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PECADO PREFERIDO

1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou transmitida por
qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânico sem consentimento e autorização por escrito do
autor/editor.

Capa: Lilly Desiggn


Revisão: Gabrielle Andrade
Diagramação: April Kroes

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência. Nenhuma parte
desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou
intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA.


Sumário
Playlist
Nota 1
Nota 2
Aviso
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Epílogo
Cena Extra 1
Cena Extra 2
Capisplash
Notinha final
Agradecimentos
Outras Obras
Escaneie o code abaixo ou clique aqui
para ter acesso a Playlist do livro.
Para todos aqueles que fizeram tantas escolhas pensando mais nos
outros do que em si mesmos. Para todos que se diminuíram para caber em
algum lugar por acharem que era onde pertenciam.
As pessoas sempre me falaram que era impossível viver da escrita.
Isso fez com que eu desistisse dos meus sonhos, por medo de não conseguir
me manter. Atualmente, sou uma autora independente e a escrita é minha
única fonte de renda. Esse é o meu trabalho e é gratificante poder fazer o
que eu amo e pagar minhas contas.
Se isso for um PDF, espero que tenham plena consciência do quanto
isso me prejudica. Os livros estão de graça para assinantes do Kindle
Unlimited e por um valor acessível na Amazon. Muitos não entendem que
isso é um trabalho, assim como o de vocês. Pelo menos da minha parte,
existe muito estudo, pesquisa e conversas com profissionais de diversas
áreas. Algumas pessoas não possuem o mínimo de empatia e pegam pesado
até mesmo na forma de falar sobre a obra, caso não as agrade.
Espero que vocês sempre sejam valorizados no trabalho de vocês e
que nunca sejam humilhados como já aconteceu comigo em alguns casos
isolados por alguns leitores. Não sejam esse tipo de pessoa, existe sempre
alguém por trás e ninguém sabe sobre minhas dores. Minhas histórias são o
meu trabalho, são a minha vida.
Valorizem os autores nacionais.
Como eu sempre digo, meus personagens são reais, mesmo que isso
seja uma história de ficção. Não escrevo personagens perfeitos, porque a
verdade é que ninguém é. Nem sempre a atitude deles vai ser o que você
espera e entendo que isso pode ser frustrante. Acredite, também é para mim.
Ainda assim, eu torço para que vocês os enxerguem da mesma forma
que eu e que se conectem com eles. Espero que se apaixonem por Pepeu e
Larissa assim como aconteceu comigo.

Boa leitura!
Esse livro é recomendado para maiores de 18 anos, por conter cenas
de sexo, uso de substâncias lícitas e ilícitas, violência e palavras de baixo
calão. Ele também faz menção à temas sensíveis, tais como violência contra
a mulher, aborto e abandono parental. Apesar de não me aprofundar nos
assuntos, se você não se sentir confortável, pare a leitura. Além disso,
gostaria de deixar claro que é sempre importante buscar informação sobre
educação sexual e temas sensíveis.
E por último e não menos importante: a história tem como um dos
personagens, um animal selvagem que vive em parte no seu ambiente
natural, mas que também escolheu estar na casa de um humano por quem
ele desenvolveu um imprinting. Portanto, saibam que manter animais
silvestres não legalizados em cativeiro é crime e não é uma prática a ser
adotada. Além disso, eles podem ser agressivos, então tenham cuidado.
Vale ressaltar que todas as cenas foram baseadas em relatos e também
contaram com a consultoria de um biólogo e uma veterinária.
Ressalto que o livro é uma obra de ficção, assim, qualquer
semelhança com a realidade é mera coincidência.
Eles querem que você se sinta mal
Pois assim eles se sentem bem
Eu nasci pobre, mas não nasci otário
Eu é que não caio no conto do vigário
:: TAMO AÍ NA ATIVIDADE – CHARLIE BROWN JR. ::

PEDRO QUEIROZ

Estava aberta a temporada de filhos da puta!


Era sempre assim. Janeiro e julho se tornaram os piores meses desde
que havia arranjado aquele maldito emprego. Mesmo que no meio do ano
não estivesse tão calor, a piscina continuava lotada.
Sabe aquela história de “piriguete não sente frio”? Ricos também não,
aparentemente. As piriguetes ricas, então... Mais evoluídas do que
pokémons[1] de gelo.
Odiava trabalhar em um clube dentro de um condomínio repleto de
milionários (ou bilionários – pra ser sincero, era tanto dinheiro que, para
mim, dava no mesmo).
O local em que eu era garçom estava sempre lotado de patricinhas e
playboyzinhos da Barra da Tijuca.
Ter vinte e dois anos, ser pobre e fodido não era o problema da minha
vida e sim lidar com esse bando de pau no cu que tratava a gente como lixo
e se achava melhor que os outros porque ostentava roupas, relógios e carros
importados.
E eles eram tão fúteis. Todos eles.
Sempre me segurava para não revirar os olhos quando chegava em
uma das mesas para ouvir os comentários idiotas sobre qualquer coisa
frívola.
“Vamos de helicóptero ou carro pra Angra?”
“Você não vai usar o mesmo vestido duas vezes, não é?”
“Ah, mas foda-se que você não passou na prova, compra sua vaga,
oras.”
Patéticos.
Não aguentariam uma hora de carteira assinada.
Não suportava pessoas ricas e em especial, mulheres com dinheiro.
Não me envolvia com elas nem por um caralho. E seguia aquilo à risca,
mesmo que a tentação fosse grande. Porque era, meu irmão, e eu podia
afirmar com todas as letras. Afinal, meu pau não era feito de ferro. Muitas
das mulheres achavam que podiam até mesmo me pagar para comê-las.
As coroas casadas, então, nem se falava...
Uma vez uma delas pediu que eu fosse limpar a piscina e eu fui
porque precisava da grana extra. Minutos depois, apareceu nua e se jogou
em cima de mim.
Foi um caos.
Eu sofria bastante importunação sexual e não era só das mulheres.
Pessoas com dinheiro tendem a achar que podem comprar absolutamente
tudo e pelo visto, até o meu cu estaria para jogo, se eu desejasse. E isso era
uma das coisas que eu mais odiava por ter que conviver com aquele tipo de
gente.
Os otários dos maridos iam explorar o proletariado nas suas empresas
e as dondocas queriam fazer o mesmo comigo... Em suas camas.
Modéstia à parte, eu era um cara bonito. Não havia nada de muito
diferente em mim, mas sabia que chamava atenção. Meus olhos e cabelos
eram castanhos, tinha um metro e oitenta e oito e minha pele era bem
bronzeada, afinal, eu morava no RJ, porra! A praia era o quintal da minha
casa.
Na real, vivia em um pequeno apartamento em um prédio caótico de
três andares no Terreirão, uma comunidade no Recreio dos Bandeirantes,
pertinho do mar.
Então, sim, era obrigado a pegar a bosta do BRT[2] para trabalhar todo
santo dia e ter que aturar os filhinhos de papai que não tinham noção de
merda nenhuma do significado da palavra emprego.
Eu precisava juntar dinheiro para poder largar aquela porcaria. Minha
paixão sempre foi desenhar e depois se tornou tatuar. Havia feito cursos e já
estava trabalhando em um estúdio nas minhas folgas ou em algum horário
após o expediente, mas como ninguém me conhecia, só tinha alguns
clientes fixos. O emprego do clube era o que pagava minhas contas e
também sobrava um pouco para ajudar a Vó Dea.
Ela não era minha avó biológica e sim do Felipe, meu melhor amigo
desde que me entendia por gente. Foi ele quem me deu o apelido de Pepeu
quando ainda éramos crianças e eu passei a chamá-lo de Pipo desde então.
Eles eram minha única família e só os dois me chamavam assim.
Assim que eu completei 16 anos fui emancipado e eu deveria ter
previsto que havia um motivo para que minha mãe fizesse isso tão rápido,
alegando que era o melhor. Era ridículo que eu ainda acreditasse que ela
nutria algum tipo de preocupação ou afeto por mim.
Madalena sumiu com um dos seus namorados, o antigo agente do
Pipo. O babaca me espancou porque fui para cima dele na hora em que ele
agrediu minha mãe. Naquele dia, Dona Dea ameaçou chamar a polícia e os
dois roubaram todo o dinheiro do Felipe e se mandaram.
Chegamos à conclusão de que tudo já estava arquitetado, a briga foi
só um adiantamento do que eles fariam.
Infelizmente, naquela época, eu ainda não era faixa preta em jiu-jitsu.
Estava fazendo aulas há pouco tempo e achei que daria conta daquele
merda.
Adolescentes são burros para um caralho.
E nunca mais os vi depois daquele dia. Madalena nunca foi um
exemplo, nunca foi uma mãe de verdade e sempre dizia que eu não deveria
ter nascido. E para completar, eu não tinha avós e não fazia ideia de quem
era o meu pai... Ela muito menos.
Em resumo, fui criado na casa da Vovó Dea. Cresci com o Felipe (o
Pipo) e nós éramos como irmãos de outra vida.
Aprender a se virar sozinho, dentro de uma comunidade, é a realidade
de muitos garotos e eu sempre fiz isso desde antes da minha mãe me
abandonar. Pela rotatividade de namorados que ela tinha, sabia que
eventualmente daria o fora. Tinha certeza de que se Madalena encontrasse
um cara com um pouco mais de grana, me deixaria em um piscar de olhos.
Também era fácil a vontade de tender para o caminho errado. Alguns
dos moleques que estudaram comigo faziam toneladas de dinheiro entrando
para o crime. Ainda assim, nunca foi algo que me encheu os olhos, então eu
me ocupei. E tentava preencher meus espaços de todos os jeitos possíveis.
Os livros foram meus melhores companheiros na infância e
adolescência, a avó de Pipo sempre arrumava alguns exemplares da
biblioteca para mim. Além disso, dentro da comunidade sempre existiam
projetos, aqueles que normalmente os ricos criam para fazer com que sua
consciência pese um pouco menos tentando abafar a diferença de classes
gritante no nosso país.
Eu larguei minha obsessão de leitor um pouco de lado quando Felipe
me deixou andar em seu skate a primeira vez. Nós criamos essa paixão
juntos, mas ele queria ser profissional e eu só estava ali para tomar uma
surra do pirralho quando o idiota me desafiava para algumas manobras.
Pipo era um ano e alguns meses mais novo do que eu, mas eu o
chamava assim apenas pelo prazer de irritá-lo.
Ele sempre dividiu o seu skate comigo porque minha mãe nunca
gastaria um real para me dar um, mas ganhei o meu da Vó Dea, seis meses
depois. Ela juntou suas economias para comprar um para mim.
Um belo dia, decidimos estilizar os skates e eu descobri meu dom
para a arte. Decidi o que eu queria para a minha carreira quando tive a
brilhante ideia de tatuar um Bart Simpson[3] na sua pele, um desenho
horrível que ele mantinha até hoje para queimar meu filme.
A luta entrou na minha vida um tempinho depois, no momento em
que decidi impressionar a menina por quem eu tinha um crush, a Vick[4]. O
pai dela era dono de uma academia e eu passei a ajudar no local à noite em
troca de aulas. Ele foi a primeira pessoa a me dar um salário e assim que
consegui poupar um pouco, comprei um perfume da Boticário[5] para ela e
um skate novo pro Pipo.
Sempre fui atrás de trabalho e estudei que nem um filho da puta na
escola para poder me destacar quando fosse mandar currículos.
Era por isso que hoje, outra vez, eu estava sendo obrigado a aturar o
grupinho mais escroto de playboys bêbados, em uma mesa perto do bar da
piscina do Mansões Golf Club.
O mais babaca era o Gregório Valença, residente de Medicina e
herdeiro da maior funerária do país. O pau no cu dizia que estava estudando
para salvar vidas, mas eu tinha certeza que ele queria mesmo é que os
pacientes fossem com Deus, direto para um dos caixões de mogno
caríssimos que ele vendia.
O filho da puta era o pior de todos e quase fez com que eu fosse
demitido do meu emprego logo na minha primeira semana. Ele perdeu um
relógio e disse que eu tinha furtado.
Na mesma hora, começou um escândalo. Porque mesmo que eu
afirmasse que não tinha nem visto aquela merda daquele Rolex[6], em quem
iriam acreditar? No “favelado” ou no mauricinho?
Naquele dia, a única pessoa perto de mim era sua namorada, Larissa
Albertelli, a filha do dono de um dos melhores hospitais do Rio de Janeiro,
o Hospital Albertelli.
Eu me lembro de, logo no meu primeiro dia, ter perdido alguns
segundos observando-a. Ela era maior do que suas amigas, um pouco mais
do que um metro e setenta e, porra, eu tinha um fraco por mulheres altas.
Os cabelos lisos e castanhos voaram no seu rosto e fiquei levemente
hipnotizado quando alguns fios se prenderam nos lábios grossos. Seus olhos
eram parecidos com os meus e ela tinha uma bunda e um par de pernas que
puta que pariu.
Poderia, sem dúvidas, me perder no meio delas...
E isso com certeza aconteceria se eu não tivesse uma norma a seguir.
A Vó Dea sempre foi muito religiosa e eu aprendi algumas coisas, dentre
elas, os mandamentos.
Tinha decidido que adicionaria alguns à lista de Moisés e que outros
não serviam bem para mim. O maior exemplo era aquele papo de se manter
puro, de não pecar contra a castidade. Quebrei aquele mandamento bem
cedo e puta que pariu, era impossível segui-lo.
Um dos que eu tinha criado era o principal para mim, ainda mais
depois que comecei a trabalhar no clube: Não se envolver com mulheres
com dinheiro.
Então mesmo que Larissa Albertelli fosse linda e muito gostosa, eu
nunca me perderia no meio das suas pernas.
Aquele era um pecado que eu não iria cometer.
Principalmente porque ela não tinha caráter e era uma preconceituosa
de merda.
O que vocês acham que ela fez quando fui acusado? Não se
manifestou, mesmo que eu estivesse no seu campo de visão o tempo inteiro
e afirmou que não tinha visto nada.
Naquele dia quase fui demitido.
E desde então, eu odiava aquela patricinha escrota.
Quem sabe o príncipe virou um chato
Que vive dando no meu saco
Quem sabe a vida é não sonhar
:: MALANDRAGEM – CÁSSIA ELLER ::

LARISSA ALBERTELLI

Estava tomando sol na beira da piscina do clube com Lavínia e Ana


enquanto os meninos já estavam enchendo a cara logo cedo. Por mais que
eu estivesse de férias da faculdade e do estágio do hospital dos meus pais,
meu namorado era residente, então o único momento em que ele tinha para
sair com seus amigos era no final de semana.
Para ser sincera, não era fã de nenhum deles, mas éramos um grupo
fechado e a convivência acabava se tornando meio que “obrigatória”. Os
círculos dentro do meu ciclo social sempre foram muito inacessíveis e
normalmente é como funciona com pessoas do nosso poder aquisitivo.
— Vocês souberam da última? — Ana perguntou, levantando-se e
ajeitando o biquíni, trazendo todos os olhares na piscina para ela.
O tecido azul claro contrastava com sua pele negra que brilhava no
sol devido ao óleo bronzeador que ela costumava passar. As tranças caíam
sobre os ombros delicadamente e ela se movia quase como uma fada.
— Que última? — Lavínia se mexeu, curiosa, e jogou os cabelos
ruivos para trás, antes de prendê-los no topo da cabeça. Suas bochechas
estavam bem vermelhas devido ao calor e sua pele branca em breve
ganharia a mesma tonalidade.
Lavínia sempre esquecia o protetor.
— Gus pegou a madrasta dele chupando um dos funcionários do
condomínio — contou, cochichando.
— Mentira! — exclamei, chocada.
— Estou espantada que não foi minha mãe — Lavínia respondeu em
um tom amargo.
— Eu nem julgo, tem tanto homem gato trabalhando aqui. — Ana
deu de ombros e olhou para o bar. — Inclusive, eu gostaria muito de sentar
em alguns deles.
— Você está prometida — zombei.
— Prometida, não amarrada.
Ana era herdeira de uma rede de resorts e estava “prometida” para o
filho do dono de uma empresa de navios que estava dentro do Círculo de
Ouro (C.O.). Os dois tinham se conhecido há alguns anos e ela o achou uma
gracinha. Ele estava fazendo faculdade no exterior e quando voltasse, eles
iriam se conhecer um pouco melhor.
Casamentos por conveniência eram bem comuns no nosso meio, as
chamadas “junção de heranças” e era ainda mais normal dentro dessa
“sociedade”. E nossas famílias não faziam parte, mesmo que fossem muito
ricas. No Rio de Janeiro havia pessoas com muito mais dinheiro e poder.
Éramos uma escala abaixo. Eles eram quase como uma realeza, mandavam
e desmandavam em tudo.
Ainda assim, meus pais e os de Gregório conversavam sobre nosso
casamento antes mesmo de eu menstruar. Obviamente nada era obrigatório
(bem, não sei como funcionava dentro do C.O.), mas existia uma pressão
grande de todos os lados. E esse era um dos motivos de eu aturar as merdas
que ele fazia.
— Avisei para meu pai que viria para o clube com vocês e ele passou
o café inteiro dizendo o quanto você era uma inspiração e me questionando
porque eu não era mais como você — Lavínia contou, cheia de deboche.
— Você deveria ser mais como eu — brinquei.
— Você é um porre quando não está com a gente, Lari.
Abafei uma risada e Ana fez o mesmo.
— Meu sonho é que você me deixasse orgulhosa chutando o babaca
do Gregório.
— Ele é meu namorado, Vi.
— E é um idiota — ela lembrou, encolhendo os ombros. — Ele está
literalmente secando aquela garota no bar.
Soltei o ar, cansada. Por mais que as duas também convivessem com
ele, não gostavam do Greg, porque foram elas que descobriram o primeiro
chifre que eu levei. E nunca aceitaram o fato de eu ter perdoado. A primeira
vez que ele me traiu, eu ainda era apaixonada. Estava sofrendo muito e
acreditei quando meu namorado disse que jamais faria aquilo de novo.
Tão burra...
Quando era mais nova, eu era louca por Gregório, mas meu encanto
acabou de verdade quando descobri que o imbecil me traía. E por mais que
estivesse saturada, tinha afeto por ele e não queria decepcionar os meus
pais, então levava o namoro da melhor forma possível.
— Até eu estou secando a garota do bar, olha o corpo dela!
Tentei brincar e minhas amigas riram, revirando os olhos quase em
sincronia enquanto eu examinava as pessoas no local.
Eu não gostava de frequentar a piscina do clube, até porque todos nós
tínhamos uma em casa, mas meus amigos amavam aquele point. Havia
música, mulheres gostosas de biquíni e garçons para servi-los o dia inteiro.
E era exatamente por isso que eu não suportava aquele lugar. Odiava
um dos funcionários. O idiota que sempre tinha estampado no rosto aquele
olhar cheio de julgamento para mim. Desde o primeiro dia de trabalho, ele
carregava consigo o desdém, olhando-nos com desprezo a todo instante.
O nome dele era Pedro.
Na sua primeira semana, meu namorado teve um incidente com ele.
Um relógio sumiu e na mesma hora Gregório começou a insinuar que o
garçom havia furtado. Então, em questão de segundos, tudo meio que se
direcionou para mim e me senti encurralada.
De um lado, meu namorado estava afirmando que eu tinha visto o
Rolex no seu pulso, do outro, o funcionário recém-empregado que alegava
que eu tinha visto que ele não tinha pego nada.
E a verdade é que eu era míope e não vi porra nenhuma porque estava
sem as minhas lentes. Não podia atestar se aquele desconhecido tinha ou
não subtraído o objeto. Não iria me meter em confusão por algo que não
tinha certeza.
Eu fugia desses tipos de confusões, corria dos conflitos. A última
coisa que desejava era trazer algum tipo de vergonha para minha família.
Então falei a verdade, que não tinha visto nada e o garoto
simplesmente me olhou enfurecido, como se eu fosse o pior ser humano da
face da Terra.
No momento em que tudo se esclareceu, aguardei um dos seus
horários de pausa para falar com ele longe de todos e percebi que o babaca
era um ignorante.
Meu intuito era me desculpar, explicar a situação, e Pedro me tratou
da pior forma possível. Afirmou que eu era uma patricinha fútil e que era
óbvio que desconfiaria de um cara pobre. Ainda perguntou se eu estava ali
para acusá-lo de algo mais e me irritei, retrucando que ele não sabia nada
sobre mim.
Ele riu, cheio de deboche e começou a traçar o meu perfil, enchendo-
me de estereótipos e deixando claro que eu era um lixo de pessoa. Entramos
em uma discussão e saí dali furiosa, querendo explodir aquele escroto.
Depois daquilo, todo olhar passou a conter algo a mais, uma carga
extra de ódio. Decidi sempre responder da mesma forma e nos poucos
momentos em que interagimos, trocamos algumas farpas.
Pedro era o típico cara babaca que se achava, que tinha raiva de tudo
e de todos e queria culpar o mundo pelos infortúnios da sua vida. Todo o
julgamento e o desgosto por estar cercado de pessoas com mais dinheiro
que ele eram visíveis por trás dos sorrisos falsos que dava.
Ele me odiava por quem eu era, pelo meu sobrenome. Tinha raiva do
meu padrão de vida e me julgava por isso. Se achava superior a mim, como
se tivesse um caráter melhor e era por isso que eu o odiava, porque ele
representava tudo o que eu desprezava.
Não suportava pessoas que não eram gratas pelo o que tinham e que
criavam uma concepção dos outros, baseadas em absolutamente nada
coerente. E isso acontecia comigo mais vezes do que eu podia contar.
Eu era a filha rica e perfeitinha dos Albertelli. A garota simpática e
boazinha que fazia Medicina e namorava um dos melhores partidos do Rio
de Janeiro. E tudo bem que essa era a imagem que eu transparecia, não me
esforçava nem um pouco para externar algo além disso, mas achava muito
atrevimento que me resumissem a apenas isso. Principalmente um
babaquinha que não tinha nem mesmo algum tipo de convívio comigo.
Ainda assim, ninguém sabia quem eu era de verdade. E ninguém
nunca saberia.
Você pensou que eu iria ceder pra você dessa vez?
Você pensou que eu ia fazer isso e chorar?
Não tente me dizer o que fazer
Não tente me dizer o que dizer
:: DON'T TELL ME - AVRIL LAVIGNE ::

PEDRO QUEIROZ

Aquela manhã estava sendo um inferno. Havia ido até a mesa dos
playboyzinhos maconheiros para levar as bebidas e fui ingênuo de achar que
passaria despercebido. Um deles reclamou que sua erva gourmet tinha
acabado e teve a pachorra de me perguntar se eu tinha um pouco.
Eu! O cara que estava dentro do seu próprio ambiente de trabalho. Era
esse tipo de merda que me irritava, o fato de os malditos acharem que eu
era um drogado que nem eles apenas por ser fodido de grana, por morar em
uma comunidade, sendo que eram eles que recebiam um cardápio de drogas
pelo WhatsApp.
Respondi que não e enquanto me afastava, ouvi o Gregório mais uma
vez usar o termo que eles sempre usavam para falar de mim, dizendo que eu
tinha ficado irritadinho.
GBR era como eles me chamavam.
Garoto Baixa Renda.
Na verdade, era como eles se referiam à boa parte das pessoas que
não estava dentro do seu ciclo social. Os idiotas não sabiam que eu tinha
conhecimento do significado e nunca usavam a sigla diretamente para falar
comigo. O Gregório, no entanto, fazia questão de subir o tom sempre que
eu estava por perto.
Era impossível não ficar puto com a situação, mas estava tentando
respirar devagar e mentalizar o meu mantra preferido. A imagem da minha
mão no meio da cara de cada um deles. Aquilo sempre me acalmava.
Estava saindo do bar pela lateral com uma bandeja cheia de drinks
quando alguém trombou em mim, derrubando todas as bebidas no meu
uniforme. Respirei fundo antes de levantar o olhar, repetindo para mim
mesmo que eu estava no meu ambiente de trabalho.
— Meu Deus, seu idiota! — Aquela voz me fez tremer de ódio.
E ali estava ela, tentando limpar a saída de praia branca que agora
tinha ficado totalmente rosa por causa do Cosmopolitan[7]. Já minha
camiseta ganhara a tonalidade azul devido ao outro drink.
— Você não olha por onde anda, porra? — Meu tom saiu agressivo,
porém baixo, porque eu não era estúpido.
— Srta. Albertelli, sentimos muito. — O gerente se aproximou,
desesperado, e me deu um rápido olhar de repreensão.
Ótimo, mais um esporro por conta daquela vaca.
— O Pedro deve ter se distraído e…
— Não me distraí — retruquei. — Ela apareceu do nada.
Roberval deu uma risadinha nervosa para a garota, que estava
espumando à nossa frente, os olhos pegando fogo. Seu olhar sempre se
performava do mesmo jeito quando se direcionava para mim.
— Pedro, vá buscar umas toalhas — ele ordenou e depois voltou a
adulá-la. — Fique tranquila, vamos levar para a lavanderia e sua saída
estará como nova em algumas horas…
Eu não continuei ali para ouvir o possível ataque que a patricinha
daria por ter uma roupa de marca manchada, uma que com certeza custava
mais do que meu salário inteiro. Deixei a bandeja em cima do balcão e fui
para o pequeno depósito em que guardávamos alguns itens.
Tirei minha camiseta polo e comecei a vasculhar o armário em busca
de algum uniforme perdido. Era padrão que a gerência deixasse algumas
peças de cada tamanho para imprevistos como esse, até porque os idiotas
não respeitavam regras.
Os babacas do condomínio sempre achavam que estavam acima de
qualquer norma. Foda-se a área comum, foda-se que não era permitido
entrar na piscina com copo de vidro ou até mesmo trepar nela durante a
madrugada e foda-se mais que tudo a lei do silêncio. Os filhinhos de papai
faziam o que queriam porque como um deles disse uma vez: “Foda-se, essa
multa é o preço do que eu gasto em um vinho quando vou jantar”.
Era de foder!
Alguns segundos depois, uma sombra pairou atrás de mim, ocultando
toda luz do espaço. Eu me virei e percebi que tinha sido tarde demais, nem
uma única palavra deixou os meus lábios.
Ela havia entrado praticamente como um furacão, fechando a porta
com força atrás de si.
— O que você…
— Puta que pariu! — Eu a ignorei, cruzando o pequeno cômodo e
passando por ela, tentando girar a maçaneta em vão. — Meu Deus, você
não cansa de fazer merda?
— O que eu fiz? — Um vinco se formou em sua testa e ela cruzou os
braços.
— A porta quebrou hoje pela manhã. Parabéns, estamos presos.
— Eu não tinha como saber!
— Você não precisaria saber se não ficasse no meu caminho. E teria
sido perfeito se parasse por um segundo de fazer compras no seu celular e
olhasse para a frente. Não estaríamos aqui.
— Eu não vi você e não estava…
Dei uma risada debochada. Claro que ela não tinha visto.
— Desculpa, esqueci que nós, funcionários, somos invisíveis pra
vocês.
— Meu Deus, qual o seu problema? — ela explodiu, balançando as
mãos ao lado do corpo, claramente irritada.
— No momento, meu problema é ter que lidar com pessoas como
você — retruquei da mesma forma.
— Pessoas como eu?
Era muita audácia...
Estava farto. Estava de saco cheio daqueles idiotas falarem comigo de
qualquer jeito, de me rebaixarem sempre que tinham a oportunidade.
— Sim, pessoas fúteis que não conseguem ver nada mais além dos
próprios umbigos — cuspi as palavras com raiva.
— Eu sou uma pessoa fútil? — Sua voz subiu para um tom estridente
e ela aproximou o rosto do meu, estreitando os olhos e tentando soar
intimidadora. — E você diz isso baseado em quê? Desde quando você me
conhece?
— Não preciso conhecer você para saber muito bem quem é.
— Você não sabe nada da minha vida, não sabe quem eu sou, seu
arrogante estúpido.
— Ah, seu status mudou desde que nos falamos da última vez?
Porque até onde eu me lembro, você continua sendo a patricinha mimada
que pede pra coar a porra da sua caipivodka porque não quer gominhos de
limão. Continua sendo a preconceituosa de merda que achou que eu tinha
furtado o relógio.
— Já disse que não vi nada. E é sério que está criticando o meu
pedido? Meu Deus, você é o pior funcionário desse clube! Eu nunca vi nada
igual.
Dei um passo à frente, chegando tão perto a ponto de não ver mais
nada ao meu redor além do castanho dos seus olhos. Era possível ouvir a
respiração ofegante farfalhando contra os meus lábios e o seu coração
retumbando na sua caixa torácica. A vibração de ódio que emanava dos
nossos corpos era como se a qualquer momento fosse acontecer uma
explosão iminente.
Meus lábios se curvaram em um sorriso desdenhoso.
— Está irritadinha porque eu não lambo o chão que você pisa como
os demais? Supera, princesa, porque eu me demito antes de me obrigarem a
fazer isso.
— Você não tem um pingo de respeito pelas pessoas e muito menos
educação. Ainda me espanta que esteja empregado, mas aposto que a
chantagem que fez é o que te mantém aqui.
— Eu não fiz chantagem alguma — afirmei, entredentes. — Foi o que
o pau no cu que você chama de namorado disse?
Ela piscou e não disse nada, confirmando o que eu imaginava.
— E é claro que você apenas balança a cabeça e acredita nele, como
se fosse uma cadela...
Eu me arrependi das palavras no momento em que deixaram minha
boca e elas foram acompanhadas de um tapa estalado no meu rosto. Ela
estava furiosa, o peito subindo e descendo sem parar e a respiração
desordenada. Fiquei totalmente sem reação, sentindo a ardência se alastrar
pela minha pele.
Nós continuamos nos encarando em um silêncio opressivo que
preenchia o ar entre nós. Aquele ódio mútuo se tornando cada vez mais
palpável.
— Nunca mais me chame assim — disse, por fim, a voz tão cortante
quanto o olhar.
Não precisei dizer nada. Não era um pedido e sim uma ordem e a
minha concordância foi tácita porque eu sabia que havia extrapolado o
limite.
Ela passou por mim, caminhou em direção a um dos armários e
começou a vasculhar algumas coisas. Seu corpo tremia como o de um
pinscher raivoso.
— O que está fazendo? — indaguei sem entender, mas ela me
respondeu com um vácuo eterno.
Arregalei os olhos quando ela veio na minha direção com um martelo
e uma chave de fenda na mão.
Fodeu, ela surtou e vai me matar. Não tinha nem um seguro de vida
para deixar para a Vó Dea. Puta que pariu, quem ia salvar o rabo do Pipo
toda vez que ele se metesse em alguma merda?
Pulei para o lado, saindo da sua frente quando percebi que ela não
pretendia me atingir. Que merda eu tinha na cabeça para ficar preocupado
com aquilo? Eu era faixa preta em jiu-jitsu e estava com medo de que uma
patricinha empalasse aquela porra no meu peito como se eu fosse um
vampiro?
Larissa se curvou sobre a porta, deu umas porradas e eu continuei
onde estava. Distância sempre é a melhor escolha perto de pessoas
claramente irritadas com objetos perfurantes na mão.
Então, alguns segundos depois, a porta se abriu, na mesma hora em
que minha boca fez o mesmo.
— Como...?
— Como eu disse, você não sabe nada sobre a minha vida —
respondeu, seca.
E saiu pela porta, deixando-me enraizado no chão, totalmente atônito.
Oh, irmão, nossa conexão é mais profunda que a tinta
Das tatuagens em nossa pele
Embora não compartilhemos o mesmo sangue
Você é meu irmão e eu te amo, essa é a verdade
:: BROTHER - KODALINE::

PEDRO QUEIROZ

Levantei para colocar minhas calças e observei a mulher linda e nua


deitada na cama, entre os lençóis, mexendo no celular. Luna era sensacional
e uma foda que eu adorava repetir. E se ela não fosse tão aversa a
relacionamentos, eu a pediria em namoro em um estalar de dedos.
Aquela garota era parceira pra caralho.
Eu dei um soco em um cara por causa dela quando nos conhecemos.
Estava na Praia da Reserva com Pipo e Luna conversava com uma
amiga no guarda-sol ao nosso lado. Um otário passou, soltou algum
comentário sobre o seu peso e eu vi as lágrimas acumularem no canto dos
seus olhos. Fiquei irritado porque ela parecia tão animada e confortável
dentro do seu biquíni vermelho de bolinhas e o babaca surgiu das
profundezas do inferno para acabar com a paz dela.
Que se foda! Fiquei puto e acertei a cara dele.
Porra, a Luna era linda! Já estava de olho nela desde que tinha
colocado meu pé na areia. Pipo também, mas no segundo em que ele seguiu
o meu olhar e abriu um sorrisão, eu dei um tapa em sua cabeça e avisei que
não.
Nós compartilhávamos os skates e bonés... Mulher? Nem fodendo.
— Sabe aquele grafiteiro que está espalhando capivaras pelo Rio? —
ela perguntou, chamando minha atenção.
Nos últimos meses, eventualmente, aparecia um grafite de capivara
em algum muro. Ninguém sabia quem era o cara, a gente o chamava de
CapiSplash, porque era sempre o mesmo animal com um splash colorido
atrás. Eram lugares aleatórios, sem um intervalo de tempo definido e as
capivaras sempre estavam fazendo algo diferente. Ora ouvindo música, ora
lendo, ora tomando açaí. Havia uma boa quantidade delas e se tornou uma
sensação carioca. Todo mundo comentava sobre qual seria o próximo
desenho e soube que até mesmo faziam bolões. Eu já tinha comentado
algumas vezes o quanto achava o traço dele foda e desde então, tinha feito
alguns desenhos do animal no meu caderno.
— Sim, você viu algo novo?
— Aham! Parece que ontem apareceu uma no Chico Mendes[8]
tomando água de coco — contou, entre as risadas.
— Que foda, os gêmeos vão se amarrar! Eles ficaram loucos nelas
também quando apareceu uma com uma prancha de surf — comentei,
lembrando de contar para nossos amigos Mike e Tello, que moravam no
prédio e eram surfistas.
— Vou aparecer no estúdio no final do mês — ela avisou.
— Vai finalmente me deixar fazer uma tatuagem nesses peitos lindos?
— indaguei, curvando-me sobre ela para dar um beijo em sua boca.
— Não, idiota! — Luna me deu um tapinha e riu, empurrando-me
para fora da cama. — Desenhe algo bonito para mim, ok?
— Pode deixar. — Terminei de vestir meu moletom, abri minha bolsa
e joguei para ela uma caixinha de chocolate importado que eu havia
ganhado de uma das dondocas do condomínio depois de ter limpado sua
piscina.
— Você precisa parar de tentar fazer com que eu me apaixone por
você, Pedro. Isso não vai rolar — ela advertiu, em um tom brincalhão.
— E ter meu coração esmagado? Não, obrigado. — Dei uma risada,
colocando o boné e caminhando em direção à porta. — A gente se fala!
Luna morava em um apartamento de um quarto perto do Mansões
Golf Club, então sempre que um de nós estava com vontade de uma foda,
eu ia para lá.
Demorei um pouco para chegar em casa, o ônibus estava lotado e
obviamente fui em pé. Quando desci no ponto e coloquei o skate nos pés,
sentindo a brisa gelada no rosto, a plenitude me atingiu em cheio.
Aquela sensação era única e libertadora. E eu poderia passar horas
andando feliz pelas ruas se as calçadas do Recreio fossem menos
esburacadas.
Fui direto para a pista do Pontal porque eram dezenove horas e Pipo
estaria por lá sem sombra de dúvidas. Aquele encrenqueirozinho fazia
merda, mas era super responsável com os treinos.
Estava me aproximando quando o vi se divertindo, realizando
algumas manobras em uma sequência de obstáculos.
— E aí, brother? — ele me cumprimentou quando me viu, pisando no
tail[9] do skate e empurrando-o para cima, para pegá-lo com uma das mãos.
— Tá cansadinho ou vai rodar hoje?
Revirei os olhos e preparei o drop[10] para entrar na pista. Ele
gargalhou, aumentou um pouco o som de Charlie Brown Jr. na caixinha e
começou a me mostrar algumas manobras que tinha aperfeiçoado.
E nós ficamos ali por quase uma hora até que eu pedisse arrego.
Estava exausto. O dia do trabalhador brasileiro com certeza tinha quarenta e
oito horas.
— Já? — ele zombou, sentando-se ao meu lado.
— Já? Vai tomar no cu, Pipo. Trabalhei que nem um filho da puta,
tomei um banho de Lagoa Azul, recebi um tapa na cara, trepei com a Luna e
ainda aguentei uma hora rodando. Quer me foder mais? Pelo menos me
chama pra jantar, caralho.
Sua boca se abriu e ele franziu o cenho, tentando absorver a
metralhadora de informações que eu tinha cuspido de uma só vez.
— Vamos por partes, Pepeu... Banho de Lagoa Azul? O drink?
Assenti com a cabeça e passei as mãos pelo rosto, cansado.
— E como assim você tomou um tapa na cara? — Um sorrisinho
safado se formou no seu rosto. — A Luna te deu um tapa na cara? Ela ainda
está ruiva?
O babaca do meu amigo era um Papa-Ruivas. Alguns meses atrás,
Luna tinha pintado o cabelo e ele ficou louco. Se uma mulher queria uma
chance com o Pipo era só meter um tonalizante no cabelo, sorrir para ele e
em um estalar de dedos, o emocionado arriava os quatro pneus[11].
— Mermão[12], esquece a Luna. Não foi ela e ela nunca ia querer
nada com você...
— Certeza que ela me quis aquele dia... — Ele deu de ombros.
— Quis tanto que está trepando comigo até hoje. Sou mais foda que
você, pirralho, aceita.
— Pirralho, mas pelo menos eu sei fazer um heelflip[13] sem cair.
Ele gargalhou, jogando o corpo para trás e eu levantei o dedo do meio
na sua direção, porque era óbvio que eu sabia fazer um heelflip.
— Se não foi a Luna, quem bateu nesse rostinho lindo? — implicou,
apertando minha bochecha.
— Aquela patricinha babaca do condomínio.
Seus olhos se arregalaram no mesmo instante, mas em seguida suas
expressões se fecharam, porque é claro que Felipe não imaginaria que eu
tinha feito merda. Sempre tentava ser um bom exemplo e quando
normalmente eu entrava em confusão, era por causa dele, por conta do seu
temperamento esquentadinho.
Pipo não gostava de levar desaforo para casa, mas quem segurava o
rojão era eu, porque ele não podia se envolver em confusão. Entrei em
muitas brigas por causa dele, em especial quando os moleques da pista
pegavam no seu pé. E eventualmente uns babaquinhas apareciam querendo
cantar de galo.
— Porra, ela fez isso de graça? Que filha...
— Eu mereci o tapa — logo me adiantei, abaixando o tom. —
Estávamos discutindo, fiquei puto e a chamei de cadela.
Seu queixo caiu ainda mais e ele parecia incrédulo agora.
— Mandou mal, hein?
— É, eu sei... Já estava puto porque um dos playboys que andam com
ela veio me perguntar se eu tinha droga.
— Padrão... — Ele deu uma risada fraca, balançando a cabeça em
uma negativa.
Porque ele entendia o significado daquilo. As pessoas sempre
esperavam que fôssemos errados. Os bandidinhos, os maconheiros, os
vagabundos... Meu irmão também sofria muito preconceito porque além de
ser pobre e morar no mesmo lugar que eu, tinha o corpo cheio de tatuagens.
Pipo era praticamente meu portfólio ambulante.
Roberval jamais o contrataria no clube, ele mesmo olhou de cara feia
para mim no dia em que fui fazer a entrevista e reparou no símbolo das
Relíquias da Morte, de Harry Potter, no meu antebraço. As outras três que
eu tinha ficavam cobertas pelo uniforme, mas eu sabia que se tivesse tantas
como Pipo, não teria conseguido o emprego. Ele já tinha feito alguns bicos
no condomínio, mas não gostava de como as pessoas o encaravam.
— Eu sei que você não gosta dessa garota, lembro que ela não se
manifestou no dia em que você foi acusado de furto, mas não vale a pena
passar do seu limite por conta desse tipo de gente — respondeu, sério. —
Você não é como eles.
Chegava a ser engraçado vê-lo me dando um “sermão” sobre passar
dos limites, quando era só isso o que ele fazia. Pipo estava certo,
entretanto...
— É, eu sei. Não vou deixar que ela tire a minha paz.
E repeti isso mentalmente antes do meu celular tocar. Eu coloquei o
aparelho no ouvido e soltei o ar, frustrado, quando a voz do meu chefe
ecoou do outro lado da linha.
— Pedro, boa noite. Preciso de você amanhã em um dos eventos
noturnos do clube.
— Amanhã?
— Sim, o Hélio não vai conseguir vir e estou trocando os turnos de
vocês.
Só avisa, né, filho da puta? Perguntar que é bom...
— Certo, Roberval. Evento do quê?
— Um evento dos Albertelli no salão principal. É algum tipo de
reunião com médicos e pessoas da área de saúde. Traga seu uniforme social
e esteja aqui antes das quatro horas. — E desligou.
Ótimo. Em menos de cinco segundos, ela já tinha tirado minha paz
novamente sem nem mesmo se esforçar.
Acho que eu fico mesmo diferente
Quando eu falo tudo o que penso realmente
Mostro a todo mundo que eu não sei quem sou
Eu uso as palavras de um perdedor
::PERDENDO DENTES - PATO FU::

LARISSA ALBERTELLI

Não tinha o menor saco para os eventos da minha família, mas Greg
amava cada um deles. Era a oportunidade que ele tinha de fazer ainda mais
contatos na área. Não era o ramo da sua família, mas meu namorado era
apaixonado por Medicina e tinha o sonho de gerir o hospital dos meus pais
comigo quando nos formássemos.
Sempre me pareceu um bom plano, mas eu nunca tive a mesma
empolgação que ele. Óbvio que gostava da possibilidade de ajudar as
pessoas e já tinha até mesmo dado ideias de alguns projetos para os meus
pais. Os dois amavam quando eu me envolvia e era por eles que eu fazia
tudo isso.
Eles sempre deixaram claro que desejavam que eu seguisse seus
passos. E como poderia ser diferente? Era o legado deles para mim.
— Kinha, abre a porra de um sorriso, todo mundo está olhando —
Gregório pediu disfarçadamente, acenando para um dos neurocirurgiões
presentes e segurando-me pela cintura.
— Estou meio exausta hoje.
— Você não fez nada o dia inteiro, está de férias. Pelo amor de Deus,
olha as oportunidades de ouro que você tem. Até o dono da DuploM[14] está
aqui. Já volto, preciso mijar e depois você me apresenta, ok?
Ele me deu um beijo no rosto e girei o corpo para observar enquanto
meu namorado se afastava. Passei os olhos pelo salão e notei o idiota que
tinha me chamado de cadela servindo taças de champanhe e dando seus
típicos sorrisos falsos para os convidados. As mulheres só faltavam se
derreter quando ele aparecia nos seus campos de visão.
Como ninguém percebia que ele era uma fraude?
Ninguém era tão simpático assim!
Lavínia apareceu na minha frente, dando-me um susto e fazendo com
que minha atenção se voltasse a algo realmente relevante. Por que estava
perdendo tempo analisando o comportamento de alguém tão canalha?
Peguei a taça de champanhe que estava em suas mãos e virei todo o
conteúdo sem que ninguém visse.
— Eita...
— Sede — expliquei quando ela arregalou um pouco os olhos pela
minha reação.
— Estou entediada! — Ela soltou o ar logo depois. — Nada de
divertido acontecendo por aqui.
Minha amiga só estava ali porque tinha sido um convite de Inácio
Albertelli, papai tinha o dom de convencer as pessoas. E sabia que tinha
feito isso porque o pai dela tinha a esperança de que Lavínia arrumasse um
bom partido.
Ela tinha uma relação bem complicada com seus pais.
— Meu Deus! O prefeito de Coroa do Sul[15] está aqui — comentou,
animada, vendo Leonardo Ortega[16] conversando com Marco Montes.
— Amiga, claro que ele está aqui. Caso você não se lembre, esse
evento tem como foco o hospital que vamos abrir lá — lembrei, dando uma
risada.
— Você foi uma burra por não ter aproveitado a chance que a vida te
deu. Podia ter esse gostoso ao invés do idiota do Gregório…
Dei uma risada. Eu tinha passado uma noite com Leonardo Ortega e
me arrisco a dizer que foi a melhor que tive em toda minha vida. Nós já nos
“conhecíamos” de algumas festas da alta sociedade, mas naquela noite,
demos um match no Tinder no meio do evento em que estávamos
acompanhando nossos pais.
Nós dois estávamos entediados, ligamos o aplicativo e acabamos
conversando realmente, coisa que nunca tínhamos feito. Ele me contou que
em breve seria candidato a prefeito e alguma coisa aleatória sobre o Tibet
que não me lembro porque só conseguia focar naquele par de olhos verdes.
Tomei um lindo chá de pica e na manhã seguinte o bonitinho fez um
café da manhã para mim e me pediu desculpas.
Eu fiquei meio estática, pensando: ele está se desculpando por me
comer?
Depois entendi que não, ele só explicou que tinha acabado de
terminar um namoro, que não tinha intenção de se envolver com ninguém.
Deixou claro que me achava uma garota legal e que não seria a pessoa certa
para mim naquele momento.
O cara que tinha me enforcado de noite estava preocupado com meu
bem-estar.
Eu até tentei argumentar, porque naquela manhã eu estava querendo
aceitar qualquer migalha daquele homem, mas ele enfatizou que iria focar
na sua campanha que começaria em alguns meses e eu entendi o recado.
— Pelo amor de Deus, ele é um homem de família agora… —
lembrei, percebendo que a primeira-dama não estava com ele.
Paula Braga, uma das mulheres mais sortudas do país.
— Ele podia ter sido o homem da sua família e... Jesus, você ainda
ficou com ele com aquele cabelo horroroso…
— Ficou com quem? — Greg apareceu atrás de nós com uma
carranca no rosto.
— Ai, Gregório, deixa de ser insuportável — Lavínia rolou os olhos e
bufou. — Ninguém te chamou aqui.
— Vi, você não tem nada melhor pra fazer não?
— Já falei mil vezes que pra você é Lavínia. Vi é para os amigos.
— Te conheço desde criança, idiota. Desde quando não sou seu
amigo?
— Isso não quer dizer nada. Enfim, você me cansa. — E saiu.
Lavínia também conhecia Gregório desde pequena, como eu disse,
nossos círculos eram bem fechados e as amizades não se expandiam muito
mais além deles. Quando minhas melhores amigas souberam sobre a
traição, tiveram uma briga gigante com ele e passaram a cortá-lo sempre.
Ana era mais maleável que a Vi, entretanto.
— De quem ela estava falando? — indagou, ainda com um vinco na
testa.
— Do prefeito. — Apontei Leonardo Ortega com a cabeça e ele
fechou ainda mais as expressões.
— Você já deu pra ele também?
Odiava o jeito de Gregório falar sobre minhas outras experiências,
como se fosse um absurdo que eu tivesse trepado com outros caras antes
dele. Era hipócrita e machista.
— Não era virgem quando começamos a namorar, Gregório.
— Infelizmente…
Um babaca. Queria que eu fosse virgem, mas continuava metendo o
pau em outras sempre que tinha a oportunidade.
Antes que pudéssemos falar mais alguma coisa, Leonardo percebeu
que estávamos olhando para ele. Coçou a cabeça, um pouco tímido, e se
aproximou com seu amigo.
— Ei, Larissa. Tudo bom? — Ele me cumprimentou com dois
beijinhos.
— Oi, Leo — respondi, um pouco nervosa pela proximidade.
A primeira-dama que me perdoasse, mas era difícil me manter neutra
tão perto de um homem de quase dois metros de altura, um que eu sabia do
que era capaz de fazer.
— Marco, boa noite — cumprimentei o homem loiro ao seu lado que
segurava um copo de uísque.
Também já tinha encontrado o dono da DuploM em um ou outro
evento dos meus pais, mas no geral ele não costumava comparecer.
— Gregório Valença. — Ele pigarreou, estendendo a mão para se
apresentar e puxando-me um pouco mais para perto dele. — Namorado da
Larissa.
— A primeira-dama não veio? — perguntei, olhando para os lados.
— Não, ela não estava se sentindo muito bem.
— Eu imagino, nesse período de…
— Preciso dizer que acho que esse projeto vai ser muito benéfico para
a cidade — Greg me interrompeu, desesperado para falar sobre o hospital.
— Sou médico residente, trabalho na unidade da Barra e apresentei várias
ideias para os pais da Lari.
— Sua namorada estava falando. — Marco Montes olhou de cara feia
para o meu namorado, franzindo o cenho.
— Sem problemas, estava jogando papo fora. — Dei um meio sorriso
e os dois olharam de mim para ele.
— Sim, o projeto vai ser ótimo para Coroa do Sul — Leonardo
começou a falar para mim. — E tenho certeza de que os Albertelli possuem
grandes planos para a unidade. Teremos uma reunião em breve... Inclusive
sobre um dos projetos que foi iniciativa sua, pelo que eu soube, Larissa.
Aquele que utiliza parte dos recursos para atender alguns pacientes do SUS.
Acho ótimo o que estão fazendo, focando nos tratamentos de câncer.
Senti meu rosto queimar e na mesma hora meu olhar cruzou com o do
Pedro, que praticamente se materializou com uma bandeja de taças de
champanhe à nossa frente. Ele sustentou o olhar de ódio habitual para mim
e respondi da mesma forma.
Gregório pegou uma das taças e sequer olhou para ele, que inclinou
minimamente a bandeja na minha direção. Eu queria virar mais uns seis
copos, mas já estava alta o suficiente e sabia que mais algumas doses iriam
me derrubar.
— Não, obrigada — respondi para ele e voltei a falar com o prefeito.
— Não é nada demais, realmente. Os tratamentos com câncer têm um valor
altíssimo e vamos focar neles.
Ouvi um ruído quase imperceptível ao meu lado.
Eu estava maluca ou o babaca fungou e saiu fazendo uma negativa
com a cabeça?
Não. Eu só podia estar paranoica.
— Eu tenho acompanhado… — Gregório começou a dizer, mas logo
Marco Montes o interrompeu:
— Só um segundo, Gregory. — Ele com certeza errou o nome de
propósito, porque falou cheio de desdém. — Ortega, me avise sobre essa
reunião, tenho certeza que podemos trabalhar em algo. — Depois se virou
para mim. — Nós fazemos muitas doações para os hospitais públicos de
Coroa do Sul e vou ficar feliz em auxiliar nesse projeto que você idealizou.
Ele enfatizou a palavra você e sorriu para mim.
Que homem lindo, meu Deus.
O seu celular tocou e ele se afastou um pouquinho.
— Eu reclamo que o Monge não atende ninguém e você fica
defendendo, bem feito e…
Um silêncio sepulcral havia se instalado na roda e foi impossível não
ouvir sua conversa. Leonardo soltou um “então”, querendo preencher o
espaço constrangedor e eu fiz o mesmo, sorrindo. Logo depois, Marco
pigarreou, assentiu com a cabeça e desligou o aparelho, voltando para onde
estávamos.
— Sua mulher está mandando você atender o seu maldito celular —
resmungou entredentes para o amigo e deu um sorrisinho sem graça para
nós, ajeitando o terno.
— Vocês nos dão licença? — O prefeito se virou para o meu
namorado, cheio de deboche e continuou: — É que quando minha mulher
fala, eu a escuto e faço o que ela manda. Nos falamos depois — avisou,
puxando o amigo, mas antes eu dei uma risadinha ouvindo o restante da
conversa entre os dois.
— Ela estava gritando comigo e por que infernos você nunca vê essa
porcaria? Pra mandar vídeo daquelas merdas de roedores filhos da puta
você tem tempo, não é?
— Que babacas…
— Babacas por quê?
— Achei os dois super mal-educados.
— Você me interrompeu duas vezes, até eles perceberam — lembrei.
Ele soltou o ar, claramente irritado e me puxou pelo braço até o lado
de fora do salão, perto da piscina. Não havia ninguém por ali porque já
estava fechado e era proibido frequentar aquela área quando estava
acontecendo algum evento.
— Está reclamando que eu te interrompi? — indagou, cheio de ironia,
soltando uma risada incrédula. — Óbvio, você estava praticamente se
jogando em cima do prefeito. Por Deus, Larissa, se dê ao respeito.
— Você não pode estar falando sério…
— Estou sim — respondeu, sério. — Depois conversamos sobre,
vamos voltar.
— Não vou voltar, vou pra casa.
Ele parou, me olhou como se estivesse ponderando alguma coisa e
depois ajeitou as abotoaduras do terno.
— Talvez seja melhor mesmo, acho que você já bebeu demais —
disse por fim.
— Sim, você sempre sabe mais sobre mim do que eu mesma —
murmurei e ele pareceu irritadiço.
— O que isso quer dizer, Larissa?
— Nada, querido. Apenas que você me conhece muito bem.
— Sabe que sim. Enfim, digo para os seus pais que você estava com
dor de cabeça, ok?
E nem seria mentira.
Assenti e ele se virou, voltando para o salão.
No mesmo instante, fui até o bar da piscina. Sabia muito bem o que
estava fazendo, então tirei um dos grampos do cabelo e destravei o cadeado
da adega, pegando uma garrafa de champanhe.
Foda-se, eu precisava de uma bebida e não ia voltar para a festa em
busca de álcool, correndo o risco de cruzar o caminho de um dos amigos
chatos dos meus pais ou do meu namorado.
Tirei meus sapatos, subi a barra do meu vestido até a coxa e me sentei
na borda da piscina com os pés dentro da água.
Dei um gole na bebida e finalmente pude respirar fundo, sentindo a
paz ecoar ao redor de mim mesma.
Sozinha. Eu sempre ficava bem quando ninguém estava por perto.
Que ela é toda imoral, de olhar já passo mal
O encaixe foi perfeito, a sintonia surreal
:: O JOGO VIROU – STRIKE ::

PEDRO QUEIROZ

Roberval pediu que eu fosse até o bar da piscina pegar um saca-rolhas


porque um dos outros garçons havia quebrado os dois da cozinha do salão
de festas. Eu ainda estava me perguntando como o idiota tinha feito isso.
Duas vezes!
No momento em que pisei do lado de fora, pisquei para ter certeza do
que estava vendo. Era uma cena bem incomum e definitivamente não havia
nada de elegante nela.
Larissa Albertelli sentada com os pés dentro da piscina, bebendo uma
garrafa de Veuve Clicquot[17] direto do gargalo.
Bem, ao menos a bebida tinha alguma “classe”.
— Você não pode beber dentro da piscina — avisei, nem tentando
esconder a falta de paciência na minha voz.
As pessoas estão certas ao dizer que o pobre não tem um único
minuto de paz. Eu poderia estar na minha casa desenhando a próxima
tatuagem do meu irmão, comendo minha garota ou até mesmo vendo uma
das novelas da minha avó, mas não. Eu estava aqui dando esporro em
patricinha mimada.
Sua cabeça girou na minha direção e ela me encarou com os olhos
estreitos, mas não me respondeu. Levou mais uma vez a garrafa até os
lábios, terminando todo o conteúdo restante como se estivesse me
desafiando. Depois a girou na mão, brincando.
Soltei o ar, cansado, e me aproximei ainda mais.
— Você não pode beber dentro da piscina e nem ficar com vidro por
perto — repeti. — Vai dar merda.
Seu corpo parecia relaxado e reparei que ela estava bem bêbada.
Certamente faria alguma cagada e se aquela garrafa quebrasse dentro da
piscina, meu chefe ia comer meu rabo.
— Garota, esse é o meu último aviso. Se continuar aí, vou te multar.
— Faz o que você quiser. — Ela deu de ombros, deixou a garrafa de
lado e seu olhar se perdeu no horizonte.
Sempre assim, sempre com o foda-se ligado. Ricos nunca respeitavam
as regras, jogavam dinheiro fora apenas porque queriam fazer o que bem
entendiam. Não adiantava penalizá-los com algo que não faria diferença
alguma em suas vidas.
Girei nos calcanhares com a intenção de ir embora. Cheguei até a dar
alguns passos, mas desisti no meio do caminho. Se ela quebrasse a garrafa
dentro da piscina, seria uma merda do caralho. Não, eu não iria deixar que
ela fizesse o que bem entendesse.
— Você também não pode ficar aqui essa hora — continuei a falar,
dando meia-volta e parando atrás dela.
— Não me importo.
— Não me interessa se não se importa — retruquei de forma
grosseira, completamente irritado. — Além de te multar, vou chamar um
dos seguranças do evento dos seus pais.
Ela se levantou em um impulso e tudo aconteceu rápido demais.
Larissa pisou em falso, torceu o pé e derrubou a garrafa no chão, fazendo-a
rolar para o lado. Em um movimento de reflexo, eu a puxei pelo pulso antes
que ela pudesse cair dentro da piscina e seu corpo colidiu com o meu.
Nem percebi que meu braço livre se enredou na sua cintura, mas notei
que ela prendeu o ar, um pouco sem reação pelo impacto. Logo em seguida,
os lábios entreabertos soltaram uma respiração que fez cócegas na minha
boca e toda minha atenção foi direcionada para eles.
Não sei dizer quantos segundos se passaram, mas a impressão que
tive foi de que o mundo havia pausado ao nosso redor e apenas a ação da
sua língua umedecendo os lábios fazia parte da realidade.
Ela tinha uma boca grossa e perfeita.
O seu coração batia forte contra o meu peito. Levantei os olhos para
encontrar os seus, a confusão refletida em sua pupila dilatada.
Caralho, não era possível que eu estivesse assim, nitidamente
hipnotizado naquela garota tão fútil. Eu a soltei quando percebi que
estávamos presos em uma espécie de bolha silente e constrangedora.
Que diabos eu estava fazendo?
— Doida pra fazer merda, né? — bufei, pegando a garrafa no chão.
— Se eu não estivesse aqui...
— Eu não estaria ouvindo essa sua voz irritante e minha vida seria
muito melhor — retrucou de forma insolente. — Estou indo. Tenha uma
péssima noite.
I-N-S-U-P-O-R-T-Á-V-E-L.
Ela se agitou e inclinou para pegar os saltos, quase se desequilibrando
mais uma vez. Depois, começou a marchar praticamente em zigue-zague
em direção ao portão que dava acesso à piscina e desviou de uma cadeira
milímetros antes de quase derrubá-la.
Passei as duas mãos no rosto, arrependido do que eu tinha decidido
fazer.
— Vou com você até sua casa — avisei, alcançando-a.
— Você vai o quê?
A herdeira dos Albertelli parou, deu uma risada como se eu tivesse
dito algo divertido e arqueou uma das sobrancelhas. Em seguida, suas
expressões se transformaram em um misto de desdém com aborrecimento.
— Fica tranquilo, a cadela sabe o caminho de volta para casa. Não
preciso de você — afirmou, afastando-se.
As palavras ricochetearam em mim de novo, acertando-me como o
tapa que ela tinha me dado e fazendo com que eu lembrasse mais uma vez
da merda que eu tinha dito.
— Você quase caiu na piscina, estava até levando as cadeiras com
você durante seu trajeto e está fazendo um péssimo trabalho tentando andar
em uma linha reta. Estou apenas querendo ajudar.
Ela parou novamente e cerrou os olhos para mim, como se estivesse
me analisando, desconfiada.
— Você ameaçou me multar, me expulsou da piscina e acha que caio
nesse papo de que quer me ajudar?
— Não foi uma ameaça, eu vou mesmo te multar — avisei, dando
uma risada.
— Você é um babaca.
Ela rolou os olhos e saiu pisando firme, parecendo uma criança
mimada. Por mais que eu odiasse aquela insuportável, sabia bem os tipos de
homens que moravam naquele condomínio. Nós, funcionários,
normalmente éramos invisíveis para os ricos e acabávamos ouvindo muitas
coisas que eles diziam.
E porra, eu já tinha ouvido merda pra caralho a ponto de saber que os
próprios caras que ela chamava de “amigos” não eram de confiança.
A cada vez que Larissa olhava para trás e percebia que eu continuava
acompanhando-a com alguns metros de distância, soltava um ruído de
frustração. Mesmo que eu estivesse sendo “babá da patricinha”, estava me
divertindo por vê-la irritada.
— É sério que vai continuar me seguindo? — ela resmungou, parando
de andar e mexendo os braços na frente do corpo. — Eu não quero você
perto de mim!
— E eu não faço o que você manda.
— Vou chamar a segurança do condomínio — ameaçou.
— E mentir mais uma vez? — indaguei, com raiva, aproximando-me
um pouco mais, porque eu sabia que não podia gritar. — Além de me
acusar de furto e de fazer chantagem, vai dizer o quê? Que eu fiz algo com
você? É isso que acha que eu quero fazer?
— Não te conheço, só sei que é um babaca e que odeia pessoas que
tem uma situação de vida melhor do que a sua, sabe-se lá por qual motivo
e...
Era muito atrevimento e prepotência insinuar que a vida dela era
melhor do que a minha porque ela tinha dinheiro. E mais absurdo ainda que
achasse que eu apresentava algum risco simplesmente por conta disso.
Dei um passo à frente, furioso. Quem ela pensava que era?
— E porque eu sou pobre e moro em uma comunidade eu iria querer
fazer algo com você? Acha que estou te acompanhando até sua casa porque
quero te forçar a fazer algo? — Uma risada de escárnio escapou, mas eu
estava tremendo de ódio. — Deixa eu te dizer uma coisa... Não sou a porra
de um estuprador, diferente dos seus amigos. Não tenho nem vontade de
chegar perto de você. Ainda que eu tivesse todo o dinheiro do mundo,
mesmo que você implorasse pra que eu te fodesse ou fosse a última mulher
existente... Jamais ficaria com uma pessoa tão desprezível.
Estava espumando de ódio, cuspindo as palavras sem nem conseguir
respirar. Odiava todos os pré-conceitos e as suposições horríveis que
sempre faziam de mim. Aquelas pessoas eram nojentas.
Nem percebi as luzes baixas do farol do carro que se aproximava,
completamente cego pela raiva.
— Boa noite, galera... — A voz de Heitor ecoou ao meu lado, seguida
por uma risada um pouco sem graça.
— Oi, Heitor — ela respondeu sem muita vontade.
— Fala aí, cara? — eu o cumprimentei, batendo em sua mão. — Vim
acompanhar sua amiga em casa porque ela estava trocando as pernas.
— É, Lari? — Ele gargalhou. — E cadê o Gregório?
— Estou ótima. Gregório está no evento dos meus pais. Boa noite...
— Ela já tinha se virado para ir embora, mas girou a cabeça e me fuzilou
com os olhos. — Ah, e Heitor, você não deveria andar em péssimas
companhias.
Ele riu novamente.
— Entra aí no carro, Pedrão. Vamos acompanhando a Lari até lá em
casa. — E abriu a porta do carona.
— Odeio essa garota.
— Quem daqui você não odeia?
— Você... E o Pato.
Heitor jogou a cabeça para trás, explodindo em gargalhadas.
Conheci Heitor Franco em um projeto social da comunidade (eu dava
aula de luta para crianças nas minhas folgas) e digo com convicção que ele
era a única pessoa rica que prestava, ainda que seus amigos fossem tão
nojentos quanto um saco de lixo.
Uma chuva inundou o Rio de Janeiro, fodeu o teto da academia e nós
ficamos sem local para treinar. Ele surgiu pela porta e logo pensei: “Ótimo,
o salvador rico apareceu com um lugar para que pudéssemos praticar
durante aquela semana”. Até mesmo fretou um ônibus para levá-los até o
seu condomínio na Barra da Tijuca.
Não fui com a cara dele no início.
Primeiro, porque eu sabia que era o dono de uma das boates mais
elitizadas do Rio de Janeiro, a Dräieck. Como um cara com seus vinte e
poucos anos tinha uma casa noturna sem querer ficar ostentando?
Segundo, porque ele chegou na academia do condomínio com um
macaco-prego pendurado no ombro e eu só conseguia pensar o quanto era
ridículo um riquinho insuportável andar por aí carregando um animal
silvestre como se fosse um palhaço de circo.
Então ele me contou que o macaquinho se chamava Pato e que ele
não era legalizado. O arrombadinho começou a aparecer dentro da casa
dele, zonear a porra toda e como se não bastasse, escolheu um dos quartos
para ser seu.
O macaco decidiu “morar” na casa dele e simplesmente não
desgrudava do Heitor. Naquele dia, lembro que o animal pulou no meu
ombro assim que me viu e começou a mexer no escapulário que eu tinha no
pescoço. Ele me abraçou também e em menos de um minuto, o Pato ganhou
o meu coração.
Descobri também que todos o conheciam pelo condomínio e o animal
andava para cima e para baixo, tocando o zaralho. E eu achei ótimo que ele
aprontasse algumas merdas e fodesse com a paz dos playboyzinhos e
patricinhas.
Convivendo naquele meio, percebi que existe uma diferença entre os
ricos. Na verdade, existe mais de uma, mas Heitor não era como a grande
maioria dos que moravam ali especificamente. Os pais dele ganharam muito
dinheiro quando ele ainda era novo, então ele tinha um pouco mais de
consciência de mundo. E conforme fui conhecendo Heitor, minhas
percepções mudaram pela primeira vez.
Foi ele quem me arrumou o emprego no Mansões Golf Club. No
início, eu não queria aceitar trabalhar dentro de um condomínio tão chique
que tinha um campo de golf, uma pista de skate e um lago!
Ainda que eu não quisesse contato com ricos, por mais que tivesse
prometido para mim mesmo que não chegaria perto daquela gente, acabei
aceitando o trabalho. Sabia que os babacas davam boas gorjetas por te
tratarem que nem merda boiando no esgoto.
No momento em que ele sugeriu o cargo, percebi que não havia
alternativa para mim. Necessitava comprar um equipamento melhor de
tatuagem e precisava juntar dinheiro para alugar um espaço só meu em um
futuro próximo.
O meu maior sonho era abrir um estúdio. E coloquei na minha cabeça
que eu iria conseguir. Mesmo que isso significasse ter que conviver com os
piores espécimes de seres humanos.
Olha, se você tivesse uma chance
Ou uma oportunidade
para ter tudo o que você sempre quis
... um momento
Você pegaria, ou deixaria escapar?
:: LOSE YOURSELF - EMINEM ::

PEDRO QUEIROZ

— Cara, eu ia te procurar logo pela manhã, acho que é o destino


termos nos encontrado hoje — Heitor comentou, encostando no banco logo
depois que a patricinha entrou em casa.
— Destino? — Dei uma risada.
— Claro! Preciso falar com você. Tem um tempinho?
— Estou trabalhando. Já vou tomar uma comida de rabo por ter
deixado meu posto pra acompanhar a mal-agradecida até em casa. — Fitei a
porta da casa à nossa frente com raiva.
Aquela garota me tirava do sério de um jeito ridículo. A impressão
que eu tinha era de que sempre que ela estava por perto toda minha
racionalidade se extinguia e me sugava para um furacão devastador dentro
de mim mesmo. Um efeito que me prendia em uma frequência disrítmica.
— A Lari é gente boa, Pedro. Dá outra chance!
— Sem chance.
Ele deu uma risada e levantou as mãos em um sinal de rendição. Nós
já havíamos conversado bastante depois do ocorrido com o relógio e ele
entendia a forma como me sentia, mas frisou que a Larissa não era babaca
como o Gregório.
Coitado. Iludido por conta de uma amizade que eles tiveram no
passado...
Os dois foram bem próximos quando mais novos, mas acabaram se
afastando, principalmente quando ela começou a namorar o Príncipe
Fúnebre (era como ele vez ou outra chamava o herdeiro da funerária).
— Preciso voltar pro trabalho, cara — lembrei, fugindo dos meus
pensamentos. — Nos falamos amanhã?
— Calma aí, porra. — Heitor colocou uma das mãos entre nós e
pegou o celular, deslizando o dedo para procurar algum contato em sua
lista. — Oi, Rob. Boa noite, tudo bem?
Ele fez uma pausa e revirou os olhos para mim, fazendo com que eu
abafasse uma risada. Heitor achava o meu chefe um pé no saco, assim como
qualquer outro ser humano, mas o Roberval tinha uma queda por ele e é
claro que Heitor sabia e se aproveitava disso, chamando-o até mesmo de
Rob.
— Tudo ótimo também... Olha, o Pedro foi ao banheiro e eu o
sequestrei rapidão porque precisei da ajuda dele com um probleminha aqui
em casa. — Mais uma pausa e ele sorriu para mim em cumplicidade pela
sua mentira. — Não, que isso, você é gerente... Precisa coordenar toda uma
equipe. Prometo que não vou alugá-lo por muito tempo. Sim, claro.
E desligou.
— Ele come na sua mão, você sabe disso, não é?
— Ninguém resiste a Heitor Franco.
Soltei uma risada alta no minuto em que ele abriu um sorriso
vitorioso para mim.
— Então, você sabe que minha irmã está morando nos Estados
Unidos, certo? Te contei isso? Eu devo ter contado... — começou a cuspir
as informações de maneira ansiosa, parecendo um pouco pensativo a cada
frase. — Enfim, a idiota caiu no último degrau da escada do shopping
quando foi jogar boliche e quebrou o tornozelo. Nossos pais como sempre
estão fazendo um curso na Europa e não vão conseguir ficar com ela. E por
isso, preciso ficar um tempo de enfermeiro até que eles possam voar pra lá.
— Que merda, ela está bem?
— Não muito, ela não pode encostar o pé no chão e está tendo
algumas dificuldades. Então estou partindo pra lá amanhã e tenho uma
proposta perfeita para você. — E abriu um sorrisinho.
— Lá vem...
— Você sabe que o Pato odeia a Lúcia que trabalha aqui em casa,
certo? Ele não dá paz para a pobre coitada e isso até me fez reduzir os dias
que ela vem.
Gargalhei, já tinha ouvido suas reclamações sobre o macaquinho que
odiava a diarista dos Franco. Pato era muito temperamental e
constantemente cagava nos retrovisores de alguns moradores que não
gostavam dele, mas eu achava isso o máximo e por mim ele cagaria em
todos os restantes.
Será que se eu ensinasse, ele faria isso no Mini Cooper[18] da Larissa
Albertelli?
O Pato era uma figura, mas Pipo o odiava, sem nenhum motivo
aparente. Quer dizer, o fato de ele tentar roubar o boné dele algumas vezes
não era uma razão lógica.
Patético.
Além disso, meu melhor amigo tinha cismado que o macaco ficava
mostrando os dentes para ele e tinha uma implicância ridícula com o
bichinho. Eu sempre argumentava que Pato estava sorrindo, mas Felipe
batia o pé e contestava que não, que ele era um macaco do mal.
— Eu não tenho como pedir para ela ficar aqui em casa tanto tempo e
não dá pra deixar o Pato sozinho. — Sua voz caiu um tom para algo que
beirou o drama. — Meu sócio já pulou fora, ele não tem paciência alguma
com animais e você sabe como o Pato é mimado.
Sim, o Pato era extremamente mimado. Eu ficava chocado e sem
entender como um animal silvestre gostava tanto de uma boa vida.
— Além disso, minha arquiteta vai precisar passar aqui para tirar as
medidas do escritório que vamos reformar e o paisagista do jardim está no
meio do projeto... — Ele fez uma expressão quase como a do Gatinho do
Shrek[19]. — Pensei em uma solução perfeita. Você já trabalha aqui mesmo,
o Pato te ama e é uma pessoa da minha confiança. Por que você não fica
esse mês morando aqui, até eu voltar?
— Morando aqui? — Minha voz saiu estridente e até mesmo
engasguei com minha saliva.
— Sim, eu ficaria muito mais tranquilo de saber que tem alguém
cuidando de tudo.
— Meu trabalho é aqui, Heitor. Não acho que deveria misturar as
coisas, eu estaria quase vivendo como um morador e…
— Não teria problema algum. Vou deixar avisado para o Roberval.
Tem diversos funcionários que moram nas casas dos patrões aqui do
condomínio, você sabe disso. Além do mais, é algo temporário. E vamos
combinar, seria muito melhor pra você... Sem pegar transporte todo dia... —
comentou, tentando soar convincente, apresentando o lado bom daquele
absurdo.
— Eu tenho uma casa, tem a minha avó e meu irmão. Os meus
clientes do estúdio, a aula que dou semanalmente... Ah, e o Felipe está
treinando para um campeonato e em alguns dias estou ajudando lá na pista
de skate do Pontal… — comecei a me justificar, querendo fugir.
Eu já não aguentava trabalhar naquele lugar, imagina dormir e
acordar ali? Bem na frente da casa da Patricinha da Barra mais insuportável
já nascida?
— O Felipe está mais do que convidado para vir treinar aqui. A pista
do condomínio é muito melhor do que a do Pontal, convenhamos... Tenho
certeza que ele vai topar. E você pode visitar a dona Dea e fazer qualquer
outra coisa que quiser, oras.
— Eu não acho que…
— Você estava procurando um estúdio, não estava? — Agora ele
estava me olhando com um sorriso maléfico no rosto, um que eu aposto que
o diabo usava para tentar as pessoas a cometer os pecados. — Tenho uma
loja disponível. Se ficar aqui em casa esse tempo cuidando de tudo pra
mim, os seis primeiros meses de aluguel são por minha conta.
Puta que pariu.
— Você… — Não consegui terminar minha frase, completamente
atordoado pelas palavras que saíram da sua boca. — Como assim?
— É um imóvel que eu alugava ali perto do Barra Shopping. O
locatário saiu no mês passado e acho que seria perfeito pra você.
Pisquei, ainda incrédulo. Heitor sabia do meu sonho e já tinha feito
duas tatuagens comigo há uns dois meses. Quando eu contei sobre minha
outra profissão, logo quando nos conhecemos, acho que ele não levou muita
fé, mas então conheceu o Pipo e ficou alucinado com os desenhos.
Demorou bastante tempo para que ele tivesse coragem de enfrentar a
agulha, porque Heitor era cagão. E depois disso, gostou tanto que me
indicou para outros clientes.
— Você está mesmo falando sério?
— Claro, onde eu assino? — Ele deu uma risada
— Não sei se conseguiria bancar um aluguel…
— A gente vê isso depois, Pedro. Você vai gostar de ficar aqui, tenho
certeza. Pode usar o tempo livre pra fazer mais alguns desenhos… Tenho
uma amiga que curtiu bastante minha tatuagem e disse que vai entrar em
contato com você para fechar o braço.
— Mesmo?
— Sim, cara! Você é pica! Ah, e se quiser trazer uma garota… —
comentou, cheio de insinuações.
— Eu não traria nenhuma garota pra sua casa, Heitor. — Revirei os
olhos.
— Se mudar de ideia, está liberado. — Deu de ombros e logo depois
me encarou, esperançoso. — Isso quer dizer que você topa?
Confesso que não queria aceitar, já achava difícil demais lidar com os
moradores pelo tempo em que cumpria meu turno no clube. Sabia que os
babacas do condomínio soltariam piadinhas sobre eu estar vivendo entre
eles e queria muito não ficar mais irritado do que o de costume.
Precisava de um estúdio, entretanto. Minha clientela estava
começando a aumentar e se eu tivesse o meu espaço, isso me daria mais
credibilidade e rentabilidade. Além do que, não seria necessário pagar
nenhuma porcentagem para o dono do lugar em que eu alugava a cadeira
atualmente.
Eu tinha aceitado aquele emprego no clube com um objetivo. Seria
estupidez deixar uma oportunidade daquelas passar. E “burro”
definitivamente não era uma das minhas características.
Respirei fundo, ainda sem acreditar que iria aceitar morar dentro do
ninho das cobras por semanas.
— Certo, Heitor. Eu topo.
— Boa, garoto! O meu voo é amanhã à noite. Vou deixar tudo
ajeitado pra você por aqui. Pode ficar no quarto que era da minha irmã, ele
está reformado e é bem mais confortável que o de hóspedes.
Logo depois, desatou a falar um pouco mais sobre pedir para a Lúcia
arrumar a casa nos dias que eu estivesse lá e avisou que diria para ela fazer
comida para mim. Perdi um bom tempo tentando argumentar, em vão. No
final, ele comunicou que ela viria sim duas vezes na semana no horário em
que eu estivesse trabalhando no clube.
Meu Deus, no que eu estava me metendo?

Voltei para casa exausto depois de um interrogatório de Roberval


sobre o que eu estava fazendo na casa dos Franco. No início, achei que ele
só estava curioso, mas depois precisei segurar as risadas quando ele
começou a me dar um sermão sobre relacionamentos com os moradores,
frisando diversas vezes que aquele ato era extremamente proibido.
Não sabia se o idiota estava dizendo isso para mim ou para si mesmo,
mas deixei claro que eu era hétero, mesmo que Heitor fosse um partidão.
Meu amigo era um cara bonito e era entendível que meu chefe tivesse
interesse nele. Se eu gostasse de homem, acho que teria também. Heitor
tinha descendência japonesa por parte da sua mãe e chamava bastante
atenção das pessoas quando chegava em qualquer lugar, exibindo seu
sorriso largo e cabelos pretos lisos.
Deixei minha mochila em casa e vi uma mensagem de Pipo no meu
celular dizendo que tinha janta pronta. Cruzei o pequeno corredor que
separava os dois apartamentos e abri a porta, feliz com o cheiro da comida
caseira de Dona Dea.
— Boa noite, vó. — Dei um beijo no topo da cabeça da senhora que
era a pessoa que ocupava a metade do meu coração.
Dona Dea era uma mulher robusta, de cabelos grisalhos e curtinhos.
Seus olhos eram os mais bondosos que eu já tinha visto, mas traziam
consigo uma pitada de tristeza pelas mazelas da vida.
Ela estava sentada na sua poltrona desgastada de couro, vendo alguma
reprise de uma novela aleatória da Globo e na mesma hora colocou a mão
no peito, respirando aliviada. Joguei o meu corpo no sofá ao lado e passei
as mãos pelo rosto, finalmente relaxando.
— Graças a Deus você chegou. Já estava rezando pra Nossa Senhora.
Odeio quando fica na rua até tarde.
— Não tive muita escolha. Estava em um evento de rico e meu
maxilar está até doendo de tantos sorrisos falsos — contei e ela deu uma
risada.
— Fiz empadão de frango do jeito que gosta, deixei um pratinho para
você no micro-ondas.
— Eu já disse que te amo hoje? — indaguei, levantando e me jogando
em cima dela, enchendo-a de beijos.
Ela gargalhou.
— Sou a melhor avó do mundo, eu sei que você me ama!
— Eu amo e amo mais quando você faz meu empadão preferido. Vou
esquentar.
Levantei e fui até a cozinha, colocando o prato de comida para
aquecer no aparelho. Enquanto esperava o tempo, coloquei a cabeça em
direção à sala e perguntei:
— Cadê o Pipo?
— Jogando videogame no quarto — resmungou em voz alta. — Passa
o dia todo em cima desse skate e chega aqui em casa e vai jogar jogo de
skate. Haja paciência! Aproveita e vai pro quarto dele porque estou vendo
minha novela.
Peguei meu prato quando o alarme do micro-ondas apitou, deixei na
mesa e dei umas batidas no quarto do pirralho, seguido por um berro para
que ele viesse para a sala. Eu sempre batia na porta do Pipo, não queria
correr o risco de presenciar mais uma vez a cena dele tocando punheta por
causa de alguma ruiva.
— Eu estou vendo minha novela! — ela disse para o corredor.
— Aguenta aí, preciso falar com vocês dois — expliquei, voltando
para a mesa e me sentando para começar a comer.
— Logo na hora em que o Said[20] vai encontrar a Jade?
— Você não cansa de ver essa novela? E é só pausar, vó!
— Qual foi? — Pipo apareceu na sala e se sentou na mesa comigo. —
Chegou tarde pra caralho, hein?
— Olha a boca, Pipo!
— Foi mal, vó.
— Estou exausto — falei, enfiando um pedaço grande de empadão na
boca. — Puta que pariu, isso tá muito bom.
— Estaria melhor sem milho.
— Pepeu adora milho — ela se justificou, finalmente pausando a
novela e vindo até a mesa para se sentar conosco.
— E eu odeio — respondeu, incrédulo.
— Você pode tirar. A mão vai cair?
— E ele pode muito bem comer com uma lata do lado, não pode?
Ele bufou e eu dei uma risada. Era sempre assim, nós sempre
brigávamos pelo preparo do empadão. Pipo odiava milho e eu odiava
azeitona, aquela merda que pegava gosto em tudo.
Continuei comendo e contando para os dois a proposta que Heitor
tinha feito. A boca de Felipe ia abrindo conforme eu explicava e ele deu um
soco na mesa em comemoração quando eu disse que ele o chamou para
treinar na pista do condomínio.
— Você vai aceitar, não vai? Por favor, diz que sim. Aquela pista é
muito boa, sabe que sou louco para rodar nela.
— Não sei se isso é uma boa ideia... — Vovó Dea parecia cabreira. —
Você vai ficar morando no local em que trabalha? Já basta aqueles
moradores idiotas que te acusaram...
— Eu não ia aceitar de jeito nenhum, mas...
— Você não faria isso por mim? Que péssimo. — Pipo colocou a mão
no peito, fingindo estar magoado e eu o olhei de cara feia.
Cara de pau do caralho, eu fazia tudo por ele.
— Não queria mesmo aceitar, mas ele me ofereceu seis meses de
aluguel em uma loja que ele tem perto do Barra Shopping.
— Meu Deus! — Ela levou as duas mãos até a boca e meu melhor
amigo fez o mesmo, em choque.
— Você vai abrir seu estúdio, porra! — Pipo se levantou tão rápido
que a cadeira caiu no chão, fazendo um estrondo e ele correu para me
abraçar.
Eu o abracei com força e permaneci assim por alguns segundos,
segurando as lágrimas. Meu irmão de vida era a pessoa que mais torcia por
mim, que estava ao meu lado para absolutamente tudo. Felipe foi quem
mais me incentivou a ir atrás dos meus sonhos, ele literalmente me deu sua
pele para isso.
Quando nos afastamos, percebi que aquela senhora que havia me
adotado como neto estava com os olhos marejados. Ela caminhou até onde
eu estava e me envolveu em um abraço, chorando um pouco no meu peito.
— Você merece tudo isso. — Ela passou uma das mãos no meu rosto
e depois alcançou a mão livre no rosto do Felipe. — Sua hora também vai
chegar, meu amor. Tenho muito orgulho de vocês dois e do quanto são
esforçados.
— Brigado, vó — respondemos em uníssono e demos uma risada
logo em seguida, porque isso sempre acontecia.
— E esse menino é bom, não é, meu filho? — comentou, referindo-se
ao Heitor. — Gosto muito dele.
E ele era. Heitor Franco havia mudado minha vida e seria responsável
por tudo o que viria a seguir.
Então vai se fuder
Você e o seu rostinho lindo
Volta e vai viver
Com todos seus amigos ricos
:: JÃO – VSF ::

LARISSA ALBERTELLI

Estava fazendo uns rabiscos no meu caderno no momento em que


olhei para minha janela, um pouco distraída.
Franzi o cenho e cerrei os olhos quando algo me chamou atenção
através das cortinas. Havia uma movimentação estranha no quarto de
hóspedes da casa ao lado. Notei uma figura alta, vestindo uma roupa preta,
mas foi só o que consegui ver diante do breu que preenchia o cômodo. A
luz da lanterna iluminava o armário como se ele estivesse buscando alguma
coisa e automaticamente meu coração começou a bater mais rápido.
Meu deus! Tinha um assaltante na casa do Heitor.
Gregório comentou que uma semana atrás, outra casa de um dos
condomínios da Barra tinha sido invadida pela gangue chamada Anéis de
Safira[21]. Eles estavam por todos os jornais nos últimos meses, causando
um caos no Rio de Janeiro. Os membros da quadrilha descobriam quando as
pessoas estavam viajando e invadiam as casas de forma sorrateira. Os
malditos tinham até mesmo acesso às informações da segurança dos
condomínios.
E agora tinham chegado aqui!
Apaguei as luzes, sentindo minhas mãos tremendo conforme digitava
o número 190. Tentei manter a calma ao passar os dados para o atendente,
explicando o que estava acontecendo, quase em um sussurro para não ser
ouvida.
Desliguei o telefone em um movimento repentino, buscando o
silêncio completo no meu quarto. Piscava sem parar e era capaz de ouvir
minha cabeça latejando. Não conseguia me mover, estava enraizada no
chão, vendo a frustração do homem em buscar por algo que claramente não
conseguia encontrar.
Aquele cenário era diferente para mim, mesmo que eu gostasse de me
colocar em situações complicadas.
Precisava sair dali antes que ele pudesse perceber minha presença. E
se minha casa fosse a próxima? Meu Deus, eu estava sozinha e não tinha
ideia de quantos assaltantes tinha ali. Respirei fundo, tentando racionalizar,
porque eu precisava ser rápida. Peguei um dos meus canivetes embaixo do
meu colchão, calcei minhas pantufas e desci as escadas correndo.
Passei pela entrada da minha casa e me esgueirei para dentro do carro,
quase me jogando no chão quando vi uma sombra passar pela janela da
cozinha. No momento em que fechei a porta e as travei, percebi que estava
prendendo o ar por bastante tempo.
Liguei o carro o dirigi até a portaria do condomínio, ainda notando
que minhas mãos estavam trêmulas. Aquela onda anestesiante que
misturava vários sentimentos simultâneos que se alastravam por cada
célula. Desespero, medo, alívio e um toque de adrenalina alucinante. Uma
sensação comum para mim e uma resposta natural do meu corpo.
Encostei ao lado da guarita e liguei para o meu pai para descobrir se
ele e minha mãe ainda estavam no hospital. Aparentemente, os dois tinham
uma cirurgia e chegariam apenas no dia seguinte pela manhã, então retive a
informação do que estava acontecendo porque não queria preocupá-los à
toa.
Desci do veículo e antes que eu conseguisse avisar para a segurança,
o carro da polícia embicou na chancela.
Tássio, um dos porteiros noturnos do Mansões Golf Club, olhou para
mim receoso e percebi nitidamente o medo tomando conta das suas feições.
Não era muito comum que a Polícia aparecesse por aqui e quando isso
acontecia era a Federal prendendo algum figurão.
— Recebemos uma denúncia e…
— Fui eu! — falei rápido, estendendo minha mão no ar. — Invadiram
a casa de um dos meus vizinhos.
O Tássio permanecia em choque, olhando sem parar para os fuzis dos
PMs encostados na janela do carro. Não demorou nem mesmo três minutos
para que os dois seguranças viessem até a guarita para escoltar a polícia até
a residência.
— Você tem certeza, senhorita Albertelli? — um deles perguntou. —
Porque até onde sabemos…
— Tenho certeza do que eu vi! — respondi um pouco irritada por eles
estarem questionando o que eu tinha presenciado. — A casa estava
totalmente apagada e alguém estava fuçando os armários com uma lanterna!
Eles se entreolharam em cumplicidade e fizeram um sinal de positivo
para os policiais. Entrei no meu carro para segui-los até a casa do Heitor,
estaria de camarote para ver aquela gangue idiota indo para trás das grades.
A viatura percorria o caminho devagar e eu estava logo atrás, junto
com o veículo dos seguranças. E conforme passávamos pelas casas, reparei
que algumas pessoas foram para a janela.
O grupo do condomínio começou a apitar no celular com diversas
perguntas.
“Por que a polícia está aqui?”
“O que estão fazendo?”
“Será que vão prender o Klebinho de novo?”
O Klebinho era um dos agiotas que morava no condomínio e ele já
tinha sido preso uns anos atrás. Passou um bom tempo com tornozeleira
eletrônica, exibindo-a na piscina como se fosse um troféu.
A próxima mensagem me deixou realmente desesperada.
“Aquele é o carro da filha dos Albertelli?”
Olhando de fora, o meu carro estava entre o da polícia e o da
segurança. Como eu não tinha imaginado que poderiam achar que eles
estavam ali por minha causa?
Porra, mas que burrice a minha. Eu tinha um maldito Mini Cooper
azul!
Quando eles pararam o carro na entrada da propriedade, reparei que
ela estava toda iluminada e achei aquilo estranho. Não fazia muito sentido
que a gangue ligasse todas as luzes do imóvel correndo o risco de serem
vistos.
Então simplesmente uma figura que eu tinha o desprazer de conhecer
apareceu do lado de fora, andando pelo jardim com uma chave de fenda na
mão.
Os policiais apontaram as armas para ele, que arregalou os olhos, sem
entender nada.
Puta que me pariu.
— Parado. Polícia. Mãos na cabeça — um deles gritou e na mesma
hora a ferramenta caiu no chão e ele fez o que foi pedido, erguendo os
braços acima da cabeça e olhando para baixo.
Meu coração disparou, senti um calor sobrenatural se apoderar do
meu corpo junto com toda a vergonha. Desci do automóvel em um
movimento involuntário, junto com os homens que estavam atrás de mim.
— Senhores… — um dos seguranças chamou os agentes.
Engoli em seco quando o olhar do Pedro desviou para o lado e cruzou
com o meu. Suas expressões de surpresa e preocupação se fecharam na
mesma hora ao perceber meu envolvimento no que quer que estivesse
acontecendo com ele.
Sim, ele iria me matar. Não tinha dúvidas de que gastaria o seu réu
primário comigo.
— Senhores, esse é o Pedro, ele trabalha no condomínio — o
funcionário avisou. — Ele está hospedado na casa do senhor Heitor,
cuidando da residência enquanto ele faz uma viagem.
Os policiais se entreolharam e abaixaram a arma. Engoli em seco,
olhando de um para o outro, completamente desconfortável. Caminharam a
passos firmes até o Pedro, mas sem deixar toda a pose imponente para trás.
Eles com certeza queriam intimidar antes de checar o que estava
acontecendo.
Era possível visualizar isso na postura, na forma como falavam, sem
deixar de encostar na arma cruzada nos seus peitos. Os seguranças
cochicharam alguma coisa e foram até lá, mas eu não fui capaz de me
mover. Conforme ele ia balançando a cabeça e respondendo às perguntas
que eu não conseguia ouvir, seu olhar permanecia fixo em mim, crepitando
ódio.
“Aqui jaz Larissa Ferraz Albertelli”, era só o que eu pensava.
Não conseguia nem piscar direito, estava focada em imaginar que tipo
de caixão Gregório iria sugerir para os meus pais comprarem. Será que ele
cobraria deles? Será que meu namorado tentaria empurrar o caixão de
mogno com pintura à mão, alegando que eu gostaria? Era um dos mais
caros... Ele sempre discutia comigo quando eu argumentava que queria ser
cremada.
Baratas comendo meu corpinho? De jeito nenhum!
Será que a Lavínia berraria com ele tentando lutar pela minha
cremação? Ana certamente causaria um alvoroço.
Perdi a noção do tempo arquitetando todo o funeral que acontecia na
minha cabeça. Nem me toquei quando as pessoas começaram a se dissipar.
Apenas permaneci ali no jardim da casa do Heitor, abraçando meus braços
até que um dos seguranças perguntasse se eu estava bem.
Assenti no momento em que me dei conta de que o Pedro já estava
entrando na casa dos Franco, pisando firme e cheio de raiva.
Esperei alguns minutos pensando no que fazer. Eu precisava me
desculpar pelo mal-entendido. Mesmo que eu odiasse aquele garoto
arrogante, sabia o quanto ele tinha se ofendido da última vez que algo
semelhante aconteceu. E agora a culpa era inteiramente minha.
Minhas pernas pareciam bambas enquanto eu percorria o trajeto até a
entrada da residência. Apertei a campainha, sentindo um arrepio correr
pelas minhas vértebras por estar indo de encontro com minha morte.
— Você só pode estar de sacanagem… — Ele soltou o ar incrédulo
quando abriu a porta com o Pato no seu ombro.
O macaquinho fez um ruído, deu uma risadinha para mim e girou a
cabeça para o lado direito. Na mesma hora, o insuportável fez menção de
fechar a porta na minha cara, mas coloquei a mão na frente, impedindo que
ele fizesse isso.
— Ah, que se foda! — xingou, deixando-me parada na soleira e
voltando para dentro da casa.
Pato fez mais barulhinhos e me deu tchau com uma das mãos,
mudando de um ombro para o outro. No momento em que o Pedro se
aproximou da bancada da cozinha, o animal deu um salto e correu para a
fruteira. Pegou uma banana, estendeu para mim e abriu um sorrisinho.
Fofo!
Ele o repreendeu com o olhar por estar sendo simpático comigo e
tirou a fruta das suas mãos. Nem se deu ao trabalho de olhar na minha
direção, começou a reorganizar as coisas que claramente já estavam
organizadas na pia da cozinha.
— Olha, eu queria pedir desculpas porque… — comecei a dizer,
quando contornei a bancada e cheguei um pouco mais perto.
— Você chamou a porra da polícia! — praticamente rosnou,
aproximando-se de mim de uma forma intimidadora. Dei um passo para
trás, encostando o quadril na pedra de mármore e o meu olhar permaneceu
fixo no dele. — Eu estava trocando a merda de um fusível que queimou e
você achou que seria interessante ligar para o 190? É inacreditável o quanto
você é preconceituosa.
— Eu não sabia que...
— Você não cansa de tentar me humilhar, garota? O que você quer?
Provar um ponto de que seu namorado estava certo quando me acusou?
— Eu não quero fazer nada disso! — Senti um vinco se formar na
minha testa, demonstrando minha insatisfação com aquele comentário.
— Vocês são tudo farinha do mesmo saco.
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer que você pensa como ele. Está sempre esperando o pior
porque eu não pertenço à sua classe social. — Sua voz era áspera e ele
estava furioso. — Não se preocupa com os merdas que andam com o seu
namorado que estão apenas esperando por uma oportunidade pra se
aproveitar de você, mas cogita que eu faça isso.
— Eu não confio em ninguém e também não conheço você —
retruquei, como se fosse óbvio.
— E eu estaria pouco me fodendo se fosse só isso, porque você é
mulher e acho certo que desconfie de todos os caras ao seu redor, mas não
é. Porque você não agiria dessa forma com eles.
— Você não sabe disso.
Ele deu uma risada de desdém.
— Mesmo? Se um dos amigos do seu namorado estivesse na rua do
seu condomínio com você à noite, você ameaçaria chamar a segurança?
Não respondi. Não podia dizer que eu não chamaria a segurança nem
mesmo para ele. Aquele garoto já tinha uma visão completamente formada
sobre mim e não havia motivo para tentar fazer com que ele pensasse
diferente sem me expor.
Ele nunca entenderia que eu não podia trazer algum tipo de vergonha
para os meus pais, que seria absurdo acusar um herdeiro de alguma família
tradicional do Rio de Janeiro sem um motivo plausível. Pedro não entendia
como as coisas funcionavam no nosso círculo.
Cansei de ver garotas chorando porque foram estupradas e nada
aconteceu. Muitos dos caras que pertenciam ao meu círculo social faziam o
que bem entendiam, eles tinham quem queriam. A nata da sociedade,
muitas vezes era extremamente podre e nojenta, porque a verdade era que o
dinheiro e um bom sobrenome encobriam quase tudo nesse país.
— Foi o que imaginei — respondeu, cheio de si e logo depois voltou
a juntar as sobrancelhas, exaltando sua irritação. — Eu não tenho uma
vidinha fácil que nem a sua, não recebi tudo de mão beijada e nem sou
herdeiro de um hospital. Eu dou valor a arregaçar as mangas e trabalhar.
Não preciso roubar pra ter nada e diferente de você, tenho orgulho de
conseguir as coisas pelo meu mérito.
Ele não fazia a porra de uma ideia.
— Eu não tenho tudo de mão beijada!
— Não? — perguntou, cheio de deboche. — Você não tem um
emprego garantido quando se formar em Medicina, doutora?
— Isso não quer dizer nada, eu ainda me esforço todos os dias pra…
Ele deu outra risada desdenhosa.
— Para parecer perfeita? Sinto muito, molduras boas não salvam
quadros ruins — disse com desgosto e eu fiquei irritada. — Não sei por
qual motivo ainda perco meu tempo discutindo com você. Boa noite.
Ele fez menção de se virar, mas segurei seu braço com força. Quem
ele pensava que era? Ainda estava usando uma frase do Chorão para me
ofender! Aquilo era o cúmulo.
— Estou falando com você! — Minha voz falhou um pouco, mas eu
pigarrei, tentando demonstrar que ele não me abalava.
Era uma mentira, no entanto. Aquele garoto sabia entrar no meu
sistema como ninguém.
Era impossível ignorar algo diferente dentro de um cenário em que
você fingia um papel tão bem que todos à sua volta nem sequer
desconfiavam. Era incômodo quando uma pessoa te julgava mesmo que
você desse todas as ferramentas para que ela fizesse isso. E o principal, era
libertador poder trazer o lado que eu precisava esconder.
— Não dou a mínima. — Ele me encarou com raiva, puxando o braço
para se desvencilhar do meu aperto. — Fica fora do meu caminho. Você
sabe onde fica a saída.
E saiu pela porta da cozinha em direção ao jardim interior. Pato estava
com os olhinhos arregalados e soltou um gritinho antes de levar as mãos até
a boca e correr atrás dele.
Uma parte de mim ficou decepcionada porque talvez eu quisesse
continuar aquela briga. O ódio entre nós exaltava minha parte verdadeira.
Perto dele eu não precisava ser uma garota perfeita, porque para ele eu
certamente não era.
Se acha malandro o bastante pra julgar
Olha o teu rabo antes de vir me esculachar
Desocupado e invejoso é o que tu é
Vê se me esquece e vai pegar uma mulher
Foda-se você
Foda-se o que eu faço e o que eu deixo de fazer
:: V.I.P (VERY IMPORTANTE POR QUE) – FORFUN ::

PEDRO QUEIROZ

Na manhã seguinte, todos os olhares estavam na minha direção.


