sinto muito…
Eu…
Então Abu saltou de volta do teto. Aladdin observou com
preocupação quando o macaquinho fez o caminho mais curto para a
metade de maçã da garota. Aladdin pegou o macaquinho no ar e o
colocou no ombro, sussurrando uma reprimenda.
— O que foi? O que ele estava fazendo? — a garota perguntou. Ela
começou a relaxar de novo com as palhaçadas de Abu.
— Nada — Aladdin disse, acariciando as costas do macaquinho. A
garota se inclinou e coçou o queixo de Abu.
— Abu só estava… ah… só estava indignado com a coisa terrível que
seu pai está fazendo com você.
— Oh, jura? — a garota perguntou com um sorriso maroto e franziu
os lábios em descrédito.
Aladdin sentiu o peito enfraquecer e o cérebro esvaziar.
— Oh, sim. Ele estava acabando de dizer como ficou indignado com
o fato de haver homens que ainda controlam a vida de uma jovem
mesmo nesta época moderna e esclarecida — Aladdin disse. Estava
acariciando Abu, mas olhando para a garota. Não sabia realmente o
que dizia. Ele falaria qualquer coisa, continuaria tagarelando para
sempre, se a fizesse olhar para ele daquele jeito.
— Interessante. E Abu tem mais algo a dizer? — ela perguntou,
inclinando-se mais para perto.
Canela. Sua respiração tinha cheiro de canela. Ele conseguia sentir o
cheiro da pele dela daquela distância. Embora não fosse propenso à
poesia, conseguia pensar em uma brisa fresca de deserto que
carregava um sussurro de cipreste e sândalo.
— Ele gostaria de poder ajudar… — Pelo menos aquilo era sincero.
Ele não sabia exatamente como beijá-la ajudaria. Simplesmente sabia
que iria acontecer ou ele morreria.
— Diga a ele que eu talvez aceite a ajuda — a garota disse, fechando
os olhos e inclinando a cabeça.
Aladdin a envolveu com um braço e se preparou para a melhor coisa
que lhe acontecera.
Que foi, é claro, quando os guardas apareceram.
Razoul não estava com eles; o segundo no comando liderava o
ataque. E de que modo um homem ainda maior que Razoul e cinco
guardas grandes tinham conseguido subir a escada sem Aladdin ouvir
era um mistério que ele teria que resolver outro dia.
Instantaneamente lhe veio à mente uma pergunta ainda mais
peculiar: como os guardas sabiam onde ele estava?
— Enfim, encontramos você! — o segundo comandante de Razoul
gritou.
— E, de novo, sério? — Aladdin disse, levantando-se em um pulo. —
Tudo isso por um pão?
— Como me encontraram? — a garota gritou ao mesmo tempo.
Os dois se entreolharam.
— Eles estão atrás de você? — ele perguntou.
— O que um pão tem a ver? — ela perguntou.
O segundo comandante de Razoul não era o tipo de pessoa que
deixaria a confusão interromper suas ordens.
— Vocês não vão escapar. Entreguem-se, para não ser pior para
vocês!
Aladdin subiu na beirada da balaustrada de pedra estreita que
separava seu recanto de dormir e a cidade abaixo. Estendeu a mão
para a garota.
— Você confia em mim? — ele perguntou.
A garota pareceu confusa por um instante.
— S-sim? — ela disse incerta.
Foi o suficiente para Aladdin.
— Então pule!
Ele pegou a mão dela, lenta demais, e a puxou para seu lado. Depois
pulou no ar, puxando-a consigo.
Ela gritou; quem poderia culpá-la? Eles estavam despencando de um
crepúsculo rosado para uma escuridão noturna conforme passaram por
muitos andares através de um buraco no telhado de um prédio abaixo
deles.
A velocidade foi amenizada por duas lonas cuidadosamente bem
amarradas que Aladdin instalara no caso de uma emergência assim. A
aterrissagem, ao mesmo tempo dura e dolorosa, foi amaciada por uma
montanha de areia que se acumulara ali por séculos de negligência e
pelo vento.
Aladdin se levantou imediatamente, a mão da garota ainda na sua.
Ela estava bem ao seu lado, também muito esperta para aproveitar o
momento em busca de se recuperar. Mas a porta de repente foi
preenchida por uma silhueta infelizmente familiar.
Ele apareceu rápido demais para eles mudarem de direção.
Aladdin e a garota trombaram no peito de Razoul.
— Estamos correndo um atrás do outro, não estamos, pivete? — ele
disse com uma ironia cansada. Pegou Aladdin pelo colete, jogando-o
para o segundo pelotão de guardas atrás dele.
Aladdin xingou. Deveria ter percebido que estavam tramando algo
quando o capitão da guarda não entrara na torre com o resto. Razoul já
tinha descoberto seu esconderijo e esperado na rota de fuga.
Irritantemente inteligente.
— Será o calabouço para você desta vez, rapaz. Sem escapar.
A garota, de alguma forma incrível, começou a atacar o capitão
gigante. Aladdin e os guardas assistiram com surpresa similar conforme
ela batia repetidas vezes e inutilmente com seus punhos pequenos no
peito de Razoul.
— Soltem o rapaz! — ela gritou.
— Olhem só, pessoal — Razoul desdenhou, jogando-a de lado tão
facilmente quanto acabara de fazer com o macaco. — Uma ratinha.
Aladdin sentiu o sangue ferver quando a garota caiu no chão.
Os guardas começaram a rir; até Razoul deu risada enquanto se
virava para sair.
— Soltem o rapaz. — A garota se levantou e tirou o capuz. — Por
ordem da princesa!
Razoul parou de rir e os guardas engasgaram.
Aladdin sentiu o estômago revirar.
Aquela garota, a garota com quem ele passara a tarde, a garota que
saltou de laterais dos prédios e saltou outros com uma estaca, a garota
que havia encantado Abu e dividido uma maçã com ele não era
qualquer riquinha saindo para um passeio ou fugindo de casa. Ela era
uma princesa. A princesa.
Fasmine.
Seus olhos eram negros e duros. Ela estava ereta; seus braços
caíam graciosamente ao lado do corpo como se tivesse poder demais
até para colocá-los na cintura ou cruzá-los com raiva. Sua coroa
brilhava.
— A princesa…? — Aladdin disse fracamente.
Diziam que Jasmine era linda; diziam que era perspicaz. Ambos os
adjetivos eram verdade, sem dúvida.
Também diziam que ela era uma bruxa que tinha um tigre como
companheiro. Diziam que ela deixava pretendentes em farrapos —
verbal e, devido ao tigre, literalmente de vez em quando.
— Princesa Jasmine — Razoul disse imediatamente, baixando os
olhos e se curvando. — O que está fazendo fora do palácio? E com
este… pivete?
— Não é da sua conta — Jasmine retrucou. Colocou as mãos na
cintura e marchou até o espaço do capitão, como se ele não fosse nada
mais para ela do que um camelo irritante. — Faça o que mandei. Solte-
o.
— Eu soltaria, princesa — Razoul disse. Ele parecia genuinamente
arrependido. Voltou o olhar a Aladdin. Talvez ele pensasse que era um
pouco demais por um pão também? — Só que minhas ordens vêm de
Jafar. Vai ter que falar com ele.
O coração de Aladdin congelou.
Por que o grão-vizir se importaria com Aladdin?
— Fafar? — A princesa Jasmine estava, aparentemente, pensando a
mesma coisa. No entanto, conseguiu controlar a surpresa,
transformando a pergunta em desdém.
A última imagem que Aladdin viu antes de os guardas o carregarem
foram os olhos preocupados dela se endurecerem.
— Pode apostar — ela rosnou —, eu vou falar.

Na cultura islâmica e mulçumana, Djinn — traduzido como “Gênio” —


é uma entidade sobrenatural que rege positiva ou negativamente o
destino de alguém ou de um lugar, por isso sua figura pode ser tanto
associada ao bem quanto ao mal. (N.E.)
A Caverna dos Tesouros

ou uma lua no céu, não importava.


Debaixo da torre mais alta do palácio estava o fosso mais profundo
de Agrabah, cujo fundo era iluminado por uma única tocha. Nenhuma
luz do sol, da lua ou das estrelas chegava às suas profundezas. O
aposento mais profundo tinha sido escavado em meio à sombra de uma
noite escura por trabalhadores que foram posteriormente assassinados
e enterrados sob os degraus de pedra que ajudaram a construir — para
preservar os segredos dos calabouços do palácio.
Havia apenas uma porta de entrada: sem janela e trancada por três
barras. Além dela, havia uma dúzia de esqueletos ainda pendurados
pela parede, deixados ali mesmo depois de sua decomposição, como
um detalhe esquecido em um conto de fadas. Correndo em volta deles
havia ratos que nunca tinham visto a luz do sol e, provavelmente,
tinham algo a ver com a criação dos esqueletos.
Aladdin estava ali há apenas algumas horas e ainda não havia
deixado a óbvia finalidade do lugar atingi-lo. Continuava chocado com
os acontecimentos que culminaram com sua prisão.
— Era a princesa — ele murmurou para si mesmo pela quadragésima
vez. — Não posso acreditar que era a princesa. Devo ter parecido um
idiota para ela.
Mas… talvez… só talvez… ela tivesse gostado dele? Um pouco? E,
por um instante, no calabouço frio e fedorento onde ele estava
acorrentado, Aladdin se deixou sonhar com a vida que teria se ele fosse
príncipe. Então, poderiam ficar juntos. Ele teria a garota dos seus
sonhos e viveriam felizes para sempre.
Claro que o fato de ela ser uma princesa era o motivo de ele estar em
um calabouço.
Era óbvio: sua prisão não tinha nada a ver com o pão que ele
roubara. De alguma forma, Jafar os tinha visto, sabia que um Rato de
Rua estava perto de profanar a filha real… trazendo-lhe uma vida de
pobreza, crime e perversidade… e impedira que isso acontecesse.
— Ah, mas ela valia a pena — Aladdin suspirou, pensando em seus
olhos, lembrando-se do calor macio de sua mão. Por um instante, ele
tocara a realeza.
Os ecos de guinchos interromperam seus pensamentos.
— Abu? — ele perguntou, desacreditado, olhando para cima.
Muito suave, ele conseguia ver a sombra minúscula de um macaco
pulando de trave em trave, de pedra em pedra, descendo até o fim,
onde Aladdin estava.
— Vem cá! — Aladdin gritou empolgado.
Abu pulou em seu ombro. O garoto o acariciou o máximo que
conseguiu, esfregando a cabeça na barriga peluda de Abu.
— Ei, garoto, estou feliz em te ver! Vire-se!
Depois de aproveitar mais alguns instantes da reunião fofa deles, Abu
fez o que ele mandou. Usando os dentes, Aladdin, com cuidado, extraiu
uma agulha que tinha colocado no coletinho de Abu para uma ocasião
como aquela. O macaquinho não era apenas uma distração enquanto
Aladdin roubava coisas; os dois tinham muitos, muitos outros truques
planejados ao longo dos anos para se livrar de problemas — e também
se envolver neles.
Aladdin virou a cabeça e esticou o pescoço o máximo que conseguiu,
manejando com os dentes e lábios a agulha na fechadura da algema de
sua mão direita. Era uma trava simples e imperfeita; obviamente, se
você fosse jogado no fundo do calabouço mais profundo do palácio, não
seriam necessárias medidas extremas para mantê-lo ali.
O que levou Aladdin rapidamente à próxima parte do problema.
Assim que sua mão direita ficou livre, ele libertou a outra com
facilidade… mas aonde iria?
Abu guinchou com irritação. Macacos, obviamente, não gostavam de
ficar debaixo da terra ou em calabouços. Parecia que estava dizendo
que ele tinha feito sua parte e agora era a vez de o amigo humano
pensar no resto. Rápido.
— É, é, já vamos. Vamos fugir do palácio o mais rápido que
conseguirmos. Nunca mais vou vê-la… — ele disse melancolicamente.
Pensou em como ela ficou no telhado, saltando, o vento esvoaçando
seus cabelos para longe dos olhos. — Ela vai se casar com um
príncipe. Eu sou um idiota.
— Só é um idiota se desistir, rapaz.
Aladdin se virou.
Não havia nada além de sombras e ratos. Mas a voz era um misto de
estridente e esganiçada — humana, não fantasmagórica. Um dos
outros prisioneiros ainda devia ter um pouco de vida.
— Quem é?! — Aladdin gritou para as sombras. — Apareça!
Escutou o barulho agudo das correntes contra o chão e o arrastar de
pés de alguém ossudo e magro. Um idoso apareceu mancando. Parecia
mal ter força para ficar em pé, muito menos se mover. Não havia
algemas prendendo-o. Ainda havia uma luz em seus olhos — uma luz
de maluco.
Aladdin ficou com um pouco de medo do espectro estranho.
— Eu sou um prisioneiro como você — o velho continuou, revelando
que ainda tinha a maioria dos dentes… mas eles apontavam em todas
as direções, eram finos e amarelados, como palitos. Ele usava um velho
pedaço de madeira como bengala e se esforçava para andar de lado,
como o arrastar de um siri. — Mas, juntos, não seremos mais.
O velho esfregou os dedos sugestivamente, como se contasse
moedas de ouro. Aladdin relaxou. Um homem com mania de ganância
nos olhos era algo com que Aladdin estava acostumado.
— Estou ouvindo — ele disse.
— Há uma caverna. Uma caverna de maravilhas, menino, cheia de
tesouros para além de seus sonhos mais malucos! — Ele enfiou a mão
deformada na túnica em farrapos, e muito rapidamente a trouxe de
volta, erguendo-a ainda fechada diante de Aladdin. Ao abri-la, o menino
quase caiu para trás de surpresa.
Rubis.
Três deles. Enormes. Empoeirados e velhos, apenas um deles estava
com a superfície lascada e necessitava passar pelas mãos de um
joalheiro habilidoso. Mas eram rubis mesmo assim. Aqueles três teriam
comprado a maior parte do bairro dos Ratos de Rua — e o povo que
morava lá também.
— Tesouro suficiente para impressionar até a sua “princesa”, eu
aposto — o velho disse com um sorriso astuto, puxando-os de volta e
escondendo-os na túnica.
Aladdin sentiu um rubor lavar sua face rapidamente, depois
desapareceu.
Os rubis…
Ele começou a sorrir. Era a maior riqueza que ele já tinha visto de
perto. Suficiente para comprar cavalos, roupas chiques, criados…
… e, então, seu sorriso se apagou. Até aquele momento, Aladdin
nunca imaginara que aquele tesouro ilimitado não seria suficiente para
ele.
— Não importa quanto ouro ou joias eu tenha — ele disse
vagamente. — Ela tem que se casar com um príncipe. Preciso vir de
uma família nobre, uma linhagem de príncipes. Ou receber o título e
terras, o que não consigo ver o sultão realmente fazendo no futuro
próximo.
O velho pensou por um instante, franzindo o cenho, e bufou quando
alguma dor indefinida o incomodou. Então respirou fundo e bateu na
cara de Aladdin.
— Conhece a Regra do Ouro, não conhece? Quem tem o ouro dita as
regras! — O homem deu risada… talvez por insanidade, talvez ele
genuinamente se achasse engraçado.
Aladdin percebeu, quando os lábios do velho se abriram de alegria,
que seu único dente que parecia saudável era de ouro.
— Tudo bem — Aladdin disse com cautela.
Era verdade: dinheiro comprava quase qualquer coisa. Todos os
guardas poderiam ser subornados com ouro ou presentes para olhar
para outro lado. Todos os guardas, exceto Razoul, claro. Ele era uma
rocha grande e idiota de moralidade. Talvez sultões e reis pudessem ser
subornados também… ou pechinchados. Talvez, com ouro suficiente, o
título de príncipe pudesse ser comprado.
— Mas por que o senhor dividiria toda essa maravilha de tesouro
comigo?
Aladdin estava acostumado com surpresas — como garotas perfeitas
transformando-se em princesas inalcançáveis. Com tesouro de graça,
não — e estava altamente desconfiado.
— Eu preciso de pernas jovens e costas fortes — o velho respondeu,
batendo nas pernas de Aladdin tão cuidadosamente quanto um
comprador de camelo.
Aladdin conteve um arrepio de medo. Será que o homem era um
feiticeiro que queria literalmente pegar as costas e pernas de Aladdin?
Não, que tolice, Aladdin disse a si mesmo, balançando a cabeça.
Certo?
— Porque o tesouro está em uma caverna. No deserto — o velho
cuspiu. — Eu… não sou tão ágil como costumava ser. Preciso que
pegue para mim e tire da caverna. Agora, temos um acordo?
— Oh, claro. — Aladdin deu risada. Se não fosse pela existência dos
rubis, ele teria pensado que o velho era totalmente maluco. — Exceto
por uma coisa. A caverna está lá fora e nós estamos aqui.
O velho se vangloriou.
— As coisas não são sempre o que parecem!
Com sua bengala, ele bateu repetidamente em uma pedra na parede.
Ela deslizou para o lado, com lentidão e dificuldade, mas, de alguma
forma, com sua própria força.
— Então, repito — o velho disse como se desfrutasse do gosto de
cada palavra. Ele estendeu a mão. — Temos um acordo?
Aladdin hesitou. Talvez o velho realmente fosse um feiticeiro, afinal de
contas. Ou um Djinn antigo e bravo.
Mas, então, de novo, o tesouro…
Aladdin endireitou os ombros, enrijeceu a mandíbula e apertou a mão
do idoso.

Depois de rastejar por um espaço estreito, Aladdin se viu em uma


caverna totalmente escura. Os ventos estranhos do subterrâneo
sopraram frígidos em um instante e, no outro, extremamente quentes.
De repente, as paredes tremeluziram com uma luz maligna vermelha, e
uma rajada de ar quente queimou a face de Aladdin.
Abu gritou e agarrou o pescoço do rapaz.
— O próprio sangue da terra sobe por aqui — o velho explicou,
liderando o caminho com seu rastejar de siri.
Quando fizeram uma curva, chegaram à fonte da luz vermelha: uma
piscina de lava borbulhante que queimava ainda mais que o interior do
forno de um ferreiro.
— Estamos bem debaixo do palácio agora, na rocha viva sobre a qual
ele foi construído.
— Eu não fazia ideia de que existia algo assim — Aladdin disse
maravilhado.
E também cheio de ideias. Cavernas que levavam por debaixo da
cidade até o palácio? Parecia uma falha bem ruim na segurança.
Imaginou se eles estavam perto dos cofres cheios de ouro real.
— Ninguém faz. Ninguém vivo, na verdade. — O velho deu risada.
Aladdin sentiu uma agitação de medo outra vez. Mas o que um
espírito iria querer com o tesouro? Com certeza aquele homem estava
vivo. E era misterioso. E louco. Talvez tudo fosse atuação para proteger
os segredos dele. Os três seguiram andando.
O velho ocasionalmente resmungou, murmurou para si mesmo e
emitiu chilreios como os de um pássaro. Conversava com os mortos há
muito tempo, provavelmente. Aladdin percebeu como havia poucas
fendas e bifurcações e como os corredores eram retos. De vez em
quando, usava sua faca para arranhar um detalhe ou colocar uma
flecha em uma parede quando o velho não estava olhando. Quem sabe
quando uma rota assim seria útil de novo?
— Escute, menino — o idoso disse enquanto caminhavam. —
Quando entrar na Caverna dos Tesouros, você não pode tocar nada
exceto uma velha lâmpada de latão que vai encontrar lá embaixo.
Haverá salas de ouro, baús de rubis e antigos tesouros que valem
milhares de reinos. Não encoste em nada além da lâmpada ou não
sairá de lá vivo.
— Espere, é para eu só andar por pilhas de ouro? — Aladdin bufou.
— O senhor me prometeu riqueza, vovô.
— Imbecil — o velho murmurou, por apenas um instante soando
como alguém mais jovem. — A lâmpada dá poder… sobre a Caverna
dos Tesouros e suas riquezas. Se tocar em qualquer coisa antes de
pegá-la, vai morrer. Traga a lâmpada para mim e lhe garanto que terá o
que merece.
— Se o senhor diz — Aladdin disse, dando de ombros.
Quando finalmente chegaram à superfície, já era noite. A passagem
acabava em um buraco bem vergonhoso perto de onde os cavalos
trabalhadores e camelos ficavam nos fundos do palácio, além do muro
externo. Cheirava a xixi de animal, e Aladdin teve que deixar o velho
subir em seus ombros para conseguir sair. O lado bom era que não
havia ninguém para vê-los.
Aladdin subiu num salto e respirou fundo o ar fresco. Embora o céu
estivesse limpo, as estrelas brilhavam loucamente com a areia do
deserto e a poeira soprada sobre elas. Ele franziu o cenho. Não era
uma boa noite para se aventurar no deserto. Mas a sorte favorecia os
corajosos, e ele, certamente, queria ter sorte.
Fitou o companheiro com um olhar crítico. O velho parecia que ia se
desfazer em uma pilha de ossos bem ali.
Aladdin murmurou baixinho para os animais no estábulo. Escolheu
um cavalinho inflexível e vigoroso e colocou o velho em cima dele.
— O menino responsável por este cavalo aqui no estábulo vai
receber cinquenta chibatadas por perdê-lo — o velho disse, rindo com
prazer enquanto segurava as rédeas.
— Voltaremos antes do amanhecer se suas histórias forem
verdadeiras, vovô — Aladdin retrucou, aumentando seu desprezo por
ele. — E eu pagarei bem o pobre menino.

No deserto, os ventos sopravam a areia em uma poeira maléfica e


sufocante, e Aladdin precisou cobrir o rosto com o colete. Seus pés
ficavam escorregando nas dunas irregulares. O cavalo era um pouco
mais acostumado ao terreno, porém relinchava e protestava
constantemente.
Não era uma jornada fácil.
O velho olhou para as estrelas. Murmurou na corcunda das suas
costas, como se confirmasse seus cálculos. Em certo momento, Sírius4
apareceu como o olho de um Ifrit5 maligno sobre o frio do deserto e eles
chegaram a uma falésia sólida de rocha. Debaixo dela, havia uma
depressão larga — um vale de areia, lindo à luz das estrelas, mas
inabitado e mortal. Não havia plantas ali, nem lagartos, nem pedras
dispersas.
Aladdin ajudou o velho a descer do cavalo. Murmurando e
resmungando, o homem tirou algo de seus trapos, fazendo um copinho
com a mão, como se carregasse algo vivo. Como se fosse algo que
pudesse escapar. Enfim, abriu os dedos e revelou seu prêmio.
Havia um escaravelho dourado em sua mão. Primeiro, Aladdin
pensou que fosse uma joia ou uma estátua, talvez com um mapa do
tesouro atrás.
Então, ele abriu suas asas douradas e se pôs a voar.
As asas cintilavam e brilhavam, e o escaravelho voou no ar com um
zumbido alto.
Aladdin pulou para trás.
O belo e assustador escaravelho sobrevoou o vale com a exatidão de
algo não totalmente inseto, mas também robótico. Circulou um monte
enorme como se decidisse o que fazer e, então, mergulhou fundo na
areia.
Quase instantaneamente, as dunas deslizaram para a frente de um
jeito perturbador. Uma coisa enorme, uma coisa nada natural estava se
agitando e emergindo à superfície. Uma rocha gigante no formato de
uma cabeça de tigre apareceu, movendo-se, rosnando e sacudindo-se
como se estivesse viva.
Aladdin se preparou para correr, porém nada além da cabeça do tigre
apareceu. Não parecia capaz de se mexer e faltava-lhe o corpo de uma
esfinge.
— Quem vem perturbar meu sono?
Era difícil dizer se as palavras eram realmente faladas em voz alta; o
solo ribombava, o céu trovejava e o tigre rugia.
Aladdin recuou, quase tropeçando nos próprios pés.
Não era para aquilo que ele tinha feito acordo. Para uma jornada
perigosa em uma caverna sombria e profunda, sim. Para uma excursão
noturna até o meio do deserto à noite, claro. Mas aquilo era demais.
Não tinham comentado sobre um tigre de pedra gigante que falava com
a voz de um deus antigo.
O velho fez com as mãos um movimento impaciente de vá em frente.
— O quê? — Aladdin perguntou. — Está louco?
— Você quer a princesa, garoto? — seu parceiro perguntou com
escárnio.
Sim. Sim, ele queria.
Aladdin respirou fundo e tentou acalmar os nervos.
— Ãh… sou eu… Aladdin! — ele gritou, sentindo-se mais do que tolo.
O tigre ficou quieto por um instante.
Aladdin se preparou para correr por sua vida.
— Prossiga.
Os murmúrios foram mais suaves, como se estivesse menos bravo.
— Não toque em nada mais que a lâmpada.
Sua boca se abriu, revelando uma garganta ampla e dourada. Ao
longo de sua língua, havia uma escadaria dourada. Aladdin não
conseguia ver o fim. Tentou dar um passo à frente.
— Lembre-se, rapaz, primeiro pegue a lâmpada! — o velho gritou,
inconscientemente imitando o tigre. — Me traga a lâmpada e eu lhe
garanto que terá sua recompensa!
Aladdin pensou em Jasmine.
Firmou a mandíbula.
— Vamos, Abu — ele disse, e começou a descer os degraus.
A escada dourada logo se revelou ser decepcionantemente de pedra
normal, só era dourada pela luz do que vinha lá de baixo. Mas a
infinidade dos degraus era de tirar o fôlego: o caminho mergulhava e
fazia curva na escuridão até onde o olho conseguia ver. Muitas vezes,
quando Aladdin pensou que tinham chegado ao fim, os degraus
começavam de novo em uma descida mais profunda.
Entravam em — Aladdin estava mais do que um pouco aliviado em
ver — uma caverna totalmente enorme e normal. Não era um
estômago.
Na lateral da caverna havia um tipo frustrante de entrada feita de
pedra que brilhava mais do que qualquer objeto existente no cômodo
anterior — tanto que Aladdin precisou cobrir os olhos ao seguir em
frente.
— Consegue ver isso? — ele perguntou ao passar para o outro lado,
e um sorriso crescente se formou em seu rosto.
Ouro. Pilhas ridículas, absurdas e inimagináveis de ouro. Montanhas
inteiras de moedas, taças, urnas e estátuas. Caldeirões gigantes
dourados transbordando de colares, anéis, pulseiras e outras joias.
Tronos de ouro. Mesas douradas. Bugigangas douradas em forma de
fruta para nenhum outro propósito concebível que a contemplação,
apenas.
E, no meio de tudo isso, tapetes de beleza e tamanhos indescritíveis
e baús de joias com formatos de uvas e flores.
— Só um punhado desse tesouro me faria mais rico que o sultão —
Aladdin suspirou.
Abu chiou. A luz brilhou no baú mais próximo, iluminando um rubi do
tamanho de uma maçã.
O macaquinho correu para lá.
— Abu!
Aladdin correu desesperado atrás do macaquinho e fez algo que
normalmente nunca teria feito. Segurou seu rabo e o puxou de volta.
Abu gritou indignado e tentou se impedir de cravar as garras traseiras
no tapete roxo e azul sobre o qual estavam.
— Não. Toque. Em nada disso — Aladdin repreendeu-o, balançando
o dedo para o amigo. — Lembra o que aquele gato enorme e
assustador disse? De quem é o estômago no qual estamos? Temos que
achar a lâmpada. Primeiro. Depois teremos nossa recompensa.
Ele tirou o macaco do chão e o colocou no ombro em segurança.
— Deve estar aqui em algum lugar…
Aladdin caminhou com cuidado por entre os tesouros, certificando-se
de nunca se aproximar demais de nada. Manteve uma mão em Abu, só
por segurança.
O macaco guinchou irritado.
— Não sei — Aladdin respondeu, como se fosse uma pergunta de
verdade. — Uma pequena lâmpada a óleo, eu acho. O velho
obviamente pensou que poderíamos carregá-la com facilidade. Vejo
taças, jarras, pratos, vasos e outros utensílios domésticos, mas ainda
nenhuma lâmpada…
O macaco resmungou novamente. Ele parecia nervoso dessa vez e
ficava olhando para trás.
— Desculpe, estou olhando o mais rápido que consigo — Aladdin
disse, continuando sua conversa imaginária. — Não é como se eu
pudesse tocar algo para tirar da frente…
Abu gritou e agarrou o pescoço de Aladdin.
— O que foi? — Aladdin perguntou, virando-se para ver o que estava
incomodando o amigo.
Não havia nada atrás deles, só o caminho de onde vieram. E também
um tapete que parecia, de forma suspeita, com o mesmo perto da
entrada, ao lado do baú que Abu quase havia tocado. Até tinha as
mesmas borlas douradas, uma em cada ponta.
— Hum — Aladdin disse.
Virou e começou a andar de novo.
Abu ficou quieto por bons dez segundos, depois começou a guinchar
de medo.
Aladdin se virou.
De novo, nada.
Exceto pelo tapete, que estava bem atrás deles.
De novo.
Aladdin franziu o cenho, olhando para aquela coisa.
Conforme observava, o tapete se ergueu hesitante do chão. Como
um peixe, ou algo que parecia nadar no ar.
Aladdin arregalou os olhos, maravilhado.
— Um tapete mágico! — ele disse com um assobio. — Mamãe
costumava me contar histórias para dormir sobre Djinn e seus tesouros
mágicos.
Ele estendeu a mão delicada e lentamente.
O tapete reagiu, deslizando para a frente como se impulsionado por
uma brisa invisível. Sua traseira se dobrou gentilmente como uma
bandeira. Aladdin se viu acariciando e bagunçando sua felpa, como
faria com um gato.
— Tapete… bonzinho. É um menino. Bom menino. Ei… podemos
subir em você? — ele perguntou com educação, tendo uma ideia.
Seria muito mais rápido vasculhar a caverna de cima, sobrevoando
as pilhas perigosas de ouro sem precisar se aproximar delas.
O tapete sentiu o que ele queria e se abaixou um pouco, como um
elefante treinado, ajoelhando-se para facilitar que alguém subisse.
Aladdin sorriu.
Pisou nele com cuidado. Era uma sensação estranha; o tapete
segurava e cedia sob seus pés, como se o rapaz andasse em um
monte de linho aguardando para secar. Ele cruzou as pernas e se
ajeitou, colocando Abu no colo. O macaco não estava completamente
feliz com aquela reviravolta nos acontecimentos, mas, já que Aladdin
não parecia assustado, permaneceu mais ou menos calmo.
Independentemente de ganhar ou não a princesa, aquela noite estava
sendo a melhor aventura de sua vida toda.
— Estamos procurando a lâmpada — Aladdin disse. Ele se sentia um
pouco idiota conversando com um tapete. Mas, de novo, o tapete
estava voando. Quem saberia dizer o que ele poderia entender ou
fazer? — Uma… lâmpada especial?
O tapete se ondulou por um instante, como se pensasse. Então, sem
nenhum som, começou a subir cada vez mais alto no ar, aumentando a
velocidade. Logo, eles estavam mergulhando e sobrevoando
montanhas de tesouro com tanta facilidade quanto uma águia em meio
às nuvens. Abu agarrou os braços de Aladdin até suas garrinhas lhe
tirarem sangue, mas o garoto apenas ria.
Seguindo uma série de túneis e passagens das quais ele nunca
conseguiria se lembrar por completo, repletas de tesouros dos quais ele
nunca se esqueceria, em certo momento chegaram a uma região da
caverna ainda maior do que a primeira. Aladdin não conseguia enxergar
as paredes distantes; estava tudo escuro. O chão ao redor era
preenchido por um lago de água perfeitamente parada e cristalina.
Erguendo-se do centro do lago, havia uma ilha feita de pedregulhos,
que mais pareciam cogumelos, um em cima do outro, com degraus
escavados no meio deles. No topo do monte, um único facho de luz
vinha de algum lugar mais ao alto, para além da vista, iluminando um
pequeno objeto de bronze.
A lâmpada.
No entanto, o tapete não voou até ela; ele gentilmente aterrissou em
um afloramento rochoso na parede mais próxima. Uma ponte levava
dali até o pé do monte de pedregulhos. Um altar antigo e idólatra
dourado guardava o caminho; algum deus desconhecido que parecia
um símio com dentes demais. Tinha um rubi do tamanho de uma laranja
— como se fosse uma luz iluminando o caminho.
— Tudo bem, aí vamos nós — Aladdin disse, ajustando o colete e
tentando esquecer a imagem do deus bravo.
Algo naquele lugar — não sabia se era o tamanho, o silêncio ou outra
coisa — o impedia de correr pela passarela. Algo exigia silêncio e
respeito. Ele se viu andando rapidamente, mas com cuidado, como se
estivesse em uma procissão que não conseguisse enxergar.
Lenta e solenemente, subiu pelos degraus pedregosos da ilha.
Quando, enfim, chegou ao topo, Aladdin pegou a lâmpada com cautela
usando as duas mãos… mas era tão sólida e robusta quanto qualquer
lâmpada doméstica moderna. Morgiana decorava seu esconderijo com
dúzias daquelas.
— É isto aqui? — Aladdin questionou, um sorriso incrédulo
estampava seu rosto. Virou-se para Abu e o tapete. — Vejam, rapazes.
Só por causa disto viemos até aqui e…
Foi então que viu Abu encostar na joia gigante vermelha, tentando
arrancá-la das mãos do deus dourado.
— Abu! Não! — ele gritou.
— !
O próprio solo falou; o ar, a terra.
— Vocês tocaram no tesouro proibido!
Aladdin viu horrorizado o rubi se desfazer como se fosse pó nas
mãos de Abu. O macaco gritou como se o queimasse, e se afastou da
estátua dourada, a qual se inclinou para a frente, também se
desfazendo.
— Agora vocês nunca mais hão de ver a luz do dia!
O facho de luz que iluminava a lâmpada em dourado agora tinha
ficado vermelho.
A caverna começou a chacoalhar.
Aladdin desceu os degraus correndo para a ponte. Pedras caíam sob
seus pés. O que tinha sido uma escadaria rapidamente se dissolveu em
uma rampa na qual ele escorregou, mal se equilibrando conforme toda
a caverna estremecia e começava a desmoronar. Ele foi arremessado
para a frente.
Um calor mortal o atingiu por baixo. Ele arriscou olhar para baixo e
viu, com horror, que agora não era mais água que preenchia o fundo da
caverna, e, sim, lava.
Aquela constatação foi suficiente para desequilibrá-lo. Como se a
caverna conseguisse sentir sua instabilidade, um tremor particularmente
grande o arremessou na direção da fornalha vermelha e dourada.
— Tapete! — ele implorou.
Aladdin abanou os braços e pernas, tentando desacelerar sua queda.
Sentiu o calor chamuscar os pelos da pernas, o ribombar da pedra
derretida se apressar para encontrá-lo…
… e, então, o tecido macio e firme do tapete mágico debaixo dele.
Não teve tempo para relaxar: em pânico, Abu tinha tentado correr na
direção de Aladdin e agora estava encalhado nas últimas três pedras
que restaram no caminho. A ponta de seu rabo chamuscava.
Sentindo a necessidade de Abu, o tapete mergulhou na direção do
macaco. Aladdin agarrou Abu por seu pobre rabo queimado e o jogou
para cima.
O tapete voou para longe do calor e seguiu pelo ar, ganhando
velocidade. Um vento quente surgiu às costas deles. Aladdin se virou. A
lava havia recuado e se transformado em uma única e enorme onda
que subia acima da cabeça deles, pronta para atingi-los.
— Mais rápido! — Aladdin incentivou.
O tapete mágico dobrou a velocidade e se esquivou da lava ao
passar pela porta da caverna. Um segundo depois, a onda quebrou
atrás deles. A lava explodiu pela porta e continuava vindo, fervilhando
de algum fosso imenso, como se não tivesse fim.
Eles mergulharam por todas as cavernas de tesouros incríveis e
incendiados como um falcão voando atrás de sua presa.
Aladdin e Abu esquivaram quando o tapete se lançou pela última
porta que levava à primeira sala de tesouros.
Aladdin começou a suspirar de alívio.
E, então, as gigantes pilhas de ouro começaram a explodir. Cada
montanha inestimável se transformou em monte derretido de fogo e
cinzas que queimavam o teto — e o tapete. Aladdin ajudou a conduzir,
dividido entre o zelo por sua vida e o coração partido pela destruição
que tomava conta daquele lugar. Conforme as explosões atingiam o
teto, ele começou a desmoronar, seixos e quadrados de pedra que
haviam formado a cabeça gigante de tigre agora caíam como bombas.
A terra gritava de raiva, frustração e dor. A lava começou a ser
desesperadamente atirada de cada rachadura na superfície.
Aladdin cobriu o rosto e deixou o tapete encontrar o caminho até o
topo. Ele seguiu a escadaria de pedra rapidamente até a garganta do
tigre, mantendo-se por perto, como se fosse mais seguro.
Tinham quase chegado ao topo quando uma estalactite em queda
atingiu a parte de trás do tapete, que caiu com a pedra. Aladdin
conseguiu se jogar junto a Abu, segurando-se no fim dos degraus na
beirada da imensa boca do tigre. A caverna tremia demais para ele
alcançar o outro lado.
Como um milagre, o velho apareceu.
— Me ajude a sair! — Aladdin gritou.
— Dê-me a lâmpada! — o velho pediu.
Aladdin mal conseguiu processar o que ele tinha dito, pois era muita
maluquice.
— Não consigo segurar! Vai! Me dê a mão!
— Primeiro, a lâmpada! — o velho insistiu com um olhar esquisito.
A sobrevivência superava a lógica. Aladdin pôs uma das mãos dentro
da faixa que lhe envolvia a barriga, segurando-se desesperadamente
com a outra, e puxou a lâmpada.
O velho a pegou e gargalhou triunfante.
— Simmm! — ele gritou. — Finalmente!
Aladdin conseguiu colocar uma perna na abertura. Abu saiu de sua
cabeça, facilitando o equilíbrio do rapaz.
O velho se aproximou da beirada, com um brilho ameaçador nos
olhos.
Ele começou a bater nos dedos de Aladdin com sua bengala.
— O que está fazendo? — Aladdin gritou.
— Dando sua recompensa. Sua recompensa eterna.
O velho — estranhamente ereto agora — pegou uma adaga preta
diabólica e ergueu acima da cabeça, pronto para afundá-la no rapaz.
Abu mordeu o polegar do homem.
Ele gritou, mas conseguiu chutar os dedos de Aladdin.
Aladdin escorregou para dentro da caverna, caindo na escuridão e
rumo à lava.
Um barulho suave o fez perceber que o tapete tinha conseguido
encontrá-lo, pegando-o. Um grito rápido do macaco significava que ele
também pegara Abu. Devagar e tremendo, como se o próprio tapete
mágico estivesse cansado e derrotado, ele os carregou até uma
elevação fora do alcance da lava. Aladdin observou com desânimo a
caverna acima deles, a boca felina de pedra, escancarar-se e gritar uma
última vez antes de se fechar e abaixar sob a areia.
Aladdin estava preso, selado centenas de metros abaixo da
superfície, sem saída, sem tesouro — e sem lâmpada.

Espécie de flor. (N.E.)


Nas culturas árabes e islâmicas, Ifrit é uma criatura sobrenatural
classificada como um Djinn demoníaco. (N.E.)
Jasmine e um Genio

sobre o palácio de Agrabah, parecendo se ofuscar


diante da grandeza dourada e branca da casa do sultão.
A princesa Jasmine estava agitada.
Na verdade, estava agitada desde a noite anterior. Desde que o rapaz
que estava prestes a beijar fora levado pelos guardas. Ela havia voltado
para o palácio a pé e sozinha, sem se importar com quem a visse.
Quando chegou ao palácio, Jasmine imediatamente exigiu ser levada
à prisão real, onde a maioria dos encrenqueiros inofensivos e caloteiros
fiscais eram mantidos.
O garoto não estava lá.
Perdendo a paciência, exigiu ser levada ao calabouço secreto real,
onde os piores estupradores, inimigos de Estado e invasores eram
jogados para serem esquecidos. Para sempre. Relutantes, uma dupla
dos guardas mais fortes, e armados com duas cimitarras cada, a levou
ao calabouço para que ela pudesse investigar.
O garoto não estava lá.
Então ela começou a questionar os próprios guardas. Os mais jovens,
de patentes menores, claramente não sabiam do rapaz ou de nada que
tinha acontecido. Aqueles de mais alto escalão foram evasivos. Não
conseguia encontrar os que realmente haviam levado o menino. E
Razoul não falava nada sobre o assunto.
— Meus lábios estão selados — ele disse de uma forma que se
desculpava. — Por ordens do próprio Jafar.
— Ele não é um inimigo do Estado ou um espião — Jasmine gritou
desesperada. Quase perdeu a compostura e bateu o pé como uma
menininha brava que sentia que era. — Ele é só um garoto. Um garoto
indefeso que estava me mostrando Agrabah.
Razoul continuou sem dizer nada. Mas seus olhos traíram algo
quando ela disse a última coisa.
Jasmine percebeu, horrorizada, aonde essa coisa toda — e o rapaz
— ia parar.
— Eu não vou fugir com ele! — ela berrou. Provavelmente. — Ele não
ia… Nós não íamos…
Razoul pareceu desconfortável.
Ela se recompôs rapidamente.
— Vou encontrar Jafar e esclarecer tudo agora mesmo — ela disse,
saindo.
— Como quiser, Sua Alteza — Razoul falou para ela. Mas soava
aliviado.
Muitas horas mais tarde, Jasmine falhara em encontrar o conselheiro
asqueroso de seu pai. Se ela não o conhecesse, teria pensado que ele
estava se escondendo de propósito dela e de sua ira. Era hora de falar
com seu pai, oficialmente, e fazer algumas exigências de princesa.
— Ele, com certeza, estará em sua sala de brinquedos — ela rosnou.
Então parou. — Em seu escritório — ela disse, corrigindo-se. E se
alguém estivesse ouvindo?
Caminhou pelos corredores, sem se importar que escutassem seus
pés, envoltos em sandálias de seda, batendo no chão. Agitada e
tentando rastrear o rapaz, não teve tempo de se banhar ou se trocar
desde a noite anterior. Seu cabelo grosso escuro estava saindo das
faixas. Cachos ondulavam para trás dela como cobras. Jasmine coçou
a lateral do nariz, de forma nada delicada, com as costas da mão.
Suara nas ruas quentes do mercado e no bairro dos Ratos de Rua, e
tinha secado; a sensação de o suor ainda estar lá e não ter sido lavado
de imediato era nova para ela. Não necessariamente ruim, mas nova.
Abriu as portas entalhadas do “escritório” gigante e arejado onde o
pai passava todo o tempo desde que sua mãe falecera. Suspirou ao
passar pela mesa com seu modelo de relógio gigante de Agrabah —
cujo relógio minúsculo de água realmente funcionava, criando
miniaturas de sóis e luas subindo e descendo ao longo do dia. Revirou
os olhos para as pipas de seda coloridas penduradas no teto que foram
trazidas do Extremo Oriente e pareciam dragões.
Viu o pai com seu brinquedo preferido mais recente, um jogo
complexo de equilíbrio que tinha vindo de algum lugar do Extremo
Ocidente. Animais minúsculos entalhados como peças de quebra-
cabeça tinham que ser cuidadosamente colocados no topo um do outro
em ordem decrescente de tamanho, terminando com o rato.
No momento, ele segurava um pato amarelo e franzia a testa para o
objeto.
— Pai — ela disse educadamente, tentando não assustá-lo. Apertou
os dentes e controlou a impaciência.
— Oh! Jasmine! — o sultão disse, sorrindo.
Ele era um homenzinho velho e gordo com uma barba tão branca
como a neve sobre montanhas remotas. Era velho quando se casou
com a mãe de Jasmine, mas a barba era menos branca na época —
apenas mechas brancas nas mesmas montanhas escuras. Seu turbante
também era branco e tinha um rubi redondo no topo e uma pena azul
iridescente. Panos dourados decoravam seus trajes, e a cor turquesa
decorava sua faixa.
Ele parou, observando-a: suas próprias calças turquesa estavam
empoeiradas e rasgadas no tornozelo. Sua faixa estava torta. Seu top
estava um pouco fora do lugar.
— Querida, está tudo bem?
Jasmine respirou fundo e, ao menos, tirou o cabelo do rosto.
— Não, pai, não está nada bem. Saí do palácio ontem à noite…
— Jasmine! — o pai a repreendeu.
Ela respirou fundo de novo e continuou.
— E Jafar mandou os guardas dele prenderem um rapaz que me
salvou de ter a mão cortada no mercado.
O sultão piscou.
— Jafar — ela começou outra vez, agora mais devagar — mandou os
guardas dele… prenderem… um rapaz…
— A mão cortada?! — o sultão repetiu, algo entre um berro ultrajado
de sultão e o grito de um pai.
— Foi um mal-entendido — Jasmine explicou, balançando a mão,
ainda ali, como se não fosse nada. Um grande mal-entendido, ela
consentiu, pensando naquilo por um instante. Como se não entendesse
como as coisas funcionavam no mundo do lado de fora daqueles
muros. Dinheiro. Pobreza. O preço de uma maçã. — A questão é que
ele me salvou…
— Jafar?
— Não, o rapaz — ela rebateu, finalmente incapaz de esconder sua
impaciência. — Um rapaz, não sei o nome dele, impediu que um
comerciante cortasse minha mão, e depois estava me mostrando
Agrabah, e Jafar mandou prendê-lo…
— Você saiu do castelo sem escolta?
— Que é provavelmente o motivo de Jafar ter prendido o menino —
Jasmine disse entre dentes cerrados. — Mas ele não estava me
machucando, estava me ajudando, e merece uma recompensa, não ser
preso, e não consigo encontrá-lo, então estou preocupada.
O sultão olhou, sem palavras, para a filha por um instante.
— Bom — ele disse, enfim —, não soube de nenhuma prisão. Mas
vou falar com Jafar sobre isso imediatamente.
— Obrigada — Jasmine disse, baixando a cabeça.
— E, já que tocamos no assunto de sua mão ser cortada — o sultão
continuou, com um pouco de rouquidão na voz —, vamos falar sobre
você sair do palácio… sem escolta… fugindo…
— Bom, acho que é irrelevante, porque Jafar consegue,
aparentemente, rastrear cada movimentação minha — Jasmine rosnou
de volta.
— Ah, sim, vou agradecer Jafar por isso, pode ter certeza.
— Me agradecer pelo quê, Sua Majestade?
Jasmine olhou desafiadoramente para Jafar enquanto ele
atravessava a sala, com ar de tranquilidade. Ela o estivera procurando a
manhã toda e, então, ali estava ele, de repente, quase como se tivesse
sido chamado. Vestido dos pés à cabeça, como sempre, em preto e
vermelho — com uma capa com ombros pontiagudos por cima das
túnicas e um colarinho alto e branco, como se não fosse o pico do verão
na cidade desértica de Agrabah. Batendo o longo bastão com cabeça
de cobra e olhos diabólicos. Assustador para alguns, parecia um pouco
de tolice teatral para Jasmine.
Pelo menos aquele papagaio idiota não estava por perto.
Para qualquer outra pessoa, o afeto por um pássaro tão ridículo
poderia ter sido cativante. Para Jafar, era apenas outro sinal de sua
quase insanidade. A coisa colorida ficava empoleirada no ombro dele o
dia todo, às vezes comendo biscoitos que o próprio pai de Jasmine
adorava lhe dar. E, então, ele se aliviava às costas do manto antes
imaculado de Jafar. Faixas brancas e compridas nojentas.
Ninguém do palácio ou da cidade ousava dizer uma palavra sobre
isso.
Quem saberia dizer qual tapeçaria cara ele estava mastigando ou
arruinando com sua sujeira?
— O que você fez com o rapaz? — Jasmine perguntou, cruzando os
braços.
— O quê? — Jafar pareceu genuinamente confuso.
— Aquele que mandou prender!
— Oh. Ele. Acredito que esteja morto agora. Mas vim aqui para algo
muito mais importante.
— Morto?
— É, morto. Levado para o deserto e executado por colocar as mãos
na princesa. Ou qualquer outra coisa — Jafar disse impaciente,
abanando as mãos.
— Quem lhe deu permissão para conduzir uma execução? — o
sultão perguntou.
Jasmine mal estava escutando. Tinha conhecido o rapaz há menos
de um dia — mas conseguia imaginar seu rosto rapidamente, cada
detalhe dele. Os olhos grandes castanhos que combinavam facilmente
com o sorriso. A pequena cicatriz no canto superior esquerdo de seu
lábio. A forma como o cabelo se mexia quando ele ria.
E tudo estava acabado agora. Virara pó.
Por causa dela.
— Silêncio, seu velhinho inútil. Não vim aqui para discutir o destino de
um Rato de Rua — Jafar disse.
O pai de Jasmine o encarou sem palavras. Ninguém tratava o sultão
daquela maneira. Nem Jafar. Nem Jasmine.
— Eu vim lhe dizer que seu reinado, temo, agora chegou ao fim.
— Cuidado com o que diz, Jafar — o sultão disse, alertando-o. —
Obviamente, há algo errado com sua cabeça hoje. Mas nem você está
acima de acusações de traição. O que está querendo dizer?
— Quero dizer que — Jafar disse pausadamente — seu reinado.
Chegou. Ao fim. E o meu está começando.
— Explique-se! — o sultão explodiu. Seu rosto ficou vermelho e ele
cerrou os punhos na lateral do corpo.
Jasmine se forçou a prestar atenção. Ela ainda estava em choque por
causa do rapaz, mas eventos estranhos pareciam acontecer em todo
lugar.
— Com prazer — Jafar disse.
Ele enfiou a mão dramaticamente em sua capa e tirou…
… o que parecia muito uma velha lâmpada de bronze.
— Isto é algum tipo de brincadeira? — o sultão perguntou curioso. —
Hoje é meu aniversário?
Num primeiro momento, Jasmine também ficou confusa.
Depois, com pontadas de horror, ela começou a entender tudo. Suas
babás contavam histórias da magia do Djinn e as coisas que
espreitavam no deserto. Ela também tinha lido muitos livros de lendas.
A língua gravada na base da lâmpada era antiga. Muito antiga…
Como se ela mesmo estivesse em uma história, Jasmine viu Jafar
fazer exatamente o que ela sabia que ele faria: arregaçou a manga e
começou a esfregar a lâmpada.
Primeiro, nada aconteceu.
Jasmine começou a soltar a respiração que estivera prendendo.
Depois, uma fumacinha azul começou a sair da ponta da lâmpada.
O sultão se inclinou para a frente, intrigado.
— Oh, não… — Jasmine sussurrou.
De repente, mais fumaça saiu da lâmpada, como abelhas escapando
de uma colmeia em chamas. Jafar segurou a lâmpada delicadamente
longe de seu corpo. O sultão pulou para trás. A lâmpada começou a
brilhar e a tremer. Raios minúsculos saíram dela. Começou a gritar.
Ou algo começou a gritar.
Algo listrado e azul que saiu da lâmpada e correu pelo cômodo como
um cachorro selvagem — que voava.
Jasmine se virou e cobriu o rosto.
— !
O grito foi humano.
A fumaça azul diminuiu e expandiu e se transformou em… uma
pessoa.
Metade de uma pessoa.
Metade de uma pessoa bem grande e azul, com um brinco dourado e
as algemas douradas de um escravo. Ele era careca, exceto por um
chumacinho preto com um elástico dourado e uma barba pontiaguda.
Seus olhos eram quase amendoados e brilhantes.
Sua metade inferior era fumaça.
— Dez mil anos! — ele disse em uma voz estrondosa. — Fiquei dez
mil anos preso na lâmpada.
— Gênio — Jafar disse com um sorriso oleoso. — Gênio, eu…
— Oh, como é bom sair — o gênio continuou com uma voz mais
normal, alongando-se e sorrindo. Ele girou, sentindo o ar à sua volta. —
Você sabe o que é passar dez mil anos sem uma massagem? Ou um
banho? Ou um…
— Gênio — Jafar interrompeu. — Eu sou seu mestre. Preste atenção
nas minhas palavras.
— Bom, aí está um homem que, obviamente, sabe o que quer — o
gênio disse, alisando o pouco de cabelo que tinha e endireitando sua
faixa. — Manda ver, mestre!
Jasmine começou a ir de fininho até a porta. Manteve a atenção no
gênio, parecendo arrebatada. Não era difícil. Além de ele ser
incrivelmente improvável, havia algo instantaneamente agradável nele.
Embora soubesse que os Djinn eram, na teoria, mais ou menos como
pessoas comuns — pessoas mágicas e ao mesmo tempo até que com
certa normalidade —, ela sempre os imaginou sérios, honrados e
vagamente assustadores. Não encantadores e patetas.
Colocou a mão na maçaneta.
Ela não virou.
Jasmine franziu o cenho. Deu uma leve chacoalhada na porta.
Trancada. Por fora. Devia ter sido obra de Jafar.
— Posso fazer três pedidos para você, correto? — o feiticeiro
perguntava, saboreando as palavras com prazer.
O gênio se ergueu e, de repente, colocou roupa de estudante.
Começou a enumerar coisas nos dedos de uma maneira delicadamente
didática.
— Absolutamente. Claro que há algumas limitações, alguns quid pro
quos…
— É, é, que seja — Jafar interrompeu. — Gênio, meu primeiro pedido
é governar tudo e me tornar sultão.
Jasmine ficou boquiaberta. O sultão pareceu horrorizado.
O gênio percebeu a reação deles e assobiou baixinho.
— Desculpe, amiguinho — ele murmurou para o sultão. — Não é
nada pessoal. Parece que sua hora chegou.
Com um flash de fumaça azul, o cômodo ficou escuro. Do lado de
fora da janela, Jasmine conseguiu ver o céu escurecer e ficar
tempestuoso, como acontecia antes de uma monção. A sala foi
preenchida por uma energia estranha. Ela sentiu as pontas do cabelo
se erguerem.
O turbante do sultão subiu no ar.
— Fiquei confuso! Que truque é este? — o sultão perguntou, pulando
e tentando agarrar o turbante. — Jafar, ordeno que pare com todo este
disparate imediatamente!
Jasmine cerrou os dentes. O pai não parecia entender o que estava
acontecendo. Estava tão acostumado a ser o líder supremo de Agrabah
que não conseguia imaginar algo perturbando isso. Realmente
acreditava que ainda conseguiria mandar no conselheiro.
Ela chacoalhou a maçaneta de novo, sem sucesso. Tinha que sair
dali de algum jeito. Jafar ainda tinha dois desejos e já governava o
território — o que viria em seguida só seria pior.
— Sim, sultão, mas há uma nova ordem agora — Jafar zombou. — A
minha ordem.
Fumaça o rodeava e ao sultão. Enquanto Jasmine observava, seu pai
foi logo despido de suas roupas reais brancas e do tecido de ouro. Em
instantes, ele não trajava nada além das roupas de baixo.
Jafar sorriu enquanto era equipado pela fumaça com a roupa mais
chique do Estado.
— Curvem-se para mim! — ele gritou para o sultão e Jasmine,
fixando a princesa com seus olhos insanos.
Não havia escapatória. Era bem óbvio.
De repente, Jasmine se viu imaginando o que o rapaz do mercado
faria. Ele tinha sido natural ao pensar rapidamente e sobreviver com
nada além de suas habilidades. Se entrassem no jogo, quanto tempo
poderiam ganhar? Será que Jafar acreditaria na atuação? Talvez
conseguissem distraí-lo e pegar a lâmpada…
— Eu nunca me curvarei a você… seu usurpador! — o sultão cuspiu.
Bom, lá se foi aquela possibilidade. Jasmine murchou com
desespero.
O rosto de Jafar ficou roxo de raiva. Em qualquer outro momento,
Jasmine teria gostado totalmente da visão.
— Se não se curvarem diante de um sultão, então vão se encolher
diante de um feiticeiro! Gênio!
O gênio, que estivera assistindo a tudo em silêncio, sua fumaça azul
balançando um pouco nervosamente como um rabo, de repente ficou
atento.
— Eu desejo ser o feiticeiro mais poderoso do mundo!
Jasmine deveria ter dado mais crédito ao homem; ele poderia ser
louco, vaidoso e repulsivo — mas não era burro. De repente, as
circunstâncias ficaram muito mais difíceis.
O gênio arregalou os olhos, todo aquele bom humor natural extinto
dele, como se entendesse que seria um erro muito terrível. Desviou o
olhar, envergonhado pelo que estava prestes a fazer, e apontou o dedo
para Jafar.
Uma onda de fumaça azul e pequenos raios saíram de seu dedo. Um
fogo vermelho infernal passou por cima de seus membros e entrou nos
olhos de Jafar. Agora o homem não estava mais com túnicas brancas,
mas, sim, tão pretas que mais pareciam o pleno vazio do que a cor de
verdade. Seu turbante era estranho e anguloso. Seu bastão de cobra se
mexeu como se estivesse vivo e, então, congelou em uma ponta afiada
de ébano.
— E, agora, humilhação abjeta — o feiticeiro disse, apontando o
bastão para Jasmine e seu pai.
Ela se viu jogada no chão de joelhos, prostrada diante dele. O pai
protestou a humilhação e a nudez em choramingos incoerentes.
— E, finalmente — Jafar disse de modo casual, acariciando seu
bastão —, meu último desejo.
Jasmine foi erguida num passe de mágica. Não era uma sensação
nada agradável. Foi colocada em pé, e suas mãos foram arranjadas de
uma forma devota.
— Que a princesa Jasmine se apaixone desesperadamente por mim.
Todos na sala ficaram chocados em silêncio. Até o gênio.
Jasmine escutou barulhos estranhos saindo da garganta, como se ela
estivesse prestes a vomitar.
— Não! — seu pai gritou bravo.
Jafar zombou e aguardou.
Jasmine esperou.
Ela se avaliou mentalmente. Será que sentia algo diferente? Como se
sentia em relação a Jafar?
A vontade de vomitar retornou.
O olhar de presunção de Jafar começou, lentamente, a se
transformar em confusão.
O gênio tossiu baixinho.
— Como eu estava dizendo antes de o sr. Feiticeiro Poderoso e
Reverendíssimo do Mundo Inteiro me interromper… sabe, poderes
infinitos não o isentam de boa educação, sr. Adorado… há algumas
limitações, alguns quid pro quos. Para seus três desejos.
Ele ficou parado no ar, sua fumaça azul calmamente balançando para
a frente e para trás.
Jafar não disse nada, porém Jasmine viu o canto de sua boca
começar a se curvar de raiva.
— Eis as leis básicas da magia, alunos. Prestem atenção. Regra
número um: não posso matar ninguém. Regra número dois: não posso
fazer ninguém se apaixonar. — Ele olhou diretamente para Jafar, depois
de uma piscadinha gentil para Jasmine. — E, regra número três, a qual
suspeito que não vá se aplicar a você; você não parece do tipo “cometi
um erro terrível, vamos trazê-lo de volta dos mortos”, não posso
ressuscitar as pessoas.
O sultão pareceu aliviado. Estava ao lado da filha e apertou o braço
dela.
Era um grande alívio. Não havia destino pior — que ela conseguisse
pensar agora — do que ser um zumbi escravo do amor daquele homem
horroroso e vazio.
Mas eles ainda não estavam salvos. Jafar não era alguém que reagia
bem a decepções.
O feiticeiro endireitou a mandíbula, tentando se controlar.
— Qual é a utilidade de um gênio que tem limitações? — ele rosnou.
— Ei, agora… — o gênio disse, ofendendo-se.
— Eu vou mostrar para você como funcionam poderes de verdade!
Segure-os, Gênio!
Jafar jogou a capa para o lado e avançou. Jasmine se viu, de
repente, com algemas douradas nos punhos, unindo as mãos. Assim
como o pai. O gênio deslizou para trás deles e ela se viu obrigada a
marchar, seguindo Jafar.
O gênio se inclinou para a frente a fim de sussurrar para eles.
— Desculpe. Vocês parecem um casal legal.
— O sultão é meu pai — Jasmine repreendeu-o.
— Oh. Ops. Foi mal. Não é tão incomum, sabe… reis velhos,
mulheres jovens. Aquela história toda de casamento arranjado. Não é
culpa minha.
— Pelo menos não vou me casar com alguém contra minha vontade
agora. Nem Jafar — Jasmine disse sombria.
— É, que tal não darmos ideias ao nosso sr. Vingativo Pra Caramba
aqui? — o gênio sugeriu maliciosamente. — Há uma diferença legal e
substancial entre obrigar a amar e obrigar a se casar.
Ele tinha razão. Jasmine ficou de boca fechada.
Jafar prosseguiu rumo à sacada real. Conforme a estranha procissão
passava pelas paredes, as coisas mudavam de maneiras sutis e não
tão sutis, a gosto do feiticeiro. Flores desapareciam ou murchavam;
quadros decorativos ficavam pretos e entalhados. Até as pedras sobre
as quais eles caminhavam se tornavam pretas e brilhantes, como ônix
polido.
Jafar abriu a cortina para o Público da Sacada e passou por ela. Ele
acenou e o gênio enxotou Jasmine e o pai lá para fora também.
Formavam um estranho quarteto: o sultão quase totalmente nu, o gênio
azul, Jasmine em suas algemas e Jafar, transbordando de poder.
As pessoas correram de todos os bairros da cidade para a praça
abaixo do grupo, como formigas em um pedaço caído de melão. Como
Jafar os convocara? O céu girava loucamente com a promessa de uma
tempestade iminente, e relampejava acima deles. Não era o tipo de
clima em que alguém se aventurava por espontânea vontade…
Jafar sorriu, seu único dente de ouro brilhando na luz estranha. Ele
ergueu o bastão, esperando com paciência o que parecia ser todo
mundo de Agrabah aparecer e se acalmar.
— Povo de Agrabah — ele disse. Embora não gritasse, suas palavras
ecoavam em todas as construções. — Enfim, o sofrimento que vocês
têm suportado nas mãos do antigo sultão acabou.
Jasmine não evitou dar uma olhadinha para o pai a fim de ver como
ele reagia à acusação. Ele parecia um pouco surpreso. E, se fossem
dois dias antes, ela poderia ter reagido da mesma forma. No entanto,
desde então, ela tinha visto crianças famintas vestidas em trapos. Vira
organizações criminosas que apenas existiam porque não havia outro
jeito de viver. Passara o dia com um rapaz que sempre comia apenas o
que roubava.
— Com o apoio dos guardas do palácio, um gênio incrivelmente
poderoso e a princesa Fasmine… Eu, Fafar, sou o novo sultão de
Agrabah!
Se ele esperava gritos, com braços erguidos, ficou decepcionado.
Seus olhos foram para a esquerda e a direita. Mas, em vez de entrar
em pânico, ele continuou falando:
— Eu serei um sultão do povo. Atento a cada necessidade deles… de
vocês.
Houve alguns murmúrios da multidão abaixo.
— Ouvimos isso antes — alguém gritou de volta, com as mãos em
volta da boca para amplificar a voz.
— É! — gritou outra pessoa. — Lembra do casamento? A nova
sultana nos prometeu décadas de prosperidade!
Jasmine prendeu a respiração. Sua mãe tinha dito isso?
— Duvidam da minha palavra? — Jafar perguntou, refletindo.
Jasmine não gostou do tom da voz dele. O recebimento repentino de
mágica absoluta não parecia ajudar a estabilizar o feiticeiro ou suprimir
suas tendências violentas.
Jasmine e seu pai recuaram.
— Deixem-me, em meu primeiro ato como sultão, provar minha boa-
fé!
Ele lançou um olhar para o gênio, o qual, ainda parecendo meio
chocado pela reviravolta nos acontecimentos, balançava os dedos
distraidamente.
As nuvens se separaram com um relâmpago. Começou a chover.
Uma chuva… de cor áurea.
Moedinhas douradas caíam do céu e tilintavam nos tetos e nos
seixos.
A multidão arfou. Então, as pessoas queriam o dinheiro, segurando
as mãos para cima a fim de pegar as moedas, sorrindo. Jasmine
desviou o olhar, repelida pela demonstração de ganância.
Quando a agitação inicial acabou, eles por fim começaram a gritar.
— Vida longa a Fafar!
Jafar relaxou de modo perceptível, finalmente ganhando algo que
queria naquele dia.
Após um instante, ele se virou para os três em pé atrás de si. Colocou
uma mão no peito do velho sultão.
— Então, viu? — ele disse, zombando. — Isso é poder de verdade.
E, então, empurrou o sultão sacada abaixo.
A joelhem-se, mostrem respeito

