Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
e-ISBN 978-65-5609-065-8
Título original: A Whole New World: A Twisted Tale
.
Estava mais silenciosa do que o normal? Será que as pessoas
estavam se recuperando da festa enorme, de repente desconfortáveis
com algo que não conseguiam identificar exatamente o que era? Elas
pegaram as moedas douradas engraçadas e as olharam na luz,
refletindo sobre o caminho dos acontecimentos da cidade? Será que
deixaram as moedas de ouro sobre as mesas, e não escondidas nos
sapatos, debaixo de colchões, dentro de travesseiros? Por que se
incomodar? Todos os vizinhos também tinham moedas.
Não era só o religioso ou o supersticioso que se preocupava com o
ouro. Os alunos mais educados e mais inteligentes da velha guarda
sabiam que nenhum objeto era o a partir do nada. Não sem
consequências.
E aquele desfile tinha sido mais do que um pouco estranho.
Entretanto, essas questões filosóficas eram a menor preocupação de
Aladdin no momento. E, na verdade, ele precisava admitir que a
inquietação da cidade era uma grande ajuda para ele. Com todo mundo
dentro de casa, de portas fechadas, longe do céu aberto, era muito
mais simples caminhar pelas ruas sem ser visto.
Abu estava sentado em seu ombro e o tapete mágico deslizava
silenciosamente atrás dele — estava muito escuro para voar bem sem o
risco de bater em algum obstáculo.
As pessoas tentavam entrar escondidas no palácio há séculos.
Algumas de suas caveiras ainda podiam ser vistas em estacas em volta
dos muros, esbranquiçadas em esferas de um mármore brilhante
devido aos anos de sol desértico.
Aladdin estava muito consciente disso. Mas ele também tinha algo
que aquelas pobres almas não tinham — o conhecimento secreto dos
subsolos do palácio. E, embora retornar aos túneis escondidos fizesse
seu coração acelerar de medo, Aladdin cerrou os dentes e passou pelos
estábulos do outro lado do palácio, à beira do deserto.
Os cavalos e camelos relincharam e guincharam com sua
aproximação; ele os acalmou com alguns sons tranquilizantes. Depois,
viu um cavalo escuro e familiar.
— Você voltou! — Aladdin sussurrou com alegria, dando tapinhas em
seu pescoço. O cavalo bufou… talvez feliz por ver o rapaz de novo, mas
também sem querer nada com o humano que o levara para um
tempestuoso deserto no meio da noite. Apesar de tudo isso, ele parecia
bem.
— Espero que seu cuidador também esteja bem — Aladdin suspirou.
Ele encontrou o esgoto que escondia a entrada secreta e, com
cuidado, moveu a tampa para o lado apenas o suficiente para que
pudesse entrar, deslizando-a de volta com a mesma discrição assim
que sua cabeça desapareceu pelo buraco. Desta vez ele estava
preparado para a escuridão com uma lâmpada a óleo minúscula furtada
de Morgiana antes de deixar o esconderijo. Parecia adequado, de
alguma forma.
As passagens de pedra estavam mortalmente em silêncio, exceto
pelo distante rugido da lava. Aladdin ainda pisava suavemente.
Entretanto, era um caminho muito mais fácil com seus dois amigos. O
tapete mágico flutuava ao lado dele quase como um cachorro enquanto
Abu continuava em seu ombro.
Aladdin viu, com alívio, que todas as marcas que ele tinha feito com a
faca ainda estavam nas paredes. Com facilidade, seguiu-as de volta ao
calabouço. Uma batidinha gentil na rocha certa a fez deslizar para o
lado, e ele estava de volta onde tudo tinha começado.
Abu chiou de nervoso. Lá estavam as algemas que haviam prendido
Aladdin; ali estava o lugar em que Jafar aparecera disfarçado nas
sombras.
— Foi até que brilhante — Aladdin admitiu relutante.
Mas ele se perguntou por que Jafar pensara que fosse necessário
passar por toda essa situação a fim de levar Aladdin para pegar a
lâmpada. Qualquer Rato de Rua teria feito aquilo por um único dárico
de ouro. Ou menos…
Pensamentos para outra hora. Ele tinha uma princesa para resgatar!
