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Apostila 01direito
Apostila 01direito
PÓS-GRADUAÇÃO
São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2021
2
© 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A.
Conselho Acadêmico
Carlos Roberto Pagani Junior
Camila Turchetti Bacan Gabiatti
Camila Braga de Oliveira Higa
Giani Vendramel de Oliveira
Gislaine Denisale Ferreira
Henrique Salustiano Silva
Mariana Gerardi Mello
Nirse Ruscheinsky Breternitz
Priscila Pereira Silva
Tayra Carolina Nascimento Aleixo
Coordenador
Gislaine Denisale Ferreira
Revisor
Anderson Rodrigues da Silva
André Adriano do Nascimento da Silva
Editorial
Alessandra Cristina Fahl
Beatriz Meloni Montefusco
Carolina Yaly
Mariana de Campos Barroso
Paola Andressa Machado Leal
ISBN 978-65-89881-36-0
2021
Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP:
01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/
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Índice ÍNDICE
Tema 06: Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congruência e a Teoria do Erro de Tipo 164
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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
A história do Direito Penal não mostra uma linha evolutiva reta e clara, mas um
caminho tortuoso, em que se mostra dificultosa a tarefa de definir se houve ou não
progresso com o decorrer dos anos.
Com efeito, constata-se que os contornos da Ciência Penal são mais bem delineados a cada
nova teoria, mas a finalidade e as aspirações por trás de cada movimento comprovam que o
Direito Penal segue a corrente ideológica de seu tempo, por vezes com incremento da
repressão da liberdade e, em outros, com aumento da proteção aos direitos individuais.
Inicialmente, podemos explorar esse histórico sob duas óticas: por meio da evolução
histórica das Escolas Penais ou por meio das principais fases epistemológicas que
inspiraram as correntes dogmáticas, com influência na criação e formação da estrutura da
moderna Teoria do Delito.
Com objetivo de demonstrar a forte ligação entre ambos os caminhos, vamos sintetizar as
principais características de cada Escola Penal e, posteriormente, indicar como essas
tendências penais marcaram a dogmática penal.
Podemos entender como Escolas Penais, segundo definição de Asúa, como “o corpo
orgânico de concepções contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir, sobre a
natureza do delito e sobre o fim das sanções”1. Em outros termos, uma escola penal deve
conter uma ideia central que justifique a adoção do Direito Penal como mecanismo de
solução de conflitos, como também precisa dissecar o fenômeno criminoso, com estudo
dos elementos que formam a Teoria do Delito e, ainda, conferir alguma utilidade para a
sanção penal aplicada.
1 ASÚA, Luiz Jiménez, Tratado de Derecho Penal. 3. ed. Buenos Aires, Losada, 1964, v. 2, p. 31.
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Esta disciplina foi elaborada colaborativamente pelos seguintes docentes:
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TEMA 01
Evolução das Ideias Penais
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LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
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Aula 01
Evolução das Ideias Penais
Objetivos
A aula tem por objetivo elucidar temas relacionados à evolução das ideias penais.
Passando pelos principais autores da escola clássica, da escola positiva, chegando a
escola moderna e estudos contemporâneos. Após a leitura do presente texto, você terá
todo o embasamento necessário para construir o alicerce histórico do tema.
Como alertado por Dotti1, a imposição de um castigo àquele que ofendeu a esfera de
poder e da vontade de outrem esteve presente em todos os tempos e em todos os povos.
Entretanto, arcaicas formas de punição de culturas com origens místicas e religiosas não
podem ainda ser consideradas como Direito Penal, tendo em vista que não questionam a
legitimidade do direito de punir e estão pautadas em parâmetros destituídos da
racionalidade e do respeito à humanidade de cada pessoa. De igual forma, o sistema
punitivo do Antigo Regime das monarquias europeias, marcado pelo pensamento
absolutista, também não obedecia aos requisitos do Direito Penal, especialmente pelo
agigantamento do Poder Real frente aos indivíduos de outras classes menos nobres.
Nessa fase, a pena era concebida como uma vingança e um mecanismo de reafirmação do
poder central por meio do medo, culminando com a sombria adoção de métodos que infligiam
profunda dor e sofrimento, em que o aterrorizante cerimonial do castigo físico ostentava
humilhação e crueldade2. Por essa razão, especialmente no período absolutista europeu, a
1 DOTTI, Rene Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral, 4ª. ed, rev. atual. e ampl. São Paulo, Editora Revista
dos Tribunais, 2012, p. 207.
2 Para vislumbrar o terror imposto nas execuções e conhecer o panorama da punição penal daquela época, ver
a magistral obra de Michel Foucault, “Vigiar e Punir”.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
perda da liberdade de locomoção não funcionava como uma solução final, mas mero rito de
transição para impor o suplício.
Como as definições dos atos proibidos eram vagas e exigiam interpretações pelos seus
aplicadores, havia ampla margem para arbitrariedades, tornando impossível qualquer forma
de segurança jurídica. Influenciado pela concentração de poder nas mãos do monarca, os
julgamentos não continham garantias e estavam entregues a casuísmos, geralmente com
privilégios aos nobres e fidalgos e tratamento sem qualquer benevolência para todos que
não gozassem destes status.
Entretanto, esse cenário começa a mudar com a lenta erosão do pensamento absolutista,
advindo pelo crescimento intelectual da classe burguesa. Como o sistema vigente era
baseado na impossibilidade de ascensão social, a burguesia emergente era uma casta
destituída de meios para atingir o poder e, ainda, estava à mercê da vontade de um
soberano, somente investido nesta categoria por conta de sua origem nobre. Gradualmente,
doutrinas baseadas na igualdade entre as pessoas começam a circular e o ideário
absolutista passa a ser questionado, em todos seus segmentos.
1. Adoção das teorias contratualistas: com ênfase nas lições de Jean Jacques
Rousseau, apresentadas no livro “O Contrato Social”, o contratualismo refutava a tese de
que o poder político derivava de intervenção divina, mas aparecia como uma
necessidade para a convivência harmônica da coletividade humana. Para assegurar a
paz e a segurança de todos, cada membro teve de ceder parcela de sua liberdade para
o poder central, delegando a este a tarefa de defender a sociedade pelo poder punitivo.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
2. Secularização: conforme exposto por Luigi Ferrajoli, em sua densa obra “Direito e Razão:
Teoria do Garantismo Penal”, a confusão entre Direito e moral representou retrocesso para
as ciências penais, uma vez que ao não distinguir o crime do pecado, restou ao sistema
punitivo tutelar a fé e coibir qualquer ato contrário a religião. Por não separar o Estado do
religioso, o castigo passa a ser aplicado com base nas características indesejadas de
algumas pessoas. Em outros termos, a pessoa poderia ser condenada pelo que ela era
(bruxo, herege, homossexual etc) e não necessariamente pelo que poderia ter praticado. A
secularização busca romper os laços entre a moral e o Estado e evitar que qualquer ação
pecaminosa seja considerada como prejudicial para o convívio social.
Nesse efervescente cenário, a publicação da obra “Dos delitos e das penas”, de Cesare
Beccaria, para grande parte da doutrina, marcou o surgimento da Escola Clássica das
Ciências Penais, uma vez que fora o primeiro trabalho a tratar especificamente do
fenômeno punitivo, sob a ótica iluminista.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
2. Escola Clássica
Na realidade, não podemos falar que a Escola Clássica teve um posicionamento único ou
que apresenta características uniformes, pois sua denominação e sistematização surgiu por
Enrico Ferri, um dos principais expoentes da Escola Positiva, em uma tentativa de abranger
todas as ideias penais desde Beccaria até o advento das primeiras concepções de sua corrente
de pensamento. Dessa forma, alguns posicionamentos antagônicos gerados em período
anterior à Escola Positiva foram incluídos como do mesmo sistema, embora possam ser
constatadas diferenças quanto a finalidade do Direito Penal e as funções da pena.
Entretanto, a sistematização não se baseou somente no critério temporal, como também levou
em consideração alguns aspectos que foram profundamente explorados pelos estudiosos da
ciência penal de parte do século XVIII e XIX. Podemos dividir em duas categorias:
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Beccaria, que foi o máximo catalisador de todas essas ideias filosóficas e políticas
do Iluminismo, bastante progressistas para a época (...), estruturou seus
pensamentos em várias construções filosóficas, destacando-se: (a) a racionalista
de Descartes, depois aprofundada por Montesquieu (que estudou Filosofia, a
política e o direito sob o império da razão e da moderação); (b) a iusnaturalista de
Pufendorf e John Locke (sobrevalorização do direito natural, que fixa limites ao
Estado); (c) a utilitarista (defendida por Francis Hutchenson – 1694 -1746 – e
seguida por Bentham, da máxima felicidade repartida entre o maior número
possível de pessoas); e (d) a contratualista de Rousseau, Hobbes e John Locke (as
leis e o próprio poder do Estado são frutos de pactos da sociedade)4.
Publicada (inicialmente de forma anônima) em 1764, “Dos Delitos e das Penas” é, sobretudo,
uma obra política, pois não contém caracteres propriamente jurídicos ou científicos. De índole
contratualista, a concepção de Beccaria considera a outorga do direito de punir decorria do
pacto social e era uma exigência para controlar o espírito despótico de cada indivíduo, em
4 GOMES, Luiz Flávio. Beccaria (250 anos) e o drama do castigo penal: civilização ou barbárie? Coleção Saberes
Críticos. Coordenação Alice Bianchini, Luiz Flávio Gomes, São Paulo: Saraiva, 2014, p. 52.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
nome da coletividade. Igualmente, a sanção imposta não poderia ser mais rigorosa do que
o necessário para restabelecimento da ordem social, figurando como abusiva e ilegítima
qualquer manifestação de poder punitivo além do imprescindível5.
Embora boa parte da doutrina considere Beccaria como precursor da Escola Clássica, a
maior parte dos autores deste segmento são jusnaturalistas, isto é, acreditam em uma
ordem imposta desde o começo da humanidade, sendo o pacto social apenas ratificador
dos direitos naturais do homem, mas não uma exigência para a segurança de todos. Como
Beccaria seguia teorias contratualistas, esse diferente ponto de partida poderia significar
sua exclusão dessa Escola. Vale ressaltar que Beccaria condenava a tortura (por não
enxergar sua utilidade), mas era a favor de penas corporais, assim como da pena de
escravidão (com nítida importância para o sistema capitalista burguês emergente).