, Aladdin estava cavando.


Cavando. Retirando rochas. Empurrando pilhas escorregadias de
seixos e areia para o lado. Cavando de novo.
Ele fizera isso por dois dias.
Um homem inferior teria desistido.
Sentia tanta sede que sua língua estava inchada e ele não conseguia
engolir. A fome era tanta que mal conseguia se sentar; a maior parte de
seus arranhões foi feita enquanto deitava. Estava tão cansado que a
diferença entre dormindo e acordado se tornava difícil de distinguir.
A escuridão ao redor dele era absoluta exceto pela ocasional
centelha vermelha de lava bem abaixo. O tempo tinha parado de ter
algum significado. Aladdin dormia pouquíssimo, temendo que, se o
fizesse, nunca mais acordaria.
Mas não perdeu a esperança. A mesma infinita expectativa de boas
coisas que manteve sua mãe lutando até morrer corria em seu sangue
também.
Ele não estava tão fundo na areia, certo? E, independentemente de
estar adormecido, vivo ou se mexendo, o gigante tigre de pedra ainda
mantinha a estrutura básica, certo? Então, provavelmente, ele ainda
estava na “garganta”, que era perto da “boca”, a qual levava à
superfície. E a coisa estava tão derrotada e destruída que era provável
que houvesse buracos por toda sua pele de granito… certo?
Aladdin também tinha mais duas vantagens, além do infinito otimismo
que a maioria das pessoas não tinha.
Uma era um macaquinho.
Ele não era realmente de muita ajuda. Mas Abu mantinha Aladdin são
e lhe dava motivo para continuar.
A outra era um tapete mágico, que era útil. Ele carregava
perfeitamente pilhas de rochas para longe e, de vezes em quando, até
emprestava uma borla para ajudar a retirar uma pedra emperrada.
Aladdin se deitava no tapete quando descansava, e poderia jurar que o
tapete o ninava um pouco.
Também tinha seus pensamentos para manter a mente ocupada
enquanto trabalhava. Às vezes, eles se voltavam para o velho diabólico
e maluco e sua tentativa de assassinato. Mas Aladdin não era motivado
por vingança; ele tinha visto aquele sentimento ser usado e destruir
outros do bairro dos Ratos de Rua. Simplesmente não conseguia
descobrir por que, já que o velho tinha a bugiganga idiota que queria,
sentiu a necessidade de matar Aladdin. Tinha o que queria e Aladdin
não se importava com o que acontecesse a ele e sua lâmpada imbecil.
Ele não iria tentar roubá-la do velho. Havia outra questão em jogo ali,
um mistério que ele solucionaria assim que saísse da caverna.
Mas, principalmente, Aladdin pensava na princesa Jasmine. Se ele
nunca a tivesse conhecido, não teria sido jogado na prisão pelos
guardas reais, não teria acreditado no velho diabólico e maluco, e não
estaria ali agora, tentando cavar um buraco obscuro e sufocante no
meio do deserto.
E, mesmo assim, ele não teria mudado nada.
Pensava nos olhos dela fitando-o. Pensava nos olhos dela quando
vira a criança pedinte. Testemunhara o único momento em que ela
compreendera o mundo em que ele vivia. Aladdin repassou a habilidade
graciosa com que ela lidou com a faquinha de prata. Pensava nela
descendo do céu na ponta da estaca como uma guerreira angelical.
Pensar a respeito de tudo aquilo o fazia esquecer que seus dedos
estavam em carne viva e o interior de sua boca parecia com a areia que
ele cavava.

No fim do segundo dia — ou talvez fosse a metade do terceiro; era


difícil saber —, Aladdin começou a alucinar.
Imaginou que havia um macaquinho consigo, que usava um coletinho
igual ao seu. Imaginou que havia um tapete mágico ajudando-o e
abanando suas borlas como uma galinha preocupada com seus
pintinhos.
Aladdin resolveu ficar olhando para a frente e continuar cavando. As
coisas que não eram reais iriam somente distraí-lo.

Depois de um tempo indeterminado, começou a alucinar que havia


uma luz vindo de algum lugar. Luz amarela. Luz clara.
Alguns minutos empurrando pedras para o lado e cavando areia
revelaram que, pelo menos, a luz não era uma alucinação. Um buraco
minúsculo, não maior que um túnel de formiga, estava sendo invadido
pela luz do sol que a caverna avidamente engolira.
— Estou vendo o sol! — Aladdin falou empolgado para os amigos,
esquecendo, por um instante, que eles não eram reais. — Estou vendo!
Cavou mais rápido, tirando pedras soltas e tentando não se empolgar
demais para não causar uma avalanche. Se imaginasse que o tapete e
o macaco o ajudassem, então seria muito melhor.
Depois de arrancar mais unhas com o desespero, Aladdin, enfim,
conseguiu forçar uma abertura grande o suficiente para atravessar a
cabeça e os ombros. Quando as pedras se recusaram a se mover mais,
ele resmungou frustrado. Não ficaria preso naquela caverna até morrer.
Isso não iria acontecer.
Com um último empurrão, usou toda a força que lhe restava e
ultrapassou a abertura, saindo à luz do dia.
Ficou ali deitado por um instante, piscando para o céu azul e branco
que o cegava.
Depois Aladdin riu como louco sob o sol mortal do deserto. O calor
em seu rosto lhe permitia se sentir vivo. Bem mais natural do que as
chamas secas de lava. Pelo menos, se ele fosse morrer, seria do lado
de fora, olhando para o céu.
Mas ele não iria morrer…
Saindo à luz do sol ao seu lado estavam Abu e o tapete mágico.
Como pôde ter duvidado da existência deles?
— Gente! — ele gritou feliz, pegando os dois nos braços. — Vocês
são de verdade! Nós todos somos de verdade! E estamos vivos!
Vamos… vamos para casa!
O tapete se esticou e Aladdin subiu, mal conseguindo impedir que
sua cabeça girasse.
— Agrabah. Me leve para Agrabah.
O tapete subiu no ar e voou para o leste.
Embora a exaustão ameaçasse tomá-lo, Aladdin manteve os olhos
abertos e se obrigou a ver a aparição de Agrabah no horizonte. Os
muros estavam muito decrépitos, a cena muito empoeirada para ser
imaginada. Não era um sonho.
Eles diminuíram a distância pelo ar do deserto, cada vez mais rápido,
diferente da duração que ele e o velho diabólico tinham levado a pé e
de camelo. O vento sereno bateu no rosto de Aladdin, e a areia dourada
passava debaixo deles como se fosse água. Ele queria se sentir melhor
para aproveitar. Apostava que, com algumas cutucadas, poderia incitar
o tapete a fazer algumas curvas mais rápidas e mergulhar mais de
repente. Era como guiar uma águia…
O tapete parou diante de uma estação de água para camelos talvez
um pouco mais repentinamente do que o necessário, fazendo Aladdin
— com um toque de floreio — cair dentro de uma das tinas, espirrando
água.
— O que está tentando me dizer, tapete? — Aladdin perguntou com
um sorriso, água gloriosa escorrendo por seu pescoço.
Abu já saciava a sede, mas Aladdin esperou até que ele saísse e foi
até o poço sozinho. Puxou o balde e ignorou a concha, jogando o
líquido revigorante diretamente na garganta.
Foi só quando limpou a boca com as costas da mão que, de repente,
percebeu que ainda estavam sozinhos. Olhou em volta desconfiado.
Não havia caravanas chegando e dando água para seus camelos
depois de uma longa e seca jornada pelo deserto. Não havia caravanas
partindo depois de encher seus cantis de água e deixar os camelos se
prepararem para a viagem. Não havia comerciantes vendendo massas
folhadas para viajantes famintos e exaustos. Não havia mascates
tentando fazer os recém-chegados ficarem na pousada deles, ou
colocar as tendas na propriedade deles. Não havia crianças se
oferecendo para carregar objetos ou guiar as pessoas pela cidade por
uma gorjeta.
— Hum — Aladdin disse devagar. — Tudo bem… vamos pegar algo
para comer. Mas discretamente. — Ele girou os dedos e o tapete
mágico se enrolou com perfeição. Voou e se posicionou
confortavelmente no ombro esquerdo de Aladdin. Abu subiu em seu
lado direito. Eles andaram o mais casualmente que conseguiram pela
estrada vazia.
Conforme os três adentravam mais a cidade, as ruas continuavam
quietas. O vento do deserto soprava com pesar pelas tendas, casas e
praças abandonadas. Longe dali havia o som de alguma coisa que ele
não conseguia identificar muito bem. Como o sussurro distante de uma
brisa quente antes de uma tempestade. Além disso, nada.
Agrabah normalmente não era uma cidade silenciosa. Sempre havia
alguém gritando: um comerciante vendendo suas mercadorias, um
catador de trapos implorando pelo lixo das pessoas, mães berrando
com as crianças, homens gritando uns com os outros. Muito raramente
era de raiva; era simplesmente a forma como as pessoas de sua terra
se comunicavam.
Aladdin coçou a nuca. Em sua experiência, situações bizarras que
não faziam muito sentido geralmente estavam relacionadas a algo ruim.
Como naquele dia, anos antes, quando todas as pombas e pardais da
cidade voaram de uma vez. Tinha sido uma visão maravilhosa — e
então houve um terremoto logo depois.
Ele resistiu ao desejo de assobiar, a fim de preencher o ar com algum
tipo de som.
Pulou quando um gato solitário miou de cima de um muro.
Só quando estava praticamente no centro da cidade que começou a
ver sinais de vida humana. Pessoas — retardatárias, era o que
pareciam — estavam correndo. Na direção da praça principal. Na
direção do palácio.
— Ei, amigo — Aladdin disse, segurando um homem pelo ombro. Um
pouco mais forte do que um amigo faria. — Onde é o incêndio?
O homem o encarou com olhos escuros e confusos.
— Você não soube? Haverá um desfile enorme para o novo sultão!
Me solte, não quero perder.
— Novo sultão? — Aladdin perguntou surpreso. — O que aconteceu?
— O antigo se foi! Vida longa a Jafar! — o homem gritou e jogou a
mão no ar em uma saudação estranha, quase militar. Ele se soltou da
mão de Aladdin e desceu correndo a rua até o palácio.
— Se foi? — Aladdin repetiu indignado. Uma semana antes, ele
realmente não teria se importado com o que acontecia ao sultão, ou
talvez aplaudiria um pouco a mudança de regime. As circunstâncias não
poderiam piorar muito com alguém novo.
Mas ele tinha conhecido a princesa Jasmine.
O sultão tinha sido, no máximo, uma piada ruim, porém ele ainda era
o pai dela. Ela não tinha mais ninguém.
E, não sem importância, havia uma dúvida do que acontecia a
Jasmine agora que seu pai não era mais o sultão.
Aladdin começou a correr na mesma direção que o homem. Haveria
respostas a pelo menos algumas de suas perguntas no desfile, ou, no
mínimo, mais pessoas para perguntar.
A preocupação por Jasmine e a curiosidade não o desencorajaram,
claro, de passar por algumas tendas repentinamente abandonadas e se
servir de um rápido kebab, uma fatia de pão sírio e meia dúzia de
damascos. Fazia, no mínimo, três dias que ele não comia e não era só
o voo no tapete que o estava deixando zonzo.
O barulho que ele pensou ser o vento em certo momento vinha com
os murmúrios de uma multidão. E, então… música? Alguém… um coral
inteiro… estava cantando.
Aladdin subiu em silêncio na lateral de um prédio e se sentou ao
canto. Mas não precisava se preocupar em ser visto; ninguém o estava
procurando.
No fim da rua que parecia começar no esconderijo de Aladdin e
terminar no palácio, acontecia o maior e mais esquisito desfile da
história de Agrabah.
A música era ensurdecedora demais e estava em todo lugar ao
mesmo tempo. Havia baterias, berrantes e pessoas em roupas
coloridas cantando o tipo de elogio comum para o sultão, com dizeres
extraordinários e listas de façanhas improváveis.
Mas… parecia que pelo menos algumas das pessoas da multidão
estavam cantando junto. Como se já soubessem a letra de alguma
forma. Isso era mais do que estranho.
Quando os cantores do desfile passavam, eram seguidos por uma
dúzia de comedores de fogo e acrobatas. Eles pulavam e saltavam com
sorrisos maníacos no rosto e chamas nos olhos. A multidão se
admirava quando eles engoliam espadas em chamas e sopravam
nuvens de fumaça.
Mas… Aladdin via comedores de fogo no mercado com frequência, e
sabia muitos de seus truques. Aqueles realmente pareciam… respirar
fogo…
Atrás deles, cem homens com armadura preta brilhante marchavam
como besouros em um ritmo perfeitamente sincronizado. Em vez de
espadas, eles seguravam sistros prateados, soando como se todos os
guerreiros angelicais do paraíso estivessem chegando.
Ou talvez não fosse o paraíso. Os olhos deles também pareciam
carregar fogo.
Atrás deles havia um batalhão de pessoas fazendo malabares com
cimitarras de prata que pareciam afiadas o suficiente para cortar o céu.
Apesar da habilidade inacreditável dos portadores delas, Aladdin se
encolheu.
Depois deles havia dúzias de moças seminuas dançando. Elas eram
lindas, sensuais e graciosas. Estranhamente, todas se pareciam muito.
Não como irmãs, não como primas, não como todas-parentes-bem-
próximas de um harém. Era mais o comportamento delas. Os sorrisos
eram iguais e não chegavam aos olhos.
Aladdin ficou inquieto ao se deparar com as moças, assim como
aconteceu ao ver as cimitarras e os comedores de fogo.
Logo depois delas, vinha o que parecia, para o olho experiente de
Aladdin, uma perfeita réplica do palácio — em ouro. Possivelmente ouro
sólido, sendo puxado por cavalos. Minúsculas imagens em sentido
horário — incluindo uma miniatura de Jasmine — acenaram de suas
sacadas em miniatura.
Depois dessa marcha, apareceu um zoológico inteiro de animais
albinos, o que era mais do que um pouco estranho porque muitos dos
animais não eram do tipo que se consegue treinar para marchar. Como
crocodilos, por exemplo. E os pavões, que mantinham a formação
perfeita. Havia adestradores, chicotes e coleiras, mas tudo parecia
estranhamente em ordem.
Seguindo, apareceram elefantes. Não elefantes normais. Aqueles
eram enormes — muito maiores até do que aqueles nas florestas
ocidentais do outro lado do mar. Todos tinham presas que subiam e se
curvavam mais longe do que o comprimento de um homem. Alguns
tinham quatro presas. E seus olhos eram muito, muito menores que os
de um elefante normal. E eles tinham pelos. Em cima do maior deles
havia uma sela enfeitada com joias e com um dossel. E, em cima dela,
ali estava Jafar. O conselheiro mais próximo do sultão. Alguns diziam
que era o homem mais assustador de Agrabah.
Aquele que Razoul tinha dito ser o responsável pela prisão de Aladdin
e a subsequente ida ao calabouço.
Jafar estava sorrindo, uma expressão que era tão artificial nele
quanto nas moças dançando abaixo. Ele acenava para a multidão
alucinada com a mão esquerda. Quando dava um floreio a mais com a
mão, moedinhas de ouro e pão choviam do céu.
O povo ia à loucura, adultos e crianças passando uns por cima dos
outros a fim de pegar a doação.
Aladdin franziu o cenho. Jafar, embora amplamente conhecido por
lidar com magia negra, nunca tinha exibido os poderes assim.
A explicação poderia estar com a criatura que flutuava tristemente
atrás dele, logo acima de seu elefante monstruoso. Parecia mais um
homem — um homem azul — cuja parte inferior era fumaça.
Um Djinn.
Jafar tinha encontrado um Djinn. Aladdin pensara que esses seres
eram lenda. Sua mãe costumava lhe contar histórias para dormir sobre
eles, sobre suas variações, Ifrits e Marids, e todo o tipo de outras
criaturas improváveis já mortas há milhares de anos.
Aquele ali parecia que queria estar morto. Seu corpo caído e sua
expressão demonstravam abatimento. Toda vez que Jafar balançava a
mão, o gênio apontava o dedo com tristeza, e outra chuva de moedas e
pão aparecia, e a multidão vibrava.
Aladdin ergueu a cabeça, tentando ver por que Jafar só levantava a
mão esquerda.
Montou no tapete para conseguir ir mais alto e ter uma visão melhor.
Lá estava.
A mão direita de Jafar segurava uma velha lâmpada de bronze como
se fosse sua posse mais valiosa. Como um filho ou um monte de
pedras preciosas.
Velha lâmpada de bronze?
De repente, as peças começaram a se juntar, rápido demais para o
cérebro ainda quente e confuso de Aladdin.
Jafar era o velho malvado. Na verdade, agora que Aladdin realmente
o observava ao vivo, a semelhança era inegável. Tudo que precisava
era de uma barba falsa, algumas túnicas e uma atuação —
surpreendentemente boa. Jafar tinha jogado Aladdin no calabouço sob
falsos pretextos especificamente para fazê-lo pegar a lâmpada… a
lâmpada na qual o gênio estava preso, assim como nas histórias. E
gênios realizavam desejos.
Um daqueles desejos deve ter envolvido transformar Jafar em sultão
e permitir que ele assumisse Agrabah, exercer poder sobre os cidadãos
e organizar esse desfile bem, bem estranho.
Aladdin deixou o tapete deslizá-lo de volta para as sombras.
Estava tudo confuso. Onde estava o antigo sultão? Onde estava
Jasmine? Será que eram prisioneiros? Será que ela tinha fugido? Será
que ela… Não, ele não iria pensar na terceira possibilidade.
Simplesmente não iria.
Precisava descansar, recompor-se e pensar um pouco. No entanto,
estava relutante quanto a voltar ao seu esconderijo. Provavelmente,
Jafar pensava que ele estava morto no deserto… mas Aladdin não
gostava da forma como o feiticeiro, de algum jeito, soubera onde ele e
Jasmine estavam antes. Quase como se os observasse de longe.
Magicamente. Aladdin precisava se misturar à multidão, voltar a ser o
invisível Rato de Rua.
Rato de Rua.
Hummm…
O tapete mágico desceu lentamente pela rua vazia, como se sentisse
o humor contemplativo de Aladdin. Abu guinchava, questionando-o.
— Acho que é hora de eu finalmente visitar alguns velhos amigos —
Aladdin decidiu. — Tapete, vamos para o covil dos Ratos de Rua! Se
eles não me matarem primeiro — ele complementou, num murmúrio.
Os planos de Jafar, o destino do Djinn

uma cidade, assando no sol alvo e quente, pessoas


voltavam para casa após a maior festa que Agrabah já teve.
No palácio, Jasmine estava deitada na cama sozinha e tentava não
chorar.
Ela não estava totalmente sozinha, claro; Rajah estava com ela. Ela
acariciou o pelo grosso e longo de seu tigre e enfiou o rosto nele. A
maciez a confortava de tal forma que nada mais seria capaz de fazê-lo.
Ela tinha acabado… acabado… de começar a se acertar com o pai,
de fazê-lo ser alguém que não era apenas seu pai. Ele também era
humano com defeitos humanos. Ela estava só começando a descobrir
como poderia amá-lo, julgá-lo e aceitá-lo, tudo ao mesmo tempo.
E agora ele estava morto.
Ela continuava escutando a risada dele e enxergando seu rosto. Se
fechasse os olhos e enterrasse a cabeça na lateral de Rajah e fingisse
bastante, era como se nada tivesse acontecido e como se tivesse sido
apenas um sonho horrível. Seu pai estava por aí, brincando com seus
brinquedos, e logo viria vê-la.
De vez em quando, ela olhava para cima com esperança.
Mas claro que ele não estava ali. Ele se fora para sempre.
Alguém bateu à porta.
Rajah rosnou.
Jasmine não teve tempo de se sentar, gritar “Vá embora!” ou se
preparar antes de Jafar entrar. O gênio infeliz o seguia como um
cachorro na coleira. Ele lhe deu um sorriso fraco.
Rajah mostrou os dentes para Jafar.
O gênio estalou os dedos e apareceu um rato gordo que tinha um
cheiro suspeito de erva-dos-gatos. O tigre se distraiu imediatamente e
começou a bater nele com as patas grandes. Jasmine deu ao gênio um
olhar agradecido. Ambos sabiam que Jafar transformaria seu animal
amado em pó se ele mordesse o feiticeiro.
— Olá, amada — Jafar disse em sua voz gordurosamente “alegre”. —
Você parece um pouco pálida hoje. Seu sono da beleza foi bom o
suficiente?
— Você matou meu pai — Jasmine retrucou fracamente.
— Oh, isso ainda a incomoda? Esqueça isso. — Ele ficou pensativo,
parecendo quase preocupado. — Eu poderia fazer você esquecer isso,
se quiser…
— Não! — Jasmine gritou.
— Está bem. — Jafar sorriu. Ele se aproximou da cama dela e
realmente se sentou ao seu lado. Como ousava invadir o lugar mais
particular dela? Ela teria que lavar todos os lençóis. E, então, queimá-
los. — Só passei aqui para lhe dizer de novo como estou feliz de me
casar com você… e consolidar meu direito ao trono.
— Você já tem o trono — Jasmine constatou, apática. — Por que
precisa de mim? Me deixe ir. Ou me mate. Ou alguma outra coisa. Não
precisa que me case com você. Pegou o que quis à força.
— E, normalmente, eu concordo, isso seria suficiente — Jafar disse
com um suspiro cansado, dando tapinhas no joelho dela. A pele de
Jasmine se arrepiou sob seu toque. — Mas até o feiticeiro mais forte do
mundo encontra limites quando o assunto é tradição… e história… e
religião… e opinião pública. Esse de fato é o caminho mais fácil. Você ia
se casar com algum príncipe escolhido arbitrariamente que herdaria o
trono de qualquer forma. Pode muito bem ser eu.
— Eu não ia…
— Oh, sim, ia, sim — Jafar rosnou. — Seu pai a mimava, mas, no fim,
ele teria seguido a tradição. A lei. Ele era um covarde. E você teria sido
entregue como um bem para o príncipe que menos odiasse. Acredite
em mim, menina, sei como é não ser valorizado… ser a propriedade de
alguém. Mas, infelizmente, você é a princesa real e eu sou o sultão e
preciso da sua mão para consolidar o trono. E, mais uma vez, você não
tem escolha.
— Se eu fosse a “feiticeira mais poderosa do mundo”, eu teria —
Jasmine rosnou.
Jafar deu risada. De modo surpreendente, aquela não era uma risada
particularmente diabólica.
— Não sei se você tem o que precisa para seguir esse caminho.
Continuo calmo. Não se preocupe, princesa Jasmine. Com o tempo,
você vai aprender a me amar.
— Eu. Nunca. Vou. Te amar — Jasmine cuspiu entre dentes cerrados.
— Ou será que seus últimos experimentos com magia negra falharam
em convencê-lo da minha opinião?
Os olhos da princesa doíam dos “gestos hipnóticos” que Jafar tinha
praticado como um adolescente tolo — embora este adolescente
consultasse um livro envolvido em pele humana.
O escárnio dela não irritou Jafar nem um pouco.
— Bom — ele disse —, o gênio pode não conseguir fazer você me
amar, sendo o fraco e tolo que ele é, e eu posso ter falhado até agora,
mas… há… outras maneiras. — Os olhos dele miraram o horizonte. —
Logo, eu vou quebrar as leis lamentáveis da magia que o impedem… e
a mim. Então vou ressuscitar os mortos de suas tumbas para fazer o
que eu mandar. Depois vou matar todos que se opõem a mim com um
estalar de dedos. Então vou fazer, não só você, mas todo o povo de
Agrabah me amar!
Ele não estava prestando atenção em nada nem ninguém no quarto,
agora berrando e olhando para o nada como um maluco. A mão que
não segurava o bastão de cobra se fechou em punho.
Jasmine observou aquela transformação com horror; o gênio, com
resignação.
Até Rajah olhou para cima, desviando a atenção de seu brinquedo
para observar o humano que agia de maneira bem esquisita. Um
rosnado baixo se formou no fundo de sua garganta.
Jafar olhou para o tigre de canto de olho. Parecendo se recuperar do
que quer que o tenha possuído, ele colocou os ombros para trás e
relaxou as mãos. Sua expressão se endureceu de volta à falsa
superioridade normal de Jafar.
Então estalou os dedos.
Rajah saiu voando pelo quarto como se um gigante o tivesse
arremessado para longe. O tigre bateu contra a parede mais distante,
com a cabeça primeiro, e caiu como um saco inanimado de ossos.
— Rajah! — Jasmine gritou. Ela foi correndo até ele.
Rajah ergueu a cabeça, tonto. Emitiu rosnados de dor e confusão.
Jasmine abraçou seu pescoço.
— Se ainda não posso ter amor, pelo menos terei medo e respeito —
Jafar disse ríspido. — A força de um tigre não é nada comparada à
magia que agora detenho. Você deveria se lembrar bem disso.
Jasmine sussurrou no ouvido de Rajah e acariciou seu pescoço.
Havia um corte preto e sangrento acima de seu olho esquerdo e um
galo enorme se formando atrás de uma orelha. Ao tentar se levantar,
fez muitas tentativas e oscilou sem precisão.
O gênio balançou a cabeça com empatia.
— Você é um monstro, Jafar — Jasmine chiou.
— Você não faz ideia, princesa — Jafar chiou de volta.
Então deu aquele sorriso fino e tão aberto que as extremidades dos
lábios chegavam às orelhas, mas não traziam emoção aos olhos. Foi
até o gênio, gesticulando amplamente com os braços.
— Mas inicialmente eu vim aqui para um propósito muito mais feliz.
Gênio, quero que crie o vestido de casamento mais magnífico que o
mundo já viu para minha virtuosa noiva! Quero que o mundo todo
observe com admiração e deslumbramento quando nos unirmos em um
só.
— Pensei que seria uma cerimônia privada — o gênio apontou
secamente.
Jafar o ignorou.
— Vou deixar vocês dois cuidarem disso… Dá azar ver a noiva com o
vestido antes do casamento e tudo o mais…
Ele balançou os dedos e saiu do quarto, batendo o bastão de cobra
no chão ao fazê-lo. Pomposo. As portas bateram e se fecharam —
magicamente — assim que ele saiu.
Rajah choramingou.
Jasmine olhou desafiadoramente para o gênio.
De repente, ele estava usando um traje de alfaiate, segurando
agulhas nos lábios e esticando uma fita criticamente contra a altura
dela.
— Eu… suponho que você não saiba suas medidas? — ele
perguntou vacilante.
Isso, enfim, trouxe os nervos dela à flor da pele.
— Como consegue fazer isso? — Jasmine perguntou, quase
berrando. A histeria que estivera se formando dentro dela na última
semana ameaçava assumir o controle. Ela se levantou de onde estava
consolando Rajah e começou a andar de um lado para outro, tentando
não explodir. Cruzou os braços trêmulos, tentando estabilizá-los.
O gênio deu de ombros como desculpa.
— Ele tem a lâmpada. Ele tem o poder. Preciso fazer o desejo dele. É
por isso que eu digo “Qual é seu desejo, mestre?”, ou não percebeu
isso?
— Você transformou a pior pessoa no feiticeiro mais poderoso do
mundo! Ele é louco! Agrabah está condenada! E eu tenho que me casar
com ele! E você não se importa?
— Claro que me importo. Acha que não ligo? Para uma princesinha
presunçosa, você não parece tão ruim e, sim, diria que sua cidade está
a dois chacoalhões de ser um pesadelo distópico fascista. Mas… e
preste atenção agora… eu preciso fazer o que ele diz.
Jasmine abriu a boca para dizer alguma coisa, porém o gênio não
estava ouvindo. Mirava o espaço, sonhador, perdido em lembranças.
— Uma vez, eu tive um mestre. Cara legal. Ele queria… Está
preparada? Um rebanho maior de ovelhas e uma casa. Ele tinha uma
cabana. Queria uma casa. Eu lhe dei uma casa. E as ovelhas. E uma
esposa que, devo acrescentar, queria completamente se casar com um
cara com um rebanho maior de ovelhas. Não quebrei as regras da
magia. Tudo o que eu tive que fazer foi encontrá-la. Três pequenos
desejos legais e ele ficou feliz. Todos deveriam ser modestos assim.
— Pare! — Jasmine gritou. — Pare com suas piadas e historinhas
idiotas! Esta é a minha vida, a vida de Rajah, a vida de todos em
Agrabah… e você está lidando com isso como se fosse apenas outra
piada! Você é ridículo!
— Eu sou ridículo? — o gênio resmungou.
A fumaça azul enturvou. Ele cresceu de tamanho até estar acima
dela. Jasmine tentou não se acovardar. Nuvens negras encheram o
quarto e pequenos raios surgiram nos cantos.
— Eu não acho que você entendeu a mensagem, Sua Alteza. Eu.
Estou. Preso. Sou um ser vivo, consciente e senciente, que ficou preso
naquela lâmpada por dez mil anos. Saindo somente para receber
ordens de vocês, humanos ridículos, com seus desejos gananciosos e
loucos. Acha que você conseguiria ficar sã sob essas condições por
tanto tempo?
Jasmine nunca tinha pensado assim. Gênios eram apenas… criaturas
mágicas frequentemente presas em lâmpadas para as quais você
poderia fazer pedidos. Ela nunca pensou neles como pessoas. Eles
nunca eram pessoas nas histórias. Simplesmente faziam o que lhes
mandavam.
O gênio estava longe de acabar.
— Quer saber mais? Todo meu povo se foi. A raça Djinn está morta.
Desapareceu deste mundo. Totalmente. É, então isso aconteceu em
algum momento nos últimos dez mil anos. Não sei exatamente como ou
quando, já que eu estava em uma lâmpada quando aconteceu. Sou o
único que restou. Então estou sozinho no mundo e, mesmo que
conseguisse me libertar com alguma magia, não tenho casa para voltar
e ninguém para ver. Oh, é, Sua Alteza não percebeu esse detalhezinho
também? A parte do “conseguir me libertar”? — O gênio brandiu seus
antebraços no rosto dela. Ela tentou não se afastar das pulseiras
douradas que se aproximaram perigosamente a ponto de quase
quebrar seu nariz. — Escravizado. Isso são algemas, docinho. Mas… o
que você entenderia disso?
De repente, ele parecia exausto. Diminuiu fisicamente de tamanho,
parecendo, de algum jeito, se encolher e se afastar de Jasmine ao
mesmo tempo.
— Você é uma princesa entre homens. Não faz ideia do que é se
sentir preso.
Jasmine respirou fundo. Avançou e colocou uma mão no braço do
gênio, bem sobre sua algema.
— Gênio. — Ela olhou em seus olhos, colocados em um rosto que
era maior do que a cabeça de um boi e de um tom intenso de azul. Era
difícil tentar enxergá-lo como um humano… não, como uma pessoa.
Mas ela precisava tentar. — Eu sinto muitíssimo por não entender sua
situação. Não fazia ideia de como gênios, ou Djinn, realmente vivem.
Ou viviam. Como você disse, sou uma princesinha presunçosa. Sou
uma idiota. O que sei?
Ele começou a parecer arrependido, mas ela balançou a cabeça a fim
de impedi-lo.
— Você viveu mais de cem vidas a mais do que eu… Foi grosseria e
arrogância minha julgá-lo. Vovô — ela complementou com um brilho
nos olhos.
— Veja lá…
— Mas como continuamos no assunto de estar preso… Antes de tudo
isso com você e Jafar, meu pai ia me entregar, como Jafar gentilmente
disse, para qualquer príncipe que eu detestasse menos. E, então, meu
trabalho seria gerar filhos até haver um herdeiro homem. Presumindo,
sabe, que eu não morresse no parto do primeiro filho. Teria sorte se
chegasse aos quarenta, que dirá dez mil. E, atualmente, estou presa
em meu quarto esperando para me casar com um homem que odeio e
que vou continuar odiando pelo resto da vida a menos que ele encontre
um feitiço que me faça amá-lo, tal qual um boneco sem cérebro. Se isso
não é a definição de “estar presa”, o que é?
O gênio a observou em silêncio por um longo tempo.
— Desculpa aceita — ele disse finalmente. Não fazendo uma piada.
Mas ela pôde ver em seus olhos escuros que ele entendia.
Jasmine, de repente, sentiu toda sua energia — todo seu medo,
tristeza, histeria e raiva — ser drenada de si. Ela caiu o mais
graciosamente que conseguiu na cama e esfregou os olhos. Tinha um
companheiro na mesma situação que ela… que era tão impotente
quanto. Eles poderiam sentir empatia um pelo outro e nada mais. Que
tipo de vitória era essa?
O tipo que ela teria que fazer funcionar por enquanto, Jasmine
percebeu.
— Uma raça inteira de Djinn? Assim como nas lendas? — ela
perguntou exausta, mas curiosa. Rajah subiu na cama ao seu lado. Ela
fez carinho em sua cabeça e se deitou em suas costas firmes e
quentes, como se em preparação para uma história para dormir.
— É. Pessoas assim como você — o gênio disse melancólico. —
Quero dizer, não assim como você. Todos nós éramos o que você
chama de mágicos, mas o que nós chamávamos de normal. E não
parecíamos todos iguais da forma que humanos se parecem. Minha
esposa era roxa, e…
— Sua esposa? — Jasmine arfou, sentando-se.
— É. Ela também se foi — o gênio disse triste.
Ele estalou os dedos e apareceu um espelho prata que flutuou no ar
entre eles. Em vez de refletir o quarto, ele mostrou uma moça sorridente
de cor roxa. Ela tinha o que pareciam ser dois pequenos chifres atrás
das orelhas e garras nos pés.
Conforme Jasmine olhava mais de perto, tentava se lembrar de que
ela não era apenas uma criatura da lenda; era uma mulher viva, casada
com o gênio e que tinha a vida normal que um Djinn vivia. Caso se
concentrasse, Jasmine conseguiria começar a ver a pessoa por trás da
cor roxa; minúsculas linhas de riso em volta dos olhos, um pouco de
sardas no nariz, em um tom mais escuro de roxo, marcas de franzir a
testa entre as sobrancelhas. O tipo de barriga redonda e braços que as
pessoas normalmente têm quando estão casadas há um tempo e
satisfeitas com a vida.
— Ela parece feliz — Jasmine disse, cuidadosamente não
escolhendo a vulgaridade da palavra bonita. Além disso, tinham os
chifres…
— É, bom, isso é porque ela não estava gritando comigo nesse
momento. Ou jogando coisas — o gênio disse com ternura. — Estou
brincando. Nós brigávamos, mas nos amávamos. Muito. — Ele soprou a
imagem com um beijo e ela desapareceu na fumaça azul.
— O que… aconteceu?
— Oh, você sabe. — O gênio acenou a mão de uma forma
desdenhosa. — Mesma história de sempre. Profecias misteriosas sobre
o fim do mundo. O fim do nosso mundo, quero dizer. O tempo acabando
para os Djinn. A Era do Homem começando. Um Djinn jovem e
ganancioso que já tinha um pouco mais de poder do que aqueles à sua
volta e usou isso como desculpa para buscar um poder ainda maior.
Para salvar nosso mundo. “Estou fazendo isso pela esposa e pelas
crianças”, sabe?
— Vocês também tinham filhos?
— Não, é só uma forma de falar. Estou contando uma história aqui,
docinho. Se importa? Enfim, resumindo, o caminho mais rápido para o
poder infinito é… desejos infinitos. Certo? Um desejo é a força mais
poderosa do universo. Se você souber como lidar com as limitações.
Então fui pelo caminho de me tornar o que vocês chamam de gênio, o
ser mais poderoso do mundo.
“Só que havia um pequeno problema. Eu não tinha entendido bem:
você não pode realizar os desejos sozinho. O universo tem um jeito de
manter as coisas equilibradas. O que, sim, eu deveria ter entendido
melhor sendo um estudante de grandes magias. Pensei que estivesse
acima de tudo isso. Então, vam, bam, obrigado, Kazaam, aqui estou.
Ainda pagando por minha arrogância dez mil anos depois. E os Djinn
morreram. Como dizem, fim.”
Jasmine ficou em silêncio. Havia muito para pensar. Uma raça inteira
extinta, um homem tentando impedi-lo — e perdendo. A história do
gênio era triste e terrível.
E, mesmo assim, se ignorasse o fato de que ele estava meio que
pensando em salvar seu povo quando foi em busca de poder ilimitado,
alguém poderia quase enxergar similaridades entre o caminho dele e de
Jafar.
O gênio ainda acabou perdendo todo mundo e, ao ser aprisionado a
uma lâmpada, permitiu que um Jafar ganancioso atingisse poderes
quase ilimitados também. Era como um ciclo sem-fim de ganância,
poder e insanidade.
E finais infelizes.
Com certeza, o universo tinha um jeito horrível de equilibrar as coisas
se era isso que ele escolhera fazer, Jasmine refletiu.
Ela estremeceu, imaginando se Agrabah acabaria como o império
dos Djinn: esquecida e lendária.
— Então… de novo com o resumo… eu te ajudaria em um segundo,
se pudesse — o gênio disse com gentileza. — Mas isso é tudo que
posso fazer agora.
Ele balançou os dedos tristemente de cima a baixo. Uma fumaça
branca saiu da ponta de seu dedo e se transformou em um fio de seda.
A seda subiu e desceu e, depois, começou a girar em torno de si
mesma. Foi cada vez mais rápida, sua ponta se afinando e ficando
dourada como uma agulha. O sussurro do tecido contra tecido ficou
mais alto assim que algo começou a tomar forma.
Jasmine assistiu, maravilhada, quando um vestido apareceu no ar.
Não era o vestido mais magnífico que o mundo já tinha visto. Era de
um tom branco com aspecto envelhecido, cujos fios eram tecidos tão
livremente que mais pareciam camadas de rede. Em vez de mangas
tradicionais, o tecido se acumulava nos ombros, nos cotovelos e nos
punhos, descendo até o chão e expondo a maior parte dos braços. Não
havia rosas, não tinha bordado, nem espelhinhos costurados ao tecido,
nem pérolas ou joias de nenhum tipo. A bainha terminava bem depois
dos tornozelos.
— É lindo — Jasmine disse, levantando e se aproximando para ver
como ficaria. Ela girou e as camadas floresceram. Era perfeito para
dançar.
— É o vestido que minha esposa usou em nosso casamento — o
gênio disse triste.
Ele se virou e saiu do quarto como fumaça, quase sem precisar abrir
a porta para passar.
Jasmine o observou partir, ainda segurando o vestido. De algum
modo, ela segurou mais forte. Tinha que relaxar para que suas unhas
não arruinassem o lindo tecido.
Era hora de parar de chorar na cama por sua situação.
Ela era a princesa real. Precisava começar a agir como uma.
Precisava parar de falar em estar presa, em ser entregue de um homem
a outro. Precisava começar a agir.
Precisava começar a ser a heroína.
Os Ratos de Rua

