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Representação de Arquitetura Como Tecnologia Social
Representação de Arquitetura Como Tecnologia Social
SOCIAL
ARCHITECTURAL REPRESENTATION AS SOCIAL TECHNOLOGY
SANTOS, Roberto E.
Professor-Doutor, Escola de Arquitetura da UFMG, NPGAU-UFMG
ro1234ro@gmail.com
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo discutir a representação de arquitetura enquanto tecnologia.
Partindo dos pressupostos de que o saber tecnocrático é um tipo de código, de domínio dos arquitetos,
e de que as representações são ferramentas operativas desse saber, discutimos seus graus de
emancipação em face às relações sociais de dominação. Especulamos tais propriedades em diferentes
usos das representações, com base em três possibilidades, denominadas: tecnologia formal adaptada,
decodificação acrítica e interface. Analisamos tais possibilidades a partir da noção de rede tecnológica
heterogênea, buscando levantar os agentes e fatores que interagem em diferentes estágios de sua
composição. Damos ênfase na investigação das potencialidades de suas apropriações por grupos sócio-
espaciais envolvidos em atividades construtivas, tendo como horizonte sua emancipação e autonomia.
Finalizamos com a proposta de um experimento de uso de interfaces numa disciplina de projetos de um
curso de graduação em arquitetura e urbanismo.
PALAVRAS-CHAVE: Representação. Tecnologia social. Código. Interface.
ABSTRACT
This paper intends to discuss architectural representation as technology. Based on the assumption that
technocratic knowledge is a type of code, owned by architects, and that representations are operative
tools of this knowledge, we discuss their levels of emancipation in front of social relations of domination.
We speculate these properties in different uses of representations, based in three possibilities, named:
formal adapted technology, achritic decodification and interface. We analyze these possibilities from the
notion of technological heterogeneous network, seeking to raise the agents and factors that interact in
different stages of their composition. We focus in investigate the potentialities of their appropriations by
socio-spatial groups involved in construction activities, having as its horizon its emancipation and
autonomy. We finish with the proposal of an experiment to using interfaces in a project discipline from
an undergraduate course on architecture and urbanism.
KEYWORDS: Representation. Social technology. Code. Interface.
RESUMEN
Delimitar o significado do termo “tecnologia” é tarefa difícil. Conforme indica Ruy Gama, sua
acepção é variável, pois, ao longo da história, associam-se à tecnologia contextos sociais muito
diferentes (GAMA, 1987, p.08), e não se pode investigar suas conotações apartadas de tais
contextualizações. A etimologia do termo indica que a tecnologia pode ser compreendida
como o estudo do modo de fazer ou do modo de produzir algo. Em grego, techné significa a
arte de fazer algo na prática. Mas, na perspectiva deste texto, que trata de sua incidência no
campo da arquitetura, a tecnologia, ou melhor, as tecnologias foram delimitadas em dois
grandes grupos, já que aí convivem possibilidades que chegam a ser diametralmente opostas,
considerando os modos de produzir o espaço. O primeiro é o das tecnologias hegemônicas.
São as tecnologias consolidadas pelo campo arquitetônico, predominantemente utilizadas e
impostas à produção do ambiente construído, ainda que isso não implique necessariamente
em sua adequabilidade. Para este primeiro recorte cabe discutir em profundidade o que
significa sua adequação, para quem e para o quê ela está orientada.
O segundo grupo é o das tecnologias sociais, cujo significado também não está pacificamente
delimitado. De modo geral ele se refere ao uso de tecnologias para o benefício de grupos
sócio-espaciais 1 marginalizados. Ainda que nem todas as vertentes da tecnologia social
combatam diretamente as tecnologias dominantes, apostamos em seu uso como ferramenta
contra-hegemônica. A vertente mais próxima desse caráter é a da tecnologia social crítica,
definida por Kapp e Cardoso (2013) como uma conduta teórica que problematiza as
conjunturas de desenvolvimento das tecnologias e que tem como horizonte a autonomia dos
indivíduos e sua "emancipação de relações sociais de dominação e a construção de relações
sociais de cooperação.” (KAPP; CARDOSO, 2013, p. 97).