Roberval avisou que isso aconteceria porque aparentemente explicaram o
que tinha acontecido no grupo do condomínio. Ou seja, meu plano de
passar despercebido durante aquele tempo morando ali tinha ido para o ralo
graças à patricinha escrota.
Recebi uma mensagem do Heitor se desculpando e dizendo que ele
deveria ter avisado para os vizinhos, mas que nem cogitou que algo do tipo
poderia ocorrer. Ele também disse que pediria para alguém dar uma olhada
no quadro de luz, que não sabia o que tinha acontecido.
Eu sabia: Aquela merda daquele condomínio me odiava. Até mesmo a
estrutura da casa gritava para que eu fosse embora. Não pertencia àquele
lugar e tinha certeza de que era um sinal do universo me mandando
ralar[22].
Tinha passado o meu intervalo desenhando para tentar controlar o
meu estresse, mas foi em vão. Estava apertando o lápis com tanta força que
todos os traços estavam grossos e cagados.
Desisti e respirei fundo quando o alarme da mesa dos babacas tocou,
indicando que eles queriam fazer um pedido. Andei devagar em direção a
eles, torcendo para desmaiar no meio do caminho e não ser obrigado a
atender aqueles imbecis.
Larissa estava ao lado do namorado, dentro de uma saída de praia
rosa-choque com mangas compridas e um chapéu elegante. E mesmo que
estivesse com os óculos de sol, sabia que seu olhar se mantinha em mim.
— Olha se não é o mais novo morador do condomínio — Bruno, um
dos amigos dele, zombou.
— Precisamos falar com seu pai, Erik... — Gregório falou entre as
risadas para o filho do diretor do clube. — Não sabia que tinham aberto um
lar de acolhimento para os funcionários aqui.
— Greg... — ela o chamou, mas ele não deu a mínima.
— Não estou morando aqui, estou trabalhando — respondi, seco. —
O que vão querer?
— É verdade que os policiais estavam com fuzis? — perguntou,
fingindo uma falsa preocupação. — Deve ter sido assustador... Se bem que
você deve estar acostumado com essas coisas, certo?
— Gregório! — A herdeira dos Albertelli foi mais incisiva dessa vez
e se levantou.
— Calma aí, Kinha. Estou falando com o Pedrinho aqui.
Tão debochado.
Era uma pena que eu fosse mais.
— Estamos no Rio de Janeiro, senhor Valença — respondi com uma
falsa cordialidade, tentando mascarar só um pouco do sarcasmo na minha
voz. — Qualquer pessoa pode ser abordada com fuzis pela PM. Inclusive,
soube que um dos moradores foi buscar uma encomenda em Santa Tereza
com um carro parecido com o seu e os policiais o abordaram da mesma
forma.
Ele me olhou com raiva porque sabia que eu estava falando sobre um
de seus amigos maconheiros, mas dois segundos depois, abriu um sorriso
mostrando todos os dentes.
— Sabemos que esses mal-entendidos acontecem, não é? —
continuou, cheio de ironia. — Larissa com certeza estranhou você estar na
casa do Heitor e por isso chamou a polícia. Sabe como é, a gente nunca
sabe quem são as pessoas de verdade.
— Eu já te disse que não sabia que era ele, Greg — ela se justificou,
tirando os óculos e olhando irritada para o namorado.
— Realmente não sabemos. — Ignorei o que ela disse e dei um outro
sorriso falso. — Já sabem o que vão pedir?
— Um combo de uísque com Red Bull. Ah, e uns bolinhos de aipim
com camarão.
— Certo, se precisarem de alguma outra coisa, só chamar. — Eu me
virei para sair dali, mas pude ouvir o restante da conversa.
— Vocês estão sendo babacas — ela brigou com os amigos.
— Lari, a gente estava brincando — um deles se justificou. — Não
precisa ficar irritada.
— A Kinha é a defensora dos GBRs. Não começa a exagerar, eu
estava apenas puxando papo com o garçom.
— Claro, você teve um comportamento perfeitamente adequado para
alguém com seu nível de educação e etiqueta — ela respondeu, ácida, e ele
soltou uma interjeição de confusão.
Estava cortando alguns morangos para preparar o drink de uma
senhora de outra mesa quando percebi uma sombra cobrindo a bancada do
bar. Levantei os olhos para ver a patricinha maldita mordendo o lábio
inferior, inclinada sobre o balcão, fuxicando o que eu estava fazendo.
— O que você quer? — Soltei o ar sem paciência.
— Não ligue para as merdas que eles dizem — começou a dizer e eu
arqueei uma das sobrancelhas, um pouco confuso por aquele comentário.
— Você não precisa ser a defensora do GBR aqui — ironizei.
Seus olhos saltaram um pouco.
— Você ouviu isso? — Não precisei responder, minha expressão dizia
o suficiente e ela deixou uma respiração frustrada escapar. — E você sabe o
que significa.
Não foi uma pergunta.
— Sim, eu sei.
— Eu sempre peço para eles pararem de falar isso e...
— Você precisa de alguma coisa? — eu a interrompi, querendo
acabar com todo aquele papo furado.
Sabia o que ela estava fazendo. Aquela garota estava tentando provar
para si mesma que não era uma patricinha fútil e preconceituosa como eu
havia dito. Larissa Albertelli não estava ali por mim e sim por ela. É o que
pessoas egocêntricas fazem quando mostramos quem são de verdade.
Sua boca se entreabriu e ela piscou devagar, mas não deixei nenhuma
brecha para que continuasse falando. Continuei a picar as frutas, focado em
não me cortar, porque do jeito que aquela garota parecia trazer um tsunami
de desastre para minha vida sempre que estava presente, era capaz de perder
um dos meus dedos.
— Uma caipivodka, por favor. E se você puder...
— Coar, eu sei.
Chata mimada do caralho.
Não levantei meus olhos, mesmo percebendo que ela continuou
imóvel por alguns segundos antes de ir embora.
Eu não estava ali para fazer com que ela se sentisse um pouco melhor
por ter sido uma pau no cu comigo mais uma vez. Por mim, Larissa
Albertelli poderia continuar lidando com aquilo no quinto dos infernos.

Havia combinado com Pipo de dar uma volta na pista do condomínio


depois do trabalho e obviamente o pirralho estava tão ansioso que até
mesmo chegou antes do horário. Pedi que ele esperasse na sala enquanto eu
tomava um banho e meu melhor amigo nem se importou, obcecado em dar
ordens para a Alexa ligar as luzes e objetos da casa.
Aquelas tecnologias eram muito fora da nossa realidade. Fazia pouco
tempo que a Vó Dea conseguiu comprar uma SmartTV[23], parcelada em
muitas vezes no carnê das Casas Bahia[24]. Eu não tinha uma em casa,
afinal, mal parava dentro do meu apartamento. Passava quase todo o tempo
na rua ou na casa do Pipo, então preferi investir em um computador e um
celular para fazer vídeos e tentar divulgar o meu trabalho. E quando eu
estava por lá, à toa no meu quarto, acabava lendo algum livro ou
desenhando.
Os ricos tinham tantas coisas bizarras... Ainda estava tentando
entender como algumas funcionavam.
— Eu quero casar com essa mulher — Pipo falou assim que desci as
escadas.
— Primeiro, você já é casado — lembrei e ele levantou o dedo do
meio para mim. — Segundo, não acho que a Alexa[25] seja ruiva.
— Ela faz absolutamente tudo! — ele comentou, passando os braços
em volta do aparelho e depois choramingou. — Eu odeio ser pobre.
— Você sabe que do jeito que é, se ficar rico, vai acabar ficando
pobre de novo de tanto gastar com inutilidades. — Dei uma risada. — Rico
não passa nem aspirador, Pipo, eles têm um robô pra isso, olha. Alexa, peça
para o Roomba[26] iniciar a aspiração — ordenei para a assistente virtual.
— Porra, minha avó ia amar um desses.
— Brother, você não vai acreditar... Até a churrasqueira lá fora é
controlada por ela. Normalmente eu não fico dando moral pra esses ricos e
pras coisas que eles ficam ostentando, mas o que me fodeu mesmo foi a
cafeteira. O Heitor sempre me oferece café quando estou aqui e é bom pra
caralho, mas acordar e o café já estar pronto, com grãos moídos na hora?
Você é louco! Isso aqui é a elite. Fiquei me sentindo na própria Starbucks.
— Deus me livre pagar vinte contos num café, Pepeu. Só você é
maluco de fazer isso.
— Eu vou lá uma vez a cada três meses, me erra[27]!
— Meu Deus, é aquela geladeira que faz gelo? — Meu melhor amigo
olhou para o refrigerador gigante no meio da cozinha e eu dei uma
gargalhada, afirmando com a cabeça.
Ele estava animado com um copo vendo as pedrinhas de gelo saírem
pelo local indicado quando Pato surgiu pela janela da cozinha fazendo seus
típicos barulhos para chamar atenção.
— Ah não! — Pipo resmungou, fechando as expressões na mesma
hora. — Você não.
Pato saiu pulando pelos móveis até chegar no meu amigo e pegou o
seu boné. Começou a gritar, animado, quando Felipe o olhou, comprimindo
os lábios e tirando a peça das suas mãos.
— Já disse pra não encostar no meu boné!
O animal deu uma risadinha enquanto eu balançava a cabeça em uma
negativa, tentando segurar as risadas. Bati no meu ombro e ele veio
correndo para bagunçar o meu cabelo.
— Ninguém mandou você implicar com ele...
— Eu? — Felipe berrou, incrédulo, mexendo as mãos na frente do
corpo. — Estava quieto na minha e a primeira coisa que ele fez ao entrar,
foi vir me azucrinar. Como eu implico com ele?
— Felipe é muito chato, Pato. Ignora o mau humor dele. Está tudo
bem? Fez muita merda hoje? Cagou em algum retrovisor?
O animal assentiu, levantou os braços, achando graça e saiu correndo
pela casa.
— Eu não tenho mau humor! Esse macaco que é implicante. Chega,
vamos para a pista ou não?
Pato voltou correndo e carregando uma de suas roupinhas. Porque
sim, ele gostava de ser vestido. Eu disse que esse macaco gostava de uma
boa vida, não disse? E Heitor adorava fazer as vontades dele, então
simplesmente mandou fazer um armário com diversas peças.
Ele era tratado como um filho e mesmo que fosse um animal silvestre,
era absurda a ligação que os dois tinham. Além disso, o macaquinho
gostava de todo o conforto oferecido. Era bizarro porque ele se achava um
ser humano de verdade. Um que cagava no retrovisor alheio, mas ainda
assim, um ser humano.
Pato era um animal livre, mas desde filhote começou a aparecer no
quintal da residência dos Franco. No momento em que o dono da boate
mais badalada do Rio de Janeiro percebeu que bichinho não desgrudava
mais dele, chamou diversos profissionais para aprender a lidar com o
animal, porque ele se recusava a deixar a sua casa. Heitor também me
contou que no início tentou até mesmo deixar as janelas fechadas, mas o
safado sempre dava um jeito de entrar.
Coloquei as minicalças que ele tinha trazido e avisei que tiraria uma
foto para mandar para o Heitor. Pato posou para a câmera e depois quis ver
o resultado, clicando em alguns ícones do meu celular e colocando a minha
playlist do Spotify para tocar.
Ele adorava fuçar o aparelho e sempre comemorava dançando quando
conseguia colocar as músicas. Era engraçado pra caralho e eu passava mal
de rir todas as vezes.
— Ao menos ele tem um bom gosto para a música — Pipo disse de
má vontade quando Desvio de Conduta do Strike começou a ecoar pela sala.
Eu e Pipo éramos viciados em bandas dos anos 2000 até hoje. Era
uma nostalgia boa da nossa infância, quando passávamos horas vendo os
caras na pista de skate. Nós tínhamos apenas 5 anos e já queríamos ser
como os adolescentes. Imitávamos tudo o que eles faziam, ouvíamos o que
eles ouviam e vestíamos o que eles vestiam. A paixão pelo skate e o nosso
gosto musical foram as coisas que restaram de herança daquela época.
Nós fomos para a pista do condomínio e rodamos por horas. Em um
dos intervalos, Pipo me contou que estava exausto do trabalho, mas que
precisava pegar mais alguns bicos com urgência. Havia um campeonato na
Flórida daqui uns meses e ele precisava participar.
— Já te disse que vamos dar um jeito — lembrei.
— Eu vou dar um jeito, Pepeu — respondeu, revirando os olhos.
Felipe era orgulhoso. Ele odiava aceitar meu dinheiro, o que era
ridículo, porque ele era meu irmão. A minha família era tudo o que eu tinha,
eu daria minha vida por eles.
Não queria contar que já tinha o valor para comprar a passagem
porque faltavam alguns dias pro seu aniversário e eu queria dar de presente.
— Que nem você deu no mês retrasado quebrando o skate daquele
cara? — Cruzei os braços um pouco irritado, lembrando da surra que eu
precisei dar em um merda que apareceu lá no Terreirão arrumando confusão
com ele.
— Sabe que não foi minha culpa. Ele me expulsou da pista. A pista
que é pública!
— Promete que não vai entrar em confusão enquanto eu estiver aqui?
— Eu nunca me meto em confusão, Pepeu. A confusão é que se mete
na minha vida — zombou e eu dei um tapa na sua cabeça.
Ele riu e se levantou, colocando o skate nos pés e voltando para a
pista. Soltei o ar, cansado, e fiquei algum tempo observando-o fazer o que
ele mais amava.
Tudo o que eu queria era que Pipo conseguisse conquistar seu espaço.
Ele já tinha se fodido muito por conta de outras pessoas e das circunstâncias
das nossas vidas.
Quando eu vou para casa me sentindo cansado e abatido
Eu vou para cima onde o ar é fresco e doce
Eu me livro da multidão apressada
E toda essa corrida de ratos barulhenta na rua
No telhado, o único lugar que conheço
Up On The Roof - The Drifters
:: UP ON THE ROOF - THE DRIFTERS ::

LARISSA ALBERTELLI

Odiava quando ela vinha para o jantar. Muriel era a irmã da minha
mãe e eventualmente aparecia por aqui, trazendo consigo seus comentários
maldosos e fazendo com que eu me sentisse um saco de merda.
— Como estão as coisas no hospital, Inácio? Aquela ala para os
pobres já deu algum dinheiro?
Meu pai deu uma risada um pouco sem graça e me encarou antes de
se virar para a bruxa. Abaixei os olhos e cutuquei os camarões no meu
prato. Cortei um pedaço pequeno e coloquei na boca, ainda tentando
segurar a vontade de vomitar que sempre surgia no minuto em que ela
pisava na sala.
— Não é nossa intenção que ela dê algum dinheiro, Muri. É um
projeto que a Larissa pensou para ajudar os necessitados.
Ela me encarou por trás da taça de vinho com desgosto. Aquela
mulher me odiava com todo o seu ser e torcia para que um dia eu fosse
atropelada por um caminhão.
E eu sabia disso porque ela mesma já tinha dito isso.
— Você não me contou como as coisas estão indo na loja — minha
mãe indagou, tentando mudar de assunto.
— Poderiam estar melhores, principalmente se tivéssemos feito
aquela reforma que comentei com você.
— Vamos ver isso mais para frente, certo? Estamos abrindo uma
outra unidade em Coroa do Sul e temos alguns projetos com o prefeito...
— Esse idiota estragou aquela cidade — retrucou, cheia de nojo. —
Saudades de quando Miguel Montes estava naquele gabinete. Graças a
Deus me livrei da loja que eu tinha lá.
— Gostamos da gestão dos Ortega — meu pai comentou.
— Vocês gostam de ser do contra. — Deu uma risada como se fosse
uma brincadeira, mas na verdade era uma alfinetada.
Ainda assim, minha tia não era burra o suficiente para discutir política
com meus pais e arrumar um conflito. A maioria das pessoas que tinha
imóveis e empreendimentos em Coroa do Sul preferia que as famílias
ligadas a Miguel Montes estivessem no poder.
Miguel Montes, o político corrupto.
A verdade é que quase ninguém se importava com a corrupção de fato
e aquele homem era a prova viva disso. Não me espantaria que ele tentasse
se candidatar novamente em algum momento e ficaria ainda menos surpresa
se fosse reeleito.
Ela continuou falando sobre a sua vida e a dos meus primos,
exaltando o quanto eles estavam se esforçando no primeiro período da
faculdade de Medicina.
Em algum momento, meu pai precisou atender uma ligação e minha
mãe se ausentou para dar uma olhada na sobremesa que estava sendo
preparada na cozinha.
— Ainda não desistiu do curso, cadelinha? — indagou, cheia de
maldade e na mesma hora minha respiração se tornou nula. — Sabe que não
precisa insistir nisso, certo? Minha Valentina e meu Enrico podem muito
bem cuidar de tudo quando Inácio e Laura se aposentarem. Ninguém vai
ficar chateado se você for para uma área menos... — Ela pareceu pensativa.
— Elitizada. É que existem coisas que estão no sangue, entende?
Engoli o bolo que se formou na minha garganta e puxei uma
inspiração, tentando controlar tudo dentro de mim.
Não iria me afetar.
Não iria me afetar.
Não iria me afetar.
Muriel sorriu, sabendo que tinha me atingido. Mexi meu corpo na
cadeira, o desconforto pinicando a superfície da minha pele, rasgando tudo
e deixando à mostra aquela sensação de exposição e vulnerabilidade.
— Obrigada pela preocupação. O curso está indo bem, Muriel — foi
a única coisa que consegui responder, mantendo minha voz firme.
— A hora que casar com o menino dos Valença nem mesmo vai
precisar trabalhar — continuou, cheia de insinuações. — Sinceramente, não
entendo o que ele viu em você, mas talvez seja apenas por todo o histórico
da família do seu pai com a dele.
Sobressaltei quando minha mãe surgiu por trás de mim e encostou no
meu ombro, fazendo carinho.
— Calma, filha. Sou eu. — Ela deu uma risada. — Ah, a Pavlova[28]
está quase pronta.
— Sem problemas, Laurinha. Estávamos conversando sobre como a
Larissa é sortuda de ter alguém como o Gregório — contou, olhando
fixamente para mim da mesma forma ameaçadora de sempre.
— Nós amamos o Greg. Ele é muito esforçado no hospital e sabemos
o quanto esse rapaz faz a Lari feliz. Estamos muito ansiosos para um pedido
de casamento. — Minha mãe abriu um sorriso animado e na mesma hora
senti meu estômago retorcer.
— Vamos com calma, mãe — pedi, quase em súplica, dando uma
risadinha sem graça.
O lábio superior de Muriel se ergueu uns milímetros, demonstrando a
típica microexpressão de nojo que ela fazia todas as vezes que eu me referia
à minha mãe.
— Ah, desculpa, eu me empolgo, filha. As meninas no hospital ficam
loucas em cima dele, mas ele sempre deixa claro que é comprometido.
Tão ingênua... Gregório era tudo, menos burro. Sabia muito bem que
se me traísse com alguém dentro daquele hospital, ele se queimaria com
meus pais. E o ego dele era definitivamente maior do que a vontade de
meter o pau em alguém. Bem, era maior que o pau também.
— Aquele homem é um santo — eu disse, escondendo todo o
sarcasmo na minha voz.
Suprimi todos os meus sentimentos durante o restante do jantar como
eu sempre fazia.
Um tempo depois que meus pais foram dormir, peguei uma garrafa de
uísque, o maço de cigarro que eu escondia para aquelas emergências e meu
saquinho de jujubas. Subi para o sótão da casa, passando pela janela e
sentando no telhado, em um espaço entre o vidro e as telhas.
Ali era o meu refúgio pessoal desde que eu me entendia por gente.
Naquele lugar, no topo da minha casa, eu era livre para ser quem eu era de
verdade, sem julgamentos ou expectativas. Já era normal observar as casas
diante de mim e refletir sobre a vida das pessoas que viviam embaixo delas,
questionando se estavam tão perdidas e encurraladas quanto eu.
Abri o meu isqueiro e fiquei observando a chama dançando com a
brisa gelada de julho que farfalhava no meu rosto e envolvia-me quase
como um bálsamo naquela sensação de paz que eu sabia ser momentânea. O
silêncio era reconfortante e fazia com que eu me desconectasse de tudo à
minha volta.
Segurei o cigarro entre os dedos, queimei a ponta e traguei, deixando
a fumaça escapar lentamente pelos meus lábios enquanto observava o
horizonte vazio diante de mim.
O cigarro não era um vício e sim uma válvula de escape, uma ação
que eu fazia apenas por poder fazer. Era uma questão de controle. Naquele
momento eu era a dona das minhas escolhas, mesmo que fosse algo
pequeno ou prejudicial para minha saúde.

Já era quinta-feira e eu estava imersa nos meus livros e anotações,


tentando utilizar um pouco das férias tanto do estágio quanto das aulas para
adiantar as matérias do próximo semestre. A faculdade de Medicina não é
fácil e se torna ainda mais exaustiva quando você odeia o curso em si.
Minhas notas boas vinham por conta de todo o meu estudo e eu me forçava
a isso todos os dias porque não podia ficar para trás.
Fiquei distraída com o meu caderno quando a campainha começou a
tocar sem parar. Cruzei a sala quase correndo, irritada com a impaciência da
pessoa do outro lado.
No minuto em que abri a porta, só o que fui capaz de ver à minha
frente foram os olhos castanhos que sempre refletiam um ódio genuíno por
mim. Minha boca se entreabriu porque eu definitivamente não esperava que
ele estivesse ali. Pisquei, percebendo que Pedro estava apreensivo, com o
Pato no colo.
Havia sangue manchando sua camiseta branca, os braços e porra, eu
odiava sangue. O animalzinho me olhou em sofrimento e eu senti meu
coração apertado, a preocupação correndo pelas minhas veias.
— Meu Deus. — Levei uma das mãos até a boca, ainda tentando
assimilar tudo.
— Ele se cortou — Pedro explicou, aflito, e deu um passo para frente,
estendendo-o para mim. — Dá um jeito. Você não é quase médica?
— Eu sou estudante de Medicina — lembrei.
— Então faça alguma coisa — respondeu, levemente irritado. — De
que te serve essa faculdade?
— Eu trato de pessoas!
Naquele momento eu quase dei uma risada, porque o Pato estava
vestindo uma roupinha feita sob medida e me olhou quase que ofendido.
— E daí? O macaco não é, sei lá, 90% compatível com o ser humano?
Você não tem nada aí?
— Eu... Calma, vamos nos desesperar com calma — comentei,
sentindo meu coração quase sair pela boca.
Pedro ergueu uma das sobrancelhas, cheio de deboche.
— E como seria isso?
— Estou tentando pensar, inferno! Eu não sou veterinária. Ahn...
Podemos limpar, mas...
Saí correndo em direção ao banheiro para pegar um kit de primeiros
socorros. Quando voltei para a sala, Pedro estava cochichando algo com ele
e fazendo carinho em sua cabeça.
— Cara, eu te trouxe aqui porque não sabia o que fazer.
— Traz ele aqui — pedi, apoiando todo o material na bancada da
cozinha.
Peguei um antisséptico e joguei em cima da ferida, cerrando os olhos
quando ele deu um grito de dor e tentou puxar o braço para si. Fiz um
chiado com a boca e tentei explicar que precisava limpar o machucado e
quando ele finalmente se acalmou, percebi que o corte estava bem
profundo.
— Como ele fez isso?
— Com uma faca — disse baixinho. — Sou um idiota. Esqueci em
cima da pia. Saí do trabalho correndo porque tinha que dar aula e quando
voltei, ele estava com o corte. Não sei o que estava tentando fazer.
Aula? Fiquei me perguntando do que ele era professor, mas não
parecia um momento oportuno para sanar minhas dúvidas. Não que ele
fosse me responder, caso surgisse.
— Ele vai precisar de ponto e eu não posso fazer isso. Precisamos
levá-lo em um veterinário especializado em animais silvestres! —
expliquei, levantando os olhos para encontrar os seus, preocupados.
— Eu... Eu não sei...
— Eu sei onde podemos ir — avisei e depois olhei para o
macaquinho, que continuava com uma expressão de dor. — Aguenta aí,
Patinho, nós vamos cuidar de você.
— Nós? — indagou um pouco confuso.
— Sim, nós — afirmei, pegando as chaves do meu carro e fazendo
um sinal com a mão para que ele me seguisse.
Um único olhar e eu pude ver sua mandíbula travar. Ele não estava
nada feliz.
Não me esqueço
Da maneira como isso tudo aconteceu
Você gostou de um jeito
Que eu nunca tinha visto nem parece que era eu
:: FOI DIFÍCIL – DIBOB ::

LARISSA ALBERTELLI

— 90% compatível com seres humanos… — lembrei em voz alta,


dando uma risada.
— Cala a boca, 190[29].
— Um. Nove. Zero?
— Sim, é como vou te chamar a partir de agora — deixou claro,
dando de ombros.
— Você é um idiota.
Revirei os olhos pelo apelido ridículo, mas estava sem paciência
alguma para começar uma nova briga com ele. Além do mais, era a segunda
vez que “acusações” eram feitas sobre ele na minha presença, eu precisava
dar uma segurada.
— E eu não estou totalmente errado sobre a compatibilidade, já li isso
em algum lugar.
— Por mais que macacos sejam bem mais agradáveis e educados que
você, as espécies ainda são diferentes… — Fiz uma pausa, fingindo estar
pensativa. — Apesar de que você poderia se enquadrar de forma perfeita na
parte do “prego”...
Ele deu uma risada que me fez rir também. Foi genuíno e pareceu
tirar um peso de suas costas. Seus olhos comprimiram, os lábios se abriram
e eu notei os dentes brancos e impecavelmente alinhados.
Cheguei a perder a respiração por alguns segundos. Meu Deus, tinha
esquecido como ele era bonito.
Eu me lembrava do dia em que o tinha visto na piscina a primeira vez.
Cheguei até mesmo a tropeçar quando ele surgiu no meu campo de visão.
Patética. Não que eu ainda fosse o tipo de garota que ficava secando os
machos (não tinha mais 16 anos), mas naquele dia eu o sequei tanto que não
sabia como ele não tinha ficado parecido com o Bob Esponja[30] depois de
sair do mar.
Apenas com algumas horas de análise, percebi que Pedro era mal-
humorado, tinha o nariz em pé e olhava para todos à sua volta com repulsa.
E até hoje ele quase nunca sorria genuinamente, exceto quando Heitor
aparecia e ficava conversando com ele.
Talvez ele fosse afim do Heitor.
— Você sabe sorrir — impliquei.
— Não pra você — ele me cortou de maneira áspera e depois soltou o
ar, cansado. — Não quero discutir mais hoje.
— Não pretendia fazer isso.
— Quem sabe amanhã… — retrucou, cheio de ironia.
— Está marcando uma discussão comigo? — Arqueei uma das
sobrancelhas, soltando um ruído de incredulidade.
— Não preciso “marcar” uma discussão com você, 190. Ela vai
acontecer. Isto é um fato, porque você é... — Fez uma pausa, olhando-me
de cima a baixo cheio de desânimo. — Tão você.
Ele havia entendido que eu tinha me irritado com o apelido. Eu fui
burra, deveria ter rido e fingido que não me afetava.
— Você precisa ser tão insuportável sempre?
— Com você? — indagou, um sorrisinho de canto crescendo em seus
lábios. — Sempre.
Levantei para pegar um pouco de água e me livrar daquela atmosfera
hostil que sempre nos rodeava. Aquele garoto era difícil demais de lidar e
eu não entendia como alguém conseguia ser tão cabeça dura e implicante.
Logo depois, o veterinário veio até nós com o Pato no colo e quando
Pedro o chamou, ele pulou para o meu ombro. Dei uma risadinha,
recebendo um olhar de repreensão em seguida.
Recebemos uma série de orientações e fiquei um pouco confusa
porque o veterinário estava falando como se fôssemos cuidar do Pato
juntos.
— Acho que você não vai ter problemas, você disse que fazia
Medicina, certo? Não tem tanta diferença assim — brincou.
Exceto que tinha?
Pedro arqueou uma das sobrancelhas de maneira convencida, um “eu
te disse?” estampado em cada pequena expressão do seu rosto.
I-N-S-U-P-O-R-T-Á-V-E-L!
Pato estava fazendo barulhos, mostrando a mão enfaixada e logo
depois pulou para o ombro dele.
— Fica tranquilo, doutor. Eu entendi tudo, nunca perdi um horário de
remédio — respondeu, fazendo carinho na barriga do macaco. — Estou
acostumado, deixa comigo.
Ele estava acostumado a tomar remédios? Será que ele tinha alguma
condição crônica? Além da chatice, é claro. Será que ele precisava se
medicar porque precisava controlar toda aquela irritação constante? Faria
muito sentido!
E como se todas as peças tivessem se encaixado, tive uma epifania.
Era exatamente isso, a explicação para todo aquele ódio gratuito de todos à
sua volta.
— Toma todos os remédios na hora... Seu psiquiatra deve ficar
orgulhoso. Ele te dá estrelinhas pela pontualidade? — zombei quando nos
afastamos em direção ao balcão e nem sei ao certo o motivo, apenas queria
ter algo para implicar com ele.
Engoli em seco quando ele parou e percebi os músculos do maxilar
retesarem, mal permitindo uma leve contração dos lábios. Mantive os olhos
cravados nos dele, incapaz de me mexer, sabendo que eu o tinha irritado.
Ok, a condição dele era um tópico sensível.
Pato olhou de mim para ele parecendo preocupado. O animal
certamente conseguia captar toda a tensão entre nós dois e tinha sempre
estampada em seu rosto uma expressão de telespectador vendo uma cena de
novela.
— Não, o oncologista da minha avó me dá estrelinhas pela minha
pontualidade — respondeu de maneira agressiva e eu prendi a respiração,
sentindo meu rosto arder de vergonha. — Você poderia não ser tão babaca
ao menos uma vez, quem sabe ganha uma estrelinha também?
— Não foi minha intenção ser babaca — comecei a gaguejar,
tentando me justificar. — É que você está sempre tão irritado o tempo
todo... Eu, ahn... Achei que pudesse ser alguma condição e... Na verdade...
Estava brincando com o fato de você ser pontual. Não existe problema
algum em ir ao psiquiatra, eu mesma me consulto com um. Eu achei...
— Não te dei permissão para achar nada.
As palavras foram jogadas por cima do ombro, sem que ele nem me
olhasse, na medida em que se afastava para ir até o balcão. Eu andei mais
depressa para avisar que já tinha passado o meu cartão, que não era algo
para se preocupar, mas a recepcionista foi mais rápida que eu.
Mais um fuzilamento com o olhar. Nem ficaria espantada se aquele
garoto resolvesse me lançar uma maldição ali mesmo. Ele estava revoltado,
tentando se controlar para não se exaltar na frente de todo mundo.
Nenhuma palavra foi dita, Pedro apenas virou de costas e saiu pela
porta do consultório. Eu corri para alcançá-lo enquanto Pato se mexia
freneticamente tentando chamar sua atenção, virando para trás e apontando
para mim.
— Você pode andar mais devagar? — indaguei um pouco ofegante.
— Por que caralhos você acha que eu preciso do seu dinheiro? —
Arregalei os olhos quando, em um impulso, ele se virou para trás para
brigar comigo. — Por que vocês ricos tendem a achar que podem resolver
qualquer situação com seus cartões de crédito? Não pedi para que pagasse
nada. Você não precisa ser a salvadora do mundo com a sua carteira. Você
não é a porra do Batman.
— Certo — foi só o que disse, mantendo meu tom de voz baixo.
Entendi que havia um motivo por trás. Era frustração, ego ferido e
mais algumas outras coisas que eu não conseguia identificar por não
conhecê-lo bem o suficiente. E aceitei que estava errada. O fato de ter
presumido que ele não teria dinheiro para pagar a consulta apenas reforçava
o que Pedro pensava sobre mim, sobre meu padrão de vida e tudo o que me
cercava.
Ele piscou, um pouco sem jeito pela minha resposta. Sua expressão
beirava o desapontamento por não poder continuar aquele confronto. Eu
entendia a sensação. A raiva simplesmente insustentável querendo se
sobrepor a tudo, ganhando espaço e deixando com que a vida ao nosso
redor enfim parecesse fazer algum sentido...
Ainda assim, hoje, o cansaço falava mais alto. Seria estupidez
continuar dando murro em ponta de faca.
— Podemos voltar? — indaguei e ele apenas assentiu, sem emitir um
único som.
O silêncio sepulcral que nos acompanhou pelo caminho até o
condomínio foi desconfortável, mas cumpria o seu papel. Até mesmo o Pato
estava quieto, como se aquele machucado o tivesse tornado incapaz de dar
um grunhido sequer. Nunca tinha visto aquele macaco mudo, mas pelo visto
o ódio entre nós fazia milagres.
Embiquei o carro na minha garagem e descemos ao mesmo tempo. O
meu coração disparou diante da possibilidade de mais algum diálogo
catastrófico. Tudo o que eu queria era me enfiar nos meus lençóis e dormir
até a manhã seguinte.
Queria esquecer que meu novo vizinho existia e que minha vida era
mais confusa do que a porra de um camaleão na frente de um arco-íris.
— Larissa? — ele me chamou e até mesmo o macaco que estava nos
seus braços pareceu surpreso. — Obrigado por ter ido no consultório
comigo hoje. Boa noite.
— Sem problemas — retruquei, ativando a trava do veículo e
entrando na minha casa sem esperar por uma resposta.
Subi as escadas, tomei um banho demorado e vesti meu pijama,
lutando contra a vontade de subir no telhado. Eu precisava dormir, uma
noite de sono me faria acordar melhor.
Andei até a janela para fechar as cortinas e quando olhei para frente,
vi que ele estava fazendo o mesmo. Porque é claro que o universo achava
engraçado me foder. Por qual motivo ele estaria acomodado em qualquer
outro cômodo que não fosse o da frente do meu quarto?
Mantive o olhar cravado nos dele por alguns segundos, tentando
ignorar o arrepio prolongado que parecia engatinhar pelas minhas vértebras
lentamente.
É, talvez o confronto fosse surgir mais rápido do que o esperado.
Seu namorado é um cuzão
Não que eu seja melhor que ele
Mas faz partir meu coração
Te ver chorar pensando nele
:: SEU NAMORADO É UM CUZÃO - FORFUN ::

PEDRO QUEIROZ

Foi difícil tomar a decisão de ir até ela quando Pato se machucou. Eu


realmente lutei contra isso, porque eu não queria olhar para a cara daquela
garota de jeito nenhum, mas o meu desespero foi maior. Tentei pensar em
outras soluções, em vão. Não sabia de nenhum veterinário no condomínio,
o telefone do Heitor estava desligado e eu me vi em total agonia. E mesmo
que ela tivesse ajudado, no final da noite ainda me senti péssimo.
Também fiquei nervoso na hora de contar para o Heitor o que tinha
acontecido e por mais que ele tenha ficado preocupado, me tranquilizou e
disse que eu não deveria ficar me culpando. Contou também que um dia
precisou levar o Pato no veterinário porque o safado tinha se metido em
uma briga com outros macacos por causa de um chapéu.
Aparentemente, ele odiava os outros macacos.
Ainda assim, não dormi direito a madrugada inteira, preocupado. Pato
estava gemendo de dor e em algum momento, comecei a achar que o
coitado pudesse estar tendo calafrios. Eu joguei no Google[31] para procurar
alguma coisa, mas desisti de ler as matérias porque comecei a ficar nervoso
demais. Não lidava bem com o Google desde o câncer da Vó Dea.
Decidi que iria observar seu comportamento durante as horas que se
seguiriam e caso fosse necessário, voltaria no consultório. Deixei avisado
para Roberval que precisaria ir até a casa dos Franco em alguns momentos
durante o meu expediente para olhá-lo e ele nem contestou, apenas
perguntou se eu tinha ideia de quando o Heitor voltava.
Duas outras moradoras fizeram a mesma pergunta naquela manhã e
minha impressão era de que meu amigo já havia trepado com ambas apenas
pela forma como elas pareceram desapontadas com o meu “não sei”.
Ele pediu que eu desse uma ajuda no restaurante, já que um dos
funcionários tinha metido um atestado na maior cara de pau. Era só uma
questão de horas para que ele se fodesse, porque o idiota postou vários
stories bebendo em uma boate na noite anterior.
Troquei de uniforme e fiquei responsável por atender os clientes da
varanda que dava vista para o lago do condomínio. E como a minha sorte
era de centavos, Inácio Albertelli e Roberta Valença estavam com seus
filhos bem naquela área.
A patricinha insuportável me encarou por alguns segundos e franziu
o cenho, ainda um pouco confusa por me ver ali. Foram poucas as vezes em
que eu precisei cobrir alguém no salão e acho que nunca tínhamos nos
cruzado.
Parecia um almoço de família, mesmo que os demais cônjuges não
estivessem presentes. Todos me cumprimentaram com um “boa tarde”
quando perguntei sobre as bebidas e o babaca do Gregório nem mesmo
olhou na minha direção, concentrado no cardápio.
Anotei os pedidos e disse que voltaria em breve. Fui até a cozinha
verificar os pratos de uma outra mesa e quando saí, tomei um susto ao vê-la
fazendo menção de entrar no banheiro feminino.
— Ahn... Olá. — gaguejei, como se fosse um idiota.
“Ahn, Olá”? Quem falava “olá”, porra?
— Como está o Pato? — questionou sem muita vontade.
— Está bem, ele ainda está com dor e...
— É só administrar os remédios da forma correta — ela me cortou e
entrou no banheiro sem dizer mais nada.
Que porra?
Foi ela quem disse e fez merda na noite anterior e ainda se achava no
direito de ser grossa? Que loucura! Mesmo depois daquilo, eu ainda tinha
agradecido! E dado boa noite! Um boa noite que ela sequer respondeu.
Mal-educada do caralho.
Saí bufando, indignado, e fui até a adega buscar o vinho que Inácio
Albertelli havia solicitado.
Antes de chegar até a mesa, reparei em como ela parecia
desconfortável no meio daquelas pessoas. A postura estava diferente, o
olhar mais baixo e o tom de voz também.
— Você não decidiu parar de fumar, Roberta? — o pai dela
perguntou, entre as risadas, para a mãe do babaca, que tinha apoiado uma
carteira elegante de cigarros na mesa.
— Ela diz isso toda vez, Inácio — o almofadinha respondeu, sem
paciência, empurrando um dos talheres. — Fumar já é horrível, uma mulher
fumando então...
Foi impossível não olhar para a garota que eu havia visto no telhado
duas noites atrás segurando um cigarro em uma das mãos e uma garrafa de
uísque na outra. O semblante dela permanecia tão neutro agora que eu
cheguei a me questionar se estava vendo coisas. A herdeira dos Albertelli
era o exemplo de filha perfeita e muito educada com todos à sua volta, até
mesmo os funcionários comentavam sobre isso.
Bem... Todos, exceto eu.
Estava em paz com isso porque eu também não aliviava o lado dela,
era a única cliente para quem eu tinha levantado a voz. E mesmo que
soubesse que ela era tão passiva para as coisas que o idiota do namorado
fazia, ainda me perguntava onde estava a garota descontrolada que trocava
farpas comigo. A impressão que eu tive, mesmo que por alguns segundos,
foi a de que ela vivia dentro de uma gaiola.
Uma bem cara e provavelmente banhada a ouro, mas ainda assim,
uma gaiola.
Continuei servindo o vinho em uma das taças, tentando ignorar aquele
diálogo e os meus pensamentos aleatórios.
— Diz pra ela, Kinha. Talvez você consiga convencer minha mãe a
largar isso.
— Sério que vai começar com isso de novo, Gregório? — A mulher
mais velha revirou os olhos, fazendo um meneio com a cabeça para me
agradecer e dando um gole na sua bebida.
— Greg, você não acha que... — Larissa limpou a garganta e olhou
para o seu pai, parecendo um pouco acuada.
— Você não precisa ter vergonha. Somos quase família. Mamãe é
muito teimosa e não me ouve, então explica pra ela o que aprendemos na
faculdade, fala sobre o que você vê lá no hospital...
— Ahn... Então, Berta, como vocês sabem, eu sou totalmente contra
cigarros — ela começou a dizer e eu comprimi os lábios para não rir.
Estava inclinado na sua frente, preenchendo uma das taças com vinho
e seu olhar cruzou com o meu. Ela parecia irritada por ter percebido a
mudança nas minhas feições, mas sustentou o contato visual por apenas
cinco segundos.
— De fato é prejudicial para a saúde, mas se você quiser, podemos
procurar algum tipo de tratamento.
— Não é questão de querer... — ele começou a resmungar.
— Vamos, Greg, deixa a Berta em paz — o pai dela pediu em um tom
apaziguador, dando tapinhas em suas costas.
— Estão prontos para pedir? — perguntei, fazendo com que toda
atenção se voltasse para mim.
— Ah, é você — Gregório finalmente pareceu notar que as taças não
se enchiam sozinhas como em Hogwarts e tinha alguém fazendo isso no
lugar.
Eu, o próprio elfo doméstico desses paus no cu.
— Vou querer a lula grelhada com um arroz negro, rapaz — o pai
dela avisou e depois pediu licença para atender uma ligação do trabalho.
Encarei as outras três pessoas na mesa que estavam achando que eu
não tinha mais nada para fazer além de olhar para a cara deles.
— Acho que vou querer esse filé à parmegiana... — Larissa
comentou, animada, olhando distraída para o cardápio.
— Kinha, você não ia dar uma segurada na fritura? — o arrombado
teve a pachorra de perguntar baixinho para ela. — Sabe que o evento do
hospital está chegando e seu pai comprou aquele vestido lindo pra você que
já ficou no laço.
Ela piscou e sorriu, um pouco sem graça.
Meu Deus, que filho da puta.
— Vai ser uma salada de camarões e o salmão — ele avisou,
fechando o cardápio e colocando a mão em cima da dela. — Mãe?
A garota não olhou na minha direção, tirou a mão da dele e pegou o
celular para digitar alguma coisa. Anotei o último pedido e fui para a
cozinha, sentindo uma vontade absurda de enfiar um soco naquele babaca.
Foda-se que eu não gostasse dela, aquilo era errado pra caralho.
Como ela se sujeitava a ter um cara dizendo o que ela deveria comer?
Nunca tinha presenciado nada parecido, deveria ser uma coisa de homens
machistas ricos. Porque no Terreirão o que mais víamos eram caras levando
suas garotas para comer uns podrões maravilhosos que chegavam a dar
água na boca.
Porra, que vontade de comer um podrão.

Pedro: Vamos comer


um podrão hoje? Por
minha conta.

Luna: Gatinho, não


vai dar. Eu até queria, mas
estou pegada no trampo .

Pedro:

Luna: É o Pato?

Pedro: Pela milésima


vez, Luna, não. Só tô
viciado nessas figurinhas
porque o Heitor me manda
elas o tempo inteiro.

Luna: Quero
conhecer ele!

Luna: O Pipo me
mandou um convite para
encontrar vocês no
eventinho que vai ter na
quinta que vem no Pontal.

Pedro: Vou estar por


lá... Depois da aula.

Pedro: Por que o


Pipo está te convidando
pras coisas?

Luna: Sei lá, ele só


disse que seria legal.
Tenho que ir, beijos.

Abri o Instagram da Luna e quando olhei os stories, percebi que ela


tinha acabado de voltar a ficar ruiva, literalmente tinha postado foto no
salão.
Filho da puta talarico do caralho.

Pedro: Para de dar


em cima da minha garota.

Pipo: Eu jamais faria


isso.
Pedro: Procura outra
ruiva, essa é minha.

Pipo: Sem chance,


estou focado na minha
carreira, vou dar um tempo
de boceta.

Pedro: Pra cima de


mim? Não mete essa, Pipo.

Pedro: Vou trabalhar,


hoje tá foda.

Guardei o celular e passei por mais algumas mesas enquanto a comida


não ficava pronta. O acusador de merda estava rindo e narrando uma
história sobre uma viúva de um paciente que era professora e achava que
teria dinheiro para um caixão de carvalho.
Não sei como ainda me espantava com as coisas absurdas que saíam
daquela boca. Percebi que a Larissa só parecia estar ali de corpo, o olhar
dela eventualmente se perdia em algo como uma realidade paralela. Em
alguns momentos, ela até mesmo ria de algo aleatório, como se não
estivesse ouvindo a conversa.
Ricos eram meio problemáticos.
Quando enfim a cozinha liberou os pratos, fui até a mesa. Coloquei a
parmegiana na frente dela, a salada na frente dele e no mesmo instante, o
Príncipe da Morte fechou a cara e estufou o peito, como se fosse um
galinho de briga.
— Não foi o que pedimos.
— Eu ouvi que a senhorita Albertelli queria o filé à parmegiana e o
senhor pediu uma salada. Não era isso?
Ela umedeceu os lábios e manteve o olhar cravado no meu.
— Não foi isso que pedimos — Gregório resmungou.
— Estou confuso, o senhor não queria a salada? — indaguei,
deixando apenas um resquício de deboche à mostra.
— O que aconteceu? — o pai dela perguntou, parecendo confuso.
— Não é nada, Inácio... Pelo visto, os funcionários desse clube não
prestam atenção no que falamos.
— Filha, você não queria o filé à parmegiana?
Ela olhou de mim para o namorado e então para o pai. O nervosismo
estampado no rosto enquanto ela tentava pensar na melhor resposta.
— Eu disse que queria a parmegiana, realmente. E o Gregório sugeriu
algo mais leve...
— Sim, pra você, Larissa — ele a cortou, ficando irritado.
— Sinto muito, não sabia que o senhor fazia os pedidos da senhorita
Albertelli. — Torci o lábio, parecendo chateado. — Quer que leve o prato?
— Não tem necessidade alguma, rapaz — o pai dela se adiantou. —
Essa parmegiana parece bem melhor do que a salada.
— Ainda está faltando o meu prato — resmungou.
— Senhor, você pediu a salada de camarões com salmão — menti na
maior cara de pau e ele me olhou com mais ódio ainda.
Que se foda. Machista escroto do caralho.
Enfia a porra da salada no cu.
Larissa Albertelli comprimiu os lábios, deixando uma microcurvatura
de um sorriso transparecer. Eu a olhei com cumplicidade e pela primeira
vez na vida um fluxo diferente se alternou entre nós. Uma estranha
sensação reconfortante irradiou pelo meu corpo e eu me questionei que
merda era aquela.
— Vai levar mais um tempo para a cozinha preparar outro prato,
porque estamos meio cheios, mas posso solicitar.
— Não tem necessidade — o pai dela respondeu por ele e começou a
dizer em um tom brincalhão. — Gregório, aproveita o dia de hoje para ser
fitness.
Eu pedi licença e observei de camarote enquanto ele empurrava as
folhas de má vontade para dentro da boca como um cavalo no pasto. E
talvez pudesse ser uma fanfic, mas nada me tirava da cabeça de que a sua
namorada estava se divertindo e pensando:
“Se fode aí, otário”.
Aqui nesse mundinho fechado ela é incrível
Com seu vestidinho preto indefectível
Eu detesto o jeito dela, mas pensando bem
Ela fecha com meus sonhos como ninguém
:: GAROTA NACIONAL - SKANK ::

PEDRO QUEIROZ

03:00 da manhã.
Eu odiava acordar naquele horário desde meus 14 anos, quando o
Pipo me obrigou a ver o maldito filme da Emily Rose. Eu devia ter aceitado
quando ele tentou dar o play em “As Branquelas”, mas não aguentava mais
assistir aquela merda quase todo dia porque meu irmão era viciado, então
concordei.
Nós dormimos na mesma cama por uma semana e acordamos a cada
ruído, até mesmo com o estalar da geladeira. A Vó Dea não deixou que
ficássemos no quarto dela, alegando que era nosso castigo por ver um filme
daqueles numa casa abençoada.
Havia uma foto. Vergonhosa. Que ela guardava a sete chaves junto
com os santinhos que tinha do Vaticano e o primeiro CD do Padre Marcelo
Rossi.
Inferno, agora eu estava pensando naquilo. Fui até o quarto do Pato
verificar como ele estava e abafei uma risada quando vi que ele estava
roncando com um bichinho de pelúcia nos braços.
Macaco mimado do caralho.
Desci as escadas para pegar um pouco de água e notei pela janela que
minha vizinha sem educação estava chegando de carro com os faróis
apagados. A garota desceu do carro sozinha, vestindo um moletom parecido
com os que eu gostava de usar, todo preto. Colocou uma mochila nas
costas, olhou para os lados para se certificar que não havia ninguém ao
redor e entrou na sua casa.
E depois era eu que parecia um assaltante...
A curiosidade corroeu cada partícula do meu corpo. O que a
Patricinha da Barra estava fazendo em uma madrugada vestida daquele
jeito? Por que ela estava chegando na calada da noite sorrateiramente?
Subi pulando os degraus para ver se as cortinas do seu quarto estavam
afastadas e me posicionei no escuro, atrás do tecido para que ela não
pudesse me ver.
As portas de vidro iam do chão ao teto, bem amplas. Havia uma
grade, tornando o espaço como uma espécie de sacada, bem estreita e
parando para analisar tudo era aberto e próximo demais. Era possível ver o
quarto dela inteiro do meu.
Tudo bem que aquele era o quarto da irmã do Heitor, mas mesmo
assim... Ricos não deveriam gostar de privacidade?
Todo o meu pensamento desintegrou e meu ar se tornou nulo quando
ela apareceu no meu campo de visão, somente com uma lingerie preta de
renda, soltando os cabelos que antes estavam presos em um coque. Eu juro
por todos os santos que haviam na casa da minha avó, aconteceu em câmera
lenta.
O meu pau, no entanto, ficou duro na velocidade da luz.
Caralho, odiava o quanto ela era linda. Não conseguia desviar a
atenção das pernas longas, como se estivesse enfeitiçado. Não fazia ideia do
que estava acontecendo, mas pelo visto, a renda era um tecido mágico
capaz de deixar a insuportável ainda mais gostosa. E era ridículo porque eu
a via de biquíni o tempo inteiro!
Alguém precisava me internar. Menos de uma semana morando com
os ricos e tudo o que eu queria fazer era quebrar meu mandamento e pecar.
Puta merda, só com aquela visão eu tinha certeza de uma coisa na
vida: queria ir direto pro inferno. De tobogã, para ser mais rápido.
QUE MERDA, PEPEU, PORRA?
Tropecei quando tentei sair daquele lugar o mais rápido possível.
Nem lembrava o que havia ido fazer ali para início de conversa. Ah, sim, eu
estava indo fuxicar a vida alheia, exatamente como Vó Dea mandava eu não
fazer.
Aquilo era o meu castigo.
MUITO BEM FEITO, TROUXA!
Abri meu celular e comecei a digitar uma mensagem para o Pipo
afirmando: “Praga de vó é real”, mas decidi apagar e voltar a dormir. Não
teria como justificar pro meu melhor amigo que tive uma ereção apenas por
ver minha inimiga declarada de lingerie. Era só um surto, uma reação
instintiva ao botar os olhos em uma mulher gostosa.
Dormi mal pra caralho. Senti um calor desgraçado a noite inteira e
talvez tenha sido por causa de toda baixaria que rolou no meu sonho com
aquela patricinha escrota que tirava minha paz.
Acordei suado, gozado e humilhado.
Meu Deus, ela tinha feito até mesmo os meus pensamentos de refém.
Decidi tomar um banho gelado, o que me deixou com o humor ainda pior.
Não adiantou e eu tomei um segundo, lutando contra a vontade de tocar
uma punheta.
Não, eu me recusava!
Nem fodendo eu ia tocar uma pra ela.
NEM FODENDO.
NEM POR UM CARALHO!

Eu toquei uma pra ela.


E estava me odiando por isso. Também estava irritado porque com
certeza nos cruzaríamos na piscina. Era sábado e seus amigos, como
sempre, estariam por lá.
Não demorou nem mesmo cinco minutos para eu saber que estava
errado. Ninguém do grupinho dela tinha dado as caras e aquilo era uma boa
notícia. Um dia inteiro sem a Patricinha da Barra para me azucrinar, sem
pedir para coar aquela porcaria de caipivodka de limão. Seria ótimo poder
respirar o ar podre daquelas pessoas tão fúteis sem ter a dose extra dos
jovens que ali residiam.
Apenas eu e as coroas que queriam pegar no meu pau.
Acreditem, isso era melhor do que ter que aturar os playboyzinhos.
Ainda assim, meu dia se passou arrastado e logo que meu expediente
acabou, chequei o Pato e percebi que a residência dos Albertelli estava
vazia, mas o Mini Cooper continuava na garagem.
E como eu não tinha nada a ver com aquilo, troquei de roupa para dar
um pulo em casa. Era muito melhor pegar o BRT durante os finais de
semana, sem precisar passar pela experiência de me sentir como uma
sardinha enlatada dentro de um forno elétrico no máximo. Uma sensação
única que os trabalhadores do Rio de Janeiro sempre podiam experimentar.
Cheguei no portão do prédio e na mesma hora me senti em casa,
vendo que o Rubens do apartamento 03 estava mostrando o celular dele
para a moradora do 04.
Ambos moravam no prédio e ele constantemente tentava ostentar suas
coisas para impressioná-la. O coitado não tinha chance, Karolayne estava
focada em arrumar um velho da lancha.
— Fala aí, Pedro! Você precisa ver esse Iphone que eu comprei para a
empresa — contou, mostrando-me o aparelho. — Sabe como é, sou um
homem de negócios e os fornecedores me ligam direto.
Ah, o Rubens se apresentava como empresário do ramo alimentício,
conhecido também por muitos como o dono da mercearia da esquina.
— Maneiro, porra — falei, pegando o celular nas mãos. — Depois me
empresta para tirar umas fotos do Lipe?
— Claro, afinal, eu sou patrocinador do garoto!
O patrocínio: Uma vez ele pagou um dos uniformes do Pipo e
estampou as costas inteira com o logotipo do mercadinho.
— Seu Rubens, dá um pulinho aqui? — o funcionário gritou, do outro
lado da rua, e ele o olhou furioso.
— A gente se vê! Mais tarde nos falamos, Karol — respondeu, saindo
apressado.
Ele atravessou a pista aos berros com o homem, lembrando-o que
estava com o celular da empresa e que se precisava se comunicar, deveria
fazer da forma adequada. Sua voz foi se perdendo conforme ele gritava que
seu estabelecimento não era uma bagunça.
Nós demos uma risada.
— E aí, Pedrinho? — Karolayne me cumprimentou com a voz
melosa, mexendo na barra do shortinho apertado que ela estava usando.
A morena que era quase uma sósia da Isis Valverde me dava muito
mole desde que tinha se mudado para o prédio, uns três anos atrás e eu tinha
plena consciência de que não podia me envolver com uma mulher que era
tão desesperada por dinheiro.
Além do mais, ela era torcedora fanática do BlueDogs[32] e já bastava
o Pipo querendo jogar na minha cara sobre os campeonatos que tinha a mais
do que o Riviera FC[33]. Karolayne estava em busca de um Banquinho 24
horas e eu definitivamente não era um. Ela vivia tentando se infiltrar nas
festas dos famosos e foi assim que conheceu e ficou com o TH[34], atacante
do time do Blues, antes dele ser dominado pela jornalista gostosa.
E o motivo principal: Vovó Dea me mataria se eu comesse a
Karolayne.
— Karol, Karol... Como pode? — indaguei, cheio de insinuação,
chegando um pouco mais perto.
Eu disse que não podia comer, não mencionei nada sobre flertar.
— Como pode o quê? — ela perguntou, mordendo o lábio inferior.
— Cada vez que eu te vejo, você tá mais gata.
— Como você é bobo, Pedrinho! — E sorriu, enrolando uma mecha
de cabelo entre os dedos. — Você que tá sempre lindo.
— Fala aí, João! — cumprimentei o morador do 02 quando ele passou
por nós.
João Batista era o morador do 02 e ele estava investindo na sua
carreira de funkeiro. Era sempre um inferno quando ele e a Rita (a avó dos
gêmeos), começavam o típico duelo de músicas. Ele, de um lado com o
funk nas alturas e ela tentando barrar o volume com algum louvor.
— João é o caralho, Pedro. É MC Cleytinho agora! — retrucou,
levemente ofendido, mas logo mudou a postura quando viu quem estava do
meu lado. — E aí, Karolzinha?
— Foi mal, Cleytinho. Vou nessa, galera... Já estou atrasado para o
jantar.
Subi as escadas e fui dar uma olhada no meu apartamento para ver se
ele não havia desmoronado. Peguei mais algumas roupas, enfiei na mochila
e atravessei o corredor, sentindo o cheiro da comida que eu mais amava no
mundo.
— Você na cozinha? — indaguei, franzindo o cenho e o Pipo me
olhou apreensivo, apoiando a tampa da panela na pia.
— Minha avó não estava se sentindo muito bem e...
Antes que meu irmão pudesse terminar, um bolo se formou na minha
garganta. Meu coração disparou e um zunido forte pareceu cortar o meu
cérebro como uma lâmina.
— O que ela tem? — O questionamento foi feito cheio de receios,
porque estava morrendo de medo da resposta.
— Calma, Pepeu. Ela se sentiu um pouco mal, a pressão baixou e eu
dei um pulo na UPA com ela.
— E você não me ligou, porra? — levantei meu tom de voz,
realmente irritado, sentindo minhas veias saltarem.
— Você estava no trabalho e...
— Foda-se, Felipe! Não foi o que combinamos, caralho — cuspi as
palavras com raiva. — Deixa de ser irresponsável!
Eu o empurrei para passar, porque ele estava obstruindo o caminho e
fui até a sala. A Vó Dea estava deitadinha no sofá com as pernas para o
alto, eu me agachei e segurei sua mão.
— Ei — cumprimentei e ela virou as costas da minha mão,
depositando um beijinho ali.
— Oi, filhinho. Vovó vai levantar, eu só estava descansando.
— Não, você vai ficar aí — avisei, sério, impedindo que ela se
movesse.
— Não briga com o Pipo, fui eu que mandei ele não te ligar.
Respirei fundo, tentando suprimir toda a raiva.
— Achei que eu fizesse parte dessa família — retruquei, não tendo
sucesso algum.
— Que palhaçada é essa, Pedro? — Ela fechou suas feições e como
me chamou pelo nome, sabia que tinha se sentido ofendida. — Você é meu
neto igual. E não que isso importe, porque você sabe que sangue não é nada
nessa família, mas se esqueceu que o seu também corre nas minhas veias?
Ela bateu no pulso, claramente aborrecida.
— Sangue é importante pra você? — Agora seu tom foi de desdém.
— Não, mas por qual motivo não me ligou? — Cruzei os braços,
esperando uma explicação decente.
— Porque não foi nada demais. Você sabe muito bem que fica
desesperado e foi só uma queda de pressão.
— Não fico desesperado à toa. Sua saúde é frágil. E não foi “nada
demais” — fiz as aspas no ar de forma debochada. — Felipe disse que
foram pra UPA!
— Eu não tinha certeza se era a pressão, se fosse alguma coisa mais
séria, ele teria te ligado — afirmou, olhando no fundo dos meus olhos e
aumentando o aperto na minha mão. — Brigou com ele, não foi?
— Claro, porra.
— A boca, Pedro — ela ralhou e eu rolei os olhos, murmurando um
“desculpe” de má vontade.
Soltei o ar, cansado, e dei um beijo na sua testa, levantando logo em
seguida. Caminhei até a cozinha e avistei meu melhor amigo encostado na
parede, mexendo no celular.
— Já conversei com ela — comecei a dizer, mas ele nem mesmo
levantou os olhos, continuou me ignorando.
Cruzei o cômodo e tirei o aparelho das suas mãos, recebendo um
estalar de língua em resposta.
— Desculpa, fiquei preocupado e... Não deveria ter chamado você de
irresponsável.
Eu não deveria ter falado aquilo porque era uma grande mentira. Pipo
podia ser encrenqueiro, mas ele tinha muita responsabilidade com as coisas
de casa, com nossa avó e sua carreira.
— Você não é a única pessoa que se preocupa com as coisas, Pedro. E
eu sei resolver os B.Os[35].
— Eu sei. E você sabe que eu acabo falando merda quando estou
irritado — lembrei, fazendo com que ele me lançasse um olhar de desdém.
— Vai me perdoar ou ficar com essa cara de cu?
Pipo desfez a careta e abriu um sorriso travesso.
— Depende, se rolar uma tattoo aqui no meu peito eu te perdoo —
brincou.
— Você fala como se precisasse pedir. Sabe que eu me amarro em
desenhar nessa pelezinha sensível de bebê — zombei, apertando suas
bochechas com uma das mãos e ele gargalhou, dando-me um abraço. —
Amo você, irmão. Desculpa mesmo pelas merdas que eu disse.
— Pelo menos você não me chamou de cadela... — Ele comprimiu os
lábios e depois explodiu em gargalhadas. — Zoeira, isso foi errado e você
merecia mais de um tapa na cara. Amo você também, seu vacilão do
caralho. E vamos comer porque eu tô passando mal já.
Balancei a cabeça em uma negativa e dei uma risada quando ele
começou a contar empolgado sobre a sequência de manobras que tinha
conseguido fazer mais cedo, tirando o celular do bolso para me mostrar.
Era realmente bom estar em casa.
Está nos seus olhos
Eu posso dizer o que você está pensando
Meu coração está acelerado também
Não é surpresa alguma
Eu estive te observando ultimamente
Eu quero fazer isso com você
:: IN YOUR EYES - KYLIE MINOGUE ::

PEDRO QUEIROZ

Quando cheguei do Terreirão, notei que as luzes da casa ao lado


continuavam apagadas. Girei a chave na porta e quando abri, Pato estava no
sofá da sala, jogado em um canto, parecendo deprimido.
— Ei, o que aconteceu? — indaguei e o macaquinho abriu e fechou as
mãozinhas, fazendo sinal para que eu fosse até ele.
Fiquei até preocupado porque a casa parecia intacta e Pato
normalmente tocava o zaralho, bagunçando tudo que estivesse ao seu
alcance. Até mesmo as tomadas eram protegidas porque ele era muito
curioso e queria fuçar cada coisinha.
Sentei ao seu lado, pegando-o no colo e ele se aninhou no meu
pescoço, praticamente implorando por carinho e dando um beijinho no meu
rosto. Notei que a temperatura do seu corpo estava um pouco mais alta do
que o normal.
— Será que você está com febre? — indaguei e ele me olhou como se
não fizesse uma porra de ideia.
Decidi fazer pipoca, porque sabia que não havia nada no mundo que
Pato amasse mais. Andei com ele até a cozinha, deixando-o sentadinho no
balcão. Na mesma hora em que eu peguei o milho, ele começou a gritar,
animado, tirando forças sabe-se lá de onde, porque cinco segundos atrás ele
parecia um moribundo.
— Já melhorou, seu safado? — indaguei, fazendo com que ele
voltasse a ficar molenga, arrastando o braço machucado no chão.
Sabia que aquele macaco era mimado e dramático, mas ele realmente
estava mais quentinho e amuado. Já tinha dado remédio antes de sair e
achei melhor esperar o horário correto.
— Você viu se a vizinha chata passou em casa? — perguntei e ele
girou a cabeça para o lado, fazendo alguns ruídos.
Comecei a colocar os ingredientes na panela e o Pato subiu no meu
ombro. Tirou o meu boné, começou a mexer no meu cabelo e a brincar com
o meu escapulário. Ele era como um furacãozinho, sempre ligado no 220
volts.
Fiz a pipoca e ficamos vendo filme na televisão. Achava graça
quando o macaquinho pegava algumas delas e tentava enfiar na minha
boca, mas quando eu as tirava da sua mão, ele ficava irritado.
Em algum momento, eu levantei para pegar um pouco de Coca-Cola
e notei que a casa ao lado continuava apagada.
Era ridículo que eu estivesse tão curioso sobre o paradeiro dela. Era
sua culpa, por parecer uma porra de uma esfinge. Ora agindo como se fosse
uma princesa intocável, ora parecendo uma delinquente.
— Será que a herdeira dos Albertelli tem dupla personalidade? Ou
será que o problema dela sou eu?
Pato me olhou e deu um gritinho, levantando uma das mãos no ar.
— Já parou para pensar que ela pode ter vestido aquela roupa e saído
no meio da madrugada porque estava tramando um plano para me
incriminar?
Nem era uma coisa absurda, já quase tinha sido preso duas vezes por
sua causa. Na terceira já dava para pedir música no Fantástico[36].
O macaco continuava me olhando, emitindo alguns barulhos e eu
estava certo de que ele concordava com meu raciocínio.
— Não duvido que ela tenha tirado as roupas na noite anterior porque
sabia que eu estava olhando... Talvez esse fosse o intuito desde o início.
Uma vingança porque eu tinha jogado as verdades na cara dela.
Pato balançou a cabeça em uma negativa.
— Você não sabe de nada, Pato. As pessoas fazem coisas absurdas
por muito menos nos filmes e livros — justifiquei.
O animal pareceu concordar e depois me mostrou a mãozinha,
fazendo uma careta de dor. Antes que eu pudesse me mover, percebi faróis
se aproximando da residência ao lado. Espiei pela janela e a vi descendo do
veículo do namorado, inclinando-se um pouco mais para dizer alguma coisa
para ele. Pato percebeu a movimentação e veio correndo para o meu ombro
para ver o que estava acontecendo do lado de fora da janela.
— Acho que devemos perguntar para patricinha se é normal você
estar tão quente... — Ele balançou a cabeça em diversas negativas e
começou a gritar em protesto. — Para com isso, tenho certeza que você está
com febre.
Ele me olhou como se julgasse até o fundo da minha alma.
— Não me olha assim, só estou preocupado com você.
Pato desceu e pegou a caixa de remédio na bancada, balançando e
mostrando-a para mim.
— Eu só quero ter certeza se está com febre mesmo, vai que você
precisa ir até o veterinário e...
O que ocorreu a seguir foi a última coisa que imaginei ser possível.
Uma afronta que eu jamais esqueceria. Aconteceu rápido demais, eu pisquei
e senti a caixinha sendo arremessada no meu rosto. Não tive tempo de
desviar, apenas senti o papelão bater com força contra a minha pele e cair
no chão.
Fui interrompido de uma forma insultante e como se não bastasse,
Pato começou a rir. Uma traição sem tamanho depois de defendê-lo tantas
vezes quando Pipo insistia em dizer mentiras sobre ele.
Puxei o ar, tentando controlar a raiva, mas ele mostrou todos os
dentes e começou a pegar as pipocas que havia restado na panela, gritando e
arremessando-as em cima de mim.
Macaco teimoso do caralho.
Que inferno, só desejava a porra de uma opinião médica. Queria
confirmar se ele estava com febre ou era apenas a preocupação exagerada
que minha família alegava que eu tinha.
Corri até a porta, ignorando os berros estridentes e a bagunça que ele
estava fazendo. A garota que atormentava meus pensamentos estava a
alguns metros de distância dentro de um vestidinho florido, curto e rodado.
A peça era tão delicada que quem via de longe jamais imaginaria o peso da
sua mão.
O barulho que vinha de dentro da sala chamou sua atenção e percebi
que seus olhos se estreitaram na minha direção.
— Ei, 190! Pode dar um pulo aqui? — chamei, orgulhoso de mim
mesmo por não ter agido como um idiota dessa vez.
Mesmo que estivesse longe, percebi que seus ombros caíram e ela
revirou os olhos, bufando e caminhando de má vontade até a entrada da
casa do Heitor.
— O que você quer? — saiu como um resmungo no instante em que
ela encostou uma das mãos na cintura, batendo o pé no chão.
Eu a olhei de cima a baixo e dei uma risada.
— Por que ele está assim? — Ela passou por mim e foi até o Pato
quando se deu conta do escândalo que ele estava fazendo para se exibir.
— Acho que é febre — informei, fechando a porta e seguindo-a até a
cozinha.
— Fica calmo, Patinho — pediu, aproximando-se ainda mais dele e
fazendo carinho em seu pescoço.
O macaquinho finalmente se acalmou, agarrando-se nos braços dela e
dando beijinhos em sua pele. Observei a risada gostosa que escapou dos
seus lábios quando ela fez cosquinha em sua barriga, fazendo-o rir também.
— Quer brincar com isso aqui? — Larissa indagou, balançando o
molho de chaves que estava no seu bolso e Pato ficou alucinado, pulando
em cima da bancada para pegar.
Ela se afastou do animal e deu alguns passos na minha direção,
diminuindo bastante a distância entre nós. Fiquei enraizado no lugar,
tentando entender o que estava acontecendo. Minha respiração falhou e um
arrepio correu do início até o final da minha coluna no segundo em que a
garota se inclinou perto do meu ouvido.
Seus cabelos estavam mais ondulados do que o habitual e caíam em
cascata sobre os ombros, deixando apenas um pedaço de pele branca à
mostra. Era difícil não me perguntar que tipo de desenho eu faria ali se
tivesse a oportunidade.
Contive a súbita vontade de deixar que a ponta do meu dedo
percorresse a linha da clavícula marcada em busca da alcinha do vestido
que eu sabia estar perdida em meio aos fios castanhos.
— Ele está bem quentinho... Precisamos medir a temperatura —
sussurrou, como se estivesse me contando um segredo.
O calor do hálito queimou o meu pescoço e ela se afastou um pouco
para fazer contato visual. O castanho dos seus olhos era profundo e
penetrante e hoje, particularmente, havia aquela dose de cumplicidade que
experimentamos no dia anterior.
Pisquei, um pouco atordoado com a proximidade inesperada, mas na
mesma hora, ajeitei a postura e pigarrei.
— E por que está cochichando?
— Porque não quero que ele ouça que vamos enfiar um termômetro
na bunda dele — respondeu, como se fosse óbvio.
— O quê? — praticamente berrei, horrorizado.
— É como se mede a temperatura. Acha que ele pode tentar me
morder? — indagou, olhando de relance para ele.
Notei o pobre macaco brincando feliz com as chaves sem imaginar o
que estava por vir... Eu era o responsável pelo bem-estar daquele animal e
agora seus olhos com certeza ficariam opacos e sem vida depois do que ela
estava sugerindo.
Será que Pato sabia o que estava por vir? Ele com certeza não estava
preparado para se sentir invadido daquela forma. Talvez estivesse, tendo em
vista sua reação exagerada.
Deveria ter algo errado. Não era justo.
— Não. Você está de sacanagem... — Balancei a cabeça
negativamente, ainda inconformado e ela arregalou os olhos, encarando-me
como se eu fosse um ignorante.
— Não. Por que diabos você acha que eu inventaria algo assim?
Pato sorriu para mim e senti que estava enfiando uma faca nas suas
costas. Bem, com toda certeza iríamos enfiar alguma coisa por trás dele.
— Acha que ele vai me morder? — ela tornou a perguntar,
preocupada.
— Não acho. Quer dizer, Heitor disse que ele não tem o costume de
morder as pessoas, mas eu também não tenho e certamente faria isso se
metessem um termômetro no meu cu.
A garota tentou se manter séria, comprimindo os lábios, mas quando
eu dei uma risada, ela explodiu em gargalhadas. Seu corpo pendeu um
pouco para frente e ela encostou no meu braço, que estava apoiado na
bancada. Foi um movimento involuntário, desses que a gente faz quando
estamos à vontade com alguém e precisamos nos equilibrar ou buscar por
fôlego.
— Está achando engraçado, 190? Esse macaco vai te odiar para
sempre.
— É você quem vai segurá-lo — ela avisou, cessando as risadas.
— Nem fodendo.
— Não vou conseguir fazer isso sozinha.
— E se ele me morder? — perguntei, preocupado.
Não era ela que estava com medo de uma possível mordida, porra?
— Você toma ponto e uma vacina antirrábica — respondeu, como se
fosse óbvio, dando de ombros.
Minha boca entreabriu um pouco, demonstrando todo meu horror. Eu
estava certo em odiar aquela garota, ela era fria e calculista. O verdadeiro
mal encarnado em pessoa.
Avisou que ia até em casa buscar alguns utensílios e voltou
rapidamente com o objeto que faria aquele macaco me ver como seu
inimigo de morte. Deveria ter chamado meu irmão para fazer isso no meu
lugar, Pipo já achava que Pato o odiava mesmo.
Eu o segurei contra o meu corpo quando ela levantou o rabo e inseriu
o termômetro no local indicado depois de passar algo que parecia um
lubrificante na ponta. Pato soltou um ruído de tristeza, mas se manteve
quietinho no meu colo, apertando meu polegar com a mãozinha que não
estava machucada.
Pobre bicho.
Ela ficou fazendo carinho no pelo e em algum momento sua mão
encostou na minha quase que por uma fração de segundos. O toque foi
muito rápido e cessou no mesmo instante, como se nós dois tivéssemos
tomado um choque. Não nos olhamos, todo o contexto já parecia
constrangedor demais.
— Ele não está com febre — constatou depois de olhar a marcação,
indo até a pia e jogando álcool em cima do termômetro.
À toa, ele tinha sido violado à toa.
Pato me olhou e eu tenho certeza de que se ele pudesse falar, diria:
“Espero que você morra”.
— Você fez o curativo dele hoje? — ela indagou.
— Não, eu ia fazer agora à noite.
— Vou dar uma olhada.
Eu a observei organizar alguns materiais na bancada da cozinha sem
tirar o Pato do meu colo. Ele parecia extremamente abalado e não me
olhava nos olhos. A verdade é que eu nem mesmo sabia como encará-lo
depois do que havia acontecido.
— Vamos tirar isso aqui e colocar um novo, neném? — perguntou
baixinho, fazendo carinho em sua cabeça.
Havia algo na maneira como ela se movia, como falava e até mesmo
como respirava e aquela merda estava entrando no meu sistema. Era
bizarro. Não prestei atenção naquela garota por tanto tempo e agora não
conseguia tirar meus olhos dela.
Nós estávamos perto demais novamente e isso com certeza fez com
que meus músculos ficassem tensos. Com cuidado, ela retirou o curativo e
se inclinou para me mostrar o machucado, eliminando ainda mais espaço
entre nós.
— Está vendo? Está começando a cicatrizar — explicou, levantando
os olhos grandes e castanhos para mim.
Apenas assenti, impossibilitado de quebrar o contato visual que
tínhamos feito. As pupilas dela eram sempre tão dilatadas?
Larissa puxou os cabelos para trás, prendendo-os em um coque e
deixando uma quantidade absurda de pele à mostra. Porra, aquele era o meu
ponto fraco. Prestei atenção nas veias aparentes que marcavam seu corpo,
mas fui atraído pelo movimento da mão que se direcionou até a nuca,
apertando um local que parecia enrijecido.
— Parece que tem menos sangue? — tentei puxar um assunto
buscando aliviar a tensão entre nós.
Ela deu uma risada e encostou a mão na minha para segurar a patinha
do Pato e limpar o ferimento com um algodão.
A respiração pesada, os olhares que se cruzavam e se desviavam na
mesma velocidade. Havia contato demais, eu conseguia sentir uma espécie
de corrente elétrica pronta para explodir.
Estava quente. Pra caralho!
Eu precisava abrir uma janela com urgência para que o ar pudesse
circular. Minhas veias pulsavam conforme o calor engatinhava pelas minhas
extremidades, consumindo absolutamente tudo e queimando-me vivo.
Puxei uma inspiração, o aroma flutuando pelo ar, deixando-me
inebriado. Ela tinha cheiro de jujuba e era viciante.
Era difícil controlar a vontade de prensá-la contra a bancada, segurar
o seu pescoço com força e passar minha língua lentamente por ele. E juro
que estava lutando contra meus maiores esforços para não fazer isso.
Quanto tempo demorava para trocar um curativo?
Os pequenos gestos pareciam calculados para atrair toda minha
atenção. Ela umedeceu os lábios e eu precisei me controlar. Estava irritado
com a impossibilidade de tocar sua pele. Como se cada movimento me
convidasse, empurrando-me para a beira de um precipício tentador.
Havia uma tensão palpável e algo me dizia que aquele momento
estava sendo um fardo para ela da mesma forma que era para mim.
— Já acabei aqui — ela avisou, parecendo inquieta, os olhos fixos
nos meus.
Não consegui desviar, como se estivesse hipnotizado, sendo sugado
para aquele abismo cor de chocolate. Também não senti o seu calor se
dissipar de imediato, o que significava que sua mão estava sobre a minha.
O barulho que o Pato fez foi o responsável por nos tirar daquela
espécie de transe. Ele saiu do meu colo, enrolando-se no braço dela e
apoiando a cabecinha perto da sua palma.
— Obrigado — respondi, enfiando minhas mãos no bolso e dando um
passo para trás.
Aquilo havia sido constrangedor.
— Bem, eu vou indo... — avisou, juntando as coisas rapidamente
dentro da maleta.
— Pode me dar o seu celular? — perguntei e me arrependi no mesmo
segundo.
— Hãn?
— Se alguma coisa acontecer... Eu prefiro... Ahn... Eu prefiro não ter
que bater na sua casa.
— Ah, certo. — Ela deixou as coisas de lado e estendeu uma das
mãos.
— Ah, o celular! — lembrei, alguns segundos depois, puxando o
aparelho do meu bolso e quase deixando que caísse no chão.
Que caralho estava acontecendo? Eu parecia uma confusão!
Ela digitou os números e me entregou o celular. Salvei o seu contato
como Patricinha Insuportável para me lembrar quem ela era, porque pelo
visto, agora o meu pau tinha mudado de lugar e estava na minha cabeça.
Larissa se despediu do macaquinho, me deu um boa noite rápido e
caminhou até a porta. Ela girou a maçaneta e virou o corpo para trás antes
de ir embora.
— Obrigada por ontem... — disse baixinho. — No restaurante.
— Não sei sobre o que está falando — retruquei com um sorrisinho
de canto de lábio e ela respondeu da mesma forma, fazendo um meneio
com a cabeça.
De novo aquela porra de olhar. De novo aquela merda de
cumplicidade.
Você me deixa tão quente
Me faz querer desmaiar
Isso é tão ridículo
Eu mal consigo parar
Eu mal consigo respirar
Você me faz querer gritar
:: HOT - AVRIL LAVIGNE ::

LARISSA ALBERTELLI

Em alguns momentos, tudo que uma pessoa quer é poder tomar uma
xícara de chá na santa paz do Senhor, mantendo o olhar perdido nas plantas,
árvores e passarinhos. Analisando a perfeita harmonia da natureza, sempre
calma e sem muitas agitações.
Sem nenhum tipo de estresse, falatório ou imagem perturbadora.
Suspirei, deixando meus pensamentos divagarem. Era muito mais
fácil quando ele era apenas um babaca insuportável. Muito mais simples
quando o ódio que eu nutria era o único sentimento que crescia no meu
peito. E antes do maldito começar a morar na casa da frente, meus
pensamentos não eram nada impuros.
Porque agora eles eram. Eu tinha uma infinidade deles. E teria ainda
mais depois daquela visão.
Meu mais novo vizinho estava no quintal do Heitor, sem camisa,
completamente suado, socando um saco de boxe. Heitor mantinha aquela
porcaria ali só para enfeite, porque ele não batia nem nos mosquitos da
dengue. Se matriculou um mês no boxe, comprou todos os equipamentos
existentes e desistiu quando tomou uma porrada forte demais. Já tinha visto
pela janela ele mostrando o equipamento para algum casinho, cheio de
lábia, provavelmente inventando que o MMA corria pelas suas veias.
Aquele saco enfim estava recebendo alguma atenção e eu quase dei
um pulinho no lugar quando, em um determinado momento, o garoto que
fazia da minha vida um inferno, deu um tapa com toda força no couro.
Um calor sobrenatural me consumia de dentro para fora, lembrando
da troca de olhares da noite anterior, imaginando as mil e uma coisas que eu
deixaria que ele fizesse comigo.
Meu Deus, Larissa!
Respirei devagar, tentando prestar atenção no ar contornando meus
pulmões, fazendo o caminho correto. Pedro era gostoso e gostaria de não ter
sonhado com ele na noite anterior e acordado totalmente molhada.
Talvez eu tenha ficado pensando tempo demais naquele idiota
arrogante. Não fazia sentido uma pessoa pedir o seu número e sequer enviar
um “oi” para que o contato ficasse salvo. E se eu quisesse perguntar como o
Pato estava? Ele era mesmo tão mal-agradecido assim?
A chaleira tinha começado a apitar de novo na minha frente e eu
enrolei o pano na mão para pegá-la sem deixar de prestar atenção no treino
que estava acontecendo no quintal ao lado.
Mordi meu lábio inferior quando ele deu outro tapa para segurar o
saco de boxe e me inclinei um pouco para frente para ver melhor. Como
deveria ser a sensação daquela mão grossa acertando a minha bunda
algumas vezes?
Caralho, Larissa!
Um cheiro de queimado subiu pelas minhas narinas e quando eu
percebi, dei um berro, assustada, jogando o pano para frente.
— Ah, meu Deus! — berrei ao ver que uma chama tinha se alastrado
para a cortina e estava lambendo o tecido.
Puta merda, puta merda!
O alarme da casa tocava sem parar, mas eu não fazia ideia do que
fazer. Até os bombeiros chegarem, tudo já teria virado cinzas. Meus pais
iam me matar e com certeza comprariam o caixão mais barato da funerária
do pai do Gregório.
Estava muito ferrada.
A porta da minha casa se abriu e como se estivéssemos em uma cena
de filme, o Pedro surgiu correndo, ainda sem camisa e com um extintor na
mão.
Será que eu estava sonhando?
Eu nunca tinha tido sonhos com bombeiros, mas aqui estava ele,
vindo apagar o meu fogo, literalmente. Passou por mim, empurrando-me
para trás, para que eu ficasse longe da bancada e apertou o gatilho do
extintor. O seu corpo parecia ter sido esculpido, com um bronzeado perfeito
e o suor descia devagar pelas entradas do short.
Deus do céu, eu amava entradas.
Pedro estava agitado, gritando para que eu não me aproximasse, para
que ficasse onde estava. Apenas assenti, um pouco atordoada e levemente
hipnotizada. E observando todo o desenrolar à minha frente, cheguei à
conclusão de que seria impossível acabar com o incêndio que acontecia
embaixo da minha saia.
Talvez, com a mangueira dele...
MEU DEUS, LARISSA, CARALHO!
— Você só faz cagada, hein, 190? — ele perguntou, ofegante e sem
paciência quando se virou para mim. — Que merda estava fazendo?
O alarme continuava apitando. Ele largou o extintor no chão e passou
as duas mãos pelo rosto, empurrando um pouco do suor para baixo, que
desceu quase que em câmera lenta pelos gominhos do seu abdômen.
— Ahn, eu... Estava distraída — balbuciei, forçando-me a olhar nos
seus olhos. — Como você...?
— Ouvi seu grito e depois vi o fogo subindo para a cortina —
explicou, bagunçando o cabelo e em seguida encostou as duas mãos na
cintura, virando-se para o estrago.
Seu abdômen se movimentava para dentro e para fora, acompanhando
sua respiração ofegante.
Eu precisava tirar meus olhos dele, meu Deus!
— De onde você tirou esse extintor?
— Eu vi perto do quadro de luz no dia em que você tentou me mandar
para a cadeia — debochou. — Provavelmente o Heitor tem medo do Pato
incendiar a casa.
— Ele está melhor?
— Acordei e percebi que ele não estava pela casa. Deve estar pelo
condomínio. Ele cagou em cima da minha cama, acho que ficou ressentido.
Ele deu uma risadinha e coçou a cabeça.
Merda, ele era uma gracinha assim simpático.
— O pessoal do condomínio vai chegar daqui a pouco — constatou,
olhando para o alarme e caminhando em direção à entrada da minha casa.
Assenti duas vezes.
— 190? — ele chamou, virando-se para trás.
— Hm? — respondi e depois me odiei por isso.
— Tente não incendiar sua cozinha na próxima vez que estiver me
secando enquanto eu treino — disse, cheio de si, dando um sorrisinho de
canto de lábio e saindo pela porta.
Deixei um gritinho de frustração escapar, sentindo minhas bochechas
queimarem. Era um castigo divino que ele tivesse me visto, por toda a
mentira que eu escondia das pessoas à minha volta.
Babaca insuportável dos infernos.

