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Pecado Preferido - Tatiane Biasi
Pecado Preferido - Tatiane Biasi
1ª Edição
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou transmitida por
qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânico sem consentimento e autorização por escrito do
autor/editor.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência. Nenhuma parte
desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou
intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código penal.
Boa leitura!
Esse livro é recomendado para maiores de 18 anos, por conter cenas
de sexo, uso de substâncias lícitas e ilícitas, violência e palavras de baixo
calão. Ele também faz menção à temas sensíveis, tais como violência contra
a mulher, aborto e abandono parental. Apesar de não me aprofundar nos
assuntos, se você não se sentir confortável, pare a leitura. Além disso,
gostaria de deixar claro que é sempre importante buscar informação sobre
educação sexual e temas sensíveis.
E por último e não menos importante: a história tem como um dos
personagens, um animal selvagem que vive em parte no seu ambiente
natural, mas que também escolheu estar na casa de um humano por quem
ele desenvolveu um imprinting. Portanto, saibam que manter animais
silvestres não legalizados em cativeiro é crime e não é uma prática a ser
adotada. Além disso, eles podem ser agressivos, então tenham cuidado.
Vale ressaltar que todas as cenas foram baseadas em relatos e também
contaram com a consultoria de um biólogo e uma veterinária.
Ressalto que o livro é uma obra de ficção, assim, qualquer
semelhança com a realidade é mera coincidência.
Eles querem que você se sinta mal
Pois assim eles se sentem bem
Eu nasci pobre, mas não nasci otário
Eu é que não caio no conto do vigário
:: TAMO AÍ NA ATIVIDADE – CHARLIE BROWN JR. ::
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
PEDRO QUEIROZ
Aquela manhã estava sendo um inferno. Havia ido até a mesa dos
playboyzinhos maconheiros para levar as bebidas e fui ingênuo de achar que
passaria despercebido. Um deles reclamou que sua erva gourmet tinha
acabado e teve a pachorra de me perguntar se eu tinha um pouco.
Eu! O cara que estava dentro do seu próprio ambiente de trabalho. Era
esse tipo de merda que me irritava, o fato de os malditos acharem que eu
era um drogado que nem eles apenas por ser fodido de grana, por morar em
uma comunidade, sendo que eram eles que recebiam um cardápio de drogas
pelo WhatsApp.
Respondi que não e enquanto me afastava, ouvi o Gregório mais uma
vez usar o termo que eles sempre usavam para falar de mim, dizendo que eu
tinha ficado irritadinho.
GBR era como eles me chamavam.
Garoto Baixa Renda.
Na verdade, era como eles se referiam à boa parte das pessoas que
não estava dentro do seu ciclo social. Os idiotas não sabiam que eu tinha
conhecimento do significado e nunca usavam a sigla diretamente para falar
comigo. O Gregório, no entanto, fazia questão de subir o tom sempre que
eu estava por perto.
Era impossível não ficar puto com a situação, mas estava tentando
respirar devagar e mentalizar o meu mantra preferido. A imagem da minha
mão no meio da cara de cada um deles. Aquilo sempre me acalmava.
Estava saindo do bar pela lateral com uma bandeja cheia de drinks
quando alguém trombou em mim, derrubando todas as bebidas no meu
uniforme. Respirei fundo antes de levantar o olhar, repetindo para mim
mesmo que eu estava no meu ambiente de trabalho.
— Meu Deus, seu idiota! — Aquela voz me fez tremer de ódio.
E ali estava ela, tentando limpar a saída de praia branca que agora
tinha ficado totalmente rosa por causa do Cosmopolitan[7]. Já minha
camiseta ganhara a tonalidade azul devido ao outro drink.
— Você não olha por onde anda, porra? — Meu tom saiu agressivo,
porém baixo, porque eu não era estúpido.
— Srta. Albertelli, sentimos muito. — O gerente se aproximou,
desesperado, e me deu um rápido olhar de repreensão.
Ótimo, mais um esporro por conta daquela vaca.
— O Pedro deve ter se distraído e…
— Não me distraí — retruquei. — Ela apareceu do nada.
Roberval deu uma risadinha nervosa para a garota, que estava
espumando à nossa frente, os olhos pegando fogo. Seu olhar sempre se
performava do mesmo jeito quando se direcionava para mim.
— Pedro, vá buscar umas toalhas — ele ordenou e depois voltou a
adulá-la. — Fique tranquila, vamos levar para a lavanderia e sua saída
estará como nova em algumas horas…
Eu não continuei ali para ouvir o possível ataque que a patricinha
daria por ter uma roupa de marca manchada, uma que com certeza custava
mais do que meu salário inteiro. Deixei a bandeja em cima do balcão e fui
para o pequeno depósito em que guardávamos alguns itens.
Tirei minha camiseta polo e comecei a vasculhar o armário em busca
de algum uniforme perdido. Era padrão que a gerência deixasse algumas
peças de cada tamanho para imprevistos como esse, até porque os idiotas
não respeitavam regras.
Os babacas do condomínio sempre achavam que estavam acima de
qualquer norma. Foda-se a área comum, foda-se que não era permitido
entrar na piscina com copo de vidro ou até mesmo trepar nela durante a
madrugada e foda-se mais que tudo a lei do silêncio. Os filhinhos de papai
faziam o que queriam porque como um deles disse uma vez: “Foda-se, essa
multa é o preço do que eu gasto em um vinho quando vou jantar”.
Era de foder!
Alguns segundos depois, uma sombra pairou atrás de mim, ocultando
toda luz do espaço. Eu me virei e percebi que tinha sido tarde demais, nem
uma única palavra deixou os meus lábios.
Ela havia entrado praticamente como um furacão, fechando a porta
com força atrás de si.
— O que você…
— Puta que pariu! — Eu a ignorei, cruzando o pequeno cômodo e
passando por ela, tentando girar a maçaneta em vão. — Meu Deus, você
não cansa de fazer merda?
— O que eu fiz? — Um vinco se formou em sua testa e ela cruzou os
braços.
— A porta quebrou hoje pela manhã. Parabéns, estamos presos.
— Eu não tinha como saber!
— Você não precisaria saber se não ficasse no meu caminho. E teria
sido perfeito se parasse por um segundo de fazer compras no seu celular e
olhasse para a frente. Não estaríamos aqui.
— Eu não vi você e não estava…
Dei uma risada debochada. Claro que ela não tinha visto.
— Desculpa, esqueci que nós, funcionários, somos invisíveis pra
vocês.
— Meu Deus, qual o seu problema? — ela explodiu, balançando as
mãos ao lado do corpo, claramente irritada.
— No momento, meu problema é ter que lidar com pessoas como
você — retruquei da mesma forma.
— Pessoas como eu?
Era muita audácia...
Estava farto. Estava de saco cheio daqueles idiotas falarem comigo de
qualquer jeito, de me rebaixarem sempre que tinham a oportunidade.
— Sim, pessoas fúteis que não conseguem ver nada mais além dos
próprios umbigos — cuspi as palavras com raiva.
— Eu sou uma pessoa fútil? — Sua voz subiu para um tom estridente
e ela aproximou o rosto do meu, estreitando os olhos e tentando soar
intimidadora. — E você diz isso baseado em quê? Desde quando você me
conhece?
— Não preciso conhecer você para saber muito bem quem é.
— Você não sabe nada da minha vida, não sabe quem eu sou, seu
arrogante estúpido.
— Ah, seu status mudou desde que nos falamos da última vez?
Porque até onde eu me lembro, você continua sendo a patricinha mimada
que pede pra coar a porra da sua caipivodka porque não quer gominhos de
limão. Continua sendo a preconceituosa de merda que achou que eu tinha
furtado o relógio.
— Já disse que não vi nada. E é sério que está criticando o meu
pedido? Meu Deus, você é o pior funcionário desse clube! Eu nunca vi nada
igual.
Dei um passo à frente, chegando tão perto a ponto de não ver mais
nada ao meu redor além do castanho dos seus olhos. Era possível ouvir a
respiração ofegante farfalhando contra os meus lábios e o seu coração
retumbando na sua caixa torácica. A vibração de ódio que emanava dos
nossos corpos era como se a qualquer momento fosse acontecer uma
explosão iminente.
Meus lábios se curvaram em um sorriso desdenhoso.
— Está irritadinha porque eu não lambo o chão que você pisa como
os demais? Supera, princesa, porque eu me demito antes de me obrigarem a
fazer isso.
— Você não tem um pingo de respeito pelas pessoas e muito menos
educação. Ainda me espanta que esteja empregado, mas aposto que a
chantagem que fez é o que te mantém aqui.
— Eu não fiz chantagem alguma — afirmei, entredentes. — Foi o que
o pau no cu que você chama de namorado disse?
Ela piscou e não disse nada, confirmando o que eu imaginava.
— E é claro que você apenas balança a cabeça e acredita nele, como
se fosse uma cadela...
Eu me arrependi das palavras no momento em que deixaram minha
boca e elas foram acompanhadas de um tapa estalado no meu rosto. Ela
estava furiosa, o peito subindo e descendo sem parar e a respiração
desordenada. Fiquei totalmente sem reação, sentindo a ardência se alastrar
pela minha pele.
Nós continuamos nos encarando em um silêncio opressivo que
preenchia o ar entre nós. Aquele ódio mútuo se tornando cada vez mais
palpável.
— Nunca mais me chame assim — disse, por fim, a voz tão cortante
quanto o olhar.
Não precisei dizer nada. Não era um pedido e sim uma ordem e a
minha concordância foi tácita porque eu sabia que havia extrapolado o
limite.
Ela passou por mim, caminhou em direção a um dos armários e
começou a vasculhar algumas coisas. Seu corpo tremia como o de um
pinscher raivoso.
— O que está fazendo? — indaguei sem entender, mas ela me
respondeu com um vácuo eterno.
Arregalei os olhos quando ela veio na minha direção com um martelo
e uma chave de fenda na mão.
Fodeu, ela surtou e vai me matar. Não tinha nem um seguro de vida
para deixar para a Vó Dea. Puta que pariu, quem ia salvar o rabo do Pipo
toda vez que ele se metesse em alguma merda?
Pulei para o lado, saindo da sua frente quando percebi que ela não
pretendia me atingir. Que merda eu tinha na cabeça para ficar preocupado
com aquilo? Eu era faixa preta em jiu-jitsu e estava com medo de que uma
patricinha empalasse aquela porra no meu peito como se eu fosse um
vampiro?
Larissa se curvou sobre a porta, deu umas porradas e eu continuei
onde estava. Distância sempre é a melhor escolha perto de pessoas
claramente irritadas com objetos perfurantes na mão.
Então, alguns segundos depois, a porta se abriu, na mesma hora em
que minha boca fez o mesmo.
— Como...?
— Como eu disse, você não sabe nada sobre a minha vida —
respondeu, seca.
E saiu pela porta, deixando-me enraizado no chão, totalmente atônito.
Oh, irmão, nossa conexão é mais profunda que a tinta
Das tatuagens em nossa pele
Embora não compartilhemos o mesmo sangue
Você é meu irmão e eu te amo, essa é a verdade
:: BROTHER - KODALINE::
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
Não tinha o menor saco para os eventos da minha família, mas Greg
amava cada um deles. Era a oportunidade que ele tinha de fazer ainda mais
contatos na área. Não era o ramo da sua família, mas meu namorado era
apaixonado por Medicina e tinha o sonho de gerir o hospital dos meus pais
comigo quando nos formássemos.
Sempre me pareceu um bom plano, mas eu nunca tive a mesma
empolgação que ele. Óbvio que gostava da possibilidade de ajudar as
pessoas e já tinha até mesmo dado ideias de alguns projetos para os meus
pais. Os dois amavam quando eu me envolvia e era por eles que eu fazia
tudo isso.
Eles sempre deixaram claro que desejavam que eu seguisse seus
passos. E como poderia ser diferente? Era o legado deles para mim.
— Kinha, abre a porra de um sorriso, todo mundo está olhando —
Gregório pediu disfarçadamente, acenando para um dos neurocirurgiões
presentes e segurando-me pela cintura.
— Estou meio exausta hoje.
— Você não fez nada o dia inteiro, está de férias. Pelo amor de Deus,
olha as oportunidades de ouro que você tem. Até o dono da DuploM[14] está
aqui. Já volto, preciso mijar e depois você me apresenta, ok?
Ele me deu um beijo no rosto e girei o corpo para observar enquanto
meu namorado se afastava. Passei os olhos pelo salão e notei o idiota que
tinha me chamado de cadela servindo taças de champanhe e dando seus
típicos sorrisos falsos para os convidados. As mulheres só faltavam se
derreter quando ele aparecia nos seus campos de visão.
Como ninguém percebia que ele era uma fraude?
Ninguém era tão simpático assim!
Lavínia apareceu na minha frente, dando-me um susto e fazendo com
que minha atenção se voltasse a algo realmente relevante. Por que estava
perdendo tempo analisando o comportamento de alguém tão canalha?
Peguei a taça de champanhe que estava em suas mãos e virei todo o
conteúdo sem que ninguém visse.
— Eita...
— Sede — expliquei quando ela arregalou um pouco os olhos pela
minha reação.
— Estou entediada! — Ela soltou o ar logo depois. — Nada de
divertido acontecendo por aqui.
Minha amiga só estava ali porque tinha sido um convite de Inácio
Albertelli, papai tinha o dom de convencer as pessoas. E sabia que tinha
feito isso porque o pai dela tinha a esperança de que Lavínia arrumasse um
bom partido.
Ela tinha uma relação bem complicada com seus pais.
— Meu Deus! O prefeito de Coroa do Sul[15] está aqui — comentou,
animada, vendo Leonardo Ortega[16] conversando com Marco Montes.
— Amiga, claro que ele está aqui. Caso você não se lembre, esse
evento tem como foco o hospital que vamos abrir lá — lembrei, dando uma
risada.
— Você foi uma burra por não ter aproveitado a chance que a vida te
deu. Podia ter esse gostoso ao invés do idiota do Gregório…
Dei uma risada. Eu tinha passado uma noite com Leonardo Ortega e
me arrisco a dizer que foi a melhor que tive em toda minha vida. Nós já nos
“conhecíamos” de algumas festas da alta sociedade, mas naquela noite,
demos um match no Tinder no meio do evento em que estávamos
acompanhando nossos pais.
Nós dois estávamos entediados, ligamos o aplicativo e acabamos
conversando realmente, coisa que nunca tínhamos feito. Ele me contou que
em breve seria candidato a prefeito e alguma coisa aleatória sobre o Tibet
que não me lembro porque só conseguia focar naquele par de olhos verdes.
Tomei um lindo chá de pica e na manhã seguinte o bonitinho fez um
café da manhã para mim e me pediu desculpas.
Eu fiquei meio estática, pensando: ele está se desculpando por me
comer?
Depois entendi que não, ele só explicou que tinha acabado de
terminar um namoro, que não tinha intenção de se envolver com ninguém.
Deixou claro que me achava uma garota legal e que não seria a pessoa certa
para mim naquele momento.
O cara que tinha me enforcado de noite estava preocupado com meu
bem-estar.
Eu até tentei argumentar, porque naquela manhã eu estava querendo
aceitar qualquer migalha daquele homem, mas ele enfatizou que iria focar
na sua campanha que começaria em alguns meses e eu entendi o recado.
— Pelo amor de Deus, ele é um homem de família agora… —
lembrei, percebendo que a primeira-dama não estava com ele.
Paula Braga, uma das mulheres mais sortudas do país.
— Ele podia ter sido o homem da sua família e... Jesus, você ainda
ficou com ele com aquele cabelo horroroso…
— Ficou com quem? — Greg apareceu atrás de nós com uma
carranca no rosto.
— Ai, Gregório, deixa de ser insuportável — Lavínia rolou os olhos e
bufou. — Ninguém te chamou aqui.
— Vi, você não tem nada melhor pra fazer não?
— Já falei mil vezes que pra você é Lavínia. Vi é para os amigos.
— Te conheço desde criança, idiota. Desde quando não sou seu
amigo?
— Isso não quer dizer nada. Enfim, você me cansa. — E saiu.
Lavínia também conhecia Gregório desde pequena, como eu disse,
nossos círculos eram bem fechados e as amizades não se expandiam muito
mais além deles. Quando minhas melhores amigas souberam sobre a
traição, tiveram uma briga gigante com ele e passaram a cortá-lo sempre.
Ana era mais maleável que a Vi, entretanto.
— De quem ela estava falando? — indagou, ainda com um vinco na
testa.
— Do prefeito. — Apontei Leonardo Ortega com a cabeça e ele
fechou ainda mais as expressões.
— Você já deu pra ele também?
Odiava o jeito de Gregório falar sobre minhas outras experiências,
como se fosse um absurdo que eu tivesse trepado com outros caras antes
dele. Era hipócrita e machista.
— Não era virgem quando começamos a namorar, Gregório.
— Infelizmente…
Um babaca. Queria que eu fosse virgem, mas continuava metendo o
pau em outras sempre que tinha a oportunidade.
Antes que pudéssemos falar mais alguma coisa, Leonardo percebeu
que estávamos olhando para ele. Coçou a cabeça, um pouco tímido, e se
aproximou com seu amigo.
— Ei, Larissa. Tudo bom? — Ele me cumprimentou com dois
beijinhos.
— Oi, Leo — respondi, um pouco nervosa pela proximidade.
A primeira-dama que me perdoasse, mas era difícil me manter neutra
tão perto de um homem de quase dois metros de altura, um que eu sabia do
que era capaz de fazer.
— Marco, boa noite — cumprimentei o homem loiro ao seu lado que
segurava um copo de uísque.
Também já tinha encontrado o dono da DuploM em um ou outro
evento dos meus pais, mas no geral ele não costumava comparecer.
— Gregório Valença. — Ele pigarreou, estendendo a mão para se
apresentar e puxando-me um pouco mais para perto dele. — Namorado da
Larissa.
— A primeira-dama não veio? — perguntei, olhando para os lados.
— Não, ela não estava se sentindo muito bem.
— Eu imagino, nesse período de…
— Preciso dizer que acho que esse projeto vai ser muito benéfico para
a cidade — Greg me interrompeu, desesperado para falar sobre o hospital.
— Sou médico residente, trabalho na unidade da Barra e apresentei várias
ideias para os pais da Lari.
— Sua namorada estava falando. — Marco Montes olhou de cara feia
para o meu namorado, franzindo o cenho.
— Sem problemas, estava jogando papo fora. — Dei um meio sorriso
e os dois olharam de mim para ele.