. Aladdin estava em pé e mal precisava


mexer os braços para se equilibrar — mesmo quando eles faziam
curvas rápidas. De novo, gostaria de ter tempo para realmente ver do
que o tapete era capaz, mas havia coisas mais importantes para fazer
no bairro dos Ratos de Rua.
Se a região que Jasmine tinha visto era assustadora? Bom, Aladdin
passou por bairros que eram perigosos, com certeza.
Prédios altos e antigos derrubados uns sobre os outros, bloqueando o
céu acima. Ao meio-dia, as ruas estavam às sombras — o que era um
alívio temporário do sol, mas deixava tudo em um crepúsculo estranho
e quente. Havia muitos lugares para se esconder. Janelas pretas em
casas vazias pareciam órbitas oculares vazias. Estátuas sombrias
quebradas e pilhas de tijolos quebrados faziam aquele lugar parecer
uma antiga zona de guerra. O único espaço aberto era um dos poucos
cemitérios que havia na cidade. Suas pedras bizarras e pontiagudas
pareciam caninos apontando em todas as direções.
O lugar todo era inundado de solidão e desespero… e, ainda assim,
havia um sentimento constante de estar sendo observado por alguém
— ou algo — escondido.
As únicas pessoas visíveis tinham olhos astutos e uma sensação
palpável de malandragem. Aladdin pulou do tapete diante de um prédio
abandonado que parecia igual a todos os outros. Acostumado à rotina
deles, o tapete foi proativo e se enrolou, pendurando-se em seu ombro.
Fazia, quase literalmente, anos que Aladdin não pisava naquele lugar.
Conforme ele passava com cuidado pela soleira empoeirada, via que
estava quase do mesmo jeito como se lembrava. Embora os quartos
sem janela devessem estar praticamente escuros, rachaduras
estranhamente convenientes nas paredes e pedras soltas iluminavam
itens necessários. Uma porta aqui e uma escadaria ali. E uma
armadilha mortal ali, da qual Aladdin se lembrou no último instante,
tirando o pé logo antes de pisar na corda que se enrolaria nele e o
ergueria para o alto, amarrado como um coelho.
Soltando a respiração trêmula, Aladdin continuou com mais cautela
pelo prédio até um cômodo nos fundos. Contando de três em três,
encontrou a placa certa para erguer e revelou uma velha adega.
Quando desceu, ele andou na ponta dos pés, deu a volta no que
parecia um ninho de escorpiões, e deslizou por trás de uma velha e
quebrada ânfora de argila. Finalmente, pulou dentro de um túnel escuro
e inclinado, caindo em um tubo escorregadio de metal no qual deslizou
com facilidade.
No fim dele, havia uma caverna, da qual, embora se lembrasse com
carinho, agora parecia demais com a Caverna dos Tesouros. Tentou
não entrar em pânico, engolindo muitas vezes e tentando,
desesperadamente, perceber as diferenças. Essa era menor, e não
tinha nenhuma maravilha, mas dúzias de lâmpadas a óleo — e pares de
olhos brilhantes.
— Lugar legal que vocês ainda têm aqui — Aladdin falou
pausadamente, tentando não deixar a voz falhar. — Adorei o que não
fizeram com ele.
— Aladdin.
A estrutura minúscula, definida, musculosa e bem familiar de
Morgiana apareceu das sombras. Ela estava vestida de maneira
diferente desde a última vez que Aladdin a vira; calça preta tão bem
cinturada que se movia com o menor movimento dos quadris dela.
Costumava usar um top apertado que expunha sua barriga e braços,
porém agora usava uma camiseta preta larga feita do mesmo tecido
que organizava seus cachos negros impenetráveis.
O nariz usualmente erguido de maneira aristocrática estava franzido
como se sentisse o cheiro de algo ruim, e seus lábios grandes estavam
franzidos. A covinha em sua bochecha, que costumava aparecer
quando ela sorria, não estava em lugar nenhum.
— Não me lembro de ter te convidado para jantar — ela disse.
— Eu estava por perto, então pensei em passar aqui — ele fez
gracinha. — Está cozinhando o quê?
— Aladdin! — Duban avançou com um sorriso muito mais genuíno,
mas que foi perdendo a força, como se só então o rapaz se lembrasse
de algo sobre o velho amigo. O ladrão parecia exatamente o mesmo de
sempre, talvez um pouco mais alto: grande e forte com olhos
surpreendentemente inteligentes em uma expressão ampla e receptiva.
O cabelo comprido e escuro estava amarrado para trás com argolas
douradas. Outras argolas também pendiam de suas orelhas agora. —
Venha, sente-se, coma um pouco de pão com a gente.
Aladdin olhou para os outros pares de olhos observando-o da
escuridão. Ele conhecia Morgiana e Duban desde sempre. Não poderia
dizer o mesmo de todo o resto. A pequena gangue de ladrões deles
tinha crescido ao longo dos anos; se, por algum motivo, algo desse
errado, seria difícil escapar.
Mas ele já tinha chegado até ali…
— Com certeza — ele disse com uma alegria forçada. E, mesmo
assim, até o sorriso falso sumiu de seu rosto quando se aproximou da
pilha de almofadas e tapetes. Salvo por um instante, a exaustão quase
o possuiu. Ainda não tinha comido muito, e os acontecimentos dos
últimos dias estavam lhe cobrando.
A expressão de Morgiana se suavizou.
— Você está bem?
— Vou ficar bem — ele respondeu, acenando a mão para ela. Caiu o
mais graciosamente que conseguiu em uma mesa baixa e tentou pegar
algumas uvas o mais lenta e indiferentemente possível.
— Vamos te dar água — Morgiana decidiu. Ela fez um “tsc” e ergueu
o queixo para um dos muito mais jovens ladrões no escuro. — Outro
copo para nosso convidado. Hazan, vai!
Um menininho pulou rápido como uma sombra para fazer o que ela
mandou.
— O que está havendo com você? — Duban perguntou, sentando-se
ao lado dele. — Parece que esteve em um combate.
— Oh, não é nada. Só com problemas, como sempre — Aladdin
disse. Quando o menino reapareceu com a bebida, ele a bebeu
lentamente, como se não fosse um grande feito. Depois, jogou cinco
uvas no ar e as pegou com a boca, engolindo sem mastigar. — Acho
que a questão maior é: o que aconteceu com Agrabah nos últimos dias,
enquanto eu estive… ocupado?
Duban deu risada.
— Todos nós gostaríamos de saber! Parece que o assustador grão-
vizir Jafar agora é o assustador sultão Jafar.
— Isso eu percebi — Aladdin disse, assentindo.
— Na verdade tem sido… surpreendentemente bom — Morgiana
admitiu. — O regime mudar, digo. Não tem muita violência. Sem
surpresa militar. E a vida com o novo sultão tem sido, até agora, bem
boa. Ninguém na cidade passou fome desde que ele assumiu. Todos no
bairro dos Ratos de Rua estão com a barriga cheia… pela primeira vez
na vida de alguns deles. Ninguém tem roubado comida por causa das
doações.
— O que torna o nosso meio de vida um pouco instável — Duban
disse com um sorriso irônico. — Em especial com o anúncio de Jafar
sobre as novas Patrulhas da Paz que vão andar pela cidade agora. O
crime já diminuiu.
— Mas com exceção de nós, todo mundo está bem feliz — Morgiana
complementou, alegre. — Ninguém se importa que Jafar tenha matado
o velho da barba branca a sangue-frio.
Aladdin se engasgou com a uva.
— Matou?
— É — Duban confirmou, dando de ombros de forma filosófica. —
Apesar da generosidade, Jafar não é exatamente um anjo. Ele chamou
todo mundo da cidade para se reunir na Sacada Pública e anunciou que
era o novo sultão. E, então, jogou o velho sultão de lá de cima. Simples
assim.
— Depois que fez chover ouro — Morgiana apontou.
Balançando os dedos de maneira familiar, uma moedinha apareceu
na mão dela. Brilhava ameaçadoramente na lâmpada a óleo. Aladdin
vislumbrou pilhas de mais da mesma moeda atrás dela. Como
minúsculas versões das montanhas de tesouros de ouro na Caverna
das Maravilhas.
Ele franziu o cenho e pegou a moeda dela. A garota não se opôs —
diferente da velha Morgiana, que teria gritado e pegado de volta. Ela
simplesmente o observou enquanto, com cuidado, ele a segurava entre
o polegar e o dedo indicador, inclinando-a na luz para dar uma olhada
melhor. Parecia ouro puro, de verdade: mais pesado do que seu
tamanho minúsculo parecia justificar. Sem nada de um lado. Do outro
lado, havia um símbolo estranho e entalhado que ele não conseguia
identificar. Parecia antigo e ameaçador. Quase como um lagarto
estilizado, ou um…
— Papagaio — Morgiana disse. — Achamos isso. Um muito bravo,
pelo que parece. Viu? O bico aberto ali e ali, suas garras, ali… Você
meio que precisa usar a imaginação.
— Oh, estou vendo agora… Jafar tem um de estimação, certo?
Morgiana assentiu. Ele lhe devolveu a moeda. Não parecia muito com
um papagaio, na verdade. Parecia maldoso.
— E elas simplesmente… ficam? Não desaparecem depois de um
tempo, como o tesouro de um Ifrit nas velhas histórias?
Morgiana deu de ombros.
— Não. Elas permanecem. São de verdade.
Aladdin não gostava disso. Não conseguia esquecer as montanhas
de ouro antigo enterradas no deserto.
— E a princesa Jasmine? — ele perguntou finalmente.
— Jafar vai se casar com ela. Para consolidar seu reinado, acho.
— E ela concordou com isso? Ela quer se casar com ele?
— Ah, sim, tenho certeza de que ela está totalmente a fim de um cara
com mais que o dobro da idade dela, que matou seu pai e é, em geral,
conhecido por ser mau — Morgiana falou lentamente. — Quando você
virou um idiota, Aladdin?
— Mas ela não o ama!
— Não me diga, Kazem6 — Duban disse, rindo. — Dizem que a
própria mãe dele o abandonou ao dar à luz, de tão mau que ele é.
— Mas que escolha ela tem exatamente? — Morgiana perguntou. —
Ela deveria se considerar sortuda por ele não tê-la matado junto ao pai.
É provável que tenha sido algum tipo de trato que eles fizeram. “Você
se casa comigo e eu consolido meu direito ao trono, e eu não te mato.”
Por que está tão surpreso? É a primeira coisa que vocês, homens,
fazem quando assumem o poder. Punem todas as mulheres.
— Tenho que impedir o casamento — Aladdin jurou.
— Acalme-se — Duban disse, tranquilo, mas era difícil determinar se
tinha sido para Morgiana ou Aladdin. — Aladdin, não será uma
cerimônia pública a que você pode simplesmente ir e dizer “Eu sou
contra este casamento!”. Acontecerá nos aposentos privados do sultão
no palácio amanhã à noite… Só os mais bem-nascidos estão
convidados. Por isso houve aquele desfile hoje, para comemorar
publicamente.
— E, falando nisso, por que… você… precisa impedir o casamento?
— Morgiana perguntou com doçura. — De repente, assumiu a
responsabilidade de defender os direitos da mulher pelo sultanato ou
tem alguma coisa que não está nos contando?
Aladdin pensou em mentir. Ele era bom nisso… em mentir para
outras pessoas. Aqueles costumavam ser seus dois amigos mais
próximos.
— É uma longa história — foi tudo o que disse.
— Aladdin desaparece por alguns dias, Agrabah é derrubada e, de
repente, ele tem interesse em resgatar uma princesa — Morgiana
zombou. — Aposto que é uma longa história.
— Bom, você tem até amanhã à noite para bancar o herói — Duban
disse, abrindo os dedos para mostrar a comida, as almofadas, os outros
jovens ladrões que estavam se ajeitando e se preparando para escutar
uma boa história. — Você trouxe até seu próprio tapete para se sentar
— ele complementou, olhando para o tapete mágico com desconfiança.
— O que tem nele?
— É parte da história — Aladdin admitiu.
— É, conte a história para nós. Vamos nos atualizar. Não vejo Abu há
décadas — Morgiana lamentou, pegando uma uva e entregando para o
macaquinho, que a aceitou com uma educação que em geral não
demonstrava.
— Eu não…
Mas, com a chegada repentina de um monte de ladrõezinhos, Aladdin
se impediu de responder que não tinha mais nada a dizer. Os meninos
escorregaram pela rampa, caindo no cômodo, rolando e abaixando para
se apresentar a Morgiana e Duban.
— Patroa — o primeiro disse, abrindo as mãos.
Nela, havia um bracelete dourado e um colar de esmeralda.
— Muito bem, Deni! Excelente. Quem é o próximo?
Todos os ladrões fizeram fila para apresentar algo a ela — até objetos
pequeninos como bolsas de couro vazias ou uma única moeda de
cobre.
— Pensei que tivesse dito que os Ratos de Rua não precisavam
roubar comida há três dias! — Aladdin soltou, acusando Morgiana.
Ela deu de ombros.
— É, eu disse que não precisavam roubar comida. O desfile foi um
lugar perfeito para… remover as posses de valor de todos os idiotas
hipnotizados pela bobeira mágica.
— Esse sempre foi o problema de vocês! — Aladdin acusou os
velhos amigos. — É, eu também roubo… mas só o que preciso. O que
não consigo sozinho. Vocês tornam isso um trabalho diário. Vocês têm
toda uma pequena… organização de aprendizes aqui, que vão crescer
pensando que isso é aceitável!
— Se continuarmos a ter comida e ouro do palácio, não vai mais ser
aceitável — Morgiana disse, concordando. — Mas a história muitas
vezes mostra, com o passar do tempo, que geralmente não é sábio
confiar em outros… principalmente naqueles no comando… para
fornecer aos pobres. Dou uma ou duas semanas, no máximo, a esse
sultão até ele perceber que não quer continuar dando coisas às
pessoas. Pelo menos não sem ter algo em troca.
— Mesmo quando a situação está ótima, você espera o pior das
pessoas e pensa que elas merecem ser roubadas! — Aladdin cuspiu.
— Meu pai não mereceu perder mobilidade nas pernas — Duban
disse, baixo. — Minha irmã não merecia apanhar do marido.
— Ninguém merece o que tem — Morgiana disse, dando de ombros.
— A vida é assim. Você só precisa se certificar de, pelo menos às
vezes, estar do lado bom. Para você.
— E a maldade continua por aí — Aladdin retrucou, bravo, saindo de
repente. — Há outro caminho. Vocês não precisam escolher esta vida.
Poderiam ser algo mais.

Nome masculino árabe cujo significado é “aquele que controla sua


raiva e não age sob efeito dela”. (N.E.)
Um tipo de resgate

.
Estava mais silenciosa do que o normal? Será que as pessoas
estavam se recuperando da festa enorme, de repente desconfortáveis
com algo que não conseguiam identificar exatamente o que era? Elas
pegaram as moedas douradas engraçadas e as olharam na luz,
refletindo sobre o caminho dos acontecimentos da cidade? Será que
deixaram as moedas de ouro sobre as mesas, e não escondidas nos
sapatos, debaixo de colchões, dentro de travesseiros? Por que se
incomodar? Todos os vizinhos também tinham moedas.
Não era só o religioso ou o supersticioso que se preocupava com o
ouro. Os alunos mais educados e mais inteligentes da velha guarda
sabiam que nenhum objeto era o a partir do nada. Não sem
consequências.
E aquele desfile tinha sido mais do que um pouco estranho.
Entretanto, essas questões filosóficas eram a menor preocupação de
Aladdin no momento. E, na verdade, ele precisava admitir que a
inquietação da cidade era uma grande ajuda para ele. Com todo mundo
dentro de casa, de portas fechadas, longe do céu aberto, era muito
mais simples caminhar pelas ruas sem ser visto.
Abu estava sentado em seu ombro e o tapete mágico deslizava
silenciosamente atrás dele — estava muito escuro para voar bem sem o
risco de bater em algum obstáculo.
As pessoas tentavam entrar escondidas no palácio há séculos.
Algumas de suas caveiras ainda podiam ser vistas em estacas em volta
dos muros, esbranquiçadas em esferas de um mármore brilhante
devido aos anos de sol desértico.
Aladdin estava muito consciente disso. Mas ele também tinha algo
que aquelas pobres almas não tinham — o conhecimento secreto dos
subsolos do palácio. E, embora retornar aos túneis escondidos fizesse
seu coração acelerar de medo, Aladdin cerrou os dentes e passou pelos
estábulos do outro lado do palácio, à beira do deserto.
Os cavalos e camelos relincharam e guincharam com sua
aproximação; ele os acalmou com alguns sons tranquilizantes. Depois,
viu um cavalo escuro e familiar.
— Você voltou! — Aladdin sussurrou com alegria, dando tapinhas em
seu pescoço. O cavalo bufou… talvez feliz por ver o rapaz de novo, mas
também sem querer nada com o humano que o levara para um
tempestuoso deserto no meio da noite. Apesar de tudo isso, ele parecia
bem.
— Espero que seu cuidador também esteja bem — Aladdin suspirou.
Ele encontrou o esgoto que escondia a entrada secreta e, com
cuidado, moveu a tampa para o lado apenas o suficiente para que
pudesse entrar, deslizando-a de volta com a mesma discrição assim
que sua cabeça desapareceu pelo buraco. Desta vez ele estava
preparado para a escuridão com uma lâmpada a óleo minúscula furtada
de Morgiana antes de deixar o esconderijo. Parecia adequado, de
alguma forma.
As passagens de pedra estavam mortalmente em silêncio, exceto
pelo distante rugido da lava. Aladdin ainda pisava suavemente.
Entretanto, era um caminho muito mais fácil com seus dois amigos. O
tapete mágico flutuava ao lado dele quase como um cachorro enquanto
Abu continuava em seu ombro.
Aladdin viu, com alívio, que todas as marcas que ele tinha feito com a
faca ainda estavam nas paredes. Com facilidade, seguiu-as de volta ao
calabouço. Uma batidinha gentil na rocha certa a fez deslizar para o
lado, e ele estava de volta onde tudo tinha começado.
Abu chiou de nervoso. Lá estavam as algemas que haviam prendido
Aladdin; ali estava o lugar em que Jafar aparecera disfarçado nas
sombras.
— Foi até que brilhante — Aladdin admitiu relutante.
Mas ele se perguntou por que Jafar pensara que fosse necessário
passar por toda essa situação a fim de levar Aladdin para pegar a
lâmpada. Qualquer Rato de Rua teria feito aquilo por um único dárico
de ouro. Ou menos…
Pensamentos para outra hora. Ele tinha uma princesa para resgatar!
A porta que levava para fora estava trancada, claro, mas Aladdin trazia
seu pequeno kit consigo. Trabalhou com seus grampinhos à luz da
lâmpada por longos minutos, suando e xingando. Quando a fechadura
finalmente cedeu foi com um clique quase sem som e tedioso.
O caminho para fora foi curto, sombrio e escuro. Ele arregalou os
olhos para o que pareciam ser infinitos degraus de pedra em uma
espiral para cima até o teto obscuro. Era como se ele estivesse na base
de uma torre construída para baixo do solo. Até o desenho era parecido
com a Torre da Lua, o maior prédio do palácio. A torre de Fafar…
Do outro lado da entrada para o calabouço havia outra porta coberta
por entalhes estranhos. O contorno da porta emanava um brilho laranja
maléfico, vindo do que quer que estivesse ali atrás.
— Outra hora — Aladdin prometeu a si mesmo. Quando as
circunstâncias não estivessem tão medonhas, ele exploraria aquilo que
era, muito obviamente, o escritório secreto de Jafar.
Estalou os dedos e o tapete mágico, obediente, se abaixou para ele
subir. Deslizaram pela escuridão acima dos degraus como um sopro de
serralha no ar causado por uma brisa suave.
No topo, havia uma porta de correr esquisita que foi destrancada por
uma alavanca. Aladdin abriu uma mínima fresta e olhou através dela. O
cômodo do outro lado estava pouco iluminado e quase vazio, exceto por
algumas peças de mobília finamente construídas. Não havia guardas.
Aladdin recuou surpreso. Que tipo de calabouço não tinha guardas?
Ele deslizou e abriu a porta o suficiente para passar seu corpo — e
Abu e o tapete. Ao cruzar o vão, virou-se e notou que aquilo que de
dentro do calabouço parecia ser uma simples porta, do lado de fora
parecia um painel de parede totalmente normal. Na verdade, quando a
porta se fechou com um clique silencioso, era impossível dizer onde ela
estava.
Um calabouço secreto! Secreto até mesmo para o próprio sultão,
Aladdin apostava. O laboratório de feitiçaria do mal e a prisão pessoais
de Jafar. Parecia que todos os boatos sobre ele eram verdade…
E se eles fossem verdade, Aladdin percebeu sombriamente, então
era provável que Morgiana estivesse certa, e Agrabah enfrentava um
problema pior que antes. Não tinha como alguém tão sigiloso,
estratégico, assassino e maldoso virar, do dia para a noite, um benfeitor
generoso e apaixonado. Aladdin conhecia as pessoas. Precisava
conhecer, como um ladrão. E as pessoas por via de regra não
mudavam tanto assim.
O piso de mármore estava frio sob seus pés descalços; de repente,
Aladdin entendeu por que as pessoas ricas tinham tantos tapetes.
O som sutil dos calcanhares na pedra o alertaram da proximidade de
outros. Aladdin mergulhou atrás de um sofá de veludo. O tapete se
deitou no chão. Abu subiu em uma tela na lateral do cômodo e ficou
quieto e parado quase no teto.
Uma dupla de guardas passou marchando, rígidos como varas e
carregando no peito lanças que pareciam mortíferas. Estavam vestidos
dos pés à cabeça de preto e vermelho — as cores de Jafar. Aqueles
não eram os guardas indisciplinados do mercado com quem Aladdin
estava acostumado a lidar; eram guardas internos do palácio, com
olhos ágeis e inteligentes, mãos nervosas e sem qualquer excesso de
gordura corporal. Homens muito, muito perigosos.
Assim que desapareceram, Abu começou a descer. O tapete se
enrolou em um canto antes de se erguer.
— Shhh! Ainda não — Aladdin sussurrou.
Ele contou seus batimentos e suas respirações.
Quase dez minutos depois, os guardas passaram de novo. Mesma
rota, mesmos olhares desconfiados, mesma marcha.
Aladdin sorriu para sua própria premeditação.
— Ok — ele sussurrou assim que eles sumiram.
Os três avançaram na ponta dos pés — ou voaram — para o próximo
cômodo. O que Aladdin vislumbrou o fez parar… e, então, erguer uma
sobrancelha, maravilhado.
O espaço em que estavam poderia ter sido um salão de banquete
que facilmente abrigava centenas de cidadãos. Em vez disso, era
mobiliado com mesas cobertas de… tranqueiras. Palácios em miniatura.
Modelos de labirintos em plataformas inclinadas nas quais se podia
passar bolinhas prateadas. Quebra-cabeças que formavam cenários
brilhantes de florestas quando terminados. Jogos de equilíbrio nos quais
os blocos tinham animais esculpidos e monstros fantásticos. E, acima
de tudo isso, havia lindas pipas de seda penduradas com as quais o
sultão brincava quando ele se dignava a sair do palácio em um de seus
famosos piqueniques.
Então esses boatos também eram verdadeiros. O velho sultão era
apenas um velho louco e decadente que brincava enquanto Agrabah
passava fome.
Ou… ele era o velho pai triste e solitário de Jasmine, que queria mais
filhos, ou netos, ou sua esposa de volta. Era complicado.
Um tique-taque no canto do quarto fez Aladdin voar para trás de uma
mesa, e Abu e o tapete para outros esconderijos.
Ninguém apareceu.
O barulho continuou.
Aladdin ergueu a cabeça e notou que, em uma das mesas, havia um
modelo de Agrabah — um diferente, limpo e imaginário — que estava
alinhado ao calendário da torre do relógio situada na praça central. Era
aquilo que estava fazendo barulho. Uma versão minúscula da coisa
real: uma minúscula meia-lua dourada apareceu e virou um grau no
marcador.
Aladdin balançou a cabeça — ou para si mesmo ou para o sultão
morto e seus hobbies.
Dez minutos. Ele escutou o barulho de sapatos de novo.
Gesticulou freneticamente para o cômodo à frente do que ele estava.
O tapete e Abu o seguiram de perto quando ele se abaixou e rastejou
rapidamente para o que parecia um quarto sem serventia evidente.
Havia um braseiro com carvões queimando no canto e um incenso
aceso mandando fumaça para o teto ao lado de um divã baixo, mas não
havia ninguém nele.
Mais passos. De outra direção!
Aladdin mergulhou para baixo do divã, sugando a respiração para
caber ali.
De onde estava, ele não conseguia enxergar o rosto daqueles novos
guardas, mas tinha quase certeza de que havia mais deles daquela vez
— três, talvez, ou quatro, andando em perfeita sincronia. Os guardas
que ele evitara duas vezes encontraram com eles no meio do cômodo;
Aladdin observou seus pés e escutou o bater das lanças uma contra a
outra em um cumprimento militar.
Depois, cada dupla de guardas continuou seguindo na direção que
estavam indo.
O rapaz começou a contar de novo, frustrado. Aquilo era ruim: ele
não tinha tempo sobrando para esperar os guardas terminarem os
circuitos. Impaciente para se mexer, ele se levantou, decidindo arriscar;
sabia que tinha, no mínimo, dez minutos até os próximos pares de
guardas e pensou que, provavelmente, eles todos estariam no mesmo
horário.
Errado!
Aladdin grudou na parede mais próxima quando a segunda dupla de
guardas passou pela porta, movendo-se em uma direção totalmente
diferente.
Abu correu pelo salão gelado para ficar perto dele, seus dedinhos
fazendo barulho no chão.
Os guardas pararam.
— Abdullah, espere. Ouviu alguma coisa?
O rapaz fechou os olhos e tentou parar seu coração. O silêncio era
tamanho e tão profundo que ele tinha certeza de que conseguiriam
escutar seus batimentos.
— Escutei alguma coisa… no cômodo com o incenso.
— Provavelmente foi só um rato ou um macaco.
— Não vou deixar que cortem minha cabeça por algo que possa não
ser um rato.
Aladdin se encolheu quando o guarda preocupado foi até a porta,
com a lança erguida.
Tudo que ele tinha que fazer era entrar mais quatro centímetros no
cômodo.
O guarda fez uma análise completa do lugar, virando a cabeça
lentamente de um lado ao outro.
Aladdin abriu um olho e quase prendeu a respiração quando
percebeu a proximidade da lança afiada e brilhante.
O silêncio se prolongou.
— Não é nada — o guarda decidiu.
Quando ele recuou para se reunir ao companheiro, Aladdin
praticamente desmoronou de alívio.
Sem perder tempo, saiu correndo do cômodo e se enfiou sob uma
janela pela qual a lua brilhava como um holofote. Então, ele parou,
surpreso com a vista lá fora.
Estendido pelo que parecia, no mínimo, dez ou vinte mil metros
quadrados, havia o jardim mais deslumbrante com que ele já tinha se
deparado.
Era uma floresta inteira em miniatura com cedro, cipreste e outros
pinheiros cheirosos que não poderiam, normalmente, sobreviver no
calor e na aridez de Agrabah. Havia fileiras formais de rosas e outras
flores com pétalas delicadas. Havia um jardim apenas para as plantas
de montanha. Havia uma piscina florida com lírios e suas folhas, e flores
de lótus cor-de-rosa mais altas que a maioria dos homens. Havia uma
fonte ovalada tão grande quanto uma casa. Havia um aviário branco e
delicado que parecia uma gaiola gigante. Estranhamente, não havia
pássaros nele.
E, em todo lugar, enrolada em toda estrutura e todo corrimão e bola
de topiaria, tinha uma Jasmine. Jasmine branca, Jasmine cor-de-rosa,
Jasmine amarela, “Jasmine-da-noite”… O cheiro era inebriante o
bastante para deixar Aladdin se sentindo meio bêbado.
Fasmine…
Esse era o jardim dela.
Ela tinha que estar perto. Aladdin se apressou.
Houve, definitivamente, uma mudança gradual na decoração — um
toque feminino — conforme ele seguia pelo crepúsculo empoeirado do
palácio dormente: mais tapetes macios, mais urnas adornadas, mais
tapeçarias na parede, mais flores e plantas. Passou por uma sala de
estar cheia de almofadas de seda e mesas baixas com tigelas de
castanhas, pergaminhos e até alguns jogos. Aparentemente, o sultão
achava que o palácio estava a salvo o suficiente dos olhos de pessoas
de fora e não pensou que uma grade — com as costumeiras e enormes
guardas femininas — fosse necessária.
Claro que diziam que o melhor amigo de Jasmine era um tigre, então,
talvez não fosse realmente necessário ter guardas.
Passando esse cômodo, havia um pequeno corredor que acabava em
um par de portas douradas lindamente entalhadas que abriam como
asas de borboleta. Em cada lado delas, havia uma dupla dos guardas
masculinos de sempre — em preto e vermelho, estilo Jafar.
Aquilo era um problema.
Aladdin cerrou os punhos com frustração. Lógico que ele poderia tirá-
los dali — de algum jeito — e, fazendo isso, faria barulho e chamaria
todos os homens do palácio. Viu-se pensando em Morgiana, “a
Sombra”, e como aquele era o tipo exato de situação em que ela era
excelente.
Algo deve ter feito barulho em outro lugar, algum relógio invisível ou
uma badalada silenciosa. Os dois guardas ergueram as lanças e se
cumprimentaram, depois se viraram e marcharam para fora do cômodo.
Aladdin não fazia ideia de quando eles iriam retornar, mas os instintos
de um ladrão lhe diziam para agir imediatamente. Ele poderia nunca ter
uma chance melhor.
Correu para a frente e pegou seu kit de abrir fechaduras de novo.
Aquela fechadura era linda e primorosamente decorada, mas bem
básica por debaixo de tudo aquilo. Ele levaria apenas um minuto ou…
De repente, a porta abriu para dentro.
Surpreso, Aladdin olhou para o rosto igualmente surpreso de
Jasmine. Ela estava tirando um par de grampos de cabelo da fechadura
do lado dela.
— Ãh, oi — Aladdin disse.
Ele não entendeu o abraço repentino que ela lhe deu — mas também
não se opôs a ele —, abraçando-o mais forte que a viúva Gulbahar em
datas festivas.
— Você está vivo! — ela exclamou com alegria.
— Claro que estou vivo — Aladdin começou a discutir. Depois,
pensou sobre os últimos dias de sua vida. Talvez não fosse uma
conclusão tão óbvia. — Voltei para te resgatar. O que… agora… não
parece tão necessário.
O famoso tigre de estimação dela aproveitou o momento para
aparecer e encarar desafiadoramente os intrusos com olhos amarelos
brilhantes. Ele parecia violento e bravo, com uma ferida aparentemente
maldosa na cabeça. Deu um rosnado baixo e nada aprovador. Abu
começou a pular e guinchar no ombro de Aladdin, histérico. O rapaz
rapidamente colocou uma mão na boca do amigo à procura de o calar.
— Sério. Você parece estar bem — Aladdin continuou, tão calmo
quanto conseguiu.
— É o pensamento que conta. — Jasmine sorriu, colocando os
grampos de volta sob sua tiara e uma mão no pescoço de Rajah. — Eu
estou… Jafar me disse que você foi executado, e por minha causa.
— O quê? — A mente de Aladdin se confundiu. — Ãh. As coisas
estão começando a fazer sentido. Mais ou menos. Vamos conversar
depois. Precisamos sair daqui.
— Temos uns nove minutos até os guardas voltarem — Jasmine
disse, assentindo.
— Certo. — Aladdin pegou a mão dela e se virou para sair.
Abu chiou, concordando. O tapete voou.
— O que é isso?
Jasmine tentou conter seu gritinho em um sussurro. Aladdin estava
prestes a fazer uma piada sobre ela ser uma menininha com medo de
monstros, mas não fez. Uma moça trancada no próprio quarto por
causa de um louco que a obrigava a se casar com ele provavelmente
não precisava imaginar monstros. O fato de ser um pouco assustada
poderia talvez ser relevado.
— Oh, isso? — Aladdin perguntou casualmente. — Diga oi para o
tapete mágico. Tapete mágico, conheça a princesa real Jasmine.
— Um tapete… voador… de verdade — Jasmine disse maravilhada,
com os olhos arregalados. — Que maravilha. Temos muito o que
conversar.
— É, princesa real Fasmine, temos mesmo — Aladdin concordou
com muita ironia. Ela foi obrigada a ruborizar um pouco. Ele começou a
caminhar pelo corredor. — Podemos fazer isso na casa de Morgiana.
— Quem…? Deixa pra lá. Mas, primeiro, precisamos resgatar o
gênio.
— Ãh, não, Jasmine. Não podemos fazer isso agora. Não temos
tempo.
— Ele está preso. Assim como eu — Jasmine disse desesperada. —
Jafar o está obrigando a fazer todas aquelas coisas terríveis,
transformá-lo em sultão e em um feiticeiro poderoso. Ele não quer. Só
precisamos pegar a lâmpada…
— … de um feiticeiro poderoso que também é o sultão, tem um
calabouço secreto, e já transformou o palácio em seu próprio e
particular… ãh… palácio. De jeito nenhum, Jasmine. Agora não.
Podemos voltar depois, mais bem preparados… e com um plano… mas
tirar você daqui já será bem difícil. Acha que ele vai deixar seu bem
mais precioso sair por aí facilmente?
Jasmine ficou desanimada.
— Mas…
Aladdin colocou a mão em seu braço e olhou em seus olhos.
— Eu juro: se isso é importante para você, vamos voltar por ele. Mas
no momento não há muita coisa que um ladrão, uma princesa, um tigre,
um macaco e um tapete mágico possam fazer.
Ela assentiu com tristeza e pegou a mão dele.
— Agora faltam sete minutos — Aladdin disse. — Tenho uma saída
secreta. Só precisamos voltar ao cômodo com os painéis vermelhos.
Jasmine assentiu e correu ao lado dele, movendo seus ligeiros pés
em silêncio.
— Mas Jafar ainda não terminou tudo — ela sussurrou sem fôlego
pelo caminho. — Ele tem um plano.
— Ele tomou Agrabah inteira! — Aladdin disse em um sussurro
desesperado. — O que mais ele poderia querer?
A expressão de Jasmine ficou sombria.
— O que pessoas como ele querem? Mais. Mais poder. Mais
bajulação. Mais…
Ela parou quando Aladdin parou de andar. O tapete e o tigre pararam
de repente. Abu segurou no pescoço de Aladdin devido à repentina
cessação de movimento.
Em pé no cômodo com a lareira, parecendo tão surpreso quanto eles,
estava Razoul.
— Corra… — Aladdin sugeriu baixinho.
— Guardas! Aqui! No Quarto da Lareira Cintilante! — Razoul rugiu.
— Quarto da Lareira Cintilante? — Aladdin murmurou com desgosto
conforme eles se apressavam pelo corredor.
A marcha pesada parecia vir de todas as direções. Se eles
estivessem do lado de fora nas ruas de Agrabah, Aladdin saberia onde
estariam seguros, quais ruas eram muito sinuosas para se esconder,
onde havia rotas fáceis de fuga. Agora ele estava apenas liderando
cegamente.
— Podemos chegar lá fora? — ele perguntou a Jasmine, arfando.
— Em frente — ela disse entre as respirações. — Há uma loggia7
com colunas que leva ao Pátio dos Banquinhos Perfumados com
Rosas.
Aladdin olhou para ela.
— Só estou brincando — ela disse com um sorriso rápido. — Eles
não têm cheiro de verdade.
O tigre seguiu na frente como se soubesse o plano. O tapete ficou
atrás deles como se protegendo a retaguarda.
Aladdin não sabia o que era uma loggia, mas à frente havia um
corredor cheio de pilares que se abria em um pátio enorme sem
cobertura. Havia limoeiros, murtas perfumadas e vasos de rosas. Mais
pilares, ornamentais e abstratos, decoravam o interior do pátio junto a
estátuas representando antigos deuses. Havia, de fato, banquinhos —
entalhados na forma de rosas.
E também uns doze guardas esperando Aladdin e Jasmine.
— Parem!
Aladdin caiu para trás quando a dupla à frente pulou em direção a
eles. Um guarda gordinho segurou a cintura de Aladdin com os braços e
o jogou no chão. Jasmine conseguiu se esquivar do outro.
O tigre rugiu e ergueu a pata, pronto para rasgar a barriga do guarda.
— Não, Rajah! — Jasmine gritou. — Não é culpa dele. São ordens de
Jafar!
— Agora ela fica toda “protetora do povo”? Não podia esperar uns
dez minutos? — Aladdin questionou em voz alta enquanto tentava
escapar do guarda. Quando falhou, ele se encurvou, formando uma
bola. Mirou o pé nas partes baixas do homem. Com uma explosão de
força, ele empurrou os braços e as pernas o mais forte que conseguiu.
O guarda gritou e caiu de lado. Aladdin subiu em suas costas.
— Vamos nos dividir! — ele ordenou, mergulhando para o lado.
Uma lâmina cortou o ar acima da cabeça do rapaz. Ele rolou no chão.
Chutou o atacante e conseguiu fazer o guarda bater em outra dupla de
guardas. Cimitarras voavam como mísseis fatais.
Um grito de Jasmine o fez parar. Um guarda tinha conseguido pegar
sua faixa e a estava puxando. Com um braço, ela se segurou com muita
força em uma estátua… e então pegou sua adaga prateada com a
outra.
Rajah se virou e rugiu.
— Idiota! — Razoul berrou quando, finalmente, alcançou a briga. — O
sultão vai querer sua cabeça se tocar na princesa assim!
Rajah saltou.
Aladdin não conseguiu ver o que aconteceu em seguida porque uma
dupla de guardas correu em sua direção, com espadas apontadas
diretamente para seu peito.
Aladdin agachou e girou como um dervixe.8 Conseguiu dar uma
rasteira em um dos guardas, fazendo-o tropeçar no outro. Ambos se
embolaram, caindo no piso de pedra com um barulho ensurdecedor.
— Tapete! — Aladdin ordenou no instante em que conseguiu respirar.
— Salve Fasmine!
O tapete dançava no ar. Só estava fora do alcance de alguns guardas
facilmente distraídos que o cutucavam com a ponta de suas cimitarras.
Terminado o que quer que ele tivesse feito com os outros homens,
Rajah começou a caçá-los em silêncio por trás, preparando-se para dar
o bote.
Com as palavras de Aladdin, o tapete imediatamente mergulhou para
baixo entre os pilares de mármore na direção de Jasmine. Os guardas
se viraram para persegui-lo e deram de cara com o tigre.
Antes que ele pudesse se virar para fazer alguma coisa, Aladdin foi
agarrado violentamente por trás por um par de mãos muito ágeis,
familiares e profissionais — de Razoul.
— Rato de Rua. Você ficou maluco da cabeça!
— Pelo menos ainda tenho uma — Aladdin retrucou.
No entanto, por mais que ele chutasse e lutasse, Razoul o segurava
firmemente. Outro guarda ergueu a cimitarra para que a ponta
encostasse na barriga de Aladdin.
As contingências não pareciam boas.
Mas ele viu que Jasmine estava livre de seus próprios perseguidores.
A princesa se jogou no tapete e segurou suas borlas. O tapete se
abaixou uma vez sob o peso dela, depois correu pelo céu com Jasmine
pendurada como um coelho nas garras de uma águia.
Aladdin suspirou de alívio. Ele ficaria bem, claro… ou não. Não
importava. Pelo menos ela estava em segurança.
Com um grito, Abu caiu na cabeça do guarda com a espada.
Era todo o tempo de que Aladdin precisava para dar impulso no chão
e uma cambalhota para trás — as mãos de Razoul ainda segurando
seus braços — e cair às costas de Razoul.
Ele tentou não gritar com a dor de torcer seus braços de uma forma
tão anormal.
Xingando, Razoul diminuiu a força. Aladdin se virou rapidamente
como uma doninha até encontrar um ponto fraco e, então, ele estava
livre.
— Ei! — uma voz chamou.
O rapaz olhou para cima.
Totalmente em desacordo com o plano maravilhoso de resgate dele,
Jasmine estava se pendurando na beirada do telhado, em vez de
correndo para longe. Ou voando para longe. Como era para estar
fazendo. Ela apontou: o tapete mágico desceu voando na direção de
Aladdin.
— Todas as princesas são desobedientes? — com um sorriso, ele
gritou e deu um salto para subir no tapete.
Com um rugido bravo, Razoul se jogou em Aladdin, com a espada
erguida. A ponta dela pegou a lateral de Aladdin e cortou sua pele.
O rapaz cambaleou com a dor do golpe. Começou a escorrer sangue
de seu corpo.
Jasmine arfou.
Ele prendeu a respiração e se forçou a ficar ereto. O tapete estava
perto o suficiente para ele subir…
Mas o próximo ataque de Razoul não mirou em Aladdin.
Apesar de tentar desviar, o tapete mágico não conseguiu.
A espada de Razoul cortou uma ponta, arrancando uma das borlas. O
tapete estremeceu terrivelmente, depois saiu desgovernado, tentando
se recuperar. Rajah rosnou.
Aladdin xingou.
— Não quero te matar, Rato de Rua — Razoul disse com a espada
erguida.
— É o que parece, Razoul — Aladdin gritou de volta.
— Se a princesa desaparecer, será a minha cabeça… e a dos meus
homens.
De soslaio, Aladdin viu o tapete deslizando lentamente de um lado a
outro, passando por uma fileira muito interessante de estátuas e pilares
que, daquele ângulo, pareciam quase alinhadas. Uma ideia começou a
tomar forma.
— Se a princesa não desaparecer, será obrigada a se casar com um
homem que você sabe que é um monstro. Até pior do que você! —
Aladdin gritou, desviando dele.
Razoul girou mais rápido do que um homem de seu tamanho deveria
conseguir e tentou um golpe de espada nas costas de Aladdin.
Aladdin esquivou e conseguiu escapar. Com um salto igual ao de um
sapo, ele colocou as mãos na cabeça da primeira estátua e se
impulsionou para a segunda.
Sem parar, executou uma cambalhota até a terceira.
Tarde demais, Razoul entendeu seu plano e correu para impedi-lo.
No último e mais alto pilar decorativo, Aladdin saltou com toda a força
restante. O pilar balançou com o impacto de seu empurrão.
As mãos dele caíram no teto, agarrando as telhas de barro que se
desfaziam sob seus dedos. Jasmine o segurou pelos braços e o ajudou
a subir.
Abaixo dele no pátio, o pilar balançou demais e começou a cair.
Aladdin assistiu horrorizado conforme Razoul girava e olhava para cima,
confuso diante do que acontecia.
— Tapete! Salve Razoul! — Aladdin gritou. — Tire-o do caminho!
O tapete, lento e confuso, foi até o capitão da guarda. Não conseguiu
tirar Razoul do lugar apenas se enrolando em seus tornozelos.
Abu conseguiu escalar às pressas a lateral do pilar e pular logo antes
de ele cair no chão do pátio.
Razoul não teve tanta sorte.
O homem enorme se virou, olhou para cima… e gritou.
E, então, houve um barulho terrível, muito terrível.
Aladdin virou a cabeça, mas não antes de ver o braço livre de Razoul
se erguer com fraqueza e, então, cair no chão.

Galeria coberta e vazada para uma área externa, usualmente


composta por arcos e/ou colunas. (N.E.)
Monge integrante de uma ordem muçulmana conhecida por fazer
votos de pobreza, humildade e castidade. (N.E.)
A formação de um exército

