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PE PIO HENSGENS

PE PIO HENSGENS

A MISTICA DE UMA VOCAÇÃO


Manuscritos de Filosofia
Teologia, Religião

Manuscritos de Filosofia
Teologia, Religião e Mística
Dedico esta obra a todos os homens e mulheres que lutaram e lutam por um
mundo mais humano, a todos aqueles que sonharam e sonham a erradicação
da miséria do analfabetismo no Brasil e na América Latina.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO:
CAPÍTULO 1: ALGUMAS NOTAS SOBRE O CONTEXTO MÍSTICO-
FILOSÓFICO DA OBRA EM CENA

1.1 A ÉTICA: Aspectos místico-filosóficos................................................


1.2 Sócrates e a Paideia da alma................................................................
1.3 Platão em diálogo com a assombrosa justiça.....................................
1.4 Aristóteles e a ética da justa medida...................................................
1.5 Mestre Eckart o desejo e a deidade.....................................................
1.6 . Baruch de Spinoza e a ética inspirada na geometria sagrada........
1.7 Soren Kierkegard e os estádios da alma humana...............................
1.8 Immanuel Kant e a ética da vontade
santa...........................................

CAPÍTULO 2 NOTAÇÕES BIOGRÁFICAS DE PADRE PIO HENSGES

2.1 INFANCIA E VIDA FAMILIAR

2.2 A SEGUNDA QUERRA MUNDIAL NA HOLANDA: TEMPOS DIFÍCEIS

2.3 A VOCAÇÃO SACERDOTAL

2.3.1 O SEMINÁRIO MENOR, NOVICIADO E SEMINÁRIO MAIOR

2.3.2 CON (VOC (A) ÇÃO AO BRASIL: ARQUIDIOCESE DA PARAÍBA

2.4 ATUAÇÃO NA ARQUIDIOCESE DE NATAL:

CAPÍTULO 3: O CONTEXTO SACERDOTAL DE PADRE PIO: A IGREJA


DO VATICANO II

3.1 BREVE HISTÓRIA DO CONCÍLIO VATICANO II


3.2 O VATICANO II E A RENOÇÃO DA IGREJA CATÓLICA: “NOVOS
VENTOS E NOVOS TEMPOS”

CAPÍTULO 4: NOTAS SOBRE A MEMÓRIA DAS COMUNIDADES


ECLESIAIS DO SAGRADO CORAÇÃO E SÃO JOÃO BATISTA

4.1 A formação dos agentes e as pastorais


4.2 o mestre e os discípulos: as aulas mensais para os agentes de
pastorais

4.3 As missões populares

CAPÍTULO 5: ALGUMAS NOTAS SOBRE A NORMATIZAÇÃO DOS


DIREITOS HUMANOS E DO CIDADÃO

CAPÍTULO 6: A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

6 .1 O JORNAL CAMINHADO

6.2 A COMISSÃO PONTIFÍCIA JUSTIÇA E PAZ

REFLEXÕES INACABADAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO

A obra que ora se torna pública faz um registro e ao mesmo tempo um


resgate de um trajeto vocacional de Gerard Hubert Hensgens - Padre Pio. Em
um primeiro momento, buscamos apresentar aspectos de sua biografia.

É nesse sentido que contemplamos o sentido da vida humana, como


ponto de partida para a consagração de uma vida cristã e apostólica. A
existência humana percorre várias etapas coroadas com o sentido da
esperança. Tais etapas se fazem representar pela infância (a necessidade de
apoio, colo, afeto), Adolescência (estádio das incertezas, instabilidades,
buscas, conflitos); a fase adulta, (cujas características são a construção de
uma maturidade, o equilíbrio dinâmico, a predisposição para o cuidado, a
solidariedade) e a maturidade, conquistada cujo símbolo é a serenidade a
sabedoria, tais como as sementes, as flores e os frutos maduros. Aqui relembro
as lições do mestre Soren Kierkergaard quando ensina que nós vivenciamos
três fases, ou estádios em nossa existência o estético: a época das conquistas,
expressão do narcisismo estético corporal, como Don Juan; o ético
expressando uma vida governada por valores morais, as responsabilidades
institucionais: a família, a profissão e o estádio religioso como a transcendência
dos limites do homem. É o que ousou Abrahão, o pai da fé. Ele entrega-se
radicalmente à fé, ao desconhecido. O estádio religioso é o momento em que a
honestidade natural não é mais suficiente, porque a fé impõe obrigações, que
podem entrar em conflito com a lei.

“Depois Deus tentou Abraão e disse-lhe: pega Isaac, teu filho único e
que te é tão caro e vai à terra de visão; nela irá mo oferecer em holocausto,
sobre uma das montanhas que te mostrarei” (GÊNESIS, XXII, 1ess).

Sara, apesar de idosa, deu à luz a Isaac (aquele que ri) Deus cumpre o
trato, entretanto, aquele que á é aquele que toma e Deus quis que Abraão
sacrificasse o seu filho. Assim, escalou o monte escolhido por Deus com Isaac,
ergueu um altar, sobre o qual depôs a madeira para o holocausto. Estendeu a
mão e pegou a faca para imolar seu próprio filho, de acordo com o desejo do
Senhor, entretanto, naquele momento um anjo intervém:

“Não coloques a mão sobre a criança, não lhes faça qualquer mal”.

Deus constatou que seu servidor tinha fé e que para obedecer-lhe,


Abraão não hesitara em sacrificar seu filho único, Abraão era o maior de todos
os homens na fé. O caso de Abraão “através de seu ato foi além de todo
estágio moral; tem para além disso um TELOS diante do qual suspende esse
estágio” (KIERKEGAARD, 1964, p. 53).
Conforme Kierkegaard, é exatamente a fé que constitui a forma
verdadeiramente autêntica da existência finita, vista como o encontro do
indivíduo com a singularidade de Deus.

Os homens, que a exemplo de Abrahão e Padre Pio ultrapassaram a


condição de mediocridade conforme destaca José Ingenieros, na obra “O
homem medíocre”, fazendo-nos pensar sobre a mediocridade que marca as
sociedades modernas, com os homens envoltos em suas rotinas e sem
idealismo. São seres humanos “normais” que passam a vida sem vivê-la. Na
verdade, reproduzem e vegetam. São homens e mulheres imersos em seus
pequenos mundos, excessivamente prudentes, pragmáticos e sem ideais.
Recusam-se a sonhar! Os seus horizontes não vão além dos instintos e
necessidades imediatas. Ainda podemos pensar com Dostoievski, para quem é
preciso transcender da condição de homem ordinário pata atingir a audácia do
homem extraordinário.

Pois bem! Nessa trajetória, alguns sentimentos se evidenciam tornando


as nossas vidas ainda mais próximas: o amor e a vocação.
CAPÍTULO 1: BREVES NOTAS SOBRE A ÉTICA DA VOCAÇÃO HUMANA

1.1 EPICURO E A ÉTICA DO JARDIM

O texto que se segue busca apresentar alguns aspectos do


pensamento de Epicuro, destacando sua compreensão sobre a relação entre
felicidade e desejo.

Pretende-se apresentar alguns fragmentos de sua vida e obra, no


sentido de compreender o contexto de sua época e as o perfil de seu
pensamento filosófico. Busca-se pensar sobre a noção de felicidade, expressa
na ética do Jardim.

1.1.1 Aspectos da vida e da obra de Epicuro

Epicuro nasceu em Atenas, provavelmente em Samos, porém era


considerado cidadão ateniense, pois viveu em cidade de origem apenas nos
primeiros anos de sua vida. Era de família modesta cujos pais se
estabeleceram em Samos como colonos. (Huisman, 2001)

Sua vocação filosófica iniciada precocemente foi influenciada por


alguns mestres, embora suas relações com os quais não tenham sido
harmoniosas. Dentre aqueles que exerceram influencia sobre Epicuro se
destacam Pânfilo e o peripatético Praxífanes e, sobretudo Nausífanes.

Dotado de uma personalidade metodológica, em que se evidencia sua


originalidade, o autor em estudo se destacava não somente pela sua filosofia,
mas pelo seu jeito sui generis de ensinar (Huisman, 2001)

Foi aproximadamente em 310 a.C que iniciou seu ofício de professor


na cidade de Mitilene, ilha de Lesbos, depois parte para Lâmpsaco, na Ásia
Menor, onde reuniu seus primeiros discípulos. (Huisman, 2001)

É importante situar Epicuro no contexto histórico e político da Grécia,


em sua transição para o período helenístico, quando ocorre a expansão e
difusão da cultura grega como patrimônio comum a todos os países
mediterrâneos. Nesse período “as ciências particulares começam a ter
desenvolvimento autônomo, despregadas do tronco original da antiga
sabedoria filosófica.” (Pensadores, 1980, p. VI). Tal contexto, ante as novas
condições impostas ao mundo grego, o conhecimento deixa de ser visto
dirigido para preparação da atividade política, assumindo um novo significado,
qual seja o aprimoramento interior do homem. A filosofia vai buscar a
sedimentação de normas universais para a conduta do homem. Nesse sentido
a questão ética torna o centro das discussões das diferentes correntes do
pensamento filosófico.
Pois bem! É no espírito dessa época que emergem as lições oriundas
da escola de filosofia denominada de “Jardim de Epicuro”. A filosofia, na
compreensão de Epicuro, deveria constituir-se como instrumento de libertação
e como caminho para a felicidade, que se traduziria na serenidade do espírito
pelo domínio do homem sobre si mesmo.

1.1.2 Felicidade e desejo em Epicuro

Epicuro propõe, através de sua filosofia, libertar a humanidade dos


temores da morte e do medo aos deuses para poder usufruir da felicidade.
Para ele, “os deuses são seres perfeitos que não se misturam às imperfeições
e as vicissitudes da vida humana. Nesse sentido, sua perfeição suprema
constitui o ideal a que aspiram os sábios devendo ser objeto de culto
desinteressado, não tendo sentido, portanto, adorá-lo de maneira servil,
temerosa e igualmente interesseira. Ao que diz Epicuro:

Em primeiro lugar, considera a divindade um ser vivo e feliz, de


acordo com a noção de divindade impressa em nós pela natureza, e
não lhe atribua coisa alguma estranha à imortalidade ou incompatível
com a felicidade. Crê firmemente que a ela convém tudo o que pode
confirmar e não eliminar a sua bem-aventurança e felicidade. Epicuro,
apud(LAÊRTIOS, 2008, p. 311).

Pode-se ainda dizer, sob a inspiração de Epicuro, que a libertação do


temor em relação aos deuses não é suficiente para atingir a efetiva felicidade.
Para isso, adverte Epicuro, necessário se faz que o homem se livre do desejo
incontrolado dos prazeres e da fuga ansiosa do pesar pelas dores e
sofrimentos. É preciso reconhecer-se como ser integrado de modo perfeito à
natureza universal, discernindo entre o ato de buscar o prazer e fugir da dor
naturalmente como faz os animais, e o prazer necessário à vida. O prazer, em
sua dimensão ética deve conduzir a vida do homem, isto é, o “prazer do
repouso”, que se traduz como ataraxia. (ausência de perturbação) e a aponia
que significa ausência de dor. (Pensadores, 1980).

Sobre a relação entre a felicidade e o desejo, o pensador defende que


alguns desejos humanos são necessários à felicidade, outros à tranqüilidade
humana e ainda existem outros necessários à vida. Segundo ele “um
entendimento correto dessa teoria permitir-nos-á dirigir toda escolha e rejeição
com vistas à saúde do corpo e a tranqüilidade perfeita da alma, pois isso é a
realização suprema de uma vida feliz.” Epicuro, apud(LAÊRTIOS, 2008, p.
312).
Epicuro ainda insiste em mostrar que o homem sente necessidade do
prazer tão somente quando padece pela ausência do prazer, paradoxalmente
quando não sofre ele não sente a necessidade do prazer. Daí se pode dizer, à
luz do pensamento do filósofo que o sofrimento propicia o desejo do prazer e
este é o princípio e a finalidade de uma vida feliz. Epicuro, apud(LAÊRTIOS,
2008).

Epicuro ainda adverte que o prazer é nosso bem primordial e


congênito, este constitui a realização suprema da felicidade.

É importante destacar que a física explicada por Epicuro está


subordinada à ética. Sendo assim aquela somente ganha legitimidade se for
utilizada como remédio para as doenças da alma. A física é necessária como
verdadeiro instrumento de acesso a uma vida feliz.

A humanidade desde sempre busca a felicidade no prestígio, na


riqueza, no poder, fama, conquistas diversas e essa busca parece nunca ser
satisfeita, dado que o desejo de felicidade é um horizonte inalcançável. Sendo
assim, interagindo os princípios éticos de sua filosofia com física, Epicuro em
suas lições na Escola do Jardim, conduz a pensar em primeiro lugar na
natureza como fonte de equilíbrio do homem, em busca da ataraxia1 como
serenidade da alma vivenciada na realidade material. Em segundo lugar ele
ensina e inspira a buscar um modelo de sociedade autossustentável, sem
preconceitos ou etnocentrismos dos pretensamente mais fortes, mais ricos ou
culturalmente mais sábios. Contudo, sob o ponto de vista de Epicuro, a
felicidade é encontrada no cultivo da amizade, no compartilhamento dos
prazeres essenciais na vida comunitária, cuja conduta constitui o capital vivo da
felicidade.

1.3 ARISTÓTELES E A ÉTICA DA JUSTA MEDIDA

Aristóteles (385-322 a C) nasceu em Estagira, filho de Nicômaco,


médico do rei Amintas II, da Macedônia (pai de Felipe). Em 367 vai estudar em
Atenas, e torna-se um dos mais brilhantes discípulos de Platão. Em 348, talvez
instigado pelo mestre, vai ministrar aula em Assos, na corte do tirano Hérmias
de Atarnéia. Ali começa a ministrar ensinamentos já demonstrando sua
originalidade. Inicia a fazer pesquisas no campo da biologia. De 343 a 342, foi
chamado a Macedônia, para ser preceptor do jovem Alexandre. Em 335 retorna
a Atenas e funda o Liceu, escola rival da Academia. Ali ensinava sob um
pórtico ou passeando por entre as alamedas de um bosque, daí o nome
peripatéticos ou passeadores, como chamados os seus alunos.

1
O termo sugere a ausência de intranquilidade, isto é, a tranquilidade de ânimo. É nesse contexto que
Epicuro fala de felicidade como bem estar, harmonia.
Os escritos atribuídos a Aristóteles versam sobre quase todos os
campos do saber conhecidos na Antiguidade, como as ciências teóricas, por
ele assim classificadas, cujo objeto é o ser, sob seus diversos gêneros
(matemática, física e teologia ou filosofia primeira), as ciências práticas, que
tinham como objeto o bem, como finalidade da ação (ética e a política) e as
ciências poéticas, que estuda as condições de produção da obra bela (poética
e retórica).

Aristóteles é considerado o fundador da lógica, graças a suas obras


(Categorias, o tratado Da interpretação, os dois Analíticos, Tópicos e As
refutações sofísticas) obras estas reunidas sob o título de Organon.
1.2.1 A ética como ciência da conduta humana

Importante se faz destacar, nesta narrativa, uma reflexão sobre a


nossa vida cotidiana, o que os pensadores dialéticos denominam de práxis;
pois bem, podemos afirmar que existem duas concepções de ética. Uma
definindo a ética como ciência do fim para o qual a conduta humana pode ser
orientada, tendo os meios para orientar tal fim, cujos fins e meios pertencem à
natureza do homem.

Já a segunda concepção define a Ética como ciência do móvel da


conduta humana, visando disciplinar a conduta. A primeira concepção fala do
ideal para o qual a humanidade deve se dirigir, como sua natureza
(substância). A segunda se refere aos motivos ou “causas” da ação do homem,
das forças que a determinam, se atendo aos fatos. Desse modo, ambas
buscam analisar a noção de BEM. Este representando uma realidade perfeita,
representando a felicidade.

A primeira concepção afirma que o Bem é pelo fato de que é e a


segunda concebe o Bem como objeto do desejo ou das aspirações. Sendo
este objeto dos apetites e do prazer, este se constituindo como móvel.

Em Aristóteles encontra-se o protótipo desta primeira concepção, que


advoga a busca da felicidade como fim do homem. Para o autor a felicidade
consiste em se aperfeiçoar como homem.

O BEM do homem consiste em uma atividade da alma, segundo a


sua virtude, e como as virtudes são mais de uma, segundo a melhor e
a mais perfeita. Mas é preciso acrescentar: em uma vida completa,
com efeito, uma só andorinha não faz verão, nem um só dia, da
mesma forma, um só dia não faz nenhum homem bem-aventurado ou
feliz.

Noutros termos, é preciso o hábito da virtude bem, de modo cotidiano e


habitual e juntamente com os outros, é que o tornará feliz.

1.2.2 A Ética como Virtude

Segundo Aristóteles, o homem deve buscar imortalizar-se, tal


conclusão ele chega em sua obra “A Ética a Nicômaco”, (cap. X, 7). As
reflexões do autor são guiadas pelo conceito de natureza e toda a atividade
humana tem por fim o bem do agente, que é a felicidade (eudaimonia), que por
sua vez consiste em realizara natureza do ser que tende para ele.

A natureza do homem, por ser o tem de mais elevado no reino animal,


é a que comporta um maior nível de indeterminação e contingência em sua
realização. Quanto mais alto, mais cansativo o esforço necessário no sentido
da sua aproximação. Por isso, a vontade do homem é sempre falível e
precária, precisando ser educada. Desse modo, para fazer o bem não basta a
boa intenção, se faz necessário um hábito, ou seja, uma disposição adquirida,
e que se torna irreversível. Trata-se, portanto do que Aristóteles chama de bom
costume ou virtude (aletheia). Aristóteles define dois tipos de virtude: as
virtudes dianoéticas e as virtudes éticas.

As primeiras se referem a parte intelectual da alma, que são cinco:


Arte, Ciência, Sabedoria, Sapiência e Intelecto. Estas pertencem ao campo da
contemplação e constituem como princípios norteadores da vida do homem. A
sapiência, uma das virtudes dianoéticas pertencem ao campo da
contemplação.

As virtudes éticas constituem o comportamento prático, sendo


adquiridas pela repetição de uma série de atos sucessivos. “É fazendo que
aprendemos a fazer”, “é realizando ações justas [que nos] tornamos justos”.
(ARISTÓTELES,

As virtudes tornam-se como que “hábitos”, “estados” ou “modos de ser”


que construímos [...].

As virtudes éticas se constituem como o justo meio ou a mediania, e a


razão passam a intervir para o alcance deste justo meio. Trata-se do meio
termo entre os excessos.

As virtudes éticas: Coragem, Temperança, Liberalidade,


Magnanimidade, Mansidão, Franqueza e JUSTIÇA. Esta última é a maior de
todas.

VIRTUDE EXCESSO FALTA


Coragem Temeraridade Covardia
Temperança Intemperante Insensível
Liberalidade Prodigalidade Avareza
Magnanimidade Vaidoso Moderado
Mansidão Irascilidade Pacatez
Amabilidade Obsequiosidad Mal-Humor
e
JUSTIÇA (RAINHA DAS VIRTUDES)

Virtude é, pois, uma disposição de caráter, relacionada com a escolha


e consiste numa mediania, a qual é determinada por um princípio racional,
próprio do homem, dotado de sabedoria prática. É um meio termo entre dois
vícios, um por excesso e outro pela falta, posto que, enquanto os vícios vão ao
excesso ou ficam aquém do quer é conveniente quanto às paixões, a virtude
escolhe o meio termo. Todavia, nem todas as ações e paixões têm meio termo,
a exemplo das paixões: a maldade, a inveja, o despudor e o despeito ou das
ações como: o adultério, o furto e o assassinato, para estas paixões e ações
não existe meio termo, já são vícios por si mesmas.

A virtude é por ele chamada de segunda natureza, tendo a tarefa de


suprir as deficiências da primeira, ajudando-a a se realizar. A virtude ganha um
sentido de capacidade qualquer, por excelência, e capacidade ou potência
moral do homem. A virtude considerada como hábito ou disposição racional do
homem. Nesse sentido, segundo o autor, tal virtude torna o homem bom e lhe
permite cumprir bem sua tarefa.

1.4 BARUCH DE SPINOSA E A ÉTICA HUMANA

A parte IV da Ética de Espinosa trata “Da servidão humana ou das


forças das afecções”. Nela o autor explica de que maneira os homens são
naturalmente sujeitos às diversas afecções, definidas ao longo da parte III;
apresenta também, por conseguinte, as medidas políticas a serem tomadas
para governar os homens, na medida em que eles são escravos dos afetos.
Mas os artifícios de que se lança mão para restringir as ações dos homens por
causa de seu caráter passional são somente provisórios e permanecem aquém
de uma vida humana efetivamente livre. Com efeito, a verdadeira liberdade,
para Espinosa, define-se, não como capacidade de suprimir os afetos naturais,
mas de colocá-los a favor dos homens. Isso se torna possível na medida em
que os homens entendem os seus afetos que, assim, de paixões se tornam
ações. Na parte IV ocorre uma dupla abordagem: o homem como escravo das
paixões por um lado, e por outro, o homem como efetivo agente; e quanto à
servidão humana, ela recebe a sua explicação adequada, pelo que Espinosa
se opõe àqueles que simplesmente condenam os vícios dos homens, sem se
preocupar em conhecê-los. Trata-se de definir a natureza humana e as causas
naturais das ações e paixões dos homens.

Os elementos constitutivos da explicação da natureza humana são


dados nas definições da parte IV da Ética, demarcando o lugar específico da
natureza humana como parte da Natureza em geral. A partir dessa
demarcação, define-se o que são as coisas em relação à natureza humana e
como se porta o homem com relação às coisas que o circundam. Isso não quer
dizer que a antropologia comece somente e de maneira brusca na parte IV. A
parte II é toda ela dedicada à dedução da essência do homem, constituído de
mente e corpo. Lá, porém, a noção de homem aparece nos axiomas e não nas
definições.

E é de se notar especialmente que os axiomas da parte II se referem


ao homem como algo contingente com relação à sua existência, referindo-se
apenas à essência humana, de acordo com os seus elementos constitutivos –
corpo e alma (GUÉROULT, 1972, p. 31).

Não se questionam ainda as possíveis causas de sua existência,


mesmo porque a distinção entre contingente e possível é supérflua até então, e
elas continuam sendo noções alheias à realidade, demonstrada necessária. “O
homem pensa” é “um fato anônimo da experiência corrente” (Id., ibid., p.32),
assim como os demais axiomas relacionados ao pensamento humano.
Considerando-o na sua mera essência, tendo em conta que a sua existência é
de todo contingente, os axiomas da parte II ainda não definem o homem, mas
somente abrem a via para a sua posterior definição. Por mais que a mente seja
ideia de um Corpo singular existente em ato, a sua efetiva existência é uma
coisa que permanece indefinida. Portanto, encontramos a definição positiva do
homem – sua “perfeição em gênero”, como Espinosa escreve no prefácio –
somente na parte IV.A hipótese que vamos seguir é a de que o conjunto das
oito definições forma o conceito de homem. Os dois aspectos básicos desse
conceito são: um externo, em que o homem nos é dado na medida em que se
define pelas afecções oriundas do exterior e que se exprimem nele como
paixões; outro interno, que o define na medida em que ele ativo, movendo-se
pelo desejo de preservação.

No conjunto, as definições constituem a “verdadeira definição de


homem”, à qual Espinosa se refere no segundo escólio da proposição 8 da
parte I(SPINOZA1972, vol.2, p. 51). E conforme o problema já posto desde
então, trata-se de uma essência que é comum a vários indivíduos na natureza.
A idéia de homem diz respeito a um gênero, por isso, a existência de cada um
depende de causas externas. A definição genérica essa que define os homens
externamente, isto é, segundo as suas paixões. Em contrapartida a existência
humana também precisa ser definida como uma essência singular existente e
ato, segundo os critérios estabelecidos ao longo da Ética. O problema da
definição genericante a definição da verdadeira essência se visualiza também
nas definições da parte IV.

Começando pelo mais abstrato, Espinosa define bem e mal como


qualidades ”inexistentes nas coisas mesmas, mas concebidas por nós, de
acordo com a nossa utilidade. São as duas primeiras definições: “afirma
Espinoza: “Por bem entendo aquilo que sabemos certo ser-nos útil. [...]. Por
mal, porém (autem), isso que sabemos com certeza impedir que sejamos
possuidores de algum bem” (Id., ibid., p. 209). São duas definições correlatas
que, por um lado, quase poderiam se fundir numa só, pois somente na primeira
Espinosa usa o verbo entender; por outro lado, o autem da segunda definição
sinaliza uma clara oposição entre as duas.