— Sim, o projeto vai ser ótimo para Coroa do Sul — Leonardo
começou a falar para mim. — E tenho certeza de que os Albertelli possuem
grandes planos para a unidade. Teremos uma reunião em breve... Inclusive
sobre um dos projetos que foi iniciativa sua, pelo que eu soube, Larissa.
Aquele que utiliza parte dos recursos para atender alguns pacientes do SUS.
Acho ótimo o que estão fazendo, focando nos tratamentos de câncer.
Senti meu rosto queimar e na mesma hora meu olhar cruzou com o do
Pedro, que praticamente se materializou com uma bandeja de taças de
champanhe à nossa frente. Ele sustentou o olhar de ódio habitual para mim
e respondi da mesma forma.
Gregório pegou uma das taças e sequer olhou para ele, que inclinou
minimamente a bandeja na minha direção. Eu queria virar mais uns seis
copos, mas já estava alta o suficiente e sabia que mais algumas doses iriam
me derrubar.
— Não, obrigada — respondi para ele e voltei a falar com o prefeito.
— Não é nada demais, realmente. Os tratamentos com câncer têm um valor
altíssimo e vamos focar neles.
Ouvi um ruído quase imperceptível ao meu lado.
Eu estava maluca ou o babaca fungou e saiu fazendo uma negativa
com a cabeça?
Não. Eu só podia estar paranoica.
— Eu tenho acompanhado… — Gregório começou a dizer, mas logo
Marco Montes o interrompeu:
— Só um segundo, Gregory. — Ele com certeza errou o nome de
propósito, porque falou cheio de desdém. — Ortega, me avise sobre essa
reunião, tenho certeza que podemos trabalhar em algo. — Depois se virou
para mim. — Nós fazemos muitas doações para os hospitais públicos de
Coroa do Sul e vou ficar feliz em auxiliar nesse projeto que você idealizou.
Ele enfatizou a palavra você e sorriu para mim.
Que homem lindo, meu Deus.
O seu celular tocou e ele se afastou um pouquinho.
— Eu reclamo que o Monge não atende ninguém e você fica
defendendo, bem feito e…
Um silêncio sepulcral havia se instalado na roda e foi impossível não
ouvir sua conversa. Leonardo soltou um “então”, querendo preencher o
espaço constrangedor e eu fiz o mesmo, sorrindo. Logo depois, Marco
pigarreou, assentiu com a cabeça e desligou o aparelho, voltando para onde
estávamos.
— Sua mulher está mandando você atender o seu maldito celular —
resmungou entredentes para o amigo e deu um sorrisinho sem graça para
nós, ajeitando o terno.
— Vocês nos dão licença? — O prefeito se virou para o meu
namorado, cheio de deboche e continuou: — É que quando minha mulher
fala, eu a escuto e faço o que ela manda. Nos falamos depois — avisou,
puxando o amigo, mas antes eu dei uma risadinha ouvindo o restante da
conversa entre os dois.
— Ela estava gritando comigo e por que infernos você nunca vê essa
porcaria? Pra mandar vídeo daquelas merdas de roedores filhos da puta
você tem tempo, não é?
— Que babacas…
— Babacas por quê?
— Achei os dois super mal-educados.
— Você me interrompeu duas vezes, até eles perceberam — lembrei.
Ele soltou o ar, claramente irritado e me puxou pelo braço até o lado
de fora do salão, perto da piscina. Não havia ninguém por ali porque já
estava fechado e era proibido frequentar aquela área quando estava
acontecendo algum evento.
— Está reclamando que eu te interrompi? — indagou, cheio de ironia,
soltando uma risada incrédula. — Óbvio, você estava praticamente se
jogando em cima do prefeito. Por Deus, Larissa, se dê ao respeito.
— Você não pode estar falando sério…
— Estou sim — respondeu, sério. — Depois conversamos sobre,
vamos voltar.
— Não vou voltar, vou pra casa.
Ele parou, me olhou como se estivesse ponderando alguma coisa e
depois ajeitou as abotoaduras do terno.
— Talvez seja melhor mesmo, acho que você já bebeu demais —
disse por fim.
— Sim, você sempre sabe mais sobre mim do que eu mesma —
murmurei e ele pareceu irritadiço.
— O que isso quer dizer, Larissa?
— Nada, querido. Apenas que você me conhece muito bem.
— Sabe que sim. Enfim, digo para os seus pais que você estava com
dor de cabeça, ok?
E nem seria mentira.
Assenti e ele se virou, voltando para o salão.
No mesmo instante, fui até o bar da piscina. Sabia muito bem o que
estava fazendo, então tirei um dos grampos do cabelo e destravei o cadeado
da adega, pegando uma garrafa de champanhe.
Foda-se, eu precisava de uma bebida e não ia voltar para a festa em
busca de álcool, correndo o risco de cruzar o caminho de um dos amigos
chatos dos meus pais ou do meu namorado.
Tirei meus sapatos, subi a barra do meu vestido até a coxa e me sentei
na borda da piscina com os pés dentro da água.
Dei um gole na bebida e finalmente pude respirar fundo, sentindo a
paz ecoar ao redor de mim mesma.
Sozinha. Eu sempre ficava bem quando ninguém estava por perto.
Que ela é toda imoral, de olhar já passo mal
O encaixe foi perfeito, a sintonia surreal
:: O JOGO VIROU – STRIKE ::
PEDRO QUEIROZ
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
Odiava quando ela vinha para o jantar. Muriel era a irmã da minha
mãe e eventualmente aparecia por aqui, trazendo consigo seus comentários
maldosos e fazendo com que eu me sentisse um saco de merda.
— Como estão as coisas no hospital, Inácio? Aquela ala para os
pobres já deu algum dinheiro?
Meu pai deu uma risada um pouco sem graça e me encarou antes de
se virar para a bruxa. Abaixei os olhos e cutuquei os camarões no meu
prato. Cortei um pedaço pequeno e coloquei na boca, ainda tentando
segurar a vontade de vomitar que sempre surgia no minuto em que ela
pisava na sala.
— Não é nossa intenção que ela dê algum dinheiro, Muri. É um
projeto que a Larissa pensou para ajudar os necessitados.
Ela me encarou por trás da taça de vinho com desgosto. Aquela
mulher me odiava com todo o seu ser e torcia para que um dia eu fosse
atropelada por um caminhão.
E eu sabia disso porque ela mesma já tinha dito isso.
— Você não me contou como as coisas estão indo na loja — minha
mãe indagou, tentando mudar de assunto.
— Poderiam estar melhores, principalmente se tivéssemos feito
aquela reforma que comentei com você.
— Vamos ver isso mais para frente, certo? Estamos abrindo uma
outra unidade em Coroa do Sul e temos alguns projetos com o prefeito...
— Esse idiota estragou aquela cidade — retrucou, cheia de nojo. —
Saudades de quando Miguel Montes estava naquele gabinete. Graças a
Deus me livrei da loja que eu tinha lá.
— Gostamos da gestão dos Ortega — meu pai comentou.
— Vocês gostam de ser do contra. — Deu uma risada como se fosse
uma brincadeira, mas na verdade era uma alfinetada.
Ainda assim, minha tia não era burra o suficiente para discutir política
com meus pais e arrumar um conflito. A maioria das pessoas que tinha
imóveis e empreendimentos em Coroa do Sul preferia que as famílias
ligadas a Miguel Montes estivessem no poder.
Miguel Montes, o político corrupto.
A verdade é que quase ninguém se importava com a corrupção de fato
e aquele homem era a prova viva disso. Não me espantaria que ele tentasse
se candidatar novamente em algum momento e ficaria ainda menos surpresa
se fosse reeleito.
Ela continuou falando sobre a sua vida e a dos meus primos,
exaltando o quanto eles estavam se esforçando no primeiro período da
faculdade de Medicina.
Em algum momento, meu pai precisou atender uma ligação e minha
mãe se ausentou para dar uma olhada na sobremesa que estava sendo
preparada na cozinha.
— Ainda não desistiu do curso, cadelinha? — indagou, cheia de
maldade e na mesma hora minha respiração se tornou nula. — Sabe que não
precisa insistir nisso, certo? Minha Valentina e meu Enrico podem muito
bem cuidar de tudo quando Inácio e Laura se aposentarem. Ninguém vai
ficar chateado se você for para uma área menos... — Ela pareceu pensativa.
— Elitizada. É que existem coisas que estão no sangue, entende?
Engoli o bolo que se formou na minha garganta e puxei uma
inspiração, tentando controlar tudo dentro de mim.
Não iria me afetar.
Não iria me afetar.
Não iria me afetar.
Muriel sorriu, sabendo que tinha me atingido. Mexi meu corpo na
cadeira, o desconforto pinicando a superfície da minha pele, rasgando tudo
e deixando à mostra aquela sensação de exposição e vulnerabilidade.
— Obrigada pela preocupação. O curso está indo bem, Muriel — foi
a única coisa que consegui responder, mantendo minha voz firme.
— A hora que casar com o menino dos Valença nem mesmo vai
precisar trabalhar — continuou, cheia de insinuações. — Sinceramente, não
entendo o que ele viu em você, mas talvez seja apenas por todo o histórico
da família do seu pai com a dele.
Sobressaltei quando minha mãe surgiu por trás de mim e encostou no
meu ombro, fazendo carinho.
— Calma, filha. Sou eu. — Ela deu uma risada. — Ah, a Pavlova[28]
está quase pronta.
— Sem problemas, Laurinha. Estávamos conversando sobre como a
Larissa é sortuda de ter alguém como o Gregório — contou, olhando
fixamente para mim da mesma forma ameaçadora de sempre.
— Nós amamos o Greg. Ele é muito esforçado no hospital e sabemos
o quanto esse rapaz faz a Lari feliz. Estamos muito ansiosos para um pedido
de casamento. — Minha mãe abriu um sorriso animado e na mesma hora
senti meu estômago retorcer.
— Vamos com calma, mãe — pedi, quase em súplica, dando uma
risadinha sem graça.
O lábio superior de Muriel se ergueu uns milímetros, demonstrando a
típica microexpressão de nojo que ela fazia todas as vezes que eu me referia
à minha mãe.
— Ah, desculpa, eu me empolgo, filha. As meninas no hospital ficam
loucas em cima dele, mas ele sempre deixa claro que é comprometido.
Tão ingênua... Gregório era tudo, menos burro. Sabia muito bem que
se me traísse com alguém dentro daquele hospital, ele se queimaria com
meus pais. E o ego dele era definitivamente maior do que a vontade de
meter o pau em alguém. Bem, era maior que o pau também.
— Aquele homem é um santo — eu disse, escondendo todo o
sarcasmo na minha voz.
Suprimi todos os meus sentimentos durante o restante do jantar como
eu sempre fazia.
Um tempo depois que meus pais foram dormir, peguei uma garrafa de
uísque, o maço de cigarro que eu escondia para aquelas emergências e meu
saquinho de jujubas. Subi para o sótão da casa, passando pela janela e
sentando no telhado, em um espaço entre o vidro e as telhas.
Ali era o meu refúgio pessoal desde que eu me entendia por gente.
Naquele lugar, no topo da minha casa, eu era livre para ser quem eu era de
verdade, sem julgamentos ou expectativas. Já era normal observar as casas
diante de mim e refletir sobre a vida das pessoas que viviam embaixo delas,
questionando se estavam tão perdidas e encurraladas quanto eu.
Abri o meu isqueiro e fiquei observando a chama dançando com a
brisa gelada de julho que farfalhava no meu rosto e envolvia-me quase
como um bálsamo naquela sensação de paz que eu sabia ser momentânea. O
silêncio era reconfortante e fazia com que eu me desconectasse de tudo à
minha volta.
Segurei o cigarro entre os dedos, queimei a ponta e traguei, deixando
a fumaça escapar lentamente pelos meus lábios enquanto observava o
horizonte vazio diante de mim.
O cigarro não era um vício e sim uma válvula de escape, uma ação
que eu fazia apenas por poder fazer. Era uma questão de controle. Naquele
momento eu era a dona das minhas escolhas, mesmo que fosse algo
pequeno ou prejudicial para minha saúde.
LARISSA ALBERTELLI
PEDRO QUEIROZ
Pedro:
Luna: É o Pato?
Luna: Quero
conhecer ele!
Luna: O Pipo me
mandou um convite para
encontrar vocês no
eventinho que vai ter na
quinta que vem no Pontal.
PEDRO QUEIROZ
03:00 da manhã.
Eu odiava acordar naquele horário desde meus 14 anos, quando o
Pipo me obrigou a ver o maldito filme da Emily Rose. Eu devia ter aceitado
quando ele tentou dar o play em “As Branquelas”, mas não aguentava mais
assistir aquela merda quase todo dia porque meu irmão era viciado, então
concordei.
Nós dormimos na mesma cama por uma semana e acordamos a cada
ruído, até mesmo com o estalar da geladeira. A Vó Dea não deixou que
ficássemos no quarto dela, alegando que era nosso castigo por ver um filme
daqueles numa casa abençoada.
Havia uma foto. Vergonhosa. Que ela guardava a sete chaves junto
com os santinhos que tinha do Vaticano e o primeiro CD do Padre Marcelo
Rossi.
Inferno, agora eu estava pensando naquilo. Fui até o quarto do Pato
verificar como ele estava e abafei uma risada quando vi que ele estava
roncando com um bichinho de pelúcia nos braços.
Macaco mimado do caralho.
Desci as escadas para pegar um pouco de água e notei pela janela que
minha vizinha sem educação estava chegando de carro com os faróis
apagados. A garota desceu do carro sozinha, vestindo um moletom parecido
com os que eu gostava de usar, todo preto. Colocou uma mochila nas
costas, olhou para os lados para se certificar que não havia ninguém ao
redor e entrou na sua casa.
E depois era eu que parecia um assaltante...
A curiosidade corroeu cada partícula do meu corpo. O que a
Patricinha da Barra estava fazendo em uma madrugada vestida daquele
jeito? Por que ela estava chegando na calada da noite sorrateiramente?
Subi pulando os degraus para ver se as cortinas do seu quarto estavam
afastadas e me posicionei no escuro, atrás do tecido para que ela não
pudesse me ver.
As portas de vidro iam do chão ao teto, bem amplas. Havia uma
grade, tornando o espaço como uma espécie de sacada, bem estreita e
parando para analisar tudo era aberto e próximo demais. Era possível ver o
quarto dela inteiro do meu.
Tudo bem que aquele era o quarto da irmã do Heitor, mas mesmo
assim... Ricos não deveriam gostar de privacidade?
Todo o meu pensamento desintegrou e meu ar se tornou nulo quando
ela apareceu no meu campo de visão, somente com uma lingerie preta de
renda, soltando os cabelos que antes estavam presos em um coque. Eu juro
por todos os santos que haviam na casa da minha avó, aconteceu em câmera
lenta.
O meu pau, no entanto, ficou duro na velocidade da luz.
Caralho, odiava o quanto ela era linda. Não conseguia desviar a
atenção das pernas longas, como se estivesse enfeitiçado. Não fazia ideia do
que estava acontecendo, mas pelo visto, a renda era um tecido mágico
capaz de deixar a insuportável ainda mais gostosa. E era ridículo porque eu
a via de biquíni o tempo inteiro!
Alguém precisava me internar. Menos de uma semana morando com
os ricos e tudo o que eu queria fazer era quebrar meu mandamento e pecar.
Puta merda, só com aquela visão eu tinha certeza de uma coisa na
vida: queria ir direto pro inferno. De tobogã, para ser mais rápido.
QUE MERDA, PEPEU, PORRA?
Tropecei quando tentei sair daquele lugar o mais rápido possível.
Nem lembrava o que havia ido fazer ali para início de conversa. Ah, sim, eu
estava indo fuxicar a vida alheia, exatamente como Vó Dea mandava eu não
fazer.
Aquilo era o meu castigo.
MUITO BEM FEITO, TROUXA!
Abri meu celular e comecei a digitar uma mensagem para o Pipo
afirmando: “Praga de vó é real”, mas decidi apagar e voltar a dormir. Não
teria como justificar pro meu melhor amigo que tive uma ereção apenas por
ver minha inimiga declarada de lingerie. Era só um surto, uma reação
instintiva ao botar os olhos em uma mulher gostosa.
Dormi mal pra caralho. Senti um calor desgraçado a noite inteira e
talvez tenha sido por causa de toda baixaria que rolou no meu sonho com
aquela patricinha escrota que tirava minha paz.
Acordei suado, gozado e humilhado.
Meu Deus, ela tinha feito até mesmo os meus pensamentos de refém.
Decidi tomar um banho gelado, o que me deixou com o humor ainda pior.
Não adiantou e eu tomei um segundo, lutando contra a vontade de tocar
uma punheta.
Não, eu me recusava!
Nem fodendo eu ia tocar uma pra ela.
NEM FODENDO.
NEM POR UM CARALHO!
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
Em alguns momentos, tudo que uma pessoa quer é poder tomar uma
xícara de chá na santa paz do Senhor, mantendo o olhar perdido nas plantas,
árvores e passarinhos. Analisando a perfeita harmonia da natureza, sempre
calma e sem muitas agitações.
Sem nenhum tipo de estresse, falatório ou imagem perturbadora.
Suspirei, deixando meus pensamentos divagarem. Era muito mais
fácil quando ele era apenas um babaca insuportável. Muito mais simples
quando o ódio que eu nutria era o único sentimento que crescia no meu
peito. E antes do maldito começar a morar na casa da frente, meus
pensamentos não eram nada impuros.
Porque agora eles eram. Eu tinha uma infinidade deles. E teria ainda
mais depois daquela visão.
Meu mais novo vizinho estava no quintal do Heitor, sem camisa,
completamente suado, socando um saco de boxe. Heitor mantinha aquela
porcaria ali só para enfeite, porque ele não batia nem nos mosquitos da
dengue. Se matriculou um mês no boxe, comprou todos os equipamentos
existentes e desistiu quando tomou uma porrada forte demais. Já tinha visto
pela janela ele mostrando o equipamento para algum casinho, cheio de
lábia, provavelmente inventando que o MMA corria pelas suas veias.
Aquele saco enfim estava recebendo alguma atenção e eu quase dei
um pulinho no lugar quando, em um determinado momento, o garoto que
fazia da minha vida um inferno, deu um tapa com toda força no couro.
Um calor sobrenatural me consumia de dentro para fora, lembrando
da troca de olhares da noite anterior, imaginando as mil e uma coisas que eu
deixaria que ele fizesse comigo.