andava na ponta dos pés por cima dos muros


do palácio: a noite estava tão escura que só podiam ser vistos de onde
as estrelas não brilhavam. Iniciavam ruídos em torres e salas diferentes
da capital. Ordens eram dadas, uma busca começava, explicações
eram oferecidas, cabeças estavam literalmente começando a rolar.
Aladdin, Jasmine e Abu chegaram a uma parte próxima a palmeiras
altíssimas. Onde, de algum jeito, ironicamente, Jasmine havia fugido
não muito tempo antes. Teria sido impossível escapar com o tigre — e
muito mais fácil com o tapete mágico. Não era certo deixá-los para trás;
parecia vazio e solitário.
Aladdin deitou em cima do muro e baixou Jasmine até onde alcançou.
Ela precisou se jogar pelos últimos três metros nas copas espinhosas
de árvore. Sua aterrissagem, embora não tivesse sido perfeita, foi boa o
bastante, e a parte de seu cabelo que foi cortada pelas folhas afiadas
cresceria novamente em breve.
Aladdin pulou logo depois, a ferida queimando conforme a pele se
esticava. O sangue escorreu pela lateral.
Eles fugiram como lagartos pelas árvores. Quando chegaram ao
chão, correram o mais rápido e o mais discretamente que seus pés
conseguiram até o bairro dos Ratos de Rua.
Não tinham chegado longe quando um som esquisito soou da
escuridão como o barulho de uma enorme centopeia. Uma com sapatos
grandes e pontiagudos.
Jasmine parou e colocou um dedo nos lábios, quando Aladdin a fitou
com olhos interrogativos.
— Temos que nos esconder — ela sussurrou.
Aladdin olhou em volta e viu o que parecia ser uma casa
abandonada. Parecia porque tudo em Agrabah — com exceção do
palácio — parecia abandonado naquela noite. Todas as casas estavam
pretas, ou com cortinas e telas bem fechadas ou com apenas algumas
lâmpadas acesas. Até no bairro dos ricos, as casas de chá, vinícolas e
bares estavam vazios. O silêncio com que Aladdin se deparou quando
voltava da caverna no deserto estava, de algum jeito, aprofundado pelo
som regular e misterioso.
Passando pela porta quebrada e pendurada pelas dobradiças, eles
perceberam pouca mobília no interior, e o restante estava quebrado ou
era lixo. Poeira e a areia infinita do deserto cobriam tudo. O lugar estava
nitidamente vazio. Jasmine se sentou exausta em uma almofada velha
e podre que provavelmente estava cheia de insetos — mas ela não
pareceu se importar.
Aladdin ficou perto da porta para poder observar através de uma
fresta.
Passando a apenas alguns metros da porta estava uma tropa de
seis… guardas. Aladdin não conseguiu pensar em outra palavra para
chamá-los. O uniforme era brilhante e preto como aqueles sistros do
desfile. Os movimentos deles eram perfeitos e sincronizados.
Seguravam armas de metal compridas, brilhantes e incomuns, mas só
tinham lâminas na ponta. Usavam botas iguais às de cavaleiros, com
metal entalhado no couro na região dos calcanhares.
Mas era a expressão… os olhos deles… que deixaram Aladdin
curioso. Todos pareciam iguais. Como as dançarinas bonitas no desfile.
De novo, mais do que apenas primos ou irmãos… Havia uma
similaridade perfeita em suas expressões, desde os olhos escuros
estranhamente vazios até a boca fina tal qual uma linha. Como
estátuas, bonecos ou…
Aladdin estremeceu sem saber o motivo.
— O que eles são? — perguntou assim que eles passaram.
— A nova Patrulha da Paz de Jafar — Jasmine respondeu com um
suspiro cansado. — São… bom, não sei exatamente o quê. Só meio
que continuam aparecendo. Mais magia, de alguma forma.
Enquanto ela falava, soltava as presilhas e amarras de seu cabelo
para passar os dedos nele. Embora estivesse sujo e todo desarrumado,
Aladdin ainda teria gostado muito de fazer isso por ela. Penteá-lo para
trás das orelhas…
— As patrulhas são apenas parte dos grandes planos de Jafar para
Agrabah. Eles marcham pela cidade em rondas a noite toda. Para
manter a criminalidade baixa. É o que ele diz. Algumas pessoas
gostam, eu acho. Sentem-se mais seguras. É o que ele diz.
— Eles parecem um pouco… esquisitos.
O rosto de Jasmine ficou pálido e apático. Eles tinham escapado e
deveriam estar comemorando, mas ela não parecia tão empolgada. Na
verdade, agora que estava pensando nisso, Aladdin também não se
sentia empolgado. Estava aliviado, claro. Mas se sentia terrível em
relação ao tapete mágico. E tinha visto outras situações na semana
anterior que eram mais difíceis, mais pesadas do que tudo com que ele
já tivera que lidar.
— Sinto muito por seu pai — ele disse baixinho, sentando ao lado
dela.
A expressão de Jasmine se endureceu. Havia uma luz em seus olhos
agora, mas era sinistra e cheia de raiva. Ela esticou os dedos e os
curvou de volta como um tigre mostrando as garras.
— Jafar o matou. Bem na minha frente. Eu não fazia ideia de que
ele… odiava tanto meu pai. Poderia ter feito qualquer outra coisa com
ele. Com todo seu poder, ele poderia tê-lo banido ou transformado em
um rato. Ou… qualquer coisa. Em vez disso, simplesmente o empurrou
da sacada. Simples assim.
— Acho que Jafar tem fomentado ambições muito grandes… e
pensamentos bem raivosos há um bom tempo — Aladdin disse com
gentileza. — Tudo isso foi extremamente planejado. Me prender por
estar com você foi só parte do plano. Ele precisava de mim para pegar
a lâmpada com o gênio dentro.
Jasmine piscou.
— Você pegou a lâmpada para Jafar?
— Peguei. É uma longa história. Engraçado que estou falando muito
isso ultimamente. Algum dia, talvez, eu te conte tudo. É suficiente dizer
que eu nunca quero entrar em uma caverna de novo.
Jasmine franziu o cenho.
— Então… não foi culpa minha? Ele teria encontrado outra pessoa
para fazer o trabalho sujo de qualquer forma?
— Não faço ideia. Fico pensando nisso. Mas é sua culpa não ter
pensado nas consequências quando saiu disfarçada por aí em Agrabah
— Aladdin disse, calmo. — Só pensei que você fosse uma riquinha
linda e rebelde. Sua Alteza Real.
— Acha que sou linda? — ela perguntou com os olhos arregalados.
Aladdin parou com a boca aberta, sem saber o que dizer.
— Rá! Estou brincando, claro que você acha — Jasmine disse,
abrindo um sorriso bem diferente de uma princesa.
Ela o empurrou pelo ombro e, por um instante, Aladdin se lembrou,
não desfavoravelmente, de Morgiana.
— Você é tão fácil de ler quanto um livro em aramaico. Mas precisa
me dizer a verdade sobre uma coisa — ela complementou, de repente
séria.
— Qualquer coisa — ele prometeu.
— Qual é seu nome?
Aladdin deu risada.
— Acho que nunca nos apresentamos de maneira formal, não é? —
Ele se levantou e fez uma reverência. — Sou Aladdin, filho de Hatefeh,
que foi filha de Twankeh, que foi filho de Ibrahim, que foi filha de um
monte de gente de que você nunca ouviu falar. Ninguém nunca ouviu
falar.
— E eu sou… bom, você já sabe quem sou — Jasmine disse, ficando
toda triste de novo. — Eu sinto muito, muito por tudo que passou.
— Valeu a pena. A maior parte — Aladdin disse, sentando-se de novo
no chão ao lado dela.
Ele se encolheu devido à dor na lateral. Jasmine viu e prendeu a
respiração. Porém, quando esticou o braço para tocá-lo, ele tirou suas
mãos com delicadeza.
— Além disso, eu sobrevivi para lutar outro dia. Vamos pegar Jafar. E
você vai ter seu trono de volta. De algum jeito. Em memória de seu pai.
— Em vingança ao meu pai — Jasmine chiou entredentes. Ela cerrou
os punhos de novo e encarou o horizonte com um ódio ardente.
Aladdin esfregou as mãos no rosto. Muita coisa tinha acontecido
rápido demais. Tudo estava indo muito rápido. O velho sultão morreu —
não foi um ótimo homem como sultão, mas pelo menos foi consistente.
Jafar, o vizir assustador, agora era um ditador horripilante e louco.
Agrabah estava… diferente. Tudo parecia instável.
E Razoul se fora.
Aladdin não sentia nada especialmente profundo pelo homem.
Principalmente porque ele tinha presenteado Aladdin com o ferimento
lateral. Mas, como o velho sultão, ele tinha sido uma constante na vida
de Aladdin. Uma presença pessoal. Razoul o perseguia desde que era
um garoto. Agora Aladdin era um rapaz, e Razoul era o capitão da
guarda. Era quase como se eles tivessem crescido juntos, por
diferentes caminhos.
Uma dor estranha se formou no estômago de Aladdin. Nunca tinha
desejado que ele morresse. Nunca tinha sido responsável pela morte de
alguém. Isso também estava diferente. Aquela culpa era novidade. E
tudo o que era novo parecia terrível.
Exceto Jasmine.
Só de contemplá-la ele já se sentia melhor em relação a tudo. Seu
cabelo agora estava em uma trança em volta da cabeça, como uma
nômade, com mechas caindo pelas orelhas de modo bem charmoso.
Seu rosto, sujo de poeira, ainda brilhava.
Em outra hora e lugar, ele teria se aproximado para beijá-la.
Mas ela também estava diferente. Agitada. Ele percebeu que
observava a garota feliz e generosa — embora ingênua — se
transformar em algo obscuro e terrível.
Ele precisava impedir.
— Precisamos pará-lo — ela disse, a voz falhando, estranhamente
ecoando os pensamentos dele.
— Tudo bem, nós vamos — ele concordou, tranquilo, colocando o
braço em volta dela. — Mas não acho que possamos pará-lo sozinhos.
Vamos para algum lugar seguro. A casa de Morgiana. Podemos pensar
nas coisas lá.
Aladdin se levantou e ofereceu a mão para Jasmine. Ela pegou-a,
esforçando-se com uma exaustão que ameaçava puxá-la de volta para
baixo.
Ele verificou o lado de fora, mas o perigo parecia ter passado;
conseguia ouvir Agrabah despertando por trás da patrulha, como a
grama cheia de insetos tímidos que começam a se agitar de novo
depois que cavaleiros seguiam seu caminho.
Passaram por apenas quatro casas da rua quando Jasmine de
repente perguntou:
— Espere, quem é Morgiana?
Aladdin suspirou.
— Uma amiga — ele concluiu.
— Uma “amiga” — Jasmine disse cética.
— Nos conhecemos desde criança. Crescemos juntos. E, depois,
meio que… fomos por caminhos diferentes.
— O quê? Ela virou intelectual? — Jasmine zombou. Mas soou
aliviada. — Mãe? Sacerdotisa?
— Não, pior. Uma ladra. Bem pior que eu. Ela e Duban organizaram a
própria equipe de crime. Começaram treinando os menores, Ratos de
Rua para os quais ninguém ligava, para serem melhores pedintes.
Lembra daqueles que te mostrei? É, eles. E, então, foram treinados
para serem ladrões. E às vezes outras coisas não muito legais. Não
concordei com a… filosofia de vida deles. Entre isso e o que estava
havendo com minha família, seguimos caminhos separados.
— Há duas semanas, eu não entendia mercados, roubos ou pobreza.
Hoje estou aprendendo que há diferentes níveis de roubo — Jasmine
disse, balançando a cabeça.
— É, tente ficar presa dentro da barriga de um tigre de pedra —
Aladdin sugeriu. — Isso vai mesmo abrir um mundo totalmente novo
para você.
Jasmine tinha gostado da entrada deles no esconderijo de Morgiana
— mas não dos punhais que foram de repente apontados para ela e
Aladdin assim que chegaram à sala principal.
— Duas vezes em uma semana, Aladdin — Morgiana falou
lentamente.
Ela e Duban haviam, obviamente, tido alguma discussão tensa: eles
estavam próximos e pareciam infelizes.
— Estou honrada.
— E deveria — Aladdin cochichou, tentando não encolher quando o
punhal de uma menininha cutucou seu ferimento.
— Oh, deixe-os — Duban disse exausto. — Aladdin e sua namorada
não são ameaça para nós.
Morgiana assentiu para as crianças e elas desapareceram na
escuridão como sonhos. Ela sem demora mostrou um sorriso reluzente
para o velho amigo.
— E que namorada poderosa e impressionante, Aladdin. Me diga,
como você e a princesa real Fasmine se conheceram?
Jasmine pareceu assustada. Aladdin ficou surpreso, mas só um
pouco. Sob suas roupas empoeiradas e com sangue ainda havia seda e
cetim, acima da trança ela ainda usava a coroa, e aqueles brincos
gigantes e dourados basicamente a entregavam. Morgiana foi mais
rápida para entender do que ele tinha sido, não distraída pela beleza de
Jasmine, enxergando quem ela de fato era.
Além disso, em defesa dele, Jasmine não estava mais usando lenço.
Jasmine ficou vesga tentando enxergar o que Morgiana estava
indicando com o queixo erguido. Quando percebeu que era sua coroa,
ela a tirou com rapidez. Jogou-a aos pés dos ladrões, onde caiu no
chão empoeirado com um barulho ameaçador.
Duban e Morgiana — e até Aladdin — pularam de susto.
— Pegue. Não ligo. Perdi meu pai, perdi meu tigre… perdi meu reino.
O que uma coroa vai fazer por mim?
— Uau — Duban disse.
— Você não precisava se livrar da coroa — Aladdin comentou rápido.
— Nós poderíamos ter…
— Se quisesse sua coroa, eu mesma a teria pegado, princesa —
Morgiana disse. Ela usou o calcanhar para jogá-la perfeitamente no ar,
pegando-a com uma mão. Depois, foi até Jasmine e a ofereceu de
volta. — O que é meu é seu, na minha casa — ela disse em uma
recepção tradicional. — Se tiver sede, tenho água.
Jasmine pegou a coroa de volta. Devagar, começou a sorrir.
— Tenho, na verdade, sede. Adoraria um copo de água.
— Por favor — Morgiana disse, indicando a mesa baixa.
Jasmine se sentou o mais graciosamente que conseguiu na posição
de lótus. Aladdin também se sentou, com seu próprio jeito gracioso,
mas bruto. Duban e Morgiana os seguiram. O menino Hazan veio com
dois copos de água: um prateado para Aladdin, um dourado para
Jasmine.
— Muito obrigada — Jasmine disse, brindando. Ela tomou um longo
gole, sorvendo toda a água. Depois virou o copo de cabeça para baixo
e olhou no fundo. — Ah… eu sabia. Este cálice veio do palácio. É do
conjunto menor de banquetes. Aí está o selo do meu pai.
Morgiana abriu as mãos e deu de ombros.
— Não se pode pegá-los com facilidade, por causa do selo. Ninguém
vai comprá-los. Podem ser ligados ao palácio, e a punição para roubo
do palácio é a morte. Então usamos aqui.
— Ãh — Aladdin começou.
Duban também parecia nervoso.
Jasmine acenou cansada para eles.
— Foi só uma observação. Acredito que meus padrões de certo e
errado estão mudando bastante esses dias.
Duban e Morgiana trocaram um olhar devido ao tom aborrecido na
voz dela.
— Vocês parecem nervosos — Aladdin disse, inquieto em sua
almofada e se servindo de alguns caquis e uma asa de codorna de uma
bandeja. Estava surpreendentemente suculenta e bem assada. —
Guardas extras, vigia nas esquinas… é, eu os vi. Até a jovem bem
disfarçada de azul. Pensei que Agrabah estivesse maravilhosa com
esse novo governante.
— Nem toda mudança é boa — Duban murmurou, bebendo algo que
obviamente não era água em seu próprio copo e, então, balançando
sua barbicha.
— Pensamos que a Patrulha da Paz seriam os mesmos guardas
ruins do mercado — Morgiana disse. — Mas são… outra coisa. Algo
não natural. Ninguém sabe quem eles são, ou de onde vêm. E, da
última vez que verifiquei, não havia caravanas vindo da cidade
carregando dúzias de soldados idênticos de terras estrangeiras.
— E estão mantendo muito bem a paz — Duban rosnou. — Há uma
hora, um ladrão foi encontrado pregado no muro da cidade como um
inseto, um punhal em cada punho e pé, pescoço e coração. Não era
dos nossos — ele complementou com pressa.
— Também tem o probleminha da inflação — Morgiana disse
pausadamente, servindo-se de vinho do cantil de couro. — Não é
brincadeira.
— Inflação? Tipo de dinheiro? — Jasmine perguntou. — O que tem a
ver com tudo?
— Está vendo esta laranja? — Morgiana perguntou, espetando uma
da mesa com sua adaga. — Há uma semana você conseguia comprar
uma dúzia por uma única moeda de prata. Agora? Esta laranja vai
custar vinte dáricos de ouro. Ou jafars de ouro, ou como quiser chamar
as moedas do feiticeiro.
— Quando você consegue fazer chover ouro — Duban explicou,
vendo que Jasmine ainda estava confusa —, quando pode esticar o
braço e pegar o quanto quiser… o ouro para de ter valor. Como a areia.
Morgiana apontou o queixo para as pilhas de ouro no canto da
caverna.
— Isso tudo é basicamente sem valor agora.
Aladdin foi, de novo, lembrado das montanhas de tesouro agora
enterradas no deserto. Um pensamento estranho lhe ocorreu. Tudo isso
tinha acontecido… antes? Será que o tesouro estava enterrado não
porque algum velho sultão louco queria que sua riqueza morresse com
ele, mas porque alguém quase destruiu o mundo ao trazer ouro demais
a ele? Com a ajuda de um gênio, cuja lâmpada era a única coisa “sem
valor” ali… Talvez tudo estivesse escondido para proteger o povo do
poder dos desejos.
Ele esfregou a cabeça. Pensamentos profundos geralmente não
faziam o seu tipo. Ele suspeitava de que aquilo também estava
mudando.
— Isso não pode ser parte do plano de Jafar — Jasmine murmurou.
— Não acho que ele previu isso.
— Mas você disse que havia um plano maior, certo? — Aladdin
sugeriu. — Algo pior?
— Pior do que ouro sem valor? — Morgiana perguntou, maliciosa. —
Tenho dificuldade em imaginar o que pode ser além disso.
Jasmine assentiu. Era como se um instante de descanso e um único
copo de água a tivessem feito se recompor e recuperar sua antiga
energia.
— Precisamos parar Jafar. Escutem: ele tem uma lâmpada com um
gênio escravizado nela. Até agora, ele fez dois desejos: um de se tornar
sultão, outro de se tornar o feiticeiro mais poderoso do mundo. O gênio
não pôde conceder seu terceiro desejo, porque quebrava as leis da
magia.
— Qual era? — Duban perguntou baixinho.
Jasmine ruborizou, falhando em seu papel de contadora de história.
— Jafar queria uma noiva de espontânea vontade — ela enfim disse,
forçando as palavras a sair. — Ele queria que o gênio fizesse com que
eu me apaixonasse por ele.
— Oh — Morgiana disse um pouco decepcionada. — É isso? Por
quê?
Jasmine não se ofendeu, e Aladdin ficou aliviado ao ver isso.
— Porque é isso que ele quer, além de poder — ela explicou. — Mais
do que qualquer coisa, Jafar parece querer ser amado e admirado… é
por isso que ele fez aqueles desfiles, e dá todas essas moedas, e faz
aqueles discursos da sacada. Ele quer que todos, inclusive eu, o amem.
— Não seria isso que eu desejaria. Sem ofensa — Duban disse
igualmente estupefato. — E todas as coisas boas que ouvimos em
mitos e lendas? Como um cavalo mais rápido que o vento ou um navio
que pode voar pelas estrelas? É isso que eu iria querer.
Morgiana estreitou os olhos para Aladdin.
— Desculpe, será que entendi corretamente que você trouxe o objeto
de obsessão do feiticeiro mais poderoso do mundo para nosso
esconderijo secreto?
— Hum. Sim…? — Aladdin mostrou um sorriso aflito.
— Ela poderia ser útil para negociação — Duban sugeriu.
— Se ele soubesse que estou aqui, já teria atacado — Jasmine disse
rápido. — Não acho que ele possua o poder de ver através das
paredes. Mas me deixe continuar.
“Ele ficou com raiva que o gênio não pôde… quando ele não pôde
fazer com que eu me apaixonasse por ele. A magia não pode fazer isso,
nem matar diretamente as pessoas, nem revivê-las. Então, neste
instante, Jafar está dedicando todos seus recursos para descobrir como
ele pode quebrar as regras da magia. Já enviou dúzias de criados pelo
mundo inteiro para encontrar fontes antigas e de conhecimentos do mal
capazes de ajudá-lo. Jafar quer que todos o amem… mas também quer
criar um exército de mortos. Para dominar o resto do mundo.”
Todo mundo ficou em silêncio absorvendo a grandeza do que
Jasmine tinha acabado de dizer.
— Está brincando — Duban disse com os olhos arregalados.
— Não estou — Jasmine retrucou de modo sombrio. — Vi as
tentativas iniciais dele. Não… é nenhuma brincadeira.
Morgiana xingou em sua língua materna.
— Magia negra de Shetan! Isso é sério, Jasmine — ela disse quase
acusando-a.
— Não sei o que é pior — Duban zombou. — Reviver as pessoas e
fazê-las andar de novo e servi-lo ou um feitiço que nos obrigaria a amar
Jafar incondicionalmente. Para sempre.
— Ambos parecem igualmente horríveis para mim — Aladdin disse.
— Temos que pará-lo. Ou sair da cidade. Ou morrer tentando.
— Vocês vão me ajudar? — Jasmine implorou. — Vão me ajudar a
impedir que Jafar consiga o que ele precisa para fazer esse pesadelo
acontecer? Vão… vão me ajudar a derrotá-lo e a me reinstalar no
trono?
Morgiana e Duban se entreolharam.
— Nós somos ladrões, Jasmine. O que podemos fazer? — Duban
perguntou.
— Vocês não são simples ladrões, vocês têm uma rede de ladrões —
Jasmine argumentou. — Têm praticamente um exército. E não
precisamos de força militar… só precisamos impedir que Jafar consiga
a habilidade de quebrar as leis da magia. Como roubar o que ele está
procurando antes de ele encontrar. Aposto que vocês sabem uma ou
duas coisas sobre saquear uma caravana.
— Não faço ideia do que está falando — Morgiana disse
tranquilamente, bebendo um gole de sua taça.
Jasmine a ignorou.
— Enquanto isso, posso circular entre o povo e arranjar apoio para eu
retomar o trono. Construir uma base forte de poder.
Os dois ladrões não disseram nada. Jasmine olhou entre os dois.
— O que ganhamos com isso? — Morgiana perguntou, soando
razoável.
— Agradecimentos infinitos de uma sultana grata? — Jasmine
arqueou uma sobrancelha. — Não ter sua mente tomada de você e seu
corpo usado como soldado morto-vivo no exército de um feiticeiro
louco? Que tal isso?
O ladrão deu de ombros.
— Talvez seja hora de nós, ladrões, apenas desaparecermos.
Realocarmos. Soube que Bagdá é legal nesta época do ano…
— Ah, vai! Estamos em Agrabah! E estamos falando em salvar o
mundo! — Jasmine disse, desesperada.
— Particularmente, não ligo para o resto do mundo. O exército dos
mortos pode ficar com ele — Duban disse, dando de ombros.
— É, mas eu particularmente não gosto da Patrulha da Paz. —
Morgiana suspirou, como se estivesse falando de um tipo de ameixa. —
Eles dificultam muito o trabalho de um grupo de ladrões.
— Com isso eu concordo — Duban falou, brindando a taça com ela.
— E, para ser sincero, não tenho um amor especial por mortos-vivos.
Um exército inteiro deles deve ser desagradável.
Jasmine se desanimou com seus comentários casuais e sem noção.
Mas Aladdin sorriu. Ele reconheceu a ironia dos amigos de longa
data: eles já tinham se decidido e estavam enrolando sobre o assunto.
Como se não fosse um grande feito enfrentar um sultão, um feiticeiro,
um gênio e um palácio protegido.
— Então… vocês vão nos ajudar? — Jasmine perguntou
esperançosa, observando a diversão de Aladdin.
Duban esticou o braço e bateu o punho na mesa diante dela. Jasmine
pulou para trás. Quando ele tirou a mão, sua adaga estava fincada na
madeira: escura, curta e mortal, como o próprio Duban.
— Ninguém tira Agrabah de nós. Nem um feiticeiro maléfico e sua
magia negra. Nem um exército deles.
Morgiana o imitou, enfiando a adaga na madeira à frente de Jasmine.
— Por Agrabah — ela se comprometeu.
— Por Agrabah! — todos na caverna ecoaram.
Meia dúzia de adagas, facas e punhais foram enfiados na mesa à
frente e em volta de Jasmine por bracinhos surpreendentemente ágeis.
— Bom, princesa — Morgiana disse. — Você tem um exército de
Ratos de Rua. Agora, qual é o plano?
Resolvendo

— entenda o que estou fazendo. Apenas


observe e aprenda.
Iluminado de vermelho pela lava que fluía através da região inferior
de seu laboratório secreto, Jafar, com uma tesoura na mão, parecia um
alfaiate terrivelmente maligno. Ele franziu os lábios e ergueu uma
sobrancelha, afastando-se de seu trabalho a fim de obter uma
perspectiva melhor. Então, tomou a decisão, escolheu um ponto e
começou a cortar.
O tecido no qual ele estava trabalhando balançou.
O tapete com cores vibrantes foi esticado em uma maca geralmente
reservada para vítimas humanas, suas três borlas restantes presas com
ganchos cruéis na parte de cima e na de baixo. Conforme Jafar
esmagava a tesoura e rasgava seu tecido, o pobrezinho se contorcia.
Pedaços de pano e algodão caíam no chão junto a um líquido estranho
fluindo como sangue.
— O problema é — Jafar disse, chegando ao fim do tapete e tendo
dificuldade com a ourela densa. — O problema é, Iago, você ainda não
entendeu que precisa manter a mente aberta e estar preparado para
agarrar o que quer que a vida lhe dê. Como pode transformar
decepções, falhas e contratempos em triunfos. Tudo é questão de
perspectiva. Pode parecer muito ruim termos perdido Jasmine, mas veja
por outro lado. Nós ganhamos um recurso muito interessante e valioso.
Acha que eu seria sultão agora se não tivesse conseguido criar
algumas… soluções criativas para os problemas que a vida lançou em
mim?
Uma última tesourada e o tecido estava cortado em dois; ambos os
lados agitavam-se de modo estranho, como um inseto cuja cabeça sai,
mas as pernas ainda se mexem por um tempo.
Jafar tinha bastante experiência com esse tipo de tarefa. Deparar-se
com aquilo o deixou nostálgico. Ele suspirou e voltou a cortar.
— Você não faz ideia. Com certeza, não, Iago. Você viveu sua vida
mimada e luxuosa nesses corredores dourados. Todo mundo lhe dá
doces e bolachas… até aquele velho idiota do sultão costumava mimá-
lo. Quando eu era pequeno, minha mãe não me deu nada além de meu
nome. Fui vendido como escravo para a primeira pessoa que me quis.
Eu não ganhava biscoitos, pode ter certeza, Iago. Precisei trabalhar
duro, planejar com frequência e ser criativo para sair de onde estava.
Ele ficou em silêncio e concentrado, empurrando a tesoura por outro
pedaço de pano resistente. Com mais folga, ele agora conseguia lutar
mais, e Jafar teve que segurar firme. Apareceram gotas de suor em sua
testa pálida. O cômodo estava em silêncio exceto pelo som doentio das
lâminas triturando o tecido grosso. A pilha de fios reluzentes crescia no
chão.
Quando, enfim, chegou até o fim de novo, Jafar vangloriou seu
triunfo. Ele ergueu uma faixa larga do tapete que estava desfiada na
beirada de suas duas partes compridas. Ele se contorceu e se torceu
fracamente no ar.
— Perfeito! Não acha, Iago?
Mas claro que o cômodo estava vazio, exceto pelo tapete e o
feiticeiro, e ninguém lhe respondeu.
Um roubo

altamente protegida seguia devagar


pela empoeirada Agrabah. Sombreadas contra o céu atrás dela
estavam as montanhas de Atrazak, altas, pontiagudas e acinzentadas
e, em sua maioria, sem vida. O que quer que a caravana tivesse trazido
das terras além daquelas montanhas era importante o suficiente para
exigir dois cocheiros armados, dois soldados do palácio em preto e
vermelho marchando de cada lado, e o gênio, flutuando em silêncio
acima deles, mãos azuis abertas prontas para alguma coisa…
Quando essa estranha e silenciosa procissão, exceto pelo ruído das
rodas e o ocasional barulho dos camelos, passou pelos portões
raramente usados ao nordeste do palácio, o silêncio foi quebrado no
mesmo instante.
Uma dúzia de criancinhas correu para recebê-los, armadas com
baldes, taças e jarros. Elas batiam e tiniam aqueles utensílios acima da
cabeça em busca de chamar a atenção.
— Posso saciar sua sede, guarda honrado?
— Dar água para seus camelos, Estimado Efêndi?
— Meu senhor, quer uma bebida?
— Quer um pouco de água?
Um dos cocheiros pulou para o chão. Estava coberto de suor e
poeira; os lábios estavam rachados. Sua armadura acolchoada grudava
nele de forma desagradável, e o cabelo que saía por debaixo de seu
capacete pontiagudo estava emplastrado no lugar como uma touca de
estátua. Seu rosto era um retrato feio de queimadura, poeira e
exaustão.
E, mesmo assim, ele cumpriu seu dever e açoitou as crianças com
um pequeno chicote.
— Vão embora, Ratos de Rua! — ele soltou. — Se um de vocês
encostar em meus camelos ou em minha carruagem, vou bater até suas
vidinhas inúteis ficarem por um triz!
As crianças recuaram imediatamente, algumas fazendo reverência,
algumas se jogando no chão, algumas se prostrando aos pés dele.
— Me digam, como vocês, diabinhos, sabiam da nossa chegada? —
ele exigiu saber. Não era uma caravana de guarda ordinária, e ele era
mais inteligente que a média, com um brilho desconfiado nos olhos. —
Nossas idas e vindas eram secretas, conhecidas apenas por Jafar e
seus associados mais confiáveis!
— Seu caminho deixou um rastro de poeira no céu, meu senhor —
respondeu uma voz corajosa.
Uma garota deu um passo à frente — uma jovem, na verdade. Uma
urna de água se balançou em seu quadril curvado. Seu cabelo preto
brilhante saiu de debaixo de seu lenço e se posicionou ao redor de suas
orelhas, como uma cachoeira. Sua túnica era de um azul muito escuro,
tal qual um rio antigo.
O cocheiro da caravana se virou para olhar para trás: de fato, a
garota tinha razão. As nuvens de poeira e areia que os pés de seus
camelos tinham chutado permaneciam por quilômetros atrás deles e
subiam delicadamente no céu, soltas no ar.
— Hunf — o homem resmungou. — Você, traga a mim e aos meus
homens um pouco de água. Os demais podem encher os cochos… mas
ninguém chega perto da carruagem ou dos camelos, se não vão pagar
com chicotadas. Fui claro?
Houve murmúrios de aceitação misturados com o som de pés
descalços batendo na terra enquanto as crianças se espalhavam para
fazer o que ele queria.
A garota, devagar e com cuidado, serviu uma concha de água para o
homem e a segurou para ele.
— Quando eu acabar de servir seus homens, não há ninguém lá
dentro para atender?
O cocheiro bebeu a água com o ritmo lento e medido de quem estava
acostumado a se controlar. Ele não se mostraria fraco ao beber
desesperadamente a água gelada.
— Ninguém — ele respondeu com agilidade, entregando a concha de
volta. — Suponho que queira uma moeda por isto.
— Nenhum de nós quer a moeda de Agrabah — a moça disse, indo
até o outro cocheiro. — Moedas não podem comprar mais nada nesta
cidade… a menos que sejam estrangeiras. Moedas estrangeiras nós
queremos. Ou comida.
— Hunf — o cocheiro resmungou de novo, agindo sem surpresa ou
irritação com o fato… mas também sem refutar.
Outra garota apareceu com um balde de água e se apressou até os
homens do outro lado da carruagem. Seu cabelo era curto e cacheado,
e seu sorriso provocava uma covinha na bochecha que parecia
perigosa. A moça de azul de imediato começou a gritar com ela.
— Eu cheguei aqui primeiro!
A nova menina gritou de volta algo bastante mal-educado. Logo, a
gritaria aumentou e o barulho estava em todo lugar.
Um macaco entrou no caos saltando de um prédio próximo no
capacete do cocheiro.
— Saia de mim, seu verme insolente! — ele falou cuspindo,
balançando a cabeça e usando a ponta de seu chicote para espantar o
macaco.
— Você viu algum demônio estrangeiro? — uma criança perguntou
ao guarda da carruagem. — Algum monstro?
Em cima do sótão de um depósito abandonado de onde era possível
ver a cena, Aladdin sorriu.
— Essa é minha deixa!
Ele saiu pela janela e desceu o muro, mantendo um olho na cena
abaixo dele. Na atividade caótica e barulhenta, ninguém o vira
descendo como uma aranha. Pelo menos, ninguém que deveria ver. As
crianças e as meninas da água — e Abu — aumentaram o nível de
confusão com mais correria, gritaria e água para todos os lados.
Então, o pé de Aladdin ficou preso em uma treliça velha. Um pedaço
apodrecido e seco caiu na estrada com estardalhaço.
— O Djinn flutuante — a menina com a covinha disse alto,
interrompendo a luta com a moça de azul, quando os guardas
começaram a se virar para olhar. — Ele também precisa de água?
Funcionou: os guardas se voltaram para ela. Um deles abriu um
sorriso libertinoso.
— Aposto que você gostaria de servir um Djinn, não é, sua
desmazelada? Mas não, ele não precisa de comida, nem de água, nem
de… nada de que os homens precisem de verdade.
Aladdin suspirou de alívio.
Ele se jogou pelos últimos três metros, aterrissando com suavidade
sobre os dedos do pé. Enquanto a moça de azul servia uma concha de
água na boca de um guarda, ele escorregou para o fundo da
carruagem.
Ali dentro havia os produtos normais que nômades e viajantes do
deserto costumavam carregar: carne e frutas secas, cantis de couro de
água e vinho, corda, roupas e armaduras extras… Mas, no escuro, além
da poeira, havia um baú com múltiplas fechaduras que parecia delicado
demais e estranhamente fora do lugar para um ambiente tão rústico.
Aladdin pegou seu kit de abrir fechaduras e trabalhou rápido. Eram
fechaduras difíceis — não como as do calabouço. Ele escutou conforme
o som do caos aumentava e diminuía do lado de fora da carruagem, e
também quando o gênio começou a se envolver, espantando os
pedintes que carregavam água. Uma única gota de suor escorreu por
seu nariz elegante e caiu na poeira de maneira desagradável.
Por fim, as fechaduras cederam. Aladdin abriu o baú e olhou dentro.
Não havia nada além de livros velhos. Ele se sentiu um pouco
decepcionado; esperava que fossem joias encantadas ou um bastão
que garantisse acesso a um oráculo que tudo sabia ou algo assim.
Aladdin fez um estalo baixo com a língua, que poderia ter sido
confundido com o som das patas dos camelos contra a terra ou uma
espada sendo embainhada.
Imediatamente, apareceu a cabeça de uma integrante dos Ratos de
Rua na porta da carruagem. Aladdin arremessou um livro para ela. Num
ato que pareceu superaleatório, outros Ratos de Rua formaram uma
corrente humana ziguezagueando pela confusão. A primeira garota
lançou o livro para um garoto, que o apanhou em um balde vazio. Ele
jogou o balde para um menininho, que o colocou no vão entre as pernas
dos camelos. Uma garota o pegou de lá e, depois, correu para as ruas o
mais rápido que pôde.
Fizeram isso cinco vezes. Uma para cada livro.
Pelo nível de barulho exterior, Aladdin percebeu que o cocheiro e os
guardas estavam ficando irritados. Agora que tinham matado sua sede
do deserto, já estavam prontos para voltar ao palácio a fim de se
apresentar e depois se retirar — para banhos, provavelmente. A
multidão de carregadores de água estava sendo espantada com
palavras e chicotes.
Assim que o baú esvaziou, Aladdin baixou a tampa com um estalo e
fechou novamente todas as fechaduras, certificando-se de que os pinos
estivessem do mesmo jeito que ele os encontrara. Ele segurou na
beirada do piso da carruagem e se jogou para debaixo dela.
Os guardas jogaram moedas estrangeiras e laranjas o mais longe
possível. As crianças voaram para pegá-las. O cocheiro assobiou e
chicoteou um camelo no flanco. A carruagem começou a andar com
lentidão. As duas garotas da água ficaram bem perto observando-a…
… e também para rapidamente enrolar uma túnica de mulher em
Aladdin, que se levantou assim que saiu de debaixo da carruagem,
como um mágico aparecendo de um cesto.
Quando a carruagem, os guardas e os camelos estavam no fim da
rua, o gênio olhou para trás, para Aladdin. Ele assentiu. Aladdin
assentiu de volta. Então, o gênio se virou e continuou seguindo os
guardas, sério… quase triste.
Havia algum destaque na expressão do gênio. Era instantaneamente
agradável, mais adepta a sorrisos e risadas do que aos cenhos
franzidos e às caretas que ele parecia sempre fazer. Ele era muito mais
humano do que Aladdin esperava que um Djinn fosse.
Em uma época diferente, ele quase conseguia ver os dois se
tornarem amigos. Ou pelo menos conversarem ou…
Aladdin balançou a cabeça. Outra hora, outro lugar. Enquanto isso, os
Ratos de Rua precisavam se dispersar e se separar para voltar para o
esconderijo secreto de Morgiana e Duban.
Sem nem trocar uma palavra entre si, as três “meninas”
desapareceram nas sombras. Em instantes, exceto pelas marcas de
poeira, era como se ninguém nunca tivesse ido para a praça.
Rainha ladra

momentos para ficar sozinho e relaxar;


ele praticou a descida da rua da forma como imaginava que garotas
faziam, envolvendo as túnicas até os pés. Abu emitia sons de felicidade,
sentindo a mudança no humor do amigo.
— Você se disfarça bem de garota bonita — alguém falou da esquina.
Morgiana estava ali, de braços cruzados, observando suas
palhaçadas com a sobrancelha erguida. Ela havia tirado o disfarce e
agora usava sua calça e top de sempre.
— Você também — Aladdin gracejou sem perder o ritmo.
— Idiota — Morgiana rosnou, andando até ele para ajudá-lo a tirar a
fantasia.
— Quero dizer, não tão bem quanto aquela outra garota. Ela estava
maravilhosa. Onde você a encontrou?
— O nome dela é Pareesa, e ela é uma das ladras mais habilidosas
de nosso bando. Quer saber? Cale a boca — Morgiana disse em tom
agradável. — Um homem que tem a atenção de uma princesa
provavelmente não deveria olhar para ninguém.
— Só estou brincando, Morgiana. Realmente só tenho olhos para
Jasmine — ele disse sério. Então: — Sem ofensa.
— Não me ofendi. Você é magrelo demais para meu gosto. Coloque
mais carne em seus ossos e aí, sim, vamos conversar.
Eles desceram a rua de maneira tão casual quanto dois ladrões
conseguiam, olhos em busca de saídas rápidas caso precisassem.
— Sentimos sua falta, sabia? — Morgiana disse em certo momento.
— Eu também senti falta de vocês — Aladdin admitiu. — Só quero…
— É, é, nós não éramos ladrões profissionais. Sr. Todo-Poderoso —
Morgiana disse, revirando os olhos. — Só fazemos o que você faz… e
refinamos um pouco o processo. Nenhum de nós tem a moral alta,
Aladdin. A lei trata igualmente todos os tipos de roubo.
— Nunca me importei com a lei — disse Aladdin. — Apenas com o
que meu coração me diz.
Morgiana balançou a cabeça.
— É muito fácil roubar só o que precisa para comer e viver quando se
é um jovem forte. Os famintos de três anos de idade e as avós que
estão perto da morte não conseguem roubar para comer. Então, nós
roubamos mais, e sim, moedas e joias também.
— Não venha me dizer que todas aquelas bugigangas na sua
caverna são apenas para seus casos de caridade indigente — disse
Aladdin, mas com um brilho no olho.
— Não estou negando que tenho planos maiores e uma propensão a
surrupiar objetos cintilantes — Morgiana disse, dando de ombros. — Só
estou dizendo que não somos puramente maldosos como você pensa,
Aladdin. Existem tons de cinza e bondade na gente também.
— Nunca pensei que você fosse má, Morgiana. Só que fazia escolhas
ruins.
Ela deu risada.
— Agora está parecendo minha mãe. Quando ela tinha, ah, a cabeça
boa.
Aladdin sorriu. Será que era possível ser amigo de alguém com quem
não concordava?
Eles viraram uma esquina e, com os instintos de ladrões, ambos
imediatamente se espreitaram nas sombras.
Havia uma tenda aberta à frente, na rua larga. Era baixa e quadrada,
preta e vermelha: as cores de Jafar de novo. O símbolo anguloso e
maldoso da moeda estava pintado em sua lateral e estampava uma
bandeira no topo. Uma fila comprida de pessoas, com calor e olhares
desesperados, serpenteava para longe da tenda e até o fim da rua.
— O que é isso? — Aladdin perguntou nervoso.
— Uma novidade — Morgiana arriscou, também preocupada.
— Vamos investigar.
Percebendo que eles não pareciam mais do que um jovem casal
descendo a rua, saíram das sombras de braços dados. Com a
casualidade de dois especialistas articulando algo, deixaram seus olhos
preguiçosos observarem tudo — e todos.
— O que está acontecendo aqui, amigo? — Aladdin perguntou a um
pai em pé na fila, com as mãos no ombro de suas duas filhas.
— Não está sabendo? — o homem perguntou, com os olhos
nervosos observando ao redor conforme apertava os ombros das filhas.
— Eles estão dando pão. É melhor entrar rápido na fila.
— Pensei que Jafar simplesmente dava. Tipo, em todo lugar. Jogava
para a multidão em desfiles e da sacada do palácio e tal.
— Não mais. Jafar disse que muitos… do tipo errado estavam se
aproveitando de sua generosidade. — O homem disse a última parte
lenta e claramente e um pouco mais alto do que o restante, para que
qualquer um que estivesse ouvindo escutasse bem.
— Hummm — Morgiana disse. — Acho que vamos entrar na fila.
Obrigada, amigo.
O homem inclinou a cabeça, depois se virou como se eles não
existissem mais.
Quando os dois se viraram para ir embora, Aladdin empinou o queixo
para a tenda. Morgiana seguiu seu olhar.
Um homem com rosto e olhos estreitos estava sentado a uma mesa
improvisada do lado de dentro. Dois guardas gigantes estavam parados
um de cada lado dele. Atrás havia uma pilha de pão desleixadamente
jogada em um lençol no chão. Uma jovem em uma túnica roxa
remendada tentou não encarar enquanto o homem falava com ela.
— Você jura toda lealdade a Jafar e seu novo governo, Agrabah
Ascendente?
— É. Sim. Claro — a mulher disse. Ela ainda encarava o pão.
— Jura cumprir suas leis e venerá-lo com o respeito e amor devido ao
suserano de direito das terras dentro das montanhas de Atrazak?
— Juro. Quero dizer… o quê? Não é como se eu fosse me casar com
ele, certo? — a jovem disse de repente, pela primeira vez fitando o
homem diante dela, e não o pão.
— Não. Não vai se casar com ele. — O sorriso nos cantos dos olhos
do homem não era de alegria. Era uma centelha maliciosa e sábia. —
Você jura?
— Juro — a mulher respondeu.
— Excelente. Próximo.
A mulher piscou, depois deu risada como uma garotinha quando um
dos guardas colocou dois pães nas mãos dela. Quase saiu saltitando de
alegria.
— Acho que ela teria xingado a própria mãe — Morgiana murmurou.
— Não acho que ela se importou com o que disse ou percebeu o que
significava — Aladdin opinou. — E é provável que não se importe.
Eles perambularam devagar pela rua, virando assim que conseguiram
para se afastar da fila do pão.
— Não gostei disso — Morgiana disse quando estavam longe o
bastante para se sentir confortáveis. — Aquilo tudo foi assustador.
— Foi bem esquisito — Aladdin concordou. — Não consigo definir.
Mas, sério, qual o poder das palavras? Como você comentou, aquela
mulher teria xingado a própria mãe, ainda que não fosse sua intenção.
— É, mas o que acontecerá quando Fafar perceber isso?

O resto da caminhada para casa se deu sem acontecimentos — até


entrarem no esconderijo. No instante em que entraram, um monstro
laranja e preto com dentes do tamanho de punhais saiu do escuro e foi
contra eles.
— Rajah! — Aladdin exclamou surpreso. Ele mexeu no pelo do
pescoço do felino enorme. O tigre rosnou feliz. — Como ele entrou
aqui?
Morgiana balançou a cabeça e revirou os olhos.
— Duban disse que ele apareceu em nossa porta hoje de manhã,
logo depois de sairmos. Havia um laço… um laço… no pescoço e um
recado dizendo que deveríamos procurar um livro em particular nas
carruagens de Jafar. Al-alguma-coisa-ou-outra. Estava assinado como
“o gênio”.
— Rá! — Aladdin se aninhou em Rajah com o nariz. — Eu gostei
desse novo jeito de obter informação. É muito mais seguro do que fazer
Jasmine e ele se encontrarem.
— Bom, acho que precisaríamos de muito mais tigres — Morgiana
disse, cética. — Mas isso faria Ahmed e Shirin felizes. Eles já adotaram
Rajah. E Maruf não confia no gato grande com seus netos.
— Maruf está aqui? Onde? — Aladdin perguntou alegre.
— A esta hora? Provavelmente na cozinha fazendo café da manhã.
— Claro! Vou falar com ele.
— É lógico — Morgiana murmurou. Ela se afastou, acenando as
mãos para o ar e continuando a falar consigo mesma, exasperada. —
Gênios? Tigres? Livros mágicos? Quando minha vida virou isso?
Aladdin passou por muitos labirintos e porões conectados de maneira
confusa e que terminavam em um espaço surpreendentemente arejado,
uma cozinha de uma casa enorme e antiquada, que não tinha janelas,
apenas claraboias. Sobre um enorme fogão, segurando uma panela tão
enorme quanto, estava Maruf, o pai idoso de Duban. Ele sorria,
conversando e pulando em volta de muitas crianças famintas, cuidando
para não derramar uma gota de óleo em sua barba louca ou esquecer
de uma mão faminta esticada. Era especialmente maravilhoso,
considerando sua perna esquerda paralisada — ele a usava como pivô,
girando em seu calcanhar.
Todo mundo conseguiu um pedaço de pão quente e, de um jarro
gigante no canto, um monte de queijo doce.
— Aladdin! — Maruf gritou quando o viu. — Só estou requentando
seu preferido: nan-e sangak.9 Fiz ontem à noite. Aqui!
Ele girou a panela e um pedaço redondo de pão voou pelo ar. Aladdin
o pegou e jogou para a outra mão imediatamente; estava quente
demais para comer.
Maruf jogou a cabeça para trás e deu uma gargalhada.
— Você nunca muda, Aladdin. Sempre tentando morder coisas muito
perigosas.
— Eu? — Aladdin perguntou, lambendo o polegar. — E você?
Quando tinha minha idade?
— Rá! Eu estava acabando de contar a essas crianças que elas não
fazem ideia — Maruf disse, balançando a cabeça. — Quando eu tinha a
idade delas… na verdade, se eu fosse apenas alguns anos mais jovem,
mostraria a elas uma ou duas coisas sobre escapar dos guardas do
mercado!
Duas das crianças correram e pularam nas pernas de Maruf,
pendurando-se apesar do perigo do óleo quente e do fogo.
— Ahmed! Sirin! Vocês vão me matar! — Mas o velho estava
sorrindo.
Aladdin olhou para as crianças. Elas pareciam familiares… mas de
onde? Então ele as identificou. Eram aquelas a quem dera pão há uma
semana mais ou menos.
— Eles são…? — ele disse devagar.
— Filhos de Kazireh. Meus netos — Maruf disse orgulhoso.
Aladdin se ajoelhou e apertou o nariz de cada um.
— Acho que já nos conhecemos — ele disse.
— Nós temos um leão de estimação! — o menininho, Ahmed, contou
a ele.
— Tigre, Ahmed. Ele tem listras — Shirin o corrigiu gentilmente.
— E estamos cuidando de Abu para você.
— Isso é ótimo. É bom o pobrezinho ter um pouco mais de amor —
Aladdin disse, colocando o pedaço de pão, agora frio, na boca. — Ãh,
falando nisso, alguém sabe onde Jasmine está?
Maruf olhou de forma astuta para ele.
— Sim… ela está no… “escritório”. Tenho certeza de que você está
ansioso para discutir negócios importantes com ela.
Aladdin fingiu que não entendeu a entonação na voz do idoso e lhe
fez uma reverência em agradecimento, com as mãos unidas. Ele saiu
do cômodo e voltou pelo caminho de onde viera, pelo labirinto sinuoso
do depósito e túneis secretos que os Ratos de Rua haviam cavado
debaixo do bairro abandonado. O “escritório” era um cômodo enorme
com um tapete liso retangular espalhado no meio. No chão havia um
mapa de Agrabah desenhado em giz. Tijolinhos e blocos quadrados de
pedra enfatizavam prédios e pontos de referência importantes. Em volta
disso, havia um grupo atento de Ratos de Rua.
Jasmine estava em quatro apoios, empurrando montinhos de seixos
que representavam os ladrões e as crianças pedintes que formavam
suas tropas. Com cuidado, ela explicou o plano para seu público e,
então, os fez repetir palavra por palavra para, depois, saírem e fazerem
como ela mandou. Logo, todos tinham partido e Aladdin sentou-se ao
lado dela.
— Ei, o que é isso? — ele perguntou, de repente notando muitas
marcas de giz na parede. Inicialmente, pensou que fossem aleatórias,
porém, depois, percebeu que eram quatro triângulos alongados… como
marcas de garra de uma fera gigante.
— A Marca de Rajah — Jasmine disse sem olhar para cima. Ela
continuou a refletir sobre seu mapa com um dedo na boca. — Alguns
dos Ratos de Rua pensaram que, se Jafar tem um símbolo, nós
também deveríamos ter um. É para significar resistência. Também
porque o próprio Rajah resistiu a Jafar… e foi ferido. É para honrá-lo.
— Oh. Inteligente — comentou Aladdin.
— É, é, mas olha — ela disse impaciente. Pequenas mechas de
cabelo esvoaçaram, despenteadas, como em espiral, e Aladdin teve
dificuldade em se concentrar nas palavras. — No recado do gênio, ele
disse que Jafar está procurando um livro em particular que fala sobre a
magia da morte e dos mortos-vivos. Se não estiver neste carregamento,
talvez esteja em um que está vindo de Kajha, pelo mar. Espera-se que
eles retornem esta noite, mas não sabemos se vão parar em Midrahf
com o intuito de pegar suprimentos primeiro. Então, os Ratos de Rua
vão atrapalhar a chegada da caravana no sul e oeste como uma
distração.
— Qual é o livro?
— Al Azif, de Abdul Alhazred.
Embora estivessem em passagens subterrâneas onde não ventava,
Aladdin estremeceu com um frio repentino. Jasmine não parecia
particularmente feliz por dizer o título em voz alta. Havia apenas algo
diferente…
— Talvez seja um dos livros que acabamos de trazer… eles
definitivamente pareciam sombrios.
— É, vamos dar uma olhada neles — Jasmine disse, levantando-se e
esticando-se. — Será uma pausa bem-vinda de brincar de rainha ladra.
Não faço isso, ah, de forma maldosa. Esse plano todo seria totalmente
impossível sem Duban, Morgiana e os Ratos de Rua.
Aladdin ficou quieto, pensando na conversa lá fora com sua velha
amiga. Sobre camadas de complexidade, bom, mau e escolhas. Se
Morgiana tivesse seguido por um caminho que ele aprovasse, não
conseguiria ajudá-lo agora. Onde isso cabia na grande moral dos
acontecimentos?
— Vocês demoraram bastante para voltar — Jasmine disse,
cutucando-o na barriga. Era como se ela conseguisse ler seus
pensamentos. — Você e Morgiana.
— Viemos conversando. Está com ciúme?
— Só porque ela o conhece há muito tempo — Jasmine respondeu
com um sorriso, apertando a mão dele.
— Vimos algo — Aladdin disse relutante, sem querer estragar o
humor dela. — Jafar agora está fazendo as pessoas formarem fila para
pão e jurarem obediência, lealdade ou qualquer coisa para conseguir.
Não está mais só dando. Os eventos estão tomando… um rumo
preocupante.
— O quê? E todo aquele papo de “querer criar um exército de mortos-
vivos” não é preocupante?
— Não, é horrível. Mas é tão horrível que é como se fosse mentira.
Mas isso… eram pessoas normais, de repente estavam desesperadas
temendo que a comida grátis, a que tinham acabado de se acostumar,
lhes fosse tirada. Não posso falar com gênios, mortos-vivos e livros
antigos de magia. Mas não gosto do que Jafar está fazendo com o povo
de Agrabah.
— Ele matou meu pai na minha frente, na frente do povo de Agrabah
— Jasmine o lembrou com dentes cerrados. — Não há nada que ele
não consiga fazer.
Eles foram até a sala principal do esconderijo, aquela com mesas e
braseiros. Havia uma guarda ao lado do baú de itens assaltados — a
garota de azul do roubo. Agora usava calça e um punhal comprido
pendurado em cada lado do quadril.
— Obrigada, Pareesa — Jasmine agradeceu com um sorriso
carinhoso. — Assumimos daqui. Você merece uma pausa depois de
tudo que já fez hoje.
— Claro, Jasmine — a menina disse se curvando antes de sair.
Aladdin abriu o baú e, com cautela, tirou os livros de couro mofado.
Ainda eram de um conceito relativamente novo para ele; estava mais
acostumado a pergaminhos ou recados escritos em pedaços de argila
seca.
— Há um imame do Antigo Bairro chamado Khosrow, bem sábio, que
disse que nos ajudaria com qualquer tradução assim que ele
conseguisse um tempinho — Jasmine disse.
Eles sentaram-se à mesa baixa, agora desprovida de comida, exceto
por uma jarra de chá de hortelã e um prato de pão sírio. Colocaram uma
pilha de livros entre eles e cada um escolheu um.
Aladdin abriu o dele, Um estudo sobre os limites da magia, depois
trocou com agilidade para o único e gigante volume de Quebrando o
feitiço, um resumo, que continha imagens e receitas para encantos.
Após alguns minutos, Jasmine colocou o dela na pilha, decepcionada.
— Acho que nenhum desses é Al Azif. Não estou certa sobre estes
dois, por causa da língua. Aquele parece cuneiforme, o que é
simplesmente loucura… e esse é egípcio hierático, que, definitivamente,
não sei ler. Mas parecem ser sobre assuntos mais leves, se considerar
as ilustrações. Precisamos daquele imame.
— Mas, por outro lado, você quer proteger seu rebanho de fungo? —
Aladdin perguntou, sorrindo. Ele virou o livro para ela conseguir ver a
figura antiga, extremamente iluminada, e a receita que ele estava
olhando. — Porque, se precisar, tenho o encanto para você!
Jasmine sorriu.
— Será que funciona?
Aladdin colocou o livro de lado.
— Então o que tem esse Al Azif?
— Acho que é um registro de algumas viagens antigas de um homem
louco para mundos proibidos e sombrios. Ele escreveu o conhecimento
que obteve sobre canalizar poderes para além do próprio universo. De
alguma maneira, o próprio ato de registrar tudo se tornou o condutor
daquela energia.
Aladdin piscou ante a explicação.
— Só de possuí-lo você consegue matar com o poder de sua mente e
criar exércitos de mortos-vivos — Jasmine explicou de novo, revirando
os olhos.
— Ahhh. Entendi agora. É coisa ruim. Então o que faremos quando o
pegarmos? — Aladdin perguntou, colocando seu livro na mesa. —
Queimar ou algo assim?
— Queimar? — Jasmine repetiu, em choque. — Um livro dessa
importância? Não, não podemos fazer isso. Temos que guardar.
— Hum… o quê? — Aladdin disse lentamente.
— Só pense. Nele, há o poder para burlar as leis da magia. O que
mais ele pode fazer?
— Nada. Nada bom — Aladdin respondeu com firmeza.
— Poderia me dar o poder de que preciso para derrotar Jafar e
retomar o trono.
— Estamos trabalhando nisso. Aqui — Aladdin disse gentil, esticando
a mão para tocar no joelho dela. — Com pessoas que acreditam em
você e na sua causa. Com crianças, ladrões, pedintes, tigres e gênios.
Podemos fazer isso sem ajuda extra de magia.
Jasmine parecia duvidar.
— Mais força e mais armas não fariam mal.
— Oh, sim, fariam… quando as armas são do mal. E só porque o livro
está em nossas mãos não significa que não pode acabar nas mãos de
outra pessoa. Precisamos queimá-lo. Isso impedirá que alguém o use
com objetivos doentios.
— É um motivo besta para destruí-lo… porque pode prejudicar algum
dia. Quando poderíamos usar sua magia para consertar tudo! —
Jasmine gritou.
— Sabe quem acreditava que a magia poderia consertar tudo? —
Aladdin berrou de volta. — Minha mãe. Todas aquelas histórias sobre
Marids, Djinn, Húris e quaisquer desejos e problemas consertados com
um estalo de dedos. Todos acabavam felizes para sempre. Assim como
ela acreditou que meu pai tinha partido para encontrar alguma “mágica”,
um emprego ou qualquer coisa que pudesse salvar nossa família.
Magia não faz isso. Nada faz isso. E você é tão maluca quanto minha
mãe se pensa o contrário.
— Eu poderia trazer meu pai de volta com ele — Jasmine disse
baixinho com a voz sutil. Ela não estava olhando mais para Aladdin nem
para os livros; estava encarando o nada com olhos que ficaram
molhados de repente.
Imediatamente, Aladdin sentiu sua raiva se esvair como um castelo
de areia no vento do deserto. Ela parecia tão minúscula sentada ali —
não uma rainha ladra ou sultana. Ele correu até ela e a abraçou.
— Ei — ele disse baixo, beijando-lhe a face. — Sei que sente falta
dele. Sinto falta da minha mãe também, apesar de todas aquelas coisas
que acabei de falar. Mas… não pode trazer seu pai de volta. Ele não
seria o mesmo. Ele não iria querer.
— Não sabe disso — Jasmine disse, fungando.
— Está disposta a descobrir isso da maneira difícil? Ele se foi,
Jasmine. Deixe-o ir.
Jasmine abraçou fortemente Aladdin por um instante, apertando-o
mais forte do que ele pensara que era possível a uma garota de seu
tamanho. Depois, afastou-se e tentou se recompor, enxugando o nariz.
— Isso é tudo por causa de meu pai, de certa forma. Não é? — ela
enfim perguntou. — Se ele não tivesse… trazido Agrabah para onde ela
está agora, com uma enorme população de pessoas incrivelmente
pobres, e uma disparidade ainda maior entre elas e os nobres ricos
como nós, não haveria uma abertura para alguém como Jafar. Ninguém
o teria apoiado se o sultão tivesse… feito o que era certo por seu povo.
Aladdin realmente, realmente queria dizer a ela que não era verdade.
Mas não podia.
Ela identificou o olhar de pena na expressão dele e sorriu abatida.
— Eu tenho… aprendido muitas duras verdades sobre ele e meu
mundo inteiro nos últimos tempos. Acho que, talvez, no fundo, eu
sempre soube. Nos livros de história que eu lia, grandes governantes
não passavam o tempo todo brincando com seus brinquedos infantis. E
não deixavam seus conselheiros cuidarem de tudo. Ficavam atentos ao
povo e tinham uma ajuda na administração do dia a dia. Esses eram os
grandes. Até líderes militares como Xerxes. Eles não deixavam
simplesmente que pessoas passassem fome sem motivo… pessoas
normais como você…
Aladdin imaginou o que viria em seguida. Ele se concentrou em seu
pedaço de pão sírio, partindo-o com cuidado na metade.
— O que… aconteceu com sua família? Com sua mãe? — ela
perguntou hesitante. — O que o fez ter uma vida de ladrão?
Aladdin suspirou e colocou o pão de volta no prato. Sua alegria de
sempre foi drenada sob a análise dela. Na verdade, muitas das suas
brincadeiras e macacadas irresistíveis tinham desaparecido nas últimas
duas semanas. Ele não sabia se sentia falta ou não.
— Meu pai, Cassim, foi embora quando eu era bem pequeno. Mal me
lembro dele.
Aladdin não mencionava o nome de seu pai em voz alta há anos. Ele
meio que não esperava se lembrar, mas apareceu perfeitamente nas
profundezas de sua mente, imediata e totalmente, apenas esperando
para ser trazido à tona de novo com toda sua dor como companhia.
— Imagine alguém exatamente como eu — continuou. — Imagine um
jovem maliciosamente bonito e independente, rápido com a risada e as
piadas. Lendo para encontrar trabalho honesto. Imagine um… eu sem
sentimentos por outra pessoa, sem pensar além da diversão do
momento. Mas com duas pessoas pelas quais precisava ser
responsável.
“Quando foi demais, ele simplesmente… foi embora. E minha mãe…
ela foi uma ótima mãe — ele disse de maneira forçada, olhando nos
olhos de Jasmine. — Ela conseguia fazer sopa com pó e uma gota de
água. Conseguia fazer roupas… roupas decentes… de trapos que
implorava para as pessoas apenas um pouco menos pobres do que a
gente. Mantinha nossa pequena e desagradável casa sem uma mancha
e o mais alegre que podia.
— Ela parece uma pessoa maravilhosa — Jasmine disse com
gentileza.
— É. Mas… — Aladdin suspirou de novo, sua atitude defensiva havia
desaparecido. — Como eu disse, ela estava totalmente iludida. Louca e
irresponsável do jeito dela. Outra mulher teria feito as pessoas caçarem
seu marido rebelde e trazê-lo de volta. Outra mulher o teria declarado
morto e encontrado outro marido. Um homem melhor. Mas ela
realmente acreditou, até o dia de sua morte, que Cassim voltaria. Que
um dia ele voltaria e nos levaria a uma nova e fabulosa vida. Com uma
casa melhor e criados. E ele ficaria em casa e seria o pai e o marido de
que nossa família precisava.”
Ele olhou para Jasmine. Ela estava com um olhar de tanta compaixão
e tristeza que Aladdin teve vontade de se aproximar e confortá-la.
— Ela morreu jovem, claro — Aladdin finalizou. Não havia como falar
isso de uma forma melhor. Nenhuma forma “boa”. — Ela estava
sobrecarregada e teve uma doença devastadora. Foi… uma das outras
coisas que me separou de Morgiana, de Duban e de todos. “Os Ratos
de Rua cuidam um do outro”, minha mãe sempre dizia. Mas ninguém
cuidou de nós. Maruf tentou ajudar um pouco… mas, naquela época,
sua perna já não funcionava e ele estava sofrendo para conseguir
comida para si mesmo. E meus amigos estavam ocupados demais
organizando sua pequena rede de contatos de ladrões e pedintes para
passar algum tempo me ajudando ou confortando minha mãe.
“Bom, acho que isso não é justo — ele disse, partindo o pão em
pedacinhos. — Todo mundo tinha alguma coisa, como eles dizem.
Todos tinham alguém faminto, doente ou morrendo. Os pais de
Morgiana gastavam qualquer dinheiro que tinham com vinho. O pai de
Duban era manco e sua irmã mais velha era casada com um homem
que batia nela. — Meu bom Alá — Jasmine murmurou. — Eu não fazia
ideia…
— É. É bem ruim. É o bairro dos Ratos de Rua, lembra? Enfim, no dia
em que minha mãe faleceu, resolvi nunca depender de mais ninguém
para comida ou abrigo… ou para concretizar meus sonhos por mim. E
que, algum dia, eu seria rico e moraria no palácio. E todos os meus
problemas acabariam.
— Você sonhava em morar no palácio? — Jasmine perguntou com
um sorriso curioso.
— Nossa casa tinha a vista dele, nos fundos — Aladdin respondeu
com um sorriso fraco. — Eu costumava olhar para ele e sonhar. Parecia
o paraíso. Dourado e branco na luz do sol, forte e imponente em uma
tempestade de areia, iluminado por milhares de lâmpadas a óleo no
meio da noite. E, então, quando me mudei… depois que minha mãe
morreu… escolhi meu esconderijo por ter uma vista parecida.
— E todos esses anos — Jasmine se divertiu — eu definhava em
meus lindos jardins, e olhava pelas janelas à noite para Agrabah abaixo
de mim, e desejava poder estar ali. Imagino se nossos pensamentos se
cruzaram algum dia, como brisas perdidas.
— Ou uma dupla de andorinhas — Aladdin fez os dedos dançarem
em volta um do outro no ar.
— Mas a riqueza não é uma lâmpada mágica que de repente apaga
todos os seus problemas — Jasmine disse devagar, partindo um
pedaço de pão para si mesma. — Imagine ser um pássaro enorme em
uma gaiola minúscula… mas dourada. Se não fosse pela morte de meu
pai, eu estaria mais feliz agora do que nunca. Aqui estou livre. Ter a
liberdade de escolher é melhor do que ter tudo que você quer.
— É melhor convencer o povo de Agrabah sobre isso — Aladdin
disse irônico. — Do contrário, eles nunca vão voltar para você. Até
agora, parecem preferir barriga cheia e nenhuma escolha.
— Quando eu for sultana, eles terão ambos — Jasmine jurou. — Vou
descobrir como alimentar o povo e mantê-los livres. Deverão ir à
escola… todas as crianças, independentemente da religião e da classe
social. Meninos e meninas. Terão oportunidade de fazer o que quiserem
quando crescerem e não serão obrigados a roubar ou pedir. Isso eu
juro.
Seus olhos estavam distantes, olhando para algum futuro, um mundo
que ela mesma construiria. Aladdin não tinha dúvida de que ela
conquistaria essa visão ou morreria tentando. Ela o fez acreditar que
realmente era possível… que seria possível como um paraíso na Terra.
E ele estava disposto a fazer o que precisasse para ajudá-la com
aquele sonho.
— Eu acredito — ele sussurrou. — Eu acredito em você.
Ele nunca teria ousado beijar a princesa Jasmine.
Mas acabou não precisando.
A princesa Jasmine se inclinou e o beijou.
A pele dela era quente e cheirava a areia e menta. Aladdin se
derreteu no beijo como se seu corpo todo estivesse esperando isso e
ele nem mesmo se conhecesse. Ela colocou as mãos em volta de seu
pescoço e o puxou para mais perto. Uma das mãos dela subiu pelo
cabelo dele, a outra por seu ombro, com um desejo que ele não tinha
percebido que ela sentia.
— Então acho que não estamos mais brigando? — Aladdin
sussurrou.
A princesa Jasmine beliscou seu nariz.
Pão iraniano de trigo integral em formato achatado, retangular ou
triangular. (N.T.)
Magia mortal