5 “Fatigados de só viver em meio a temores e de encontrar inimigos em toda parte, cansados de uma liberdade cuja
incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para usufruir do restante com mais segurança. A
soma dessas partes de liberdade, assim sacrificadas ao bem geral, constituiu a soberania da nação; e aquele que foi
encarregado pelas leis como depositário dessas liberdades e dos trabalhos da administração foi proclamado o
soberano do povo”.
“Não era suficiente, contudo, a formação desse depósito; era necessário protegê-lo contra as usurpações de cada
particular, pois a tendência do homem é tão forte para o despotismo, que ele procura, incessantemente, não só retirar
da massa comum a sua parte de liberdade, como também usurpar a dos outros”.
“Eram necessários meios sensíveis e muito poderosos para sufocar esse espírito despótico, que logo voltou a
mergulhar a sociedade em seu antigo caos. Tais meios foram as penas estabelecidas contra os que infringiam as leis”.
(...)
“Desse modo, somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada
qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o que era
necessário para empenhar os outros em mantê-lo na posse do restante”.
“A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir. Todo exercício do
poder que deste fundamento se afastar constitui abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; constitui
usurpação e jamais um poder legítimo”.
(BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 19-20).
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
classe perigosa, formada por homens escravos, mais cruéis que os homens livres 6. Assim,
o método racionalista e a de humanização, fundamental para a Escola Clássica, não ficam
claros em Beccaria, permanecendo, todavia, o espírito liberal e individualista, percebido em
todos os adeptos da Escola Clássica, independente de sua inclinação para o contratualismo
ou jusnaturalismo.
Discípulo direto de Carmignani, o mérito de Carrara pode ser percebido em sua obra
“Programma di Diritto Criminale”, cuja sistematização fora direcionada para seus alunos e
tinha como objetivo apenas tratar dos principais aspectos da ciência penal, mas terminou
por explorá-la completamente.
Assim como seu mestre, Carrara refutava a teoria contratualista, sendo partidário do
jusnaturalismo, pois compreendia que Rousseau estaria equivocado ao pensar em um
primeiro estágio selvagem e posterior organização por meio de um contrato social, pois a
associação civil é natural ao ser humano desde sua criação7.
Segundo sua concepção, para fundamentar a criação de uma autoridade central para
regulamentar, fiscalizar e punir determinadas condutas consideradas lesivas, Carrara
sugere que a lei natural
[...] teria sido, pois, impotente para manter a ordem no mundo moral, porque
mais fraca do que a lei eterna reguladora do mundo físico. Essa é sempre
obedecida; aquela, com demasiada frequência, conculcada e negligenciada8.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Por essa razão, para organização da sociedade civil e para a defesa da humanidade, surge
o Direito Penal, incumbido da imposição das sanções necessárias para harmonia social.
No tocante a conduta criminosa, Carrara considera o crime como um ente jurídico, isto é, se
trata de uma violação de um direito. Em outros termos, a infração penal surge no âmbito da
sociedade e somente é proibida e castigada por representar perturbação da ordem social,
sendo que a pena figura como um meio para restabelecimento do status quo. Logo, a pena
assume função de meio de tutela jurídica e retribuição da culpa moral9.
Por sua vez, o livre arbítrio desenvolve importante papel em sua teoria, pois Carrara
entende que
[...] o direito não pode ser atingido, a não ser por atos exteriores precedentes
de uma vontade livre e inteligente, esse primeiro conceito vinha determinar a
constante necessidade, em cada delito, das suas duas forças essenciais:
vontade inteligente e livre; fato exterior lesivo do direito, ou a ele ameaçador10.
Assim, apenas uma conduta (portanto, ato exteriorizado e não interno ao sujeito), cuja
vontade esteja liberta de qualquer imposição física ou moral pode infligir algum dano ao
direito. Portanto, pode ser constatado que Carrara dividia o delito em elementos subjetivo
(imputabilidade penal – vontade livre e consciente) e elemento objetivo (ato exteriorizado
que viola o direito). Essa delimitação de elementos é considerada por Bitencourt, como um
início da construção dogmática da Teoria Geral do Delito, “com grande destaque para a
vontade culpável. A pena era, para os clássicos, uma medida repressiva, aflitiva e pessoal,
que se aplicava ao autor de um fato delituoso que tivesse agido com capacidade de querer
e de entender”11.
9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal .parte geral. v. 1. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 84.
10 CARRARA, 1956, p. 11.
11 BITENCOURT, 2011, p. 85.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Sua maior contribuição para as ciências penais foi conferir a função preventiva negativa a
pena, ou seja, a sanção previamente fixada servia como um mecanismo intimidador, isto é,
como uma forma de coação psicológica que afastava todos os indivíduos da prática de
delitos14.
Se algum indivíduo optasse por praticar a conduta proibida por lei, a aplicação da sanção
seria obrigatória, como meio demonstrativo da eficácia da ameaça.
12 “Por lo tanto, conelfin de defenderse, lasociedad estará enlanecesidad y por lomismoenelderecho de eliminar
laimpunidad, por más que se considere como cosa posterior al delito. O, hablando más exactamente,
lasociedadtienederecho de hacer que la pena siga al delito, como médio necesario para laconservación de sus
miembros y del estado de agregaciónen que se encuentra, ya que ellatiene pleno e inviolablederecho a estas cosas”.
(ROMAGNOSI, Giandomenico, Gènesis del Derecho Penal, Bogotá, Temis, 1956, p. 105).
13 Ao falar do fim da pena, Romagnosi expõe: “No es atormentar o afligir a un ser sensible; no es
satisfacerunsentimiento de venganza; no es revocar delorden de las cosas un delito ya cometido, y expiarlo, sino antes
bien infundir temor a todo delincuente, para que en, el futuro no ofenda a lasociedad”. (ROMAGNOSI, 1956, p. 150)
14 “Se entenderá que la pena tiene como objetivo elefectocuyacreaciónpuedaconcebirse como causa de laexistencia de
uma pena, si es que existe el concepto de pena. 1)El objetivo de laconminación de la pena enlaley es laintimidación de todos,
como posibles protagonistas de lesiones jurídicas. II) El objetivo de suaplicación es el de dar fundamento efectivo a
laconminación legal, dado que sinlaaplicaciónlaconminaciónquedaríahueca (sería ineficaz). Puesto que laley intimida a todos
losciudadanos y laejecucióndebe dar efectividad a laley, resulta que el objetivo mediato (o final) de laaplicación es,
encualquier caso, laintimidación de losciudadanos mediante laley”. (FEUERBACH, Paul Johann Anselm Von, Tratado de
Derecho Penal, 14. ed. Tradução de Eugenio Raul Zaffaroni e Irma Hagemier. Buenos Aires, Editorial Hamurabi, 1989, p. 61).
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Tendo como ponto de partida essa função da pena, Feuerbach estabelece como
imprescindível o Princípio da Legalidade (uma vez que as condutas consideradas como
proibidas deveriam constar em lei anterior a sua prática) e, ainda, dispõe a exigência do
livre-arbítrio, pois incumbiria ao cidadão, de forma livre e inteligente, desconsiderar a
ameaça do castigo penal e cometer determinado crime.
3. Escola Positiva
Desde esse momento, constata-se que o foco de proteção do Direito Penal incide somente
ao corpo social, enquanto o delinquente se torna objeto de estudo e sujeito a ser combatido
por sua inerente inclinação a prática de delitos.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Basicamente, para a Escola Positiva, a sanção penal é uma reação natural do corpo social
contra as atividades anormais de seus membros. Ao contrário dos classicistas, o delito não é
um ente jurídico, mas um fato natural e que surge devido a fatores antropológicos, físicos e
sociais. Em outros termos, o livre-arbítrio da Escola Clássica era irrelevante, pois alguns
indivíduos sempre estariam predispostos a cometer crimes (independentemente de sua
vontade livre e consciente) e, igualmente, era desnecessário fundamentar o direito de punir e a
responsabilidade penal em conceitos morais, pois o crime e o criminoso são patologias sociais
e que devem ser enfrentados, uma vez que a sociedade está legitimada a se defender contra
aqueles indivíduos que estão fatalmente determinados a colocar a segurança em risco.
Por fim, com a ampla difusão do pensamento positivista, a possibilidade de aplicação dos
métodos de observação ao estudo do homem, os novos estudos estatísticos realizados
pelas ciências sociais, que possibilitavam a comprovação de certa regularidade e
uniformidade nos fenômenos sociais (inclusive da criminalidade) e o crescimento de novas
ideologias políticas que exigiam uma postura mais ativa do Estado na prestação de direitos
sociais, mas que também consideravam a proteção penal aos direitos individuais muito
complacentes, terminando por afetar o gozo dos direitos coletivos, os posicionamentos da
Escola Clássica foram gradualmente rechaçados e substituídos pela Escola Positiva.
Geralmente, a doutrina considera que a Escola Positiva apresentou três fases distintas,
tendo cada uma seu expoente: Fase antropológica de Cesare Lombroso; Fase sociológica
de Enrico Ferri e Fase jurídica de Rafael Garofalo.
Cesare Lombroso era médico e, por conta de forte influência dos estudos de Auguste
Comte e Charles Darwin, buscou elencar as categorias de criminosos com base em
determinadas características, cujas anomalias constituiriam um tipo antropológico
específico, pois entendia que haviam delinquentes natos.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Seu método de estudo, compartilhado pelos positivistas de sua geração, era baseado em
um minucioso levantamento de todos os dados biológicos e psicológicos dos criminosos, de
forma que poderia avaliar quais circunstâncias aparecem na maioria e, assim, determinar a
influência dessa condição para inclinação delituosa.
Lombroso apresentou uma classificação de criminosos: (I) natos; (II) loucos; (III) por paixão;
(IV) de ocasião e; (V) epilético.
[...] o criminoso nato de Lombroso seria reconhecido por uma série de estigmas
físicos: assimetria do rosto, dentição anormal, orelhas grandes, olhos
defeituosos, características sexuais invertidas, tatuagens, irregularidades nos
dedos e nos mamilos etc.16
Por sua vez, os loucos eram irresponsáveis, diante de sua inimputabilidade. Os criminosos
por paixão são dementes emocionais, frios e dissimulados, mas desprovidos de senso
moral. Os de ocasião possuem as condições para manifestação do fenômeno criminoso,
entretanto não estarão sempre em estado de degenerescência. Os epiléticos não possuem
controle sobre suas emoções e poderiam manifestar descontrole de ânimos.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Apesar das teses de Lombroso conterem muitas falhas e nunca terem sido efetivamente
comprovadas, elas tiveram o mérito de criar a Antropologia Criminal e trouxe para as
ciências penais a observação do delinquente por meio do estudo indutivo-experimental.