A porta que levava para fora estava trancada, claro, mas Aladdin trazia
seu pequeno kit consigo. Trabalhou com seus grampinhos à luz da
lâmpada por longos minutos, suando e xingando. Quando a fechadura
finalmente cedeu foi com um clique quase sem som e tedioso.
O caminho para fora foi curto, sombrio e escuro. Ele arregalou os
olhos para o que pareciam ser infinitos degraus de pedra em uma
espiral para cima até o teto obscuro. Era como se ele estivesse na base
de uma torre construída para baixo do solo. Até o desenho era parecido
com a Torre da Lua, o maior prédio do palácio. A torre de Fafar…
Do outro lado da entrada para o calabouço havia outra porta coberta
por entalhes estranhos. O contorno da porta emanava um brilho laranja
maléfico, vindo do que quer que estivesse ali atrás.
— Outra hora — Aladdin prometeu a si mesmo. Quando as
circunstâncias não estivessem tão medonhas, ele exploraria aquilo que
era, muito obviamente, o escritório secreto de Jafar.
Estalou os dedos e o tapete mágico, obediente, se abaixou para ele
subir. Deslizaram pela escuridão acima dos degraus como um sopro de
serralha no ar causado por uma brisa suave.
No topo, havia uma porta de correr esquisita que foi destrancada por
uma alavanca. Aladdin abriu uma mínima fresta e olhou através dela. O
cômodo do outro lado estava pouco iluminado e quase vazio, exceto por
algumas peças de mobília finamente construídas. Não havia guardas.
Aladdin recuou surpreso. Que tipo de calabouço não tinha guardas?
Ele deslizou e abriu a porta o suficiente para passar seu corpo — e
Abu e o tapete. Ao cruzar o vão, virou-se e notou que aquilo que de
dentro do calabouço parecia ser uma simples porta, do lado de fora
parecia um painel de parede totalmente normal. Na verdade, quando a
porta se fechou com um clique silencioso, era impossível dizer onde ela
estava.
Um calabouço secreto! Secreto até mesmo para o próprio sultão,
Aladdin apostava. O laboratório de feitiçaria do mal e a prisão pessoais
de Jafar. Parecia que todos os boatos sobre ele eram verdade…
E se eles fossem verdade, Aladdin percebeu sombriamente, então
era provável que Morgiana estivesse certa, e Agrabah enfrentava um
problema pior que antes. Não tinha como alguém tão sigiloso,
estratégico, assassino e maldoso virar, do dia para a noite, um benfeitor
generoso e apaixonado. Aladdin conhecia as pessoas. Precisava
conhecer, como um ladrão. E as pessoas por via de regra não
mudavam tanto assim.
O piso de mármore estava frio sob seus pés descalços; de repente,
Aladdin entendeu por que as pessoas ricas tinham tantos tapetes.
O som sutil dos calcanhares na pedra o alertaram da proximidade de
outros. Aladdin mergulhou atrás de um sofá de veludo. O tapete se
deitou no chão. Abu subiu em uma tela na lateral do cômodo e ficou
quieto e parado quase no teto.
Uma dupla de guardas passou marchando, rígidos como varas e
carregando no peito lanças que pareciam mortíferas. Estavam vestidos
dos pés à cabeça de preto e vermelho — as cores de Jafar. Aqueles
não eram os guardas indisciplinados do mercado com quem Aladdin
estava acostumado a lidar; eram guardas internos do palácio, com
olhos ágeis e inteligentes, mãos nervosas e sem qualquer excesso de
gordura corporal. Homens muito, muito perigosos.
Assim que desapareceram, Abu começou a descer. O tapete se
enrolou em um canto antes de se erguer.
— Shhh! Ainda não — Aladdin sussurrou.
Ele contou seus batimentos e suas respirações.
Quase dez minutos depois, os guardas passaram de novo. Mesma
rota, mesmos olhares desconfiados, mesma marcha.
Aladdin sorriu para sua própria premeditação.