Meu Deus, Larissa!
Respirei devagar, tentando prestar atenção no ar contornando meus
pulmões, fazendo o caminho correto. Pedro era gostoso e gostaria de não ter
sonhado com ele na noite anterior e acordado totalmente molhada.
Talvez eu tenha ficado pensando tempo demais naquele idiota
arrogante. Não fazia sentido uma pessoa pedir o seu número e sequer enviar
um “oi” para que o contato ficasse salvo. E se eu quisesse perguntar como o
Pato estava? Ele era mesmo tão mal-agradecido assim?
A chaleira tinha começado a apitar de novo na minha frente e eu
enrolei o pano na mão para pegá-la sem deixar de prestar atenção no treino
que estava acontecendo no quintal ao lado.
Mordi meu lábio inferior quando ele deu outro tapa para segurar o
saco de boxe e me inclinei um pouco para frente para ver melhor. Como
deveria ser a sensação daquela mão grossa acertando a minha bunda
algumas vezes?
Caralho, Larissa!
Um cheiro de queimado subiu pelas minhas narinas e quando eu
percebi, dei um berro, assustada, jogando o pano para frente.
— Ah, meu Deus! — berrei ao ver que uma chama tinha se alastrado
para a cortina e estava lambendo o tecido.
Puta merda, puta merda!
O alarme da casa tocava sem parar, mas eu não fazia ideia do que
fazer. Até os bombeiros chegarem, tudo já teria virado cinzas. Meus pais
iam me matar e com certeza comprariam o caixão mais barato da funerária
do pai do Gregório.
Estava muito ferrada.
A porta da minha casa se abriu e como se estivéssemos em uma cena
de filme, o Pedro surgiu correndo, ainda sem camisa e com um extintor na
mão.
Será que eu estava sonhando?
Eu nunca tinha tido sonhos com bombeiros, mas aqui estava ele,
vindo apagar o meu fogo, literalmente. Passou por mim, empurrando-me
para trás, para que eu ficasse longe da bancada e apertou o gatilho do
extintor. O seu corpo parecia ter sido esculpido, com um bronzeado perfeito
e o suor descia devagar pelas entradas do short.
Deus do céu, eu amava entradas.
Pedro estava agitado, gritando para que eu não me aproximasse, para
que ficasse onde estava. Apenas assenti, um pouco atordoada e levemente
hipnotizada. E observando todo o desenrolar à minha frente, cheguei à
conclusão de que seria impossível acabar com o incêndio que acontecia
embaixo da minha saia.
Talvez, com a mangueira dele...
MEU DEUS, LARISSA, CARALHO!
— Você só faz cagada, hein, 190? — ele perguntou, ofegante e sem
paciência quando se virou para mim. — Que merda estava fazendo?
O alarme continuava apitando. Ele largou o extintor no chão e passou
as duas mãos pelo rosto, empurrando um pouco do suor para baixo, que
desceu quase que em câmera lenta pelos gominhos do seu abdômen.
— Ahn, eu... Estava distraída — balbuciei, forçando-me a olhar nos
seus olhos. — Como você...?
— Ouvi seu grito e depois vi o fogo subindo para a cortina —
explicou, bagunçando o cabelo e em seguida encostou as duas mãos na
cintura, virando-se para o estrago.
Seu abdômen se movimentava para dentro e para fora, acompanhando
sua respiração ofegante.
Eu precisava tirar meus olhos dele, meu Deus!
— De onde você tirou esse extintor?
— Eu vi perto do quadro de luz no dia em que você tentou me mandar
para a cadeia — debochou. — Provavelmente o Heitor tem medo do Pato
incendiar a casa.
— Ele está melhor?
— Acordei e percebi que ele não estava pela casa. Deve estar pelo
condomínio. Ele cagou em cima da minha cama, acho que ficou ressentido.
Ele deu uma risadinha e coçou a cabeça.
Merda, ele era uma gracinha assim simpático.
— O pessoal do condomínio vai chegar daqui a pouco — constatou,
olhando para o alarme e caminhando em direção à entrada da minha casa.
Assenti duas vezes.
— 190? — ele chamou, virando-se para trás.
— Hm? — respondi e depois me odiei por isso.
— Tente não incendiar sua cozinha na próxima vez que estiver me
secando enquanto eu treino — disse, cheio de si, dando um sorrisinho de
canto de lábio e saindo pela porta.
Deixei um gritinho de frustração escapar, sentindo minhas bochechas
queimarem. Era um castigo divino que ele tivesse me visto, por toda a
mentira que eu escondia das pessoas à minha volta.
Babaca insuportável dos infernos.
PEDRO QUEIROZ
Subi as escadas que davam até o escritório do Heitor para avisar o que
havia ocorrido. O som da música no primeiro andar estava alto demais e
queria que ele entendesse, porque sabia que os arrombados tentariam ligar e
eu precisava dar a minha versão.
Como eventualmente eu fazia alguns bicos e conhecia a casa de festas
muito bem, meu mais novo chefe perguntou se seria possível cuidar de tudo
naquela noite. Explicou que o gerente tinha sido demitido dois dias atrás e
seu sócio precisou fazer uma viagem de emergência para São Paulo.
Assim que contei sobre o ocorrido, ele me disse que fiz o certo, que
depois se entenderia com os dois e daria um esporro em ambos porque a
Dräieck não era bagunça. Ainda ficava impressionado na confiança que
Heitor tinha em mim e nem mesmo sabia o que tinha feito para ganhá-la.
Estava saindo do cômodo, caminhando pelo corredor escuro e
distraído mandando uma mensagem para o Pipo no meu celular. No
segundo em que senti um puxão no braço, o cheiro de jujubas pareceu
preencher todo o ar ao meu redor.
Aquela área da boate era inacessível para os clientes e eu não fazia
ideia de como ela tinha chegado ali. Levantei meus olhos para encontrar os
seus, vendo de forma vítrea a sua cor, mesmo que a luz se encontrasse fraca
e quase nula. Era como se a tonalidade estivesse gravada na minha memória
depois de tanto ver meu reflexo atrás deles queimando de ódio.
— Seu namorado é um cuzão, 190 — falei, antes que ela pudesse
começar o sermão que imaginei que tinha preparado.
Dei uma risada mental, lembrando da música do Forfun, uma banda
dos anos 2000 que tinha exatamente esse nome.
— Quando vai parar de me chamar assim?
Ela me soltou e franziu o cenho, deixando toda a irritação
transparecer. Dei uma risada da sua pergunta.
— Eu não vou.
— Por quê?
— Porque te irrita e eu não gosto de você — respondi, como se fosse
óbvio.
— Você é tão insuportável. — Seus olhos reviraram como sempre
faziam para praticamente qualquer frase que saía da minha boca.
— E ainda assim você está aqui — comentei, em um tom sugestivo,
dando um passo para frente e colocando-a contra a parede. — O que está
fazendo aqui?
Ela recuou, engolindo em seco, mas sem interromper nosso contato
visual. Foi impossível não sorrir mentalmente, satisfeito em ver que ela
parecia desconfortável.
Naquela manhã, eu percebi que a herdeira dos Albertelli estava
observando meu corpo quase que hipnotizada durante o treino. E
permaneceu por todo tempo em que eu fiquei dentro da sua casa tentando
apagar o fogo que ela tinha começado.
Cheguei à conclusão de que aquele desejo não era unilateral e que
havia uma forma melhor de lidar com a situação sem quebrar o meu
mandamento de vida. Porque eu não iria, nem fodendo, mesmo que
estivesse louco para meter o meu pau naquela porra de boceta burguesa.
O que dificultava era o fato daquela insuportável estar sempre por
toda a parte, tirando minha paz. Então, decidi que usaria aquilo para
provocá-la até que se afastasse. E a verdade é que seria maravilhoso me
divertir um pouco às suas custas.
Foda-se que ela tinha me ajudado com todo o lance do Pato, eu ainda
a odiava e aquele sentimento jamais iria embora.
Sabia muito bem que a patricinha que tinha saído diretamente do
filme da Barbie não iria meter um par de chifre no Ken, mesmo que o
gostoso do Max Steel[37] aqui estivesse à disposição. Ela nunca trairia
aquele babaca por mais que ele fosse um merda de ser humano.
Estava louco para vê-la se contorcer como um maldito inseto depois
de algumas borrifadas de inseticida, entretanto.
— Queria saber uma coisa... — começou a dizer e fiz um meneio com
a cabeça para que continuasse. — Está se sentindo vingado?
— Eu? — Dei uma risada. — Vingado pelo quê?
— Por aquele dia do relógio — respondeu. — Você expulsou o
Gregório daqui, mas só quem estava fazendo merda era o Cadu.
— Achei que você era apenas a defensora dos GBRs. Virou a dos
babacas também?
— Não vim defendê-lo. Afinal, está se sentindo vingado?
Me aproximei um pouco mais e percebi que seu olhar desceu para a
minha boca, fazendo com que eu abrisse um sorrisinho de imediato. Era
bom me sentir no comando, eu gostava quando sabia que tinha aquele tipo
de efeito em uma garota.
— Por que acha que sou uma pessoa vingativa? — continuei os
questionamentos, adorando vê-la encurralada.
Ela soltou o ar pela boca, como se minha pergunta não fizesse
sentido.
— Vai me dizer que você não é vingativo?
— Não disse que eu não era. — Mais um sorriso e eu percebi toda a
raiva crescendo nas suas feições.
Era tão fácil irritá-la.
— Sim, eu sou vingativo, mas vai precisar de muito mais pra eu me
sentir vingado.
Eu podia ouvir a pergunta “o quê?” martelando na sua cabeça e a luta
interna, quase como se estivesse se desafiando a fazê-la.
— O que está fazendo aqui? — tornei a perguntar, percebendo que
meu rosto estava próximo demais.
— Já... Te disse — ela engasgou as palavras, umedecendo os lábios
em seguida e eu fiz a idiotice de olhar para eles.
Merda de boca grossa e linda do inferno.
— Você mente bem pra todo mundo à sua volta, 190... É uma pena
que eu saiba a verdade.
— É? — Sua sobrancelha arqueou e ela mudou o tom para desafiador,
chegando alguns milímetros mais perto. — E o que acha que estou fazendo
aqui?
Mordi o meu lábio inferior e não fui capaz de segurar uma risadinha.
Peguei uma das suas mechas de cabelo e enrolei entre meus dedos, como se
não pudesse me conter. Coloquei os fios atrás do ombro, deixando que
minha mão resvalasse na pele, sentindo a resposta imediata em um arrepio.
Ela prendeu o ar quando eu me inclinei em sua direção, mas desviei a
boca para perto do seu pescoço. Puxei uma respiração, irritado comigo
mesmo pela súbita vontade de sentir meus lábios contra ele.
— Acho que precisa de alguém que dê conta de você... — sussurrei,
percebendo a inquietação do seu corpo.
— Eu tenho um namorado — retrucou, como se aquilo tivesse
relevância.
— É? E onde ele está? — Minha pergunta foi feita olhando dentro
dos seus olhos e a resposta veio em um silêncio contrariado. — Tenho uma
teoria... Acho que está aqui porque aquele merda não supre as suas... — Fiz
uma pausa. — Necessidades.
— Você é um babaca… — Ela fez menção de sair, mas coloquei meu
braço para impedir.
— Diz pra mim, 190… Ele realmente dá conta de você? — falei
baixinho, contra os seus lábios, nunca deixando de manter meu olhar fixo
no dela.
A tensão sexual entre nós dois crescia, incitando-me a continuar e
praticamente implorando por algum tipo de ação. O calor que emanava do
seu corpo estava me deixando alucinado e a respiração descompassada
queimava não só a minha boca, como também meus neurônios.
Ela iria recuar.
Ela iria recuar.
E eu comecei a não querer que isso acontecesse.
Em segundos, me perdi no joguinho que estava tentando fazer, em
uma mistura inconsciente de uma aceitação verbal e não verbal do meu
corpo. Foda-se, eu queria sucumbir. Desejava quebrar o meu mandamento
agora, mais do que qualquer outra coisa.
A frase “eu te odeio” dançava na ponta da minha língua, a irritação
começando a me deixar desnorteado. Porque eu não conseguia uma
explicação lógica para o que estava acontecendo. Estava com raiva de todo
o efeito que aquela garota parecia ter sobre mim naquele momento.
— Por que acha que ele não dá conta de mim? — Havia um pouco de
atrevimento no tom, algo que não fui capaz de identificar, mas me baqueou.
— Você me olharia da forma que me olha, se ele desse? — Foi uma
pergunta genuína, porque já estava confuso pra caralho. — Você estaria
aqui, se ele desse?
— Quer saber o que estou fazendo aqui? — perguntou de forma
sedutora.
Tudo o que consegui fazer foi uma concordância com a cabeça antes
que ela torcesse a mão na minha camiseta, puxando-me para si e colando os
lábios nos meus. Soltei a respiração dentro da sua boca, quase que em um
alívio por finalmente sentir o seu gosto.
Sua língua se empurrava contra a minha de um jeito agressivo, como
se ela também estivesse com ódio de si mesma por estar se rendendo ao que
quer que fosse aquilo entre nós dois.
Todo o controle se esvaía. De forma contínua. Em uma espiral
infinita.
— Porra! — sussurrou, junto com um gemido dentro da minha boca,
fodendo-me por completo.
Uma das minhas mãos livres encontrou sua nuca, agarrando os seus
cabelos com força, puxando-a cada vez mais para mim. Minha outra mão se
mantinha ao redor da sua cintura de uma forma urgente, como se eu
estivesse desesperado para prolongar um momento que sabia que seria
único na minha vida.
Mais um aperto e eu pendi sua cabeça para trás, descendo a boca para
explorar sua mandíbula, o pescoço e o que mais eu fosse capaz. Era
possível sentir suas veias pulsando contra a minha língua, o gosto doce de
bala se espalhando pelo meu céu da boca.
Desci a mão para baixo da sua bunda, levantando-a um pouco mais na
parede. Fechei os olhos quando percebi que meu pau estava duro e alinhado
contra a sua boceta, apenas imaginando a possibilidade de fodê-la contra
aquela parede.
Ignorei todos os avisos internos que estavam sendo ofuscados pela
euforia tangível dos nossos corpos. Em uma mistura de mordidas, puxões e
respirações incompletas, eu quebrei. Aquele beijo era quente como o
inferno. E eu deixei que ela me queimasse, exatamente como uma vítima
voluntária de um incêndio.
— Eu estava certo... — respondi ofegante, forçando-a a me encarar.
— Ele realmente não dá conta de você.
— Será? — Ela mordeu o lábio inferior que já estava bem inchado e
deu uma risada. — Talvez eu só esteja procurando uma forma de me vingar
também...
Eu parei o que estava fazendo, afastando seu rosto do meu. Uma
enxurrada de pensamentos errados começou a inundar a minha cabeça,
tentando arrombar as portas que eu mantinha muito bem travadas e
deixando em primeiro plano minhas inseguranças. Eu odiei aquela merda.
A garota na minha frente cessou as risadas e franziu o cenho, um
pouco confusa pela minha reação.
— Foi por isso que me beijou? — perguntei, sério, e depois deixei
que o desdém me anestesiasse por completo, suprimindo toda a raiva que eu
estava sentindo. — Por que queria dar o troco no seu namorado que encheu
sua cabeça de chifres?
Todos seus músculos enrijeceram e Larissa trancou o maxilar como se
estivesse moendo os dentes, furiosa pelo que eu tinha dito.
— Peguei em um ponto sensível? — debochei. — Eu duvido que ele
dê conta de você enquanto trepa com metade das mulheres do Rio de
Janeiro, mas se está tão certa disso, talvez seja melhor terminar na cama
dele, se ela já não estiver ocupada.
— Você é muito escroto... — ela cuspiu as palavras e se virou para ir
embora, praticamente marchando.
— Não mais do que você. — Minha voz ecoou no corredor antes que
ela pudesse sair do meu campo de visão.
A raiva trepidou dentro do meu estômago, espalhando-se como a
labaredas do incêndio que eu tinha sido capaz de controlar mais cedo.
Parecia bem mais difícil agora, sentindo-o correr por cada célula, tentando
explodir pelas minhas extremidades.
Ela era como gasolina.
Não se preocupe
Eu não quero mais te ver
E nunca quero te encontrar de novo
Mais uma coisa
Quando está brava, você é uma babaca
E então me trata como se eu não valesse nada
:: WORTH NOTHING – TWISTED ::
LARISSA ALBERTELLI
Eu não deveria ter feito aquilo. Era uma completa idiota por achar
que, de alguma forma, o resultado seria diferente do que tinha sido. Havia
me deixado levar, por todas as insinuações, a sedução e o sorrisinho
traiçoeiro que ele tinha. Tudo o que o imbecil queria fazer era ter uma
oportunidade para jogar na minha cara o quanto minha vida era patética e
me humilhar mais um pouco.
Eu percebi o que ele estava fazendo… E mesmo assim eu caí.
O errado me atraía de uma forma que eu jamais saberia explicar. Não
era só um escape da vida fictícia que eu precisava manter.
Eu queria a adrenalina, o perigo, o averso.
— Ei, amigaaaaa. Por que está com essa cara? — Ana perguntou,
jogando-se em cima de mim e me enchendo de beijos.
— Ela precisa de comida... — Lavínia declarou, entre as risadas, e se
jogou no montinho que tinha se formado em cima de mim. — Ou talvez
levar uma boa de uma comida...
— Não fica triste por conta daquele idiota do Gregório.
— Você tinha que ver o papelão, Ana... — minha amiga comentou,
balançando a cabeça em discordância e jogando os cabelos para trás. —
Alguém viu meu celular?
— Não e eu não estou triste por causa dele — afirmei. — Gregório é
adulto e sabe o que faz.
— Eu disse que era fome!
Demos risadas e descemos para tomar café. O pai da Vi abriu um
sorrisão ao me ver e nos cumprimentou, parecendo animado. Ele adorava
quando nós aparecíamos para poder tentar convencer a filha a seguir o
nosso caminho, voltar para a faculdade e encontrar um cara que tivesse
alguma boa posição social.
Ele perguntou se queríamos tapioca e pediu para a moça que
trabalhava lá fazer. E como sempre acontecia, começou a divagar sobre os
assuntos que minha amiga tentava fugir.
— Como está na faculdade, Ana?
— Está legal, tio, mas estava precisando de férias! — Ela deu uma
risadinha e deu um gole no seu café.