Esse papel perverso do desenho impõe uma ambiguidade à ação do arquiteto. Se por um lado
o arquiteto aparentemente tem domínio sobre as formas construídas no canteiro a partir do
desenho, por outro, ele é submetido à dominação pelo mesmo código com o qual opera.
Tanto o desenho quanto a ação tradicional do arquiteto são regidos pela lógica da produção,
cujos valores recaem sempre na rentabilidade e no lucro, mesmo quando disfarçados pelo
1Ao utilizar o termo “grupo sócio-espacial” nos referimos à conceituação estabelecida por Silke Kapp, que os define
como “(...) grupos para os quais o espaço é constitutivo e que, inversamente, constituem (produzem) espaço”
(KAPP, 2018).
2 Publicado originalmente em 1976.
A segunda, que chamamos de “decodificação acrítica”, pode num primeiro momento abrigar-
se equivocadamente no campo das tecnologias sociais, posto que reproduz aspectos das
tecnologias hegemônicas que a situam em posição dúbia. De certa forma, ela busca a
popularização dos códigos de linguagem por meio dos quais a representação de arquitetura
veicula informações técnicas, de modo que sejam compreendidos pelos agentes envolvidos na
produção do espaço. Contudo, tais tentativas de democratização não explicitam e tampouco
combatem as prescrições implícitas no desenho arquitetônico tradicional.
3Os autores indicados são partidários da Sociologia da Tecnologia, campo teórico no qual se pressupõe a
composição das tecnologias como sistemas socialmente construídos, ou seja, como resultado das relações entre
agentes e fatores que atuam e colaboram para sua composição em um dado contexto sócio-espacial e sociocultural.
A construção social dos sistemas tecnológicos é um subcampo da Filosofia da Tecnologia, que se insere na vertente
da Teoria Crítica. Isso significa ir contra um viés instrumentalista, ou seja, ser contrário à ideia de que a tecnologia é
uma ferramenta neutra para a realização dos desejos e necessidades humanas, que segue um suposto parâmetro
histórico progressista de conhecimento ascendente. Ver: BIJKER, Wiebe. et al. The social construction of
technological systems. Cambridge: MIT Press, 2012 e NEDER, R. T. A teoria crítica de Andrew Feenberg:
racionalização democrática, poder e tecnologia. Brasília: Observatório do Movimento de Tecnologia Social na
América Latina - CDS/UNB/CAPES, 2010.
Ainda que a segunda possibilidade esteja carregada de boas intenções, ela se insere na lógica
de solução de problemas. Grosso modo, ocorre nela uma simplificação das questões
implicadas da produção do espaço. As situações-problema acabam, na maioria das vezes,
reduzidas a soluções clássicas, rápidas e superficiais ou a paliativos de abrangência parcial.
Trata-se de uma lógica reformista que não vai na raiz dos problemas, ignorando o fato de que
as situações que busca resolver não são passíveis de serem solucionadas sem reestruturações
radicais dos pressupostos e contextos sociais onde estão inseridas. Neste sentido, ela é
análoga à vertente engajada das tecnologias sociais delimitada por Kapp e Cardoso (2013).
Suas soluções pragmáticas podem apaziguar os problemas em um primeiro momento, pela
inclusão imediata dos indivíduos marginalizados. Mas, ao analisar amplamente a conjuntura
social ela não se sustenta e “(...) parece não ir longe o suficiente para uma reorientação do
desenvolvimento tecnológico, particularmente no que diz respeito à moradia.” (KAPP;
CARDOSO, 2013, p. 96).
OS COMPONENTES DA REDE
Representar é apresentar aspectos da realidade de um objeto em outro meio, seja ele físico,
virtual ou híbrido. Os métodos de transcrição da realidade para um meio de representação são
efetuados por intermédio de linguagens que, assim como as tecnologias, são socialmente
construídas e passíveis de variações em seu percurso histórico. As representações de
arquitetura compartilham as propriedades das tecnologias socialmente construídas: seu
processo histórico de conformação está em constante modificação, variando em função dos
agentes e fatores com os quais interagem.