— Ok — ele sussurrou assim que eles sumiram.
Os três avançaram na ponta dos pés — ou voaram — para o próximo
cômodo. O que Aladdin vislumbrou o fez parar… e, então, erguer uma
sobrancelha, maravilhado.
O espaço em que estavam poderia ter sido um salão de banquete
que facilmente abrigava centenas de cidadãos. Em vez disso, era
mobiliado com mesas cobertas de… tranqueiras. Palácios em miniatura.
Modelos de labirintos em plataformas inclinadas nas quais se podia
passar bolinhas prateadas. Quebra-cabeças que formavam cenários
brilhantes de florestas quando terminados. Jogos de equilíbrio nos quais
os blocos tinham animais esculpidos e monstros fantásticos. E, acima
de tudo isso, havia lindas pipas de seda penduradas com as quais o
sultão brincava quando ele se dignava a sair do palácio em um de seus
famosos piqueniques.
Então esses boatos também eram verdadeiros. O velho sultão era
apenas um velho louco e decadente que brincava enquanto Agrabah
passava fome.
Ou… ele era o velho pai triste e solitário de Jasmine, que queria mais
filhos, ou netos, ou sua esposa de volta. Era complicado.
Um tique-taque no canto do quarto fez Aladdin voar para trás de uma
mesa, e Abu e o tapete para outros esconderijos.
Ninguém apareceu.
O barulho continuou.
Aladdin ergueu a cabeça e notou que, em uma das mesas, havia um
modelo de Agrabah — um diferente, limpo e imaginário — que estava
alinhado ao calendário da torre do relógio situada na praça central. Era
aquilo que estava fazendo barulho. Uma versão minúscula da coisa
real: uma minúscula meia-lua dourada apareceu e virou um grau no
marcador.
Aladdin balançou a cabeça — ou para si mesmo ou para o sultão
morto e seus hobbies.
Dez minutos. Ele escutou o barulho de sapatos de novo.
Gesticulou freneticamente para o cômodo à frente do que ele estava.
O tapete e Abu o seguiram de perto quando ele se abaixou e rastejou
rapidamente para o que parecia um quarto sem serventia evidente.
Havia um braseiro com carvões queimando no canto e um incenso
aceso mandando fumaça para o teto ao lado de um divã baixo, mas não
havia ninguém nele.
Mais passos. De outra direção!
Aladdin mergulhou para baixo do divã, sugando a respiração para
caber ali.
De onde estava, ele não conseguia enxergar o rosto daqueles novos
guardas, mas tinha quase certeza de que havia mais deles daquela vez
— três, talvez, ou quatro, andando em perfeita sincronia. Os guardas
que ele evitara duas vezes encontraram com eles no meio do cômodo;
Aladdin observou seus pés e escutou o bater das lanças uma contra a
outra em um cumprimento militar.
Depois, cada dupla de guardas continuou seguindo na direção que
estavam indo.
O rapaz começou a contar de novo, frustrado. Aquilo era ruim: ele
não tinha tempo sobrando para esperar os guardas terminarem os
circuitos. Impaciente para se mexer, ele se levantou, decidindo arriscar;
sabia que tinha, no mínimo, dez minutos até os próximos pares de
guardas e pensou que, provavelmente, eles todos estariam no mesmo
horário.
Errado!
Aladdin grudou na parede mais próxima quando a segunda dupla de
guardas passou pela porta, movendo-se em uma direção totalmente
diferente.
Abu correu pelo salão gelado para ficar perto dele, seus dedinhos
fazendo barulho no chão.
Os guardas pararam.
— Abdullah, espere. Ouviu alguma coisa?
O rapaz fechou os olhos e tentou parar seu coração. O silêncio era
tamanho e tão profundo que ele tinha certeza de que conseguiriam
escutar seus batimentos.
— Escutei alguma coisa… no cômodo com o incenso.
— Provavelmente foi só um rato ou um macaco.
— Não vou deixar que cortem minha cabeça por algo que possa não
ser um rato.
Aladdin se encolheu quando o guarda preocupado foi até a porta,
com a lança erguida.