Definindo as qualidades de bem e mal dessa forma, elas deixam de ser


abstratas, isto é, representações do mero nada; elas são noções resultantes de
nossos modos de pensar e, enquanto tais são verdadeiros entes, fundados na
realidade (ESPINOSA, vol. 1, p. 235). Consistem em meios efetivos pelos quais
nós entendemos realidade. É claro que não se trata de habitar a realidade
mesma com as qualidades de bem e mal. Pois, nesse caso, prendemo-nos e
somos dominados por noções inadequadas, assim como somos escravos das
afecções. Aliás, a parte IV tem a função de demonstrar esse labor no erro que
termina por conferir tais qualidades às coisas mesmas.

Nesse sentido, sobre a noção de bem e mal, Matheron diz que, apesar
de elas se engendrarem

O conhecimento verdadeiro do bem e o do mal se engendram, pois,


um ao outro, mas não sob a mesma relação. Assim se explica uma
contradição aparente entre dois textos da Ética. Quanto ao conteúdo,
o bem precede logicamente o mal, e isto é o que indicam as
definições 1 e 2 do livro IV: são más as coisas que nós sabemos com
certeza nos impedir de possuir aquelas que nós sabemos com
certeza nos serem úteis, estas últimas estando postas por primeiro.
Quanto à forma, ao contrário, o mal precede o bem, e isto é o que
indica a demonstração da proposição 68 do livro IV: uma vez
constituída a ideia do mal, isso que nós sabemos com certeza nos ser
útil nos aparece retrospectivamente como um bem. (MATHERON,
1988, p. 227)

Isso que ele chama de precedência formal pode ser entendido como a
objetivação do mal, efeito de uma vida passional e do conhecimento
inadequado. Mas ao lado dessa tendência de conferir forma ao mal, Espinosa
segue rigorosamente a via da demonstração adequada da realidade, e a
“precedência lógica do conteúdo” que Matheron sinaliza nas definições é uma
primeira indicação da via pela qual essas noções podem ter um uso adequado,
sem serem abstraídas da realidade. Com efeito, o bem, enquanto uma coisa
útil tem um caráter instrumental.

Meio pelo o qual existimos e operamos, ele serve para transitarmos de


uma menor para uma maior perfeição. Lembremos que, por perfeição,
Espinosa entende a realidade mesma: o homem se torna mais potente, o seu
direito natural se acrescenta, ele existe e age mais conforme a natureza, com
maior força natural. O bem, como indicam os termos da segunda definição (o
bem é algo que podemos possuir ou do que podemos ser senhores –
comportes), é um fator compossível, um poder de ação e operação incorporado
ao agente. O mal, pelo contrário, é um obstáculo que impede aposse de algum
bem. Ele impede a nossa ação; chocamo-nos contra ele. Enquanto obstáculo,
o mal é o que efetivamente encontramos fora de nós. Porém, essas forças
externas não se fundam senão no nosso conhecimento inadequado.

O homem é o sujeito dos afetos contrários. A definição esclarece que


eles nunca são contrários em si mesmos. Também não são contrários por
natureza, mas somente por acidente. O aparecimento de gênero e espécie
indica também que há uma relação entre o conceito geral de homem e a
formação mesma das noções universais, criticada no prefácio da parte IV. Com
base nessa relação, Espinosa começa a subversão do sentido e do emprego
dos termos gerais. Isso se pode notar pela homogeneidade das afecções
quando consideradas sob um mesmo gênero e a sua contrariedade enquanto
espécies distintas. As afecções não podem ser contrárias em gênero, pois
assim elas violariam as leis naturais e a ordem necessária da natureza. Aliás,
nessas leis e nessa ordem não há acidentes. Somente a partir do plano da
natureza humana é que elas assumem o aspecto da contrariedade. O homem
se define, portanto, como uma coisa paradoxal, capaz de se moverem direções
diversas e opostas. Essa suscetibilidade é o princípio de uma vida servil e do
conhecimento sistematicamente inadequado, donde resulta o desejo de sair de
tal condição, de se fixar em alguma coisa estável.

Pode-se dizer na perspectiva espiniziana que as paixões se sustentam


pelas noções de contingência das coisas e do bem ou mal que se atribuem a
elas. Por outro lado, definem-se os elementos da explicação imanente da
natureza humana, com base na sua dedução genética feita já nas partes
anteriores da ética.

1.5 SöREN KIERKERGAARD E OS ESTÁGIOS DA VIDA HUMANA

A noção de “escolha” constitui uma das ideias fundamentais da filosofia de


Kierkergaard. Ela seria o próprio núcleo da existência humana.

A essência do conceito de escolha no pensamento do autor é que não existem


quaisquer razões lógicas que obriguem o homem a optar por esta ou aquela
forma de vida. Uma aplicação concreta da de suas teses sobre a escolha
encontra-se em sua obra Ou, Ou. Um Fragmento de Vida, publicada em 1843.
Nesse livro, Kierkergaard trata dos modos de vida estético e ético. O modo de
vida estético seria caracterizado pelo hedonismo romântico e sofisticado, ao
qual se contrapõe Em Temor e Tremor (1843), Kierkergaard relata várias
versões da história de Abraão e Isaac, e em todas elas se encontra o absurdo
que conduz ao abismo da fé. O modo de vida ético contrasta com a conduta
estética, instaurando-se nos terrenos do dever, das regras universais e de
todas as exigências e tarefas de caráter incondicional. Segundo Kierkergaard,
para aquele que se encontra no estágio ético, a coisa mais importante não é
saber se ele é capaz de contar nos dedos todos os deveres mas se sentiu,
alguma vez, a intensidade do dever, de tal modo que sua consciência esteja
plenamente garantida da eterna validez de seu ser.

Assim como a conduta estética levada às últimas consequências culmina no


desespero, a etapa ética, atingindo seus limites supremos, faz surgir a
contradição. A passagem do ético ao religioso torna-se então necessária. Em
Temor e Tremor (1843),Kierkegaard afirma que, quando o pecado entra em
discussão, aética fracassa, pois o arrependimento (implícito no sentimento de
pecado) é a suprema expressão da ética, mas, ao mesmo tempo, constitui a
mais profunda contradição ética. A solução da contradição somente seria
possível mediante a passagem para outro tipo de conduta: a etapa religiosa.
Exemplo de passagem do ético ao religioso, segundo Kierkegaard, encontra-se
no episódio bíblico referente a Abraão e Isaac. Quando Deus exige de Abraão
o sacrifício de seu filho Isaac, Abraão, dentro do nível ético, está diante da
necessidade de cometer uma transgressão absolutamente proibida. Abraão
não tem saída anão ser pelo salto do ético ao religioso. Em outros termos,
Abraão deve saltar para a fé, aceitando o absurdo da exigência divina e
concordando com uma suspensão do ético, em favor do religioso. Em tais
situações críticas, a escolha que o indivíduo sente-se obrigado afazer
independe de quaisquer critérios racionais, isto é, as regras gerais e universais
não podem ajudá-lo. Apesar disso, segundo Kierkegaard, existem algumas
experiências, à margem do ético e do religioso, que podem servir de indicação,
Uma delas é o desespero, outra é a ansiedade somente é possível como
impulso de submissão religiosa ao desconhecido, e radica no próprio absurdo
de sua impossibilidade como recomposição de experiências estéticas e
condutas éticas do passado. Por essa razão, toda a filosofia de Kierkegaard
centraliza-se no significado e nas complexas implicações do fato de se ser
cristão. Toda a sua vida constituiu uma intensa experiência da contraposição
entre aquilo que considerava ser o cristianismo em seu significado mais
profundo e as roupagens exteriores com as quais se revestia a Igreja luterana
de seu tempo. Neste sentido, a vivência mais profunda do cristianismo é
vivência e a certeza da fé. Trata-se de uma certeza muito peculiar, pois
correspondente a uma incerteza objetiva e, consequentemente constitui um
paradoxo e um absurdo. A realidade da subjetividade implicada na fé consistiria
em algo finito, mas dependente de uma infinitude essencial que é a infinitude
de Deus. Como conciliar as duas é o grande paradoxo do cristianismo. Afrontar
esse conforme o autor, implica necessariamente “suspender o ético” e
entregar-se totalmente ao religioso. Tal entrega não conduz à tranquilidade
mas, ao contrário, a um permanente conflito, pois a eternidade e a infinitude de
Deus são ao mesmo tempo, absolutamente reais e absolutamente
incompreensíveis. Por isso, Kierkergaard concluiu que não se pode
propriamente falar de Deus ou, em outras palavras, formular uma teologia.
Impõe-se, portanto, uma transformação na própria linguagem empregada pelo
homem: a razão deve ser posta de lado, dando lugar à súplica.

1.5 HEIDEGGER A ÉTICA DO CUIDADO

O texto que se segue busca, em primeiro lugar ousar expor alguns


aspectos das reflexões de Heidegger sobre o ser aí (dasein), tentando delinear
o posicionamento filosófico do autor, o que evidencia a sua valiosa contribuição
para o homem contemporâneo e num terceiro instante, quer-se elaborar um
estudo a propósito do sentido da cura (sorgen) a partir da leitura da obra de
Heidegger, especificamente “Ser e Tempo”

Segundo Heidegger, angústia, dos modos da existência humana é o que


pode conduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser.

A Angústia faria o ser-aí se levantar da traição cometida contra si


mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do cotidiano. O homem
chega, através da angústia ao autoconhecimento, em sua dimensão mais
profunda. Na angústia, os desejos, preocupações cotidianas e vulgares
passam a não ter significado. Na angústia o homem se sente como ser-para-a
morte.

Mediante o estado de angústia, abrem-se para o homem a alternativa de


fugir novamente para o esquecimento de sua dimensão mais profunda (retornar
ao cotidiano); ou contrariamente, superar a própria angústia, manifestando seu
poder de transcendência sobre o mundo e sobre si mesmo.

Quando o homem volta seus cuidados para o plano ôntico


existentivo/existenciário, para a factualidade, ele permanece na existência
inautêntica. Nela o homem manipula as coisas, utiliza-as, estabelece relações
sociais com os outros. Tais projetos levam o homem ao nível dos fatos, cuja
utilização das coisas se coloca como fim em si mesmo. Todavia existe a voz da
consciência, que nos chama a verdadeira existência, procurando o sentido do
ser, o sentido do existir. A existência é poder ser, transcender.

Contudo, todo o projetar leva o homem ao nível das coisas do mundo,


cujos projetos e escolhas do homem são todas equivalentes. (Eu posso dedicar
a minha vida ao trabalho, ao estudo, à riqueza, e posso ser humano, seja
escolhendo uma coisa ou outra). É, portanto ante a tais escolhas que o homem
se dispersa numa existência inautêntica.

Contudo, mediante essas possibilidades, existe uma à qual o homem


não pode escapar: a Morte. O homem pode se dedicar a qualquer atividade,
eleita como seu objetivo, mas não pode deixar de morrer. É aí que a morte se
torna realidade, ela é a possibilidade de todas as possibilidades tornam-se
impossíveis. A morte, segundo Heidegger é a possibilidade da impossibilidade
de todo projeto, e de toda a existência.

Ante a consciência de que a morte remete à nulidade dos projetos da


existência, na perspectiva dela todos os projetos como possibilidades podem
se tornar impossíveis. Nessa medida, ela impede que alguém se fixe em uma
situação e busque a existência autêntica.

Nessa perspectiva, o “viver para a morte afasta o homem de estar


submerso nos fatos e nas circunstâncias. A antecipação da morte (o que não
significa suicídio) dá sentido ao ser,mediante sua experiência do seu nada
possível, cuja experiência não se realiza de modo intelectivo, porém através do
sentimento de angústia..

Nessa medida “existir autenticamente” supõe ter a coragem de olhar de


frente a possibilidade do próprio não-ser. A existência autêntica é a aceitação
da própria finitude. A angústia não significa medo, posto que este decaiu ao
nível do mundo. Sempre se tem medo de alguma coisa, contudo a angústia se
apresenta diante do nada.

A angústia banalizada como medo é apresentada como fraqueza que


um ser aí (homem) seguro de si não deve conhecer
3 O ÔNTICO E O ONTOLÓGICO

Heidegger parte da vida cotidiana para falar dos fenômenos ônticos e


ontológicos. Os fenômenos ônticos são constituídos por elementos concretos
como os instrumentos adequados para medir (a pressão atmosférica, a
temperatura, as frentes frias) mediante boletins meteorológicos.

Igualmente o lavrador vai prever as chuvas através das nuvens em


certas posições no céu, funcionando como sinais de chuva e mudança de
tempo, etc.

Tais práticas, conforme o referido autor - são palpáveis e correspondem


ao que ele chama de ôntico ou existenciário; todavia, tais formas de medir o
tempo se apresentam como comuns, cujo procedimento de deduzir um
fenômeno de uma noção ou conceito universal e abstrato – no caso – a
previsão – é o modo de obedecer à problemática da lógica. o prever
corresponde a uma noção que se traduz como ontologia

O ato de pescar também é ontológico, pois possibilita as várias


maneiras de pescar: pode-se pescar com anzol, com rede, entre outros
instrumentos (ôntico, existenciário), todavia o que nos motiva a pescar
(ontológico), é a possibilidade de pescar ou não pescar.

4 O TEMPO

Levando-se em consideração que a existência é possibilidade, dentre as


determinações do tempo (passado, presente e futuro) a principal destas
determinações é o futuro, ou seja, o projetar-se para o “em vista de si mesmo”,
o projetar-se que se baseia no futuro, característica da existencialidade
(existir). Todavia, o cuidado, antecipa as possibilidades, ele surge do passado,
e entre o passado e o futuro há o ocupar-se com as coisas que representa o
presente. Assim o futuro significa o pretender-se, o presente é o “estar preso às
coisas” e o passado significa o retorno à situação de fato para aceitá-la.
Heidegger chama esses três momentos do tempo de êxtase (estar fora).

Nessa perspectiva, pode-se destacar o tempo ao tempo autêntico e o


tempo inautêntico, em que o primeiro corresponde à existência autêntica, que
assume a morte como possibilidade que qualifica a existência, cujo futuro
representa um viver que não permite ao homem ser consumido pelas
possibilidades mundanas, o passado autêntico é não se deixar aceitar
passivamente pela tradição, porém confiar nas possibilidades que a tradição
nos oferece, revivendo as possibilidades do homem que se foi. quanto ao
presente autêntico, este representa o instante, no qual o homem rejeita o
presente inautêntico, (onde o homem é absorvido pelas coisas a fazer) e
decide o seu destino.

o ser com, ou sendo come um constitutivo fundamental do homem como


“ser-aí”, do existir humano. “com” tem origem no latim cum e no grego syn
(simbiose, sincronizar) traduz-se como junto. Sem essa característica
fundamental e genuína do homem (formas de relacionar-se e viver) a vida
humana não teria sentido para nós humanos. Nesse sentido, podem-se
enumerar vários exemplos representativos dessas formas de relacionamento
entre os homens (seres-ai/ dasein) tais como trabalhar com tecidos, situações
educacionais, o lúdico (brincar) ações estas que supõe relacionar, pensar,
sentir, viver.

Heidegger adverte para algumas expressões linguísticas (alemãs e


gregas), mostrando o sentido expresso nessas expressões que evocam o
relacionamento humano, trata-se das expressões (com e também). Desse
modo quando a criança e o adulto falam “eu também” eles se reportam ao
participar com o outro. Igualmente, nas expressões: (...mas eu também fui
castigado...; eu também faço tal curso; eu também partilhei dessa situação)
anunciam a necessária e fundamental relação dos homens entre si.

Nesse sentido, o relacionar-se com os outros, de modo significativo e


envolvente é o que Heidegger chama de solicitude, que reúne as
características básicas do ter consideração e paciência para com o outro. Tais
atitudes não correspondem a princípios morais, porém identificam e mais do
isso, encarnam o modo como se vive com os outros através das experiências e
das expectativas (projetos), já a paciência supõe uma expectativa de algo que
possa vir a acontecer. A solicitude demonstra-se como um estado de ser do
ser-aí (dasein), estado que conforme as diferentes possibilidades, está ligado
com seu ser em relação ao mundo de seu cuidado e, da mesma forma, com
seu autêntico ser em relação a si mesmo.

A expressão linguística: (einsprigende fürsorge) cuidado com ou outro,


pulando em cima dele, literalmente, do alemão, ou seja, “por o outro no colo”,
mimá-lo, fazer tudo pelo outro, manipulá-lo, dominá-lo, mesmo de maneira sutil.

O termo (vorspringende fürsorge) em alemão significa pular em frente ao


outro, o que quer dizer: possibilitar ao outro seguir seus próprios caminhos:
crescer, amadurecer, encontrar consigo mesmo. Desse modo, a competição, a
indiferença, a apatia (atitudes reproduzidas na sociedade atual) são formas
debilitadas da solicitude.

Sendo assim, têm-se as duas formas de solicitude – aquela que salta


sobre o outro e o domina – e aquela que salta diante do outro e o liberta.

O modo de ser com os outros é “o cuidar”. Assim, o ser do “ser-aí” é


definido como zelar e o “ser-aí com” é constitutivo do ser-no-mundo. noutros
termos, a forma autêntica do ser-aí (o homem) é ser-com-os-outros. o autêntico
cuidar refere-se à segunda forma de solicitude, que faz zelar pela existência do
outro. ele salva o outro para torná-lo transparente a si mesmo, para torná-lo
livre para si.

É nessa perspectiva que se inscreve o espírito de uma vocação capaz


de conduzir a humanidade para o cuidado de si e do outro, já que seu destino é
o cuidado.

Os pensadores pré-socráticos (Anaximandro, Heráclito, Parmênides)


foram testemunhas da voz do ser, e não exatamente a metafísica e a ciência
ocidentais. Platão inicia uma reviravolta com seu conceito de verdade e assim
a metafísica explica o destino do ocidente e o primado (supremacia) da técnica
no mundo moderno.

Segundo o autor, a técnica constitui o resultado natural do


desenvolvimento pelo qual o homem se deixou arrastar pelas coisas, tornando
a realidade um mero objeto a dominar e explorar. Tal comportamento ameaça
as bases da própria vida. Trata-se da fé na técnica como domínio sobre tudo.

Pode ser ainda encontrada uma outra compreensão das teses do autor,
denominadas de leitura de um “segundo Heidegger”, se apresenta a
problemática do que é o ser, o que não foi colocado na obra “Ser e Tempo”
qual o seu sentido. Para o autor, o ser torna possível a abertura para a
compreensão da existência humana.

Nessa medida, o ser do “segundo Heidegger” traduz-se como uma


iluminação da linguagem, não da linguagem científica, que se refere à
realidade como objeto, tampouco ele se refere à linguagem técnica, que
modifica a realidade para dela se aproveitar.

Para Heidegger, o ser “habita” a linguagem poética e criadora na qual se


pode lembrá-lo, sem cair no esquecimento. Desse modo, conhecer o ser não
significa abordá-lo pela metafísica, nem interpretá-lo pela linguagem científica,
mas seria habitar nele através da poesia.

O ser mesmo se identificando com o nada, ele é. O ser é um mistério,


no sentido de que ele não pode ser compreendido através de nenhum ente. Na
medida em que está presente. Tal presença ocorre dentro da história. Trata-se
do pensar essencial, enquanto pensamento e linguagem, que o desvelam de
modo verdadeiro, fazendo-o surgir.
2: NOTAS BIOGRÁFICAS DE GERARD HUBERT HENSGENS

2.1 INFANCIA E VIDA FAMILIAR

Padre Gerard Hubert Hengens, no Brasil chamado de padre Pio2


pertence a uma família numerosa de 13 pessoas, formada pelos seus pais e
mais 11 irmãos, com 7 irmãs e 4 irmãos. O pai, senhor Pedro, era operário das
minas de carvão e sua mãe era doméstica, cujo ofício era educar os 11 filhos.

Nasceu num pequeno vilarejo denominado Gracht que fez parte do


município de Kerkrade, no sul da Holanda, no dia 28 de março de 1932. Seus
pais Peter Jozef Hensgen e Mrgaretha Dohmen Hensgens. Ele tinha 11 irmãos,
dos quais 7 eram mulheres e 4 homens. Aos 8 anos frequentou a escola, era a
Escola São Martinho, da sua casa até à Escola ele caminhava 8 quilômetros. A
aula iniciava às 9 horas da manhã, terminando às 12 horas, no final do turno
matutino ele caminhava para casa retornando à escola às 14 horas até às
17:30, ao final do turno vespertino; não havia aula nas quartas feiras e aos
sábados à tarde. Os trabalhos escolares eram feitos às 18 horas, Sjer 3 deveria
mostrar aos seus pais as tarefas da escola concluídas. Às 20 horas, ele deveria
ler um livro na biblioteca da Escola.

Os irmãos mais velhos poderiam ficar na biblioteca até às 21:30, mas


os mais novos deveriam ir dormir às 20:30 Todos os dias ele e seus 11 irmãos
eram obrigados à irem à missa com o pai na Igreja de Nossa Senhora de
Lourdes e a mãe ficava em casa para preparar o café. Chegando em casa
tomava o café da manhã e caminhava para a Escola. Às 19:30, a família
rezava o terço, de joelhos. Um dia, o pároco da Igreja perguntou-lhe se ele não
desejaria ser coroinha e ele aceitou o convite. Seu pai que fazia parte do
Conselho paroquial, concordou com a sua decisão em colaborar nas missas
como coroinha. Nessa época o pároco conhecia todos os paroquianos, porque
ele os visitava, pedalando de bicicleta todos os dias. Seu pai trabalhava nas
minas de carvão, com 3 quilômetros abaixo do chão. Caminhando de bicicleta,
ele trabalhava uma semana das 06 da manhã às 14h; em outra semana, das
14 às 22horas e em outra semana, das 22 às 06 horas. Sua mãe sempre
preparava a comida que ele levava para o se alimento no trabalho. Faleceu aos
13 de março, de 1951. Nesta data, padre Pio já estava no Seminário Menor dos
padres redentoristas. O Convento dos Redentoristas ficava em Wittem e
distava a uns 8 quilômetros do vilarejo de Graat, onde a sua família morava.

Os padres redentoristas pregavam Missões populares convidando-o


sempre para conhecer o Convento. Ele seus pais e irmãos iam à missa de São
Geraldo, em Witten, cuja festa era 16 de outubro, saindo de casa às 5 horas da
de madrugada. Após a missa iam a um restaurante tomar o café da manhã e

2
A mudança do nome, pelas congregações religiosas, seja masculina ou feminina ocorria pelo
fato dos membros possuírem o mesmo nome, daí a iniciativa dos superior da Ordem Religiosa
fazerem a mudança do nome.
3
Sjer era o seu apelido conforme o dialeto do sul da província de Limburg
depois comiam o lanche que traziam de casa. Após a missa caminhavam a pé
para a escola, assistir a aula.

Nederland possui 12 províncias4, o sistema de governo é


parlamentarista. Na casa real, Oranja, atualmente é representada pelo rei
Alexandre, casado com a Rainha Máxima, uma argentina. O casal tem três
filhas, A Rainha é católica e é muito querida; fala corretamente a língua
nerdelandesa. O Governo faz questão de usar o termo Países Baixos ou
Nederland (The Netherlands), e não Holanda, pois “Holanda” é o nome de uma
das províncias.

2.2 A SEGUNDA QUERRA MUNDIAL NA Holanda: Tempos Difíceis

Viveu uma infância marcada pelos acontecimentos da Segunda Guerra


Mundial, quando a Alemanha, sob a gestão de Adolf Hitler, invade os Países
Baixos em 10 de maio de 1940 e muda o governo, colocando alguém da
confiança dele. pois Nederland não tinha um exército forte para combater as
forças nazistas como a Bélgica. Tal período representou uma época terrível.
Em 16 de setembro, os aliados americanos, ingleses, canadenses invadiram a
Alemanha, os sinos não podiam soar porque os nazistas tiraram todos os sinos
das igrejas para fazerem material bélico.