Depois que ele saiu foi um caos. Os funcionários do condomínio


apareceram, os bombeiros chegaram e algum tempo depois, minha mãe
voltou para casa no meio do expediente junto com Gregório. Por mais que
fosse domingo, os três tinham saído bem cedo para a cirurgia de um político
que já estava agendada, mas apenas o meu pai ficou por lá.
Agora, eu estava na Dräieck porque era o aniversário de um dos
nossos amigos. A boate do Heitor era a mais badalada do Rio de Janeiro,
mesmo com os diversos relatos de furto do local. Muita gente “perdia” itens
que nunca eram encontrados e isso acabou virando uma espécie de
marketing. O nome significava triângulo em alguma língua que eu não me
lembrava e as pessoas começaram a dizer que ali era um portal para o
Triângulo das Bermudas.
Isso aconteceu alguns meses depois da abertura da casa, um vídeo
viralizou e tudo explodiu. As pessoas passaram a frequentar a boate com a
expectativa de perder algum objeto apenas para divulgar nas redes sociais
os seus relatos.
Confesso que tinha minhas desconfianças. Estava quase certa de que
tudo era uma jogada de marketing do próprio Heitor. Não me espantaria que
fosse um cliente frequente, entretanto. Sabia de algumas pessoas que
tinham dinheiro e furtavam itens de lojas apenas porque achavam divertido.
Já tinha conversado com Heitor e ele sempre achava graça demais de
tudo, alegando que não fazia ideia, que talvez lá realmente fosse um portal.
Até parece, aquela mentira de que ele não sabia de nada apenas dava mais
força para a minha primeira teoria.
— Ei, Greg... Por que está com essa cara? — indaguei para o meu
namorado emburrado, sentado na ponta do camarote.
Já tinha bebido três doses de tequila com Lavínia e Ana no bar, então
me joguei em cima dele, forçando um abraço.
— Estou meio puto, Kinha.
— Ah nãoooooo... — Fiz um biquinho e ele revirou os olhos, dando
uma risada sem muita vontade, mas puxando-me para o seu colo.
— Sabe que queria ter participado da cirurgia hoje — resmungou.
— Não pedi para você largar o seu trabalho.
— Claro, com certeza faria muito sentido não voltar com a sua mãe
sendo que você tentou incendiar a sua casa — ele bufou e fiz menção de me
levantar.
Gregório me puxou de volta pela cintura e segurou o meu rosto,
fazendo carinho.
— Não vai embora... — pediu, encostando os lábios nos meus. — Só
estou um pouco estressado. As coisas no hospital são cansativas e eu fiquei
preocupado pra caralho com você.
Ele encostou a testa na minha e olhou no fundo dos meus olhos.
— Não sei o que seria de mim sem você... Eu te amo, desculpa se
estou sendo um idiota.
Em momentos como aquele, eu realmente acreditava que meu
namorado me amava. Conseguia vislumbrar os lados bons do nosso
relacionamento, lembrava de como as coisas eram fáceis no passado. Em
algumas ocasiões, eu até mesmo esquecia de todas as vezes que ele tinha
me traído. Era sempre mais fácil quando havia álcool correndo pelas
minhas veias ou quando estava me sentindo carente.
Havia duas de mim. E uma versão tinha repulsa da outra. Em ocasiões
assim, eu afundava ainda mais a parte inquieta, a mais julgadora, a que se
perguntava que merda eu estava fazendo com a minha vida.
E naquelas frações de segundos, acreditava que seria capaz de lidar
com todo o destino que eu tinha pela frente. Gregório estava muito longe de
ser perfeito para mim, mas para todo mundo que nos cercava, ele
aparentava ser. E isso era o que importava.
— Greg, o Cadu está no bar arrumando confusão. — Um dos amigos
dele pulou dentro do camarote, agitado. — A Lavínia ficou puta que
sujaram a roupa dela e foi chamar a segurança.
— Que merda! — Greg soltou o ar, cansado, tirando-me do seu colo.
— Fica aqui, Kinha.
— Não arruma confusão! — pedi, mas ele ignorou.
Ele saiu praticamente correndo e eu o segui, sem que ele percebesse.
Quando chegamos perto do balcão, eu fechei os olhos sem acreditar em
quem estava do outro lado.
Por que infernos esse idiota estava sempre metido em tudo?
Cadu havia se debruçado no bar. Estava aos berros com o Pedro, que
se encontrava com o maxilar trancado e os braços cruzados como se fosse
um armário bloqueando uma porta.
— Você não manda em nada aqui. Sabe de quem eu sou filho? — o
amigo do Gregório berrou, revoltado.
— Não sei e não me importo — ele respondeu, áspero.
— Esse fodido está tirando uma com a minha cara, Greg. Disse que
não vai mais me servir! — Cadu se queixou para o amigo e depois olhou
revoltado para seu alvo. — Tá achando que é quem? Eu pago seu salário,
seu pobre de merda. Você não manda em nada aqui.
Dei um passo para frente para ouvir melhor e o olhar do Pedro
desviou para mim. Na mesma hora, meu namorado se virou para trás
porque percebeu que a atenção dele tinha se direcionado para outra coisa.
— Volta pro camarote, Kinha — ele pediu por trás do ombro e depois
se aproximou do balcão. — Não tem motivo pra essa confusão, Cadu. Ele
vai voltar a te servir e...
— Não, eu não vou. Esse bêbado idiota já quebrou duas garrafas, um
copo e quase acertou um dos barmen. Já solicitei educadamente que seu
amigo se retire da casa antes que eu chame a segurança — afirmou sem
pestanejar.
Gregório deu uma risada, com certeza se sentindo insultado.
— Acha que só porque está morando na casa do Heitor, isso significa
que manda no bar dele? — indagou, cheio de desdém. — Abaixa sua
bolinha, você é só um garçom e não manda em porra nenhuma.
— Gregório... — eu o chamei, mas ele nem mesmo se virou.
— Infelizmente para vocês, eu sou a pessoa responsável hoje. —
Pedro abriu um sorrisinho, divertindo-se com aquilo.
— Ele está ali, moço. — A voz da minha melhor amiga ecoou atrás
de mim. — Já quebrou duas garrafas de tequila e manchou meu vestido
novo da Gucci.
— Segurança, pode levar esses dois — Pedro deu a ordem com um
tom de voz firme e na mesma hora os quatro homens gigantes seguraram os
braços do Gregório e do Cadu, arrastando-os para fora.
Nós o seguimos pelo meio da multidão até o hall da entrada da boate.
— Vai tomar no cu, Lavínia — Cadu chiou quando paramos perto dos
caixas.
— Aprende a beber, seu idiota! — ela retrucou com raiva. — E você
me deve R$ 3.000,00. Lari, vou voltar lá pra dentro, espero você.
Claro que minha amiga estava possessa por conta do seu vestido,
podiam jogar uma garrafa na cabeça dela, mas se a roupa fosse atingida, o
caos se instaurava. E sabia bem o motivo da Vi cobrar pela peça, ela estava
com raiva e de saco cheio, porque dinheiro não era o problema. Nossos pais
faziam questão de nos dar um cartão especificamente para roupas e nunca
reclamavam sobre a fatura.
— Já vai tarde... Ah, e Lavínia, você é intrometida pra caralho! —
Gregório berrou e ela levantou o dedo do meio para ele.
— A culpa é daquele GBR filho da puta — Cadu continuou a dizer,
revoltado.
— Você tem sorte dele não ter chamado a polícia, você podia ter
machucado alguém, Cadu — briguei, irritada.
— Sorte? — Meu namorado soltou uma risada sem humor. — Esse
arrombado está se divertindo com tudo isso. Deixa de ser otária, Larissa.
— Por que sua namorada está defendendo esse bosta?
— A Kinha não pode ver um vira-lata, se esqueceu? — ele
desdenhou, como se estivesse enjoado. — Nunca vi ter tanto apego com
pobre.
Eu o olhei com os olhos pegando fogo. Odiava a forma como ele se
referia às pessoas que não tinham o nosso padrão social. Já tinha pedido
tantas vezes para que tivesse mais respeito por elas.
— Você está sendo um babaca.
— Foda-se, Larissa. Tem noção do quanto é humilhante ser expulso?
A gente tá aqui toda semana! Eu tive um dia de merda e só queria relaxar
um pouco. Era aniversário do Romeu e agora a gente vai ter que ir
embora...
— A gente? — indaguei.
Ele piscou, um pouco confuso.
— Você vai ficar aí?
— Vou. É aniversário do nosso amigo e eu pedi para você não
arrumar confusão — falei, deixando-o ainda mais irritado.
— Faz o que você quiser, Larissa. — Ele deu de ombros e se virou
para o caixa para pagar sua comanda.
— Vai pra casa? Me liga quando chegar? — perguntei, aproximando-
me um pouco e ele riu.
— Nem fodendo. Você não vai ficar aí se divertindo, Kinha? —
Agora ele estava sendo muito debochado. — Eu vou fazer a mesma coisa.
Boa noite.
— Boa noite.
E foi só o que eu respondi porque a outra parte minha queria mesmo
era mandar o Gregório tomar no meio do cu.
O fogo em chamas normalmente nos mataria
Mas com todo esse desejo, juntos, nós somos vencedores
Eles dizem que estamos fora de controle e outros dizem que somos pecadores
Mas não deixe eles estragarem nossos belos ritmos
:: FIRE ON FIRE - SAM SMITH ::

PEDRO QUEIROZ

Subi as escadas que davam até o escritório do Heitor para avisar o que
havia ocorrido. O som da música no primeiro andar estava alto demais e
queria que ele entendesse, porque sabia que os arrombados tentariam ligar e
eu precisava dar a minha versão.
Como eventualmente eu fazia alguns bicos e conhecia a casa de festas
muito bem, meu mais novo chefe perguntou se seria possível cuidar de tudo
naquela noite. Explicou que o gerente tinha sido demitido dois dias atrás e
seu sócio precisou fazer uma viagem de emergência para São Paulo.
Assim que contei sobre o ocorrido, ele me disse que fiz o certo, que
depois se entenderia com os dois e daria um esporro em ambos porque a
Dräieck não era bagunça. Ainda ficava impressionado na confiança que
Heitor tinha em mim e nem mesmo sabia o que tinha feito para ganhá-la.
Estava saindo do cômodo, caminhando pelo corredor escuro e
distraído mandando uma mensagem para o Pipo no meu celular. No
segundo em que senti um puxão no braço, o cheiro de jujubas pareceu
preencher todo o ar ao meu redor.
Aquela área da boate era inacessível para os clientes e eu não fazia
ideia de como ela tinha chegado ali. Levantei meus olhos para encontrar os
seus, vendo de forma vítrea a sua cor, mesmo que a luz se encontrasse fraca
e quase nula. Era como se a tonalidade estivesse gravada na minha memória
depois de tanto ver meu reflexo atrás deles queimando de ódio.
— Seu namorado é um cuzão, 190 — falei, antes que ela pudesse
começar o sermão que imaginei que tinha preparado.
Dei uma risada mental, lembrando da música do Forfun, uma banda
dos anos 2000 que tinha exatamente esse nome.
— Quando vai parar de me chamar assim?
Ela me soltou e franziu o cenho, deixando toda a irritação
transparecer. Dei uma risada da sua pergunta.
— Eu não vou.
— Por quê?
— Porque te irrita e eu não gosto de você — respondi, como se fosse
óbvio.
— Você é tão insuportável. — Seus olhos reviraram como sempre
faziam para praticamente qualquer frase que saía da minha boca.
— E ainda assim você está aqui — comentei, em um tom sugestivo,
dando um passo para frente e colocando-a contra a parede. — O que está
fazendo aqui?
Ela recuou, engolindo em seco, mas sem interromper nosso contato
visual. Foi impossível não sorrir mentalmente, satisfeito em ver que ela
parecia desconfortável.
Naquela manhã, eu percebi que a herdeira dos Albertelli estava
observando meu corpo quase que hipnotizada durante o treino. E
permaneceu por todo tempo em que eu fiquei dentro da sua casa tentando
apagar o fogo que ela tinha começado.
Cheguei à conclusão de que aquele desejo não era unilateral e que
havia uma forma melhor de lidar com a situação sem quebrar o meu
mandamento de vida. Porque eu não iria, nem fodendo, mesmo que
estivesse louco para meter o meu pau naquela porra de boceta burguesa.
O que dificultava era o fato daquela insuportável estar sempre por
toda a parte, tirando minha paz. Então, decidi que usaria aquilo para
provocá-la até que se afastasse. E a verdade é que seria maravilhoso me
divertir um pouco às suas custas.
Foda-se que ela tinha me ajudado com todo o lance do Pato, eu ainda
a odiava e aquele sentimento jamais iria embora.
Sabia muito bem que a patricinha que tinha saído diretamente do
filme da Barbie não iria meter um par de chifre no Ken, mesmo que o
gostoso do Max Steel[37] aqui estivesse à disposição. Ela nunca trairia
aquele babaca por mais que ele fosse um merda de ser humano.
Estava louco para vê-la se contorcer como um maldito inseto depois
de algumas borrifadas de inseticida, entretanto.
— Queria saber uma coisa... — começou a dizer e fiz um meneio com
a cabeça para que continuasse. — Está se sentindo vingado?
— Eu? — Dei uma risada. — Vingado pelo quê?
— Por aquele dia do relógio — respondeu. — Você expulsou o
Gregório daqui, mas só quem estava fazendo merda era o Cadu.
— Achei que você era apenas a defensora dos GBRs. Virou a dos
babacas também?
— Não vim defendê-lo. Afinal, está se sentindo vingado?
Me aproximei um pouco mais e percebi que seu olhar desceu para a
minha boca, fazendo com que eu abrisse um sorrisinho de imediato. Era
bom me sentir no comando, eu gostava quando sabia que tinha aquele tipo
de efeito em uma garota.
— Por que acha que sou uma pessoa vingativa? — continuei os
questionamentos, adorando vê-la encurralada.
Ela soltou o ar pela boca, como se minha pergunta não fizesse
sentido.
— Vai me dizer que você não é vingativo?
— Não disse que eu não era. — Mais um sorriso e eu percebi toda a
raiva crescendo nas suas feições.
Era tão fácil irritá-la.
— Sim, eu sou vingativo, mas vai precisar de muito mais pra eu me
sentir vingado.
Eu podia ouvir a pergunta “o quê?” martelando na sua cabeça e a luta
interna, quase como se estivesse se desafiando a fazê-la.
— O que está fazendo aqui? — tornei a perguntar, percebendo que
meu rosto estava próximo demais.
— Já... Te disse — ela engasgou as palavras, umedecendo os lábios
em seguida e eu fiz a idiotice de olhar para eles.
Merda de boca grossa e linda do inferno.
— Você mente bem pra todo mundo à sua volta, 190... É uma pena
que eu saiba a verdade.
— É? — Sua sobrancelha arqueou e ela mudou o tom para desafiador,
chegando alguns milímetros mais perto. — E o que acha que estou fazendo
aqui?
Mordi o meu lábio inferior e não fui capaz de segurar uma risadinha.
Peguei uma das suas mechas de cabelo e enrolei entre meus dedos, como se
não pudesse me conter. Coloquei os fios atrás do ombro, deixando que
minha mão resvalasse na pele, sentindo a resposta imediata em um arrepio.
Ela prendeu o ar quando eu me inclinei em sua direção, mas desviei a
boca para perto do seu pescoço. Puxei uma respiração, irritado comigo
mesmo pela súbita vontade de sentir meus lábios contra ele.
— Acho que precisa de alguém que dê conta de você... — sussurrei,
percebendo a inquietação do seu corpo.
— Eu tenho um namorado — retrucou, como se aquilo tivesse
relevância.
— É? E onde ele está? — Minha pergunta foi feita olhando dentro
dos seus olhos e a resposta veio em um silêncio contrariado. — Tenho uma
teoria... Acho que está aqui porque aquele merda não supre as suas... — Fiz
uma pausa. — Necessidades.
— Você é um babaca… — Ela fez menção de sair, mas coloquei meu
braço para impedir.
— Diz pra mim, 190… Ele realmente dá conta de você? — falei
baixinho, contra os seus lábios, nunca deixando de manter meu olhar fixo
no dela.
A tensão sexual entre nós dois crescia, incitando-me a continuar e
praticamente implorando por algum tipo de ação. O calor que emanava do
seu corpo estava me deixando alucinado e a respiração descompassada
queimava não só a minha boca, como também meus neurônios.
Ela iria recuar.
Ela iria recuar.
E eu comecei a não querer que isso acontecesse.
Em segundos, me perdi no joguinho que estava tentando fazer, em
uma mistura inconsciente de uma aceitação verbal e não verbal do meu
corpo. Foda-se, eu queria sucumbir. Desejava quebrar o meu mandamento
agora, mais do que qualquer outra coisa.
A frase “eu te odeio” dançava na ponta da minha língua, a irritação
começando a me deixar desnorteado. Porque eu não conseguia uma
explicação lógica para o que estava acontecendo. Estava com raiva de todo
o efeito que aquela garota parecia ter sobre mim naquele momento.
— Por que acha que ele não dá conta de mim? — Havia um pouco de
atrevimento no tom, algo que não fui capaz de identificar, mas me baqueou.
— Você me olharia da forma que me olha, se ele desse? — Foi uma
pergunta genuína, porque já estava confuso pra caralho. — Você estaria
aqui, se ele desse?
— Quer saber o que estou fazendo aqui? — perguntou de forma
sedutora.
Tudo o que consegui fazer foi uma concordância com a cabeça antes
que ela torcesse a mão na minha camiseta, puxando-me para si e colando os
lábios nos meus. Soltei a respiração dentro da sua boca, quase que em um
alívio por finalmente sentir o seu gosto.
Sua língua se empurrava contra a minha de um jeito agressivo, como
se ela também estivesse com ódio de si mesma por estar se rendendo ao que
quer que fosse aquilo entre nós dois.
Todo o controle se esvaía. De forma contínua. Em uma espiral
infinita.
— Porra! — sussurrou, junto com um gemido dentro da minha boca,
fodendo-me por completo.
Uma das minhas mãos livres encontrou sua nuca, agarrando os seus
cabelos com força, puxando-a cada vez mais para mim. Minha outra mão se
mantinha ao redor da sua cintura de uma forma urgente, como se eu
estivesse desesperado para prolongar um momento que sabia que seria
único na minha vida.
Mais um aperto e eu pendi sua cabeça para trás, descendo a boca para
explorar sua mandíbula, o pescoço e o que mais eu fosse capaz. Era
possível sentir suas veias pulsando contra a minha língua, o gosto doce de
bala se espalhando pelo meu céu da boca.
Desci a mão para baixo da sua bunda, levantando-a um pouco mais na
parede. Fechei os olhos quando percebi que meu pau estava duro e alinhado
contra a sua boceta, apenas imaginando a possibilidade de fodê-la contra
aquela parede.
Ignorei todos os avisos internos que estavam sendo ofuscados pela
euforia tangível dos nossos corpos. Em uma mistura de mordidas, puxões e
respirações incompletas, eu quebrei. Aquele beijo era quente como o
inferno. E eu deixei que ela me queimasse, exatamente como uma vítima
voluntária de um incêndio.
— Eu estava certo... — respondi ofegante, forçando-a a me encarar.
— Ele realmente não dá conta de você.
— Será? — Ela mordeu o lábio inferior que já estava bem inchado e
deu uma risada. — Talvez eu só esteja procurando uma forma de me vingar
também...
Eu parei o que estava fazendo, afastando seu rosto do meu. Uma
enxurrada de pensamentos errados começou a inundar a minha cabeça,
tentando arrombar as portas que eu mantinha muito bem travadas e
deixando em primeiro plano minhas inseguranças. Eu odiei aquela merda.
A garota na minha frente cessou as risadas e franziu o cenho, um
pouco confusa pela minha reação.
— Foi por isso que me beijou? — perguntei, sério, e depois deixei
que o desdém me anestesiasse por completo, suprimindo toda a raiva que eu
estava sentindo. — Por que queria dar o troco no seu namorado que encheu
sua cabeça de chifres?
Todos seus músculos enrijeceram e Larissa trancou o maxilar como se
estivesse moendo os dentes, furiosa pelo que eu tinha dito.
— Peguei em um ponto sensível? — debochei. — Eu duvido que ele
dê conta de você enquanto trepa com metade das mulheres do Rio de
Janeiro, mas se está tão certa disso, talvez seja melhor terminar na cama
dele, se ela já não estiver ocupada.
— Você é muito escroto... — ela cuspiu as palavras e se virou para ir
embora, praticamente marchando.
— Não mais do que você. — Minha voz ecoou no corredor antes que
ela pudesse sair do meu campo de visão.
A raiva trepidou dentro do meu estômago, espalhando-se como a
labaredas do incêndio que eu tinha sido capaz de controlar mais cedo.
Parecia bem mais difícil agora, sentindo-o correr por cada célula, tentando
explodir pelas minhas extremidades.
Ela era como gasolina.
Não se preocupe
Eu não quero mais te ver
E nunca quero te encontrar de novo
Mais uma coisa
Quando está brava, você é uma babaca
E então me trata como se eu não valesse nada
:: WORTH NOTHING – TWISTED ::

LARISSA ALBERTELLI

Eu não deveria ter feito aquilo. Era uma completa idiota por achar
que, de alguma forma, o resultado seria diferente do que tinha sido. Havia
me deixado levar, por todas as insinuações, a sedução e o sorrisinho
traiçoeiro que ele tinha. Tudo o que o imbecil queria fazer era ter uma
oportunidade para jogar na minha cara o quanto minha vida era patética e
me humilhar mais um pouco.
Eu percebi o que ele estava fazendo… E mesmo assim eu caí.
O errado me atraía de uma forma que eu jamais saberia explicar. Não
era só um escape da vida fictícia que eu precisava manter.
Eu queria a adrenalina, o perigo, o averso.
— Ei, amigaaaaa. Por que está com essa cara? — Ana perguntou,
jogando-se em cima de mim e me enchendo de beijos.
— Ela precisa de comida... — Lavínia declarou, entre as risadas, e se
jogou no montinho que tinha se formado em cima de mim. — Ou talvez
levar uma boa de uma comida...
— Não fica triste por conta daquele idiota do Gregório.
— Você tinha que ver o papelão, Ana... — minha amiga comentou,
balançando a cabeça em discordância e jogando os cabelos para trás. —
Alguém viu meu celular?
— Não e eu não estou triste por causa dele — afirmei. — Gregório é
adulto e sabe o que faz.
— Eu disse que era fome!
Demos risadas e descemos para tomar café. O pai da Vi abriu um
sorrisão ao me ver e nos cumprimentou, parecendo animado. Ele adorava
quando nós aparecíamos para poder tentar convencer a filha a seguir o
nosso caminho, voltar para a faculdade e encontrar um cara que tivesse
alguma boa posição social.
Ele perguntou se queríamos tapioca e pediu para a moça que
trabalhava lá fazer. E como sempre acontecia, começou a divagar sobre os
assuntos que minha amiga tentava fugir.
— Como está na faculdade, Ana?
— Está legal, tio, mas estava precisando de férias! — Ela deu uma
risadinha e deu um gole no seu café.
— Lari, seu pai disse que você está se saindo super bem no hospital...
Conversamos na semana passada e ele falou mais uma vez que seria
incrível se a Vi entrasse para o curso, já que trancou Direito e não quer
voltar de jeito nenhum.
— Pai, eu não vou fazer Medicina — decretou, tentando não subir o
tom de voz.
— Acho que a Medicina realmente não é pra Vi — falei, tentando
brincar. — Do jeito que é esquecida, é a cara dela deixar alguma coisa
dentro de um paciente.
Elas gargalharam, concordando e ele abafou uma risada, meio a
contragosto.
— Fora as roupas monstruosas que vocês usam... — minha amiga
lembrou. — Acho que você é uma das poucas que consegue ficar
minimamente bem dentro de um jaleco.
— Mas existem outras áreas em que ela não precisaria operar... — Ele
voltou a olhar para a filha, um pouco sério, ignorando seu comentário. —
Espero que no evento de amanhã você faça alguns contatos que te animem
para fazer alguma coisa. Você vai fazer vinte e dois anos, Lavínia, e passa
todo o seu tempo sem fazer nada...
— Estive pensando sobre isso, sempre te vejo fazendo doações, mas
como eu não tenho dinheiro, posso doar esse meu tempo todo. Estava
conversando com uma das funcionárias daqui do condomínio e ouvi dizer
que lá no Terreirão eles tem um projeto muito legal de lutas e também
fazem algumas campanhas...
Ele soltou um ruído de incredulidade, impedindo que a filha
terminasse a frase. Comprimi os lábios para não rir, vendo-o ficar vermelho
pela irritação, a veia na testa pulsando sem parar.
— Você não vai pro meio da favela! E nem tem que ficar de papo
com essas pessoas que trabalham aqui! — avisou de forma rígida, mas em
um tom de voz baixo para que a funcionária que estava na cozinha não
pudesse ouvir.
— Comunidade... — corrigi baixinho enquanto levava minha xícara
até a boca, mas ele nem mesmo ouviu.
— Tem sorte que sua mãe não está ouvindo esses absurdos que você
está dizendo — continuou, ríspido. — A gente te dá tudo, você deveria ser
mais grata, como as meninas. É difícil até mesmo ter uma manhã tranquila,
sem seus comentários desnecessários, Lavínia. — Depois, olhou para mim.
— Larissa, vê se coloca algum juízo na cabeça da sua amiga.
Ele respirou fundo e levantou, ajeitando a postura deixando claro que
aquela discussão tinha chegado ao fim. Pediu licença, afirmando que estava
atrasado para o trabalho e deu um sorriso sem muita vontade antes de se
retirar do cômodo.
“Você deveria ser mais grata, cadelinha.”
Aquela frase me trouxe uma infinidade de memórias, puxando-me
para uma parte que eu não gostava de visitar. Até mesmo o pai da minha
melhor amiga esperava algo de mim e era muito difícil deixar tudo de lado.
Lavínia estava com um sorrisinho satisfeito no rosto por ter tirado seu pai
do sério e muitas vezes eu a invejava por se impor daquele jeito.
— Eu é que deveria colocar menos juízo na sua cabeça — ela
murmurou para mim, rindo e eu balancei a cabeça, segurando as risadas.
Eu nunca seria aquela pessoa. Entendia os sacrifícios que precisava
fazer porque eu era sim grata e nunca iria querer que meus pais pensassem
o contrário. Eles tinham me dado tanto e eu não tinha coragem de
recompensá-los com decepções.

E como uma filha perfeita, eu estava em mais um evento com um


vestido elegante e exibindo meus sorrisos falsos para toda a alta sociedade
do Rio de Janeiro. Era um baile de gala beneficente do Círculo de Ouro e
mesmo que não fizéssemos parte, eles chamavam algumas famílias
tradicionais apenas para mostrar que eram superiores a nós.
O sentimento de pertencimento não era o mesmo, isso eu poderia
afirmar. Cada uma das pessoas que estava ali sabia muito bem o seu lugar
dentro da cadeia de status social. Aquelas festas ocorriam com bastante
frequência, mas as duas edições principais aconteciam no início e meio do
ano.
Era um evento muito fechado, com os políticos mais importantes, os
famosos que eram relevantes e os donos das maiores empresas do país.
Meus olhos passaram rapidamente pela porta quando avistei o prefeito e a
primeira-dama de Coroa do Sul, chamando toda a atenção dos fotógrafos.
Aquela mulher vestia vermelho como nenhuma outra.
Marco Montes estava logo atrás com sua noiva, o anel da família
reluzindo nos seus dedos para que todos pudessem invejar. O dono da
DuploM era um dos solteiros mais cobiçados do país e no passado, as
mulheres faziam fila para deitar em sua cama, mas Alice Rossi o havia
tirado do mercado. Ela usava um vestido azul-marinho e parecia um pouco
desconcertada com toda a atenção, mas os dois formavam um casal
adorável. Os Montes já tinham pertencido ao C.O., mas saíram quando
Miguel Montes foi preso.
— Acabei de esbarrar com aquele fofoqueiro filho da puta no
banheiro — Gregório comentou baixinho. — Não sei o que esse idiota está
fazendo aqui...
Samuel Medici era o colunista da QueenG! que amava contar os
podres sobre os famosos e também sobre as famílias importantes do estado
do Rio de Janeiro. E Gregório o odiava porque ele tinha feito uma matéria
uns anos atrás expondo um esquema de lavagem de dinheiro da família
dele. Mesmo que os Valença tivessem abafado tudo, isso quase custou
alguns milhões a menos na conta bancária da família.
— Chamaram ele da última vez também — comentei.
— Pelo visto qualquer um pode frequentar esses eventos agora —
resmungou, ajeitando o terno.
No dia seguinte da boate, Gregório me mandou uma mensagem
dizendo que tinha resolvido ir dormir e depois apareceu na minha casa, todo
meloso com flores, como ele sempre fazia depois que comia alguém.
Era um movimento recorrente e eu já tinha percebido há um bom
tempo. Comecei a reparar depois de ver notificações na tela do celular ou
após ouvir algum comentário que escapava de um dos seus amigos. Ele não
fazia ideia de que eu tinha percebido e nem nunca saberia porque eu
gostava de ter controle sobre os meus chifres.
Meu Deus, eu era patética.
A foda que tivemos pela manhã tinha sido frustrante. Por mais que
Gregório fosse o famoso Soca Fofo e eu gostasse mais dos Soca Forte, o
sexo era aceitável. O pau dele não era grande coisa, mas isso nunca foi um
problema para mim. No início eu estava realmente apaixonada, agora não
mais. E no geral, o sexo não era ruim, apenas morno e sem graça.
O motivo da decepção era outro. Eu estava dando para ele, mas tudo o
que eu desejava era que o garçom mais prepotente e desprezível do Rio de
Janeiro estivesse me comendo.
Argh!
Eu odiava aqueles eventos, eram sempre insuportáveis. Todos
perguntando sobre quando minha faculdade acabaria, afirmando que eu
seria uma médica incrível assim como os meus pais e meu futuro noivo.
Gregório adorava os holofotes, então ele falava bem mais, contando todos
os seus feitos e sempre dando uma exagerada.
Ele sumiu algum tempo depois, mas fiquei com os meus pais na mesa
porque o jantar tinha sido servido. Decidi ir ao banheiro e quando estava
voltando, Lavínia me interceptou, puxando-me pelo braço para que eu fosse
com ela até o bar.
— Viu quem está aí? — indagou, apontando com a cabeça para o
loiro alto à nossa frente.
Dante Perazzo, um dos herdeiros de uma das maiores petroleiras do
país estava conversando com Yuri Menin, o caçula do banqueiro mais rico
do Brasil. A fortuna daquelas duas famílias era tão imensa que eu me
perguntava como eles não cuspiam dinheiro ao falar.
— Homem bonito do caralho — comentei, soltando um suspiro ao
olhar para o Dante.
— Prefiro o Yuri.
Eu e Lavínia sempre ficávamos observando os caras bonitos nos
eventos e fazíamos isso desde que éramos pequenas, mas atualmente nunca
encontrávamos uma oportunidade. Havia uma lista em algum lugar no
fundo de uma das nossas gavetas com notas e tudo, uma que fizemos no
auge dos nossos dezesseis anos e estávamos com fogo na periquita.
— O Domênico está por aí também — ela comentou, falando sobre o
outro herdeiro. — Se você não tivesse se enrolado com o Gregório, tenho
certeza que estaria com um deles.
Dei uma risada e depois percebi que foi alta demais. Limpei a
garganta, ignorando alguns olhares que se direcionaram para mim.
— O Dom é velho demais para mim, Vi.
— Trinta e dois é velho onde? — indagou, chocada.
— São dez anos a mais, amiga — argumentei, mas ela deu de
ombros. — E ele é meio amargurado, está sempre de cara fechada. Deus me
livre.
O Yuri deu um tchauzinho na nossa direção e a Lavínia abriu um
sorriso safado na mesma hora. Ele cutucou o amigo e os dois vieram até
nós, cumprimentando-nos com dois beijinhos.
Nós ficamos conversando um pouco sobre a vida e bebendo
champanhe. Eles eram bem agradáveis e engraçados. Para ser sincera, o
filho mais novo dos Perazzo tinha minha atenção desde quando eu era mais
nova. Ele sempre foi lindo e era um pouco mais velho, então eu me derretia
por ele toda vez que o via. Obviamente não queria entrar em uma disputa
com sua ex, todo mundo sabia que uma hora eles se casariam. Ambos eram
do Círculo de Ouro, então eu não tinha chance alguma perto dela.
O papo estava tão legal que nem mesmo percebi o momento em que
meu namorado passou por mim e me olhou irritado. Ele sabia como eu me
sentia a respeito do Dante, porque antes mesmo de começarmos a namorar,
éramos amigos e o assunto surgiu vez ou outra.
Pedi licença e o segui até o lado de fora do salão. Greg estava apoiado
em uma pilastra afastada, digitando enfurecidamente algo no celular e eu
me aproximei. Era em um jardim aberto e o local estava mal iluminado,
sem ninguém por perto.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, olhando para os lados.
— Tomando um ar — respondeu, seco. — Seus pais já foram com os
meus. Eles decidiram beber um uísque na sua casa.
— Aconteceu alguma coisa?
— Meu Deus, Larissa. Você é sonsa ou se faz? — retrucou de
maneira ríspida, levantando a voz para mim e dando um passo para frente.
— Eu não posso sair de perto de você que te vejo em cima de algum macho
diferente.
Gregório estava bêbado e fiquei me perguntando em que momento
aquele homem tinha bebido tanto, porque eu não tinha notado. Tudo bem
que ele tinha sumido por um tempo, mas não era comum que perdesse a
linha nessas festas. Ninguém fazia aquilo, ninguém queria correr o risco de
um vexame e nunca mais ser convidado.
— Eu estava conversando e se você vai continuar sendo um babaca,
estou indo.
Fiz menção de me virar, mas senti sua mão agarrando o meu braço
sem nenhuma sutileza.
— Estou falando com você! — O aperto aumentou, a raiva estampada
em cada uma das suas feições. Ele olhou para meu vestido com desgosto,
levantando a alcinha com tanta força que eu a senti romper. — Primeiro,
você veio pra cá vestindo essa porra dessa roupa...
— Me larga, Gregório. — Eu tentei me soltar, mas ele estava
segurando forte demais. Eu lutei para engolir o bolo que estava se formando
na minha garganta, o desespero começando a subir pelas minhas
extremidades. Aquilo nunca tinha acontecido antes e ele parecia
transtornado.
— Esses caras parecem urubus em cima de você, porra! E não
satisfeita, ainda vem pra festa com os peitos quase de fora e fica dando
mole pro merda do Dante.
Meu estômago retorceu, meu coração disparou e eu senti meus olhos
lacrimejarem. Meu braço já estava dolorido e eu estava agoniada sem
conseguir alcançar minha bolsa.
— Você está... Me machucando! — Minha voz falhou um pouco e na
mesma hora, ele olhou para baixo e me soltou.
— Desculpa, Lari, eu não... — ele começou a gaguejar, em desespero,
percebendo que meu braço estava vermelho demais.
Ignorei o latejar da minha pele, puxando uma respiração para tentar
administrar toda a raiva que se apoderava de mim. O formigamento de
alívio corria para a ponta dos meus dedos, que se moveram agilmente em
busca do meu canivete na bolsa.
Eu sempre andava com ele. Sabia bem quem eram as pessoas que me
cercavam e do que eram capazes. Confesso que nunca tinha imaginado usá-
lo com o meu namorado e talvez fosse uma reação até mesmo exagerada,
mas permiti me perder em meio ao meu próprio caos.
Porque eu estava cansada, prestes a transbordar e aquilo havia sido a
última gota d’água.
Dei um passo à frente, colocando-o contra a parede e seus olhos se
esbugalharam no segundo em que viu a lâmina se abrindo.
— Lari... O que... Você está fazendo, porra? — ele balbuciou as
palavras, assustado, e levantou as mãos como se estivesse se rendendo.
Naquele momento, eu afundei a mulher que o namorava e deixei em
evidência o meu lado obscuro, a parte viciada em adrenalina, a que gostava
do que era considerado duvidoso ou errado. A garota que eu me perguntava
se eu teria sido por completo, se minhas oportunidades fossem outras.
— Você prestou atenção na aula de anatomia, Gregório? — perguntei,
deixando toda a crueldade e o desdém encharcarem minhas palavras. —
Sabe que veia é essa?
Eu cutuquei um pouco abaixo da sua virilha com a ponta do meu
canivete e ele apenas balançou a cabeça positivamente, o pânico estampado
em suas expressões, congelando seus movimentos.
— Porque se você é burro pra tocar em mim desse jeito, pode ser que
você não tenha aprendido nada na faculdade.
— Kinha, por favor... — ele implorou. — O que você...
— Nunca mais toca em mim. Se fizer de novo isso que fez hoje, se
falar um pouco mais alto ou se levantar a mão na minha direção, eu entro
no seu quarto no meio da noite e furo você.
Sua boca se entreabriu um pouco mais, ele parecia horrorizado.
— Não estou brincando. Não seria a minha primeira vez.
E naquele momento, ele finalmente viu a minha versão por inteira.
Você deixou ela de lado
Vai pagar pela mancada
Pode acreditar!
Então já era
Eu vou fazer de um jeito
Que ela não vai esquecer
:: PAPO RETO - CHARLIE BROWN JR. ::

PEDRO QUEIROZ

Estava saindo da pista de skate quando percebi uma linha de fumaça


pairando no ar alguns poucos metros de distância. Era só o que faltava,
aqueles maconheiros de merda iriam ficar queimando ponta no único local
que eu gostava desse condomínio, me obrigando a sentir aquele fedor
horrível.
Conforme me aproximei, o cheiro de cravo inconfundível do Gudang
Garam[38] adentrou minhas narinas, trazendo de volta algumas memórias da
minha adolescência. A razão do meu tormento estava sentada em um
banquinho, olhando absorta para o nada com parte do corpo encostada na
parede.
Dei mais uns passos e ela percebeu minha presença, virando a cabeça
na minha direção. Eu notei o inchaço de choro no seu rosto e desci os olhos
para o braço, percebendo a alça do vestido arrebentada e uma marca
levemente roxa.
Meu coração bateu mais rápido quando comecei a imaginar a
imensidade de coisas ruins que poderiam ter ocorrido com ela. Eu esperei
um momento, tentando lutar com meu instinto protetor, para ver se Larissa
se manifestaria. Dei mais um passo à frente e encontrei mais silêncio.
Os poucos segundos rastejaram lentamente, como se fossem horas
enquanto eu tentava controlar a onda de fúria que estava começando a
irromper dentro de mim.
— Quem fez isso com você? — perguntei, forçando os meus dentes
em busca de algum controle.
— Eu sei cuidar de mim mesma e já resolvi.
— Não perguntei se você resolveu.
Ela levantou os olhos para encontrar os meus e deu uma risada sem
humor. Depois, levou o cigarro até a boca, tragando-o lentamente antes de
responder:
— Você não precisa se importar.
— Você não decide nada por mim — respondi, sem paciência. — Foi
ele, não foi? Aquele pau no cu do seu namorado.
— Está caçando um motivo para finalmente poder se vingar dele?
— Não estou caçando... — Franzi o cenho e me interrompi, irritado
com aquelas suposições, tentando isolar a vontade de quebrar de porrada o
filho da puta que tinha encostado nela. — Eu só quero a porra de um nome!
— Pra quê? Eu já disse que resolvi, isso não é o suficiente?
— Não.
— É uma pena, porque eu não vou te dizer nada. — Ela deu de
ombros, brincando com o cigarro entre os dedos.
— Meu Deus, como você é teimosa e insuportável! — quase gritei,
balançando as mãos ao lado do corpo, frustrado. — Por que não quer me
falar?
— Porque eu mal te conheço e tenho a certeza de que vai querer ir
atrás dele... — Abri a boca para falar, mas ela continuou, em um tom sério e
definitivo: — E eu não quero e nem vou lidar com essa situação e você não
tem direito a voz nisso.
Comprimi os lábios, colocando todo meu esforço em desviar os olhos
do hematoma do seu braço. Ela sentiu um calafrio, decorrente da brisa
gelada que passou por nós e eu tirei meu moletom, entregando-o em suas
mãos, ainda irritado por suas palavras.
Estava dividido entre a fúria e a preocupação, o aperto na minha
garganta aumentando e restringindo o meu oxigênio de correr de forma
natural.
Ela nem mesmo contestou, vestiu o casaco que ficou gigante em seu
corpo e enfiou as mãos nos bolsos da frente, parecendo confortável.
— Obrigada.
“Obrigado você”, pensei. Estava realmente agradecido por não
precisar olhar a cada segundo para o hematoma, por poder ter um diálogo
sem ter o desejo de arrebentar de porrada o responsável por deixá-la
naquele estado.
— Você está certa — afirmei, ainda relutante. — Eu não tenho voz e
nem quero te expor. Não vou fazer nada que não quiser.
Ela me deu um meio sorriso, parecendo grata.
— Por que está aqui no meio do nada?
— Não posso chegar em casa assim, meus pais estão acordados.
— Quer ir para a casa do Heitor? Você pode tomar um banho quente e
colocar outra roupa... — sugeri e ela me encarou um pouco receosa, como
se estivesse ponderando.
Como eu era idiota, ela tinha acabado de passar por algo traumático e
eu estava sugerindo que fosse para dentro de uma casa fechada comigo!
— Tudo bem — respondeu, deixando-me um pouco surpreso.
— Se você não se sentir confortável, não precisamos ir. Posso te fazer
companhia aqui mesmo em um local aberto...
— Fica tranquilo, eu sei que você não tem nem vontade de chegar
perto de uma pessoa tão desprezível quanto eu — disse com desdém, mas
havia um pouco de ressentimento pela frase que eu tinha dito uns dias atrás,
quando a acompanhei até em casa. — Além do mais, eu disse que sei me
cuidar.
— Eu não... — comecei a dizer no momento em que ela se levantou e
fui interrompido logo em seguida.
— Vamos?
Andamos pelo condomínio lado a lado pela calçada. Já estava tarde,
então não havia ninguém nas ruas. Eu abri e fechei a boca umas seis vezes
pensando se deveria puxar algum tipo de assunto, mas o silêncio parecia
confortável para ela, então me mantive quieto.
Era um pouco agoniante não saber o que tinha acontecido, não poder
tomar uma atitude. Estava acostumado a tirar satisfação quando ameaçavam
apenas relar a mão no Pipo.
Assim que entramos na casa, procurei pelo Pato e percebi que ele
estava pela rua. Desde o fatídico dia, o macaquinho estava me dando um
gelo, voltando apenas em alguns momentos para comer ou dormir (e eu
aproveitava para medicá-lo nessas horas). Ela perguntou como ele estava e
dei um breve resumo enquanto subíamos as escadas até o quarto em que eu
estava ficando.
Tirei uma calça de flanela e uma camiseta do armário e entreguei nas
suas mãos, avisando que estaria lá embaixo caso ela precisasse de alguma
coisa.
Era impossível não estar nervoso com tudo aquilo e conter a vontade
de cuidar dela. Eu sabia que era superprotetor com as pessoas à minha
volta, mas normalmente a gente fazia isso pelas pessoas que gostava, certo?
Não pelas que odiava.
Fiquei pensando no que fazer e cheguei à conclusão de que ela
provavelmente estaria com fome, então fui preparar alguma coisa para
alimentá-la. Não queria esquentar uma das refeições que a funcionária do
Heitor tinha cozinhado. Queria fazer algo por ela e nem mesmo entendia o
porquê.
Quando eu a vi descendo as escadas, minha respiração falhou. Os
cabelos molhados, o rosto sem nenhuma maquiagem, dentro das minhas
roupas que eram largas demais para sua estrutura.
Uma sensação estranha tomou conta de mim, como se aquilo fosse
uma espécie de memória reconfortante. Não sabia explicar, mas parecia
certo. Algo como chegar em casa e ver Pipo e a Vó Dea e saber que aquilo
era meu, que me pertencia.
— Ei… — ela falou, caminhando até a bancada e parando para
analisar o meu caderno que estava jogado ali por cima.
Passou os dedos por uma das ilustrações e levantou os olhos
castanhos para mim. Uma mecha caiu sobre eles e eu segurei o impulso de
colocá-la atrás da sua orelha.
Estava com um pouco de dificuldade de entender aquela conexão
momentânea que pairava entre nós.
— É seu? — respondi com uma afirmação silenciosa e ela pareceu
surpresa, virando uma das páginas para encontrar mais desenhos. —
Nossa… Você é bom.
Senti meu rosto queimar. Eu normalmente nem deixava as pessoas
espiarem meu caderno, mas não queria pagar de babaca depois do que tinha
acontecido com ela, então permiti que a enxerida vasculhasse tudo.
— Capivaras? — indagou, não conseguindo conter uma risada.
— Fiquei um pouco obcecado com elas depois que um artista de rua
começou a espalhá-las pelo Rio.
Ela me olhou como se eu estivesse falando outra língua e eu apenas
balancei a cabeça para indicar que aquilo não importava. Era óbvio que ela
não sabia nada sobre artistas de rua, vivia cercada dentro de uma redoma de
cristal.
— É bobeira.
— Você apenas gosta de desenhar? — Sua atenção nunca deixava o
caderno, a ponta dos dedos contornando as linhas. — Porque deveria
realmente investir nisso.
— Eu sou tatuador — contei.
Ela piscou, chocada, finalmente olhando-me nos olhos. Sua boca se
entreabriu em formato de ‘O’ e logo depois seu rosto se retorceu, como se
estivesse desconfiando de que aquilo fosse uma brincadeira.
— Você? Você é tatuador? Sério?
— Por que a relutância em acreditar?
Aquela típica sensação começou a me preencher, porque imaginava
uma infinidade de coisas preconceituosas saindo da sua boca.
— Achei que tatuadores fossem cheios de tatuagens… — foi só o que
disse, encolhendo os ombros.
— Achei que patricinhas fossem mais delicadas... — impliquei,
arrancando um sorriso dela.
Então eu percebi que Larissa Albertelli estava realmente sorrindo para
mim, de alguma coisa que eu tinha dito. Uma sensação de borbulhamento
começou a dar as caras dentro do meu estômago.
— E essas? — perguntou, observando as borboletas que eu tinha
feito. — Também está obcecado com borboletas?
— Estou testando uns desenhos para a minha garota — falei e ela
piscou, parecendo confusa.
Eu deixei de lado a informação de que tinha decidido desenhar uma
borboleta na manhã em que vi uma pousando na sua mão enquanto ela
tomava sol, distraída. Aquela cena havia se incrustado na minha cabeça e
eventualmente eu me pegava pensando nela.
— Você namora? Eu não fazia ideia, eu…
— Não namoro — deixei claro e me questionei se havia uma fagulha
de alívio na forma como seus ombros relaxaram.
— É que você disse “minha garota”.
— Ela não precisa ser minha namorada para ser minha garota.
Nós mantivemos um contato visual pelo que durou cerca de dez
segundos, mas a impressão é de que estávamos presos naquilo por horas a
fio. O ar ao nosso redor parecia ter paralisado e tudo o que passou a existir
naquele momento foi a forma como ela umedeceu os lábios, puxando o
inferior entre os dentes, pensativa.
Seu telefone vibrou dentro da bolsa que ela tinha deixado em cima do
balcão da cozinha assim que chegamos e aquele fluxo constante entre nós
se quebrou.
Notei a foto gigante do babaca no seu Iphone de última geração. Nem
mesmo sabia em qual versão aquela merda estava, não tinha dinheiro para
comprar mesmo. O meu era um modelo velho da Samsung que eu comprei
do Rubens uns meses atrás.
Confirmei minhas suspeitas quando ela recusou a ligação e olhou para
baixo, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha, parecendo inquieta.
— Fiz algo para você comer — avisei, em uma tentativa de abafar
aquele clima merda que tinha ficado no cômodo.
— Você? — Seus olhos se estreitaram.
— Não é nada de mais, só um misto quente.
— Mas você tirou as bordinhas do pão? — perguntou e no momento
em que eu fechei a cara, ela gargalhou.
Balancei a cabeça, revirando os olhos e não consegui deixar de
esboçar uma risada fraca.
— Eu estava com um “vai à merda” na ponta da língua.
Seus olhos se fixaram no meu e ela inclinou um pouco na pedra da
ilha da cozinha, voltando a arrastar os dentes pelos lábios.
— Tenho certeza que sim.
— Acho bom você comer e não reclamar, porque aqui nessa casa eu
não sou obrigado a fazer suas vontades — zombei, pegando o sanduíche
que estava perto do fogão e cortando-o ao meio.
Ela sorriu, achando graça.
— Pedro? — Ergui a cabeça e emiti um ruído para que ela
continuasse a falar. — Obrigada por não me odiar hoje.
— Não se acostume, 190.
Boca fechada, sem embaraços
Eu te dei todas as chances de ser um bom rapaz
Mas fui vencida pelo cansaço
Nosso amor foi enterrado e descansa em paz
:: TÔ NEM AÍ - LUKA ::

LARISSA ALBERTELLI

Aquela noite tinha sido absurda em tantos níveis que nem mesmo era
capaz de descrever a quantidade de coisas que passaram pela minha cabeça.
Assim que saí da festa, após ter ameaçado Gregório com o canivete, avisei
para os meus pais que iria dormir na casa da Lavínia e acabei dormindo no
sofá do Heitor.
Depois que Pedro preparou um sanduíche para mim, sugeriu que
assistíssemos a um filme. E foi o que fizemos, em total silêncio, um de cada
lado do móvel até que eu pegasse no sono.
Por mais que eu não gostasse daquele garoto, ainda estava encucada
com o fato de me sentir tão à vontade perto dele. Bem, ainda ficava
desconfortável em muitos momentos, principalmente quando ele estava sem
camisa ou olhando para mim de uma forma que molhava minha calcinha.
Não fazia ideia de quando foi que todo o ódio se misturou com o
desejo, minimizando-o para perturbar ainda mais a minha paz.
Eu gostei da preocupação, ainda que não fosse necessária. E confesso
que teria achado maravilhoso que ele desse umas porradas no idiota do meu
namorado.
Meu namorado.
Pisquei, lembrando-me do título que ele tinha. E eu o havia ameaçado
com um canivete apontado para sua veia femoral.
Acho que Gregório era meu ex-namorado agora.
Aquele pensamento me deixou levemente desesperada, porque eu não
fazia ideia do que diria para minha família. O pânico rastejou pela minha
coluna diante da possibilidade de que o babaca poderia contar para os meus
pais o que eu tinha feito.
Ele não teria coragem...
O meu celular vibrou ao meu lado, quebrando meu pensamento por
completo e com o susto, quase deixei que caísse dentro da minha banheira.
A notificação que subiu fez meu coração acelerar minimamente e eu me
senti uma idiota por isso.
O que estava acontecendo?

Número
desconhecido: Pato
expulsou você da casa logo
cedo?

Lari: Não, apenas


achei que já tinha abusado
demais da sua paciência.
Deve ter um limite, eu
acredito.

Número
desconhecido: Pra você?
Um limite bem curto.

Dei uma risada. E fiquei alguns segundos observando a tela do


celular. Apertei o botão para ver a foto de perfil do WhatsApp. Ele estava na
orla da praia, sem camisa e com um skate nas mãos.
Como alguém podia ser tão gostoso?
As entradas na cintura eram lindas e os gominhos pareciam ter sido
esculpidos um a um. Aquilo era uma pintinha?
Tentei dar um zoom, mas minha mão esbarrou e eu cliquei no ícone
do telefone, fazendo uma ligação sem querer.
Puta merda. Puta merda.
Antes que eu pudesse digitar alguma desculpa, outra mensagem
apareceu na tela da conversa, deixando meu rosto completamente vermelho
de vergonha.

Número
desconhecido: Admirando
minha foto, 190?

Lari: Nem reparei


que estava com foto, o
celular caiu na minha cara!

Ele não respondeu e eu senti o calor se espalhando pelas minhas


bochechas. Levantei da banheira, amarrei a toalha no corpo e fui até a
janela para espiar.
A casa inteira estava fechada, mas era de se esperar. O Pedro já
deveria estar no clube trabalhando.
Coloquei uma roupa de manga comprida e desci as escadas para
tomar café com os meus pais. Os dois quase nunca paravam em casa e eram
poucos os momentos em que conseguíamos fazer refeições juntos. O
hospital demandava muito tempo de ambos e eu sabia que em breve esse
seria o meu destino também.
— Bom dia, meu amor — meu pai falou, dando um beijo na minha
cabeça assim que passei por ele.
— Bom dia!
— Filha, está tudo bem com você e o Greg?
A pergunta da minha mãe, cheia de preocupação, fez com que um
arrepio gelado corresse pelas minhas vértebras, congelando meus músculos
e sangue.
Merda, merda do caralho.
— Ahn... Por que está perguntando isso? — Limpei a garganta,
fingindo indiferença e tentando focar no meu pão para que eles não vissem
a minha cara de mentirosa.
— Achei que viriam para cá depois e você mandou uma mensagem
dizendo que iria ficar na casa dos Bittencourt.
— Ah, é que a Vi não estava se sentindo muito bem, então fiquei um
pouco com ela e o Greg foi para a casa.
A campainha tocou e a Flávia, a moça que trabalhava na casa,
apareceu alguns minutos depois, um pouco sem graça, pedindo que eu fosse
até a sala.
E quando cheguei no cômodo, fiquei incrédula.
Havia cerca de duzentos arranjos espalhados por todo canto. E por
alguns segundos, eu me esqueci e pensei: Porra, será que Gregório
participou de uma suruba? Então me lembrei do incidente da noite anterior,
aquelas não eram flores de desculpas por uma traição.
Rosas, tulipas, girassóis e espécies que nem mesmo tinha visto antes.
Minha boca estava entreaberta e eu não conseguia emitir nenhum som,
pensando que merda aquele idiota tinha feito mandando aquilo tudo para
minha casa.
Minha mãe passou por mim, dando um gritinho animado e levando a
mão até o rosto, parecendo encantada. Ela caminhou até alguns arranjos,
passando os dedos pelas pétalas e simplesmente do nada, começou a chorar!
— Minha filha, que coisa mais linda — comentou, chorosa,
colocando uma das mãos no meu rosto. — Inácio, vem aqui!
Meu pai passou pelo portal, em choque.
— O que está acontecendo? Viramos uma floricultura agora?
— Foi o Greg! — o gritinho esganiçado da minha fez com que eu
sentisse dor nos ouvidos.
— Por que você está chorando, mulher, pelo amor de Deus?
— Ah, porque isso é muito lindo! — começou a dizer. — Você não
fica emocionado de saber que a nossa garota encontrou alguém tão incrível?
— Depois, se virou para mim e eu dei um sorriso encabulado. — A gente
sempre soube que vocês eram perfeitos um para o outro. O Greg é um
homem maravilhoso. De uma boa família, bem apessoado, médico e é
completamente apaixonado por você.
Fiquei algum tempo estática. A pressão ressoando pelos meus ossos,
o aperto sufocante que me impedia de respirar e aquele sentimento de
encurralamento que sempre me açoitava.
— Ele só podia não tentar quebrar minhas pernas assim — meu pai
cochichou para mim e eu abafei uma risada. — Agora vou ter que fazer
algo grandioso ou sua mãe vai ficar jogando na minha cara que não sou
romântico.
— Meu Deus, um buquê de jasmim! Inácio, olha que lindo...
— Realmente, tudo muito adorável — ele constatou, encostando em
um dos arranjos. — Gregório tem muito bom gosto e sua mãe está certa. É
um alívio saber que você está com alguém que pode te proporcionar essas
coisas. A filha dos Godoy outro dia apareceu com um pé-rapado e ontem
ficamos sabendo que ele invadiu a mansão essa semana e roubou todas as
joias da família... Acho que fazia parte daquela gangue que está assaltando
as casas nos condomínios aqui da Barra.
— Graças a Deus não temos com o que nos preocupar. — Minha mãe
respirou aliviada. — Acho que eu não aguentaria passar pelo que a
Martinha está passando, roubaram até o anel da bisavó dela...
O telefone da minha mãe tocou e ela atendeu a chamada de vídeo e eu
tomei um susto quando Gregório surgiu na tela. Ele parecia um pouco
abatido, mas forçou um sorriso feliz.
— Bom dia! A Lari não me atendeu...
— Ela está aqui! — minha mãe gritou, eufórica, virando o celular
para mim. — Apaixonada pelas flores que você mandou.
— É? — Ele não parecia muito convencido e se esticou um pouco
para me ver na câmera.
— Claro. Não é, minha filha?
— Sim, mãe. São lindas.... — Abri um sorriso mais falso que uma
nota de três reais. — Obrigada, Greg.
— Venha jantar hoje à noite, ordens do seu chefe — meu pai brincou.
— Claro, estarei aí!
Conforme eles conversavam animados sobre o prato, deixei que
minha cabeça me transportasse para qualquer lugar que não fosse ali. Eu me
mantive no meu limbo pessoal, tentando pensar em como administraria
aquela situação.
Não fazia ideia do que fazer, de como nossa relação seria daqui para
frente e raciocinar sobre aquilo parecia exaustivo demais. Era impossível
não repassar na minha mente a forma como meus pais lidavam com a
situação. Eles estavam tão felizes, tão animados... Como eu poderia tirar
isso deles? Tantos planos, tanto investimento para que eu simplesmente
jogasse tudo no ralo, como se fosse uma ingrata?
Nem sei o que respondi ao me despedir, apenas voltei para a mesa,
alegando que estava faminta e ignorei todas as flores. As meninas
mandaram uma mensagem no grupo me chamando para ir para a piscina,
mas eu não podia simplesmente aparecer no clube de biquíni exibindo o
hematoma no meu braço.
Que ódio desse desgraçado, estava um calor do caralho.

Logo depois do café, liguei o ar no máximo e fiquei no meu quarto


estudando um pouco. Passei o restante da tarde zapeando pela Netflix até
desistir e optar pela série que eu sempre escolhia: Brooklyn 99.
Tirei uma soneca, vi vídeos no TikTok e ignorei as cento e vinte e três
mensagens do Gregório no meu celular. Não estava com a mínima vontade
de lidar com aquilo, mas sabia que não teria para onde fugir. Ele estaria
chegando em alguns minutos e eu precisava pensar no que fazer.
A campainha tocou antes do esperado, enquanto eu ainda estava
finalizando minha maquiagem. Não sabia se os meus pais já tinham
chegado, então achei que seria melhor me manter no quarto e deixar que a
Flávia atendesse a porta.
Cruzei o cômodo, percebendo que as cortinas da casa da frente
estavam abertas. Não demorou muito para que ele aparecesse no meu
campo de visão com uma toalha amarrada na cintura e o celular em uma das
mãos. As gotas do cabelo molhado percorriam um caminho tortuoso do
pescoço para o peito e eu nunca desejei tanto na minha vida ser a água do
chuveiro do Heitor.
Pedro estava distraído, andando pelo quarto e provavelmente
procurando suas roupas. Deu uma risada, olhando para o celular e seus
dedos se moveram agilmente enquanto digitava alguma coisa.
Deus, ele estava se movimentando demais. E se aquela toalha caísse?
Será que era pecado rezar por isso?
Em algum momento, ele afastou o aparelho e se olhou pela câmera.
Apoiou o polegar na dobra felpuda do tecido, abaixando-o só um milímetro.
Percebi seu rosto se repuxar em um sorrisinho ou algo que se assemelhava a
isso e me perguntei para quem será que o insuportável estaria enviando
aquilo.
Talvez fosse para a garota dele.
Ouvi batidas na minha porta e sobressaltei, afastando-me da janela
para ver quem estava interrompendo o único momento de felicidade do meu
dia. E óbvio que Gregório era o responsável!
— Oi, Lari — cumprimentou baixinho, com um olhar de cachorro
abandonado no meio da estrada.
— O que você quer?
— Será que podemos conversar?
— Não.
— Certo — respondeu, deixando-me surpresa. — Eu só queria me
desculpar e te dizer algumas coisas, mas não vou impor nada.
Pisquei, ainda um pouco sem reação. Gregório não era aquela pessoa,
tudo nele parecia diferente. A postura, as expressões, o tom de voz. Ele
estava armando alguma coisa, disso eu não tinha dúvidas.
— Trouxe chocolates pra você... E um presente — contou,
estendendo uma caixa de chocolates belgas e uma outra da Tiffany & Co.
Que ódio, eu amava as peças da Tiffany.
— Acha que vou te perdoar por causa disso? — respondi entredentes,
mantendo o meu tom de voz bem baixo para que ninguém pudesse ouvir. —
Acha que seja lá o que você comprou na Tiffany vai cobrir o hematoma que
deixou no meu braço?
Ele ficou branco. Eu literalmente vi todo o sangue do seu rosto se
esvair. Sua boca se entreabriu, mas nenhuma palavra foi dita. Agora eu
tinha certeza de que ele estava prestes a colapsar e óbvio que era pelo medo
de que eu pudesse fazer um exame de corpo de delito.
— Você... Eu... — Gregório começou a gaguejar. — O que eu fiz não
tem desculpas, Kinha. Eu não percebi que estava apertando seu braço com
força, eu juro que jamais te machucaria.
— Você machucou — lembrei, sentindo toda a agonia da noite
anterior.
— Você quer ir na delegacia?
— Eu não vou na delegacia. Se é sua preocupação, fique tranquilo.
Não vou envolver meus pais nisso, o que eu disse na noite anterior
permanece — afirmei e ele arregalou um pouco mais os olhos.
— Não quero que você me odeie.
— Eu não te odeio, Gregório. Atualmente, você é indiferente para
mim.
— Você parece outra pessoa... — comentou de modo contemplativo.
— Não sou. Você apenas não me conhece.
— Eu sei que o que eu fiz foi absurdo, mas faço o que for para você
me desculpar. Por favor, não termina comigo... Você sabe que somos bons
juntos, qualquer um pode ver isso, até mesmo o Inácio e a Laura. Viu como
os dois ficaram felizes hoje? Por favor, me deixa tentar ganhar sua
confiança de novo?
Olhei no fundo dos seus olhos, tentando vincular suas palavras com
tudo o que tinha ponderado naquela tarde. Não fazia ideia de como os meus
pais iriam reagir se eu terminasse meu relacionamento. Eles estavam
preocupados com o novo hospital, sobrecarregados com trabalho e ainda
teriam que lidar com os comentários que viriam decorrente disso.
— Eu faço qualquer coisa — insistiu.
— A partir de hoje, o que teremos é um namoro puramente de
fachada — avisei, entredentes, apontando um dos dedos perto do seu rosto.
Ele deu um passo para trás, mas concordou veementemente com a cabeça.
— Eu realmente não quero frustrar os meus pais, então tudo vai continuar
da mesma forma. Você pode continuar comendo quem quiser, mas não vai
abrir a boca ainda que eu esteja trepando com o Rio de Janeiro inteiro. Não
vai falar a respeito da minha roupa ou sobre o que eu como... E se tocar em
mim de novo, sabe muito bem o que vou fazer.
— Certo! — disse, levantando as duas mãos em um sinal de rendição
e logo depois, abriu um sorrisinho sedutor. — Ontem quando você estava
com o canivete... — fez uma pausa e suspirou. — Merda, essa sua versão
me excita.
— Foda-se. Toca uma punheta então, porque não vou trepar mais com
você — avisei, passando por ele e descendo as escadas.
Era só o que me faltava!
Garota riquinha
Ela tem vivido em seu mundo privilegiado
Assim como qualquer pessoa normal tem seus desejos
E agora ela está procurando por um homem simples
É isso que eu sou
:: UPTOWN GIRL - BILLY JOEL ::

LARISSA ALBERTELLI

O jantar tinha sido ótimo e agora estávamos tomando um vinho na


sala de estar e discutindo um pouco mais sobre alguns pacientes do hospital.
Um tédio descomunal e eu só queria o meu telefone, mas reparei que estava
tão nervosa que nem mesmo tinha tocado nele.
— Vocês viram meu celular? — perguntei, procurando o aparelho
pela sala.
— Acho que não desceu com ele, Kinha.
— Eu pego, estou indo lá em cima. — Minha mãe já estava no pé da
escada e eu apenas agradeci, voltando a tomar o meu vinho.
Ela voltou algum tempo depois e eu passei o dedo pelas minhas
notificações, percebendo que havia uma do número desconhecido. Abri em
um movimento instintivo e na mesma hora cuspi todo o líquido que estava
na minha boca.
Puta merda. O babaca havia enviado a foto para mim. E logo depois
colocou a mensagem: Pra você não precisar ficar espiando pela janela
todos os dias, 190.
Prepotente do caralho!
— Está tudo bem? Você engasgou? — Gregório perguntou,
preocupado.
Ele apoiou uma das mãos nas minhas costas e eu apenas lancei um
olhar de repreensão, fazendo com que se afastasse imediatamente.
— Meu Deus, filha! — meu pai exclamou, vindo até mim com um
guardanapo.
— Está tudo bem — afirmei, acalmando-os. — Sério, eu estou bem!
Acho que já vou tomar um banho e ir dormir, se estiver tudo bem para
vocês.
— Claro, também preciso ir. Cirurgia amanhã cedo — ele lembrou,
olhando para o relógio e se levantando.
Comecei a subir as escadas, mas minha mãe deu uma risada e eu
percebi o que tinha feito.
— Filha, que isso. Não vai se despedir do seu namorado? — ela
indagou, antes que eu pudesse me virar.
Dei um sorriso falso e desci os degraus. Sabia que seria difícil me
acostumar com toda aquela história de namoro de fachada, mas não queria
contato nenhum com Gregório. Então apenas andei com ele até a porta e
fingi que estava me despedindo do meu namorado do lado de fora.
Não perdi nem mesmo dois minutos, dei boa noite e corri para o meu
quarto, ainda irritada com a mensagem e destinada a responder aquele
desaforo.
Não podia acreditar no quanto aquele idiota se achava. Como tinha
tanta certeza de que eu estava olhando para ele? Era a minha janela, eu
poderia muito bem estar observando o jardim, os pássaros ou até mesmo
procurando pelo Pato!

Lari: Por que me


mandou isso?

Lari: Não estava te


olhando!
Lari: E por qual
motivo se acha tanto?

Lari: Isso é
insuportável, sabia?

Lari: Você não é


grande coisa.

Número
desconhecido: A vista do
telhado realmente é boa.

Número
desconhecido: Obrigado
pela dica.

Lari: O quê?

Lari: Você está no


meu telhado?

Número
desconhecido: Não. Por
que eu estaria no seu
telhado?

Joguei uma água no corpo e coloquei meu pijama. Fiquei alguns


minutos pensando se deveria ou não ir até ele. Algo dentro de mim
sussurrava que eu precisava dizer que ele não podia ficar me enviando
aquelas coisas porque não havia interesse nenhum da minha parte.
Lembrava também que aquele beijo tinha sido um erro decorrente de
algumas doses extras de tequila.
Já a outra voz berrava, me mandando deixar aquilo de lado.
E obviamente eu ignorei a voz mais alta. Peguei meu cigarro, um saco
de jujubas e me preparei para fazer um caminho que eu não fazia há muitos
anos.
Eu e Heitor éramos muito amigos na infância e eventualmente nossos
pais nos mandavam ir dormir cedo demais. Um dia, resolvemos abrir um
caminho na cerca viva que dividia nossos jardins para podermos invadir a
casa um do outro.
Ainda havia uma chave dentro do quadro de luz e eu a usei para abrir
a porta do quintal, sentindo a adrenalina correr pelas minhas veias.
Tão idiota. Se ao menos eu estivesse usando alguma outra ferramenta
para invadir... Era só a porra de uma chave!
Subi as escadas e soltei o ar no momento em que vi a figura à minha
frente, do outro lado da janela, vestindo um moletom preto com o capuz
sobre a cabeça. As minhas duas vozes internas brigaram mais um pouco e
eu me questionei mais uma vez o que havia de errado comigo.
Acho que nunca saberia.
Pedro estava distraído, olhando para o nada e sobressaltou-se quando
eu me movimentei de dentro da casa para o telhado.
— Que susto, porra! — O garoto colocou a mão no peito, soltando o
ar devagar e eu passei por trás dele, sentando-me do outro lado. — Como
subiu aqui?
Percebi seu olhar julgador observando meu pijama rosa e aquilo me
irritou ainda mais. Era realmente revoltante a forma como ele me encarava
em alguns momentos, deixando claro o quanto me achava uma patricinha
mimada.
Abri o saco de jujubas e estendi (sem muita vontade) para ele, que
negou com a cabeça.
— Eu que deveria te perguntar isso... — comentei, pegando uma e
acendendo o meu cigarro. — “Obrigado pela dica”?
Ele fez uma careta da minha combinação e riu, mas continuou:
— Eu te vi outro dia e fiquei me perguntando o que diabos você fazia
no telhado da sua casa.
— Gosto de subir lá para pensar.
— E para fumar — comentou, mais uma vez com aquele tom de
superioridade. — Seus pais não sabem sobre os seus vícios?
— Não é um vício.
Ele deu uma risada.
— É a frase que um viciado falaria.
— Acredite no que quiser — retruquei, soltando a fumaça lentamente,
sem paciência.
— Achei que você queria que eu mudasse minha percepção sobre
você — comentou com um leve desdém. — Não é isso que vem fazendo
desde que me conheceu?
— Não poderia me importar menos sobre o que você pensa de mim.
Ele arregalou um pouco os olhos e deu uma risada, cutucando os
cadarços do tênis surrado que estava usando.
— E o que está fazendo aqui, 190?
— Vim fumar e pedir para você parar de agir como se eu fosse
obcecada por você ou algo do tipo — expliquei bem devagar, porque talvez
ele tivesse algum problema para entender. — Eu definitivamente não sou.
— Porque eu não sou grande coisa? — debochou.
— Não, você não é!
— E ainda assim, você me beijou — lembrou, achando graça de toda
minha irritação.
— Eu tinha bebido demais e você estava se insinuando.
Ele gargalhou, jogando o corpo para trás.
— Me insinuando?
— Você sabe o que fez — falei, cerrando os olhos. — Enfim, eu não
queria te beijar... E nem quero — repeti para que não houvesse dúvidas. —
De jeito nenhum.
— Vai me contar o que aconteceu ontem? — ele perguntou,
ignorando totalmente o meu momento de desabafo e explicações.
— Pra quê quer saber?
— Apenas quero saber — respondeu, seco.
— Você vai ficar na sua?
— Já disse que sim.
Suspirei em desistência e apaguei o meu cigarro. Ele já tinha me visto
naquele estado e entendia em partes o que tinha acontecido. Talvez fosse
mais agoniante guardar isso somente para mim. Seria bom dividir aquilo
com alguém... Eu já armazenava tantas outras coisas dentro da minha
cabeça e do meu coração.
Além do mais, ele conhecia uma parte de mim que eu não tinha
coragem de mostrar para mais ninguém. Nenhuma das pessoas do meu
círculo me via explodir, eu mantinha o pé em cima da bomba por muitos
anos.
— Estávamos discutindo… — contei, baixinho. — Gregório segurou
no meu braço forte demais.
— Seu vestido estava rasgado — lembrou e eu percebi que sua
mandíbula estava cerrada.
— Ele estava incomodado com a minha roupa.
Um vinco se formou na sua testa e ele pareceu ainda mais revoltado.
— Isso é errado pra caralho.
— É, eu sei. — Soltei o ar, em desistência, peguei umas jujubas e
tornei a olhar para o horizonte, perdida nos meus pensamentos.
A minha vida era mesmo um caos.
A brisa gelada bateu no meu rosto e eu respirei devagar, tentando
aproveitar um pouco da paz que eu quase nunca tinha. Não estava
preocupada por estar ao lado da pessoa que mais me tirava do sério, do cara
que eu sabia me odiar simplesmente por ter uma classe social diferente da
sua. Ainda assim, parecia natural.
— Você disse que tinha resolvido. O que você fez? — questionou,
algum tempo depois.
— Eu o ameacei com meu canivete.
— Você o quê? — Sua voz subiu um tom.
Dei uma risada, achando graça com toda sua surpresa.
— Eu encostei o meu canivete na perna dele e ameacei acertar uma
veia importante. E sabe o mais bizarro? Acho que ele ficou excitado.
— Você anda com um canivete? — Ele continuava incrédulo.
— Eu disse que sabia me cuidar.
— É, pelo visto você realmente sabe.
Sua cabeça se inclinou para o lado e eu apoiei meu cotovelo no
joelho, mantendo minha mão perto do rosto. Ele abriu um meio sorriso para
mim, quase como se estivesse orgulhoso, mesmo que isso não fizesse
nenhum sentido. Ainda assim, sustentei o olhar fixo no dele e respondi da
mesma forma, sentindo minhas bochechas esquentarem.
Alguns segundos depois, Pato apareceu, subindo no meu pescoço. O
safadinho esperou que estivéssemos distraídos para pegar o meu saquinho
de jujubas e sair correndo.
— Ele é foda! — Pedro gargalhou e fiz o mesmo.
— A patinha está melhor?
— Está sim, tenho feito tudo direitinho.
— Acho que ele já está bem, soube que cagou na porta de entrada do
Gus — contei, lembrando da mensagem que recebi da Ana mais cedo.
— E eu jamais o recriminaria por isso. Na verdade, amanhã vou
comprar mais dessas jujubas para ele — brincou e eu dei uma risada.
— Pedro? — Comprimi os lábios, não conseguindo me segurar. —
Posso te fazer uma pergunta?
Ele me deu um longo olhar, como se estivesse ponderando, mas eu
não esperei por uma resposta.
— Você era o funcionário que a madrasta do Gus estava chupando?
O garoto ao meu lado piscou, perplexo.
— Óbvio que não. Tá de sacanagem? — A cara de ofendido dele me
fez ter certeza de que não era uma mentira. — Meu Deus! O que te fez
pensar isso?
— Nada demais, era só uma dúvida. Aposto que muitas mulheres
daqui do condomínio dão em cima de você.
— E eu nunca fiquei com nenhuma delas — afirmou, sério.
— Não? — Arqueei uma das sobrancelhas com desdém e ele revirou
os olhos.
— Você não conta — resmungou e eu dei uma risada.
— Não é minha culpa, você fica distribuindo fotos suas por aí... Sabe
quem foi?
— Sei.
— Então me conta! — pedi, inclinando-me mais um pouco, agitada, e
ele deu uma risada me olhando de cima a baixo e soltando o ar, como se não
acreditasse.
— Fofoqueira.
— Sou mesmo. Anda!
— Não vai abrir essa sua matraca pra ninguém, muito menos para as
suas amiguinhas patricinhas fofoqueiras — avisou, com um dos dedos
apontados na minha direção.
— Prometo. Anda!
— Foi o Caio — contou, rindo e eu fiz uma careta, porque com tanto
homem bonito trabalhando ali, o pobre do Caio era um dos mais caidinhos.
— Não o demitiram para não causar um escândalo maior.
— Meu Deus...
— Agora, mantenha essa boca fechada... E pra deixar claro, eu não
distribuo minhas fotos por aí, apenas para as fãs — zombou e eu o olhei de
cara feia.
— Bem, eu acho que vou indo... — avisei depois de ficarmos em
silêncio por alguns minutos, levantando-me e olhando para ele quase em
desistência. — Apenas pare de ser tão... Insuportável. Nem toda mulher está
desesperada por você.
Ele riu e esperou que eu passasse pela janela.
— 190?
Como se eu fosse uma idiota, atendi ao chamado e me inclinei para
ouvir o que ele tinha a dizer. Um sorrisinho convencido cresceu no seu
rosto e eu senti vontade de empurrar ele do telhado e tive que me segurar
ainda mais depois do comentário que se seguiu:
— Nem toda mulher está desesperada por mim, mas nós dois
sabemos que esse não é o seu caso.
Ela achou meu cabelo engraçado
Proibida pra mim no way
Disse que não podia ficar
Mas levou a sério o que eu falei
:: PROIBIDA PRA MIM - CHARLIE BROWN JR. ::

PEDRO QUEIROZ

Observei meu reflexo no espelho, mexendo no meu novo cabelo.


Balancei a cabeça negativamente, ainda sem acreditar nas coisas que eu
fazia por causa do Felipe.
Aquele era o meu dia de folga e meu irmão tinha vindo para o
condomínio andar de skate. As miniaturas de playboys que moravam no
Mansões Golf Club ficaram fissurados com suas manobras na pista e
obviamente Pipo achou o máximo, exibindo-se sempre que podia e
eventualmente ensinando algo para os moleques.
Em algum momento, ele parou o treino do nada e disse: “Tive uma
ideia do caralho, vamos pintar seu cabelo?”. Mandei que parasse de
inventar ideia e ele insistiu um pouco mais. Acabei usando a desculpa de
que não tinha nenhum produto e que não iria sair do condomínio para
comprar nada, crente que aquilo seria um ponto final.
Havia me esquecido com quem estava falando e foi burrice minha não
prever que Pipo já tinha tudo esquematizado. O arrombado tirou todos os
produtos da mochila e veio com um papo de que tinha visto algumas
pessoas no TikTok fazendo aquilo e finalmente meus vídeos iriam bombar.
Nós dois tentávamos produzir conteúdo para nossas redes e sabíamos
que se algo viralizasse, nossas carreiras poderiam decolar. Então usávamos
boa parte do nosso tempo livre para gravar vídeos, ele fazendo suas
manobras e eu tatuando alguém.
Já tinha postado alguns conteúdos que tiveram uma boa visualização,
mas as merdas das redes sociais não estavam entregando nada atualmente e
aquilo estava deixando ambos frustrados, o que fazia com que Pipo tivesse
essas ideias aleatórias.
Então, como se fôssemos dois desocupados, deixei que ele platinasse
o meu cabelo. E vendo no espelho, cheguei à conclusão de que tinha
gostado do resultado mais do que imaginava e ele ficaria se achando o
fodão por causa disso.
— Nevou[39]! — Pipo deu um berro, entre as risadas, no minuto em
que eu desci as escadas para exibir meu novo look.
Pato tinha acabado de entrar pela cozinha. Olhou para mim e
começou a gritar, dando risadas e pulando até chegar no meu ombro para
mexer nos meus fios. Colocou alguns na boca e eu tirei, preocupado se
poderia ter algum resquício de descolorante.
Na mesma hora, toda a alegria do Felipe se esvaiu e ele revirou os
olhos e cruzou os braços, claramente irritado pela presença do animal.
— Curtiu, Pato? — perguntei e ele começou a balançar a cabeça
freneticamente e a mexer no próprio cabelo. — Não, brother, não posso
pintar seu pelo com isso.
Ele me deu uns tapinhas com a mão que não estava com o curativo,
demonstrando sua insatisfação. Eu continuei explicando que não poderia
fazer aquilo e ele começou a bagunçar todo o balcão, puto. Eu disse que
aquele macaco odiava ser contrariado, não disse? Depois do escândalo,
subiu as escadas correndo para o quarto.
— Por isso ele é assim, você fica mimando esse macaco — meu
irmão resmungou.
— Ele merece ser mimado, ele é fofinho.
— Não, eu sou fofinho — retrucou, como se fosse uma criança
birrenta de oito anos. — Ele é um macaco que veio diretamente do inferno
para atormentar todos os seres existentes no planeta.
Olhei para o sofá e franzi o cenho, vendo o moletom que eu tinha
emprestado para a patricinha da casa ao lado.
— Onde pegou isso? — perguntei, mostrando a peça para ele.
— Cara, a maior gata apareceu aqui e disse que você esqueceu no bar
da piscina — contou, animado. — Porra, ela é linda, deve ter um metro e
oitenta, umas pernas que puta merda...
Um metro e oitenta... Pipo era muito exagerado. Ela não tinha mais do
que um metro e setenta e cinco.
Dei um tapa na sua cabeça e ele gemeu de dor, esfregando a cabeça.
— Pra quê isso, porra?
— Essa é a patricinha babaca que quer me ver preso — contei,
levemente irritado.
— A que bateu na sua cara? — Ele comprimiu os lábios, porque era
óbvio que não iria esquecer aquilo.
Não respondi. Apenas o olhei com uma carranca.
— Nossa, você disse que essa menina era uma escrota... Achei super
simpática! Ela me deu jujubas.
— E daí, porra?
— E daí? Eram jujubas cheias de açúcar em volta! — ele se
justificou, como se aquilo fizesse algum sentido.
Automaticamente, fui capaz de sentir o seu cheiro e gosto, mesmo
que ela não estivesse presente no cômodo. Como uma espécie de memória
afetiva, mas uma bem ruim que eu desejava esquecer.
— É assim que as merdas acontecem. A Vó Dea não te ensinou a não
aceitar doce de estranhos?
Pipo abriu um sorrisinho, cheio de malícia e antes que ele pudesse
dizer qualquer coisa, sabia que vinha alguma palhaçada.
— Sim, mas ela não disse nada sobre gostosas. — Ele gargalhou e
depois ficou pensativo. — Acho que minha sorte está mudando, sabe?
Talvez seja o fim da era das ruivas.
O incômodo começou a formigar as minhas extremidades. E não era
nada parecido com o que eu sentia quando meu melhor amigo soltava
algum comentário sobre a Luna. Era mais potente e levemente
desesperador, porque eu não podia dizer para ele que já tinha beijado aquela
garota. Pipo tinha pleno conhecimento sobre o meu mandamento e sabia
como eu me sentia a respeito de envolvimentos com mulheres com
dinheiro. Eu não queria que ele jogasse na minha cara que eu era um
hipócrita de merda.
Foda-se, Pepeu! Foi só um beijo, você não está envolvido. Se o Pipo
quiser ficar com ela, o azar é dele.
Não, eu não queria aquele tipo de desgraça para o meu irmão. Já tinha
alertado várias vezes para que ficasse longe de patricinhas, ele sabia como
eu me sentia sobre. Felipe não ia me dar aquele desgosto nunca.
— Você tinha que ver como ela ficou olhando para minhas tatuagens!
— Sai dessa, Pipo. Acha mesmo que essa garota vai ter algum
interesse em um pobre fodido que nem a gente?
— Vai que ela veio pra provar que realmente “toda patricinha adora
um vagabundo”? — Ele deu uma risada, achando muita graça e eu percebi
que meus dedos já estavam brancos por segurar o estofado do sofá com
força demais. — Sério, brother, ela tá tão na minha...
— Esquece essa porra, Felipe.
— Ih, ficou estressado — zombou, levantando as mãos perto do rosto.
— Está com ciuminho?
— Ciuminho é o caralho! Ela não é legal, coloca isso na sua cabeça.
— Cara, mas ela me deu...
— Se você falar das porras das jujubas de novo, eu te dou um chute
no saco — avisei e ele comprimiu os lábios.
— A Luna vai no evento hoje? Acho que você está precisando
urgente de uma foda — ele concluiu e eu soltei o ar, sem paciência alguma.
Não tive tempo de responder, Pato apareceu carregando uma de suas
roupinhas e foi a deixa para que meu melhor amigo avisasse que estava
dando o fora com a desculpa de que iria passar no mercado para comprar
Coca-Cola para a Vovó Dea.
A casa do Heitor tinha uma infinidade de livros e aproveitei o tempo
livre para começar a ler um deles. Não tinha muita grana para gastar com
edições novas, comprava a maioria nos sebos, principalmente quando dava
um pulo em Copa[40]. E sempre que sobrava uma grana extra, gastava em
uma livraria ali por perto que se chamava “Jardim Secreto”.
Quando eu era novo, o senhor Adalberto, o dono, deu um livro para
mim porque me viu completamente hipnotizado por uma edição especial de
Percy Jackson. Eu estava passando com a minha mãe pela rua e fui
totalmente atraído pela vitrine.
Tentei convencer Madalena a me dar e a resposta foi um berro,
alegando que eu era louco por achar que ela gastaria dinheiro em um monte
de papel.
Minha mãe nunca entenderia que aquele era o meu refúgio, que
dentro daquelas páginas eu era capaz de vivenciar uma história que não era
tão caótica e ruim como a minha. Ela não fazia ideia de que aqueles papéis
me possibilitariam viajar para lugares que nossa condição jamais permitiria.
E o principal, aquela mulher não sabia que dentro de cada uma das linhas e
parágrafos eu podia sentir a força das palavras transformando a imaginação
em realidade.
A campainha tocou e me levantei, carregando o livro na mão
instintivamente. Abri a porta para dar de cara com ela, mordendo o lábio
inferior e torcendo as mãos uma na outra. Sua expressão mudou
completamente quando ela reparou no meu cabelo e um sorriso surgiu no
seu rosto.
— O que você fez? — perguntou, rindo, como se achasse graça.
— É essa a pergunta que vai fazer? — Cruzei os braços e percebi que
ela continuava com aquele sorrisinho na cara. — O que foi?
— Nada... É só engraçado.
Ela não deveria ter educação? Tanto dinheiro e não tinha feito uma
aula de etiqueta? Sério que estava caçoando da porra do meu cabelo?
— Engraçado por...? — indaguei, sentindo a irritação começar a
crescer dentro de mim.
— Meu Deus, como você é marrento[41]! — Ela soltou outra risada e
revirou os olhos, começando a explicar. — Eu só achei engraçado porque
você definitivamente não é o tipo de pessoa que eu imagino platinando o
cabelo.
— Por que não? — Eu continuava puto, mas estava curioso para ver
que merda ela falaria.
— Porque você é chato — disse, dando de ombros e novamente
abrindo um sorrisinho prepotente, como se tivesse provado um ponto.
— E você é um poço de diversão — respondi sarcasticamente. — O
que está fazendo aqui, falando nisso? Veio na minha porta pra me insultar?
— Eu conheci o seu irmão... — ela comentou, tentando espiar por trás
de mim. — Ele já foi?
— Já — retruquei, seco e fechei a cara para demonstrar minha
insatisfação.
Que porra ela queria saber do Felipe?
— Ele é casado — foi a primeira coisa que me veio à cabeça e ela
franziu o cenho, parecendo confusa.
Porra, ele me mataria se soubesse que eu estava dizendo aquilo para
as mulheres.
— Ok, obrigada pela informação aleatória.
— O que você quer? — tornei a perguntar, sem paciência alguma.
— Ahn, eu deixei seu moletom aí... — começou a falar e eu percebi
que ela encarou os pés por alguns segundos e depois levantou os olhos na
minha direção. — Você viu?
— Vi. Obrigado.
— E eu estava pensando... Eu vou dar um pulo no Posto 12[42] agora
e como seu irmão claramente não mora aqui, pensei que talvez pudessem
querer uma carona. Não sei se você precisa buscar algo em casa...
— Meu irmão já foi — disse categoricamente. — E eu estou indo
para lá, mas vou de ônibus.
— Sério isso? — Ela cruzou os braços e bateu um dos pés no chão.
— Prefere andar até o ponto no calor do que ir comigo de carro?
Arqueei uma das sobrancelhas, como se confirmasse para ela que
aquele questionamento era óbvio.
— Estou oferecendo uma carona, você não precisa ser um babaca a
respeito disso também! — Seu tom de voz subiu e toda a irritação começou
a transbordar. — Estou tentando agradecer de alguma forma o que fez por
mim aquele dia, mas é impossível quando você é um arrogante e...
— Meu Deus, mulher! — Deixei que meus ombros caíssem em
desistência. — Tá! Se prometer calar a boca, eu vou com você!
Ela comprimiu os lábios e estreitou os olhos na minha direção e eu
tinha certeza de que estava segurando um palavrão bem feio. Avisei que iria
buscar minha mochila e voltei alguns minutos depois com ela nas costas.
Saímos da casa do Heitor em direção ao seu carro e no momento em
que abri a porta do carona, eu me perguntei o quão louco eu deveria estar
para me enfiar mais uma vez naquele maldito Mini Cooper azul.
Eu devo ficar?
Seria um pecado?
Se eu não consigo evitar
Me apaixonar por você?
:: CAN'T HELP FALLING IN LOVE - ELVIS PRESLEY ::

LARISSA ALBERTELLI

Eu era uma vergonha para mim mesma.