É possível construir uma genealogia das representações de arquitetura tendo como ponto de
partida um propósito operativo, no qual os desenhos eram utilizados como ferramentas
voltadas para a resolução dos problemas de produção internamente aos canteiros, e que vai
Contudo, não é objetivo deste artigo realizar tal reconstrução histórica de forma exaustiva.
Indicaremos o percurso das mudanças de forma esquemática, a partir da relação entre
agentes e fatores envolvidos na produção do espaço e adotando o pressuposto da composição
de redes tecnológicas heterogêneas. Consideramos como agentes os personagens que
participam da produção do espaço, indicados aqui como arquitetos, operários ou usuários.
Consideramos como fatores os contextos históricos, as tendências do pensamento e os
propósitos, todos em constante modificação. As conexões entre tais componentes formam
distintos arranjos entre as etapas do processo de produção do espaço, a saber: a etapa de
concepção, a etapa de produção e a etapa de uso. Demonstramos tais arranjos em três
momentos.
No primeiro momento da rede os atores e etapas do processo mesclavam-se entre si. Havia
integração da concepção com a produção, sendo que a representação não era mais que um
modo de pensá-las concomitantemente. O ato de representar era um modo de resolver
problemas relativos à construção paralelamente a ela, não havendo a necessidade de
transportar o desenho para um meio que fosse distinto do próprio canteiro. O uso, por sua
vez, ditava as demandas do que deveria ser concebido e produzido. Chamamos a esse estado
da rede de operativo, pois conjugava, em diálogo, todas as fases de produção do espaço.
No terceiro momento, que chamamos de codificado, ocorreu a cisão total entre as etapas. A
representação, além de ser apresentada em um meio alheio ao canteiro, passou a ser
codificada em linguagens matemáticas. A concepção dominou a fase de produção, cujos únicos
correspondentes diretos passaram a ser os produtores, subordinados a um conhecimento
técnico supostamente superior. Os usuários, na ponta do processo, ficaram restritos ao uso de
arquiteturas produzidas à revelia de suas necessidades e das quais não possuíam prerrogativa
de modificação.
Entender a cisão gradual entre as fases de produção do espaço e o controle, que se delineia do
arquiteto sobre os demais atores, permite entender como a composição das redes pode
abrigar desde uma relação de autonomia (do grego auto+nomos, onde os indivíduos
determinam suas próprias regras) até uma completa heteronomia (hetero+nomos, agir sobre a
regra imposta por outro). Especulamos como as tecnologias sociais poderiam reaproximar as
representações da posição autônoma.
Ainda que as práticas contemporâneas se voltem para uma posição heterônoma, há pontos de
fuga para outras possibilidades de atuação - que não estão livres de críticas. A título de
ilustração apresentamos um exemplo atual de tecnologia hegemônica e dois exemplos de
contra condutas que tentam subvertê-la, com maior ou menor êxito.
Tomamos esse conceito emprestado do texto Notas para uma tecnologia apropriada à
construção na América Latina do arquiteto argentino Victor Saúl Pelli (1986). O que chamamos
de tecnologia formal adaptada é indicado pelo autor como “tecnologia formal periférica”. Ela
constitui a adaptação das “tecnologias formais centrais”, produzidas nos países desenvolvidos
(análogas às tecnologias hegemônicas). Mas tal adaptação não é integral, uma vez que as
tecnologias formais periféricas reúnem fragmentos das tecnologias formais centrais
transferidos a nosso contexto de forma descontextualizada e incompleta:
Essa transferência merece ser analisada tanto por seu conteúdo quanto pela
maneira que ocorre: em geral, indicam que a inserção da tecnologia
“central” em nossas sociedades mantém semelhança muito pequena com a
forma de inserção dessa tecnologia em suas próprias sociedades de origem.
Nos países centrais os produtos e modos tecnológicos mantém coerência
com a organização formal da sociedade e são controlados, utilizados e
finalmente gerados (e também, eliminados) de acordo com os fins da
sociedade de origem. (...) Nossas sociedades não elaboram nem a tecnologia
nem a capacidade de controlá-la. Também carecem, de um modo geral, de
base infraestrutural adequada para sustentá-la. (PELLI, 1986, p.20).