Tal época era agitada e sua casa 5, que era imensa, com três andares e
era próxima à fronteira da cidade de Carlos Magno, Aachen. A casa servia
como ponto de discussão daqueles que faziam oposição ao nazismo. Os
aliados pediram ao senhor Peter Jozef para instalar em sua casa o quartel
geral, com muitos cabos telefônicos. Assim declara o padre Pio: “eu vi com os
meus olhos o grande general Eisenhower - que se tornara presidente dos
Estados Unidos-, von Pentem, Charles de Gaulle e tantos outros”.

Os aliados comiam em sua casa e pediram a sua mãe para fazer uma
comida natural, porque o seu pai dispunha de verduras frescas: tomates,
maçãs, peras, cerejas etc.

O padre Pio também relata que a grande dificuldade para os aliados


era o Rio Reno, então os alemães fizeram o “siegfriedlin”, eram blocos de
cimento e ferro armado, de um metro de altura, impedindo a passagem de
carros e tanques de guerra. Aí começavam os bombardeios, todas as noites os
aviões dos aliados bombardeavam.

4
Os Países Baixos possuem 12 províncias: Goninga, Frizia, Drente, Overissel, Flevolândia,
Leeuwarden, Geldria, Ultrech, Holanda do Norte e Holanda do Sul e Zelândia.
FONTE wikipedia. Acessado em 02 de nov /2016
5
A sua casa ficava na fronteira com a Alemanha, e sua mãe falava a língua alemã, com mais
fluência do que o holandês
5
As Ardenas constituem formação de colinas É uma zona altamente florestada com colinas
entre os 350 e os 500 metros de altitude, tendo o seu ponto mais alto nos "Altos Fanhos"
Assim, no Natal de 1944, os alemães iniciaram um ataque nas
Ardenas6 da Bélgica, provocando a morte de milhares de pessoas. É por esta
razão que próximo a Wittem, existe um dos vários cemitérios dos aliados. Na
cidade de Margraten, até hoje, constitui-se um ponto turístico. Muitos
cadáveres foram levados para os Estados Unidos e país de origem. Na época,
cada família se ofereceu para cuidar de um túmulo. Em cada casa tinha um
“Bunker”(um lugar subterrâneo de cimento). Os pais de padre Pio o conduziam
juntamente com os seus irmãos para este subterrâneo, o bunker, sempre que a
sirene tocava, e às 04 horas da madrugada, todos retornavam para dormir, pois
os aliados disponibilizaram 03 quartos para a família.

1.3 INGRESSO NO SEMINÁRIO MENOR

Em 1945, inicia o convívio com os missionários redentoristas,


pertencentes à Congregação do Santíssimo Redentor, cujo fundador foi Santo
Afonso de Liguori. Aos 13 anos, entra para o Seminário Menor, o Nebo,
localizado na cidade de Nijmegen, na província de Gelderland ou Géldria.

Durante a Segunda Guerra Mundial, O Nebo, o prédio do Seminário


Menor dos Redentoristas não havia sido liberado pela força dos aliados, pois
estava servindo como hospital, por isso Sjer, como era chamado o padre Pio,
pelos seus familiares, deveria ir a Glanerbrug7 (um antigo convento dos
redentoristas alemães, que foram expulsos pelo nazismo). Para chegar lá, Sjer,
acompanhado pelos seus pais, deveria passar por uma ponte, porém a ponte
foi destruída pelos nazistas, e somente caminhões do exército tinham
condições para atravessar a ponte, por isso, sua mãe sofria muito e adoeceu,
mas foi recuperada.

O tempo de formação do Seminário Menor foi 8 anos até 1953,


posteriormente, no ano seguinte, entra para o noviciado, e, depois, ingressa no
Seminário Maior fez os votos temporários, iniciando os estudos no mês de
setembro de 1954, no Convento de Wittem. Seu noviciado foi no Convento da
cidade de Bosch, capital da Província de Brabantia (Ultrech). A turma dele
concluiu o noviciado com 8 aprovados. O Mestre do noviciado era Stribosh. Um
padre idoso que já havia formado muitos padres e irmãos. Havia também o
sócio, era o padre que ajudava o Mestre. Nas quintas feiras a turma fazia um
passeio e durante a caminhada, o padre De Hoon oferecia um cigarro ao grupo
de noviços um cigarro. O padre Pio, como o mais velho da turma, foi
interrogado muitas vezes pelo Mestre para saber se haviam fumado, pois era o
cabeça do grupo, do latim (capo) e um dos colegas, Francisco Holtzer, era
escrupuloso e sempre contava ao Mestre quem havia fumado no passeio. O
mestre chamava o padre Pio e o mandava ficar de joelhos para receber o
6
(Hautes Fagnes) na província belga de Namur, onde atinge os 694 metros de altitude. A região
caracteriza-se também, por ravinas e rios tumultuosos, de entre os quais se destaca o rio
Mosa.
6
Fonte: Jornal caminhando Edição Especial: padre Pio 50 anos de sacerdócio) Entrevista ao
padre Pio realizada por Auricéia Antunes e Miriam Monastirski
7
Glanerbrug era um pequeno vilarejo, que ficava próximo à grande cidade de Enschede, capital da
Província de Gelderland, onde existe hoje a Universidade Católica.
castigo um castigo. Havia, cada dia 25 do mês, no Convento o preceito do “dia
do Menino Jesus”, em que os noviços eram chamados para ouvir uma
meditação sobre o nascimento de Jesus, pois este era um dos temas principais
da teologia de Santo Afonso. Terminada a meditação, recebiam chocolate ou
um pedaço de bolo. Uma vez por ano a turma podia receber visitas dos
familiares, a sala tinha uma porta de vidro, por onde o Mestre olhava para
investigar o que as famílias haviam levado, porque tudo que fosse levado ao
convento no momento das visitas devia ser entregue ao Mestre. Todos os dias,
pela manhã, os noviços recebiam uma planta amarga devendo mastiga-la,
outra prova rigorosa era o chamado “dia dos cilícios” que consistia em colocar
uma pulseira de ferro nos braços, na barriga ou na perna. Ainda três vezes por
semana, deviam ficar em frente à porta do quarto e bater com uma corda nas
nádegas, rezando o Salmo 50: “Tende compaixão, Senhor”, às vezes, batiam
tanto que sangrava. Esta prática de tortura era proibido no Brasil e o Concílio
Vaticano II aboliu definitivamente. Outro castigo era, antes do almoço, deitar-se
na porta do refeitório, e pedir, de joelhos uma colher de sopa aos colegas;
devia-se também entrar no galinheiro e imitar um galo

A rotina no noviciado iniciava-se às 06 horas, com meditação, feita pelo


Mestre ou um padre de sua confiança que ele convidava, às 06:30, a Santa
Missa e ação de graças; às 7:30, todos iam tomar café, em silêncio, e após o
café ouvir a leitura da vida de Santo Afonso, por um dos frades. Àsd 08 horas
ouvir a palestra do Mestre e fazer a meditação; às 09 horas leitura feita no
quarto sobre a vida do padre Passarat (era um famoso padre francês, que
escrevia muitas meditações); às 10 horas fazia-se um pequeno lanche (um
pedaço de pão com café); às 10:30 palestra e meditação com o Mestre; 11:30,
leitura e oração na capela; às 12 horas almoço dos padres e noviços juntos, em
silencio, leitura espiritual. Após o almoço, uma caminhada no jardim. É
importante destacar que os noviços não podiam falar sua língua materna,
porém de cia-se falar francês, inglês, alemão ou latim. Após 30 minutos, poder-
se-ia ir ao quarto repousar um pouco, às 15 horas, leitura no quarto, 15:30,
palestra e meditação; 16:30, comia-se um pequeno lanche, às 17 horas,
adoração ao Santíssimo Sacramento, com meditação do Mestre, às 18 horas
leitura no quarto, leitura da Regia Congregação. No dia seguinte, deveriam
fazer perguntas sobre a leitura; às 19 horas, jantar no refeitório, padres e
irmãos juntos, durante o jantar deveria repetir s leitura espiritual; às 20 horas,
ouvia-se a última palestra, podendo retirar-se para dormir. No dia seguinte
fazia-se o mesmo esquema. No dia 08 de setembro, na presença dos
familiares e da comunidade, ocorreu as promessas provisórias. Era uma festa
com familiares. Devia-se agora preparar-se ir à cidade de Wittem, ingressar no
Seminário Maior.
1.3 O SEMINÁRIO MAIOR

Em 13 de setembro de 1955, chegou ao Seminário com a recepção do


prefeito dos estudantes, indicando um quarto para cada um. No dia seguinte,
15 de setembro, chegava o bispo da Diocese na época, o Monsenhor
Francisco Lemmens e no dia seguinte o correria a ordenação sacerdotal de
alguns dos candidatos.

O Convento tinha 4 andares, e como havia muitos estudantes, pois


havia épocas com mais de 80 candidatos, por isso foi construída um novo
prédio com 3 andares. Havia no Convento de Wittem duas capelas, onde se
realizavam novenas e missas em homenagem a São Geraldo Majella.

Quanto ao corpo de disciplinas, ensinava-se Filosofia, pastoral,


Teologia, Moral e História da Igreja. Para o estudo de Moral, usavam o Manual
da Teologia de “Hervé”, contudo, o professor Cristiano Omen fez uma
adaptação que contrariou à Cúria Romana, existiram outros professores que
ministraram aulas de Moral, tais como Boelarts e Van Ouwerkerk, contudo
abdicaram do sacerdócio, tomando outro rumo em suas vidas. A disciplina de
História da Igreja foi ministrada por um excelente professor, o padre Borgert,
ele era muito conhecido e consultado pelos bispos da Holanda. O padre Buys
também ministrou esta disciplina e era também um grande professor, em 1947,
ele foi candidato, em Roma para ser o padre geral dos redentoristas do mundo
inteiro, foi eleito, porém permaneceu por pouco tempo, pois sofria do coração e
teve um enfarto, na cidade de Insbruck, na Áustria e faleceu. Destacou o padre
Pio que que os estudos desenvolvidos no convento de wittem foram de alta
qualidade, e seu corpo docente muitas vezes foi chamado para dar aulas nas
faculdades católicas de nijmegem e leuven, na Bélgica. Os professores de
Filosofia do Convento e Seminário de Witten foram os padres Snels e o belga
J. Fornoville

O estudo no Seminário Maior era muito denso e pesado, as aulas


começavam às 08:30 da manhã e terminavam às 10:30, com pequeno intervalo
de 30 minutos, retornando de 11:00h até às 12:00h. após o almoço, os noviços
e seminaristas podiam caminhar 30 minutos no jardim, sempre falando outras
línguas diferentes da sua língua materna. Das 14 às 16:30h, comiam um
lanche, retornando às aulas até às 18 horas. Das 18 ÀS 19:30h deveriam
estudar as matérias e fazer as tarefas escolares. Às 19:30 era oferecido o
jantar no refeitório com todos os padres e irmãos redentoristas, após o jantar,
deveriam estudar no quarto, e às 21:00 horas ouviam música clássica na sala
de recreio, no novo prédio construído para o Convento. No período do recreio,
o prefeito do convento lia para os jovens noviços as principais notícias do país
e do mundo, havia também a oportunidade de fumar, era tanta fumaça que
embaçava o ambiente dificultando a visão das pessoas no ambiente. Nos
feriados, antes do almoço, havia a oportunidade para beber algo e comer
pedaços de queijo ou salgadinho; no almoço havia cerveja 8. Havia também o
irmão Carlos, o padeiro do Convento, ele veio para o Brasil, no Convento de
Madalena, em no Recife, posteriormente, assumiu a tesouraria da Vice
província da Congregação Redentorista e atualmente vive em Boxmeer, uma
Casa dos idosos, na Holanda.

A quinta feira era um dia livre para os fradres, e todos iam para uma
casa de campo chamada de Emaús, que distava uns 10 quilômetros do
Convento. Havia um grupo que chegava com antecedência à Casa para
preparação do ambiente para recepcionar os demais; essa turma era
denominada de “keukenpieten”, que significa responsáveis pela cozinha. Esse
grupo saía às 04:30 da manhã e havia um dos fradres que dormia perto da
porta de Oud_Wittem (uma pequena casinha onde morava Joepke (José), que
tomava conta do cavalo e, posteriormente, do trator, era ele quem levava o
almoço para Emaús. Lá existia um grupo na turma, que ia buscar pedras
imensas e as colocava no jardim da casa de campo, era um trabalho pesado e
perigoso, quando as pedras chegavam recebiam o nome de um padre prefeito
ou de um fato histórico daquela época. Atualmente, existe uma pedra imensa
que na época, não conseguiram leva-la para Emaús, mas ficou próxima e há
um restaurante que recebeu o nome desta pedra, isto é, “Pedra da Rosa”. A
casa de Emaús foi vendida, como muitas outras casas de retiro, e atualmente
permanece somente o Convento de Wittem.

Ele se Consagrou como padre no dia 16 de setembro de 1959. Ele se


Consagrou como padre no dia 16 de setembro de 1959.

Durante as férias, Sjer observava o que deveria fazer, por exemplo,


consertar dentro e fora da casa, se ocupando o dia inteiro. Gostava muito de
sair e brincar com seus irmãos e irmãs as irmãzinhas menores aproveitavam
quando sua mãe não estava em casa porque nesse espaço de tempo, o seu
irmão Sjer mostrava as suas habilidades culinárias, ele queimava açúcar para
fabricar bombons de caramelo, ou fazia batatas fritas; Sjer (padre Pio) se
considerava o vigia do pomar, e quando as crianças entravam no pomar para
pegar frutas (maçãs ou cerejas), ele as levava para o grande quintal da casa
para serem castigadas. Ele as colocava de joelhos, no chão, os braços para
cima, encostados na parede para dizer 199 vezes: “OUR HET WATER KOOK”,
Ao final das férias, Sjer devia ir ao pároco, o que ele detestava, porque o
vigário sempre lhe dava conselhos para os próximos meses, por exemplo,
como seminarista, ele não podia ir ao cinema, consequentemente, suas irmãs
também não iam

2.4 EXPERIENCIA SACERDOTAL E MISSÃO NO BRASIL

8
No Convento, havia uma cervejaria, que depois foi vendida ao BRANDT, uma cervejaria na
cidade de Wielry. Atualmente, a grande cervejaria de Gulpen, que fornece a cerveja São
Geraldo, escura e clara muito procurada no mercado consumidor
Em 1961, é enviado em missão para o Nordeste do Brasil, chegando a
Recife em agosto, num sábado à tarde daquele mesmo ano.

Chegando ao Brasil, na segunda feira pela manhã, é designado para a


tarefa sacerdotal e missionária na cidade de Souza, na Paraíba, ficando lá por
2 anos, tornando-se missionário itinerante em muitos lugares do sertão
nordestino, Pernambuco (Afogados da Ingazeira), Paraíba, Alagoas.

Chega Natal, no ano de 1968 em missão para o serviço apostólico.


Trouxe a Boa Nova às comunidades eclesiais que incentivou o povo a
construir, aliviou sofrimentos espirituais e materiais através de sua opção pelos
pobres.

Nessa época, o arcebispo Dom Nivaldo Monte revelou ao provincial


dos padres redentoristas o desejo fundar uma área pastoral na zona sul da
cidade do Natal. E assim inicia-se a itinerância pastoral e missionária de Padre
Pio, fundando a Paróquia de Morro Branco, com abrangência em toda zona sul
da cidade. Tratava-se da comunidade de Ponta Negra, Neópolis, Candelária
Lagoa Nova, Mirassol, Morro Branco, Capela Santo Antônio (Salgado Filho),
Conjunto Potiguar, Nova Descoberta, Potilândia e Lagoa Seca, Nossa Senhora
do Líbano e Cristo Redentor.

Tais comunidades cresceram ainda sem o prédio, pois a preocupação


de Padre Pio era primeiramente fazer o povo Igreja, e posteriormente a própria
comunidade viva se encarregaria de construir o prédio.

Sendo assim, Padre Pio foi missionário da Congregação Redentorista,


vigário episcopal dos conjuntos residenciais da zona sul da cidade do natal,
coordenador da pastoral urbana, durante 15 anos e coordenador da Campanha
da Fraternidade, durante 20 anos e foi professor do Seminário de São Pedro
durante 25 anos.
CAPÍTULO 3 A IGREJA DO VATICANO II NO CONTEXTO VOCACIONAL DE
PADRE PIO

É bem natural que, inaugurando o Concílio Ecumênico, nos apraza


contemplar o passado, para ir recolher, por assim dizer, as vozes, cujo eco
animador queremos tornar a ouvir na recordação e nos méritos, tanto dos mais
antigos, como também dos mais recentes Pontífices, nossos predecessores:
vozes solenes e venerandas, elevadas no Oriente e no Ocidente, desde o
século IV até à Idade Média, e desde então até aos nossos dias, que
transmitiram desde aqueles Concílios o seu testemunho; vozes a aclamarem
em perenidade de fervor o triunfo da instituição divina e humana, a Igreja de
Cristo, que recebe dele o nome, a graça e o significado.

Mas, ao lado dos motivos de alegria espiritual, é também verdade que


sobre esta história se estende ainda, por mais de 19 séculos, uma nuvem de
tristeza e de provações. Não é sem motivo que o velho Simeão manifestou a
Maria, Mãe de Jesus, aquela profecia, que foi e permanece verdadeira: “Este
menino está posto para ruína e para ressurreição de muitos, e será sinal de
contradição” (Lc 2,34). E o próprio Jesus, chegando à idade adulta, fixou bem
claramente a atitude que o mundo havia de continuar a tomar perante a sua
pessoa através dos séculos, ao pronunciar aquelas palavras misteriosas:
“Quem vos ouve, a mim ouve” (Lc 10,16); e com aquelas outras, citadas pelo
mesmo evangelista: “Quem não está comigo, está contra mim; e quem não
recolhe comigo, desperdiça” (Lc 11,23).

O grande problema, proposto ao mundo, depois de quase dois


milênios, continua o mesmo. Cristo sempre a brilhar no centro da história e da
vida; os homens ou estão com ele e com a sua Igreja, e então gozam da luz,
da bondade, da ordem e da paz; ou estão sem ele, ou contra ele, e
deliberadamente contra a sua Igreja: tornam-se motivo de confusão, causando
aspereza nas relações humanas, e perigos contínuos de guerras fratricidas.

Os Concílios Ecumênicos, todas as vezes que se reúnem, são


celebração solene da união de Cristo e da sua Igreja, e por isso levam à
irradiação universal da verdade, à reta direção da vida individual, doméstica e
social; ao reforço das energias espirituais, em perene elevação para os bens
verdadeiros e eternos.

Estão diante de nós, na sucessão das várias épocas dos primeiros 20


séculos da história cristã, os testemunhos deste magistério extraordinário da
Igreja, recolhido em vários volumes imponentes: patrimônio sagrado dos
arquivos eclesiásticos, tanto aqui em Roma como nas bibliotecas mais célebres
do mundo inteiro.
2.1.1 Origem e Propósito do Concílio Ecumênico Vaticano II

No que diz respeito à iniciativa do grande acontecimento que agora se


realiza, baste, a simples título de documentação histórica, reafirmar o nosso
testemunho humilde e pessoal do primeiro e imprevisto florescer no nosso
coração e nos nossos lábios da simples palavra “Concílio Ecumênico”. Palavra
pronunciada diante do sacro Colégio dos Cardeais naquele faustíssimo dia 25
de janeiro de 1959, festa da Conversão de são Paulo, na sua Basílica. Foi algo
de inesperado: uma irradiação de luz sobrenatural, uma grande suavidade nos
olhos e no coração. E, ao mesmo tempo, um fervor, um grande fervor que se
despertou, de repente, em todo o mundo, na expectativa da celebração do
Concílio.

Três anos de preparação laboriosa, consagrados a indagar ampla e


profundamente as condições modernas da fé e da prática religiosa, e de modo
especial da vitalidade cristã e católica.

Pareceram-nos como um primeiro sinal, um primeiro dom de graça


celestial.

Iluminada pela luz deste Concílio, a Igreja, como esperamos


confiadamente, engrandecerá em riquezas espirituais e, recebendo a força de
novas energias, olhará intrépida para o futuro. Na verdade, com atualizações
oportunas e com a prudente coordenação da colaboração mútua, a Igreja
conseguirá que os homens, as famílias e os povos voltem realmente a alma
para as coisas celestiais.

E assim, a celebração do Concílio torna a ser motivo e singular


obrigação de grande reconhecimento ao supremo dispensador de todos os
bens, por celebrarmos com cânticos de exultação a glória de Cristo Senhor, Rei
glorioso e imortal dos séculos e dos povos.

Oportunidade de celebrar o Concílio

Há ainda um argumento, veneráveis irmãos, que não é inútil propor à


vossa consideração. Para tornar mais concreta a nossa santa alegria,
queremos, diante desta grande assembleia, notar as felizes e consoladoras
circunstâncias em que se inicia o Concílio Ecumênico.

No exercício cotidiano do nosso ministério pastoral ferem nossos


ouvidos sugestões de almas, ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas
de grande sentido de discrição e moderação. Nos tempos atuais, elas não
vêem senão prevaricações e ruínas; vão repetindo que a nossa época, em
comparação com as passadas, foi piorando; e portam-se como quem nada
aprendeu da história, que é também mestra da vida, e como se no tempo dos
Concílios Ecumênicos precedentes tudo fosse triunfo completo da idéia e da
vida cristã, e da justa liberdade religiosa.

Mas parece-nos que devemos discordar desses profetas da


desventura, que anunciam acontecimentos sempre infaustos, como se
estivesse iminente o fim do mundo.

No presente momento histórico, a Providência está-nos levando para


uma nova ordem de relações humanas, que, por obra dos homens e o mais
das vezes para além do que eles esperam, se dirigem para o cumprimento de
desígnios superiores e inesperados; e tudo, mesmo as adversidades humanas,
dispõe para o bem maior da Igreja.

É fácil descobrir esta realidade, se se considera com atenção o mundo


hodierno, tão ocupado com a política e as controvérsias de ordem econômica,
que já não encontra tempo de atentar em solicitações de ordem espiritual, de
que se ocupa o magistério da santa Igreja. Este modo de proceder não é
certamente justo, e com razão temos de desaprová-lo; não se pode, contudo,
negar que estas novas condições da vida moderna têm, pelo menos, esta
vantagem de ter suprimido aqueles inúmeros obstáculos, com os quais, em
tempos passados, os filhos do século impediam a ação livre da Igreja. De fato,
basta percorrer mesmo rapidamente a história eclesiástica, para verificar sem
sombra de dúvida que os próprios Concílios Ecumênicos, cujas vicissitudes
constituíram uma sucessão de verdadeiras glórias para a Igreja Católica, foram
muitas vezes celebrados com alternativas de dificuldades gravíssimas e de
tristezas, por causa da intromissão indevida das autoridades civis. Elas, é
certo, propunham-se, às vezes, proteger com toda a sinceridade a Igreja; mas,
as mais das vezes, isto não se dava sem dano e perigo espiritual, porque eles
procediam segundo as conveniências da sua política interesseira e perigosa.

A este propósito, confessamo-vos que sentimos dor vivíssima pelo fato


de muitíssimos Bispos, que nos são tão caros, fazerem hoje sentir aqui a sua
ausência, por estarem presos pela sua fidelidade a Cristo, ou detidos por
outros impedimentos; a sua lembrança leva-nos a elevar fervorosíssimas
orações a Deus. Porém, não sem grande esperança e com grande conforto
para a nossa alma, vemos que a Igreja, hoje finalmente livre de tantos
obstáculos de natureza profana, como acontecia no passado, pode desta
Basílica Vaticana, como de um segundo Cenáculo Apostólico, fazer sentir por
vosso meio a sua voz, cheia de majestade e de grandeza.

Fim principal do Concílio: defesa e difusão da doutrina

O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o


depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais
eficaz.

Essa doutrina abarca o homem inteiro, composto de alma e corpo, e a


nós, peregrinos nesta terra, manda-nos tender para a pátria celeste.

Isto mostra como é preciso ordenar a nossa vida mortal, de maneira


que cumpramos os nossos deveres de cidadãos da terra e do céu, e
consigamos deste modo o fim estabelecido por Deus. Quer dizer que todos os
homens, tanto considerados individualmente como reunidos em sociedade, têm
o dever de tender sem descanso, durante toda a vida, para a consecução dos
bens celestiais, e de usarem só para este fim os bens terrenos sem que seu
uso prejudique a eterna felicidade.