Tudo que ele tinha que fazer era entrar mais quatro centímetros no
cômodo.
O guarda fez uma análise completa do lugar, virando a cabeça
lentamente de um lado ao outro.
Aladdin abriu um olho e quase prendeu a respiração quando
percebeu a proximidade da lança afiada e brilhante.
O silêncio se prolongou.
— Não é nada — o guarda decidiu.
Quando ele recuou para se reunir ao companheiro, Aladdin
praticamente desmoronou de alívio.
Sem perder tempo, saiu correndo do cômodo e se enfiou sob uma
janela pela qual a lua brilhava como um holofote. Então, ele parou,
surpreso com a vista lá fora.
Estendido pelo que parecia, no mínimo, dez ou vinte mil metros
quadrados, havia o jardim mais deslumbrante com que ele já tinha se
deparado.
Era uma floresta inteira em miniatura com cedro, cipreste e outros
pinheiros cheirosos que não poderiam, normalmente, sobreviver no
calor e na aridez de Agrabah. Havia fileiras formais de rosas e outras
flores com pétalas delicadas. Havia um jardim apenas para as plantas
de montanha. Havia uma piscina florida com lírios e suas folhas, e flores
de lótus cor-de-rosa mais altas que a maioria dos homens. Havia uma
fonte ovalada tão grande quanto uma casa. Havia um aviário branco e
delicado que parecia uma gaiola gigante. Estranhamente, não havia
pássaros nele.
E, em todo lugar, enrolada em toda estrutura e todo corrimão e bola
de topiaria, tinha uma Jasmine. Jasmine branca, Jasmine cor-de-rosa,
Jasmine amarela, “Jasmine-da-noite”… O cheiro era inebriante o
bastante para deixar Aladdin se sentindo meio bêbado.
Fasmine…
Esse era o jardim dela.
Ela tinha que estar perto. Aladdin se apressou.
Houve, definitivamente, uma mudança gradual na decoração — um
toque feminino — conforme ele seguia pelo crepúsculo empoeirado do
palácio dormente: mais tapetes macios, mais urnas adornadas, mais
tapeçarias na parede, mais flores e plantas. Passou por uma sala de
estar cheia de almofadas de seda e mesas baixas com tigelas de
castanhas, pergaminhos e até alguns jogos. Aparentemente, o sultão
achava que o palácio estava a salvo o suficiente dos olhos de pessoas
de fora e não pensou que uma grade — com as costumeiras e enormes
guardas femininas — fosse necessária.
Claro que diziam que o melhor amigo de Jasmine era um tigre, então,
talvez não fosse realmente necessário ter guardas.
Passando esse cômodo, havia um pequeno corredor que acabava em
um par de portas douradas lindamente entalhadas que abriam como
asas de borboleta. Em cada lado delas, havia uma dupla dos guardas
masculinos de sempre — em preto e vermelho, estilo Jafar.
Aquilo era um problema.
Aladdin cerrou os punhos com frustração. Lógico que ele poderia tirá-
los dali — de algum jeito — e, fazendo isso, faria barulho e chamaria
todos os homens do palácio. Viu-se pensando em Morgiana, “a
Sombra”, e como aquele era o tipo exato de situação em que ela era
excelente.
Algo deve ter feito barulho em outro lugar, algum relógio invisível ou
uma badalada silenciosa. Os dois guardas ergueram as lanças e se
cumprimentaram, depois se viraram e marcharam para fora do cômodo.
Aladdin não fazia ideia de quando eles iriam retornar, mas os instintos
de um ladrão lhe diziam para agir imediatamente. Ele poderia nunca ter
uma chance melhor.
Correu para a frente e pegou seu kit de abrir fechaduras de novo.
Aquela fechadura era linda e primorosamente decorada, mas bem
básica por debaixo de tudo aquilo. Ele levaria apenas um minuto ou…
De repente, a porta abriu para dentro.
Surpreso, Aladdin olhou para o rosto igualmente surpreso de
Jasmine. Ela estava tirando um par de grampos de cabelo da fechadura
do lado dela.
— Ãh, oi — Aladdin disse.