Fiquei um bom tempo encarando o moletom na minha cadeira e não
resisti ao impulso de afundar o meu rosto no tecido. O cheiro dele era
reconfortante e eu havia percebido isso na noite em que vesti sua roupa.
Tentei identificar durante alguns minutos, completamente inebriada e
experimentando uma sensação de calor nostálgica. Depois, percebi que
aquele perfume gostoso me trazia recordações das viagens que eu fazia para
os Alpes Suíços com meus pais.
Porra, ele tinha cheiro que assemelhava com o de neve com lascas de
madeira secas. E eu era obcecada por aquele aroma.
Quando percebi o que estava fazendo, resolvi lavar o casaco, irritada
comigo mesma por estar cheirando o moletom do cara que eu dizia odiar.
No primeiro momento, eu realmente fui até a casa dele para entregar a peça,
afinal, seria muito descaso ficar com a sua roupa e não dar uma satisfação.
Foi frustrante quando outra pessoa abriu a porta. O irmão dele se
apresentou, disse que ele estava no banho e eu briguei com a vontade de dar
tchau e ir para o meu quarto ver se ele resolvia passar de toalha novamente.
Larissa Albertelli: um caso perdido.
Felipe perguntou se eu gostaria de entrar. Falei que sim e até mesmo
ofereci as jujubas que estavam no meu bolso, tentando criar algum tipo de
motivo para permanecer ali. Foi impossível não tirar os olhos da imensidão
de tatuagens que ele tinha, perguntando-me qual delas o Pedro tinha feito.
Minutos depois, eu me lembrei de que não éramos amigos, que não
fazia sentido algum que ficasse ali esperando por sua chegada e me despedi,
voltando para casa.
E no instante em que pisei dentro da minha residência, comecei a
criar motivos para voltar até lá.
Sim, eu era patética, já tinha chegado a essa conclusão.
— Que livro estava lendo? — indaguei, tentando suprimir aquele
silêncio mortificante entre nós dois dentro do carro.
Ele se mexeu, parecendo um pouco eufórico e se virou para mim,
finalmente tirando os olhos da rua.
— Misery, do Stephen King, conhece?
— Nunca ouvi falar — respondi, prestando atenção no retrovisor.
— Nunca ouviu falar do Stephen King? — ele quase berrou, a
incredulidade presente em cada palavra.
— Já sim, mas nunca li nada dele. Não gosto de filmes de terror.
— Nem eu, mas esse é de suspense... Não adianta, o cara é foda e
esse livro é muito bom.
Dei uma risada da sua animação e olhei de relance para o carona,
fazendo com que ele pigarreasse, voltando a manter sua postura de
marrentinho.
— E qual é a história?
— Um escritor sofre um acidente de carro e é resgatado por uma
senhora, que é sua fã — contou, tentando não demonstrar entusiasmo, mas
falhando miseravelmente nisso. Ele até mesmo estava mexendo as mãos. —
Então ela o sequestra e faz com que ele escreva um livro com um final
adequado para uma história que ela não gostou.
— Meu Deus! — Esbocei uma risada, um pouco chocada. — Que
loucura.
— Pois é, mas confesso que gostaria de fazer isso com alguns autores
— brincou, rindo também.
— Mesmo? Qual deles? E o que você mudaria?
— Pra começar, eu faria a autora de Harry Potter manter o Fred
vivo...
— Meu Deus, sim! — dei um berro, tirando totalmente minha atenção
do trânsito.
— Pelo amor de Deus, 190, olha pra frente! — ele pediu,
instintivamente tentando alcançar o volante que eu tinha soltado.
— Desculpa, eu apenas não supero essa morte. Pra quê matar um dos
gêmeos? — indaguei, triste com a lembrança.
— Não aceito essa porra também — falou, dando uma risada e eu
olhei para ele, abrindo um sorrisinho débil ao ver o quanto o maldito ficava
lindo daquele jeito.
Como alguém que tinha aquele sorriso podia viver emburrado?
— Qual é a sua casa? — perguntei, curiosa. — E não diga que não
tem uma porque essa sua tatuagem aí não engana ninguém.
— Sonserina, óbvio — retrucou, cheio de si, exatamente como um
sonserino faria. — E a sua?
— Corvinal, a maior de todas!
— Deve ser... — comentou, cheio de desdém.
Voltei minha atenção para o trânsito e um babaca não ligou a seta e
jogou o carro em cima de mim. Acelerei, furiosa, e enfiei a mão na buzina,
tentando ultrapassar o filho da puta.
— Meu Deus, o que está fazendo? — Sua indagação veio cheia de
preocupação e suas mãos voaram para segurar o painel do carro.
— Esse idiota de merda me fechou! — expliquei. Eu estava revoltada,
então decidi parear o carro e em seguida, abri o vidro e gritei: — Seu filho
da puta! Enfiou a seta no cu?
O babaca do carro ao lado começou a buzinar e me xingar de volta,
mas eu acelerei, deixando-o para trás. Puxei o ar e deixei que a adrenalina
da explosão me anestesiasse como uma droga viciante.
Eu amava o trânsito caótico do Rio de Janeiro. Sabia muito bem que
não deveria gritar com as pessoas naquelas situações, mas eu precisava de
minidoses de explosão, canalizando todo meu estresse para alguma coisa.
Percebi que estávamos em silêncio e quando olhei de canto de olho
para o lado, Pedro parecia horrorizado.
— Desculpa, fico um pouco estressada quando estou atrás do volante.
— Não brinca? — Sua voz saiu meio falha e senti meu rosto ficando
vermelho.
— Te assustei?
— Um pouco... Normalmente quando você está gritando, é comigo.
Dei uma risada e ele fez o mesmo, finalmente relaxando os músculos
no banco. Depois, aumentou o volume da música, quando percebeu que
estava tocando Strike[43] na minha playlist.
— Você escuta Strike? — Seu questionamento veio cheio de
perplexidade.
— Gosto bastante de bandas do início dos anos 2000 — contei,
arriscando um olhar rápido em sua direção.
— Eu também — murmurou e tive a impressão de que ele estava
falando consigo mesmo.
— Escuto Avril Lavigne[44] toda semana. Minha playlist é a coisa
mais nostálgica que tem... — comentei, dando uma risada e voltando a
prestar atenção no retrovisor.
— Posso? — perguntou, apontando para o meu celular e eu assenti
com a cabeça.
Ele pegou meu aparelho e começou a fuçar pelo meu Spotify[45].
Espiei para ver suas expressões, um sorrisinho de canto surgindo nos seus
lábios conforme o dedo deslizava para baixo.
— Blink, Offspring, Sum 41, Green Day, Charlie Brown... — ele foi
listando as bandas, um pouco perplexo.
Uma ligação foi o suficiente para que suas feições se fechassem e
pelo painel, constatei que era Gregório me ligando. Ele devolveu o celular
para o apoio antes que eu pudesse rejeitar a chamada.
Aquela nuvem constrangedora voltou a nos rodear, eliminando todo e
qualquer momento agradável que tínhamos tido. Não havia intimidade
alguma entre nós dois. Não faria sentido eu explicar o motivo de Gregório
estar me ligando e ele certamente não iria querer saber.
— Afinal, o que vai fazer no Recreio? — ele perguntou, claramente
incomodado com o silêncio.
— Estou louca para comer um bolo de uma confeitaria que tem lá...
— menti, porque eu não podia dizer que na verdade eu estava apenas
procurando uma desculpa para interagir com ele. — E você?
Sabia que nada daquilo fazia sentido. Tinha plena consciência de que
o Pedro não gostava de mim e para ser honesta, eu continuava odiando
aquela personalidade insuportável que ele tinha. Ainda assim, era
impossível ignorar toda a química e o fato de não parar de pensar no nosso
beijo.
— Vou dar aula — contou, arrancando-me dos meus pensamentos.
— Aula? De quê?
Ele me olhou como se realmente não quisesse prolongar o assunto.
— Dou aula de jiu-jitsu para algumas crianças... — Ele fez uma
pausa. — E por favor, guarde sua expressão de surpresa para você.
— Eu não sei nada sobre você, qualquer coisa que me disser vai
causar surpresa.
— Porque você já tem uma imagem pré-definida de mim — afirmou,
seco.
— E você não tem uma ao meu respeito? — Virei a cabeça para seu
lado e arqueei uma das sobrancelhas.
Ele ponderou por alguns segundos.
— Justo.
Alguns minutos depois, fez sinal e apontou o local em que desceria,
uma academia bem na frente da Praça do Pontal, quase ao lado da
confeitaria que eu gostava de ir.
Nós permanecemos cerca de três batidas do meu coração nos
encarando, assim que parei no acostamento, deixando o alerta ligado. Ele
limpou a garganta, agradeceu pela carona e saiu do carro rapidamente,
colocando a mochila nas costas.
A porta se fechou e eu soltei uma respiração, em seguida, me assustei
quando o ouvi bater de leve na janela do carona. Apertei o botão para
abaixar o vidro e ele se apoiou, colocando parte do corpo para dentro assim
que eu abri.
— Vê se não arruma confusão no trânsito, 190.
— Não posso prometer isso.
Ele deu um sorriso. Um que me deixou completamente embasbacada
e fez meu coração me trair, disparando um pouco mais.
Havia algo naquele cabelo que o deixava ainda mais irresistível e
quando ele sorriu daquela forma, eu desconfigurei. Todo o conjunto gritava
problema. Sabe aquele tipo de garoto com jeito ordinário e safado que
existe apenas para acabar com a sua vida? Era exatamente isso.
Ali, eu tive a certeza de que meus pensamentos impuros não iriam
embora tão cedo, pelo contrário, eles seriam elevados à décima potência.
Naquele momento, eu soube que me encontrava muito fodida.
Vem, vem com tudo, me leva pro seu mundo
Toda patricinha adora um vagabundo
:: CHAMPANHE E ÁGUA BENTA - CHARLIE BROWN JR. ::

PEDRO QUEIROZ

Estava no final da aula quando a vi espiando pelo vidro. Que merda


ela estava fazendo aqui agora? Entendia que se sentia grata por eu ter feito
o mínimo naquela noite, mas não queria aquela proximidade.
Não queria ser obrigado a sentir aquele cheiro e definitivamente
desejava muita distância daquela boca. Tenho certeza de que Eva se sentiu
da mesma forma com a porra da cobra do Éden tentando fazer com que ela
mordesse a merda da maçã.
E como se fosse totalmente normal, a patricinha entrou na sala,
exibindo aquelas malditas pernas que atormentavam meu sono ultimamente.
— Presta atenção nessa fuga de quadril[46], Lucas... — comentei ao
ver meus dois alunos em combate.
Tentei ignorar sua presença, mas percebi a movimentação das
crianças, cochichando e fiz um chiado para que ficassem em silêncio.
— Vamos, Juju. Continua, bora... Montou[47]. Isso, agora um
Armlock[48]! — incentivei, apoiando na cintura e analisando os movimentos
de ambos. — Segura o braço dela, Lucas!
O Lucas deu duas batidinhas no chão, em desistência.
— De pé os dois — solicitei. — Muito bom... Cumprimenta e senta
lá.
Pedi para que todos eles se reunissem para finalizar o treino e as
crianças vieram em fileirinha, bem educadas como eu tinha ensinado.
Passei as informações e o “dever de casa” e elas todas ficaram na posição
para a saudação final.
— Oss[49] — falei e eles repetiram o cumprimento.
— Ei, tio Pedro! — Babi, a minha aluna mais novinha, de cinco anos,
veio correndo e puxou a minha faixa.
— Não é pra puxar, Babi! — avisei e ela pediu desculpas, colocando
as duas mãos na boca para cobrir um sorrisinho travesso.
— Sua namorada está ali — falou, mais alto do que deveria, atraindo
toda a atenção dos demais alunos.
— Ela é sua namorada? — um deles berrou, lançando um olhar
apaixonado para a Larissa.
— Ei, você é namorada do tio Pedro? — a Juju perguntou para ela,
animada. Era foda, a Juju adorava fofocar. — O cabelo dele está irado, não
é?
Mais uma imensidão de comentários e conforme eles eram feitos, o
rubor nas bochechas da Patricinha da Barra aumentava.
— Ei, ei. Chega! Ela não é minha namorada — deixei claro e fiquei
surpreso com a quantidade de ruídos desanimados que preencheram a sala.
Abri a porta para deixar que os pais entrassem e conversei um pouco
com alguns deles antes de me despedir e liberá-los para ir embora. Assim
que a sala esvaziou, eu fechei a porta, apoiando-me de lado e cruzando os
braços como se estivesse esperando por uma explicação.
— Eles são fofos.
— Sim, eles são — retruquei. — O que está fazendo aqui?
Seu celular tocou e ela fez um sinal com as mãos para que eu
esperasse. Soltei o ar em frustração por estar lidando com aquilo e comecei
a arrumar algumas coisas que as crianças tinham espalhado.
— Não, eu não sei a hora que vou chegar — ela murmurou, se
afastando um pouco mais. — Pra quê você vai ficar aí? Não, Gregório, não
faço ideia de que horas vou chegar.
Percebi que estava apertando forte demais o cone que tinha usado
para o treino quando ele se quebrou na minha mão. O babaca continuava
atrás dela mesmo depois de tudo o que tinha acontecido?
Ela deu um meio sorriso e se aproximou novamente de mim, enfiando
o celular na bolsa.
— Acabei demorando e ia te perguntar se você precisa de carona para
voltar.
— Sei que disse que está buscando uma forma de me agradecer, mas
não precisa, ok? Não quero você atrás de mim.
— Não estou atrás de você — ela exclamou, claramente ofendida. —
Apenas estou sendo educada e oferecendo uma carona já que tenho que te
aturar como meu vizinho!
— Não vou voltar agora — afirmei. — Vai ter um rolê[50] daqui a
pouco ali na pista de skate.
— Ahn... Ok. Tudo bem então. Eu vou indo...
Era quase como se a patricinha estivesse desapontada por não poder
fazer a sua boa ação pelo coitado do GBR.
Ela girou nos calcanhares e começou a andar até a porta.
Merda. Merda do caralho!
Passei uma das mãos pelo rosto, sabendo que me arrependeria do que
estava prestes a fazer. Ela claramente não queria voltar para casa para
encontrar o pau no cu do ex-namorado agressor.
— Você... Ahn... Você quer ficar? — perguntei, odiando-me por ter
titubeado.
— Ficar? — Ela se virou e me encarou com expectativa.
— Você não parece muito animada para voltar para casa — justifiquei
e depois tentei mudar o meu tom para algo zombeteiro. — Já que estava até
agora esperando pelo cara que mais odeia...
Ela riu.
— Ficou tão óbvio? — brincou e eu assenti. — Afinal, o que vai ter
na pista de skate?
— Um eventinho... A galera normalmente fica ali bebendo,
conversando e vendo os caras fazendo as manobras. Dessa vez, os donos de
uns foodtrucks se reuniram e vão dar um prêmio pra quem ganhar.
— Você vai participar? — Quis saber, parecendo animada e antes que
eu pudesse perguntar como ela tinha chegado naquela conclusão, Larissa se
adiantou: — Já vi você andando com um skate pelo condomínio.
— Vou. Não pretendo ganhar — avisei. — Felipe é o fodão do skate e
o prêmio já é dele... Apenas vou participar porque se der alguma merda, ele
não perde a grana.
— Ah, que legal! Ele vai estar lá então...
Fechei a cara, parando para refletir que não deveria ter sugerido porra
nenhuma que ela fosse para o evento.
— Vou tomar um banho ali no vestiário. Então... Você pode me
esperar, se quiser... Ou pode voltar pra casa. Tanto faz.
A patricinha franziu o cenho, parecendo confusa e avisou que me
esperaria sentada ali mesmo, em um dos bancos da sala.
Meu Deus, eu parecia um idiota perto dela.

Nós estávamos sentados em um banco, observando os skatistas que já


tinham começado a rodar na pista e ela fez uma infinidade de perguntas
sobre o que estava acontecendo.
Não demorou nada para Pipo aparecer, ficando todo animadinho ao
vê-la ao meu lado.
— Você de novo, Jujubinha.
JUJUBINHA?
Fiz uma careta na mesma hora e Larissa deu uma risada, jogando o
corpo para frente. Meu irmão se inclinou para dar dois beijinhos nela e
depois veio me abraçar.
— Eu disse que ela tava na minha — cochichou no meu ouvido.
— Estão esperando você na pista — respondi, seco.
— Larissa, não é? — ele perguntou, conforme foi se afastando. —
Você vai ter um show de graça hoje. Não sei o que o Pepeu te disse, mas ele
não chega aos meus pés dentro dessa pista.
— Pepeu? — Sua sobrancelha se arqueou e um sorrisinho malicioso
surgiu no seu rosto.
— Só ele me chama assim — eu a cortei, levantando-me logo em
seguida. — Quer beber alguma coisa?
— Estou dirigindo.
— Eu posso dirigir, se você quiser beber.
— Você não vai beber?
— Não bebo.
— Não bebe? É por causa de religião? — Ela parecia realmente
chocada e eu neguei com a cabeça. — Fez promessa?
— Não, 190. Deixa de ser intrometida. Vai querer beber ou não?
— Bem, se você vai ser o motorista, óbvio.
Ela começou a tirar o dinheiro da carteira, mas eu revirei os olhos e
saí andando, ignorando os gritinhos que ela deu para chamar minha atenção.
— Fala aí, Julinho! — cumprimentei o dono de um dos bares lá do
Terreirão que estava com uma barraquinha no evento. — Me vê uma
caipivodka de limão coada.
— Coada, Pedrinho? — Ele gargalhou.
— Tô com uma Patricinha da Barra que é cheia de frescura —
expliquei, irritado comigo mesmo.
Aquela frase era toda errada. Eu não estava com ninguém!
— Mandou bem, cara.
— Ela não é nada minha...
— Sei bem como é — falou em um tom sugestivo e deu uma
piscadinha como se fôssemos cúmplices. — Diga para a sua garota que faço
a caipi dela do jeito que ela gosta.
— Ela não é minha garota, Júlio.
— Claro que não. — Outra piscadinha antes de se virar para o lado.
— Fala aí, Cleytinho, vai querer o que hoje, meu consagrado?
— Fala aí, João! — cumprimentei, balançando a cabeça em uma
negativa pelo comentário inicial do Júlio.
— MC Cleytinho, Pedro, porra! — ele berrou e eu joguei um
“desculpa” por trás do ombro.
Estava caminhando para o local em que estávamos e percebi que ela
estava segurando um pratinho, tentando cortar um cachorro-quente com
talheres de plástico.
Parecia um filme de terror. Foi impossível não rir com a cena da
patricinha tentando comer um dogão de garfo e faca.
— Você vai queimar o meu filme — avisei, entregando o copo
descartável de caipivodka em suas mãos.
— Own, você pediu para coarem! Obrigada. — Ela fez uma vozinha
melosa e eu tornei a revirar os olhos, rindo.
— Não estava com saco para suas reclamações.
— Eu comprei um cachorro-quente pra você.
Ela me entregou um outro pratinho com talheres e eu comecei a
repetir “não” várias vezes, vendo a confusão se formar no seu rosto. Sentei
ao seu lado, peguei o pratinho que estava por baixo do seu cachorro-quente
e o entreguei na sua mão.
— Vai todo mundo achar que você é um alienígena — expliquei. —
Ninguém come isso assim.
— É gigante, eu vou me sujar inteira! — retrucou, indignada.
— Pra isso existe o guardanapo, conhece? — falei, cheio de ironia, e
ela estreitou os olhos para mim, fazendo uma careta.
Foi uma catástrofe, mas no final, ela conseguiu comer boa parte do
cachorro-quente. A outra metade dos ingredientes foi parar no pratinho que
ela manteve em seu colo.
Fui para a pista e momentos depois, percebi que ela tinha ido até a
barraquinha e voltado com mais dois copos gigantes de caipivodka. E não
fazia ideia de como ela foi capaz de conseguir aquilo, o Júlio era chato
demais, quase nunca dava um chorinho[51] pro pessoal.
— Achei que você odiasse a Jujubinha — Pipo zombou, mexendo no
meu cabelo.
— Para de chamar ela assim, é ridículo. E eu continuo odiando.
— Mesmo? E por que ela está aqui? — Um sorrisinho prepotente se
esticou nos seus lábios. — Foi realmente pra me ver?
— Te ver o caralho, Felipe. Ela está tentando limpar a barra dela
depois de ter chamado a polícia aquele dia na casa do Heitor. Joguei
algumas verdades na cara dela e desde então, está tentando não parecer a
garota preconceituosa que eu sei que ela é. Você sabe bem como ricos são...
— Sei bem — comentou, distraído com o rolamento do skate.
— Ela me ofereceu carona, eu disse que vinha pra cá e aqui estamos
nós. Enfim, vê se ganha essa porra.
— Acha mesmo que os idiotas da Barra têm alguma chance? — ele
perguntou, dando uma risada.
Três dos moleques que iam competir tinham expulsado o Pipo de uma
pista uns anos atrás porque ele estava fazendo graça e foi uma confusão do
caralho. Eles apareceram aqui na nossa área para quebrar o meu irmão na
porrada, mas para o azar deles, eu estava de folga.
A competição começou e ajudei a eliminar uns três caras para facilitar
a vida do Pipo, mas acabaram sorteando nossos nomes e ele me humilhou
(como sempre), tirando-me da jogada.
Saí da pista e percebi que a Larissa estava batendo palma e gritando
junto com a maioria das pessoas, sorrindo para mim e comemorando. Achei
aquela animação toda muito esquisita, mas olhei para o lado e vi uns quatro
copões de capivodka empilhados.
Estava caminhando na sua direção quando fui interceptado por Luna
no meio do caminho e ela se jogou nos meus braços.
— Cheguei, gatinho — disse, sorridente e eu olhei para o lado,
percebendo que a patricinha estava me observando, curiosa, enquanto
sugava mais um pouco do drink por um canudinho rosa.
Como ela tinha conseguido um?
Dei um beijo rápido nos seus lábios e ela sorriu para mim. Não sabia
o motivo de estar me sentindo ansioso, mas meu coração começou a bater
rápido demais.
— Porra, Pedro... Você tá gostoso pra caralho com esse cabelo — ela
sussurrou no meu ouvido, cheia de segundas intenções.
— Não fala assim — pedi, respirando fundo.
Afastei um pouco o corpo do dela e arrisquei uma olhada para o lado,
percebendo que a atenção da 190 tinha se voltado para a pista.
— Você mandou muito bem, mas podemos ir para o meu apartamento
trepar? — Ela mordeu o lábio de uma forma sexy.
— Luna... — chamei em um tom de alerta e ela me olhou, cheia de
expectativas. — Por mais que eu quisesse, não vai rolar.
— Está tudo bem?
— Sim, só que eu estou acompanhado — comecei a dizer e ela
arregalou os olhos, dando um passo para trás e tirando as mãos de mim.
— Desculpa, gatinho. — Ela cobriu a boca com uma das mãos. —
Puta merda.
— Não, não estou em um encontro — tratei de me explicar. — É só
uma garota aleatória que eu conheço.
— Ah, tudo bem. Eu já estou indo, de qualquer forma, passei só pra te
ver rapidinho.
— Você não quer esperar? — perguntei, encostando na sua cintura. —
Eu te deixo em casa.
— Não, fala sério. As meninas tinham me chamado pra um barzinho,
eu disse que se você não quisesse fazer nada, encontraria com elas. E já que
vamos ficar no 0 x 0...
— Você vai tentar marcar um gol com outra pessoa — concluí e ela
encolheu os ombros, dando uma risadinha e lançando um beijinho no ar
antes de se virar.
Eu disse que a Luna era parceira pra caralho, não disse?
Voltei para o banco e ela me olhou de canto de olho, cheia de
julgamento, sem parar de beber no seu canudinho rosa. Não gostava do que
estava sentindo, era quase como se eu tivesse feito alguma coisa errada. A
presença da patricinha definitivamente me afetava e eu já estava irritado
com isso. Era minha culpa por dar trela demais, por vez ou outra ser
simpático. Para quê eu estava falando com ela sobre livros para início de
conversa, porra?
— Aquela era a sua garota?
— Sim — respondi, olhando para frente para ver o meu irmão
mandando um darkslide[52] perfeito.
— Ela é bem bonita.
— Sim, ela é.
— Você mandou bem lá na pista — comentou, voltando a prestar
atenção na competição.
— Valeu.
— Você disse que o seu irmão era foda, mas porra, ele parece
profissional!
Dei uma risada, concordando.
— Ele vai ser em breve, se Deus quiser.
— Você aprendeu a andar com ele? — Ela não tirou os olhos da pista.
— Sim.
— Você fez alguma daquelas tatuagens?
— Todas elas.
Ela me olhou e piscou, incrédula, mas logo depois focou na
competição, vibrando quando ele entrou no corrimão com um Hardflip[53] e
saiu com um Ollie 360[54] que fez a galera ir à loucura.
Foi impossível não rir, naquele ponto, o idiota só estava se exibindo
para humilhar os babacas que ele odiava.
— Certeza que vai ganhar hoje, esses caras são lixos perto dele —
concluiu como se fosse expert no assunto, sendo que não sabia nem o que
era um drop.
Aquela enxurrada de perguntas e comentários estavam me tirando do
sério. Comecei a ficar preocupado com as possibilidades que estavam
cutucando minha cabeça. Por que infernos ela não parava de falar do
Felipe?
— O Felipe gosta de ruivas.
— Ok? — Saiu como uma pergunta e uma risada abafada. — Vou
manter a Lavínia longe dele então.
Que porra aquilo queria dizer? Por qual motivo ela manteria a melhor
amiga dela longe do Pipo? Será que ela realmente estava afim do meu
melhor amigo?
Assim que o Pipo ganhou o prêmio, veio correndo na nossa direção e
pulou em cima de mim, quase me derrubando no chão.
— Você é ridículo — falei, rindo. — Precisava humilhar os cuzões?
— Claro! Qual seria a graça se eu não fizesse isso?
— Parabéns! — ela comemorou, erguendo os braços no ar e ele a
abraçou, agradecendo, como se aquela merda fosse supernormal.
Eles nem eram amigos, porra!
— Já estamos indo, Pipo — avisei, respirando fundo, irritado comigo
mesmo pela reação que eu estava tendo.
— Mas já?
— Pipoooooooo? — Larissa estendeu as vogais com um tom choroso
e eu percebi que ela estava mais bêbada do que eu imaginava. — Que fofo!
— Sou fofo mesmo. — Ele deu uma risadinha convencida para ela.
— Posso te chamar de Pipo?
— Não — eu a cortei e meu irmão comprimiu os lábios, tentando
segurar uma risada.
— Só se você entrar pra família... — Seu tom era sugestivo e eu
franzi o cenho, demonstrando toda minha insatisfação pelo comentário.
— Estamos indo, te ligo mais tarde — avisei, puxando-a levemente
pela cintura para que ela me acompanhasse. — Vê se vai pra casa e não se
mete em merda, porra.
— Tchau, Pipo! — a insuportável berrou, conforme nos afastávamos,
acenando animadamente. — Seu irmão é muito gente boa. Você poderia ser
mais simpático como ele... Podemos comprar mais uma caipivodka antes de
ir?
— Você está bem pra continuar bebendo?
— Estou ótima! — retrucou, fingindo estar ofendida e depois
gargalhou, jogando o corpo em cima do meu. — Vamos no Julinho!
Dei uma risada quando ela fechou um dos olhos para apontar para o
lugar certo e saiu marchando até lá.
— Fala aí, Pedrinho! Sua garota é uma figura.
— Shhhhhhhhh... — Ela colocou o indicador na frente dos lábios e o
Julinho assentiu com a cabeça, entrando na onda. — Eu não sou a garota
dele.
Ele estava acostumado a lidar com bêbados, então começou a
preparar outra bebida para ela.
— Você sabia que ele reclama de fazer minha caipivodka com limão,
Julinho?
— Sério, Pedrinho? Aí não pode, meu querido... Como dizer não pra
esse doce de garota? — Eu olhei para ele com repreensão por estar dando
trela para ela e sua resposta foi um encolher de ombros e uma risada.
— Viu? — indagou, cheia de si. — Eu sou um doce de garota.
— Não, você não é.
Julinho entregou o drink para ela novamente dentro de um copo maior
com canudo rosa e ela estendeu uma nota de cinquenta reais para ele.
— Vou pegar o troco, calma aí...
— Não! Fica com o troco. Obrigada, Julinho. Boa noite!
Ele fez menção de me entregar o restante, mas eu disse que não
precisava. Não era meu dinheiro, porra, se ela queria distribuir por aí, azar
era o dela. Começamos a caminhar em direção ao carro e no meio do
trajeto, sua bolsa caiu no chão. Peguei as coisas rapidamente e resolvi
carregar porque ela estava tão desatenta que era capaz de alguém passar de
bike e puxar.
Me inclinei para abrir a porta do carro, mas Larissa se meteu no meio,
ficando de frente para mim. Seus olhos estavam fixos nos meus e eu podia
sentir o meu braço roçando no dela. O cheiro do perfume doce dela estava
me deixando levemente zonzo e tudo o que eu queria era sair dali.
Perto demais, ela estava muito perto.
— Estou tentando abrir a porta, 190.
— Antes me responde uma coisa?
— O que é?
— Acha que ficaria legal uma tatuagem aqui? — perguntou, abrindo
dois botões do decote da blusa que estava usando.
Ela indicou um local bem perto da borda meia taça do sutiã de renda
branco e levantou os olhos para cima, mordendo o lábio inferior. Engoli em
seco, tentando respirar e percebendo que era incapaz de tal coisa.
Foda-se, eu nunca mais tiraria aquela visão da minha cabeça.
— Sim, agora vamos embora, por favor — implorei, fechando a sua
blusa de qualquer jeito e olhando para os lados.
Abri a porta e finalmente consegui colocá-la no banco do carona e
quando eu entrei no carro, o som já estava nas alturas tocando All the Small
Things, do Blink-182.
Durante todo o caminho, ela cantou todas as letras das músicas. Em
algum momento, ainda abriu o teto solar e colocou o corpo para fora,
deixando-me sozinho dentro do carro com aquelas pernas perfeitas que ela
tinha. Eu pedi que ela descesse segundos depois, com medo que se
machucasse de alguma forma.
E graças ao meu bom Deus, a patricinha me obedeceu.
Nós chegamos e eu entrei na garagem com os faróis desligados, não
queria correr o risco de alguém me ver ali. Desci do carro rapidamente e a
deixei na porta de casa.
— Certo, só me diz uma coisa, 190... Como conseguiu convencer o
Júlio a te dar copos grandes e um canudo rosa?
— Eu disse... Eu sou um doce de garota — falou, dando um sorriso
para mim, antes de entrar em casa.
— Não, você não é — afirmei para mim mesmo, dando uma risada
para a porta fechada.
Está ficando tarde para desistir de você
Eu bebi da fonte do meu diabo
Lentamente
Está tomando conta de mim
:: TOXIC - BRITNEY SPEARS ::

LARISSA ALBERTELLI

Eu estava chegando no campo de golf com Gregório quando senti


vontade de me jogar do carrinho e fingir um desmaio. Não, aquilo não
podia ser sério. Ao lado do meu pai, seu sócio e mais alguns outros clientes
estava a razão para todo o caos na minha vida.
Pisquei e mexi nos olhos com cuidado para ajeitar minha lente porque
talvez ela estivesse com problema, mas não.
Era ele mesmo, dentro do uniforme que os funcionários do campo de
golf utilizavam. Claro, era óbvio que bem no dia em que eu precisava estar
presente em um dos eventos que meu pai tinha inventado, ele tinha trocado
de posto. Por que diabos o destino o deixaria na piscina, como sempre,
servindo drinks quando tinha a oportunidade de me foder?
No minuto em que paramos na frente de todos, Pedro olhou de mim
para o Gregório, viu que ele estava de mãos dadas comigo e no mesmo
instante, trancou o maxilar.
— Lari, minha querida, como você está? Greg está te dando muito
trabalho? — um dos amigos do meu pai brincou e eu abri um sorriso tímido
e neguei com a cabeça.
Gregório havia ficado na minha casa me esperando na noite anterior
até um pouco antes de eu voltar e só desistiu porque, em algum momento,
eu mandei uma mensagem avisando que não voltaria naquela noite.
Assim que me viu, tentou perguntar onde eu estava, mas o cortei e
disse que não devia explicações para ele. Fiquei surpresa quando sua
resposta se limitou a uma concordância e um pedido de desculpas.
Era estranho. Ainda não sabia lidar muito bem com o fato do meu
ex/atual namorado estar agindo daquela forma, porque ele nunca gostava de
ser contrariado, principalmente por mim.
A impressão que eu tinha agora era de que se mandasse Gregório
ficar de quatro como um cachorro para buscar a bola de golf, ele
obedeceria.
Eu o cumprimentei e o Pedro me respondeu com um “boa tarde” seco,
sem nem me olhar nos olhos. E conforme os minutos foram passando, notei
que havia tanto julgamento na forma como me encarava que eu comecei a
deixar a típica irritação que o acompanhava me preencher.
— Pai, pode me ajudar aqui? — perguntei, afastando-me de todos
para fazer minha jogada e depois cochichei: — Tem certeza que precisamos
de um funcionário aqui?
— Não seja boba, Lari. O rapaz está ali para ajudar e já fez isso
algumas vezes para mim. Greg não vai beber e vai dirigir um dos carrinhos,
ele pode buscar as coisas e carregar os tacos, se necessário. Pode deixar,
vou dar uma boa gorjeta para ele, ok?
Todo o tempo que se arrastou foi um martírio. Gregório me fazia
algum tipo de carinho a cada oportunidade, estava supermeloso e como se
não bastasse, pedia tudo para o Pedro, até mesmo a água do cooler.
Ele não tinha a porra de uma mão para pegar as coisas, inferno?
Já estava ficando bem aborrecida pela forma como o Pedro me
olhava, dando algumas risadinhas desdenhosas sempre que eu falava
alguma coisa com o meu namorado ou sobre ele com um dos amigos do
meu pai.
— Rapaz, você pode, por gentileza buscar um pouco mais de
champanhe? — meu pai pediu para ele assim que chegamos no próximo
local do campo.
— Claro, senhor Albertelli.
— Eu vou com você — avisei e meu pai me olhou confuso. —
Preciso ir ao banheiro e buscar um remédio em casa.
— Ah, certo... — Ele se virou para o Pedro. — Você pode esperá-la
para voltar, tudo bem?
— Tudo bem.
— Eu posso ir com você, Kinha.
— Não. Não precisa, querido — falei, encostando em seu braço e
depois me afastei um pouco. — Fique aí, eles já beberam e esse veículo
pode ser perigoso.
Dei uma risada e ele fez o mesmo, lembrando de uma vez em que
ficamos bêbados com nossos amigos, decidimos pegar um desses carrinhos
de golf e acabamos no hospital com o braço do Cadu quebrado.
Subi no carrinho e ele esperou que eu sentasse para dar partida.
Nenhum comentário ou olhar na minha direção conforme íamos
percorrendo o longo caminho até o restaurante, afinal, estávamos em um
dos buracos mais afastados do campo.
— Por que está agindo assim? — indaguei, não me aguentando mais.
Ele não me respondeu. Observei que seus dedos seguravam com força
o volante e ele mantinha a mandíbula cerrada, nunca desviando os olhos do
trajeto.
— Será que você pode parar? Quero falar com você.
— Não tenho nada pra falar com você — retrucou, áspero.
— Mas eu tenho! Pode parar?
— Tenho certeza de que seu pai e seu namorado perfeito não vão
gostar de te ver de papo com o GBR aqui. — Ele soltou o ar, abafando uma
risada cheia de ironia. — E eu também não estou com vontade de perder o
meu emprego, o que certamente vai acontecer se meu chefe me ver no meio
do campo de golf tendo uma discussão com uma patricinha mimada.
— Apenas para o carro! — pedi, aumentando meu tom de voz e ele
finalmente fez o que eu estava pedindo.
Levantei do lugar e me posicionei na sua frente, fazendo um
movimento com as mãos para que ele fosse para o banco do lado para que
eu pudesse dirigir. Ele se arrastou de má vontade e cruzou os braços
enquanto eu mudava o percurso para um local onde sabia que era
impossível que nos ouvissem.
Havia uma parte do campo que estava sempre deserta. Era cheia de
árvores que cercavam um pequeno depósito e eu já tinha fugido para lá em
alguns momentos porque precisava de um cigarro.
A verdade é que eu conhecia todos os esconderijos daquele
condomínio.
Encostei o carrinho atrás da casinha, ao lado de uma das árvores.
— Qual é o seu problema? — perguntei, assim que desci. — Por que
está sendo mais babaca do que o normal?
— Você é inacreditável! — Ele deu uma risada, balançando a cabeça
negativamente. — O cara te deixou com um hematoma e você está com ele
novamente?
— Você não entende...
— Eu? Eu não entendo? — Ele deu um passo para frente,
aproximando-se de mim.
Recuei, não queria que ele ficasse perto demais. Era difícil quando
sua boca estúpida estava a centímetros de distância da minha. E não,
também não desejava que o idiota continuasse jogando na minha cara e
debochando sobre o fato de eu estar sempre tão vulnerável na sua presença.
— Você não tem o direito de se meter na minha vida — retruquei. —
E nem mesmo de criticar minhas decisões.
— Você esqueceu o que aconteceu alguns dias atrás? Ou será que sua
memória apenas armazena sua lista de compras? — indagou de uma forma
maldosa.
— Você é tão ignorante! Está sempre tentando trazer para primeiro
plano o fato de eu ter dinheiro, reduzindo-me a uma patricinha...
— Você é a porra de uma patricinha! — ele berrou, o nariz quase
junto ao meu. — E você me tira do sério! Eu não quero proximidade, eu
tento te repelir de todas as formas, mas você continua a me rondar como um
maldito urubu. Insiste em me atormentar!
A sensação que eu tinha é de que ele queria passar os braços ao redor
do meu pescoço e me estrangular. E por alguns milésimos de segundo, eu
me perguntei como seria isso. Como seria deixar toda a raiva explodir e
dominar cada compartimento do meu corpo.
Mantive meu queixo erguido, mas dei mais um passo para trás e
percebi que estava encurralada em um tronco de árvore. Meu olhar
permanecia fixo no dele, ignorando totalmente os lábios, mesmo que ainda
estivessem em movimento. Aquilo era essencial para controlar meus
pensamentos, fingindo que eles não estavam buscando uma forma de
penetrar minha mente.
— E-eu? — Minha voz falhou. — Eu insisto em te atormentar? É
você que está irritado porque me viu com meu namorado.
Seu rosto se retorceu no instante em que a última palavra saiu da
minha boca, incapaz de processar seu nível de nojo.
— Ele não gosta de você, te trata como lixo e mesmo assim, você
continua lambendo o chão que esse merda pisa — ele começou a dizer,
entredentes, o tom de voz subindo a cada palavra. — Você tem ideia da
quantidade de chifres que tem na cabeça, sua idiota? Sabe como ele te vê,
190? Apenas como um depósito de porra!
As frases, cheias de desprezo, deixaram seus lábios, sufocando o ar ao
nosso redor com desgosto.
Quem ele pensava que era?
Deixei toda a fúria me consumir e quando percebi, minha mão estava
pronta para acertar outro tapa na sua cara prepotente. Eu queria calá-lo de
qualquer forma, ele não tinha o direito de falar de mim como se soubesse de
alguma coisa.
Sua mão envolveu o meu pulso com firmeza, impedindo-me de ir
adiante e seu olhar cravou ainda mais no meu, quase como se me desafiasse
a continuar. A mão livre encontrou o meu pescoço, mantendo-me contra o
tronco da árvore. Sentia todo o meu corpo tremendo, a respiração
descontrolada e o meu peito subindo e descendo sem parar.
Ele abaixou o olhar para a minha boca, chegando tão perto a ponto de
roçar na minha. Umedeceu os lábios devagar e eu pude sentir meu corpo
começando a derreter.
— Você gostou de bater na minha cara? Isso te deixa molhada?
Porque a única forma de eu permitir que faça isso de novo é se eu estiver
metendo o meu pau na sua boceta.
A forma como aquelas frases foram ditas me desmontou, a raiva
ecoando e se enredando na tensão sexual que flutuava entre nós.
O ódio e o desejo. Crescendo e incitando-me. Ameaçando me asfixiar.
Tudo dentro de mim pegava fogo, as brasas rastejando e incendiando
cada célula que fosse capaz de alcançar. Foi difícil resistir ao desejo de
estremecer e eu me vi impotente quando um arrepio se tornou visível na
minha pele.
Sua mão subiu, os dedos entranhando-se nos meus fios, torcendo meu
cabelo e aumentando o aperto. Entreabri a boca, não conseguindo soltar um
único ruído e ele segurou meu queixo com a outra mão, descansando o
polegar no meu lábio inferior. Era possível sentir o calor pinicando minhas
beiradas, ardendo por trás dos meus olhos e se acumulando entre as minhas
pernas.
— O que foi, 190? — Um sorrisinho sarcástico surgiu no seu rosto.
— Está imaginando?
Ele estava ciente. Ele sabia bem o efeito que ele causava em qualquer
mulher. Aquele babaca arrogante tinha um espelho em casa.
— N-Não. Porque isso... Isso d-definitivamente não vai acontecer —
afirmei, mesmo contra todas as minhas vontades, irritada por tropeçar nas
palavras.
Conseguia sentir o peso da hipocrisia pairando sobre mim. Era tão
mais fácil mentir, era como eu sabia gerir a minha vida.
— Não? — Seus lábios se esticaram um pouco mais e agora ele
parecia estar se divertindo.
Eu era um poço de mentiras, mas aquela, definitivamente, era a mais
difícil de contar. Porque mesmo que minhas palavras fossem uma réplica
falsa do que eu desejava externar, meu corpo denunciava cada uma das
minhas falhas.
A verdade é que eu o queria.
Desesperadamente.
Ele inclinou um pouco minha cabeça para o lado e eu deixei,
fechando os olhos no segundo em que seu rosto roçou no meu e eu senti o
hálito quente na minha orelha.
— Eu vou te dar uma única chance de ser honesta — sussurrou,
arrancando mais alguns arrepios. — O quanto você quer que eu te foda?
Pedro se afastou para me olhar nos olhos e abriu um outro sorrisinho
quando percebeu que eu estava praticamente zonza. A forma como ele
segurava meu cabelo, com força, impedindo-me de ir embora... Era como se
ele realmente não quisesse me largar.
E tudo parecia vítreo como a água. Os toques inapropriados, a
cumplicidade em excesso, a evidência de tudo o que desejávamos fazer um
com o outro.
— Você é um grosso, um ignorante... — comecei a dizer, deixando a
raiva me guiar. — E eu preciso controlar minha vontade de dar na sua cara
a cada comentário escroto que você faz.
O babaca estava achando graça. Ele já tinha percebido que eu estava
entregue e mesmo sentindo seu pau duro contra o meu corpo, eu precisava
equilibrar o jogo.
Levaria os pensamentos deles para o meu inferno pessoal, um inferno
em que somente ele comandava agora.
— Você sabe o tanto que eu te odeio? — indaguei de forma sensual,
aproximando o meu rosto do dele.
— Diz pra mim... — incentivou, cheio de insinuação, apertando o
corpo ainda mais no meu.
— Eu te odeio muito. A ponto de não conseguir concluir uma porra
de pensamento sequer. E esse, seu babaca julgador insuportável... Esse é o
quanto eu quero que você me foda.
Então o que está tentando fazer comigo?
Não conseguimos parar, somos inimigos
Mas nos damos bem quando estou dentro de você
Você é como uma droga que está me matando
Eu te elimino totalmente
Mas eu fico nas alturas quando estou dentro de você
:: ANIMALS - MAROON 5 ::

LARISSA ALBERTELLI

O beijo não começou gentil, nada entre nós era assim e eu


definitivamente não desejava que fosse.
Estava completamente submersa no gosto maravilhoso de menta de
alguma balinha que ele deveria ter comido. As línguas quentes se
entrelaçando em uma espiral, um sufocamento viciante pela escassez de ar,
os toques e apertos desesperados.
Meu coração pulsava desenfreadamente querendo romper o meu
peito, porque eu não conseguia entender como algo que eu considerava tão
errado podia parecer tão certo.
Cada poro do meu corpo se arrepiou quando ele desceu a boca pela
minha mandíbula, lambendo meu pescoço preguiçosamente, deixando um
“porra” escapar.
Era difícil me manter em pé, então ancorei os braços nos seus ombros
e automaticamente ele subiu uma das mãos pela minha panturrilha,
agarrando a minha coxa com força. E eu deixei que ele me erguesse contra
a árvore, sem nem me importar com o fato das minhas costas estarem sendo
arranhadas pelo tronco.
A ardência proveniente da agressividade com que ele me segurava era
enlouquecedora, mas não mais do que a frustração gerada pela fricção dos
tecidos entre nós.
— Fala pra mim, 190… — ele sussurrou contra os meus lábios,
segurando o meu rosto com a mão livre, cobrindo-o quase inteiro e
quebrando minha respiração. — Quem você é quando está fodendo? A
princesinha perfeita que mostra pro mundo ou a desgraçada que fode com a
minha paz?
Ele sorriu e eu segurei o seu rosto também, dando um sorrisinho
sarcástico como os que ele costumava abrir para mim. Abaixei os olhos
para os seus lábios, rocei os meus neles e os puxei com força, antes de
afirmar dentro da sua boca:
— Eu sempre vou ser a desgraçada que fode com a sua paz.
Mais um sorriso e dessa vez ele parecia até mesmo orgulhoso. Deus,
aquele era o sorriso mais excitante que eu já tinha visto e minha calcinha
até mesmo pesou depois. Eu queria mais daqueles. E faria o que o maldito
quisesse se o resultado fosse ele olhando para mim daquela forma.
Engasguei uma respiração quando senti sua mão subindo devagar
pelo meio das minhas coxas. Pedro nunca tirava aquela expressão
prepotente do rosto e ela se intensificou quando afastou minha calcinha e
sentiu a umidade quente da minha boceta.
— Puta merda... — Saiu como uma lufada de ar e quando eu soltei
um gemido baixo, ele encostou a testa na minha, como se buscasse por
força. — Essa é forma como você me odeia?
— Ah, eu te odeio bem mais por isso.
Seus dedos massagearam meu clitóris e eu me mexi, ansiosa, louca
para que ele aumentasse o ritmo. Puxei uma respiração, cravando as unhas
nos seus braços. Era difícil me controlar e ele percebeu isso, dando uma
risadinha, achando graça.
— Você sabe que eu não sou como os playboys que já te comeram,
certo?
— Eu não... — respondi, ofegante. — Não esperava que fosse...
— Preciso que hoje você seja a princesinha perfeita, 190... Porque
quando eu te foder, você vai querer gritar.
— Fica tranquilo, GBR. — Ele abriu um sorriso maior no momento
em que usei o apelido, achando graça de toda a hostilidade. — Eu posso
ficar quietinha como uma princesa se você prometer me foder como uma
puta.
— Caralho! — Ele mergulhou na minha boca, como se fosse incapaz
de se conter.
O beijo foi intenso e ele não parou de me masturbar conforme
brincava com a minha língua. Os dentes arranhavam meus lábios, desciam
pelo meu pescoço e voltavam para a minha boca em uma velocidade
sobrenatural. Era como se todos os pontos do meu corpo estivessem em
sintonia, ativados e pulsando pelos seus toques.
Fiz menção de tirar suas calças, mas ele segurou meus pulsos acima
da minha cabeça e fez uma negativa com a cabeça.
— Eu quero te chupar...
— Não temos tempo pra isso!
— Deixa eu reformular... Eu vou te chupar — garantiu e eu pisquei,
ainda buscando qualquer resquício da minha sanidade que ele tinha
pisoteado.
No mesmo instante, Pedro se abaixou, ficou de joelhos e me olhou
com um sorrisinho safado. Passou uma das minhas pernas por cima do seu
ombro, afastou minha calcinha e respirou lentamente contra a minha boceta.
Minha alma pareceu sair do meu corpo ao sentir a língua quente e
macia lambendo toda a minha extensão. Joguei a cabeça para trás e cravei
minhas unhas no seu couro cabeludo, comprimindo os lábios para abafar
um gemido que tentava escapar.
Aquela cena era simplesmente de tirar o fôlego. Os cabelos
platinados, os olhos castanhos me fitando cheios de desejo, o punho
enrolado no tecido da minha saia, ancorando-me para mover os meus
quadris...
Era incrível como sua língua girava lentamente, atingindo o ponto
perfeito e fazendo com que uma espécie de névoa densa nublasse meu
cérebro. E ela era só o que eu via agora, por trás das minhas pálpebras
fechadas.
Os lábios eventualmente pressionavam meu clitóris inchado e ele o
sugava sem parar. Os movimentos se alternavam em uma coordenação
perfeita e somente quando ele deu uma risada, eu percebi que estava
dizendo uma infinidade de palavrões desconexos.
Não conseguia entender como uma boca que dizia tantos absurdos era
capaz de fazer aquilo.
Mais um gemido e eu arqueei as costas, arranhando-as ainda mais no
tronco de árvore e se aquela merda estivesse em carne viva, não daria a
mínima.
Ele não podia parar. Decidi que o mundo poderia acabar ali mesmo,
com aquele homem chupando minha boceta, se aquela fosse uma promessa
de eternidade. Queria prolongar aquela sensação até o final dos meus dias.
Agitava meus quadris contra seu rosto, completamente enlouquecida,
sentindo o orgasmo se aproximando cada vez mais. Já nem conseguia
discernir mais o que ele estava fazendo, mas eu estava pingando.
Era possível ver estrelas todas as vezes em que ele se afastava alguns
milímetros para dar uma lambida com a língua bem aberta, deixando apenas
a ponta rodear o meu clitóris pulsante em seguida.
E como se soubesse exatamente como chegar no meu limite, ele
intensificou o ritmo, chupando-me com mais força enquanto meus nervos
eram arrebentados um a um junto com o orgasmo que fez todo o meu corpo
se contorcer.
Notei que não me lembrava de como era o simples ato de respirar,
completamente fora do eixo. Nem mesmo conseguia abrir os olhos e
percebi que meu lábio inferior estava doendo de toda a força que fiz para
segurar o grito que quis fugir da minha garganta.
Seus braços estavam segurando minhas pernas com firmeza e ele
levantou, voltando a ficar de frente para mim. Abri os olhos para encontrar
os seus, ardendo de desejo e o rosto completamente molhado. Eu o beijei,
amando o meu gosto se misturando com o dele, impregnado na sua língua,
na sua boca e na sua pele.
Sua respiração era tão precária quanto a minha e tive certeza disso no
segundo em que ele parou, segurando o meu rosto e me encarou.
— Gostei de ver, 190. Quietinha, exatamente como eu mandei... —
analisou, passando o polegar pelo meu lábio, hipnotizado. — E porra, que
boceta gostosa do caralho.
Havia tanto desejo refletido naquelas pupilas que eu nem mesmo
conseguia raciocinar, mas o que mais me deixava ansiosa era a impressão
de uma promessa tácita de que aquele garoto acabaria comigo.
Eu estava pronta para queimar com ele. E viraria cinzas, se ele
quisesse.
Não me aguentei e comecei a desafivelar o cinto da calça que o Pedro
estava usando e o barulho do metal ecoou na minha mente, fazendo com
que minha excitação aumentasse.
Deus, eu estava louca para ver o pau daquele homem.
— Tem roupa demais entre a gente — resmunguei e ele deu uma
risada contra o meu pescoço.
Sua língua deslizou perto da minha orelha e eu senti um arrepio
escalando pela minha coluna. Nem mesmo tive tempo de me recuperar
porque um outro veio em seguida quando ele respirou, deixando o calor
queimar a minha pele.
— Estamos dentro de um campo de golf, no meio do dia. Não vamos
tirar nossas roupas — afirmou e eu soltei o ar, frustrada por saber que não
poderia apreciar aquele corpo maravilhoso com cuidado. — E se formos
pegos, vou dizer que você caiu sentada em cima do meu pau.
Dei uma risada alta e ele fez o mesmo, voltando a me beijar.
— Além disso, você fica muito gostosa com essa roupa...
— Hm... Uma roupa de patricinha — zombei. — Achei que odiasse
isso.
— Foda-se, eu nunca fui muito coerente.
Finalmente consegui me livrar das calças e envolvi seu pau com uma
das mãos e quase chorei, percebendo que ele era grosso e tinha o tamanho
perfeito. Será que aquele era o agradecimento do universo por eu abrir mão
de tanta coisa na minha vida?
— Porra! — ele xingou, mordendo meu ombro assim que fiz um
movimento para cima e para baixo.
Mal consegui me empolgar porque depois de algumas bombeadas, ele
tirou minha mão. Puxou minha perna para cima, pressionou seu corpo
contra o meu e segurou seu pau, arrastando a glande pela minha boceta.
Soltamos uma dupla de palavrões em sincronia e eu o encarei, cheia
de expectativa. A impressão que eu tinha é de que nós dois entraríamos em
combustão.
Juntos.
E como se não pudesse esperar nem mais um segundo, ele meteu em
mim devagar, indo até o fundo e arrancando um gemido incontrolável da
minha boca.
Tudo começou lento demais e o maldito estocou algumas vezes tão
vagarosamente que eu me perguntei se ele era sádico. Fiz menção de me
impulsionar, mas ele bateu com a minha cintura contra a árvore e me olhou
no fundo dos olhos com repreensão.
Minha cabeça pendeu para trás quando ele me atingiu com mais força
e antes que eu pudesse soltar um único ruído que fosse, ele o abafou com
um beijo. Era urgente, quente e se intensificava junto com a movimentação
dos nossos quadris.
Meu Deus, eu estava literalmente trepando em uma árvore!
Nosso ritmo se tornou frenético em pouco tempo e ele começou a
socar forte, tapando a minha boca com uma das mãos porque eu já estava
gemendo ininterruptamente e alto demais.
— Mandei você gemer baixo — ordenou e eu apenas assenti,
mantendo os olhos fixos nos dele.
Minha boceta estava pulsando, pingando e eu já estava zonza com a
falta de ar. Ele se enterrava em mim e por mais que minha cabeça e costas
estivessem se chocando contra a árvore, tudo no que eu conseguia focar era
naquela sensação de preenchimento maravilhoso.
De novo.
Mais uma vez.
Sem parar.
Apenas instinto. Nenhum controle.
E já não sabia mais o que era céu ou inferno, porque tudo havia se
misturado, formando uma coisa só, algo completamente surreal.
Ele descobriu minha boca e me puxou para um beijo desesperado e
desceu mordendo meu queixo, maxilar e todas as partes que ele conseguia
alcançar. A língua quente lambendo cada ponto pulsante do meu pescoço,
deixando-me com ainda mais tesão.
— Meu Deus, você é tão gostoso — arfei, deixando minha cabeça
pender ainda mais para trás.
Todos os meus músculos pareciam não existir mais, era como se eu
fosse apenas uma boneca de pano que ele conseguia manusear sem
nenhuma dificuldade.
Cerrei os olhos e choraminguei quando ele foi até o final, arrancando
os fios do meu autocontrole. Era uma tortura deliciosa tê-lo imóvel dentro
de mim, sendo capaz de sentir seu pau por inteiro.
— Qual é a sensação ter o meu pau na sua boceta? É como você
sonhou, 190? — perguntou, cheio de si, agarrando meu pescoço.
Arqueei uma das sobrancelhas. Era surreal o quanto aquele babaca se
achava!
— O que te faz pensar que eu sonhei com isso?
— Você não sonhou? — ele sussurrou no meu ouvido e mordeu o
lóbulo da minha orelha, fazendo com que eu fechasse os olhos novamente.
— Porque eu sim.
Ele estocou devagar, trazendo um formigamento ainda maior no meu
ventre e eu não sabia se o efeito era dos nossos corpos impelindo um contra
o outro ou daquela frase.
— Quero ouvir você dizer o que imaginou... — soprou contra os
meus lábios, arrastando os dentes por eles.
— Quer saber quais foram meus pensamentos sobre você estar me
comendo? — O meu questionamento saiu em um tom meloso e eu me
contorci um pouco nos seus braços.
— Isso, linda. E quero saber todos os detalhes...
Um sorriso malicioso se abriu e um arrepio contornou minha coluna.
Era jogo baixo ele me chamar de linda naquelas circunstâncias
— Não sei se eu deveria... — Mordi o lábio inferior quando ele foi
mais fundo.
— Fala pra mim... — implorou, segurando meu rosto e beijando
minha boca. — Vamos lá, bem obediente, como a princesinha perfeita que
você prometeu ser.
— “Mesmo que você implorasse para que eu te fodesse ou se fosse a
última mulher existente... Jamais ficaria com uma pessoa tão desprezível”
— repeti uma das coisas que ele tinha dito para mim, abrindo um sorrisinho
sarcástico. — É disso que eu me lembrava toda vez que pensava em você.
— Quer mesmo me irritar ainda mais? — perguntou sério, segurando
meu pescoço.
— A verdade jogada na sua cara te irrita? — indaguei em um tom
desafiador, erguendo o queixo para ele.
— Você, no geral, me irrita.
— Diz o cara com o pau enterrado na minha boceta... — Estalei a
boca e ele respirou fundo, deslizando o polegar pela linha da minha
garganta.
— Eu já disse que sou contraditório, você não precisa trazer isso o
tempo inteiro para a mesa.
— Se te irrita, eu vou trazer.
— Aí está você, a desgraçada que fode com a minha paz!
Seu olhar desviou para minha boca e ele tornou a colá-la na minha, a
raiva derretendo-se sob os toques. Nem percebi o momento em que ele
puxou minhas pernas e as envolveu na sua cintura, direcionando-nos até os
bancos traseiros do carrinho de golf, sem tirar o pau de dentro de mim.
Nós não rompemos o beijo, parecia humanamente impossível
descolar minha boca da dele. Éramos como dois em um só, fundidos no
calor das nossas línguas e cada sensação parecia eletrizante em cada
milímetro de pele que ele encostava.
Quando dei por mim estava sentada em cima dele, cavalgando e
amando a angulação dos nossos corpos que tínhamos encontrado. Sua mão
patinou pela minha coxa até a bunda e ele deu um tapa de leve no local.
— Mais forte — pedi.
Ele sorriu e repetiu o movimento com um pouco mais de firmeza. Eu
segurei seu rosto com uma das mãos, arranhei os dentes pelo seu maxilar,
mordendo seus lábios em seguida.
— Está com dó? — sussurrei dentro da sua boca, dando um sorrisinho
safado. — Pode descontar sua frustração no tapa que eu dei na sua cara.
Não estava preparada para que ele voltasse a torcer o punho com a
mão livre nos meus cabelos, dando um puxão para trás na mesma hora em
que acertou um tapa com toda força na minha bunda. A ardência se
espalhou, fechei meus olhos e um sorrisinho satisfeito surgiu
involuntariamente no meu rosto.
Ele me ergueu um pouco, enterrando-se mais fundo e aumentando
ainda mais a velocidade e fazendo com que o carrinho balançasse sem
parar. Meu corpo estava totalmente arqueado e a fricção do meu clitóris
arrastando no seu pau enquanto ele entrava e saía de mim era
enlouquecedora. Minhas unhas arranhavam as suas costas e ele estava certo,
eu precisava gritar e estava desesperada por isso.
— Puta merda, você tá me fodendo rebolando desse jeito — ele
confessou, observando enquanto meu corpo ondulava.
Era maravilhoso saber que ele estava fora de si, mas desejava mais.
Queria desnorteá-lo da mesma forma que fazia comigo. Queria monopolizar
seus suspiros e quebrá-lo por completo.
Usei minhas mãos para segurar nas barras laterais que sustentavam o
teto do carrinho e comecei a usá-las para me impulsionar e cavalgar com
mais rapidez, rezando para aquilo não virar. Pedro engasgou alguns
palavrões, agarrando minha bunda e voltando a golpeá-la em um ritmo
constante. E eu continuei, amando a expressão de fascínio que crescia no
seu rosto enquanto ele repetia sem parar o quanto eu era gostosa.
Minha respiração falhou quando ele gemeu perto do meu ouvido. Puta
merda, o som daquele homem gemendo com aquela voz grave me
assombraria para o resto da vida.
— Odeiovocê — ele murmurou rápido demais.
— O que foi que disse? — indaguei em um tom desafiador,
segurando seu rosto e forçando-o a olhar nos meus olhos.
— Nada.
Dei um tapa no seu rosto de leve e ele fechou os olhos, respirando
fundo, provavelmente tentando conter a vontade de me estrangular.
— Você disse que eu podia fazer isso quando seu pau estivesse na
minha boceta — murmurei dentro da sua boca. — E eu descobri que isso
realmente me deixa molhada. Agora, o que foi que você disse?
Pedro umedeceu os lábios e me olhou cheio de ódio. Sentei com toda
força no seu pau e ele passou as duas mãos pelo rosto, abafando diversos
palavrões simultaneamente. Não demorou para que envolvesse o meu
pescoço em uma tentativa de controle, mas eu não parei o que estava
fazendo.
— Eu... Odeio... Você — ele disse pausadamente, uma palavra sendo
proferida a cada sentada.
Não sabia explicar, mas toda aquela tensão entre nós era devastadora.
Eu podia sentir o calor, a irritação, a sedução e todo o resto irradiando ao
nosso redor, enrolando-se pelos meus ossos, vértebras, inundando meu
cérebro e me impedindo de pensar em qualquer outra coisa.
— Vou gozar se continuar assim, porra — ele resmungou, tentando
segurar meus quadris para que eu fosse um pouco mais devagar. — E quero
você gozando comigo.
— Meu Deus... Eu estou quase lá... — avisei, comprimindo os lábios
para não gemer alto demais.
Ele arrastou minha boceta devagar pelo seu pau e eu tropecei na
minha respiração. Pedro meteu mais algumas vezes, agarrando meu corpo
contra o dele com tanta força que eu nem mesmo conseguia me mover.
— Porra! — nós dissemos em uníssono.
O orgasmo me arrebentou e eu mordi seu ombro para segurar o grito
que eu queria dar. Eu fui liquefazendo no calor do seu corpo, os espasmos
me fazendo tremer um pouco mais, correntes elétricas invisíveis que
começavam nas pontas dos meus dedos e até o meu interior.
Meu corpo pesou e ele me beijou preguiçosamente, segurando o meu
rosto com as duas mãos de um jeito carinhoso. E se eu não conhecesse bem
aquele garoto no qual eu estava sentada, acharia que ele não queria mais me
soltar.
Acontece que eu sabia. E mesmo depois de uma foda espetacular, ele
ainda me odiava por quem eu era.
Me diga uma coisa, garota
Você está feliz neste mundo moderno?
Ou você precisa de mais?
Existe algo mais que você está procurando?
:: SHALLOW (FEAT. BRADLEY COOPER) - LADY GAGA ::

PEDRO QUEIROZ

Existia um lugar reservado para mim no inferno.


Eu havia criado um mandamento. UM. Uma porra de um só.
Claro que eu tentava seguir ao máximo os que a minha avó tinha me
ensinado, mas havia quebrado a merda do único que inventei por escolha
própria.
Ou será que não tinha? Uma foda não poderia ser considerado um
envolvimento, certo?
Passei as mãos no rosto, sem acreditar no que tinha acabado de
acontecer. Não tivemos muito tempo de conversar, quando ela olhou a hora
no celular e notou que estávamos ausentes há um bom tempo, fomos
correndo para o bar.
Peguei as duas garrafas de Veuve Clicquot e balancei a cabeça,
refletindo que juntas elas davam quase um terço do meu salário. Chequei o
horário novamente, tentando pensar na desculpa que daríamos para toda
aquela demora.
“Desculpa, senhor Albertelli, demorei para trazer seu champanhe
porque estava comendo sua filha em cima do carrinho de golf”, não me
parecia uma justificativa muito agradável.
Ela havia dito que precisava ir ao banheiro para se limpar e refletindo
sobre a sua fala, eu pisquei, pela primeira vez raciocinando de verdade
sobre o que tínhamos feito.
Caralho, eu trepei com a patricinha sem camisinha. Eu tinha gozado
dentro dela e era por isso que ela precisava se limpar, porque minha porra
provavelmente estava escorrendo para fora.
PUTA. QUE. PARIU.
Puxei o ar, sentindo o desespero começar a engatinhar pelas minhas
beiradas, sufocando-me totalmente. Um bolo se formou na minha garganta,
o medo paralisante se acumulando no meu estômago.
Não, aquilo não podia ser real. Eu era cuidadoso ao extremo. Como,
como eu tinha sido burro de esquecer de encapar a porra da minha piroca
antes de meter em uma mulher?
Eu não deveria ter ignorado os cinquenta alertas que piscavam na
minha cabeça como um outdoor me mandando ficar longe dela. Aquela
garota me cegava pela raiva e me deixava completamente louco de desejo.
Como eu achei que daria certo?
Larissa Albertelli não era certa para mim. E sabia muito bem disso,
como o resultado de dois mais dois ser quatro. A sua conta bancária existia
para comprovar aquela alegação.
Nós não éramos compatíveis e nem nunca seríamos.
Tentei controlar minha respiração, lembrando que ela namorava e
com certeza trepava com o filho da puta sem camisinha e como se não fosse
o suficiente, o arrombado comia o Rio de Janeiro inteiro!
Meu Deus, o que eu tinha feito da minha vida?
Se alguma coisa acontecesse seria minha culpa. Mais uma vez minha
responsabilidade por tomar uma decisão impulsiva sem raciocinar!
— Você pegou tudo o que precisava? — ela perguntou, arrancando-
me dos meus pensamentos.
Apenas assenti, entrando no carrinho e começando a dirigir de volta
para o campo. Minha cabeça parecia um furacão, atingindo-me com todos
os cenários absurdos que minha mente louca criava.
— Pedro... Está tudo bem?
— Sim, tudo bem.
Eu precisava fazer um exame. Urgente.
— Eu... Ahn... Não usei camisinha — falei, como se não conseguisse
mais segurar.
Ela riu e franziu o cenho, encarando-me como se eu fosse um
completo idiota. Porque é claro que ela sabia. Como ela não saberia? Sua
boceta estava cheia da minha porra!
— Na hora eu também não pensei nisso — confessou. — Mas tudo
bem, eu tomo pílula.
Pisquei, parando para pensar que existia um outro cenário merda. Em
momento nenhum tinha passado pela minha cabeça dar um herdeiro
bastardo para os Albertelli.
Porra, se ela tomava pílula, provavelmente transava com o merda sem
proteção. Meu estômago retorceu um pouco mais, meu coração disparou
desenfreadamente e quase me esqueci de que estava no controle do
carrinho.
— Eu só transo de camisinha — foi só o que consegui dizer, tentando
prestar atenção no gramado à minha frente, mas sentindo-me enjoado.
Eu queria vomitar. Parei o veículo e tentei puxar o ar. A respiração
paralisada fechando minha garganta, congelando minhas veias e
descamando toda a culpa e trazendo-a para a superfície.
Não sei o que ela disse, sua voz parecia longe demais.
Lutei para engolir a saliva, tentando eliminar a angústia e todo o
pavor que tentavam se apoderar de mim.
— Pedro! — ela me chamou, segurando meu rosto, trazendo toda a
minha atenção para o castanho dos seus olhos.
Eles normalmente refletiam raiva, mas agora só havia preocupação.
Eu estava ofegante, buscando focar no caminho que o oxigênio precisava
fazer para chegar aos meus pulmões.
— Está tudo bem — afirmou e mesmo que eu quisesse acreditar, algo
dentro de mim me impedia.
Eu era fodido demais, ela não fazia ideia.
— Você está tendo uma crise de ansiedade — explicou com calma,
fazendo movimentos circulares nas minhas costas. — Respira fundo.
O calor do seu corpo em contato com o meu era reconfortante. Fechei
os olhos, voltando a me concentrar em reestabelecer o controle até que ele
voltasse para o primeiro plano.
— Estou bem. Fiquei preocupado porque você namora e...
— Eu conheço meu namorado — respondeu com tom amargo. —
Uso camisinha também.
— Olha, isso que aconteceu hoje... — Olhei para ela e comecei a
dizer, mas me interrompi quando ela suspirou, dando uma risada.
— Não pode acontecer novamente? — indagou, achando graça. —
Fica tranquilo, não vai. Acho que era só algo que eu precisava tirar do meu
sistema.
Foi impossível não me sentir um pouco ofendido, mas dois segundos
depois cheguei à conclusão de que ela estava certa. Nós trepamos como
dois animais no cio em um espaço público porque toda a tensão entre nós
era esmagadora demais.
Não havia mais nada agora.
— Você está bem mesmo? — tornou a questionar, a preocupação
voltando a se fazer presente na voz.
— Sim. Está tudo bem.
Nós voltamos até o local em que eles estavam e rapidamente ela
começou a explicar o motivo pelo qual tínhamos atrasado. Precisei conter
uma risada com o teatro porque a cara de pau estava parecendo indignada
falando sobre o carrinho ter dado problema no meio do caminho. Inventou
que precisou me ajudar a empurrar o veículo e eu quase gargalhei
imaginando a cena.
— É sério isso, rapaz? — o pai dela perguntou, completamente
descrente, dando uma risada. — Não imagino minha princesinha fazendo
isso.
— Eu disse que não precisava de ajuda, mas...
— É sério, eu vou fazer uma reclamação com a coordenação do clube
— resmungou, como a patricinha perfeita que todos imaginavam que ela
era. — Minha unha quebrou, estou suada, cansada... Até minhas costas
estão doendo! Tudo o que aconteceu foi traumático demais.
E nesse momento, ela me olhou em cumplicidade, com um sorrisinho
traiçoeiro no rosto, cheio de insinuação e eu virei de costas, balançando a
cabeça em uma negativa.
Estava sentado no telhado quando notei uma sombra se movimentar
atrás de mim, ocultando parte da iluminação que vinha de dentro da casa.
Na mesma hora, virei o rosto para vê-la subindo a janela e andando com
cuidado na minha direção.
— Boa noite — cumprimentou, sentando-se ao meu lado.
— Boa noite. Sem cigarro dessa vez?
— Eu disse que não sou viciada.
Dei uma risada e ela esticou o braço, entregando um envelope nas
minhas mãos. Pisquei, um pouco confuso, porque não fazia ideia do que era
aquilo.
— São meus testes.
Abri e fechei a boca, sem acreditar. Eu realmente não esperava que
ela fosse se dar ao trabalho, afinal, já tinha me dito que usava preservativo
nas suas relações com o filho da puta.
— Não precisava...
— Você parecia desesperado mais cedo e fiquei pensando que isso
talvez fosse uma questão pra você — explicou, com um sorriso simpático,
abaixando toda e qualquer uma das minhas defesas.
— Eu não tenho um pra você aqui — comecei a dizer. — Mas eu faço
a cada dois meses, tenho o último na minha casa e…
Seus olhos se arregalaram um pouco.
— Você transa tanto assim? Ahn... Com pessoas aleatórias?
Achei engraçadinha a expressão que surgiu no seu rosto. A
ingenuidade e a surpresa se misturando no rubor das suas bochechas.
— Respondendo suas perguntas: Sim, eu transo bastante, mas não
com pessoas aleatórias. E como eu te disse antes, eu sempre uso camisinha.
O que aconteceu hoje foi um deslize meu.
— Você é hipocondríaco ou algo do tipo? Pra quê faz tantos exames?
— foi uma pergunta genuína, mas eu franzi o cenho, me perguntando de
onde ela tirava aqueles questionamentos.
— Não, 190, eu sou doador de sangue.
— Ah... — Ela riu e o vermelho no seu rosto aumentou. — Posso te
fazer uma pergunta?
— Não acha que já fez o suficiente? — Ela negou com a cabeça e eu
suspirei, cansado.
— Aquele dia você falou sobre o oncologista da sua avó… —
comentou, pensativa. — É pra ela que você doa sangue?
— Ela teve leucemia e está em remissão, não está precisando de
sangue no momento, mas no INCA[55] e no Hemorio[56] sempre tem gente
precisando.
— Graças a Deus que ela está em remissão, fico feliz.
— Nada é certo, não é? — respondi, deixando a típica raiva começar
a dar as caras sempre que esse assunto entrava em pauta. — Essa merda de
doença pode voltar a qualquer instante.
— Não pensa assim, as chances são muito pequenas.
— Você não entende… Foi muito agressivo, ela precisou de
transfusão e a chance de voltar é, sim, relevante.
— É por isso que ficou tão preocupado? — Ela fez uma expressão
como se tivesse desvendado um mistério, o tom de voz caindo um pouco,
quase como para si mesma. — É por isso que quase não tem tatuagens…
Ahn… Você parou de fazer por causa dela?
Afirmei, sentindo meus olhos arderem ao lembrar daquela época. Não
sabia o motivo de estar ali me “abrindo” com a pessoa que eu menos
suportava, mas falar sobre a doença da Vó Dea sempre me deixava
vulnerável. E nós sempre fazemos coisas estúpidas quando estamos
expostos.
— Nós ficamos sabendo que havia algo de errado quando eu tinha 18
anos, mas eu era um idiota inconsequente e estava empolgado pra fazer
minhas tatuagens com um cara que curtia muito. Juntei meses de dinheiro
pra isso. — Dei uma risada sem vontade, balançando a cabeça, irritado
comigo mesmo. — Tão estúpido.
Ela me encarou, prestando atenção.
— O médico chegou a comentar sobre os riscos, mas nós achamos
que tudo ficaria bem porque a Dona Dea era braba... — Ela sorriu e eu fiz o
mesmo, tentando esconder toda a dor que rastejava pelo meu peito. — Os
meses se seguiram, os resultados começaram a piorar e foi muito difícil. Em
algum momento, ela precisou de transfusão e nós nem chegamos a cogitar
que isso pudesse de fato acontecer. Quando a merda apertou, descobrimos
que o Pipo não podia doar por conta do hipertireoidismo e eu porque tinha
feito as tatuagens… Naquela época, o prazo era de 12 meses e ainda
faltavam três para o prazo acabar.
Respirei fundo e fiquei em silêncio por alguns segundos, olhando o
horizonte à minha frente. Esfreguei o rosto rapidamente e me forcei a
manter as lágrimas no lugar.
— Ela e Pipo são A- e não podem receber de qualquer pessoa.
— E você é O-, doador universal — ela concluiu e eu apenas afirmei
com um meneio.
— A ironia é que meu sangue era exatamente o que ela precisava e
nós nem compartilhamos o mesmo material genético. — Ela abriu a boca,
mas eu me adiantei. — Ela praticamente me criou, mas eu e Felipe não
somos irmãos de sangue. E eu não pude ajudar a única mulher que foi
minha família porque fui um inconsequente de merda.
O meu peito se apertou com as lembranças, as cenas sendo repassadas
na minha cabeça, desmoronando uma a uma e levando-me para aquele
buraco que eu sempre demorava a sair. Sentia os músculos da minha
mandíbula doerem pela força que eu fazia apertando meus dentes para
tentar não desabar. E eu era um idiota, deveria ter bloqueado aquele assunto
assim que ela mencionou a primeira vez.
— Você não tinha como saber que isso ia acontecer.
Dei outra risada sem humor. Virei meu rosto para encará-la, o olhar
brilhando e cheio de compaixão. Era como se ela de fato acreditasse
naquilo, como se estivesse me dando um voto de confiança que eu nem
mesmo merecia.
A sensação de conforto voltou a me preencher e eu nem entendia o
que causava aquilo, mas naquele momento, ela parecia realmente estar
preocupada com o meu bem-estar.
— Sim, eu tinha. E ela quase morreu por isso. Os estoques estavam
baixos, principalmente do sangue dela. Nós literalmente batemos de porta
em porta dos nossos vizinhos implorando para que alguém fosse doar. Nem
mesmo conseguia olhar na cara do meu irmão direito — confessei. — Ele
ficou transtornado, quase quebrou uma cadeira do INCA em uma das vezes
que estivemos lá. Foram três meses de desespero, sem a gente saber se ela
ficaria viva. Até que o prazo expirou e eu consegui ser doador dela.
— Você se culpa e tem medo de isso acontecer de novo, certo?
Assenti, sem dar mais uma única palavra. Já estava arrependido
demais de ter contado toda a história para ela.
— É por isso que não bebe também? — indagou, como se estivesse
me decifrando por inteiro.
— Ela pode precisar de mim — foi só o que eu disse.
Eu tinha prometido para mim mesmo que sempre estaria a postos, que
nunca mais seria pego de surpresa caso minha avó tivesse algum problema.
Ela e Pipo sempre repetiam que eu não deveria ser tão desesperado, mas
eles não entendiam. Nunca tive alguém de verdade na minha vida. Antes
deles, ninguém nunca se importou comigo. O que eu fazia não era nada
diante do fato de que aqueles dois tinham me dado uma família. Como eu
não seria grato? Como eu não abdicaria do mínimo por eles?
— Você não deveria colocar toda essa responsabilidade em si mesmo.
E também não precisa abrir mão de absolutamente tudo, existem opções
e…
Ela nunca entenderia sobre sacrifícios.
— Sei o que estou fazendo — eu a cortei. — Podemos não falar mais
disso?
Eu nem entendia o motivo de ter dito tudo aquilo para ela, me abrindo
daquele jeito com uma pessoa que eu nem gostava para início de conversa.
Ela não sabia como era minha vida, minhas dificuldades. Não sabia o que
era enfrentar uma fila do SUS, correr atrás de remédios. Aquela garota tinha
a porra de um hospital, um cartão de crédito ilimitado, roupas que valiam
mais do que o meu salário de um ano inteiro, o que ela saberia sobre as
minhas dores?
— Tudo bem — respondeu baixinho.
— Já que hoje estamos compartilhando bem mais do que nossos
fluidos... — comecei a dizer, dando uma risada e ela fez o mesmo. — Por
qual motivo você vai ao psiquiatra?
A patricinha estreitou os olhos.
— Você me fez uma pergunta muito invasiva — me justifiquei.
— Justo... — Deu de ombros e exalou o ar, parecendo exausta. — Por
conta da ansiedade...
Ela fez uma pausa e eu aguardei, sem quebrar o contato visual.
— Eu espero que eventualmente os remédios me consertem — saiu
como um desabafo.
Ainda estava tendo um pouco de dificuldade de entender o que estava
acontecendo em cima daquele telhado, mas tendo em vista que o dia todo
havia sido tão atípico, aquele comentário parecia ser a menor das coisas.
— Você não precisa ser consertada, 190... E um remédio não vai fazer
isso.
— Não? — Ela riu, arqueando uma das sobrancelhas. Era quase como
se me chamasse de idiota. — E o que vai?
— Se livrar das relações que não te fazem bem pode ser um começo
— respondi, sendo o mais direto possível.
Dessa vez, foi ela quem deu uma risada sem vontade alguma.
— Isso não vai acontecer.
A frase veio como se colocasse um ponto final e eu conhecia bem
aquele tom. Ainda assim, aquela resposta não me agradou. Trouxe consigo
todo aquele furacão da manhã e o incômodo por ela ainda estar junto
daquele agressor de merda.
Precisava ficar na minha, controlar minhas emoções, porque nós não
tínhamos relação alguma e se ela queria foder a própria vida, eu não tinha
nada a ver com isso.
Larissa Albertelli não era certa para mim.
Você é uma arma carregada
Não há para onde correr
Ninguém pode me salvar
O estrago está feito
:: YOU GIVE LOVE A BAD NAME - BON JOVI ::

LARISSA ALBERTELLI

Ana era foda. Sempre que pegava minhas roupas, não devolvia e
agora eu tinha que andar até a casa dela para buscar porque a bonita estava
na praia com a Lavínia. Eu passei o convite de acompanhá-las porque
Gregório resolveu marcar um café da manhã com os pais dele.
Quando cheguei na residência da minha amiga, a moça que trabalhava
lá já sabia que aquilo era constante e me deixou entrar, toda simpática,
explicando que precisava voltar para a cozinha.
Estava passando pela sala quando vi o Felipe na área externa da
piscina com o celular apontado para o rosto, tirando várias fotos, dando
linguinha entre outras coisas.
Dei uma risada e ele tomou um susto, deixando o aparelho cair no
chão, todo atrapalhado.
— E aí, Larissa! Tudo bom? — Ele coçou a cabeça, olhando para
baixo, um pouco tímido por ter sido “pego no flagra”.
— Oi! Tudo bem e você? — perguntei, me aproximando um pouco
mais para prestar atenção nos desenhos que o Pedro tinha feito. — Não
sabia que você costumava trabalhar por aqui.
— Ah, eventualmente o Pepeu me passa alguns bicos, normalmente
venho limpar as piscinas quando não tem ninguém em casa.
— Você já limpou a nossa?
— A sua nunca... — Ele deu uma risada sem graça. — Meu irmão
não é seu maior fã.
— Eu também não sou fã dele.
— Justo.
— Você pode limpar a nossa quando terminar aqui... — sugeri. —
Isso se quiser... Se não tiver algum compromisso. O menino que costuma ir,
faltou essa semana e tem uma porrada de folhas espalhadas por lá.
— Mesmo? — Ele pareceu animado. — Estou quase acabando aqui.
Tem certeza?
— Claro, eu vou pegar algo no quarto da Ana e espero você.
— Poxa, supertopo! Brigadão.
Subi as escadas e notei que o quarto da minha melhor amiga estava
uma zona, mas não demorou até que eu achasse o vestido que queria usar.
Tinha sido um presente da mãe do Gregório e mesmo que eu odiasse a peça,
ela sempre mencionava que nunca me via com ela.
Assim que voltei para a sala, percebi que ele estava me esperando,
digitando freneticamente no celular, dando algumas risadinhas. Certeza que
estava falando com algum contatinho.
Nós saímos da casa e ele pegou o skate que estava encostado perto da
entrada e colocou embaixo do braço. Tentei puxar assunto sobre o dia que
tínhamos nos encontrado no evento e ele começou a se empolgar falando
sobre manobras entre outras coisas. Era legal ver uma pessoa falando sobre
algo que amava fazer com tanta paixão, mas em algum momento, o Felipe
pareceu frustrado, dizendo o quanto o esporte era desvalorizado no país e
mencionando que teve algumas dificuldades no passado, então se sentia
atrasado em relação aos outros skatistas.
— Hoje em dia, se um vídeo viralizar pode mudar muita coisa pra
gente, principalmente em relação a patrocinadores. É importante ser notado,
estar na mira dos caras, sabe?
— Com certeza, a internet ajuda muito nisso.
— Sim! — Ele levantou os braços, concordando comigo. — Eu vivo
falando isso pro Pepeu. Vejo uns tatuadores aí que ficaram com as agendas
lotadas depois que alguns vídeos bombaram no TikTok.
— Mesmo?
— Aham e fico tentando criar novas coisas pra ver se a gente
consegue estourar.
— Que tipo de coisas?
— O novo cabelo dele é uma delas — contou, dando uma risada. —
Gato daquele jeito, platinado... Eu gravei um vídeo foda dele ontem
tatuando uma gata maravilhosa!
Um incômodo pareceu pinicar a superfície da minha pele.
— Hm... Legal.
— Legal? — Sua voz saiu meio estridente. — Maneiro pra caralho,
isso sim! Vou postar em breve. Preciso gravar uns vídeos meus antes para
editar tudo de uma vez... Essa semana eu inventei de colar um tripé no
skate, mas na primeira manobra quebrou.
— Colar no skate?
— Fiz uma gambiarra[57], usei um Durepoxi[58] pra tentar pegar uns
ângulos maneiros.
Que porra era Durepoxi?
— Você não tem uma GoPro[59]?
Ele gargalhou.
— Tá zoando, né? O máximo que eu tenho é um suporte de cano de
pvc com encaixe pro celular que eu fiz pro Pepeu me filmar.
— Eu tenho uma sobrando em casa. Comprei uma nova na minha
última viagem pra Disney e essa ficou esquecida no fundo do armário... É
sua, se quiser.
Sua boca se entreabriu e ele piscou três vezes, sem acreditar.
— Não, eu não poderia aceitar — respondeu, balançando a cabeça
negativamente, como se estivesse tentando convencer a si mesmo de que
não podia fazer aquilo.
— É sério, é um modelo antigo, mas acho que vai servir pra você.
— Não poderia...
As palavras diziam uma coisa, mas suas expressões exaltavam o
quanto ele queria aquela câmera. Era engraçado porque ele não conseguia
esconder, mesmo que estivesse tentando muito.
— Não — disse categoricamente, fazendo um movimento cortando o
ar. — Realmente não tem necessidade.
— Bem, você apenas vai estar sendo burro se não aceitar.
Dei de ombros e ele deu uma risada.
— Acho que vai ser legal para os dois, dá pra fazer vídeos muito bons
com ela, pegar uns ângulos diferentes... Eu juro pra você, vou ficar mais
feliz de saber que tem alguém usando a câmera do que ela ficando no fundo
meu armário.
— Tô sem palavras, cara. Como meu irmão não gosta de você?
— Não é?
— Obrigado de verdade, a limpeza da piscina é por minha conta. Na
real, até o dia do meu último suspiro de vida, sua piscina estará limpa —
afirmou de um jeito dramático e eu gargalhei.
— Não, não precisa e eu vou pagar.
— Então não temos negócio. — Ele deu de ombros e eu revirei os
olhos.
— Certo, eu preciso me arrumar e trago a câmera daqui a pouco, tudo
bem?
O Felipe assentiu, mostrei para ele o local em que ficava a piscina e
subi para o meu quarto. A minha manhã seria longa e cansativa e eu
precisava de um bom banho quente para poder desempenhar uma boa
atuação, repleta dos meus sorrisos falsos e comentários tediosos.

Logo depois do café da manhã, Gregório disse que todos estavam na


piscina e perguntou se podíamos passar lá. E eu afirmei que sim, mesmo
sem vontade alguma, porque eu sempre o acompanhava.
Por mais que estivéssemos mentindo e nos dias atuais nojo fosse o
maior sentimento que eu nutria pelo meu ex-namorado, os toques não eram
bem um problema. Entre nós dois, eles eram normais e automáticos. Eu
havia anestesiado tantas coisas no decorrer do tempo em que ficamos juntos
que nada daquilo era uma questão para mim.
Percebi que ele estava mais receoso ao encostar em mim, no entanto.
Normalmente se limitava a segurar minha mão, fazer algum carinho no meu
braço, no meu joelho ou apenas me dar um beijo bem rápido nos lábios.
Nós estávamos sentados nas cadeiras da piscina e o Cadu estava
contando sobre a noite anterior. Pelo visto, eles tinham ido em um clube de
lutas clandestinas e ele “acabou” com o cara que o desafiou.
Isso era um dos programas que eles gostavam de fazer, em especial o
Cadu. Quando descobri que esses locais existiam, fiquei chocada, era um
submundo muito bizarro.
Gregório já tinha lutado algumas vezes, mas eu odiava aquela merda
e nunca tinha comparecido. Normalmente, eles pagavam uma grana alta
para meter a porrada em homens que eram mais fracos que eles e eu não
compactuava com nada daquilo.
Então eu estava viajando e pensando em milhares de outras coisas
enquanto o idiota do Cadu contava vantagem sobre ser um covarde do
caralho. Duvido que se metesse com um dos caras das “casas” do clube, que
levavam as competições bem mais a sério e tinham rixas pesadas entre eles,
pelo que o Gregório tinha contado uma vez.
— A princesinha do Quimeras Flamejantes estava lá... Se ela não
fosse filha daquele psicopata, eu já teria enterrado meu pau nela.
Sério, eu às vezes me perguntava se eles podiam me ver ali, porque
era como se eu fosse totalmente invisível.
— Não mete essa, Cadu, aquela deusa nunca te daria moral — um dos
meninos falou.
— Era capaz da lunática cortar teu pau fora — Gregório comentou,
dando uma risada.
— Greg, eu aposto que ela faria o que aquela... — Cadu começou a
dizer com um tom malicioso, mas logo depois olhou para mim e limpou a
garganta para engolir um comentário.
Eventualmente, os meninos soltavam algumas coisas nas entrelinhas
sobre alguma mulher com quem o Gregório tinha trepado, mas sempre
paravam a frase no meio e eu fazia cara de paisagem, fingindo que nem
tinha ouvido nada.
Eu percebi a inquietação, agora muito maior do que o usual. Ele se
mexeu desconfortável na cadeira, apertou a mão que descansava no meu
joelho e deu uma risadinha sem graça.
— Ahn... Faria o que aquela moça disse, lembra? Da última vez que
fomos lá e ela comentou sobre a princesa do Quimeras Flamejante ter feito
um voto de castidade.
Aquela frase nem mesmo fazia sentido. Cadu era muito burro.
— Sei lá, Cadu. Não presto atenção em outras mulheres, eu namoro.
Como era um falso mentiroso.
— Ahn, eu vou ao banheiro — avisei, ignorando toda aquela
baboseira.
Enquanto me afastava, eu ouvi um tapa estalado na cabeça de alguém
que tive certeza ser o Cadu e Gregório resmungou alguma coisa que não fui
capaz de ouvir, mas não tinha dúvidas de que era um esporro por ele não
saber segurar sua língua.
Passei pelo bar e o meu olhar encontrou com o do Pedro, mas reparei
que ele estava de cara fechada e a típica raiva refletida nas suas pupilas. Por
mais bizarro que fosse, sabia bem qual era seu status normal de ódio e
quando ele se elevava um pouco mais, era por algum motivo específico.
E baseado na nossa última interação, tinha certeza que estava furioso
por eu estar com Gregório. Era ridículo que ele me julgasse daquele jeito
pelas minhas escolhas, sendo que eu não tinha pedido nenhum tipo de ajuda
ou algo parecido.
Apoiei minhas mãos na pia depois de lavá-las e fiquei encarando meu
reflexo no espelho, ouvindo a minha parte interna que eu mantinha
enclausurada dando uma risada debochada. Ela me julgava tanto quanto ele
e eu tinha certeza de que era por causa dessa minha versão maldita que eu
tinha me rendido tão fácil para o idiota arrogante.
— E é sério que acha normal continuar com esse cara depois do que
aconteceu? É revoltante ver ele passando a mão em você sabendo que seu
braço continua roxo por trás dessa maquiagem. — Sua voz ecoou dentro do
banheiro, fazendo com que eu me sobressaltasse.
Virei o rosto para vê-lo trancando a porta atrás de si. Ele cruzou os
braços e me olhou com raiva. Óbvio, era óbvio que ele estava puto por
conta de uma bobeira. Revirei os olhos, caminhando até onde ele estava,
decidida a ir embora, fugindo de uma discussão.
— Ele é meu namorado e já te disse que você não tem que se meter
nas minhas decisões.
— Por que deu uma câmera pro meu irmão?
— Porque eu não estava usando e imaginei que pudessem aproveitar
para fazer vídeos — expliquei e apoiei minha mão na maçaneta, apontando
com os olhos para que saísse do caminho.
— Você não cansa? — Ele mexeu os braços, demonstrando toda sua
impaciência.
— Oi?
— Meu Deus! É ridículo o quanto tenta desesperadamente se mostrar
uma boa pessoa, querendo o tempo todo provar que é algo diferente do que
eu imagino.
— Você está sendo um babaca de graça.
— Não, eu não estou! O problema é você achar que pode chegar
balançando essa sua carteira cara como se fosse a merda do Silvio Santos
tacando aviãozinho pros pobres. Entende de uma vez por todas, eu não
quero o seu dinheiro, não preciso dele e você não tem que se meter na
minha vida!
Ele estava furioso, o olhar fixo no meu, queimando de ódio como
costumava ser. Aquela era a nossa dinâmica, sempre fora. Acontece que
agora era muito mais difícil ignorar toda a atmosfera que vinha
acompanhada da raiva, ecoando entre os nossos corpos.
— Para de supor que eu preciso de ajuda, porra! — ele praticamente
rosnou, com o nariz quase colado no meu. — Nós não somos amigos, nós
trepamos e foi isso. Não temos relação alguma. Você não precisa ser uma
maldita ONG.
Sentia cada partícula vibrar de uma forma que somente ele era capaz
de fazer, uma resposta automática do meu corpo sempre que estávamos em
uma discussão. Era difícil distinguir o que eu queria fazer mais: agredi-lo
ou beijar aquela boca estúpida.
Umedeci os lábios e os contrai, percebendo que aquela ação capturou
sua atenção por dois segundos.
— Não sei por qual motivo ainda perco o meu tempo. — Dei uma
risada sem humor. — Não estou aqui pra ser sua ONG, não quero provar
merda nenhuma pra você. Por que eu iria querer? Você é desagradável e
arrogante. Acha mesmo que estou preocupada com a imagem que tem de
mim, Pedro? Eu sei que ela é a pior de todas, mas estamos empatados,
porque eu te vejo da mesma forma. E eu não fiz por você, fiz pelo seu
irmão.
Aquela frase pareceu deixá-lo ainda mais aborrecido e ele explodiu:
— Que caralhos você quer com o Felipe? Por que está tão obcecada
por ele? Puta que pariu, você me tira tanto do sério...
Ele segurou meu pescoço, fazendo com que minhas costas batessem
de leve na parede. Encostou a testa na minha e respirou fundo, como se
estivesse buscando algum tipo de autocontrole. Eu repeti o seu movimento
com a mesma intenção.
— Que inferno, eu quero te beijar — confessou baixinho.
— Mas você não vai — afirmei, tirando a coragem do cu.
— Porque você não quer? — a pergunta retórica foi sussurrada contra
os meus lábios e ele olhou para o meu rosto devagar para prestar atenção
nos detalhes.
— Não quero — menti.
— Mesmo?
Não respondi e ele abriu um sorrisinho prepotente.
— Vamos ver o quanto você consegue.
— O-o que?
Eu era uma idiota.
— Aguentar... — Ele quase roçou os lábios nos meus, o aperto na
minha garganta aumentando um pouco mais. — Eu vou te fazer admitir que
você quer.
— Eu... Eu... — Limpei a garganta, tentando buscar algum tipo de
dignidade no fundo do meu âmago. — Não vou querer.
— Não? — O polegar em cima dos meus lábios me desmontou e eu
engoli uma respiração, desesperada para ceder.
— Kinha? — A voz do Gregório ecoou distante.
— Filho da puta! — ele xingou, afastando o rosto do meu, fechando
as expressões. — Odeio que ele te chame assim.
Franzi o cenho e aproveitei a deixa para me desvencilhar dele e de
toda a tentação. Porque, foda-se, eu queria de novo e chegava a ser
vergonhoso o fato de que tudo o que eu conseguia pensar era nele metendo
em mim em todas as posições possíveis.
Eu havia feito isso a manhã inteira, até mesmo durante o café da
manhã com os pais do Gregório. No restaurante havia um balanço, eu
imaginei ele me comendo ali. Olhei para o lado e avistei uma réplica de
uma cabine de Londres e imaginei ele me fodendo contra os vidros.
Meu Deus, eu estava completamente louca.
E presa naquele inferno pessoal.
Mas se eu tiver que pecar, peco até no fim
Vou te provar que é melhor assim
:: PECADO PREDILETO - STRIKE ::

LARISSA ALBERTELLI

Eu estava deitada na minha cama quando meu celular vibrou ao meu


lado.
Arrogante Estúpido:
Para título de informação:
estou saindo do banho.