O Senhor disse: “Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt


6,33). Esta palavra “primeiro” exprime, antes de mais, em que direção devem
mover-se os nossos pensamentos e as nossas forças; não devemos esquecer,
porém, as outras palavras desta exortação do Senhor, isto é: “e todas estas
coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6,33). Na realidade, sempre
existiram e existem ainda, na Igreja, os que, embora procurem com todas as
forças praticar a perfeição evangélica, não se esquecem de ser úteis à
sociedade. De fato, do seu exemplo de vida, constantemente praticado, e das
suas iniciativas de caridade toma vigor e incremento o que há de mais alto e
mais nobre na sociedade humana.

Mas, para que esta doutrina atinja os múltiplos níveis da atividade


humana, que se referem aos indivíduos, às famílias e à vida social, é
necessário primeiramente que a Igreja não se aparte do patrimônio sagrado da
verdade, recebido dos seus maiores; e, ao mesmo tempo, deve também olhar
para o presente, para as novas condições e formas de vida introduzidas no
mundo hodierno, que abriram novos caminhos ao apostolado católico.
Por esta razão, a Igreja não assistiu indiferente ao admirável progresso
das descobertas do gênero humano, e não lhes negou o justo apreço, mas,
seguindo estes progressos, não deixa de avisar os homens para que, bem
acima das coisas sensíveis, elevem os olhares para Deus, fonte de toda a
sabedoria e beleza; e eles, aos quais foi dito: “Submetei a terra e dominai-a”
(Gn 1,28), não esqueçam o mandamento gravíssimo: “Adorarás o Senhor teu
Deus, e só a ele servirás” (Mt 4,10; Lc 4,8), para que não suceda que a
fascinação efêmera das coisas visíveis impeça o verdadeiro progresso.

Como deve ser promovida a doutrina

Isto posto, veneráveis irmãos, vê-se claramente tudo o que se espera


do Concílio quanto à doutrina.

O XXI Concílio Ecumênico, que se aproveitará da eficaz e importante


soma de experiências jurídicas, litúrgicas, apostólicas e administrativas, quer
transmitir pura e íntegra a doutrina, sem atenuações nem subterfúgios, que por
vinte séculos, apesar das dificuldades e das oposições, se tornou patrimônio
comum dos homens. Patrimônio não recebido por todos, mas, assim mesmo,
riqueza sempre ao dispor dos homens de boa vontade.

É nosso dever não só conservar este tesouro precioso, como se nos


preocupássemos unicamente da antiguidade, mas também dedicar-nos com
vontade pronta e sem temor àquele trabalho hoje exigido, prosseguindo assim
o caminho que a Igreja percorre há vinte séculos.

A finalidade principal deste Concílio não é, portanto, a discussão de um


ou outro tema da doutrina fundamental da Igreja, repetindo e proclamando o
ensino dos Padres e dos Teólogos antigos e modernos, que se supõe sempre
bem presente e familiar ao nosso espírito.

Para isto, não havia necessidade de um Concílio. Mas da renovada,


serena e tranquila adesão a todo o ensino da Igreja, na sua integridade e
exatidão, como ainda brilha nas Atas Conciliares desde Trento até ao Vaticano
I, o espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro espera um progresso
na penetração doutrinal e na formação das consciências; é necessário que esta
doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada
e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo. Uma coisa é a
substância do “depositum fidei”, isto é, as verdades contidas na nossa doutrina,
e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando-lhes, contudo, o
mesmo sentido e o mesmo alcance. Será preciso atribuir muita importância a
esta forma e, se necessário, insistir com paciência, na sua elaboração; e dever-
se-á usar a maneira de apresentar as coisas que mais corresponda ao
magistério, cujo caráter é prevalentemente pastoral.

Ao iniciar-se o Concílio Ecumênico Vaticano II, tornou-se mais evidente


do que nunca que a verdade do Senhor permanece eternamente. De fato, ao
suceder uma época a outra, vemos que as opiniões dos homens se sucedem
excluindo-se umas às outras e que muitas vezes os erros se dissipam logo ao
nascer, como a névoa ao despontar o sol.

A Igreja sempre se opôs a estes erros; muitas vezes até os condenou


com a maior severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o
remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor às
necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando
condenações. Não quer dizer que faltem doutrinas enganadoras, opiniões e
conceitos perigosos, contra os quais nos devemos premunir e que temos de
dissipar; mas estes estão tão evidentemente em contraste com a reta norma da
honestidade, e deram já frutos tão perniciosos, que hoje os homens parecem
inclinados a condená-los, em particular os costumes que desprezam a Deus e
a sua lei, a confiança excessiva nos progressos da técnica e o bem-estar
fundado exclusivamente nas comodidades da vida. Eles se vão convencendo
sempre mais de que a dignidade da pessoa humana, o seu aperfeiçoamento e
o esforço que exige é coisa da máxima importância. E o que mais importa, a
experiência ensinou-lhes que a violência feita aos outros, o poder das armas e
o predomínio político não contribuem em nada para a feliz solução dos graves
problemas que os atormentam.

Assim sendo, a Igreja Católica, levantando por meio deste Concílio


Ecumênico o facho da verdade religiosa, deseja mostrar-se mãe amorosa de
todos, benigna, pacien-te, cheia de misericórdia e bondade também com os
filhos dela separados. Ao gênero humano, oprimido por tantas dificuldades, ela
diz, como outrora Pedro ao pobre que lhe pedia esmola: “Eu não tenho nem
ouro nem prata, mas dou-te aquilo que tenho: em nome de Jesus Cristo
Nazareno, levanta-te e anda” (At 3,6). Quer dizer, a Igreja não oferece aos
homens de hoje riquezas caducas, não promete uma felicidade só terrena; mas
comunica-lhes os bens da graça divina, que, elevando os homens à dignidade
de filhos de Deus, são defesa poderosíssima e ajuda para uma vida mais
humana; abre a fonte da sua doutrina vivificante, que permite aos homens,
iluminados pela luz de Cristo, compreender bem aquilo que eles são na
realidade; a sua excelsa dignidade e o seu fim; e mais, por meio dos seus
filhos, estende a toda parte a plenitude da caridade cristã, que é o melhor
auxílio para eliminar as sementes da discórdia; e nada é mais eficaz para
fomentar a concórdia, a paz justa e a união fraterna.

Promover a unidade na família cristã e humana


A solicitude da Igreja em promover e defender a verdade, deriva disso
que, segundo o desígnio de Deus “que quer salvar todos os homens e que
todos cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4), os homens não
podem sem a ajuda de toda a doutrina revelada conseguir uma completa e
sólida união dos espíritos, com a qual andam juntas a verdadeira paz e a
salvação eterna.

Infelizmente, a família cristã, não atingiu ainda, plena e perfeitamente,


esta visível unidade na verdade. A Igreja Católica julga, portanto, dever seu
empenhar-se ativamente para que se realize o grande mistério daquela
unidade, que Jesus Cristo pediu com oração ardente ao Pai celeste, pouco
antes do seu sacrifício. Ela goza de paz suave, bem convicta de estar
intimamente unida com aquela oração; e muito se alegra depois, quando vê
que essa invocação estende a sua eficácia, com frutos salutares, mesmo
àqueles que estão fora do seu seio. Mais ainda, se consideramos bem esta
mesma unidade, impetrada por Cristo para a sua Igreja, parece brilhar com
tríplice raio de luz sobrenatural e benéfica: a unidade dos católicos entre si, que
se deve manter exemplarmente firmíssima; a unidade de orações e desejos
ardentes, com os quais os cristãos separados desta Sé Apostólica ambicionam
unir-se conosco; por fim, a unidade na estima e no respeito para com a Igreja
Católica, por parte daqueles que seguem ainda religiões não-cristãs.

Quanto a isso, é motivo de tristeza considerar como a maior parte do


gênero humano, apesar de todos os homens terem sido remidos pelo sangue
de Cristo, não partilhem daquelas fontes da graça divina que existem na Igreja
Católica. Por isso, à Igreja Católica, cuja luz tudo ilumina e cuja força de
unidade sobrenatural beneficia toda a humanidade, bem se adaptam as
palavras de São Cipriano: “A Igreja, aureolada de luz divina, envia os seus
raios ao mundo inteiro; é, porém, luz única, que por toda a parte se difunde
sem que fique repartida a unidade do corpo. Estende os seus ramos sobre toda
a terra pela sua fecundidade, difunde sempre mais e mais os seus regatos:
contudo, uma só é a cabeça, única é a origem, uma é a mãe copiosamente
fecunda; por ela fomos dados à luz, alimentamo-nos com o seu leite, vivemos
do seu espírito” (De Catholicae Ecclesiae unitate, 5).

Veneráveis irmãos, isto se propõe o Concílio Ecumênico Vaticano II,


que, ao mesmo tempo que une as melhores energias da Igreja e se empenha
por fazer acolher pelos homens mais favoravelmente o anúncio da salvação,
como que prepara e consolida o caminho para aquela unidade do gênero
humano, que se requer como fundamento necessário para que a cidade
terrestre se conforme à semelhança da celeste “na qual reina a verdade, é lei a
caridade, e a extensão é a eternidade” (Cf. Santo Agostinho, Epist. CXXXVIII,
3).
E agora, “dirige-se a vós a nossa voz” (2Cor 6,11), Veneráveis Irmãos
no Episcopado. Eis-nos, finalmente, todos reunidos nesta Basílica Vaticana,
onde está o eixo da história da Igreja: onde o céu e a terra estão estreitamente
unidos, aqui junto do túmulo de Pedro, junto a tantos túmulos dos nossos
Santos Predecessores, cujas cinzas, nesta hora solene, parecem exultar com
frémito arcano.

O Concílio, que agora começa, surge na Igreja como dia que promete a
luz mais brilhante. Estamos apenas na aurora: mas já o primeiro anúncio do dia
que nasce de quanta suavidade não enche o nosso coração! Aqui tudo respira
santidade, tudo leva a exultar! Contemplemos as estrelas, que aumentam com
seu brilho a majestade deste templo; aquelas estrelas, segundo o testemunho
do Apóstolo são João (Ap 1,20) sois vós mesmos; e convosco vemos brilhar
aqueles candelabros dourados à volta do sepulcro do Príncipe dos Apóstolos,
isto é, as igrejas a vós confiadas.

Vemos, ao vosso lado, em atitude de grande respeito e de expectativa


cheia de simpatia, essas digníssimas personalidades aqui presentes, chegadas
a Roma dos cinco continentes, para representarem as nações do mundo.

Pode dizer-se que o céu e a terra se unem na celebração do Concílio:


os santos do céu, para proteger o nosso trabalho; os fiéis da terra, continuando
a rezar a Deus; e vós, fiéis às inspirações do Espírito Santo, para procurardes
que o trabalho comum corresponda às esperanças e às necessidades dos
vários povos. Isto requer da vossa parte serenidade de espírito, concórdia
fraterna, moderação nos projetos, dignidade nas discussões e prudência nas
deliberações.

Queira o céu que as vossas canseiras e o vosso trabalho, para o qual


se dirigem não só os olhares de todos os povos, mas também as esperanças
do mundo inteiro, correspondam plenamente às aspirações comuns.

Deus todo-poderoso, em vós colocamos toda a nossa esperança,


desconfiando das nossas forças. Olhai benigno para estes Pastores da vossa
Igreja. A luz da vossa graça sobrenatural nos ajude a tomar as decisões e a
fazer as leis, e ouvi todas as orações que vos dirigimos com unanimidade de
fé, de palavra e de espírito.
Ó Maria, auxílio dos cristãos, auxílio dos Bispos, de cujo amor tivemos
recentemente uma prova especial no vosso templo de Loreto, onde tivemos o
prazer de venerar o mistério da Encarnação, disponde todas as coisas para um
feliz resultado, e, juntamente com o vosso esposo são José, com os santos
apóstolos são Pedro e são Paulo, com são João Batista e são João
Evangelista, intercedei por nós junto de Deus.

CAPÍTULO 4: NOTAS SOBRE A MEMÓRIA DA PARÓQUIA DE MORRO


BRANCO E LAGOA SECA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA

Fundada no dia 13 de janeiro de 1963 a paróquia do Sagrado Coração


de Jesus passava a ser a oitava casa Redentorista do nordeste. A criação se
deu decorrente de estímulos provenientes do Pe. G. Tiago Clom então
secretário da C.R.B., tendo como padres fundadores: João Afonso Sterke e
Bento Dashorst, sendo o Arcebispo de Natal na época Bom Eugênio Sales.

Localizada no bairro de Morro Branco foi considerada uma área


pastoral compreendendo toda a zona sul da cidade; apresentando como limites
a Av. Salgado Filho e no outro extremo a praia de Pirangi. Desmembraram-se
da paróquia do SCJ as comunidades de São João Batista (Lagoa Seca), Santo
Afonso (Mirassol) e Nossa Senhora da Candelária (Candelária) de modo que a
primeira ficou sob a orientação espiritual da paróquia durante 25 anos. No ano
de 1965 iniciou-se a construção da Igreja Matriz, hoje situada a Av. Antônio
Basílio, no bairro de Morro Branco.

Durante os anos 70–94 a paróquia cresceu de forma considerável,


esse aumento populacional se deu devido ao surgimento da cidade
universitária. O crescimento foi acompanhado pela construção de capelas
pertencentes à paróquia em outros bairros. Atualmente a população estimada
da paróquia é de 25 mil habitantes, tendo as seguintes capelas e comunidades:
Nossa senhora da Imaculada Conceição em Potilândia, Santo Antônio, em
Lagoa Nova, São Geraldo, em Nova Descoberta, Nossa Senhora das Vitórias
no Conjunto Potiguar, a Matriz do Sagrado Coração de Jesus, em Morro
Branco e a Casa da Criança, capela de Nossa Senhora das Graças,
atualmente administrada pelas irmãs da caridade, e assistida pelo Monsenhor
Geraldo Ribeiro de Almeida.

4.1 AS COMUNIDADES VIVAS


É relevante recordar a atuação de padre Pio nas duas paróquias: Morro
Branco e Lagoa Seca. Existia nas comunidades que uma organização viva que
se traduzia nas diversas pastorais populares, convocando e dinamizando os
agentes para atuarem como células vidas de uma Igreja que caminhava rumo à
libertação pelo testemunho da solidariedade, da busca constante de vivenciar a
essência das primeiras comunidades cristãs definidas por Lucas nos Atos dos
Apóstolos.

A atuação de padre Pio nas paróquias de morro branco e lagoa seca


tem início no final da década de 60, precisamente em 1968, quando ele é
convocado pela congregação Redentorista para pastorear nesta cidade.

Primeiramente ele convoca os fiéis para construção de comunidades


vivas, desta feita em toda zona sul da cidade, formando assim 17 comunidades
eclesiais; posteriormente, 9 destas se desmembraram formando 4 paróquias,
ficando sob sua responsabilidade pastoral as comunidades que formaram as
paróquias integradas de Morro Branco e Lagoa Seca. Pertencentes a Paróquia
do Sagrado Coração de Jesus incluía-se: a Matriz em Morro Branco,
Comunidade de Santo Antônio, Conjunto Potiguar, (Comunidade de Nossa
Senhora das Vitórias); Potilândia (comunidade de Nossa Senhora da
Conceição), Nova Descoberta (comunidade de São Geraldo), igualmente
integrava o corpo eclesial a Paróquia de São João Batista, Comunidade de
Cristo Redentor também em Lagoa Seca, Capela de Nossa Senhora do Líbano
(também em Lagoa Seca).

Pois Bem! É nessas comunidades que se desenvolveu uma vida


eclesial comunitária alimentada por uma mística cristã através das diversas
pastorais. Dentre estas se destacaram a pastoral do empobrecido, Pastoral do
Idoso, Pastoral da Comunicação, Pastoral da juventude (grupos de jovens),
pastorais vinculadas aos sacramentos da Eucaristia, Crisma, Liturgia (Pastoral
do Canto).

A Pastoral do Empobrecido era realizada através da atuação dos


agentes pastorais, como a Assistente Social Maria das Graças Silva,
responsável por aquela pastoral, sob a orientação de padre Pio, e se
desenvolvia através de visitas e assistência aos moradores de comunidades
pobres, onde construía e se reformava as casas através de mutirão com a
colaboração dos próprios moradores; nesse contexto, pode-se destacar a
“Comunidade das Almas” em Lagoa Nova. Para isso, era utilizada a
contribuição dos fiéis, através do Dízimo.

A Pastoral do Idoso recebeu de Padre Pio uma atenção muito


especial, ele organizou uma equipe de senhoras que se encarregava de reunir
os idosos para desenvolver suas potencialidades nas artes manuais, bem
como o lazer. O momento celebrativo de destaque ocorria anualmente no dia
27 de setembro, quando se comemorava o dia do idoso, por ocasião da festa
de São Vicente de Paula.

A Pastoral da Comunicação encarnou-se recebendo o sopro de vida


através do Jornal Caminhando. Tal projeto foi inspirado na proposta de curso
de comunicação com a participação de 75 pessoas, ministrado por jornalistas
de destaque, os quais proferiram palestras, mostrando a importância de um
jornal que pudesse expressar a voz da comunidade. Nasce dessa forma, em
1984, o Jornal “Caminhando”, com edições mensais. Editado primeiramente
por Dermi Azevedo, posteriormente, por Auricéia Antunes, Arlindo Melo,
Antônio Varela Barca, Miriam Pereira Moinastirski e novamente Auricéia
Antunes; e, tendo diversos colaboradores: jornalistas, advogados e pessoas da
comunidade. O jornal caminhando era feito na Editora Clima, atual Off Set
Gráfica.

A Pastoral de Juventude contava com a colaboração de grupos de


jovens. Nesse sentido, foi criado o Grupo de Teatro do Potilândia, sob a
direção de Neto Oliveira. O grupo encenava peças ao ar livre, retratando temas
religiosos, tais como a Paixão de Cristo e a Vida de São Francisco de Assis.

É relevante ainda ressaltar que o projeto pastoral de padre Pio tinha


como propósito primordial uma formação eclesial voltada para a evangelização
dos membros das comunidades por ele lideradas. E é nessa perspectiva que
se desenvolvia o ministério dos sacramentos, aquele representava o
coroamento de uma preparação remota para crianças, jovens e adultos.

Sendo assim, desenvolvia-se a preparação da Primeira Eucaristia para


crianças, sob a responsabilidade de um grupo de jovens catequistas,
preparadas semanalmente pelo padre Pio, aos sábados à tarde, no salão
paroquial da Matriz de São João Batista, em Lagoa Seca.

O sacramento da Crisma seguindo o mesmo espírito evangelizador


era ministrado após uma preparação anual, também sob a responsabilidade de
um grupo de agentes de pastoral.

A Pastoral da Liturgia não se limitava ao canto pastoral para animação


dos rituais litúrgicos, inclusive a Missa. Era desenvolvida através de uma
formação sistemática dos agentes pastorais participantes, através de encontros
mensais, também no salão paroquial da Matriz de Lagoa Seca,
concomitantemente, havia a preparação específica através do ensaio semanal
dos cantos com a equipe de liturgia que ensaiava os cantos e as leituras das
celebrações litúrgicas.

O Sacramento do Batismo era ministrado também por agentes de


pastoral, devidamente preparados e nomeados como ministros desse
sacramento.

4.2 AS MISSÕES POPULARES MISTICA DE SANTO AFONSO MARIA DE


LIGÓRIO
Conforme se pode perceber a formação sacerdotal de padre Pio é de
caráter religioso, isto é, diferentemente dos padres seculares que estão ligados
diretamente ao arcebispo, ele está vinculado a uma congregação religiosa, a
Congregação dos padres do Santíssimo Redentor, cujo fundador é Santo
Afonso de Ligório que assumiu como vocação e mística cristã as missões
populares.

O fundador da Congregação do Santíssimo Redentor (CSSR), Santo


Afonso Maria de Ligório é natural de Marianella, no Reino de Nápoles, no dia
27 de Setembro de 1696. Em 1712, doutorou-se em Direito Civil e Canônico.
Possuía também dons artísticos e literários revelando-se como poeta, músico,
arquiteto e pintor. Era o primeiro filho de uma família numerosa, e pertenceu à
nobreza napolitana. Recebeu uma esmerada educação em ciências humanas,
línguas clássicas e modernas, pintura e música. Compôs um Dueto da Paixão,
como também o cântico de Natal mais popular da Itália, concluiu seus estudos
universitários e começou a exercer a profissão de advogado. Em 1723,
abandonou a carreira jurídica começando os estudos eclesiásticos. Foi
ordenado presbítero a 21 de dezembro de 1726, aos 30 anos. Viveu seus
primeiros anos de presbiterado com os sem-teto e os jovens marginalizados de
Nápoles. Fundou as "Capelas da Tarde", que eram centros dirigidos pelos
próprios jovens para a oração, proclamação da Palavra de Deus, atividades
sociais, educação e vida comunitária. Na época da sua morte, havia 72 dessas
capelas com mais de 10 mil participantes ativos.
No dia 9 de novembro de 1732, Afonso fundou a Congregação do
Santíssimo Redentor, popularmente conhecida como Redentorista, para seguir
o exemplo de Jesus Cristo anunciando a Boa Nova aos pobres e aos mais
abandonados. Daí em diante, dedicou-se inteiramente a esta nova missão.
Afonso escreveu 111 obras de grande relevância para a Igreja sobre
espiritualidade e teologia, que tiveram 21.500 edições e foram traduzidas em
72 línguas. Mas, sua maior contribuição para a Igreja foi na área da reflexão
teológica moral, com a sua Teologia Moral. Esta obra nasceu da experiência
pastoral de Afonso, da sua habilidade em responder às questões práticas
apresentadas pelos fiéis e do seu contato com os problemas do dia-a-dia.
Combateu o estéril legalismo que estava sufocando a teologia e rejeitou o
rigorismo estrito do seu tempo, produto da elite poderosa. Em 1762, aos 66
anos foi ordenado bispo de Santa Ágata dos Godos.
Morre em dia 1º de agosto de 1787, no Convento de Pagani. Em 1831,
o Papa Gregório XVI o canonizou, foi declarado como Doutor da Igreja em
1871 e em 1950, foi declarado como Padroeiro dos Moralistas e Confessores.
Sua vida tornou-se uma missão e um serviço aos mais abandonados.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Miss%C3%B5es_populares. Acesso
em:19.01.2012.

As missões populares nas Paróquias de Morro Branco e Lagoa Seca


consistem em uma série de pregações, palestras e celebrações dirigidas às
comunidades, sob a coordenação de Padre Pio, tendo como objetivo animar a
fé e a vida cristã e impulsionar a vida comunitária nas comunidades paroquiais
e comunidades eclesiais. Trata-se de uma pregação extraordinária
complementar à pastoral ordinária e intensiva.
Havia a formação dos missionários populares, que eram os agentes
ligados às diversas pastorais, através de retiros, encontros e estudos e
organização das equipes de trabalho.

Concomitantemente havia a preparação da comunidade para a missão,


com explicações e sensibilização para a missão, mostrando previamente o
valor evangélico, demonstrado como Boa Nova de Jesus Cristo nos dias atuais.
Sendo assim, a metodologia era desenvolvida através de algumas ações, tais
como: visitas, pregações, celebrações, palestras, procissões, bênçãos e
momentos de oração.

É importante dizer que o foco das missões não era alimentar pura e
simplesmente a devoção, contudo, seguindo o espírito da mística de Santo
Afonso, pretendia desenvolver uma consciência cristã e abrir as perspectivas
da consciência das comunidades do seu papel de cidadão, centrando-se no
propósito das primeiras comunidades cristãs, relatadas pelo apóstolo Lucas
nos Atos dos Apóstolos. Assim professa o autor do Novo Testamento:

Perseverantes à comunhão fraterna: Todos os que abraçaram a fé


estavam unidos e tudo partilhavam. Vendiam as suas propriedades e
os seus bens para repartir o dinheiro apurado entre todos, segundo
as necessidades de cada um [...]. A perseverança na comunhão
fraterna aumentava a unidade entre os membros da comunidade. [...]
A multidão dos fiéis tinha uma só alma e um só coração. Não
chamavam de própria nenhuma de suas posses: ao contrário, tinham
tudo em comum. [...]. Além da unidade, a comunhão fraterna suprimia
as carências da comunidade: [...] Não havia indigentes entre eles... A
cada um era repartido segundo a sua necessidade. (At 2,44-45; 4,32;
4,34-35).

Era, portanto, nessa direção que se alimentava a esperança cristã de


superação dos desafios e dificuldades vividas nas comunidades lideradas por
padre Pio, ao longo de sua condução missionária.