Ferri reconhecia que a ideia criminosa poderia surgir para qualquer homem, entretanto no
indivíduo atávico, com condições degeneradas e patológicas, essa ideia se enraíza e se
intensifica até exteriorizar-se, enquanto no homem normal essa ideia se dissiparia.
Logo, a própria função da pena fica prejudicada, pois a finalidade preventiva por meio da
ameaça da sanção não surte efeitos para um indivíduo predisposto a cometer um delito. Essa
perspectiva de coação através do poder punitivo somente teria efetividade para o homem
normal. Por esse motivo, aquele que não pode avaliar a ameaça da sanção penal não pode ser
sujeito a ela, em caso de transgressão, afinal não poderia ter agido de forma diversa. Assim,
essa pessoa anormal será submetida à medida de segurança, caso seja perigosa.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Constata-se que o foco de Ferri e dos adeptos da Escola Positiva não recai sobre o crime,
mas sobre o delinquente. Curiosamente, ao contrário da maioria dos adeptos da Escola
Positiva, cuja vertente opinava pela supremacia da defesa social, Ferri entendia que a
maioria dos delinquentes era readaptável, sendo que apenas os habituais eram
irrecuperáveis e, ainda sim, uma minoria.
Um dos maiores méritos de Ferri fora a criação da Sociologia Criminal como ciência geral
sobre a criminalidade. A sociologia criminal era dividida em ramo biossociológico e um ramo
jurídico. Enquanto o primeiro estudava antropologia criminal, as causas individuais do crime
e com a estatística criminal, as causas do ambiente físico e social e, com os resultados
desses estudos, categorizaria os delinquentes e indicaria os melhores remédios preventivos
e repressivos para o legislador adotar para a defesa social contra a criminalidade. Por sua
vez, o ramo jurídico estudava a organização jurídica de prevenção direta (polícia e órgãos
investidos da persecução criminal) e a organização jurídica repressiva (crime, pena, juízo e
execução). Ferri se empenhou pela independência da Sociologia criminal no contexto de
apreciação dogmática do delito, embora estivessem interligadas18.
Garofalo acreditava que o delito é um fenômeno natural, de forma que o conceito de crime
era obtido por forma sociológica e não jurídica, isto é, a palavra delito é uma construção
popular e não dada inicialmente pelo plano jurídico. Entretanto, pelo seu ponto de vista, o
delito natural era uma ofensa ao senso moral formado pelos sentimentos altruístas de
piedade e de probidade, sobretudo nas partes que mais sofreriam com a violação deste
patrimônio indispensável de todos os indivíduos da sociedade.
18 Mas como o estudo biossociológico do crime não se pode separar e ficar estranho à organização jurídica da defesa
preventiva e repressiva contra a criminalidade, também o estudo jurídico se não pode separar e ficar estranho aos dados
biossociológicos sobre o homem delinquente, que é o protagonista da justiça penal. (FERRI, Henrique. Princípios de Direito
Criminal: o criminoso e o crime. Tradução de Luiz de Lemos d’Oliveira. São Paulo, Saraiva, 1931, p. 92).
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Com a “terza scuola” italiana se inicia uma nova etapa nas escolas penais. Enquanto as
Escolas Clássica e Positiva continham características antagônicas e incompatíveis entre si,
algumas escolas penais posteriores adotaram parte das teses de ambas e buscaram atingir
um meio termo, conciliando os postulados das escolas pioneiras.
Inicialmente, a corrente eclética da “terza scuola” italiana (também conhecida como escola
crítica, naturalismo crítico ou positivismo crítico), teve como seus principais expoentes
Manuel Carnevale, João Impallomeni e Bernardino Alimena.
Por sua índole intermediária, adotavam algumas posições da Escola clássica, mas
reconheciam os avanços da positiva. Como acolhiam o princípio da responsabilidade moral,
consequentemente, separavam os imputáveis dos inimputáveis, mas rechaçavam o livre-
arbítrio, substituindo-o pelo determinismo psicológico20. Em outros termos, os adeptos
dessa escola não aceitavam a teoria do delinquente nato e sua anormalidade social, mas
afastavam do livre-arbítrio clássico, pois a imputabilidade surge da capacidade de
dirigibilidade do sujeito para a prática da conduta criminosa e também da sua capacidade
de sentir a intimidação proveniente da proibição da lei.
19 “Se o crime é uma acção que perturba a consciência publica pela ofensa que implica aos sentimentos
altruístas fundamentales, o criminoso será necessariamente um homem em quem se dá ausência ou defeito d’um ou
d’outro d’estes sentimentos; se os possuísse no momento do crime, é evidente que não teria podido negal-os pela
própria acção criminosa – a menos que a violação dos sentimentos indicados não seja senão aparente, o que
importaria, então, a não existencia do delito”. (GAROFALO, Rafael. Criminologia. Tradução de Julio de Mattos. Lisboa:
Livraria Clássica Editora de A.M Teixeira & C. (Filhos), 1925, páginas 92/93).
20 BITENCOURT, 2011, p. 91.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Franz Von Liszt, um dos maiores penalistas de todos os tempos, fora discípulo de
grandes mestres, como Adolph Merkel e Rudolph Von Ihering, sendo que os ensinamentos
deste último podem ser percebidos na construção teórica de Liszt, especialmente quanto à
finalidade do Direito.
A Escola moderna alemã (também conhecida como Terceira Escola Alemã ou Escola
Sociológica Alemã) teve como seus principais expoentes Liszt, o belga Adolph Prins e o
holandês Von Hammel e os três formaram a União Internacional de Direito Penal (hoje
conhecida como Associação Internacional de Direito Penal).
Os adeptos da Escola moderna alemã enxergavam o Direito Penal como uma estrutura
complexa e que continha múltiplas áreas, especialmente criminológicas, como a Política
Criminal. Apesar de explicitar a importância da Política Criminal, esta era independente e
separada do Direito Penal, embora estivesse destinada a analisar o delinquente e verificar
se a sanção cominada tinha potencial para cumprir sua função.
Para Liszt, a função do Direito Penal é a tutela de determinados interesses humanos, que são
denominados como bens jurídicos, após sua consideração jurídica. Por sua vez, a sanção
penal opera dupla finalidade, direcionada para grupos de indivíduos diferentes: para os que
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Segundo sua concepção, a função da pena para a coletividade teria uma função preventiva
geral, freando as tendências criminosas e, ao mesmo tempo, demonstra para os ofendidos
que os atentados contra seus interesses não passará despercebido e sem punição. Para os
delinquentes, visa converte-lo em um membro útil para a sociedade (adaptação artificial),
intimidando o aparecimento de manifestações criminosas e modificando seu caráter22.
Assim, a utilização consciente da pena como principal arma da ordem jurídica na luta contra
a criminalidade demanda um estudo científico sobre como surge a manifestação exterior
material do delito e as causas internas do delinquente. Essa área incumbe unicamente à
Criminologia, mas não ao Direito Penal.
21 “Se a missão do direito é a tutela de interesses humanos, a missão especial do direito penal é a reforçada
protecção de interesses, que principalmente a merecem e dela precisam, por meio da comminação e da execução da
pena como mal infligido ao criminoso. Advertindo e intimidando, a comminação penal acrescenta-se aos preceitos
imperativos e prohibitivos da ordem jurídica. Ao cidadão de intenções rectas, ella mostra, sob a fórma mais expressiva,
valor que o Estado liga aos seus preceitos; aos homens dotados de sentimentos menos apurados ella põe em
perspectiva, como consequência do acto injurídico, um mal, cuja representação deve servir de contrapeso ás
tendências criminosas”. (LISZT, Franz Von. Tratado de Direito Penal Allemão. Tomo 1. Tradução de José Hygino
Duarte Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet & C. Editores, 1899, p. 98-99).
22 LISZT, 1899, p. 100.
23 LISZT, 1899, p. 122-123.
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Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
A Escola Positiva utiliza o método indutivo-experimental, com base nas ciências naturais,
que decorria da observação e constatação da realidade dos fenômenos. Para tanto, não
poderiam permitir que o ramo do Direito fosse uma construção humana abstrata, pois isto
tornaria impossível seu estudo, de modo que importaram outras searas do conhecimento
humano e abrigaram no Direito. Igualmente, com objetivo de atingir seu fim, os positivistas
focaram a ótica do Direito Penal na figura do delinquente. Todavia, em dado momento, o
Direito Penal se confundia com a Criminologia e a Política Criminal, havendo excessiva
mistura entre aspectos antropológicos e sociológicos, sem preocupação com o essencial: o
jurídico.
25
Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Contra esse afastamento do plano jurídico, a Escola técnico-jurídica de Arturo Rocco busca
resgatar o verdadeiro objeto do Direito Penal, isto é, o crime como fenômeno jurídico26. Por
essa objeção a intromissão de outras ciências no ramo da ciência criminal, a maior
característica dessa Escola é a negação da investigação filosófica no campo do Direito
Penal. Como o Direito é uma ciência normativa, Rocco defende que seu método de estudo
adequado será o lógico-abstrato, diverso das ciências causais-explicativas ou políticas.
De tal maneira, a elaboração do sistema penal tem caráter jurídico, regido pela lógica
deôntica (dever ser), distinto de outras ciências causal-explicativas, pertencentes ao mundo
ôntico (ser)28. Em outras palavras, a criação do ordenamento jurídico penal formula como
será a persecução criminal desejada para manutenção da ordem social e não pela
realidade sensível.