A mera transferência de tecnologia para um grupo marginalizado é de pouca valia caso esse
grupo não detenha o conhecimento ou as condições necessárias de direcioná-la para suas
necessidades. É necessário ir além e desenvolver métodos que promovam a absorção crítica
das tecnologias centrais nestes contextos.
Decodificação acrítica
A decodificação tem como objetivo difundir os códigos técnicos para o público leigo,
inteirando-o das simbologias, operações e dispositivos que até então eram exclusivas do
campo arquitetônico. É um esforço de democratização que, embora bem intencionado, não
chega a alterar a heteronomia do processo. Tal estratégia tecnológica é reformista e joga sob
regras estabelecidas de antemão. Devemos questionar se, de fato, trata-se de uma mudança
efetiva saber operar as linguagens de representação quando elas reproduzem um processo de
cisão que não altera a realidade dos grupos sócio-espaciais. Por mais decodificadas que as
linguagens sejam, elas insistem na lógica prescritiva do espaço, replicando um arranjo
produtivo de controle típico das tecnologias hegemônicas.
Chamamos essa estratégia de decodificação acrítica, pois, apesar das boas intenções, ela não
discute as raízes do problema. Em curto prazo sua solução parece adequada, mas não dispõe
de fôlego suficiente para transformar efetivamente as estruturas vigentes, reproduzindo a
produção heterônoma do espaço.
Faz parte dessa postura um pragmatismo imediatista que busca soluções rápidas para os
problemas, estabelecendo apenas mudanças paliativas. Exemplo disso são as iniciativas de
solução do déficit habitacional por mutirões autogestionários supostamente participativos: a
urgência de sua resolução é inegável, mas fornecer o domínio das linguagens para que os
usuários tomem a rédea da produção de suas habitações reproduzindo práticas hegemônicas
da construção civil muitas vezes só colabora na perpetuação de arquiteturas de má qualidade
e que ressoam os problemas recorrentes. Evidentemente há casos em que é necessário se
enquadrar em recortes institucionais que prescindem de projetos predefinidos para que tais
experiências avancem, mesmo que constrangidas. O que se propõe não é uma censura a tais
situações, mas sim a reflexão crítica para que conste no horizonte a superação estrutural
destas condições.
Interface
A interface do Flatwriter opera a partir de um conjunto de opções predefinidas que podem ser
escolhidas e recombinadas pelo usuário num processo de múltiplas etapas, gerando diversas
possibilidades (Figuras 1 e 2). Nessas etapas, o usuário executa escolhas tanto de caráter
formal (número, tamanho e posição dos espaços), como de caráter comportamental
(frequência de uso, conexões e preferências sobre cada espaço). O objetivo é que o usuário
consiga gerar uma representação gráfica que planeje o espaço a ser construído, atendendo a
seus desejos e especificidades.
Passando do suporte digital ao físico há o Jogo da Maquete, uma interface desenvolvida pelo
grupo de pesquisa MOM para facilitar a concepção e a discussão de projetos de arquitetura
com o público leigo. Sua aplicação inicial destinou-se à assessoria de um grupo cigano, para
auxiliá-lo no entendimento dos sistemas construtivos tradicionais, uma vez que seus
integrantes estão acostumados a produzir habitações temporárias com tendas. Conforme
ilustra a figura 3, o jogo constitui-se de uma base modulada em quadrados de 60 cm na escala
1:25, sobre a qual se encaixam elementos construtivos e mobiliários. O módulo de 60 cm foi
escolhido pois é compatível com elementos construtivos comuns no mercado (MOM, s.d.). As
paredes, sólidas ou com aberturas para esquadrias, são encaixadas nos sulcos da base
modulada, permitindo ao usuário delimitar ambientes, analisar suas dimensões, proporções e
articulações, gerando uma representação tridimensional de sua futura habitação. Ao propor
uma base aberta na qual elementos modulares podem ser encaixados facilmente e
continuamente alterados para a visualização e prospecção de novas soluções, o jogo dá
abertura para que um leigo se engaje na concepção e apreenda o espaço a ser construído.