Engasguei com a minha própria saliva quando a ansiedade começou a


tomar conta do meu corpo. Meu coração disparou apenas pela antecipação
de vê-lo de toalha e eu puxei o ar, tentando me controlar.
Não, eu não iria até a janela.
Nem fodendo.
Lari: E o que eu
tenho a ver com isso?
Ele não me respondeu, o que fez com que eu ficasse ainda mais
agoniada. Olhei para o horário, pensando que eu tinha apenas alguns
segundos para decidir.
Não, eu não iria até a janela.
Nem fodendo.
Aquilo era ridículo. Como ele tinha a audácia de me mandar uma
mensagem daquelas? Agindo como se eu fosse uma desesperada que não
consegue se conter.
Nunca que eu iria até aquela janela.
Nem por um caralho.
Deveria ter um motivo para ele mandar aquilo além de me provocar,
não era possível. Se bem que ele era um babaca e também não gostava de
mim, então me torturar parecia um bom passatempo parando para pensar.
Foda-se, eu ia até a janela.
Peguei meu celular e caminhei até o meio do meu quarto, ficando de
frente para a janela da casa do Heitor. Havia uma poltrona no meio e eu me
perguntei o motivo daquele móvel estar ali, porque normalmente ele ficava
no canto do cômodo.
Ele não estava ali e eu queria dar as costas e voltar para minha cama.
Sentia o meu coração bombardeando meu peito com força, aquele arrepio
gelado escalando pela minha coluna. Era quase como se eu fosse um animal
esperando para ser capturado.
Prendi a respiração quando ele apareceu completamente nu, com a
toalha nos ombros e as mãos segurando cada uma das pontas.
Puta que pariu.
Ele balançou o cabelo, chacoalhando os fios entre os dedos e levantou
os olhos para encarar os meus, esboçando um sorrisinho convencido. O
babaca sabia que eu estaria ali e eu me odiava por isso.
Ainda assim, permanecia enraizada no chão, incapaz de fazer
qualquer outra coisa. Tive vontade de chorar quando ele rodeou a cadeira,
ficando de frente para mim.
DE. PAU. DURO.
E que piroca linda do caralho...
O acúmulo de água caía dos cabelos platinados, percorrendo
lentamente o seu peito e descia como se tivesse uma mira: as entradas.
Deus, aquelas entradas!
O aperto entre as minhas pernas aumentou e eu me segurei para não
cruzá-las involuntariamente. Ele riu, provavelmente da cara de idiota que eu
estava esboçando e digitou alguma coisa no celular.
Só me dei conta de que ele estava mandando uma mensagem para
mim quando o celular vibrou na minha mão, porque eu permanecia
hipnotizada naquele corpo.

Arrogante Estúpido:
Pega uma cadeira, 190.

Levantei os olhos do celular e reparei que ele estava sentado na


poltrona, de pernas abertas e os braços apoiados nos encostos laterais.
Olhei novamente para a mensagem.
E para ele.
E para a mensagem.
E para o pau dele.

Arrogante Estúpido:
Mandei pegar a porra de
uma cadeira.

Arrogante Estúpido:
Agora.

Pisquei e torci o meu celular nas mãos. E como se eu fosse uma


cadela adestrada, fui até a cadeira que ficava na minha escrivaninha e
arrastei até metade do meu quarto.
Sentei de frente para ele e minha respiração descompassou ainda mais
quando percebi que o insuportável estava sorrindo, com a língua encostada
nos dentes superiores, parecendo satisfeito.
Ele envolveu o pau com uma das mãos sem quebrar o contato visual
comigo, mantendo o celular na outra. Fez um movimento devagar e eu
umedeci os lábios, sentindo-os completamente secos.
Minha respiração tremia e a adrenalina disparava pelas minhas veias
desenfreadamente. Estava muito quente no quarto, como se um vulcão
tivesse entrado em erupção ao meu lado. E a janela aberta não fazia
diferença alguma, mantendo aquela sensação de ter a minha pele
queimando viva.
A forma como ele me olhava de um jeito quase que predatório...
Eu precisava me controlar. Não podia deixar tão nítido o quanto
aquele imbecil me afetava.

Arrogante Estúpido:
Abre as pernas.

Eu me odiei no mesmo segundo pelo movimento autoconsciente e ele


sorriu um pouco mais, trazendo toda aquela onda que tinha me atingido no
dia anterior.
Lari: Eu não vou
fazer nada.

Arrogante Estúpido:
Não mandei você fazer
nada, 190. Só quero ver
quanto tempo vai aguentar
com essas pernas abertas.

Filho da puta.
Ele continuou movimentando a mão, os olhos fixos no meu corpo, ora
focando nas minhas pernas, ora focando no meu rosto. E eu estava
literalmente imóvel na cadeira, sem mexer um músculo, apenas sentindo
minha boceta pulsando mais do que qualquer coisa.
Não demorou muito para que ficasse ofegante e eu prendi a respiração
novamente quando ele cuspiu um pouco nas mãos e aumentou o ritmo,
deixando com que ela deslizasse com mais facilidade.
Eu queria chorar de verdade. Nunca tive tanta vontade de me
masturbar em toda a minha vida e ela se intensificou no momento em que
ele mordeu o lábio inferior e jogou a cabeça um pouco para trás.

Arrogante Estúpido:
Puta merda.

Arrogante Estúpido:
Você vê como você me
deixa, 190?

Lari: Achei que te


deixasse irritada.

Arrogante Estúpido:
Esse é exatamente o
problema. Você me irrita
pra caralho.

Lari: Você é um
ignorante e eu odeio você.

Arrogante Estúpido:
É, eu sei. Foda-se.

Arrogante Estúpido:
Agora abre os botões da
blusa.

Lari: Pede com


educação, grosso.

Ele riu e digitou toda a mensagem, quase gargalhando.

Arrogante Estúpido:
Sou mesmo, sua visão está
ótima.

Lari: Idiota.

Arrogante Estúpido:
Abre os botões da blusa
pra mim, por favor, linda.

Ah, foda-se, eu já tinha perdido toda a minha credibilidade mesmo.


Usei minha mão livre para tirar os botões das casinhas lentamente e
ele se inclinou um pouco para frente, parecendo ansioso. Eu estava sem
sutiã, porque o tirei no segundo em que pisei no meu quarto, como sempre
fazia.
Abri o suficiente para que ele pudesse ver alguma coisa porque, assim
como ele, eu sabia provocar.
Meu Deus, eu me sentia dentro de uma versão mais tecnológica e
pornográfica do clipe de You Belong With Me, da Taylor Swift.

Arrogante Estúpido:
Você é uma filha da puta,
sabia?

Lari: Não mais do


que você.

Arrogante Estúpido:
Eu nem pude ver esses
seus peitos perfeitos
quando estávamos
trepando.

Lari: Sinto muito,


perdeu sua chance.

Arrogante Estúpido:
Vamos ver.

Ele era tão sexy e tocando punheta ficava mais ainda. As expressões
de prazer que ele esboçava me deixavam louca, antecipando o que faria em
seguida.
Minha vontade era arrastar minha boceta na cadeira ou em qualquer
outro lugar. Fechei alguns milímetros as pernas e me mexi agoniada na
cadeira quando ele fechou um pouco os olhos. Já estava alucinada.
Arrogante Estúpido:
O que você acha que eu
faria com você se estivesse
aí?

Lari: Gritaria
comigo.

Ele deu uma risada e eu mordi o lábio inferior, sorrindo também.


Arrogante Estúpido:
Certo, além do óbvio.

Arrogante Estúpido:
Não morde a boca assim.

Arrogante Estúpido:
Foda-se, vamos parar com
essa brincadeira.

Arrogante Estúpido:
Vem pra cá.

Arrogante Estúpido:
Você tá me deixando
maluco.

Ótimo, eu estava começando a ficar no controle. Isso era bom, certo?


Provocá-lo era melhor do que ser provocada por ele.
Então eu fiz o que nunca achei que faria na vida. Cheguei os quadris
até a beirada da cadeira, abri mais as minhas pernas, coloquei a calcinha
para o lado e respirei aliviada quando meus dedos se arrastaram pela minha
boceta encharcada.
Ele deixou o celular cair em cima do seu pau e xingou um palavrão,
fazendo com que eu comprimisse os lábios. Inicialmente, ele parou de se
tocar, completamente estático, olhando para mim de um jeito que eu jamais
iria esquecer.
Aquele olhar. Aquele olhar era uma perdição. Porque refletia tanta
coisa que eu nem mesmo era capaz de explicar, mas a forma como ele me
desejava era mais nítida do que uma água cristalina.

Arrogante Estúpido:
Por favor, vem pra cá.

Eu ignorei a mensagem, arqueei as costas e fiquei mais exposta. Por


alguns segundos, eu me perdi naquela sensação, mas a vontade de vê-lo era
maior, então ajeitei a postura para encontrá-lo completamente sedento do
outro lado da janela.
Nós continuamos nos masturbando, os olhares cravados um no outro
e a impressão que eu tinha era de que nada poderia quebrar aquela conexão.
Os movimentos pareciam no mesmo ritmo e conforme eu intensificava, ele
fazia o mesmo, acompanhando.
Eventualmente jogava a cabeça para trás, xingava algum palavrão e
em um determinado momento, quando eu enfiei meus dedos na minha
boceta e levei até a boca, eu achei que ele iria pular a janela e vir me comer.

Arrogante Estúpido:
Eu odeio você.

Arrogante Estúpido:
Mais do que qualquer
coisa.

Lari: É recíproco.

Eu estava quase e comecei a esfregar os dedos no meu clitóris mais


rápido. Eles estavam melados e deslizando com uma facilidade absurda.
Percebi que ele acompanhou o ritmo e pela forma como parecia inquieto,
também estava próximo.
Eu gozei com força, arqueando as costas e jogando a cabeça para trás,
mas um barulho familiar fez com que meu coração disparasse. Abri os
olhos para ver o Pato empoleirado na minha janela e não consegui conter o
gritinho, caindo da cadeira pelo susto.
Um palavrão alto ecoou da casa ao lado e o Pedro parecia frustrado
pra caralho, amarrando a toalha na cintura.
O quente das minhas bochechas nem era uma consequência do
esforço que eu tinha feito e sim por estar completamente envergonhada, me
perguntando se o macaco fofoqueiro tinha me visto tendo um orgasmo.
Saí da janela e fui para o banheiro com o celular, incapaz de voltar
para o cômodo depois do que tinha acontecido. Era muita humilhação.

Arrogante Estúpido:
Eu odeio o Pato mais do
que eu te odeio.

Foi impossível não dar uma risada.


Lari: Meu Deus.

Lari: Será que ele me


viu?

Arrogante Estúpido:
Não, ele apareceu depois.

Arrogante Estúpido:
E eu estava quase lá.

Arrogante Estúpido:
Macaco filho da puta.
Arrogante Estúpido:

Lari:
kkkkkkkkkkkkkkkk

Arrogante Estúpido:
Você me deixou na mão e
ainda está rindo?

Posicionei meu celular na frente do espelho e abaixei minha saia,


ficando apenas com a calcinha de renda. Mandei uma foto sugestiva que
mostrava parte da minha bunda, barriga e um pouco de peito.

Arrogante Estúpido:
Tá, eu me viro com isso...

Arrogante Estúpido:
Por hora.

Dei uma risada, mordi o lábio inferior e fiquei sentada encarando a


tela do celular, deslizando o dedo para ler as mensagens que tínhamos
trocado.
E eu odiei o fato do meu coração estar tão acelerado e não conseguir
tirar um sorriso ridículo do rosto.
Mente pra mim, foge de mim
A gente jura que não conta
Desse nosso jeito, mas não é porque eu te odeio
Que eu não posso mais beijar tua boca
:: PILANTRA (PART. ANITTA) – JÃO ::

PEDRO QUEIROZ

Aquela tarde tinha sido uma punheta. Literalmente!


Estava frustrado por ter sido interrompido na hora em que estava
quase gozando, nem mesmo consegui aproveitar a vista à minha frente
porque o enxerido do Pato surgiu das profundezas do inferno depois de
sumir por tanto tempo.
Ele andava meio ausente e fiquei me perguntando se ainda estava
puto com o lance do termômetro ou se tinha arrumado uma namorada para
fazer macaquices.
Heitor tinha me pedido para dar um pulo na Dräieck hoje para cobrir
um dos funcionários que tinha faltado. E tudo estaria ótimo se eu não
estivesse vendo-a junto com o namorado no camarote a alguns metros de
distância.
Não fazia ideia de quando aquilo havia começado a me incomodar
tanto, transformando-se em uma raiva irracional, mas eu ficava furioso toda
vez que via os dois juntos.
Acho que ela não tinha notado a minha presença até o momento em
que foi ao balcão com suas amigas para tomar algumas doses de tequila.
Ela estava com uma maquiagem mais forte, o preto delineando os
olhos e deixando-a ainda mais sexy com um vestidinho preto e curto de
lantejoulas. Eu senti meu coração disparar conforme vi aquelas pernas
lindas caminhando na minha direção, o olhar pegando fogo.
Debruçou-se no bar, o decote ficando ainda mais em evidência,
tirando totalmente a minha paz. As lembranças daquela tarde inundaram
minha mente e minha vontade era de puxá-la por cima do balcão e beijar
aquela boca que parecia muito convidativa pintada com um batom
vermelho marcante.
Ali não havia nenhum resquício da patricinha perfeita que eu
conhecia. Ela estava literalmente vestida como a desgraçada que tirava
minha paz.
— Você por aqui, GBR? — ela brincou, quase aos berros,
demonstrando que já estava alegrinha pelo álcool.
Sorri, como se não pudesse me conter. A música estava alta demais,
então era normal que nos inclinássemos um pouco para conversar com os
clientes.
E eu acho que ultrapassei alguns centímetros, quase falando no seu
ouvido.
— O que vai querer, 190? O que eu não te dei essa tarde?
Ela se afastou e puxou os lábios inferiores com os dentes, soltando-os
lentamente, escondendo o sorrisinho safado que queria dar.
— Não estou tão bêbada assim — respondeu de forma implicante.
Filha da puta linda do caralho.
Servi as três doses que ela pediu e depois saiu do bar, direcionando-se
para a pista à minha frente e entregando os copinhos para as amigas.
E então a minha tortura começou e eu percebi que estava
completamente refém daquela mulher. Ela começou a dançar de forma
sensual, descendo e subindo, rebolando sem tirar os olhos de mim. A boca
que cantava as letras da música de vez em quando me dava um sorriso
malicioso, um que estava fodendo com a minha sanidade mental.
— É a última — ela decretou quando veio novamente até o balcão e
eu ri, descrente. — Depois vou para algo mais leve.
— E aí, gatinha... Qual seu nome? — Um babaca aleatório apareceu
ao lado dela e eu fechei a cara no mesmo instante.
— Ei, ei! — Comecei a levantar a voz para ele quando percebi que
ele veio se esfregando. — Não encosta nela.
Ela me encarou, arqueando uma das sobrancelhas.
— Desculpa, cara, não sabia que ela estava acompanhada. — Ele
levantou os braços em rendição e saiu na mesma hora.
— O que foi isso?
— O cara estava em cima de você.
— E eu já disse que sei me defender, lembra? E quem disse que eu
não queria conversar com ele? — Sua pergunta estava cheia de insinuações
e eu fiquei puto pra caralho.
— Está saindo com outros caras?
— Está com ciúmes? — indagou, divertida.
— Não, mas você tem namorado, caso não se lembre.
— E isso não te impediu de me comer — disse, achando graça de
toda a situação, tirando-me ainda mais do sério.
Eu não tinha resposta para aquele comentário, porque era verdade.
— Quando vai parar de fazer esses joguinhos comigo?
— Quando vai deixar de ser um grosso e tentar ao menos ser
agradável?
Ela saiu e voltou a dançar com suas amigas e não olhou mais para
mim. Era frustrante pra caralho porque eu não sabia como lidar com aquela
garota. Eu nunca tinha tido problemas antes e realmente me esforçava
quando colocava meus olhos em alguém.
Tá, eu precisava ser mais agradável, mas era foda porque ela
azucrinava o meu juízo e eu não tinha vontade alguma de ser simpático.
Tentei colocar toda raiva que eu sentia por ela de lado, decidi deixar em
segundo plano todas as percepções que eu tinha sobre o seu jeito de levar a
vida.
Sim, eu estava desesperado a esse ponto. Porque tudo o que eu
pensava agora era em beijar aquela boca irritante. Eu podia ignorar alguns
princípios por conta de umas fodas, certo? Não passaria disso, ela tinha a
porra de um namorado.
Reparei que ela tentou vir até o bar, mas uma das suas amigas a
puxou porque alguma música tinha começado e eu dei uma risada com sua
animação. Comecei a preparar a bebida que eu sabia que ela iria pedir e
brinquei com o guardanapo na minha frente, fazendo uma rosa.
Ok, eu sabia ser agradável. Eu levava chocolates para a minha garota
e já tinha até mesmo dado uma caneca para Luna de ursinhos porque achei
a cara dela. Além disso, tinha sido um ótimo namorado para minha última
ex (mesmo que não fosse recíproco) e para a vaca escrota que partiu meu
coração anos atrás.
Coloquei a flor de papel em cima do seu drink assim que ela chegou,
com um canudinho rosa e ela sorriu, satisfeita.
— Viu? Você consegue não ser um ogro sempre — comentou,
estendendo o cartão de consumação para mim.
— Por minha conta hoje, 190.
— Você realmente não precisa... — começou a dizer, mas eu fechei a
cara e ela se interrompeu. — Certo. Obrigada.
Ela voltou para a pista e quando encontrou as amigas, começou a
pular, erguendo as mãos no ar. Passei um pano no balcão e atendi mais
alguns clientes, forçando-me a não deixar que minha atenção ficasse focada
nela.
Era difícil pra caralho, no entanto.
Percebi que a minha patricinha parou de olhar para o bar, dançando
de costas e eu não sabia se ela estava me provocando, rebolando a bunda
para mim ou se simplesmente tinha decidido fingir que eu não existia.
As duas opções eram frustrantes.
Lavínia Bittencourt apareceu algum tempo depois, sozinha. Ela
estreitou os olhos e riu quando percebeu que eu estava ali.
— Você está aqui de novo! — concluiu como se fosse uma grande
descoberta, mas relevei porque ela estava meio bêbada.
— Estou. E aí, o que vai querer?
— Um Cosmopolitan, um mojito e uma capividoka de limão. —
Comecei a preparar os drinks e ela suspirou, olhando para os lados e
tamborilando as unhas no balcão. — Sem confusões com idiotas hoje? O
Cadu é um babaca, na verdade, todos eles são.
— Sem confusões por enquanto.
— Achei que ter expulsado eles dois foi pouco.
Abri um sorriso. É, talvez o Heitor não fosse o único rico sensato
dentro daquele condomínio.
— Cuidado, está falando do namorado da sua melhor amiga —
instiguei.
— Gregório é um merda. — Ela deu de ombros, virando-se para trás
para vê-lo no camarote.
Eu gargalhei quando ela enfiou um dos dedos na garganta, fingindo
que estava forçando um vômito.
— Se eu pudesse escolher pela minha amiga, ela estaria pegando
metade dessa festa.
Pronto, agora eu estava puto novamente com o cenário hipotético que
ela tinha desenhado.
— Meu Deus, obrigada, eu esqueci de pedir para coar a caipi da Lari,
ainda bem que você lembrou — ela comentou quando coloquei um dos
drinks na sua frente. E depois fez um biquinho. — Ei, eu também quero um
canudinho rosa.
Sério, duas patricinhas.
Bufei, trocando o canudo e a ruiva bateu palminhas comemorando e
depois tentou equilibrar as três bebidas nas mãos e voltou para a pista. E
mesmo assim, a desgraçada continuou de costas.
Porra, como ela me irritava!
Logo depois, o babaca que ela chamava de namorado apareceu com
uns dois amigos e começaram a dançar com as meninas. Eu cheguei à
conclusão que odiava vê-la perto dele, tinha vontade de socá-lo toda vez
que encostava na pele dela. Não conseguia entender de jeito nenhum o
motivo de estarem juntos depois do que tinha acontecido.
Decidi que iria ao banheiro, já estava de saco cheio. Joguei uma água
no rosto e fiquei me encarando no espelho, sentindo-me um otário. Em que
momento tudo tinha desandado, porra?
Assim que saí, percebi que ela estava parada na porta com uma
expressão divertida. Olhei para os lados e percebi que estava cheio de
gente, então eu a puxei para trás de uma pilastra escondida.
— O que está fazendo, seu louco? — ela perguntou, olhando ao redor,
preocupada em sermos vistos.
Eu apoiei os dois braços na parede, na altura do seu rosto, para que
não fosse possível que ninguém a identificasse.
— Para de fazer joguinhos comigo, Larissa.
— Você nunca me chama de Larissa — constatou, pensativa.
— Você me confunde pra caralho — confessei, deixando a frustração
presente naquela frase.
Seus olhos piscaram devagar, um efeito retardatário do álcool. Sua
boca entreabriu alguns milímetros e todo meu foco se direcionou para eles
como sempre acontecia agora. Meu Deus, ela era tão linda que me irritava.
Passei a ponta do polegar para limpar um pouco do batom que estava
borrado e percebi que ela engoliu em seco e parou de respirar.
Desviei e deixei a ponta do meu nariz se arrastar no seu maxilar e
respirei devagar perto da sua orelha, esperando pelo arrepio da sua pele.
— Para de fugir de mim — sussurrei, satisfeito em comprovar minha
teoria, vendo seus pelos se eriçarem na mesma hora.
— Eu... N-não fujo.
— Sim, você foge. E eu tentei ser agradável e você começou a me
ignorar.
— Eu só estava dançando — disse, com toda sua cara de pau.
— Pra mim? — indaguei, voltando a olhá-la nos olhos e arqueando
uma sobrancelha.
Nossas bocas estavam tão próximas, quase se tocando. Era como se
existisse uma espécie de vidro invisível que as separava. Não queria
quebrar a barreira até que a patricinha me dissesse para fazer aquilo, eu
queria vê-la no mesmo desespero que eu me encontrava, porque já me
sentia com o ego ferido o suficiente depois de ela ter dito que não queria me
beijar.
— O mundo não gira em torno do seu pau, GBR.
— Estou pouco me fodendo para o mundo, 190. O mundo poderia
queimar e eu não daria a mínima. No momento, a única coisa que eu quero
é você.
Mais uma respiração interrompida e ela fez menção de avançar, mas
eu me afastei, com um sorrisinho vitorioso no rosto. Iria ao menos tentar
ganhar um pouco de poder de volta.
— Mudou de ideia? — perguntei e ela me olhou com raiva, fazendo
menção de sair.
Eu a prendi contra meu corpo, mantendo-a na mesma posição e olhei
no fundo dos seus olhos. Uma das minhas mãos segurava parte do seu rosto
e pescoço e arrastei o meu polegar pela sua pele, fazendo com que suas
pálpebras se fechassem junto com uma inspiração profunda.
— Achei que eu era apenas algo que você precisava tirar do seu
sistema.
— Você é — respondeu de forma insolente.
Apesar da irritação persistente que ela me causava, eu estava
gostando de toda aquela dinâmica. Era uma montanha-russa de frustração,
desejo, raiva e diversas outras coisas que somente ela era capaz de
proporcionar. E aquilo era viciante para um caralho.
— Quer me beijar?
Ela não respondeu.
— Eu disse que ia fazer você admitir — sussurrei contra os seus
lábios. — Para de fugir de mim.
— Eu odeio você.
— E isso não foi impedimento algum pro que fizemos até agora.
Aquela expectativa aumentada pelas respirações instáveis e os olhos
que crepitavam desejo fazia com que o calor corresse de forma selvagem de
cima para baixo, enredando-se nas minhas vértebras, acumulando-se abaixo
da minha cintura.
— Para de fugir de mim. Me diz o que você quer.
— Que inferno, eu quero te beijar — confessou, repetindo a minha
frase, quase que em um sussurro.
Antes que ela conseguisse puxar o ar, grudei meus lábios nos dela,
apertando-a ainda mais contra a parede e percebendo seu corpo se derreter
nos meus braços.
Suas mãos rodearam meu pescoço, brincando com os meus fios de
cabelo e fazendo carinho na minha nuca. Desci os beijos por sua mandíbula
e ela inclinou a cabeça para o lado, dando-me acesso ao seu pescoço e
soltando um gemido que me deixou louco.
Amaldiçoei o universo inteiro quando senti seu celular vibrando na
bolsa. Ela choramingou dentro da minha boca, como se não quisesse parar,
mas aquela merda continuava tocando.
— Não atende — pedi entre os beijos.
— Eu disse que só iria ao banheiro — explicou, interrompendo o
beijo, contrariada e ofegante.
Ela parecia uma bagunça agora, o rosto todo borrado de batom. Passei
o polegar para limpar e ela se manteve inerte, olhando-me de um jeito sexy
e confirmando o quanto eu estava fodido.
— Preciso ir.
E saiu, deixando-me ali, parado e com uma ereção.
Sério, aquela patricinha iria acabar com minha estabilidade mental.
Então eu amo quando você liga de surpresa
Porque eu odeio quando o momento é previsível
Então vou cuidar de você, você, você
Vou cuidar de você, você, você, você, sim
:: EARNED IT - THE WEEKND ::

LARISSA ALBERTELLI

Ficava impressionada em como Muriel tentava sugar o dinheiro dos


meus pais. Ela tinha uma condição de vida muito boa, mas a fortuna da
minha família vinha mesmo do meu lado paterno. O hospital era do meu
avô, que já tinha falecido, e a família da minha mãe perdeu muito dinheiro
no decorrer dos anos.
Então ela ficava em cima deles, como um urubu atrás de carniça,
querendo expandir os seus negócios e tentando desesperadamente colocar
os meus primos para ocupar o espaço que seria meu no hospital.
Sabia que o meu pai não queria nada disso, ele desejava que eu
assumisse tudo, repetindo diversas vezes que era o seu legado para mim.
Ela tinha convencido mamãe a dar uma festa para minha prima no
nosso jardim, então ao invés de estar na casa ao lado trepando com meu
vizinho insuportável, eu me mantinha sentada na mesa com um sorriso falso
no rosto, fingindo que estava amando toda aquela palhaçada.
Já era a terceira vez que a bruxa mencionava o fato da minha prima
Valentina estar se destacando tanto na faculdade. Eu não me dava muito
bem com nenhum dos dois, sabia que ambos me odiavam assim como sua
mãe.
Pensar na noite anterior fazia com que aquele evento fosse um pouco
menos desgastante. Pedro tinha me mandado uma mensagem no meio da
festa, perguntando com quem eu voltaria para casa e quando eu respondi:
“você sabe com quem”, ele ficou off-line.
Não tinha visto movimentação pela casa durante o dia, então deduzi
que ele estava trabalhando, mas logo me ocupei ajudando minha mãe com
os preparativos da festa.
No final do dia, meus pais receberam uma ligação urgente do hospital
e precisaram sair correndo, deixando-me lá com aquelas cobras. E eu sabia
o que sempre acontecia quando ficava sozinha na presença de Muriel.
Estava na cozinha roubando alguns docinhos que já tinham sido
recolhidos, tentando pensar em uma desculpa para sair dali. Ela entrou,
carregando aquele olhar de desprezo e se apoiou ao meu lado na bancada da
cozinha.
— Você é mesmo uma ingrata, não é?
— Não sei do que está falando.
— Seu pai estava sugerindo que minha Valentina te acompanhasse no
hospital e você deu um jeito de colocar uma coisa contra.
— Eu apenas disse que não sabia como seriam as coisas quando eu
voltasse de férias do estágio devido a minha carga horária.
— Realmente vemos que você não tem nosso sangue, desprezando a
família que te acolheu... — Ela deu uma risada desagradável.
Meu estômago retorceu, as gotas de suor se acumulando atrás da
minha nuca. Eu me forcei a contar as minhas respirações para acalmar a
onda de raiva que começava a estourar dentro de mim. Não aguentava mais
toda aquela humilhação e a forma como ela me rebaixava. Sempre me
calava, permitindo que Muriel me tratasse como lixo.
— Você nunca me acolheu, você sempre foi uma vaca...
A frase foi interrompida pelo tapa na cara que eu recebi com força no
rosto. Levei uma das mãos até a bochecha, um pouco atônita porque já fazia
alguns anos que ela não me batia. Ela tremia de ódio e estava ofegante,
olhando-me de cima a baixo, cheia de asco.
— Tantos filhos legítimos que minha irmã perdeu... — cuspiu as
palavras, como se estivesse enojada. — Mas é claro que a cadela mal-
agradecida tinha que vingar. Por que não faz um favor para o mundo e
ingere uns comprimidos a mais?
Forcei meus olhos para segurar as lágrimas que queriam fugir. Eu
estava prestes a desabar quando ela deixou o cômodo e voltou para o
jardim. E assim que ela saiu, eu caí contra a parede, deslizando até o chão e
afundando meu rosto nas mãos, tentando conter o choro.
Fiquei alguns minutos ali, soluçando baixinho e me perguntando
como alguém poderia ser tão ruim. E eu nunca fiz nada para que ela me
odiasse tanto, eu até mesmo me anulava para ser a filha perfeita para os
meus pais. E era tão exaustivo ter que parecer perfeita o tempo todo.
Limpei as lágrimas e me levantei, vestindo minha armadura e
deixando a parte que estava morta dentro de mim para que ninguém
pudesse ver. Precisava sair dali antes que eu desabasse por completo.
Lari: O que está
fazendo?

Estúpido Arrogante:
Voltando para o
condomínio.

Lari: Posso usar o


seu telhado hoje?

Estúpido Arrogante:
O seu me parecia intacto
mais cedo.

Lari: Um dos meus


primos vai dormir no sótão
hoje, minha casa está cheia
e eu simplesmente quero
sair daqui.

Estúpido Arrogante:
Você precisa de alguma
coisa?

Lari: Do seu telhado.

Lari: E talvez de
uma garrafa de uísque do
Heitor.

Estúpido Arrogante:
Bem, você sabe o
caminho.

Voltei para o jardim e quando percebi que ninguém estava prestando


atenção, me esgueirei pela cerca viva que dividia as casas e fui para a
residência dos Franco.
Peguei uma garrafa de Jack Daniel’s do bar do Heitor e subi para o
telhado, irritada comigo mesma por não ter pegado o meu cigarro. Merda,
eu realmente precisava de um agora.
Respirei aliviada quando passei pela janela e caminhei devagar para o
lado oposto da minha casa. Não queria correr o risco de alguém me ver do
sótão ou do jardim. Abri a garrafa, dei um grande gole e fiquei ali,
observando o crepúsculo pintar o céu de preto, dando lugar às estrelas que
costumavam ser minha companhia.
Não sei dizer quanto tempo fiquei ali, porque tinha deixado o meu
celular em cima da cama, mas um terço da garrafa havia ido embora no
momento em que ele chegou.
Virei a cabeça para vê-lo andando com cuidado até chegar perto do
local em que eu estava. Não me importei de provavelmente estar com os
olhos vermelhos por ter chorado e nem com a imagem que eu passaria. Eu
não precisava de máscaras perto dele.
Tive a comprovação quando ele se sentou perto de mim, levou uma
das mãos até o bolso do moletom, tirando um maço de cigarro e um
isqueiro. Entreabri a boca, surpresa.
— Você sabe qual cigarro eu fumo?
— É um cheiro meio inconfundível — disse, dando de ombros. — E
difícil pra caralho de achar, hein? Puta merda.
Dei uma risada, franzindo um pouco o cenho. Não sabia o que parecia
menos inacreditável: ele trazer um maço do meu cigarro ou ter rodado
alguns locais procurando.
— Eu não te pedi um maço, pedi? — perguntei, verdadeiramente
confusa.
Ele me olhou e suspirou.
— Não, mas eu imaginei que você precisasse de um.
— Obrigada. Você estava certo.
Abri a carteira e coloquei um dos cigarros na boca, cobrindo a ponta
com a mão para acender. Fechei os olhos e traguei, sentindo todos os meus
músculos relaxarem, sendo invadida por aquela anestesia momentânea.
Ele abafou uma risada e mexeu no cadarço do tênis.
— Bem, já estou indo... — ele disse, fazendo menção de se levantar.
— Não... Você não precisa ir. — Segurei seu braço e ele olhou para o
local, mantendo-se no lugar.
— Não acho que você vai me querer aqui.
— Eu não me importaria se você ficasse — murmurei.
— Na verdade, acho que nem quero ficar. — Sua resposta saiu áspera
e cheia de ressentimento.
— Por quê?
— Não vou ficar aqui te vendo desse jeito, ouvindo você dizer que ele
te machucou se vai me impedir de fazer alguma coisa. Eu tenho um limite e
ele é bem curto.
— O Gregório não fez nada dessa vez.
— Eu só preciso de um nome — falou entredentes e eu apenas dei
uma risada sem humor, voltando a colocar o cigarro nos lábios.
— Minha tia e não acho que você possa resolver nada.
Os seus ombros caíram e ele pareceu relaxar um pouco. Soltei o ar
lentamente, observando a fumaça ser levada com a brisa fria que passou.
— O que ela fez?
Apoiei meu queixo no punho fechado e estreitei de leve os olhos em
sua direção, tentando decidir até quanto eu deveria compartilhar com ele.
Dei uma batida no cigarro para tirar o excesso de cinzas e o encarei por
mais alguns segundos.
Era tentador poder desabafar e de alguma forma, algo me dizia que
ele guardaria o meu segredo. Pedro parecia um cara com princípios e eu
sabia que jamais se venderia. Ainda assim ele me odiava, ele poderia querer
se vingar de alguma forma.
— Eu não vou contar nada pra ninguém, 190... Se é com isso que está
preocupada.
Ponderei um pouco mais, as palavras coçando na minha língua que já
estava um pouco dormente. Dei um outro gole no uísque como se estivesse
buscando por coragem e soltei o ar em desistência.
— Minha mãe teve seis abortos — comecei a dizer e na mesma hora
sua boca se separou e seus olhos se abriram um pouco, demonstrando que
eu o tinha pego de surpresa. — Na sua última gravidez, assim que
descobriu, ela decidiu passar alguns meses em São Paulo, perto dos
melhores especialistas. Meus pais alugaram uma casa e ficaram por lá com
o auxílio da Iolanda, a moça que trabalhava na casa deles.
Ele piscou, prestando atenção. Traguei o cigarro mais uma vez e
observei o horizonte diante de mim. Eu nunca tinha contado aquela história
em voz alta, nunca tinha dito nada para ninguém. Era como se um bloco de
concreto finalmente parasse de me sufocar, saindo de cima do meu peito,
então eu continuei:
— Iolanda se envolveu com um cara aleatório quando ainda estava no
Rio e quando foi para São Paulo descobriu que já estava grávida de cinco
meses. Minha mãe disse que as duas foram muito parceiras durante a
gravidez, mas que acabou não resistindo ao parto. Meu pai descobriu que
ela não tinha família e tomou a decisão de esperar que eles voltassem para o
Rio para procurar as autoridades e decidir o que fariam comigo, mas mamãe
teve o sétimo aborto algum tempo depois.
Minhas lágrimas acumuladas estavam tornando minha visão turva e
eu passei uma das mãos rapidamente para secá-las.
— Minha mãe acabou se apegando a mim no seu luto pela filha que
ela não teve e eles me adotaram e fingiram para o mundo todo que nada
tinha acontecido. Os dois disseram que era difícil demais ter que explicar
para as pessoas mais uma vez e que Deus tinha me colocado no caminho
deles.
— E ninguém sabe disso? — foi só o que ele perguntou, com a voz
um pouco arranhada.
Balancei a cabeça em uma negativa, sem olhar para ele e apaguei o
cigarro. Não queria ver suas expressões e nem mesmo tinha certeza do
motivo. Era difícil demais lidar com aquilo e eu nunca tinha contado para
alguém para sequer imaginar alguma reação. Eu tinha medo do que podia
ver, do julgamento, da decepção.
— Bem, só a minha tia sabia. E ela deixou escapar quando eu tinha
idade suficiente para entender. Então eu perguntei e eles me contaram tudo,
foram sinceros e disseram que aquilo não fazia diferença alguma, que eu
era, sim, a filha deles.
— Você é filha deles — afirmou e eu arrisquei olhar para ele, dando
um meio sorriso.
— Eu sei, mas depois desse dia, minha tia Muriel passou a fazer da
minha vida um inferno. Sempre que estava sozinha comigo, me batia, me
chamava de cadela, vira-lata, bastardinha, entre outras coisas.
— Sinto muito por aquele dia... — murmurou, parecendo
envergonhado. — Eu nunca pedi desculpas por ter te xingado e sei que o
que eu disse foi errado, mas eu não imaginava...
Ele não conseguiu terminar, apenar manteve o olhar fixo no meu.
— Estou me sentindo tão babaca — saiu como uma confissão, eu tive
a certeza, apenas pela forma como ele me olhou que ele estava
verdadeiramente arrependido.
— É, você foi um babaca — lembrei, dando uma risada.
— Você deveria ter me batido com mais força — ele tentou brincar,
parecendo triste.
— É, eu deveria.
— Você nunca contou para os seus pais? Sobre a sua tia?
— Ela me ameaçava, alegando que se eu dissesse algo para minha
mãe, ela daria um jeito de contar para a mídia e que isso acabaria com os
dois. Cresci com esse terror psicológico, com medo de decepcionar meus
pais, sendo chamada de ingrata sempre que fazia algo diferente do
esperado. — As palavras saíram amargas da minha boca e eu senti minha
voz embargar. — Eu nunca fui ingrata, eu sempre fiz tudo para ser a filha
perfeita pra eles desde que descobri toda a história.
Limpei uma das lágrimas que escorreu. Aquele redemoinho do
passado queria rasgar o meu peito e me arrastar para um buraco, mas eu
puxei uma respiração para contê-lo como costumava fazer. Encarei minhas
mãos, torcendo-as e cutuquei minhas unhas, tentando conter minha
ansiedade, mas ele entrelaçou os dedos nos meus, impedindo que eu
continuasse.
Levantei os olhos para encontrar os dele, marejados.
— É por isso que você é tão diferente quando está perto deles... —
concluiu baixinho, sem soltar minha mão.
— Eu faço o que preciso fazer. Eles sempre tiveram expectativas, eles
me deram tudo o que eu tenho, me acolheram quando poderiam ter me
mandado para algum lugar absurdo. O mínimo que eu posso fazer é ser a
filha que eles querem. Eu não sou uma pessoa ingrata — reafirmei.
— Eu não disse que você era.
— E eu estou tão cansada. Porque não importa o que eu faça... —
Soltei sua mão e cobri os olhos, impossibilitada de conter o choro. — Hoje
mais uma vez ela disse que eu deveria morrer.
Senti o seu corpo junto do meu, envolvendo-me em um abraço e eu
apenas o abracei de volta, afundando meu rosto no seu peito.
Ele não disse nada e aquele silêncio era tudo o que eu precisava. Era
difícil pensar ou buscar uma lógica para aquela conexão que pairava entre
nós dois, mas ela era real e eu não conseguia mais ignorá-la.
Havia algo quando eu estava com ele, quando sentia o seu calor se
fundindo com o meu, fosse pelos nossos corpos ou pela atmosfera densa
que criávamos sempre que discutíamos. Éramos como duas substâncias de
características opostas entrando em contato e gerando uma reação química.
As batidas do seu coração ecoavam contra os meus ouvidos, trazendo
uma sensação de calmaria inesperada. E eu submergi naquele som,
esquecendo de tudo ao meu redor.
— 190? — perguntou contra os meus cabelos, penteando os meus fios
com os dedos.
— Hm?
— Me deixa cuidar de você hoje?
E eu apenas assenti, incapaz de sair dos seus braços.
E eu me lembro
De nós dois juntos deitados na sua cama
Minha camisa te servia de pijama
:: MORENA – SCRACHO ::

PEDRO QUEIROZ

Eu mal consegui dormir naquela noite. Ela adormeceu nos meus


braços no meio do telhado e eu a carreguei para dentro da casa. O pequeno
trajeto foi difícil, mas Larissa parecia dopada, nem sequer se mexeu. Foi
apenas quando eu fiz menção de sair da cama, que a Bela Adormecida
resmungou alguma coisa que não consegui entender e se apertou contra o
meu corpo, impedindo-me de sair.
Então eu meio que fiquei ali, deitado com ela em cima do meu peito
respirando pesadamente.
Me senti um idiota em vários momentos daquela noite. Porque eu
realmente não a conhecia, não fazia ideia de todo o peso que aquela garota
carregava. Definitivamente eu a julguei mal, porque ela parecia, sim,
entender sobre sacrifícios e tinha uma vida inteira para comprovar isso.
Fiz uma retrospectiva daqueles últimos dias e também das vezes em
que interagimos no passado, percebendo o quanto ela se anulava perto das
outras pessoas.
Não comigo. Comigo Larissa Albertelli conseguia ser verdadeira.
Ela não tinha preocupação do que eu pensaria se explodisse na minha
presença, se gritasse e mostrasse que algo realmente a incomodava. De
alguma forma, dentro de um lugar que parecia uma prisão para nós dois,
criamos uma válvula de escape. Analisando, era isso que as nossas brigas
eram, acima de tudo.
Meus pensamentos se desintegraram quando eu caí no sono e depois
acordei com o sol batendo no meu rosto. Tentei me mexer com cuidado,
mas não tive muito sucesso, porque ela despertou logo em seguida.
— Bom dia — falou, sonolenta, cobrindo o rosto e saindo de cima de
mim, para deitar ao meu lado, com a cabeça no travesseiro.
Eu me virei para ficar de frente para ela. Era ridículo o quanto aquela
garota era bonita e ali, deitado ao seu lado, percebi que eu poderia passar
horas categorizando cada detalhe do seu rosto.
— Bom dia, 190. Dormiu bem? Está melhor?
— Uhum. — Ela se encolheu um pouco e cobriu parte do rosto,
parecendo envergonhada. — Ainda não acredito que falei aquele monte de
coisa pra você.
— Ainda não acredito que você passou por aquele monte de coisa.
Ela sorriu um pouco sem graça.
— Sinto muito que tenha passado por isso — falei, sentindo o meu
peito apertar.
— Obrigada.
— Está com fome?
— Você não precisa… — Ela fez menção de se levantar. — Eu vou
pra casa…
— Perguntei se está com fome — eu a interrompi, encostando minha
mão no seu braço para que ela se mantivesse como estava. — Toma um
banho se quiser ou dorme mais um pouco, eu já volto.
Joguei uma água no corpo rapidamente e fui até a cozinha. Percebi
que Pato tinha passado por ali porque a típica zona que ele fazia não
deixava dúvidas. E como se não bastasse, o safado também havia roubado
algumas frutas.
Eu queria fazer algo para que ela se sentisse bem. Estava me sentindo
um merda por ter sido um babaca tantas vezes.
Preparei algumas coisas e subi as escadas tentando carregar a bandeja
que eu tinha achado em um dos armários. Assim que pisei no sótão, notei
que ela estava dentro do meu moletom, no meio dos lençóis. O ar estava
ligado, então fazia sentido que ela estivesse vestida daquele jeito.
A patricinha tinha tomado banho, os cabelos estavam um pouco
molhados, como se ela tivesse usado o secador para tirar o excesso da água.
Ela me encarou com expectativa e foi impossível não pensar uma infinidade
de coisas vendo-a ali, sentada na cama dentro da minha roupa.
— Peguei emprestado, tudo bem?
— Ele fica melhor em você do que em mim.
Dei de ombros e me sentei de frente para ela. Seus olhos percorreram
a bandeja que eu havia colocado entre nós.
— Não acredito que você cortou as bordinhas do pão! — Ela
comprimiu os lábios, segurando uma risada e me encarou, um pouco
desconfiada. — Achei que não fazia minhas vontades.
— Isso sou eu tentando não ser um babaca.
Ela abriu um sorriso e mordeu o queijo quente, soltando um ruído de
satisfação e fazendo com que eu risse em resposta. Fiz o mesmo, porque eu
já estava morrendo de fome.
— Tinha geleia... — comentei entre as mordidas. — Só que eu não
sabia se você gostava.
— Eu odeio geleia.
— Eu também odeio. O café está bom? Eu trouxe açúcar...
— Não, pelo amor de Deus! — Ela esticou a palma da mão quando eu
fiz menção de pegar. — Eu odeio café com açúcar!
— Hmmm… E o que mais você odeia? — perguntei, curioso.
— Além de você? — brincou, tomando um gole da bebida.
Gargalhei, percebendo que um rubor repentino surgiu no seu rosto por
trás da xícara.
Ela estava corando, porra. Para mim!
Que ódio, por que em alguns momentos ela era tão bonitinha?
— Além de mim, obviamente. Eu sei que estou no topo da sua lista.
— Será? Será que você tem essa relevância toda? — implicou e eu
levei uma das mãos até o peito, fingindo ter sido atingido. — O topo da
minha lista é um lugar muito disputado.
— É mesmo? Contra o que eu estou concorrendo?
— Bem, vamos lá... Eu odeio meu carro.
Eu ri, achando graça.
— Sério isso?
— Se eu pudesse escolher, acho que teria um Jeep, mas o meu pai me
deu aquele, dizendo que era minha cara. Na época, ele disse que era quase
como um carro da Barbie.
— E isso é ruim? Você é praticamente uma Barbie — lembrei, em um
tom zombeteiro, e ela revirou os olhos.
— Eu odeio a Barbie.
Dei uma risada, mordendo o último pedaço do meu pão e limpando as
mãos em cima da bandeja.
— Vamos lá, 190… O que mais?
— Eu odeio Medicina — ela soltou um muxoxo.
Pisquei, sem acreditar.
— Por que você… — comecei, mas me interrompi quando ela me deu
um olhar debochado. — Você faz por causa dos seus pais, é claro.
Ela esticou um pouco os lábios, sem muita vontade.
— Odeia fazer compras também? — Tentei fazer uma pergunta
divertida para tirar aquela expressão de desânimo do seu rosto.
— Não, eu realmente amo fazer compras — confessou,
choramingando.
— São coisas relevantes, não acho que eu tenha chances de ganhar o
primeiro lugar.
Minha atenção se desviou para sua boca quando ela prendeu os
dentes, puxando os lábios inferiores antes de me encarar de um jeito que fez
meu pau se apertar nas calças.
— Ah, você tem… — respondeu, cheia de insinuações.
— Tenho? — indaguei, entrando na dela e chegando a bandeja que
estava entre nós para o lado.
— Eu odeio o fato de você estar sempre com um sorrisinho ridículo
na cara.
Eu avancei um pouco, chegando mais perto dela e abri um sorriso
convencido. Sua respiração travou e ela arranhou as unhas pela minha coxa
devagar, apoiando as mãos ali.
— Esse?
— Uhum...
— Hm… Certo. E o que mais você odeia em mim? — sussurrei no
seu ouvido, não conseguindo me manter longe.
— Odeio suas entradas — confessou, colocando a mão abaixo da
minha cintura.
— Minhas entradas? — Eu quase gargalhei.
— Sim, elas são um pesadelo!
— Odeia quando eu te seguro assim? — perguntei, envolvendo seu
pescoço com uma das minhas mãos, observando suas pálpebras se fecharem
devagar.
Ela apenas assentiu e abriu os olhos em seguida, revelando o meu
reflexo nas pupilas dilatadas, mais escuras do que nunca. Merda, eu não
podia continuar com aquilo. Era frustrante pra caralho saber que ela estava
dando para mim e para aquele otário ao mesmo tempo. Então, assim que a
patricinha inclinou o rosto para me beijar, eu me afastei um pouco,
encarando-a sério.
— O que foi?
Respirei fundo quando ela ficou de joelhos e literalmente veio para
cima de mim, sentando no meu colo com as pernas abertas.
Puta merda, ela estava sem calcinha?
— Você disse que cuidaria de mim, não disse? — ela perguntou no
meu ouvido com um tom meloso, arrastando os lábios pela minha orelha.
Foda-se, eu deveria ganhar um prêmio por estar ao menos tentando
resistir àquilo.
— Não vamos fazer isso de novo — avisei, segurando seus pulsos
para criar um pouco mais de espaço entre nós.
— Ainda está irritado pelo dia da boate — ela concluiu.
— Eu sei muito bem interpretar as coisas. E ele é o seu namorado,
não é? Você me beija, mas volta pra casa com ele...
— Eu não estou com ele. Não de verdade.
Que porra? Pisquei algumas vezes, tentando assimilar as duas frases
que tinham saído da sua boca.
— Oi?
— É um namoro de fachada.
— Desde quando? — perguntei, chocado.
— Desde o dia em que eu o ameacei com um canivete — respondeu,
como se estivesse falando sobre a chuva caindo pela janela.
— Por que não terminou com ele de uma vez?
— Eu não posso fazer isso.
— Por causa dos seus pais — concluí novamente e ela assentiu,
chateada. — Isso é bizarro pra caralho, 190.
— É a minha vida.
Seus ombros se encolheram e eu soltei seus braços. Um suspiro
deixou seus lábios e ela se movimentou para sair de cima de mim.
— Você não está trepando com ele? — indaguei, segurando-a pela
cintura, mantendo-a no lugar.
— Não... — sussurrou, segurando o meu rosto e afundando as unhas
pelos meus cabelos. — Mas eu realmente gostaria de fazer isso com você.
Deslizei o polegar pelos seus lábios, completamente louco para beijar
aquela boca. Sabia que mais uma vez não seria suficiente para mim, não
tinha sido naquele dia. Eu a queria e não só por um dia ou uma noite, queria
fodas e fodas seguidas até que ela não aguentasse mais, até que a porra do
meu pau esfolasse.
— Se fizermos isso hoje... Vai continuar fugindo de mim?
— Eu percebi que é impossível fugir de você.
Ela adora me odiar não me dá trela não
Se desespera e depois come na minha mão
Se faz de santa mas é só pra me afrontar
Mulher insana quer causar meu fim
Se chego ela derrete, se perde pra mim
Entre quatro paredes nosso caos exala perdição
:: NO VENENO – STRIKE ::

PEDRO QUEIROZ

Eu tinha a total intenção de aproveitar aquele beijo que não consegui


na noite da boate e dar a devida atenção à sua boca. O único problema é que
ela estava esfregando a porra da boceta no meu pau com tanta força,
rasgando todo o meu foco.
Não duvidaria se rasgasse minha bermuda também. Era de um tecido
bem vagabundo e eu tinha comprado por vinte reais quando fui até o
Saara[60].
— Não acredito que estava sem calcinha esse tempo todo — falei,
subindo as mãos por sua coxa e levantando o moletom.
— Eu não tinha uma limpa — justificou, fazendo um biquinho.
— Você é uma filha da puta, isso sim.
Ela riu e eu puxei seus lábios com os dentes, voltando a beijá-la e
deixando que as minhas mãos vagueassem por suas curvas. Não consegui
me conter, cobrindo seu corpo com o meu e deitando-a na cama.
Continuei beijando seu pescoço de força intensa, desesperado para
provar cada centímetro daquela pele perfeita. Meu corpo parecia em chamas
e meu pau latejava diante da expectativa de vê-la totalmente nua, deitada
embaixo de mim. Decidi que ainda não era o momento, ela estava perfeita
dentro do meu moletom.
Fiquei de joelhos entre as suas pernas e a encarei por alguns
segundos. Queria fazer tantas coisas que nem mesmo conseguia raciocinar.
Ela pareceu perceber minha reação e se contorceu um pouco, abrindo um
sorriso meio safado e meio tímido naqueles lábios grossos, vermelhos e
úmidos.
Boca linda do caralho que ficava ainda mais maravilhosa depois dos
meus beijos.
Eu a segurei pelos joelhos, abrindo suas pernas em um movimento
mais agressivo, louco para ver aquela boceta totalmente exposta para mim.
Estava sonhando com a porra daquela visão há dias, a incerteza dominando
todos os meus pensamentos dia e noite. E a imagem ultrapassou todas as
minhas expectativas.
Puxei um dos seus tornozelos, trazendo-o até a altura da minha boca.
Comecei a trilhar um caminho com a minha língua, provando cada
milímetro das pernas perfeitas que ela tinha. Mordi a panturrilha,
observando o vermelho marcar a sua pele e amando o efeito daquilo.
Minha marca. Nela.
Eu repeti a ação e me afastei um pouco, notando o branco ganhar
outra tonalidade. Nem mesmo sabia porque estava tão fascinado, mas
aquele sentimento possessivo me consumiu.
Por mais que eu amasse marcar as pessoas com minha tinta e os meus
traços, cheguei à conclusão de que nada parecia mais prazeroso do que
marcá-la por inteiro com a minha boca. Como se fosse minha.
E talvez o motivo fosse o mais óbvio: ela não era.
Bem, hoje seria diferente. Hoje Larissa Albertelli seria minha pelo
tempo que eu quisesse.
Entreabri suas pernas ainda mais, aproximando o meu rosto no meio
delas e adorando a forma como ela se contorceu de maneira ansiosa, os
olhos grandes vidrados em mim, brilhando por antecipação. Perdi algum
tempo beijando o interior da sua coxa, sentindo meu pau se apertar com a
visão.
— O que está esperando? — ela perguntou, parecendo agoniada pela
espera.
Eu a olhei no fundo dos olhos e dei um tapa na sua boceta, fazendo
com que suas costas arqueassem.
— Meu Deus! — ela gemeu, voltando a me encarar ainda mais
sedenta.
— Você não decide nada aqui, 190. Você me deixou louco por tempo
demais, então cala essa boca, porque hoje sou eu quem manda nessa porra.
Ouviu?
Ela manteve o olhar fixo no meu, um sorrisinho travesso crescendo
no rosto. Dei um tapa com mais força pela falta de resposta e ela xingou,
tornando a se contorcer.
— Ouviu?
— U-uhum — murmurou baixinho, mas sem parar de me olhar do
jeito que só ela sabia: como a desgraçada que tirava minha paz.
— Então me responde quando eu te fizer uma pergunta. E não fecha a
porra dessas pernas.
Afundei meu rosto na boceta quente e molhada, quase gozando com o
contato e o gemido que veio em resposta. Eu a lambi devagar, aproveitando
cada pulsação e separei mais as suas coxas, respirando contra sua entrada.
Pressionei meus lábios e brinquei com a língua com movimentos
circulares, sugando o clitóris inchado que parecia latejar dentro da minha
boca.
Puta que pariu, ela era deliciosa.
As unhas cravaram no meu couro cabeludo quando eu forcei o rosto
com um pouco mais de rigidez, aumentando o ritmo. Não demorou muito
para que uma das pernas viesse parar no meu ombro, deixando-me com
mais tesão ainda.
Eu a chupei de forma ininterrupta, completamente obcecado por cada
uma das reações que seu corpo performava. Os gemidos seguidos pelos
palavrões eram a minha parte favorita.
Altos. Descontrolados. Sem pudores.
Era uma coisa maravilhosa foder aquela boceta com a minha língua,
mas eu não me aguentei e meti dois dedos nela, estimulando-a ainda mais.
E eu continuei, sem parar até que seus gritos se tornassem mais constantes,
ecoando pelo quarto e deixando-me cada vez mais duro.
— Puta merda... — ela choramingou, mexendo-se agitada. — Eu
estou quase!
Quando percebi que ela estava puxando meus cabelos em uma
tentativa de se esfregar ainda mais contra mim, segurei os pulsos ao lado do
seu corpo, recebendo um resmungo em seguida.
— Eu disse que você podia gozar? — indaguei, sério, levantando um
pouco o rosto para vê-la com uma expressão totalmente frustrada.
— Meu Deus, por que está parando? — Ela parecia desesperada,
tentando se soltar.
Da forma como eu queria.
— Você vai gozar quando eu decidir... — Dei uma lambida lânguida.
— Quantas vezes eu quiser... — Mais uma. — E não vai reclamar.
Então eu a chupei novamente, com mais força dessa vez, arrancando
o que eu imaginei ser a sua sanidade pelo gemido longo que escapou da sua
boca.
A minha paixão por boceta era algo antigo, desde antes de eu
descobrir como meter em alguém. A primeira vez que eu chupei uma, fiquei
tão excitado que nem mesmo me importei com o fato de que não ia comer a
garota. Era minha parte preferida do sexo e eu nunca abria mão.
E enquanto eu estava ali, com o rosto enterrado nela, descobri que
estava apaixonado pela boceta da patricinha insuportável.
Estava fazendo uma tortura com ela, sabia disso. Quando percebia
que estava perto do limite, diminuía os movimentos, voltando a lambê-la de
um jeito preguiçoso.
Era excitante vê-la alternar entre a irritação e a súplica. Era
maravilhoso vê-la fora de si. E eu simplesmente não conseguia parar.
— Por favor... — implorou, ofegante, pelo que eu supus ser a
vigésima vez.
— Quer gozar?
— Sim! Pelo amor de Deus! — Ela levantou um pouco para me olhar
nos olhos, transtornada.
— O quanto você quer?
— Muito. Muito, por favor.
— Tão perfeita assim, implorando... — falei, soltando seus pulsos e
agarrando uma de suas coxas, mordendo-a de leve. — Vou fazer você gozar
agora, linda.
Lambi seu clitóris mais algumas vezes, arrastando minha língua para
cima e para baixo e eventualmente chupando-o com um pouco mais de
força. Eu aumentei a intensidade e as unhas compridas fincaram nas minhas
mãos, demonstrando toda sua falta de controle.
Os gemidos se estenderam e ela tremeu, sendo atingida por uma onda
de orgasmo. O corpo se contorcendo, as pernas se fechando em um
movimento não pensado e a voz falhando. Ela estava escorrendo e eu
aproveitei para lambê-la mais um pouco, enlouquecido com os espasmos
maravilhosos do seu corpo.
Não me aguentei e engatinhei por cima dela, limpando minha boca
com os dedos e na mesma hora seus olhos pareceram escurecer ainda mais.
— Meu Deus, como você é gostoso — ela disse em voz alta, mas eu
tinha certeza de que era para ser um pensamento.
Dei uma risada.
— Você é gostosa e sua boceta é... Caralho, eu acho que não existe
uma palavra no dicionário pra expressar o que eu acho da sua boceta.
Eu a beijei calorosamente, adorando o seu gosto se misturando em
nossas línguas. Era difícil calcular quanto tempo as coisas demoravam para
acontecer quando eu estava com ela porque eu me perdia por completo.
— Mandei fechar as pernas? — perguntei, ainda dentro da sua boca,
afastando-as com meu joelho.
— Não — respondeu, balançando a cabeça em uma negativa e
olhando nos meus olhos.
— Muito bem, 190 — falei, descendo a mão pelo seu corpo e
voltando a encontrar sua boceta encharcada.
Eu a peguei de surpresa e ela arregalou um pouco os olhos,
entreabrindo os lábios em um gemido silencioso. Puta merda do caralho!
Puxei seus lábios inferiores com os dentes e esfreguei seu clitóris. Ela
estava tão melada que meus dedos estavam escorregando quando entravam
e saíam dela. Suas pálpebras se fecharam quando fui um pouco mais fundo.
— Olha pra mim — ordenei e ela gemeu com o estalo do tapa que eu
tornei a dar. — Quero ver você gozando nos meus dedos.
— Não... Não acho que vou conseguir...
— Eu acho bom você conseguir.
Embolei o moletom acima do seu peito e os observei, completamente
rígidos e empinados para mim. Porra, ela era toda perfeita, do topo da
cabeça até os pés. Um gemido baixinho escapou da sua boca quando agarrei
um deles com força e cobri o mamilo com meus lábios, sugando-o e
brincando com a língua.
Eu me sentia como uma pessoa faminta em um banquete, sem saber
qual parte provar, minha atenção se desviando cada hora para uma parte do
corpo. Queria tudo, queria ela por inteiro.
Chupei seu peito com mais força e a masturbei no mesmo ritmo,
enterrando meus dedos nela até que ela gritasse mais alto. Voltei a olhá-la
no rosto e seus olhos estavam fechados, então eu a acertei com mais um
tapa.
— Olha pra mim, porra!
Ela choramingou e se forçou a abrir as pálpebras. Ela ficava linda
assim, gemendo com a boca aberta, o olhar fixo no meu. Havia um
incentivo por trás daqueles olhos, era quase como se estivesse de acordo
com o que quer que eu quisesse fazer com ela.
Aumentei o ritmo freneticamente, atingindo o seu ponto G enquanto
ela movia os quadris em desespero. Não demorou muito para que viesse de
novo, mas eu não esperava que ela fosse jorrar daquela forma e pela
expressão no seu rosto, nem ela.
— Ah, meu Deus! — Ela ficou vermelha.
— Meu caralho! — exclamei, completamente duro, espalhando todo
o líquido por sua boceta. Não me aguentei e desci, desesperado para lamber
toda sua extensão. — Que delícia, porra!
Ela tentou fechar as pernas de novo, mas eu as agarrei com força.
— Por favor, caralho. Eu não vou aguentar!
Sabia que ela estava sensível, que não demoraria para gozar uma
terceira vez. Estava louco para enterrar meu pau nela, mas foi impossível
não continuar chupando aquela boceta molhada. E eu fiz isso enquanto ela
se contorcia, as lamentações ecoando pelo quarto, me masturbando ao
mesmo tempo porque já não aguentava mais.
— Me... Fode, Pedro! Pelo... Amor... De Deus — ela suplicou
pausadamente.
— Ainda não.
— Deixa... Eu te chupar...
— Ainda não.
— Eu n-não aguento...
A frase se quebrou quando ela gritou, denunciando mais um orgasmo.
Na mesma hora, eu fiquei de joelhos e elevei o seu quadril. Puxei suas
pernas para cima em um movimento ágil, metendo meu pau nela devagar
para aproveitar cada uma das contrações.
Joguei a cabeça para trás quando sua boceta molhada se envolveu no
meu pau. Seus tornozelos estavam na altura do meu pescoço, as coxas
presas nos meus braços e eu comecei a estocar nela em um ritmo mais
lento, amando todo o aperto.
Aquela posição era sensacional e pela forma como ela gemia, estava
adorando. Meus dentes se arranhavam por sua panturrilha e eu não parava,
sendo guiado pelos incentivos que saíam da sua boca.
Era quase impossível formar a porra de um pensamento sem que ele
se desintegrasse no segundo em que ela soltava um ruído ou um palavrão.
Eu a desejava em tantas posições que precisei mudar pouco tempo depois.
— Fica de quatro — mandei, soltando suas pernas e saindo de dentro
dela.
Ela piscou devagar, um pouco atordoada, como se o seu cérebro
também estivesse com algum efeito mais lento.
— De quatro, linda. — Dei um tapa na sua coxa de leve para chamar
sua atenção e ela abriu um sorriso safado e se virou na mesma hora,
empinando a bunda para mim. — Isso, perfeita, agora tira esse moletom e
abre mais essas pernas pra mim.
Ela fez exatamente o que eu mandei, ficando totalmente nua na minha
frente. E aquela visão... Porra, era o meu fim.
Foi impossível não passar a minha língua do início da sua boceta até o
final antes de posicionar meu pau na entrada. Puxei uma respiração,
hipnotizado por aquela bunda gostosa e acertei um tapa, ansiando para ver a
vermelhidão se alastrar.
— Mais forte — pediu.
— Já disse que você não decide nada hoje — lembrei, batendo com
mais força e seu corpo se repuxou.
— Só, por favor... Me fode com força?
— Eu não pretendia te foder de outro jeito, 190.
Dei uma risada e a levantei pela cintura, apoiando uma de suas mãos
na cabeceira da cama. Eu a segurei de uma forma mais bruta e me enterrei
nela da mesma maneira, indo até o fundo.
Seu corpo foi para frente com a intensidade e ela gritou. Porra, aquela
filha da puta ia me foder muito. Estava com tanto tesão que minhas bolas já
estavam doendo.
Enrolei seu cabelo no meu punho, usando-o para impulsionar e
comecei a estocar em um ritmo vertiginoso. O espaço entre nós parecia
mínimo, nossos corpos se chocando sem parar, os sons dos quadris batendo
um no outro, ecoando pelo quarto em uma mistura de gemidos, palavrões e
respirações entrecortadas.
Desferi uma dezena de tapas na sua bunda enquanto ela implorava por
mais. Eu estava amando ver o desenho da minha mão na sua pele, mas não
demorou muito para que eu colasse meu corpo nas suas costas, puxando-a
para um beijo.
Eu não interrompi os movimentos, continuei me empurrando para
dentro dela enquanto rolava um dos mamilos nos meus dedos e segurava
seu pescoço com a outra mão, restringindo um pouco do seu ar.
— Sim, continua, por favor — pediu, quase em súplica, fazendo
carinho na minha perna.
— Gosta que te enforquem? — sussurrei contra sua nuca, sem me
mexer.
Deslizei a língua pela sua pele, chupando-a e provocando um arrepio.
— Transei com um cara que me enforcou uma vez... — contou
baixinho, com a voz já rouca e o corpo ondulando sob o meu toque. —
Gregório tinha medo, disse que vira e mexe alguém morre assim...
— Fica tranquila, 190. Não vou deixar você morrer — garanti, dando
uma risada e beijando seu ombro. — Você já me causou problemas demais
com a polícia.
Ela se virou um pouco e eu a beijei, perdendo-me no gosto da sua
boca. Estava um pouco irritado com o fato de que ela parecia perfeita para
mim e eu não entendia como aquilo era possível.
Tornei a entrar e sair dela devagar e depois intensifiquei os
movimentos, aumentando o aperto de um lado do pescoço. E eu a fodi
brutamente, puxando sua cintura para encontrar os meus quadris em uma
constância surreal.
O coração pulsava desesperadamente dentro do meu peito e o calor
incontrolável que se estendia por todas as minhas extremidades faziam com
que minha respiração se tornasse uma confusão. O que era ridículo, porque
eu era um atleta e nem mesmo a luta me deixava daquele jeito.
Pelo visto, meu treino de nada me servia, já que mal estava
conseguindo dar conta de respirar depois de alguns minutos comendo a
patricinha.
Cardio de cu é rola.
Aquela mulher ia acabar comigo e nossa foda era a prova.
Eu a virei de frente para mim, erguendo seus quadris na altura dos
meus e me enterrando nela mais uma vez sem diminuir o ritmo. Chupei o
seu peito, brincando com a língua e ela voltou a gemer mais alto.
— Puta que pariu!
— Tá gostando do meu pau fodendo sua boceta apertada, linda? —
perguntei, prendendo um dos mamilos entre os meus lábios.
— Sim, continua assim...
Envolvi minha mão no pescoço, agora analisando suas expressões
com mais precisão. Seus olhos encontraram os meus, completamente
enevoados, a respiração começando a falhar.
Eu fui até o fundo.
Uma.
Duas.
Três vezes.
O suor correndo pelos nossos corpos, as palavras incompletas,
incoerentes. As línguas se misturando em uma sincronia dessincronizada.
Não era só uma tensão sexual que emanava de nós dois. Ia muito
além da névoa densa que sempre nos cercava. Era um conjunto de
sensações que transpassavam o que estava acontecendo. Uma conexão que
eu nunca tinha experimentado antes, algo que nem mesmo parecia concreto.
Ela se fundiu em mim. Como sangue e tinta. Impossível de apagar.
— Está quase lá, não é? — perguntei, mas ela apenas respondeu com
a cabeça, como se fosse incapaz de falar pela falta de oxigênio. — Pede pra
mim, gostosa.
— Me... Faz gozar... Por favor! — As palavras saíram arranhadas,
como se sua garganta não tivesse mais forças.
Vê-la naquele estado era enlouquecedor. E eu havia feito isso com
ela.
— Você vai gozar no meu pau e depois eu vou gozar nessa boca
perfeita — avisei, passando o polegar pelos seus lábios. — Ok?
— O-ok — afirmou, mordendo o lábio inferior quando eu me inclinei
uns centímetros, arrastando o meu pau ainda mais no seu clitóris.
Me impulsionei mais rápido, vendo-a começar a se contorcer embaixo
de mim, categorizando aquela imagem perfeita para guardá-la dentro do
meu cérebro. Ela era linda e assim, sendo fodida por mim, ficava ainda
mais.
Precisei me segurar quando o orgasmo a atingiu, fazendo todo o seu
corpo tremer e ficar mole logo em seguida. E eu a beijei como se o mundo
não existisse mais. Porque a verdade é que se eu abrisse os olhos e ele
estivesse em ruínas, eu não ligaria.
— Tudo bem? — perguntei, arrastando meu nariz em seu pescoço e
ela balançou a cabeça, beijando o meu ombro.
Seus dentes se arrastaram, subindo até o meu ouvido e ela mordeu o
lóbulo da minha orelha, deixando o hálito queimar a minha pele.
— Deixa eu chupar esse seu pau maravilhoso...
Eu me afastei para olhá-la, cheia de expectativa, com um sorrisinho
malicioso no rosto. Ela umedeceu os lábios, atraindo toda minha atenção e
meu foco sumiu em uma fração de segundos.
Segurei seu rosto e tornei a beijá-la e ela girou por cima de mim,
descendo a língua devagar pelo meu peito e abdômen. Parou na frente das
minhas entradas e foi impossível não rir quando ela praticamente
choramingou.
Coloquei um travesseiro nas costas porque eu queria observar bem
aquela cena, mas no momento em que a sua língua se arrastou pelo meu
pau, fechei os olhos, jogando a cabeça para trás de forma involuntária.
— Puta merda.
Abri as pálpebras para ver aquela patricinha que tirava minha paz me
lambendo devagar, o olhar fixo no meu. Agarrei sua nuca em um instinto e
soltei um gemido no momento em que ela me engoliu por inteiro.
Uma das mãos estimulava minhas bolas e a outra segurava com
firmeza na minha coxa. Seus lábios se apertaram ainda mais, a língua mole
deslizando ao redor do meu pau.
Fez uma pausa, lambendo a minha glande e logo depois me chupou,
indo até o fundo da garganta. Ela me estimulou com uma das mãos
enquanto pagava o boquete e eu me empurrei contra sua boca, não
conseguindo me conter.
Gemi mais alto quando ela engasgou um pouco, cuspindo no meu pau
e voltando a movimentá-lo para cima e para baixo. Seus olhos lacrimejaram
um pouco e segurei seu rosto, fazendo carinho com o polegar.
Ela sorriu, satisfeita, repetindo o movimento.
— Gosta quando eu faço isso? — perguntou, girando a língua em
torno da cabeça do meu pau e sugando em seguida.
— Porra, 190! Sim, você está perfeita.
Ela me chupou de novo, aumentando o ritmo e eventualmente
forçando meu pau no fundo da garganta. Já estava louco, desesperado para
gozar e pulsando na sua língua.
Xinguei mais alguns palavrões, minha cabeça começando a nublar
pela sensação daquela boca perfeita sugando a cabeça do meu pau, indo e
voltando e provando cada parte dele.
Seus olhos nunca desviavam dos meus.
— Eu vou gozar! — avisei e ela se mexeu, ansiosa, aumentando o
ritmo.
Arqueei um pouco as costas, fechando as pálpebras quando senti
minha porra jorrar dentro da sua boca. Ela não parou de me chupar,
continuou deslizando os lábios pelo gozo que ainda saía do meu pau.
Linda pra caralho.
— Abre a boca — mandei e ela obedeceu, mostrando a língua para
mim, toda safada.
Puta merda.
— Agora engole, linda.
Ela fez exatamente o que falei, limpando o canto dos lábios até que
não restasse uma única gota.
Eu a puxei para um beijo urgente. E naquele momento, enquanto eu
sentia o meu gosto na sua língua, concluí que nunca mais tiraria aquela
imagem da minha cabeça. E tive a certeza de que sim, eu tinha pecado.
Eu tinha pecado pra caralho.
Venha para a cama, eu serei sua garota
Vivendo para você
Ah, mas você está vivendo para ela
Eu enlouqueço, fico brava quando ela está tocando em você como agora
:: I'LL BE YOUR GIRL - CARLY RAE JEPSEN ::

LARISSA ALBERTELLI

Estava destruída, assada e por mais que parecesse humanamente


impossível, eu queria mais. Nós tínhamos trepado por seis horas quase sem
pausas e perdi a conta de quantas vezes tinha gozado.
A impressão que eu tinha era de que nossos corpos não queriam
distância um do outro, nossas línguas se fundindo em uma só, incapazes de
se separar por mais do que alguns minutos.
Parecia irreal.
Merda do caralho, eu era muito azarada. Primeiro foi o prefeito que
disse que não queria nada comigo e agora eu tinha tomado um chá de pica
do cara que dizia me odiar.
Nem sabia que meu corpo podia aguentar tanto, nunca tinha
acontecido nada do tipo e eu me sentia como uma daquelas protagonistas de
livros ou filmes irreais que tinham uma boceta de aço.
Suspirei, ofegante, olhando para o teto. Ele parecia exausto ao meu
lado, deitado na mesma posição desde que tinha me soltado, dizendo que
estava um pouco sem ar. E eu continuava na expectativa, sem saber se
continuaríamos ou não.
— Puta merda! — ele xingou e veio para cima de mim novamente.
Ok, nós iríamos de novo.
Deus, tenha misericórdia da minha alma.
Pedro segurou meu rosto entre o polegar e o indicador e me observou
por alguns segundos antes de soltar um ruído de frustração e me beijar de
um jeito preguiçoso.
— Que inferno, 190! — exclamou entre o beijo, mas se interrompê-
lo. — Eu simplesmente não consigo tirar minhas mãos de você.
— Eu não estou pedindo para você fazer isso.
— É, mas meu pau tá inchado já e eu preciso sair.
— Você disse que era sua folga — lembrei, triste, apertando o seu
corpo contra o meu.
— Que eu tirei por causa do aniversário do Pipo.
— E você deixou para comprar o presente de última hora?
— Pobre não faz essas coisas, Larissa — ele contou, rindo, e eu fiz o
mesmo. — Eu já comprei faz tempo, em uma promoção.
— Então por que precisa ir agora?
— Comprei a passagem para o campeonato que ele vai participar, na
Flórida. E como não queria entregar um papel escroto, a Luna fez uma
embalagem diferente e preciso buscar.
Ele me deu um beijo rápido e se sentou na cama, alongando um
pouco o pescoço. Depois, começou a digitar alguma coisa no celular e deu
uma risadinha de alguma coisa que leu.
Um incômodo cresceu no meu estômago ao ouvir aquele nome. O que
era ridículo e irracional. Meu corpo precisava parar de fazer coisas do tipo
quando eu o imaginava com outras mulheres.
— Ah, legal. Quer uma carona? Eu posso te deixar lá depois...
— Não, não precisa. A Luna mora aqui perto e minha avó chamou ela
também.
— Achei que ela não era sua namorada... — comentei de uma forma
despretensiosa, tentando não deixar nenhum resquício de irritação na minha
voz.
— Ela não é. — Ele riu.
— Isso me parece um namoro.
Tentei não parecer uma criança emburrada e descruzei os braços que
tinha cruzado involuntariamente, mas era assim que eu me sentia. Ele se
virou para trás, dando um sorrisinho prepotente que tinha a capacidade de
me deixar molhada em segundos. Segurou meu rosto e desviou a boca até
perto do meu ouvido, chupando um ponto específico antes de dizer:
— Se fosse um namoro, eu não estaria nessa cama com você —
sussurrou, arrancando um arrepio. — Se fosse um namoro, 190, não tinha te
comido em todas as posições que eu comi... E nem estaria pensando em
quais outras eu ainda vou comer.
Pedro me beijou com força e depois se levantou, avisando que iria
tomar um banho porque estava com o cheiro da minha boceta por todo o
seu corpo. Fiquei irritada porque minha vontade era mandar que não
tomasse banho nenhum, mas apenas sorri debilmente enquanto o observava
(quase babando) andando com aquela bundinha linda pelo quarto.
— Preciso tomar um também — falei, distraída, e ele mordeu o lábio
quando percebeu que eu estava secando seu corpo.
— Se você entrar nesse banheiro comigo, a última coisa que vou
conseguir fazer é tomar banho. Já está sendo uma dificuldade chegar até lá
com você me olhando assim.
Eu ergui os braços, deixando o lençol que estava preso no meu peito
cair e levei as mãos até os cabelos para prendê-los em um coque. Ele
observou minha ação e jogou a cabeça para trás, como se estivesse irritado
consigo mesmo. Passou as mãos pelo rosto e voltou, pulando em cima de
mim enquanto eu gargalhava. Beijou meus lábios com urgência em meio a
diversos xingamentos e todo aquele calor voltou a me derreter por inteira.

PEDRO QUEIROZ

— Trepou antes de chegar aqui, não foi? — Pipo perguntou,


arrancando-me dos meus pensamentos.
— O quê? Como você sabe?
— Porque está destruído — ele comentou, olhando-me com pena. —
Ela acabou com você, não foi?
— QUÊ? — Abaixei o tom quando percebi que tinha me exaltado um
pouco. — Ela quem?
— A Luna, seu idiota — cochichou, apontando com a cabeça para a
garota que estava do outro lado da sala conversando com um dos gêmeos.
— Sim, acabou comigo — menti, comendo uma coxinha. — Onde
vovó escondeu os docinhos?
— Nos fodemos dessa vez, irmãozinho. Já procurei em tudo o que é
lugar. E aí, quando vou ganhar meu presente? — Aquele questionamento já
tinha sido feito cinco vezes desde que cheguei, quinze minutos antes.
— Já disse, assim que nossa avó voltar da casa da Rita.
Ela tinha descido até lá para terminar de finalizar o bolo que tinha
feito para o Felipe.
— Trouxe a Luna... — comentou, sugestivo. — Isso está me
cheirando a namoro. Acha que ela está mudando de ideia?
— Não, ela só é simpática e educada demais para recusar um convite.
— Talvez ela esteja aqui por mim, então... — zombou e eu dei um
tapa na sua cabeça, fazendo-o rir.
Ele pegou o boné que estava na minha cabeça e trocou com o que
estava usando, alegando que o meu combinava mais com sua roupa.
— Postei aquele vídeo seu agorinha.
— Que vídeo? — Luna apareceu, pendurando-se no meu ombro.
— Esse que o Pepeu tá tatuando a gostosa.
Era um vídeo de uma das minhas clientes da última semana.
— Porra, ficou irado! — ela comentou, puxando o celular. — E
realmente, uma gostosa. Solteira?
— Solteira, Luna, até segui no Insta. A gata me deu maior condição...
— contou, se achando.
Pior que dessa vez tinha dado mesmo.
— Como que não daria? Tu é um lindo, Lipe — Luna elogiou,
fazendo com que ele abrisse o maior sorrisão.
— Viu, Pepeu? Luna me acha um lindo — disse, convencido, fazendo
com que ela desse uma risada.
— Lipe, corre aqui — Mike, um dos gêmeos, chamou.
— Você gosta, né? — Balancei a cabeça negativamente e ela
gargalhou.
— Eu acho ele lindo mesmo e se não fosse por você... — insinuou. —
Afinal, vai querer dormir lá em casa hoje?
— Sem chances, gata. Tô cansado pra caralho.
— É, eu também. Não dormi nadinha noite passada.
— Noite agitada? — perguntei, com o olhar distraído, dando uma
risada de uma dancinha que o Tello estava fazendo para os meninos.
— O babaca do meu ex me ligou e apareceu lá em casa.
— O que aconteceu? — perguntei, preocupado. — Precisa que eu
resolva?
— Não, fica calmo — pediu, entre as risadas, porque ela me
conhecia. — Só discutimos um pouco e eu acabei dando pra ele.
— Toda vez essa porra, hein, Luna? — respondi, irritado.
— Pois é! Tá vendo por qual motivo eu não namoro?
— Você só namorou uns arrombados, queria o quê?
Ela riu, concordando.
— Como se seus namoros fossem diferentes... — Soltei o ar
frustrado, porque era verdade. — Brigada pela companhia hoje, eu
realmente precisava disso.
— Fala sério!
— E como estão as coisas? E o Pato?
— Ele deu uma sumida depois que metemos um termômetro no cu
dele — contei, rindo e ela fez o mesmo. — Mas o Heitor disse que é sempre
assim. Ele fica puto e querendo dar um gelo na gente para demonstrar sua
insatisfação.
— Eu preciso conhecer essa figura.
— Voltei! — minha avó gritou, com o bolo nas mãos e depois
colocou em cima da mesa.
— Libera os docinhos e ninguém se machuca — Pipo berrou e ela
disse que não.
— Aproveita que a sua avó chegou e vai com ela dar o presente dele
logo — Luna deu a deixa e eu assenti.
Fiz um sinal para a Vó Dea e puxei o pirralho pelo braço até o quarto.
Fechamos a porta e minha avó bateu palminhas, animada, porque já sabia o
que daríamos para ele.
— Meu presente? — perguntou, ansioso.
Entregamos uma caixinha de papel que a Luna tinha mandado fazer.
Havia um desenho de um mapa e uma linha que ia do Rio de Janeiro até a
Flórida com um bonequinho em cima de um skate. Ele observou os detalhes
e deu uma risada, franzindo um pouco o cenho, sem entender.
— Abre, meu filho — minha avó incentivou.
Ele abriu e seu queixo caiu, junto com a caixinha e ele ficou estático
olhando para o papel. Pipo estava tremendo um pouco, os olhos se
movendo com rapidez de um lado para o outro enquanto ele tentava ler os
dados da passagem.
— Puta que pariu!
— A boca, Pipo! — ela brigou.
— Caralho, eu não acredito que vocês fizeram isso! — Sua voz saiu
baixinha agora e ele nos olhou, sem reação.
— Foi basicamente seu irmão... — Seu olhar veio para mim e eu
sabia que havia um pouco de repreensão, porque ele não queria que eu
gastasse o meu dinheiro com ele.
— Para com isso, Vó. É um presente nosso.
— Vocês não precisavam... — Ele tornou a encarar o papel, ainda
sem acreditar. — Isso é muito caro, Pepeu e você precisa juntar para o
estúdio...
Era foda. Eu sabia que ele estava se matando de trabalhar para poder
pagar as coisas da viagem e até mesmo prejudicando os treinos. Claro que
eu tinha um plano e uma reserva para o estúdio, mas minha família estava
acima de qualquer coisa.
— De que adianta conseguir realizar meu sonho se você não puder
realizar o seu? — Dei de ombros e ele balançou a cabeça negativamente,
suspirando.
Porque ele pensava a mesma coisa e eu sabia disso. Felipe não tinha
como argumentar comigo porque os meus sonhos também eram deles.
Porque éramos irmãos, mesmo que nosso sangue não fosse o mesmo. Nós
havíamos escolhido aquele vínculo e ele era forte justamente por isso.
Seus olhos estavam marejados e não demorou até que Pipo se jogasse
em cima da gente para um abraço. Demos uma risada enquanto ele repetia
diversos “obrigados” e “eu amo vocês”.
Meu irmão começou a falar desenfreadamente, fazendo planos e
minha avó balançava a cabeça positivamente, empolgada com tudo o que
ele dizia. Aquela sensação de paz voltou a me preencher quando olhei para
os dois, mas de uma forma diferente. As duas pessoas mais importantes da
minha vida estavam ali e ainda assim, tive a impressão de que faltava
alguma coisa.
Meus dedos delineiam cada um de seus contornos
Pintando um retrato com minhas mãos
Num vaivém, nós nos balançamos
Como galhos numa tempestade
Que mude o tempo
Ainda estaremos juntos no final
:: SUNDAY MORNING - MAROON 5 ::

LARISSA ALBERTELLI

Estava de férias, mas a semana que se seguiu foi mais cansativa do


que qualquer uma que tinha tido durante o ano. Eu e Pedro simplesmente
não sabíamos mais a definição de pausa.
Nós transávamos por toda a parte e eu já estava começando a achar
que não havia um único lugar daquele condomínio que ele não tinha me
comido.
Começou no dia seguinte, depois de eu ter passado mais de seis horas
sendo macetada por aquele homem gostoso do caralho. Eu fui para a piscina
com Lavínia e Ana e nossos olhares simplesmente não desviaram um do
outro. Eu pedi cerca de seis garrafinhas de água apenas para que ele viesse
até onde estávamos.
Fui até o banheiro, ele me seguiu, avisou que eu precisava parar de
olhar para ele daquele jeito e me beijou. Depois, disse que tinha colocado
um aviso de “Manutenção” na porta assim que entrou e acabamos transando
ali mesmo.
Então o caos começou. Qualquer lugar parecia apto para nós dois se
estivesse vazio e longe de câmeras e como se não fosse suficiente, ainda
dormíamos juntos em algumas noites na casa do Heitor. Meus pais estavam
viajando em um congresso com o Gregório, o que tornou tudo muito mais
fácil.
Eu cheguei até mesmo a perder a consulta com minha esteticista no
Recreio porque decidi dar uma carona para ele buscar algumas coisas em
casa. E quase fomos pegos no flagra pelo Pipo, que apareceu algum tempo
depois e alegou que ele estava tocando punheta, já que não permitiu sua
entrada no apartamento. Naquele dia, também provei o empadão da avó dos
dois, porque ele pegou um pedaço escondido, alegando que levaria para a
casa do Heitor.
Pedro era simplesmente viciante, mas não era só isso. Ele era uma
companhia agradável e eu gostava das nossas conversas, de poder ser eu
mesma sem precisar fingir. E por mais que ele fosse mais fechado, acabava
se abrindo e compartilhando alguma coisa da sua vida se eu insistisse um
pouco mais. Sentia-me como um martelinho que ia quebrando aquela casca
dura aos poucos.
Nós ficamos conversando umas duas noites no telhado depois de um
sexo violento, eu fumando dentro de uma das suas camisetas largas e boné e
ele acabando com as minhas jujubas. Era como se aquele local fosse nosso
ponto de conexão e foi assim que descobri que o motivo pelo qual ele
começou a lutar e toda a história da sua mãe.
Percebi que aquele garoto era muito apaixonado pela avó e pelo irmão
e que fazia de tudo pelas duas pessoas que o acolheram.
Em uma semana, eu notei muitas coisas, inclusive um vínculo maior
entre nós se formando involuntariamente. Não era como se quiséssemos
isso e acho que até mesmo estávamos lutando contra, mas parecia
inevitável.
Durante os dias que se seguiram, eu ouvi sobre o seu sonho de abrir
um estúdio, sobre querer mostrar a sua arte para o mundo. Pedro desejava
deixar a sua marca, inspirar pessoas e ser relevante. E era fácil demais me
identificar com aquilo.
Ele me contou sobre os livros que gostava de ler, sobre as crianças
que ensinava, sobre a época da doença da sua avó e também sobre todas as
merdas que ele já tinha se metido por causa do Pipo.
E tive a constatação de que o marrentinho que dizia me odiar tinha
um coração gigante.
Em contrapartida, eu desabafei a respeito dos meus problemas, sobre
como me sentia presa dentro de uma redoma de vidro, vendo todas as
pessoas viverem suas vidas como gostariam. Ele não me julgou dessa vez,
na verdade, não fez isso em nenhum dos momentos. Pelo contrário, Pedro
afirmou que entendia os sacrifícios, mas que talvez fosse importante que eu
quebrasse essa barreira, porque não era justo que eu não pudesse viver
minha vida.
— Por que está me olhando assim? — perguntou, abrindo um sorriso
lindo que fez meu coração acelerar.
Agora o meu coração disparava ainda mais todas as vezes em que ele
me olhava ou sorria para mim.
— Nada, só estou secando você, como eu sempre faço — brinquei.
Nós estávamos no chão da sala da casa do Heitor depois de
transarmos no tapete, porque parecia longe demais subir para o quarto.
— Eu te entendo, eu sou muito gostoso.
Dei um tapinha no seu braço e ele me puxou para um beijo,
deslizando os dedos pelo meu corpo lentamente e observando o movimento.
— A sua pele parece a porra de uma tela branca pra mim —
comentou, passando a ponta do indicador pelas minhas veias aparentes. —
Tenho vontade de desenhar em você inteira.
Eu ri e me levantei, indo até a minha bolsa e pegando um hidrocor
preto que tinha no estojo e entregando-o nas suas mãos. Pedro piscou, um
pouco sem reação e eu achei fofo porque ele se assemelhava a uma criança
prestes a ganhar um brinquedo.
— Sério?
— Vá em frente.
Ele começou a desenhar pelas minhas pernas, fazendo algumas linhas,
concentrado. Vê-lo daquele jeito, colocando seus traços na minha pele, me
trazia uma sensação de plenitude inexplicável.
Dei uma risada quando notei que no meio de diversas borboletas e
flores o idiota escreveu os números 1-9-0 gigantes.
— Você poderia fazer uma em mim — sugeri, encolhendo os ombros.
— Não isso aí, obviamente.
Pedro se afastou e me encarou um pouco em choque.
— Você? Quer que eu tatue você?
— Eu sempre quis uma tatuagem e eu fiquei apaixonada nos seus
desenhos desde que os vi...
— Ficou apaixonada nos meus desenhos? — indagou, um pouco
cético, estreitando os olhos.
— Sim, principalmente na borboleta azul que você fez “pra sua
garota”. O que é uma pena... Acho que aquele desenho ficaria bem em mim
— tentei não ser debochada, mas foi impossível.
E me senti uma idiota depois que as palavras deixaram a minha boca,
em especial porque o maldito abriu um sorrisinho cínico. Ele segurou meu
tornozelo e me puxou para cima, para que eu me sentasse no seu colo.
Segurou meu rosto com uma das mãos, desceu os olhos para a minha boca e
a pergunta foi soprada nos meus lábios:
— Por que esse tom? Está com ciúmes?
Eu vacilei, abrindo e fechando a boca antes de negar de uma vez, o
que fez com que ele achasse graça.
— Não, foi apenas um comentário.
— Hm... — Ele arrastou o nariz pelo meu pescoço e depositou um
beijo ali, bem perto da minha orelha. — Posso te contar um segredo, 190?
Cantarolei um ruído de concordância, fechando os olhos e
aproveitando a sensação do toque na minha pele.
— Você estava na piscina um dia... — começou a dizer, dando vários
beijos pelo meu ombro. — Tão gostosa dentro de um biquíni azul... Tinha
dado um chilique comigo porque sua caipivodka estava azeda e eu tinha
esquecido de coar...
Dei uma risada, deixando minha cabeça tombar um pouco para o
lado, para que sua língua percorresse meu pescoço. Deus, eu não sabia mais
como conseguia ter algum foco perto daquele homem.
— E você disse que estava azeda como eu — lembrei baixinho.
— Eu não esqueci porra nenhuma — confessou, rindo contra minha
pele. — E não botei açúcar de propósito.
— Você é um babaca — sussurrei, mordendo seu lábio.
— E você, uma insuportável — disse, segurando meu maxilar com
força. — De qualquer forma, nesse dia, uma borboleta pousou em você na
hora que estava tomando sol. Ela era azul também. Então, 190... Mesmo
você me deixando louco, eu estava pensando em você na hora em que
desenhei a borboleta. Ela é sua, se você quiser. Eu nunca mostrei ela pra
Luna.
Pisquei devagar e mais uma vez minha frequência cardíaca aumentou.
Eu não sabia como lidar com ele quando era fofo, quando fazia minhas
vontades ou ficava me encarando como se eu fosse a coisa mais perfeita
existente na Terra. Será que ele olhava assim para a garota dele?
Era muito mais simples quando eu não me perguntava se ele estava
com ela quando não estava comigo. Muito mais fácil quando era um
arrogante babaca que me julgava dia e noite.
Suspirei, beijando-o logo em seguida.
— Por qual motivo diz essas coisas? Acho que a sua sigla deveria
mudar de GBR para GP — sussurrei baixinho e ele me afastou um pouco
pelo pescoço para me olhar nos olhos.
— Está me chamando de Garoto de Programa, porra?
— Não. — Dei uma risada. — Garoto Problema.
— Sou um problema? — perguntou, roçando os lábios nos meus e eu
senti meu corpo ficar mole com o seu toque.
— Na minha vida, sim.
— Por quê?
— Porque você é a definição de confusão... Você acaba com o meu
equilíbrio e eu não consigo ver uma saída para isso que começamos.
— Quer uma saída para o que começamos? — Arqueou uma das
sobrancelhas.
— Não.
— Bom, porque acho que podemos aproveitar um pouco mais antes
de procurarmos uma.
Ele me beijou até que meu ar se tornasse nulo, até que eu só pudesse
ouvir o meu coração pulsando nas minhas veias, querendo rasgá-las. Ele me
beijou intensamente até que eu esquecesse meu nome ou qualquer coisa ao
nosso redor. Ele me beijou até que eu quisesse uma coisa e apenas uma.
— Pedro, o que eu preciso pra ser a sua garota? — deixei o
questionamento escapar, praticamente dentro da sua boca.
Seu corpo se afastou do meu instantaneamente e ele cerrou um pouco
os olhos, analisando-me por completo.
— Você não pode ser a minha garota
— Por que não?
— Eu tenho um mandamento.
— Mesmo? — Dei uma risada, mas ele não pareceu achar graça. — E
qual é?
— Não me envolvo com mulheres ricas — disse categoricamente. —
E é um mandamento sério que eu criei, 190... Tipo os que a gente segue na
igreja. Bem, eu sigo quase todos... Sobre a parte da castidade eu fui
obrigado a cometer pecado... — Ele parou, um pouco pensativo, e desceu os
olhos pelo meu corpo. — E bem, também não fui muito fiel seguindo o
“não desejar a mulher do próximo”. Mas o que eu criei é o principal e esse
eu realmente sigo.
— Sinto te informar então, mas acho que você já está pecando —
brinquei.
— Não estou envolvido com você — afirmou, parecendo irritado.
— Não?
Antes que ele pudesse responder, meu celular tocou e a foto do
Gregório apareceu, fazendo com que ele fechasse ainda mais as expressões.
Não atendi, mas ele enviou uma mensagem, dizendo que estava chegando
na minha casa em alguns minutos com sua mãe.
— Preciso ir... — avisei e ele resmungou um “ok” de má vontade. Eu
o beijei e perguntei baixinho: — Tem certeza que não está envolvido?
— Tenho. Estamos transando, isso não é um envolvimento. Além do
mais, você tem um namorado, não tem?
— Achei que pra ser sua garota, a palavra namoro não precisava estar
envolvida...
— Você não pode ser minha garota. E nós não estamos envolvidos —
disse por fim. — Você deveria ir... Seu namorado não está te esperando?
— Sim, ele está — respondi, sentindo minha língua amarga.
Levantei do seu colo, vesti minhas roupas e saí pela porta, deixando
dentro daquela casa a única realidade que eu queria ter.
Você poderia me amar em vez de todos os namorados que você tem?
Saiba que eu faria você esquecer todos esses homens galinhas ricos
Beije-me
Se você vai partir meu coração, este é um bom começo
:: KISS IT OFF ME - CIGARETTES AFTER SEX

PEDRO QUEIROZ

Eu não pensava em mais nada que não fosse a maldita.