26 Podemos perceber a indignação de Rocco na seguinte passagem, quando trata da confusão de matérias existentes
no Direito Penal: “Contienen antropologia, sicologia, estadística, sociologia, filosofia, política, es decir, de todo menos
de derecho. A veces se navega por pleno derecho natural o racional o ideal, enla complacência de trabajos académicos
saturados, sin embargo, de metafísica y escolástica; otrasveces, por elcontrario, enmedio de una multidad de
conceptos políticos fluctuantes que, dispuestos a serviles a lastesis más discordantes, hacen perder por una parte lo
que por otra se gana; enotras ocasiones se vatras de conceptos biológicos, sicológicos o sociales difusos,
loscualesaunsiendoverdaderos y fundados – y estánmuylejos de serloen todo momento – no sirven para nada, porno
estar acompañados por lainvestigación jurídica”. (ROCCO, Arturo. El problema y el método de la ciencia del derecho
penal. Bogotá: Editorial Têmis S. A., 1999, p. 3).
27 ROCO, 1999, p. 11.
28 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro. Vol. 1. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2006, p. 86.
26
Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Os principais caracteres dessa Escola são: a) o delito é pura relação jurídica, de conteúdo
individual e social; b) a pena é uma reação e consequência do delito praticado, com função
preventiva geral (intimidativa) e especial (centradas no delinquente e voltadas a coibir a
reincidência) para os imputáveis; c) medida de segurança aplicada aos inimputáveis; d)
responsabilidade moral (vontade livre); e) método técnico-jurídico e; e) negação da
intromissão da Filosofia no campo penal29.
7. A Escola Correcionalista
Influenciado pelas ideias de Karl Krause (adepto do idealismo romântico alemão da primeira
metade do século XIX e que estava baseada na piedade e no altruísmo) que em monografia de
1839, intitulada “Comentatio na poena malum esse debeat”, lançou as primeiras linhas da
Escola Correcionalista, em que defende a aplicação da sanção penal como método de correção
moral do delinquente. Entretanto, sua teoria correcional voltada para modelar a vontade do
criminoso não recebeu grande repercussão em solo alemão, tendo recebido acolhida entre
doutrinadores espanhóis, em destaque Giner de los Rios, Rafael Salillas, Concepción Arenal e
Pedro Dorado Montero, sendo este último seu principal expoente.
Pode ser percebido que essa escola tivera influência dos positivistas, enquanto considera o
criminoso como um indivíduo predisposto para cometer delitos, mas se distancia das teorias
de Lombroso e Garofalo por não acreditar na ideia de um criminoso nato e irrecuperável.
Como a distinção desta teoria correcionalista reside na cura do criminoso, subvertendo sua
27
Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
vontade aos comandos aceitáveis do ordenamento jurídico e da ética moral e social, a pena
não era encarada como uma obrigação decorrente da prática de um crime, mas um direito a
ser exigido pelo delinquente. Em outros termos, a sanção penal era um bem para o
criminoso, pois sua anomalia que o torna incapaz de viver em sociedade seria expurgada.
Por esse motivo, como o delinquente era portador de uma doença e a pena era o único
remédio cabível para sua cura e reinserção na coletividade, o juiz funcionava como médico
social, encarregado da higienização do sistema31.
Dessa maneira, devido ao perigo social representado pelo delinquente, não se questionava
a imputabilidade ou inimputabilidade do indivíduo, uma vez que era indiferente.
Consequentemente, o livre-arbítrio tinha pouca relevância.
Vale ressaltar, devido a “patologia de desvio social” sofrida pelo delinquente e como a pena
buscava sua cura, a sanção tinha tempo indeterminado, com duração até que fosse
completada a conversão do criminoso.
31 “En tal sentido, laadministración de justicia penal debe ser una función de saneamento social, una función de higienización
y profilaxia social, comprendiendoenla higiene la terapêutica, como a mi juiciodebecomprenderse. El papel que
enloporvenirhabrán de desempeñar, enarmoníaconlas modernas concepciones, los funcionários equivalentes a
nuestrosactuales magistrados de lo criminal, no tendrámucho parecido conel que hoy corresponde a éstos: se asemejará más
bien al de los médicos higienistas. El juez severo, adusto y temibledebe desaparecer, para dejarelpuesto al médico cariñoso y
entendido (...), al médico, a la vez, delcuerpo y del alma, cuya única preocupación consistirá en levantar al caído y ayudar al
menesteroso, en apartar de sualrededorlas causas y las ocasiones que lespodríanhacer dar nuevostropiezos y fortalecerles
para que puedan y sepan resistir los embates de corrientesmalsanas”. (MONTERO, Dorado. Bases para un nuevo derecho
penal. 9. Ed. Buenos Aires: Ediciones Depalmia, 1973, p. 65-66).
28
Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Defesa Social, com objetivo de renovar os meios disponíveis para combate da criminalidade.
Gramatica advogava pela abolição do Direito Penal e sua substituição por um Direito de
Defesa Social, voltado para adaptar o indivíduo à ordem social e não à sanção de seus
atos32. Para tanto, a extinção do Direito Penal demanda mudanças nas concepções de
crime, responsabilidade e pena.
Ancel ainda defende uma política criminal humanista quanto ao delinquente, definida como
uma “proteção social contra o crime”, isto é, as alternativas para prevenção e repressão do
delito também seriam incumbência de outras searas além do Direito Penal, especialmente
com adoção de métodos extrapenais para a ressocialização do criminoso. Há, portanto,
interesse na luta contra a criminalidade, com adoção de instrumentos preventivos (pré-
delito) e de ressocialização (pós-delito) de diferentes áreas do conhecimento humano. A
utilização destes meios tem escopo de proteger toda sociedade e evitar que outros
indivíduos da coletividade cometam crimes.
Sobretudo, as marcas maiores desta Escola foram sua constante crítica ao sistema vigente;
o uso de todas as ciências humanas para estudo pluridisciplinar do fenômeno criminoso e; a
proteção da dignidade da pessoa humana e afastamento do sistema puramente punitivo-
repressivo clássico.
29
Aula 01 | Evolução das Ideias Penais
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA d) Antropológica
30
Verificação de Leitura
a) Reparadora
b) Moralista
c) Correcionalista
d) Espiritualista
e) Contratualista
Referências
ASÚA, Luiz Jiménez. Tratado de Derecho Penal. 3. ed. Buenos Aires: Losada, 1964.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin
Claret, 2006.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. v. 1, 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
CARRARA, Francesco. Programa do curso de Direito Criminal (parte geral). Tradução de José Luis
V. de A. Franceschini e J.R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1956.
31
Referências
DOTTI, Rene Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2012.
FERRI, Henrique. Princípios de Direito Criminal: o criminoso e o crime. Tradução de Luiz de Lemos
d’Oliveira. São Paulo: Saraiva, 1931.
FEUERBACH, Paul Johann Anselm Von. Tratado de Derecho Penal. 14. ed. Tradução de Eugenio
Raul Zaffaroni e Irma Hagemier. Buenos Aires: Editorial Hamurabi, 1989.
GAROFALO, Rafael. Criminologia. Tradução de Julio de Mattos. Lisboa: Livraria Clássica Editora de
A.M Teixeira & C. (Filhos), 1925.
GOMES, Luiz Flávio. Beccaria (250 anos) e o drama do castigo penal: civilização ou barbárie? Coleção
Saberes Críticos. Coordenação de Alice Bianchini, Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Saraiva, 2014.
LISZT, Franz Von. Tratado de Direito Penal Alemão. Tomo 1. Tradução de José Hygino Duarte
Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet & C. Editores, 1899.
LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. Tradução de Sebastião José Roque. São Paulo:
Ícone, 2007.
MONTERO, Dorado. Bases para un nuevo derecho penal. 9. ed. Buenos Aires: Ediciones
Depalmia, 1973.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro. vol. 1, 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2006.
ROCCO, Arturo. El problema y el método de la ciencia del derecho penal. Bogotá: Editorial Têmis
S.A., 1999.
32
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa D.
Questão 2
Resposta: Alternativa A.
Resolução: Com ênfase nas lições de Jean Jacques Rousseau, apresentadas no livro “O
Contrato Social”, o contratualismo refutava a tese de que o poder político derivava de
intervenção divina, mas aparecia como uma necessidade para a convivência harmônica da
coletividade humana.
Questão 3
Resposta: Alternativa C.
Resolução: A obra “Dos Delitos e das Penas” de Cesare Beccaria, publicada durante o
século XVIII foi o primeiro trabalho a explorar o sistema punitivo vigente sob a perspectiva
das ideias iluministas. Sem dúvida, as ideias propostas representaram a maior crítica ao
sistema criminal da época, em notória reprovação a irracionalidade selvagem existente e
marcaram o início de um Direito Penal de cunho liberal, com ênfase na proteção do
indivíduo frente ao aparato sancionador do Estado.
33
Gabarito
Questão 4
Resposta: Alternativa B.
Resolução: Via de regra, a doutrina considera que a Escola Positiva apresentou três fases
distintas, tendo cada uma seu expoente: (a) Fase antropológica de Cesare Lombroso; (b)
Fase sociológica de Enrico Ferri e; (c) Fase jurídica de Rafael Garofalo.
Questão 5
Resposta: Alternativa C.
34
TEMA 02
Princípios Constitucionais Penais
36
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
37
Aula 02
Princípios Constitucionais Penais
Objetivos
Nesta aula, você terá acesso aos detalhes relacionados ao princípio da legalidade, o
princípio da humanidade, o princípio da culpabilidade, da lesividade/ofensividade, da
intervenção mínima/fragmentariedade e por fim do tão debatido princípio da
proporcionalidade. Com a leitura deste, você saberá os pontos relacionados aos princípios
informadores do Direito Penal em harmonia com a Constituição Federal de 1988.
1. Princípio da Legalidade
1 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: questões fundamentais. A doutrina geral do crime. Tomo
I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 177.
2 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 65.
38
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
Encontrando já alguma expressão na Magna Charta Libertatum de João Sem Terra (1215) e
também no Bill of Rights (1689), o princípio da legalidade teve a sua verdadeira consagração, em
tempos modernos, na Constituição dos Estados da Virgínia e de Maryland em 1776, encontrando a
sua expressão definitiva na Déclaration des droits de l’homme et du citoyen francesa de 1787,
sendo então replicado para inúmeros instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos
(Declaração Universal dos Direitos do Homem, Convenção Europeia de Direitos Humanos,
Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos,
inúmeras Constituições de países democráticos etc).3
3 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: questões fundamentais. A doutrina geral do crime. Tomo
I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 177-178.
4 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 68.