— Lari, seu pai disse que você está se saindo super bem no hospital...
Conversamos na semana passada e ele falou mais uma vez que seria
incrível se a Vi entrasse para o curso, já que trancou Direito e não quer
voltar de jeito nenhum.
— Pai, eu não vou fazer Medicina — decretou, tentando não subir o
tom de voz.
— Acho que a Medicina realmente não é pra Vi — falei, tentando
brincar. — Do jeito que é esquecida, é a cara dela deixar alguma coisa
dentro de um paciente.
Elas gargalharam, concordando e ele abafou uma risada, meio a
contragosto.
— Fora as roupas monstruosas que vocês usam... — minha amiga
lembrou. — Acho que você é uma das poucas que consegue ficar
minimamente bem dentro de um jaleco.
— Mas existem outras áreas em que ela não precisaria operar... — Ele
voltou a olhar para a filha, um pouco sério, ignorando seu comentário. —
Espero que no evento de amanhã você faça alguns contatos que te animem
para fazer alguma coisa. Você vai fazer vinte e dois anos, Lavínia, e passa
todo o seu tempo sem fazer nada...
— Estive pensando sobre isso, sempre te vejo fazendo doações, mas
como eu não tenho dinheiro, posso doar esse meu tempo todo. Estava
conversando com uma das funcionárias daqui do condomínio e ouvi dizer
que lá no Terreirão eles tem um projeto muito legal de lutas e também
fazem algumas campanhas...
Ele soltou um ruído de incredulidade, impedindo que a filha
terminasse a frase. Comprimi os lábios para não rir, vendo-o ficar vermelho
pela irritação, a veia na testa pulsando sem parar.
— Você não vai pro meio da favela! E nem tem que ficar de papo
com essas pessoas que trabalham aqui! — avisou de forma rígida, mas em
um tom de voz baixo para que a funcionária que estava na cozinha não
pudesse ouvir.
— Comunidade... — corrigi baixinho enquanto levava minha xícara
até a boca, mas ele nem mesmo ouviu.
— Tem sorte que sua mãe não está ouvindo esses absurdos que você
está dizendo — continuou, ríspido. — A gente te dá tudo, você deveria ser
mais grata, como as meninas. É difícil até mesmo ter uma manhã tranquila,
sem seus comentários desnecessários, Lavínia. — Depois, olhou para mim.
— Larissa, vê se coloca algum juízo na cabeça da sua amiga.
Ele respirou fundo e levantou, ajeitando a postura deixando claro que
aquela discussão tinha chegado ao fim. Pediu licença, afirmando que estava
atrasado para o trabalho e deu um sorriso sem muita vontade antes de se
retirar do cômodo.
“Você deveria ser mais grata, cadelinha.”
Aquela frase me trouxe uma infinidade de memórias, puxando-me
para uma parte que eu não gostava de visitar. Até mesmo o pai da minha
melhor amiga esperava algo de mim e era muito difícil deixar tudo de lado.
Lavínia estava com um sorrisinho satisfeito no rosto por ter tirado seu pai
do sério e muitas vezes eu a invejava por se impor daquele jeito.
— Eu é que deveria colocar menos juízo na sua cabeça — ela
murmurou para mim, rindo e eu balancei a cabeça, segurando as risadas.
Eu nunca seria aquela pessoa. Entendia os sacrifícios que precisava
fazer porque eu era sim grata e nunca iria querer que meus pais pensassem
o contrário. Eles tinham me dado tanto e eu não tinha coragem de
recompensá-los com decepções.
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
Aquela noite tinha sido absurda em tantos níveis que nem mesmo era
capaz de descrever a quantidade de coisas que passaram pela minha cabeça.
Assim que saí da festa, após ter ameaçado Gregório com o canivete, avisei
para os meus pais que iria dormir na casa da Lavínia e acabei dormindo no
sofá do Heitor.
Depois que Pedro preparou um sanduíche para mim, sugeriu que
assistíssemos a um filme. E foi o que fizemos, em total silêncio, um de cada
lado do móvel até que eu pegasse no sono.
Por mais que eu não gostasse daquele garoto, ainda estava encucada
com o fato de me sentir tão à vontade perto dele. Bem, ainda ficava
desconfortável em muitos momentos, principalmente quando ele estava sem
camisa ou olhando para mim de uma forma que molhava minha calcinha.
Não fazia ideia de quando foi que todo o ódio se misturou com o
desejo, minimizando-o para perturbar ainda mais a minha paz.
Eu gostei da preocupação, ainda que não fosse necessária. E confesso
que teria achado maravilhoso que ele desse umas porradas no idiota do meu
namorado.
Meu namorado.
Pisquei, lembrando-me do título que ele tinha. E eu o havia ameaçado
com um canivete apontado para sua veia femoral.
Acho que Gregório era meu ex-namorado agora.
Aquele pensamento me deixou levemente desesperada, porque eu não
fazia ideia do que diria para minha família. O pânico rastejou pela minha
coluna diante da possibilidade de que o babaca poderia contar para os meus
pais o que eu tinha feito.
Ele não teria coragem...
O meu celular vibrou ao meu lado, quebrando meu pensamento por
completo e com o susto, quase deixei que caísse dentro da minha banheira.
A notificação que subiu fez meu coração acelerar minimamente e eu me
senti uma idiota por isso.
O que estava acontecendo?
Número
desconhecido: Pato
expulsou você da casa logo
cedo?
Número
desconhecido: Pra você?
Um limite bem curto.
Número
desconhecido: Admirando
minha foto, 190?
LARISSA ALBERTELLI
Lari: Isso é
insuportável, sabia?
Número
desconhecido: A vista do
telhado realmente é boa.
Número
desconhecido: Obrigado
pela dica.
Lari: O quê?
Número
desconhecido: Não. Por
que eu estaria no seu
telhado?
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
LARISSA ALBERTELLI
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
Ana era foda. Sempre que pegava minhas roupas, não devolvia e
agora eu tinha que andar até a casa dela para buscar porque a bonita estava
na praia com a Lavínia. Eu passei o convite de acompanhá-las porque
Gregório resolveu marcar um café da manhã com os pais dele.
Quando cheguei na residência da minha amiga, a moça que trabalhava
lá já sabia que aquilo era constante e me deixou entrar, toda simpática,
explicando que precisava voltar para a cozinha.
Estava passando pela sala quando vi o Felipe na área externa da
piscina com o celular apontado para o rosto, tirando várias fotos, dando
linguinha entre outras coisas.
Dei uma risada e ele tomou um susto, deixando o aparelho cair no
chão, todo atrapalhado.
— E aí, Larissa! Tudo bom? — Ele coçou a cabeça, olhando para
baixo, um pouco tímido por ter sido “pego no flagra”.
— Oi! Tudo bem e você? — perguntei, me aproximando um pouco
mais para prestar atenção nos desenhos que o Pedro tinha feito. — Não
sabia que você costumava trabalhar por aqui.
— Ah, eventualmente o Pepeu me passa alguns bicos, normalmente
venho limpar as piscinas quando não tem ninguém em casa.
— Você já limpou a nossa?
— A sua nunca... — Ele deu uma risada sem graça. — Meu irmão
não é seu maior fã.
— Eu também não sou fã dele.
— Justo.
— Você pode limpar a nossa quando terminar aqui... — sugeri. —
Isso se quiser... Se não tiver algum compromisso. O menino que costuma ir,
faltou essa semana e tem uma porrada de folhas espalhadas por lá.
— Mesmo? — Ele pareceu animado. — Estou quase acabando aqui.
Tem certeza?
— Claro, eu vou pegar algo no quarto da Ana e espero você.
— Poxa, supertopo! Brigadão.
Subi as escadas e notei que o quarto da minha melhor amiga estava
uma zona, mas não demorou até que eu achasse o vestido que queria usar.
Tinha sido um presente da mãe do Gregório e mesmo que eu odiasse a peça,
ela sempre mencionava que nunca me via com ela.
Assim que voltei para a sala, percebi que ele estava me esperando,
digitando freneticamente no celular, dando algumas risadinhas. Certeza que
estava falando com algum contatinho.
Nós saímos da casa e ele pegou o skate que estava encostado perto da
entrada e colocou embaixo do braço. Tentei puxar assunto sobre o dia que
tínhamos nos encontrado no evento e ele começou a se empolgar falando
sobre manobras entre outras coisas. Era legal ver uma pessoa falando sobre
algo que amava fazer com tanta paixão, mas em algum momento, o Felipe
pareceu frustrado, dizendo o quanto o esporte era desvalorizado no país e
mencionando que teve algumas dificuldades no passado, então se sentia
atrasado em relação aos outros skatistas.
— Hoje em dia, se um vídeo viralizar pode mudar muita coisa pra
gente, principalmente em relação a patrocinadores. É importante ser notado,
estar na mira dos caras, sabe?
— Com certeza, a internet ajuda muito nisso.
— Sim! — Ele levantou os braços, concordando comigo. — Eu vivo
falando isso pro Pepeu. Vejo uns tatuadores aí que ficaram com as agendas
lotadas depois que alguns vídeos bombaram no TikTok.
— Mesmo?
— Aham e fico tentando criar novas coisas pra ver se a gente
consegue estourar.
— Que tipo de coisas?
— O novo cabelo dele é uma delas — contou, dando uma risada. —
Gato daquele jeito, platinado... Eu gravei um vídeo foda dele ontem
tatuando uma gata maravilhosa!
Um incômodo pareceu pinicar a superfície da minha pele.
— Hm... Legal.
— Legal? — Sua voz saiu meio estridente. — Maneiro pra caralho,
isso sim! Vou postar em breve. Preciso gravar uns vídeos meus antes para
editar tudo de uma vez... Essa semana eu inventei de colar um tripé no
skate, mas na primeira manobra quebrou.
— Colar no skate?
— Fiz uma gambiarra[57], usei um Durepoxi[58] pra tentar pegar uns
ângulos maneiros.
Que porra era Durepoxi?
— Você não tem uma GoPro[59]?
Ele gargalhou.
— Tá zoando, né? O máximo que eu tenho é um suporte de cano de
pvc com encaixe pro celular que eu fiz pro Pepeu me filmar.
— Eu tenho uma sobrando em casa. Comprei uma nova na minha
última viagem pra Disney e essa ficou esquecida no fundo do armário... É
sua, se quiser.
Sua boca se entreabriu e ele piscou três vezes, sem acreditar.
— Não, eu não poderia aceitar — respondeu, balançando a cabeça
negativamente, como se estivesse tentando convencer a si mesmo de que
não podia fazer aquilo.
— É sério, é um modelo antigo, mas acho que vai servir pra você.
— Não poderia...
As palavras diziam uma coisa, mas suas expressões exaltavam o
quanto ele queria aquela câmera. Era engraçado porque ele não conseguia
esconder, mesmo que estivesse tentando muito.
— Não — disse categoricamente, fazendo um movimento cortando o
ar. — Realmente não tem necessidade.
— Bem, você apenas vai estar sendo burro se não aceitar.
Dei de ombros e ele deu uma risada.
— Acho que vai ser legal para os dois, dá pra fazer vídeos muito bons
com ela, pegar uns ângulos diferentes... Eu juro pra você, vou ficar mais
feliz de saber que tem alguém usando a câmera do que ela ficando no fundo
meu armário.
— Tô sem palavras, cara. Como meu irmão não gosta de você?
— Não é?
— Obrigado de verdade, a limpeza da piscina é por minha conta. Na
real, até o dia do meu último suspiro de vida, sua piscina estará limpa —
afirmou de um jeito dramático e eu gargalhei.
— Não, não precisa e eu vou pagar.
— Então não temos negócio. — Ele deu de ombros e eu revirei os
olhos.
— Certo, eu preciso me arrumar e trago a câmera daqui a pouco, tudo
bem?
O Felipe assentiu, mostrei para ele o local em que ficava a piscina e
subi para o meu quarto. A minha manhã seria longa e cansativa e eu
precisava de um bom banho quente para poder desempenhar uma boa
atuação, repleta dos meus sorrisos falsos e comentários tediosos.
LARISSA ALBERTELLI
Arrogante Estúpido:
Pega uma cadeira, 190.
Arrogante Estúpido:
Mandei pegar a porra de
uma cadeira.
Arrogante Estúpido:
Agora.
Arrogante Estúpido:
Abre as pernas.
Arrogante Estúpido:
Não mandei você fazer
nada, 190. Só quero ver
quanto tempo vai aguentar
com essas pernas abertas.
Filho da puta.
Ele continuou movimentando a mão, os olhos fixos no meu corpo, ora
focando nas minhas pernas, ora focando no meu rosto. E eu estava
literalmente imóvel na cadeira, sem mexer um músculo, apenas sentindo
minha boceta pulsando mais do que qualquer coisa.
Não demorou muito para que ficasse ofegante e eu prendi a respiração
novamente quando ele cuspiu um pouco nas mãos e aumentou o ritmo,
deixando com que ela deslizasse com mais facilidade.
Eu queria chorar de verdade. Nunca tive tanta vontade de me
masturbar em toda a minha vida e ela se intensificou no momento em que
ele mordeu o lábio inferior e jogou a cabeça um pouco para trás.
Arrogante Estúpido:
Puta merda.
Arrogante Estúpido:
Você vê como você me
deixa, 190?
Arrogante Estúpido:
Esse é exatamente o
problema. Você me irrita
pra caralho.
Lari: Você é um
ignorante e eu odeio você.
Arrogante Estúpido:
É, eu sei. Foda-se.
Arrogante Estúpido:
Agora abre os botões da
blusa.
Arrogante Estúpido:
Sou mesmo, sua visão está
ótima.
Lari: Idiota.
Arrogante Estúpido:
Abre os botões da blusa
pra mim, por favor, linda.
Arrogante Estúpido:
Você é uma filha da puta,
sabia?
Arrogante Estúpido:
Eu nem pude ver esses
seus peitos perfeitos
quando estávamos
trepando.
Arrogante Estúpido:
Vamos ver.
Ele era tão sexy e tocando punheta ficava mais ainda. As expressões
de prazer que ele esboçava me deixavam louca, antecipando o que faria em
seguida.
Minha vontade era arrastar minha boceta na cadeira ou em qualquer
outro lugar. Fechei alguns milímetros as pernas e me mexi agoniada na
cadeira quando ele fechou um pouco os olhos. Já estava alucinada.
Arrogante Estúpido:
O que você acha que eu
faria com você se estivesse
aí?
Lari: Gritaria
comigo.
Arrogante Estúpido:
Não morde a boca assim.
Arrogante Estúpido:
Foda-se, vamos parar com
essa brincadeira.
Arrogante Estúpido:
Vem pra cá.
Arrogante Estúpido:
Você tá me deixando
maluco.
Arrogante Estúpido:
Por favor, vem pra cá.
Arrogante Estúpido:
Eu odeio você.
Arrogante Estúpido:
Mais do que qualquer
coisa.
Lari: É recíproco.
Arrogante Estúpido:
Eu odeio o Pato mais do
que eu te odeio.
Arrogante Estúpido:
Não, ele apareceu depois.
Arrogante Estúpido:
E eu estava quase lá.
Arrogante Estúpido:
Macaco filho da puta.
Arrogante Estúpido:
Lari:
kkkkkkkkkkkkkkkk
Arrogante Estúpido:
Você me deixou na mão e
ainda está rindo?
Arrogante Estúpido:
Tá, eu me viro com isso...
Arrogante Estúpido:
Por hora.
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
Estúpido Arrogante:
Voltando para o
condomínio.
Estúpido Arrogante:
O seu me parecia intacto
mais cedo.
Estúpido Arrogante:
Você precisa de alguma
coisa?
Lari: E talvez de
uma garrafa de uísque do
Heitor.
Estúpido Arrogante:
Bem, você sabe o
caminho.
PEDRO QUEIROZ
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
Faltavam poucos dias para a volta às aulas, então minha tia resolveu
aparecer para um chá da tarde com os meus primos em mais uma tentativa
de infiltrá-los no hospital dos meus pais.
Passei todo o tempo ouvindo minha mãe dizer o quanto estava ansiosa
para que eu voltasse à rotina, animada em me mostrar todas as coisas que eu
odiaria aprender. Um mês de férias com certeza era pouco para mim, eu
queria uma vida inteira longe do hospital, faculdade e qualquer coisa que
estivesse ligado à Medicina. Conforme a conversa desenrolou, eu vi que
daria merda. Obviamente todo o falatório teria uma consequência, porque
Muriel permaneceu me encarando cheia de ódio.
Assim que eu fui até o banheiro, ela me interceptou no caminho, me
chamou de cadela ingrata, como sempre fazia e teceu comentários
maldosos, mais uma vez deixando claro que eu não pertencia àquele
mundo, que minha mãe era uma coitada iludida e que eventualmente eu iria
me voltar contra ela porque eu era o fruto podre da família.
Dessa vez, ao invés de pegar o meu cigarro e as minhas jujubas para
subir para o telhado, eu liguei para ele. Porque a única coisa que eu queria
era sua companhia, porque ele havia se tornado meu refúgio.
— Ei... — falei baixinho, cutucando minhas unhas. — Tudo bem?
— Que voz é essa?
— Recebi minha visita preferida — contei, dando uma risada sem
humor. — Queria, ahn...
— Quer me encontrar aqui na academia? A gente pode fazer alguma
coisa depois que eu terminar a aula.
— Agora? Mas eu nem me arrumei...
— Agora, 190. Já vai pegar um trânsito do caralho. Então, a não ser
que esteja pelada, vem como está...
Olhei meu reflexo no espelho e suspirei, irritada com a roupa que
estava usando. Nenhum programa parecia muito adequado para usar um
shortinho jeans preto e uma blusinha larga de malha colorida. Botei minhas
botinhas de couro, peguei minha bolsa e avisei para minha mãe que iria sair
com a Ví.
Eu cheguei na academia a tempo de vê-lo dentro da sua roupa de jiu-
jitsu. Porra, aquele homem ficava lindo de qualquer jeito, mas com aquele
kimono preto, com as duas mãos apoiadas na faixa da mesma cor, minha
calcinha chegou a pesar. E observar sua interação com as crianças fazia um
comichão tomar conta de todo o meu corpo.
Os pequenos começaram a cochichar quando me viram, falando que a
namorada do Tio Pedro estava ali de novo. Ele revirou os olhos, chamando
a atenção de alguns deles e mandou que voltassem a prestar atenção no que
ele estava falando.