Agora o babaca do Príncipe Fúnebre tinha voltado de viagem e estava
como um urubu em cima dela. Ele apareceu com flores e chocolates em um
dos dias que ela estava na piscina e seus amigos ficaram fazendo piadinhas
e pedindo para que tirassem uma foto se beijando.
Ela o beijou.
Foda-se que não foi um superbeijo, eu fiquei puto igual.
Me irritava a forma como eles pareciam naturais, porque mesmo que
Larissa afirmasse que não tinham nada, havia muita intimidade entre os
dois.
Ela havia perguntado o que fazer para ser a minha garota e aquilo me
quebrou por completo. Eu sabia bem que Larissa Albertelli não poderia ser
minha, que a patricinha era totalmente proibida para mim e fora do meu
alcance.
Porra, ela estava em um namoro de fachada com um merda porque
era incapaz de se impor. Nunca que aquela garota abriria mão de alguma
coisa para ficar comigo.
Eu entendia como as coisas funcionavam. Rico não se misturava com
pobre. E a verdade é que eu estava com ódio por ter me colocado naquela
situação. Porque sim, mesmo que eu tivesse plena consciência de tudo, eu
queria que ela fosse minha.
E olhando-a se arrumar na minha frente, admirando o próprio reflexo
enquanto alisava o vestido elegante e ria para mim, eu senti as porras das
borboletas no estômago.
Não! Aquilo não podia ser real.
Não tinha sido isso que eu pedi, meu Deus.
Eu não desejava aqueles malditos insetos farfalhando dentro de mim.
Na verdade, queria uma daquelas raquetes elétricas.
Eu queria matar todas elas!
Patético, era assim que me sentia. E como se não bastasse, estava tão
incomodado que quando soube que o pai dela sediaria um daqueles eventos
que costumava fazer no clube, me voluntariei para servir.
— Pode me ajudar? — perguntou, vindo até mim.
Ela estava linda com um vestido preto, o decote nas costas era
praticamente todo aberto, com umas tiras bem fininhas e cruzadas. Respirei
fundo, tentando controlar o caos que começava a se instaurar dentro de mim
sempre que Larissa Albertelli se aproximava demais.
Afastei seu cabelo, colocando-o de lado e ajeitei as amarras devagar,
observando sua pele se arrepiar no momento em que meu dedo roçou nela.
Dei um puxão mais forte no final, fazendo com que ela engasgasse uma
respiração e colando seu corpo no meu.
Mais uma inspiração profunda, o cheiro de jujuba me deixando
inebriado. Depositei um beijo no seu ombro e deslizei uma das mãos da
cintura para sua bunda.
FODIDO. Era como eu estava.
Percebi um sorrisinho safado no minuto em que se virou,
empurrando-me em uma poltrona logo em seguida. O sorriso não deixou
seu rosto quando ela levantou umas das pernas, apoiando-a no meio do meu
peito para que eu amarrasse sua sandália e eu segurei seu pé, encarando-a
no fundo dos olhos.
— Você não vale nada, 190. Sabe disso, não é?
— Eu nunca disse que valia, GBR.
Arrastei o polegar pela sua panturrilha e observei o movimento,
admirando mais uma vez as pernas perfeitas que aquela garota insuportável
tinha. Deixei que minha mão deslizasse devagar antes fechar a fivela da
sandália. Levantei os olhos para vê-la divertida com a minha tortura e
depois a filha da puta fez o mesmo com a outra perna. Repeti o movimento,
mas, dessa vez, segurei antes de abaixá-la, dando um beijo no seu
tornozelo.
Na hora em que eu sugeri que ela se arrumasse na casa do Heitor, não
imaginei que seria aquela tortura. Eu estava vestindo-a quando deveria estar
tirando suas roupas, porra! Era tão injusto... Tudo porque queria ganhar
mais algum tempinho de foda antes do evento.
— Obrigada. — Ela se inclinou e deu um beijo na minha boca antes
de voltar para o espelho.
Ela era linda. Com maquiagem, sem, vestida daquele jeito ou usando
um saco de batatas. Acho que se Larissa ficasse do avesso, ainda assim
seria perfeita. Eu estava completamente obcecado por ela, pelas curvas do
seu corpo, seus olhos, seus lábios grossos, seu cheiro e sua pele virgem que
implorava por um dos meus desenhos.
Onde eu tinha me metido, meu Deus?
Os pais dela já estavam no evento e o babaca do namorado de fachada
a pegaria na frente da sua casa em alguns minutos. Não demorou para que
ela se despedisse e eu fui para o salão porque não era herdeiro de porra
nenhuma e precisava trabalhar.

Eu realmente odiava ficar perto de ricos. Todas aquelas conversinhas


me tiravam do sério e chegava a ser patético saber o quanto eles rasgavam
dinheiro e depreciavam as pessoas. E como se não bastasse, precisei ouvir
um filho da puta debochando com um outro figurão rico que quanto mais
pessoas ficavam doentes, era melhor para eles.
Que lindo! A verdadeira medicina por amor!
Estava puto (na real, eu já era por natureza) e comecei a ficar ainda
mais quando vi aquele arrombado de merda segurando sua cintura,
inclinando-se um pouco mais para cochichar alguma coisa em seu ouvido.
Ela riu para ele e revirou os olhos.
Odiava aquela porra de intimidade dos dois.
Ainda assim, era muito prazeroso saber que eu estava comendo a
mulher que o almofadinha achava ser dele. Porque mesmo que o namoro
fosse falso, sabia que Gregório Valença conseguia o que desejava e ele
queria a mulher que estava comigo.
Depois de algum tempo, Larissa caminhou até o bar e pediu um drink.
Achei que voltaria para o lado do Gregório, mas ela encontrou um homem
que estava roubando olhares de diversas mulheres desde que tinha chegado
e resolveu se sentar em um dos bancos em frente ao balcão.
Em algum momento, seu olhar encontrou o meu e ela abriu um
sorriso quase que provocativo. A desgraçada sabia que eu estava irritado e
parecia estar achando graça nisso.
Quase deixei a bandeja cair quando ela jogou a cabeça para trás, rindo
e encostou no braço do cara. Perdi a compostura no segundo em que seu
olhar veio até mim novamente enquanto ela prendia os lábios inferiores
entre os dentes.
No outro lado do salão, o herdeiro dos Valença também parecia puto,
vendo a cena. Ele balançou a cabeça diversas vezes e saiu da rodinha em
que estava. Parou ao meu lado, pegou uma taça de champanhe e virou de
uma só vez, os olhos fixos nela. Depois, repetiu a ação e se afastou um
pouco para ligar para alguém.
— Eu não sei o que fazer mais — ele desabafou com a pessoa do
outro lado da linha, cochichando.
Claro que o idiota nem notou minha presença. Eles nunca faziam tal
coisa. Nós, funcionários, não éramos nada para eles. Era praticamente como
usar a Capa da Invisibilidade[61]. Quem diria que para ter este artefato você
precisava ser um garçom e não um bruxo? E eu esperei minha carta de
Hogwarts por tanto tempo e só o que precisava era mandar um currículo...
— Achei que estávamos bem, hoje as coisas pareciam como antes,
mas agora ela está conversando com o babaca do Domenico, que nem era
pra estar aqui! A família dele não está no meio de um escândalo? — Ele fez
uma pausa e soltou um ruído de concordância. — Pois é, e ela me disse que
eu não poderia dar um pio, que ela ia trepar com o Rio de Janeiro inteiro.
RIO DE JANEIRO INTEIRO? QUE PORRA?
— Ela mal me respondeu enquanto eu estava na viagem — ele
continuou. — Eu não sei mais o que fazer pra reconquistar a Lari, mas fica
difícil se ela estiver com outros caras…
Eu me afastei de novo, abaixando a bandeja assim que as taças se
esgotaram e a segurei com tanta força que meus dedos provavelmente
estavam brancos.
Estava furioso. Completamente cego de ciúmes. Primeiro, porque
havia a possibilidade de ela estar com outros caras, até porque eu fui um
idiota de dizer com todas as letras que ela não era minha garota. Segundo,
porque o filho da puta estava contando para alguém sobre eles estarem em
uma boa situação e também sobre todo o esforço para tentar reconquistá-la.
Certeza que a parte da agressão ele havia deixado de fora.
Mandei uma mensagem para ela, pedindo que me encontrasse perto
da piscina. Avisei ao Roberval que precisava fazer uma ligação para o
Heitor porque algo tinha acontecido na casa e na mesma hora ele me
liberou.
Não demorou muito para que ela pisasse do lado de fora e eu a puxei
pelo pulso para trás de uma pilastra escondida e a coloquei contra a parede.
Larissa deu uma risadinha divertida e me beijou calorosamente, derretendo
quase toda minha postura.
Quando minha mente começou a enevoar, eu me afastei e segurei seu
pescoço, balançando a cabeça em uma negativa.
— Por que está me testando? — perguntei, sério, olhando para a sua
boca antes de olhar para os seus olhos.
— Não fiz nada — respondeu, cheia de cinismo, encolhendo um
pouco os ombros.
— Odeio quando aquele idiota encosta em você — confessei baixinho
contra os seus lábios. — E achei um outro motivo para te odiar, 190.
— Mesmo? Qual?
— Odeio ver você de papinho com outros caras... — comentei no seu
ouvido, deslizando a mão livre por sua coxa. — Odeio imaginar o que eles
podem querer fazer com você...
Suas pernas se separaram um pouco no momento em que eu esfreguei
os dedos por cima da renda da calcinha preta que eu sabia que ela estava
usando. Observei os seus olhos se fechando ao afastar o tecido e massageei
o seu clitóris lentamente.
— Quietinha... — mandei, vendo que ela arfou um pouco mais alto.
— Olha pra mim.
Suas pálpebras se abriram na mesma hora e eu enterrei dois dedos na
sua boceta, que já estava melada. Eu ficava louco de saber que a maldita
ficava molhada tão rápido, apenas com um beijo meu, porque meu pau
ficava duro só de pensar nela.
— Eu odeio o fato de você me tirar tanto do sério.
— Eu te tirei do sério? — Ela tentou me puxar para um beijo, mas eu
mantive o aperto no seu pescoço.
— Sabe que sim... Não quero que você fique com esse cara.
— Então fecha os olhos, GBR — retrucou de forma insolente.
Respirei fundo, mantendo meu olhar no dela, pegando fogo de ódio.
A posição da minha mão estava propícia para estrangular aquela maldita
que dissecava a minha paz. Eu nem mesmo conseguia pensar direito quando
estávamos tão perto.
— Eu não sou sua garota, esqueceu?
— E por isso você vai sair trepando com meio mundo?
— Eu posso, se quiser. — Ela deu de ombros.
— Você está me deixando puto.
— Está com ciúmes? — perguntou, abrindo um sorrisinho prepotente.
— Sabe que sim — respondi, seco.
— Quanto?
— Pra caralho.
Ela arrastou os lábios pelos meus, puxando-os com os dentes e dando
leves mordidas antes de sussurrar, cheia de deboche:
— Por quê? Achei que não estava envolvido comigo, que não podia
quebrar o seu mandamento...
— Foda-se, Larissa, você é a porra do meu pecado preferido.
Um microssorriso naquela boca perfeita e eu mergulhei nos seus
lábios como se minha vida dependesse daquilo. Deixei que nossas línguas
se perdessem uma na outra até que eu não fizesse mais ideia do que havia
ao meu redor. Eu a beijei até colocar fogo no papel em que tinha escrito o
meu mandamento dentro do meu cérebro. O incêndio se alastrou, tomando
conta de todo o meu mundo... E eu amei o fato de ele ter virado cinzas.
Minha mão voltou a se arrastar pela boceta apertada, deslizando com
mais facilidade. Já estava quase gozando nas calças enquanto engolia os
gemidos baixinhos que ela dava dentro da minha boca. Tudo o que eu
conseguia pensar era no clitóris inchado entre os meus dedos, desesperado
para ser chupado.
— Ninguém mais vai te deixar como eu te deixo... — afirmei,
aumentando um pouco mais o ritmo. — Ouviu, 190?
Suas costas se arquearam quando aumentei um pouco o ritmo, a
respiração se quebrando em um palavrão silencioso que não consegui
escutar.
— S-sim... Meu Deus!
Eu sabia que ela estava quase lá porque agora eu conhecia cada ação
do seu corpo. Tinha transado com aquela mulher mais vezes do que podia
contar em um curto período de tempo, mas eu entendia totalmente o seu
funcionamento.
— Você me irritou tanto hoje... — falei, diminuindo os movimentos.
Ela me olhou, quase chorosa, as mãos torcendo a camisa do meu
uniforme, o corpo se contorcendo contra o meu, o clitóris latejando nos
meus dedos.
— Desculpa. Desculpa. Não para, Pedro. Por favor.
— Eu sei que você está quase, linda.
— Por favor... — ela soprou contra os meus lábios, me beijando.
Parei o que estava fazendo, erguendo um pouco o seu corpo na parede
e puxando sua calcinha para baixo, tirando-a. Ela piscou, confusa, na hora
em que seus saltos encostaram no chão novamente e eu coloquei a peça
entre nós dois, quase na frente do seu rosto.
— Está vendo isso aqui?
— O que está... — Sua voz engasgou. — O que está fazendo?
Eu guardei a calcinha no meu bolso, voltei a segurar o seu pescoço
com uma das mãos e deslizei o polegar pela linha da sua garganta, sentindo-
a engolir em seco. Arrastei meus dentes pelo seu maxilar e direcionei minha
boca bem perto do seu ouvido, vendo seus pelos se eriçarem quando
respirei contra sua pele.
— Você vai entrar nessa festa e vai ficar sem calcinha o resto da noite
se quiser que eu te faça gozar. Ela vai ficar no meu bolso pra você se
lembrar quem é que manda na porra da sua boceta. — Voltei a olhar nos
seus olhos e sussurrei nos seus lábios: — A partir de hoje, 190... Sua boca é
minha, seus olhares são meus, sua boceta é minha. Você inteira é minha.
Ouviu?
Ela apenas assentiu, como se fosse incapaz de fazer qualquer outra
coisa.
— Perfeito — disse, dando um beijo rápido nos lábios e fazendo
carinho no seu rosto. — Porque se eu vou pecar, você vai pro meu inferno
junto comigo.
No carro, eu mal posso esperar
Para te levar para o nosso primeiro encontro
Tudo bem se eu segurar a sua mão?
É errado se eu pensar que dançar é um saco?
Você gosta do meu cabelo estúpido?
:: FIRST DATE - BLINK-182

LARISSA ALBERTELLI

Faltavam poucos dias para a volta às aulas, então minha tia resolveu
aparecer para um chá da tarde com os meus primos em mais uma tentativa
de infiltrá-los no hospital dos meus pais.
Passei todo o tempo ouvindo minha mãe dizer o quanto estava ansiosa
para que eu voltasse à rotina, animada em me mostrar todas as coisas que eu
odiaria aprender. Um mês de férias com certeza era pouco para mim, eu
queria uma vida inteira longe do hospital, faculdade e qualquer coisa que
estivesse ligado à Medicina. Conforme a conversa desenrolou, eu vi que
daria merda. Obviamente todo o falatório teria uma consequência, porque
Muriel permaneceu me encarando cheia de ódio.
Assim que eu fui até o banheiro, ela me interceptou no caminho, me
chamou de cadela ingrata, como sempre fazia e teceu comentários
maldosos, mais uma vez deixando claro que eu não pertencia àquele
mundo, que minha mãe era uma coitada iludida e que eventualmente eu iria
me voltar contra ela porque eu era o fruto podre da família.
Dessa vez, ao invés de pegar o meu cigarro e as minhas jujubas para
subir para o telhado, eu liguei para ele. Porque a única coisa que eu queria
era sua companhia, porque ele havia se tornado meu refúgio.
— Ei... — falei baixinho, cutucando minhas unhas. — Tudo bem?
— Que voz é essa?
— Recebi minha visita preferida — contei, dando uma risada sem
humor. — Queria, ahn...
— Quer me encontrar aqui na academia? A gente pode fazer alguma
coisa depois que eu terminar a aula.
— Agora? Mas eu nem me arrumei...
— Agora, 190. Já vai pegar um trânsito do caralho. Então, a não ser
que esteja pelada, vem como está...
Olhei meu reflexo no espelho e suspirei, irritada com a roupa que
estava usando. Nenhum programa parecia muito adequado para usar um
shortinho jeans preto e uma blusinha larga de malha colorida. Botei minhas
botinhas de couro, peguei minha bolsa e avisei para minha mãe que iria sair
com a Ví.
Eu cheguei na academia a tempo de vê-lo dentro da sua roupa de jiu-
jitsu. Porra, aquele homem ficava lindo de qualquer jeito, mas com aquele
kimono preto, com as duas mãos apoiadas na faixa da mesma cor, minha
calcinha chegou a pesar. E observar sua interação com as crianças fazia um
comichão tomar conta de todo o meu corpo.
Os pequenos começaram a cochichar quando me viram, falando que a
namorada do Tio Pedro estava ali de novo. Ele revirou os olhos, chamando
a atenção de alguns deles e mandou que voltassem a prestar atenção no que
ele estava falando.
Logo depois, colocou os alunos para fazerem um cabo de guerra, o
que tornou a aula ainda mais caótica. Um dos meninos caiu em cima de
uma garotinha e seus olhos ficaram cheios de lágrimas ao segurar o pezinho
com dor. Pedro correu até a Juju (eu ouvi seu nome), bem preocupado, mas
logo depois que ele massageou o local, ela o abraçou e disse que estava
bem.
Era muito fofo observar sua interação com as crianças, a forma como
ele era cuidadoso e superprotetor com cada uma delas. O idiota convencido
estreitou os olhos para mim e deu uma risada, provavelmente achando graça
da expressão embasbacada que deveria estar no meu rosto. Meu corpo
chegava a estar mole, minha cabeça pendendo para o lado e eu até mesmo
suspirei. Meu Deus, chegava a ser ridículo o quanto eu estava de quatro por
ele.
A aula acabou algum tempo depois e quando finalmente a sala ficou
vazia, ele veio até o local em que eu estava sentada, segurou o meu rosto e
me beijou.
— Oi — falei, sentindo minhas bochechas corarem no instante em
que ele se afastou um pouco para me olhar.
— Oi... — Ele riu e voltou a me beijar, parando alguns segundos
depois para me olhar preocupado. — Você está bem?
— Tudo bem.
— O que aquela puta disse agora?
— Nada de muito diferente. Eu só precisava sair um pouco de casa.
— Já disse que deveria dar o troco. Colocar laxante na bebida dela,
sei lá... Eu poderia fazer isso, você pode sugerir um dia na piscina...
Eu gargalhei, já era a terceira vez que ele sugeria que eu me vingasse
dela de alguma forma.
— Não vou te meter em problemas. Além do mais, acho que alguém
já se vingou por mim... — Comprimi os lábios, lembrando da sua expressão
no almoço de hoje quando ela comentou sobre o que tinha acontecido. —
Alguém pichou uma piroca gigante no muro da casa dela.
Pedro deu uma risada.
— Do nada? — ele perguntou, um pouco confuso, e eu dei de
ombros. — De qualquer forma, ainda acho que é pouco. Voto pelo laxante.
— Você é muito bobo. E então, o que vamos fazer? Porque eu estou
horrível com essas roupas, mas você me mandou sair e fiquei com medo de
atrasar demais... E dependendo de onde formos, não quero estar mais
desarrumada do que as outras pessoas — comecei a me justificar e ele
desceu os olhos para analisar o que eu estava vestindo.
— E é impossível você estar horrível, 190 — afirmou, colocando uma
mecha de cabelo atrás da minha orelha e prestando atenção no movimento
antes de fazer contato visual. — Você poderia estar com um saco de lixo e
ainda assim, eu não conseguiria parar de te olhar.
Meu coração acelerou um pouco mais e eu senti aquela sensação que
estava se tornando comum no meu estômago, um redemoinho que se
alternava entre o quente e o gelado.
— Você precisa parar de ser fofo — pedi, roçando os lábios nos dele.
— Eu gosto de ver você ficando vermelha — confessou, rindo.
Fomos interrompidos pelo toque do meu celular e ele bufou assim que
viu a foto do Gregório na tela. Levantou-se e começou a arrumar as coisas
enquanto eu atendia a ligação, sem paciência alguma.
Expliquei que não voltaria para casa hoje e pelo silêncio que se
seguiu, tive certeza de que meu “namorado” odiou, mas se limitou a pedir
que eu desse notícias quando chegasse e lembrou que tínhamos um jantar
naquela semana com um casal de médicos do hospital.
Antes que eu desligasse, uma mulher entrou na sala. Ela estava
vestindo um kimono azul e foi até Pedro, abraçando-o e dando dois
beijinhos no seu rosto. Ela gargalhou de alguma piadinha que ele fez e eu
me mantive no celular, perguntando algo para Gregório e fingindo que
estava prestando atenção nas coisas que ele estava dizendo.
Certeza que eles já tinham se pegado. Eu apostaria o meu cu naquilo.
A forma como ela o olhava chegava a ser ridícula. Minha respiração
descompassou quando ele puxou a barrinha da faixa preta dela, como se
estivesse brincando com alguma coisa.
Que ódio.
Eles olharam para mim e ela levantou uma das mãos, me dando um
tchauzinho, bem simpática. Tirei o celular do ouvido rapidamente e fiz o
mesmo, ignorando os ciúmes e repetindo para mim mesma que eu não era
uma desequilibrada.
Ela saiu algum tempo depois e eu continuei ouvindo a voz de
Gregório, que estava tagarelando sobre uma cirurgia complicada que tinha
feito. Pedro avisou mexendo a boca que iria tomar um banho e saiu por uma
das portas.
Fiquei vendo alguns vídeos do TikTok enquanto esperava por ele, que
voltou pouco tempo depois com a mochila nas costas, falando para irmos. E
estaria tudo bem se ele não tivesse feito o que fez em seguida.
Não estava preparada para aquilo e meu coração também não. Porque
ele simplesmente entrelaçou os dedos nos meus assim que saiu da sala,
andando por todo o caminho da academia de mãos dadas comigo,
despedindo-se das pessoas.
Ele. Estava. Andando. De. Mãos. Dadas. Comigo.
Como se eu fosse a garota dele.
Eu queria gritar, dentro de mim parecia uma adolescente de 15 anos
depois de dar o seu primeiro beijo. Era patético, ridículo e ainda assim, não
havia sensação melhor.

Ele me convenceu a ir em um karaokê no Terreirão porque disse que


seria divertido. No início, eu disse que não iria cantar nem se ele me
chupasse por duas horas seguidas, mas depois que ele perguntou “tem
certeza?”, tomei algumas doses de tequila e decidi cantar “Perigosa”, das
Frenéticas. Qual era a graça de ir para um karaokê se não era para passar
vergonha?
Me empolguei vendo-o rir, com a língua apoiada no dente superior,
balançando a cabeça negativamente no momento em que eu cantei:

“Eu tenho veneno


No doce da boca
Eu tenho um demônio
Guardado no peito
Eu tenho uma faca
No brilho dos olhos
Eu tenho uma louca
Dentro de mim...”

Eu amava o jeito como ele me olhava agora, uma mistura de “quero te


matar” com “sou louco por você”. E eu sabia exatamente o significado
daquele olhar.
— Como eu me saí? — perguntei assim que acabei a música,
voltando para a mesa que nós dois estávamos.
— Você definitivamente é muito desafinada.
Ele gargalhou e eu entreabri a boca, chocada com toda sua
honestidade. Acertei um tapa no seu braço, mas quando fui dar o segundo,
ele segurou meu pulso e me puxou para um beijo.
— Na próxima, você deveria chamar o seu namorado aqui e cantar
aquela música do Porta dos Fundos[62]... — ele começou a dizer,
gargalhando, e eu franzi o cenho, confusa.
— Quê?
— Você nunca viu?
Ele abriu o celular e colocou a música para tocar e eu explodi em
gargalhadas ao perceber que a letra tinha sido feita para mim.

“Meu amor, eu já não amo mais você


Esse namoro já acabou há muito tempo
E só você não percebeu
Meu amor, eu não aguento mais você
Agora mesmo te olhando me veio um refluxo
Mas já desceu”

E ainda tinha uma parte em que ela cantava:

“Gregório, meu amor, eu tenho ódio de você


E quando você vai gravar um vídeo pro Porta dos Fundos
Eu dou pro porteiro”

Fiquei pensativa porque se trocasse a palavra por “garçom”, eu diria


que os atores estavam realmente fazendo uma homenagem para a minha
vida.
— Pior que ele usa bastante verde! — falei, assim que acabou a
música, ainda entre as risadas. — Ai, minha barriga está doendo!
Ainda estava rindo no momento em que seu celular tocou e ele fez um
sinal de silêncio, encostando o indicador nos lábios. Pedro sempre atendia
quando seu irmão ligava, mesmo que estivéssemos no meio da foda, porque
tinha medo de alguma coisa acontecer com a sua avó.
— Fala, Pipo... Tô num barzinho. Ah, eu achei que você fosse treinar,
brother, por isso nem te chamei. — Uma pausa. — Não, não, já estou quase
indo embora. Vai dormir que amanhã você trabalha cedo, porra.
E desligou.
— Tudo bem?
— Ele só queria saber se estava tudo bem porque eu sumi —
explicou, comendo uma das batatinhas que tinha acabado de chegar na
nossa mesa.
— Você realmente não contou pra ele sobre nós dois?
Pedro já tinha me dito que não falaria para o Felipe sobre estarmos
transando. Pelo visto, o irmão sabia sobre todo aquele discurso de
mandamento idiota e ele não desejava ser chamado de hipócrita. Disse que
já bastava sua consciência fazendo isso todas as vezes que colocava os
olhos em mim.
— Não e já disse que não vou.
— Achei que não se importasse, já que estava andando comigo de
mãos dadas na academia.
Ele estreitou os olhos para mim, como se não acreditasse no que eu
estava dizendo.
— Eu fiz isso? — perguntou, parecendo realmente não ter percebido.
Eu assenti com a cabeça. — Porra, não me liguei. Meu irmão nunca vai na
academia, de qualquer forma, mas desculpa, alguém poderia ter visto. E
você tem um namorado. — A última frase saiu cheia de deboche.
— Não me importo, estamos bem longe do condomínio e tenho
certeza de que não conheço ninguém aos arredores. Eu não estaria aqui com
você, te beijando a cada oportunidade se estivesse preocupada com isso...
— Você realmente não consegue se conter perto de mim, não é, 190?
— indagou, com um sorrisinho convencido nos lábios, puxando-me para
mais perto pela cintura.
— Sabe que não... — falei, beijando sua boca.
No meio do beijo, ele começou a rir porque uma mulher com voz de
taquara rachada começou a cantar uma música do Roberto Carlos.
— Vamos lá, Pepeu — impliquei e ele me olhou com repreensão por
eu ter usado aquele apelido. — É a sua vez... Quero ver como você vai se
sair.
— Acho que preciso salvar as pobres almas desse lugar dessa... —
Ele se levantou e olhou para a mulher, cheio de pena. — Desgraça.
— Vai cantar uma música pra mim? — indaguei, mordendo o lábio
inferior.
Pedro se inclinou na minha direção e segurou meu rosto entre uma
das mãos.
— Linda... — sussurrou contra a minha boca, mordendo-a de leve. —
Eu faço o que você quiser, se continuar me olhando assim.
Ele me beijou rápido e saiu em direção ao palco. Conversou alguma
coisa com o homem que escolhia as músicas na televisão e ficou fazendo
expressões de sofrimento toda vez que a mulher atingia uma nota mais alta.
Então chegou a sua vez e ele pegou o microfone, parecendo bem à
vontade no meio de tanta gente. O início da música do Charlie Brown
começou a tocar e foi impossível segurar as risadas.

“Ela achou meu cabelo engraçado


Proibida pra mim no way
Disse que não podia ficar
Mas levou a sério o que eu falei
Eu vou fazer de tudo que eu puder
Eu vou roubar essa mulher pra mim
Eu posso te ligar a qualquer hora
Mas eu nem sei seu nome”

Ele estava lindo, dentro de uma jaqueta jeans, com aquele cabelo
platinado que o deixava ainda mais sexy. Pedro cantava animado, mexendo
as mãos no alto, tentando agitar a plateia. Movia-se como se fosse dono
daquele palco e as mulheres do lugar estavam hipnotizadas.
Ele não olhou para nenhuma delas, entretanto. Seu olhar se manteve
fixo em mim e somente em mim.
E quando ele finalizou a música com a frase: “Se não eu, quem vai
fazer você feliz?”, eu me perguntei a mesma coisa.
A sensação era de que Pedro estava fazendo aquele questionamento
para mim. E ali, olhando no fundo dos seus olhos, eu soube. Ninguém
nunca tinha tido aquele efeito em mim. Sentada em uma cadeira em um
karaokê dentro do Terreirão, eu tive a constatação de que ninguém além
dele me faria feliz.
Mas está tudo bem pois eu amo o jeito que você mente
Eu amo o jeito que você mente
Eu não posso te dizer o que realmente é
Eu só posso dizer qual é a sensação
E agora é uma faca de aço na minha traquéia
:: LOVE THE WAY YOU LIE – EMINEM ::

PEDRO QUEIROZ

Uma coisa que ninguém sabia era que Larissa Albertelli era
impulsiva. E pelo visto, depois de umas doses de caipivodka, isso duplicava
umas dez vezes.
Tínhamos saído do karaokê e ela disse que queria tirar uma foto no
chafariz de uma praça que costumava ficar fechada. Eu estava achando que
tudo não passava de uma brincadeira e tentei puxá-la para irmos embora
porque não desejava que fôssemos assaltados.
E como se fosse totalmente normal, ela tirou o canivete da bolsa, um
outro pedaço de metal e destrancou o cadeado da corrente que ficava ao
redor do portão. Pisquei, chocado, e ela deu um sorrisinho travesso.
— Como fez isso?
— Segredo — falou baixinho, agarrando meu pulso para que eu
entrasse no parque atrás dela.
Tudo naquela garota me intrigava. Em especial, o fato de que em
alguns momentos ela parecia outra pessoa. Eu sabia que ninguém conhecia
aquela faceta e não conseguia entender o motivo de ela sempre tê-la
mostrado para mim. E isso me deixava um pouco irritado, porque tinha a
impressão de que éramos feitos um para o outro.
Nunca tinha me aberto tanto com alguém como tinha feito com ela.
Claro que já tinha conversado com Luna sobre a doença da minha avó,
meus outros relacionamentos, mas era diferente. Larissa tinha uma forma de
cavar mais fundo, de fazer com que eu me abrisse mais. Era quase como se
eu pudesse vê-la como uma parte da minha família, se é que aquilo fazia
algum sentido.
Eu só tinha tido aquele sentimento uma vez antes e foi o que me
destruiu por completo.
— Pepeu — ela chamou, sorrindo, as bochechas ficando vermelhas
porque ela sabia que eu ficaria irritado.
— Já falei para não me chamar assim, Larissa.
— Você já tinha visto essa? — indagou, esticando o braço para
mostrar o desenho da capivara com um kimono de jiu-jitsu que estava na
parede à nossa frente.
Dei uma risada, balançando a cabeça negativamente e ela se sentou na
frente do chafariz.
— Não, eu vi a bailarina que ele fez no Marapendi[63], outro dia —
contei, sentando-me ao seu lado. — Você viu?
Ela negou com a cabeça, parecendo distraída com o desenho.
— Isso é sangue? Você se machucou? — perguntei, notando uma
manchinha vermelha nos seus jeans.
Sua preocupação durou alguns segundos, mas em seguida Larissa deu
uma risada e disse que era batom, que deveria ter esbarrado em algum lugar.
Percebi que uma brisa gelada passou por nós e tirei minha jaqueta jeans
para que ela vestisse, amando o sorriso lindo que ela me deu em resposta. A
patricinha amava usar minhas roupas e também meu boné. E eu também
amava isso.
— Quem era a mulher lá na academia? — quis saber, depois de
comtemplar mais algum tempo a parede.
— A Aline, a outra professora que dá aula para as crianças.
— Hm... — Ela se virou e me deu um olhar longo antes de se virar
novamente para a parede.
— O que quer saber, 190? — perguntei, achando graça.
— O que rola entre vocês dois?
— Nós ficamos algumas vezes quando éramos mais novos, mas ela
namora uma menina agora — contei e observei seus ombros relaxando na
mesma hora.
Isso é o que me fodia. Porque eu sabia que ela também tinha ciúmes
de mim. E já estava mais do que claro que Larissa gostava de transar
comigo, mas era isso.
Aquele era o limite dela.
E eu... Bem, eu já tinha ultrapassado o meu.
— Está com ciúmes? — perguntei, apenas por implicância.
— Você sabe que sim... — respondeu, olhando no fundo dos meus
olhos.
— Aline é só minha amiga, não quero nada com ela. A mulher que eu
quero já está comprometida.
— Ela está? — Cerrou os olhos, achando graça. — Com quem?
— Com um merda.
Eu cheguei mais perto e a virei de frente para mim, colocando suas
pernas uma de cada lado da minha cintura. Ela passou os braços pelo meu
pescoço e sorriu, fazendo um biquinho logo depois.
— Coitada...
— Pois é — concordei, enterrando o rosto no seu pescoço, deixando
meu nariz se arrastar por sua pele até que minha boca estivesse perto do seu
ouvido. — Ele é médico, tem dinheiro e carro importado, mas é o meu
nome que ela geme todas as noites em que está comigo.
— Quando não está com você também — sussurrou baixinho.
Suspirei fundo, olhando dentro da sua íris e nem mesmo tentei ignorar
os insetos malditos que decidiram criar uma casa dentro do meu estômago.
Entendi que eliminá-los era impossível, eu teria que conviver com aquelas
pragas.
— Você fode com minha sanidade, 190.
— Que bom.
— Que bom?
— Nada mais justo, porque você já fodeu com a minha faz tempo,
GBR. — Ela sorriu, dando um beijo na minha boca.
Ouvimos um barulho e ela arregalou os olhos, puxando-me pelo braço
para que eu corresse. Nós saímos disparado, como se fôssemos loucos,
correndo pelo meio da rua até que ninguém pudesse nos alcançar.
Depois, Larissa apoiou as mãos no joelho, tentando buscar por fôlego
e começou a rir. Resmungou que suas pernas estavam doendo e perguntou
se podia subir nas minhas costas até que chegássemos no carro.
Eu disse que não, ela choramingou, colocando as mãos na frente do
rosto e implorou mais uma vez com uma voz melosa. Revirei os olhos, puto
comigo mesmo e com a incapacidade que eu tinha desenvolvido de negar as
coisas para aquela patricinha mimada.
Ela deu um pulo para subir nas minhas costas e prendeu as pernas na
minha cintura. Envolveu os braços no meu pescoço como se fosse o Pato e
depositou um beijinho perto da minha nuca, me abraçando com força.
E então toda a minha irritação se dissipou e o calor começou a irradiar
das minhas extremidades até o centro do meu peito. E ele continuou a me
queimar conforme ela ria contra a minha pele, divertindo-se e distribuindo
diversos beijos onde podia alcançar.
Antes eu estava preocupado em pecar, em descumprir o mandamento
que eu tinha criado. Agora eu me via na beira de um precipício, encarando-
o como se estivesse prestes a pular.
Eu sabia que não me recuperaria da queda. Aquilo já tinha acontecido
antes, mas agora parecia trinta mil vezes pior.
Ela me deu mais um beijo e eu liguei o foda-se.

Estava deitado na minha cama e Pato tinha resolvido me fazer


companhia porque pelo visto estava carente. Tirei uma foto dele agarrado
no meu pescoço, exatamente como ela tinha feito naquela noite e enviei na
nossa conversa.
Pedro: Qual é a tara
de vocês em se agarrar no
meu pescoço?
190: Ele é cheiroso e
acho que o Pato se sente
meio que na floresta.

Pedro: Na floresta?

190: Você tem cheiro


de neve e madeira seca.

Pedro: Neve? Neve


tem cheiro, porra?

190: kkkkkkkkkk

190: Tem, seu idiota.


Sei lá, você tem um cheiro
bom.

Pedro: Que legal, 69


contos no perfume pra ter
cheiro de difusor de
ambiente.

190: Não é cheiro de


difusor, meu Deus, Pedro.
É um cheiro gostoso,
nostálgico, eu cheguei a
comparar com minhas
férias nos Alpes Suíços.

190: 69 reais?

190: Tem certeza?


Pedro: Sim, comprei
com a Rita, é de uma
revista que ela vende.

190: Revista? Tem


certeza?

Pedro: Tenho, mas


de qualquer forma, que
bom que você gosta do
meu cheiro de neve...

Pedro: Seja lá o que


é isso.

Abri outro aplicativo quando subiu uma mensagem dela que chegou a
me deixar animado. Alguns segundos depois percebi que não era um
convite e eu me lembrei sobre o que estávamos falando.

190: 69?

190: Sério?

190:

Pedro: Sim. Sabe o


que isso quer dizer?
190: Que é barato
demais para um cheiro tão
bom?

Pedro: Não, 190.

Pedro: Significa que


é o destino mandando eu te
chupar enquanto você me
chupa.

Pedro:
kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Pedro:

Ela não respondeu e fiquei alguns minutos olhando para a tela do


celular, com aquela imagem rodeando minha cabeça.

Pedro: 190?

Pedro:
Pato começou a fazer uma zona no quarto, jogando minhas roupas
que estavam na cadeira no chão. Depois, me fez segui-lo até o quarto e eu
perdi uma meia hora vestindo algumas roupinhas que ele selecionou.
Meu celular tocou no quarto e eu o deixei brincando com alguns
bloquinhos de encaixar que ele gostava de empilhar. Era o Heitor e ele
queria saber como estavam as coisas. Eu disse que tudo estava bem, que o
projeto no jardim estava ficando bem legal. Nós conversamos um pouco
mais e ele perguntou se eu me importava de ficar um pouco mais do que o
combinado. Respondi que não sem nem pensar direito e depois me odiei um
pouco mais por estar tão rendido por aquela maldita a ponto de me esquecer
que tinha uma casa que não era aquela. Heitor se despediu logo depois,
explicando que precisava ir ao mercado e eu desliguei.
A notificação de quase uma hora atrás apareceu na tela e meu coração
disparou.

190:
HAHAHAHAHAHA

190: Vem aqui e a


gente resolve isso.

E junto com a mensagem havia uma foto da sua mão por dentro da
calcinha. Na mesma hora o meu pau ficou duro e eu comecei a pensar em
como escalaria a porra daquela janela.
Coloquei uma roupa e saí, cruzando a cerca que dividia as casas no
local em que ela sempre passava para subir no telhado. Percebi que havia
umas jardineiras de pedra na parede lateral ao seu quarto e chegava a ser
ridículo porque parecia quase uma escadinha em zigue-zague. Me apoiei em
uma delas e em menos de três minutos estava na sacada do seu quarto.
As luzes estavam apagadas e andei lentamente, esticando as mãos
para tatear a cama que eu sabia estar em algum lugar ali por perto. Encostei
no colchão e subi em cima dele, tentando não fazer nenhum barulho, porque
sabia que seus pais poderiam estar em casa.
— Ei... — eu a cutuquei, mas tomei um susto na hora em que ela se
movimentou, vindo para cima de mim e eu senti alguma coisa de metal na
minha garganta.
A luz do abajur se acendeu e meus olhos se arregalaram ao perceber
que ela estava sentada no meu colo, só de camiseta e calcinha e com um
canivete no meu pescoço.
A postura intimidadora, a respiração ofegante e o peito subindo e
descendo sem parar me deixaram mais duro do que eu estava quando vi a
sua foto.
Larissa demorou alguns segundos para entender o que estava
acontecendo, mas antes que pudesse se mexer, eu a puxei pela nuca, até que
seu rosto estivesse quase encostado no meu. Ainda podia sentir a lâmina
contra a minha pele no momento em que ela respirou na minha boca.
— Agora eu entendi o que o babaca quis dizer sobre ficar excitado
porque você o ameaçou com seu canivete, 190.
— Você me assustou. Eu estava dormindo — ela se justificou.
— Você me mandou vir... — falei, passando o dedo por dentro da tira
da sua calcinha fina. — Não dá pra você mandar uma foto daquelas e
esperar que eu não faça nada.
Um sorrisinho safado surgiu no seu rosto.
— Está excitado, não está? — perguntou baixinho, roçando a boceta
no meu pau devagar e passando a língua pelo meu pescoço.
— Pra caralho.
Ela apertou um pouco mais o canivete na minha garganta e eu senti
uma leve ardência, mas não me importei nem um pouco. Porque eu ficava
alucinado quando aquela garota colocava as garrinhas de fora e deixava à
mostra a parte meio insana que tinha. Sua boca resvalou devagar até que ela
chegasse em um ponto abaixo do meu pescoço, lambendo-o vagarosamente,
fazendo o meu pau dobrar de tamanho.
— Eu vou sentar na sua cara enquanto chupo o seu pau e você vai
gozar na hora que eu quiser, ouviu? — sussurrou, fazendo com que um
arrepio escalasse pela minha coluna.
— O que você quiser, caralho — falei, completamente hipnotizado e
ela sorriu, fechando o canivete e beijando a minha boca.
Porque era a verdade. Se Larissa Albertelli era um demônio e a
responsável pelos meus pecados, eu estava mais do que feliz por ter
vendido meu corpo e minha alma para ela.
Você em casa comigo
Mas você está com outro cara, yeah!
Eu sei que nós não temos muita coisa pra dizer
Antes que eu te deixe ir embora, yeah!
Eu disse: Você quer ser minha garota?
:: ARE YOU GONNA BE MY GIRL? – JET ::

PEDRO QUEIROZ

Eu estava na Dräieck com o Pipo porque estava com falta de pessoal


e me arrependi de ter avisado para Larissa que iria trabalhar naquela noite,
pois ela arrumou um jeito de aparecer na boate. E obviamente o filho da
puta a acompanhou, já que não desgrudava dela, como um maldito
cachorro.
Suas amigas, Ana e Lavínia, estavam junto e as três haviam escolhido
um lugar bem na nossa frente para dançar. Como eu me concentraria no
trabalho com a desgraçada rebolando a bunda daquele jeito?
Era foda.
Não conseguia tirar os meus olhos dela e depois percebi que meu
irmão estava praticamente babando na filha dos Bittencourt.
— Sai dessa — avisei, assim que acompanhei seu olhar hipnotizado
na ruiva.
— O quê?
Ele se virou para mim como se tivesse sido pego no flagra. Balancei a
cabeça em uma negativa e continuei a secar um dos copos que estava no
balcão.
— Você. Babando pela ruiva.
— Ela é linda, caralho.
— Foda-se. Isso aí é furada, irmãozinho. Todas essas patricinhas são.
Vai por mim, você não vai querer entrar nisso. Segue a porra do meu
mandamento.
— Você precisa parar de generalizar as coisas... — começou a dizer,
mas se calou no segundo em que eu lancei um olhar de repreensão para ele.
Porque Pipo sabia, ele lembrava muito bem de tudo o que tinha
acontecido e do quanto uma patricinha fodeu com a minha vida. Felipe
estava dentro das suas plenas faculdades mentais para saber que eu não
desejava o mesmo para ele.
Olhei para a morena na minha frente, a dona das pernas mais perfeitas
do mundo e do olhar expressivo que sempre escurecia ao me ver. Soltei o ar
quando ela sorriu disfarçadamente para mim, antes de jogar os cabelos para
o lado e fechar as pálpebras, sentindo a música.
Eu estava muito fodido.
— Sério, Pipo. Esquece essa ruiva — falei, sério. — Tem outra ali
perto do banheiro que provavelmente tem uma conta bancária menor e vai
te trazer menos problemas.
— Viu a Jujubinha ali? — ele perguntou, cheio de graça e eu dei com
um pano de prato na sua barriga.
— Para de chamar ela assim, porra.
Felipe me analisou e sorriu, o deboche estampado em cada uma das
suas feições. Eu odiava o quanto meu melhor amigo me conhecia e como
podia perceber minhas modificações de humor.
— Você é tão hipócrita, Pedro... Quanto tempo demorou pra quebrar
seu mandamento de merda com ela?
— Quê? — Minha voz saiu estridente. — Nunca comi a Larissa,
Felipe.
Ele cruzou os braços e riu, cheio de desdém, olhando para ela em
seguida.
— Então você não vai se importar se eu... — começou a dizer, mas eu
o interrompi.
— Fica longe dela.
— Não vou — retrucou, arqueando uma das sobrancelhas como se
estivesse me desafiando.
Filho da puta teimoso!
— Vai sim.
— Não, inclusive eu acho que vou agora mesmo falar com ela e ver
se ela quer sair depois daqui.
Respirei fundo quando ele se virou, indicando que iria sair do bar.
Passei a mão no rosto e segurei seu braço, mantendo-o no lugar. Ele olhou
para baixo e depois para mim.
— Felipe, não! — Minha voz saiu firme e eu senti toda a raiva ecoar
pelas palavras. — Falei pra ficar longe dela, porra.
— Por quê?
Mais uma arqueada de sobrancelha daquele pirralho insolente do
caralho. Era possível sentir o aborrecimento me bombardeando, fazendo
meus músculos enrijecerem com a tensão.
— Porque você sabe bem que eu não divido mulheres com você e ela
é minha! — soltei, sentindo meus pulmões descontrolados e minhas veias
congelando.
— Eu sei que ela é sua, idiota. — Ele riu, dando um tapa no meu
ombro. — Não precisa se descontrolar, estava apenas te testando.
Pisquei, um pouco atônito.
— Chega a ser ofensivo, Pepeu. Eu te conheço a vida inteira, já vi
como você olha pra ela. E sei que está puto por estar rendido pela
patricinha que você jurou odiar.
Meus ombros relaxaram e tornei a passar a mão pelo meu rosto,
sentindo-me mais derrotado do que nunca. Meu irmão continuava rindo da
minha desgraça.
— Eu estou tão fodido, cara. Quebrei a merda do meu mandamento e
tô completamente de quatro por essa filha da puta.
— Bem, graças a Deus você admitiu. É um alívio, porque já não
aguentava mais esconder de você.
— Esconder o quê, Felipe?
— Fui demitido da mercearia e estou pegando a patricinha do lado da
sua.
Olhei para ele sem acreditar.
— Você o quê?
— Tô namorando.
— Está o quê? — Minha voz estava esganiçada.
Como assim namorando?
— Como assim namorando, porra? Desde quando conhece a Lavínia?
— Uma semana.
— E está namorando? — As palavras pareciam mais absurdas na
medida em que iam deixando a minha boca.
Ok, Pipo era um emocionado do caralho, mas uma semana? Aquilo
não era real, ele com certeza estava me trollando.
— Você sabe como é o amor e tudo o mais... Você deveria fazer o
mesmo e pedir a Jujubinha em namoro.
— Ela já tem um namorado. — As palavras saíram arranhando a
minha garganta e eu olhei para o babaca que tinha saído do camarote e
estava chegando perto dela na rodinha.
— Vovó vai comer seu rabo se souber que você virou comedor de
casadas — zombou, gargalhando.
— Ah, não fode, Pipo.
Fui para o outro lado do balcão porque estava irritado e não queria ver
os dois juntos. Aquilo estava me tirando do sério e consumindo a minha
paz.
Fiquei prestando atenção em duas garotas gravando stories dizendo
que o anel de uma delas havia sumido, achando a maior graça. Elas
berravam que havia algo de sobrenatural no lugar, que podiam até mesmo
sentir as energias.
Sério, ricos eram patéticos.
Não sabia mais se tudo era marketing ou se as pessoas mentiam
mesmo, mas Heitor sempre afirmava que não fazia ideia do que rolava ali
dentro, alegando que apenas “foi com a maré”.
Não demorou para que ela viesse até onde eu estava, me encarando
com aqueles olhos que sempre refletiam um raio de desejo.
— Está se fazendo de difícil hoje, GBR? — perguntou baixinho
quando me inclinei um pouco para falar com ela.
Rolei os olhos e comecei a preparar sua bebida.
— Sério que vai me ignorar?
— Não estou te ignorando.
Apenas puto porque o seu namorado não descola de você.
— Está irritadinho porque vim aqui hoje?
— Não, Larissa, estou irritadinho pela sua companhia — retruquei,
cheio de deboche.
Ela me olhou parecendo triste.
— Eu só queria te ver.
E simplesmente assim, toda minha raiva foi eliminada. Suspirei,
tentando ignorar o quanto aquela garota era linda, desesperado para fazer
com que meu coração parasse de querer rasgar o meu peito sempre que eu
olhava no fundo dos seus olhos.
— Vem atrás de mim — mandei, deixando o meu posto e ela deu a
volta no balcão, passando no meio de algumas pessoas.
Encontrei um espaço escuro, entre duas paredes e no momento em
que ela passou, puxei seu braço. Ela riu enquanto eu a colocava contra a
parede e beijava sua boca.
— Meu irmão já sabe — contei e seus olhos se arregalaram um
pouco. — Pelo visto não consigo esconder o jeito como olho pra você, pego
sua mão no meio da rua sem perceber... Acho que sou péssimo nisso de
romance proibido.
Ela deu uma risada, pendurando-se no meu pescoço e inclinando um
pouco a cabeça para o lado para me olhar.
Estava completamente apaixonado por cada detalhe do seu rosto, por
sua voz (mesmo sabendo que ela era péssima cantando) e por toda a
irritação que aquela desgraçada me causava. Estava apaixonado pela garota
que era proibida para mim, pela patricinha que tinha um namorado diante
da sociedade e trepava comigo às escondidas.
Ainda assim, eu me sentia um idiota porque sabia que no momento
em que eu saísse da casa do Heitor e no instante em que suas férias
acabassem, aconteceria o mesmo com aquele absurdo que começamos.
— Você é lindo — disse baixinho, arrastando o nariz no meu e
fazendo com que aquele pensamento negativo queimasse.
Era muito mais fácil ignorar o futuro de merda e me manter em um
presente em que o corpo dela estava colado junto ao meu.
— Não, você é linda... — Eu a beijei novamente, segurando seu rosto
com possessividade. — Merda, eu preciso voltar. Como vai voltar pra casa?
— Como acha, Pedro?
Ela voltaria com ele. Porque Gregório Valença era o seu namorado.
Puxei uma respiração, empenhado em não entrar em uma discussão.
— Não confio nele perto de você. Está com seu canivete?
— Eu sempre estou com meu canivete — lembrou, com um sorriso
meio maníaco.
— Ótimo, essa é a minha garota.
— Então finalmente eu sou uma das suas garotas? — indagou,
mordendo o lábio inferior e eu segurei seu rosto, olhando para ela sério.
— Você é “a” minha garota, 190. A única que eu tenho, a única que
eu quero.
E ela sorriu satisfeita, roubando todo o meu fôlego.
Mas eu ainda posso sentir seu cheiro na minha roupa
Sempre esperando que as coisas mudem
Mas nós voltamos aos seus jogos
Noites longas, devaneios
Açúcar e anéis de fumaça, eu tenho sido um tolo
:: STRAWBERRIES & CIGARETTES - TROYE SIVAN

LARISSA ALBERTELLI

Pedro estava puto. Eu não tinha dúvidas disso.


O amigo do Gregório tinha pedido novamente para que tirássemos
uma foto juntos, alegando que queria fazer um vídeo de férias e precisava
de uma parte romântica.
Então eu estava no seu colo, distribuindo sorrisos falsos enquanto ele
me abraçava e me enchia de beijos para a câmera.
— Mais uma. Um beijão agora, Lari!!!! — o Cadu berrou, entre as
risadas.
— Sem beijão, seus pervertidos — Gregório disse, tentando soar
razoável. — Minha mulher não é bagunça!
— Você pode parar com isso, eu sei o que está fazendo — falei
baixinho no seu ouvido, logo depois que dei um beijo rápido na sua boca e
me levantei, alegando que iria ao banheiro.
Ele me seguiu e eu não percebi até que ouvisse ele me chamando.
— Kinha?
— O que foi?
— Está desconfortável? Vou pedir para eles pararem.
— Como você é sonso, Gregório.
— O que eu fiz? Os meninos estão brincando. Eles não sabem que
não estamos realmente juntos.
— Corta essa, Greg.
— É sério! — Ele se aproximou e segurou uma das minhas mãos. —
Eu estou tentando aqui, Lari. Desde aquele dia tenho buscado ser um cara
melhor pra você.
— Pra mim? — Dei uma risada debochada. — Você tem que ser uma
pessoa melhor e ponto. Não por mim.
— Mas eu quero ser. Por você! Nós somos certos um pro outro e
vamos continuar sendo — afirmou, fazendo com que eu engolisse em seco.
— Qualquer um sabe disso.
— Greg, você deveria ocupar sua cabeça com alguma garota e me
deixar um pouco em paz.
— Que outra garota? — respondeu, parecendo ofendido e eu cheguei
a rir, porque só podia ser uma piada. — Eu disse a verdade quando pedi
outra chance. Não quero saber de mulher alguma, tudo o que eu quero é
você.
— Certo. — Abafei uma risada.
— Bem, você pode pensar o que quiser. Você é a mulher certa pra
mim e eu só fui burro demais de não ver isso antes — disse, segurando o
meu rosto. — E eu entendo que você esteja com raiva de mim, mas você me
amou um dia, Larissa, eu só preciso trazer isso de volta.
Que porra?
Acho que ele percebeu a confusão estampada no meu rosto e avisou
que iria voltar para a piscina. Sugeriu que eu fizesse um pouco de sauna
para relaxar e não precisar ficar ouvindo as merdas que os meninos estavam
dizendo. Eu respondi que iria fazer exatamente isso e ele foi embora.
Olhei para o lado para ver o Pedro apoiado em uma parede, de braços
cruzados, a raiva queimando em seus olhos. Ótimo, ele tinha ouvido tudo
aquilo.
Ele não disse nada, apenas balançou a cabeça em uma negativa para o
chão e fez menção de se afastar.
— Ei, deixa eu falar com você? — pedi, assim que o alcancei.
— O que foi? — perguntou, sem paciência alguma.
Eu o puxei até a sauna depois de checar que ela estava desligada e
não tinha ninguém ali. A área externa do condomínio já estava bem menos
movimentada porque muita gente já tinha voltado para a rotina e o mesmo
aconteceria comigo naquela semana.
— Preciso voltar pro trabalho — avisou, apoiando as costas na
parede. — O que quer?
— Não adianta você ficar com raiva de mim! — Franzi o cenho,
ficando um pouco irritada por sua postura.
— Eu quero que esse merda pare de encostar em você a cada
segundo, porra! — Sua voz subiu um tom e as veias do pescoço ganharam
protuberância.
— Tecnicamente, ele é meu namorado, Pedro — falei baixinho.
— Foda-se! Eu deveria ser o seu namorado! — gritou, ofegante,
cortando o ar com a mão.
Engasguei uma respiração. O oxigênio ficou preso nos meus pulmões
que pareciam estar sendo esmagados pelo meu coração, as batidas tão fortes
a ponto de senti-lo nas minhas veias.
— O-o quê?
— Estou cansado dessa merda, não aguento mais — começou a dizer,
a raiva presente em cada uma das sílabas. — Não quero mais ficar me
esgueirando por aí como se o que estivéssemos fazendo fosse errado.
Meus músculos retesaram, meus ossos pesaram e eu tinha a impressão
de que tudo ao meu redor desmoronaria.
— Pedro, você precisa ser racional.
— Como eu vou ser racional, Larissa? Que inferno do caralho, eu
nem consigo mais pensar direito e me sinto um idiota em boa parte do
tempo.
— Mas eu nunca menti ou te enganei... Por que está se sentindo um
idiota?
— Porque eu estou completamente apaixonado por você, porra! —
berrou, como se estivesse com raiva do que estava sentindo. — Que ódio,
que inferno do caralho!
Eu queria gritar. Queria jogar meus braços ao redor do seu pescoço e
beijar a sua boca, afirmando que sentia o mesmo.
Eu sabia o que aquilo significava, no entanto.
Porque uma coisa era eu estar apaixonada e manter isso para mim,
fingir que aquele sentimento não existia, exatamente como fazia com todas
as coisas que não tinham espaço na minha vida falsa. Outra coisa era
arrastá-lo para isso comigo. Não era certo.
Engoli o bolo que se formou na minha garganta e forcei os olhos para
não chorar.
— Pedro... Eu não posso.
Ele abafou uma risada.
— Claro que você não pode.
— Você não entende... — Franzi as sobrancelhas e me aproximei um
pouco mais, mas quando tentei encostar no seu braço, ele se afastou. —
Não é como se eu não quisesse, eu simplesmente não posso! Já expliquei
mil vezes que não dá pra fazer o que eu bem entender.
— Não mete essa, você faz o que te deixa confortável.
— Você não está sendo justo — murmurei, triste.
— Foda-se! Você não está sendo comigo também.
— Quando começamos isso, não imaginei que iríamos nos envolver
tanto. Você sabe sobre a minha vida, eu achei que a gente estava se
divertindo e...
Mais uma risada, cheia de escárnio.
— Eu sabia que não estava errado sobre você.
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer que eu deveria ter seguido a porra do meu
mandamento. Mas você me deixou te tocar, te beijar, te foder — ele cuspiu
as palavras, cheio de ódio e decepção. — Porra, você me deixou cuidar de
você! Pediu para ser minha garota, afirmou que estava louca por mim,
simplesmente pra me dizer que eu sou a porcaria de um passatempo? Não
acredito que estou passando pela mesma merda de novo por conta de uma
patricinha egocêntrica!
— Eu não sou egocêntrica!
— Sim, você é!
Controlei minha respiração, contendo a raiva que estava sentindo
dentro do meu corpo. Não queria explodir, não queria rebater e tentar
justificar porque eu estava literalmente pisando no seu coração depois de
ele se declarar para mim.
— O que quis dizer com “de novo”? — a pergunta saiu baixinha.
— Você não é a primeira que faz isso comigo, não se sinta especial —
retrucou, cheio de desgosto.
— É por isso que odeia pessoas com dinheiro? Porque uma garota
rica quebrou seu coração?
— Ela não só quebrou meu coração. — Seus olhos estavam ardendo e
a impressão que eu tinha era de que ele explodiria tudo à sua volta, se
pudesse. — Ela me humilhou, disse que me amava e me fez acreditar que
tínhamos um futuro. Depois, admitiu que estava comigo porque achou que
conseguiria acesso a drogas com mais facilidade. Riu da minha cara e
afirmou que uma pessoa do nível dela jamais se envolveria com um pobre
fodido e que eu era um idiota por pensar o contrário.
Havia dor e ressentimento no seu tom. Sua mandíbula estava
apertada, as narinas levemente dilatadas enquanto ele buscava por algum
controle de respiração.
— Eu não odeio pessoas ricas só por causa da minha ex. Ela só abriu
a porta para me mostrar a podridão que vocês são. Odeio pessoas ricas
porque elas pisam em todo mundo que está abaixo, porque são cheias de
preconceitos e estão constantemente tentando viver a porra de uma vida
perfeita que não existe. E antes que você abra a boca... Não, você não é
diferente dela.
Minha voz se extinguiu. Eu abri e fechei a boca algumas vezes,
ponderando. Ele estava machucado, isso era nítido para mim. Dependendo
do que eu falasse, só pioraria as coisas. Queria que ele entendesse, mas ao
mesmo tempo, parecia inútil.
— Eu não sou como ela — retruquei, me sentindo ofendida, porque
eu jamais faria algo parecido.
— Não? Porque a verdade é que eu sou sim só uma diversão pra você,
assim como fui pra ela. Você gosta de ser rebelde quando ninguém está
vendo, Larissa. Você gosta do errado. E é assim que me vê, não é? Como
uma parte do seu escape. Sou exatamente como suas idas ao telhado ou o
cigarro que você fuma. Sou a porra de uma válvula e você nunca me
escolheria, nunca abriria mão do que tem se fosse o necessário pra ficar
comigo. — Ele me encarou, os lábios tremendo um pouco e os olhos
levemente molhados.
Naquele momento, não havia somente indignação e sim dor misturada
com rejeição. Era possível ver o quanto ele estava se forçando a ficar firme,
como estava se segurando para manter a postura, mascarando o quanto
estava machucado.
— Não é como eu te vejo. Eu gosto de verdade de você, mas não é
uma questão de escolha, é apenas como as coisas são. Você sabe muito bem
todos os sacrifícios que eu faço, sabe que eu não gosto da vida que eu tenho
— tentei dizer em um tom mais calmo, mantendo minha respiração sob
controle, buscando prender minhas lágrimas dentro dos olhos.
— Tem certeza, Larissa? — perguntou, cheio de ironia. A mistura de
sentimentos que se alternavam dentro dele era visível, mas a raiva
prevalecia. — Talvez isso é o que você diz para si mesma pra aceitar que
escolheu o caminho mais fácil. Talvez seja mais fácil você se anular
completamente e viver sua vida cheia de luxo. Talvez você não esteja
realmente fazendo um sacrifício, talvez esteja apenas sendo covarde.
Foi como um tapa invisível na cara. Apertei meus dedos uns nos
outros, tentando controlar minha ansiedade. Não era justo que ele supusesse
algo daquela forma, principalmente depois de ter me aberto tantas vezes.
Ainda assim, a palavra covarde ficou pairando na minha cabeça e começou
a se incrustar no meu cérebro como se fosse tinta de tatuagem.
— Você está sendo babaca — foi só o que consegui dizer.
— É... Talvez eu esteja. — Ele deu de ombros. — Então continue
nessa sua vida ridícula porque talvez, no fundo, você goste dela. Continue o
seu namoro perfeito com o filho da puta que te deixou com um hematoma.
Continue com o merda que meteu um apelido com uma conotação sexual
em você.
— Oi? — Minhas sobrancelhas se juntaram.
— Acha que ele te chama de Kinha por causa de Bonekinha? — Ele
deu uma risada sem humor. — Não, Larissa. Ele te chama assim porque
depois que você pagou o primeiro boquete pra ele, o escroto começou a
dizer para os amigos que você tinha uma Bokinha de Veludo. Era “Kinha”
para que ninguém entendesse, mas você ouviu um dia e ele inventou essa
desculpa.
Minha boca se abriu. Não que eu não esperasse algo tão baixo do
Gregório. Na real, minha perplexidade era porque estava tão apaixonada na
época que nem estranhei quando ele ficou nervoso e claramente deu uma
desculpa no momento em que eu cheguei de surpresa, ouvi o apelido e
perguntei o motivo dele ter me chamado daquele jeito.
Seus olhos estavam brilhando e percebi que não havia nada ali além
de decepção. Nem a raiva estava presente. Era como se eu o tivesse
quebrado por completo.
Estava prestes a desabar. Queria me explicar e dizer que mesmo que
eu também estivesse apaixonada por ele, aquele relacionamento nunca daria
certo. Não havia forças dentro de mim para jogar tudo para o alto e viver a
vida que eu gostaria.
Eu não era uma cadela ingrata. Eu tinha uma obrigação com os meus
pais, um compromisso. Minha mãe me acolheu depois de inúmeras perdas.
Ela não precisava ter feito isso, poderia ter me jogado em um orfanato.
Seria entendível depois de tudo o que passou.
Aquela mulher tinha mentido para o mundo para que eu não sofresse
algum tipo de preconceito, para que eu fosse vista como um deles pela
sociedade. Os dois me deram tudo e sonharam a vida inteira com uma filha
que fosse como eles.
E mesmo sabendo que não era como eles e que nunca me encaixaria
por completo, faria de tudo para compensar o fato de eu ser um estrago
total. Mesmo que eu não merecesse, como eu não seria a filha que eles
desejavam depois de tantos sacrifícios que meus pais fizeram por mim?
— Vive a porra da sua vida perfeita de Barbie, 190. E por favor,
esquece que eu existo.
As suas palavras cortaram meu coração como a faca afiada do meu
canivete. Sobressaltei com a batida da porta quando ele saiu por ela,
completamente transtornado.
Senti meus joelhos falharem e caí sobre eles, incapaz de conter as
lágrimas, porque naquele momento eu soube que tinha destruído a única
coisa boa e verdadeira que tinha acontecido na minha vida.
Você me faz lembrar de uma menina que eu conheci
Eu vejo o rosto dela sempre que eu
Eu olho para você
Não acredito em todas as coisas
Que ela me fez
É por isso que eu não posso ficar com você
:: U REMIND ME – USHER ::

PEDRO QUEIROZ

Eu tomei um porre depois de muito tempo. Acabei com uma garrafa


de tequila sentado na pista de skate da Praça do Pontal enquanto Pipo me
julgava em pensamento.
Passei horas, bêbado, listando uma infinidade de motivos para que ele
não se envolvesse com a filha dos Bittencourt, chamando-o de louco por ter
começado um namoro sem sequer conhecê-la direito. Repeti várias vezes
que ele deveria ir atrás da esposa dele, como se isso não fosse um absurdo.
Meu irmão não disse nada, entretanto. E pelo menos, não me xingou
dessa vez por ter trazido seu casamento falido para a conversa.
Ele sabia o quanto aquilo estava acabando comigo, o quanto doía ter
que passar pela mesma coisa de anos atrás. Era horrível e eu não sabia se
tinha energia suficiente para continuar perto dela.
Sentia-me em uma espiral de más decisões, vendo todas as vozes de
alerta na minha cabeça rindo de forma debochada, como ela tinha feito no
passado.
Minha cabeça doía, meus olhos ardiam e havia uma bola presa na
minha garganta que ameaçava me sufocar. Eu estava no meu limite,
inundado com as cenas humilhantes do passado, as frases sendo repetidas
na minha mente até que eu me questionasse o quanto eram reais.
“Você nunca vai servir como um namorado pra mim, Pepeu. Não há
nada que você possa me oferecer, sequer consegue me arrumar um
baseado. O que você achava? Que eu largaria minha mansão para morar
nesse chiqueiro em que vive? Eu só queria um pouco de diversão, um pouco
de rebeldia. No final do dia, você vai continuar sendo um pobre fodido
servindo as mesas dos restaurantes que eu como.”
Eu era tão idiota e aquele sentimento de culpa nunca ia embora. Fui
eu que deixei que a Pilar entrasse na minha vida. Fui eu que permiti que ela
me chamasse do apelido que só minha família chamava. E agora eu tinha
feito o mesmo com Larissa Albertelli.
Havia entregado o meu coração de bandeja para que ela pegasse o seu
canivete e o dissecasse, cortando cada uma das fibras e nervos até que não
restasse mais nada realmente meu, até que ele não me pertencesse mais.
Queria que a dor parasse, mas era como um deslizamento de pedras,
uma caindo sobre a outra até que eu me sentisse totalmente soterrado.
E quando percebi, estava chorando, abraçado com o meu irmão. Nem
sei quanto tempo fiquei assim, mas fui me acalmando conforme as
repetições de “tudo vai ficar bem” foram sendo ditas.
Nós repetimos isso um para o outro tantas outras vezes. Era quase
como uma promessa que fizemos ainda na infância.
Foi o que eu disse pra ele quando Felipe quebrou a mão quando
éramos crianças.
Foi o que respondeu na hora em que eu cortei a perna ao cair de skate.
Foi o que falei no velório da sua mãe.
Foi o que ele me afirmou na noite em que eu fui espancado pelo meu
padrasto.
Era o que dizíamos todo dia um para o outro na época em que a nossa
avó estava doente.
— Eu não quero voltar pra lá, Pipo — afirmei, limpando o rosto. —
Não quero ter que olhar pra janela da frente e dar de cara com ela.
— Tudo bem, vamos resolver.
— Eu prometi para o Heitor que cuidaria do Pato...
— Posso fazer isso, Pepeu.
— Você? — Foi impossível não dar uma risada fraca. — Você odeia o
pobre coitado.
— É, mas você é meu irmão e se aquele lugar está sendo ruim pra
você, não vou te deixar ficar lá — afirmou, sério. — Então fale com o
Heitor que vai precisar ficar uns dias em casa. Precisa que eu te cubra no
trabalho também?
— Não, ela volta pro estágio do hospital essa semana e em seguida
para a faculdade. Nem vamos nos esbarrar.
Ela voltaria para sua vida feita de ilusões, retornaria para seu
mundinho de luxo e hipocrisia. E eventualmente se lembraria de mim,
quando fosse até o telhado porque precisava descarregar sua raiva, no
momento em que precisasse de um “respiro”.
Como eu não percebi essa merda antes? Todos os sinais estavam ali.
Nós literalmente passávamos horas conversando no telhado, no exato lugar
em que ela ia para sair da sua bolha.
Foi muita idiotice me deixar levar pelos olhos lindos que aquela
desgraçada tinha, pela voz suave e a pele perfeita. Uma burrice sem
tamanho acreditar nas coisas legais que me disse, nas vezes em que pareceu
querer realmente ser minha. Eu nunca deveria ter esquecido de como ela de
fato era e ignorado o mundo em que vivia.
Por que diabos eu deixei chegar naquele ponto? De estar tão
apaixonado a ponto de não querer mais ninguém, de fazer todas as suas
vontades e de abrir mão do que eu tinha prometido para mim mesmo?
Era como se eu fosse um caso perdido. Porque mesmo depois de tudo,
eu ainda a queria. Não estava sofrendo apenas pelas coisas que nós dois
tínhamos dito, por ter tido uma epifania e percebido o que era aquela
relação. Na verdade, estava quebrado porque sabia que não a teria mais.
Meu irmão me olhou e suspirou, perdendo o olhar no horizonte logo
em seguida. Talvez Felipe também estivesse preocupado do seu mais novo
relacionamento estar fadado ao fracasso. Ou talvez a patricinha dele não
fosse tão passiva quanto a minha.
Voltamos andando para a casa e Karolayne estava no portão,
conversando com Tello, que estava babando por ela.
— Ei, que carinha é essa, Pedrinho? — perguntou, fazendo um
biquinho e se pendurando nos meus ombros. — Meu Deus, garoto, achei
que tinha parado de beber.
— É, eu também — respondi, abrindo um sorrisão.
— Porra, com a gente você não bebe! — Tello resmungou.
— Ué, vamos beber agora! — respondi, como se fosse óbvio.
— Não, ele já bebeu o suficiente — Pipo afirmou, cruzando os
braços. — Agora eu vou cuidar desse bêbado.
— Posso cuidar dele — Karol sugeriu, cheia de segundas intenções.
Eu deveria comer a Karolayne. Me parecia muito inteligente curar o
meu coração partido com uma surra de boceta.
— Donatello! Já mandei subir — Rita berrou da varanda, olhando de
cara feia para Karol. Depois, enfiou a cabeça para dentro da casa. — Mike,
vai buscar seu irmão.
— Desce aí, Tortuguita 2 — gritei para o Michelangelo, gargalhando.
— Vamos pintar a Capela Sistina!
— Vai tomar no cu, Pedro! — Ele apareceu na janela e me deu o dedo
do meio.
— Mais do que já tô tomando?
Pipo riu da minha pergunta.
— Fala aí, Dona Rita! — berrei, rindo, quando vi que ela continuava
olhando para o Tello. — Cleytinho disse que vai colocar um funk nas alturas
hoje.
— Ah, mas não vai, não! — ela começou a reclamar e seu neto me
olhou, balançando a cabeça, puto por eu ter iniciado aquilo e eu gargalhei,
achando graça. — Eu vou reclamar com Rubens, ele se diz síndico dessa
espelunca, mas deixa esse abusado tocar essas músicas cheias de indecência
o dia inteiro. Tá repreendido em nome de Jesus! Isso aqui é um prédio de
família, abençoado por Deus. Onde já se viu?
— Ô, tia, você não inventa de botar essas suas músicas hoje não. —
Cleytinho apareceu na janela, olhando para cima.
— Rita, a novela vai começar! — Nossa avó também surgiu na janela
e depois olhou para baixo. — Pepeuzinho, você está aqui!
Eu olhei para cima e sorri, acenando. Observando as pessoas do meu
prédio se comunicando aos berros, em um caos que era somente nosso.
— Já subo aí — avisei. — Vou comprar uma coquinha[64] com o
Pipo.
Disse para Tello e Karolayne que já voltava e dei uma chave de
pescoço no meu irmão, andando com ele em direção à mercearia do
Rubens.
— Acho que vou dar um pulo na Karol.
— Não vai, não — afirmou, sério, tentando fugir do meu abraço.
Tirei seu boné e ele revirou os olhos, quando comecei a correr pelo
meio da rua com ele.
— Meu Deus, esqueci do quanto você fica chato bêbado.
— Não fode, pirralho! Tá chato pra caralho, hein?
— É? Você acha? Porque é assim que você é comigo quando eu bebo
demais — disse, cheio de deboche. — E não, não vou deixar você ir pra
casa da Karol. Se fizer isso, vou contar pra nossa avó e você nunca mais vai
ter paz.
— Você não faria isso.
— Não? — Arqueou uma das sobrancelhas.
— X9[65] do caralho.
— É! Sossega esse cu, as coisas vão melhorar, Pepeu. Essa semana
você fez aquela tatuagem irada da Medusa naquele cara e a edição está
ficando muito boa... Ainda vai demorar um pouco, mas tô sentindo que o
vídeo vai dar bom — comentou e depois se virou para o amigo quando
chegamos no balcão. — Fala aí, Arthur... Me vê uma Coca!
Ele fez um sinal positivo e se afastou.
— Vou pintar o meu cabelo — decretei, por fim, depois de me olhar
no espelho. — E não acredito que o Rubens te demitiu e deixou esse lerdo
aqui.
— Fala aí, Pedro! — Ele apareceu logo depois com a bebida. —
Como estão as coisas lá no condomínio dos ricaços?
— Uma merda — respondi, puto. — Ninguém ali presta. Já te falei
para ficar longe de mulheres ricas? Porque você deveria. Não segue o idiota
do meu irmão aqui...
— Ai, caralho! — Pipo bufou, passando as mãos no rosto, sem
paciência.
— Não, Arthur, vamos conversar.
— Pepeu, bebe essa merda porque você precisa meter um açúcar pra
dentro — pediu, empurrando a garrafinha nas minhas mãos.
— Quer um canudo? — Arthur perguntou.
— Não ofereça canudos pros outros, Arthurzinho. Muito menos se
forem rosas. Você tenta ser legal e sabe o que acontece? Pisam em você.
— Tá certo. — Ele riu, um pouco confuso.
Como ele não via o problema daquilo?
— Tô mesmo! — Bati no balcão e depois apontei o dedo para Felipe,
de uma forma ameaçadora.
Ele era meu irmão, ele precisava entender!
— E você presta bem atenção, porque aquela patricinha também gosta
de canudos rosas. E sabe o que acontece com pessoas que gostam de
canudos rosas?
— Elas pisam em você? — indagou, abafando uma risada.
— Sim, porra! Exatamente isso. — Segurei seu rosto com as duas
mãos. — Escuta seu irmão mais velho, Pipo. Essa aí é outra furada.
— Pode deixar que eu sei me virar, Pepeu.
Ele não sabia de porra nenhuma. Acabaria com o coração quebrado
como eu. Porque Felipe era bom demais para acreditar em todos que fossem
minimamente simpáticos com ele e uma coisa que ele não entendia era que
aquelas pessoas não estavam nem aí para nós.
Meu irmão jamais entenderia que os ricos não nos viam como gente.
Que na realidade éramos invisíveis, uma escada que eles usavam para
alcançar as coisas que desejavam. Nós não passávamos de um palanque,
prontos para sermos pisoteados por eles.
Você nunca vai estar sozinho
De agora em diante
Mesmo que você pense em desistir
Eu não vou deixá-lo cair
Você nunca vai estar sozinho
Vou te abraçar até a dor passar
:: NEVER GONNA BE ALONE – NICKELBACK ::

LARISSA ALBERTELLI

Odiava o hospital e toda a rotina que vinha com ele. A única parte que
me reconfortava era saber como estava indo o projeto em parceria com o
SUS e ter a certeza de que aquelas pessoas poderiam ter um atendimento
melhor. De resto, o que sobrava eram as fofocas dos médicos e enfermeiros,
o sofrimento dos pacientes e toda aquela babação de ovo por conta do meu
sobrenome.
Estava de saco cheio de Gregório também, porque eu o confrontei
sobre o apelido e ele chorou, alegando que no início era uma brincadeira.
Afirmou que era um imbecil, mas que como eu tinha gostado do apelido,
continuou me chamando daquele jeito.
Não que aquilo fizesse mais alguma diferença na minha vida,
esperava qualquer coisa dele, mas estava insuportável tê-lo atrás de mim
querendo se desculpar. A única parte boa era a infinidade de chocolates que
ele trazia, porque estava na merda desde o dia em que eu e Pedro tínhamos
brigado, uma semana atrás. Tentei mandar algumas mensagens no seu
celular, mas não foi uma surpresa perceber que fui bloqueada.
Ele não tinha voltado para a casa do Heitor, aparentemente Felipe o
tinha substituído e agora estava cuidando do Pato, bem a contragosto. Já
tinha ouvido alguns dos seus berros pela casa, xingando o macaco por ter
roubado seu boné ou algo parecido. E como se não bastasse, a coisa mais
bizarra de todas aconteceu: minha melhor amiga estava em um
relacionamento com ele.
Tudo bem que era um namoro falso, como ela mesma tinha admitido,
mas ainda assim...
Eu invejava Lavínia e como ela se impunha. Sabia muito bem que
seus pais eram demônios encarnados em pessoas e mesmo que tentassem
fazer da sua vida um inferno, ela batia de frente.
Minha amiga era muito diferente de mim, mesmo que nossas
realidades fossem semelhantes. Nunca teria coragem para enfrentar os pais
que ela tinha, mal conseguia fazer isso com Muriel, que deveria pertencer
ao mesmo clã de criaturas sombrias.
Coragem.
A palavra ecoou na minha cabeça.
É, talvez ele estivesse certo.
Eu era covarde. Uma covarde de merda.
Não era como os meus pais, nunca seria.
Engoli em seco, tentando suprimir a vontade de chorar, que começava
a me rondar. Era só o que eu fazia agora.
Sentia falta dele e do jeito como me olhava. Sentia falta dos beijos,
das conversas, de poder ser eu mesma na sua frente. Sentia falta de ser
chamada de 190, dos carinhos, das risadas e até mesmo de como ele me
irritava.
Suspirei, brincando com a minha salada, incapaz de comer qualquer
coisa. Sobressaltei quando meu celular tocou e meu coração disparou ao ver
o nome dele na tela. Minhas mãos começaram a tremer, a euforia tomou
conta do meu corpo por completo e minha respiração se tornou uma
bagunça ridícula.
Acho que eu estava hiperventilando.
Atendi a ligação, tentando me manter equilibrada, mas tudo se
quebrou quando sua voz saiu desesperada do outro lado da linha.
— Larissa, eu preciso da sua ajuda — foi só o que disse.
— O que aconteceu?
— Eu não sei mais o que fazer!
Seu tom estava embargado, ele com certeza havia chorado.
— Minha avó está passando mal, nós trouxemos ela na UPA, mas a
máquina de tomografia está quebrada e esses filhos da puta não fazem
nada! — ele pareceu gritar, furioso, para alguém que estava perto ouvir.
Puxei o ar para conter minha respiração. Pedro já estava surtando, eu
não podia seguir pelo mesmo caminho. Ele cuidou de mim nas vezes que
precisei, se manteve forte quando eu estava desabando. Era o mínimo que
eu deveria fazer por ele, controlar a porra do meu desespero.
— Vou resolver — afirmei, sem nem saber o que faria. — Me manda
sua localização, te ligo daqui a pouco.
Ele não questionou, apenas agradeceu, como se acreditasse em mim.
E eu saí correndo igual uma destrambelhada sem nem me importar se
pareceria uma louca. Passei por meia dúzia de médicos que me olharam
cheios de julgamento e quando finalmente cheguei na sala do meu pai, meu
coração estava prestes a sair pela boca.
— Seu pai está em uma reunião — a secretária dele disse.
— É urgente — avisei, passando por ela e entrando na sala.
— Lari... — Ele me encarou um pouco surpreso e indicou com a
cabeça para as pessoas sentadas na mesa, mostrando-me que não estávamos
sozinhos.
— Preciso falar com você — deixei claro, mantendo meu tom firme
para que ele não me pedisse para sair. — Agora, pai.
Gregório se mexeu na cadeira e só naquele momento eu percebi que
ele estava na sala. Ele me olhou confuso, mas mantive meu olhar fixo na
única pessoa com quem queria falar.
— Podem nos dar licença? — meu pai pediu de maneira cordial. —
Terminamos essa reunião mais tarde...
— Eu acho que tenho uma cirurgia... — Gregório começou a dizer,
mas se interrompeu na hora que o fuzilei com o olhar e imediatamente
começou a pegar os cadernos em cima da mesa.
Apertei a cadeira na minha frente enquanto esperava os funcionários
saírem do cômodo. A ansiedade estava corroendo minhas beiradas e tudo o
que eu tinha vontade de fazer era gritar com aqueles médicos lerdos para
que saíssem logo dali.
— Está tudo bem? Por que está assim? — indagou, preocupado,
aproximando-se um pouco mais. — O que aconteceu pra você interromper
minha reunião desse jeito?
— Pai, eu preciso que você mande uma ambulância para buscar a avó
do Pedro.
Seu rosto se retorceu em uma careta.
— Quem é Pedro?
— O Pedro, que trabalha no condomínio. A avó dele passou mal, está
na UPA, mas não tem máquina e simplesmente não estão dando a devida
atenção — disparei, quase atropelando as palavras, mexendo minhas mãos
de forma frenética.
— Filha... — Meu pai segurou meu rosto com carinho. — Sei que
você se importa com as pessoas mais humildes, mas não podemos sair
acolhendo qualquer um...
— Ele não é qualquer um — afirmei, franzindo o cenho.
— Você não precisa se importar com os funcionários, isso é uma
responsabilidade do condomínio e tenho certeza de que vão dar o suporte
necessário para o rapaz.
— Pai! — gritei, furiosa. — Eu me importo com ele!
Não consegui conter a lágrima que escapou. Estava prestes a desabar
ali mesmo. Meu pai limpou a garganta e me deu um olhar longo, quase
como se estivesse tentando ver através de mim.
— Esse garoto é importante pra você?
— Ele é a única pessoa importante pra mim — confessei com a voz
trêmula.
— Certo — foi só o que ele disse, indo até sua mesa e tirando o
telefone do gancho. — Renata, manda agora uma ambulância para... — eu
entreguei o meu celular com a localização e ele repetiu para a secretária. —
Nome de...
— Dea Oliveira — murmurei e ele repetiu.
— E prepare um quarto na ala presidencial do hospital, eu estou
descendo para deixar a equipe de sobreaviso.
Ele desligou e me encarou por alguns segundos. Sabia bem que havia
uma imensidão de perguntas na cabeça do meu pai, mas ele não as fez,
guardou para si e apenas me certificou:
— Fica tranquila, vamos resolver.
Mandei uma mensagem para o Pedro, avisando que a ambulância
estava a caminho e segui o meu pai pelo hospital enquanto ele fazia
algumas ligações, mobilizando Deus e o mundo para fazer o que eu tinha
pedido.
Como? Como eu poderia não ser grata pela família que eu tinha?
Não demorou muito para que eles chegassem e na mesma hora em
que isso aconteceu, a equipe a direcionou para uma triagem, mantendo-a
deitada na maca.
Pedro desceu do veículo e eu suspirei. Ele vestia o típico moletom
preto e agora seu cabelo tinha voltado para a cor natural, castanho. Nossos
olhares se cruzaram e finalmente me senti inteira depois de tantos dias
incompleta.
Meio que corri ao seu encontro e quando cheguei, não consegui me
conter e o abracei. Seu rosto se afundou no meu pescoço e eu fiz o mesmo,
respirando fundo para sentir o seu cheiro. Ele sussurrou um “obrigado”
baixinho no meu ouvido e me apertou com mais força.
Estava presa na sensação do coração pulsando desenfreadamente
contra o meu peito, do calor da sua respiração na minha pele e do meu
cheiro preferido. Naquele momento, eu não queria que ele me soltasse
nunca mais. Tentei até mesmo ignorar o farfalhar no meu estômago, mas era
impossível.
Nos afastamos e eu vi o Felipe ao seu lado, cutucando as unhas com
os dentes, nervoso. Fui até ele e o abracei também, porque mesmo que a
gente mal se conhecesse, tinha um carinho enorme por aquele garoto.
— Obrigado por fazer isso pela vovó, Lari — ele disse, como se
estivesse prestes a chorar.
Pedro limpou o rosto com as costas das mãos e olhou para cima,
tentando conter as lágrimas. Eu conseguia ver todo o seu desespero
marcado nas expressões, no olhar. Sabia o quanto ele tinha medo de que
algo acontecesse à única pessoa que tinha cuidado dele.
— Não é nada demais — garanti. — Vamos?
Eles assentiram e os direcionei para dentro do hospital até a ala da
triagem enquanto questionava algumas coisas para os dois para entender
melhor o que tinha acontecido com ela.
— Vó, essa aqui é a Larissa, ela vai ajudar a gente — o Felipe falou
assim que chegou perto do leito em que a tinham colocado.
A mão da senhora já tinha se agarrado aos dedos dos netos e ela me
deu um sorriso simpático, quase sem forças. Eu a cumprimentei, mas logo a
enfermeira voltou, pedindo um pouco de espaço para aferir mais uma vez
sua pressão.
O médico começou a fazer diversas perguntas e eu prestei atenção em
tudo, para ver se poderia ajudar de alguma forma. Depois de examiná-la, ele
fez um exame de toque e mencionou que poderia ser o apêndice. Solicitou
uma tomografia e na mesma hora correram com ela para a sala de imagem.
— Fiquem calmos, a avó de vocês está nas mãos dos melhores
médicos… — afirmei.
— Cara, ela vomitou muito — Felipe comentou, passando a mão no
rosto. — Mal estava conseguindo ficar em pé.
— Ela teve reações parecidas um pouco antes da gente descobrir o
câncer — Pedro justificou, olhando inquieto por cima do meu ombro, por
onde ela tinha saído.
— Eu realmente acho que não é isso. Ele encostou na área do
apêndice e ela sentiu muita dor. Fiquem aqui, vou buscar uma água pra
vocês.
Senti o ar fugir de forma errada dos meus pulmões quando Pedro
segurou o meu pulso. Seu olhar parecia me implorar para não sair dali, mas
eu disse que voltava em dois minutos e ele fez um meneio com a cabeça,
concordando.
Voltei com café e água e eles agradeceram. Pipo acabou com as duas
garrafinhas, mas Pedro continuou imóvel, encostado na parede, com os
músculos tensos.
Meu pai apareceu algum tempo depois. Olhou de mim para ele e
então para o Felipe. Os cumprimentos foram rápidos e os dois tentaram
agradecer pela ajuda, mas meu pai disse que estava tudo bem e explicou
que de fato era uma apendicite e precisariam operar com urgência.
Ele fez um questionário com os meninos e o Pedro sabia literalmente
cada detalhe a respeito de tudo relacionado ao histórico médico da Dona
Dea. Na verdade, estava até mesmo com pastas e uma pilha de exames e
prontuários na mochila do Felipe.
Percebi que eles insistiram um pouco na questão do câncer e no
momento em que meu pai se afastou, pedi que fizesse um checkup geral
nela depois da cirurgia, ao menos para tranquilizar os meninos.
Nós fomos para o quarto que tinham preparado para quando ela
voltasse do centro cirúrgico. Meu pai escolheu um dos melhores e os dois se
entreolharam, chocados, assim que pisaram no cômodo.
O hospital dos meus pais tinha um conceito forte de hotelaria atrelado
à assistência médica. Nós éramos referência dentre os hospitais de luxo do
Rio de Janeiro, havia até mesmo um chef de cozinha que preparava as
refeições.
— Meu Deus, isso é um hotel? — Felipe quase gritou, examinando o
quarto. — Tem uma sala aqui, Pepeu. Caralho, é maior do que o nosso
apartamento.
— Puta merda, eu não sei como vou pagar isso — Pedro murmurou,
quase que para si mesmo.
— Você não vai pagar nada — deixei claro e quando ele abriu a boca
para contestar, eu o olhei, séria. — Não está aberto à discussão.
— Eu não posso aceitar isso, vocês vão ter custos e...
— Já disse que não é discutível.
— Larissa... — ele me chamou em repreensão.
— Sei que você não gosta que eu apareça com a minha carteira
querendo salvar o mundo como se eu fosse o Batman — respondi, cheia de
ironia e ele deu uma risada fraca. — Mas apenas me deixe fazer isso, ok?
— Isso é um hospital particular.
— Nós temos um programa em parceria com o SUS — contei e ele
franziu o cenho, sem entender. — Acho que ela vai entrar dentro das vagas.
Ela não iria. Bem, pelo menos eu não achava que fosse, afinal, o
problema da Dona Dea não tinha nada a ver com o programa. Eu tinha
pedido um favor direto para o meu pai, não por uma vaga no programa.
— Como assim?
— Nós pegamos alguns pacientes de câncer e tratamos aqui. Com o
histórico dela, vou dar um jeito de encaixá-la nas vagas, ok? Você não
precisa se preocupar com absolutamente nada.
Ele me olhou cheio de desconfiança, os lábios comprimidos e os
olhos cerrados.
— Por que eu nunca te ouvi falar disso, 190?
Meu estômago deu uma cambalhota e o calor irradiou do centro até o
meu peito, queimando absolutamente tudo no caminho. Meu Deus, como eu
sentia falta dele.
— Sei lá, Pedro — respondi baixinho. — Você tem alguns valores
enraizados e esse projeto é meu. Acho que não queria que você assumisse
que era uma forma de fazer algo para que minha consciência de garota rica
e mimada pesasse um pouco menos.
Acho que o deixei sem reação, porque seus ombros caíram na mesma
hora e ele me olhou um pouco triste.
— Não pensaria isso de você.
— Não? — Dei uma risada sem humor.
Lavínia chegou na mesma hora, mudando o foco da nossa atenção.
Correu até Felipe, abraçando-o com força e depois deu um beijo rápido na
sua boca, segurando seu rosto e cochichando alguma coisa. Franzi o cenho,
porque para um namoro de mentira, eles pareciam bem reais.
Eles conversaram baixinho e depois minha amiga veio até mim com
um olhar no rosto que claramente indicava que ela desejava explicações.
Porque é claro que não fazia sentido nenhum eu estar ali, dentro de um
quarto com os dois, quando ninguém mais sabia do meu envolvimento com
o Pedro.
Eu a puxei em um canto e informei que contaria tudo para ela mais
tarde, mas minha amiga apenas deu uma risada, olhou de mim para o Pedro
e disse que já tinha conseguido entender tudo.
É, ele estava certo ao dizer que era péssimo nisso de romance
proibido.
Os garotos ficaram algum tempo conversando baixinho no sofá. A
perna do Pedro nunca parava de balançar, seu olhar se desviando para a
porta a todo instante. Felipe não estava muito diferente, roendo as unhas e
claramente tentando se manter mais estável.
A relação deles era pura demais, como se fossem de fato ligados a um
vínculo inexistente. E era bonito ver o quanto se preocupavam um com o
outro, como buscavam minimizar as aflições e medos que sabiam ter.
Pedro saiu do quarto, alegando que precisava de um café e também
ligar para Roberval para dar notícias. Fiquei mexendo no meu celular e
ignorei todas as mensagens do Gregório perguntando onde eu estava.
— Vocês sabem que só eu estou no quarto, certo? E eu sei que o
namoro de vocês é de mentira — impliquei quando vi Lavínia e Pipo de
mãos dadas, conversando.
Os dois ficaram vermelhos, separando as mãos na mesma hora, quase
como se tivessem sidos pegos no flagra e eu ri, achando graça.
— Ah, nem vi que ele saiu — Vi mentiu, dando uma risadinha
nervosa e se levantando em direção à porta. — Estamos só treinando,
precisamos manter os personagens. Não é? A-Acho que... Ahn... Vou ao
banheiro.
Ela saiu e Felipe se acomodou mais no sofá. Apoiou as costas no
encosto e me encarou com os olhos estreitos.
— Qual é, Larissa? Está tentando estragar meu esquema?
— O que aconteceu com o Jujubinha? — indaguei, dando uma risada.
— Não é nada pessoal, só que ainda estou puto porque você partiu o
coração do Pepeu — confessou, um pouco sem graça.
— Eu não sou uma vadia sem coração, Pipo. O meu está quebrado
igual.
Ele suspirou, balançando a cabeça.
— Nunca disse isso. É só... — Ele soltou o ar novamente, cansado. —
É foda ver as coisas se repetindo. A Pilar acabou com ele.
Pilar. Esse era o nome dela.
— E sei que você não é como ela, você não estaria nos ajudando se
fosse. Ainda assim, eu não posso ser seu maior fã no momento — admitiu,
dando uma risada.
— Tudo bem. Eu também não sou minha maior fã no momento.
Dei um sorriso sem humor. Minha vontade era dizer para ele que eu
nunca tinha sido fã de mim mesma. Não gostava da versão que eu
apresentava para o mundo, apenas simpatizava com quem eu era quando
estava na presença de Pedro.
Descendo e escorregando
por toda a cascata, com voce
Minha garota de olhos castanhos
Você é minha garota de olhos castanhos.
:: BROWN EYED GIRL - GREEN DAY ::