— , — Duban bocejou e entrou no cômodo batendo


os pés e com passos pesados. Ele carregava uma grande ibrik10 de
latão com café fervente e muitas xícaras pequenas e delicadas. Apesar
disso, caiu como um burro em um piso macio. Não derramou nem uma
gota. Tonto, ele arrumou as xícaras e as serviu.
— Espere, está à noite, não é? — Jasmine perguntou, tirando o olho
do livro que estava lendo. — É tão escuro aqui… que você perde a
noção do tempo.
— O anoitecer é manhã para quem trabalha nas sombras — Duban
disse, servindo com experiência apesar dos olhos semicerrados. —
Desculpe, oh, grande Rainha Ladra e Futura Sultana, não perguntei
como gostava do seu. Fiz com bastante açúcar, do jeito que meu pai me
ensinou.
— Eu beberia as borras do fundo do cantil de um exército neste
momento — Jasmine disse, pegando sua xícara com delicadeza — e
tenho certeza de que o seu é muito melhor.
— Fasmine!
Dois pacotinhos caóticos de trapos entraram correndo e se jogaram
no colo da princesa. Ela riu e abraçou cada um.
— Shirin, Ahmed — Maruf repreendeu, vindo lentamente atrás deles
com a particular marcha arrastada que sua perna ruim lhe dava. — Não
tratem a princesa como sua tia.
Aladdin inclinou a cabeça e olhou para Ahmed, que estava com Abu
sentado em seu ombro, como se fosse algo natural. Era como um
mini… Aladdin.
— Está tudo bem, Maruf — Jasmine apaziguou, dando-lhes um
aperto. — Nunca conseguia brincar com as crianças do palácio. Mesmo
parentes distantes eram ordenados que, ãh, “mantivessem distância”.
Shirin contemplava Jasmine com olhos adoradores e enormes. Então,
encontrou o pequeno punhal prateado de Jasmine e brincou com ele,
cantando uma música que, suspeitamente, parecia como o hino que
cantaram no desfile louco de Jafar.
— Elas parecem bem felizes — Duban comentou, indicando as
crianças com sua xícara.
— Mais felizes do que há um bom tempo — Maruf disse triste.
— Sua irmã detestava a ladroagem. Ela jurou que nenhum de seus
filhos teria alguma relação com isso — Aladdin comentou. — E aqui
estão eles, na própria barriga do monstro.
— Bom, se ela ainda estivesse por aqui, talvez pudesse falar alguma
coisa sobre o assunto — Duban rosnou.
— Não quis desrespeitar — Aladdin disse, erguendo a mão.
Pouquíssimas coisas conseguiam irritar o normalmente sólido Duban. O
destino de sua irmã era uma dessas coisas. — Só quis dizer que… eles
parecem estar prosperando aqui.
— Bom — Maruf disse alegre —, o que poderia ser melhor do que
uma princesa, um tigre, um macaco e outras crianças para brincar… oh,
sim, e comida. Quase me esqueci disso. Ter comida na barriga parece
importante para esses pequeninos.
Ele abriu os braços e Ahmed e o macaco saltaram felizes neles.
Mas não parecia que Shirin ia se mover. Um braço estava travado
com firmeza na cintura de Jasmine e ela fazia o punhal marchar atrás
de uma das fivelas douradas tiradas das tranças de Jasmine.
— Ela não tem boneca — Maruf explicou envergonhado. — Eu
deveria… roubar um brinquedo para ela ou…
— Para onde foram todas as pessoas do desfile? — Shirin perguntou
de repente. — Todas aquelas dançarinas, os animais e soldados…
Aonde eles foram quando o desfile acabou?
— Hum — Jasmine disse. Olhou para Aladdin para ter ajuda.
Ele deu de ombros sem saber o que dizer.
— Ahmed e eu queríamos ver os animais quando acabasse, mas não
conseguimos encontrar as jaulas deles ou as baias, como acontece
quando shows viajantes vêm à cidade. Eles são como a Patrulha da
Paz? São as mesmas pessoas? Em fantasias diferentes?
— Eu… acho… que o gênio os convoca. Todos eles — Jasmine
respondeu.
— Mas para onde eles vão depois? — Shirin pressionou.
— São perguntas muito boas — Aladdin disse rápido, agachando e
beliscando o nariz da menininha. — Talvez Jasmine possa perguntar ao
gênio da próxima vez que ela o vir.
— Eu espero vê-lo algum dia — Ahmed murmurou melancólico.
— Eu também — a irmã dele concordou. — Quero pedir meu próprio
tigre. Um que eu possa montar. Também meu próprio punhal de prata.
— Ou uma boneca — Maruf disse esperançoso. — Ãh, ela pode ter
um punhal? Um pequenininho?
— Espero que vocês o conheçam também — Jasmine disse
emocionada. — Quando tudo isso acabar.
Aladdin sorriu e pôs fim ao conteúdo de sua xícara de café em um
gole. Depois se levantou em um salto.
— Acho que vou ver se consigo mais alguns recrutas para nós. Voltar
para aquelas filas de pão. Aposto que tem gente lá que não concorda
com a situação toda e vai querer ver uma princesa exilada recuperar
seu trono de direito.
— Tome cuidado — Shirin alertou em um tom bem sério.
— Sempre tomo cuidado — Aladdin disse docemente, provocando
uma gargalhada em Jasmine. Era maravilhosa de ouvir. Ele decidiu
tentar fazê-la rir mais vezes.
— Os pelos do meu pescoço ficaram arrepiados o dia todo hoje —
Duban comentou desconfiado. — E Shirin disse que viu um gato branco
mais cedo, no beco da casa de chá egípcia. Não foi, Shirin? — Você é
pior que uma mãe idosa — Aladdin resmungou. — Você e suas
superstições. Até mais tarde, princesa. — Ele se inclinou e deu um beijo
rápido nos lábios de Jasmine.
Conforme Aladdin subiu e saía pela porta secreta para as escadas
atrás do tubo da chaminé, escutou Duban falar para Jasmine:
— Bem na frente das crianças? Sério? Que tipo de lugar acha que
estamos criando aqui?
— Bom, não está feliz por não ter que competir com Aladdin por
Morgiana?
— Morgiana? Ele pode ficar com ela. Eu preferiria me casar com uma
cabra rabugenta com cinco chifres. Seria menos difícil de lidar.
Aladdin sorriu sozinho enquanto saía para o céu azul do início do
anoitecer. De princesa ingênua e solitária a arrasadora de corações e
mentes em menos de um mês. Jasmine conseguia fazer as pessoas se
sentirem tranquilas com ela enquanto ainda mantinha seu papel de
líder.
Abu o alcançou quando estava a menos de um quarteirão dali, e
quase pareceu como nos velhos tempos: correndo em treliças, caindo
levemente em telhados, deslizando convenientemente em postes.
Mas Agrabah parecia diferente. O gigante sol vermelho estava na
metade no horizonte do Deserto Ocidental e parecia nadar em um lago
de sangue. Aquelas poucas pessoas ainda nas ruas se apressavam
para chegar em casa — ou para entrar — o mais rápido possível.
Estavam quietas e olhavam nervosas por cima do ombro com medo de
algo que esperavam que nunca chegasse.
De seu alto ponto de vista, Aladdin conseguiu ver três grupos da
Patrulha da Paz separados se espalhando na direção do palácio.
Moviam-se como insetos esquisitos, batendo os pés em perfeita
harmonia e com escudos às costas como carapaças de besouros. Ele
pensou nas perguntas de Shirin. Ela também tinha captado a
similaridade estranha entre a patrulha e as pessoas do desfile. Curioso,
ele escolheu um guarda para seguir.
Naquele instante, todos da cidade estavam com tanto medo deles
que não tinham muito o que fazer além de marchar pelas ruas
apocalipticamente vazias. O som dos passos das botas de metal era um
alerta efetivo que os precedia. Andavam com os olhos escuros voltados
para a frente, sorrisos maníacos no rosto como se realmente, realmente
amassem o emprego. Se houvesse um barulho esquisito ou algo se
movesse nas sombras, eles reagiam quase como humanos: erguiam as
armas, assumindo posição de luta, enviando um ou dois deles para o
beco a fim de verificar.
Sem falar nada.
Nem um único som foi emitido o tempo inteiro que ele os seguiu.
Assentiam um ao outro, mas era só isso. Como se comunicavam?
Aladdin se arrepiou só de pensar nisso.
Quando a meia-lua minguante atingiu o pico de sua ascensão, o
relógio começou a badalar a hora.
A patrulha parou.
O rosto idêntico deles começou a parecer um pouco desfocado. Não
desviaram o olhar, mas pareciam, de alguma forma, não prestar mais
atenção ao que quer que estivesse à sua frente.
Horrorizado, Aladdin percebeu que os rostos deles estavam
realmente sendo desfocados. Os olhos, nariz e boca estavam
embaçados, se distorcendo e manchando como roupas sujas sendo
penduradas no varal.
Logo, seus traços eram vagas impressões digitais bege e pretas.
Então o corpo deles se estufou. Pareceram de repente se equilibrar
na ponta dos pés e balançar por um instante na brisa.
Depois explodiram.
Em silêncio, como tudo que a patrulha fazia, exceto pelo bater dos
pés. Fios de cores humanas indistintas giraram por um instante depois
da explosão silenciosa, um após o outro, seis deles ao todo. Oscilaram
e secaram no ar — desaparecendo com um último arabesco minúsculo
de fumaça azul.
Aladdin estremeceu. Eles não eram nada humanos. Nem mesmo tão
reais quanto o gênio. Eram golens. Criaturas mágicas sem cérebro com
existência limitada que faziam o que lhes mandavam até a hora deles
chegar. Ele se obrigou a pensar em sua tarefa: encontrar novos recrutas
para a resistência. Tudo menos o rosto embaçado que ele sabia que
assombraria seus pesadelos a partir daquele momento.
Mas, quando se virou para ir, o som de uma discussão nervosa
chegou com o vento, vindo de muitas ruas dali. Algo que Aladdin teria
ignorado em tempos normais, mas que era incomum àquela hora sob o
novo toque de recolher.
Ele saltou em silêncio para o próximo telhado e, então, mergulhou em
uma sacada bem conveniente. Dali, pendurou-se em um varal e caiu
em silêncio sobre um toldo do outro lado. Escondeu-se atrás de uma
calça pendurada e observou.
Era a praça do Marinheiro — chamada assim por causa dos navios
esculpidos nos cantos dos prédios cívicos que rodeavam a praça.
Antigamente, era um local popular de encontro para os pouco menos
desprovidos do gueto; havia até uma casa de chá na esquina com
cadeiras frágeis, tapetes surrados e chá aguado.
E agora lá estavam Jafar e seis de seus guardas — humanos —de
elite do palácio, junto de algumas pessoas reunidas.
Havia uma bandeja de chá, vinho e bolos, obviamente não da casa
de chá, flutuando no ar diante do feiticeiro. Ele tinha um sorriso que
pareceria falso para o mais tolo e mais cego dos observadores.
Aladdin não era nenhum dos dois. Ele se inclinou mais: não tinha
dado uma boa olhada em Jafar desde o desfile. O “sultão” raramente
saía em público agora. A luz de insanidade brilhava fortemente em seus
olhos. O que valia tanto para arriscar sua presença preciosa e passar
um tempo lá fora entre as pessoas comuns?
— Tudo que estou pedindo — Jafar articulava com a paciência calma
de uma mãe — é a localização da princesa Jasmine. Só me contem
onde ela está e vocês nunca mais passarão fome de novo. Vão cear
carne, iguarias e vinho… não este xixi de cabra que seu amigo aqui
serve todas as noites.
O grupo de pessoas magrelas e malvestidas se misturou, apreensivo.
Algumas não conseguiam tirar os olhos da bandeja prateada de comida.
Algumas pareciam nervosas, olhando de um lado a outro dos guardas
ao rosto de Jafar. Outros recuaram silenciosamente para as sombras,
tentando desaparecer do que parecia ser uma situação ruim.
Aladdin analisou bem aqueles rostos. Eles seriam úteis de se
encontrar mais tarde.
— Quem se importa com a menina do velho sultão? — um homem
gritou. — O senhor pode ter quem quiser. Minha filha é duas vezes mais
bonita que Jasmine… e ela não vai se esconder do senhor, eu juro.
Talvez ele estivesse tentando fazer um favor para o feiticeiro louco.
Foi uma má ideia. A raiva queimou no mesmo instante nos olhos de
Jafar.
— Particularmente, não me importo com a sua opinião sobre meu
negócio — Jafar disse com um anúncio cuidadoso de alguém que
realmente não se importa… que poderia demorar o quanto quisesse
com um grupo de formigas para depois decidir inevitavelmente esmagá-
las na poeira sob seu calcanhar. — Nem tenho interesse algum em sua
filha. Agora, pergunto de novo. Algum. De. Vocês. Sabe. A localização.
Da princesa?
A bandeja de comida balançou de modo sugestivo no ar. Aladdin
conseguia sentir o cheiro inebriante de tâmaras e bolo de mel mesmo
de cima onde estava. Perguntou-se se era mais mágica.
Ninguém respondeu.
— Deixe-me falar de outro jeito — Jafar disse calmo.
A bandeja de prata caiu no chão, a comida rolando na poeira.
— Você aí. — Usando seu bastão com cabeça de cobra, Jafar
apontou para alguém. O homem, baixo e ossudo, olhou da esquerda
para a direita rapidamente para ver se ele apontara para outra pessoa.
Sem falar nada, dois guardas do palácio em preto e vermelho se
aproximaram um de cada lado e seguraram seus braços, torcendo-os
para as costas dele. Incerto do que lhe aconteceria, o homem começou
a se debater contra eles.
— Me diga — Jafar ordenou. Seus olhos brilharam em vermelho… e
assim o fizeram os olhos de joias da cobra em seu bastão. O pobre
homem pareceu congelar como um rato ou um passarinho, hipnotizado
pelo brilho. Seu corpo ainda lutava como se ele tivesse se esquecido de
dizer aos seus músculos que parassem, mas sua expressão e sua
cabeça estavam totalmente paralisadas. — Onde está a princesa
Jasmine?
— No palácio? — o homem perguntou em transe.
A expressão de Jafar se desmanchou da concentração de feiticeiro e
se enrugou irritada.
— Se ela estivesse no palácio, por que eu a estaria procurando?
— É um palácio muito grande — o homem respondeu.
Aladdin tentou não rir alto. O pobre homem estava respondendo o
mais sincero que conseguia sob o encanto. O problema era que ele não
era muito esperto. E não sabia de nada.
Com um suspiro de frustração, Jafar sacudiu o bastão. O brilho
vermelho desapareceu.
O homem se virou para buscar ajuda em meio aos amigos… mas
agora era como se seu corpo estivesse congelado e apenas seu
pescoço e cabeça conseguissem se mexer.
O rosto do homem ficou branco conforme o pânico começou a se
instalar.
Sua cabeça continuou a virar.
Os músculos saltaram do pescoço, veias e tendões se esticando
contra a pele.
Jafar continuou olhando para o homem sem nenhuma empatia.
Apenas a ponta de seu dedo se mexia, fazendo círculos minúsculos.
A cabeça do homem continuou a virar devagar.
Ele gritou conforme os músculos começaram a rasgar e ossos a
triturar, vértebras esmagando umas contra as outras de formas que
supostamente não deveriam.
As pessoas assistiram horrorizadas. Talvez tentassem desviar o olhar,
mas não conseguiam.
O grito do homem de repente parou e ele emitiu um gorgolejo
molhado. Sua cabeça continuou girando conforme a pele rasgava e o
sangue espirrava.
Com um último estalo, a cabeça tinha feito a volta inteira, os olhos
vazios do homem encaravam as pessoas.
Seu corpo permaneceu em pé por muitos segundos horrorosos e
depois caiu no chão.
Aladdin se virou, sentindo-se enjoado.
— Próximo — Jafar disse com um sorriso indulgente.
— Vá se ferrar, seu assassino! — um homem gritou do grupo de
pessoas, aterrorizado e com ódio ao mesmo tempo.
Jafar simplesmente revirou os olhos.
— Hummm-hummm. Próximo — ele repetiu, exausto.
O feiticeiro tinha se transformado de um vilão quase cômico em um
maluco de proporções de fato demoníacas.
Aladdin precisou de um tempo para se recompor antes de voltar para
a noite.

Cafeteira turca. (N.T.)


Chá com um genio

JASMINE, CLARO, NÃO ESTAVA NO PALÁCIO. Por ironia, no entanto, ela


estava apenas do outro lado dos muros, em um distrito elegante e
pomposo que agora estava em silêncio pelo medo.
Ela sempre sonhou em ir a uma casa de chá para jogar xadrez ou
discutir esoterismo com alunos, e também com velhos e velhas mal-
humorados. Era um sonho proibido para uma princesa, é lógico. E
agora que ela enfim estava em uma… ela estava sozinha. Urnas
gigante e vazias de chá criavam formas monstruosas e estranhas à
meia-luz.
Uma fumacinha intrigante azul se enrolou de detrás do balcão. Logo,
o resto do gênio apareceu com uma bandeja cheia de copos e pratos no
braço, e uma toalha de chá sobre o punho.
— Café? Chá? Quem pediu o vinho egípcio? Meio cedo para isso,
não acha? Tome um falerniano, em vez disso.
Ele deslizou até Jasmine. A bandeja e a toalha de sua brincadeirinha
desapareceram, mas duas xícaras permaneceram; ele ofereceu uma
para ela. Era pequena, de vidro com arabescos dourados nas laterais, e
com chá dentro. Ela olhou curiosa, sentindo o calor na mão.
— Não está envenenado — o gênio disse maliciosamente. — Jafar
não é tão sutil. Acredite. Se ele soubesse que nos encontraríamos, você
já estaria amarrada e dizendo Sim contra sua vontade.
— Não, eu só estava pensando… — Ela franziu o cenho. — Se você
pode fazer comida e bebida do ar, por que Jafar não está fazendo
exatamente isso? Ele estava jogando pão para todo mundo no desfile,
mas parece ter parado. Agora está racionando… só está entregando às
pessoas que ficam na fila e juram lealdade. E aquela situação toda com
a inflação do ouro tem dificultado às pessoas que obtenham comida de
outro jeito. Será que ele não poderia, ou você, resolver isso com um
aceno de mão?
— Ahá, espertinha — disse o gênio, com um sorriso carinhoso
genuíno, substituindo seu olhar normalmente sarcástico. — As leis da
magia não são tão simples quanto eu posso ter feito parecer. Até o
feiticeiro mais poderoso do mundo não consegue convocar infinitas
quantidades de alguma coisa a existir para sempre… precisa vir de
algum lugar. E ouro é bem mais simples, de certo modo, do que pão e
carne.
— Tudo bem, mas você poderia fazer, não poderia? Fez antes. É o
que separa um gênio… ãh, um Djinn… de um feiticeiro, certo? Você é
bem mais poderoso, não?
O gênio fingiu estar envergonhado com o elogio, ruborizando.
— Bom, sim, poderia. Mas os dois pedidos de Jafar foram bem
explícitos. Alguém poderia presumir que torná-lo sultão envolvesse o
desfile ocasional acompanhado de panfletos. Também poderia vir com
seu exército pessoal descartável. No entanto, não significa estar ao lado
dele e convocando refeição após refeição para todos como alguma
moça da cafeteria.
— Uma o quê?
— Nada, esqueça. A questão é, se ele fosse muito esperto e
encontrasse um precedente histórico, talvez conseguisse me obrigar a
fazer isso. Mas ele não é e não estou facilitando para ele. E, além
disso… Fafar não quer dar infinitas quantidades de comida grátis.
— Mas por quê?
— É a isca. — O gênio imitou o soltar de linha de uma vara de pesca.
Uma vara apareceu em suas mãos, claro… com um peixe gigante no
fim dela, que parecia muito com um cidadão comum de Agrabah. —
Todos pegam a comida grátis e ouro e bam, ele os pescou. — Ele
sacudiu a linha. O peixe pulou no chão. — Agora ele apenas os pesca.
Ou aperta o nó.
O gênio franziu a testa, contemplando metáforas. De repente, a
pessoa-peixe parecia como uma pessoa-coelho, com uma armadilha
em volta do pescoço.
— Não está dando certo para mim — o gênio decidiu com um
suspiro. Todos os seus acessórios, incluindo o coelho, sumiram. —
Mudando de assunto para um que é uma forma um pouco mais
maldosa de magia… uma caravana vai chegar de Carcossa daqui a três
noites, quando a lua estiver em perfeito um quarto. Tem um monte de
livros e outras coisinhas mágicas nela. Acho que pode ser uma grande.
Aquela com Al Azif.
— Por que você não foi com a caravana desta vez, para protegê-la?
— O que Jafar está procurando pode não ser encontrado em, como
falo isso, reinos humanos. Vamos apenas dizer isso: Djinn não viajam
muito bem para Carcossa. Falando nisso, ninguém o faz. Pegue leve
com os guardas quando os abater — o gênio disse com um arrepio.
— Tudo bem. Obrigada — Jasmine agradeceu, brindando o chá com
ele. Ela deu um gole. Estava quente e com mel, perfeitamente
confortante. — E obrigada por devolver Rajah, e nos contar sobre Al
Azif e… todo o resto. Devemos muito a você.
O gênio deu de ombros.
— Esta é uma situação bem horrível. Só peguem o cara mau. Talvez
me libertar? Enfim, é tudo um bom carma.
Jasmine inclinou a cabeça, olhando para ele.
— Como você está aguentando? — ela perguntou com gentileza.
— Oh, tão bem quanto esperado — ele respondeu, acenando a mão.
— Considerando que sou, tipo, o último da minha raça, escravizado a
um ditador insano, faminto por poder, maléfico… eu disse maléfico?…
Com delírios de divindade… que nem ao menos faz seu terceiro e
último pedido insano e me liberta de tudo isto. Talvez meu próximo
mestre seja alguém mais legal. Como o tirano sádico de um reino de
vampiros. Ou algo parecido.
— O que você faria? — Jasmine perguntou curiosa. — Se fosse livre?
— Eu viajaria — o gênio respondeu de pronto. — Iria para o mais
longe possível daqui… e de minhas lembranças daqui. É demais. Talvez
pudesse voltar algum dia, mas há muito para se ver por aí afora
primeiro. Neve, por exemplo. Eu gostaria de ver neve.
— Não sei se conseguiria sair de Agrabah algum dia — Jasmine
disse com um suspiro melancólico. — É tão linda, e tem muita coisa a
fazer.
— Bom, é melhor do que Roanoke — o gênio disse, estalando a
língua. — Ninguém nunca descobriu o que aconteceu a eles.
Jasmine pensou sobre as mudanças estranhas no humor do gênio,
brincadeiras engraçadas e palpites amargos de eventos terríveis. Ali
estava uma criatura que sabia mais do que ela um dia saberia, presa
em um lugar e uma época em que não queria estar.
— Deve ser bem difícil… ser você — ela disse, atrapalhando-se para
dizer da melhor forma possível.
— Princesa, você não faz ideia — ele gracejou, imitando Jafar… mas
com um sorriso triste.
E, com isso, ele se diminuiu para um caracol de fumaça azul e
evaporou no ar noturno.
Amigos em lugares improváveis

— com você de novo — Duban


murmurou enquanto estava em pé no fundo da carruagem e jogava um
saco para Aladdin. O último roubo de caravana deles não tinha livros
mágicos, mas algo infinitamente mais útil para o pobre povo de
Agrabah: comida.
Aladdin sorriu, pegando o saco e certificando-se de que o topo estava
bem amarrado. Ratos de Rua não eram o único tipo de rato que tinha
por ali.
— Acho a ideia de Morgiana brilhante, fazer a própria Jasmine fazer a
entrega — Duban comentou. — Vai formar uma conexão verdadeira
com o povo.
— É perigoso — Aladdin disse, fazendo careta. — Jasmine é muitas
coisas: um prêmio valioso para ser entregue a Jafar e um símbolo do
antigo sultão, nosso líder de verdade. Não acho que ela deveria andar
abertamente pelas ruas.
Duban deu de ombros.
— Não se pode ganhar sem arriscar. Você, de todas as pessoas,
deveria saber disso.
O barulho baixo de um pigarreio interrompeu a conversa.
Aladdin e Duban olharam para cima, surpresos, e viram um homem
alto e de meia-idade ali parado, esperando em silêncio. Ele estava com
uma túnica simples rasgada em lugares que pareciam ser rasgos
perfeitos demais. Seu rosto não mostrava nenhum efeito de privação a
longo prazo: apesar de ser magrelo, não era porque passava fome. Sua
pele era clara e lisa e sua barba grisalha, bem cortada. As mãos
estavam unidas educadamente. Ele tinha um anel de ouro puro em uma
mão… mas o olho experiente de Aladdin viu que não combinava muito
com as linhas bronzeadas de seu dedo. E havia mais áreas pálidas nos
outros dedos…
— Estávamos só… — Aladdin começou.
— Meu pai tem uma padaria — Duban disse. — Estávamos só
ajudando. É aqui que ele… guarda suas…
— Baguetes — Aladdin ajudou.
Duban olhou para o amigo como se ele fosse um idiota. E meio que
era.
— Estou aqui para falar com os… “Ratos de Rua” — o homem disse
educadamente. Seu sotaque era claro e refinado.
— Não conheço nenhum… — Duban retrucou.
— Não somos… — Aladdin disse.
— Está falando daqueles ladrões que deram o nome para este
bairro? — Duban perguntou com interesse.
— Uma farsa — Aladdin xingou — arruinando por completo os
valores da propriedade.
Eles pararam de falar conforme o homem apenas os observou em
silêncio.
Enfim, ele falou de novo.
— Sou Amur, o líder da Associação de Joalheiros, e arrisco minha
vida ao vir aqui.
Ele virou o anel de ouro no dedo e, como Aladdin suspeitava, revelou
uma pedra preciosa emoldurada: um cabochão de obsidiana com a
imagem dourada de um diamante perfeito entalhado.
Duban deu um assobio baixo.
— O que você quer? — Aladdin perguntou confuso.
— Eu me sentiria… mais confortável conversando isso durante o chá
— o homem disse, olhando em volta, obviamente.
Os dois ladrões de imediato se sentiram burros. Claro que um homem
rico que se disfarçou para ir à parte mais perigosa da cidade viria com
um objetivo que não gostaria de expor para o mundo.
— É. Claro. Com certeza — Aladdin disse rápido. — Mas como
você… sabia que éramos Ratos de Rua, ou que estávamos aqui?
O homem tossiu de maneira educada e apontou o queixo para um
muro.
Havia a Marca de Rajah, quatro garras em uma tinta vermelha-
sangrenta.

Dentro do labirinto de passagens que formavam o mundo dos Ratos


de Rua, Duban e Aladdin conseguiram arrumar chá, cadeiras e uma
mesa… sem levar Amur muito a fundo no esconderijo.
O líder da Associação de Joalheiros sentou-se de modo elegante e
relaxado, olhando em volta com certo interesse, como se fosse uma
nova casa de chá, e não o esconderijo das pessoas que provavelmente
roubavam dele e de seus clientes.
— Temos que fazer algo sobre isso — Aladdin sugeriu a Duban. —
Estou falando das marcas de garra.
— As crianças adoram — Duban disse duvidoso. — Faz mesmo com
que se sintam parte de algo.
— E eu pensei que você estava preocupado com segurança.
— Estou, mas é um bom símbolo. Para as pessoas se animarem. Só
não deveriam… pintar tão perto de casa.
Amur deu um gole no chá, claramente esperando que eles se
sentassem.
— Desculpe, podemos falar sobre isso depois — Aladdin disse.
— Não, é um bom símbolo — o joalheiro disse. — Talvez eu mande
fazer alguns em ouro para aqueles que apoiarem nossa causa.
— Nossa causa? — Jasmine perguntou, entrando no cômodo.
Ela tirou o capuz de disfarce. Morgiana a seguia de perto e fez careta
quando viu quem estava ali sentado bebendo chá.
— Sua Alteza Real — Amur disse, levantando-se rápido e
executando no mesmo instante um perfeito cumprimento. — Havia
boatos de que você estivesse conectada com tudo isso, de alguma
forma, escondida…
— Os boatos são verdade — ela confirmou com um sorriso, indicando
que ele se sentasse. Ela se sentou também e pegou a xícara de
Aladdin, que sorriu e a deixou pegar.
— Estou feliz em ver que ainda está viva e bem. Escondida no
subterrâneo, literal e figurativamente — Amur disse. — E isso leva
gentilmente ao que vim aqui conversar… Quero falar sobre a situação
em que Agrabah está com Jafar.
— Por que você se importa? — Morgiana perguntou. — Ele não está
te incomodando. Não está te obrigando a fazer um juramento de
lealdade por pão. À noite, com o toque de recolher, vocês só ficam
dentro de suas mansões e aguardam até amanhecer. Como ele está
incomodando você?
Amur lhe lançou um olhar intimidador.
— A vida não é tão simples, ladra. Vamos começar com o ouro, por
exemplo. Tenho certeza de que, enquanto ladra, você tem consciência
de como a entrada de moedas mágicas o desvalorizaram?
Aladdin deu risada, mas não de um jeito maldoso.
— Ele te pegou, Morgiana. Jafar está arruinando o mercado deles
também.
— Uma segunda coisa — Amur continuou —, e não menos
importante. Jafar fechou todas as bibliotecas, todos os centros
religiosos e todos os comércios que lidam com ciência ou magia. Os
alquimistas, e tenho fontes seguras para afirmar isso, estão proibidos
de se reunir, sob pena de morte.
— Mas por que ele iria…? — Duban começou.
— Porque ele não quer concorrência — Morgiana respondeu
sombria. — Ele está querendo quebrar as regras da magia e não quer
que ninguém o atrapalhe.
— E claro que todos que são bem-educados sabem como o governo
“benevolente” de Jafar vai terminar — Jasmine disse, assentindo.
— Verdade. Imames, mulpas, padres, rabinos, professores, alunos…
eles não estão… satisfeitos com o estado atual dos acontecimentos, no
mínimo — o joalheiro relatou com um suspiro.
— E você…? — Jasmine se adiantou.
Amur uniu os dedos.
— Vamos dizer que estou representando todos eles. Venho falar em
nome de uma certa parcela da população, que inclui os líderes
religiosos e das associações, e outros em variados bairros da cidade…
pessoas com quem você normalmente não conversa. Que ficaram…
sabendo de certos assaltos de caravana e outras façanhas realizadas
por seu bando de foras da lei aqui. Que estão dispostas a apoiá-la o
melhor que puder em seus esforços.
— E elas elegeram você para arriscar sua queixosa pessoa vindo até
aqui? — Duban perguntou com um sorriso cheio de dentes.
— Não — o homem respondeu com calma. — Eu me voluntariei.
Duban teve a decência de parecer envergonhado.
Mas Amur não tinha acabado.
— Sabe, ladrão, vocês não são os únicos que valorizam a liberdade.
Fazer o que quiser, onde quiser e com quem quiser. Ler o que quiser, se
quiser ler. Viver. Tenho duas netas com quem eu costumava caminhar
toda noite pela colina passando pelo mercado de tecidos para assistir
ao pôr do sol. Parece pouco não se fazer mais isso… mas importa.
Para elas, e para mim. Mesmo os muros das mansões não mantêm o
medo do lado de fora durante a noite e as novidades abomináveis que
ele traz.
— Então nós fazemos o trabalho sujo e vocês nos apoiam em
segredo? — Morgiana perguntou. — Você fala sobre liberdade ser boa
e legal, mas viver a liberdade é negado a muitos dos mais pobres da
cidade. Onde você estava antes das filas do pão… quando o povo
estava simplesmente faminto?
— É um argumento justo — Amur admitiu. — Mas é difícil medir a
severidade de uma situação quando sua queixosa pessoa, como seu
amigo sutilmente colocou, está em perigo toda vez que coloca o pé nas
partes mais pobres da cidade. Quando há uma gangue bem organizada
de ladrões ousados o suficiente para começar a se infiltrar no mercado
de pedras preciosas e ouro.
— E este é um argumento justo — Jasmine arrematou com um
sorriso gentil. — Podemos, talvez, concordar que, quando tudo isso
acabar, será um problema em cuja solução todos vamos trabalhar?
Juntos? Que os problemas de Agrabah são de todo mundo, e nós
precisamos da ajuda de todos?
Amur e Morgiana se entreolharam, se desafiando, por um longo
tempo.
— Sim — Amur enfim concordou.
— Tudo bem — Morgiana cedeu, não muito carrancuda.
— Certo — Jasmine disse com um suspiro de alívio. — Passou da
hora de eu sair daqui e começar a distribuir pão para as famílias que
recusaram essa conversa toda de jurar lealdade. Que estão passando
fome por causa das decisões que tomaram. Por que não vem junto,
Amur? E, por fim, veja em primeira mão os problemas de um certo
segmento da população de Agrabah ao qual você não está
acostumado?
— É, acho que é uma boa ideia — Amur disse, surpreendentemente
concordando com a sugestão. — E… eu gostaria de ajudar.
— Hunf — murmurou Morgiana.

— Princesa Fasmine? — a idosa disse indignada, olhando para o


rosto dela.
Meia dúzia de netos correram em volta de seus pés com as roupas
em vários estados, tentando se manter ocupados e brincar enquanto os
pais estavam fora.
Jasmine estava diante dela como uma suplicante, com a cabeça
coberta, oferecendo um saquinho de pão e queijo. Morgiana vinha
atrás, com as mãos nos punhais. Logo depois, Ahmed e Shirin
carregavam mais sacos de pão; Amur estava com um saco gigante.
Jasmine sorriu.
— Sim. Vim ajudar.
— Mas… não vai se casar com Jafar, o novo sultão?
— Não — ela respondeu rápido. — Ele é um usurpador e assassino.
Terei minha vingança sobre ele, e…
Morgiana a cutucou com o cotovelo na costela discretamente.
— E… ele e eu não concordamos por completo em assuntos de
governo — Jasmine se apressou em complementar, com um sorriso
gentil. — E ele está transformando Agrabah em uma prisão, onde todo
mundo tem medo de fazer ou dizer a coisa errada.
A idosa continuou a olhá-la com os olhos castanhos pálidos ilegíveis.
Jasmine tentou não ficar nervosa.
— Ele é um assassino, maldoso filho de um porco — a idosa
finalmente disse, cuspindo. — O antigo sultão pode ter sido um tolo que
nunca fez nada por nós… mas nunca torturou ninguém ou exigiu
lealdade em troca de pão. E aliás, do que a Patrulha da Paz nos
mantém seguros? Um do outro? Aqui é Agrabah! Se você não tem um
punhal, é burrice sua.
— Também me sinto assim — Jasmine revelou. — Na maioria das
vezes. Seria bom se as ruas fossem livres e seguras. Mas, por favor,
pegue este pão e o queijo. Não vou pedir sua lealdade em troca. Só
quero meu povo alimentado.
A idosa olhou cautelosa para o pão. Depois sua expressão se
craquelou em um sorriso com milhares de rugas. Ela deu risada.
— A princesa… a futura sultana… me trazendo pão e queijo. Na
minha casa. E nem preciso me levantar e me curvar!
— Que a paz esteja com a senhora — Jasmine disse, assentindo.
— E com você — a idosa disse com dignidade. — E morte a Fafar! —
ela completou com um sorriso pernicioso, a mão descendo no ar como
garras de tigre.
Quando eles caminharam de volta para o lado de fora, Jasmine
respirou fundo. Ela sabia que deveria apertar mais seu lenço na
cabeça… mas não conseguiu evitar tirá-lo por um instante. Precisava
de ar fresco. Ainda era estranho ter algo cobrindo-a completamente, e o
tecido grosso puxava seu cabelo num novo penteado trançado.
— Eu sei, eu sei — ela suspirou, vendo o olhar de Morgiana. — Só
me dê um segundo. E… obrigada pelo pequeno lembrete lá dentro. É
só eu pensar em Jafar e… fico toda maluca. É como se o ódio não
coubesse na minha própria mente. Quero tanto que ele pague pelo que
fez.
— Eu sei — Morgiana disse.
As duas andaram lado a lado pelas sombras da rua, longe do muro
branco e quente do outro lado. O restante da equipe ficou a alguns
passos atrás, Ahmed e Shirin brincavam de jogar e pegar uma
pedrinha. Amur olhava em volta, interessado na parte da cidade na qual
nunca estivera. Shirin precisou parar o jogo para lhe mostrar a maneira
correta de se andar no bairro dos Ratos de Rua: rosto erguido e para a
frente, olhos observando tudo, sem mostrar que está encarando.
— Você parece um turista — ela explicou com a paciência de uma
professora muito mais velha.
Morgiana os observou com um sorriso. Depois respirou fundo,
tentando descobrir como dizer algo de maneira educada para a
princesa.
— Sabe, a questão é… nenhum de nós… nenhum dos Ratos de Rua,
nem os cidadãos mais normais de Agrabah, importam-se de verdade
com quem está no comando. Sem ofensa ou desrespeito ao seu pai.
Mas, exceto pelos impostos e pelas prisões, de fato não importa para os
menos favorecidos. Jafar está indo mal com a patrulha e com o
aumento da violência. Ninguém gosta disso. E você deveria falar sobre
esse assunto. Com frequência. Mas, do contrário, eu me estressaria
menos com os detalhes da mudança de regime e mais com a boa
sultana Jasmine que se importa mais com seu povo.
— Tem razão — Jasmine suspirou, arrumando o cabelo e se
preparando para colocar o lenço de volta. Muitas pessoas passaram por
eles e lhe deram uma olhada melhor. Agora a maior parte da cidade
sabia que Jafar não acabaria se casando com a princesa… e todos se
perguntavam como ela tinha escapado disso e para onde havia fugido.
Nos distritos mais pobres, os boatos que se espalhavam era de que ela
estava entre eles de alguma forma, mas ninguém sabia onde. E que ela
estava ajudando os pobres, como uma heroína vinda de uma lenda.
Jasmine sorriu para aqueles que a encararam por muito tempo.
— Contudo — ela complementou com olhares de soslaio
direcionados a Morgiana —, estou um pouco surpresa que você, de
todas as pessoas, tenha me lembrado de falar sobre atitudes pacíficas.
Morgiana sorriu. Sua expressão perdeu a característica tensa e a
careta, como se ela estivesse tirando uma fantasia ou um par pesado
de botas.
— Aladdin pode não aprovar nossa “pequena organização de
ladrões” e tirar sarro dela… mas o que ele falha em ver é a parte da
organização. Não é só sobre ouro, joias, assaltos e roubos de “alguém”.
Também é sobre territórios, porcentagens e divisões justas… e divisão
não muito justa quando a família de alguém está doente e precisando
de um pouco mais. É sobre empréstimos que ninguém nunca vai pagar.
É sobre resolução de conflito… porque, em nosso caso, um conflito não
resolvido resulta em empunhar adagas. É sobre lidar com pessoas,
tratá-las justamente e escutá-las mesmo que você não concorde. Às
vezes é sobre fazer todo mundo feliz… no mesmo nível.
Jasmine ouvia com interesse.
— Eu… só comecei a perceber isso sozinha agora. Nenhum de
nossos planos, nenhum dos meus planos de ganhar as pessoas, de
impedir que Jafar quebre as regras da magia, de destroná-lo… seria
possível sem a conexão que você formou. Desculpe por assumir o
controle.
— Tudo bem — Morgiana disse, só um pouco carrancuda. —
Realmente acredito que é o único jeito de impedir que Agrabah siga por
um caminho muito, muito ruim.
— O que você fará quando tudo isso acabar? — Jasmine perguntou,
percebendo que era a segunda vez que ela tinha feito essa pergunta a
alguém.
Morgiana pareceu surpresa.
— Não sei. Você será sultana e eu acho que não consigo voltar a
roubar… agora que você sabe de tudo sobre nós…
Amur tentava fingir que não escutava.
— Gostei do que você disse antes — Morgiana comentou devagar. —
Sobre todos trabalharem juntos para fazer de Agrabah…
Ela parou no meio da frase.
Amur entendeu errado.
— Eu estava falando sobre ajudar! — ele protestou. — E eu não
estava nem um pouco interessado no que vocês iam dizer; eu não
estava…
— Não, escute — Morgiana disse, apontando sem mover um
músculo. Jasmine e Amur seguiram seus olhos.
Um dos transeuntes não olhou duas vezes para Jasmine, ele olhou
três vezes. E então continuou olhando para trás. Jasmine não sabia
qual era o grande problema, mas Morgiana havia ficado tensa e
colocado as mãos em seus punhais escondidos.
O homem viu os três o encarando e começou a correr.
Era como se Morgiana soubesse que ele iria fazer exatamente isso;
ela saiu correndo atrás do homem quase antes das pernas dele se
moverem. Ela o deixou se distanciar o suficiente para ele conseguir se
esconder em um corredor deserto e estreito da rua. Provavelmente
pensando que poderia escapar dela ali. Provavelmente pensando que
ali poderia, com facilidade, dominar uma garota bem menor que ele,
onde ninguém conseguisse ver.
Mas ele não era um Rato de Rua.
Assim que ficaram sozinhos na ruela, Morgiana dobrou o ritmo e deu
um pulo surpreendente para chegar perto dele. Envolveu o braço no
pescoço do homem e o puxou para trás. Sua mão esquerda segurava
um punhal contra a lateral do corpo dele.
Jasmine, Amur e o resto da equipe viraram a esquina, bem a tempo
de ver aquilo. Amur recuou em choque.
— Qual é o seu problema, grandão? — Morgiana cochichou no
ouvido de seu prisioneiro.
— Nada, estou indo ao mercado, nada mesmo. Me solte! — o homem
ordenou.
— Tente de novo. — Morgiana apertou a ponta do punhal mais fundo
em suas roupas para que ele sentisse como era afiada. Então apertou o
cotovelo no pescoço dele.
— Sou um cidadão de Agrabah do grande Jafar. Agrabah
Ascendente. Me solte, sua Rata de Rua! Ou vai ficar feio para você!
— O que estava fazendo nos encarando daquele jeito? — Morgiana
perguntou. Ela torceu a faca para que começasse a rasgar a túnica
dele.
— Vamos — Amur começou. — Ele só reconheceu a princesa e ficou
surpreso. Solte-o…
— É, a princesa — o homem concordou, sufocando um pouco. —
Fiquei surpreso.
Morgiana não pareceu convencida. As mãos do homem voaram para
a garganta quando ela deu um aperto rápido.
— Vou te dar mais uma chance.
— Morgiana, por favor — Jasmine implorou. — Não… espere, o que
é isso na mão dele?
Todos pararam e olharam. Shirin correu e segurou o braço esquerdo
dele, virando-o para expor a parte de trás.
Um símbolo estranho queimara sua pele com tamanha violência que
permanecia grudento e em carne viva.
— A Marca de Jafar — Morgiana cuspiu. — Como em suas moedas e
bandeiras.
Jasmine colocou a mão na boca, sem saber se iria vomitar ou gritar
de frustração.
Amur xingou.
— Minhas desculpas, Morgiana — ele rosnou. — Você sabe o que
faz. Tem o olho de um falcão.
— O que é isso? — Jasmine finalmente perguntou, avançando para
observar mais de perto.
Os olhos do homem corriam de um lado a outro como os de um
cavalo enlouquecido. Ele tentou chutar, mas Ahmed se sentou nas suas
pernas e as segurou firme.
— É uma marca — Shirin disse simplesmente. — Como as que
fazem nas cabras.
— Quem fez isso com você? — Jasmine perguntou com frieza ao
homem.
— Você ganha mais coisa — o homem choramingou. — A luz
vermelha. Ele olha para dentro de você e vê que você é
verdadeiramente devoto. E então ganha a marca. Depois ganha carne e
ouro.
— Mas e… e os juramentos? — Jasmine perguntou. — Não ganham
pão só de fazer os juramentos?
— Todo mundo mente — o homem zombou. — Mas eu sou puro.
Estou salvo. Sou um dos homens de Jafar agora. Um Marcado.
— Minha nossa — Amur murmurou. — Quando isso começou?
— Eu sou da primeira centena — o homem se vangloriou. — Em
breve, toda Agrabah será pura, mas eu sou um dos primeiros.
— Ele não consegue fazê-los amar com magia ou pão — Jasmine
disse. — Então está ganhando a lealdade deles sob tortura e medo?
Onde ele está fazendo isso?
— No palácio — o homem respondeu carrancudo. — Não importa. Eu
te vi. Sou os olhos e ouvidos de Jafar.
— Teremos que matá-lo — Morgiana avisou.
— Não — Jasmine se opôs, mais cansada do que justa. Ela pensou
rapidamente. O que Aladdin faria?
Mentiria.
— Então Jafar sabe que estou na cidade… ele provavelmente já
sabia disso. Não sabe onde estarei em seguida. Porque… nunca fico no
mesmo lugar. Nunca durmo no mesmo lugar duas vezes. Me
movimento como o vento e entre as sombras. Estou protegida pelo bem
e pela fidelidade a Agrabah, em todos os bairros. Volte rastejando para
seu mestre, escória. Diga a ele que eu sou os olhos e ouvidos do meu
povo, e eles não o querem.
Morgiana pressionou o punhal mais uma vez, tirando sangue.
Depois o deixou ir.
Em uma série de tropeços desastrados e desesperados, o homem se
levantou e correu para longe deles, com as sandálias batendo com
barulho alto no chão.
Ele nem xingou ou prometeu voltar.
— Covarde — Amur cuspiu.
Jasmine queria esmagar o chão. O cheiro da pele recentemente
queimada ainda estava em seu nariz; a Marca de Jafar se manteve no
ar diante de seus olhos, raivosos e pálidos.
Morgiana envolveu os ombros da princesa com o braço.
— Jasmine — ela disse. — Acredito que seja hora de repensar
nossas táticas. Jafar está formando sua própria base de poder… e ela é
forte… com ameaças e recompensas.
— Você está certa — Jasmine resmungou. — Esta não é mais uma
resistência de roubo e diversão. Não podemos esperar pacientemente
ganhar o coração e a mente de todos de Agrabah. Precisamos fazer
mais.
— Precisamos atacar Jafar diretamente e retomar Agrabah.
Declarando guerra