Logo depois, colocou os alunos para fazerem um cabo de guerra, o
que tornou a aula ainda mais caótica. Um dos meninos caiu em cima de
uma garotinha e seus olhos ficaram cheios de lágrimas ao segurar o pezinho
com dor. Pedro correu até a Juju (eu ouvi seu nome), bem preocupado, mas
logo depois que ele massageou o local, ela o abraçou e disse que estava
bem.
Era muito fofo observar sua interação com as crianças, a forma como
ele era cuidadoso e superprotetor com cada uma delas. O idiota convencido
estreitou os olhos para mim e deu uma risada, provavelmente achando graça
da expressão embasbacada que deveria estar no meu rosto. Meu corpo
chegava a estar mole, minha cabeça pendendo para o lado e eu até mesmo
suspirei. Meu Deus, chegava a ser ridículo o quanto eu estava de quatro por
ele.
A aula acabou algum tempo depois e quando finalmente a sala ficou
vazia, ele veio até o local em que eu estava sentada, segurou o meu rosto e
me beijou.
— Oi — falei, sentindo minhas bochechas corarem no instante em
que ele se afastou um pouco para me olhar.
— Oi... — Ele riu e voltou a me beijar, parando alguns segundos
depois para me olhar preocupado. — Você está bem?
— Tudo bem.
— O que aquela puta disse agora?
— Nada de muito diferente. Eu só precisava sair um pouco de casa.
— Já disse que deveria dar o troco. Colocar laxante na bebida dela,
sei lá... Eu poderia fazer isso, você pode sugerir um dia na piscina...
Eu gargalhei, já era a terceira vez que ele sugeria que eu me vingasse
dela de alguma forma.
— Não vou te meter em problemas. Além do mais, acho que alguém
já se vingou por mim... — Comprimi os lábios, lembrando da sua expressão
no almoço de hoje quando ela comentou sobre o que tinha acontecido. —
Alguém pichou uma piroca gigante no muro da casa dela.
Pedro deu uma risada.
— Do nada? — ele perguntou, um pouco confuso, e eu dei de
ombros. — De qualquer forma, ainda acho que é pouco. Voto pelo laxante.
— Você é muito bobo. E então, o que vamos fazer? Porque eu estou
horrível com essas roupas, mas você me mandou sair e fiquei com medo de
atrasar demais... E dependendo de onde formos, não quero estar mais
desarrumada do que as outras pessoas — comecei a me justificar e ele
desceu os olhos para analisar o que eu estava vestindo.
— E é impossível você estar horrível, 190 — afirmou, colocando uma
mecha de cabelo atrás da minha orelha e prestando atenção no movimento
antes de fazer contato visual. — Você poderia estar com um saco de lixo e
ainda assim, eu não conseguiria parar de te olhar.
Meu coração acelerou um pouco mais e eu senti aquela sensação que
estava se tornando comum no meu estômago, um redemoinho que se
alternava entre o quente e o gelado.
— Você precisa parar de ser fofo — pedi, roçando os lábios nos dele.
— Eu gosto de ver você ficando vermelha — confessou, rindo.
Fomos interrompidos pelo toque do meu celular e ele bufou assim que
viu a foto do Gregório na tela. Levantou-se e começou a arrumar as coisas
enquanto eu atendia a ligação, sem paciência alguma.
Expliquei que não voltaria para casa hoje e pelo silêncio que se
seguiu, tive certeza de que meu “namorado” odiou, mas se limitou a pedir
que eu desse notícias quando chegasse e lembrou que tínhamos um jantar
naquela semana com um casal de médicos do hospital.
Antes que eu desligasse, uma mulher entrou na sala. Ela estava
vestindo um kimono azul e foi até Pedro, abraçando-o e dando dois
beijinhos no seu rosto. Ela gargalhou de alguma piadinha que ele fez e eu
me mantive no celular, perguntando algo para Gregório e fingindo que
estava prestando atenção nas coisas que ele estava dizendo.
Certeza que eles já tinham se pegado. Eu apostaria o meu cu naquilo.
A forma como ela o olhava chegava a ser ridícula. Minha respiração
descompassou quando ele puxou a barrinha da faixa preta dela, como se
estivesse brincando com alguma coisa.
Que ódio.
Eles olharam para mim e ela levantou uma das mãos, me dando um
tchauzinho, bem simpática. Tirei o celular do ouvido rapidamente e fiz o
mesmo, ignorando os ciúmes e repetindo para mim mesma que eu não era
uma desequilibrada.
Ela saiu algum tempo depois e eu continuei ouvindo a voz de
Gregório, que estava tagarelando sobre uma cirurgia complicada que tinha
feito. Pedro avisou mexendo a boca que iria tomar um banho e saiu por uma
das portas.
Fiquei vendo alguns vídeos do TikTok enquanto esperava por ele, que
voltou pouco tempo depois com a mochila nas costas, falando para irmos. E
estaria tudo bem se ele não tivesse feito o que fez em seguida.
Não estava preparada para aquilo e meu coração também não. Porque
ele simplesmente entrelaçou os dedos nos meus assim que saiu da sala,
andando por todo o caminho da academia de mãos dadas comigo,
despedindo-se das pessoas.
Ele. Estava. Andando. De. Mãos. Dadas. Comigo.
Como se eu fosse a garota dele.
Eu queria gritar, dentro de mim parecia uma adolescente de 15 anos
depois de dar o seu primeiro beijo. Era patético, ridículo e ainda assim, não
havia sensação melhor.
Ele estava lindo, dentro de uma jaqueta jeans, com aquele cabelo
platinado que o deixava ainda mais sexy. Pedro cantava animado, mexendo
as mãos no alto, tentando agitar a plateia. Movia-se como se fosse dono
daquele palco e as mulheres do lugar estavam hipnotizadas.
Ele não olhou para nenhuma delas, entretanto. Seu olhar se manteve
fixo em mim e somente em mim.
E quando ele finalizou a música com a frase: “Se não eu, quem vai
fazer você feliz?”, eu me perguntei a mesma coisa.
A sensação era de que Pedro estava fazendo aquele questionamento
para mim. E ali, olhando no fundo dos seus olhos, eu soube. Ninguém
nunca tinha tido aquele efeito em mim. Sentada em uma cadeira em um
karaokê dentro do Terreirão, eu tive a constatação de que ninguém além
dele me faria feliz.
Mas está tudo bem pois eu amo o jeito que você mente
Eu amo o jeito que você mente
Eu não posso te dizer o que realmente é
Eu só posso dizer qual é a sensação
E agora é uma faca de aço na minha traquéia
:: LOVE THE WAY YOU LIE – EMINEM ::
PEDRO QUEIROZ
Uma coisa que ninguém sabia era que Larissa Albertelli era
impulsiva. E pelo visto, depois de umas doses de caipivodka, isso duplicava
umas dez vezes.
Tínhamos saído do karaokê e ela disse que queria tirar uma foto no
chafariz de uma praça que costumava ficar fechada. Eu estava achando que
tudo não passava de uma brincadeira e tentei puxá-la para irmos embora
porque não desejava que fôssemos assaltados.
E como se fosse totalmente normal, ela tirou o canivete da bolsa, um
outro pedaço de metal e destrancou o cadeado da corrente que ficava ao
redor do portão. Pisquei, chocado, e ela deu um sorrisinho travesso.
— Como fez isso?
— Segredo — falou baixinho, agarrando meu pulso para que eu
entrasse no parque atrás dela.
Tudo naquela garota me intrigava. Em especial, o fato de que em
alguns momentos ela parecia outra pessoa. Eu sabia que ninguém conhecia
aquela faceta e não conseguia entender o motivo de ela sempre tê-la
mostrado para mim. E isso me deixava um pouco irritado, porque tinha a
impressão de que éramos feitos um para o outro.
Nunca tinha me aberto tanto com alguém como tinha feito com ela.
Claro que já tinha conversado com Luna sobre a doença da minha avó,
meus outros relacionamentos, mas era diferente. Larissa tinha uma forma de
cavar mais fundo, de fazer com que eu me abrisse mais. Era quase como se
eu pudesse vê-la como uma parte da minha família, se é que aquilo fazia
algum sentido.
Eu só tinha tido aquele sentimento uma vez antes e foi o que me
destruiu por completo.
— Pepeu — ela chamou, sorrindo, as bochechas ficando vermelhas
porque ela sabia que eu ficaria irritado.
— Já falei para não me chamar assim, Larissa.
— Você já tinha visto essa? — indagou, esticando o braço para
mostrar o desenho da capivara com um kimono de jiu-jitsu que estava na
parede à nossa frente.
Dei uma risada, balançando a cabeça negativamente e ela se sentou na
frente do chafariz.
— Não, eu vi a bailarina que ele fez no Marapendi[63], outro dia —
contei, sentando-me ao seu lado. — Você viu?
Ela negou com a cabeça, parecendo distraída com o desenho.
— Isso é sangue? Você se machucou? — perguntei, notando uma
manchinha vermelha nos seus jeans.
Sua preocupação durou alguns segundos, mas em seguida Larissa deu
uma risada e disse que era batom, que deveria ter esbarrado em algum lugar.
Percebi que uma brisa gelada passou por nós e tirei minha jaqueta jeans
para que ela vestisse, amando o sorriso lindo que ela me deu em resposta. A
patricinha amava usar minhas roupas e também meu boné. E eu também
amava isso.
— Quem era a mulher lá na academia? — quis saber, depois de
comtemplar mais algum tempo a parede.
— A Aline, a outra professora que dá aula para as crianças.
— Hm... — Ela se virou e me deu um olhar longo antes de se virar
novamente para a parede.
— O que quer saber, 190? — perguntei, achando graça.
— O que rola entre vocês dois?
— Nós ficamos algumas vezes quando éramos mais novos, mas ela
namora uma menina agora — contei e observei seus ombros relaxando na
mesma hora.
Isso é o que me fodia. Porque eu sabia que ela também tinha ciúmes
de mim. E já estava mais do que claro que Larissa gostava de transar
comigo, mas era isso.
Aquele era o limite dela.
E eu... Bem, eu já tinha ultrapassado o meu.
— Está com ciúmes? — perguntei, apenas por implicância.
— Você sabe que sim... — respondeu, olhando no fundo dos meus
olhos.
— Aline é só minha amiga, não quero nada com ela. A mulher que eu
quero já está comprometida.
— Ela está? — Cerrou os olhos, achando graça. — Com quem?
— Com um merda.
Eu cheguei mais perto e a virei de frente para mim, colocando suas
pernas uma de cada lado da minha cintura. Ela passou os braços pelo meu
pescoço e sorriu, fazendo um biquinho logo depois.
— Coitada...
— Pois é — concordei, enterrando o rosto no seu pescoço, deixando
meu nariz se arrastar por sua pele até que minha boca estivesse perto do seu
ouvido. — Ele é médico, tem dinheiro e carro importado, mas é o meu
nome que ela geme todas as noites em que está comigo.
— Quando não está com você também — sussurrou baixinho.
Suspirei fundo, olhando dentro da sua íris e nem mesmo tentei ignorar
os insetos malditos que decidiram criar uma casa dentro do meu estômago.
Entendi que eliminá-los era impossível, eu teria que conviver com aquelas
pragas.
— Você fode com minha sanidade, 190.
— Que bom.
— Que bom?
— Nada mais justo, porque você já fodeu com a minha faz tempo,
GBR. — Ela sorriu, dando um beijo na minha boca.
Ouvimos um barulho e ela arregalou os olhos, puxando-me pelo braço
para que eu corresse. Nós saímos disparado, como se fôssemos loucos,
correndo pelo meio da rua até que ninguém pudesse nos alcançar.
Depois, Larissa apoiou as mãos no joelho, tentando buscar por fôlego
e começou a rir. Resmungou que suas pernas estavam doendo e perguntou
se podia subir nas minhas costas até que chegássemos no carro.
Eu disse que não, ela choramingou, colocando as mãos na frente do
rosto e implorou mais uma vez com uma voz melosa. Revirei os olhos, puto
comigo mesmo e com a incapacidade que eu tinha desenvolvido de negar as
coisas para aquela patricinha mimada.
Ela deu um pulo para subir nas minhas costas e prendeu as pernas na
minha cintura. Envolveu os braços no meu pescoço como se fosse o Pato e
depositou um beijinho perto da minha nuca, me abraçando com força.
E então toda a minha irritação se dissipou e o calor começou a irradiar
das minhas extremidades até o centro do meu peito. E ele continuou a me
queimar conforme ela ria contra a minha pele, divertindo-se e distribuindo
diversos beijos onde podia alcançar.
Antes eu estava preocupado em pecar, em descumprir o mandamento
que eu tinha criado. Agora eu me via na beira de um precipício, encarando-
o como se estivesse prestes a pular.
Eu sabia que não me recuperaria da queda. Aquilo já tinha acontecido
antes, mas agora parecia trinta mil vezes pior.
Ela me deu mais um beijo e eu liguei o foda-se.
Pedro: Na floresta?
190: kkkkkkkkkk
190: 69 reais?
Abri outro aplicativo quando subiu uma mensagem dela que chegou a
me deixar animado. Alguns segundos depois percebi que não era um
convite e eu me lembrei sobre o que estávamos falando.
190: 69?
190: Sério?
190:
Pedro:
kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Pedro:
Pedro: 190?
Pedro:
Pato começou a fazer uma zona no quarto, jogando minhas roupas
que estavam na cadeira no chão. Depois, me fez segui-lo até o quarto e eu
perdi uma meia hora vestindo algumas roupinhas que ele selecionou.
Meu celular tocou no quarto e eu o deixei brincando com alguns
bloquinhos de encaixar que ele gostava de empilhar. Era o Heitor e ele
queria saber como estavam as coisas. Eu disse que tudo estava bem, que o
projeto no jardim estava ficando bem legal. Nós conversamos um pouco
mais e ele perguntou se eu me importava de ficar um pouco mais do que o
combinado. Respondi que não sem nem pensar direito e depois me odiei um
pouco mais por estar tão rendido por aquela maldita a ponto de me esquecer
que tinha uma casa que não era aquela. Heitor se despediu logo depois,
explicando que precisava ir ao mercado e eu desliguei.
A notificação de quase uma hora atrás apareceu na tela e meu coração
disparou.
190:
HAHAHAHAHAHA
E junto com a mensagem havia uma foto da sua mão por dentro da
calcinha. Na mesma hora o meu pau ficou duro e eu comecei a pensar em
como escalaria a porra daquela janela.
Coloquei uma roupa e saí, cruzando a cerca que dividia as casas no
local em que ela sempre passava para subir no telhado. Percebi que havia
umas jardineiras de pedra na parede lateral ao seu quarto e chegava a ser
ridículo porque parecia quase uma escadinha em zigue-zague. Me apoiei em
uma delas e em menos de três minutos estava na sacada do seu quarto.
As luzes estavam apagadas e andei lentamente, esticando as mãos
para tatear a cama que eu sabia estar em algum lugar ali por perto. Encostei
no colchão e subi em cima dele, tentando não fazer nenhum barulho, porque
sabia que seus pais poderiam estar em casa.
— Ei... — eu a cutuquei, mas tomei um susto na hora em que ela se
movimentou, vindo para cima de mim e eu senti alguma coisa de metal na
minha garganta.
A luz do abajur se acendeu e meus olhos se arregalaram ao perceber
que ela estava sentada no meu colo, só de camiseta e calcinha e com um
canivete no meu pescoço.
A postura intimidadora, a respiração ofegante e o peito subindo e
descendo sem parar me deixaram mais duro do que eu estava quando vi a
sua foto.
Larissa demorou alguns segundos para entender o que estava
acontecendo, mas antes que pudesse se mexer, eu a puxei pela nuca, até que
seu rosto estivesse quase encostado no meu. Ainda podia sentir a lâmina
contra a minha pele no momento em que ela respirou na minha boca.
— Agora eu entendi o que o babaca quis dizer sobre ficar excitado
porque você o ameaçou com seu canivete, 190.
— Você me assustou. Eu estava dormindo — ela se justificou.
— Você me mandou vir... — falei, passando o dedo por dentro da tira
da sua calcinha fina. — Não dá pra você mandar uma foto daquelas e
esperar que eu não faça nada.
Um sorrisinho safado surgiu no seu rosto.
— Está excitado, não está? — perguntou baixinho, roçando a boceta
no meu pau devagar e passando a língua pelo meu pescoço.
— Pra caralho.
Ela apertou um pouco mais o canivete na minha garganta e eu senti
uma leve ardência, mas não me importei nem um pouco. Porque eu ficava
alucinado quando aquela garota colocava as garrinhas de fora e deixava à
mostra a parte meio insana que tinha. Sua boca resvalou devagar até que ela
chegasse em um ponto abaixo do meu pescoço, lambendo-o vagarosamente,
fazendo o meu pau dobrar de tamanho.
— Eu vou sentar na sua cara enquanto chupo o seu pau e você vai
gozar na hora que eu quiser, ouviu? — sussurrou, fazendo com que um
arrepio escalasse pela minha coluna.
— O que você quiser, caralho — falei, completamente hipnotizado e
ela sorriu, fechando o canivete e beijando a minha boca.
Porque era a verdade. Se Larissa Albertelli era um demônio e a
responsável pelos meus pecados, eu estava mais do que feliz por ter
vendido meu corpo e minha alma para ela.
Você em casa comigo
Mas você está com outro cara, yeah!
Eu sei que nós não temos muita coisa pra dizer
Antes que eu te deixe ir embora, yeah!
Eu disse: Você quer ser minha garota?
:: ARE YOU GONNA BE MY GIRL? – JET ::
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
Odiava o hospital e toda a rotina que vinha com ele. A única parte que
me reconfortava era saber como estava indo o projeto em parceria com o
SUS e ter a certeza de que aquelas pessoas poderiam ter um atendimento
melhor. De resto, o que sobrava eram as fofocas dos médicos e enfermeiros,
o sofrimento dos pacientes e toda aquela babação de ovo por conta do meu
sobrenome.
Estava de saco cheio de Gregório também, porque eu o confrontei
sobre o apelido e ele chorou, alegando que no início era uma brincadeira.
Afirmou que era um imbecil, mas que como eu tinha gostado do apelido,
continuou me chamando daquele jeito.
Não que aquilo fizesse mais alguma diferença na minha vida,
esperava qualquer coisa dele, mas estava insuportável tê-lo atrás de mim
querendo se desculpar. A única parte boa era a infinidade de chocolates que
ele trazia, porque estava na merda desde o dia em que eu e Pedro tínhamos
brigado, uma semana atrás. Tentei mandar algumas mensagens no seu
celular, mas não foi uma surpresa perceber que fui bloqueada.