PEDRO QUEIROZ

Aquele dia tinha sido uma montanha-russa de emoções, mas somente


quando o senhor Albertelli entrou no quarto dizendo que minha avó estava
bem e que já estava subindo, que fui capaz de sentir o oxigênio voltar para
os meus pulmões.
Minha cabeça parecia um turbilhão e até mesmo me esqueci do que
tinha acontecido no dia anterior, mas dentro de um cômodo com ele, os
pensamentos me inundaram novamente. Merda, agora a situação tinha
ficado ainda mais complicada.
Um dia antes da minha avó passar mal, eu estava cobrindo um dos
caras no restaurante em que o pai dela estava almoçando com dois
empresários. Em algum momento, o senhor Albertelli saiu da mesa e
atendeu uma ligação, cochichando algo sobre Iolanda estar pedindo por
mais dinheiro e mandando a pessoa do outro lado da linha dar um jeito
porque a mulher não parava de ligar de números diferentes e ele estava em
reunião.
Iolanda.
Senti um martelo acertar meu cérebro na mesma hora. Aquele era o
nome da mãe biológica dela, não era?
Passei as mãos no rosto e tentei vasculhar as minhas memórias. Não
tinha cem porcento de certeza se aquele era mesmo o nome da mãe da
Larissa, porque ela só a mencionou duas vezes, mas um sentimento
estranho queimou dentro de mim e meu instinto gritou que era.
Disquei o seu número várias vezes na noite anterior, mas desisti, sem
saber qual era a melhor forma de dar a notícia. Na real, nem sabia ao certo
se aquilo era uma notícia!
Acabei decidindo não contar nada naquele momento, estava
preocupado com a possibilidade de estar confundindo os nomes, então achei
melhor pensar um pouco antes de fazer alguma merda.
E então, minha avó passou mal.
Tinha certeza que o pai dela não havia notado minha presença e foi
algo rápido demais, mas pelo jeito como estava me encarando, cheguei a
me questionar se ele sabia.
O homem me olhava de uma maneira diferente, um pouco cabreiro,
quase como se estivesse tentando ler meus pensamentos. Eventualmente,
seu olhar se desviava para o meu irmão e eu tinha certeza de que ele estava
tentando entender o motivo da sua filha querer nos ajudar.
Será que ele achava que os pobres estavam chantageando a
patricinha?
Será que sabia que eu tinha ouvido?
Não, eu estava louco. A forma como estava me olhando era apenas
por conta da sua filha, por não saber o que diabos estava acontecendo ali.
Eu era a porra do funcionário do condomínio e ela a herdeira de todo seu
império, claro que aquele homem estaria confuso por Larissa me ajudar.
— Senhor Albertelli, obrigado de verdade por toda ajuda. Eu e meu
irmão não sabemos como agradecer — comecei a dizer e Felipe balançou a
cabeça em concordância, praticamente repetindo minhas palavras.
— Fiquem tranquilos, ela vai ficar bem — assegurou, sempre muito
educado. — E a Lari me falou sobre o histórico da avó de vocês, vamos
fazer uma bateria de exames e realizar um PET Scan[66] para eliminar
qualquer preocupação. Já faz um bom tempo que ela não faz um exame
mais completo.
— A fila está gigante — Pipo explicou.
— Sim, sei como é, a gente atende alguns pacientes do SUS por aqui.
Entendemos como o sistema de saúde pública ajuda as pessoas, mas existe
muito a ser melhorado, principalmente em relação à gestão. Enfim, é
complexo e perderíamos horas discutindo sobre. — Ele deu uma risada
fraca e se virou para a filha. — Se precisar de qualquer coisa, só me ligar.
Ele deixou o quarto dizendo que voltaria mais tarde porque entraria
em outra cirurgia em alguns minutos. Na mesma hora, os enfermeiros
entraram com uma maca e Larissa e Lavínia saíram para nos dar um pouco
de privacidade, alegando que ficariam pela área comum perto dos quartos.
Os homens a colocaram na cama que deveria ser o preço de um carro
zero e ela sorriu para nós, um pouco grogue, soltando alguns gemidinhos de
dor conforme tentava se movimentar um pouco.
Ela estava bem fraquinha e fomos até a beira da cama para que ela
não precisasse fazer muito esforço para falar. Odiava vê-la assim, todas as
memórias ruins da época da doença inundavam minha cabeça e eu ficava na
merda.
— E aí, Dona Dea? — Pipo falou assim que ela deu uma tossidinha.
— Pronta pra outra?
— Gente, parece que eu renasci! E o que é isso, minha Nossa
Senhora? — Ela examinou o quarto, horrorizada. — Estamos em um hotel?
— Fica tranquila, apenas descansa. Eu e Pipo estamos cuidando de
tudo e em breve vamos pra casa.
— Nem faço questão — brincou e nós demos uma risada.
— Faz sim, sua santa grávida vai sentir sua falta — ele zombou.
— Mais respeito com a santa, Felipe!
— Ué, mas ela está gravida mesmo — respondi, como se fosse óbvio
e recebi um olhar de cara feia.
Eu estava tendo pensamentos com aquilo desde que meu irmão tinha
me ligado para contar sobre a nova imagem da Vó Dea, uns dias depois que
trepei com a Larissa a primeira vez sem camisinha. Ele tinha criado toda
uma teoria a respeito dela. Sério, chegava a ser mirabolante, vocês teriam
que ler o livro da vida dele para entender o que se passava naquela
cabecinha.
— Estou com sede — ela resmungou. — E com sono.
— Você não pode beber nada por enquanto, vó.
— Tenta dormir um pouco — Pipo sugeriu.
Pipo foi com Lavínia em casa buscar algumas roupas para mim,
porque ele tinha uma competição no dia seguinte. Meu irmão sabia que eu
era mais desesperado e gostava de controlar toda essa dinâmica de hospital.
Não precisei de muito para convencê-lo a me deixar ficar. Eu me sentia
mais seguro no hospital por causa dos meus medos, já ele, queria distância
daquele lugar, por toda a raiva que sentia.
Vovó Dea apagou algum tempo depois e Larissa ligou para o
restaurante e pediu algo para comermos. Fiquei horrorizado quando os
pratos chegaram, tão sofisticados quanto os do restaurante do clube.
Eu estava dentro de um hospital comendo salmão com crosta de
gergelim e brotinhos de feijão em cima. Mandei uma foto para Felipe e ele
respondeu me xingando e dizendo que queria trocar de lugar. Em seguida,
mandou uma figurinha do Jogos Vorazes com a Katniss Everdeen dizendo
“I volunteer as tribute”[67].
Mostrei a tela para Larissa e sua risada ricocheteou pelo cômodo e
cravou no meu peito, irradiando o típico calor por ele. Porra, como eu sentia
falta dela.
Nós conversamos um pouco sobre assuntos aleatórios, mas era como
se estivéssemos pisando em ovos. Ela explicou um pouco mais sobre como
seria o pós-operatório e depois avisou que precisava falar com seu pai.
Larissa voltou quase uma hora depois. Eu estava na área comum,
encostado em uma parede, assoprando o chocolate quente que tinha pegado
da máquina.
— Como ela está? — perguntou, encostando ao meu lado.
— Apagada. Quer?
Ofereci o copinho para ela, que negou com a cabeça, mostrando o
pacotinho de jujubas nas mãos. Deu uma risada e esticou para mim.
— Não, obrigado. — Não queria comer as balinhas que tinham o
gosto do beijo dela, já estava fodido o suficiente.
Merda, eu precisava conversar com ela. Como caralhos eu falaria
sobre o que tinha ouvido? Aquele não parecia um momento oportuno. Nem
sabia como ela iria reagir. E se fosse realmente a mãe dela? Aquilo
significava que ela estava viva, certo? Que os pais dela tinham mentido.
Que inferno do caralho!
Fui até o lixo e descartei o copinho vazio depois de beber todo seu
conteúdo.
— Você não precisa ficar — falei, parando na sua frente.
Seus olhos encontraram os meus e puxei uma respiração profunda
pelo nariz, forçando todos aqueles sentimentos para longe. Era ridículo o
quanto eu era fraco.
— Eu quero ficar.
— Está aqui o dia inteiro.
— Não me importo — afirmou, sem quebrar o contato visual. —
Pode me responder uma coisa?
— Sim.
— Quando eu te disse que ia resolver... — Ela fez uma pausa e sorriu.
— Até agora não acredito que nem me perguntou o que eu faria.
Joguei a cabeça para trás, rindo também.
— Eu imaginei que você tinha um plano. E se ele não desse certo,
tinha chances de você aparecer no meio do SUS com seu canivete,
ameaçando Deus e o mundo. Na verdade, eu acho que contava com isso.
— Me parece algo que eu faria — respondeu, satisfeita.
“Me parece algo que a minha garota faria”, pensei, sentindo todo o
peso no meu estômago. Categorizei mais um dos sorrisos que ela deu no
meu vasto acervo. Já era difícil tentar congelar minhas emoções longe, mas
com ela assim tão perto se tornava insuportável. Larissa derretia tudo ao
meu redor.
— Não sei o que fazer para te agradecer.
— Você poderia não me odiar — sugeriu, prendendo o lábio inferior
entre os dentes.
Todo meu foco se direcionou para eles, se soltando quase em câmera
lenta. Eu era completamente fascinado pela sua boca e em menos de um
segundo, eu me esqueci de tudo. Segurei seu pescoço e parte do rosto,
deslizando o polegar por sua mandíbula. Analisei o meu movimento,
deixando que a névoa que a rondava emaranhasse no meu cérebro.
— Acha que eu te odeio?
— Sim.
Ela piscou devagar, os lábios levemente abertos.
Deus, eles estavam implorando.
— Eu não conseguiria te odiar mesmo se tentasse demais, 190.
Segurei seu rosto com as duas mãos e colei a minha boca na dela,
beijando-a devagar, louco para sentir cada uma das sensações mais uma
vez. Eu não tive pressa e me permiti me perder na sua língua quente,
engolindo seus suspiros até que sua respiração e a minha fossem apenas
uma.
— Porra, como eu senti sua falta — sussurrei, entre os beijos.
— Eu também — ofegou. — Mas... E-eu acho que precisamos
conversar...
Ela me afastou um pouco e eu encostei a testa na dela, completamente
atraído pelos lábios molhados, não querendo desgrudar deles.
— Não, não precisamos.
— Pepeu... — chamou baixinho e eu fechei os olhos, respirando
fundo.
A verdade é que eu gostava de como Larissa pronunciava o meu
apelido e era foda porque parecia certo pra caralho. Não a corrigi dessa vez,
não tinha forças para afastá-la quando sabia que era o que ela desejava.
— Por que está aqui comigo, 190? — perguntei, olhando no fundo
dos seus olhos.
— Porque me importo. Porque mesmo que você não acredite, eu
também sou completamente apaixonada por você. E eu sempre vou ser sua,
não importa o que aconteça.
O ar fugiu dos meus pulmões. Os músculos enrijeceram. O coração
martelou ininterruptamente contra minhas costelas.
— E no momento eu não posso jogar toda a minha vida pro alto. E eu
sei que isso não é o bastante pra você, mas...
— Larissa? — eu a interrompi e ela comprimiu os lábios. — É o
bastante por agora.
Então eu a beijei mais uma vez.
E não só por precisar desesperadamente dela, mas também porque a
necessidade era maior que a minha dor.
Sei que ele até se esforça
Mas pra ela eu sou perfeito
Formado e bem sucedido
Mas fui eu que fiz direito
Sempre será o segundo
Porque dela eu sou o primeiro
:: DESENCANE – STRIKE ::

PEDRO QUEIROZ

O quarto em que estávamos era gigante e dividido em dois espaços.


Larissa avisou que ficaria na sala ao lado para que minha avó tivesse mais
privacidade e eu acabei dormindo no sofá-cama ao lado da maca,
preocupado que ela precisasse de alguma ajuda.
Os enfermeiros entraram a noite inteira e ela resmungou bastante de
dor e sede nos momentos em que estava acordada, porque os médicos ainda
não tinham liberado que tomasse água.
Dona Dea fez uma infinidade de perguntas para Larissa quando ela
acordou e as duas conversaram bastante. O fôlego da velhinha ficou a mil
quando a minha patricinha mencionou uma viagem que fez até a Terra
Santa e quis saber tudo o que ela tinha visto. Nem parecia que tinha sido
operada e estava fazendo drama uns minutos antes.
Depois avisou que iria dormir e nós fomos tomar café na sala ao lado
enquanto entrávamos em uma discussão sobre qual era o melhor episódio
de Halloween de Brooklyn 99, a maldita série que ela tinha me viciado.
Larissa disse que precisaria passar em casa e Pipo me ligou algum
tempo depois dizendo que tinha ganhado a competição e que me renderia
hoje no hospital. Tentei argumentar que não tinha necessidade, que poderia
ficar lá, mas ele lembrou que eu tinha um emprego.
Roberval tinha sido legal. Ele normalmente não era, mas eu não
costumava faltar e sempre cobria quando precisavam de pessoal. Além
disso, o Heitor gostava de mim e ele que não iria querer parecer um babaca
insensível se existia a chance de eu comentar algo.
Ainda assim, achei válido dar um pulo no condomínio, levar o
atestado que tinham dado para minha avó e checar se estava tudo bem com
Pato. Heitor mandou diversas mensagens preocupado, afirmando que se eu
precisasse de qualquer coisa, era só pedir. Falou também que pediria para a
moça que trabalhava lá deixar comida para o Pato, que eu não tinha que me
preocupar com nada além da Dona Dea.
Quando eu estava saindo do hospital, uma Mercedes preta parou na
minha frente e eu suspirei, irritado, já sabendo quem estava dentro.
— E aí, Pedro? Fiquei a par do que aconteceu com sua avó — ele
disse, com um falso pesar. — Sinto muito.
Sentia porra nenhuma.
— Obrigado — respondi, um meio sorriso falso estampado nos
lábios.
— Só achei muito estranho ela ter se internado logo aqui. Sem querer
parecer um babaca, mas sabemos que com o seu salário do clube, você não
consegue nem pagar um exame de sangue aqui.
Respirei fundo, apertando os dedos nas mãos e ele observou o
movimento, divertindo-se um pouco.
— É, tenho sorte da Larissa gostar de mim.
Que se foda!
Suas expressões se fecharam na mesma hora e uma risada sem humor
escapou dos seus lábios. Ele apertou os dedos no volante, os nós ficando
brancos.
— Minha namorada é muito boa mesmo, gosta de cuidar dos menos
favorecidos.
Filho da puta do caralho.
A palavra “namorada” atingiu minha pele como um ferro em brasa.
Puxei mais uma respiração, tentando me controlar, porque minha vontade
era socar aquela cara desde o dia em que o vi a primeira vez, mas o desejo
só se tornou latente no segundo em que soube que havia machucado
Larissa.
— Estive pensando em uma forma de ajudar também...
— Não preciso da sua ajuda.
— Calma, cara. Você nem ouviu minha proposta. — Ele deu uma
risada. — Eu luto com alguns dos moleques em um clube, estamos sempre
procurando adversários e pagamos um bom dinheiro por isso.
Não, aquilo não podia ser real.
Será que era um milagre da santa grávida?
— Quer me pagar para lutar com você?
— Sim, mas você precisa saber que é uma coisa meio sem regras... —
explicou, tentando soar como uma pessoa muito correta. — Por isso, nós
pagamos um bom valor. Sabe como é, as vezes os caras precisam de alguns
pontos...
E deu uma risadinha debochada, a mesma que eu dei em pensamento,
mas escondi com um balançar de cabeça, afirmando que entendia.
O filho da puta queria me fazer de saco de pancadas. Provavelmente
estava puto porque ela tinha me ajudado e agora estava buscando uma
forma de me bater sem que eu fosse até a polícia depois.
Eu disse que ricos são uns filhos da puta, não disse? Já tinha ouvido
um dos seus amigos conversando com um cara que pegou a namorada com
outro e sugerindo que eles espancassem o homem. Quando o corno disse
que não, porque não desejava receber um processo, o Cadu explicou sobre o
clube.
E claro que ele pensou em fazer o mesmo comigo. O idiota só não
sabia que eu era faixa preta em jiu-jitsu e eventualmente treinava boxe. Não
podia deixar aquela oportunidade passar. Era quase como se o universo
estivesse me dando um presente! Quem joga fora um presente de Deus?
— Quanto vocês pagam? — perguntei, fingindo estar ponderando e
ele abriu um sorriso largo.
— Cinco.
Cinco mil, porra?
— Dez — falei, sabendo que ele pagaria.
— Certo. — Ele sorriu novamente, puxando um bloquinho e
anotando um endereço. — Esteja lá hoje, às dez horas da noite. A senha
para entrar no clube está no papel.
Que se foda, ia tirar o máximo de dinheiro daquele pau no cu e ainda
ia enfiar a porrada no escroto.
Ele não gostava de machucar as pessoas?
Eu iria fazer o mesmo com ele.

Contei para o meu irmão para avisar onde estaria naquela noite, caso
desse alguma merda. Ele disse que nem fodendo me deixaria ir sozinho e na
mesma hora deu um jeito de pedir para a Rita ficar com nossa avó no
hospital.
Não curti muito a ideia, mas Vovó Dea achou o máximo, afirmando
que sua amiga ficaria louca naquele lugar. Ela estava agindo como se
estivesse em um hotel, de férias, alegando que Rita precisava de um
descanso dos gêmeos.
Descanso. No hospital.
Aquelas velhinhas eram fodas!
Tudo bem que havia uma televisão gigante, comidas chiques, um
iPad acoplado na cama, tudo dentro de um quarto que era maior que nossa
casa, mas agir como se fosse uma colônia de férias era de foder.
Pipo tinha pedido o carro emprestado da Lavínia e acreditem, ele
chegou a cogitar fazer uma camisa com o meu rosto para usar.
Sinceramente, não sabia o que Felipe tinha na cabeça, na moral.
Imagina chegar no lugar onde aconteciam lutas clandestinas como se
estivéssemos em uma torcida do Big Brother Brasil?
Nós estacionamos ao lado de uma boate no final da Barra da Tijuca,
mas havia uma observação no papel que dizia: “entrada dos fundos”.
— Porra, tô me sentindo num filme! — Pipo comentou, animado.
— Daqueles que os mocinhos morrem?
— Não, idiota. Daqueles que os mocinhos metem a porrada em todo
mundo.
— Como se você fosse meter a porrada em alguém — falei, rindo.
— Eu não. É pra isso que tenho você. — Gargalhou e depois ficou
pensativo. — Se bem que... Isso aqui é ilegal, certeza que não dá merda
com a polícia. Saudades de bater em uns babacas sem ter a preocupação de
foder meu futuro que já é certo.
— Meu Deus, é insuportável o quanto você se acha!
— Eu me acho porque sou foda. Só me falta dinheiro, porque talento
eu tenho de sobra.
Eu o olhei perplexo e balancei a cabeça em uma negativa, sem
acreditar no tamanho daquele ego.
— É mentira? — Não respondi e ele correu na minha frente, rindo. —
É? É mentira?
— Não, Pipo. Chato pra caralho. Eu, hein?!
— Vou arrumar alguém pra socar hoje também.
— Não inventa merda, caralho. Vai socar ninguém, porra. Vai ficar
quietinho no banco com essa sua cara de sonso aí que você faz toda vez que
eu vou bater em alguém.
— Que babaca! Sou eu que te aviso quando está na hora de correr.
— Isso aconteceu uma vez! Uma vez! — respondi, irritado,
lembrando da única briga que eu arreguei.
Sabia que iria perder porque era contra cinco caras gigantes. Se
fossem três... Talvez até quatro. Mas cinco? Não dava para arriscar.
Soltei o ar, puto, ajeitei o boné e bati na porta, vendo uma pequena
fresta se abrir, revelando o olho de uma mulher.
— Senha?
— Inferno? — Fiz uma careta quando li o papel, mas a porta se abriu
logo em seguida.
Fomos entrando no lugar e aos poucos, o som de música alta e vozes
animadas começaram a encher meus ouvidos. Andei a passos firmes, meu
coração batendo forte no peito enquanto Pipo só faltava pular com tanta
agitação.
Nossas bocas se entreabriram quando cruzamos o corredor de entrada
e descemos a escada, vendo um novo universo diante de nós. Aquela porra
era como uma espécie de submundo.
Meus olhos levaram alguns segundos para se ajustar à luz forte do
ambiente. Era tanta informação que nem conseguia processar direito. Um
tipo de galpão gigante e luxuoso, com áreas reservadas e minirringues. No
meio, no local mais iluminado, havia uma arena muito maior, com grades
escuras.
As pessoas lutavam nas menores enquanto as demais torciam,
gritando seus nomes e fazendo apostas. Havia um painel gigante com
divisões e nomes esquisitos e quem estava liderando o maior deles era
alguém chamado Quimeras Flamejantes.
Certeza que era um viciado em Harry Potter.
Conforme fomos caminhando, percebi que na verdade existiam
grupos, como, sei lá, clubes. As pessoas usavam camisas, moletons e
jaquetas e olhavam seus “adversários” com ódio.
Que porra era aquela?
— Viu? Eu deveria ter feito uma camiseta pra você — Pipo
cochichou quando uma gostosa passou vestindo um cropped escrito Viúvas
Negras.
— Cala a boca, Pipo!
Havia um camarote superior com umas três poltronas vermelhas de
couro que estavam vazias. Ainda estava examinando o local quando as
luzes se apagaram e eu segurei no braço do meu irmão, assustado, pensando
que íamos morrer. Então, uma voz grossa ecoou pelo espaço:
— Boa noite, senhoras e senhores. Bem-vindos a mais uma noite no
Hell Fight[68].
— Porra, a gente tá realmente dentro de um filme! — Pipo
comemorou, animado, praticamente pulando em cima de mim quando as
luzes acenderam, dando um foco maior no ringue principal.
Muitos se direcionaram para a arena maior e nós fomos meio que
carregados pela multidão. Não fazia ideia de onde estava o Gregório, mas
também não iria achar naquele momento, então nós ficamos assistindo a
luta.
Ela não durou muito, o cara que começou a disputa com uma
camiseta do Quimeras Flamejantes apagou em cinco minutos o adversário
que tinha uma tatuagem gigante no peito escrito Filhos dos Falcões.
A plateia começou a se dissipar, voltando para seus locais de origens
e então eu o vi, caminhando na minha direção com os babacas do
condomínio.
— E aí? — ele cumprimentou, cruzando os braços quando chegou
perto de mim. Olhou para o Felipe de cima a baixo com uma expressão de
nojo.
Fechei minhas expressões, trancando o maxilar. Coloquei minhas
mãos no moletom e ajeitei a postura, fazendo um meneio com a cabeça e
olhando-o da mesma forma. Ele queria me colocar medo? Quase dei uma
risada. Eu era muito mais intimidante do que um almofadinha de merda que
estava usando uma camiseta da Lacoste.
— Onde vamos lutar? — perguntei.
— No ringue dos Falcões — respondeu, apontando com a cabeça para
o lado.
— E o que estamos esperando?
— Está com pressa pra tomar porrada, GBR? — Cadu perguntou,
rindo de forma debochada.
— Só quero acabar logo com isso e pegar meu dinheiro. Falando
nisso... Como faremos?
Ele digitou alguma coisa no celular e mandou que eu colocasse meu
PIX, me direcionando para o local indicado logo em seguida. Felipe estava
de cara fechada, olhando cheio de ódio para os amigos do Gregório.
Aparentemente, o babaca já tinha deixado tudo esquematizado e
algumas pessoas começaram a se aproximar quando começamos a tirar
nossas roupas. Notei uma morena de olhos verdes rondando o ringue e
quando alguém percebeu sua presença, toda a atenção se voltou para ela. A
garota tinha duas tranças, vestia um top com o moletom por cima e
emblema de uma Quimera bordado no peito.
— Precisa de luvas? — um dos caras perguntou quando se aproximou
de mim.
— Não, eu trouxe as minhas.
Tirei meu moletom e a calça, ficando apenas com a bermuda que
costumava usar para treino. Fiz um alongamento rápido, sentindo toda a
adrenalina correr pelas minhas veias. Passei os olhos pelo local, as pessoas
estavam começando a se agitar à nossa volta, loucas por um show. O som
da música era abafado pelo falatório, os gritos e os barulhos de socos e
chutes nas pequenas arenas ao lado. Havia alguém fumando Gudang e eu
me perguntei se Larissa me odiaria pelo que eu estava prestes a fazer.
Ela tinha resolvido o problema, mas eu queria finalizá-lo de vez.
Um árbitro se colocou entre nós dois e eu o fuzilei com os olhos,
apertando o meu maxilar enquanto fazia o mesmo com o meu punho.
Gregório era um pouco mais alto do que eu e também tinha um bom físico,
mas aquilo não me preocupava nem um pouco.
Ele manteve os olhos fixos em mim e eu fiz o mesmo, controlando
minha respiração e eliminando a raiva do meu sistema por alguns minutos.
Eu sabia que em uma luta, a batalha mental era a mais importante e nada
podia me desconcentrar.
As “regras” foram explicadas, mas basicamente só havia uma: parar
quando o adversário batesse com uma das mãos no chão ou gritasse para
parar.
Ah, ele definitivamente gritaria quando eu acabasse.
Dei um passo à frente e ele fez o mesmo. O homem ainda estava com
uma das mãos entre nós e Gregório me encarou cheio de ódio. Nós nos
cumprimentamos e recuamos logo em seguida.
— Hoje eu vou te colocar no seu lugar, GBR — falou entredentes. —
E você nunca mais vai chegar perto da minha mulher.
Ele avançou com um soco, mas eu esquivei, dando uma batida fraca
em sua cabeça, como se fosse um dos meus alunos.
— Minha mulher — eu o corrigi, dando um sorrisinho de escárnio.
— Sua? — Ele riu. — Ela nunca te levaria a sério, você não passa de
um favelado fodido que vai passar os restos dos dias lavando copos.
Fui para cima dele, acertando um soco com toda a força em seu
abdômen, o som seguido pelo grito de dor ecoou pelo galpão enquanto ele
se contorcia de dor, tentando se manter em pé.
Dei uma volta pela arena, observando-o até que ele corresse na minha
direção, revoltado. Deixei que ele me acertasse uma das vezes porque sabia
que isso faria com que seu ego gritasse mais alto. Nem liguei para a
ardência do provável corte no meu supercílio. Nós prosseguimos trocando
alguns golpes mais violentos e as pessoas ao nosso redor berravam,
vibrando a cada soco ou chute que dávamos um no outro.
Não teria graça acabar com ele tão rápido. Agora eu estava me
divertindo, vendo-o ficar desesperado ao perceber que eu sabia o que estava
fazendo.
Estudei seus movimentos, tentando encontrar uma abertura. Notei que
Gregório tinha uma falha em sua defesa, mantendo sua mão direita baixa,
como se estivesse se protegendo de um golpe no corpo que eu havia dado.
Avancei, fingindo um chute na perna e desferi um upper[69] que
passou pela sua guarda, acertando em cheio o queixo do arrombado,
fazendo-o urrar de dor. Abri um sorriso e deixei meus olhos correrem pelos
espectadores e minha visão ficou levemente prejudicada pelas luzes
coloridas que piscavam em intervalos regulares.
Nesse momento, ele veio para cima de mim e mesmo desviando para
o lado, seu soco atingiu meu rosto com força. Umedeci os lábios, sentindo o
gosto metálico de sangue na minha boca, o que fez com que minha irritação
crescesse um pouco mais.
Desferi mais algumas sequências de cruzados, seguidas por uma
joelhada em seu estômago. O babaca se livrou dos meus braços e mudou a
postura, dando um passo para trás antes de erguer sua mão para preparar um
jab[70].
Estava cansado de brincar, então acertei um chute alto no seu queixo,
fazendo-o cambalear. Abracei seu tronco e fui para o clinche[71],
provocando sua queda, afinal, o chão era meu parquinho.
Gregório tentou fugir, mas eu o dominei, pressionando meu joelho
com força em sua costela. Montei em cima dele e desferi uma série de socos
rápidos em seu rosto enquanto ele tentava manter a guarda alta.
— Você é um filho da puta e um covarde do caralho — falei sem
parar de golpeá-lo.
Ele conseguiu inverter um pouco as posições, mas ajustei um
triângulo em seu pescoço e me desvencilhei, entrando com um armlock.
Fechei meu pé na sua costela e quando vi sua mão livre, apliquei um mão
de vaca[72], já prevendo o que eu desejava fazer.
A quantidade de palavrões que ele xingava era como música para os
meus ouvidos. Cheguei o rosto dele o mais perto que consegui sem
prejudicar o aperto do golpe e olhei no fundo dos seus olhos.
— Babaca escroto — ele cuspiu as palavras com raiva.
— Você deixou quatro dedos marcados na pele dela — lembrei,
sentindo toda a fúria irradiar por dentro de mim, forçando seu pulso. —
Mas eu vou quebrar a sua mão inteira para você aprender a não tocar mais
em mulher nenhuma, seu filho da puta.
E foi o que eu fiz, adorando o som do osso se quebrando nas minhas
mãos, ouvindo-o berrar de dor e bater com a mão livre no chão. A multidão
ficou silenciosa por um momento, antes de começar a gritar e aplaudir em
delírio.
Me desvencilhei, dando um pulo para ficar de pé, tendo uma visão
linda do agressor de merda chorando no chão. Ele levantou os olhos,
incrédulo, e eu esbocei um sorrisinho cínico, satisfeito pelo que eu tinha
feito.
— Esse é o seu lugar, seu playboyzinho de merda — vociferei,
olhando-o com desprezo. — E você nunca mais vai encostar as mãos na
minha mulher.
— Ela não é sua! — Ele se levantou, furioso.
— É o que vamos ver — falei, tirando minhas luvas e deixando a
arena.
Seus amigos estavam em choque, enraizados do lado de fora, sem
acreditar no que tinha acontecido. Um deles correu para dentro do ringue
quando Gregório gemeu de dor novamente.
Pipo estava aos berros e pulou em cima de mim sem nem se importar
com o fato de eu estar totalmente suado.
— Você. É. Foda! — falou pausadamente, segurando meu rosto e me
dando um beijo na bochecha. — Caralho!
— Ei, novato — um homem alto me abordou na hora em que eu
estava colocando meu moletom para ir embora. — Sou o Bóris.
— Boa noite — eu o cumprimentei quando ele esticou a mão,
apresentando-me também. — Pedro.
— Bom trabalho hoje, Pedro.
— Obrigado.
— Tu deve ser do jiu-jitsu, certo?
— Sim.
— Você é bom... E me parece ter o que é necessário. Tenho uma vaga
na minha equipe — ele disse, indicando o espaço em que a garota que eu
tinha visto estava.
— Vaga? — indaguei, um pouco confuso.
— Está vendo aquele cara ali? — Apontou para um homem de cabeça
raspada com um leão tatuado no peito. — Aquele é o Max, um dos meus
melhores lutadores. Ele tem fama, a mulher que quiser e faz um dinheiro
forte por mês. Estamos sempre de olho em quem pode se tornar um
vencedor aqui dentro.
— Valeu, Bóris, mas vim aqui por motivos pessoais. Não quero essa
fama e já tenho a mulher que eu quero. Não desejo essa vida para mim,
talvez essa seja a história de um outro cara.
Ele comprimiu os lábios, demonstrando um pouco de decepção e
depois fez um meneio com a cabeça e foi embora.
— Mano, certeza de que isso não é um filme? — Pipo perguntou,
completamente chocado.
— Tenho.
Se a minha vida fosse um filme ou um livro, eu certamente já teria
achado a autora e chutado a bunda dela por fazer com que eu me
apaixonasse por uma patricinha rica ao invés de uma simples camponesa
com uma CLT e o nome sujo no Serasa.
Então eu escapei pro jardim para ver você
Nós ficamos quietos, porque nos matariam se soubessem
Então feche seus olhos
Fuja dessa cidade por um momento, uh, oh
:: LOVE STORY - TAYLOR SWIFT ::

PEDRO QUEIROZ

Depois que saímos do clube, Pipo me deixou no condomínio e eu pedi


que ela me encontrasse no telhado com um maço dos seus cigarros e um kit
de primeiros socorros. Ela me ligou na mesma hora e eu expliquei que
estava bem, só com um corte no supercílio e outro no lábio.
Ela já estava lá quando eu cheguei, munido de uma das garrafas de
uísque que eu tinha tirado do bar do Heitor. Sabia que seria importante para
que Larissa digerisse as coisas que eu precisava contar.
— Ei... — falei, me sentando ao seu lado.
— O que aconteceu? — indagou, preocupada, chegando mais perto e
segurando o meu rosto.
— Estou com medo de te dizer.
— Anda, Pedro! — Ela apertou meu braço bem no lugar que ele tinha
acertado com força e soltei um gemido de dor.
— Meti a porrada no seu namorado — contei, vendo seus lábios se
entreabrirem. — E talvez eu tenha me empolgado um pouco e quebrado a
mão dele.
Ela cobriu a boca e arregalou os olhos, como se não acreditasse.
Respirei fundo, já preparando todo o meu discurso.
— Sei que você já tinha dito que resolveu a situação, mas se coloca
no meu lugar, linda... — tentei argumentar, sendo um fofo e segurando a
sua mão. Ignorei o fato de que ela estreitou os olhos quando eu a chamei
daquele jeito. — Ele mexeu com você e eu simplesmente não consigo
esquecer essa merda. E não é como se eu tivesse buscado por isso, o
Gregório é quem veio atrás de mim e me ofereceu dinheiro para ser seu
oponente em uma luta.
Quando disse a última frase, reparei que ela não ficou surpresa,
apenas soltou o ar em desistência, balançando a cabeça minimamente em
uma negativa. Ela pegou o kit de primeiros socorros e molhou um algodão
com alguma solução líquida.
— Ele sabe sobre nós dois — respondeu.
— Eu percebi. E bem... — Fiz uma pausa e a olhei nos olhos. —
Acho que não restaria muitas dúvidas depois que eu berrei na cara dele que
você era minha.
— Fez isso?
Notei um lampejo de satisfação, uma microcurvatura de sorriso se
formando. Assenti, mas como se ela estivesse se recriminando, deu uma
risada nervosa e passou as mãos no rosto.
— Meu Deus, como ele vai operar as pessoas com a mão quebrada?
Comprimi os lábios. Não tinha pensado naquilo.
— Não pensei nisso — confessei e ela me olhou, cheia de
julgamento.
— Claro que você não pensou...
— Ai! — resmunguei quando ela apertou o algodão no meu
supercílio, limpando o local sem ser muito gentil. — Mãozinha pesada da
porra, hein, 190?
— Inconsequente... — bufou, passando agora a limpar um pequeno
corte no canto do meu lábio.
— Hipócrita — devolvi com uma risada, porque ela sabia ser bem
inconsequente também.
— É o que eu sou? — implicou com o rosto bem perto do meu,
apertando o algodão na ferida.
Eu a puxei pela cintura e segurei seu rosto, roçando meus lábios nos
dela, antes de dizer praticamente dentro da sua boca:
— Sim. Uma hipócritazinha linda pra caralho.
Nós nos beijamos com urgência e não me importei nem um pouco
com o machucado ou o fato de que o gosto de sangue estava se misturando
nas nossas línguas. E descobri que gostava ainda mais dos seus beijos em
cima daquele telhado após participar de um evento meio apocalíptico.
— Está me odiando? — perguntei, me afastando um pouco e
colocando uma mecha de cabelo atrás da sua orelha.
Um sorriso se abriu no seu rosto, fazendo meu coração disparar.
Inferno de garota linda.
— Eu não conseguiria te odiar mesmo se tentasse demais, Pepeu —
respondeu baixinho, encostando a testa na minha.
— Continue com isso em mente, porque tem algo mais que preciso te
dizer.
Ela se afastou para me olhar nos olhos, a preocupação surgindo no
seu rosto. Entrelacei os dedos nos dela, tentando reprimir sua ansiedade e
um pouco da minha também. Respirei fundo, como se estivesse buscando
por coragem.
— Um dia antes da minha avó passar mal, eu ouvi uma coisa e fiquei
martelando se deveria te contar. Aí tudo aconteceu e desde então não
consigo achar o momento certo. Também não acho que agora seja o ideal,
mas eu simplesmente não consigo mais olhar pra você sabendo que estou te
escondendo algo que pode ser relevante.
— Para de falar em enigma, Pedro!
— Eu ouvi o seu pai no telefone com alguém falando sobre uma tal
de Iolanda. Esse é o nome da sua mãe biológica, certo?
— Sim. — A voz saiu quase inaudível e suas sobrancelhas se
juntaram, demonstrando confusão. — Mas o que há de errado nisso?
— Eles não te disseram que ela tinha morrido?
— Sim, ela morreu no parto.
— Eu ouvi seu pai dizendo que a Iolanda estava pedindo mais
dinheiro, ligando de diferentes números...
Ela continuou me encarando, confusa, como se eu estivesse falando
em uma outra língua.
— Não estou entendendo.
— Morto não pede dinheiro, Larissa.
— Não, isso não faz sentido — afirmou, balançando a cabeça
negativamente, incapaz de acreditar. — Pode ter sido qualquer outra
Iolanda.
— Sério? Quantas Iolandas você conhece?
— Só ela, mas... — Larissa se interrompeu e me olhou por alguns
segundos, suas feições congeladas. — Eles não mentiriam para mim.
Eu guardei o meu “não?” para mim mesmo, mas acho que ela
percebeu pelas minhas expressões, porque fechou a cara na mesma hora,
ficando um pouco irritada.
— Eles não mentiriam para mim, Pedro — afirmou.
— Eu não disse nada.
— Você não precisa, não é? — retrucou de forma irônica. — Esse seu
olhar julgador é tão transparente quanto a água.
Apertei sua mão na minha e observei meu movimento antes de
levantar os olhos para ver os seus brilhando. Era nítida a luta interna que
parecia estar acontecendo na sua cabeça, tentando assimilar tudo o que eu
tinha dito.
— Desculpe, não foi minha intenção.
Ela se soltou, pegando um dos seus cigarros e acendendo-o na mesma
hora. Tragou a fumaça e observou sua casa ao lado sem dizer uma única
palavra.
Seu polegar batia na ponta do cigarro, os pés balançando sem parar e
eu permaneci em silêncio, dando espaço para que ela pudesse pensar.
— Não sei o que fazer — disse depois de algum tempo.
— Você não precisa fazer nada.
— Eu não posso confrontar meus pais assim, o que eles pensariam?
— Ela parecia inquieta, falando rápido, quase atropelando as palavras. —
Que eu desconfio deles? Que sou uma filha da puta ingrata que acha que
eles mentem?
Havia muita dor nas suas palavras e eu sabia que ela estava segurando
as lágrimas, mesmo que não precisasse fazer isso na minha frente. Chegava
a ser bizarro o quanto eu a conhecia mesmo que estivéssemos naquela
dinâmica há um pouco mais de um mês.
— Você não é ingrata, Larissa. Não é porque a vaca fodida vive
afirmando isso que é verdade.
Larissa soltou o ar. Abriu o uísque, dando um grande gole e sem nem
tirar os olhos do horizonte, estendeu a garrafa para mim.
— Por mais que eu queira beber hoje... — comecei a dizer e ela me
encarou com o olhar um pouco vazio, piscando devagar. — E acredite, eu
quero muito... Acho melhor não.
— Pode beber, Pedro.
— Pipo não está aqui e não posso correr o risco de alguma coisa
acontecer com a minha avó e...
— Pedro! — ela me chamou. — Você pode beber, se quiser. Você não
precisa mais se preocupar com isso. Eu nunca vou deixar que falte nada pra
ela, ok?
— Você não pode me afirmar isso...
Larissa me olhou, séria, e apertou minha mão com força. Seus olhos
estavam cheios de lágrimas, como se ela fosse desabar a qualquer instante e
eu senti os meus arderem na mesma hora.
— Eu te prometo. Eu sei que você tem receio de beber e precisar, sei
lá, dirigir para levá-la em algum lugar, sei que não faz suas tatuagens por
medo de ela ficar doente de novo e precisar de sangue.
A impotência que eu sentia pela forma como ela conseguia me
enxergar era esmagadora e me deixava extremamente vulnerável. Como
aquele tipo de conexão podia ser tão real? Em alguns momentos, apenas
pela forma como ela me olhava, eu me perguntava se aquela garota era uma
extensão de mim, se era capaz de sentir exatamente o que eu sentia.
— Mas isso acabou — continuou. — Não importa o que aconteça
entre a gente, você nunca mais vai passar pelo que você passou, entendeu?
Eu doaria o meu sangue, roubaria do hospital dos meus pais, ameaçaria
Deus e o mundo com meu canivete, se fosse necessário. Foda-se, eu faria
qualquer uma dessas coisas por você.
Uma parte de mim realmente acreditava nas suas palavras. E a outra
se perguntava por qual motivo aquelas “promessas” não pareciam
suficientes, se questionava o porquê de ela afirmar que faria tanto (e de fato
fazer), mas não conseguir assumir um relacionamento comigo.
Era foda, eu me afogava em uma imensidão de dúvidas e
inseguranças. O passado brigando por atenção, tentando ganhar um novo
plano na minha consciência. Era exaustivo lutar contra a avalanche de
sentimentos que se alternava dentro de mim.
Em momentos como aquele, eu tinha certeza de que ela era minha,
mas em outros, saber disso não parecia o bastante. Aquele não era o
momento certo para trazer aquele tópico à tona e para ser sincero, eu nem
mesmo tinha forças.
Estava decidido a aceitar o que ela tinha a oferecer, mesmo que não
fosse bem o que eu desejava.
Suspirei, assentindo com a cabeça e levei a garrafa até a minha boca,
deixando que o uísque descesse pela minha garganta queimando tudo. E
porra, a sensação era anestésica, exatamente como eu precisava.
Você e eu deveríamos fugir por um tempo
Eu quero apenas estar sozinho com seu sorriso
Compre alguma bala e cigarros e nós entraremos em meu carro
Vamos explodir o som e vamos dirigir para Madagascar
:: M+M'S - BLINK-182 ::

LARISSA ALBERTELLI

O que ele havia me contado não parava de martelar em minha cabeça.


Por mais que eu desejasse confrontar meus pais de imediato, tinha medo e
além disso, não queria correr o risco de descobrirem que Pedro tinha me
dito alguma coisa.
Então esperei alguns dias até que Dona Dea saísse do hospital e me
mantive com uma máscara de indiferença por todo o tempo que
permanecemos juntos no mesmo lugar.
Minha mãe veio conversar comigo no dia em que voltei para casa,
querendo entender mais sobre minha relação com ele, dizendo que não fazia
ideia de que éramos próximos. Eu expliquei que ficamos amigos quando ele
se mudou para a casa ao lado e ela disse que tudo bem, mas que meu
namorado provavelmente ficaria com ciúmes de toda aquela proximidade.
Como se eu me importasse...
Agradeci pelo conselho e na manhã seguinte percebi que ela já tinha
conversado com o meu pai, porque ele me mandou uma mensagem dizendo
que estavam fazendo todos os exames da avó do meu AMIGO.
— Você deveria ir — falei para Gregório depois que terminamos de
jantar com os meus pais.
Ele tinha ido ao banheiro e eu o alcancei, já querendo mandá-lo
embora. Queria aproveitar que os dois estavam juntos e finalmente tirar
aquela sensação de sufocamento do meu peito. Não aguentava mais.
— Pra você ir se encontrar com ele? — respondeu, irritado.
— Sim, exatamente por isso, agora xô — falei, fazendo um gesto
como se estivesse enxotando-o. — Já deu a sua hora.
— Aquele marginal quebrou a minha mão, Larissa. Você está se
envolvendo com um criminoso!
Ele repetia essa maldita frase como um papagaio desde o dia seguinte
à luta, quando foi até minha casa para dizer que estava preocupado com a
minha segurança. A cada oportunidade que tinha, ele lembrava que Pedro
tinha batido nele, forçando uma barra sobre ser uma vítima.
— Gregório, já te disse que sei que foi você quem o chamou para
brigar...
— Porque eu estava com ciúmes — justificou, como se fosse
aceitável.
Descobri naquele dia que ele tinha visto nós dois nos beijando no
hospital. Ficou irritado e achou que daria uma surra no Pedro, intimidando-
o para não chegar mais perto de mim. Foi incrivelmente satisfatório afirmar
que o GBR que ele odiava era faixa preta em jiu-jitsu. Eu sentia vontade de
rir toda vez que lembrava da expressão de idiota no seu rosto, porque até o
momento, Gregório estava alegando que ele apenas teve sorte na luta.
— Já te disse mil vezes que eu e você não temos nada, então engole
seus ciúmes e não se mete mais na minha vida — respondi baixinho,
entredentes. — Eu disse, se quisesse dar para o Rio de Janeiro inteiro, você
não abriria a boca.
— Mas ele é um favelado, um marginal!
— Para de falar assim! — briguei, irritada. — Chega a ser ridículo,
quando você não é nem 10% do homem que ele é.
Aquela frase o baqueou. Gregório comprimiu os lábios, claramente
em desacordo com o que eu tinha dito, mas apenas respirou fundo e abaixou
o tom de voz.
— Ele não é certo pra você — foi só o que disse, apoiando a mão no
meu ombro. — Eu sou, Lari. E você é a mulher perfeita e única pra mim,
amor. Você sempre foi minha...
— Gregório, eu não sou sua — afirmei, me desvencilhando. — Não
mais. Nunca mais.
— Tudo bem. — Ele fez um meneio com a cabeça a contragosto. —
Pelo visto, esse idiota entrou na sua mente, mas eu não vou desistir de você.
— Por favor, desista de mim — incentivei, dando uma risada, mas
Gregório me encarou triste e foi embora.
Meus pais ainda estavam conversando na sala de jantar e eu avisei
que Gregório tinha ido embora, fazendo com que minha mãe soltasse um
muxoxo, alegando que ainda iríamos comer a sobremesa.
— Preciso falar com vocês — soltei, junto com uma lufada de ar.
Não dava mais para segurar aquilo, eu estava prestes a explodir.
Nunca, em toda a minha vida, eu tive tanta dificuldade para guardar algo
que me incomodava.
Era como se houvesse um bloco de concreto em cima do meu peito e
podia sentir a garganta se fechando. Meu estômago retorceu e eu tive a
sensação de que estava prestes a vomitar. O medo parecia rastejar pela
minha espinha, congelando todas as minhas veias. Merda, de onde eu tiraria
coragem?
A voz da vagabunda da Muriel ecoava na minha cabeça, cheia de
ódio, mandando que eu fosse em frente.
“Isso mesmo, Larissa. Desconfie das pessoas que te acolheram, sua
cadela ingrata e imunda”.
Recuei, dando um passo para trás e os dois me olharam, preocupados.
Conseguia ouvir os batimentos cardíacos martelando atrás dos meus
tímpanos. O que eu estava pensando? Eu não deveria... Aquilo não era
certo.
E se fosse tudo um engano? Como eu justificaria toda minha
desconfiança?
— Filha, estou ficando preocupada. — A voz da minha mãe parecia
longe. — Inácio!
— Lari...
O rosto do meu pai apareceu diante de mim, o aperto forte nas minhas
mãos trazendo-me um pouco mais de segurança. Seu olhar vagueava pelo
meu rosto, tentando entender minhas reações. Eles me amavam, não tinha
dúvidas daquilo. Se tudo fosse um engano, eu imploraria pelo perdão.
— Filha, fala com a gente. Você está grávida? É isso?
Balancei a cabeça em uma negativa e torci os lábios, cutucando meus
dedos de maneira ansiosa. Respirei fundo, isolando o desespero que estava
me consumindo e deixei que meu olhar caísse sobre eles.
— Eu... Ahn... A Iolanda está viva?
Os dois se entreolharam ao mesmo tempo com uma expressão que me
quebrou. Não precisava de uma confirmação, apenas a troca de olhares foi o
suficiente para comprovar que sim, meus pais tinham mentido para mim a
vida inteira.
— Larissa... — meu pai começou a dizer com uma voz calma.
Meu coração afundou dentro de mim. O acúmulo de lágrimas turvou
minha visão, o nó que queimava minha garganta parecia crescer cada vez
mais, restringindo meu oxigênio. Estava prestes a desabar, meu mundo
inteiro parecia ruir aos meus pés.
— Vocês mentiram pra mim esse tempo todo? — indaguei com a voz
engasgada, as cordas vocais doendo da força que eu fazia para não chorar.
— Filha, ela entrou em contato você? Como você descobriu isso?
Franzi o cenho, sério que ela estava me perguntando aquilo? Os dois
praticamente se esqueceram da minha presença e meu pai olhou irritado
para minha mãe. Eu nem conseguia compreender se estava triste ou com
ódio, ambos os sentimentos se alternando dentro de mim.
— Eu disse para você resolver, Laura!
Minhas mãos tremiam e a decepção me atingiu como uma onda,
arrastando-me para um mar furioso. A raiva queimava dentro de mim e a
sensação de receber uma facada no peito me rasgava por completo, tirando-
me de um casulo, libertando todas as minhas máscaras.
Ela borbulhou, fundindo-se com a decepção que se espalhava como
um vazio profundo. Apertei meus punhos, buscando ignorar os nós
apertados que contraíam o meu estômago mais e mais, prestes a explodir.
— Foda-se como eu descobri! — respondi de forma agressiva,
fazendo com que eles arregalassem um pouco os olhos. — Sério que estão
preocupados com isso?
— A gente fez o que era melhor pra você, Larissa — meu pai
explicou, mantendo o tom de voz firme.
— O melhor pra mim? — Dei uma risada de desdém, meus músculos
retesando. — Vocês falaram que minha mãe biológica morreu! Quando ela
estava por aí!
Eu nunca tinha visto Laura Albertelli sem palavras, mas ela estava
completamente muda, com os olhos marejados e os pés enraizados no chão.
Como se estivesse impossibilitada de se mexer.
— Você não a conhece — ele disse, encostando no ombro da esposa.
— Não interessa! Eu deveria decidir se queria uma relação com ela
ou não! — A imensidão de perguntas parecia derreter o meu cérebro,
transformando tudo em lama, deixando-me ainda mais perdida. — Por que
fizeram isso? Vocês me compraram dela ou algo do tipo?
— Claro que não, Larissa! — meu pai retrucou, ofendido. — Ela
precisa saber, Laura.
Olhou para minha mãe, que fez uma negativa com a cabeça e
começou a chorar sem parar, afundando as mãos no rosto, como se não
pudesse suportar.
— A Iolanda é dependente química, Larissa — contou, soltando o ar.
— Nós descobrimos isso um pouco antes de ela engravidar e a mantivemos
conosco, dando todo o suporte. Ela voltou a consumir nas semanas
seguintes que você nasceu e um dia...
Ele puxou o ar e fechou os olhos. Os soluços da mulher à minha
frente se intensificaram e eu senti as lágrimas quentes descendo pela minha
bochecha, não conseguindo mais segurar. Vê-la daquele jeito acabava
comigo e era difícil ignorar, mesmo com raiva por toda a mentira.
— Ela quase te matou. — A voz embargada da minha mãe ecoou
pelos meus ouvidos. — Você era apenas um bebezinho e ela deixou que
sufocasse no vômito porque estava preocupada demais injetando... — Havia
muita dor nas suas palavras e eu as senti, perfurando meu peito. — E não
foi só uma vez, Larissa. Quando aconteceu novamente, nós demos um basta
e, sim, arrumamos um jeito de te tirar dela.
Minha garganta se fechou por completo e a sensação era de o ar não
conseguir alcançar os meus pulmões. Os dois me olhavam de uma forma
que eu nunca tinha visto antes. O medo transbordava em cada palavra que
saía, encharcada também com tristeza e indignação.
— Ela nos disse que deveríamos pagar se queríamos tanto você e nós
a ameaçamos, alegando que a mandaríamos para a prisão. Fizemos de tudo,
até mesmo tentamos interná-la em uma clínica e quando Iolanda saiu, só
queria saber de dinheiro. — Um suspiro cansado deixou os seus lábios e
minha mãe apertou sua mão. — Ela sumia por um tempo e voltava
querendo mais. E nunca, nunca sequer perguntou como você estava, Lari. E
temos uma infinidade de mensagens para provar, se você acha que pode ser
uma mentira. Infelizmente não é. N-nós apenas... Não queríamos essa
mulher na sua vida.
Não sabia o que dizer ou questionar. Nem mesmo conseguia
raciocinar direito depois de receber tantas informações de uma só vez.
Durante toda a minha vida, eu imaginei como minha história seria
diferente se eu tivesse conhecido a minha mãe biológica. Sempre me
perguntei como seria se eu fosse filha de uma mulher humilde, se morasse
na comunidade em que ela viveu.
Por volta dos meus dezesseis anos, eu comecei a me questionar sobre
minhas amizades, minhas escolhas e o que eu faria se minhas oportunidades
fossem outras.
Então eu decidi explorar a comunidade em que ela havia morado, a
Cidade de Deus e foi lá que percebi que meu mundo era um grão de areia
perto do restante do universo. E naquela época, eu descobri sobre meus
privilégios.
Menti muitas vezes que estava indo para o shopping para me meter
em um galpão de artes, onde aprendi a desenhar. As pessoas não me davam
muita bola, não sabiam que aquela menina com moletom preto e boné
virado para trás, que mais parecia um garoto, era, na verdade, a herdeira de
um dos maiores hospitais do Rio de Janeiro.
Ali eu era apenas a Lissa, uma adolescente que não tinha grana e
estava deslumbrada em aprender sobre a arte do grafite. Ali, eu fiz um dos
meus melhores amigos, o garoto que me ensinou a usar o meu canivete e
arrombar cadeados. Juninho dizia que eu precisava saber me defender e
fugir, principalmente se pretendia grafitar escondida por aí.
Eu parei de frequentar a CDD quando ele morreu, vítima de uma bala
perdida. Fiquei completamente destruída e tomei a decisão de que nunca
mais pisaria naquele lugar. O medo de que os meus pais precisassem passar
pelo mesmo que a dona Gorete me afundou, mandando-me de volta para a
minha bolha.
Depois de algum tempo, eu vendi algumas bolsas e roupas caras que
eu tinha e dei todo o dinheiro para ela, pedindo que saísse de lá. Um ano
depois, soube que ela descobriu um câncer de mama que resultou em uma
metástase por conta de toda a demora do sistema de saúde pública. E foi
assim que eu tive a ideia do projeto no hospital dos meus pais.
Eu entendi que mesmo que eu me mantivesse dentro da minha bolha,
podia furá-la quando fosse necessário. Cheguei à conclusão de que minha
bolha poderia ser um pouco maior se eu desejasse.
— Preciso de um tempo e de espaço — foi só o que eu falei.
Eles tentaram se aproximar, mas eu dei um passo para trás, recuando.
Nem mesmo sabia o que estava fazendo.
Saí pela porta, sentindo meu coração apertar e entrei no meu carro,
rápido, girando a chave na ignição e dando partida.
Eu precisava de distância.
De tudo e de quase todos.
É, cê é linda até quando não quer
De camisão com a gola toda solta
Toda largada tomando café
Então faz logo as malas e vem morar comigo
:: COMPENSA – ALMAR ::

PEDRO QUEIROZ

Heitor voltou três dias depois da cirurgia da minha avó e Roberval


adiantou uns dias das minhas férias para que eu ficasse com ela.
Ele sempre pedia que déssemos preferência para os meses com menos
movimento na piscina e eu gostava de pegar uns dias no meio de agosto e a
maior parte no início do ano. Sempre um descanso depois de passar tanto
tempo aturando aqueles ricos insuportáveis.
Dessa vez, eu estava me recuperando de ter vivido uns seis meses em
um pouco mais de 30 dias. Comecei julho achando que seria mais um mês
infernal e agora estava todas as manhãs completamente rendido pela garota
que eu jurei odiar, tirando as casquinhas do seu pão de forma porque ela era
uma fresca do caralho.
Quando a minha patricinha chegou pedindo abrigo, fiquei um pouco
preocupado. Cheguei a perguntar se ela não preferia ir para um hotel, afinal,
eu não tinha nem a porra de uma televisão.
Uma negativa com a cabeça foi o suficiente e naquela noite, Larissa
chorou no meu peito até que a exaustão a fizesse desmaiar de sono, quase
pela manhã. E algumas horas depois, tive que levá-la para almoçar na casa
da Vovó Dea, visto que eu estava de enfermeiro e também faria a comida.
Expliquei para os dois que ela ficaria uns dias comigo porque tinha
tido uns problemas familiares, mas foi quase como dizer para minha
velhinha que havia uma celebridade no prédio.
Horas depois, quando fui na mercearia comprar uma Coca-Cola,
todos já estavam sabendo que “a minha namorada” estava no prédio. E nem
adiantava tentar dizer o contrário.
Não que eu fizesse questão, porque era o título que eu queria que ela
tivesse mesmo, mas ouvir aquilo me fazia mais mal do que bem. Ninguém
sabia, no entanto, e estavam em polvorosas.
O Mike teve a pachorra de aparecer lá dizendo que a Dona Rita
precisava de uma xicrinha de açúcar para o café.
Dona Rita era diabética.
Quando voltei, cheguei à conclusão de que a patricinha tinha uma fã.
Vovó Dea chegou até mesmo a mostrar todos os seus santos e depois
disparou a falar sem parar, me contando sobre a viagem que a Larissa tinha
feito ao Vaticano. Sabia tantos detalhes que cheguei a perguntar se ela era a
guia.
Mostrou, inclusive, a porra da foto horrorosa que ela escondia, aquela
minha e do Pipo dormindo agarrados que eu desejava queimar. As duas
assistiram novela juntas e depois Pipo a alugou por horas, fazendo uma
infinidade de perguntas sobre a Lavínia, tentando sugar o máximo de
informações sobre sua nova namorada.
E em questão de horas, Larissa Albertelli parecia um membro da
minha família e quando ela me chamou de Pepeu, em algum momento, eu
senti aquele vazio se preencher como nunca tinha acontecido antes. A
sensação que eu havia tido algumas semanas atrás sobre faltar alguma coisa
simplesmente desapareceu.
Suspirei, percebendo que o que faltava era ela, a desgraçada que fodia
com a minha paz.
Nos dias que se seguiram, nós dormimos juntos todas as noites,
mesmo que passássemos mais tempo conversando do que de fato dormindo.
Transamos bastante também, porque pelo visto meu pau curava
tristeza e decepções.
Ela foi no shopping e voltou com uma televisão de última geração,
como se aquilo fosse supernormal. Eu fiquei puto e mandei que ela
devolvesse, mas Larissa apenas choramingou, dizendo que precisava ver
filme para ficar um pouco mais feliz. E como se não bastasse, mostrou duas
sacolas com uns quatro quilos de Fini, chocolates e jujubas que tinha
comprado nas Lojas Americanas.
No dia seguinte, retornou com plantinhas e itens de decoração, não só
para a minha casa, como para a casa da minha avó, que ameaçou até mesmo
se levantar para fazer um bolo para o novo amor da sua vida: Larissa
Albertelli.
Conversou com os gêmeos, ficou com ciúmes da Karolayne e ouviu
por quase uma hora o Rubens falar sobre seu empreendimento do outro lado
da rua.
Fomos à praia, andamos de skate na pista do Pontal e ela me
acompanhou na aula de jiu-jitsu, carregando um saco de jujubas que
ofereceu para a turma antes do treino. Todos ficaram alucinados de açúcar e
quando eu a olhei, irritado, ela apenas encolheu os ombros, pedindo
desculpa e fazendo com que eu revirasse os olhos.
Nós maratonamos todos os filmes de Harry Potter na maldita
televisão da discórdia e entramos em várias discussões sobre alguns
personagens complexos. E depois, eu a obriguei a ver Karatê Kid, porque
ela nunca tinha assistido e eu não podia estar com uma mulher que não
conhecia os ensinamentos do Senhor Miyagi.
Em um dos dias, desenhei por toda sua pele e testei uma infinidade de
decalques nela. E nós finalmente escolhemos uma data para fazer a sua
borboleta azul.
A patricinha andou por todo o meu apartamento de calcinha, com
minhas camisetas, moletom e meu boné. E porra, ela ficava linda com o
meu boné, em especial quando sorria atrás de uma xícara de café.
E em um pouco mais de uma semana que passamos juntos, eu cheguei
à conclusão de que estava mais do que apaixonado por ela, de que podia
passar uma vida inteira com aquela mulher ao meu lado.
— Por que você não faz um desenho aqui? — ela perguntou, alisando
a parede da sala que era de frente para a porta.
— Eu sempre penso nisso, mas vou deixando pra depois... —
comentei, tirando os olhos do livro que estava lendo.
Larissa estava analisando a parede cuidadosamente e eu dei uma
risada, achando graça. A coitada com certeza já estava entediada.
— 190? — chamei e ela se virou, um pouco aérea. — Vem cá.
— O que foi? — perguntou, caminhando na minha direção e se
sentou no meu colo, dando um beijo na minha boca.
Foda-se, eu não precisava de mais nada.
— Seus pais ligaram o dia inteiro hoje... — falei, mostrando as
ligações no seu celular. — Eles devem estar preocupados.
Ela já havia respondido algumas mensagens, mentindo que estava em
um hotel e só precisava de um tempo para absorver tudo. Eu imaginei que
eles estivessem surtando, já que a filha, além de não estar em casa, estava
faltando as aulas e o estágio no hospital.
— Estão desde ontem querendo confirmar se eu vou na festa de
aniversário do hospital, no final de semana.
— E você vai?
— Não sei. É superimportante pra eles e meu pai está tentando
conseguir alguns clientes muito grandes, mas... — seu olhar se perdeu um
pouco e ela suspirou.
— Já vou estar trabalhando — lembrei. — Você não vai estar sozinha.
— Eu sei... — Ela sorriu, voltando a parecer pensativa.
Deslizei o polegar por sua perna, afundando meu rosto no seu
pescoço e depositando um beijo no local. Depois, se aninhou no meu colo e
manteve sua cabeça encostada no meu peito.
— Pepeu? — chamou.
— Hm?
— Eu sou uma péssima pessoa por não querer encontrar essa mulher?
— perguntou baixinho, quase como se tivesse medo de dizer aquelas
palavras.
— Nem todo mundo nasceu pra ser mãe, Larissa. Isso é uma porra de
um conceito escroto que a sociedade machista inventou — falei, soltando o
ar, cansado. — Se minha mãe voltasse com o rabo entre as pernas, eu
sequer olharia na cara dela.
Ela se ajeitou para ficar frente a frente, os olhos fixos em mim. Então
eu continuei:
— A gente não precisa se diminuir para caber em algo que não quer,
em relações que não vão nos fazer bem apenas porque existe um laço
sanguíneo. É plasma, com uma infinidade de outras coisas que o compõem.
É matéria e apenas isso. A sua família, assim como a minha, é quem te
criou, as pessoas que fizeram tudo por você. É um elo de alma e ele é mais
forte que qualquer matéria. No nosso caso, o sangue não significa
absolutamente nada. Você não tem que reencontrar essa mulher só porque
ela te deu a vida.
Seus olhos estavam molhados e eu limpei com o polegar uma lágrima
que ameaçou escorrer, dando um beijo no lugar logo em seguida. Senti suas
mãos agarrarem o meu braço com força, como se não quisesse que eu saísse
dali. Eu odiava vê-la assim, perdida e quebrada, sem saber o que fazer, sem
toda a força que eu enxergava nela.
— Você está certo — assentiu, balançando a cabeça.

— Brother, o vídeo tá bombando! — Pipo entrou no meu apartamento


correndo e eu cobri a Larissa antes que ele entrasse no quarto.
— Ai, não, porra! — resmungou quando me viu pelado só com o
travesseiro na frente do pau.
— Bater que é bom, né, porra? — gritei, fechando a porta enquanto
ele voltava para a sala, xingando.
O idiota invadia minha casa, empatava minha foda e ainda se achava
no direito de ficar puto. Olhei para Larissa, que estava completamente
vermelha, com o lençol cobrindo boa parte do rosto e suspirei.
— Desculpa, somos caóticos.
Ela deu uma risadinha enquanto eu vestia minha boxer e uma
bermuda.
— Já volto.
Fui para a sala e Pipo fez uma careta, olhando na altura da minha
virilha.
— Sério?
— O que foi? — perguntei, exasperado, mexendo os braços
freneticamente. — Esperava que meu pau estivesse como, Felipe? Eu tava
trepando, porra!
— Meu Deus, que mau humor para alguém que estava trepando... —
comentou em um tom julgador, voltando a atenção para o celular.
Fui até o sofá em que ele estava e dei um tapa na sua cabeça.
— Claro, realmente faz muito sentido eu estar de bom humor. Estava
no meio de uma foda e agora estou de pau duro no meio da minha sala
porque o pirralho do meu irmão é um inconveniente do caralho!
— Blá, blá, blá... — debochou, mostrando a tela do aparelho para
mim. — Olha isso aqui!
O vídeo que ele tinha postado há alguns minutos já tinha mais de
oitocentas mil visualizações.
— As mulheres estão loucas com você! — contou, rindo.
— Quem? — A voz curiosa de Larissa ecoou por trás das minhas
costas e ela se inclinou para ver o aparelho.
Na mesma hora, meu celular, que estava no braço do sofá, começou a
tocar.
— Pedro, boa tarde — a secretária do estúdio em que eu alugava a
cadeira desatou a falar, um pouco agitada. — As pessoas estão ligando pra
cá sem parar atrás de você.
— É sério?
Pisquei, um pouco incrédulo, e Pipo começou a me bater no braço,
perguntando quem era e o que a pessoa estava falando. Eu fiz um sinal para
que esperasse, mas ele começou a escalar em cima de mim para tentar ouvir
enquanto eu o empurrava para longe.
— Pelo visto, um vídeo seu viralizou — contou, rindo. — Ficaram
loucos com aquela Medusa que você tatuou no Theo. Estão ligando e
pedindo vaga com “o cara que fez a Medusa”. Estou marcando todos os
horários que você tem livre, mas já não sei o que fazer aqui. Ainda está de
férias?
— Sim, até o final de semana.
— Ok, vou pedir que te mandem mensagem para passar o orçamento
e depois retorno com as marcações. Beijinhos.
— Quem era, porra? — Pipo indagou, irritado. — Nunca vi não
passar a fofoca na hora.
Eu me sentei no sofá, sem acreditar e Larissa encostou no meu
ombro, preocupada. Não conseguia acreditar no que estava acontecendo,
que havia uma caralhada de gente que queria fechar comigo por conta de
um desenho meu que tinham visto. Era difícil descrever a euforia, as mãos
tremendo um pouco, o farfalhar no estômago, indicando uma energia
positiva que transbordava de dentro de mim.
Era a minha arte, a coisa que eu mais amava fazer no mundo. E as
pessoas estavam buscando por mim.
— Era a secretaria do estúdio — contei, abrindo um sorriso
involuntário. — E ela acabou de reservar minha agenda inteira.
— Puta merda! Que foda, irmão! Eu disse que você era foda... —
Pipo gritou, pulando em cima de mim novamente. — Você é foda. Eu te
amo! Porra, não tem ninguém mais foda que você na tatuagem... Porque se
fosse no skate... — brincou, enchendo-me de beijos até que eu o
empurrasse, rindo.
Larissa estava vendo a cena, gargalhando e como Pipo adorava uma
atenção, meu irmão voltou para cima de mim e segurou meu rosto com uma
das mãos, espremendo-o.
— Me agradece, sua putinha, anda — continuou, entre as risadas.
— Obrigado! Porra, chato pra caralho...
— Anda. Quem é o mais foda? — Ele me deu um cutucão com força
e eu o xinguei. — Hein? Quem é o melhor irmão/assessor/gostoso/skatista
já nascido nesse mundo?
— Não acho que existam muitos desses e sem forçar no gostoso... —
zombei e ele me deu um beliscão.
— Quem é?
— Você, Pipo! Mas que inferno...
— Eu mesmo! Já sabe, né, Jujubinha? Quando precisar de qualquer
dica de redes sociais, eu sou seu cara.
— Dica tipo as que a Vi está te dando? — Larissa arqueou uma das
sobrancelhas e ele estreitou os olhos para ela.
— Desde quando ela tem um vídeo com 1 milhão? Enfim, o aprendiz
superou o mestre...
— Bateu um milhão? — indaguei, confuso.
— Vai bater. Porque eu sou foda... — Ele checou o celular e abriu um
sorrisinho convencido. — Eu disse, sou foda.
E mostrou a tela, revelando que o vídeo tinha passado de um milhão
de visualizações.
— Agora eu vou pra pista gravar uns vídeos, porque o meu tem que
viralizar também — avisou, levantando-se.
— Claro que vai, você é foda. — Larissa deu uma risadinha e ele
piscou para ela, saindo pela porta.
Eu a olhei, um pouco sem reação, e ela abriu um sorriso largo,
pulando em cima de mim. Deu um beijo rápido na minha boca e deixou que
a respiração fizesse cócegas nos meus lábios.
— Estou feliz por você — sussurrou.
— Ainda não estou conseguindo processar — confessei, soltando o ar
e rolando o dedo pela tela do meu celular, vendo os números subindo ainda
mais. — Tem noção do que é ter tanta gente vendo e compartilhando a sua
arte?
Ela me olhou com uma expressão indecifrável e comprimiu os lábios,
parecendo pensativa. Claro que ela não fazia ideia do que eu estava falando.
Balancei a cabeça, indicando que deixasse para lá e ela sorriu
novamente, afirmando que estava orgulhosa, que meu trabalho era incrível e
todo mundo precisava ver.
Não sabia bem discernir a montanha-russa de emoções dentro de
mim, exaltando as infinitas possibilidades futuras. Cada partícula do meu
corpo vibrava, emanando uma energia diferente, algo que beirava a
esperança.
Naquele momento, eu senti, pela primeira vez, que talvez sim, talvez
eu estivesse a poucos passos de realizar o meu maior sonho.
E eu sei como é ser feliz de mentira
Eu tenho feito um bom trabalho
Em fazê-los pensar que estou bem
Mas eu espero não piscar
:: FAKE HAPPY – PARAMORE ::

LARISSA ALBERTELLI

Eu acordei decidida a resolver minha vida.


Estava cansada de me esconder, de tentar criar milhares de
possibilidades irreais na minha cabeça enquanto o tempo ia correndo.
Durante todos os dias que passei na casa de Pedro, eu cheguei a
algumas conclusões. Não era justo que eu exigisse dos meus pais
honestidade quando eu havia mentido por toda a minha vida para eles.
Era hipócrita.
Não eram coisas bobas. Criei uma persona bem diferente do que eu
realmente era, aceitei seguir o que sabia que eles queriam para mim e
mantive em segredo tanto sobre mim mesma. E assim como eles, fiz tudo
por amor.
Acontece que depois de refletir tanto, entendi que mesmo que a
justificativa parecesse válida, não era certo mentir para as pessoas que me
amavam. As perspectivas poderiam ser diferentes, mas no fundo, o
sentimento era o que importava. Eu os amava independente de qualquer
versão, erro do passado ou decisão que eles tomaram e eu considerei errada.
Um pequeno desvio de conduta não resumia um ser humano inteiro.
Estava cansada de me sentir sufocada, de querer gritar e não poder.
Viver uma vida que não me pertencia havia me exaurido por completo.
Precisava colocar tudo em pratos limpos e mostrar quem era Larissa
Albertelli, eles gostando ou não. Eu não era só um sobrenome, uma filha,
uma herdeira. Eu era tão mais do que isso...
E Pedro me mostrou isso. Ele se apaixonou pela versão cheia de
falhas que eu tentei esconder do mundo. Era injusto que eu mantivesse o
relacionamento mais honesto que tinha em toda a minha vida em segredo.
Não queria uma vida sem ele, na verdade, nem mesmo conseguia mais
visualizar uma.
Havia uma parte de mim que ele não conhecia e por mais que eu
achasse que ele ficaria animado, tinha receio da sua reação. Eu pensei em
muitas formas de contar para ele sobre a “Lissa”, mas acho que nada seria
mais eficaz do que mostrar.

Quando cheguei na soleira de casa, dobrei a parte do moletom do


Pedro que estava usando e tinha manchado um pouquinho com spray.
Respirei fundo antes de abrir a porta, buscando por coragem.
Meus pais já estavam me esperando na sala, porque eu havia
mandado uma mensagem avisando que chegaria em alguns minutos. Eu fui
até cada um deles e permaneci uns bons segundos presa em um abraço.
— Lari, minha filha, a gente sente muito mesmo por ter escondido de
você sobre a Iolanda — minha mãe começou a dizer com os olhos
marejados.
— Por favor, não vá embora antes de ouvir a gente — meu pai pediu,
a voz um pouco embargada também.
Não gostava de vê-los assim, visivelmente abalados. Era nítido o
quanto os dois pareciam estar pisando em ovos, tentando buscar as palavras
certas para iniciar aquela conversa.
— Eu fiquei um bom tempo tentando absorver tudo... — comecei,
olhando para as suas mãos, que apertavam as minhas com força. — E sei
que estão preocupados, se perguntando se eu quero algum tipo de relação
com ela.
Os dois se entreolharam, nervosos.
— Vamos entender se... — minha mãe começou a dizer.
— Não quero encontrar essa mulher — me adiantei, sentindo o gosto
amargo na minha boca.
O alívio amorteceu boa parte da preocupação que estava presente nas
expressões de ambos. Meu pai finalmente se movimentou, o olhar fixo em
mim, como se questionasse o que eu estava afirmando.
— Você tem certeza?
As sobrancelhas franzidas demonstravam incerteza. Era quase como
se ele não quisesse fazer aquele questionamento, como se tivesse receio de
que eu pudesse mudar minha resposta.
— Tenho. Se ela de fato quisesse algum tipo de contato comigo, teria
vindo até mim e não ficaria tentando chantagear vocês. E foi isso o que ela
fez, não foi?
Minha mãe assentiu, comprimindo os lábios.
— Sim. Nós não queríamos que você sentisse esse tipo de rejeição,
Larissa — explicou, encostando no meu braço com um olhar triste.
A ardência dos meus olhos me incomodava, porque eu havia refletido
muito sobre aquilo nos dias em que fiquei longe deles. Eu me perguntei
sobre coisas que nunca foram uma preocupação para mim. Não entendia o
fato de uma mãe não ter um vínculo com um filho, não conseguia conceber
a ideia de sequer querer saber sobre o seu bem-estar.
Estar com Pedro foi importante. As coisas que ele me disse curaram
uma ferida que se abriu sem que eu nem esperasse, trazendo uma dose de
insegurança para a minha vida.
Nesse quesito, havia muita semelhança entre as mulheres que nos
deram a vida. Pedro me disse que passou muitos anos se martirizando por
isso, questionando-se se o problema estava nele.
Dona Dea e Pipo foram essenciais para que ele se desse conta de que
as pessoas apenas davam o que elas tinham para oferecer e que nem sempre
a forma como lidavam com a vida dizia respeito a nós. Não havia
absolutamente nada que pudéssemos fazer para que fosse diferente, porque
o problema estava nelas mesmas.
— Filha? — meu pai me chamou, arrastando-me dos meus
pensamentos.
— Eu fiquei muito magoada por vocês terem mentido para mim... —
confessei, apertando um pouco o meu maxilar. — E com muita raiva
também.
— Sabemos disso e sentimos muito, estávamos apenas querendo
proteger você... — ela disse.
Puxei uma respiração, na intenção de obter coragem. Meu peito
estava agitado, a adrenalina e o medo percorrendo minhas veias e se
entranhando em cada espaço vazio. Queria empurrar os meus receios para
debaixo do tapete, controlar as reações do meu corpo, mas parecia
impossível.
— Acontece que não me pareceu muito justo que eu ficasse irritada
por algo sendo que venho escondendo coisas de vocês por tanto tempo.
Eles se olharam mais uma vez, comunicando-se silenciosamente antes
de voltarem a me encarar.
Nenhuma palavra era dita, mas o pânico crescia nas feições de cada
um deles. O tremor nos lábios entreabertos, as narinas dilatadas e as
respirações que começaram a se tornar mais ofegantes.
— Eu passei toda a minha vida tentando ser grata a vocês, por tudo o
que fizeram por mim, por terem me acolhido, me dado um lar, educação e
todo o resto. E eu venho fazendo isso desde que descobri que era adotada,
desde que soube toda a história de vocês — contei, desistindo de tentar
segurar as lágrimas. — Sempre quis que vocês tivessem a filha perfeita,
porque eu sentia que estava ocupando o lugar da filha que você perdeu na
sua última gestação.
Minha mãe levou a mão até a boca, perplexa, e começou a chorar
baixinho, retorcendo os lábios para não deixar que nenhum soluço fugisse
da sua garganta.
— Filha, você nunca ocupou o lugar de ninguém — meu pai afirmou,
limpando uma lágrima também. — O que te fez pensar isso?
— Muriel faz questão que eu me lembre disso até hoje.
E então foi como se uma torneira fosse aberta com tanta força a ponto
de estourar o bico. Eu me deixei transbordar. Emocionalmente e
fisicamente. As palavras saíam da minha boca como se eu não tivesse mais
controle algum sobre nada.
Contei sobre tudo, sobre todas as coisas que ela fez comigo pela vida
inteira, sobre o fato de constantemente andar pelas ruas com um bloco de
concreto invisível apertado no meu peito que me impedia de respirar.
Eu expliquei sobre os meus medos, sobre meus complexos, sobre
minha síndrome de impostora. Ressaltei várias vezes que nunca me achei
digna o suficiente para pertencer àquela família porque eu me via diferente
demais dos dois.
Chorei até que as lágrimas me faltassem e a ponto da minha voz ficar
rouca por toda a força que eu estava fazendo, as palavras arranhando
minhas cordas vocais, querendo se desprender.
A cada frase que eu ia dizendo, um grama de peso era retirado de
mim. A cada batimento do meu coração, um eco de arrependimento e
coragem pulsava, incentivando-me a ir mais fundo.
A sensação era como se eu tivesse pulado em um abismo, sem ter
certeza do que teria ao final dele, mas ainda assim, era libertador.
Eles ouviram tudo atentamente, meu pai se revoltou com a minha tia e
minha mãe teve seu coração partido, afinal, era sua irmã. Os dois entraram
em uma pequena discussão, até que eu chamasse a atenção deles, alegando
que ainda não tinha terminado tudo o que eu tinha para dizer.
— Eu não estou namorando o Gregório. Já faz muito tempo que não
gosto dele, que venho mantendo esse relacionamento porque sei que vocês
tinham planos para nós dois.
— Meu Deus, Larissa! — Minha mãe passou as mãos pelo rosto,
transtornada.
— Não posso fazer mais isso, eu amo outra pessoa.
— O rapaz que trabalha no condomínio — meu pai concluiu e eu
assenti.
— E eu não quero ouvir a opinião de vocês sobre isso — falei,
mantendo minha voz firme. — Não me importo se ele não tem dinheiro, se
não pertence a uma família rica ou se acham que não é o cara perfeito pra
mim. Simplesmente... — Soltei o ar, cansada, porque eu já estava exausta.
— Não posso e nem vou abrir mão do Pedro.
— Acha que não acharíamos ele perfeito pra você porque ele é pobre?
Por Deus, Larissa, que tipo de imagem errada passamos para você? — ele
indagou, sentindo-se ofendido.
Pisquei, um pouco atônita, porque esperava algum tipo de resistência.
Antes do Gregório, comecei a ficar com um garoto que era classe média,
um amigo de amigos nossos e meus pais colocaram mil defeitos.
— Vocês sempre exaltaram o fato de Gregório ser de uma boa
família, com o mesmo padrão de vida que o nosso... E quando eu me
envolvi com o Zion, vocês não gostaram e disseram que ele não era certo
para mim porque não tínhamos os mesmos princípios...
— Porque aquele moleque era um traficante, Larissa! — respondeu
com uma leve indignação. — Pelo amor de Deus! Pensa que eu não o
investiguei? Acha que eu deixaria qualquer pessoa se aproximar de você
sem uma rápida pesquisa?
— Você investigou o Pedro?
— Óbvio, o que acha que eu sou? — Jogou as mãos para o alto. —
Eu sou seu pai, me preocupo com você. E não tenho nada contra o garoto,
ele é trabalhador e sei que também não está atrás de você por interesse, dá
pra ver que não é muito fã de pessoas com dinheiro. Bem, sei que ele gosta
do Heitor e o filho dos Franco também está sempre falando bem ao seu
respeito.
— É verdade, a Claudia já deu em cima dele várias vezes — minha
mãe contou, em um tom de fofoca.
— Sério? — indaguei, chocada e ela assentiu.
Tudo bem que a mãe da minha melhor amiga dava em cima de
qualquer novinho gostoso, mas o idiota nunca tinha me dito nada.
— Sim, você sabe como ela é...
— A Claudia não tem bom senso algum, o garoto tem a idade da filha
dela! — meu pai resmungou, balançando a cabeça em uma negativa, cheio
de desgosto.
Suspirei, refletindo sobre tudo o que eu tinha dito naquele curto
espaço de tempo. Resolvi deixar de lado a respeito do que o Gregório tinha
feito comigo. Não me parecia o momento.
Colocar em pauta todas as traições e a agressão era informação
demais para que eles processassem. E hoje seria a festa do hospital e meu
pai precisava que tudo fosse perfeito, não queria correr o risco de ele ver o
idiota do meu ex e partir para cima dele.
— Lari... — ela me chamou, abalada, apoiando as mãos nas minhas.
— Ainda não acredito que você fez isso tudo porque achou que era o que
queríamos e acredito que temos uma parcela de culpa por nunca notar nada.
— Vocês não têm culpa de nada.
— Em parte, temos. Nunca questionamos o fato de você aceitar tudo
sem reclamar e convenhamos, isso não é normal, principalmente para uma
adolescente. — Meu pai deu uma risada sem humor. — Você odeia
Medicina, não odeia?
Comprimi os lábios, ponderando. Talvez aquele fosse o maior dos
baques do dia. E eu conseguia entender, porque quase todos os pais tinham
esperanças de que os filhos seguissem seus passos.
— Sinto muito — saiu em uma lufada de ar e ele suspirou.
— Eu tive minhas desconfianças algumas vezes, achei que talvez
fosse querer fazer Artes Plásticas, já que vivia desenhando por aí... — ele
começou a falar e abri a boca, porque nunca imaginei que eles tivessem
reparado nos meus desenhos.
— Sim, sabemos que você gosta de desenhar, mas nunca achei que
fosse algo que quisesse compartilhar, então deixamos quieto — minha mãe
disse, com uma risada fraca. — De qualquer forma, quando eu era mais
nova, diversas coisas me deixavam desconfortável na faculdade também,
então achei que era só impressão minha... Você sempre foi independente
demais, sempre lidou bem com seus problemas, não imaginei que fosse
realmente algo que pudesse te machucar — comentou, triste. — Eu só...
Não consigo entender porque achou que não poderia contar essas coisas pra
gente.
— Nem eu sei ao certo, como eu disse, nunca achei que pertencia ao
mundo de vocês...
— Você é o nosso mundo, Larissa. Não existe isso — ele retrucou,
exasperado. — E a sua vida, suas escolhas, são somente suas. Talvez
algumas delas não vão nos deixar felizes, mas isso é uma consequência. Seu
avô, no início, também não queria que eu casasse com a sua mãe, nós
tivemos alguns conflitos.
Abri a boca, sem acreditar. Nunca tinha ouvido nada daquilo antes.
Ele limpou a garganta e apoiou a mão no ombro da minha mãe, fazendo
carinho em sua pele.
— Olha o que eu teria deixado de viver se tivesse permitido que ele
escolhesse por mim? Nem sempre os pais sabem o que é o melhor para a
gente — ele ponderou um pouco e depois franziu o cenho, apontando o
dedo para mim. — Mas às vezes sabem, então você precisa nos ouvir em
determinados momentos.
Dei uma risada, afirmando com a cabeça e eles sorriram em resposta,
vindo até mim e me envolvendo em um abraço. Nós permanecemos dentro
de uma névoa de desculpas, carinhos e lamentações sobre o passado até que
percebêssemos que já estávamos atrasados para o evento.
E antes de subir a escada para me arrumar, dei uma última olhada
para os meus pais sentados no sofá. Eles estavam de mãos dadas, com as
testas apoiadas uma na outra, conversando baixinho.
Naquele momento, eu me senti leve, o peso caindo dos meus ombros
por completo. Ainda tinha a sensação de que minha boca formigava por
toda sinceridade dita. E por mais que eu estivesse sobrecarregada, inundada
com tantas emoções, sentia a minha alma lavada.
Todos os bloqueios sendo incinerados, a sensação de alívio
finalmente sobrepondo todos os sentimentos, antes reprimidos, em uma
espécie de catarse.
Minha perspectiva estava diferente, como se eu tivesse saído de um
quarto escuro depois de dias, direto para o sol. Era como se, enfim, eu
pudesse ver o mundo nas cores que ele realmente tinha.
E meu Deus, aquilo era libertador.
Eu deveria ter calado minha boca, as coisas pioraram
Enquanto as palavras escorregavam pela minha língua, elas soaram estúpidas
Se esse velho coração pudesse falar, diria que você é a única
:: MISUNDERSTOOD - BON JOVI ::

PEDRO QUEIROZ

Ela tinha enviado uma mensagem avisando que estava tudo bem entre
eles e que depois da festa queria conversar comigo. Foi impossível
controlar o peso que atingiu o meu estômago, porque não fazia ideia do que
aquela merda queria dizer.
Se ela estava bem com os pais e precisava conversar comigo, não era
um bom sinal. Larissa já tinha dito diversas vezes que eles desejavam que
ela continuasse com o Príncipe Fúnebre.
Passei as mãos no rosto e tentei afastar aqueles pensamentos porque
precisava continuar trabalhando. As taças dos ricos não se encheriam
sozinhas.
Ela chegou algum tempo depois, linda, dentro de um vestido azul-
marinho longo elegante. Não ousei me aproximar, preocupado com as suas
reações depois daquela conversa.
Me mantive distante, servindo o lado oposto da festa e ela estava tão
ocupada conversando com alguns figurões que nem mesmo se locomoveu
demais pelo salão.
Não sabia ao certo se era toda a irritação pinicando minha pele ou se
hoje aquelas pessoas estavam soltando mais comentários babacas do que o
normal, mas já estava estressado em menos de duas horas de evento.
Em algum momento, seu olhar se cruzou com o meu e ela sorriu em
cumplicidade, fazendo com que meu peito afundasse, queimando tudo por
dentro e derretendo toda minha raiva.
Não sabia como Larissa era capaz de fazer aquilo, de transformar
tudo em cinzas com apenas um único gesto. E o desesperador é que isso era
perigoso. Não queria mais me colocar em situações desconfortáveis, que me
machucariam apenas para ficar com ela, mas parecia impossível deixá-la ir.
Algum tempo depois se iniciou uma entrega de prêmios e o pai de
Larissa subiu ao palco para receber o seu, pedindo que sua filha e esposa o
acompanhassem.
Ele fez todo um discurso sobre sua profissão, seu legado e o quanto
sua família era importante para que ele tivesse conquistado tudo aquilo. E
quando fez menção de descer, o almofadinha enviado das profundezas do
umbral o interrompeu, pegando o microfone e se posicionando no meio do
pequeno palco.
Larissa o encarou sem entender e depois fez o mesmo com os pais,
que pareciam confusos também. Gregório encostou na sua cintura,
impedindo que ela saísse do lugar e seus olhos examinaram o local até que
encontrassem os meus.
Aquela raiva habitual começou a me preencher. Isso acontecia sempre
que era obrigado a ver qualquer interação entre os dois, mas hoje parecia
diferente. Estava pressentindo que aconteceria alguma merda.
— Inácio, nós todos somos gratos por ter um profissional tão incrível
quanto você. E digo não só como um futuro membro da sua família, como
também em nome de todos os médicos do hospital... É um privilégio
conviver com você.
Futuro membro da sua família.
O pai dela deu uma risadinha e agradeceu, inclinando-se um pouco
para o que pareceu tomar o microfone de sua mão, mas Gregório se afastou
e continuou:
— Queria aproveitar esse momento para dizer que você e Laura são
inspirações para mim e eu desejo não só ter sucesso na minha carreira como
vocês, mas também no meu casamento com sua filha. E é por isso que
hoje... — Ele fez uma pausa e ajoelhou.
Engoli em seco contra o aperto forte na minha garganta, a minha
respiração começando a descompassar.
Ela me olhou, o desespero refletido em seus olhos.
Andei na direção do palco, em um movimento involuntário, mas meu
mundo ruiu quando ela fez uma negativa com a cabeça, indicando que eu
não fizesse nada.
Na verdade, seu olhar estava implorando para que eu não desse mais
nenhum passo.
Por mais que eu estivesse agitado, a sensação é de que tudo dentro de
mim estava morto. Porque naquele gesto eu podia ver com clareza a
resposta de tudo.
Parei de andar, arrastando as mãos pelo cabelo sem me importar se
eles ficariam bagunçados. Girei nos calcanhares, incapaz de presenciar o
restante daquela tortura, sentindo meu coração rasgar no peito mais uma
vez.
O súbito calor que subiu pelo meu pescoço me fez ferver. Era
frustrante pra caralho ver aquela cena e saber que a sua família
provavelmente soltaria fogos depois do pedido. Eles nunca me aceitariam
pela forma como eu cresci, pela minha condição social, por eu não ter um
diploma e todas aquelas merdas que ricos tinham.
E eu estava farto de tudo aquilo.
— O que está fazendo? — Roberval indagou quando passei por ele na
cozinha, tirando o meu uniforme.
— Indo embora.
— Está louco? Estamos no meio do evento...
— Foda-se! — retruquei, ríspido. — Não tenho mais condições de
ficar aqui!
— Você acabou de voltar de férias — retrucou, como se aquilo fizesse
algum sentido.
Merda de gravata filha da puta. Arranquei com força, nem me
importando com a ardência no meu pescoço pelo puxão.
— Pedro, não estou entendendo, você não pode simplesmente ir
embora sem um motivo. Não vou permitir que...
— Não preciso da sua permissão, estou me demitindo. Passar bem. —
Abri um sorriso forçado e saí pela porta lateral, ignorando seus chamados.
Todo o meu corpo tremia e minha cabeça se resumia a uma bagunça
irregular. Caminhei apressado pela piscina até chegar em uma das ruas, o
barulho dos sapatos batendo no asfalto pareciam compassar com as batidas
rápidas do meu peito.
Estava mais do que focado a sair dali, ir embora e nunca mais pisar
naquele condomínio. Eu havia quebrado meu mandamento por ela, deixado
de lado tudo o que eu tinha medo simplesmente porque queria estar ao seu
lado. Ignorei todos os avisos, o meu passado e as percepções que eu sabia
estarem certas.
Um burro do caralho!
— Pedro! — Sua voz congelou cada um dos meus músculos e eu
senti meu corpo indo para frente quando minhas pernas se enraizaram no
chão de forma instintiva.
Lutei para respirar, porque até mesmo isso parecia um esforço agora.
— Estou falando com você! — O som dos seus sapatos ecoou atrás de
mim e eu enfim consegui voltar a andar. — Pedro, que inferno!
Não olhei para trás.
— Volte para sua festa — gritei por cima do ombro.
— Quero falar com você, será que pode parar?
Eu fiz o que ela pediu, fechando os olhos e respirando com força.
Virei para encará-la, ofegante, com os saltos nas mãos e a barra do vestido
na outra.
— Eu não quero você perto de mim, Larissa! — repeti as palavras
que ela me disse um dia, sentindo o gosto amargo na minha boca.
— E eu não faço o que você manda — retrucou da mesma forma,
irritada com o que eu tinha dito.
— Apenas vá embora.
— Será que você pode esperar? Você saiu correndo como um
desesperado e eu preciso voltar lá para falar sobre o projeto...
— Volte pra lá — incentivei, aumentando o meu tom de voz. — É
exatamente onde você pertence, não sei como ainda tem dúvidas.
Suas expressões se fecharam na mesma hora.
— Deixa de ser infantil, Pedro.
— Infantil? — Dei uma risada debochada. — Sou infantil por estar
cansado disso tudo? Por não querer viver nesse limbo aguardando pelo
momento em que vai tomar alguma atitude e parar de fazer as coisas que
esperam de você?
Ao redor, tudo parecia embaçado, meus sentidos afetados pela
turbulência de emoções dentro de mim. A garganta apertada restringia o
meu ar e meus lábios estavam tão secos que deixavam um gosto amargo na
minha boca.
Uma rachadura. E eu estava prestes a quebrar por inteiro.
— Eu já desisti de tentar entender o que se passa na sua cabeça e criar
justificativas para suas decisões — cuspi as palavras, cada sílaba carregada
de ódio. — Estou cansado dessa merda...
Sim, eu a odiava demais agora por tudo o que aquela garota maldita
tinha me feito passar. Por ter brincado com o meu coração com seu
canivete, espetando-o de novo e de novo. Talvez eu não a conhecesse de
verdade como imaginava. Talvez Larissa Albertelli fosse uma sádica filha
da puta empenhada em se vingar de mim.
Apertei os punhos, irritado comigo mesmo por pensar aquelas coisas.
Parecia irracional e idiota, mas, foda-se, não queria ser lógico naquele
momento.
— Me deixa falar, inferno! — ela gritou de volta, furiosa.
— Não! Eu não quero ouvir o que tem pra dizer — retruquei, ríspido,
não dando a mínima se estava a plenos pulmões. — Você passou dias
comigo, afirmou que estava apaixonada e jurou que faria o que fosse por
mim, mas isso não é o suficiente, caralho. Isso não me faz bem. Eu tentei,
mas não dá, então vive a porra da sua vida como acha melhor, no seu
mundo de arco-íris e jujubas e apenas me deixe em paz!
Tomei um susto quando ouvi uma voz familiar chamar o meu nome,
fazendo com que eu sobressaltasse. Nem percebi quando o carro do Heitor
parou ao nosso lado e meu amigo olhou de mim para ela, um pouco receoso
e constrangido.
— Está tudo bem aqui? — perguntou, sem jeito.
Chegava a ser irônico as similaridades de como tudo aquilo tinha
começado. Nós dois discutindo no meio da rua e sendo interrompidos por
Heitor. O início e o fim, lado a lado.
Sentia-me extremamente vulnerável, exausto. Meus olhos ardiam na
mesma intensidade que a minha garganta por toda a força que eu fazia para
não desabar.
Minhas pernas pareciam fracas e eu duvidei que elas pudessem me
sustentar por muito mais tempo. A angústia parecia me consumir por
completo, uma tempestade interna que eu não conseguia conter.
— Não. E eu preciso que me tire daqui — respondi para ele, entrando
no carro, ignorando o fato de que ela gritou meu nome três vezes.
Foda-se. Tudo o que eu queria fazer era dar o fora dali.
Heitor acelerou com o carro e só então eu percebi que Pato estava no
seu ombro. Ele girou a cabecinha e sorriu para mim.
— Desculpa por isso — falei, quando olhei o retrovisor e vi que ela já
estava longe.
— Que merda aconteceu?
— Eu posso te contar isso em outro momento? — perguntei e ele
assentiu, parando na frente da chancela do condomínio. — Onde está indo
com o Pato, afinal?
— Ele queria dar uma volta de carro...
O macaquinho fez alguns barulhos e foi até o volante, tentando
apertar a buzina e me fazendo gargalhar.
— Macaco mimado do caralho — falei, fazendo com que o Heitor
desse uma risada, concordando.