3.3 A PEDAGOGIA ECLESIAL PARA OS AGENTES DAS PASTORAIS

O desempenho pastoral de padre Pio nas referidas comunidades


pertencentes às paróquias do Sagrado Coração de Jesus, em Morro Branco e
de São João Batista, em Lagoa Seca, foi realizado através de um efetivo e
sistemático processo de evangelização dos agentes de pastoral por ele
liderados. Trata-se de reuniões mensais momentos em que se estudava
profundamente temas ligados à Cristologia, Eclesiologia, Mariologia, Bíblia
Sagrada. Foi nesse percurso formativo que aprendemos temas e questões
relativas a pessoa de Jesus Cristo como filho de Deus e também filho do
homem9. Entendemos que o filho de Deus ao se encarnar no meio dos homens
também assumiu uma missão libertadora de seu povo quanto à consciência e
igualmente das condições precárias de vida. É nesse sentido que recordamos
as palavras do Evangelho de João, ao afirmar que “Eu vim para que todos
tenham vida e a tenham em abundância" (Jo 10, 10). E como lembra a música
da Campanha da Fraternidade CNBB de 1984 “eu vim para que todos tenha
vida, que todos tenham vida plenamente”, cujo tema foi Fraternidade e vida.

9
CAPÍTULO 5: ALGUMAS NOTAS SOBRE A NORMATIZAÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS E DO CIDADÃO

O entendimento que os seres humanos têm de si, individual e


coletivamente, varia no tempo, no espaço e nas culturas. Logo, falar em
direitos humanos no século XVIII francês não tem o mesmo significado de
tratar o mesmo tema, hoje, no Brasil. As mudanças históricas impuseram novos
problemas e novos entendimentos que propiciam um outro referencial para os
direitos humanos.

A Grécia nos legou as premissas das regras para se aferir a justiça ou


não do direito. Quando os sofistas distinguiram logos de nomos, isto é a lei
natural da lei humana introduziram um modo de aferir a justiça e adequação
das leis da sociedade. Justa seria a lei humana que não desobedecesse aos
difames da lei natural. Isso pressupunha a existência de um universo imutável,
com leis eternas, às quais as leis humanas deveriam se subordinar. Está ai
uma das fontes do que hoje se entende por direito natural.

Direito é o conjunto de normas obrigatórias que disciplinam as relações


humanas e também a ciência que estuda essas normas. A ciência jurídica tem por
objeto discernir, dentre as normas que regem a conduta humana, as que são
especificamente jurídicas. Caracterizam-se estas pelo caráter coercitivo, pela
existência de sanção no caso de não observância e pela autoridade a elas
conferida pelo estado, que as consagra.

A maior contribuição do pensamento grego para o direito foi a formação de


um corpo de ideias filosóficas e cosmológicas sobre a justiça, mais adequado para
apelações nas assembleias populares do que para estabelecer normas jurídicas
aplicáveis a situações gerais. As primitivas cosmologias gregas consideravam o
indivíduo dentro da transcendental harmonia do universo, emanada da lei divina
(logos) e expressa, em relação à vida diária, na lei (nomos) da cidade (polis).

No século V a.C., os sofistas, atacados mais tarde por Sócrates e Platão,


examinaram criticamente todas as afirmações relativas à vida na cidade-estado,
destacando as amplas disparidades entre a lei humana e a moral, rejeitando a
ideia de que a primeira obedecia necessariamente a uma ordem universal. O
objeto de estudo dos sofistas era o homem, conforme a clássica afirmação de
Protágoras de Abdera, que viveu de 480 a.C. na Sicília, a 410 a.C. “o homem é a
medida de todas as coisas como a "a medida de todas as coisas, que são
enquanto são [e] das coisas que não são, enquanto não são.", tendo como base
para isso o pensamento de Heráclito. Tal frase expressa bem o relativismo tanto
dos Sofistas em geral quanto o relativismo do próprio Protágoras. Se o homem é a
medida de todas as coisas, então coisa alguma pode ser medida para os homens,
ou seja, as leis, as regras, a cultura, tudo deve ser definido pelo conjunto de
pessoas, e aquilo que vale em determinado lugar não deve valer,
necessariamente, em outro. Esta máxima também significa que as coisas são
conhecidas de uma forma particular e muito pessoal por cada indivíduo, o que vai
contra, por exemplo, ao projeto de Sócrates de chegar ao conceito absoluto de
cada coisa. Segundo Protágoras, o sujeito é capaz de conhecer, projetar e
construir. Os sofistas negavam que a lei e a justiça tivessem valor absoluto, pois
eram criadas pelos homens, de acordo com determinadas circunstâncias, e por
isso, relativas e sujeitas a transformações.

Platão criticou esse conceito e contrapôs ao que considerava como


subjetivismo sofista a eternidade das formas arquetípicas, de que a lei da cidade-
estado seria um reflexo. Na utopia descrita em sua República, Platão afirma que a
justiça prevalece quando o estado se encontra ordenado de acordo com as formas
ideais asseguradas pelos sábios encarregados do governo. Não há necessidade
de leis humanas, mas unicamente de conhecimentos transcendentais.

A República constitui-se um Estado construído sob a idéia do logos, uma


dimensão racional. Nele Platão propõe uma divisão racional do trabalho, cuja idéia
de justiça vai orientar a diversidade de funções exercidas pelas classes sociais: os
artesãos, que se encarregam da produção material da existência. Os soldados,
que se encarregam da defesa da cidade e os guardiões possuem a tarefa de zelar
pela observância das leis e igualmente pela defesa e administração interior, na
verdade a proposta platônica é de os habitantes do Estado-logos também sejam
guardiões de si mesmos.

Na proposta da República, o desejável não é o usufruto de uma felicidade


individual por parte de cada classe social, contudo o importante é que toda cidade
seja feliz. Desse modo, o indivíduo seria membro integrante da cidade para
desempenhar sua função social. Nisto consistia a condição de ser justo. No Livro I,
II, III, Platão, a partir do estilo do diálogo pretende refletir sobre a virtude da justiça.
Para isso, vai contar com a participação de vários interlocutores, dentre esses,
Sócrates, Céfalo, Polemarco, Glaucon, Trasímaco.

Céfalo vai definir a justiça como a perspectiva de falar a verdade,


restituindo aquilo que se tomou, já Polemarco a define como “dar a cada um o que
se deve” e Trasímaco a concebe como o interesse ou a conveniência do mais
forte.

Pode-se dizer, que a construção da cidade platônica concebida como um


lugar definido sob a inspiração do logos adverte para a edificação de uma
República ou Estado paradigmático, cuja preocupação maior deva ser a efetivação
das virtudes da coragem, da temperança, da sabedoria, estas concebidas como
uma possibilidade de reforma interior, alicerçadas na virtude da justiça.

Aristóteles, discípulo de Platão, que tinha em comum com ele a idéia de


uma realidade que transcende a aparência das coisas tais como são percebidas
pelos sentidos humanos, defendia a validade da lei como resultado da vida prática:
o homem, por natureza, é moral, racional e social e a lei facilita o desenvolvimento
dessas qualidades inatas.

A concepção do direito natural como emanação do direito da razão


universal foi obra da filosofia estóica. O ideal ético dessa doutrina, iniciada na
Grécia e de grande influência no pensamento romano, foi sintetizado no século III
de nossa era por Diógenes Laércio: a virtude do homem feliz e de uma vida bem
orientada consiste em fundamentar todas as ações no princípio de harmonia entre
seu próprio espírito e a vontade do universo.
Na Idade Média, no apogeu da escolástica, nome com que se define
genericamente a filosofia cristã medieval, deu-se no século XIII com santo Tomás
de Aquino que, a exemplo de santo Agostinho, subordinou o direito positivo
(secular) à lei de Deus. Uma disposição do direito positivo não podia violar o direito
natural e, em conseqüência, o direito eterno divino. A tendência de fazer
prevalecer a razão sobre a vontade foi rejeitada, também no século XIII, pelo
franciscano britânico John Duns Scotus10, para quem tudo se devia à vontade de
Deus e não existia nenhum direito natural acessível à razão humana. O direito
positivo somente tinha validade e eficácia se não contrariasse a vontade divina
superior a ele.

Do Renascimento ao século XVIII, se evidenciam concepções que


transitam para um paradigma moderno, a exemplo do pensamento político de
Maquiavel em “O príncipe, escrito em 1513. Nessa obra, o autor critica os
fundamentos de natureza transcendental divina optando por uma explicação
metodológica do tipo histórico-comparativa, sob bases empiristas. Para ele, as
coisas devem ser aceitas como são e não como deveriam ser. Nesse sentido, a
manutenção do poder justifica qualquer meio pois é um fim em si mesma. O direito
deve basear-se na garantia de continuidade do poder e não na justiça.

Hugo Grotius, jurista holandês, no início do século XVIII concebeu um


direito supranacional que pusesse limite ao poder absolutista das monarquias
européias. Rejeitou a "razão de estado" defendida por Maquiavel como fonte do
direito e propôs uma versão atualizada do direito natural estóico, com elementos
do direito romano e da teologia cristã. Thomas Hobbes, adotando uma perspectiva
mais próxima à de Maquiavel, entendia que a natureza humana não é tão perfeita
como pensavam Grotius e os estóicos. Ele defendia que o homem, no estado de
natureza, luta somente por sua sobrevivência e só cede parte de sua liberdade e
se submete à autoridade alheia em troca de segurança.

Montesquieu foi um dos pioneiros a rejeitar o direito natural. Em sua obra


“Do espírito das leis defendeu a tese segundo a qual o direito e a justiça de um
povo são determinados por fatores que influem sobre eles e, portanto, não é
aplicável o princípio da imutabilidade sustentado pelo direito natural.

10
John Duns Scot, ou Scotus (escocês) ou Escoto nasceu em Maxton, condado de Roxburgh
na Escócia, em 1265, viveu muitos anos em Paris, em cuja universidade lecionou, e morreu em
Colônia no ano de 1308. Membro da Ordem Franciscana, filósofo e teólogo da tradição
escolástica, chamado o Doutor Sutil, foi mentor de outro grande nome da filosofia medieval:
William de Ockham. Foi beatificado em 20 de Março de 1993, durante o pontificado de João
Paulo II. Formado no ambiente acadêmico da Universidade de Oxford, onde ainda pairava a
aura de Robert Grosseteste e Roger Bacon, posicionou-se contrário a São Tomás de Aquino
no enfoque da relação entre a razão e a fé. Seu pensamento é agostiniano, mas de forma
menos extremada que São Boaventura ou, mesmo, Matheus de Aquasparta; as diferenças
entre ele e São Tomás de Aquino, como as dos outros, provem de uma mistura maior de
platonismo (derivado de Santo Agostinho) em sua filosofia. Para Scot, as verdades da fé não
poderiam ser compreendidas pela razão. A filosofia, assim, deveria deixar de ser uma serva da
teologia, como vinha ocorrendo ao longo de toda a Idade Média e adquirir autonomia. Suas
principais obras são o "Opus Oxioniense", "Quaestiones de Metaphysica" (Questões de
Metafísica) e "De Primo Princípio"(Do Primeiro Princípio). Um dos grandes contributos de Scot
para a história da filosofia, afirmam os historiadores, está no conceito de hecceidade
(haecceitas ). Tal teoria, valoriza a experiência, e distancia a preocupação exclusivista da
filosofia com as essências universais e transcendentais.
Kant, igualmente partilhando do jusnaturalismo, vai afirmar que todos os
conceitos morais são baseados no conhecimento a priori, somente podendo ser
atingido por intermédio da razão. No entanto, os conceitos kantianos mostraram-se
com caracteres também transcendentais quanto os do direito natural.

Na primeira metade do século XIX, o pensamento jurídico experimentou


por influência da filosofia positivista de Augusto Comte uma reação ao idealismo e
às teorias do direito natural. De acordo com a doutrina do positivismo analítico, os
casos deveriam ser resolvidos mediante o estudo das instituições e leis existentes.
Segundo o positivismo histórico, cujo principal representante foi o jurista alemão
Friedrich Karl Von Savigny, o direito reside no espírito do povo e o costume é o
direito por excelência. O papel do jurista consiste em interpretar esse espírito e
aplicá-lo às questões técnicas.

A interpretação materialista do direito iniciou-se com a doutrina marxista,


para a qual os sistemas político e judicial representam a superestrutura da
sociedade. Surgida em meados do século XIX, combinou a fé no progresso, a
evolução social, o racionalismo, o humanismo e o pluralismo político com a
concepção segundo a qual o modelo mecanicista da ciência natural é válido para
as ciências sociais.

A teoria pura do direito, cujo mais conhecido representante foi o austríaco


Hans Kelsen, concebia o direito como um sistema autônomo de normas baseado
numa lógica interna, com validade e eficácia independentes de valores
extrajurídicos, os quais só teriam importância no processo de formação do direito.
A teoria das leis é uma ciência, com objeto e método determinados, da qual se
infere que todo sistema legal é, essencialmente, uma hierarquia de normas.

As escolas modernas do realismo jurídico entendem o direito como fruto


dos tribunais. Dentro de sua diversidade, essas escolas admitem princípios
comuns: a lei decorre da ação dos tribunais; o direito tem um propósito social; as
mudanças contínuas e ininterruptas da sociedade se verificam também no direito;
e é necessário distinguir o que é do que deve ser.

5.1 O DIREITO NA COMPREENSÃO CRÍTCA

A explicação do direito na perspectiva do Materialismo Histórico


Dialético defende que o as relações jurídicas são determinadas pelas
transformações econômicas que originaram as sociedades de classe. Assim a
separação dos homens em exploradores e explorados destruiu a comunidade
de iguais, através da divisão social do trabalho. Marx, em suas análises discute
o movimento dialético característico da história dos homens na produção
material da existência.
No século XVIII, com o advento do capitalismo a grande indústria se
universalizou, criando também o mercado mundial. Engendra a rápida
circulação, com o desenvolvimento do sistema monetário e a centralização dos
capitais.

Destruiu a ideologia, a religião a moral. (...) Colocou a ciência da


natureza sob o controle do capital e arrancou a última aparência do
regime natural da divisão do trabalho (...) e reduziu todas as relações
naturais a relações fundamentadas no dinheiro. (...) Tornou perfeito o
triunfo da cidade comercial sobre o campo. Sua primeira premissa é o
sistema automático. (MARX & ENGELS, 2007, p. 87)

Nesse modelo de sociedade, Estado constitui a forma mediante a qual


os indivíduos da classe dominante fazem valer seus interesses comuns; “ Daí
também a ilusão de que a lei se fundamenta na vontade e, ademais na vontade
desgarrada de sua base real, na vontade livre. E, do mesmo modo, o direito é
reduzido à lei”. (idem, ibidem, p. 90).

Para garantir a superioridade dos proprietários dos meios de produção,


dos donos da propriedade privada, surge o Estado como instrumento de
violência organizada. O Direito surge, na sociedade burguesa, como
legitimador e regulador da dominação da classe que se constitui como
detentora da propriedade.

Sobre o direito privado, o referido autor declara que naquele as


relações de propriedade (direitos reais), são declaradas como resultante da
vontade geral. Assim, o mesmo jus utendi e abutendi mostra que a propriedade
privada já não depende da essência comunitária, insinuando a ilusão de que a
propriedade privada repousa sobre a vontade e igualmente o direito de dispor
arbitrariamente da coisa, (idem, ibidem). Tal ilusão jurídica que defende o
direito como mera vontade, conduzindo a pensar que nas relações de
propriedade uma pessoa possa ter o direito jurídico de uma coisa sem chegar a
possuí-la. “(...). Contudo ele nada poderá fazer com este direito, nem mesmo
possuirá nada como proprietário da terra, a menos que disponha de capital
suficiente para cultivar o solo que lhe pertence” (idem, ibidem, p. 91)

Na sociedade comunista, que supõe a associação livre dos produtos, o


direito resgataria seu caráter universal.

Conforme as teses do marxismo sobre a origem do direito, este, não


teria se originado em deus, nem na razão humana, ou na consciência coletiva,
mas no Estado, não existindo direito sem Estado e nem Estado sem direito.
5.2 SOBRE A CRISE DA HERMENÊUTICA NOS DIREITOS HUMANOS

O texto seguido referente à quinta seção desse estudo discute


aspectos conceituais da ciência hermenêutica, no campo jurídico destacando
neste alguns elementos de crise.

A idéia “hermenêutica” surge da mitologia grega, deus Hermes, o


mensageiro dos deuses, - a quem se atribui a origem da linguagem e da escrita
-, que tinha o dom de permitir às divindades falarem entre si e também aos
homens. De uma forma ou de outra, fato é que o termo está diretamente
associado à idéia de compreensão de algo antes ininteligível. Hermes tinha
uma função intermediária entre os deuses e os homens, e assim, funcionava
como um intérprete.

Trata-se de um termo originário do verbo grego hermeneuein e do


substantivo hermeneia, que significam, em sua extensão semântica, algo que
“é tornado compreensível”, “levado à compreensão”. Significa trazer à luz algo
oculto, desvelar, revelar. É expressar, interpretar e igualmente traduzir. Nesta
última, a hermenêutica assume o sentido de uma orientação interpretativa, uma
vez que o tradutor de um texto esclarece ou torna compreensível o
pensamento que está em outra língua. É a compreensão do dito, enquanto se
traduz a expressão, o pensamento na alma humana.

Surgia à hermenêutica como uma disciplina auxiliar, isto é, um cânon


de regras que tinha como propósito o tratamento com os textos.

Enquanto teoria da correta interpretação, a hermenêutica tem sido


empregada sob três esferas de sentidos, a saber: auxiliar nas discussões sobre
a linguagem do texto11 (dando origem à filosofia); no sentido de facilitar a
exegese da bíblia, bem como para orientar a jurisdição.

Considerando que a Hermenêutica é compreendida como a arte de


interpretar, pode-se afirmar que aquela se traduz como compreensão é
compreensão. Desse modo, a hermenêutica Jurídica seria então a
compreensão que daria o sentido à norma, à lei. Em outros termos, há na lei ou
no texto jurídico sentido que não está explicito para que possa ser aclarado
essencialmente. Disso se abstrai que o conhecimento da norma supõe a
compreensão da mesma, não como um exercício de mera apreensão da
dogmática jurídica, ou da letra da lei, contudo, trata-se da interpretação criativa,
crítica, cujo sujeito determinado por sua cultura é capaz de dar conta da
interpretação como processo de compreensão do Direito.

A compreensão histórica constitui um meio para se chegar a um fim.


Do ponto de vista jurídico, o historiador do direito enfrenta culturas jurídicas
11
As duas primeiras esferas de sentido tem como base as teses de Dilthey. E o terceiro emprego da
hermenêutica tem fundamento nas lições de Betti
passadas no seu trabalho de interpretação da lei, sem ter diante de si nenhuma
tarefa jurídica, pretendendo apenas averiguar o significado histórico da lei.
Quanto ao juiz, este deve sincronicamente adequar a lei transmitida às
necessidades do momento, já que a aplicação da lei é uma tarefa prática.

Ao interpretar uma lei, para concretizá-la, o juiz deverá realizar uma


tradução necessária da lei, mesmo que esta seja nos moldes de uma mediação
com o presente. Isso significa que para efetivação de uma hermenêutica
jurídica os membros de uma comunidade jurídica devem estar vinculados a
essa comunidade.

A lei a ser interpretada não é letra morta, porém é uma forma


representativa de um conteúdo do espírito, que igualmente se configura como
conteúdo normativo e instrumento que tem como propósito dirigir a convivência
social cuja tarefa da interpretação cabe à subjetividade do intérprete.

Desse modo, uma interpretação histórica da norma possibilita ao


jurista-intérprete identificar os tipos de interesse determinantes da disciplina
legislativa, não ignorando os problemas da convivência social.

5.3 ASPECTOS DE UMA CRISE DE INTERPRETAÇÃO, MANIFESTOS NO


DIREITO BRASILEIRO

O Brasil experiência um direito instituído para solucionar problemas


individuais cujas disputas simplistas entre João e Jacinto, certo réu e uma
determinada vítima. Sendo assim, se João ocupar a propriedade de Jacinto ou
se Marielva furtar uma galinha ou um automóvel de Tenório, torna-se prático
para o operador do direito resolver a questão; no primeiro caso, trata-se de um
esbulho, passível de uma imediata reintegração de posse, mecanismo ou
instrumento jurídico de eficaz atuação, absolutamente eficiente para a proteção
dos direitos reais de garantia. No segundo caso, a questão diz respeito a um
furto, quando se trata de uma galinha, ou furto qualificado, no caso do
automóvel, cuja pena poder resultar em 8 anos de reclusão, com a chamada
pena privativa de liberdade, se o automóvel de Tenório for conduzido para
outro Estado da federação.

Pois bem, pelo exposto, pode-se observar que a dogmática jurídica


coloca à disposição do jurista um mecanismo legal já pronto e dado contendo
igualmente uma solução mecânica e superficial ao se levar em consideração
que o direito deve ser compreendido para além da aplicação da norma ao caso
concreto. Contudo se a hipótese considerar que João, juntamente com
milhares do grupo dos “sem teto,” ocupa a propriedade de Jacinto, ou quando
Marielva participa de uma comoção ou quebradeira de bancos, causando
desfalques correspondentes a milhões de dólares, os operadores do direito
somente conseguem pensar o problema mediante uma ótica conforme o
modelo liberal individualista-normativista de direito.

Em sendo assim, necessário e oportuno se faz compreender o direito


numa sociedade complexa com problemas transindividuais que desafiam uma
visão estreita e míope dos juristas. Na primeira hipótese, não combinaria tratar
e interpretar a ocupação de terras, com receitas normativas cabíveis a
questões individuais, na segunda hipótese, supõem os crimes de colarinho
branco, cujos criminosos geralmente não são condenados ou nem chegam a ir
para a cadeia.

A perspectiva do direito positivo que dá conteúdo ao ordenamento


jurídico brasileiro permanece nos limites da solução de conflitos interindividuais
previstos nos códigos (civil, penal, processo civil, processo penal, comercial e
igualmente na CLT. Tal prática supõe a compreensão errônea de que a parte
precede o todo, ou que os direitos dos indivíduos se sobrepõem aos direitos da
comunidade. Nessa mesma direção, a magistratura é treinada para lidar com
variadas formas de ação, contudo se alheia ao entendimento preciso e
necessário das estruturas socioeconômicas em que aquelas são
desenvolvidas.

Pode-se ainda dizer, que o formalismo jurídico é conseqüência a um


apego a um conjunto de ritos e procedimentos burocráticos e impessoais que
se justificam como norma e certeza jurídica e segurança do processo. Streck,
(2003).

5.4 DAS DIMENSÕES DO DIREITO E A EQUIDADE

Em se tratando dos Direitos Fundamentais, é interessante observar a


configuração de três categorias, quais sejam os de primeira geração, os de
segunda geração e os de terceira geração. Ainda emerge na doutrina os
direitos de quarta geração, conforme Paulo Bonavides (2006), para quem estes
figuram a globalização política na esfera da normatividade jurídica.

É interessante destacar que este trabalho discutirá apenas os direitos


de primeira e segunda geração, no sentido de diferenciá-los.

Tal classificação inspirou-se no processo revolucionário manifesto no


século XIII, evidenciado pelo espírito político francês, exprimindo assim “em
três princípios cardeais todo conteúdo possível dos direitos fundamentais,
profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa
institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade” (BONAVIDES, 2006, p.
562)

Assim conforme o referido autor, feita a descoberta da fórmula


inspiradora e universalizadora competia aos ordenamentos jurídicos atualizá-la
de modo positivo, isto é, prescrevê-la em leis positivas.

Desse modo, os direitos fundamentais manifestaram-se na ordem


institucional mediante três gerações sucessivas que traduzem uma nova
universalidade, a concreta que encarregou de superar a universalidade
abstrata, Trata-se da atualização de uma universalidade metafísica, expressa
no jusnaturalismo do século XVIII. Bonavides (2006).

Os direitos de Primeira geração dizem respeito aos direitos de


liberdade, são os primeiros a figurarem no ordenamento jurídico constitucional.
São os direitos civis e políticos, que correspondem historicamente à fase inicial
do constitucionalismo desenvolvido no Ocidente.

É importante destacar que os direitos fundamentais de Primeira


geração estão prescritos no art. 5º, referente aos direitos individuais e coletivos
e nos artigos do 14 ao 17, estes referentes aos direitos políticos.