39
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
criminis), seja por qualquer outro modo, ainda que na existência de sentença condenatória
transitada em julgado (art. 2º, CP).5
Constituem exceção à retroatividade da lei mais favorável (lex mellior) as chamadas leis
excepcionais e leis temporárias (art. 3º, CP). A razão que justifica a não aplicação da lei
mais favorável a esses casos é a de que a modificação legal operou-se em função não de
uma alteração de concepção legislativa, mas unicamente em decorrência de circunstâncias
fáticas que serviram de base à lei. Não existiriam, nesse sentido, expectativas merecedoras
de tutela, ao passo que razões de prevenção geral positiva sustentariam essas exceções6.
Afirma-se que o Tribunal de Nuremberg teria violado o princípio da legalidade, a rigor no que
tange à irretroatividade da lei penal. No Brasil, Nilo Batista refere que o caso mais escandaloso
teria sido a imposição, por decreto, da pena de banimento aos presos cuja liberdade era
reclamada como resgate de diplomatas sequestrados por organizações políticas clandestinas,
fato ocorrido no período dos governos militares.7 Cristalino, nesse rumoroso caso, a imposição
de penas sem lei prévia. Esfumaçara-se, nesse episódio, o princípio da legalidade.
5 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 68-69.
6 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: questões fundamentais. A doutrina geral do crime. Tomo
I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 177.
7 BATISTA, 2001, p. 68-69.
8 BATISTA, 2001, p. 70.
9 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 25.
40
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
1.3 Proibição da Analogia (“nullum crimen nulla poena sine lege stricta”)
Como delito deve ser considerada toda ação ou omissão socialmente perigosa,
que ameaça os princípios básicos da Constituição soviética e a ordem jurídica
criada pelo governo dos operários e camponeses, para o período de transição
ao Estado comunista.
41
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
14 DOTTI, René Ariel. Princípios fundamentais do direito penal brasileiro. 2005, p. 5. Disponível em: <http://www.
egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/11966-11966-1-PB.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2015.
15 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 74-76.
42
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
Outro exemplo que ilustra o recurso à analogia foi a punição do apoderamento ilícito de
aeronaves (então fato atípico) a título de sequestro, pelos tribunais, durante a ditadura militar.
Tema ainda controvertido, mas que vem obtendo reconhecimento nos tribunais é a questão da
admissão de pessoas jurídicas na posição de sujeito passivo dos crimes de calúnia e
difamação. Para Nilo Batista, a extensão do elemento do tipo “alguém” (caracterizador de
pessoa humana) para as pessoas jurídicas representa o emprego de analogia 16.
16 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 76.
17 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 29.
18 BATISTA, 2011, p. 77-78.
43
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
2. Princípio da Humanidade
Em sua clássica obra “Dei Delitti e delle Pene”, Cesare Beccaria já havia consignado que
“Non vi è libertà ogni qual volta le leggi permettono che in alcuni eventi l’uomo cessi di esser
persona e diventi cosa”21. O princípio da humanidade confere ao homem a qualidade de
pessoa, condição inata a todos os seres humanos, independentemente de qualquer
vinculação política ou jurídica. O reconhecimento do valor do homem enquanto o homem
faz surgir um núcleo duro de direitos e prerrogativas fundamentais, aos quais o Estado fica
subordinado, servindo de barreira ao exercício do poder oficial.
19 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Sistemas penales y derechos humanos en America Latina (informe final). Buenos
Aires: Depalma, 1986, p. 17 e ss.
20 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito Editorial,
2010, p. 30
21 Em livre tradução: “Não há liberdade sempre que a lei permitir que, em determinadas circunstâncias, o homem
cesse de ser pessoa para tornar-se coisa”. BECCARIA, Cesare. Dei delitti e delle pene. Milano/Mursia: Cura di Renato
Fabietti, 1973, p. 53. Disponível em: <http://www.letteraturaitaliana.net/pdf/Volume_7/t157.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2015.
44
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
toda a lei violadora da dignidade da pessoa humana não resistiria ao mínimo exame de
constitucionalidade22.
3. Princípio da Culpabilidade
O princípio da culpabilidade pode ser lido, em primeiro lugar, como uma resposta à
responsabilidade objetiva (fundada em uma mera associação causal entre a conduta e o
resultado de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico), na medida em que impõe a
subjetividade à responsabilidade penal.
45
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
O instituto da coculpabilidade pode operar, no direito penal brasileiro, tanto como causa
supralegal de atenuação de pena quanto como causa supralegal de exculpação
(inexigibilidade de conduta diversa)26.
Voltando ao princípio da culpabilidade, expresso na fórmula “nulla poena sine culpa”, fica
claro que este expressa a proibição de punir pessoas sem os requisitos do juízo de
reprovação. Assim, de acordo com o estágio atual da teoria da culpabilidade, as seguintes
circunstâncias excluiriam o juízo de reprovação:
2. Pessoas imputáveis que, realmente, não sabem o que fazem porque estão em
situação de erro de proibição inevitável.
46
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
47
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
Condutas puramente internas (seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente), per si,
são incapazes de legitimar a intervenção penal se ausente a efetiva ofensividade/lesividade
a determinado bem jurídico.
Nilo Batista advoga quatro funções principais ao princípio da lesividade, quais sejam: (a) proibir
a incriminação de atitudes interna: consistentes em desejos, aspirações, sentimentos etc.;
(b) proibir a incriminação de conduta que não exceda o âmbito do próprio autor: verificáveis
nos atos preparatórios ou simples conluio entre pessoas para cometer crime, quando não
iniciada a execução, e ainda nas situações em que há autolesão. A conduta do usuário de
drogas ilícitas seria um exemplo de autolesão, sob esse prisma, que não deveria ser objeto
de incriminação; (c) proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais:
implica dizer que o homem responde pelo que faz, não pelo o que ele é; (d) proibir a
incriminação de condutas desviadas (desaprovadas socialmente) que não afetem qualquer
bem jurídico: eis a função primordial do princípio da ofensividade/lesividade, relacionada à
efetiva ofensa (dano ou perigo) a determinado bem jurídico32.
É possível inferir que o princípio da ofensividade (ou lesividade), tendo por objeto o bem
jurídico determinante da criminalização, opera em uma dupla dimensão. Isto é, sob um viés
qualitativo, em que tem por objeto a natureza do bem jurídico lesionado; e sob um viés
quantitativo, no qual é apurada a extensão da ofensa ao bem jurídico33.
A partir do ponto de vista qualitativo, afirma-se que o princípio da lesividade impede a
criminalização primária ou secundária que exclui ou reduz as liberdades constitucionais
garantidas pela Constituição Federal sem qualquer restrição. No que trata do viés
qualitativo, o princípio da lesividade atuaria no sentido de excluir a criminalização primária
ou secundária de lesões irrelevantes a bens jurídicos34.
É de se destacar que o princípio da ofensividade dirige-se não apenas ao legislador, mas
fundamentalmente ao intérprete, o qual, com a detida análise do caso concreto, poderá
verificar a presença/ausência de efetiva lesividade ao bem jurídico protegido pela norma.
32 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 91 e ss.
33 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito Editorial,
2010, p. 26.
34 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito Editorial,
2010, p. 26.
48
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
35 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 85.
36 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 9. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2010, p. 148.
37 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 54.
38 BITENCOURT, 2014, p. 55.
49
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
6. Princípio da Proporcionalidade
39 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito Editorial,
2010, p. 28-29.
40 SANTOS, 2010, p. 27.
50
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
proteger um bem jurídico?” Caso vencida a segunda pergunta, caberia ainda a derradeira
pergunta: “c) a pena criminal e/ou aplicada (considerada meio adequado e necessário, ao
nível da realidade) é proporcional em relação à natureza e extensão da lesão abstrata e/ou
concreta do bem jurídico?”41
Dito de outro modo, o princípio da proporcionalidade visa a garantir “um equilíbrio abstrato
(legislador) e concreto (judicial) entre a gravidade do injusto penal e a aplicação da pena”.
Não se deve confundir o princípio da proporcionalidade com a razoabilidade, embora ambos
tenham similitudes e estejam ligados a um outro em inúmeras oportunidades. Enquanto
reputa-se a origem germânica à proporcionalidade, a razoabilidade seria fruto de
construção jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana. De acordo com a concepção
norte-americana, “razoável é aquilo que tem aptidão para atingir os objetivos a que se
propõe, sem, contudo, representar excesso algum”42.
Para melhor explicitar a diferença, vejamos um exemplo da antiguidade. Enquanto a Lei de Talião
expressava, a sua maneira, um exemplo concreto de princípio da proporcionalidade (com o
famigerado olho por olho, dente por dente), o princípio da razoabilidade, na conformação disposta
acima, teria o condão de afastar a invocação do princípio da proporcionalidade, justamente por
representar um desmedido excesso (ou não razoável) na intervenção estatal 43.
51
Aula 02 | Princípios Constitucionais Penais
Cabe aos estudiosos do direito penal, com base na silenciosa e por vezes solitária
ponderação, persistir na busca por respostas aos problemas penais, tendo o vivaz
conhecimento de que seu papel social “não é o de querer transformar o mundo, mas, antes,
o de o querer tornar humanamente vivível”.44
44 COSTA, José de Faria. O fim da vida e o direito penal. In: Linhas de direito penal e de filosofia: alguns cruzamentos
reflexivos. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 153.
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA a) Equiparação
a) Legalidade
A aplicação de uma regra jurídica a um caso
concreto não regulado pela lei por meio de b) Lealdade
um argumento de semelhança substancial c) Razoabilidade
com os casos estabelecidos caracteriza a:
d) Humanidade
e) Realidade.
52
Verificação de Leitura
a) Ofensividade
b) Razoabilidade
c) Boa-fé
d) Contraditório
e) Poder de Polícia
a) Lesividade
b) Laicidade
c) Intervenção mínima
d) Aplicabilidade
e) Proporcionalidade
53
Referências
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed.
São Paulo: Malheiros, 2005.
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
BECCARIA, Cesare. Dei delitti e delle pene. Milano/Mursia: Cura di Renato Fabietti, 1973. Disponível
em: <http://www.letteraturaitaliana.net/pdf/Volume_7/t157.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2015.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. rev., ampl. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2014.
COSTA, José de Faria. O fim da vida e o direito penal. In: Linhas de direito penal e de filosofia:
alguns cruzamentos reflexivos. Coimbra: Coimbra Editora, 2005.