Ele não tinha voltado para a casa do Heitor, aparentemente Felipe o
tinha substituído e agora estava cuidando do Pato, bem a contragosto. Já
tinha ouvido alguns dos seus berros pela casa, xingando o macaco por ter
roubado seu boné ou algo parecido. E como se não bastasse, a coisa mais
bizarra de todas aconteceu: minha melhor amiga estava em um
relacionamento com ele.
Tudo bem que era um namoro falso, como ela mesma tinha admitido,
mas ainda assim...
Eu invejava Lavínia e como ela se impunha. Sabia muito bem que
seus pais eram demônios encarnados em pessoas e mesmo que tentassem
fazer da sua vida um inferno, ela batia de frente.
Minha amiga era muito diferente de mim, mesmo que nossas
realidades fossem semelhantes. Nunca teria coragem para enfrentar os pais
que ela tinha, mal conseguia fazer isso com Muriel, que deveria pertencer
ao mesmo clã de criaturas sombrias.
Coragem.
A palavra ecoou na minha cabeça.
É, talvez ele estivesse certo.
Eu era covarde. Uma covarde de merda.
Não era como os meus pais, nunca seria.
Engoli em seco, tentando suprimir a vontade de chorar, que começava
a me rondar. Era só o que eu fazia agora.
Sentia falta dele e do jeito como me olhava. Sentia falta dos beijos,
das conversas, de poder ser eu mesma na sua frente. Sentia falta de ser
chamada de 190, dos carinhos, das risadas e até mesmo de como ele me
irritava.
Suspirei, brincando com a minha salada, incapaz de comer qualquer
coisa. Sobressaltei quando meu celular tocou e meu coração disparou ao ver
o nome dele na tela. Minhas mãos começaram a tremer, a euforia tomou
conta do meu corpo por completo e minha respiração se tornou uma
bagunça ridícula.
Acho que eu estava hiperventilando.
Atendi a ligação, tentando me manter equilibrada, mas tudo se
quebrou quando sua voz saiu desesperada do outro lado da linha.
— Larissa, eu preciso da sua ajuda — foi só o que disse.
— O que aconteceu?
— Eu não sei mais o que fazer!
Seu tom estava embargado, ele com certeza havia chorado.
— Minha avó está passando mal, nós trouxemos ela na UPA, mas a
máquina de tomografia está quebrada e esses filhos da puta não fazem
nada! — ele pareceu gritar, furioso, para alguém que estava perto ouvir.
Puxei o ar para conter minha respiração. Pedro já estava surtando, eu
não podia seguir pelo mesmo caminho. Ele cuidou de mim nas vezes que
precisei, se manteve forte quando eu estava desabando. Era o mínimo que
eu deveria fazer por ele, controlar a porra do meu desespero.
— Vou resolver — afirmei, sem nem saber o que faria. — Me manda
sua localização, te ligo daqui a pouco.
Ele não questionou, apenas agradeceu, como se acreditasse em mim.
E eu saí correndo igual uma destrambelhada sem nem me importar se
pareceria uma louca. Passei por meia dúzia de médicos que me olharam
cheios de julgamento e quando finalmente cheguei na sala do meu pai, meu
coração estava prestes a sair pela boca.
— Seu pai está em uma reunião — a secretária dele disse.
— É urgente — avisei, passando por ela e entrando na sala.
— Lari... — Ele me encarou um pouco surpreso e indicou com a
cabeça para as pessoas sentadas na mesa, mostrando-me que não estávamos
sozinhos.
— Preciso falar com você — deixei claro, mantendo meu tom firme
para que ele não me pedisse para sair. — Agora, pai.
Gregório se mexeu na cadeira e só naquele momento eu percebi que
ele estava na sala. Ele me olhou confuso, mas mantive meu olhar fixo na
única pessoa com quem queria falar.
— Podem nos dar licença? — meu pai pediu de maneira cordial. —
Terminamos essa reunião mais tarde...
— Eu acho que tenho uma cirurgia... — Gregório começou a dizer,
mas se interrompeu na hora que o fuzilei com o olhar e imediatamente
começou a pegar os cadernos em cima da mesa.
Apertei a cadeira na minha frente enquanto esperava os funcionários
saírem do cômodo. A ansiedade estava corroendo minhas beiradas e tudo o
que eu tinha vontade de fazer era gritar com aqueles médicos lerdos para
que saíssem logo dali.
— Está tudo bem? Por que está assim? — indagou, preocupado,
aproximando-se um pouco mais. — O que aconteceu pra você interromper
minha reunião desse jeito?
— Pai, eu preciso que você mande uma ambulância para buscar a avó
do Pedro.
Seu rosto se retorceu em uma careta.
— Quem é Pedro?
— O Pedro, que trabalha no condomínio. A avó dele passou mal, está
na UPA, mas não tem máquina e simplesmente não estão dando a devida
atenção — disparei, quase atropelando as palavras, mexendo minhas mãos
de forma frenética.
— Filha... — Meu pai segurou meu rosto com carinho. — Sei que
você se importa com as pessoas mais humildes, mas não podemos sair
acolhendo qualquer um...
— Ele não é qualquer um — afirmei, franzindo o cenho.
— Você não precisa se importar com os funcionários, isso é uma
responsabilidade do condomínio e tenho certeza de que vão dar o suporte
necessário para o rapaz.
— Pai! — gritei, furiosa. — Eu me importo com ele!
Não consegui conter a lágrima que escapou. Estava prestes a desabar
ali mesmo. Meu pai limpou a garganta e me deu um olhar longo, quase
como se estivesse tentando ver através de mim.
— Esse garoto é importante pra você?
— Ele é a única pessoa importante pra mim — confessei com a voz
trêmula.
— Certo — foi só o que ele disse, indo até sua mesa e tirando o
telefone do gancho. — Renata, manda agora uma ambulância para... — eu
entreguei o meu celular com a localização e ele repetiu para a secretária. —
Nome de...
— Dea Oliveira — murmurei e ele repetiu.
— E prepare um quarto na ala presidencial do hospital, eu estou
descendo para deixar a equipe de sobreaviso.
Ele desligou e me encarou por alguns segundos. Sabia bem que havia
uma imensidão de perguntas na cabeça do meu pai, mas ele não as fez,
guardou para si e apenas me certificou:
— Fica tranquila, vamos resolver.
Mandei uma mensagem para o Pedro, avisando que a ambulância
estava a caminho e segui o meu pai pelo hospital enquanto ele fazia
algumas ligações, mobilizando Deus e o mundo para fazer o que eu tinha
pedido.
Como? Como eu poderia não ser grata pela família que eu tinha?
Não demorou muito para que eles chegassem e na mesma hora em
que isso aconteceu, a equipe a direcionou para uma triagem, mantendo-a
deitada na maca.
Pedro desceu do veículo e eu suspirei. Ele vestia o típico moletom
preto e agora seu cabelo tinha voltado para a cor natural, castanho. Nossos
olhares se cruzaram e finalmente me senti inteira depois de tantos dias
incompleta.
Meio que corri ao seu encontro e quando cheguei, não consegui me
conter e o abracei. Seu rosto se afundou no meu pescoço e eu fiz o mesmo,
respirando fundo para sentir o seu cheiro. Ele sussurrou um “obrigado”
baixinho no meu ouvido e me apertou com mais força.
Estava presa na sensação do coração pulsando desenfreadamente
contra o meu peito, do calor da sua respiração na minha pele e do meu
cheiro preferido. Naquele momento, eu não queria que ele me soltasse
nunca mais. Tentei até mesmo ignorar o farfalhar no meu estômago, mas era
impossível.
Nos afastamos e eu vi o Felipe ao seu lado, cutucando as unhas com
os dentes, nervoso. Fui até ele e o abracei também, porque mesmo que a
gente mal se conhecesse, tinha um carinho enorme por aquele garoto.
— Obrigado por fazer isso pela vovó, Lari — ele disse, como se
estivesse prestes a chorar.
Pedro limpou o rosto com as costas das mãos e olhou para cima,
tentando conter as lágrimas. Eu conseguia ver todo o seu desespero
marcado nas expressões, no olhar. Sabia o quanto ele tinha medo de que
algo acontecesse à única pessoa que tinha cuidado dele.
— Não é nada demais — garanti. — Vamos?
Eles assentiram e os direcionei para dentro do hospital até a ala da
triagem enquanto questionava algumas coisas para os dois para entender
melhor o que tinha acontecido com ela.
— Vó, essa aqui é a Larissa, ela vai ajudar a gente — o Felipe falou
assim que chegou perto do leito em que a tinham colocado.
A mão da senhora já tinha se agarrado aos dedos dos netos e ela me
deu um sorriso simpático, quase sem forças. Eu a cumprimentei, mas logo a
enfermeira voltou, pedindo um pouco de espaço para aferir mais uma vez
sua pressão.
O médico começou a fazer diversas perguntas e eu prestei atenção em
tudo, para ver se poderia ajudar de alguma forma. Depois de examiná-la, ele
fez um exame de toque e mencionou que poderia ser o apêndice. Solicitou
uma tomografia e na mesma hora correram com ela para a sala de imagem.
— Fiquem calmos, a avó de vocês está nas mãos dos melhores
médicos… — afirmei.
— Cara, ela vomitou muito — Felipe comentou, passando a mão no
rosto. — Mal estava conseguindo ficar em pé.
— Ela teve reações parecidas um pouco antes da gente descobrir o
câncer — Pedro justificou, olhando inquieto por cima do meu ombro, por
onde ela tinha saído.
— Eu realmente acho que não é isso. Ele encostou na área do
apêndice e ela sentiu muita dor. Fiquem aqui, vou buscar uma água pra
vocês.
Senti o ar fugir de forma errada dos meus pulmões quando Pedro
segurou o meu pulso. Seu olhar parecia me implorar para não sair dali, mas
eu disse que voltava em dois minutos e ele fez um meneio com a cabeça,
concordando.
Voltei com café e água e eles agradeceram. Pipo acabou com as duas
garrafinhas, mas Pedro continuou imóvel, encostado na parede, com os
músculos tensos.
Meu pai apareceu algum tempo depois. Olhou de mim para ele e
então para o Felipe. Os cumprimentos foram rápidos e os dois tentaram
agradecer pela ajuda, mas meu pai disse que estava tudo bem e explicou
que de fato era uma apendicite e precisariam operar com urgência.
Ele fez um questionário com os meninos e o Pedro sabia literalmente
cada detalhe a respeito de tudo relacionado ao histórico médico da Dona
Dea. Na verdade, estava até mesmo com pastas e uma pilha de exames e
prontuários na mochila do Felipe.
Percebi que eles insistiram um pouco na questão do câncer e no
momento em que meu pai se afastou, pedi que fizesse um checkup geral
nela depois da cirurgia, ao menos para tranquilizar os meninos.
Nós fomos para o quarto que tinham preparado para quando ela
voltasse do centro cirúrgico. Meu pai escolheu um dos melhores e os dois se
entreolharam, chocados, assim que pisaram no cômodo.
O hospital dos meus pais tinha um conceito forte de hotelaria atrelado
à assistência médica. Nós éramos referência dentre os hospitais de luxo do
Rio de Janeiro, havia até mesmo um chef de cozinha que preparava as
refeições.
— Meu Deus, isso é um hotel? — Felipe quase gritou, examinando o
quarto. — Tem uma sala aqui, Pepeu. Caralho, é maior do que o nosso
apartamento.
— Puta merda, eu não sei como vou pagar isso — Pedro murmurou,
quase que para si mesmo.
— Você não vai pagar nada — deixei claro e quando ele abriu a boca
para contestar, eu o olhei, séria. — Não está aberto à discussão.
— Eu não posso aceitar isso, vocês vão ter custos e...
— Já disse que não é discutível.
— Larissa... — ele me chamou em repreensão.
— Sei que você não gosta que eu apareça com a minha carteira
querendo salvar o mundo como se eu fosse o Batman — respondi, cheia de
ironia e ele deu uma risada fraca. — Mas apenas me deixe fazer isso, ok?
— Isso é um hospital particular.
— Nós temos um programa em parceria com o SUS — contei e ele
franziu o cenho, sem entender. — Acho que ela vai entrar dentro das vagas.
Ela não iria. Bem, pelo menos eu não achava que fosse, afinal, o
problema da Dona Dea não tinha nada a ver com o programa. Eu tinha
pedido um favor direto para o meu pai, não por uma vaga no programa.
— Como assim?
— Nós pegamos alguns pacientes de câncer e tratamos aqui. Com o
histórico dela, vou dar um jeito de encaixá-la nas vagas, ok? Você não
precisa se preocupar com absolutamente nada.
Ele me olhou cheio de desconfiança, os lábios comprimidos e os
olhos cerrados.
— Por que eu nunca te ouvi falar disso, 190?
Meu estômago deu uma cambalhota e o calor irradiou do centro até o
meu peito, queimando absolutamente tudo no caminho. Meu Deus, como eu
sentia falta dele.
— Sei lá, Pedro — respondi baixinho. — Você tem alguns valores
enraizados e esse projeto é meu. Acho que não queria que você assumisse
que era uma forma de fazer algo para que minha consciência de garota rica
e mimada pesasse um pouco menos.
Acho que o deixei sem reação, porque seus ombros caíram na mesma
hora e ele me olhou um pouco triste.
— Não pensaria isso de você.
— Não? — Dei uma risada sem humor.
Lavínia chegou na mesma hora, mudando o foco da nossa atenção.
Correu até Felipe, abraçando-o com força e depois deu um beijo rápido na
sua boca, segurando seu rosto e cochichando alguma coisa. Franzi o cenho,
porque para um namoro de mentira, eles pareciam bem reais.
Eles conversaram baixinho e depois minha amiga veio até mim com
um olhar no rosto que claramente indicava que ela desejava explicações.
Porque é claro que não fazia sentido nenhum eu estar ali, dentro de um
quarto com os dois, quando ninguém mais sabia do meu envolvimento com
o Pedro.
Eu a puxei em um canto e informei que contaria tudo para ela mais
tarde, mas minha amiga apenas deu uma risada, olhou de mim para o Pedro
e disse que já tinha conseguido entender tudo.
É, ele estava certo ao dizer que era péssimo nisso de romance
proibido.
Os garotos ficaram algum tempo conversando baixinho no sofá. A
perna do Pedro nunca parava de balançar, seu olhar se desviando para a
porta a todo instante. Felipe não estava muito diferente, roendo as unhas e
claramente tentando se manter mais estável.
A relação deles era pura demais, como se fossem de fato ligados a um
vínculo inexistente. E era bonito ver o quanto se preocupavam um com o
outro, como buscavam minimizar as aflições e medos que sabiam ter.
Pedro saiu do quarto, alegando que precisava de um café e também
ligar para Roberval para dar notícias. Fiquei mexendo no meu celular e
ignorei todas as mensagens do Gregório perguntando onde eu estava.
— Vocês sabem que só eu estou no quarto, certo? E eu sei que o
namoro de vocês é de mentira — impliquei quando vi Lavínia e Pipo de
mãos dadas, conversando.
Os dois ficaram vermelhos, separando as mãos na mesma hora, quase
como se tivessem sidos pegos no flagra e eu ri, achando graça.
— Ah, nem vi que ele saiu — Vi mentiu, dando uma risadinha
nervosa e se levantando em direção à porta. — Estamos só treinando,
precisamos manter os personagens. Não é? A-Acho que... Ahn... Vou ao
banheiro.
Ela saiu e Felipe se acomodou mais no sofá. Apoiou as costas no
encosto e me encarou com os olhos estreitos.
— Qual é, Larissa? Está tentando estragar meu esquema?
— O que aconteceu com o Jujubinha? — indaguei, dando uma risada.
— Não é nada pessoal, só que ainda estou puto porque você partiu o
coração do Pepeu — confessou, um pouco sem graça.
— Eu não sou uma vadia sem coração, Pipo. O meu está quebrado
igual.
Ele suspirou, balançando a cabeça.
— Nunca disse isso. É só... — Ele soltou o ar novamente, cansado. —
É foda ver as coisas se repetindo. A Pilar acabou com ele.
Pilar. Esse era o nome dela.
— E sei que você não é como ela, você não estaria nos ajudando se
fosse. Ainda assim, eu não posso ser seu maior fã no momento — admitiu,
dando uma risada.
— Tudo bem. Eu também não sou minha maior fã no momento.
Dei um sorriso sem humor. Minha vontade era dizer para ele que eu
nunca tinha sido fã de mim mesma. Não gostava da versão que eu
apresentava para o mundo, apenas simpatizava com quem eu era quando
estava na presença de Pedro.
Descendo e escorregando
por toda a cascata, com voce
Minha garota de olhos castanhos
Você é minha garota de olhos castanhos.
:: BROWN EYED GIRL - GREEN DAY ::
PEDRO QUEIROZ
PEDRO QUEIROZ
Contei para o meu irmão para avisar onde estaria naquela noite, caso
desse alguma merda. Ele disse que nem fodendo me deixaria ir sozinho e na
mesma hora deu um jeito de pedir para a Rita ficar com nossa avó no
hospital.
Não curti muito a ideia, mas Vovó Dea achou o máximo, afirmando
que sua amiga ficaria louca naquele lugar. Ela estava agindo como se
estivesse em um hotel, de férias, alegando que Rita precisava de um
descanso dos gêmeos.
Descanso. No hospital.
Aquelas velhinhas eram fodas!
Tudo bem que havia uma televisão gigante, comidas chiques, um
iPad acoplado na cama, tudo dentro de um quarto que era maior que nossa
casa, mas agir como se fosse uma colônia de férias era de foder.
Pipo tinha pedido o carro emprestado da Lavínia e acreditem, ele
chegou a cogitar fazer uma camisa com o meu rosto para usar.
Sinceramente, não sabia o que Felipe tinha na cabeça, na moral.
Imagina chegar no lugar onde aconteciam lutas clandestinas como se
estivéssemos em uma torcida do Big Brother Brasil?
Nós estacionamos ao lado de uma boate no final da Barra da Tijuca,
mas havia uma observação no papel que dizia: “entrada dos fundos”.
— Porra, tô me sentindo num filme! — Pipo comentou, animado.
— Daqueles que os mocinhos morrem?
— Não, idiota. Daqueles que os mocinhos metem a porrada em todo
mundo.
— Como se você fosse meter a porrada em alguém — falei, rindo.