Tais direitos - os de primeira geração – têm como titulares os


indivíduos, ostentando a subjetividade e são oponíveis ao Estado, em que este
deve propiciá-los aos indivíduos.

Tais direitos enfatizam o direito de resistência dos indivíduos face ao


Estado, assumindo igualmente um status negativo, conforme Jellinek12,
ressaltando os valores políticos e a nítida separação entre Estado e Sociedade.

Os direitos fundamentais de Segunda Geração estão representados no


século XX assim como os de primeira geração dominaram no século XIX. Tais
direitos estão entrelaçados ao princípio da igualdade, do qual não teria sentido
separá-los.

Esses direitos também surgiram inspirados em especulações filosóficas


e políticas, com um acentuado caráter ideológico. Desse modo,

uma vez proclamados nas Declarações solenes das Constituições


marxistas e também de maneira clássica no constitucionalismo da

12
Georg Jelinek viveu entre de junho de 1851, em Heidelberg, até 12 de janeiro de 1911. Foi
um filósofo do direito e juiz alemão. Foi professor nas universidades de Basiléia e de
Heidelberg, publicou várias obras sobre filosofia do direito e ciência jurídica, dentre as quais se
destaca Teoria Geral do Estado onde sustenta que a soberania recai sobre o Estado e não
sobre a nação, que é um simples órgão daquele e as Teoria da Soberania do Estado e a Teoria
do Mínimo Ético.
social-democracia (a de Weimar, sobretudo,) dominaram por inteiro
as constituições do segundo pós-guerra (BONAVIDES, 2006, p. 564).

Os direitos de Segunda Geração passaram, inicialmente, por um baixo


teor de normatividade ou tiveram uma eficácia duvidosa, em razão de sua
natureza de direitos, que exigem do Estado o cumprimento efetivo das
prestações materiais nem sempre cumpridas. Esta dimensão de direitos está
preceituada como direitos sociais na Constituição Federal de 1988, a partir do
Artigo 6 até o artigo 11.

Por outro lado os assim chamados Direitos da terceira dimensão ou


direitos de fraternidade e solidariedade são considerados direitos coletivos por
excelência, pois estão voltados à humanidade como um todo. Conforme
Bonavides,

Segundo o referido autor tais direitos que não se destinam tão somente
à proteção dos interesses individuais de grupos ou de um determinado Estado.
Contrariamente, tem por primeiro destinatário o gênero humano mesmo, em
um momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta. Bonavides (2003).

Em tais direitos estão inclusos o direito ao desenvolvimento, à paz , à


comunicação, ao meio-ambiente, à conservação do patrimônio histórico e
cultural da humanidade, dentre outros.

Destaca-se ainda a quarta dimensão de direitos defendida por Paulo


Bonavides, para quem pode ser traduzida como o resultado da globalização
dos direitos fundamentais de modo a torná-los universais no campo
institucional. Enquadram-se aqui o direito à informação, ao pluralismo e à
democracia direta.

É relevante destacar que não existe nenhuma hierarquia ou sucessão


entre os direitos fundamentais, devendo ser tratados como valores
interdependentes e indivisíveis. Além do mais, a evolução desses direitos não
seguiu a ordem cronológica liberdade, igualdade, fraternidade em todos os
lugares ou situações históricas, ou seja, nem sempre foram reconhecidos os
direitos de primeira geração para somente depois serem reconhecidos os de
segunda e terceira. Dessa forma, a doutrina mais moderna vem defendendo a
idéia de acumulação de direitos, preferindo, assim, a utilização do termo
dimensões de direitos fundamentais.
5.5 DAS RELAÇÕES DE TRABALHO: FRAGMENTOS DE ANÁLISE

A propósito do direito do trabalho é oportuno destacar que ao longo da


contraditória história do trabalho humano correram grandes e sucessivas
reviravoltas no modo em que as pessoas se relacionavam para obter os bens
necessários à sua subsistência.

Nessa trajetória, os homens sempre foram considerados coisas através


do modo de produção asiático quando o Estado era o proprietário único da
terra, bem como no modo de produção escravista mediante o que ocorria a
exploração extrema dos escravos pelos senhores. Igualmente, no feudalismo,
quando os servos eram submetidos à propriedade de seus senhores. Nessa
mesma perspectiva de reificação dos homens nas relações laborais chega-se
ao modo de produção capitalista, em que a ação mercantil invade toda a
existência obrigando aos homens a venderem a força de trabalho em troca de
um salário, e porque não dizer que vendem a si mesmo. Em tal sistema de
produção, os homens adquirem liberdade econômica que se manifesta na
propriedade de si mesmos. O trabalhador que, no começo, limitara-se a trocar
de senhor, deixando de ser o servo da gleba para tornar-se o servo da fábrica,
vai se transformando numa pessoa com direitos.

O fenômeno do capital trouxe à existência humana a dominação, ou o


poder como coadjuvante na exploração do homem pelo homem, através das
forças do poder econômico, não obstante o capitalismo se coloque na
fragilidade de sua superação ou destruição, assim como ocorrera com os
demais sistemas que o antecederam.

Nesse novo cenário do capitalismo entra em cena o personagem da


grande massa trabalhadora, que migra para a cidade como exercito industrial
de reserva13. O trabalhador coletivo, convivendo de modo oposto com o patrão,
13
Segundo Marx, a noção de exército industrial de reserva refere-se a uma reserva de
trabalhadores desempregados e parcialmente empregados, cujo fenômeno constitui uma
característica inerente ao sistema capitalista de produção. Nesse sistema, a progressão da
força de trabalho empregada na produção é proporcionalmente menor se comparada a
progressão do capital global resultante. Com o aumento da produção, poderíamos imaginar
que também seria necessário o aumento do número de trabalhadores, porém a demanda de
mão-de-obra não acompanha o aumento do capital global. Assim o capital aumenta em uma
proporção maior que a necessidade de força de trabalho, ou seja, o capital global aumenta
devido, sobretudo, a mais-valia produzida, gerando um excedente de capital. Este acréscimo
de capital é transformado em capital constante, ou seja, é utilizado para o aumento da
produção em investimentos na própria indústria, na aquisição de maquinaria ou espaço físico.
O desenvolvimento tecnológico aumenta substancialmente a produtividade da empresa, o que
por outro lado, diminui o quadro necessário de trabalhadores envolvidos no processo produtivo.
Com o aumento da produção, a mais-valia tem um aumento igualmente substancial. O salário
do trabalhador continua o mesmo, ou tem um pequeno aumento, porém nada comparável ao
lucro do empresário. O capital variável diminui na proporção que o capital constante cresce. É
desta maneira que o ciclo capitalista cria um excedente de população trabalhadora, que forma
um número maior que o necessário para a acumulação de capital. Esta característica é a sina
produz a riqueza que permite àquele acumular o capital para se enriquecer.
Contudo, esse mesmo trabalhador, mediante o movimento das contradições
resiste à exploração, conspirando pela sua destruição.

Dessa forma, ao longo dos séculos de lutas sociais e operárias, os


trabalhadores passam a adquirir algumas conquistas expressas em direitos
políticos que as tornam participantes, ao menos teoricamente, do poder
político. De outro, adquire direitos sociais que modificam juridicamente o seu
papel nesta teia de relações. Aquele instrumento de trabalho ambulante tinha
como função na vida, meramente, a atribuição de interagir com as máquinas
para produzir mercadorias. O avanço da civilização, ou a luta de classes,
conduzem-no tais conquistas.

Sendo assim, mediante o conflito nas relações laborais, os


trabalhadores passam a se organizar politicamente para conseguir mínimos
direitos. Tal fenômeno é analisado por Marx, partindo das contribuições dos
economistas clássicos ingleses Adam Smith, Ricardo, Malthus e igualmente
dos socialistas utópicos14 e do idealismo alemão, o que vai consubstanciar um
pensamento colocado como bússola e móbil da luta para os trabalhadores.

Nessa medida, os direitos já não são mais de Deus, da Natureza, do


homem burguês ou da Razão. Ele é fruto das lutas dos homens concretos, que
tentam buscar a justiça pela reivindicação de direitos coletivos, ligados a
consubstancial da cidadania. Desse modo, reclama-se a epifania de uma
democracia que ultrapasse os limites da forma, no vislumbre efetivo de uma
dos trabalhadores que ao produzir a acumulação de capital, tornam-se, cada vez mais, uma
massa de população supérflua. Essa lei, própria do modo capitalista, transforma esse exército
industrial de reserva em parte concreta do capital, ou nas palavras do autor, “ele proporciona o material
humano a serviço das necessidades variáveis de expansão do capital e sempre pronto para ser explorado,
independente dos limites do verdadeiro incremento da população” (MARX, 1981, p. 734) A expansão
crescente do capital é exatamente o motivo de sua própria retração. Ao longo prazo, dando continuidade
ao seu ciclo, a produtividade aumenta de forma a superar a demanda do mercado. A economia entra em
recessão e essa retração é superada através de investimentos em novos produtos, criando novas
necessidades aos consumidores e, consequentemente, concorrência entre os empresários. Isso provoca um
novo surto de crescimento que só é possível com a existência de trabalhadores disponíveis ao trabalho,
mesmo sem o aumento absoluto da população, mantendo através de métodos próprios uma parte dela
sempre desempregada, pois são criados meios de se aumentar a produção sem, necessariamente, aumentar
o número de trabalhadores. Os capitalistas necessitam cada vez mais de uma redução no número de
trabalhadores, mas que esses produzam em grande escala intensificando a quantidade de trabalho, mesmo
que tenham que pagar maiores salários individuais. Dessa maneira, exigindo uma produtividade maior de
cada indivíduo, com valor do trabalho igual ou até menor, há um aumento do capital global se comparado
à uma produção com mais empregados, ou seja, mais capital variável com mais trabalho, porém com um
número enxuto de trabalhadores. Concluindo, quando há um aumento de produção, cresce a acumulação
de capital e também os gastos com a produção, porém, com um número reduzido de operários, esses
gastos aumentam com menos intensidade.
14
Os socialistas utópicos fazem parte da primeira fase da história do socialismo, expresso na fase entre as
guerras napoleônicas e as revoluções de 1848. Fazem parte desse grupo de pensadores e ativistas Claude
Henry de Rouvroy, Saint Simon, François-Charles Fourier e Robert Owen. A “qualificação “socialismo
utópico” aparece na crítica realizada por Marx, na obra “ O Manifesto Comunista”, em que tal socialismo
é relacionado ao período inicial, ainda pouco desenvolvido da luta entre operários e burgueses.
Igualmente, Engels critica tal fase na obra “Do socialismo utópico ao socialismo científico”. Para ele, o
que era “utópico” conforme essa crença, era a crença era a possibilidade de uma transformação social
total que compreendesse a eliminação do individualismo, da competição e da influência da propriedade
privada, sem o reconhecimento da necessidade da luta de classes e do papel revolucionário do
proletariado na realização da transição para o socialismo e comunismo.
democracia substancial e social. Quer-se a liberdade crescente dos seres
humanos na busca da dignidade e da plenificação existencial. Igualmente
reclama-se o direito não mais de ter um trabalho, mais do que isso, busca-se o
direito de obter os frutos desse trabalho; para além da segurança do
patrimônio, exige-se a segurança da vida. Não é mais suficiente o direito de
participar da ordem pelo trabalho, mas de construir novas ordens sociais sob a
direção do proletariado crescentemente organizado; não mais a igualdade
nacional dos cidadãos, mas a solidariedade proletária internacional.

Esses conflitos inauguraram a preocupação com os direitos humanos


sociais, que serão, muito mais tarde, confirmados na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, de 1948. Nela, encontram-se os novos valores éticos
traduzidos pelos direitos de reunião e associação, de governar, de escolher e
ser escolhido. No direito de previdência social, de trabalho, de condições justas
e favoráveis de trabalho, da proteção contra o desemprego, de remuneração
justa, de organização de sindicatos, de repouso, lazer, férias remuneradas e
limite razoável das horas de trabalho, além dos direitos à saúde, instrução,
bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e aos
benefícios do progresso científico, dentre outros.

Percebe-se que o entendimento do ser humano mudou. Ele é


compreendido como um ser social, portador de uma dignidade individual e
coletiva, um ser produtor imerso em relações desiguais e de opressão, o que
obriga aos direitos humanos tentar garantir as prerrogativas dos explorados,
dos reprimidos e dos oprimidos, procurando relações políticas e laborais mais
justas.

Nessa perspectiva, a justiça passa a ter como critério o


reconhecimento entre os homens, a aceitação segundo a qual sua igualdade
não é uma questão geométrica, mas social, econômica e política. O homem
abstrato e individual das primeiras formalizações metafísicas se faz substituir
pelo homem concreto, imerso nas contradições sociais. A liberdade sai da
dimensão de essência ou dádiva, para ser conquista dialética. A cidadania é
estendida a todos, e a democracia, muito mais que um jogo de pesas e
contrapesos formais, passa a ser um direito inalienável do ser humano por ele
criado na dinâmica histórica. O ser humano, pela nova Declaração, passa a ser
sujeito da história.

As lutas evidenciam o respeito aos direitos que já estão escriturados na


Constituição. Ela preceitua a construção solidária de uma sociedade em que a
justiça signifique o fim das repressões, das opressões, dos preconceitos, das
desigualdades sociais, da degradação ambiental e humana, do desrespeito ao
trabalhador, a criança, ao sem-terra, para citar alguns exemplos, e promoção
da vida e da dignidade humana. Isso quer dizer que a luta é continua,
contraditória ou conflitante e difícil, exigindo dos homens, especificamente os
trabalhadores, a construção e reconstrução ética, no sentido de tornar efetiva a
concretização dos direitos humanos da história.

Essa odisséia de lutas e conflitos na esfera laboral deságua em


algumas vitórias concretizadas, por exemplo, na Consolidação das Leis
Trabalhistas – CLT - que foi criada através do Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de
maio de 1943 e sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas. Através
dela, ele institui novas regras regulamentadoras das relações de emprego.

Naquela época, o instituto legal equilibrou a desigual relação


empregatícia, cujo Estado interveio na relação laboral, fazendo valer o
Constitucional Princípio da Igualdade, que a grosso modo traz como corolário,
tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, equiparando e
tornando mais justa a relação.

Igualmente a Constituição pátria de 1988 vai preceituar e garantir que


uma das bases fundantes do Estado Democrático de Direito é o trabalho
humano destacando assim, o valor social daquele. Trata-se de um processo de
mudanças, nessa teia de relações que foram corroboradas pela ordem jurídica.

Nessa perspectiva, conforme a Constituição de 1988, prestador de


serviços se traduz como um homem livre, cuja inserção na atividade produtiva
revela-se como um contrato de adesão. Desse modo, a lei determina um
conjunto de condições que se tornam as regras mínimas do relacionamento
entre empregado e empregador são postas como vontade do Estado.
Revestidas deste interesse de ordem pública, tais cláusulas são ordens do
Estado e não podem ser renunciadas pelos trabalhadores.

É importante, igualmente apresentar alguns elementos históricos a


propósito dos fundamentos legais que inspiram e ao mesmo tempo determinam
os Direitos Humanos no contexto desta obra

Nesse sentido, falar de Direitos Humanos supõe fazer referência a


Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, aprovada pela
Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948 como documento
historicamente significativo, uma vez que o mesmo alcançou precisamente a
exata definição conceitual dos direitos humanos, muito especialmente no seu
preâmbulo, ao observar que o reconhecimento da dignidade inerente a todos
os membros da raça humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, do mesmo modo que
o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam em atos bárbaros
que corrompe a consciência da humanidade. Sendo assim, o referido
Documento histórico e legal anunciou e anuncia o advento de um mundo em
que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de
viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta
aspiração do homem comum.

Este texto introdutório toma como referência existencial do conceito


de direitos humanos o conceito existencial de dignidade da pessoa humana
como direito inalienável e fundamento da liberdade, da justiça e da paz, assim
como reconhece que os atos de violência e barbárie (praticados em qualquer
circunstância, inclusive, pelo Estado) ferem a consciência da humanidade. Este
texto traz para o mundo jurídico uma nova variável discursiva, até aquele
momento, desprezada pelas constituições, pelos códigos e pelas leis: o
conceito de preservação da dignidade da pessoa humana como pressuposto
constrangedor dos atos, inclusive repressivos de Estado, ampliando o conceito
de Estado de Direito, não apenas para evitar eventuais conexões com os
autoritarismos de fundamento normativo, mas conectá-lo sempre com os seus
imprescindíveis fundamentos democráticos.

Sobre linha diretiva, confirmada no próprio preâmbulo da Declaração


Universal dos Direitos Humanos(DUDH) observa que é essencial que os
direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem
não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a
opressão (o Estado de exceção). Nesta última observação, todavia, é que
vamos identificar a imprescindibilidade da democracia para o efetivo
reconhecimento dos direitos humanos no Estado de Direito. É exatamente a
democracia como antinomia da tirania e da opressão que torna possível a
articulação combinada do Estado de Direito, como Estado voltado para a
garantia dos direitos individuais e a proteção dos direitos humanos.

Para alcançar estes fins podem-se identificar, nos dispositivos da


(DUDH), as tendências que preservam os direitos individuais clássicos, como o
direito à vida, o direito à liberdade e à segurança pessoal (direitos de primeira
geração), aos se acresceu no quotidiano da prática jurídica o direito de
propriedade, bem como, por outro lado, os direitos sociais, força remanescente
de Weimar e de outros documentos da mesma época. Estes documentos
estavam essencialmente preocupados com o trabalho e as condições humanas
de sobrevivência (direito de segunda geração) e, ainda, os direitos humanos,
que traduzem as novas inclinações jurídicas que sucedem à Segunda Guerra,
basicamente voltados para a proteção das liberdades fundamentais, assim
como, também, estão presentes, na Declaração, a proteção aos direitos
coletivos, enquanto dimensões extensivas dos direitos individuais, como
direitos homogêneos, embora menos evidentes e mais frágeis na redação do
texto. Naquele momento, todavia, estes direitos mais se evidenciavam como
direitos políticos do que, propriamente, como direitos civis (direitos de terceira
geração), enquanto novos direitos civis.

Assim podemos classificar na DUDH os direitos individuais, os direitos


existenciais, direitos sociais e direitos coletivos e defesas. No primeiro caso,
basicamente voltado para proteção dos direitos individuais clássicos,
encontramos os seguintes dispositivos: Toda pessoa tem direito à vida, à
liberdade e à segurança pessoal. (Artigo 3º) Todos são iguais perante a lei e
têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei (Artigo 7º). Toda
pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio
efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam
reconhecidos pela constituição ou pela lei. (Artigo 8º) Toda pessoa tem direito,
em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal
independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. (Artigo 10 § 1). Toda
pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em
outros países (Artigo 14). Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer
restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio
e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua
duração e sua dissolução. § 2º. A família é o núcleo natural e fundamental da
sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. (Artigo 16) § 1º.
Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. § 2º.
Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade. (Artigo 17) Toda
pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; (Artigo
18)

No que se refere aos direitos existenciais de forte tendência para


reconhecer a proteção da dignidade humana, enquanto dimensão interior do
homem, a Carta os prioriza nos seguintes artigos: Todas as pessoas nascem
livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e
devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. (Artigo 1º).
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de
escravos serão proibidos em todas as suas formas. (Artigo 4º). Ninguém será
submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante. (Artigo 5º). Todos têm direito a igual proteção contra qualquer
discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a
tal discriminação. (Artigo 7º). Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou
exilado. (Artigo 9º. § 1º). Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o
direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido
provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. (§ 2º) Ninguém
poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não
constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será
imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era
aplicável ao ato delituoso. (Artigo 11). Ninguém será sujeito a interferências na
sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a
ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei
contra tais interferências ou ataques. (Artigo 12, § 2º ou § 3º). A instrução será
orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades
fundamentais. (Artigo 26)

Os direitos sociais, nos quais se inclui a Educação, historicamente


foram primeiro reconhecidos na Alemanha (devido às conquistas,
paradoxalmente, do período Bismarck, e, posteriormente, com Weimar),
mesmo antes do seu Código Civil de 1900 (em processo diferenciado da
França), que codificou os Direitos Civis em 1804 – Cxbx Napoleón, tiveram
também um vasto leque de proteção na DUDH da perspectiva de proteção dos
direitos políticos e da perspectiva de proteção do trabalho. Dentre tantos,
podemos selecionar os seguintes dispositivos: §1º Toda pessoa tem direito à
liberdade de reunião e associação pacíficas. (Artigo 20). § 2º Ninguém pode
ser obrigado a fazer parte de uma associação. § 1º. Toda pessoa tem o direito
de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de
representantes livremente escolhidos. § 2 Toda pessoa tem igual direito de
acesso ao serviço público do seu país. § 3o A vontade do povo será a base da
autoridade do governo; (Artigo 21). Toda pessoa, como membro da sociedade,
tem direito à segurança social (Artigo 22). §1º Toda pessoa tem direito ao
trabalho, à livre escolha de emprego, (Artigo 23).
Em se tratando da política educacional latino-americana no contexto de
sua pode-se dizer que educação constitui o eixo central de uma política social
comprometida com a consecução da equidade e a promoção da cidadania e da
qualidade de vida humana. É nesse contexto que os discursos formais dos
representantes governamentais nos organismos internacionais que atuam nas
Américas, em particular a UNESCO e a OEA, assim como as Cúpulas
Hemisféricas de Chefes de Estado e de Governo insistem que a educação
deve ser a primeira prioridade da política social, da alocação do gasto público e
das preocupações das instituições da sociedade civil organizada.

As dificuldades identificadas inserem-se no conjunto dos desafios


educacionais e sociais que hoje enfrentam os governos, a iniciativa privada e a
sociedade em geral. Esses desafios acentuam-se diante da profundidade e
rapidez das transformações econômicas e tecnológicas em escala nacional e
internacional. Nesse sentido, cumpre destacar que, nessa matéria, as decisões
políticas adotadas pelos Chefes de Estado e de Governo nas Cúpulas das
Américas de 1998 em Santiago do Chile e de 2001 em Quebec deram origem a
uma promissora efervescência intelectual nos meios governamentais do
Hemisfério, com promessas de renovados investimentos no campo da
educação (SANDER, 1999). O desafio é traduzir as novas promessas políticas
em realizações concretas.

Ao ampliar o escopo da análise ao cenário internacional, observa-se


que muitas das experiências reformistas no campo da educação e da gestão
social são gestados nos países desenvolvidos e então exportadas
maciçamente pelos meios de difusão e circulação internacional do
conhecimento, em particular pelas organizações intergovernamentais de
cooperação técnica e assistência financeira.

Dois programas de cooperação internacional se impuseram na


segunda metade do século XX, pela sua contribuição educacional no
hemisfério: o Programa Regional de Desenvolvimento Educacional da OEA e o
Projeto Principal de Educação da UNESCO.

O Programa Regional de Desenvolvimento Educacional da OEA


nasceu em 1970 e teve uma duradoura influência na América Latina e no
Caribe. Um de seus méritos é a metodologia de gestão dos projetos. Os
projetos eram concebidos pelas próprias instituições nacionais e utilizavam
primordialmente especialistas e técnicos latino-americanos, fato que veio
favorecer a relevância cultural das atividades de cooperação internacional e
ajudar na preservação de sua identidade pedagógica. Uma segunda
característica era o caráter multinacional das atividades, de tal forma que não
se classificavam como serviços de assistência técnica, menos ainda de
assistência financeira, prestados pela OEA aos países, mas sim como
programas e atividades de intercâmbio e cooperação técnica entre os países
do hemisfério. A ideia central era evitar o assistencialismo produtivista e
favorecer um genuíno processo de aprendizagem coletiva, na base de uma
lógica comum, aceitável e relevante para toda a região.
Uma das áreas prioritárias apoiadas pela OEA era o da Administração
Educacional, disciplina historicamente associada à Educação Comparada. É
assim que, a partir de 1970, a Organização patrocinou um extenso programa
de formação de administradores e planejadores educacionais, em cooperação
com seletas universidades da Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, México,
Panamá, Peru e Venezuela. Simultaneamente, a OEA apoiou o
estabelecimento de unidades de planejamento educacional e de formação de
recursos humanos para o desenvolvimento nos Ministérios e Secretarias de
Educação. É dessa época a adoção, pelos Ministérios de Economia e
Planejamento, dos planos anuais, trienais, quinquenais e decenais de
desenvolvimento econômico e, dentro deles, dos respectivos planos setoriais
de educação.