por um breve momento: o sol


acabava de baixar no horizonte. A lua o seguiu não muito longe,
lentamente mandando o dia embora. Era um laranja estranho e
crescente naquela noite, as pontas viradas diretamente para baixo
como um búfalo se preparando para atacar. Os antigos chamavam isso
de lua seca e diziam que previam tempos ruins.
Como se o toque de recolher, a patrulha e as marcas de lealdade não
fossem ruins o suficiente, Aladdin pensou com cinismo.
Mas a lua também estava linda com as estrelas começando a
aparecer à sua volta, as palmeiras abaixo balançando ao vento quente.
Pelo menos foi isso que ele disse a si mesmo e a Abu.
Aquele roubo seria mais complicado exatamente por ser ao anoitecer.
A Patrulha da Paz começava a sair, então as ruas estavam vazias. Não
havia como usar a tática de “dar água para os camelos” ou a desculpa
de “comerciantes bravos discutindo” ou a estratégia de “bando de
cabras rebeldes” para distrair os cocheiros da caravana.
A técnica da “criança machucada” teria que funcionar: uma garota
deitada na rua, reclamando de dor e segurando a perna. Em alguns
pontos, isso era na verdade melhor no começo da noite, porque ela
teria mais motivo para estar aterrorizada, sem querer ser deixada
sozinha para ser encontrada pela patrulha.
Aquela era a grande caravana — vinda de Carcossa. Nela, era quase
certeza de que encontrariam Al Azif. Manter aquilo longe das mãos de
Jafar era essencial na guerra que eles planejavam promover contra o
feiticeiro a fim de retomar a cidade. Assim que ele o pegasse e
começasse a convocar os mortos-vivos, as circunstâncias ficariam bem
mais difíceis.
E, além da óbvia vantagem de privar Jafar de uma arma com que ele
estava contando, uma vitória contra o “todo-poderoso feiticeiro” seria
enorme para a moral. Seria um sinal para o resto de Agrabah de que os
bonzinhos poderiam vencer — em troca, levaria ainda mais gente para
o lado deles. Jafar começaria a se sentir vulnerável. Depois seria
apenas uma questão de tempo para eles conseguirem derrotá-lo por
completo.
Aladdin aguardava em um telhado, observando as carruagens que
apareceram no horizonte ficarem cada vez maiores. O vento quente e
seco chicoteava seu rosto, trazendo consigo o aroma residual de areia
do deserto. Ele queria que Jasmine estivesse ao seu lado — apenas os
dois, compartilhando um momento silencioso juntos em um telhado.
Como era para acontecer originalmente, algumas luas antes, quando
ela era apenas uma riquinha disfarçada de pobre e ele nem mesmo
sabia seu nome.
Ele suspirou, batendo os pés descalços e secos contra o telhado de
barro ressecado. Algum dia, haveria tempo. Quando tudo aquilo
acabasse. Quando Jafar fosse derrubado, a cidade fosse deles e
Jasmine fosse sultana… instituindo suas reformas… claro que haveria
bastante tempo para passear por telhados.
Naquele instante, ela estava de volta ao esconderijo, trabalhando em
planos para atacar o palácio. Amur tinha levado o líder dos alquimistas
para conversar sobre explosivos. Morgiana organizara a chegada
repentina de novos recrutas, dividindo-os em tropas de verdade. Duban
estava no comando das táticas, junto a um cara novo chamado Sohrab,
que havia desertado a guarda real. Maruf cuidava do fluxo de
suprimentos ao exército principiante e continuava a generosidade às
famílias que apoiavam a resistência.
Aladdin estava encarregado de causar problemas, claro. Era por isso
que liderava o ataque daquela noite.
As carruagens pararam de se mover logo que entraram nos portões
da cidade.
Uma garota deitada no chão gritava para eles a ajudarem.
— Por favor, Estimado Efêndi! Me leve… para qualquer lugar. Mesmo
que seja alguns quarteirões daqui até a primeira casa vazia que você
vir! Então posso buscar refúgio na noite e junto à Patrulha da Paz!
Essa era a deixa de Aladdin.
Ele saltou e aterrissou com leveza, dispondo de Abu ao seu lado. Os
cocheiros — embora estranhamente parecendo deformados e com
olhos vazios — estavam, como previsto, mais irritados com a
interrupção de sua rotina do que preocupados com a segurança da
garotinha. Desceram para movê-la apenas para o lado sem se
preocuparem com o destino dela com a patrulha.
Então, Aladdin não se sentiu tão mal quando Morgiana e Duban
saíram das sombras atrás dos cocheiros, golpeando-os atrás da cabeça
com madeira coberta com couro. O plano era amarrá-los em algum
lugar depois de tirar todo tipo de insígnia estranha da roupa deles —
como se tivessem sido magicamente vencidos por um feiticeiro rival.
Por mais que Aladdin não gostasse de quem trabalhava para Jafar, não
queria vê-los perderem a vida porque tinham falhado com seu mestre.
Ratos de Rua se destacaram no cenário, levantaram os guardas e
desapareceram de novo. Gentilmente, Aladdin pegou as rédeas do
camelo líder, sussurrando e estalando a língua. Um pouco irritados pela
reviravolta nos acontecimentos, os animais de imediato seguiram seu
novo mestre humano. Ele provavelmente, como todos os humanos, iria
lhes dar água e comida. Abu subiu nas costas de um e guinchou como
se liderasse a caravana sozinho.
Aladdin os levou de volta para fora do portão e contornou o muro
externo. Se o silêncio reinava em Agrabah naquelas noites, os
arredores do deserto estavam em um silêncio mortal. Os insetos,
pequenos lagartos e animais que em geral andavam pelas horas
escuras estavam parados. O único barulho vinha do vento sussurrando
pelo gramado seco.
Aladdin se viu estremecendo apesar do calor e ficou aliviado quando
chegou a uma fenda no muro onde havia uma multidão de Ratos de
Rua esperando, em silêncio, para descarregar todos os livros e
artefatos de uma vez só em uma longa corrente humana. Ele deu um
tapinha no pescoço do camelo líder.
— Vamos dar água para vocês em um instante — prometeu antes de
ir para trás da carruagem e abrir os panos.
Havia cestos, urnas e até barris no estilo ocidental selados
firmemente na ponta. Alguém entregou um gancho de construção com
ponta de metal para Aladdin e ele começou de imediato a bisbilhotar a
tampa do primeiro cesto.
Estava cheio de antigas…
… pedras?
Ele encarou as pedras bege e cinza do deserto, robustas e gastas.
Todas estavam amontoadas como se uma criança enorme tivesse
conseguido um punhado de seixos e os guardado, fingindo que eram
pedras preciosas.
Ele abriu outro cesto. Mais rochas.
Abaixou a ferramenta em uma ânfora de barro, quebrando a tampa.
Em vez de água-benta ou poções mágicas — até vinho ou cerveja —,
caiu areia em um fluxo fino que em certo tom de deboche reproduzia a
coisa que substituía.
Aladdin encarou por apenas um instante e depois reagiu.
— Saiam!
Ele girou e espantou os menores Ratos de Rua diante de si, tentando
fazê-los se movimentar mais rápido.
— É uma armadilha! Saiam! Corram! Escondam-se!
Uma risada maligna soou em volta dele. Cresceu como uma
tempestade de poeira: do deserto, dos muros da cidade, das ruas, do
próprio ar.
— Achou mesmo que suas traições não seriam notadas por mim?
Aladdin tentou não prestar atenção à voz de Jafar enquanto se
concentrava em tirar as crianças dali. Colocou duas delas sobre um
camelo e bateu em seu flanco, fazendo-o gritar irritado e galopar pela
cidade.
— Eu. O sultão desta cidade e o maior feiticeiro do mundo. Pensou
que conseguiria se esconder de mim?
Duban e Morgiana tinham abandonado o plano original: quando
ouviram a voz, simplesmente deixaram os guardas inconscientes e
correram para encontrar Aladdin. Ajudando-o a espalhar e espantar o
resto dos Ratos de Rua.
— Precisamos alertar Jasmine — disse Aladdin quando o último
ladrãozinho saiu correndo. — Ela voltou para o esconderijo?
Em uma resposta silenciosa, a própria Jasmine saiu das sombras,
parecendo um pouco culpada.
Aladdin jogou os braços em volta dela e a apertou tão forte que até
temeu quebrá-la. Beijou-a bem forte.
— E eu estava pensando que você ficaria bravo por eu ter vindo ver
um de seus roubos — ela anunciou com um sorriso arrependido.
— Só estou feliz que está segura comigo.
— Mas tem outras pessoas no esconderijo — Jasmine disse. —
Maruf, Shirin, Ahmed e todo mundo que não está aqui. Deveríamos
voltar…
— Ninguém entregou a localização do esconderijo ainda — Morgiana
disse incerta.
— Vocês, Ratos de Rua, realmente pensaram que conseguiriam
conversar com o gênio, bem debaixo do meu nariz, como aconteceu? O
gênio que eu controlo? Oh, é, Fasmine. Eu o flagrei voltando de seu
encontrinho. Ele não queria me contar nada… não sem eu desistir do
meu último desejo por isso, claro. Precisei de um tempo para convencê-
lo. Muito mais tempo, e com muito mais tortura, do que eu esperava.
Jasmine ficou pálida. Aladdin colocou o braço em sua cintura quando
ela vacilou, tonta com o choque.
— Mas, no fim, ele me contou tudo sobre seu planinho. E com a
ajuda de alguns dos meus Marcados, soube a localização de sua… e
eu uso esse termo dissolutamente… “sede”. Meus batedores já
retornaram de Carcossa. Al Azif já está em minha posse. Isso foi
apenas para atraí-la… deixando seu esconderijo totalmente
desprotegido.
— Meu pai… — Duban disse com os olhos arregalados. — As
crianças…
— Precisamos voltar — Morgiana disse sombriamente.
Aladdin concordou. Era provável que fosse uma armadilha, mas que
escolha eles tinham? Não podiam deixar Maruf e as crianças morrerem.
Os quatro começaram a correr.
A voz de Jafar os seguiu, zombando.
— Vocês ainda não entenderam, Ratinhos. O verdadeiro poder não é
a vontade do povo. Não é a força bruta, ou truque, discrição ou
planejamento. Tudo isso… tudo isso… pode ser superado com magia.
Seu povo de Agrabah entendeu. A magia lhes trouxe ouro, pão, polícia,
paz e prosperidade. A magia traz dor e obediência. A magia é o único
jeito de mudar um sistema falho e corrupto. A magia é o único poder
verdadeiro no mundo. E vocês não têm nada disso.
Aladdin achava que nunca tinha corrido tão rápido. Morgiana, mais
leve e mais veloz do que ele, correu na frente como uma gazela. Então
veio Jasmine. Duban ficou para trás, e por mais que bufasse e ficasse
sem fôlego, o ladrão veterano não enfraquecia nem diminuía o ritmo.
— . Contemplem aqueles que dificultariam a vida
para vocês. Eles correm como ratos que se chamam e escapam pelas
partes sujas e doentes de sua amada cidade. Se querem ver Agrabah
em paz e próspera, imploro que entreguem esses vilões malvados que
estão tentando separá-la.
Quando os amigos enfim chegaram perto do bairro, um cheiro
estranho permeou o ar. Não vinha e depois sumia, como quando
passavam por um monte de lixo ou algum esgoto aberto. Ficava
conforme eles corriam… e era cada vez mais forte quanto mais se
aproximavam do esconderijo. O fedor era terrível, como carne podre,
lixo e corpos em decomposição, tudo misturado no calor do sol.
Aladdin balançou a cabeça e tentou focar em correr. Os quatro
precisaram desviar com agilidade para a esquerda a fim de evitar bater
na Patrulha da Paz logo à frente. A patrulha se virou para persegui-los
— mas no mesmo ritmo sinistro, constante e lento que andavam pelo
resto da cidade.
Aladdin e Jasmine entraram primeiro cambaleando na porta secreta
do esconderijo, deslizando para a sala principal. O cheiro horrível ficou
mais forte ali, quase mais poderoso do que nos bairros próximos.
Jasmine apertou o nariz e correu para sua sala de guerra. Aladdin
colocou o colete no rosto e a seguiu.
O mapa de Agrabah tinha sumido.
Havia sido totalmente apagado do chão. Os prédios de pedrinhas
estavam espalhados pelo cômodo como se uma ventania tivesse levado
tudo. A Marca de Rajah na parede foi ameaçadoramente borrada, como
se alguém tivesse tentado apagá-la.
Aladdin franziu o cenho — ou alguém da equipe de Jafar tinha ido lá
ou os Ratos de Rua haviam tentado destruir tudo para não deixar que
ninguém visse os planos deles. Era impossível dizer.
Morgiana e Duban entraram no esconderijo por outras passagens
secretas e correram pelos cômodos até o fim e se encontraram com
Aladdin e Jasmine.
— Está vazio — Duban anunciou, tentando não respirar.
— Todo mundo “chá zaiu”? — Jasmine sugeriu em dúvida através do
nariz apertado.
— Que cheiro é esse? — Morgiana perguntou, arfando.
Aladdin não fazia ideia. Mas não gostava das novidades que estavam
aparecendo. Alguma coisa estava errada sobre o lugar todo.
E a voz de Jafar ainda ecoava pelas paredes.
— Creio que… até termos suprimido esse grupo terrorista, vou
precisar ficar de olho em todo mundo. Tentei por bem, mas agora será
por mal. E, só no caso de vocês se perguntarem o quanto estou falando
sério sobre sua segurança, por favor, venham até os portões do palácio
e vejam o que sobrou dos simpatizantes a Ratos de Rua que pegamos.
Jasmine ficou branca. Duban parecia enjoado. Morgiana cuspiu de
raiva. Aladdin pensou no quanto era ruim — como se conseguisse
imaginar o que era pior do que Jafar já tinha realmente feito.
— Deveríamos “zair dagui” — Aladdin disse, sufocando com o fedor.
Eles nem tentaram ser discretos com o nariz e os movimentos; os
caras maus já sabiam onde eles estavam. Os quatro amigos saíram
correndo da entrada armados com seus punhais, prontos para um
ataque.
No fim da rua, guardas do palácio seguiam na direção deles,
erguendo-se no ar.
— O que… — Duban disse, esfregando os olhos.
— Será que é mais um truque de Jafar? — Morgiana perguntou.
Os guardas estranhamente flutuaram sobre os prédios, com as mãos
prontas sobre as espadas.
Sem nem parecer tentar, organizaram-se em formação militar, dois
por três. O uniforme deles era um pouco diferente do resto dos guardas
de vermelho e preto; cada um usava algemas grossas e coloridas na
beirada da manga; as algemas eram estranhamente estampadas para
um grupo militar.
— Oh, não — Aladdin disse horrorizado, reconhecendo o desenho.
— É o tapete mágico — Jasmine sussurrou.
— Jafar deve tê-lo… cortado. — Aladdin se sentiu mal e
envergonhado. Apesar de o tapete ser apenas aquilo… um tapete, com
magia capaz de voar e ter uma compreensão rudimentar do mundo à
sua volta… Aladdin sentia que tinha traído um amigo.
Posicionado em seu ombro, Abu chiou em solidariedade.
De novo Jafar se apossara de algo misterioso e lindo, destruindo-o e
distorcendo-o para seus próprios objetivos. Ele profanava tudo em que
tocava.
E os guardas fediam. Eram a fonte do cheiro horrível. O que Jafar
estava fazendo agora… proibindo banhos?
Jasmine apontou para o capitão dos soldados voadores. Ele era
enorme e se movimentava em silêncio ao liderar.
— Ra-Razoul — ela gaguejou, desacreditando. — Ele estava morto.
Ele morreu naquele dia…
Aladdin conteve um grito.
Era Razoul liderando o grupo. Seus olhos eram vermelhos. Um
vermelho-escuro mortal que, de alguma forma, os fazia parecer
menores e infinitamente mais profundos do que deveriam ser. Sua pele
era branca, como um verme, unhas velhas cortadas ou a gordura de
uma ovelha abatida há muito tempo. Seus braços e pernas ficavam
para baixo, sem se mover, na lateral do corpo.
— Ele… reviveu dos mortos — Morgiana disse. Pela primeira vez,
talvez, Aladdin ouviu o medo através da voz dela.
Aladdin nunca quis matar Razoul. E o guarda com certeza não
merecia aquilo. Ser transformado em um morto-vivo. Será que ele
sentia dor? Será que tinha controle de suas ações? Só desejava ficar
em paz? Estava com raiva dos vivos?
O que quer que acontecesse agora era, de certa forma, culpa de
Aladdin.
Ele endireitou os ombros e esqueceu a náusea. Lidaria com a culpa
depois. Erros que compensaria mais tarde. Naquele momento,
precisavam sobreviver.
Os quatro Ratos de Rua assistiram conforme, ao longe, cada vez
mais esquadrões de soldados voadores lentos se amontoavam sobre a
cidade.
— Como eu disse, aquele gênio tolo realmente não sabe de tudo.
Agora quebrei por completo uma das três regras da magia e aprendi
como se traz de volta os mortos. Permanentemente. Sob meu controle.
Toda vez que um dos meus cair, ele será substituído. Toda vez que um
de seus cair, ele complementará meu exército. A morte é minha amiga
na guerra por Agrabah.
Morgiana murmurou algo em sua língua materna.
— Ratos de Rua. Fasmine. — A voz de Jafar se tornou menos
dolorosa e mais profissional. — Mesmo que você consiga se esconder
de meu exército, ainda faria bem em se entregar ao amanhecer.
— Nunca! — Jasmine gritou para o céu. — Nós preferiríamos…
Mas Aladdin encostou em seu braço e apontou.
Um rodamoinho enorme de areia se ergueu do deserto como um
tornado. Diferente de um tornado, era enorme e com plumas nas
pontas. A areia dançava em volta com o vento em movimentos não
naturais. De repente, formou uma imagem:
Uma ampulheta de vidro gigante, com areia caindo devagar através
dela. No fundo estavam Maruf, Shirin e Ahmed, desesperada e
silenciosamente batendo no vidro. Tentando sair.
Duban fez um barulho com a garganta, um grito estrangulado.
— Ao amanhecer, essa familiazinha de Ratos de Rua estará morta.
Acho que não é uma grande perda. Mas, se vocês realmente se
importam com alguém além de si mesmos, vão se entregar antes da
primeira luz do dia.
E, então, sem uma palavra, barulho ou eco, a voz de Jafar sumiu. A
areia que formou a imagem no céu caiu como chuva.
— Ele nos derrotou sem empunhar uma única espada — Morgiana
concluiu com tristeza. — Duban, vamos nos entregar. Não podemos
deixá-los morrer assim.
— E depois? — Aladdin perguntou, virando-se para ela. — Acha
mesmo que isso vai mudar alguma coisa? Acha que ele vai apenas
soltá-los, como prometeu? E, se ele o fizer, esquecendo por um instante
o que faria conosco depois… estou pensando em uma rápida execução
e então mais quatro mortos-vivos para seu exército… o que acontecerá
com Agrabah? O que vai acontecer com todo mundo? Não haverá
ninguém mais para lutar contra ele. A cidade será dele, um parquinho
gigante para fazer experimentos. E, depois disso, quem sabe? E o
mundo?
— Não me importo com o mundo — Duban interrompeu. — Tudo que
me importa são meu pai, minha sobrinha e meu sobrinho.
Jasmine fez menção de se pronunciar. Duban ergueu a mão.
— Mas você tem razão. Jafar não tem motivo para soltá-los. Ele
detém todas as cartas. E, se eles sobreviverem, eu não iria querer que
vivessem no tipo de mundo que ele está construindo.
— Mas o que faremos? — Morgiana perguntou.
— O que deveríamos ter feito desde o começo — Aladdin disse. —
Pegar a lâmpada. Salvar a família. Fazer o gênio desfazer tudo isto,
então todo mundo vai viver feliz para sempre.
— Oh, só isso? — Morgiana revirou os olhos.
— Não escutou o que ele disse? — Jasmine perguntou, endurecendo
os olhos conforme pensava a respeito. — Ele não nos chamou de
traidores, revolucionários ou rebeldes. Ele disse “A morte é minha
amiga na guerra por Agrabah”. Ele pensa que é uma luta justa. Pensa
que estamos em guerra. Como iguais.
— Bom, se é guerra que ele quer… vamos lhe dar uma!
Solidariedades e estratégias

ruas de Agrabah em silêncio. Qualquer


entusiasmo inicial que sentiram por declarar guerra a Jafar se esvaiu
quando a realidade recaiu sobre eles. Não houve sequer um sinal da
presença do feiticeiro na cidade conforme andavam; agora ele estava
em silêncio, sua voz guardada de volta no palácio enquanto esperava
uma decisão. Havia algo estragando o clímax.
A própria Agrabah estava cheia de energia tensa e estranha; embora
no momento estivesse totalmente à noite e a Patrulha da Paz ativa, as
pessoas conversavam atrás de portas fechadas — ou às vezes abriam
um pouco para trocar opiniões com um vizinho do outro lado, também
com a porta entreaberta.
Mas ninguém conseguia evitar notar os corpos que apareciam de vez
em quando jogados nas ruelas, deixados ali como um alerta.
Morgiana estava segurando a mão de Duban, apertando e
murmurando palavras de solidariedade e apoio, porém ele não parecia
notar. Limitava-se a encarar a terra ou seus próprios pés enquanto
caminhava de maneira pesarosa.
Quando estavam de volta ao esconderijo de Aladdin com a porta
seguramente fechada, Morgiana foi a primeira a falar.
— Sequestrar crianças? — ela disse estupefata. — E idosos? Digo…
você é o feiticeiro mais poderoso do mundo. Só… por quê?
— “A magia é apenas tão grande quanto a mente que a controla” —
Jasmine disse, citando um trecho que lera em algum lugar. Ela pensou
na história do gênio que envolvia um antigo mestre que queria um grupo
maior de cabras. Um homem feliz que era bem feliz com a vida que já
tinha. — Jafar é ainda mais doente do que eu pensava.
Em silêncio, Duban se jogou no chão e cobriu o rosto com as mãos.
— Eu sinto muito — Aladdin disse, ajoelhando-se e colocando o
braço em volta dos ombros do amigo. Duban olhou para cima e deu um
sorriso fraco de agradecimento, mas não fitou Aladdin nos olhos. —
Vamos salvá-los, eu juro.
— E sinto muito por não acreditar totalmente em você, Jasmine —
Morgiana adicionou. — Pensei mesmo que a conversa toda sobre o
exército de mortos-vivos fosse só… não sei… um pouco…
— Pensou que eu exageraria para conseguir sua ajuda? — Jasmine
perguntou, mas não de um jeito grosseiro.
— Bom, vai… é como uma história que alguma avó contaria. Mas
aqueles… mortos-vivos… no céu… o próprio Razoul… — A ladra
estremeceu.
— Precisamos pensar em um plano, uma estratégia de guerra —
Jasmine disse, batendo um punho no outro. — Precisamos organizar…
Duban finalmente falou com a voz um pouco mais amarga:
— Está tudo muito bom declarando guerra a Jafar. Mas o que
podemos de fato fazer? Somos ladrões, Jasmine. Não soldados. Você
precisaria do maior exército que Agrabah já vira para invadir o palácio e
resgatar minha família.
Aladdin ficou preocupado com o tom desolado na voz do amigo. Não
havia luz nos olhos de Duban, nenhuma esperança.
— Mas foi isso que você e Morgiana me deram — Jasmine disse. —
Um exército de Ratos de Rua.
— Eles não têm espadas! Se tivessem, não saberiam como usar. A
maioria é apenas criança.
Morgiana se colocou entre os dois. Estava de costas para Duban,
mas era mais como se ela o estivesse protegendo do que ignorando.
— Nós temos um exército — ela disse. — Mas é um exército capaz
de se mover em silêncio, abrindo fechaduras, roubando coisas.
Poderíamos, provavelmente, tirar cada livro mágico do palácio bem
debaixo do nariz de Jafar, mas não sei se isso vai ajudar a esta altura.
— Não sei o que alguém pode fazer contra aquele monstro agora —
Duban murmurou. — Ele é a própria encarnação do mal, poderoso e
sem limite.
— Nós vamos salvar sua família — Jasmine prometeu. — Só
precisamos descobrir como. É isso que estamos fazendo agora.
— Não temos muito tempo para pensar nisso — Morgiana disse,
olhando nervosa pela janela para o céu que já estava escurecendo,
mudando do cinza do anoitecer para o azul-escuro do início da noite.
Jasmine e Duban também se viraram a fim de espiar pela janela,
dando uma pausa em sua briga crescente. Duban xingou baixinho.
Jasmine tentava parecer forte, mas não conseguia esconder o receio
nos olhos.
— Esperem — Aladdin disse de repente, quebrando o silêncio. —
Vocês dois estão certos. E estão enxergando isso ao contrário.
Os três olharam confusos para ele.
Ele se levantou com um salto, começando a sorrir.
— Jasmine, você disse que a magia só é tão grande quanto a mente
que a controla. Nós já vimos que Jafar não está pensando como um
homem totalmente são… porque a persegue e pega crianças para
serem reféns. Então precisamos nos perguntar isto: o que Fafar espera
que façamos?
— Ir para a guerra contra ele — Morgiana respondeu, um pouco
irritada. — Você escutou, Aladdin. Nós todos ouvimos. E estamos
planejando ir. Mas precisamos de mais tempo. Se tentássemos agora…
— Seríamos terríveis, como Duban disse. Mas orgulhosos e cheios
de energia — ele complementou com rapidez, antes que Jasmine
pudesse interromper. — Agora, no que realmente somos bons?
— Em roubar coisas — Morgiana respondeu. — Aladdin, você é
idiota? Não estava escutando? O que isso…
— Então — Aladdin continuou, colocando um dedo na boca dela para
fazê-la se calar —, nós iremos à guerra contra Jafar… guerra grande,
óbvia, feia… enquanto alguns de nós roubam Maruf, Shirin e Ahmed. E
a lâmpada. E o livro. E qualquer coisa que parecer útil. Bem debaixo do
nariz dele.
Todos ficaram quietos por um instante.
Os olhos de Jasmine foram de confusos para resolutos ao passo que
assimilava o plano dele. Um sorriso começou a se formar nos cantos de
seus lábios.
Até Morgiana pareceu impressionada.
— Não é tão ruim — ela disse a contragosto. — A guerra é uma tática
bem espetacular e divertida. Não há como ele ignorá-la. Adicione
alguns incêndios cuidadosamente…
— Talvez um no próprio palácio — Duban disse, incapaz de se conter.
Roubos estratégicos e complicados eram sua especialidade. — Para
aumentar a confusão.
— Brilhante! — Jasmine elogiou, unindo as mãos. — Pode funcionar!
— Mas e o próprio Jafar e seus olhos brilhantes? — Morgiana
perguntou. — Vamos ficar cara a cara com ele em algum momento. Não
consigo imaginá-lo mantendo aquela lâmpada ou o livro fora de
alcance, muito menos longe de sua vista. O que faremos para nos
preparar para isso?
— Toda sua magia física, magia ofensiva, parece demandar tempo e
concentração — Aladdin disse, refletindo no que aconteceu na praça do
Marinheiro. — Aposto que em combate ao vivo ele terá uma certa
desvantagem.
— Está apostando sua vida nisso — Morgiana disse maliciosamente.
— E o fato de ele saber informações sobre nós e nossos planos? Antes
de tudo? Será que feiticeiros conseguem fazer esse tipo de coisa?
— O futuro é um reino… indisponível para ele — Jasmine disse
inquieta. — A única época em que ele conseguiu prever algo envolvia
magia sangrenta e complicada… e o sacrifício do mais querido para ele.
— De quem Jafar era próximo? — Aladdin não se conteve em
perguntar. — Ele não amava ninguém.
— Oh, pelo amor — Morgiana disse, de repente entendendo. — O
papagaio. Seu papagaio idiota. É por isso que todas suas moedas e
bandeiras e tudo têm a cara dele. Era uma das coisas de que ele mais
gostava. Que maluco completo.
Aladdin ficou arrepiado. Antes de Jasmine, Abu com certeza era o
mais próximo dele… ele quase conseguia ver isso da perspectiva
distorcida de Jafar. Diferente de Jafar, no entanto, nada no mundo o
faria matar Abu.
— Vamos voltar ao plano — ele disse rapidamente. — Então, se
acontecer o combate direto contra o feiticeiro, será feio, e vamos tentar
evitar isso. O plano é distrair Jafar, suas tropas de mortos-vivos e
aqueles ainda leais a ele com um ataque direto no próprio palácio,
enquanto os melhores ladrões…
— Nós três — Morgiana interrompeu.
— Quatro — Jasmine a corrigiu.
— Três. Você não é ladra — Aladdin argumentou. — Vamos entrar
pelos fundos. Cada um de nós terá uma tarefa… eu vou pegar a
lâmpada.
— Eu pego o livro. Você liberta Maruf e as crianças? — Morgiana
perguntou a Duban.
A expressão dele estava indecifrável.
— Acho que deveríamos trocar — ele disse devagar. — Eu… pego o
livro. Você liberta minha família.
— Por quê? — Morgiana perguntou confusa. — Não quer ser quem
os salva?
— Eu… eu não pensarei com clareza — Duban confessou, então
cerrou e soltou os punhos, nervoso. — É uma tática ruim. Eu seria uma
deficiência para a equipe, colocando minha família à frente do resto de
nossos objetivos. Além disso, confio em você.
Morgiana lhe deu um sorriso engraçado: era surpreso, doce e talvez a
revelação de algo mais profundo.
Duban não lhe ofereceu bem um sorriso de volta, mas sua expressão
se iluminou um pouco.
— Tudo bem, parece que é o começo de uma estratégia — Jasmine
disse. — Mas, embora eu não seja uma ladra, eu poderia… ser útil
distraindo Jafar ou algo assim…
— Jasmine — Aladdin disse, colocando as mãos em seus ombros. —
Estou tentando te manter fora de perigo porque me importo com você?
Absolutamente. Mas sua tarefa também é tão importante quanto a
nossa. Você é o rosto da revolta. As pessoas… seus líderes, seu
exército, seu povo, todos precisam te ver. Precisam saber que é você
quem está lhes dizendo o que fazer. Você tem que ficar aqui e organizar
o ataque ao palácio. Quem mais vai fazer isso?
Jasmine não disse nada. Suas mãos se agitaram por um instante.
— Você… está certo. Este é meu primeiro trabalho como sultana. Eu
só… fico preocupada com vocês. E eu vivi no palácio. E lidei com Jafar.
Quero estar lá e me certificar de que todos fiquem bem. Só sinto que
poderia ter um papel maior…
Morgiana sorriu, parecia que ela quase tocaria Jasmine, apertaria seu
ombro ou algo assim.
— Ficaremos bem, Jasmine. Temos que ficar.
Ela teria dito outras coisas, mas Aladdin percebera que, mais uma
vez, uma sombra se instalara no rosto de Duban. Ele tinha ido até o
terraço quebrado e olhava o céu e o palácio.
— Nós vamos resgatá-los — Aladdin disse baixo, seguindo o velho
amigo.
— Claro, Aladdin — Duban retrucou, não de forma sarcástica ou
protetora, mas, ainda assim, havia algo não tão sincero em seu tom de
voz.
— Duban…
O ladrão balançou a cabeça.
— Pensei que Shirin e Ahmed ficariam a salvo quando o pai deles
sumisse. Pensei que eles estariam a salvo, se tivessem fome, com meu
pai. Pensei que estariam mais em segurança rodeados por ladrões e…
tigres… — Duban de repente se virou à procura de fitar o amigo, os
olhos arregalados e à procura. — Precisamos acabar com isso. Esta
insanidade que se apossou de Agrabah. Temos que acabar com isso
agora. De qualquer jeito.
— É, Duban. Eu concordo — Aladdin disse devagar. Havia algo… de
errado sobre o Rato de Rua normalmente mais tranquilo. — É isso que
vamos fazer. Resgatar sua família e derrotar Jafar.
Jasmine e Morgiana tinham terminado de conversar e estavam
quietas aguardando Aladdin e Duban. Jasmine ergueu uma sobrancelha
para Aladdin. Aladdin deu de ombros… o que ele poderia dizer? O
sobrinho, a sobrinha e o pai do rapaz eram reféns de um louco que
jurou matá-los.
Jasmine anunciou em voz alta:
— Certo, vamos revisar o plano mais uma vez entre nós. Morgiana
teve algumas ideias brilhantes que deveríamos discutir. Então vamos
chamar vários líderes de facção com quem podemos contar e formar
um conselho de guerra. Rápido.
— Mas não aqui — Morgiana disse. — E não em nossa antiga sede.
— O depósito de pão — Aladdin sugeriu. — O… depósito de baguete
— ele complementou com um sorriso esperançoso para Duban.
Mas seu amigo não reagiu, apenas olhou para a cidade e colocou a
mão em seu punhal.
O plano

de um velho depósito de pão, desafiando o toque de


recolher, cidadãos de todo tipo esperavam ordens. Eles perambulavam
ansiosos, prestando atenção à Patrulha da Paz. Falavam com voz
baixa, afiavam suas facas e preparavam suas tochas.
Dentro do depósito, Duban, Morgiana, Jasmine e Aladdin estavam em
pé ao lado de uma mesa gigante e retorcida, onde lamparinas fracas
mal iluminavam o mapa apressadamente desenhado de Agrabah.
Do outro lado da mesa, havia os capitães de fato do exército Rato de
Rua.
Alguns rostos eram antigos e bem conhecidos, mas muitos eram
novos. Muitos nem eram originalmente Ratos de Rua. Representando
os joalheiros e outras associações de elite, estava Amur. Eles
forneceram à resistência lindas — porém mortais — armas, como
punhais incrustados de pedras preciosas. Representando os guardas,
soldados e ex-militares descontentes, estava o general Sohrab. Falando
pelas diferentes faculdades religiosas, estava Khosrow, que trazia
sabedoria, inteligência extraordinária e centenas de acólitos furiosos por
seus estudos terem sido suspensos. Representando os alquimistas,
estava a cheia de cicatrizes e de um olho só, Kimiya, que, apesar de
sua aparência assustadora, cumprimentava a todos com um sorriso
amigável e assimétrico. Ela trazia os incendiários.
Uma quantidade surpreendente de pessoas foi representando
ninguém além de si mesmos — homens bravos e mulheres irritadas
com o que Jafar fizera com a cidade deles. Levavam o que tinham:
armas, comida, punhos.
Era a multidão mais diversificada que Aladdin já tinha visto, sem
contar o mercado em uma data festiva.
— O plano básico é bem simples — Jasmine disse. — Aladdin e
alguns ladrões escolhidos a dedo vão entrar no palácio… não pelos
fundos, como Jafar pode esperar, mas pela lateral, aqui, onde é mais
fácil acessar o Pátio da Princesa. — Ela indicou o palácio com a ponta
de um galho. — Faria sentido Jafar guardar a lâmpada do gênio…
assim como o gênio e os outros prisioneiros… em seu calabouço
secreto, aqui. — Ela indicou o lugar do qual Aladdin “fugiu” para outra
armadilha. — Sem dúvida, agora esse lugar está trancado e cheio de
armadilhas, como a sala de tesouro do próprio diabo. De qualquer
maneira, não achamos que a lâmpada estará lá… a imagem da areia no
céu ontem tinha alguns detalhes não intencionais, como a ponta de um
painel de tapete que eu sei que fica pendurado na sala do trono. O que
faz sentido… Jafar provavelmente quer manter o gênio, a lâmpada,
Maruf e as crianças bem próximos a ele. E Fafar gosta de se manter
bem perto da sala do trono. É importante para ele que pareça um
sultão, e ele se senta no trono quando pode.
— Eles soltam Maruf e as crianças, pegam o livro, a lâmpada e
libertam o gênio. Então, nós destronamos Jafar ao desejar que seus
poderes desapareçam.
— Então é isso — um ladrão adolescente disse em tom sarcástico. —
Vocês só vão marchar até o palácio por uma cidade cheia de mortos-
vivos, invadir a sala mais protegida e roubar algo debaixo do nariz do
feiticeiro.
— Esse é o plano básico — Jasmine disse paciente. — Vocês vão
nos ajudar com a outra parte. De acordo com o que ele disse ontem,
Jafar espera que façamos algum tipo de guerra… provavelmente um
ataque frontal direto ao próprio palácio. Então vamos lhe dar isso,
usando o cerco para distraí-lo enquanto os ladrões fazem o que têm
que fazer.
Houve cabeças concordando e murmúrios aceitando a astúcia do
plano.
— Mas o feiticeiro é muito poderoso! Ele consegue fazer cair pão e
ouro do céu! — Hazan, o pequeno Rato de Rua, insistiu preocupado.
— Não! — Aladdin discordou com um sorriso. — Só o gênio
consegue fazer isso. Se algum de vocês estivesse em um dos desfiles
ou banquetes, notariam que o gênio sempre esteve lá, acenando as
mãos atrás de Jafar enquanto Jafar ganhava o crédito por isso. E a
grande questão é: onde o gênio esteve nos últimos dias?
— Torturado — Jasmine respondeu triste. — Preso. Trancado. Fora
de alcance. Porque estava nos ajudando. Então, exceto para o último
desejo de Jafar, acho que não podemos contar com ele.
Aladdin viu as expressões duvidosas em todos da multidão.
— Olhem, admito isto: em uma luta direta, ao vivo, Jafar é um inimigo
poderoso. Mas essa é a minha preocupação. Com exceção disso, ele
não é mais poderoso do que qualquer outro sultão.
— Também não ficou mais esperto ou mais sábio desde que obteve
seus novos poderes nefastos — Amur argumentou. — Ele ainda pensa
como o antigo Jafar, e o antigo Jafar não sabia nada sobre táticas ou
manobras militares. Lembrem-se disso.
— E falando em luta… — Jasmine disse. — Duban?
O ladrão atarracado deu um passo à frente. Qualquer preocupação
opressora que ele tinha por sua família parecia ter sido deixada de lado
enquanto explicava a logística.
— Até onde conseguimos estabelecer, há uns quinhentos entre
Marcados e tropas de mortos-vivos. Muitos dos meros “alistados”
desertaram durante os últimos dias. Aqueles que permaneceram estão
organizados ou nas linhas de batalha de seis ou no bando usual de dez
da Patrulha da Paz. Pode-se presumir que, no mínimo, cem deles
ficarão dentro dos muros do palácio para defesa. Então, sobra uns
quarenta a cinquenta grupos individuais para manter ocupados… e
chamar a atenção de Jafar… enquanto Aladdin, Morgiana e eu
entramos escondidos.
— E os mortos-vivos? — alguém perguntou. — Como devemos lutar
contra quem já está morto?
— Você pode começar permanecendo vivo — Sohrab disse baixinho.
— Evitar adicionar seu corpo aos números de Jafar.
Isso foi recebido por um silêncio preocupante.
— Lembre-se, isto é guerra… mas também uma distração — Jasmine
logo lembrou. — Para derrotar o feiticeiro, precisamos roubar o livro e a
lâmpada dele, não realmente matar todo mundo sob seu comando. Não
se coloquem em perigo desnecessário.
— Quanto a lidar com os mortos-vivos que aparecerem — Khosrow
explicou, com uma expressão triste em seus velhos olhos castanhos —,
a magia que os anima não é tão forte quanto pensam. O corpo, como é
natural, quer permanecer morto. Separe a mente da alma, a psique do
coração, e poderão descansar. Como Alá quis.
— Cortem a cabeça deles — Sohrab traduziu. — Ou cortem a coluna
vertebral no pescoço. Isso dará conta deles.
— Vou dividir todos vocês em tropas menores e atribuir áreas da
cidade e tarefas apropriadas — Duban continuou. — Depois disso,
Sohrab vai assumir totalmente enquanto eu ajudo os outros. Artemis
ficará aqui no comando de distribuir armas.
— Quantos de nós há na última contagem? — Jasmine perguntou.
— Uns trezentos — ele admitiu.
— Não será suficiente — Sohrab disse sombrio. — Vamos precisar
de mais homens.
— Por que estamos falando só de homens?
A mulher que disse isso era baixa, redonda e coberta de pano.
Passou por todos para chegar até a frente. Aladdin ficou surpreso ao
ver a viúva Gulbahar cutucando os vários líderes de facção para o lado.
— Tenho todas as mães, avós, viúvas e tias solteironas de Agrabah
comigo. Você quer nos levar?
— O que as mulheres sabem fazer? — um homem ao lado dela
perguntou de modo depreciativo.
Em resposta, Gulbahar tirou uma concha de madeira e bateu na
lateral da cabeça dele. Ele gritou de dor e caiu para trás.
— Quer mais disso? Lavo tapetes há cinquenta anos e tenho os
braços para provar.
— Mas o que podem fazer contra mortos-vivos, Velha Mãe? — Amur
perguntou, mas não de forma gentil.
— Vou te mostrar — ela respondeu, apertando os lábios. — Tragam-
no.
Muitas mulheres mais velhas passaram com suas túnicas volumosas,
manipulando algo que não dava para ver, e, logo, a viúva segurava os
ombros de um menininho. Ele não tinha mais do que nove anos.
Primeiro, parecia normal, talvez um pouco subnutrido ou doente. Então,
Aladdin viu o brilho vermelho em volta dos olhos e a coloração verde
em sua pele clara.
— Meu Deus — Jasmine disse, colocando a mão na boca. — Ele é…
um morto-vivo!
A multidão arfou quando a viúva virou a cabeça do menino para o
lado de modo que as luzes oscilantes iluminassem sua expressão triste
e monstruosa.
— Pobre garoto — Aladdin murmurou.
Gulbahar falou cuspindo:
— Ele foi morto quando alguns soldados estavam destruindo o
Mercado do Leste à procura de traidores.
— Qualquer pessoa que morre se transforma em morto-vivo —
Khosrow disse, triste.
— Você é a princesa Fasmine — o menino disse, arregalando os
olhos mortos. — Devo levá-la para Fafar. Devo matar os Ratos de Rua.
Lentamente, ele ergueu os braços para atacar.
— Chega de besteira, Jalil — Gulbahar disse imediatamente e de
maneira severa. Ela deu um tapa na cabeça dele. O menino se
encolheu… um pouco… e abaixou os braços. — Quantas vezes eu te
disse para não lutar?
— Desculpe — o menino disse sem emoção.
— Ele… te obedeceu — Jasmine disse devagar. — Sabe quem você
é. Eles se lembram?
A viúva assentiu.
— Todos se lembram. Um pouco.
— Mas como isso nos ajuda? — perguntou o homem cuja cabeça
tinha sido golpeada. Havia um caroço considerável se formando nela.
— Todos eles lá fora são filhos de uma mãe — Gulbahar chiou. —
Uma mãe consegue levar o filho para casa. E, se falhar, ela brigará
como um tigre contra qualquer um que tentar impedi-la.
Aladdin tinha pensado que perder os pais era a pior situação que
poderia acontecer a uma pessoa. Nunca pensou no contrário — quando
os pais perdem os filhos. E, então, ter os filhos de volta, mas não da
mesma forma, nunca da mesma forma…
— Não há força mais poderosa na Terra do que uma mãe temerosa
por seus filhos — Khosrow murmurou.
— Ótimo, agora são pelo menos mais duzentos — Sohrab disse,
amenizando o drama a números: ele tinha mais soldados com que
trabalhar agora e não se importava com gênero ou motivação. Assentiu
a Duban. — Vou conversar com as mulheres depois para acertar os
detalhes.
— Vamos precisar… de uma jaula — Gulbahar disse com delicadeza.
— Os mortos-vivos… ilesos precisam ser impedidos de retornar a Jafar.
Sohrab pareceu duvidoso, mas não discordou.
— Vamos ver o que podemos fazer.
— Tudo bem, de volta aos planos de batalha — Duban disse. —
Rajah pode pegar um grupo ou dois para ele. Pedimos para Navid, o
pastor de cabras, reunir aqueles que são leais a nós e bloquear a área
do Mercado do Oeste…
— E as criaturas voadoras? — alguém perguntou.
— Temos arqueiros, dos melhores, graças a Sanjar e seus
caçadores, e alguns dos guardas desertados do palácio que Sohrab
trouxe consigo. Estarão posicionados aqui, aqui e aqui… e aqui — Ele
apontou certos telhados largos na parte central da cidade.
— E nós também preparamos algumas surpresas para eles — Kimiya
disse alegre. — Alguns lançamentos de nossas bombas incendiárias
carregadas de estilhaços devem acabar com eles. Isso além dos
incêndios e explosões com bombas que vamos organizar em locais e
horários diferentes para parecerem ataques aleatórios… e bem perto
dos muros do palácio para aumentar a confusão.
— E, falando em fogueiras — Jasmine disse, apontando o mapa de
novo —, vamos acender uma no topo da Torre da Lua do próprio Jafar,
aqui no palácio, para distrair ainda mais do roubo de Aladdin. Suspeito
que Jafar será esperto e vai usar suas forças aéreas para contê-lo.
— E como vão saber a hora de fazer isso? Quando quem deve atacar
quem? Quando soltar Rajah? Ou as vovós? — uma jovem alta
perguntou… Era a líder de um dos grupos estudantis.
— Ah, essa também é uma boa pergunta, à qual estávamos
chegando — Morgiana respondeu, avançando com prazer. — Além de
atirar nos mortos-vivos voadores, os arqueiros agirão como nossos
mensageiros. Assim que Duban e eu tivermos dividido vocês em
equipes distintas, vamos ensiná-los o sinal apropriado: quantas flechas
significam o quê.
— Mais alguma pergunta? — Jasmine perguntou.
Houve apenas pés inquietos e só mais alguns ruídos.
— Algum comentário? — ela perguntou um pouco mais gentil. —
Mais alguma coisa? Se alguém tiver algo a dizer, queremos saber
agora.
Amur olhou em volta, depois pigarreou.
— Vamos derrubar Jafar! — ele disse em um grito com a voz
desacostumada.
— ! — a multidão repetiu, muito mais alto.
— Isso pode realmente dar certo — Aladdin disse com um sorriso
esperançoso.
Jasmine colocou um dedo em seus lábios.
— Não provoque o mau agouro.
Uma pausa antes da tempestade de areia

, e Sohrab e Duban e os outros


começaram a dividir o exército em grupos lógicos, Aladdin finalmente
teve um momento para si mesmo. Ele perambulou lá por fora e acabou
parado no topo de um muro caindo aos pedaços, olhando para as luzes
fracas de Agrabah.
Até o palácio parecia mais brilhante do que o normal, como se uma
estranha ajuda extra da noite tivesse tomado a cidade que ele amava.
Esfregou as mãos nos olhos. Seu corpo não estava exatamente
cansado, e ele, com certeza, estava ansioso para fazer algo. Mas
primeiro tinha que se despedir de Jasmine. As semanas haviam
passado de um jeito estranho, e a única coisa de que ele tinha certeza
era o quanto queria estar com ela.
Como se atraída por seus pensamentos — como um desejo realizado
por um gênio —, Jasmine apareceu atrás dele. A princesa pensou que
estivesse silenciosa; para uma ladra, seus passos eram tão altos
quanto um berrante anunciando sua presença. Ela bateu em um pedaço
do muro.
— Entre — Aladdin disse com um sorriso irônico.
— Pensei que fosse te encontrar aqui — ela se justificou, pulando
para se sentar perto dele e admirar a vista.
— Então, princesa… desculpe, sultana Jasmine… veio admirar seu
futuro reino? — ele perguntou com um sorriso.
— É, quero fazer algumas mudanças. Acho que poderia deixar mais
iluminado — ela disse, colocando o dedo no queixo em reflexão. —
Tochas ali, ali e ali. E talvez um tom diferente de branco desta vez. Mais
“casca de ovo” ou “lua”. Menos “areia”.
— Definitivamente menos areia — Aladdin concordou.
Ele colocou o braço em volta dela e a puxou para perto de si.
Jasmine apoiou a cabeça em seu ombro. Eram como dois gatos, ele
pensou. Sentados em uma cerca juntos, observando a lua.
Só que estavam olhando para o palácio. E, naquele palácio, havia
eventos horríveis acontecendo. Aladdin podia sentir o coração da moça
traindo seu semblante calmo e brincalhão: batia tão nervoso quanto o
dele. Ou talvez fosse o coração dele que estava sentindo. Era difícil
dizer.
— Nós temos que salvar Maruf, Ahmed e Shirin — ela murmurou. —
O resto… se falharmos, podemos tentar de novo depois. Mas não
podemos falhar com eles.
— Eu sei — Aladdin respondeu, apertando mais o braço em volta
dela.
— Fico vendo o rosto dele… e de Shirin e de Ahmed na areia… —
Jasmine disse. — Mas…
— Mas o quê? — Aladdin gentilmente a colocou em uma posição
ereta e a virou de modo que o encarasse.
— Vai pensar que o que tenho a dizer é idiota. E esquisito. E egoísta
— ela disse, ruborizando.
— Me diga — Aladdin incentivou baixinho.
Jasmine suspirou.
— Pelo menos… pelo menos eles estão lá juntos. As crianças têm
Maruf para tentar ajudá-las. E Maruf tem a nós para tentar resgatá-los.
Se fosse eu, estaria lá sozinha. Antes de te conhecer… antes de me
juntar a Morgiana, Duban e aos Ratos de Rua… eu era totalmente
sozinha. Antes de fugir, meu melhor amigo era um tigre.
Aladdin deu risada baixinho.
— Antes de te conhecer, meu melhor amigo era um macaco. — Ele
beijou a testa dela. — Formamos uma boa dupla.
Jasmine pegou as mãos dele. Eram maiores que as dela, mas, de
alguma forma, pareciam menores dentro dos dedos dela: cobertas,
quentes e protegidas. Fitou-o com olhos enormes e hesitantes.
— Aladdin — ela sussurrou. — Eu te amo.
Ele começou a abrir a boca. Um mês antes — algumas semanas
antes, teria respondido algo lisonjeiro e tolo para tornar o momento
menos sério.
— E eu te amo, Jasmine — ele disse.
Então virou a palma das mãos e apertou as mãos dela.
— Independentemente do que aconteça… se salvarmos a cidade ou
se ela cair em um buraco na terra e for perdida para sempre… eu
nunca, nunca mudaria um único instante de nosso tempo juntos. Você é
a melhor… a única… coisa boa que aconteceu na minha vida.
Um guincho sonolento, irritado, veio de uma sombra nas pedras.
— Tirando você, Abu — Aladdin disse, sorrindo.
Jasmine também sorriu. Ela se inclinou e o beijou. Os lábios dela o
esquentaram por completo, mais quente do que a noite quente do
deserto. Ele não conseguia mais passar as mãos por seu cabelo grosso
e comprido — agora era sempre na trança apertada que ela usava. Mas
seu pescoço e suas costas eram macios e ele os acariciou com a ponta
dos dedos enquanto estavam abraçados.
Quando se afastaram, Jasmine repousou a cabeça em seu ombro
novamente.
— E agora todos seus amigos são meus amigos também. De
repente, eu tenho amigos.
Aladdin bufou.
— Eles não eram mais meus amigos até você chegar. Você meio que
nos ajudou… a acabar com o desentendimento. Sabe, com todas as
questões supérfluas sobre salvar o reino e alimentar o povo faminto.
Jasmine sorriu.
— É, bom, eu não saberia sobre o povo faminto se não fosse por
vocês. Aposto que tem muito mais em Agrabah que não conheço.
Assim que eu for sultana, vou responsabilizar os Ratos de Rua por me
manterem atualizada.
— Sério?
— Com certeza. Preciso conhecer o povo da minha cidade para
governar adequadamente. E uma das melhores coisas que aconteceu
nisso tudo é a rede de suporte que os Ratos de Rua criaram. Talvez eu
possa usar isso, de alguma forma, em uma escala maior.
Aladdin deu risada.
— Parece uma ótima ideia. E estou certo de que Morgiana e Duban
gostariam de um pouco da ação futura em Agrabah. Mesmo que não
seja ilegal.
— Oh, mal posso esperar para tudo isso começar! — Jasmine disse,
levantando-se impaciente. — Quero saber como tudo vai acabar. Quero
vencer. Quando resgatarmos Maruf e pegarmos a lâmpada e o livro,
tudo vai recomeçar.
— É — Aladdin disse com cautela. Uma das palavras dela se
destacou. — Mas nós vamos queimar o livro, certo?
Jasmine parou de andar de um lado a outro e o encarou:
— Não, Aladdin. Conversamos sobre isso. É um recurso valioso.
Podemos usá-lo para derrotar Jafar.
— Eu não preciso de um livro do mal para derrotar um feiticeiro do
mal. Isso até soa como uma má ideia.
— Você parece uma das pessoas velhas desconfiadas e antimagia —
Jasmine implicou. — Como se tudo o que é proveniente da magia fosse
ruim.
— Podemos falar sobre o gênio por um instante? — Aladdin
perguntou ardentemente. — Ele não parece ser nada do mal. Mas, no
instante em que ele aparece em nosso mundo, seus poderes são
usados para realizar feitos terríveis. Ele não é mau nem sua magia é
maldosa… mas as outras pessoas são.
— Eu não sou Jafar!
— Não, mas você é humana, Jasmine. E se alguém conseguisse te
convencer de que o povo realmente ficaria mais seguro e saudável se
mantivéssemos a Patrulha da Paz? E se uma mãe de luto te implorasse
para trazer o filho morto de volta, mesmo que como morto-vivo? Você
não faria?
Eles estavam bem próximos, olhando nos olhos um do outro. Jasmine
estava com as mãos na cintura. Aladdin mantinha as dele em punhos
cerrados.
Morgiana apareceu abaixo deles. Seus passos foram, de certo,
silenciosos. Ela viu os dois, escutou o silêncio e tossiu nervosa.
— Ãh, detesto interromper os dois… pombinhos? Mas está na hora.
— Já vamos descer — Jasmine disse sem tirar os olhos de Aladdin.
Ele também não se virou.
— Ok… mas apressem-se. Pelas estrelas, parece que já passa das
três. — Assim como chegou, Morgiana saiu na ponta dos pés o mais
rápido que conseguiu.
Aladdin abriu os braços e respirou fundo.
— Sabe de uma coisa? Podemos conversar sobre isso depois de
termos resgatado Maruf, Ahmed e Shirin, roubado a lâmpada, pegado o
livro e derrotado Jafar… e saído vivos.
— Excelente ideia — Jasmine disse. Ela colocou as mãos nas laterais
do rosto dele e o beijou. — Não vamos sair brigados.
— Preferiria nem sair — ele disse, puxando-a para perto de si uma
última vez.
Como nos velhos tempos