Tinha desligado o meu celular, porque pressentia que ela fosse me


mandar uma infinidade de mensagens e eu não queria ouvir mais nenhuma
desculpa. Subi as escadas do prédio já irritado por saber que as coisas dela
estariam espalhadas por lá.
Abri a minha porta, fechando-a com força logo em seguida e acendi
as luzes, jogando as chaves na mesinha ao lado da entrada. Então, meu
olhar se direcionou para a parede e eu franzi o cenho, sem entender porra
nenhuma, porque havia um desenho gigante do CapiSplash grafitado ali.
Era uma capivara andando de skate com um macaco no ombro.
— O que tá acontecendo? Por que está batendo a porta assim? —
Pipo perguntou atrás de mim, assim que abriu a porta.
Ele olhou para a frente e seu queixo caiu.
— Caralho, mano! O CapiSplash invadiu sua casa! — ele berrou,
agitado, chegando perto do grafite. — Meu Deus, que privilégio! Ele
escolheu seu apartamento para... — Felipe se interrompeu e estreitou os
olhos na minha direção. — Não, espera... O CapiSplash é você?
— Eu não. Tá louco?
Que pergunta idiota. Como eu esconderia aquilo dele?
Pipo continuou me olhando com desconfiança até que eu revirasse os
olhos e cruzasse os braços, puto por aquela palhaçada. Ele chegou mais
perto e tirou alguma coisa da parede.
— Você tem algo para me contar? — indagou, parecendo preocupado.
— Contar o quê, inferno? Já disse que não sou eu!
Era só o que me faltava.
— Você é bi, cara?
— Eu sou o quê? — Dei uma risada, sem entender.
— Está com mais alguém além da Jujubinha?
— Não estou...
— Tudo bem você ser bissexual, Pepeu — disse com um tom calmo,
chegando mais perto de mim e encostando no meu ombro. — Pode ser
honesto comigo, irmão. Não sei o que te fez pensar que não poderia me
contar algo do tipo...
— Não gosto de rola, porra! E se eu gostasse, você saberia, seu idiota,
não teria problema em dizer. De onde você tirou isso?
— O CapiSplash... Te pedindo em namoro? — explicou, mostrando
um post-it para mim.
Como assim namoro?
“Todo mundo sabe quem eu sou, mas ninguém me conhece de
verdade. Não faz sentido querer deixar minha marca pelo mundo sem poder
compartilhar isso com o garoto que eu quero que seja meu namorado diante
de todos. O que eu faço é o meu maior segredo, mas você nunca mais vai
ser.”
Eu era um idiota de merda.
Não deixei que ela falasse, despejei as porras das minhas frustrações e
não a ouvi. Ignorei o fato de que Larissa sorriu para mim na festa diversas
vezes como se não houvesse nada de errado entre nós. Deixei de lado até
mesmo o fato de que parecia mais leve perto dos seus pais.
E como se não bastasse, ela me chamou três vezes e eu a ignorei,
entrando no carro e indo embora.
Meu Deus, como eu era burro!
Lembrei da minha avó dizendo que Pedro negou Jesus a mesma
quantidade de vezes e quase dei uma risada com minha associação. Seria
cômico se não fosse trágico.
Encarei o papelzinho e olhei para frente mais uma vez, tentando
assimilar não só o que estava no papel, mas também o que estava diante de
mim.
Caralho, a 190 era a porra do CapiSplash!
Ele é próximo da minha mãe e conversa sobre negócios com meu pai
Ele é charmoso e cativante, e eu estou confortável
Mas eu sinto falta de gritar e brigar e beijar na chuva
E são duas da manhã e eu estou amaldiçoando o seu nome
Você está tão apaixonada que age insana
E esse é o jeito que eu te amei
:: THE WAY I LOVED YOU - TAYLOR SWIFT ::

PEDRO QUEIROZ

Deixei o Pipo dentro do apartamento e desci as escadas correndo,


tentando pedir um Uber. Eu quase nunca usava o aplicativo, mas tinha ali
para caso alguma emergência acontecesse com a Vó Dea.
Aquela porra era um perigo, de cinco em cinco reais, você falia no
final do mês com chances de ter que fazer um empréstimo no BMG.
Quase quebrei meu celular quando o babaca do motorista cancelou a
corrida. Demorou mais cinco minutos até que o aplicativo encontrasse um
outro e como se não bastasse, começou a chover na hora em que entrei no
carro.
Ótimo, trânsito na Zona Oeste com chuva era sempre uma delícia. E
como se não bastasse, estava tocando, no mais alto volume, um sertanejo
sofrência.
Pobre só toma no cu, até quando tenta dar uma de rico pedindo carro
de aplicativo.
Quando finalmente percebi a letra da música, dei uma risada, chocado
em como o universo estava me chamando de otário de todas as formas
possíveis.

“Arrumei a mala a mais de uma semana


Só falta você me chamar pra eu fugir com você
Mudei meu status, já tô namorando
Antes de você aceitar, já te assumi pro Brasil

Por que te amo eu não sei


Mas quero te amar cada vez mais
O que na vida ninguém fez
Você fez em menos de um mês.”

Ótimo, agora o motorista estava cantando.


Respirei fundo, pensando que eu merecia estar passando por aquilo.
Tentei ligar para ela algumas vezes, mas só caía na caixa postal. A chuva
melhorou um pouco por um tempo, mas quando estávamos chegando,
piorou.
Pedi que ele entrasse no condomínio e quando estava no meio do
caminho para o salão, eu a vi pisando firme, descalça, no meio da chuva.
Falei para o homem que parasse o carro ao seu lado e abri a janela.
— O que está fazendo? Está caindo um temporal... Entra no carro? —
pedi e ela me olhou com os olhos queimando de ódio.
Ela não respondeu, apenas continuou andando e o motorista acelerou
para acompanhá-la.
— Pelo amor de Deus, você está ensopada! Entra aqui.
— Não! — vociferou, voltando a andar olhando para frente.
— Que merda de teimosia do caralho, Larissa!
Pedi que o motorista encerrasse a corrida, puxei uma respiração e saí
do carro, sentindo as gotas fortes começarem a molhar o meu rosto e toda a
minha camiseta.
— Onde está indo? — perguntei, apertando meus passos para encurtar
a distância entre nós.
— Pra casa.
— No meio da chuva? A pé? Por que não pediu para alguém te levar?
— Não quero que ninguém me leve a lugar nenhum — retrucou cheia
de rispidez.
— Dá pra você me esperar? Quero falar com você.
— Ah, agora você quer falar comigo? Porque eu não quero mais,
outra hora a gente se fala — disse, como uma criança mimada.
Mesmo emburrada, toda ensopada e com o vestido rasgado, ela estava
linda.
Eu corri para alcançá-la e segurei seu pulso, fazendo com que ela se
virasse pra mim. Os lábios trêmulos e molhados estavam entreabertos e
Larissa engasgou uma respiração quando eu dei mais um passo para frente,
eliminando o espaço dos nossos corpos.
— Está sendo irracional andando assim no meio da chuva...
— Eu? — Sua voz saiu esganiçada e suas sobrancelhas se juntaram,
demonstrando toda sua indignação. Então ela começou a gritar, a raiva e o
desdém vibrando por cada uma das suas palavras: — Eu estou sendo
irracional? Você é simplesmente insuportável com todas as suas suposições!
E sequer me deixou falar qualquer coisa... E quando eu decidi ir atrás de
você, começou a chover. Torci o meu pé, meu salto quebrou, prendi o
vestido na porra de um arame. — Comprimi os lábios para abafar uma
risada e ela ficou mais irritada ainda. — E tudo isso é sua culpa. Porque
você é um idiota estúpido que não consegue entender...
Em um impulso, segurei seu rosto com as duas mãos e a calei,
beijando sua boca com urgência. Acariciei sua pele molhada, o calor
derretendo o frio da água gelada que caía sobre nós.
Eu me perdi no incêndio que se apoderou do meu corpo.
Na mistura de chuva, saliva e respirações entrecortadas.
Nas línguas se fundindo até que parecessem apenas uma.
O barulho da água ao nosso redor fazia com que o tempo parecesse
suspenso. E eu só conseguia focar no coração que pulsava com força contra
o meu. A chuva parecia levar embora qualquer tipo de ressentimento,
deixando de lado todas as minhas inseguranças.
Deus, eu era completamente apaixonado por ela.
Eu me afastei um pouco, apenas o suficiente para que eu pudesse
olhar no fundo dos seus olhos.
— Desculpa, 190 — pedi baixinho. — Fui um babaca... Quando você
fez um sinal para que eu não me aproximasse, achei que iria aceitar o
pedido de casamento.
— Você é tão irritante! Eu fiz o sinal porque não queria mais um
show, além do que Gregório já estava dando. A festa era importante para os
meus pais e achei que seria muito absurdo criar um escândalo desnecessário
sendo que eles foram tão incríveis quando eu contei que estávamos juntos.
— Você... — As palavras sumiram e eu arregalei os olhos, sem
acreditar.
— Sim, eu contei sobre nós e eles não entenderam nada quando
Gregório me pediu em casamento. Foi constrangedor!
— Seus pais simplesmente aceitaram? — tornei a questionar, ainda
perplexo.
— Sim, mas isso não faria diferença. Eu vim aqui decidida e contei
que não estava com Gregório. Disse que amava outra pessoa e não queria e
nem poderia abrir mão dela.
O ar me faltou por alguns segundos quando as palavras foram ditas de
forma tão natural, como se ela nem mesmo tivesse se dado conta. Apoiei
minha testa na dela, a água escorrendo pelos nossos rostos.
— Você me ama? — sussurrei contra os seus lábios e ela respirou
fundo.
— O que acha, seu idiota?
— Acho que precisa dizer mais uma vez.
— Eu amo você — disse, quase como um sopro sibilante, encostando
os lábios novamente nos meus. — E sinto muito por você ter sentido que
não era uma escolha real. Sinto muito por ter mantido você em segredo e
por demorar tanto para conseguir romper minhas próprias barreiras.
Ela estava prestes a chorar e não eram apenas os olhos marejados que
indicavam isso, a voz embargada também a denunciava.
— A verdade é que nunca existiu uma dúvida, Pepeu... Você não se
importou com os meus defeitos e exaltou minhas imperfeições até que eu
mesma pudesse aceitá-las com mais facilidade. Você fez com que a minha
solidão fosse um pouco menos só, se é que isso faz algum sentido. — Ela
sorriu, arrancando o meu ar. — Você me mostrou que eu poderia ser grata
sem abrir mão de ser eu mesma. Me deu coragem para enfrentar as coisas
que mais tinha medo. Você roubou meu sono, meu fôlego e meu coração. E
fez tudo isso sem nem ao menos tentar. Não quero te fazer mal, eu nunca
quis.
Seu olhar abaixou e eu ergui seu rosto para que ela me encarasse.
— Você sabe que ninguém faz uma tatuagem com o intuito de apagar,
não é, 190? As pessoas fazem porque querem eternizar algo, por desejarem
manter algo vivo na sua pele para sempre. Eu poderia marcar a porra da
minha pele inteira e ainda assim, não seria o suficiente para demonstrar a
sua permanência em mim. Eu te amo e não sei mais o que é o antes de você,
Larissa. E a impressão é que nada mais vai fazer sentido se você não estiver
por perto. Você marcou meu coração, minha alma e o que quer mais que
faça parte de mim. E fez tudo isso sem nem ao menos tentar. — Abri um
sorriso e ela fez o mesmo.
— Você me ama? — ela perguntou da mesma forma.
— Eu peguei um Uber pra vir até aqui — falei, rindo e ela fez o
mesmo. — O que acha, sua idiota?
— Acho que precisa dizer mais uma vez.
— Eu amo você, 190 — afirmei contra a sua boca.
— Também amo você, Pepeu.
Nós nos beijamos de novo, de um jeito preguiçoso, como se nada
mais à nossa volta existisse. O universo se resumindo apenas ao movimento
das nossas línguas quentes se entrelaçando, ao toque da minha pele na dela,
arrepiada.
A chuva aumentou mais e eu não dei a mínima, completamente
extasiado no seu gosto, na temperatura do seu corpo tentando esquentar o
meu. Porra, ela era perfeita e a impressão de que eu tinha era de que éramos
um só.
— Quero que você faça minha tatuagem — falou, entre o beijo.
Cantarolei uma concordância, de olhos fechados, sem parar de beijá-
la.
— Quero que faça hoje — disse, afastando-se um pouco e abrindo um
sorrisinho animado.
Eu a olhei e pisquei. Ela não estava falando sério.
— Hoje?
— Sim, você não tem a chave do estúdio?
— Eu tenho, mas...
Larissa fez um biquinho e eu bufei.
— Achei que íamos ter um puta sexo de reconciliação e você quer me
colocar pra trabalhar? Você realmente odeia pobre, 190?
Ela gargalhou, me dando um beijo rápido e continuou com uma voz
melosa:
— Por favooooor, hoje é o dia perfeito. Pra marcar o nosso namoro
e...
Eu suspirei, ainda sem acreditar. Segurei seu rosto e deslizei o polegar
por suas bochechas molhadas.
— Você vai mesmo ser minha namorada?
— Só se fizer minha borboleta hoje — brincou e eu revirei os olhos,
dando um beijo na sua boca e tirando-a do chão.
— O que eu não faço por você, sua patricinha mimada do caralho?
Ela deu um gritinho e sorriu, enchendo-me de beijos enquanto eu a
apertava contra o meu corpo, afundando meu rosto no seu pescoço e
sentindo o meu cheiro preferido.
Olhei para o céu e percebi que a chuva tinha parado e se não estivesse
de noite, provavelmente haveria um arco-íris no céu. E eu sabia disso
porque era como meu coração parecia agora: um mundo de arco-íris e
jujubas.
Meu Deus, como eu era brega!
Uma mudança de ritmo faz você ir e vir
Montada em asas das borboletas
E hoje à noite eu vou tatuar você
:: TATTOO YOU - ROYAL DOGS ::

LARISSA ALBERTELLI

Eu passei o caminho inteiro contando para ele a respeito dos meus


grafites, de como eu tinha começado. Mencionei as dificuldades do que eu
fazia, a vez em que eu precisei usar o meu canivete porque um cara tentou
me assaltar no meio da rua. Falei a respeito do Juninho, sobre minhas idas
na Cidade de Deus e todo o resto. Pedro quis saber o motivo das Capivaras
e eu expliquei. Contei que era o animal preferido do meu amigo e que um
pouco antes de morrer, ele me deu uma pelúcia que tinha desde pequeno,
uma capivarinha de uma promoção que vinha no Guaraná Antártica.
Pedro ouviu atentamente e apoiou uma das mãos na minha perna,
fazendo carinho, quando eu fiquei um tanto emotiva pelo assunto.
Era uma sensação tão incrível poder compartilhar aquilo com outra
pessoa, falar sobre algo que eu amava fazer, sobre um passado que ninguém
imaginava.
Em alguns momentos quando eu era nova, chegava a me perguntar se
tudo o que eu vivi não passava de um sonho, de uma ilusão na minha
cabeça. E saber que outra pessoa conhecia a minha história aquecia o meu
coração, tornando-a mais real e palpável.
Pedro olhou nos meus olhos em algum momento e afirmou que meu
trabalho era incrível. Deixou claro que tinha orgulho e que estava honrado
de ser a única pessoa a saber quem eu era.
Ele disse que me amava várias outras vezes também, derretendo o
meu coração por completo.
— A capivara com o kimono... — ele ponderou, algum tempo depois.
— Sim, eu também fiz pra você — admiti e ele sorriu.
— Ainda não acredito que ia para a Cidade de Deus! Estava atuando
com todo aquele lance de não conseguir comer um cachorro-quente?
— Claro que não, eu nunca nem tentei comer um cachorro-quente lá.
Sabia que entregaria que eu era uma patricinha na mesma hora — contei,
rindo.
Nós chegamos no estúdio e ele abriu a porta, direcionando-nos para o
local que costumava atender. Eu já tinha ido até lá durante o tempo em que
fiquei na sua casa, mas parecia diferente agora, com o ambiente totalmente
vazio e mal-iluminado.
Pedro pegou duas toalhas e me deu uma. Eu tinha trazido uma muda
de roupas das que deixava no carro e comecei a me trocar enquanto ele
buscava algum material. Decidi ficar só de camiseta e calcinha, afinal, eu
pretendia fazer minha tatuagem no interior da coxa.
Ele voltou e me olhou de cima a baixo, dando um suspiro. Depois,
tirou sua camiseta também, fazendo com que eu perdesse alguns minutos,
hipnotizada, vendo-o se secar.
— Só você pra me fazer vir aqui, todo molhado, quase dez horas da
noite... — disse, soltando o ar em um chiado e espirrando álcool por toda a
maca.
— Vai ser rapidinho.
— Você está parecendo o Pipo quando cisma com algum desenho e
quer que eu faça na mesma hora — contou, dando uma risada e batendo no
estofado para que eu fosse até lá. — Senta aqui.
Subi no local indicado e me sentei de pernas cruzadas, vendo-o mexer
em alguma coisa do desenho que ele tinha deixado lá em sua gaveta. Nós já
tínhamos testado o decalque em vários lugares do meu corpo porque eu era
indecisa.
Pedro colocou as luvas, ajeitando algumas coisas na bancada e mexeu
em uma luminária, trazendo mais luz para a maca em que eu estava, já que
o restante da sala não era tão iluminado.
— Já decidiu onde vai querer? — ele perguntou, virando-se para mim
e olhando para cima para encontrar os meus olhos.
Engasguei uma respiração, porque ele estava sentado em uma cadeira
baixa, a cabeça na altura da maca. Eu me virei, ficando de frente para ele,
vendo-o acompanhar com o olhar.
Passei uma das pernas por cima da sua cabeça, apoiando o calcanhar
na borda da maca e me abri inteira, indicando o interior da minha coxa
esquerda, perto da virilha.
Sua boca se entreabriu um pouco durante a minha ação, os olhos fixos
na parte inferior do meu corpo. Eu estava com uma calcinha de renda
branca que ele adorava e eu já conseguia sentir a umidade ultrapassando o
tecido apenas por olhá-lo por tempo demais.
— Você só pode estar de sacanagem... — falou, voltando a me olhar
nos olhos e eu mordi o lábio inferior, sentindo meu rosto esquentar. — Você
me odeia?
— Não...
— Claro que odeia — resmungou, tentando ajeitar a postura.
Ele respirou fundo e pegou um lencinho com sabonete e esfregou
devagar pelo local, tentando não desviar o olhar de um ponto específico.
Passou a lâmina de barbear e me olhou novamente, a vontade de me matar
estampada nas suas pupilas dilatadas.
— Quer parar de me olhar com essa cara? — ele pediu, sério, e eu
senti vontade de rir por toda a força que ele fazia para se manter neutro.
— Que cara?
— De safada, porra.
Pedi desculpas e me mexi um pouco, afastando mais as pernas e
recebendo outro olhar de reprovação. Ele aplicou algum outro produto que
usava para deixar o desenho marcado na minha pele e pegou um espelho
para me mostrar, os olhos fixos em mim, queimando.
Merda, eu não iria aguentar também.
— Sério, isso é algum tipo de tortura, certeza. — Sua voz saiu baixa e
grave quando ele olhou para minha calcinha mais uma vez.
— Meu Deus, você sequer consegue se concentrar — impliquei e ele
me olhou cheio de ódio.
— Não me testa, Larissa...
Eu ri e ele ligou a máquina e parou em frente à minha pele,
encarando-a por alguns segundos.
— Você sabe tatuar mesmo? — instiguei, achando graça. — Por que
está demorando tanto? Será que sabe mesmo?
— Você é mesmo meu inferno, sua maldita.
— É assim que fica com as suas clientes, Pedro?
Ele me olhou de novo, ainda mais irritado. Deixou a pistola de lado e
tirou as luvas, rasgando-as pelo movimento. Levantou e segurou meu
pescoço com força, olhando para a minha boca.
— Você não é minha cliente, caralho. Você é o tormento da porra da
minha vida, 190. Como espera que eu consiga me concentrar com o cheiro
da sua boceta na minha cara sendo que sei exatamente o gosto que ela tem?
— Então para de tentar se concentrar e fode ela.
— Porra!
Pedro agarrou minha perna com agressividade com a mão livre,
fincando os dedos e afastando-a ainda mais para se posicionar melhor.
Puxou meu corpo pelo pescoço e me beijou com urgência.
— Eu vou foder sua boceta, linda — sussurrou contra os meus lábios
—, mas antes eu vou te chupar, porque estou louco pra fazer isso desde o
segundo em que você abriu essas porras dessas pernas perfeitas pra mim.
Sua boca se arrastou pela minha e ele desceu, sentando na cadeira e
puxando meu quadril até a borda da maca. Eu caí para trás com o solavanco
e me apoiei com os cotovelos.
Porra, eu estava cheia de tesão. Vê-lo entre as minhas pernas era a
visão mais perturbadora e mais maravilhosa de todas. E aquilo consumia os
meus sonhos, meus pensamentos, minha mente por completo.
Sentia minha boceta latejando e quase vi estrelas quando seus dedos a
esfregaram por cima da renda.
— Toda molhada, 190... — comentou com uma falsa reprovação,
estalando a boca antes de dar um sorrisinho prepotente. — E nem é da
chuva.
— Muito.
Arfei mais uma vez com o tecido roçando sobre o meu clitóris
inchado. Ele estava me torturando assim como eu tinha feito alguns minutos
atrás. Era possível ver todo o desejo embebido nos seus olhos,
transbordando, mas pouca movimentação.
— Fica quieta — mandou em um tom autoritário, fazendo cada
partícula do meu ser vibrar.
Seus dedos brincaram com a tira da calcinha e Pedro a retirou
lentamente, arrastando a ponta dos dedos pelas minhas pernas e provocando
uma sequência de arrepios do início ao final da minha coluna.
O indicador contornou o desenho de borboleta devagar e eu me mexi,
ansiosa. Então ele veio, o tapa forte ardendo minha boceta e irradiando por
todo o meu abdômen.
— Mandei ficar quieta!
— Tá foda, Pedro, porra...
Mais um e quando eu me contorci, ele segurou meus pulsos ao lado
do meu corpo, enfiando o rosto entre as minhas pernas e deslizando a língua
de maneira preguiçosa pela minha virilha.
Ele lambeu cada centímetro da minha boceta, nunca encostando no
clitóris, deixando-me completamente alucinada. Então, ele passou a ponta
da língua, só para me deixar ainda mais desesperada.
Tudo o que eu queria era que ele me chupasse com vontade, mas ele
continuou testando a minha sanidade mental. Cada vez que sua língua
encontrava meu clitóris era como uma prova de que o céu existia. E em
seguida, havia uma constatação do inferno também.
E ele fez isso tantas vezes que nem mesmo estava conseguindo
raciocinar mais, porque até mesmo minha cabeça estava pulsando.
— Por favor... — eu implorei, não aguentando mais.
— Não quis provocar, sua desgraçada? — Ele levantou os olhos para
me encarar e depois voltou a olhar hipnotizado para minha boceta.
Soltou um dos meus pulsos e esfregou os dedos por ela, fazendo com
que minhas costas arqueassem na mesma hora.
— Tão melada, porra — murmurou, me penetrando com dois dedos.
— É assim que você me deixa — respondi com um tom de voz
sedutor.
— Isso tudo é pra tentar me convencer a te fazer gozar mais rápido?
— perguntou, cheio de sarcasmo, sem parar de me masturbar.
— Eu faço o que você quiser, lindo... — soltei em uma lufada de ar.
— Perfeita.
Suas mãos deslizaram por baixo da minha coxa e ele me deixou ainda
mais exposta, segurando-me por baixo dos joelhos.
— Porra de boceta gostosa do caralho! — falou, antes de afundar o
rosto por inteiro, chupando-me com vontade.
Ele rodeou o meu cu com a língua, brincando um pouco antes de
voltar a dar atenção para o meu clitóris inchado. A essa altura eu já estava
deitada, com a cabeça jogada para o lado de fora da maca.
Os gemidos incompletos e os palavrões que saíram da minha boca
ecoavam pela sala, todo o meu corpo queimando de dentro para fora como
se tivesse jogado gasolina. Seus dentes arranhavam minha pele, a respiração
formigando na minha coxa, bunda, boceta e onde mais ele pudesse alcançar.
Pedro estava me chupando sem pausas enquanto metia os dedos em
mim com força e de forma rápida. Conseguia sentir o sangue subindo para a
minha cabeça, nublando todos os meus sentidos.
— Gosta disso, não é? — ele perguntou com a voz rouca e eu me
limitei a cantarolar uma afirmação, incapaz de dizer mais nada. — Quero
você gozando na minha boca, amor.
Ele mergulhou mais uma vez, rodeando o meu clitóris com a língua
em um ritmo que eu sabia que não duraria muito tempo. E era o que ele
queria. Pedro já estava cansado dos joguinhos e louco para se enterrar em
mim.
Aquela mistura de sensações me deixava tonta, quase atordoada. Uma
corrente elétrica percorria meu corpo, demandando ser liberada.
Então fui completamente consumida. Eu me contorci por inteiro e
gemi tão alto que minhas cordas vocais arderam.
— Puta merda, Larissa! — ele soltou, lambendo minha barriga.
Puxou meu corpo para que eu ficasse sentada e me beijou de forma
intensa, acabando com o restante de oxigênio que ainda restava dentro de
mim.
Eu amava sentir o meu gosto na sua boca e saber que ele ficava
alucinado com isso me deixava ainda mais. O nosso beijo era uma paleta de
sabores, uma combinação de nuances que se mesclavam em camadas,
criando uma composição única.
Ele me puxou de novo para a beirada da maca e eu quase me
desequilibrei. Abaixou a calça, roçando a cabeça do pau na minha boceta
molhada e gemendo entre o beijo.
— Não me tortura mais — supliquei.
Sua mão envolveu meu pescoço com um pouco de brutalidade e ele
me forçou a olhá-lo nos olhos. Arrastou os lábios nos meus e sussurrou:
— Quer que eu te foda agora?
— Sabe que sim.
— Quanto? — Um sorrisinho filho da puta cresceu em seus lábios e
eu engasguei uma respiração quando ele se encaixou em mim, colocando
apenas a cabeça na entrada da minha boceta.
— Pra caralho!
— Me pede, linda — mandou. — Pede pra eu foder essa boceta
apertada e toda gozada... Pede pra eu encher ela de porra.
— Me fode. Fode minha boceta, goza dentro de mim... Faz o que
quiser comigo!
Ele sorriu, satisfeito, e me beijou preguiçosamente enquanto metia em
mim, indo até o fundo. Fechei os olhos, entranhei minhas unhas nas suas
costas e um gemido longo fugiu da minha garganta.
Pedro se empurrou mais uma vez, os movimentos começando a se
intensificar quase em sincronia com a quantidade de palavrões que
deixavam os nossos lábios.
Uma estocada me atingiu com mais força, fazendo com que eu visse
uma tela branca por dentro das pálpebras. As mãos firmes seguravam meus
quadris, trazendo-os para frente e para trás em um ritmo vertiginoso.
— Você é tão gostosa, caralho... — sussurrou contra o meu ombro,
antes de dar uma mordida com força.
Sabia que ficaria visível no dia seguinte e isso me deixou com mais
tesão ainda, porque eu amava quando ele me marcava.
Eu era dele. A porra da garota dele.
Pedro poderia me marcar por inteira, se quisesse.
Um arrepio escalou pela minha espinha, meu coração martelando de
um jeito descompassado no meu peito.
— Meu Deus! — gritei quando ele me atingiu forte e aumentou o
ritmo, chegando até mesmo a empurrar a mesa para frente.
Ele gemeu, xingou e me beijou, tudo ao mesmo tempo, sem parar de
meter em mim. Era um ritmo frenético que eu amava, que me arremessava
para fora do meu eixo, desestabilizando tudo dentro de mim.
— Pe-droooo! Por-raaaa! — As vogais se distenderam em um
choramingo, as sílabas se quebrando a cada vez que ele me acertava.
— Vem cá...
Suas mãos agarraram minha cintura e ele me virou, curvando-me
sobre a maca e metendo em mim logo em seguida, sem nem me dar chance
para qualquer objeção.
Não que eu fosse fazer isso. Eu jamais faria isso.
Prendi a respiração quando ele bateu na minha bunda com força,
puxando-a contra os seus quadris. O calor dos nossos corpos esquentando,
intensificando a ponto de entrar em ebulição.
Era possível sentir toda nossa conexão e em momentos como aquele,
ela parecia se desprender de nós como se não fosse capaz de ser contida,
pairando ao nosso redor, mostrando-se presente.
Éramos um só. Entranhados. Como as linhas de tintas que ele iria
gravar na minha pele.
Minhas pernas já estavam fracas e senti uma leve tontura no momento
em que ele puxou meus cabelos, fazendo um rabo de cabelo malfeito. Sua
outra mão estava entre a maca e meu corpo, impedindo que eu me
machucasse, amortecendo o impacto pela força que ele estava impelindo
contra mim.
— Pedro, e-estou quase — avisei com a voz trêmula.
— Eu também! — disse, ofegante, e soltou um gemido em seguida.
— Puta merda, aguenta só mais um pouco, linda.
Nós continuamos. Os corpos se aproximando, buscando o alívio de
uma tensão quase que opressora, ansiosos para se derreterem em um êxtase
que era somente nosso. Em uma potência capaz de transcender qualquer
coisa material.
Ele se enterrou bem fundo. Agarrou minha bunda com força, soltando
um gemido e na mesma hora todo o meu corpo estremeceu. O aperto na
minha cintura aumentou e seu corpo pesou contra minhas costas enquanto
ele arrastava os lábios pela minha pele, beijando-a devagar.
— Porra, eu amo você.
— Também amo você — respondi, passando os dedos por suas coxas.
Pedro saiu de dentro de mim e deu um passo para trás.
— Eu amo a visão da minha porra escorrendo pela sua boceta —
falou, passando a mão na minha bunda. — Caralho!
— É? — perguntei em um tom malicioso, virando-me para ele.
Seu olhar parecia hipnotizado em mim. Sentei de novo na maca, de
pernas abertas e esfreguei os dedos na minha boceta melada e os levei até a
boca. Lambi devagar, com um sorriso safado no rosto e completamente
desnorteada pelo jeito como ele me olhava.
— Você é... Porra! — Segurou meu rosto com as duas mãos e me
beijou, incapaz de completar a frase.
— O tormento da sua vida? — indaguei, mordendo o lábio inferior.
— A porra do tormento da minha vida!
Eu sorri.
— Seu decalque já era — ele disse, depois de me beijar por algum
tempo.
— Podemos mudar pro ombro?
— Você é de foder!
— Como se você fosse conseguir me tatuar ali embaixo... — Cruzei
os braços, tentando justificar minha mudança de ideia.
— Tá bem, 190... Agora que já marquei você inteira com minha mão,
com a minha boca, vamos para as agulhas — afirmou, com um sorrisinho
divertido.
É um pouquinho engraçado esse sentimento aqui dentro
Eu não sou do tipo que consegue disfarçá-los facilmente
Não tenho muito dinheiro, mas, cara, se eu tivesse
Eu compraria uma casa bem grande pra gente morar
:: YOUR SONG - ELTON JOHN ::

PEDRO QUEIROZ

Os pais de Larissa tinham uma viagem marcada de férias para uns


dias depois da festa do hospital, eles passariam quase duas semanas na Índia
e para ser sincero, eu agradeci ao universo, porque ainda não me sentia cem
por cento preparado para interagir com eles agora que estávamos em um
relacionamento.
Um pouco antes de irem, os três tiveram mais algumas conversas. Ela
decidiu largar a faculdade e o estágio no hospital, e Inácio Albertelli sugeriu
que minha namorada morasse sozinha. Disse que ela havia passado muito
tempo da sua vida presa a eles e que Larissa precisava de um espaço só dela
para se conhecer, para testar coisas novas e descobrir o que queria fazer da
sua vida.
Eu concordava com aquilo, sabia que ela precisava explorar tudo o
que nunca teve coragem por achar que seus pais não aprovariam. Achei que
perderíamos horas buscando por um lugar, mas nem me surpreendi quando
a minha patricinha apareceu lá em casa dizendo que seu pai tinha comprado
um apartamento para ela perto do meu estúdio.
Comprado. Um apartamento. Como se fosse um pacote de bala.
Sabia que a nossa diferença social ainda seria uma barreira a ser
quebrada, em especial por mim. Tinha consciência de que teria que me
acostumar cada vez mais com nossas realidades opostas agora que
estávamos em um relacionamento.
Ainda assim, isso não me preocupava na mesma intensidade. Óbvio
que eu ainda ficaria chocado com muitas coisas e puto com outras, porque
eu continuava não sendo fã de pessoas ricas, mas me parecia muito mais
irrelevante agora.
Com a quantidade de trabalho que eu tinha marcado, cheguei à
conclusão de que meu padrão de vida também subiria, mas nesse caso, era
um alívio, porque tudo o que eu desejava era dar uma vida melhor para a
minha família, sem tantas dificuldades.
As duas semanas que se seguiram foram um caos. Eu precisei atender
a caralhada de cliente que tinha marcado no estúdio enquanto fazia a
reforma da loja que tinha alugado com o Heitor.
Ele e Pipo apareceram para me ajudar com os reparos e também
fomos caçar alguns móveis básicos para o espaço. Era foda quando Larissa
era uma gastadeira compulsiva e queria comprar todos os itens de
decoração existentes ou os móveis mais caros.
Nós dois pintamos a loja, ajeitamos os poucos reparos que tinham na
parede e depois fizemos um grande mural na recepção com os nossos
desenhos.
E porra, acho que desenhar com ela era uma das minhas coisas
preferidas na vida agora. Nós transformamos juntos uma parede em branco,
marcando-a com texturas, cores, ilustrações. E a cada traço, pincelada ou
borrifada de tinta eu via tudo ganhando vida. Nossa história sendo criada do
zero, sem segredos e refletida no que amávamos fazer. O nosso amor e
nossa arte, lado a lado, misturados, sendo um só.
Eu começaria a atender em uma semana, mas o que mais me
preocupava naquele momento era escolher a roupa certa para o encontro
com os pais dela.
— Você não vai assim, não é? — minha avó perguntou quando eu
cheguei na sua casa, com uma camisa de botões e uma gravata.
Lavínia estava mexendo no celular, sentada no sofá e quando me viu,
abafou uma risada.
— Ei, o que tem de errado com minha camisa?
— Fala aí... — Pipo apareceu na sala de toalha. — Meu Deus, você
vai pra um enterro?
Sua namorada gargalhou e eu olhei para ela de cara feia. Era assim
que ela me tratava depois de eu permitir que namorasse meu irmão?
— Vai dar meia hora de cu, Pipo — xinguei e me desculpei na mesma
hora em que vi o olhar de ódio de Dona Dea. — E você para de rir. Vó, tá
ruim mesmo?
— Tá péssimo, mano. — Ele coçou a cabeça e começou a falar, todo
sério: — Bota uma gola V preta, aquelas mais cavadas, sabe?
— Que mané gola V preta cavada, porra! — Revirei os olhos,
desfazendo o nó da gravata. — Eu lá tenho cara de quem usa gola V
cavada?
— Pedro, posso dar meu conselho? — a ruiva perguntou, séria. —
Coloca aquela de manga comprida verde que eu dei pro Pipo de presente —
sugeriu.
— Isso! — minha avó concordou. — É bom que ela é quentinha e tá
sereno, depois fica gripado por aí...
— Boa! — Pipo correu até o quarto e tropeçou no skate que estava
jogado no meio do caminho, tropicando e quase ficando pelado no meio da
sala.
— Tira essa porcaria de skate do meio da casa, Felipe — ela berrou
para o quarto, porque ele já tinha corrido. — Depois se quebra todo!
Ele voltou alguns segundos depois e jogou a peça, que peguei no ar,
trocando de roupa ali mesmo.
— E agora?
— Tá lindo, Pepeuzinho! — Ela sorriu, bem bonitinha, levando as
mãozinhas na bochecha quando passou por mim, andando em direção ao
seu quarto.
— Tu é muito fofa, vó — falei, sem conseguir me conter, apertando-a
em um abraço e dando um beijo estalado em sua bochecha.
— Ah, eu também quero! — Pipo fez um biquinho debochado e eu
corri atrás dele e fiz o mesmo, gargalhando. — Tá bom, já sei que você me
ama. Principalmente depois de ter feito sua página bombar.
— Pipo gosta de gozar com o pau dos outros, né, Lavínia? —
perguntei para ela, que deu uma risada.
— Pois é, se não fossem as minhas dicas...
— Nem vem com essa, eu sou o pica das galáxias das redes sociais...
E do skate.
— Tá bom, fodão. Tô indo — avisei, caminhando até a porta, mas
depois que saí, tornei a colocar parte do corpo para dentro da casa. — Vocês
dois vão na boate hoje, não vão?
Heitor havia nos chamado para ir, mas eu tinha um encontro com
meus sogros e estava exausto, então passei o convite.
— Sim — responderam em uníssono.
— Vê se não leva seu escapulário e você, Lavínia, dá uma segurada
nas joias... Essa semana, o Heitor disse que sumiu coisa à beça.
— Já te falei, é a porra do macaco do inferno que está roubando as
coisas.
Eu o olhei, perplexo. Sério que ele iria continuar insistindo naquele
absurdo? Felipe era tão implicante. Só porque o macaquinho eventualmente
roubava o seu boné, ele cismou que Pato furtava as coisas das pessoas!
— Cara, é muito feio você culpar um animal de cometer crimes.
Tchau.

Tinha a impressão de que iria vomitar, ali mesmo, em cima da mesa


de jantar. Estava nervoso pra caralho, morrendo de medo de falar alguma
merda. Era muito diferente de trabalhar para eles, porque antes, se eu
fodesse com tudo, a única coisa que poderia perder era o meu emprego.
Agora o que estava em jogo era Larissa. Não queria que seus pais me
odiassem ou achassem que ela poderia arrumar algo melhor. Bem, talvez
eles já achassem isso.
Empurrei aqueles pensamentos traiçoeiros para debaixo de um tapete
na minha mente e respirei fundo, prestando atenção no que o pai dela estava
falando.
Merda, eu nem mesmo me lembrava o que era. Não dava nem para
sorrir e concordar, porque pelas expressões fúnebres em seus rostos era
alguma merda.
— Uma pena, era tão novinha... Eu gostava tanto dela — a mãe dela
se lamentou.
Viu? Sabia que alguém tinha morrido.
— Ela tinha um cheiro horrível. — Larissa fez uma cara de nojo e eu
a cutuquei por baixo da mesa, fazendo com que me olhasse sem entender.
Porra, falar que a morta fedia era foda.
— Ah, eu tinha um certo apego...
— Mãe, não é como se ela fosse única — Larissa disse, soltando o ar.
— Você pode muito bem comprar outra igual.
Comprar? Uma pessoa?
Porra, tinha me perdido de novo.
— Chega de falar de bolsas, vocês duas... — O pai dela deu uma
risada. — Eu e o Pedro estamos entediados aqui.
Dei uma risada sem graça, agradecendo por elas estarem falando de
bolsa.
— Desculpe. — Larissa corou e apertou minha mão, limpando a
garganta em seguida. — Então, eu decidi que vou começar dois cursos no
mês que vem.
— Mesmo? — A mãe dela perguntou, animada. — Cursos de quê?
— Um de design gráfico e outro de tatuagem.
Ótimo momento para contar para os seus pais que você estava
cogitando, em um futuro, trabalhar comigo, Larissa. Meus parabéns pelo
timming perfeito, linda.
Agora eles iriam me odiar achando que eu queria levar a princesa
deles para marcar as pessoas que nem gado.
— O Pedro é tatuador, não é? — a mãe dela perguntou, já sabendo a
resposta.
— Sim, senhora.
— Laura, querido.
— Sim, senhora Laura — respondi, nervoso.
Que porra estava acontecendo comigo, caralho?
Eles riram, balançando a cabeça em uma negativa.
— Larissa nos contou que estava ajudando a montar o seu estúdio...
— o pai dela deu continuidade ao massacre que eu imaginei que viria. —
Apenas tome cuidado com alguns fornecedores, não é fácil ser empresário.
Eu engasguei com a água que tinha levado até a boca.
— Acho que o senhor está exagerando... Não sou empresário —
expliquei. — Eu sou o artista.
— Certo, mas se está abrindo sua empresa, também é um empresário.
Podemos bater um papo sobre isso em um outro momento, mas você
precisa se enxergar como uma empresa além de artista. Eu tenho um colega
que tem uma agência de marketing e ele pode te explicar um pouco mais
sobre o branding do negócio.
Pisquei, confuso, e apenas concordei, porque não queria parecer
burro.
— Papai, você está deixando o Pedro assustado — Larissa brincou,
quando eu apertei sua mão com mais força sem nem mesmo perceber.
— Desculpe, é minha veia de empresário — disse entre as risadas. —
Vamos falar de um tema mais leve... Você gosta de futebol? Qual seu time,
rapaz?
— Riviera FC — respondi, já com medo, sem nem conseguir respirar.
Meu cu não passava nem wi-fi.
Um grande sorriso contornou seus lábios e ele abriu os braços, em
comemoração.
— Isso! Agora sim! — comemorou. — Finalmente um genro pra ver
os jogos do Riv comigo.
— Você vê os jogos do Riv? — perguntei, um pouco confuso.
— Vê nada, pai. — Larissa fez um chiado com a boca.
— Hoje em dia nem tanto... Nunca tenho companhia e depois que o
time perdeu o patrocínio da DuploM, o time ficou péssimo.
— É, a melhor amiga dele foi para o Botafogo... — lembrei,
balançando a cabeça em uma negativa ao me lembrar que Duda Mazza
tinha saído do clube e levou consigo o patrocínio do playboyzinho dono da
DuploM.
— É complicado, o Marco é botafoguense, está em casa agora —
contou, abafando uma risada.
Nós ficamos conversando um bom tempo e eu finalmente consegui
relaxar quando o pai dela contou que quando era mais novo teve uma fase
rebelde em que ia para o Maracanã escondido do pai e ainda se meteu em
uma briga de torcida.
A mãe dela bebeu algumas taças a mais de vinho e acabou contando
que a vagabunda da Muriel tinha sido presa aquela tarde por ter sido racista
com um funcionário do condomínio em que ela morava.
Ela tinha cortado laços com a irmã e não sabia dos detalhes, quem
tinha relatado tudo foi uma mulher chamada Gertrudes, que pelo visto era
uma amiga fofoqueira do ciclo deles.
Eu deixei escapar um “bem-feito, espero que apodreça lá” e o pai dela
concordou comigo, claramente irritado.
Dava para ver que a mãe de Larissa ainda estava magoada com o que
tinha descoberto sobre a sua irmã, o olhar vazio que fitou o nada seguido
por um suspiro de frustração demonstrava isso.
Havia começado a noite acreditando que a família dela me diminuiria
de alguma forma por conta da minha condição social, profissão ou qualquer
outra coisa. Ainda estava com dificuldades de acreditar que eles haviam
aceitado tudo sem nenhuma resistência. E conforme a noite foi passando,
fui percebendo que aquelas duas pessoas estavam de coração aberto para
mim.
A quantidade de sorrisos genuínos e felizes que ela me deu naquela
noite fizeram com que o meu coração se mantivesse quente. Pela primeira
vez, eu conseguia ver a mulher que eu amava sendo ela mesma na frente de
alguém que não fosse eu.
E foi um bom sentimento.
Vê-la bem e confortável consigo mesma me fazia bem. Eu queria que
o mundo conhecesse Larissa Albertelli por quem ela era de verdade, porque
ela era linda por inteiro.
Nós tínhamos resolvido dormir na casa dos seus pais porque já estava
tarde e assim que os dois nos deram boa noite, ela sugeriu que fôssemos
para o seu telhado.
Nós nos sentamos lado a lado, como costumávamos fazer, e Larissa
acendeu um cigarro, olhando para o horizonte.
— Eu disse que você era uma viciada — zombei e ela me empurrou,
rindo.
— Sabe que faz tempo que eu não fumo, seu idiota... Estava nervosa
pra caralho hoje — contou.
— Eu também, mas tudo deu certo, não deu?
— Mais do que certo, Pepeu — afirmou e eu rolei os olhos quando
ela fez umas bolinhas de fumaça com a boca, divertida.
— Uma dúvida, 190... Foi você que fez a piroca no muro da vaca, não
foi?
Larissa estreitou os olhos, encarando-me através da fumaça do
cigarro. Colocou a mão no peito, como se estivesse se sentindo muito
ofendida.
— É isso que pensa?
— Sim — respondi rindo.
— Acha que eu faria isso?
— Não, tenho certeza de que a minha garota faria isso.
Suas bochechas ficaram vermelhas e ela mordeu o lábio inferior,
escondendo um sorrisinho safado e tirando o meu fôlego como sempre
fazia.
Definitivamente a minha garota. E a única. Para sempre.
A gente é tão diferente
Horóscopo não mente
Eu sou de fogo, você é um furacão
Mas você tomou de assalto
Joguei minhas mãos pro alto
Foi assim que se rendeu meu coração
:: O PROBLEMA É QUE CÊ SABE - ONZE:20 ::

PEDRO QUEIROZ

Em seis meses, o meu estúdio estava bombando e eu tinha uma


infinidade de vídeos viralizados nas redes sociais. Umas semanas depois da
inauguração, comecei a trabalhar que nem um filho da puta e Larissa
insistia para que eu dormisse lá. E não demorou nem mesmo um mês para
que eu me mudasse de vez.
De início, achei que fosse absurdo, cheguei a pensar que aquilo
foderia com nosso relacionamento e que era muito precipitado para um
namoro de tão pouco tempo.
Era difícil não acordar olhando para ela todas as manhãs e comecei a
perceber que sempre que isso acontecia, meu mau humor era elevado à
quinta potência. E acreditem, não tinha nem coerência, porque dez minutos
depois eu estava na cozinha resmungando e me perguntando por qual
motivo alguém se incomodava com as bordinhas do pão.
Ela tinha cinco tatuagens espalhadas pelo corpo agora e estava
pensando na sexta. Uma borboleta azul, uma capivara comendo jujuba, as
Relíquias da Morte, e as assinaturas dos pais.
E em todas elas, a desgraçada me fez testar o decalque centenas de
vezes até que decidisse o local exato.
Eu ensinei diversas técnicas enquanto Larissa fazia o curso e era
empolgante vê-la tão animada ao aprender tantas coisas novas. O traço da
minha garota era foda e eu estava fascinado pelos seus desenhos. E quando
ela terminou, eu finalmente tirei uma semana e deixei que ela tatuasse uns
dez desenhos em mim de uma vez.
Foi difícil, mas importante quebrar aquela barreira pessoal. Por mais
que ainda tivesse medo de que algo acontecesse com a minha avó, eu não
tinha dúvidas de que poderia contar com ela. E era por isso que agora, no
meu pulso estavam os números 1-9-0.
Eu gostava da vida que estávamos construindo juntos, de saber que
havia uma força quase que sobrenatural que nos unia cada dia mais.
— Está preocupado com hoje? — ela perguntou, arrancando-me dos
meus pensamentos.
Nós iríamos em algum evento chique que sua família tinha sido
convidada. Por mais que ela vivesse uma vida bem diferente da antiga, ela
ainda era Larissa Albertelli, a herdeira de um dos maiores hospitais do Rio.
E eu sabia disso quando começamos, sabia o que viria com aquele
sobrenome.
Eu teria que continuar aturando ricos, mas estava lidando até bem
com isso. Antes eu era obrigado a servi-los e ter que escutar a infinidade de
merdas que diziam, hoje, ao menos, eu estava ao lado dela ouvindo os
podres de cada um deles.
Bem, pelo menos o babaca do Gregório não estaria presente. Ela
contou o que ele tinha feito algum tempo depois, os pais de Larissa o
demitiram e o babaca resolveu fazer um curso fora do país.
— Preocupado?
— De precisar dar os seus típicos sorrisos falsos? Aqueles
insuportáveis que você distribuía quando trabalhava no condomínio?
— Não.
Ela veio até mim, enrolando os braços no meu pescoço.
— Mentiroso.
— Não é mentira — afirmei, segurando seu rosto. — Você ainda não
entendeu que por você eu iria em milhares de eventos que odeio, comeria
aquelas comidas bizarras, aturaria os idiotas dos amigos dos seus pais? Eu
aguentaria uma vida infinita de sorrisos falsos e de pessoas vazias, Larissa.
E eu faria isso por uma eternidade se significasse ver o seu sorriso no final
do dia.
Seus olhos brilharam e ela sorriu, tímida. Inclinou-se um pouco e deu
um beijo no meu pescoço, passando a ponta do nariz pela minha pele.
— Eu amo tanto você...
— Eu também amo você.
O barulho da porta chamou nossa atenção e meu queixo caiu quando
Lexie Taylor e Samuel Medici entraram pela porta no que parecia ser uma
discussão. O colunista segurava dois capacetes de moto e a ruiva
movimentava as mãos com rapidez, como se estivesse irritada com algo que
ele havia feito, mas quando os dois perceberam que estávamos vendo
aquela cena, ela simplesmente sorriu e nos deu bom dia.
— Você é o Pedro Queiroz, não é? — indagou, simpática, estendendo
a mão.
— S-sou eu — gaguejei, limpando a garganta e Larissa abafou uma
risada.
— Temos um horário marcado com você.
— Não tem, não... — respondi, franzindo o cenho e depois dei uma
risada sem graça, percebendo que poderia ter soado um tanto grosseiro. —
Desculpe, é que eu me lembraria se vocês tivessem.
— Não marcamos com nossos nomes verdadeiros — ela contou
baixinho, em segredo. — Não queria causar um tumulto no seu estúdio.
— Ah, sim... Muito obrigado, mas não me importaria se causasse.
Você pode causar o tumulto que quiser.
Ela riu e seu namorado estreitou os olhos na minha direção, tentando
parecer um pouco intimidador.
— Essa é minha namorada, Larissa — falei, puxando-a para frente,
porque a última coisa que eu queria na minha vida era despertar o ódio
daquele cara. — Muito sua fã.
As expressões do jornalista se suavizaram e finalmente consegui
respirar na Santa Paz de Deus. As duas se cumprimentaram e Lexie elogiou
a borboleta que eu tinha feito.
Os dois explicaram que tinham visto meu perfil nas redes sociais e
gostaram demais dos meus traços. Agradeci mil vezes e fui buscar o
desenho que já havia esboçado para eles quando recebi a mensagem do que
descobri ser a assistente da Lexie. Ambas eram uma lâmpada do Aladdin,
mas com estilos diferentes uma da outra. Ele queria uma old school[73], já
ela uma aquarela.
Aproveitei e mandei uma mensagem para o Pipo dizendo: “Teu pôster
tá aqui no meu estúdio” e deixei o celular em algum canto, no silencioso, já
prevendo as suas ligações.
Pelo tempo em que eu estava tatuando, Larissa ficou conversando
com a Lexie Taylor, fazendo uma infinidade de perguntas sobre o reality e
dizendo que odiou todos os caras que passaram por lá. E foi só nessa hora
que o Samuel Medici tirou a carranca do rosto desde que o assunto tinha se
iniciado.
Eles eram engraçados juntos e confesso que não imaginava ver aquele
homem que sempre estava debochando de Deus e o mundo ser tão
atencioso. Acho que perguntou umas dez vezes se ela estava bem ou com
dor.
Quando eu os vi entrando por aquela porta, não imaginei que poderia
divulgar nada, afinal, existia todo um mistério sobre as tatuagens de Lexie
Taylor. Quase engasguei no instante em que ela simplesmente avisou que
filmaria todo o processo e me marcaria em cada um dos vídeos das suas
redes sociais.
Ali, naquele momento, eu soube que toda a minha vida iria mudar. Eu
seria o cara que tatuou “A” Lexie Taylor, uma das garotas mais amadas do
país inteiro.
Assim que eles passaram pela porta, foi como se todo um peso saísse
de cima de mim e eu consegui respirar direito, ignorando as ondas furiosas
que formavam um redemoinho.
— Tem ideia do que aconteceu aqui? — Larissa perguntou, também
parecendo tão chocada quanto eu.
— Não.
— Você ganhou tanto seguidor que meu celular travou — contou,
rindo, mostrando o meu perfil que ficava logado no seu aparelho.
— Caralho! — Passei as mãos pelo rosto e tateei meus bolsos à
procura do meu. — Viu meu celular?
— Não, liga pra ele. — Ela me entregou e eu franzi o cenho quando
procurei meu número.
Não encontrei em “Pedro”, nem “Pepeu”, nem “GBR” e nem
“Arrogante Insuportável”. Que porra? Fui até o WhatsApp e busquei pela
minha foto, vendo que meu nome estava como “190”.
— Por qual motivo no seu celular o meu número está salvo como
190? Você é 190, não eu — lembrei, dando uma risada.
Ela sorriu, dando um beijo na minha boca e depois deixou que as
palavras queimassem os meus lábios:
— Porque quando tudo dá errado é pra você que eu ligo. Você fez um
trabalho mais eficaz do que a polícia... Bem, ao menos comigo.
— Por que você é tão fofa e linda, inferno? — perguntei, segurando
seu rosto e esmagando-o em um beijo. — Mas acho que você precisa
colocar 190 e 193.
— 193? — Sua sobrancelha se arqueou.
— Porque sou eu que apago o seu fogo,190 — zombei e ela
gargalhou.
Larissa mordeu o meu lábio inferior e deu um sorrisinho safado.
— Não, GBR, você começa o incêndio inteiro dentro de mim.
Hoje eu acordei disposto a dominar o mundo
Com garra e disposição pra atacar
O inimigo é falho e pelas costas joga sujo
Mas meu Deus é forte e nada vai nos derrubar
:: DOMINAR O MUNDO - MC MENOR MR ::

PATO FRANCO

Eu estava entediado, cansado de ter que lidar com aquelas macacas.


Ser um bad monkey não era nada fácil. Desde que eu tinha me rebelado
contra os da minha própria espécie, me tornei um símbolo de desejo pelas
fêmeas.
Era difícil ser eu.
O que eu podia fazer se preferia lidar com humanos?
Na verdade, nunca foi minha intenção. A primeira vez que eu invadi a
casa dos Francos, foi para pegar algumas frutas porque os otários deixavam
tudo em cima do balcão. Era menos trabalhoso do que caçar.
Então eu descobri um negócio chamado pipoca que foi minha
perdição. A casa tinha diversas coisas maneiras e o cara que ficava por lá
era divertido também. No início, ele se irritava um pouco e eu o perturbava
imitando os barulhos dos patinhos do lago do condomínio porque o ouvi
dizer que sempre dava dor de cabeça. Heitor tentou fechar as janelas para
me impedir de entrar, mas eu arrumava um jeito, então acabei vencendo-o
pelo cansaço.
Pensei: vou ficar por aqui... Os humanos eram bem mais úteis que
meus semelhantes e ainda faziam minhas vontades, como os servos que eu
merecia ter. Minha ideia era apenas usá-los, mas algumas semanas depois,
Heitor me ganhou, eu entrei para a família.
Ele me deu até mesmo um guarda-roupas quando percebeu que eu
tentava imitá-lo. E porra, eu era estiloso pra caralho, sempre que eu saía da
casa com meus looks, quase todas as fêmeas ficavam loucas. Eu as tratava
com um pouco de desprezo, mostrando quem mandava, quem era o macho
alfa. A única que não me dava moral era Pandora, uma idiotinha que
morava na árvore perto da casa dos Bittencourt.
Não havia ninguém no mundo que eu amasse mais do que o meu pai.
Ele tinha me dado tudo e eu faria qualquer coisa por aquele humano.
Também gostava do Pedro, tirando o dia em que ele enfiou o
termômetro no meu cu. Aquilo foi uma trairagem pesada e se ele estivesse
na minha comunidade, teria sido recebido com chuva de cocô, mas como
sou muito educado, me limitei a cagar em sua cama.
Nada mais justo.
Afinal, sou um Franco. E os Francos sempre prezavam por uma boa
educação.
Eu me divertia bastante pelo condomínio, cagando nos retrovisores
dos humanos babacas e adorando ver suas reações exageradas. Meu pai
resmungava, mas tio Pedro me disse uma vez que eu era um bom macaco
por fazer isso.
Quase o perdoei pela invasão ao meu corpo.
Caminhei pelo condomínio e quando cheguei na pista de skate,
percebi que Pedro estava com o otário. Corri até eles e peguei o telefone do
Felipe, o amigo que ele chamava de irmão.
Coitado do Pedro, tinha uma linha tão baixa de aceitação para que
alguém como o Felipe fosse considerado membro da sua família.
Ele estava morando na minha casa agora, para cuidar de mim
enquanto meu pai viajava porque a minha tia tinha quebrado o tornozelo.
Eu tentei me enfiar na sua mala, mas fui barrado com a justificativa de que
macacos não podiam andar de avião, então eu precisava ficar em terra
firme.
Meu cu. Desculpinha tosca para não pagar uma primeira classe para
mim.
— E aí, Pato? — Pedro falou quando me viu e estendeu a mão e eu
fui até ela, cumprimentando-o com um toquinho. — Deixa eu ver essa
patinha.
Tá boa, porra, chega.
— Já disse que ele é dramático, Pepeu — o imbecil falou. — Tá bom
faz tempo já.
Já foi dar meia hora de cu hoje? Incrível como esse merdel amava me
expor.
Fui até ele, subi no skate que estava apoiado entre as suas pernas e
peguei seu celular, fazendo com que suas expressões se fechassem no
mesmo instante. O Pedro riu e eu sorri em resposta, correndo para longe
dele.
— Devolve meu celular, seu macaco do inferno. — Felipe quase
tropeçou no irmão e veio para cima de mim.
Comecei a correr pela pista, rindo da cara dele enquanto me seguia.
Depois subi em uma árvore, me divertindo às suas custas enquanto o trouxa
pulava sem parar tentando me alcançar.
Ai, era tão bom.
— Tá vendo, porra? Manda ele me devolver, Pepeu!
— Ele vai trazer de volta, cara — Pedro o tranquilizou, entre as
gargalhadas. — Sossega.
— Seu ladrãozinho de merda — berrou. — Já te disse! Você tá
vendo? É ele que rouba as coisas na boate.
Eu?
Dei uma risadinha.
— Ele tá mostrando os dentes pra mim de novo, Pepeu!
— Para de acusar o pobre do animal. Ele só está brincando com você,
tadinho.
Sim, só brincando. Hihihi.
— Esse bicho é o mal encarnado — falou e depois voltou a olhar para
mim, cheio de ódio. — Acha que não sei qual é a dele? Tenho certeza que
ele tem um manual pra fazer todos vocês de otário.
— Manual? — Pedro riu.
Essa eu quero ver.
— Sim — berrou, começando a enumerar. — Item número 1: Irrite
outros macacos a ponto deles te expulsarem.
Nunca foi minha culpa, eles apenas não sabem lidar com meu
sucesso.
— Item número 2: Ache um rico trouxa para te bancar.
Que audácia falar assim do meu pai.
Mostrei novamente os dentes e ele me deu o dedo do meio.
— Item número 3: Faça amizade com idiotas e desacredite quem
desconfia da sua índole verdadeira.
Na verdade, você é o idiota.
— Item número 4: Roube joias.
Levei as mãos até a boca, ofendido.
— Item número 5: Engane o país inteiro fingindo ser adorável e
domine o mundo.
Ponderei, pensativo. Eu ficaria bem sentado na cadeira da
presidência, o passado havia mostrado que eu era mais inteligente que
alguns governantes.
Desci da árvore, entreguei o celular para o Pedro para mostrar que eu
era um doce de animal e fazer com que o otário do Felipe parecesse um
doido com mania de perseguição.
A ideia dele não era ruim... Talvez eu pudesse, sim, estar no meio
daquelas pessoas para um bem maior.
Deixei os dois ali e fui correndo para minha casa. Subi no telhado e
tirei uma das telhas onde eu guardava meus bibelôs. Peguei uma pulseirinha
de corações verdes e a analisei. Tinha tirado de uma cantora ruiva e famosa
alguns meses atrás e ela certamente valeria uma grana. Comecei a separar
todas as minhas economias, decidido a traçar um plano para dominar o
mundo.
Todos saberiam quem era o icônico Pato Franco.
MARCO MONTES

Era um absurdo que eu tivesse que esperar sentado em uma sala com
pessoas comuns como se fosse um qualquer. E como se não bastasse, havia
uma porra de uma mulher tossindo feito uma condenada, provavelmente
com alguma doença contagiosa.
Se eu ficasse doente e precisasse ser internado, aquele Louva-Deus
Filho da Puta Herdeiro Perdido dos Vinte Chakras iria ouvir.
Levantei, saindo de perto do aeroporto de germes e mandei uma
mensagem para Rossi dizendo que o amigo dela era um péssimo prefeito,
cheio de descaso com as pessoas que residiam em Coroa do Sul. E avisei
que se pegasse uma doença e morresse, era o seu amiguinho que ela deveria
culpar.
A resposta foi uma risada e um “eu te amo”, como se isso apagasse
toda minha frustração.
Quando finalmente a secretária me chamou, ajeitei meu terno e entrei
no gabinete.
— Sério, cara, você precisa parar de vir aqui. — Ele me deu uma
rápida olhada e continuou assinando alguns documentos.
— É um absurdo você me deixar esperando quase meia hora...
— Quinze minutos — ele me corrigiu e eu bufei, irritado.
— Quase meia hora — insisti. — Em uma sala com uma pessoa
tossindo!
— O que aconteceu, Montes?
— Paula poderia ter ido parar na porra do hospital e eu estaria
esperando meia hora para te avisar, porque nem o caralho do celular você
atende... — continuei a falar, ignorando sua pergunta e despejando toda
minha irritação.
— Se Paula estivesse no hospital, o hospital teria me ligado antes de
você conseguir chegar aqui — retrucou, cheio de si.
— Maldita foi a hora em que autorizei que você namorasse ela.
Ele esticou as costas na cadeira, me lançou um olhar de desdém e riu.
— E desde quando você autorizou?
— Você não sabe de nada, Ortega. E eu não vou perder meu tempo
discutindo com você. Preciso falar sobre algo sério.
— Vamos lá... — respondeu com uma risada e eu o olhei com raiva.
O Monge idiota não levava nada a sério. Por que diabos eu tinha
votado nele?
— Você viu o que o seu amiguinho pau no cu do Medici publicou?
Agora Ortega e Paula tinham virado melhores amigos do casalzinho
famoso. Desmarcaram três jantares com a gente para encontrá-los e como
se não bastasse, ainda chegaram atrasados no aniversário da prima do Nick.
Ele leu a matéria, deu uma risada e me olhou confuso.
— O que eu tenho a ver com isso?
— Tem uma pessoa vandalizando as ruas com esses bichos do
demônio. Tenho certeza que em breve isso vai começar a aparecer aqui e
você, como prefeito, precisa deixar bem claro que esse animal perigoso não
é uma coisa fofinha e engraçada. As crianças vão começar a achar que é
normal...
— Pelo amor de Deus, Montes, é um grafite.
— Que se foda! — retruquei, exasperado. — Está por toda a parte.
Com roupa de bailarina, tomando água de coco, ouvindo música... Um
absurdo!
— Não foi você que tentou colocar o chifre de unicórnio em uma?
Senti meu sangue ferver. Paula era uma traidora de merda.
Ele fez um estalo com a língua e gargalhou.
— É, ela me contou.
— Eu estava bêbado, era um moleque inconsequente... E é totalmente
diferente de ter uma pessoa propagando esses bichos assim.
O idiota não me respondeu, deu uma risada para o celular e ficou
distraído por alguns segundos antes de dizer:
— Alice me mandou uma mensagem dizendo que Paula está louca
para ir em uma pizzaria hoje.
— Não vou fazer o que essa traidorazinha quer. — Sua sobrancelha se
arqueou, cheio de deboche
— Não?
Soltei o ar em desistência. Já tinha um tempo que eu estava sendo
obrigado a seguir as vontades dela
— Que horas? Na verdade, estou até chocado que você não chamou
seu melhor amigo para ir junto.
— Ele não é meu melhor amigo — falou, soltando um chiado com a
boca. — Meu melhor amigo é...
— Eu mesmo, me chamou? — George tinha entrado na sala e estava
sorrindo de orelha a orelha. — E aí, Marco? O que faz aqui?
— Vim tratar de um assunto importante, mas o prefeito está me
tratando com descaso, como sempre faz com os moradores da cidade que se
preocupam com o bem-estar da população.
— Apareceu alguma capivara em algum lugar? — ele perguntou,
prendendo o riso e eu o olhei de cara feia.
— Você está atrapalhando minha reunião — respondi e George
ergueu as duas mãos no alto, rindo e saindo logo em seguida da sala.
— Montes, pronto... Lembrei de algo que posso fazer para resolver
seu problema — ele disse, sério, e eu pisquei, um pouco incrédulo.
— Finalmente!
O Monge começou a remexer na sua gaveta e tirou um papel,
colocando em cima da sua mesa. Eu me aproximei para ler e o olhei cheio
de ódio enquanto ele comprimia os lábios para segurar uma risada.
“Retiro Espiritual para Limpeza e Harmonização Energética do Corpo
e Mente através de Cristais”.
— Sabe onde enfiar esses cristais, Ortega? — respondi entredentes,
sentindo minhas veias do pescoço saltarem.
— Sem abaixar o nível, eu sou o prefeito — lembrou, rindo.
— Que não faz porra nenhuma.
— Sério, posso ir junto. Lá você vai entender que a paz vem de
dentro de você. Toda essa sua agressividade não te faz bem, cara —
começou a falar em um tom calmo.
Meu Deus, eu não sabia como Paula conseguia aguentar.
— Esse retiro pode ser bom e tem uma médium em Três Amores que
pode te ajudar com todo esse medo. Talvez algumas sessões de...
— Ah, Ortega, vai pra puta que pariu! — falei, saindo do escritório.
Ótimo, mais uma vez o inútil não faria nada.
Que se foda!
Se aquelas malditas capivaras aparecessem em qualquer muro da
cidade, eu mesmo iria lá com um balde de tinta branca.
As capivarinhas já são minha marca e não tinha como elas não
estarem presentes no livro novo, então eu dei um jeitinho de inseri-las. Eu
sempre quis que existisse uma parte do meu universo no mundo, então
pensei em uma ação de marketing que pudesse fazer exatamente isso.
Queria que as artes da Larissa fossem reais, que a gente pudesse ver
os desenhos dela por aí. Em contato com o artista Gitirana, contei minha
ideia e ele embarcou nessa comigo.
Gitirana é um talentoso artista bastante conhecido no Rio de Janeiro,
principalmente pelos grafites que faz na cidade. Formado em design
gráfico, trabalhou por quase 10 anos na Rede Globo, no Departamento de
Artes Cenográficas e além disso atualmente também é tatuador.
Seus desenhos são únicos e reconhecidos de longe pelos moradores
do Recreio e Barra, locais onde estão expostas a maioria das suas artes.
Foi incrível a possibilidade de trabalhar com ele e unir duas artes
diferentes (o grafite e a escrita) em um projeto diferente e único.
Tivemos o apoio e autorização dos parques Chico Mendes e
Marapendi, através dos gestores Valéria, Renata e Jorge, que também
aceitaram fazer parte do projeto. Então, hoje vocês podem visitar os locais e
se sentirem um pouco mais perto da nossa protagonista!
Parque Natural Municipal de Marapendi
Avenida Alfredo Baltazar da Silveira, - Recreio dos Bandeirantes
Rio de Janeiro
Parque Natural Municipal Chico Mendes
Av. Jarbas de Carvalho, 679 - Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro

Então é isso... Para alegria de vocês e tristeza do Marco, as capivarinhas estão


por aí.
Fico muito feliz que tenha terminado o livro e do fundo do meu
coração, espero que tenha gostado. Eu escrevi com todo o meu amor, de
verdade. Eu me apaixonei por essa história, pelos personagens e espero que
o mesmo tenha acontecido com vocês.
Sinta-se à vontade para deixar uma avaliação (vou adorar ler) e
também para me procurar nas redes sociais para falar (ou surtar) comigo.
Eu amo conversar e fazer amizade. Amo pra caralho... kkkkkkkk
Caso não tenha curtido, tudo bem. Acredito que nem todas as
histórias se conectam com as pessoas da mesma forma. Ainda assim, espero
que um dia, alguma outra conquiste você.
Ah, e se quiser conhecer mais do meu trabalho, não deixe de ler a
série “E se...”.
Beijos,
Tati.
EM BREVE
LIVRO 2 DA DUOLOGIA

SINOPSE

:: New Adult :: Fake Dating :: Insta Love ::

Felipe Oliveira passou por situações que o afastaram de seu sonho por
muito tempo, agora, ele está decidido a fazer tudo o que for necessário para
mudar não apenas a sua vida, mas de toda sua família.

Lavínia Bittencourt cresceu rodeada por empregadas e babás, mas


nunca pelos seus pais. O seu círculo social está repleto de pessoas esnobes,
arrogantes e mesquinhas, porém, apesar dela ser uma tremenda barbie, tenta
ao máximo não ser igual a tudo aquilo que ela tanto odeia.

Ele é um skatista amador em busca do seu sonho.


Ela é uma patricinha que nunca sonhou.
Ele é de uma comunidade.
Ela é da alta sociedade.
Ele precisa de dinheiro.
Ela, de um namorado falso.

Problema. É isso que dá quando dois completos opostos fazem um


acordo, mas entre competições de skate, problemas familiares, risos e
eventos chiques, se perdem nos personagens até finalmente se encontrarem
um no outro.
No entanto, a diferença social é algo pequeno perto do que precisarão
enfrentar.
A todos os leitores que deram uma chance para conhecer o meu
trabalho, que vibram e se apaixonam pelas minhas histórias.
Ao meu marido fofoqueiro, Thyerry, que precisa ser controlado
porque quer contar tudo antes do tempo pros meus leitores. Obrigada por ler
cada linha e por se empolgar com minhas histórias. Você é para sempre o
meu garoto, meu GBR e o meu 190.
Agradeço à minha outra metade, Mari, que espera para ler cada um
dos meus agradecimentos apenas esperando uma validação do meu amor.
Te amo, amo suas ideias loucas, até mesmo as mais absurdas, tipo o Pato
dirigindo um carro e atropelando a Muriel.
Camis, eu ainda fico chocada em como nossas mentes trabalham e no
fato de sermos tão iguais e diferentes ao mesmo tempo. Essa duologia foi
uma experiência muito incrível e estou completamente apaixonada pelo
universo que a gente criou e por toda a troca que tivemos. Não sei como te
agradecer por ter incluído o Pipo e a Vi na minha vida e por todo o resto
que só você sabe.
Helene, obrigada por sempre estar comigo, por se apaixonar por mais
uma das minhas histórias e por ser a cerejinha no topo do bolo, mesmo no
laço, antes da festa começar! Kkkkkkkk
Cookie, obrigada por toda a inspiração, por ser o melhor amigo de
todo o mundo. Eu tenho muito orgulho de quem você é.
A todas da minha equipe que estão comigo nos bastidores, auxiliando
em cada processinho, cuidando das minhas coisinhas e me ajudando a ser
uma profissional melhor. Tati e April, sou muito grata por fazerem parte da
minha trajetória até hoje e por me amarem mesmo eu sendo uma amiga
relapsa em alguns momentos. Bru, obrigada por me mandar respirar, me
lembrar de tomar água e fazer tudo do jeito que eu amo. Gabi, você foi
incrível nesse lançamento, obrigada por entender meus surtos e acompanhá-
los. Rosi, você é maravilhosa, eu te amo demais e agradeço todos os dias
por te ter na minha vida.
Malu A., obrigada por me contar um pouco mais sobre o mundinho
das pessoas ricas, você foi de grande importância para essa história.
A Thyenny, que correu super atrás para que o projetinho do
CapiSplash desse certo, precisou tirar todas as minhas dúvidas veterinárias
e até mesmo aceitou (em nome da literatura) receber um golpe de jiu-jitsu
da sua esposa. Carol, obrigada também por todo auxílio, vocês são
incríveis.
Isa, Aline e Carol, obrigada por betarem meu livro, por ficarem
loucas e apaixonadas por Pepeu e Larissa me pedindo mais capítulos. Vocês
me deram um gás absurdo, acreditaram na história quando muitas vezes eu
não acreditei. Amo vocês.
Às meninas do meu grupo de Sprint por todo incentivo para que esse
livro saísse, mesmo eu sendo uma pau no cu em alguns momentos comendo
um cheddar na frente da câmera.
Bu, Dri, Stef e Mi, obrigada por toda amizade e força sempre.
À Bebelzinha e Laís, que cuidam do meu grupo com tanto carinho e a
todos os leitores que estão lá diariamente me enchendo de amor.
A todas as minhas parceiras e influencers, que estão ao meu lado, me
divulgando, torcendo por mim e fazendo de tudo para pregar a palavra de
Tati Biasi.
A todas as pessoas que estão ao meu lado diariamente, me auxiliando
de alguma forma, me dando força e a todos que vão me perdoar por ter
esquecido alguém, porque minha memória já foi com Deus.
CONHEÇA OUTRAS OBRAS DA AUTORA

E SE EU PRECISASSE DE VOCÊ?
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Alice Rossi tem uma vida sexual um pouco frustrante. Marco Montes
tem uma vida sexual invejável.
Ambos se odeiam desde que se entendem por gente, mas Alice vê sua
vida virando de ponta cabeça quando descobre uma traição de seu
namorado e aceita se mudar temporariamente para o apartamento da sua
melhor amiga. Existe apenas um porém, ela mora com Marco.
Depois de muitos encontros frustrantes e uma noite atípica, os dois
acham termos para a convivência se tornar mais tolerável.
Sem envolvimento. Sem exclusividade. Sem beijos.
Eles não contavam que o universo, intitulado por Alice como seu
arqui-inimigo, fosse criar uma forma de aniquilar todas as questões do
passado, reduzindo a pó tudo o que antes era tão bem definido entre os dois.
Marco Montes poderia descrever esse livro como: a nerd insuportável
que odeia o gostoso empresário e dá um jeito de foder com toda sua vida.
E SE EU ME IMPORTASSE?
LIVRO 2 DA SÉRIE 'E SE'
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Paula Braga nunca se importou com ninguém além dos seus.


Leonardo Ortega se importa com qualquer ser humano que cruza seu
caminho.
Ela é a Princesa da Tríade do Mal. Ele é o Garoto de Ouro da cidade.
O ódio sempre ditou a relação dos dois. E quando a fase mais
esperada da vida de Leonardo se inicia, ele descobre que Paula será
responsável por cuidar da sua imagem para que seja eleito o Prefeito de
Coroa do Sul.
Mesmo que Leonardo repita milhares de mantras na sua cabeça, a
raiva de Paula por ele parece incontrolável e seu jeito o tira do sério. E por
mais que seja difícil trabalharem juntos, com o tempo, se torna ainda pior
permanecerem separados.
Totalmente opostos e capazes de criar uma química de intensa
potência quando toda raiva explode entre eles.
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Duda Mazza sempre soube lidar com seus sentimentos. Nicolas


Guedes construiu uma barreira em seu coração.
O ódio que se transformou em amizade. A amizade que se
transformou em amor.
Um acontecimento altera tudo, desestabilizando o que antes parecia
tão intocável. Duda se vê tendo que lidar com as consequências de um
segredo de sua família escondido por anos. Nick precisa entender como
ultrapassar seus medos e inseguranças.
Em um momento em que todas as relações são postas à prova e os
sentimentos são questionados, ambos precisam aprender como domar seus
próprios demônios.
A história dos dois parecia escrita, mas sempre houve uma parte que
não foi contada. E agora, existia uma outra que ditava novas direções.
TODAS AS NOSSAS ESTRELAS
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Samuel Medici é um colunista de fofocas que odeia famosos.


Conhecido por seu humor ácido e por não perdoar as celebridades, ele diz o
que pensa, sem medo de retaliações.
Lexie Taylor é uma artista que cresceu na mídia e não suporta os
fofoqueiros de plantão. Sempre com o rosto estampado nas colunas da
QueenG!, o maior site de fofocas do Brasil, tem uma lista de namoros
fracassados.

Tudo muda quando Lexie ganha o seu próprio reality show: “Quem
vai ficar com Lexie?” e se vê indo para um resort em Angra dos Reis em
busca de um namorado.

O que ela não contava era que Samuel Medici, seu maior pesadelo,
também estaria lá. Em uma confusão de dinâmicas, provas, encontros e
desencontros os dois vão percebendo que o ódio é apenas uma combustão
para algo ainda mais forte.

[1] Pokémons são criaturas ficcionais do desenho animado Pokémon.


[2] A NTU e a Embarq Brasil apresentam o Bus Rapid Transit (BRT), um sistema rápido por ônibus

que já é parte das soluções para a mobilidade urbana na superfície.


[3] Bart Simpson é um personagem criado por Matt Groening.
[4] Vick é uma personagem do livro “Não se Apaixone”, da autora Camila Cocenza.
[5] O Boticário é uma empresa de cosméticos e perfumes brasileira.
[6] Rolex S.A. é uma empresa suíça fabricante de relógios de pulso de luxo.
[7] Drink.
[8] Parque Chico Mendes, localizado no Rio de Janeiro e atualmente no local pode ser encontrado o

grafite mencionado no livro.


[9] Parte de trás do skate.
[10] Descida no skate.
[11] Gíria para ficar apaixonado.
[12] Forma contraída da expressão "meu irmão", gíria muito utilizada por cariocas.
[13] Manobra de skate.
[14] Empresa farmacêutica fictícia de Marco Montes, personagem principal do livro da autora “E se

eu precisasse de você?”.
[15] Cidade fictícia da série “E se”, da autora.
[16] Personagem da série “E se”, da autora.
[17] Veuve Clicquot é uma marca de champanhe de Reims, França.

[18] Modelo de carro da marca Mini.


[19] Gato de Botas é um personagem de Shrek, uma franquia de filmes de animação.
[20] Said e Jade são personagens da novela “O Clone”, exibida na Rede Globo em 2001 e atualmente

no catálogo do Globoplay.
[21] Gangue fictícia.
[22] Gíria que significa ir embora.
[23] Smart TV é uma expressão do âmbito da tecnologia e que significa "televisão inteligente".
[24] Casas Bahia é uma popular rede de varejo de móveis e eletrodomésticos do Brasil.
[25] A Amazon Alexa, também conhecida como Alexa, é uma assistente virtual desenvolvida pela

Amazon.
[26] Roomba é um aspirador robótico fabricado e vendido pela iRobot.
[27] Expressão que significa ‘me esquece’, ‘me deixa em paz’.
[28] A pavlova é uma sobremesa em forma de bolo e a base de merengue, cujo nome é uma

homenagem à bailarina russa Anna Pavlova.


[29] Lê-se: Um. Nove. Zero.
[30] Bob Esponja é um personagem de um desenho animado.
[31] Site de busca.
[32] Time fictício da série “Artilheiros”, das autoras: Camila Cocenza, Maya Passos, Carina Reis e

Jéssica Luiza.
[33] Time fictício da série “E se”, da própria autora.
[34] Personagem principal do livro “Plano de Jogo”, da autora Camila Cocenza.
[35] É uma gíria que vem do significado da sigla "boletim de ocorrência". Significa que algo deu

errado, que existe um problema.


[36] O “pedido de música” tradicional no programa Fantástico, da TV Globo, é uma brincadeira que

os apresentadores fazem com os atletas de futebol que marcam três ou mais gols em uma mesma
partida. A música escolhida aparece ao fundo enquanto passam imagens do jogador em tela.
[37] Boneco.
[38] O Gudang Garam, também conhecido como Cigarro de Bali, é um produto da Indonésia com

sabor de cravo.
[39] Gíria utilizada para dizer que a pessoa platinou o cabelo.
[40] Copa é abreviação de Copacabana, bairro do Rio de Janeiro.
[41] Gíria utilizada para denominar uma pessoa que se acha, que não dá muita moral para ninguém,

que não leva desaforo para casa, meio briguento, seco.


[42] Área localizada no Recreio dos Bandeirantes.
[43] Strike é uma banda de rock brasileira formada em 2003 na cidade de Juiz de Fora, em Minas

Gerais.
[44] Avril Lavigne é uma cantora e compositora franco-canadense.
[45] Spotify é um serviço de streaming de música.
[46] Movimento de jiu-jitsu.
[47] A montada é a posição suprema, na qual o lutador do jiu-jitsu exerce amplo domínio sobre o

rival.
[48] A chave de braço — também conhecida pelo termo em inglês, armlock — é um golpe de jiu-

jitsu no qual o lutador pega o braço do adversário e coloca-o entre suas pernas.
[49] Cumprimento utilizado dentro das artes marciais, principalmente no jiu-jitsu brasileiro.
[50] Gíria que pode significar uma volta, um passeio ou algum evento.
[51] O “chorinho” do carioca refere-se ao pedido de uma dose extra.
[52] Manobra de skate.
[53] Manobra de skate.
[54] Manobra de skate.
[55] Instituto Nacional de Câncer.
[56] O Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO) é uma unidade
de saúde do Estado do Rio de Janeiro, no Brasil.
[57] Gíria que significa uma solução improvisada para resolver um problema ou uma necessidade.
[58] É um adesivo termofixo que endurece quando mistura a resina epóxi com um agente catalisador,

também chamado popularmente de “endurecedor”.


[59] GoPro é uma linha de câmeras de ação.
[60] Saara é considerado o maior shopping a céu aberto do Estado. Formado por onze ruas nas

adjacências da Rua da Alfândega, reúne mais de 800 lojas, a maioria voltada para o comércio
popular.
[61] A Capa da Invisibilidade é uma capa criada para esconder aquele que a usa, mencionada no livro

da saga Harry Potter.


[62] Porta dos Fundos é uma produtora de vídeos de comédia veiculados na internet.
[63] Parque Natural Municipal de Marapendi, localizado no Rio de Janeiro e atualmente no local

pode ser encontrado o grafite mencionado no livro.


[64] Coca-Cola.
[65] Gíria que significa pessoa que trai a confiança de alguém; dedo-duro.
[66] O PET Scan é um exame de imagem similar à tomografia computadorizada, mas com

capacidade de identificar alterações nas células em estágios muito iniciais.


[67] Frase do filme Jogos Vorazes, que significa “Eu me ofereço como tributo” e muito utilizada em

memes.
[68] Casa de luta clandestina fictícia.
[69] O uppercut é um golpe desferido de baixo para cima que visa atingir o queixo do oponente.
[70] O jab é um soco utilizado nas artes marciais.
[71] Arte de um combate em que o lutador abraça o adversário para lhe impedir os golpes
[72] A mão de vaca no Jiu-Jitsu, nada mais é do que uma finalização que força a articulação do

punho.
[73] Old school e aquarela são estilos de tatuagem.

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