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: questões fundamentais. a doutrina geral do
crime. Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
DOTTI, René Ariel. Princípios fundamentais do direito penal brasileiro. 2005. Disponível em: <http://
www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/11966-11966-1-PB.pdf>. Acesso em 20 jan. 2015.
KAUFMANN, Arthur. Analogia y naturaleza de la cosa. Hacia una teoria de la comprension juridica.
Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1976.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 9. ed., rev., atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2010.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Sistemas penales y derechos humanos en America Latina (informe
final). Buenos Aires: Depalma, 1986.
54
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa E.
Questão 2
Resposta: Alternativa B.
Resolução: A analogia está presente sempre que é atribuído a um caso que não dispõe de
regulamentação legal a regra prevista para um caso semelhante.
Questão 3
Resposta: Alternativa D.
Questão 4
Resposta: Alternativa A.
55
Gabarito
Questão 5
Resposta: Alternativa C.
Resolução: Nunca é demais lembrar que a sanção de natureza penal é a que impõe as
restrições mais gravosas aos direitos fundamentais. Por essa razão, deve a intervenção
penal ficar restrita a situações-limite, em que a sua aplicação se mostra totalmente
necessária para a manutenção da sociedade, neste sentido, se circunscreve o princípio da
intervenção mínima, essencial no Estado democrático de direito onde a liberdade é a regra.
56
57
TEMA 03
Teoria do Tipo Penal
58
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
59
Aula 03
Teoria do Tipo Penal
Objetivos
Caro aluno, neste texto você terá acesso as vicissitudes da teoria do fato punível, passando
pela evolução histórica da doutrina geral do fato punível, a concepção clássica, a concepção
neoclássica, a concepção finalista e por último o funcionalismo penal. Com relação a teoria do
tipo, você estudará o tipo, a tipicidade e as funções do tipo penal e detalhes a respeito do tipo
incriminador no fato punível. Seja bem vindo a esta excursão pela dogmática penal.
1 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 4. ed. Tradução de José Luis
Manzanares Samaniego. Granada: Comares, 1993, p. 175.
2 A expressão fato punível, sob o prisma de uma concepção liberal, somente pode ser apreendida enquanto
sinônimo de ofensa a bens jurídicos. Conferir DOLCINI, Emilio; MARINUCCI, Giorgio. Constituição e escolha dos bens
jurídicos. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, v. 4, n. 2. p. 152, abr./jun. 1994.
3 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito Editorial,
2010, p. 71-72.
60
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
A dogmática penal contemporânea não trabalha com um modelo analítico estanque. Pelo
contrário, desde o século XIX, a doutrina penalística vem desenvolvendo distintos modelos
analíticos de crime, de modo que é possível falar, nos dias atuais, nos modelos bipartite,
tripartite e, até mesmo, no modelo quadripartite. Para bem situar o leitor, discorreremos
sobre a evolução histórica da doutrina geral do fato punível, de acordo com as concepções
que permearam a história recente do direito penal, a saber: concepção clássica,
neoclássica e finalista.
4 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 4. ed. Tradução de José Luis
Manzanares Samaniego. Granada: Comares, 1993, p. 175.
5 BELING, ErnstLudwig von. Die Lehre vom Verbrechen. Tübingen: J. C. B. Mohr (Paul Siebck), 1906, p. 74
apud MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Corso de diritto penale. Le norme penali: Fonti e limiti di aplicabilità. Il
reato: nozione, struttura e sistematica. 3. ed. Milano: Giuffrè Editore, 2001. p. 617.
6 SCHWINGE, Erich; ZIMMERL, Leopols. Wesensschau und konkretes Ordnungsdenken im Strafrecht, Bonn:
Ludwig Röhrscheid, 1937. p. 33.Apud MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Corso de diritto penale. Le norme penali:
Fonti e limiti di aplicabilità. Il reato: nozione, struttura e sistematica. 3. ed. Milano: Giuffrè Editore, 2001, p. 617.
7 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Corso de diritto penale. Le norme penali: Fonti e limiti di aplicabilità. Il
reato: nozione, struttura e sistematica. 3. ed. Milano: Giuffrè Editore, 2001, p. 617.
61
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
A autonomia do conceito de tipo adveio com a obra Die Lehre vom Verbrechen de Beling,
quando então foi erigida como uma categoria desprovida de conteúdo, neutra, com função
de mera descrição formal da conduta criminosa9. Havia uma clara distinção entre a
tipicidade e a antijuridicidade, de modo que a simples correspondência de conduta ao tipo
legal já bastava para tornar a conduta típica10. O tipo cumpria um papel de indiciador da
antijuridicidade (ratio cognoscendi).
8 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 4ª ed. Trad. José Luis Manzanares
Samaniego. Granada: Comares, 1993. p. 182.
9 Ver BELING, ErnstLudwig von. El rector de los tipos de delito (Die Lehre vom Tatbestand). Trad. L. Prieto
Castro e J. Aguirre Cárdenas. Madrid: Editorial Reus, 1936. p. 14 e ss.
10 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2014. p. 340.
11 ROXIN. Claus. Derecho penal: parte general: fundamentos: la estrutura de la teoria do delito. Tomo I. Trad.
Diego-Manuel Luzón Peña; Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 2006. p. 200.
12 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 4ª ed. Trad. José Luis Manzanares
Samaniego. Granada: Comares, 1993. p. 183.
62
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
Explica-se: conforme Beling, “para a comprovação de que uma ação tenha ocorrido,
bastava a certeza de que o autor agiu voluntariamente ou permaneceu sem agir. O que o
agente pretendia é, aqui, indiferente.” O conteúdo da vontade só tinha significado, só
importava, quando da análise da culpabilidade.15
De acordo com essa divisão, o tipo restou desprovido de qualquer dimensão valorativa.
Consistia apenas numa descrição puramente externa de realização da ação. A valoração
jurídica do fato somente tinha efeito no plano da antijuridicidade. Como exemplo,
Jescheck16 afirma que se um soldado matasse uma pessoa em uma situação de guerra, a
justificativa da ação somente se daria na análise da antijuridicidade. O evento, na
perspectiva clássica, seria um fato tipicamente justificado e não fato atípico. A presença da
tipicidade era indiciária da ilicitude/antijuridicidade (ratio cognoscendi)17.
13 A ação em Liszt recebe a seguinte configuração: “Ação é, pois, o fato que repousa sobre a vontade humana, a
mudança do mundo exterior referível à vontade do homem. Sem ato de vontade não há ação, não há injusto, não há
crime: cogitationis poenam nemo patitur. Mas também não há ação, não há injusto, não há crime sem uma mudança
operada no mundo exterior, sem um resultado”. (LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Tomo I. Traduzido
e comentado por José Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet e C., 1899. p. 193.)
14 JESCHECK, op. cit., p. 182.
15 BELING, Ernst. Grundzüge des Strafrechts, Tübingen, J. C. B. Mohr, 8.ed, 1925, p. 20 e ss. Apud AMBOS, Kai.
Da “teoria do delito” de Beling ao conceito de delito no direito penal internacional. In: RIBEIRO, Bruno de Morais
(Coord.). Direito penal na atualidade: escritos em homenagem ao Professor Jair Leonardo Lopes. Alberto Silva
FRANCO, Daniela de Freitas MARQUES. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 122.
16 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 4ª ed. Trad. José Luis Manzanares
Samaniego. Granada: Comares, 1993, p. 182.
17 Ibid., p. 182.
63
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
causa de justificação, a ação típica seria, então, lícita e permitida pelo direito. Eis a vertente
objetiva do fato punível (crime): tipicidade e antijuridicidade18.
Por sua vez, a vertente subjetiva do fato punível vinha concentrada na categoria da
culpabilidade. A ação típica e ilícita seria também culpável sempre que possível comprovar
a relação entre os processos espirituais e psicológicos que se desenvolviam no interior do
agente imputável e o fato delituoso. Daí a razão pela qual a categoria da culpabilidade
tenha ficado marcada na concepção clássica pelo seu aspecto psicológico. Poderia recair
sobre o agente a imputação a título de dolo (quando presente o conhecimento e a vontade
de realizar o fato) ou a título de negligência19. O dolo e a imprudência eram compreendidos
como formas ou classes de culpabilidade20.
18 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do crime.
Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 240.
19 Ver DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do
crime. Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 240.
20 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 4ª ed. Trad. José Luis Manzanares
Samaniego. Granada: Comares, 1993, p. 183.
21 DIAS, op. cit., p. 241.
22 Ibid., p. 241.
64
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
A reforma começou pelo conceito de ação, o qual, em sua acepção clássica, encontrava
dificuldades de sustentação, dada a primazia alcançada pelos valores na nova sistemática
penal. Desse modo, os exageros naturalistas foram, de certo modo, substituídos pela ideia
de relevância social, em que pese a ação tenha continuado a ser concebida como um
23 Ibid., p. 241.
24 JESCHECK, Hans-Heinrich.Tratado de derecho penal. Parte general. 4ª ed. Trad. José Luis Manzanares
Samaniego. Granada: Comares, 1993. p. 184.
25 ROXIN. Claus. Derecho penal: parte general: fundamentos: la estrutura de la teoria do delito. Tomo I. Trad.
Diego-Manuel Luzón Peña; Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 2006. p. 200.
26 MUÑOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger e o direito penal de seu tempo: estudos sobre o direito penal no
nacional-socialismo. 4. ed. Trad. Paulo César Busato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 2.
65
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
Essa segunda fase da teoria do tipo teve forte influência do Der Allgemeiner Teil des
deutschen Strafrechts, de Max Ernst Mayer, momento no qual a construção do tipo
absorveu elementos normativos (como coisa alheia nos crimes contra o patrimônio;
documento, nos crimes de falsidade etc.). Indicativo do início de uma subjetivação na
construção do tipo, com elementos que implicavam necessariamente em juízos de valor.
Era a derrocada do conceito de tipo meramente descritivo de Beling31.
O Tratado de Edmund Mezger, em 1931, inaugurou uma nova conformação da teoria do tipo.
Com a difusão de um modelo bipartido de delito, Mezger passou a sustentar que a tipicidade
era muito mais do que um indiciador da antijuridicidade (ratio cognoscendi), senão o próprio
fundamento desta (ratio essendi)32. Daí o porquê de os modelos de estruturação bipartite
27 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do crime.
Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 242.