Ele não entendeu o abraço repentino que ela lhe deu — mas também
não se opôs a ele —, abraçando-o mais forte que a viúva Gulbahar em
datas festivas.
— Você está vivo! — ela exclamou com alegria.
— Claro que estou vivo — Aladdin começou a discutir. Depois,
pensou sobre os últimos dias de sua vida. Talvez não fosse uma
conclusão tão óbvia. — Voltei para te resgatar. O que… agora… não
parece tão necessário.
O famoso tigre de estimação dela aproveitou o momento para
aparecer e encarar desafiadoramente os intrusos com olhos amarelos
brilhantes. Ele parecia violento e bravo, com uma ferida aparentemente
maldosa na cabeça. Deu um rosnado baixo e nada aprovador. Abu
começou a pular e guinchar no ombro de Aladdin, histérico. O rapaz
rapidamente colocou uma mão na boca do amigo à procura de o calar.
— Sério. Você parece estar bem — Aladdin continuou, tão calmo
quanto conseguiu.
— É o pensamento que conta. — Jasmine sorriu, colocando os
grampos de volta sob sua tiara e uma mão no pescoço de Rajah. — Eu
estou… Jafar me disse que você foi executado, e por minha causa.
— O quê? — A mente de Aladdin se confundiu. — Ãh. As coisas
estão começando a fazer sentido. Mais ou menos. Vamos conversar
depois. Precisamos sair daqui.
— Temos uns nove minutos até os guardas voltarem — Jasmine
disse, assentindo.
— Certo. — Aladdin pegou a mão dela e se virou para sair.
Abu chiou, concordando. O tapete voou.
— O que é isso?
Jasmine tentou conter seu gritinho em um sussurro. Aladdin estava
prestes a fazer uma piada sobre ela ser uma menininha com medo de
monstros, mas não fez. Uma moça trancada no próprio quarto por
causa de um louco que a obrigava a se casar com ele provavelmente
não precisava imaginar monstros. O fato de ser um pouco assustada
poderia talvez ser relevado.
— Oh, isso? — Aladdin perguntou casualmente. — Diga oi para o
tapete mágico. Tapete mágico, conheça a princesa real Jasmine.
— Um tapete… voador… de verdade — Jasmine disse maravilhada,
com os olhos arregalados. — Que maravilha. Temos muito o que
conversar.
— É, princesa real Fasmine, temos mesmo — Aladdin concordou
com muita ironia. Ela foi obrigada a ruborizar um pouco. Ele começou a
caminhar pelo corredor. — Podemos fazer isso na casa de Morgiana.
— Quem…? Deixa pra lá. Mas, primeiro, precisamos resgatar o
gênio.
— Ãh, não, Jasmine. Não podemos fazer isso agora. Não temos
tempo.
— Ele está preso. Assim como eu — Jasmine disse desesperada. —
Jafar o está obrigando a fazer todas aquelas coisas terríveis,
transformá-lo em sultão e em um feiticeiro poderoso. Ele não quer. Só
precisamos pegar a lâmpada…
— … de um feiticeiro poderoso que também é o sultão, tem um
calabouço secreto, e já transformou o palácio em seu próprio e
particular… ãh… palácio. De jeito nenhum, Jasmine. Agora não.
Podemos voltar depois, mais bem preparados… e com um plano… mas
tirar você daqui já será bem difícil. Acha que ele vai deixar seu bem
mais precioso sair por aí facilmente?
Jasmine ficou desanimada.
— Mas…
Aladdin colocou a mão em seu braço e olhou em seus olhos.
— Eu juro: se isso é importante para você, vamos voltar por ele. Mas
no momento não há muita coisa que um ladrão, uma princesa, um tigre,
um macaco e um tapete mágico possam fazer.
Ela assentiu com tristeza e pegou a mão dele.
— Agora faltam sete minutos — Aladdin disse. — Tenho uma saída
secreta. Só precisamos voltar ao cômodo com os painéis vermelhos.
Jasmine assentiu e correu ao lado dele, movendo seus ligeiros pés
em silêncio.