, estava sentado em um telhado. Daquela vez,


era em um curtume de couro ao norte do palácio. Ele se perguntou
vagamente se aquela seria a última vez que se sentaria em um telhado.
À sua volta, havia os detritos comuns que alguém encontrava nos
telhados de Agrabah: esteira para secar frutas, varais para pendurar
roupas e tapetes, um pequeno galinheiro, tábuas e escadas que não
tinham lugar para serem guardadas. Também uma cabra, que estava ali
mastigando e não prestava nenhuma atenção aos humanos estranhos
que invadiram seu espaço.
Junto a Aladdin, estavam Morgiana e Duban, os dois “ladrões
escolhidos a dedo”, e Pareesa, cuja especialidade era o incêndio.
Jasmine direcionava o ataque a Agrabah com Sohrab no depósito de
pão. Ela daria o sinal para quando eles deveriam começar. Então,
agora, os quatro estavam apenas sentados ali sob o céu silencioso e
acima da cidade escurecida pelo medo, aguardando.
Enfim, depois de uma rápida olhada para se certificar de que Pareesa
estivesse tentando distrair Duban com um jogo de pedrinha e outro
joguinho de lógica, Morgiana quebrou o silêncio.
— Vocês estavam brigando?
Aladdin respirou fundo. Era engraçado que ele tinha chegado àquele
ponto com Morgiana; primeiro, eles eram próximos, e depois ele se
afastou… e agora… e agora? Era fácil conversar com ela. Quase como
uma velha amiga.
— Temos ideias bem diferentes sobre o que fazer com o livro Al Azif
quando o pegarmos.
— Oh, essa é fácil. Eu o usaria para pedir uma mansão gigante e
centenas de criados. — Morgiana suspirou, balançando as pernas como
uma garotinha.
Aladdin lhe lançou um olhar desafiador.
— Brincadeira! Mais ou menos. Meus sonhos de riquezas foram
arruinados por esse Jafar lunático. Não sei o que faria com ele. Talvez
enterrar no deserto.
De novo, Aladdin pensou na Caverna dos Tesouros, no tesouro
enterrado, na lâmpada enterrada. A história se repetindo…
— Não é igual à lâmpada ou ao gênio, Morgiana. Não realiza desejos.
É um livro sombrio e antigo de conhecimento maligno que dá vida aos
mortos e mata pessoas, quebrando todas as regras da magia. Precisa
ser queimado. — Suspirou, colocando os pés na lateral do prédio. —
Ela pensa que poderia ser usado para o bem.
Morgiana franziu o cenho, pensando.
— É complicado. Mas, se eu fosse você, cederia para ela.
Aladdin olhou surpreso para a ladra.
— Meu amigo — ela disse gentilmente —, Jasmine é a melhor coisa
que já aconteceu na sua vida. Deveria fazer tudo que pode para mantê-
la.
— Eu deveria? E você? — perguntou com um sorriso sábio. —
Quando foi a última vez que cedeu para Duban?
— Nós não estamos juntos — ela respondeu de pronto.
Aladdin ergueu uma sobrancelha para ela.
— Oficialmente — ela complementou.
Ele esperou.
— Oh, cale a boca. Ele faz bastante coisa do jeito dele — ela disse,
batendo nele irritada.
— Estou preocupado com ele — Aladdin admitiu, encarando o amigo,
que se recusava a jogar com Pareesa. — Normalmente ele consegue
engolir as adversidades e lidar com elas de um jeito característico.
Nunca foi do tipo de se abalar.
— Eu sei — Morgiana disse, franzindo a testa. — Também estou
preocupada com ele. Está agindo de um jeito estranho… quase
misterioso. Fechado. Se eu não o conhecesse… Espere, veja! Ela
apontou. Arqueando alto no céu do Bairro do Jardim havia quatro
flechas em chamas, traçando uma garra gigante de tigre pelo céu
noturno.
— É o sinal — Aladdin disse, rastejando até a beirada do teto para
dar uma olhada melhor na cidade.
Em algum lugar, ao longe, havia uma multidão barulhenta e
carregando tochas reunidas para uma marcha bem óbvia até o palácio.
Manchas vermelhas enervantes do outro lado da cidade reagiram
imediatamente, seguindo para a perturbação. Como formigas que de
repente percebem que seu formigueiro foi ameaçado. Acima da cabeça
deles, os grupos de soldados e mortos-vivos patrulhando os céus
pararam seus movimentos e foram para a mesma direção.
Aladdin começou a contar na sua cabeça. Quando chegou ao vinte,
uma explosão ascendeu no Velho Mercado. Os guardas aéreos
pararam, incertos do que fazer. Um batedor se afastou e foi para o
palácio. Morgiana e Aladdin o observaram entrar grosseiramente por
cima dos muros e por uma janela grande. Instantes mais tarde, as
persianas se abriram na Sacada Pública e Jafar saiu para ver com os
próprios olhos o que estava acontecendo na cidade.
— Vamos! — Aladdin comandou.
Os quatro ladrões apareceram para mergulhar direto pela lateral do
depósito.
Mas claro que cada um segurou em um varal abaixo. Eles se
movimentaram com as mãos, uma à frente da outra, pela rua — acima
da cabeça de alguns soldados humanos que saíam correndo noite
adentro. Do outro lado, caíram em um terraço. Dali, pularam no chão e
foram para a sombra do muro do palácio. Morgiana, Duban e Pareesa
seguravam os punhais com os dentes, mas Aladdin não segurava nada
conforme os quatro subiam pela antiga muralha — esta que fora feita
para manter exércitos e milícias longe, não ladrões. Estavam
terrivelmente expostos: quatro sombras contra a extensão branca que
quase brilhava mesmo sob condições de baixa luminosidade. A
qualquer momento, um guarda andando por cima poderia olhar para
baixo e vê-los com facilidade.
Aladdin apenas procurava constantemente buracos para colocar o pé
e se impulsionar para cima. Recusava-se a olhar para cima ou para
baixo a fim de verificar seu progresso.
Enfim, no topo, ele pulou para cima e aterrissou agachado, olhando
com rapidez para ambos os lados. O plano parecia estar funcionando:
não havia mais ninguém ali em cima. O único guarda que sobrou estava
correndo na direção do portão principal para ajudar a erguer a porta
levadiça. Aladdin fixou uma corda em volta de uma trave robusta para
se preparar para a descida do outro lado.
A cabeça de Morgiana apareceu ao seu lado e, no instante seguinte,
seu corpo, leve e ágil como um pássaro. Ela não pôde evitar parar por
um momento e analisar o palácio, apresentado tão perfeitamente
abaixo: as torres, os jardins, os pátios escondidos, o sistema hidráulico
que fornecia os banhos. Dali de cima, parecia um dos brinquedos do
antigo sultão.
Ela balançou a cabeça e se permitiu assobiar baixo. Aladdin lhe
mostrou um sorriso solidário e pesaroso.
Duban e Pareesa finalmente chegaram ao topo. Quando eles se
ajeitaram, Aladdin apontou para a torre mais alta do palácio.
— Aquela é a de Jafar? A Torre da Lua? — Pareesa perguntou.
Morgiana assentiu.
— Boa sorte!
A menina deu um sorriso malicioso.
— Não preciso de sorte. Tudo de que preciso é pedra e faísca.
Então, ela correu em silêncio por cima do muro. Apesar de sua graça
e velocidade, Aladdin ainda se virou antes de ela saltar para a torre.
Havia um espaço grande de ar noturno entre a garota e a torre, e ele
não queria ver caso ela falhasse.
— Tudo certo — ele sussurrou para a equipe que sobrou. — Vamos.
Os três desceram habilmente o muro interno e aterrissaram em
silêncio no gramado macio e perfumado do jardim.
O palácio tinha crescido como um monte de cogumelos ao longo dos
séculos, cada novo prédio era como um único talo. Aladdin contou com
cautela e escolheu uma das estruturas mais baixas próximas à Torre da
Lua. Continha a biblioteca — a qual, pelo menos antes de Jafar se
tornar sultão, não era particularmente uma parte bem protegida do
complexo, de acordo com Jasmine. Aladdin acenou para Morgiana e
Duban avançarem e apontou para a janela mais baixa que não era mais
larga do que uma seta de flecha.
Os três começaram a correr pela faixa curta de campo aberto.
Sentindo algo, Aladdin parou de repente. Derrapou até parar assim que
uma luz vermelha estranha passou diante de seu caminho. Ele olhou
para cima.
Flutuando no ar acima deles, silenciosos e mortais, havia um par de
mortos-vivos. Conforme seus olhos se moviam de maneira não humana
pela paisagem abaixo, um deles lentamente balançava uma lanterna
esquisita, preta com um capuz intricado que direcionava um feixe
vermelho de luz.
Os três ladrões congelaram. Morgiana sussurrou um palavrão.
O tempo também congelou conforme os seres mortos iam e voltavam
agonizantemente devagar pelo pátio. O céu atrás deles estava escuro
como o pecado. Era a hora mais escura da noite… o que significava
que o amanhecer não estava longe. Aladdin sentiu o coração acelerar
de uma maneira furiosa por seu corpo imóvel.
Em certo momento, o feixe continuou passando por eles em seu ritmo
estável e depois seguiu.
Os mortos-vivos seguiram em frente, sem emitir sons, patrulhando a
noite com a luz maligna deles.
Será que era imaginação de Aladdin? Ou o gramado parecia mais
seco depois que a luz passou por ele? De alguma forma, parecia menos
úmido do que antes?
Os três ladrões correram para a sombra relativamente segura da
torre.
— Que nova magia horrível é aquela? — Duban choramingou.
— Há um lugar especial no inferno reservado para Jafar — Morgiana
murmurou. — E seus criados.
— Sinto pena desses dois por quem foram um dia — Aladdin disse,
argumentando.
Embora, em seu interior, pensasse que poderia não ter sido uma
circunstância tão terrível se os homens tivessem morrido de maneira
um pouco mais explosiva, deixando os corpos para trás e impedindo
sua reanimação.
Morgiana pegou uma garra minúscula — uma de suas ferramentas
preferidas — e, depois de balançá-la algumas vezes pelo cordãozinho
de seda preso na sua ponta, soltou-a. Com um perfeito kkrrrlkt,
aterrissou dentro da janela. Duban fez um gesto para os outros dois
irem primeiro enquanto ele segurava a corda. Morgiana e Aladdin
subiram como macacos e, então, ele se apressou atrás deles.
Depois que passou o corpo atarracado pela janela, parou e olhou em
volta admirado.
— Uau. Não é o que eu iria querer em meu próprio castelo… mas
impressionante, mesmo assim.
Era um cômodo gigante cheio de prateleiras, armários e gavetas.
Ocupando cada canto e fenda do local, havia minúsculas estátuas de
tudo: pessoas há muito tempo mortas, monstros que nunca existiram e
prédios que pareciam improváveis. O restante do espaço estava
tomado por livros. Havia pilhas de livros no chão, mais um monte nas
mesas, prateleiras cheias de livros enfileirados em todas as paredes.
Dúzias de urnas guardavam centenas de pergaminhos enrolados. Havia
placas de cera e argila com registros em línguas estranhas em gavetas
abertas. Mapas de oceanos coloridos e países estranhos estavam
desenrolados em mesas especiais inclinadas.
A sala estava escura, assim como Jasmine previu; somente duas
lamparinas pequenas queimavam à porta, longe de qualquer
pergaminho inflamável ou precioso. Era difícil dizer o quanto a biblioteca
era grande ou quantos tomos ela tinha. Aladdin começou a entender
mais um pouco sobre Jasmine. Ela teve acesso a todo aquele
conhecimento — toda a informação e sabedoria coletadas do mundo —
e não podia sair para ver por si mesma.
— Aladdin! — Duban de repente cochichou, interrompendo seus
pensamentos. Ele foi até a porta e escutou. — Os guardas estão vindo!
Dois, eu acho.
— Já? — Morgiana xingou. — Esta missão está condenada.
— Rápido! — Aladdin gesticulou para ela ir para o outro lado da
porta.
Não tinha lugar para Aladdin se esconder; as mesas e escrivaninhas
eram todas altas com pernas estreitas e elegantes — muito difíceis de
se esconder atrás. Parecia ser o único cômodo do palácio sem um divã
ou um sofá.
Sem conseguir pensar em mais nada, Aladdin pegou um pergaminho
e começou a fingir que o estava lendo.
Dois guardas humanos apareceram na porta para dar uma olhada
superficial na sala — e então viram Aladdin.
Eles fizeram careta e desembainharam as cimitarras.
— Que engraçado — Aladdin falou pausadamente, virando o
pergaminho de ponta-cabeça e franzindo o cenho. — Sempre achei que
os Hiperbóreos viviam no norte, não no sul…
O guarda à esquerda se recompôs e abriu a boca para ordenar
Aladdin a fazer alguma coisa.
Antes de falar um pio, Morgiana e Duban pegaram duas urnas
enormes de bronze e golpearam os guardas na cabeça.
Os guardas caíram para a frente no mesmo instante e os dois ladrões
os seguraram — menos para a segurança deles e mais para não fazer
barulho.
Duban praguejou.
— Vão sentir falta deles se não retornarem ao posto!
— Deveríamos matá-los — Morgiana sugeriu rapidamente.
— E esperar que revivam para os soldados mortos-vivos que não
sentem dor? Não é uma boa ideia — Aladdin sussurrou. — Vamos.
Acho que tenho um plano.
O amanhecer se aproxima

, observando o céu e ordenando as


diferentes divisões do exército de Ratos de Rua com Sohrab ao seu
lado.
Até Khosrow, o antigo líder religioso, tinha sido surpreendentemente
adepto a ajudar na organização do exército.
— Ensinei acólitos por cinquenta anos — contou ele com seu sorriso
gentil. — Não é guerra. Mas tem suas similaridades.
Uma pessoa entrou correndo, exausta e sem fôlego.
— Jasmine. A multidão brava com as tochas está funcionando… eles
fecharam a rua dos Pombos e o caminho para a antiga sinagoga. Akin
reporta… e eu vi com meus próprios olhos… que derrubaram uns
quinze guardas armados e três mortos-vivos.
— Excelente notícia! — Jasmine exclamou, unindo as mãos.
Apesar de desejar que tivessem liquidado mais guardas e mortos-
vivos.
— Além disso: eles acham que mais vinte guardas, em especial
mortos-vivos, foram enviados para lidar com o incêndio queimando
agora no Velho Mercado. Yahya testemunhou muitas tropas, algumas
com vinte homens, espalhando-se pelo distrito do Couro em direção a
eles.
— Obrigada por seu relatório. Por favor, refresque-se com água e
comida, depois volte aqui para seu próximo detalhamento. Iza, Deni! —
Ela chamou mais dois mensageiros. Os dois que se apresentaram não
tinham mais do que oito anos. — Vão dizer aos arqueiros para lançar o
segundo sinal. Chegou a hora de soltar Rajah.
As duas criancinhas assentiram e desceram correndo as escadas.
Jasmine estalou a língua e o tigre foi até ela. Sentindo a empolgação,
ele não se deitou aos pés dela como costumava fazer, mas ficou em pé
por perto, tenso e vigilante. Agora suas patas e músculos de tigre se
expandiram e contraíram de prazer. Finalmente iria à caça.
Jasmine abraçou seu pescoço. A causa deles precisava de todos os
soldados que poderiam convocar, claro. Mas qual escolha verdadeira
um tigre de estimação tinha? Ou duas crianças de oito anos
desesperadas para agradar? E ali estava ela, enviando-os ao perigo e,
no caso de Rajah, para a batalha.
— Boa sorte, velho amigo — ela sussurrou em sua orelha macia.
Depois pegou os itens obtidos para esse fim sombrio: um turbante,
uma faixa, uma bota… tudo pertencente aos capitães da guarda. Ela
comandava um exército de ladrões; roubar objetos era a parte fácil.
Jasmine os segurou para Rajah cheirar. Suas narinas gigantes se
expandiram e contraíram. Ele franziu o cenho como se levasse o
assunto incrivelmente a sério.
— Vá — ela ordenou quando ele terminou. — Ataque.
Rajah rosnou e saiu correndo pela escadaria, pulando dez degraus
por vez, balançando o rabo.
Jasmine disse a si mesma que não tinha tempo para se preocupar ou
lamentar. As pessoas estavam se sacrificando bem mais do que ela
nisso. O pobrezinho do Jalil. Os pais dele. Razoul.
Além disso, Rajah sabia se cuidar. Ele era um tigre.
Ela balançou os ombros e se voltou ao mapa na mesa, atualizando-o
com os últimos acontecimentos. Uma explosão estremeceu o
esconderijo. Ela segurou na parede conforme pedaços de argila seca,
madeira e seixos caíram do teto.
— O que foi isso? — ela perguntou. — Alguém! Esse sinal foi cedo
demais!
Sohrab entrou caminhando com uma expressão sombria.
— Não foi um dos nossos. O que quer que tenha sido atingiu próximo
ao antigo esconderijo de Duban e Morgiana. Precisamos que Hazan
volte e nos conte o que aconteceu.
— Fafar — Jasmine xingou, olhando na direção do palácio.

Nos corredores escuros do complexo do palácio, Aladdin e Duban


andavam em silêncio abaixados pelo piso frio de mármore.
— Jasmine disse que as salas de banho são por aqui — Aladdin
sussurrou. — E a sala do trono é lá em cima, a caminho do…
Dois guardas viraram para o corredor e se moveram na direção deles,
bloqueando o fim do corredor. Ergueram suas cimitarras.
Os dois ladrões ergueram suas cimitarras roubadas em resposta — e
fizeram a saudação barulhenta que Aladdin observou da última vez que
invadira o palácio.
— Que malfeito — um dos guardas comentou olhando a técnica de
Duban.
Mas os dois guardas de verdade continuaram marchando.
Aladdin praticamente se desmanchou de alívio quando eles sumiram.
Duban alisou a frente de sua camisa com o orgulho ferido; eles estavam
vestidos com os uniformes dos guardas que amarraram e guardaram no
armário.
Morgiana chegou correndo por trás deles, vindo de onde estivera
escondida.
— Eu disse que eu deveria ter sido a outra guarda — ela cochichou.
— O turbante não combinava com você — Aladdin cochichou de
volta. — Nós conversamos sobre isso.
O piso sob seus pés tremeu como se um gigante tivesse batido o pé
ou um terremoto tivesse acometido o deserto. Não foi o suficiente para
fazer as coisas caírem, mas forte o bastante para deixá-los tontos.
— Isso foi dentro dos muros do palácio? — Duban perguntou
nervoso.
— Não, acho que foi mais longe — Aladdin disse.
Nenhum dos explosivos que eles tinham planejado usar era tão
poderoso. O que será que estava havendo lá fora?
Ele balançou a cabeça. Simplesmente tinha que confiar que Jasmine
e o exército de Ratos de Rua distraíssem Jafar e suas legiões até eles
conseguirem roubar a lâmpada e o livro e resgatar a família de Duban.
O trabalho dele era se concentrar na própria tarefa.
Ter que confiar em outra pessoa era uma sensação estranha.
— Isso é ridículo — Morgiana disse, revirando os olhos.
— Se tiver um plano melhor, pode falar — Aladdin sugeriu.
— Não tenho, garoto — ela disse de maneira agradável.
— Certo. Então, vamos continuar com o atual. O destino de
Agrabah… e da família de Duban… está em nossas mãos.
Então se apressaram.

— É algum tipo de canhão de fogo ou algo parecido — Hazan relatou


sem fôlego. Suas sobrancelhas estavam chamuscadas. — Acertou bem
onde o antigo esconderijo está… estava. Está em chamas. Roxa e
vermelha.
— Roxa? — Sohrab perguntou. — Parece ser magia… ou o trabalho
dos alquimistas.
— E nós sabemos que eles não estão trabalhando com ele —
Jasmine disse.
— Mas por que destruir o esconderijo? — o militar perguntou com o
cenho franzido. Apontou para o mapa de giz de Agrabah. — Ele já
limpou o lugar. Só um idiota teria voltado lá depois que ele pegou os
reféns. Por que não destruir aqui, aqui ou aqui… onde poderia fazer um
estrago verdadeiro que seria visível a todos?
— Porque ele está simplesmente atacando com raiva — Jasmine
disse com um triunfo cruel. — Como dissemos, ele não é brilhante em
tática. É um feiticeiro e grão-vizir. E nunca esteve em uma batalha. É
exatamente isso que queríamos! Ele está distraído, e bravo, e incapaz
de ver o que está acontecendo bem debaixo do nariz. Talvez seja mais
fácil do que pensávamos.
— Fasmine!
Um jovem entrou sangrando na sala, mancando e se esforçando para
carregar o peso de sua carga. Em seus braços, carregava um homem
ainda mais jovem ferido. Um talho feio azul e preto desfigurava-lhe a
testa e seu rosto estava mortalmente pálido. Os olhos revirados para
trás, sem enxergar.
— Deite-o aqui! — Jasmine disse de imediato, indicando um lugar no
chão com algumas almofadas e lençóis. — Nunca pensamos em
montar uma enfermaria… Hazan, antes de ir se lavar, por favor, fale
com algumas das mulheres mais velhas e veja se conseguimos
organizar algo.
— Absolutamente, Jasmine — o menino disse, curvando-se e saindo
correndo.
Sohrab deu uma olhada nos ferimentos, e sua expressão ficou
inflexível.
— Água — Jasmine pediu. — Curativos!
Ele abriu a boca para dizer algo, depois pensou melhor.
— Vou pedir para um dos meus homens subir. Mas, Jasmine. Se ele
morrer…
— Vamos trancá-lo. Com os outros mortos-vivos.
Sohrab chacoalhou a cabeça em desaprovação.
— Ele não é uma criança, Jasmine. É um homem quase adulto que
seria difícil de derrotar como morto-vivo. Seria melhor terminar tudo
para ele.
Jasmine fechou os olhos, lamentando a verdade.
— Eu sei.
E o esconderijo balançou com outra explosão.

Aladdin e Duban rastejaram-se em frente, prontos para voltar à


postura militar se fossem flagrados. Morgiana os seguiu em silêncio.
Havia uma escadaria não tão secreta nos fundos da biblioteca que
levava a uma varanda limitada por janelas delicadamente arqueadas.
Elas davam para um pequeno pátio delineado por laranjeiras. Do outro
lado, havia as salas de banho real — que conectavam diretamente a
sala de reuniões, o salão de banquete e, por fim, a própria sala do
trono. Aquilo parecera estranho até Jasmine explicar para Aladdin que
sultões com frequência entretinham hóspedes estrangeiros e
consultavam conselheiros de elite enquanto aproveitavam uma
agradável sauna de eucalipto.
— Belo trabalho, se conseguir — Aladdin murmurou.
Um par de guardas passou pelo pátio. Um golpeou preguiçosamente
um galho de laranja ao passar; a lâmina afiada de sua cimitarra cortou
perfeita e silenciosamente uma laranja do pé e ela caiu no chão como
uma cabeça após a execução.
Morgiana engoliu em seco de nervoso.
— Eu só queria roubar carteiras para viver — ela disse. — Talvez me
envolver em algum roubo de joia cara. Vou perder a cabeça com essa
revoltazinha civil.
— Prefiro esses caras aos mortos-vivos em qualquer momento —
Duban sussurrou. — Melhor morrer nas mãos de um homem.
— Esperem um minuto… Não vimos nenhum morto-vivo já há algum
tempo — Aladdin disse devagar. — Os guardas dentro do palácio são
todos humanos. Vivos. Exceto por aqueles lá fora no ar, com aquela
lanterna.
— Precisam de guardas que realmente consigam pensar e agir de
modo independente perto de Jafar — Morgiana disse, assentindo. —
Não apenas, vocês sabem, fazer “Uuuuuh, morra!”.
Mais dois guardas apareceram marchando. Os três ladrões ficaram
em silêncio.
— Quarenta e cinco pulsações — Duban disse quando eles
desapareceram. — Esse é o tempo que temos entre eles.
Morgiana pegou seu gancho de luta e começou a girar, estimando a
distância entre eles e a abertura até o caminho que os levaria às salas
de banho. Ela continuou girando-o até a próxima dupla de guardas
marchar abaixo deles… e então o deixou voar imediatamente.
Errou.
Ela xingou quando o gancho bateu na parede e caiu no chão.
Tão silenciosa quanto possível, Morgiana puxou a corda com a mão
como um pescador tentando puxar a linha antes que a ponta fosse
presa. Quando ela puxou até em cima, o gancho se arrastou, fazendo
barulhos como pequenos arranhões.
Mais dois guardas apareceram.
Morgiana congelou.
O gancho ficou ali pendurado, é claro, no meio da parede branca de
mármore, no fim de uma corda comprida e suspeita.
Os guardas passaram por ela.
Os três ladrões soltaram a respiração que nem sabiam que estavam
prendendo.
Morgiana xingou de novo e puxou o gancho de uma vez, depois o
lançou de volta imediatamente. Ele passou pela beirada oposta — e
desta vez ficou.
Prenderam a respiração de novo quando a próxima dupla de guardas
passou, mas a corda estava acima deles, despercebida, conforme
passaram por debaixo. Assim que desapareceram, Morgiana pulou
agilmente nela e correu pela corda como se fosse uma corda fixa.
Duban foi o próximo, mais devagar, mas tão confiante quanto. Com um
ritmo calculado, ele chegou ao outro lado e mergulhou pela janela assim
que os guardas passaram.
Finalmente, era a vez de Aladdin. Ele tinha segurado a corda para os
outros dois; agora não tinha ninguém para fazê-lo por ele. Pegou uma
cadeira e a colocou perto da janela, amarrando com rapidez a corda no
braço dela em um nó de ladrão, um que soltaria fácil quando ele
estivesse pronto. Segurando a corda extra na mão, aguardou até os
próximos guardas sumirem e, então, pulou na beirada e pisou na corda.
Já havia percorrido mais da metade do caminho quando a cadeira
tombou.
A afrouxada repentina da corda fez Aladdin se jogar para a frente. Ele
balançou os braços de um modo desesperado, tentando recuperar o
equilíbrio.
Não recuperou.
Caiu…
… e a próxima dupla de guardas apareceu.
Vítimas da guerra

. Primeiro eram
respirações rápidas e superficiais. Depois, ofegante, respirando fundo e
com barulhos horríveis, como se todo o ar do mundo não pudesse
ajudá-lo agora.
Jasmine se ajoelhou ao seu lado, segurando uma de suas mãos com
a sua e passando a outra nervosamente na testa dele. Além de amigos,
bebês e do resto do mundo, a princesa também tinha sido isolada de
doença e da morte. Ela não fazia ideia do que estava fazendo. Sentia-
se aterrorizada de uma forma que não experienciou mesmo quando
seus próprios pais haviam morrido. Precisou de toda sua energia para
conter as lágrimas e manter a expressão tranquila.
Sohrab tentara persuadi-la a deixá-lo… fazer o que era necessário.
Mas ela o mandara para longe a fim de continuar dando ordens em seu
nome.
— Sou a sultana. Não posso esperar que as pessoas façam por mim
o que não consigo fazer — ela disse ao general. — Vai ficar tudo bem
— murmurou para o homem, pensando no quanto era ruim mentir para
um moribundo.
Mas parecia que ele não escutava; seus olhos estavam arregalados e
focados em algo além dela.
Havia uma faca longa, brilhante e afiada no chão ao lado dele.
Após instantes infinitos de respiração laboriosa e olhar silencioso, ele
de repente teve um espasmo. Sua cabeça se ergueu como se
procurando algo.
Então ele caiu para trás e parou de se mexer.
Seus olhos ainda estavam abertos, mas não havia nada neles agora.
Jasmine mordeu o lábio em uma tentativa furiosa de não chorar.
Abaixou a cabeça e começou a sussurrar a única oração que sabia que
se encaixava nas circunstâncias.
Khosrow enfim apareceu à porta. Ele se aproximou e fez alguns
gestos acima do jovem. Fechou os olhos dele e começou a orar com
ela.
O homem morto também fechou os olhos.
Depois os abriu de novo.
Onde antes eram seus olhos, agora eram piscinas vermelhas escuras
e malignas.
O próprio Khosrow arregalou os olhos, mas não parou de orar;
simplesmente falou as palavras mais alto.
Jasmine pegou a faca.
O morto-vivo se sentou e fez barulhos de estalos no fundo da
garganta, o som improvável de limpar sangue seco que sobrara ali.
Jasmine cerrou os dentes e levou a lâmina para a garganta exposta.
Encolheu-se mas não hesitou quando a ponta cortou tendão e osso.
O morto-vivo não gritou.
Não lhe agradeceu.
Gorgolejou e fez mais alguns barulhos antes de paralisar, sem vida
de novo.

Os guardas cruzavam o pátio diretamente rumo a Aladdin.


Aladdin rodou os braços quando caiu, girando-os de maneira
desesperada na tentativa de agarrar a corda. No último segundo ele
conseguiu alcançá-la.
— Rápido! — Morgiana cochichou, afastando o gancho do muro.
Juntos, Duban e ela enrolaram a corda nos punhos, tentando puxar
Aladdin para cima, conforme ele se precipitava em mergulhar na
direção do chão.
Ele contorceu o tronco como um artista no mercado — lentamente,
para não chamar atenção. Enrijecendo os braços, conseguiu puxar os
joelhos até o peito, seus dedos do pé envolveram a ponta da corda. Ele
ficou lá pendurado de cabeça para baixo como um morcego.
Os guardas continuaram marchando adiante… debaixo dele.
A pena vermelha do turbante de um deles fez cócega nas costas de
Aladdin conforme passou debaixo do ladrão. O guarda, sem pensar,
esticou o braço para colocar a pena de volta no lugar. E, então,
desapareceram.
Aladdin se desenrolou devagar, sentindo o estômago também se
esticando de alívio ao mesmo tempo.
Mão após mão, ele se puxou na direção de Duban e Morgiana.
Duban se esticou para segurá-lo; o nó na cadeira se soltou e a corda
caiu no pátio.
Rapidamente, Aladdin puxou a corda de volta para cima e a enrolou
no braço.
— Essa foi por pouco — Morgiana sussurrou.
— Ah, não foi nada — Aladdin disse. — Já fugi de situação pior por
um cacho de bananas.
— Ei, falando nisso, cadê o Abu? Ele sempre vem nas suas
aventurinhas.
Aladdin pareceu sombrio.
— Eu… o deixei em casa. Se os planos dessem errado, queria que
ele ficasse livre.
Silenciosos e com firmeza, os ladrões se apressaram.
Quando Sohrab entrou, deu um tapinha solidário nas costas de
Jasmine e, depois, retomou seus deveres, como um bom soldado.
Relatou o que seus variados batalhões estavam fazendo e qual era o
estrago. Alguns dos acólitos religiosos tinham levado o corpo, mas
Jasmine ainda sentia a presença dele.
— Desculpe… quantos morreram? — ela de repente perguntou,
percebendo que não estivera prestando atenção.
— Não sabemos com precisão quem morreu na segunda explosão —
Sohrab disse um pouco impaciente. — Para ser sincero, não faço ideia
de quais são nossos números verdadeiros. Isso tudo foi um pouco
repentino e é mais desorganizado do que estou acostumado.
— “Números”? São pessoas. E estão sendo mortas. E trazidas de
volta da morte. Adicionadas para o lado dele, a menos que alguém os
coloque em um descanso permanente. Isso precisa acabar. Temos que
impedir que as pessoas sejam mortas. Agora.
Ela disse essa última parte tremendo, mal conseguindo se controlar.
— Jasmine, isto é guerra — Sohrab disse com calma. — Uma guerra
estranha e horrível. Você deve ter lido sobre táticas, história e guerras
no passado… mas isto é a realidade. As pessoas se machucam. As
pessoas morrem. Quer salvar Agrabah, Maruf e as crianças?
— Claro — Jasmine respondeu. Respirou fundo. — Claro.
Ela foi até a porta e olhou para o céu; mesmo com a poeira,
conseguia ver Hormozd, o planeta enorme vermelho, apenas
começando a se esconder atrás das montanhas. Do outro lado do céu,
o paraíso estava um pouco mais claro do que estivera há um tempinho.
O sol estava se preparando para nascer.
— Vou fazer o que precisa ser feito.
— Claro, princesa. Você faria… você faria os guerreiros bem
orgulhosos.
Sohrab cumprimentou e voltou para dentro a fim de articular mais
ordens.
Quando ele se virou, Jasmine saiu correndo noite adentro.

Ela segurou a túnica firme para esconder o rosto e o corpo. Passou


pelas multidões de Ratos de Rua que estavam correndo para suas
missões, totalmente despercebida. Havia uma empolgação estranha
nas multidões em parte iluminadas pelas tochas espalhadas. Pessoas
que normalmente nunca teriam conversado umas com as outras
estavam xingando e planejando, discutindo e se preparando. Um bom
trabalho em equipe do qual Jasmine nunca tinha feito parte. Nunca.
Desejava poder ficar e se juntar a elas.
Bom, ela tinha um destino diferente. Estava nas mãos dela salvar
Agrabah agora.
Andou sozinha na escuridão, deixando o exército de Ratos de Rua
para trás.
Continuou para os becos, escondendo-se sempre que alguém
chegava perto demais: cidadãos assustados, gente raivosa, guardas
imperiais armados com cimitarras. Havia tanta confusão nas ruas que
ela não se preocupou com os soldados aéreos; tudo que eles veriam —
se a enxergassem — era uma mulher assustada correndo sem tocha ou
arma. Havia questões muito mais importantes para ela resolver naquela
noite.
Passou por um pátio onde fumaça e fogo cobriam tudo em uma
mistura borrada de luminosidade e sombra; apesar disso, ela conseguia
distinguir o contorno escuro de um tigre enorme andando pelas ruas tal
qual um fantasma.
Jasmine sorriu e acenou, embora ele não conseguisse vê-la.
Um psssss a fez olhar para cima: mais quatro flechas em chamas
passaram pelo céu noturno, formando uma gigante Marca de Rajah.
Hora de Pareesa começar a incendiar.
Tudo estava indo de acordo com o plano. Sem ela.
Que bom.
Em certo momento, encontrou o que estava procurando: um morto-
vivo de olho vermelho sozinho parado em uma piscina de escuridão,
com a cimitarra em punho. Aguardando ordens. Bloqueando uma rua.
— Abaixe a arma — Jasmine ordenou, dando um passo à frente na
sua linha de visão.
O morto-vivo ergueu a cabeça lentamente.
— Você se lembra de mim? Sou a princesa Jasmine. A noiva com
quem Jafar pretende se casar. Estou me entregando. Leve-me até ele.

Apesar de eles estarem invadindo em silêncio pelas sombras bem


possivelmente na direção da condenação, Aladdin não conseguia parar
de pensar no quanto seria ótimo viver no palácio.
As salas de banho reais eram maiores do que as mais
impressionantes mesquitas e sinagogas de Agrabah. Tetos em abóbada
se erguiam acima da cabeça, com telhas brancas e azuis que formavam
desenhos de ondas no oceano. Trançadas com delicadeza, pedrinhas
impossivelmente finas separavam as salas de banho das mulheres e
dos homens. Uma área separada para se refrescar parecia ter a própria
cozinha e adega. Torneiras de ouro controlavam o fluxo da água em
tubos submersos enquanto fontes com joias incrustadas jorravam gotas
perfeitas com formas de diamante — refletidas pelos cordões de
diamantes de verdade que cobriam lâmpadas a óleo minúsculas e
azuis.
Obviamente, Morgiana teve pensamentos parecidos, embora menos
sobre morar lá e mais sobre roubar de lá.
— Duban, deveríamos ter invadido este lugar há décadas.
— Pareesa deve ter terminado seu trabalho agora — Aladdin disse,
olhando para fora de uma janela para ver as estrelas. — Então essa é a
parte em que cortamos pela sala de reuniões, depois chegamos ao
salão de banquete para assim culminarmos na sala do trono. E aí vem a
parte difícil.
— É. Roubar uma lâmpada, um livro e salvar a família de Duban
debaixo do nariz do feiticeiro mais poderoso do mundo. — Morgiana
suspirou. — Minha mãe nunca me alertou sobre situações assim.
— Pense nas histórias que vai poder contar! Pense no quanto vai
poder se gabar! — Aladdin sugeriu. — Pense na…
Conforme eles entraram na próxima sala de banho enorme, os três
quase trombaram em dois guardas da patrulha.
— Prisioneira — Aladdin complementou rapidamente. — Pense na
prisioneira… ela poderia ter fugido!
De repente, Morgiana estava muito mais perto de Duban, que, com
rapidez, envolveu o braço nos ombros dela como se estivesse
prevenindo que ela escapasse.
— O que está havendo aqui, soldados? — o guarda mais velho
perguntou.
A pedra preciosa em seu turbante preto era de um amarelo estanho e
opalescente. Deveria significar algo na reorganização maluca de Jafar
— como talvez capitão ou algo parecido.
— Pegamos essa moça tentando fugir com uma… saboneteira de
diamante — Aladdin disse alegre. — Ela pensou que o caos lá de fora
era uma hora perfeita para um roubo descarado do palácio.
— Eu devolvi — Morgiana choramingou, encolhendo-se com eficácia.
— Por favor, me solte. Me chicoteie se precisar. Não me leve ao sultão!
O guarda da pedra amarela bufou com escárnio.
— Nunca incomodaríamos Sua Alteza com um Rato de Rua. Seus
colegas Ratos estão conspirando e tentando derrubar o governo esta
noite… e você nem é corajosa o suficiente para se juntar a eles? É
mesmo uma covardezinha.
Aladdin notou o tom na voz do capitão — não era respeito
exatamente. Mas não era uma condenação direta da revolta.
— Entregue-a a mim. Algumas noites no calabouço devem ensiná-la
o que realmente vale a pena temer.
Morgiana olhou preocupada para Aladdin.
— Oh… pensei… que a levaríamos lá para baixo nós mesmos — ele
improvisou. — Quero o crédito por tê-la pego sozinho.
Duban tossiu.
— Com meu parceiro, claro. Sozinho com meu parceiro.
— Não, você deveria patrulhar e ver se ela tinha seus próprios
parceiros — o capitão disse, segurando o ombro de Morgiana e
puxando-a. — Todos os prisioneiros do Estado devem ser manipulados
por soldados Marcados. Certo?
Ele estreitou os olhos e encarou Aladdin desafiadoramente.
Aladdin sentiu o coração bater cada vez mais forte…
Então Morgiana olhou no olho de Aladdin. Muito, muito
discretamente, ela assentiu. Me deixe ir, ela estava dizendo. Continue.
— Lógico, senhor — Aladdin disse, gesticulando para Duban soltá-la.
— Só certifique-se de que eu receba o crédito pela captura.
Vamos voltar por você, ele falou com a boca enquanto os guardas
arrastavam Morgiana entre eles.

Jasmine tentou não demonstrar sentimento algum conforme os dois


mortos-vivos a carregavam pelo céu clareando ameaçadoramente.
Seus braços travaram os dela, que ficou firme; não tinha medo de cair.
Estava só com um pouco de frio no ar alto da noite. Mas, abaixo dela,
Agrabah queimava.
A Torre da Lua tinha sido incendiada com sucesso; os aposentos
pessoais de Jafar estavam no topo e na base do antigo observatório e,
sem dúvida, haveria pertences — artefatos, recordações pessoais,
livros e pergaminhos — que ele iria querer salvar. O plano parecia estar
funcionando: o que quer que Jafar tivesse lançado na resistência
parecia ter sido abatido por enquanto.
A luminosidade vermelha assustadora dos mortos-vivos pintava a
cidade como uma praga que assumia o controle de um corpo antes
saudável.
E o amanhecer não estava tão longe.
Para se distrair e se impedir de entrar em pânico, Jasmine arriscou
olhar para as algemas grossas e enfeitadas que os mortos-vivos
usavam. Pobre tapete mágico. Outra vítima da guerra de Jafar em
Agrabah. Ela se perguntou se o pouco de senciência que ele tinha
ainda estava ali em algum lugar, em suas linhas rasgadas e costuradas
de novo. Fez um pedido tolo e infantil: que ela tivesse tido a chance de
realmente voar no tapete quando ele era ainda um tapete. Com Aladdin.
Passeando pela noite como estava fazendo agora, mas com os braços
quentes dele para segurar e o mundo inteiro aos seus pés. Eles
poderiam ter ido a qualquer lugar que desejassem. Estariam totalmente
livres.
Eles desceram para aterrissar na Sacada Pública, aquela em que seu
pai costumava fazer discursos, aquela onde Jafar o assassinara. Agora
era uma plataforma de pouso para os soldados mortos-vivos do novo
exército terrível de Jafar.
Habilidosos e nojentos tanto quanto insetos feios e enormes, os
mortos-vivos chegaram de repente ao chão. Com empurrões por trás
sem uma palavra, obrigaram Jasmine a entrar primeiro que eles na
antecâmara da sala do trono. As poucas pessoas que restaram da
equipe de seu pai ficaram chocadas quando a viram ali parada, sem
resistir, com o queixo erguido. Um camareiro correu para chamar Jafar.
O restante deles voltou para o que quer que estivessem fazendo:
elaborando listas, riscando nomes dos mapas e sabe-se lá o que mais.
Coisas ruins.
— Jasmine…?
Jafar entrou a passos largos na sala, brilhante ou ridículo em suas
capas, túnicas e faixas, pretas e vermelhas. Ele segurava o bastão
preto de cobra de maneira indiferente. Mas parecia, para variar, incerto.
— Eu me entreguei, Jafar — ela anunciou, mantendo a voz estável.
— Já houve muitas mortes. Quero paz. Vou concordar em me casar
com você.
O último pedido

— — Jafar declarou. Avançou para olhar para ela


com o pescoço torto, como um lagarto examinando sua possível presa.
— É uma estratégia.
— Oh, claro — Jasmine disse. — Me reviste se quiser, Jafar. Não
tenho bastões mágicos, gênios, anéis… Nem tenho um punhal, nem
uma besta. Ou um dardo envenenado.
Ela abriu as túnicas de uma maneira que poderia ter sido sugestiva,
mas era totalmente o contrário. Começou a desamarrar a calça.
— Não, não, não será necessário — Jafar se apressou em dizer,
erguendo a mão e olhando em volta para ver se alguém estava
observando. Ninguém. Ou pelo menos tinham desviado o olhar com
rapidez. — Mas não acredito que você teve uma mudança de ideia
repentina, princesa.
— Não tive — Jasmine soltou. — Não quero me casar com você. Mas
isso está destruindo a cidade.
— Você está destruindo a cidade — Jafar rosnou, inclinando-se para
cima dela. — Tudo estava bem até seus Ratos de Rua começarem a
ser insolentes. Todos estavam seguros. Ninguém passava fome. Havia
paz. Minha Agrabah era uma Agrabah bem mais feliz do que sob o
reinado de qualquer membro da sua família.
— Com pessoas aterrorizadas em seus lares ou sendo marcadas
como cabras… ninguém pode sair à noite ou falar contra você, além
dos seus bandos de patrulhas de mortos-vivos voadores em todo lugar?
Isso não é felicidade. Isso é escravizar e aprisionar.
— Não sei se todos concordam com você, princesa. Mas, de qualquer
forma, considere Agrabah como um teste… para o restante do mundo.
Ainda estou trabalhando para ajustar alguns pontos do meu governo.
— Podemos conversar sobre o restante do mundo depois. Parte do
motivo de você estar fazendo isso a Agrabah é para me ter de volta.
Bom, aqui estou. Por favor, chame seus exércitos.
— Hummm — Jafar disse.
Ele andou em volta dela, analisando-a de todos os ângulos, como um
gato faz com um rato preso em uma armadilha.
Aladdin tinha contado a Jasmine o que ele testemunhara na praça do
Marinheiro. Ela tentou não ficar tensa, tentou não imaginar as práticas
horríveis que poderiam ser feitas a ela.
— Hummm — Jafar disse de novo.
O cômodo estava quieto; até os rabiscos dos secretários tinham
parado.
— Mas eu quero que você me ame — Jafar enfim verbalizou com
uma brandura assustadora. — Então, o que vamos fazer a esse
respeito, Jasmine?
— Podemos… fazer todo mundo pensar que te amo?
— Hummm — Jafar disse uma terceira vez. — Seu discurso sincero é
revigorante, mesmo que o conteúdo não seja atraente. Vou considerar
sua oferta. Nesse meio-tempo, gostaria de lhe dar uma pequena
demonstração do que acontece àqueles que mentem para mim. Ou,
então, tentam armar contra mim.
Ele abriu os braços de maneira dramática e usou o bastão para
avançar pela sala do trono.
Jasmine arfou para os diferentes cenários acontecendo no espaço.
No canto, havia a ampulheta. Era o oposto de um dos modelos de seu
pai: em vez de uma construção enorme replicada em miniatura para
brincar, era uma construção minúscula replicada em uma proporção
enorme. Na metade inferior, estavam Maruf e as duas crianças. Ele se
movia exaustiva e constantemente: colocando os netos aterrorizados
nos ombros, erguendo-os de vez em quando para conseguirem se
sentar no topo da areia, que subia com agilidade, mexendo-se para
deixar todos confortáveis. Apesar de estarem acostumados aos
horrores diários da pobreza e a um modo de viver que matava homens
adultos, Ahmed e Shirin tinham o rosto em carne viva de chorar e o
olhar abatido da exaustão do medo.
No topo da ampulheta, havia pouquíssima areia.
Os três viram Jasmine. As expressões de Ahmed e Shirin se
iluminaram e eles gritaram de alegria — ou provavelmente gritaram;
pois o som não ultrapassava o vidro.
O primeiro impulso de Jasmine foi gritar e correr até eles. Bater na
ampulheta. Tentar tirá-los de lá.
— E aqui, no caso de não ter visto… — Jafar apontou para o outro
lado do trono, abrindo mais os braços e deixando a capa flutuar atrás
dele.
Lá estava o gênio.
Ainda maior que um humano, porém pálido e mais magro. Estava
amarrado a uma cama de pregos, cada ponta cravando em sua pele
azul. Os braceletes dourados gigantes que cobriam seus punhos
estavam acorrentados em duas placas cruzadas acima de sua cabeça.
Tudo brilhava em um roxo fraco.
— E aí, princesa — o gênio disse fracamente.
— Você está bem? — ela perguntou e, então, arrependeu-se no
mesmo momento.
— Oh, claro. Nunca estive melhor. E você?
— Quieto, seu tolo — Jafar repreendeu.
Ele girou e subiu no estrado onde estava o trono dele. Sentou-se e
sua capa voou ao seu redor. Deitou o bastão nos joelhos. Esticou uma
mão como se fosse acariciar um cachorro ou gato deitado ao seu lado.
Em vez disso, acariciou a velha e gasta lâmpada que estava em uma
mesa dourada e delicada.
A lâmpada.
E, ao seu lado, um livro de capa preta e o que parecia ser um olho
humano vivo incrustado no couro. Al Azif.
— Não trato com gentileza quem age contra mim — Jafar falou em
meio a pausas. — Como pode ver claramente. Então vou perguntar
uma última vez, princesa. Você jura que está aqui só para declarar seu
amor eterno e se casar comigo?
— Não posso prometer o amor — ela disse o mais corajosamente
que conseguiu. — Mas dou minha palavra quanto ao casamento.
A contração horrorosa de um sorriso verdadeiro começou a erguer os
cantos da boca de Jafar.

Os dois ladrões passaram pela sala de reuniões sem maiores


incidentes. Era tão impressionante quanto as salas de banho, em
proporção menor e mais discreta. Um mosaico de Agrabah e as terras
entre o grande Deserto Ocidental e as montanhas de Atrazak cobria a
parede maior. Uma tinta fresca — ocasionalmente atualizada, ao que
parece, com tinta mais fresca — na outra parede mostrava um mapa
razoavelmente atualizado de Agrabah, até as ruelas. Aladdin desejava
ter mais tempo para analisá-lo de perto.
— Rá — Duban sussurrou, apontando para o bairro dos Ratos de
Rua. — Esta parte está toda errada… aquela fonte não existe mais
desde a época da mãe da minha mãe.
— Verdade — Aladdin sussurrou de volta. — Mas me ajude a
encontrar o dervixe errante no mosaico… ele deveria estar perdido no
deserto, como diz a lenda.
Duban pareceu confuso, mas fez o que ele disse, passando os dedos
pelo desenho junto de Aladdin.
— Ahá! — Aladdin exclamou, sendo o primeiro a encontrar a imagem
de um velho com uma bolsa no ombro, tudo feito de azulejos
minúsculos e marrons. Colocou os dedos na superfície craquelada e
empurrou.
Houve um clique, e um painel em uma das paredes menores
deslizou, revelando uma passagem escura.
Aladdin sorriu.
— Jasmine me disse que seu pai chegava atrasado com frequência
nas reuniões… então ele mandou instalar isto para sair do salão de
banquete e chegar até aqui diretamente!
Duban assobiou baixo.
Eles entraram, fechando com cuidado o painel. Lâmpadas minúsculas
tremeluziam ao longe, mal iluminando o caminho.
— Daqui é…
— Quem está aí?
Duban e Aladdin se encararam, boquiabertos. Jasmine dissera que
se tratava de uma passagem secreta. Ele havia presumido que
significava que apenas o sultão e seus conselheiros mais próximos
soubessem de sua existência.
Avançando e saindo da escuridão, havia uma dupla de guardas
particularmente corpulentos, com as cimitarras em mãos.
— Ninguém é autorizado a patrulhar as passagens secretas além de
mim, Ali e nossos homens — o homem à direita rosnou.
— Acabamos de falar com Ali — Aladdin disse com rapidez. — Ele
precisou levar uma prisioneira para o calabouço e…
— Mentiroso. Jafar vai saber disso! Impostores!
Não eram apenas guardas corpulentos e burros, é claro.
Estavam prestes a se envolver em uma briga de espadas; como
ladrões, Duban e Aladdin não eram particularmente bons com
cimitarras. Soltaram as armas que faziam parte dos uniformes roubados
e pegaram seus punhais fiéis.
O guarda à esquerda não hesitou: ele logo avançou com sua
cimitarra, na esperança de espetar Aladdin como faria com um kebab.
Aladdin flexionou as costas para trás, observando a ponta mortal cortar
acima de seu rosto, onde seu estômago estivera um segundo antes.
Ele se endireitou antes que o guarda conseguisse reagir, girando seu
punhal e fazendo-o dançar em seu polegar, depois balançou o braço no
último segundo.
Além de ser mais esperto, aquele guarda também era mais rápido do
que os comuns: baixou sua cimitarra de lado e se protegeu
perfeitamente da lâmina de Aladdin.
Não foi um golpe forte o suficiente para arrancar o punhal da mão
dele. Aladdin se recuperou e se levantou, pulando, cravando os pés nas
paredes da passagem em busca de se lançar por cima e cair cinco
passos para trás. Pelo menos agora ele tinha um pouco de espaço para
respirar.
Viu Duban e seu próprio oponente lutando: o amigo estava com dois
punhais, um em cada mão. Ele as usava como um açougueiro
habilidoso para prender e segurar a lâmina da cimitarra do outro homem
quando ele chegava perto.
Vendo que Duban estava indo bem, Aladdin se concentrou na própria
batalha e soltou o punhal com uma manobra perfeita com o punho.
O guarda viu e tentou desviar do ataque, mas se moveu apenas um
segundo mais devagar. O cabo de sua lâmina só pegou na ponta do
punhal voador, fazendo-o girar para longe do alvo. Porém, ainda o
atingiu na lateral do pescoço. Cortou um talho grande e sangrento.
O guarda mal reagiu, encolhendo-se mais de vergonha do que de dor.
Ele girou a cimitarra e, de repente, golpeou, atacando as pernas de
Aladdin.
Sem esperar uma recuperação tão rápida e uma ofensiva imediata,
Aladdin saltou direto no ar — e, então, deu uma cambalhota,
depositando as mãos nos ombros do guarda com o intuito de saltar
sobre ele.
O guarda imediatamente girou, em busca de encarar o oponente
nessa nova direção, a lâmina cintilando como a presa fatal de uma
cobra.
No entanto, Aladdin foi mais rápido e o chutou bem atrás dos joelhos.
O guarda caiu, pesado.
Aladdin dificultou ainda mais, soltando um chute na lateral do guarda.
Conforme ele caiu, Aladdin uniu as mãos e golpeou com um corte final
no pescoço do guarda.
Quando chegou ao chão, o guarda tinha parado de se mexer. Sua
cabeça inconsciente caiu para o lado.
Aladdin girou para ajudar Duban. O outro guarda também estava no
chão.
Mas Duban também.
Ele estava deitado em cima de seu oponente e apertando sua lateral.
— Duban? — Aladdin rolou com cuidado o amigo para que ficasse de
costas.
— Estou bem. — Encolhendo-se de dor… mas não se permitindo
reclamar… Duban se levantou. Ele mancou para a frente, segurando a
lateral com um braço. — Vamos.
Aladdin queria discutir com ele, mas não podia. Todos eles
precisavam trabalhar juntos para o plano ser um sucesso. Além disso,
parecia que nada impediria Duban de libertar sua família.
Eles mancaram juntos até o fim da passagem escura. Ali, deslizaram
um painel para o lado e saíram em uma sala gigante de banquete.
A mesa ridiculamente comprida de madeira que tomava a maioria do
espaço estava desprovida de comida ou de pratos; cadeiras estavam de
lado, nenhuma luz iluminava. Era evidente que Jafar não era tão
aficionado por jantares como o sultão anterior. A única luz na sala
abandonada provinha de um brilho esquisito e vermelho bem no final,
onde jazia a entrada para a sala do trono. Depois que os olhos de
Aladdin se ajustaram por um instante, ele percebeu que a luz emanava
do rosto morto de um homem bloqueando a passagem.
Era Razoul.