28 JESCHECK, op. cit., p. 186. Ilustrando a nova conformação da tipicidade, Jescheck nos traz o seguinte
exemplo: “Na faculdade de Direito, se um estudante toma pela tarde um livro para devolvê-lo no dia seguinte, depois de
usá-lo, falta o ânimo de apropriação e com ele o tipo de furto. A admissão de um conceito de furto puramente objetivo e
que prescinda do ânimo de lucro é absurda, porque somente realiza o injusto típico de furto quem persegue a lesão do
patrimônio alheio, e não quem unicamente planeia uma privação temporal da possessão. Por isso, o ânimo de
expropriação pertence ao tipo de furto e não tão somente à culpabilidade.”
29 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do
crime. Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 243.
30 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 135.
31 Ibid., p. 135-136.
32 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 342.
66
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
33 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 4ª ed. Trad. José Luis Manzanares
Samaniego. Granada: Comares, 1993. p. 186.
34 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. A doutrina geral do
crime. Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 243.
35 Ibid., p. 244.
67
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
Houve no finalismo a manutenção do conceito de ação como eixo central da teoria do fato
punível, de modo que uma das principais inovações trazidas pelo finalismo foi o acréscimo
do conceito de finalidade à ação. O indivíduo, com a ajuda de seu saber causal prévio,
poderia dominar os acontecimentos e dirigir o seu atuar conforme um plano para alcançar a
sua meta38. Assim, a ação humana nada mais é do que uma supradeterminação final de um
processo causal39.
Uma primeira consequência dessa nova conformação da ação foi a de que o dolo deixou de
figurar como elemento da culpabilidade e passou a conformar um elemento essencial da
tipicidade. O tipo, a partir do finalismo, passou a ser constituído por uma vertente objetiva e
por uma vertente subjetiva40.
A vertente objetiva do tipo (tipo objetivo) compreende a manifestação exterior da vontade (a
própria ação delituosa) e todas as características que o legislador reputou fundamentais à
identificação do delito (o objeto de tutela – a vida, por exemplo; circunstâncias relativas à
autoria; à vítima; ao tempo, lugar, meio e modo de execução da ação; ao resultado, se houver
36 Ibid., p. 244. A esse respeito, importante referir que parte da doutrina refuta a ligação entre o neokantismo e o
direito penal nazista. Na verdade, o direito penal do nacional-socialismo teria sido chancelado por construções
procedidas pela Escola de Kiel, que tinha em Georg Dahm e Friedrich Schaffstein seus fundadores.
37 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 4ª ed. Trad. José Luis Manzanares
Samaniego. Granada: Comares, 1993, p. 190.
38 WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina finalista da ação. Trad. Luiz Regis
Prado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 27.
39 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do crime.
Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 245.
40 Ibid., p. 245.
68
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
etc.). A vertente subjetiva do tipo (tipo subjetivo) é composta pelo dolo, enquanto elemento
subjetivo geral, e de outros elementos subjetivos especiais existentes em determinados
crimes (intenções, tendências, percepções)41.
Nos delitos negligentes, como não há vontade de realização, o tipo é composto pela ação
contrária às normas de cuidado, estabelecidas no âmbito da verificação concreta do
resultado advindo da conduta proibida42. A estruturação dos delitos negligentes
corresponde à: (i) violação de um dever objetivo de cuidado; (ii) resultado; (iii) nexo causal,
e; (iiii) previsibilidade e evitabilidade.
41 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 137-138.
42 Ibid., p. 137-138.
43 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 140-141.
44 WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina finalista da ação. Trad. Luiz Regis
Prado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 74.
45 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do
crime. Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 246.
69
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
reprovabilidade pessoal por ter obrado em desconformidade com o direito nas situações em
que tinha plenas condições de um atuar conforme46.
Destaca-se, de todo modo, o acerto da concepção finalista quando adianta que todo o ilícito
é ilícito pessoal, dele fazendo parte o dolo (representação e vontade de realização de um
fato) e a negligência (violação do cuidado objetivamente imposto)50.
70
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
De todo o exposto, fica claro que o caminho correto só pode ser deixar as
decisões valorativas político-criminais introduzirem-se no sistema penal (...).
Submissão ao direito e adequação a fins político-criminais (Kriminalpolitische
Zweckmäßigkeit) não podem contradizer-se, mas devem ser unidas numa
síntese, da mesma forma que o Estado de Direito e Estado Social não são
opostos inconciliáveis (...).54
No que tange à estruturação analítica do crime, as categorias do fato punível passam a ser:
ação, tipo (Tatbestand), injusto (Unrecht) e responsabilidade (Verantwortlichkeit). Há
importantes modificações no conteúdo de cada categoria, de modo que cada uma terá na
sua função político-criminal a sua pedra de toque, é dizer, será “observada, desenvolvida e
sistematizada sob o ângulo de sua função político-criminal”55.
51 Um primeiro esboço do desenvolvimento da teoria funcionalista foi oferecido por Roxin na obra Kriminalpolitik
und Strafrechtssystem, em 1970. Esses escritos precederam o posterior desenvolvimento que seria desencadeado por
Schünemann em 1984, com a obra “El sistema moderno del DP”. (ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general:
fundamentos: la estrutura de la teoria do delito. Tomo I. Trad. e notas de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y
García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas Ediciones, 1997. p. 203. Nota nº 30.)
52 Houve no finalismo penal, enquanto sistematização que visava a superar a concepção neoclássica de delito, o
resgate do conceito de ação como eixo central da teoria do delito. Mas a principal inovação trazida pelo finalismo foi o
acréscimo do conceito de finalidade à ação. O indivíduo, com a ajuda de seu saber causal prévio, pode dominar os
acontecimentos e dirigir o seu atuar conforme um plano para alcançar a sua meta. (WELZEL, Hans. O novo sistema
jurídico-penal: uma introdução à doutrina finalista da ação. Trad. Luiz Regis Prado. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2001. p. 27.) No finalismo, o dolo deixou de ser normativo e integrante da culpabilidade para juntar-se ao
tipo. Houve então o incremento do elemento subjetivo dolo à tipicidade, o que, sob certo aspecto, contribuiu para que o
dolo se confundisse com a “ação finalisticamente orientada a determinado fim”.
53 ROXIN. Claus. Derecho penal: parte general: fundamentos: la estrutura de la teoria do delito. Tomo I. Trad.
Diego-Manuel Luzón Peña; Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 2006. p. 203.
54 Id. Política criminal e sistema jurídico-penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro; São Paulo: Renovar, 2000. p. 20.
55 Ibid., p. 29.
71
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
O tipo penal segue dividido em tipo objetivo (considerações afetas ao sujeito ativo, a descrição
típica, resultado – se houver etc.) e tipo subjetivo (dolo e outros elementos subjetivos
56 Id. Derecho penal: parte general: fundamentos: la estrutura de la teoria do delito. Tomo I. Trad. Diego-Manuel
Luzón Peña; Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 2006. p. 218.
57 Ibid., p. 252.
58 Ao longo do trabalho, adotamos o qualificativo negligente e crimes negligentes quando estivermos a falar sobre
ações e crimes usualmente determinados pela doutrina pátria como culposos. Seguimos a terminologia adotada por
TAVARES, Juarez. Direito penal da negligência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 128.
59 ROXIN. Claus. Derecho penal: parte general: fundamentos: la estrutura de la teoria do delito. Tomo I. Trad.
Diego-Manuel Luzón Peña; Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 2006. p. 255.
60 Ibid., p. 218. No tipo teleológico-funcional de Roxin, a ação passa a ser valorada a partir da necessidade
abstrata de pena, ou seja, deixa de ser objeto de análise a pessoa do sujeito e a concreta situação da atuação. O fim
político-criminal da cominação legal abstrata é preventivo-geral, o que significa dizer quando se acolhe determinada
conduta a um tipo isso ocorre porque se pretende motivar o indivíduo a se abster de realizar a conduta descrita (ou, nos
casos dos delitos omissivos, se quer que o indivíduo realize a conduta ordenada).
61 Aliás, Winfried Hassemer (in: Die deutsche Strafrechtswissenschaft vor der Jahrtausende. Rückbesinnung und
Ausblick, org. por Eser/Hassemer/Burkhardt, 2000, p. 41.) denuncia a impenetrabilidade do discurso jurídico-científico
germânico na elaboração das leis penais, apudD’AVILA, Fabio Roberto. Os limites normativos da política criminal no
âmbito da “ciência conjunta do direito penal”. Algumas considerações críticas ao pensamento funcional de Claus Roxin.
Zeitschrift für Internationale Strafrechtsdogmatik, Gießen, v. 10, p. 486, 2008.
62 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: fundamentos: la estrutura de la teoria do delito. Tomo I. Trad. Diego-
Manuel Luzón Peña; Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 2006. p. 218-219.
72
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
Para o preenchimento integral do tipo é necessário verificar não apenas se foi produzido um
resultado (causação), mas se esse resultado pode ser atribuído pessoalmente a alguém64.
Por isso, a reconstrução analítica do tipo objetivo tem por objeto primeiro a determinação da
relação de causalidade entre a ação e o resultado (processos naturais de determinação
causal). No direito penal, a doutrina aplica o método da teoria da equivalência das
condições e, também, a teoria da adequação65. O segundo objeto da reconstrução analítica
do tipo objetivo consiste em definir o resultado como realização do risco criado pelo autor
(portanto, imputável a um autor como obra sua). A imputação do resultado é um “processo
valorativo de atribuição típica”, implicando a aplicação dos postulados da teoria da elevação
do risco de Claus Roxin66.
Dito de outro modo, após a verificação de que determinada conduta é idônea para a produção do
resultado (utiliza-se para isso a teoria da equivalência das condições e a teoria da causalidade
adequada), passa-se à análise da imputação objetiva do resultado, ou seja, o resultado só
63 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: fundamentos: la estrutura de la teoria do delito. Tomo I. Trad. e
notas de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas
Ediciones, 1997, p. 302 e ss.
64 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do crime.
Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 322.
65 A teoria da equivalência da condições é, no direito penal, o principal método de determinação das relações
causais. Dita teoria pode ser reduzida, conforme Juarez Cirino dos Santos, a dois conceitos centrais: “(a) todas as
condições determinantes de um resultado são necessárias – por isso, são equivalentes no processo causal; (b) causa é
a condição que não pode ser excluída hipoteticamente sem excluir o resultado.” Por essa teoria, a causa pode ser
traduzida como a conditio sine qua non do resultado, ou seja, condição sem a qual não existiria o resultado. (SANTOS,
Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010. p. 115 e ss.) A
teoria da adequação (ou teoria da causalidade adequada), enquanto critério complementar da teoria das condições
equivalentes, afirma que “a imputação penal não pode nunca ir além da capacidade geral do homem de dirigir e
dominar os processos causais”, isto é, somente as condições idôneas para produzir o resultado, segundo as máximas
de experiência, são passíveis de valoração jurídica da ilicitude. (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral:
tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do crime. Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.