— Mas Jafar ainda não terminou tudo — ela sussurrou sem fôlego
pelo caminho. — Ele tem um plano.
— Ele tomou Agrabah inteira! — Aladdin disse em um sussurro
desesperado. — O que mais ele poderia querer?
A expressão de Jasmine ficou sombria.
— O que pessoas como ele querem? Mais. Mais poder. Mais
bajulação. Mais…
Ela parou quando Aladdin parou de andar. O tapete e o tigre pararam
de repente. Abu segurou no pescoço de Aladdin devido à repentina
cessação de movimento.
Em pé no cômodo com a lareira, parecendo tão surpreso quanto eles,
estava Razoul.
— Corra… — Aladdin sugeriu baixinho.
— Guardas! Aqui! No Quarto da Lareira Cintilante! — Razoul rugiu.
— Quarto da Lareira Cintilante? — Aladdin murmurou com desgosto
conforme eles se apressavam pelo corredor.
A marcha pesada parecia vir de todas as direções. Se eles
estivessem do lado de fora nas ruas de Agrabah, Aladdin saberia onde
estariam seguros, quais ruas eram muito sinuosas para se esconder,
onde havia rotas fáceis de fuga. Agora ele estava apenas liderando
cegamente.
— Podemos chegar lá fora? — ele perguntou a Jasmine, arfando.
— Em frente — ela disse entre as respirações. — Há uma loggia7
com colunas que leva ao Pátio dos Banquinhos Perfumados com
Rosas.
Aladdin olhou para ela.
— Só estou brincando — ela disse com um sorriso rápido. — Eles
não têm cheiro de verdade.
O tigre seguiu na frente como se soubesse o plano. O tapete ficou
atrás deles como se protegendo a retaguarda.
Aladdin não sabia o que era uma loggia, mas à frente havia um
corredor cheio de pilares que se abria em um pátio enorme sem
cobertura. Havia limoeiros, murtas perfumadas e vasos de rosas. Mais
pilares, ornamentais e abstratos, decoravam o interior do pátio junto a
estátuas representando antigos deuses. Havia, de fato, banquinhos —
entalhados na forma de rosas.
E também uns doze guardas esperando Aladdin e Jasmine.
— Parem!
Aladdin caiu para trás quando a dupla à frente pulou em direção a
eles. Um guarda gordinho segurou a cintura de Aladdin com os braços e
o jogou no chão. Jasmine conseguiu se esquivar do outro.
O tigre rugiu e ergueu a pata, pronto para rasgar a barriga do guarda.
— Não, Rajah! — Jasmine gritou. — Não é culpa dele. São ordens de
Jafar!
— Agora ela fica toda “protetora do povo”? Não podia esperar uns
dez minutos? — Aladdin questionou em voz alta enquanto tentava
escapar do guarda. Quando falhou, ele se encurvou, formando uma
bola. Mirou o pé nas partes baixas do homem. Com uma explosão de
força, ele empurrou os braços e as pernas o mais forte que conseguiu.
O guarda gritou e caiu de lado. Aladdin subiu em suas costas.
— Vamos nos dividir! — ele ordenou, mergulhando para o lado.
Uma lâmina cortou o ar acima da cabeça do rapaz. Ele rolou no chão.
Chutou o atacante e conseguiu fazer o guarda bater em outra dupla de
guardas. Cimitarras voavam como mísseis fatais.
Um grito de Jasmine o fez parar. Um guarda tinha conseguido pegar
sua faixa e a estava puxando. Com um braço, ela se segurou com muita
força em uma estátua… e então pegou sua adaga prateada com a
outra.
Rajah se virou e rugiu.
— Idiota! — Razoul berrou quando, finalmente, alcançou a briga. — O
sultão vai querer sua cabeça se tocar na princesa assim!
Rajah saltou.
Aladdin não conseguiu ver o que aconteceu em seguida porque uma
dupla de guardas correu em sua direção, com espadas apontadas
diretamente para seu peito.
Aladdin agachou e girou como um dervixe.8 Conseguiu dar uma
rasteira em um dos guardas, fazendo-o tropeçar no outro. Ambos se
embolaram, caindo no piso de pedra com um barulho ensurdecedor.