— Não temos muito tempo — Jasmine incentivou Jafar. — Em


poucos minutos, o exército dos Ratos de Rua vai lançar um ataque na
sua porta da frente e derrubar o palácio. Cancele seu ataque à cidade.
Não vamos perder mais vidas com isso.
Jafar começou a rir. Depois, olhou para um dos guardas à espera de
ordens, um capitão. O guarda não parecia se divertir.
— Há centenas deles, Sua Alteza. E os… membros vivos de nosso
exército não querem matar mulheres e crianças. O caos está enorme na
cidade. Muitas de nossas legiões estão tentando apagar incêndios
causados pelas explosões deles… e suas.
— Deixe que a cidade queime — Jafar rugiu, cerrando os punhos.
— Quem vai sobrar para amar você? — Jasmine perguntou, incapaz
de manter a ironia longe de sua voz.
Jafar semicerrou os olhos. Virou-se para o guarda.
— Junte o máximo de homens que puder na frente do palácio.
Bloqueie a passagem enquanto penso no que fazer. — Ele batucou os
dedos nos joelhos e começou a murmurar, mais para si mesmo. — Tão
perto… Estou tão perto… Já consegui reviver os mortos. É só uma
questão de tempo até aprender como quebrar outras leis da magia. Só
preciso de mais tempo. GÊNIO! — ele gritou de repente.
— Sim, mestre? — o gênio perguntou exausto.
— Precisamos criar um grande espetáculo para as massas. A
princesa e eu vamos nos casar neste instante.
O gênio ergueu a cabeça fracamente a fim de fitar Jasmine.
— Desculpe, princesa — ele disse. — Mas se ajuda em alguma
coisa, respeito mesmo o que está fazendo. Você teria sido… você será
uma grande sultana.
— Tá, tá, vestido de noiva agora, e todo o resto — Jafar disse
impaciente. — Vou convocar um padre, ou mulá, ou algo parecido…
não importa. Na sacada, onde todo mundo consegue ver.
O gênio debilmente balançou os dedos. De repente, Jasmine estava
usando o vestido que ele fizera antes — aquele que sua própria esposa
tinha usado. Flores, serpentinas e cartazes apareceram por todo o
cômodo e, presumia-se, também do lado de fora do palácio.
Ela assistiu a tudo, dividida entre rir e chorar.
Jafar foi até a sacada e ergueu as mãos acima da cabeça. Sua voz
magicamente melhorada soou pelo reino.
— POVO DE AGRABAH! BAIXEM SUAS ARMAS. A PRINCESA FASMINE E EU
CHEGAMOS A UM ACORDO. VAMOS NOS CASAR NESTE INSTANTE. PAREM DE LUTAR
E VENHAM ATÉ O PALÁCIO PARA TESTEMUNHAR.
Um guarda entrou correndo na sala, empurrando um velhinho com
cara de confuso em trajes religiosos.
— Desculpe, meu senhor, não conseguimos encontrar Khosrow. Este
aqui vai ter que servir…
Jasmine respirou fundo e começou a andar para a frente.

— Pare — o Razoul morto-vivo disse. — Não dê mais um passo.


— Razoul — Aladdin disse, engolindo em seco. — Eu… Eu sinto
muito sobre o que aconteceu a você. Nunca tive a intenção… nunca
quis que morresse.
O morto-vivo olhava para ele, impassível. Não demonstrava nem
perdão nem raiva naqueles olhos sangrentos e reluzentes.
— Razoul. Por favor — Aladdin implorou baixinho. — Você jurou
proteger Agrabah. Contra ladrões como eu… contra danos ao povo.
Seu exército agora está atacando crianças e obrigando famílias a serem
leais a Jafar. Ele faz as pessoas fazerem fila, marcando-as e as
transforma em mortos-vivos como você! É isso que você quer proteger?
O rígido Razoul não disse nada.
— Olhe lá para fora, Razoul — Aladdin implorou, apontando para a
janela. — Olhe. Agrabah está queimando. Sua cidade está queimando.
Razoul virou a cabeça para olhar, sem mexer mais nada. Uma luz
alaranjada clara brilhava por sua pele branca morta. Parte da
luminosidade vinha do sol nascendo, Aladdin percebeu horrorizado.
— Eles não obedeceram — Razoul disse lentamente.
— Obedeceram o quê? Obedeceram a quem? Razoul, não se lembra
de nada da sua vida? Você jurou servir um sultão que… apesar de ele
não ter sido o melhor governante… nunca atacou seu próprio povo.
Jafar está matando e torturando qualquer um que discorde dele. E, se
ele conseguir vencer, vai destruir Agrabah para que ninguém a tenha.
Não enxerga?
Razoul permaneceu em silêncio, assistindo.
— Por favor — Aladdin sussurrou, mirando de novo o horizonte fora
da janela. — Sei que sou a última pessoa no mundo que pode te pedir
alguma coisa. Sinto muito, muito mesmo pelo que aconteceu com você.
Pelo que fiz com você. Mas você me conhece… pense em todos os
anos que conviveu comigo, Razoul. Posso ser um ladrão, mas não sou
mau. E não estou mentindo para você agora. Eu vi um menino de nove
anos, morto-vivo como você. Quer que seu destino seja compartilhado
pelas crianças?
Razoul voltou a cabeça com vagarosidade a fim de olhar para
Aladdin. Mas não havia pupilas para focar, nada além do brilho
vermelho morto.
Aladdin começou a se desesperar.
Então a cimitarra de Razoul bateu no chão.
— Acabe com isso, Rato de Rua.
A voz dele estava tão morta e vazia quanto antes. Não havia
indicação de qual pensamento se passara por aquela cabeça
monstruosa.
— Obrigado — Aladdin sussurrou de alívio. — Espero que encontre
paz.
Mas Razoul não respondeu nem saiu do lugar.
Duban e Aladdin se esmagaram por trás dele e deixaram o recinto. O
morto-vivo continuou encarando o nada no meio do salão envolto em
breu.

— E, Jasmine, a princesa real e filha do sultão… — o velhinho


religioso parou de falar, confuso. — Desculpe, filha. Não me lembro de
todos os nomes. Rosa de Agrabah? Bisneta de Elisheba, o Sábio?
— Acho que era Elisheba — Jasmine disse pensativa. Ela ficava
olhando para o estrado atrás deles, na sala do trono. E olhava para as
suntuosas cortinas douradas penduradas do lado externo do trono e
presas no teto. — Ei — ela de repente disse para o feiticeiro. — Qual é
o seu nome completo?
Jafar piscou.
— O quê?
— Seu nome completo — Jasmine repetiu paciente. — Desde que
me lembro, todo mundo sempre te chamou apenas pelo título, grão-
vizir, ou Jafar. Qual é o resto?
— Esse é meu único nome — Jafar respondeu grosseiramente. — A
única coisa que meus pais me deram e o único nome com que você
deveria se preocupar. Em público, você deve se dirigir a mim como
“Meu senhor”. Agora, continue, velho, antes que eu coloque fogo em
seus pulmões.
Os olhos de Jasmine pareceram brilhar de novo conforme o pobre
religioso começou a invocar as leis de Agrabah etc., etc.
Então, as cortinas atrás do trono tremularam.
O alívio inundou o corpo de Jasmine como se tivesse entrado em um
banho de água fria depois de um dia quente. Ela tentou não demonstrar.
Aladdin colocou a cabeça para fora e deu uma rápida olhada em volta.
Quando a viu, deu uma piscadinha.
Ela assentiu, com o máximo de discrição que conseguiu, para a mesa
à esquerda do trono, onde estavam a lâmpada e o livro.
Aladdin lhe deu um sorriso e fez um joia. Depois, se abaixou.
— Tem alguma coisa errada? — Jafar perguntou, franzindo o cenho
para ela.
— O dia do casamento só está sendo destruído — Jasmine replicou
de modo sarcástico. — Ou são cinzas dos incêndios que você esteve
provocando pela cidade.
— Eles começaram — Jafar retrucou. — Apresse-se. Chegue à parte
em que ela diz “aceito”.
Aladdin estava correndo até a mesa o mais silenciosamente que
conseguia. Um dos ministros olhou para cima, desviando a atenção de
qualquer lista terrível que estivesse fazendo.
Jasmine prendeu a respiração.
Se ele de fato nunca viu Aladdin… ou o viu e escolheu não dizer
nada, ela nunca saberia. Ele se virou para olhá-la por um instante,
depois voltou ao trabalho. Como se nada o tivesse interrompido.
Jasmine soltou a respiração.
Lentamente, Aladdin se esticou para pegar a lâmpada.
— Sob a indulgência do sultão real, o ser mais poderoso e exaltado,
eu agora lhes pronuncio…
De repente, um grito estridente preencheu o ar. Como o barulho de
um falcão bravo, mas muito, muito mais alto.
Criaturas estranhas com bico saíram das sombras das paredes.
Gritaram e batiam as asas na cara de Aladdin.
Jasmine tomou a única atitude em que conseguiu pensar: pulou para
a frente e beijou Jafar.
Jafar se esforçou para se afastar dela, virando a cabeça e fazendo
barulhinhos pfft pfft. Quando enfim conseguiu afastá-la, girou para ver…
depois riu loucamente do que enxergou.
Jasmine se desesperou.
A centímetros da lâmpada, as mãos de Aladdin foram presas pelo
que pareciam videiras douradas que cresciam da tinta da própria mesa.
Quanto mais ele lutava, mais elas apertavam. As gárgulas da sombra
desapareceram, tendo feito o trabalho do alerta.
— Oh, bem pensado — Jafar comentou com a benevolência de
alguém que acabara de vencer. Ele caminhou até Aladdin, sua capa
voando ameaçadoramente por trás dele. — Deveria ter esperado algo
assim. Oh, espere… eu esperava. Por isso os alarmes das gárgulas e
as videiras.
— Jafar…? — Jasmine disse, sem saber o que iria falar.
— Foi muito esperta, minha querida. Dizer tudo aquilo pela paz. Se
tivesse fingido realmente se apaixonar por mim, eu não teria acreditado
nem por um segundo.
A tranquilidade em sua voz não enganava ninguém. Os ministros e
criados que não estavam ativamente correndo para fora da sala
estavam bem casual e rapidamente encontrando motivos para pegar
seus pertences e sair.
— Aladdin — Jafar disse, batendo uma vez no chão o bastão com
cabeça de cobra. — Você é um jovem excepcionalmente talentoso… e
inflexível. Admiro isso. De verdade. Você lembra a mim mesmo de
algumas formas. Então, vou fazer um trato com você. Você se junta a
mim. Jasmine se casa comigo. Você convence os Ratos de Rua a
desistirem e se renderem. Todos nós vivemos felizes para sempre
depois em meu novo mundo, Agrabah Ascendente.
— Nunca — Aladdin chiou, puxando as gavinhas douradas de seus
punhos.
— Posso trazer os mortos de volta à vida agora, garoto — Jafar
rosnou. — Realmente trazê-los de volta. Posso trazer de volta qualquer
um que já morreu. Mesmo que há muito tempo. Até… sua mãe.
Aladdin parou de lutar.
Como Jafar sabia de sua mãe?
— Ela seria apenas mais um de seus mortos-vivos — Aladdin disse
incerto.
— Não, não, meu querido garoto — Jafar disse, olhando-o
lubricamente. — Minha compreensão de Al Azif só se aprofundou…
agora todos os níveis de vida e morte estão se destravando para mim.
Ela poderia ser trazida de volta em perfeita saúde, com o corpo e a
mente intactos.
Antes que ele conseguisse se impedir, Aladdin começou a pensar no
que Jafar tinha dito. Sua mãe. Ela poderia voltar. Curada de sua
doença. E ele poderia lhe dar a vida que ela merecia. Poderia tratá-la
como uma rainha, dar-lhe uma casa grande, todas as comidas e coisas
chiques que ela sempre quis dar a ele.
Ele viu Jasmine morder o lábio ansiosamente.
Mas ela não precisava ter se preocupado; aqueles pensamentos
apareceram e sumiram em apenas um instante. Mesmo que Jafar
estivesse falando a verdade sobre seus poderes, Aladdin vira Razoul.
Vira o menininho. Quem saberia como sua mãe de fato voltaria?
E, mesmo que ela voltasse viva e inteira, ele sabia o que ela teria a
dizer sobre isso. Fazer uma aliança com um feiticeiro maligno garantiria
apenas mais mortes e mais infelicidade.
— Nem por minha mãe — Aladdin sussurrou. — Nunca vou me aliar
a você.
— Oh, bom, não importa muito — Jafar disse sem surpresa,
encolhendo os ombros. — Assim que eu quebrar a terceira lei da magia,
toda Agrabah irá me amar. Fasmine vai me amar. E você… bom, não;
não vou te obrigar a me amar também. Vou deixar você como o único
homem são que restará em Agrabah. Enquanto todo o resto à sua volta
me adora… você estará totalmente sozinho.
— É aí que você se engana, Jafar — Aladdin disse com um sorriso.
— Um Rato de Rua nunca está sozinho.
Antes de Jafar erguer as sobrancelhas em um escárnio
adequadamente sórdido, uma cimitarra cortou o ar, partindo as
gavinhas douradas dos punhos de Aladdin. Duban saiu de trás do trono.
Um instante depois, um monte de cabelo voador e maltrapilho e
calças entrou impetuoso na sala. Morgiana só estava sangrando um
pouco e carregava uma espada pequena em cada mão — além de uma
cimitarra extra em sua mão direita.
— Demorou — Aladdin disse, acusando-a.
— Você disse “sem matar” — ela retrucou, dando de ombros. —
Coisas assim demoram.
Ela se virou e jogou a cimitarra para Jasmine.
Jasmine a pegou com um sorriso.
Jafar resmungou. Ele pegou a lâmpada da mesa e guardou-a em
suas vestes. Depois ergueu o bastão.
— Sinto que devo alertá-los — o gênio disso fracamente. — O cocô
do camelo está prestes a bater no ventilador.
Mas os Ratos de Rua não ficaram esperando.
Aladdin saltou na mesa enfeitiçada e deu um chute na cabeça do
feiticeiro. Duban foi atrás do Al Azif, pegando-o com seus dois punhais
segurados como pinças. Morgiana correu para a ampulheta mortal e
começou a bater nela com o cabo da espada.
Jafar movimentou o bastão de lado e bloqueou o golpe de Aladdin.
— ! — ele rugiu com os olhos ficando vermelhos.
— Ousam desafiar o feiticeiro mais poderoso do ?
Ele ergueu a mão.
Uma parede de fogo se formou entre Duban e Al Azif. Em outro lugar,
os móveis começaram a se erguer no ar e voar pelo cômodo. Sofás se
arrastavam pelo chão. Vasos giravam fora de controle. Um divã se
jogou na direção da cabeça de Aladdin.
Aladdin pulou e desceu da mesa, dando uma cambalhota e acertando
a lateral do divã com os pés conforme caía. Duban mergulhou no chão,
desviando de um narguilé de latão e ouro que se destinava a seu rosto.
Morgiana e Jasmine pularam desviando das peças menores de mobília
que foram na direção delas.
Aladdin arrastou o pé em círculo, girando como um dervixe. Varreu os
tornozelos de Jafar.
O feiticeiro começou a se inclinar ao chão — então parou no meio.
Com uma risada nojenta, Jafar se endireitou de novo de uma forma
totalmente não natural.
Ele abriu sua capa, revelando os trajes que usava por baixo. Aladdin
viu, com horror, que apertado a eles no meio, havia um último pedaço
do tapete — a ponta com as borlas que ele sempre pensara que fosse o
“rosto” do pobrezinho.
Enquanto Aladdin estava petrificado, Jasmine pegou a cimitarra dela
e correu para Jafar, tentando enterrá-la na lateral do corpo dele. Com
facilidade, ele a jogou para o lado com seu bastão.
— ! — Aladdin gritou. — O que está fazendo?
— Distraindo-o — ela disse, esquivando quando o feiticeiro tentou
bater na cabeça dela, bravo demais para se lembrar de usar os poderes
por um instante. — Era minha tarefa, lembra?
— Sim! E fez um bom trabalho. Agora saia daqui antes que morra!
Com óbvia dificuldade, Jafar controlou o ódio e se acalmou. Seus
olhos cintilaram em vermelho de novo.
Os utensílios do cômodo agora começaram a explodir em chamas —
utensílios que normalmente não deveriam ser inflamáveis. Vasos de
pedra e peças de metal. O próprio trono explodiu, arremessando Duban
no chão.
Estilhaços e detritos saíram voando para trás da cabeça de Jasmine,
deixando rastro de fogo e fumaça no processo.
— Jasmine! — Aladdin gritou.
A princesa girou, mas não rápido o suficiente para desviar por
completo do objeto em chamas. Ela gritou quando foi atingida, cobrindo
a cabeça com os braços. O ar ficou com cheiro de pele e cabelo
queimados. Uma pele vermelha e irritada borbulhou e se desfez em um
talho dividindo sua testa.
Outro vaso se ergueu e foi em sua direção.
Morgiana abandonou imediatamente o ataque à ampulheta e se jogou
na frente de Jasmine.
Shirin e Ahmed berraram silenciosamente quando Morgiana pareceu
abandoná-los — e às rachaduras em forma de teia de aranha no vidro
que ela conseguiu causar —, mas Maruf simplesmente pareceu
resignado, compreendendo o que eles precisavam fazer. Era muito
doloroso de assistir.
Usando ambas as espadas, Morgiana rodou em um borrão,
rebatendo para o lado um objeto em chamas atrás do outro conforme o
feiticeiro focava toda sua ira na princesa. Quanto mais rápido os
projéteis chegavam, mais rápido ela se movia.
Jasmine cambaleou pela dor do ferimento, tropeçando para tentar
ficar em pé. Cerrou os dentes e se obrigou a permanecer firme,
erguendo a cimitarra para se defender.
— Morgiana! Me esqueça — ela ordenou, resmungando. — Volte e
salve as crianças!
A ladra hesitou por apenas um instante, mas depois assentiu e voltou
a atacar o vidro. Shirin e Ahmed choraram de alívio.
Duban começou a rastejar de volta à mesa que tinha o Al Azif.
Aladdin percebeu que Jafar estava franzindo o cenho enquanto as
coisas explodiam e voavam; ele parecia precisar usar toda sua
concentração nesses múltiplos ataques.
O ladrão imediatamente agiu e saltou no feiticeiro. Mas caiu no chão,
segurando o nada. Até o tecido desapareceu de suas mãos.
Jafar riu insanamente, de súbito do lado mais distante do cômodo.
Ele apontou um dedo. Lançou raios de fogo pelo ar.
Aladdin pulou de um pé a outro, para a frente e para trás, tentando
desviar deles e manter a postura.
Jafar apontou com o dedo — em outro lugar desta vez.
Duban soltou um grito torturado.
Aladdin girou para olhar.
Em pé entre Duban e Al Azif estava uma figura feita totalmente de
fogo. Era igual a Shirin. Até se portava como Shirin; com timidez, seu
peso no pé direito enquanto seu esquerdo estava cruzado à frente. Mas
não havia expressão em seu rosto vermelho e amarelo.
Aladdin olhou em volta rapidamente para ver se a sobrinha de Duban
ainda estava na ampulheta. Ela estava assistindo a tudo com horror
conforme Morgiana lidava com o novo problema: ela progredira em
fazer um buraco pequeno no vidro, mas agora estava correndo perigo
de fechar de novo. Pedras chatas e sobrepostas como escamas de
cobra haviam começado a subir pelas laterais do vidro, protegendo-o de
seus golpes de espada.
Hesitante, Duban tentou esticar o braço em volta da Shirin em
chamas para pegar o livro.
Em silêncio, a efígie esticou a mão e queimou uma longa marca preta
comprida e listrada em seu braço. Mas sua expressão ainda estava
vazia.
Duban chiou e puxou de volta.
Jafar sorriu com crueldade para Aladdin.
— Você não parece ter alguém que ame que eu poderia convocar
para morrer com você.
Aladdin rezou para o feiticeiro não descobrir a verdade sobre ele e
Jasmine.
— E você matou a única coisa que já amou — Aladdin retrucou.
A expressão de Jafar se tornou sombria com ódio. Seu lábio superior
tremeu de raiva.
— Mas há alguém que você ama, não é? — ele murmurou.
Aladdin sentiu o coração parar.
— Não acredito que quase perdi isso! — Jafar sorriu, o sorriso
dourado e intimidador era amplo demais para ser humano. Fechou os
olhos e cerrou os punhos.
Aladdin se preparou.
Um macaco roxo feito totalmente de fogo criou vida no meio da sala.
Apesar de Aladdin sentir uma explosão enorme de alívio por não ser
Jasmine, também não foi tão engraçado quanto poderia ter sido. Não
parecia tanto Abu — era como se Jafar não conseguisse se lembrar
apropriadamente dele e, então, convocou uma similaridade. Era mais
como um babuíno grande e bravo. O macaco gritava e mostrava presas
afiadas em chamas.
Aladdin o atacou com seu punhal. Isso só provou o que ele já
suspeitava: o macaco era tão irreal quanto as gárgulas. A lâmina o
cortou e nada aconteceu, exceto que o punho do metal ficou quente
demais para segurar.
Aladdin soltou sua lâmina e logo mudou de tática. Abaixou-se e
puxou a ponta de um tapete, como um mágico prestes a fazer um
truque. Rezando para o babuíno se comportar mais como o fogo do que
como animal de verdade, Aladdin se jogou na coisa, abrindo os braços
amplamente para envolvê-la no tapete.
Ar quente explodiu pelas laterais conforme ele caiu no chão. O pelo
de seu braço esquerdo chamuscou em um chiado doloroso.
No entanto, quando olhou para baixo, o macaco parecia ter
desaparecido.
— Morgiana! Jogue uma espada para mim! — Duban gritou, depois
de ter visto a coisa toda.
Ela parou o que estava fazendo e o fez sem hesitar. No entanto,
neste espaço de alguns segundos, as camadas de pedra aumentaram
na ampulheta. Começaram a se espalhar como espinhos gigantes.
Com uma expressão de dor, Duban começou a cortar a efígie de fogo
com golpes da espada. A Shirin de Fogo atacou Duban, com os dedos
se alongando como cordas compridas de chamas. Ele recuou, mas
aumentou a velocidade do ataque, girando as armas de um jeito furioso.
As beiradas do demônio começaram a ficar embaçadas, pegas pelo
movimento das lâminas.
A boca dela se abriu em um grito sem som. Ela atacou com
chicoteadas longas de fogo.
Duban desviou delas o máximo que conseguiu, mas continuou
atacando com as espadas, mexendo-as no ar.
Logo, ele estava simplesmente girando as lâminas, círculos
fatalmente iguais de metal.
O vento finalmente foi o bastante para apagar as chamas em si. A
efígie começou a desaparecer, despedaçada. Ela gemeu em silêncio
conforme tentou manter sua coerência.
Logo, não era nada mais do que manchas de faíscas quentes
rapidamente se dispersando no ar.
Duban caiu no chão, uma mão em sua lateral ferida e uma expressão
enojada.
— Aladdin! Duban! Me ajudem! — Morgiana gritou
desesperadamente enquanto a pedra continuava a espiralar de maneira
irregular e formar espinhos. — Temos que…
E, então, um galho de pedra atingiu seu ombro direito por trás. Ela
ficou presa na árvore de pedra.
Não se mexeu. Abriu a boca, mas não gritou. Seu rosto ficou branco
e tenso de dor.
— Mia! — Duban gritou… mas ele mal conseguia ficar em pé depois
de seus esforços.
Com lentidão, e claramente em agonia, Morgiana olhou para baixo e
quebrou o espinho de mármore afiado com o cabo de sua espada.
Gemendo de dor, ela se soltou da árvore de pedra.
Não saiu nenhum sangue; sua ferida foi cauterizada por qualquer que
fosse a magia de fogo que tinha criado o espinho. Seu braço ficou mole.
Rosnando de fúria, Jasmine saltou e se lançou sobre Jafar.
O feiticeiro deu risada ao ver a princesa brava e começou a erguer o
bastão para fazer algo terrível.
Isso fez Aladdin perceber uma coisa. Estava perdendo tempo
tentando romper as defesas de Jafar para pegar a lâmpada. Ele deveria
ter atacado as defesas de Jafar diretamente: o próprio bastão. Livrando-
se daquilo, Jafar ficaria praticamente ineficaz.
Aladdin se lançou no ar, mirando com os pés primeiro.
Bateu no bastão de Jafar — mas não quebrou. Tentou arrancá-lo da
mão do feiticeiro. Jafar agarrou firme, os nós dos dedos
embranqueceram. Fechou os olhos, começando a criar outro feitiço.
Aladdin também fechou os olhos — e bateu a própria cabeça contra a
de Jafar.
Ele poderia ser o feiticeiro mais poderoso do mundo, mas não tinha
experiência com briga de rua.
Atordoado pela ferocidade do ataque, Jafar abriu os olhos, surpreso.
O sangue escorreu por sua testa e derramou de seu nariz. Ele não
soltou o bastão, mas seus dedos se afrouxaram um pouco.
Aladdin segurou o bastão de cobra e o girou, virando-o e puxando-o
ao mesmo tempo, como um dos tocadores de bateria demoníacos do
desfile de Jafar.
Jafar se grudou a ele como um gato, suspendendo-se no ar com a
ajuda de seu pedaço de tapete mágico. Sua falta repentina de peso fez
Aladdin se estender demais e mandou os dois voando para o chão.
Jasmine não perdeu tempo, jogando-se em cima de Jafar e
envolvendo os braços nele. Foi apenas peso extra suficiente para
alavancá-lo e forçá-lo ao chão. Aladdin colocou toda sua força em um
último puxão — arrancando o bastão dele.
Imediatamente, ele sentiu a garganta se fechar conforme Jafar
resmungava e trabalhava em outra magia.
— Jasmine! — Aladdin exclamou, sufocando. Como se estivessem
em um jogo de bola de rua, ele se apressou em lhe jogar o bastão.
Surpresa, ela se atrapalhou, desesperada, mas conseguiu pegá-lo.
— - ! — Aladdin gritou quando Jafar começou a transferir sua
magia fatal a ela.
O tempo pareceu parar quando Jasmine olhou para a coisa que tinha
em mãos. Em algum lugar, no canto do cômodo, Morgiana estava
tremendo de dor, tentando segurar para cima sua espada. Maruf,
Ahmed e Shirin lutavam contra a areia. Duban estava rastejando em
direção à mesa e pegando Al Azif com braços trêmulos. O gênio mal
assistia a tudo de onde estava amarrado.
Jasmine olhou do bastão para Jafar. O homem que assassinou seu
pai bem ali. O homem que mantinha Agrabah em escravidão. O homem
que não trouxe nada além de sofrimento a todos.
Ela ergueu o bastão acima de seu joelho e, então… começou a
sussurrar.
— Ia, ia, shal-alyeah, a’hz’red abenna…
Ela apontou o bastão para Jafar e falou mais alto.
— Ia, ia, shib-benathki alleppa ghoser!
Jafar arregalou os olhos quando reconheceu as palavras. Seu rosto
ficou pálido.
Então ele se curvou de dor.
Todo mundo parou o que estava fazendo e assistiu, também em
choque.
— Oh, sim, Jafar — Jasmine disse com um sorriso bravo. — Eu li
aqueles livros que você roubou do mundo todo. Escolhi algumas
passagens que pensei que seriam úteis. Decorei.
As camadas de pedra que cresciam na sala começaram a se
desmanchar e cair conforme Jafar arfava de agonia.
— Jasmine…? — Aladdin disse devagar.
Ela pairou sobre o feiticeiro como um predador.
— E agora, acho que vou dar um fim a tudo isto. Você vai morrer.
Indefeso, envergonhado e totalmente sozinho. Assim como meu pai.
— Não, Jasmine, não… — Jafar se encolheu e gemeu sob qualquer
que fosse a tortura mágica que ela estivesse colocando nele. — Por
favor. Qualquer coisa. Eu queria me casar com você…
— Você queria uma princesa. Qualquer princesa. Queria ser sultão.
Queria toda a pompa da realeza. Bom, adivinha só? Deveria ter ficado
como grão-vizir. Ser real é bem mais mortal. Como meu pai descobriu.
Como eu quase descobri. Como você está prestes a descobrir.
— Aprendi minha lição. Fui tolo. Me mande para exílio. Me prenda.
Não…
— Pegue seu punhal. Agora — ela ordenou.
— Jasmine — Aladdin disse com cautela, avançando.
Todos na sala tinham motivos para odiar Jafar e, ainda assim, todos
pareceram desviar o olhar conforme as lágrimas começaram a escorrer
por seu rosto. Com a mão trêmula, o feiticeiro enfiou o braço na capa e
pegou um punhal preto curvado e familiar.
Soluçando e fungando, ele pressionou em sua própria garganta. —
Fasmine — Aladdin disse alto. — Não faça isso. Não assim.
— O quê? Quer que o solte? — Jasmine perguntou. — Prenda-o? Ele
é… Fafar, Aladdin. Vai fugir, subornar alguém ou escapar com magia.
Não, se o matar, tudo acaba. Agora.
— A que custo? — Aladdin perguntou.
Ele apontou para a multidão confusa além da sacada, ainda
aguardando para invadir o palácio ou assistir a um casamento. Depois
deles, a guerra pela cidade ainda acontecia.
— Você disse que queria uma nova Agrabah. Uma Agrabah melhor.
Onde as pessoas são livres, as leis são justas, todo mundo cuida um do
outro e ninguém é excluído do sistema. Significa todo mundo… até ele.
Se quer executá-lo, tudo bem. Faça um julgamento primeiro. Um
julgamento público em que todo mundo pode ver a lei sendo cumprida
às claras. Não simplesmente assassiná-lo com as portas fechadas
assim.
Jasmine não olhou para Aladdin. Ela manteve os olhos em Jafar. Ele
ainda estava soluçando; o punhal pressionado no pescoço, tão forte
que gotas de sangue escuro começaram a escorrer.
— Por favor — Aladdin sussurrou.
Jasmine franziu o cenho.
— Certo. — Ela por fim cedeu.
Balançou o bastão de maneira nervosa e o quebrou contra a
ampulheta.
Os dois itens mágicos se estilhaçaram juntos, areia, vidro, madeira e
pedra girando até tudo desaparecer.
Tudo que restou foram os dois olhos de rubi da cobra, girando no
chão.
Shirin e Ahmed saltaram do ombro do avô com gritos exultantes de
alívio. Maruf, um pouco cambaleante, a cumprimentou.
Jasmine, tremendo, respirou fundo. Mas o ódio tinha sumido.
Ela quase matara um homem a sangue-frio. Usando magia negra.
Olhou para Aladdin. Não precisou dizer “você tinha razão”.
— Eu sei o quanto foi difícil — ele disse, pegando sua mão e
apertando-a. — Mas era a atitude certa.
Jasmine balançou a cabeça, suspirando.
— Eu sei. Mas deveríamos ter…
O que quer que Jasmine estava prestes a dizer em seguida foi
interrompido por um raio de luz, negro como a morte, cortando a sala e
rodeando Jafar.
— Jasmine pode não ter a coragem para te matar, mas eu tenho! —
Duban gritou.
Todos se viraram para olhar. Ele estava em pé, triunfante, com o Al
Azif na mão. Fendas sombrias no ar rodavam à sua volta. Um rosnado
de ódio e ira tomou sua expressão.
— Isso vai finalmente acabar com sua maldade. Morra, Jafar, da
forma que teria feito minha família morrer!
Um vento uivante começou. O olho do livro piscou e revirou.
Jafar começou a sufocar.
Ele bufou, tossiu e segurou o pescoço, incapaz de emitir som. Um
pouco de sangue e areia saíram pela lateral de sua boca.
Jasmine se afastou dele horrorizada, fora do alcance da magia.
Aladdin e Morgiana assistiram a Duban, chocados e receosos.
— Apenas… morra! — ele rosnou.
Shirin e Ahmed, tão felizes um segundo antes, começaram a chorar.
O olhar no rosto do tio era aterrorizante.
Mas Jafar ainda não tinha terminado.
Ele deu uma risada rangida e gaga. Jatos de saliva e grãos de areia e
bolhas de sangue mancharam seu colarinho preto.
— Ainda tenho um desejo, seus tolos.
Jasmine balançou a cabeça e falou baixinho.
— Jafar, acabou. Tente encontrar paz. Não tenho medo do que você
desejar. Ainda haverá Ratos de Rua quando você acabar. Alguém vai
conseguir pegar a lâmpada e pedir ao gênio desfazer tudo que você fez.
Jafar continuou rindo, mas desta vez em silêncio e fracamente. Ele
tossiu e pigarreou uma última vez.
— Me escute, Gênio. Eu desejo… que quando eu morrer… toda a
magia morra comigo.
O fim… da magia

e pareceram se encolher em volta


de si mesmas. Não mais em seus trajes de sultão magicamente criados,
ele agora estava ali deitado com seu antigo uniforme de grão-vizir. Caía
e girava areia em volta de seu corpo como se já estivesse se
decompondo no deserto.
Sua voz ficou mais irregular e fraca.
— O mundo… vai ser um mundo comum para sempre agora. Boa
sorte para consertar tudo em Agrabah sem magia. Vocês precisam dela
para finais felizes, sabem…
Com mais uma respiração arfante, ele se foi.
Antes de qualquer um conseguir reagir ao que acabara de ocorrer,
gemidos estranhos e barulhos horríveis vieram dos corredores.
Primeiro, Aladdin ficou confuso com o som. Depois, percebeu a
verdade: os mortos-vivos estavam voltando ao seu estado natural.
Mortos. Ele fechou os olhos, imaginando Razoul no salão de banquete.
Neste momento gostaria de se lembrar de alguma oração apropriada
para todos eles.
Houve gritos de confusão e, então, triunfo do lado de fora da sacada.
— ! — uma voz estranha gritou.
Todos na sala se viraram para olhar o gênio.
Mas ele não estava lá. Em seu lugar, havia um homem do tamanho
normal com pele e cabelos ordinários — embora sua pele ainda tivesse
um tom claro de azul. Ele estava olhando para os braços, abrindo os
dedos, mexendo os dedos do pé.
Estalou os dedos.
Nada aconteceu.
Apontou para uma cadeira e murmurou algo.
Nada.
Um choro sufocado saiu de sua garganta.
— Gênio. Você não é mais… mágico… — Jasmine disse com a voz
cheia de pena. Ela se aproximou e o abraçou. Ele não resistiu.
— Nunca pensei que estaria livre de novo — ele disse, vazio. — E
certamente não assim. Sou humano. Ordinário. Normal.
— Só porque não tem seus poderes… — Aladdin começou.
— ! — o gênio berrou. — Eram quem eu
era. Quem todos os Djinn eram. Podemos fazer essas coisas tão
naturalmente quanto vocês primatas sabem andar em duas patas ou ler
livros. Foi como nós nascemos.
— Desculpe — ele adicionou rapidamente, passando uma mão em
sua cabeça. — É que é muita coisa para absorver.
— Isso tudo é muito para absorver — Aladdin disse, analisando seu
entorno e enfim olhando para Duban. O velho amigo estava ali parado,
e parecia bravo, porém confuso. Seus olhos estavam contornados de
vermelho e seu rosto, pálido.
Morgiana avançou e colocou a mão no braço de Duban. Era difícil
saber se era de solidariedade, empatia — ou para tirá-lo da vista de
todos. Talvez fosse um pouco dos três.
— Duban — ela murmurou.
Maruf se aproximou devagar do filho. Ele colocou o braço em seu
ombro, incerto do que fazer.
— Filho, estou emocionado por me amar tanto para… fazer… isso.
Mas…
— Eu só… — Duban disse, de repente perdido. — Só consegui
pensar nisso… ele merecia morrer.
Mas suas palavras não transmitiam muita convicção.
— Você planejou isso desde o início — Aladdin disse lentamente. —
Foi por isso que quis trocar com Morgiana para ela tentar libertar os
outros. Por isso que estava tão… quieto e mal-humorado.
— Eu… tinha que fazer isso! — Duban protestou sem entusiasmo. —
Precisava ser feito. Você sabe disso. Todos vocês sabem. Jafar tinha
que ser morto. Nada mais o faria parar ou acabar com esse reinado de
horror. Ele iria fugir de qualquer punição que vocês decidissem. Sabem
disso…
— O que está feito, está feito — Morgiana disse. Mas não soou
convincente.
Duban olhou para Shirin e Ahmed, suplicante, mas eles se
esconderam por trás do traje de Maruf em busca de proteção.
O velho colocou as crianças para o lado e sussurrou calmamente
para elas.
— Eles acabaram de passar por muita coisa — ele disse em um tom
de voz mais alto, tentando soar reconfortante.
Porém, Duban estava encarando o chão em algum lugar além do
feiticeiro morto, sem efetivamente estar olhando para alguma coisa.
Jasmine analisou a cena ao seu redor e percebeu que nem tinha
energia para gritar. Era morte, bagunça, tristeza e confusão para todo
lado. Não era um bom lugar para começar…
Ela foi até a sacada e olhou para fora.
— Que pena que não tem como me fazer ser ouvida através do caos
— ela disse com um suspiro. — Tipo magicamente. !
! — ela gritou o mais alto que conseguiu, erguendo
os braços. — Nós vencemos — complementou, um pouco fraca.
Algumas pessoas notaram e comemoraram.
— Você vai ter que ir lá fora — Morgiana disse para ela, virando-se
de Duban por um instante. — Vai ter que descer lá naquela confusão e
se certificar de que todos a vejam e ouçam o que aconteceu.
— Como alguém vai me ver naquele caos todo? Já sou uma cabeça
mais baixa do que todos. Até com minha maior coroa.
— Vamos te carregar — Aladdin sugeriu, o mais alegre que
conseguiu. — Nos ombros. Em uma procissão triunfante.
— Eu poderia ter feito uma procissão triunfante — o gênio murmurou.
— Com chifres, confete e todo o esquema.
Assim, os amigos saíram do palácio em um desfile rapidamente
organizado. Os guardas do palácio estavam exultantes com a nova
situação; aparentemente, gostavam da estabilidade ainda mais do que
gostavam de lutar. Ergueram a ponte levadiça e forneceram uma
escolta para precedê-la, gritando que as pessoas deveriam abrir
caminho para a sultana Jasmine.
Jasmine se equilibrou com o máximo de graciosidade que conseguiu
nos ombros de Duban e Aladdin, com uma bandagem de seda branca
envolvendo sua testa para cobrir a queimadura. Duban manteve a
cabeça baixa, reduzido ao silêncio de novo. Maruf mancava atrás, junto
ao gênio, que estava tendo dificuldade em acompanhar e andar no chão
adequadamente.
— Essa coisa de andar é a pior — ele resmungou. — A gravidade
aqui é sempre ruim nessa época do ano?
Shirin e Ahmed acompanhavam com timidez atrás deles, exaustos,
mas felizes em fazerem parte da procissão e serem o centro das
atenções.
Morgiana era a última da procissão, tentando sorrir, mas
demonstrando desconforto considerável — e não apenas por causa de
seu braço mole e enfaixado. Não era para os ladrões serem o centro
das atenções. Ela manteve a mão boa no punhal.
A multidão mais próxima ao palácio não estava mais brigando;
aguardava para ver o que estava acontecendo com Jafar e Jasmine. As
novidades se espalharam rapidamente quando viram a princesa
acenando e sorrindo. Elogios e comemorações começaram. As pessoas
erguiam para o ar quaisquer armas que tinham e gritavam em triunfo.
E, então, juntavam-se ao fim do desfile, cantando e dançando.
— Você está bem aí em cima? — Aladdin perguntou ao mudar o peso
dela em seu ombro.
— Absolutamente. Sigam para a sede dos Ratos de Rua… a nova! —
ela disse com um sorriso. — Vamos levar a festa para lá!
Eles começaram uma rota sinuosa e lenta pela cidade, adicionando
aos seus números outros rebeldes que se juntavam conforme eles
progrediam.
Mas, de onde ela estava, Jasmine conseguiu ver uma outra procissão
menor e mais lenta se movendo para longe do barulho: uma família
carregando o corpo tristemente familiar do garoto morto-vivo Jalil, que
agora estava em paz. Nem Agrabah ou seu povo ficaram
completamente ilesos pelo que tinha acontecido. Para algumas
pessoas, nada mais seria igual.
Mas mais algumas ruas à frente, um velho amigo veio se esgueirando
na multidão e saltou na nova sultana, quase derrubando-a.
— RAFAH! — Jasmine gritou, abraçando-o. O tigre tinha os bigodes
chamuscados e ainda mancava um pouco por causa do machucado
causado por Jafar. Mas, fora isso, ele parecia bem e lambeu o rosto
dela como um filhote.
Depois disso, houve pouca necessidade de ficar nos ombros de
alguém; Rajah chamava mais atenção do que suficiente para a sultana
— e enfatizava sua mística. Ela manteve uma mão recatada nas costas
dele e acenava com a outra, parecendo a cada segundo uma sultana,
apesar dos pés descalços e das roupas rasgadas.
Quando enfim chegaram ao armazém de pão, parecia que todos em
Agrabah estavam nas ruas festejando.
Pareesa apareceu das sombras e andou indiferente ao lado de
Morgiana e Duban, como se sempre estivesse ali. Estava sorrindo, mas
cheirava a fumaça.
O pequeno Hazan gritou de alegria quando viu os amigos Shirin e
Ahmed sãos e salvos. Correu até eles, e os três dançaram felizes em
círculos aos pés dos adultos.
— Abu? — Aladdin chamou, fazendo as mãos em formato de concha
na boca.
Ele não iria se preocupar com seu amiguinho. Abu estaria bem onde
quer que estivesse. Se tivesse partido para uma vida livre em algum
lugar nas selvas, em um oásis ou algum outro lugar, melhor. Aladdin
estava feliz por ele.
— Abuuuuu?
Guinchos bravos de macaco choveram sobre ele com uma bola de
pelo marrom descendo do topo do depósito.
Aladdin sorriu de orelha a orelha. Abu cruzou os braços — quase
como um humano — e não desceu para recebê-lo do jeito que Rajah
fez com Jasmine. Aladdin sabia que ele ficaria de mau humor por um
tempo, e manteria distância. Mas tudo bem. Contanto que estivesse ali.
Em casa, os Ratos de Rua estavam totalmente em modo festivo,
servindo bebidas em taças douradas e distribuindo a todo mundo. Um
pequeno grupo de músicos tinha rapidamente formado uma banda e
estava tocando músicas dançantes em um terraço. Até a viúva
Gulbahar levantava as saias com delicadeza e mostrava a todos como
se costumava dançar nos tempos antigos, quando música era de fato
música.
Mas todo mundo parou o que estava fazendo e começou a
comemorar selvagemente quando enfim se depararam com Jasmine.
Ela acenou e a multidão gritou mais alto.
— Parabéns, sultana — Sohrab disse, avançando do caos. Ele
baixou a cabeça e se ajoelhou com uma perna. Amur, Khosrow e
Kimiya logo o seguiram… assim como Pareesa, Morgiana e o restante
dos Ratos de Rua. E, então, o resto do povo, lado a lado, juntos como
um só. — Agrabah é sua.
— Não — Jasmine rebateu, contemplando o mar de líderes de
associações, e os ladrões, o gênio e todo o povo de sua cidade. —
Agrabah é nossa.
Epílogo

semanas de punição, noites de cerco


e, depois, das festas excessivas. Para celebrarem seu reencontro com
a liberdade, as pessoas tinham ficado nas ruas até o amanhecer,
dançando, cantando e conversando com velhos vizinhos e novos
amigos. A lua se pôs com as festividades, e o sol nasceu em um
rescaldo sonolento.
Duban, Jasmine, Aladdin, o gênio e Morgiana, em certo momento,
voltaram ao palácio durante o brilho rosado do nascer do sol. Maruf,
Shirin e Ahmed, e o que parecia ser metade das crianças de Agrabah,
estavam se aproveitando dos brinquedos do antigo sultão na sala ao
lado. Seus barulhos felizes contrastavam com o silêncio reflexivo das
cinco pessoas que tinham um reino para reconstruir.
Duban, desastrosamente, chutou Al Azif, agora uma pilha quase
irreconhecível de papel queimado e cinzas.
— Lá está a lâmpada — Aladdin de repente viu.
Estava no chão, desgastada e manchada, a mesma velha peça de
latão de quando ele a encontrara pela primeira vez.
Parecia fazer muito tempo.
Aladdin suspirou. Tudo que ele sempre pensou ser impossível tinha
acontecido… e, então, tudo retornou ao normal. De volta à forma que
era antes.
Bom, exceto pelas marcações, execuções e o que aconteceu com
Duban, e a cidade toda, claro. Tinham que lidar com tudo isso.
E ele, com certeza, estava diferente.
Pegou a lâmpada e a entregou para o gênio, que a tomou nas mãos
com um sorriso triste.
— Que pedaço de lixo — o gênio disse. — E também uma jornada.
Não consigo acreditar que fiquei aí por dez mil anos, mesmo que fosse
de aluguel…
Sua voz sumiu, seu coração estava em outro lugar.
— É. Acho que acabei por aqui — ele disse, enfim. — Ei, princesa?
Lembra daquilo que te contei sobre viajar o mundo? Me afastar do lugar
onde meu povo foi dizimado?
— Lembro — Jasmine disse com gentileza. Ela imaginou o que viria
em seguida, mesmo que não gostasse do que seria.
— Acho que vou fazer isso. Vou viajar e ver o mundo. Ver um pouco
de neve. Começar uma nova vida… como humano. De algum jeito.
Ela assentiu com tristeza e pegou as mãos dele. Ficou admirada com
a rapidez com que se acostumara com alguém que era azul… e agora
não era mais.
— Obrigada por tudo. E… sinto muito. Por tudo. — Ela se esticou na
ponta dos pés e o beijou na bochecha.
Aladdin se aproximou e apertou sua mão.
— Sinto muito por estar indo embora. Queria que pudéssemos ter nos
conhecido melhor. Você parece ser um dos caras bons.
O gênio deu um sorriso fraco.
— Isso é demais — Jasmine disse com um suspiro. — Eu… queria
que Jafar nunca… Eu queria ter…
Aladdin sorriu e colocou uma mecha de cabelo dela atrás da orelha.
Como se quisesse fazer isso desde o início.
— Acabaram os desejos — ele sussurrou com um sorriso triste. —
Talvez nunca tenham realmente existido.
— Gênio — Duban de repente gritou. — Vou com você.
— O quê? — o gênio perguntou surpreso.
— Não posso ficar aqui — Duban disse amargo. — Meu pai tinha
razão. Eu não deveria ter matado Jafar daquele jeito. Não… precisava
ter sido assim. Minha própria família mal consegue me olhar agora.
— Duban, não — Morgiana implorou. — São crianças! Vão superar.
Fique aqui. Está tudo bem. Vamos passar por isso juntos. Foi só um
erro.
— Foi… um erro bem grande. Não, preciso fazer as pazes. Do meu
próprio jeito. Vou voltar um dia — Duban prometeu com um sorriso
triste. — Quando parecer o certo a se fazer.
— Cabra teimoso — Morgiana murmurou, fungando alto.
Duban deu uma risada baixinha e deu um passo à frente, beijando-a
na testa.
— Bom, então tudo bem — o gênio disse com cautela, mas soando
mais feliz. — Vamos viajar o mundo fugindo de nosso passado. Amigos
de penitência! Vamos arrumar a mala e ir logo.
Ele pareceu perdido por um instante. Talvez tivesse tentado fazer
aparecer uma mochila ou um baú. Nada apareceu. Uma expressão
estranha o tomou… Aladdin reconheceu o que era depois de um
instante; era bem parecido como quando se está sonhando e você sabe
que é um sonho e sente que pode fazer tudo o que quiser… mas não
consegue.
Por fim, o gênio simplesmente balançou a cabeça e seguiu para a
porta.
— Detesto despedidas longas — ele disse. — Dez mil anos
assistindo a vocês viverem e morrerem faz isso. Então… tchau.
— Espero que encontre paz — Jasmine sussurrou.
Duban cumprimentou Aladdin com rapidez e se curvou
profundamente para Jasmine.
— Sultana — ele sussurrou. E, então, seguiu o gênio para fora.
E foi isso. Foram embora.
Morgiana os observou por um instante, tentando não chorar.
— Aquelas crianças estão destruindo meu futuro escritório — enfim
rosnou, pisando duro para dar a notícia a Maruf e as crianças.
Jasmine suspirou e foi até a sacada a fim de olhar a cidade. O tempo
de desejos poderia ter acabado, mas também tinha terminado o tempo
das lágrimas.
Aladdin se aproximou para ficar em pé ao seu lado e colocou a mão
no ombro dela.
Juntos, eles assistiram à multidão lentamente se dispersar e a
fumaça dos incêndios ainda queimar.
— Vai demorar muito tempo para consertar tudo — ela disse.
— É, mas você é perfeita para a tarefa. Será uma ótima sultana.
Agora entende melhor do que qualquer um que há duas cidades em
Agrabah. Viu de verdade o que é a pobreza e entendeu. Testemunhou
poder ilimitado e agora sabe como desviar das armadilhas. E tem a
nós… tem os Ratos de Rua para quando se esquecer.
— Vou fazer de Agrabah a melhor cidade do mundo — Jasmine
disse, baixinho. — E os Ratos de Rua, as associações e os outros
líderes de comunidades farão parte do meu conselho, assim como os
antigos ministros e vizires. Está na hora de substituí-los, falando nisso.
— É, em especial o grão-vizir — Aladdin disse, tentando não
estremecer. Estremeceu-se. — Certo. Primeiro dia de Agrabah. Vamos
começar. Então todos os Ratos de Rua farão parte de seu conselho?
Até Maruf?
Jasmine deu risada.
— Ele pode ter um papel honorário e de conselheiro em
agradecimento pelo apoio à rebelião. Mas já disse a Morgiana que ela
será minha grã-vizir. É esperta… acho que conseguirá administrar tudo
muito bem.
Aladdin pensou se sua velha amiga amadureceria com o papel de
grande responsabilidade, de alguém que devia resistir ao desejo de
esfaquear alguém que discordasse dela.
— E quanto a mim? — Ele fez beicinho. — Sou esperto. Sou forte. E
estive com você desde o começo!
— Você estará muito ocupado, querido — ela o tranquilizou, dando
um tapinha de maneira distraída na mão dele. — Como príncipe, terá
outras responsabilidades e tarefas. Mas, acredite, serão tão importantes
quanto.
Aladdin abriu a boca para discutir, depois parou.
— Espere… o que disse?
Jasmine simplesmente o beijou.
Aladdin sorriu e a abraçou. Príncipe, naquele instante ele poderia
pegar ou largar.
O restante de sua vida com Jasmine, no entanto… fazia tudo valer a
pena.
Table of Contents
Página de Título
Direitos Autorais Página
Dedicação
Prólogo
Tudo isso por um pão
… mas por uma maçã
O preço do conhecimento
A Agrabah que ninguém vê
A Caverna dos Tesouros
Jasmine e um Genio
A joelhem-se, mostrem respeito
Os planos de Jafar, o destino do Djinn
Os Ratos de Rua
Um tipo de resgate
A formação de um exército
Resolvendo
Um roubo
Rainha ladra
Magia mortal
Chá com um genio
Amigos em lugares improváveis
Declarando guerra
Solidariedades e estratégias
O plano
Uma pausa antes da tempestade de areia
Como nos velhos tempos
O amanhecer se aproxima
Vítimas da guerra
O último pedido
O fim… da magia
Epílogo

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