As duas interfaces descritas acima têm diferenças cruciais em relação a seus suportes e
formatos de apresentação, bem como em suas lógicas de interação, mas um ponto em comum
permeia ambas: elas focam-se na etapa de concepção. Apesar de disporem de estruturas com
diferentes graus de abertura a fim de promover a participação do usuário, permitindo assim
que eles problematizem e concebam seus espaços, elas ainda se pautam no paradigma
prescritivo. Elas subvertem o uso hegemônico das linguagens de representação, criando novas
metodologias de concepção apropriadas aos grupos sócio-espaciais. No entanto, ainda são
necessárias outras estratégias aliadas a essas interfaces que garantam maior integração das
fases de produção do espaço.
Neste sentido, outras interfaces produzidas pelo grupo MOM têm uma abordagem voltada
para o momento da produção e para o esclarecimento de informações que permitam uma
produção do espaço adequada ao contexto da habitação informal. É o caso dos gabaritos de
obras, como por exemplo, o escadômetro e o estruturômetro. Ambos fornecem informações
de pré-dimensionamento de elementos construtivos de forma simples e direta, sem negar que
o conhecimento por trás dessas operações é complexo. Com isso, apresentam uma resolução a
um problema recorrente: a preocupação dos autoconstrutores a respeito da estabilidade
estrutural de suas habitações, mesmo produzindo estruturas superdimensionadas e sem sinais
aparentes de patologias construtivas (SILKE et al, 2012). São interfaces que, para além da
função prescritiva, instigam os usuários a aprofundar-se em conhecimentos do canteiro,
demonstrando que eles podem ser adequados às suas realidades.
Até aqui discutimos a intenção emancipatória das tecnologias sociais em relação aos
produtores e usuários. Entretanto, entendemos que a prática de assessoramento só é efetiva
quando é capaz de mudar a mentalidade e a atuação daqueles que têm domínio - ainda que
relativamente - sobre o processo. Para isso propomos um experimento didático baseado no
conceito de interface numa disciplina de projetos em um curso de graduação, visando uma
4 Ver HABRAKEN, Nicholas John et al. El Diseño de Soportes. Barcelona: Gustavo Gili, 1979.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No texto em que analisa a utopia de Morris, Silke Kapp enfatiza que o “lugar nenhum” não foi
produto de uma conscientização instantânea. Sua formação vem de uma mudança gradual da
sociedade e de suas estruturas que, assim como as tecnologias, é de constituição “(...) histórica
e não absoluta. Da mesma maneira que surgiu historicamente, pode mudar.” (KAPP, 2016, p.
05).
Nossa aposta nas interfaces enquadra-se nessa postura: espera contribuir para uma sociedade
que tem como horizonte a liberdade, onde todos agentes do processo de produção do espaço
atuem como gostem e estejam a par dos modos de construir e modificar seu espaço - se assim
o desejarem. Não podemos prever como isso de fato vai ocorrer, até porque a prescrição de
uma sociedade autônoma seria um contrassenso. Ela deve formar-se e ajustar-se pela vontade
e pelo benefício da coletividade de seus participantes.
Entretanto, enquanto nossa construção social e histórica não chega ao “lugar nenhum”,
propomos que a ferramenta da interface seja utilizada como método para democratização da
informação e do saber-fazer sobre o espaço. Para os usuários e produtores, esperamos que
elas possibilitem levantar questionamentos sobre as lógicas hegemônicas e sobre como a cisão
das fases de produção do espaço carrega consigo a imposição de interesses heterônomos
sobre demandas próprias. Para os arquitetos, esperamos que elas incitem a uma nova forma
de atuação, atrelada mais ao assessoramento que a uma solução pragmática e acrítica dos
problemas. Nem sempre é possível subverter completamente o status quo de modo
instantâneo: o reformismo e a prescrição ainda rondam as proposições em maior ou menor
grau. Mas, ao apostar em práticas que ao menos nos façam pensar criticamente em outras
possibilidades, acreditamos que nosso olhar se mantém fixo no horizonte da emancipação.
...
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