— Tapete! — Aladdin ordenou no instante em que conseguiu respirar.
— Salve Fasmine!
O tapete dançava no ar. Só estava fora do alcance de alguns guardas
facilmente distraídos que o cutucavam com a ponta de suas cimitarras.
Terminado o que quer que ele tivesse feito com os outros homens,
Rajah começou a caçá-los em silêncio por trás, preparando-se para dar
o bote.
Com as palavras de Aladdin, o tapete imediatamente mergulhou para
baixo entre os pilares de mármore na direção de Jasmine. Os guardas
se viraram para persegui-lo e deram de cara com o tigre.
Antes que ele pudesse se virar para fazer alguma coisa, Aladdin foi
agarrado violentamente por trás por um par de mãos muito ágeis,
familiares e profissionais — de Razoul.
— Rato de Rua. Você ficou maluco da cabeça!
— Pelo menos ainda tenho uma — Aladdin retrucou.
No entanto, por mais que ele chutasse e lutasse, Razoul o segurava
firmemente. Outro guarda ergueu a cimitarra para que a ponta
encostasse na barriga de Aladdin.
As contingências não pareciam boas.
Mas ele viu que Jasmine estava livre de seus próprios perseguidores.
A princesa se jogou no tapete e segurou suas borlas. O tapete se
abaixou uma vez sob o peso dela, depois correu pelo céu com Jasmine
pendurada como um coelho nas garras de uma águia.
Aladdin suspirou de alívio. Ele ficaria bem, claro… ou não. Não
importava. Pelo menos ela estava em segurança.
Com um grito, Abu caiu na cabeça do guarda com a espada.
Era todo o tempo de que Aladdin precisava para dar impulso no chão
e uma cambalhota para trás — as mãos de Razoul ainda segurando
seus braços — e cair às costas de Razoul.
Ele tentou não gritar com a dor de torcer seus braços de uma forma
tão anormal.
Xingando, Razoul diminuiu a força. Aladdin se virou rapidamente
como uma doninha até encontrar um ponto fraco e, então, ele estava
livre.
— Ei! — uma voz chamou.
O rapaz olhou para cima.
Totalmente em desacordo com o plano maravilhoso de resgate dele,
Jasmine estava se pendurando na beirada do telhado, em vez de
correndo para longe. Ou voando para longe. Como era para estar
fazendo. Ela apontou: o tapete mágico desceu voando na direção de
Aladdin.
— Todas as princesas são desobedientes? — com um sorriso, ele
gritou e deu um salto para subir no tapete.
Com um rugido bravo, Razoul se jogou em Aladdin, com a espada
erguida. A ponta dela pegou a lateral de Aladdin e cortou sua pele.
O rapaz cambaleou com a dor do golpe. Começou a escorrer sangue
de seu corpo.
Jasmine arfou.
Ele prendeu a respiração e se forçou a ficar ereto. O tapete estava
perto o suficiente para ele subir…
Mas o próximo ataque de Razoul não mirou em Aladdin.
Apesar de tentar desviar, o tapete mágico não conseguiu.
A espada de Razoul cortou uma ponta, arrancando uma das borlas. O
tapete estremeceu terrivelmente, depois saiu desgovernado, tentando
se recuperar. Rajah rosnou.
Aladdin xingou.
— Não quero te matar, Rato de Rua — Razoul disse com a espada
erguida.
— É o que parece, Razoul — Aladdin gritou de volta.
— Se a princesa desaparecer, será a minha cabeça… e a dos meus
homens.
De soslaio, Aladdin viu o tapete deslizando lentamente de um lado a
outro, passando por uma fileira muito interessante de estátuas e pilares
que, daquele ângulo, pareciam quase alinhadas. Uma ideia começou a
tomar forma.
— Se a princesa não desaparecer, será obrigada a se casar com um
homem que você sabe que é um monstro. Até pior do que você! —
Aladdin gritou, desviando dele.
Razoul girou mais rápido do que um homem de seu tamanho deveria
conseguir e tentou um golpe de espada nas costas de Aladdin.