A ação internacional mais duradoura na educação latino-americana foi


patrocinada pela UNESCO, inicialmente através de projetos regionais
implementados desde meados de 1950 até 1980. Uma das primeiras e
reiteradas propostas de reforma educacional enfocava a descentralização na
gestão da educação, de inspiração liberal, mas combinada com um sistema de
planejamento baseado na experiência de planificação central dos países
socialistas. Essa combinação de orientações reflete a influência que teve a
Guerra Fria nas agendas de cooperação internacional da época.

A semente da segunda ação prioritária da UNESCO na América Latina


foi plantada na reunião conjunta de Ministros da Educação e do Planejamento
das Américas, realizada em 1979 na cidade do México, sob o patrocínio da
UNESCO, da OEA e da CEPAL, e que propôs a criação do Projeto Principal de
Educação da UNESCO para a América Latina e o Caribe. Seus objetivos eram
erradicar o analfabetismo até o final do século XX, garantir dez anos de
educação básica para todas as crianças em idade escolar e elevar a qualidade
e eficiência dos sistemas educacionais. O Projeto iniciou suas atividades em
1981, tornando-se o fórum regional mais importante no campo da educação
latino-americana. Cumpre assinalar que a adoção do Projeto Principal da
UNESCO significa que a América Latina assumiu o compromisso de promover
uma educação de qualidade para todos dez antes da Conferência Mundial de
Educação para Todos, em Goten.

No início da década de 1990, a UNESCO e a CEPAL publicam o livro


Educação e Conhecimento: Transformação Produtiva com Equidade (1992). Eu
diria que o livro representa um divisor de águas que redefine a agenda política
e ideológica da educação na América Latina. Com esse documento, a CEPAL
abandona a teoria da dependência e adota o paradigma da globalização,
procurando equacionar, com óbvias dificuldades conceituais, os princípios de
competitividade e equidade. A UNESCO, a OEA e outros organismos
internacionais se alinham na mesma direção. A nova agenda política cria a
necessidade de promover reformas institucionais dos sistemas de ensino,
visando a fomentar a modernização, a descentralização administrativa e a
competitividade no contexto do mundo globalizado. Esse foi o momento da
ruptura com o passado e da adoção definitiva da agenda neoliberal no âmbito
das organizações internacionais e que se mantém até hoje.
Em suma, a UNESCO e a OEA desempenharam um papel importante
nas décadas de 70 e 80, em matéria de política e gestão da educação na
América Latina. Suas políticas de ação procuravam responder, dentro das
limitações impostas pela conjunta internacional, às necessidades sociais e às
aspirações culturais da região, ou seja, procuravam fomentar a construção de
nossa identidade cultural. Já na década de 90, os bancos internacionais, em
particular o Banco Mundial, assumem papel predominante na formulação de
políticas educacionais e práticas de organização e gestão. A retirada dos
Estados Unidos da UNESCO, em 1984, e a drástica diminuição de suas
contribuições financeiras à OEA forçou esses organismos a reconstruir suas
identidades no início dos anos 90, com consequências imediatas para os
países da região. Por determinação dos governos dos Estados membros, a
OEA concentrou sua ação no exercício da secretaria técnica dos órgãos
políticos do Sistema Interamericano e das Cúpulas de Chefes de Estado e de
Governo das Américas. A UNESCO continuou sua missão intelectual, mas teve
que enfatizar sua função de órgão executor de projetos financiados pelo Banco
Mundial, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e outras agências de
financiamento internacional.

Destaque-se que a educação é essencialmente uma prática social


presente em diferentes espaços e momentos da produção da vida social.
Nesse contexto, a educação escolar, objeto de políticas públicas, cumpre
destacar papel nos processos formativos por meio dos diferentes níveis, ciclos
e modalidades educativas. Mesmo na educação formal, que ocorre por
intermédio de instituições educativas, a exemplo das escolas de educação
básica, são diversas as finalidades educacionais estabelecidas, assim como
são distintos os princípios que orientam o processo ensino-aprendizagem,
pois cada país, com sua trajetória histórico-cultural e com o seu projeto de
nação, estabelece diretrizes e bases para o seu sistema educacional. Tendo
em vista a complexidade da temática é fundamental problematizar e
apreender quais são os principais conceitos e definições que embasam os
estudos, as práticas e as políticas educativas, sobretudo nas últimas décadas,
bem como as dimensões e os fatores que apontam para a construção de uma
educação de qualidade para todos. Os conceitos, as concepções e as
representações sobre o que vem a ser uma Educação de Qualidade alteram-
se no tempo e espaço, especialmente se considerarmos as
transformações mais prementes da sociedade contemporânea, dado as
novas demandas e exigências sociais, decorrentes das alterações que
embasam a reestruturação produtiva em curso, principalmente nos países
membros da Cúpula das Américas.

Nessa direção, tem por centralidade contribuir com a indicação de


elementos analíticos comuns aos países membros da Cúpula das Américas no
tocante a garantia da Qualidade da Educação, visando assegurar os
cumprimentos dos marcos do Plano de Ação em Educação, adotados por
chefes de Estado e Governo, com as seguintes metas gerais: assegurar que
até o ano de 2010, 100 por cento das crianças concluam a educação primária
de qualidade e que, pelo menos, 75 por cento dos jovens tenham acesso a
educação secundária de qualidade, com percentagens cada vez maiores de
jovens que terminem seus estudos secundários, e oferecer oportunidades de
educação ao longo da vida à população em geral. As metas avançam frente a
compromissos anteriores ao qualificarem o tipo de educação a ser
oferecida, qual seja, uma Educação de Qualidade. Portanto, o desafio que
se coloca para todos os países da região é o de assegurar educação inicial a
todas as crianças, garantir a educação obrigatória e ampliar a oferta de
educação secundária a 75% dos jovens, bem como oferecer oportunidades
de educação continuada de qualidade a toda a população. Isso implica
em qualificar a educação a ser oferecida, bem como ressaltá-la como
direito humano fundamental de todo cidadão.

Tais metas consubstanciam o compromisso político dos chefes de


cada nação, bem como uma responsabilidade a ser compartida com toda a
sociedade, pois uma melhoria e um maior nível educativo da população
beneficia a todos. Desse modo, de acordo com Informe Regional da Unesco,
cumpre considerar

las metas a luz del impacto que éstas tienen en los distintos âmbitos
sociales o, dicho de outro modo, por su capacidad de brindar
efectivamente um mayor bienestar social Así, se puede concluir que
alcanzar la educación primaria universal, asegurar que e75 por ciento
de los jovens accedan a la educación secundaria y ofrecer
oportunidades educativas a lo largo de toda la vida, no solo son
objetivos em si mismos, sino también médios para alcanzar
otros fines sociales deseables, como mayores ingresos salariales,
mayor desarrollo econômico, mejor distribución del ingreso, mayor
participación ciudadana em lãs decisiones políticas, consolidación de
valores y normas democráticas, entre otros. Por lo tanto, es
fundamental revisar la evidencia disponible para la región a efectos
de poder dimensionar el impacto social de la
Educación( UNESCO,2003, p.43)

Perante tais desafios, e buscando contribuir com reflexões sobre a


qualidade da educação, considerando a riqueza e as especificidades dos
países membros, bem como os compromissos assumidos por estes, esta
pesquisa busca apresentar indicações que subsidiem a discussão sobre as
concepções e os conceitos da Qualidade da Educação, especialmente da
educação obrigatória tendo por norte as três metas anteriormente descritas e
a necessidade do estabelecimento de algumas dimensões que possam
balizar a discussão da questão na região.

Estas reflexões resultam de esforço analítico com base em


revisão de literatura sobre a temática envolvendo o levantamento de
estudos, avaliações e pesquisas15 e, ainda, a contribuição dos países membros
15
A pesquisa ora desenvolvida tem como fundamentos vários estudos, avaliações e
pesquisas sobre a temática Qualidade da Educação. Merecem destaque, entre outras, as
seguintes referências :Unesco, 1998, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004; Brasil, INEP, 2004; Lima,
1998, Nóvoa, 1999; Dourado & Paro, 2001; Banco Mundial (1996, 1999, 2002); Bourdieu
(1998; 1975); Ação Educativa (2004), Morduchowicz, 2003; Izquierdo (2003); Brock &
Schwartzman, 2005; Darling-Hammond & Ascher, 1991; Paro, 1998; Rios, 2002;
das Cúpulas das Américas com base em instrumento de coleta de dados.
Desse modo, este estudo apresenta considerações comuns identificadas nas
diferentes fontes pesquisadas, buscando articular questões, dimensões e
concepções sobre Qualidade da Educação. Visa, portanto, apresentar
reflexões sobre a temática com a finalidade de mapear esforços despendidos
pelos países nos últimos anos no tocante às políticas educativas voltadas
para a qualidade da educação. Nesse sentido, este documento objetiva servir
de base para novas reflexões, contribuições e questionamentos que
contribuam para a verticalização de marcos analíticos aos países membros da
Cúpula das Américas. Espera-se, desse modo, avançar no delineamento de
premissas básicas norteadoras para uma perspectiva comparada acerca da
concepção de qualidade da educação para a região, resguardando as
especificidades de cada país e de seus respectivos sistemas educativos.

5.6 A Criação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana -


CDDPH

O Projeto do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana –


CDDPH foi elaborado com base na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, após uma série de decisões tomadas pela Comissão de Direitos
Humanos da ONU, no biênio 1947/48, promulgada, pela Assembleia Geral da
ONU, em Nova York, no ano de 1948 e ambos documentos referenciais da
política internacional dos direitos humanos na Declaração Americana dos
Direitos e Deveres Fundamentais do Homem, promulgada em Bogotá, em abril
de 1948 que especificamente não estudamos neste artigo. O CDDPH tinha
como objetivo fazer dos propósitos destes documentos, bem como do conteúdo
do seu próprio texto, as bases de uma efetiva política de defesa dos homens e
das mulheres contra as brutalidades do Estado e dos seus agentes públicos ou
pessoas privadas. O conjunto destes documentos representava, exatamente,
os novos parâmetros e novos paradigmas dos direitos humanos, gestados nas
assembleias e órgãos internacionais após a Segunda Guerra Mundial,
superando os estritos limites da proteção intersubjetiva dos direitos individuais
como exclusivo propósito do Estado de Direito.

O CDDPH foi criado pela Lei no 4.319, de 16 de março de 1964, e em


seu Artigos, assim determina:

Fica criado no Ministério da Justiça e Negócios Interiores o Conselho


de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Art. 2º O C.D.D.P.H. será
integrado pelos seguintes membros: Ministro da Justiça e Negócios
Interiores, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
Unesco/Oecd, 2003; Verhine, 1998; Gajardo,1999. É fundamental destacar que o referido
documento apresenta indicações, dimensões e concepções cuja base de dados foi
efetivada pelo diálogo fecundo com as referências anteriormente mencionadas a partir de
metodologia de análise documental que assenta-se na busca de significações, recorrências e
freqüências temáticas visando o estabelecimento de quadro analítico que transcende os
documentos analisados, em particular, e descortina outras possibilidades reflexivas de total
responsabilidade dos autores.
do Brasil, Professor Catedrático de Direito Constitucional de uma das
Faculdades Federais, Presidente da Associação Brasileira de
Imprensa, Presidente da Associação Brasileira de Educação, Líderes
da Maioria e da Minoria, na Câmara dos Deputados e no Senado. §
1º O Professor Catedrático de Direito Constitucional será indicado
pelos demais membros do Conselho em sua primeira reunião. § 2º A
Presidência do Conselho caberá ao Ministro da Justiça e Negócios
Interiores e o Vice-Presidente será eleito pela maioria dos membros
do Conselho. Art. 3º:[...] Art 4º Compete ao Conselho de Defesa dos
Direitos da Pessoa Humana: 1º promover inquéritos, investigações e
estudos acerca da eficácia das normas asseguradoras dos direitos da
pessoa humana, inscritos na Constituição Federal, na Declaração
Americana dos Direitos e Deveres Fundamentais do Homem (Bogotá
no ano de 1948) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos
(Assembleia Geral da ONU, em Nova York, no ano de 1948); 2º
promover a divulgação do conteúdo e da significação de cada um dos
direitos da pessoa humana mediante conferências e debates em
universidades, escolas, clubes, associações de classe e sindicatos e
por meio da imprensa, do rádio, da televisão, do teatro, de livros e
folhetos; 3º promover nas áreas que apresentem maiores índices de
violação dos direitos humanos: a) a realização de inquéritos para
investigar as suas causas e sugerir medidas tendentes a assegurar a
plenitude do gozo daqueles direitos; b) campanha de esclarecimento
e divulgação; 4º promover inquéritos e investigações nas áreas onde
tenham ocorrido fraudes eleitorais de maiores proporções, para o fim
de sugerir as medidas capazes de escoimar de vícios os pleitos
futuros; 5º promover a realização de cursos diretos ou por
correspondência que concorram para o aperfeiçoamento dos serviços
policiais, no que concerne ao respeito dos direitos da pessoa
humana; 6º promover entendimentos com os governos dos Estados e
Territórios cujas autoridades administrativas ou policiais se revelem,
no todo ou em parte, incapazes de assegurar a proteção dos direitos
da pessoa humana para o fim de cooperar com os mesmos na
reforma dos respectivos serviços e na melhor preparação profissional
e cívica dos elementos que os compõem; Art 5º O C.D D.P.H.
cooperará com a Organização das Nações Unidas no que concerne à
iniciativa e à execução de medidas que visem a assegurar o efetivo
respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais. [...]
(CDDPH)

Como se verifica, os dispositivos gerais desta Lei representaram um


significativo avanço na definição de políticas de enfrentamento aos atos e
violações dos direitos da pessoa humana com o objetivo de protegê-la, e
foram, essencialmente, inspirados na imprescindível necessidade de os povos
guardarem-se das violências dos governos autoritários que antecederam e
promoveram a Segunda Guerra Mundial. Os documentos internacionais neste
sentido, produzidos, ainda, sob os horrores da Segunda Guerra Mundial,
decisivamente influenciaram a lei brasileira que criou o CDDPH, especialmente
o inc. I do artigo 8º, visando a resguardar a sua imprescindível eficácia para
viabilizar as condições pacificas de convivência.

Neste contexto, independentemente de regras de conduta e


prefixação de competências, a Lei cria um catálogo das condutas criminosas,
procedimentos de apuração e sanções punitivas. Assim, por exemplo, na
preocupação extrema de resguardar sua própria funcionalidade, o
suprareferido inciso dispõe que constitui crime impedir ou tentar impedir,
mediante violência, ameaça ou assuadas, o regular funcionamento do CDDPH
ou de Comissão de Inquérito por ele instituída ou o livre exercício das
atribuições de qualquer dos seus membros. Este dispositivo, como se pode
verificar, representava uma visível contra- ameaça quanto às ações repressivas
e violentas do Estado, demonstrando a imprescindibilidade da organização
democrática para se implementar políticas efetivas de proteção dos direitos
humanos.

Mais especificamente, retomando o nosso tema, é impossível


desconhecer, que desde o inicio da discussão do projeto na Câmara dos
Deputados, o propósito essencial era implementar uma política nacional de
direitos humanos, como resposta à curva ascendente do autoritarismo
institucional no Brasil, vinculado, sempre, às políticas de compressão dos
direitos humanos. Por outro lado, não podemos esquecer, até mesmo tendo em
vista a preocupação central de nosso trabalho, que as políticas de proteção aos
direitos humanos, não estão, tão somente, vinculadas ao cumprimento interno
das políticas internacionais de direitos humanos, assim como não podemos
desconhecer que, internamente, este foi um significativo esforço do
pensamento liberal-democrático no Brasil, em aliança com o pensamento
político ideológico da esquerda democrática.

Todavia, a natureza epistemológica desta Lei, que se enquadra na


evolução do pensamento de origem liberal-democrática, não coincidia com os
pressupostos das políticas de segurança nacional, emergente nos centros de
estudos e unidades comprometidas com o pensamento autoritário moderno,
profundamente permeado pelo anticomunismo e pela concepção teórica da
Guerra Fria. Politicamente, não há como desconhecer, por conseguinte que
brotam da Segunda Guerra Mundial duas grandes variáveis, como inicialmente
observamos: os projetos de implementação de leis de proteção dos direitos
humanos, na linha defensiva dos autoritarismos, cujo símbolo marcante foi a
figura de Franklin Delano Roosevelt, que faleceu ao fim da Segunda Guerra
Mundial, já no seu quarto mandato de Presidente da República do Estados
Unidos da América, e os projetos de construção do Estado de segurança
nacional, mais sensíveis aos autoritarismos desenvolvimentistas, ou na palavra
de Célio Borja, aos governos autocráticos .

Esta situação complexa, de qualquer forma, no curto prazo, colocou


em xeque o liberalismo jurídico, como epistemologia de um projeto de
desenvolvimento e, naquele momento histórico, no médio prazo, a própria
evolução do projeto reconstituinte, demonstrando a sua fragilidade política para
enfrentar o intervencionismo estatista-trabalhista, e, no quase imediato
fracasso do projeto de abertura econômica do governo revolucionário de
Castelo Branco, com o economista liberal Roberto Campos no Ministério da
Economia. O estatismo autoritário e desenvolvimentista dos militares,
colocados como rumos futuros do Brasil, estava posto entre estas duas
vertentes do intervencionismo: o intervencionismo comprometido com as
políticas de direitos sociais e reformas de base, e o intervencionismo
comprometido com as políticas de desenvolvimento com segurança, no
contexto conceptivo da Guerra Fria. Este modelo, na verdade, foi uma resposta
ao fracasso do seu projeto de fortalecimento das políticas de mercado;
sucumbiu ao mesmo estatismo desenvolvimentista, apoiado em políticas
autoritárias, que, em rapidíssimo prazo, evoluíram para práticas repressivas
aos direitos humanos.

Os sucessivos acontecimentos de relevância política, a violência


ostensiva contra a ordem jurídica ou, mais especialmente, contra os princípios
jurídicos clássicos, do Estado de Direito, e na proteção dos direitos individuais,
a evolução do autoritarismo político e da arbitrariedade policial, provocaram,
não uma sutil evolução da tradicional compreensão formal da ordem jurídica,
mas um visível e ostensivo reposicionamento político. Este reposicionamento
sobre os conceitos clássicos de Estado, sempre reconhecidos como ordem
formal e/ou ordem de exceção, independentemente de instaurar uma avaliação
jurídica e política sobre a relação entre Estado e ordem jurídica (escrita),
superpôs às ideologias mais abertas, sempre acompanhado dos ideais do
liberalismo jurídico, uma nova e verdadeira ideologia política, comprometida,
essencialmente, com a defesa dos direitos humanos, conforme a formatação
dos documentos internacionais e a Lei da Comissão de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana - CDDPH.

Neste contexto político, rapidamente a questão dos direitos humanos


evoluiu para discursos e manifestações mais visíveis, inclusive porque a
proteção dos direitos humanos, não apenas se firmara como propósito
internacional, mas também, estava, agora, ratificado, desde a promulgação da
Lei no 4.319, de 16 de março de 1964, em tempo exatamente anterior ao golpe
militar. Todavia, independentemente das extremas dificuldades para o
funcionamento do CDDPH, em virtude da situação de excepcionalidade e
violência que presidiu as relações entre vencedores e vencidos, após o período
que sucedeu a 31 de março de 1964, a situação nunca demonstrou maior
estabilidade. O Decreto nº 63.681, de 22 de novembro de 1968, que regulava o
funcionamento do CDDPH, foi editado imediatamente antes do Ato Institucional
nº 5, de 13 de dezembro de 1968.

5.7 EDUCAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

O entendimento que os seres humanos têm de si, individual e


coletivamente, varia no tempo, no espaço e nas culturas. Logo, falar em
direitos humanos no século XVIII francês não tem o mesmo significado de
tratar o mesmo tema, hoje, no Brasil. As mudanças históricas impuseram novos
problemas e novos entendimentos que propiciam um outro referencial para os
direitos humanos.

A Grécia nos legou as premissas das regras para se aferir a justiça ou


não do direito. Quando os sofistas distinguiram logos de nomos, isto é a lei
natural da lei humana introduziram um modo de aferir a justiça e adequação
das leis da sociedade. Justa seria a lei humana que não desobedecesse aos
difames da lei natural. Isso pressupunha a existência de um universo imutável,
com leis eternas, às quais as leis humanas deveriam se subordinar. Está ai
uma das fontes do que hoje se entende por direito natural.

A maior contribuição do pensamento grego para o direito foi quanto a


formação de um corpo de ideias filosóficas e cosmológicas sobre a justiça mais
adequado para apelações nas assembleias populares do que para estabelecer
normas jurídicas aplicáveis a situações gerais. As primitivas cosmologias
gregas consideravam o indivíduo dentro da transcendental harmonia do
universo, emanada da lei divina (logos) e expressa, em relação à vida diária, na
lei (nomos) da cidade (polis).

No século V a.C., os sofistas, atacados mais tarde por Sócrates e


Platão, examinaram criticamente todas as afirmações relativas à vida na
cidade-estado, destacando as amplas disparidades entre a lei humana e a
moral, rejeitando a ideia de que a primeira obedecia necessariamente a uma
ordem universal. O objeto de estudo dos sofistas era o homem, conforme a
clássica afirmação de Protágoras de Abdera, que viveu de 480 a.C. na Sicília, a
410 a.C. “o homem é a medida de todas as coisas como a "a medida de todas
as coisas, que são enquanto são [e] das coisas que não são, enquanto não
são.", tendo como base para isso o pensamento de Heráclito. Tal frase
expressa bem o relativismo tanto dos Sofistas em geral quanto o relativismo do
próprio Protágoras. Se o homem é a medida de todas as coisas, então coisa
alguma pode ser medida para os homens, ou seja, as leis, as regras, a cultura,
tudo deve ser definido pelo conjunto de pessoas, e aquilo que vale em
determinado lugar não deve valer, necessariamente, em outro. Esta máxima
também significa que as coisas são conhecidas de uma forma particular e
muito pessoal por cada indivíduo, o que vai contra, por exemplo, ao projeto de
Sócrates de chegar ao conceito absoluto de cada coisa. Reale & Antisseri(1990
a)

Segundo Protágoras, o sujeito é capaz de conhecer, projetar e


construir. Os sofistas negavam que a lei e a justiça tivessem valor absoluto,
pois eram criadas pelos homens, de acordo com determinadas circunstâncias,
e por isso, relativas e sujeitas a transformações.

Platão criticou esse conceito e contrapôs ao que considerava como


subjetivismo sofista a eternidade das formas arquetípicas, de que a lei da
cidade-estado seria um reflexo. Na utopia descrita em sua República, Platão
afirma que a justiça prevalece quando o estado se encontra ordenado de
acordo com as formas ideais asseguradas pelos sábios encarregados do
governo. Não há necessidade de leis humanas, mas unicamente de
conhecimentos transcendentais. Na proposta da República, o desejável não é
o usufruto de uma felicidade individual por parte de cada classe social, contudo
o importante é que toda cidade seja feliz. Desse modo, o indivíduo seria
membro integrante da cidade para desempenhar sua função social. Nisto
consistia a condição de ser justo. No Livro I, II, III, Platão, a partir do estilo do
diálogo pretende refletir sobre a virtude da justiça. Para isso, vai contar com a
participação de vários interlocutores, dentre esses, Sócrates, Acéfalo,
Polemarco, Glaucon, Trasímaco. Céfalo vai definir a justiça como a
perspectiva de falar a verdade, restituindo aquilo que se tomou, já Polemarco a
define como “dar a cada um o que se deve” e Trasímaco a concebe como o
interesse ou a conveniência do mais forte. Platão (1996)

Pode-se dizer, que a construção da cidade platônica concebida como


um lugar definido sob a inspiração do logos adverte para a edificação de uma
República ou Estado paradigmático, cuja preocupação maior deva ser a
efetivação das virtudes da coragem, da temperança, da sabedoria, estas
concebidas como uma possibilidade de reforma interior, alicerçadas na virtude
da justiça.