— Eu não. É pra isso que tenho você. — Gargalhou e depois ficou
pensativo. — Se bem que... Isso aqui é ilegal, certeza que não dá merda
com a polícia. Saudades de bater em uns babacas sem ter a preocupação de
foder meu futuro que já é certo.
— Meu Deus, é insuportável o quanto você se acha!
— Eu me acho porque sou foda. Só me falta dinheiro, porque talento
eu tenho de sobra.
Eu o olhei perplexo e balancei a cabeça em uma negativa, sem
acreditar no tamanho daquele ego.
— É mentira? — Não respondi e ele correu na minha frente, rindo. —
É? É mentira?
— Não, Pipo. Chato pra caralho. Eu, hein?!
— Vou arrumar alguém pra socar hoje também.
— Não inventa merda, caralho. Vai socar ninguém, porra. Vai ficar
quietinho no banco com essa sua cara de sonso aí que você faz toda vez que
eu vou bater em alguém.
— Que babaca! Sou eu que te aviso quando está na hora de correr.
— Isso aconteceu uma vez! Uma vez! — respondi, irritado,
lembrando da única briga que eu arreguei.
Sabia que iria perder porque era contra cinco caras gigantes. Se
fossem três... Talvez até quatro. Mas cinco? Não dava para arriscar.
Soltei o ar, puto, ajeitei o boné e bati na porta, vendo uma pequena
fresta se abrir, revelando o olho de uma mulher.
— Senha?
— Inferno? — Fiz uma careta quando li o papel, mas a porta se abriu
logo em seguida.
Fomos entrando no lugar e aos poucos, o som de música alta e vozes
animadas começaram a encher meus ouvidos. Andei a passos firmes, meu
coração batendo forte no peito enquanto Pipo só faltava pular com tanta
agitação.
Nossas bocas se entreabriram quando cruzamos o corredor de entrada
e descemos a escada, vendo um novo universo diante de nós. Aquela porra
era como uma espécie de submundo.
Meus olhos levaram alguns segundos para se ajustar à luz forte do
ambiente. Era tanta informação que nem conseguia processar direito. Um
tipo de galpão gigante e luxuoso, com áreas reservadas e minirringues. No
meio, no local mais iluminado, havia uma arena muito maior, com grades
escuras.
As pessoas lutavam nas menores enquanto as demais torciam,
gritando seus nomes e fazendo apostas. Havia um painel gigante com
divisões e nomes esquisitos e quem estava liderando o maior deles era
alguém chamado Quimeras Flamejantes.
Certeza que era um viciado em Harry Potter.
Conforme fomos caminhando, percebi que na verdade existiam
grupos, como, sei lá, clubes. As pessoas usavam camisas, moletons e
jaquetas e olhavam seus “adversários” com ódio.
Que porra era aquela?
— Viu? Eu deveria ter feito uma camiseta pra você — Pipo
cochichou quando uma gostosa passou vestindo um cropped escrito Viúvas
Negras.
— Cala a boca, Pipo!
Havia um camarote superior com umas três poltronas vermelhas de
couro que estavam vazias. Ainda estava examinando o local quando as
luzes se apagaram e eu segurei no braço do meu irmão, assustado, pensando
que íamos morrer. Então, uma voz grossa ecoou pelo espaço:
— Boa noite, senhoras e senhores. Bem-vindos a mais uma noite no
Hell Fight[68].
— Porra, a gente tá realmente dentro de um filme! — Pipo
comemorou, animado, praticamente pulando em cima de mim quando as
luzes acenderam, dando um foco maior no ringue principal.
Muitos se direcionaram para a arena maior e nós fomos meio que
carregados pela multidão. Não fazia ideia de onde estava o Gregório, mas
também não iria achar naquele momento, então nós ficamos assistindo a
luta.
Ela não durou muito, o cara que começou a disputa com uma
camiseta do Quimeras Flamejantes apagou em cinco minutos o adversário
que tinha uma tatuagem gigante no peito escrito Filhos dos Falcões.
A plateia começou a se dissipar, voltando para seus locais de origens
e então eu o vi, caminhando na minha direção com os babacas do
condomínio.
— E aí? — ele cumprimentou, cruzando os braços quando chegou
perto de mim. Olhou para o Felipe de cima a baixo com uma expressão de
nojo.
Fechei minhas expressões, trancando o maxilar. Coloquei minhas
mãos no moletom e ajeitei a postura, fazendo um meneio com a cabeça e
olhando-o da mesma forma. Ele queria me colocar medo? Quase dei uma
risada. Eu era muito mais intimidante do que um almofadinha de merda que
estava usando uma camiseta da Lacoste.
— Onde vamos lutar? — perguntei.
— No ringue dos Falcões — respondeu, apontando com a cabeça para
o lado.
— E o que estamos esperando?
— Está com pressa pra tomar porrada, GBR? — Cadu perguntou,
rindo de forma debochada.
— Só quero acabar logo com isso e pegar meu dinheiro. Falando
nisso... Como faremos?
Ele digitou alguma coisa no celular e mandou que eu colocasse meu
PIX, me direcionando para o local indicado logo em seguida. Felipe estava
de cara fechada, olhando cheio de ódio para os amigos do Gregório.
Aparentemente, o babaca já tinha deixado tudo esquematizado e
algumas pessoas começaram a se aproximar quando começamos a tirar
nossas roupas. Notei uma morena de olhos verdes rondando o ringue e
quando alguém percebeu sua presença, toda a atenção se voltou para ela. A
garota tinha duas tranças, vestia um top com o moletom por cima e
emblema de uma Quimera bordado no peito.
— Precisa de luvas? — um dos caras perguntou quando se aproximou
de mim.
— Não, eu trouxe as minhas.
Tirei meu moletom e a calça, ficando apenas com a bermuda que
costumava usar para treino. Fiz um alongamento rápido, sentindo toda a
adrenalina correr pelas minhas veias. Passei os olhos pelo local, as pessoas
estavam começando a se agitar à nossa volta, loucas por um show. O som
da música era abafado pelo falatório, os gritos e os barulhos de socos e
chutes nas pequenas arenas ao lado. Havia alguém fumando Gudang e eu
me perguntei se Larissa me odiaria pelo que eu estava prestes a fazer.
Ela tinha resolvido o problema, mas eu queria finalizá-lo de vez.
Um árbitro se colocou entre nós dois e eu o fuzilei com os olhos,
apertando o meu maxilar enquanto fazia o mesmo com o meu punho.
Gregório era um pouco mais alto do que eu e também tinha um bom físico,
mas aquilo não me preocupava nem um pouco.
Ele manteve os olhos fixos em mim e eu fiz o mesmo, controlando
minha respiração e eliminando a raiva do meu sistema por alguns minutos.
Eu sabia que em uma luta, a batalha mental era a mais importante e nada
podia me desconcentrar.
As “regras” foram explicadas, mas basicamente só havia uma: parar
quando o adversário batesse com uma das mãos no chão ou gritasse para
parar.
Ah, ele definitivamente gritaria quando eu acabasse.
Dei um passo à frente e ele fez o mesmo. O homem ainda estava com
uma das mãos entre nós e Gregório me encarou cheio de ódio. Nós nos
cumprimentamos e recuamos logo em seguida.
— Hoje eu vou te colocar no seu lugar, GBR — falou entredentes. —
E você nunca mais vai chegar perto da minha mulher.
Ele avançou com um soco, mas eu esquivei, dando uma batida fraca
em sua cabeça, como se fosse um dos meus alunos.
— Minha mulher — eu o corrigi, dando um sorrisinho de escárnio.
— Sua? — Ele riu. — Ela nunca te levaria a sério, você não passa de
um favelado fodido que vai passar os restos dos dias lavando copos.
Fui para cima dele, acertando um soco com toda a força em seu
abdômen, o som seguido pelo grito de dor ecoou pelo galpão enquanto ele
se contorcia de dor, tentando se manter em pé.
Dei uma volta pela arena, observando-o até que ele corresse na minha
direção, revoltado. Deixei que ele me acertasse uma das vezes porque sabia
que isso faria com que seu ego gritasse mais alto. Nem liguei para a
ardência do provável corte no meu supercílio. Nós prosseguimos trocando
alguns golpes mais violentos e as pessoas ao nosso redor berravam,
vibrando a cada soco ou chute que dávamos um no outro.
Não teria graça acabar com ele tão rápido. Agora eu estava me
divertindo, vendo-o ficar desesperado ao perceber que eu sabia o que estava
fazendo.
Estudei seus movimentos, tentando encontrar uma abertura. Notei que
Gregório tinha uma falha em sua defesa, mantendo sua mão direita baixa,
como se estivesse se protegendo de um golpe no corpo que eu havia dado.
Avancei, fingindo um chute na perna e desferi um upper[69] que
passou pela sua guarda, acertando em cheio o queixo do arrombado,
fazendo-o urrar de dor. Abri um sorriso e deixei meus olhos correrem pelos
espectadores e minha visão ficou levemente prejudicada pelas luzes
coloridas que piscavam em intervalos regulares.
Nesse momento, ele veio para cima de mim e mesmo desviando para
o lado, seu soco atingiu meu rosto com força. Umedeci os lábios, sentindo o
gosto metálico de sangue na minha boca, o que fez com que minha irritação
crescesse um pouco mais.
Desferi mais algumas sequências de cruzados, seguidas por uma
joelhada em seu estômago. O babaca se livrou dos meus braços e mudou a
postura, dando um passo para trás antes de erguer sua mão para preparar um
jab[70].
Estava cansado de brincar, então acertei um chute alto no seu queixo,
fazendo-o cambalear. Abracei seu tronco e fui para o clinche[71],
provocando sua queda, afinal, o chão era meu parquinho.
Gregório tentou fugir, mas eu o dominei, pressionando meu joelho
com força em sua costela. Montei em cima dele e desferi uma série de socos
rápidos em seu rosto enquanto ele tentava manter a guarda alta.
— Você é um filho da puta e um covarde do caralho — falei sem
parar de golpeá-lo.
Ele conseguiu inverter um pouco as posições, mas ajustei um
triângulo em seu pescoço e me desvencilhei, entrando com um armlock.
Fechei meu pé na sua costela e quando vi sua mão livre, apliquei um mão
de vaca[72], já prevendo o que eu desejava fazer.
A quantidade de palavrões que ele xingava era como música para os
meus ouvidos. Cheguei o rosto dele o mais perto que consegui sem
prejudicar o aperto do golpe e olhei no fundo dos seus olhos.
— Babaca escroto — ele cuspiu as palavras com raiva.
— Você deixou quatro dedos marcados na pele dela — lembrei,
sentindo toda a fúria irradiar por dentro de mim, forçando seu pulso. —
Mas eu vou quebrar a sua mão inteira para você aprender a não tocar mais
em mulher nenhuma, seu filho da puta.
E foi o que eu fiz, adorando o som do osso se quebrando nas minhas
mãos, ouvindo-o berrar de dor e bater com a mão livre no chão. A multidão
ficou silenciosa por um momento, antes de começar a gritar e aplaudir em
delírio.
Me desvencilhei, dando um pulo para ficar de pé, tendo uma visão
linda do agressor de merda chorando no chão. Ele levantou os olhos,
incrédulo, e eu esbocei um sorrisinho cínico, satisfeito pelo que eu tinha
feito.
— Esse é o seu lugar, seu playboyzinho de merda — vociferei,
olhando-o com desprezo. — E você nunca mais vai encostar as mãos na
minha mulher.
— Ela não é sua! — Ele se levantou, furioso.
— É o que vamos ver — falei, tirando minhas luvas e deixando a
arena.
Seus amigos estavam em choque, enraizados do lado de fora, sem
acreditar no que tinha acontecido. Um deles correu para dentro do ringue
quando Gregório gemeu de dor novamente.
Pipo estava aos berros e pulou em cima de mim sem nem se importar
com o fato de eu estar totalmente suado.
— Você. É. Foda! — falou pausadamente, segurando meu rosto e me
dando um beijo na bochecha. — Caralho!
— Ei, novato — um homem alto me abordou na hora em que eu
estava colocando meu moletom para ir embora. — Sou o Bóris.
— Boa noite — eu o cumprimentei quando ele esticou a mão,
apresentando-me também. — Pedro.
— Bom trabalho hoje, Pedro.
— Obrigado.
— Tu deve ser do jiu-jitsu, certo?
— Sim.
— Você é bom... E me parece ter o que é necessário. Tenho uma vaga
na minha equipe — ele disse, indicando o espaço em que a garota que eu
tinha visto estava.
— Vaga? — indaguei, um pouco confuso.
— Está vendo aquele cara ali? — Apontou para um homem de cabeça
raspada com um leão tatuado no peito. — Aquele é o Max, um dos meus
melhores lutadores. Ele tem fama, a mulher que quiser e faz um dinheiro
forte por mês. Estamos sempre de olho em quem pode se tornar um
vencedor aqui dentro.
— Valeu, Bóris, mas vim aqui por motivos pessoais. Não quero essa
fama e já tenho a mulher que eu quero. Não desejo essa vida para mim,
talvez essa seja a história de um outro cara.
Ele comprimiu os lábios, demonstrando um pouco de decepção e
depois fez um meneio com a cabeça e foi embora.
— Mano, certeza de que isso não é um filme? — Pipo perguntou,
completamente chocado.
— Tenho.
Se a minha vida fosse um filme ou um livro, eu certamente já teria
achado a autora e chutado a bunda dela por fazer com que eu me
apaixonasse por uma patricinha rica ao invés de uma simples camponesa
com uma CLT e o nome sujo no Serasa.
Então eu escapei pro jardim para ver você
Nós ficamos quietos, porque nos matariam se soubessem
Então feche seus olhos
Fuja dessa cidade por um momento, uh, oh
:: LOVE STORY - TAYLOR SWIFT ::
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
PEDRO QUEIROZ
Ela tinha enviado uma mensagem avisando que estava tudo bem entre
eles e que depois da festa queria conversar comigo. Foi impossível
controlar o peso que atingiu o meu estômago, porque não fazia ideia do que
aquela merda queria dizer.
Se ela estava bem com os pais e precisava conversar comigo, não era
um bom sinal. Larissa já tinha dito diversas vezes que eles desejavam que
ela continuasse com o Príncipe Fúnebre.
Passei as mãos no rosto e tentei afastar aqueles pensamentos porque
precisava continuar trabalhando. As taças dos ricos não se encheriam
sozinhas.
Ela chegou algum tempo depois, linda, dentro de um vestido azul-
marinho longo elegante. Não ousei me aproximar, preocupado com as suas
reações depois daquela conversa.
Me mantive distante, servindo o lado oposto da festa e ela estava tão
ocupada conversando com alguns figurões que nem mesmo se locomoveu
demais pelo salão.
Não sabia ao certo se era toda a irritação pinicando minha pele ou se
hoje aquelas pessoas estavam soltando mais comentários babacas do que o
normal, mas já estava estressado em menos de duas horas de evento.
Em algum momento, seu olhar se cruzou com o meu e ela sorriu em
cumplicidade, fazendo com que meu peito afundasse, queimando tudo por
dentro e derretendo toda minha raiva.
Não sabia como Larissa era capaz de fazer aquilo, de transformar
tudo em cinzas com apenas um único gesto. E o desesperador é que isso era
perigoso. Não queria mais me colocar em situações desconfortáveis, que me
machucariam apenas para ficar com ela, mas parecia impossível deixá-la ir.
Algum tempo depois se iniciou uma entrega de prêmios e o pai de
Larissa subiu ao palco para receber o seu, pedindo que sua filha e esposa o
acompanhassem.
Ele fez todo um discurso sobre sua profissão, seu legado e o quanto
sua família era importante para que ele tivesse conquistado tudo aquilo. E
quando fez menção de descer, o almofadinha enviado das profundezas do
umbral o interrompeu, pegando o microfone e se posicionando no meio do
pequeno palco.
Larissa o encarou sem entender e depois fez o mesmo com os pais,
que pareciam confusos também. Gregório encostou na sua cintura,
impedindo que ela saísse do lugar e seus olhos examinaram o local até que
encontrassem os meus.
Aquela raiva habitual começou a me preencher. Isso acontecia sempre
que era obrigado a ver qualquer interação entre os dois, mas hoje parecia
diferente. Estava pressentindo que aconteceria alguma merda.
— Inácio, nós todos somos gratos por ter um profissional tão incrível
quanto você. E digo não só como um futuro membro da sua família, como
também em nome de todos os médicos do hospital... É um privilégio
conviver com você.
Futuro membro da sua família.
O pai dela deu uma risadinha e agradeceu, inclinando-se um pouco
para o que pareceu tomar o microfone de sua mão, mas Gregório se afastou
e continuou:
— Queria aproveitar esse momento para dizer que você e Laura são
inspirações para mim e eu desejo não só ter sucesso na minha carreira como
vocês, mas também no meu casamento com sua filha. E é por isso que
hoje... — Ele fez uma pausa e ajoelhou.
Engoli em seco contra o aperto forte na minha garganta, a minha
respiração começando a descompassar.
Ela me olhou, o desespero refletido em seus olhos.
Andei na direção do palco, em um movimento involuntário, mas meu
mundo ruiu quando ela fez uma negativa com a cabeça, indicando que eu
não fizesse nada.
Na verdade, seu olhar estava implorando para que eu não desse mais
nenhum passo.
Por mais que eu estivesse agitado, a sensação é de que tudo dentro de
mim estava morto. Porque naquele gesto eu podia ver com clareza a
resposta de tudo.
Parei de andar, arrastando as mãos pelo cabelo sem me importar se
eles ficariam bagunçados. Girei nos calcanhares, incapaz de presenciar o
restante daquela tortura, sentindo meu coração rasgar no peito mais uma
vez.
O súbito calor que subiu pelo meu pescoço me fez ferver. Era
frustrante pra caralho ver aquela cena e saber que a sua família
provavelmente soltaria fogos depois do pedido. Eles nunca me aceitariam
pela forma como eu cresci, pela minha condição social, por eu não ter um
diploma e todas aquelas merdas que ricos tinham.
E eu estava farto de tudo aquilo.
— O que está fazendo? — Roberval indagou quando passei por ele na
cozinha, tirando o meu uniforme.
— Indo embora.
— Está louco? Estamos no meio do evento...
— Foda-se! — retruquei, ríspido. — Não tenho mais condições de
ficar aqui!
— Você acabou de voltar de férias — retrucou, como se aquilo fizesse
algum sentido.
Merda de gravata filha da puta. Arranquei com força, nem me
importando com a ardência no meu pescoço pelo puxão.