Aladdin esquivou e conseguiu escapar. Com um salto igual ao de um
sapo, ele colocou as mãos na cabeça da primeira estátua e se
impulsionou para a segunda.
Sem parar, executou uma cambalhota até a terceira.
Tarde demais, Razoul entendeu seu plano e correu para impedi-lo.
No último e mais alto pilar decorativo, Aladdin saltou com toda a força
restante. O pilar balançou com o impacto de seu empurrão.
As mãos dele caíram no teto, agarrando as telhas de barro que se
desfaziam sob seus dedos. Jasmine o segurou pelos braços e o ajudou
a subir.
Abaixo dele no pátio, o pilar balançou demais e começou a cair.
Aladdin assistiu horrorizado conforme Razoul girava e olhava para cima,
confuso diante do que acontecia.
— Tapete! Salve Razoul! — Aladdin gritou. — Tire-o do caminho!
O tapete, lento e confuso, foi até o capitão da guarda. Não conseguiu
tirar Razoul do lugar apenas se enrolando em seus tornozelos.
Abu conseguiu escalar às pressas a lateral do pilar e pular logo antes
de ele cair no chão do pátio.
Razoul não teve tanta sorte.
O homem enorme se virou, olhou para cima… e gritou.
E, então, houve um barulho terrível, muito terrível.
Aladdin virou a cabeça, mas não antes de ver o braço livre de Razoul
se erguer com fraqueza e, então, cair no chão.
. Primeiro eram
respirações rápidas e superficiais. Depois, ofegante, respirando fundo e
com barulhos horríveis, como se todo o ar do mundo não pudesse
ajudá-lo agora.
Jasmine se ajoelhou ao seu lado, segurando uma de suas mãos com
a sua e passando a outra nervosamente na testa dele. Além de amigos,
bebês e do resto do mundo, a princesa também tinha sido isolada de
doença e da morte. Ela não fazia ideia do que estava fazendo. Sentia-
se aterrorizada de uma forma que não experienciou mesmo quando
seus próprios pais haviam morrido. Precisou de toda sua energia para
conter as lágrimas e manter a expressão tranquila.
Sohrab tentara persuadi-la a deixá-lo… fazer o que era necessário.
Mas ela o mandara para longe a fim de continuar dando ordens em seu
nome.
— Sou a sultana. Não posso esperar que as pessoas façam por mim
o que não consigo fazer — ela disse ao general. — Vai ficar tudo bem
— murmurou para o homem, pensando no quanto era ruim mentir para
um moribundo.
Mas parecia que ele não escutava; seus olhos estavam arregalados e
focados em algo além dela.
Havia uma faca longa, brilhante e afiada no chão ao lado dele.
Após instantes infinitos de respiração laboriosa e olhar silencioso, ele
de repente teve um espasmo. Sua cabeça se ergueu como se
procurando algo.
Então ele caiu para trás e parou de se mexer.
Seus olhos ainda estavam abertos, mas não havia nada neles agora.
Jasmine mordeu o lábio em uma tentativa furiosa de não chorar.
Abaixou a cabeça e começou a sussurrar a única oração que sabia que
se encaixava nas circunstâncias.
Khosrow enfim apareceu à porta. Ele se aproximou e fez alguns
gestos acima do jovem. Fechou os olhos dele e começou a orar com
ela.
O homem morto também fechou os olhos.
Depois os abriu de novo.
Onde antes eram seus olhos, agora eram piscinas vermelhas escuras
e malignas.
O próprio Khosrow arregalou os olhos, mas não parou de orar;
simplesmente falou as palavras mais alto.
Jasmine pegou a faca.
O morto-vivo se sentou e fez barulhos de estalos no fundo da
garganta, o som improvável de limpar sangue seco que sobrara ali.
Jasmine cerrou os dentes e levou a lâmina para a garganta exposta.
Encolheu-se mas não hesitou quando a ponta cortou tendão e osso.
O morto-vivo não gritou.
Não lhe agradeceu.
Gorgolejou e fez mais alguns barulhos antes de paralisar, sem vida
de novo.