Aristóteles, discípulo de Platão, que tinha em comum com ele a ideia


de uma realidade que transcende a aparência das coisas tais como são
percebidas pelos sentidos humanos, defendia a validade da lei como resultado
da vida prática: o homem, por natureza, é moral, racional e social e a lei facilita
o desenvolvimento dessas qualidades inatas. Aristóteles (1998)

Quanto à idéia de cidadania, Aristóteles defende que para se


constituirstituir cidadão e ter a condição de homem livre não basta morar na
cidade(polis), contudo, o cidadão deve possuir qualidades conformadas às
exigências da constituição aceita pela cidade. Nessa medida, são excluídos os
escravos, as mulheres, os estrangeiros, os artesãos, os comerciantes e os
trabalhadores braçais. Tal exclusão deve-se ao fato de que a ocupação
efetivada por tais categorias de indivíduo não lhes permite o ócio necessário à
participação do governo. (idem, ibidem)

Ele, igualmente, defende que as atividades manuais embrutecem a


alma, incapacitando os indivíduos à prática da virtude esclarecida. Para
justificar a escravidão, ele vai dizer que os homens livres e os concidadãos
aprisionados em guerra não devem ser escravizados; contudo, os bárbaros
(não gregos) - por serem considerados inferiores estão predispostos à
condição de escravos.

Defende a legitimidade do Estado em exercer o controle sobre a


população escrava, solicitando que não ocorra um tratamento de crueldade
com aquela. Ante tais proposições em relação aos considerados eleitos à
condição de cidadãos, ele vai afirmar que o bom governante deve ter a virtude
da prudência (phronesis), segundo a qual a ação do governo deve visar o bem
comum.

A concepção do direito natural como emanação do direito da razão


universal foi obra da filosofia estoica. O ideal ético dessa doutrina, iniciada na
Grécia e de grande influência no pensamento romano, foi sintetizado no século
III de nossa era por Diógenes Laércio: a virtude do homem feliz e de uma vida
bem orientada consiste em fundamentar todas as ações no princípio de
harmonia entre seu próprio espírito e a vontade do universo.

Na Idade Média, no apogeu da escolástica, nome com que se define


genericamente a filosofia cristã medieval, deu-se no século XIII com santo
Tomás de Aquino que, a exemplo de santo Agostinho, subordinou o direito
positivo (secular) à lei de Deus. Uma disposição do direito positivo não podia
violar o direito natural e, em consequência, o direito eterno divino. A tendência
de fazer prevalecer a razão sobre a vontade foi rejeitada, também no século
XIII, pelo franciscano britânico John Duns Scotus , para quem tudo se devia à
vontade de Deus e não existia nenhum direito natural acessível à razão
humana. O direito positivo somente tinha validade e eficácia se não
contrariasse a vontade divina superior a ele. Antisseri & Reale, (1990 b)

Do Renascimento ao século XVIII, se evidenciam concepções que


transitam para um paradigma moderno, a exemplo do pensamento político de
Maquiavel em “O príncipe”, escrito em 1513. Nessa obra, o autor critica os
fundamentos de natureza transcendental divina optando por uma explicação
metodológica do tipo histórico-comparativa, sob as bases empiristas. Para ele,
as coisas devem ser aceitas como são e não como deveriam ser. Nesse
sentido, a manutenção do poder justifica qualquer meio, pois é um fim em si
mesma. O direito deve basear-se na garantia de continuidade do poder e não
na justiça. (idem, ibidem)

Thomas Hobbes16, adotando uma perspectiva mais próxima à de


Maquiavel, entendia que a natureza humana não é tão perfeita como
pensavam Grotius e os estoicos. Eles defendiam que o homem, no estado de
natureza, luta somente por sua sobrevivência e só cede parte de sua liberdade
e se submete à autoridade alheia em troca de segurança.

Montesquieu foi um dos pioneiros a rejeitar o direito natural. Em sua


obra “Do espírito das leis” defendeu a tese segundo a qual o direito e a justiça
de um povo são determinados por fatores que influem sobre eles e, portanto,
não é aplicável o princípio da imutabilidade sustentado pelo direito natural.
Montesquieu (2008)

Kant17, igualmente partilhando do jusnaturalismo, vai afirmar que todos


os conceitos morais são baseados no conhecimento a priori, somente podendo
ser atingido por intermédio da razão. No entanto, os conceitos kantianos
mostraram-se com caracteres também transcendentais quanto os do direito
natural.

Ainda é relevante dizer que a educação para a cidadania assume uma


nova denominação diversa da remota educação moral e cívica tradicional que
ficou um pouco em desuso durante décadas, trata-se, portanto de compreender
e ensinar tal conceito dando-lhe uma nova denominação, designando uma
nova concepção do cidadão numa perspectiva ética, mais ativa, mais
universal, Pain (1992)

Contemporaneamente, no que diz respeito à cidadania, o que se


objetiva é a promoção da coexistência em uma sociedade de pessoas
pertencentes a diferentes etnias, nacionalidades e culturas, que não falam a
mesma língua, que não têm os mesmos valores e os mesmos modos de vida.
E assim, não há mais lugar para o “molde cívico”, nem tampouco e estado-

16
Ver a concepção do direito natural, in: O Leviatã de Thomas Hobbes.
17
Kant, in: Crítica da razão pura.
nação é mais quem dispõe dos meios de controle dos espíritos e dos
comportamentos.

Conforme as lições de Perrenoud, a sociedade não é uma pessoa, é


um campo de forças contraditórias. Uma sociedade não pode globalmente ter
vergonha dela mesma, a não ser que forme um bloco. Todavia, todos podem
sentir vergonha de sua sociedade ou por sua sociedade, o que não os leva a
transmitir seus valores dominantes. Perrenoud (995)

Desse modo, convém à educação, à escola e, igualmente à sociedade,


promover a cidadania dos professores, pois se a escola pretende educar para a
cidadania, ela faria melhor se mantivesse suas promessas: proporcionar aos
educadores e educandos os meios para comandar sua vida e para participar da
sociedade. Ao agir de modo contrário, a educação estaria produzindo seu
próprio fracasso.

A educação para a cidadania, assim como toda educação supõe


experiências de vida e de relação com o saber mediante efeitos formativos. Se
a escola favorece a aprendizagem da cidadania, a primeira coisa a fazer,
portanto, é tornar possível e provável, entre alunos e professores, o exercício
da cidadania, fundamento de uma postura ética e de competências práticas
passíveis de serem transpostas ao conjunto da vida social.

Dessa forma, para organizar uma sociedade e uma socialização


democrática é preciso encontrar-se organizando a escola como uma
comunidade democrática. Necessário se faz que os educandos sejam guiados
e corrigidos, por adultos que conheçam e pratiquem a cidadania.

A democracia surge como questão interdisciplinar, em paralelo às


ciências estudadas dia-a-dia e não como disciplina isolada. Conforme
Perrenoud para se efetivar como uma autêntica formadora da democracia, a
escola e os professores devem adquirir competências e conhecimentos novos.
Dentre eles, ser conhecedor de que organizar uma escola como uma
comunidade democrática reconhecendo-a como parte de um conjunto, que
obedece às leis comuns e negocia sua autonomia, é compreender que a
aprendizagem da cidadania diz respeito tanto às instituições internas edificadas
na esfera de autonomia quanto à participação no sistema mais amplo do qual o
estabelecimento de ensino faz parte. Perrenoud (1995)

Nessa perspectiva, a formação de professores requer tomada de


consciência por parte desses profissionais no que diz respeito a sua parcela de
responsabilidade e por uma tomada de poder na instituição, que teria como
projeto a aprendizagem da cidadania pela cidadania escolar. A formação inicial
pode sensibilizar para esses temas, preparar para esse debate,
proporcionando ferramentas, todavia, as verdadeiras transformações só se
sustentam e se efetivam com a efetiva consciência dos direitos humanos.

É importante abrir um parêntese antes de dar continuidade à


fundamentação evidenciada em todo o capitulo, para registrar que: atitudes
democráticas e atitudes cidadãs têm íntima relação. Tal afirmativa se faz
presente tanto nos registros anteriores como no evidenciado abaixo; o que dá
continuidade ao pensamento de Perrenoud. Portanto, vale ressaltar que:

A atitude democrática é uma conquista sobre o egocentrismo, sobre o


individualismo, sobre a busca de seu próprio interesse, sobre a indiferença à
miséria do mundo. Em sendo assim, praticar a democracia significa, para os
bastados, renunciar a uma parcela de suas vantagens e de seu poder.
5.8 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS.

É importante, para este estudo, conhecer a diferença entre direitos


humanos e direitos fundamentais, pois existem consequências de ordem
prática principalmente no que diz respeito à interpretação e aplicação das
normas de direitos fundamentais e/ou humanos e a consequente utilização de
instrumentos para a realização dos mesmos.

Várias expressões são utilizadas para se referir aos direitos humanos,


dentre elas podem-se destacar: direitos humanos, direitos do homem, direitos
subjetivos públicos, liberdades públicas, direitos individuais, liberdades
fundamentais e direitos humanos fundamentais.

Verifica-se que a expressão direita fundamentais, bastante difundida na


literatura pátria, busca atribuir significado ao conjunto dos direitos subjetivos
que se encontram consagrados na Constituição da República Federativa do
Brasil, de 1988.(CRFB)

Constituição brasileira preceitua em seu título II os “direitos e garantias


fundamentais”, nele encontram-se abarcadas as demais espécies de direitos
fundamentais, que são: os direitos e deveres individuais e coletivos; os direitos
sociais; a nacionalidade os direitos políticos e o regramento dos partidos
políticos.

5.9 DIREITOS SOCIAIS COMO DIREITOS HUMANOS.

Os aspectos sociais dos direitos fundamentais da pessoa humana


foram inicialmente colocados, no Brasil, pela constituição de 1934. Foi através
deste documento de inspiração alemã que se refere ao modo programático das
normas constitucionais, com a inclusão dos direitos sociais dentro do corpo da
nossa lei maior. A constituição de 1988, como documento jurídico voltado para
a plena realização da cidadania, abarca esses direitos, que nasceram
vinculados ao princípio da igualdade. Eles se encontram, principalmente, entre
os artigos 6º e 11º. José Afonso da Silva, no seu curso de direito constitucional,
assim define estes direitos:

Podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos


fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas
pelo Estado, direta ou indiretamente, enunciadas em normas
constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos
mais fracos, direitos que tendem a realizar a equalização de situações
sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de
igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais
na medida em que criam condições materiais mais propicias ao
auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona
condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.
( SILVA, 2007, P. 286)

Os direitos sociais contidos na nossa constituição surgiram atentando


para o problema das liberdades face à miséria ditada pelas condições sociais
de profundas desigualdades. Tais direitos correspondem aos “direitos à
segurança social, ao trabalho, ao salário condigno, à assistência social, à
liberdade sindical, às condições humanas, justas e saudáveis de trabalho à
formação profissional, à proteção da maternidade, da infância e da família, à
subsistência, ao vestuário, à habitação, à educação e aos bens culturais.

Hoje, quase dezoito anos passados desde a promulgação da


constituição de 1988, que declarou no § 1º do seu artigo 5º que “as normas
definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, ainda
existe um posicionamento recorrente que acredita numa validação
“progressiva” dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais.

É notório que os direitos sociais tendem a ser tratados como meras


promessas, postergadas pela omissão do legislador em regulamentá-los e
integrá-los. Enquanto as leis regulamentadoras não chegam, os direitos
definidos na carta magna permanecem ilusórios, já que não podem ser
garantidos pelo poder judiciário.

Conforme o exposto os direitos sociais constituem-se a segunda


dimensão dos direitos fundamentais do homem. Realmente, a referida divisão
em sucessivas gerações é abordada inúmeras vezes na literatura nacional. Os
direitos civis e políticos da tradição liberal clássica, consagrados na declaração
de 1789, seriam os de “primeira dimensão”, enquanto os direitos sociais e
econômicos, ancorados na tradição socialista seriam os de “segunda geração”
– chegando-se hoje em dia a falar em direitos humanos de “terceira geração”,
para se referir a aspirações como a paz, o desenvolvimento, etc.

O autor ainda aponta o papel a ser realizado pelo Estado para garantir
a realização dos direitos de primeira geração (obrigação de não fazer) e de
segunda (obrigação de fazer)

Ressalte-se que a declaração Universal dos Direitos Humanos,


enquanto declaração Universal promulgada em 1948 procurou contemplar os
direitos humamoss sem marcar uma distinção geracional. Este entendimento
foi dificultado nos anos que se seguiram a esta promulgação pela profunda
divisão mundial em dois blocos econômicos – capitalismo e socialismo.

Esse entendimento (não geracional) foi reafirmado a partir de 1993,


com a realização da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em
Viena, como A declaração de Viena reafirmou a universalidade e a
indivisibilidade dos direitos humanos, bem como reconheceu o direito ao
desenvolvimento como um direito universal inalienável e parte integrante dos
direitos fundamentais.

Ainda sobre a indivisibilidade dos direitos Humanos é importante se


observar o que diz José Afonso, atentando quando este escreve sobre
garantias de uma convivência digna, livre e igual:

A expressão “direitos fundamentais do homem” é reservada para


designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e
instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência
digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo
“fundamental” acha-se a indicação de que se trata de situações
jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive
e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no
sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas
formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados .
Portanto, não restam dúvidas quanto à afirmação de que os direitos
sociais são direitos humanos, tanto quanto os direitos civis e políticos.
E mais ainda que estes dois grupos são, na verdade, um só. (SILVA,
2007, p.178)

Tais direitos não se traduzem apenas como a esfera privada


contraposta à atividade pública, mais do que isso sugere a limitação imposta
pela soberania popular aos poderes constituídos pelo Estado. (idem, ibidem).

Esse entendimento (não geracional) foi reafirmado a partir de 1993,


com a realização da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em
Viena, como A declaração de Viena reafirmou a universalidade e a
indivisibilidade dos direitos humanos, bem como reconheceu o direito ao
desenvolvimento como um direito “universal inalienável e parte integrante dos
direitos fundamentais.” (CMDH, 1993)

Ainda sobre a indivisibilidade dos direitos Humanos é importante se


observar o que diz José Afonso, atentando quando este escreve sobre
garantias de uma convivência digna, livre e igual:

Na concretização de tais direitos, em especial por via judicial, observa-se


a necessidade de se ponderar valores, com visão conjuntural do caso concreto,
sem restarem ignorados outros fatores como opções políticas e condições
financeiras e materiais. Então, há de se atentar à “reserva do possível”,
levando em conta a limitação de meios e a alocação de parcos recursos.
Conforme J. Gomes Canotilho, a efetivação dos direitos sociais, econômicos e
culturais está dentro de uma “reserva do possível” acenando para a
dependência dos recursos econômicos. Canotilho (2003),

Ricardo Torres refere que


Os direitos sociais e econômicos estremam-se com a questão dos
direitos fundamentais porque dependem da concessão do legislador,
despojados do status negativus, não geram por si sós a pretensão às
prestações positivas do Estado, carecem de eficácia erga omnes e
subordinam à ideia de justiça social (TORRES, 2001, p. 282-283)

Tais direitos constituem forma de princípios de justiça, de normas


programáticas, sujeito à intervenção do legislador, à via orçamentária, à justiça
social e ponderar os princípios constitucionais. Vê-se, a questão não é tão
simples assim, não basta à mera positivação no nosso ordenamento ao tornar
determinado direito real e efetivo, porque o que esta em jogo é a situação
concreta assinalando a possibilidade de realizar a pretensão perseguida. Não
há como desconsiderar as necessidades públicas infinitas com recursos finitos.
Necessitando não somente de uma visão conjuntural em face aos direitos e
valores sociais envolvidos bem como das condições materiais e econômicas
necessárias à concretização do direito. Nessa linha de intelecção, indica uma
concretização dos direitos prestacionais, exigindo superar as barreiras e a
insuficiência de recursos públicos. Cumprirá ao Magistrado, no caso concreto,
avaliar a consistência de tal argumento e limites da “reserva do possível”, sob
pena de não comprometer a efetividade dos direitos sociais.

Sendo assim, a efetividade dos direitos sociais constitui um processo


progressivo, o que leva a afirmar que o caminho trilhado comporta um olhar
microscópico e macroscópico sobre o modelo constitucional pátrio em virtude
de sua complexidade sistêmica. Este não foi concretizado em muitos direitos
previstos.

Há um olhar microscópico sobre a luta do positivismo jurídico dando


um ar de engavetamento e mediante um olhar microscópio metaforicamente
delineado por Lassale desvelando os fatores reais de poder.

A expressão “direitos fundamentais do homem” é reservada para


designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e
instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência
digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo
“fundamental” acha-se a indicação de que se trata de situações
jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive
e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no
sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas
formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.
Portanto, não restam dúvidas quanto à afirmação de que os direitos
sociais são direitos humanos, tanto quanto os direitos civis e políticos.
E mais ainda que estes dois grupos são, na verdade, um só. (SILVA,
2007, p.178)
Tais direitos não se traduzem apenas como a esfera privada
contraposta à atividade pública, mais do que isso sugere a limitação imposta
pela soberania popular aos poderes constituídos pelo Estado. (idem, ibidem).

5.10 DIREITOS HUMANOS E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE

O termo ‘princípios’ possui um caráter multifacetado e polissêmico


devido a sua amplitude conceitual. Etimologicamente a palavra princípio
advém do termo latino principium, significa ‘aquilo que se toma primeiro’-
primum capere-, designando o ponto de partida, o início, o começo.

Antes de se examinar o princípio da igualdade cabe enunciar uma


breve noção sobre o conceito de principio. Inicialmente, poder-se-ia dizer que
principio é onde começa, a causa. Principio de uma estrada seria o seu ponto
de partida. Todavia não é esse conceito geral de principio que precisamos
conhecer, mas o seu significado perante o direito.

Segundo o pensamento de Carrazza, a ideia de princípio diz respeito:

[a] (...) um enunciado lógico implícito ou explícito, que, por sua grande
generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes
do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o
entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se
conectam CARRAZZA, 2002, p. 33.

São portanto, os princípios as proposições básicas que fundamentam


as ciências. Para o direito, o principio é o seu fundamento, a base que ira
informar e inspirar as normas jurídicas.

Ainda sobre a noção de princípios, Miguel Reale vai afirmar que:

Princípios são “verdades fundantes” de um sistema de


conhecimentos, como tais, [são] admitidos por serem evidentes ou
por terem sido comprovados, mas também por motivo de ordem
prática de caráter operacional, isto é, como pressuposto exigidos
pelas necessidades da pesquisa e da práxis.(REALE, 2003, p. 303)

Conforme a compreensão de Celso Antônio Bandeira de Mello,


princípio traduz-se como fundamento do sistema normativo. Nesse sentido,
assim entende o autor:
É o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe
dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a
intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há
por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais
grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio
implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório,
mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio
atingido porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a
seu arcabouço lógico e corrosão de estrutura mestra. (MELLO, 1996,
p. 545/546

Nessa medida, o conhecimento dos princípios preside a intelecção das


diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema
jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a
mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão
do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais.

Os princípios poderiam ser divididos em: gerais, que se aplicavam a


outras matérias; específicos, e estes podem ser subdivididos em: explícitos, a
exemplo dos contidos no parágrafo único do art. 194 da constituição e
implícitos, como o do solidarismo, previsto no inciso I do art. 3º da Constituição
Federal de 1988.

Certos princípios de direito, apesar de não serem especificamente do


direito da seguridade social, serão aplicáveis a esta disciplina, como os da
igualdade, da legalidade e do direito adquirido.
Rousseau, na obra sobre as origens e os fundamentos de
desigualdade dos homens18 indaga: o homem nasce igual ou a sociedade o
torna desigual?

Rousseau, no discurso sobre as origens e os fundamentos da


desigualdade dos homens indaga: o homem nasce igual ou a sociedade o
torna desigual? A natureza fez as pessoas desiguais. A lei não pode torná-las
exatamente iguais se são diferentes.

Do ponto de vista constitucional, a igualdade constitui um preceito


explícito na CRFB, em seu art. 5º, onde determina que: “todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Tal princípio, portanto é
destinado ao legislador ordinário.

18
Rousseau inicia o discurso fazendo uma distinção das duas desigualdades existentes: a desigualdade
natural ou física e a desigualdade moral ou política. A desigualdade natural (sexo, idade, força, etc.) não é
o objetivo dos estudos de Rousseau, pois como o próprio nome já afirma, esta desigualdade tem uma
origem natural e não foi ela que submeteu um homem a outro. A origem da desigualdade moral ou política
é o que interessa para Rousseau. Ele trata em toda a primeira parte do Discurso sobre o homem natural
rebatendo as teses de Hobbes, Buffon e outros que tratam do mesmo assunto, mas que enxergavam o
homem natural a partir da visão do homem social (o homem do homem). Partindo de sua teoria dos dois
princípios básicos que regem a alma humana, Rousseau descreve o homem natural como um ser
solitário, possuidor de um instinto de autopreservação, dotado de sentimento de compaixão por outros de
sua espécie, e possuindo a razão apenas potencialmente. O sentimento de comiseração pode ser visto
também como instinto ou um mecanismo de autopreservação da espécie. Rousseau não vê na vida do
homem natural, motivos que o levem à vida em sociedade. O homem natural vive o presente, é robusto e
bem organizado, apesar de não possuir habilidades específicas, pode aprendê-las todas, é inocente não
possuindo noções do bem e do mal e possui duas características que o distingue dos outros animais que
são a liberdade e a perfectibilidade. A perfectibilidade é um neologismo criado por Rousseau para
exprimir a capacidade que o homem possui de aperfeiçoar-se. Utilizando como exemplo o estudo sobre a
origem da linguagem, Rousseau tenta demonstrar a falta de ligação entre o homem natural e o homem
social. Termina esta parte afirmando que a passagem do homem natural ao homem social, que é a
origem das desigualdades, não pode ser obra do próprio homem, mas sim de algum fator externo. [Na
segunda parte do Discurso, percebe-se que], após descrever o homem natural, Rousseau utiliza uma
história hipotética para descrever como se deu à passagem do estado natural para o estado social,
mostrando desta forma como surgiu a desigualdade entre os homens. A ideia de perfectibilidade está na
base de toda esta transformação. O homem natural tinha como única preocupação sua subsistência,
contudo à medida que as dificuldades do meio se apresentavam ele era obrigado a superá-las adquirindo,
portanto novos conhecimentos. O homem natural aprendeu a pescar, caçar e por vezes a associar-se a
outros homens, tanto para defender-se como para caçar, mas estas associações eram sempre aleatórias.
Neste ponto é que surge a primeira "revolução": a construção de abrigos [...]. Por motivos de segurança,
hábitos alimentares e influência do clima, as famílias passam a conviver próximas surgindo as primeiras
comunidades. Para Rousseau este era o estágio no qual o homem deveria ter parado. Vivendo em
sociedade, com poucas necessidades e com condições de atendê-las o homem teria tudo para ser feliz.
Mas a perfectibilidade não o permitiu. A pequena comunidade sentada a volta da fogueira cantando e
dançando começa a se enxergar. Os homens passam a se compararem: o melhor caçador, o mais forte,
o mais bonito, o mais hábil começa a se destacar, e o ser e o parecer tornam-se diferentes. Os homens
agrupados ainda sem nenhuma lei ou líder têm como único juiz a sua própria consciência. E cada qual
sendo juiz a sua maneira tem início o estado de guerra de todos contra todos. Paralelamente surge a
agricultura e a metalurgia, evento ao qual Rousseau nomeia de "a grande Revolução". [...] Rousseau
passa a indagar que tipos de governos podem ter surgido. De antemão descarta a possibilidade de um
governo despótico ter sido o iniciador do processo, pois o sentimento de liberdade do homem não o
permitiria. Jean-Jacques diz que os governantes devem ter surgido de forma eletiva, isto é, se em uma
comunidade uma única pessoa era considerada digna e capacitada para governá-la surgiria um estado
monárquico; se várias pessoas gozavam ao mesmo tempo de condições para tal surgiria um estado
aristocrático, porém se todas as pessoas possuíam qualidades homogêneas e resolvessem administrar
conjuntamente surgiria uma democracia. O desvirtuamento dessas formas de governo pela ambição de
alguns é que deram origem a estados autoritários e despóticos. [...] [assim,] O surgimento da propriedade
divide os homens entre ricos e pobres, o surgimento de governos divide entre governantes (poderosos) e
governados (fracos) e o surgimento de estados despóticos divide os homens entre senhores e escravos.
CAPÍTULO 4: A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

4 .1 O JORNAL CAMINHADO

4.2 A COMISSÃO PONTIFÍCIA JUSTIÇA E PAZ


CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

WEIGEL George, A Verdade do Catolicismo, São Paulo: Bertrand Editora, 2002

Wikipedia. Missões populares. http://pt.wikipedia.org/wiki/Miss%C3%B5es_populares. Acesso


em:19.01.2012.

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