— Pedro, não estou entendendo, você não pode simplesmente ir
embora sem um motivo. Não vou permitir que...
— Não preciso da sua permissão, estou me demitindo. Passar bem. —
Abri um sorriso forçado e saí pela porta lateral, ignorando seus chamados.
Todo o meu corpo tremia e minha cabeça se resumia a uma bagunça
irregular. Caminhei apressado pela piscina até chegar em uma das ruas, o
barulho dos sapatos batendo no asfalto pareciam compassar com as batidas
rápidas do meu peito.
Estava mais do que focado a sair dali, ir embora e nunca mais pisar
naquele condomínio. Eu havia quebrado meu mandamento por ela, deixado
de lado tudo o que eu tinha medo simplesmente porque queria estar ao seu
lado. Ignorei todos os avisos, o meu passado e as percepções que eu sabia
estarem certas.
Um burro do caralho!
— Pedro! — Sua voz congelou cada um dos meus músculos e eu
senti meu corpo indo para frente quando minhas pernas se enraizaram no
chão de forma instintiva.
Lutei para respirar, porque até mesmo isso parecia um esforço agora.
— Estou falando com você! — O som dos seus sapatos ecoou atrás de
mim e eu enfim consegui voltar a andar. — Pedro, que inferno!
Não olhei para trás.
— Volte para sua festa — gritei por cima do ombro.
— Quero falar com você, será que pode parar?
Eu fiz o que ela pediu, fechando os olhos e respirando com força.
Virei para encará-la, ofegante, com os saltos nas mãos e a barra do vestido
na outra.
— Eu não quero você perto de mim, Larissa! — repeti as palavras
que ela me disse um dia, sentindo o gosto amargo na minha boca.
— E eu não faço o que você manda — retrucou da mesma forma,
irritada com o que eu tinha dito.
— Apenas vá embora.
— Será que você pode esperar? Você saiu correndo como um
desesperado e eu preciso voltar lá para falar sobre o projeto...
— Volte pra lá — incentivei, aumentando o meu tom de voz. — É
exatamente onde você pertence, não sei como ainda tem dúvidas.
Suas expressões se fecharam na mesma hora.
— Deixa de ser infantil, Pedro.
— Infantil? — Dei uma risada debochada. — Sou infantil por estar
cansado disso tudo? Por não querer viver nesse limbo aguardando pelo
momento em que vai tomar alguma atitude e parar de fazer as coisas que
esperam de você?
Ao redor, tudo parecia embaçado, meus sentidos afetados pela
turbulência de emoções dentro de mim. A garganta apertada restringia o
meu ar e meus lábios estavam tão secos que deixavam um gosto amargo na
minha boca.
Uma rachadura. E eu estava prestes a quebrar por inteiro.
— Eu já desisti de tentar entender o que se passa na sua cabeça e criar
justificativas para suas decisões — cuspi as palavras, cada sílaba carregada
de ódio. — Estou cansado dessa merda...
Sim, eu a odiava demais agora por tudo o que aquela garota maldita
tinha me feito passar. Por ter brincado com o meu coração com seu
canivete, espetando-o de novo e de novo. Talvez eu não a conhecesse de
verdade como imaginava. Talvez Larissa Albertelli fosse uma sádica filha
da puta empenhada em se vingar de mim.
Apertei os punhos, irritado comigo mesmo por pensar aquelas coisas.
Parecia irracional e idiota, mas, foda-se, não queria ser lógico naquele
momento.
— Me deixa falar, inferno! — ela gritou de volta, furiosa.
— Não! Eu não quero ouvir o que tem pra dizer — retruquei, ríspido,
não dando a mínima se estava a plenos pulmões. — Você passou dias
comigo, afirmou que estava apaixonada e jurou que faria o que fosse por
mim, mas isso não é o suficiente, caralho. Isso não me faz bem. Eu tentei,
mas não dá, então vive a porra da sua vida como acha melhor, no seu
mundo de arco-íris e jujubas e apenas me deixe em paz!
Tomei um susto quando ouvi uma voz familiar chamar o meu nome,
fazendo com que eu sobressaltasse. Nem percebi quando o carro do Heitor
parou ao nosso lado e meu amigo olhou de mim para ela, um pouco receoso
e constrangido.
— Está tudo bem aqui? — perguntou, sem jeito.
Chegava a ser irônico as similaridades de como tudo aquilo tinha
começado. Nós dois discutindo no meio da rua e sendo interrompidos por
Heitor. O início e o fim, lado a lado.
Sentia-me extremamente vulnerável, exausto. Meus olhos ardiam na
mesma intensidade que a minha garganta por toda a força que eu fazia para
não desabar.
Minhas pernas pareciam fracas e eu duvidei que elas pudessem me
sustentar por muito mais tempo. A angústia parecia me consumir por
completo, uma tempestade interna que eu não conseguia conter.
— Não. E eu preciso que me tire daqui — respondi para ele, entrando
no carro, ignorando o fato de que ela gritou meu nome três vezes.
Foda-se. Tudo o que eu queria fazer era dar o fora dali.
Heitor acelerou com o carro e só então eu percebi que Pato estava no
seu ombro. Ele girou a cabecinha e sorriu para mim.
— Desculpa por isso — falei, quando olhei o retrovisor e vi que ela já
estava longe.
— Que merda aconteceu?
— Eu posso te contar isso em outro momento? — perguntei e ele
assentiu, parando na frente da chancela do condomínio. — Onde está indo
com o Pato, afinal?
— Ele queria dar uma volta de carro...
O macaquinho fez alguns barulhos e foi até o volante, tentando
apertar a buzina e me fazendo gargalhar.
— Macaco mimado do caralho — falei, fazendo com que o Heitor
desse uma risada, concordando.
PEDRO QUEIROZ
LARISSA ALBERTELLI
PEDRO QUEIROZ
PEDRO QUEIROZ
PATO FRANCO
Era um absurdo que eu tivesse que esperar sentado em uma sala com
pessoas comuns como se fosse um qualquer. E como se não bastasse, havia
uma porra de uma mulher tossindo feito uma condenada, provavelmente
com alguma doença contagiosa.
Se eu ficasse doente e precisasse ser internado, aquele Louva-Deus
Filho da Puta Herdeiro Perdido dos Vinte Chakras iria ouvir.
Levantei, saindo de perto do aeroporto de germes e mandei uma
mensagem para Rossi dizendo que o amigo dela era um péssimo prefeito,
cheio de descaso com as pessoas que residiam em Coroa do Sul. E avisei
que se pegasse uma doença e morresse, era o seu amiguinho que ela deveria
culpar.
A resposta foi uma risada e um “eu te amo”, como se isso apagasse
toda minha frustração.
Quando finalmente a secretária me chamou, ajeitei meu terno e entrei
no gabinete.
— Sério, cara, você precisa parar de vir aqui. — Ele me deu uma
rápida olhada e continuou assinando alguns documentos.
— É um absurdo você me deixar esperando quase meia hora...
— Quinze minutos — ele me corrigiu e eu bufei, irritado.
— Quase meia hora — insisti. — Em uma sala com uma pessoa
tossindo!
— O que aconteceu, Montes?
— Paula poderia ter ido parar na porra do hospital e eu estaria
esperando meia hora para te avisar, porque nem o caralho do celular você
atende... — continuei a falar, ignorando sua pergunta e despejando toda
minha irritação.
— Se Paula estivesse no hospital, o hospital teria me ligado antes de
você conseguir chegar aqui — retrucou, cheio de si.
— Maldita foi a hora em que autorizei que você namorasse ela.
Ele esticou as costas na cadeira, me lançou um olhar de desdém e riu.
— E desde quando você autorizou?
— Você não sabe de nada, Ortega. E eu não vou perder meu tempo
discutindo com você. Preciso falar sobre algo sério.
— Vamos lá... — respondeu com uma risada e eu o olhei com raiva.
O Monge idiota não levava nada a sério. Por que diabos eu tinha
votado nele?
— Você viu o que o seu amiguinho pau no cu do Medici publicou?
Agora Ortega e Paula tinham virado melhores amigos do casalzinho
famoso. Desmarcaram três jantares com a gente para encontrá-los e como
se não bastasse, ainda chegaram atrasados no aniversário da prima do Nick.
Ele leu a matéria, deu uma risada e me olhou confuso.
— O que eu tenho a ver com isso?
— Tem uma pessoa vandalizando as ruas com esses bichos do
demônio. Tenho certeza que em breve isso vai começar a aparecer aqui e
você, como prefeito, precisa deixar bem claro que esse animal perigoso não
é uma coisa fofinha e engraçada. As crianças vão começar a achar que é
normal...
— Pelo amor de Deus, Montes, é um grafite.
— Que se foda! — retruquei, exasperado. — Está por toda a parte.
Com roupa de bailarina, tomando água de coco, ouvindo música... Um
absurdo!
— Não foi você que tentou colocar o chifre de unicórnio em uma?
Senti meu sangue ferver. Paula era uma traidora de merda.
Ele fez um estalo com a língua e gargalhou.
— É, ela me contou.
— Eu estava bêbado, era um moleque inconsequente... E é totalmente
diferente de ter uma pessoa propagando esses bichos assim.
O idiota não me respondeu, deu uma risada para o celular e ficou
distraído por alguns segundos antes de dizer:
— Alice me mandou uma mensagem dizendo que Paula está louca
para ir em uma pizzaria hoje.
— Não vou fazer o que essa traidorazinha quer. — Sua sobrancelha se
arqueou, cheio de deboche
— Não?
Soltei o ar em desistência. Já tinha um tempo que eu estava sendo
obrigado a seguir as vontades dela
— Que horas? Na verdade, estou até chocado que você não chamou
seu melhor amigo para ir junto.
— Ele não é meu melhor amigo — falou, soltando um chiado com a
boca. — Meu melhor amigo é...
— Eu mesmo, me chamou? — George tinha entrado na sala e estava
sorrindo de orelha a orelha. — E aí, Marco? O que faz aqui?
— Vim tratar de um assunto importante, mas o prefeito está me
tratando com descaso, como sempre faz com os moradores da cidade que se
preocupam com o bem-estar da população.
— Apareceu alguma capivara em algum lugar? — ele perguntou,
prendendo o riso e eu o olhei de cara feia.
— Você está atrapalhando minha reunião — respondi e George
ergueu as duas mãos no alto, rindo e saindo logo em seguida da sala.
— Montes, pronto... Lembrei de algo que posso fazer para resolver
seu problema — ele disse, sério, e eu pisquei, um pouco incrédulo.
— Finalmente!
O Monge começou a remexer na sua gaveta e tirou um papel,
colocando em cima da sua mesa. Eu me aproximei para ler e o olhei cheio
de ódio enquanto ele comprimia os lábios para segurar uma risada.
“Retiro Espiritual para Limpeza e Harmonização Energética do Corpo
e Mente através de Cristais”.
— Sabe onde enfiar esses cristais, Ortega? — respondi entredentes,
sentindo minhas veias do pescoço saltarem.
— Sem abaixar o nível, eu sou o prefeito — lembrou, rindo.
— Que não faz porra nenhuma.
— Sério, posso ir junto. Lá você vai entender que a paz vem de
dentro de você. Toda essa sua agressividade não te faz bem, cara —
começou a falar em um tom calmo.
Meu Deus, eu não sabia como Paula conseguia aguentar.
— Esse retiro pode ser bom e tem uma médium em Três Amores que
pode te ajudar com todo esse medo. Talvez algumas sessões de...
— Ah, Ortega, vai pra puta que pariu! — falei, saindo do escritório.
Ótimo, mais uma vez o inútil não faria nada.
Que se foda!
Se aquelas malditas capivaras aparecessem em qualquer muro da
cidade, eu mesmo iria lá com um balde de tinta branca.
As capivarinhas já são minha marca e não tinha como elas não
estarem presentes no livro novo, então eu dei um jeitinho de inseri-las. Eu
sempre quis que existisse uma parte do meu universo no mundo, então
pensei em uma ação de marketing que pudesse fazer exatamente isso.
Queria que as artes da Larissa fossem reais, que a gente pudesse ver
os desenhos dela por aí. Em contato com o artista Gitirana, contei minha
ideia e ele embarcou nessa comigo.
Gitirana é um talentoso artista bastante conhecido no Rio de Janeiro,
principalmente pelos grafites que faz na cidade. Formado em design
gráfico, trabalhou por quase 10 anos na Rede Globo, no Departamento de
Artes Cenográficas e além disso atualmente também é tatuador.
Seus desenhos são únicos e reconhecidos de longe pelos moradores
do Recreio e Barra, locais onde estão expostas a maioria das suas artes.
Foi incrível a possibilidade de trabalhar com ele e unir duas artes
diferentes (o grafite e a escrita) em um projeto diferente e único.
Tivemos o apoio e autorização dos parques Chico Mendes e
Marapendi, através dos gestores Valéria, Renata e Jorge, que também
aceitaram fazer parte do projeto. Então, hoje vocês podem visitar os locais e
se sentirem um pouco mais perto da nossa protagonista!
Parque Natural Municipal de Marapendi
Avenida Alfredo Baltazar da Silveira, - Recreio dos Bandeirantes
Rio de Janeiro
Parque Natural Municipal Chico Mendes
Av. Jarbas de Carvalho, 679 - Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro
SINOPSE
Felipe Oliveira passou por situações que o afastaram de seu sonho por
muito tempo, agora, ele está decidido a fazer tudo o que for necessário para
mudar não apenas a sua vida, mas de toda sua família.
E SE EU PRECISASSE DE VOCÊ?
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Alice Rossi tem uma vida sexual um pouco frustrante. Marco Montes
tem uma vida sexual invejável.
Ambos se odeiam desde que se entendem por gente, mas Alice vê sua
vida virando de ponta cabeça quando descobre uma traição de seu
namorado e aceita se mudar temporariamente para o apartamento da sua
melhor amiga. Existe apenas um porém, ela mora com Marco.
Depois de muitos encontros frustrantes e uma noite atípica, os dois
acham termos para a convivência se tornar mais tolerável.
Sem envolvimento. Sem exclusividade. Sem beijos.
Eles não contavam que o universo, intitulado por Alice como seu
arqui-inimigo, fosse criar uma forma de aniquilar todas as questões do
passado, reduzindo a pó tudo o que antes era tão bem definido entre os dois.
Marco Montes poderia descrever esse livro como: a nerd insuportável
que odeia o gostoso empresário e dá um jeito de foder com toda sua vida.
E SE EU ME IMPORTASSE?
LIVRO 2 DA SÉRIE 'E SE'
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Tudo muda quando Lexie ganha o seu próprio reality show: “Quem
vai ficar com Lexie?” e se vê indo para um resort em Angra dos Reis em
busca de um namorado.
O que ela não contava era que Samuel Medici, seu maior pesadelo,
também estaria lá. Em uma confusão de dinâmicas, provas, encontros e
desencontros os dois vão percebendo que o ódio é apenas uma combustão
para algo ainda mais forte.
eu precisasse de você?”.
[15] Cidade fictícia da série “E se”, da autora.
[16] Personagem da série “E se”, da autora.
[17] Veuve Clicquot é uma marca de champanhe de Reims, França.
no catálogo do Globoplay.
[21] Gangue fictícia.
[22] Gíria que significa ir embora.
[23] Smart TV é uma expressão do âmbito da tecnologia e que significa "televisão inteligente".
[24] Casas Bahia é uma popular rede de varejo de móveis e eletrodomésticos do Brasil.
[25] A Amazon Alexa, também conhecida como Alexa, é uma assistente virtual desenvolvida pela
Amazon.
[26] Roomba é um aspirador robótico fabricado e vendido pela iRobot.
[27] Expressão que significa ‘me esquece’, ‘me deixa em paz’.
[28] A pavlova é uma sobremesa em forma de bolo e a base de merengue, cujo nome é uma
Jéssica Luiza.
[33] Time fictício da série “E se”, da própria autora.
[34] Personagem principal do livro “Plano de Jogo”, da autora Camila Cocenza.
[35] É uma gíria que vem do significado da sigla "boletim de ocorrência". Significa que algo deu
os apresentadores fazem com os atletas de futebol que marcam três ou mais gols em uma mesma
partida. A música escolhida aparece ao fundo enquanto passam imagens do jogador em tela.
[37] Boneco.
[38] O Gudang Garam, também conhecido como Cigarro de Bali, é um produto da Indonésia com
sabor de cravo.
[39] Gíria utilizada para dizer que a pessoa platinou o cabelo.
[40] Copa é abreviação de Copacabana, bairro do Rio de Janeiro.
[41] Gíria utilizada para denominar uma pessoa que se acha, que não dá muita moral para ninguém,
Gerais.
[44] Avril Lavigne é uma cantora e compositora franco-canadense.
[45] Spotify é um serviço de streaming de música.
[46] Movimento de jiu-jitsu.
[47] A montada é a posição suprema, na qual o lutador do jiu-jitsu exerce amplo domínio sobre o
rival.
[48] A chave de braço — também conhecida pelo termo em inglês, armlock — é um golpe de jiu-
jitsu no qual o lutador pega o braço do adversário e coloca-o entre suas pernas.
[49] Cumprimento utilizado dentro das artes marciais, principalmente no jiu-jitsu brasileiro.
[50] Gíria que pode significar uma volta, um passeio ou algum evento.
[51] O “chorinho” do carioca refere-se ao pedido de uma dose extra.
[52] Manobra de skate.
[53] Manobra de skate.
[54] Manobra de skate.
[55] Instituto Nacional de Câncer.
[56] O Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO) é uma unidade
de saúde do Estado do Rio de Janeiro, no Brasil.
[57] Gíria que significa uma solução improvisada para resolver um problema ou uma necessidade.
[58] É um adesivo termofixo que endurece quando mistura a resina epóxi com um agente catalisador,
adjacências da Rua da Alfândega, reúne mais de 800 lojas, a maioria voltada para o comércio
popular.
[61] A Capa da Invisibilidade é uma capa criada para esconder aquele que a usa, mencionada no livro
memes.
[68] Casa de luta clandestina fictícia.
[69] O uppercut é um golpe desferido de baixo para cima que visa atingir o queixo do oponente.
[70] O jab é um soco utilizado nas artes marciais.
[71] Arte de um combate em que o lutador abraça o adversário para lhe impedir os golpes
[72] A mão de vaca no Jiu-Jitsu, nada mais é do que uma finalização que força a articulação do
punho.
[73] Old school e aquarela são estilos de tatuagem.