328.) Ilustra-se com o seguinte exemplo: o sujeito A persuade o sujeito B a viajar de avião e o avião cai matando o
persuadido. Não constitui causa adequada para a morte da vítima a conduta do sujeito A, a menos que tivesse
conhecimento da existência de problema que levaria à queda do avião (sequestrador suicida, bomba, etc).
66 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 6. ed., rev., ampl. Curitiba: ICPC Cursos e
Edições, 2014, p. 116.
73
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
pode ser imputável à conduta do autor quando sua conduta “tenha criado (ou aumentado,
ou incrementado) um risco proibido para o bem jurídico protegido pelo tipo e esse risco
tenha se materializado no resultado típico”67. Caso não se verifique qualquer dessas
condições, a imputação deve ser excluída. A teoria da imputação ao tipo objetivo pertence,
como o próprio nome antecipa, ao tipo objetivo e foi a principal inovação do funcionalismo
penal à teoria do tipo68.
74
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
interesse político-criminal deixa de ter por objeto o fato, dirigindo-se diretamente ao autor, uma
vez que o questionamento passa a ser a respeito da “necessidade individual de pena”72.
Modelo bipartite. O crime é formado por duas categorias: o tipo de injusto (ou tipo de
ilícito) e a culpabilidade (ou tipo de culpa). É na categoria do tipo de injusto que a ação
típica concretamente produzida será avaliada conforme os critérios da autorização e da
proibição,73 o que implica dizer que as excludentes da ilicitude integram essa categoria. Daí
falar-se não de uma divisão categorial entre tipo penal e ilicitude, mas já de um ilícito-típico,
construção albergada no fato de que “o tipo é só uma emanação concretizada de uma
ilicitude que o precede e o fundamenta”, em que se assenta a paradigmática expressão de
Hardwig, segundo a qual “sem ilicitude não há tipo”74. Já o conceito de culpabilidade, tendo
adquirido já relativo consenso, está ligado à capacidade penal, a potencial consciência da
ilicitude e à exigibilidade de comportamento diverso75.
72 Id. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal.Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro; São Paulo: Renovar,
2002, p. 241-242.
73 ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal.Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro; São
Paulo: Renovar, 2002, p. 235.
74 DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal. 4. ed. Coimbra: Coimbra
Editora, 1995, p. 95.
75 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito Editorial,
2010, p. 73.
75
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
4. Teoria do Tipo
76 Ibid., p. 75.
77 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Corso de diritto penale. Le norme penali: Fonti e limiti di aplicabilità. Il
reato: nozione, struttura e sistematica. 3. ed. Milano: Giuffrè Editore, 2001, p. 653.
78 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 344-345.
76
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
1. Elementos do tipo. Cada tipo penal é possuidor de elementos próprios que o distingue
de outros. Os tipos penais podem ser compostos por elementos descritivos, normativos ou
subjetivos.
Os elementos descritivos são aqueles que são apreensíveis facilmente sem a exigência de
juízos de valor. São elementos que referem realidades materiais que fazem parte do mundo
exterior, podendo ser captadas de forma imediata, sem necessidade de valoração. São
ainda considerados elementos descritivos aqueles em que, embora exijam alguma atividade
valorativa, prepondera a dimensão naturalística79. São exemplos a pessoa (art. 135), casa
(art. 150), estrada de ferro (art. 260) etc.
79 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do
crime. Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 288.
80 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2014. p. 350-351.
81 Ibid., p. 346.
77
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
A tentativa é exemplo de adequação típica mediata por ampliação temporal, pois, por uma
ficção jurídica, imputa o agente ainda que não tenha ocorrido a consumação do delito, isto
é, não se perfectibilizou a completa subsunção da conduta ao tipo. A adequação típica
somente é possível com a complementação da norma relativa à tentativa (art, 14, inciso II,
do CP), que faz com que a tipicidade retroceda a um momento anterior à efetiva
consumação, tornando o sujeito imputável a título de tentativa.
3. Funções do tipo penal. Ao tipo penal são atribuídas inúmeras funções. Destacam-se a
função de garantia e a função indiciária.
82 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 346.
78
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
A função indiciária é admitida pelos autores que convalidam a ratio cognoscendi, o que leva
ao entendimento de que “a circunstância de uma ação ser típica indica que, provavelmente,
será também antijurídica”, de modo que tal presunção somente é afastada com a
concorrência de uma causa de justificação83.
A autoria de um crime recairá, como regra, sobre uma pessoa individual. Admite-se ainda, a
despeito da discussão doutrinária, a responsabilização penal da pessoa jurídica, no
ordenamento brasileiro prevista na lei nº 9.605/98. Com relação à autoria, é possível
distinguir crimes comuns e crimes específicos. Nos crimes comuns, qualquer pessoa pode
83 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 346-347.
84 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do crime.
Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 295.
79
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
ser o autor de um crime. Nos crimes específicos, a lei determina que certos crimes só
podem ser cometidos por pessoas detentoras de uma qualidade especial – o funcionário
público no crime de prevaricação (art. 319), o médico no crime de falsidade de atestado
médico (art. 302) etc.
Cabe destacar que nos crimes de resultado se suscitará o problema da imputação do resultado
à conduta do agente, importando a verificação não apenas da produção do resultado, como
também se ele pode ser imputado (atribuído) à ação. É nesse ponto que a teoria da imputação
objetiva, já explicitada nas páginas antecedentes, se somará à categoria da causalidade. Dita
teoria é hoje uma das mais discutidas questões da dogmática penal nos dias atuais 87.
No que se refere ao bem jurídico, cabe distingui-lo do objeto da ação. Seguindo os exemplos de
Jorge de Figueiredo Dias, se A furta um anel de B, objeto da ação é o anel, bem jurídico é o
patrimônio de B. Se C mata D, objeto da ação é o corpo de D, enquanto a vida é o bem jurídico
lesado. Distingue-se entre crime de dano e crime de perigo. Nos crimes de dano, a realização
do tipo tem como consequência uma efetiva lesão ao bem jurídico (homicídio,
85 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do crime.
Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 305.
86 Ibid., p. 306.
87 Ibid., p. 322-323.
80
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
dano, injúria). Nos crimes de perigo a lesão não vem pressuposta, bastando a mera
colocação do bem jurídico em perigo. Os crimes de perigo são divididos em crimes de
perigo concreto, quando o perigo vem descrito no tipo (exemplo do crime de maus tratos –
art. 136. “expor a perigo...”); e crimes de perigo abstrato, quando o perigo não vem descrito
no tipo, contendo uma presunção iuris et de iure pela lei (exemplo da embriaguez ao
volantes, posse de arma proibida etc).88
A vertente subjetiva do tipo (tipo subjetivo) é constituída pelo dolo – presente em todos os
crimes dolosos – e pelos elementos subjetivos especiais presentes em alguns tipos penais.
O dolo é conceituado, em uma formulação mais geral, em “conhecer e querer os elementos
do tipo”89. Possui um elemento cognitivo ou intelectual (que consiste no conhecimento das
circunstâncias do fato) e o elemento volitivo (que resume a vontade dirigida à realização do
fato). A partir daqui é possível dividir o dolo em dolo direto de primeiro e segundo grau e
dolo eventual.
Dolo direto de primeiro grau, nas palavras de Gimbernat Ordeig, é aquele no qual “o resultado é
o fim a que o agente se propôs”. O dolo direto de segundo grau é conceituado como aquele em
que “o resultado não é o fim da ação do sujeito: inclusive podendo dizer que não queria o
resultado; porém sabe que o resultado está necessariamente vinculado ao que perseguia de
maneira direta”90. Já ao dolo eventual concorrem inúmeras construções teóricas (teoria da
assunção do risco, teoria da probabilidade, teoria da aceitação/consentimento etc.).
88 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do crime.
Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 309.
89 GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Acerca del dolo eventual. Nuevo Pensamiento Penal, Revista Cuatrimestral
de Derecho e Ciencias Penales, Buenos Aires, a. 1. n. 3, p. 356, set/dez. 1972.
90 Ibid., p. 358-359.
91 Ibid., p. 360.
81
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
As normas da teoria da imputação objetiva têm validade aos crimes negligentes (exceto os
crimes negligentes de mera atividade), de modo que a violação de um dever de cuidado só
pode ser imputada a quem criou um risco não permitido que se concretizou no resultado
92 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do crime.
Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 379-381.
93 Ibid., p. 860-861.
94 Ibid., p. 864.
95 Ibid., p. 868.
82
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
96 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do crime.
Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 876.
97 Ibid., p. 322 e ss.
98 Ibid., p. 886-887.
99 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito Editorial,
2010, p. 183-184.
100 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito Editorial,
2010, p. 197-198.
83
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
O tipo subjetivo das duas espécies de omissão também é distinto. No delito de omissão de
ação própria haveria somente o dolo, enquanto no delito de omissão de ação imprópria seria
possível tanto o dolo quanto a negligência. Afirma-se que o dolo não precisa ser constituído de
conhecimento e vontade, mas tão somente de conhecimento do perigo para o bem jurídico
– deixar as coisas correrem – e da capacidade de agir (omissão de ação própria); e nos casos
de omissão de ação imprópria, do conhecimento do resultado e da posição de garante 102.
Quando em exame o ilícito penal, afirmam-se dois fatores sem os quais não há de se
reconhecer a existência de um ilícito-típico, quais sejam: (a) a existência de um bem jurídico
101 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina geral do crime.
Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 930.
102 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito Editorial,
2010, p. 206.
103 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. rev., ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 348.
104 Ibid., p. 348.
84
Aula 03 | Teoria do Tipo Penal
dotado de dignidade penal como objeto de proteção da norma, e (b) a efetiva ofensa, no
caso concreto, ao bem jurídico tutelado105.
O ilícito-típico deve ser entendido como uma “categoria dogmática materialmente informada
por um juízo de ilicitude centrado na ofensa a bens jurídicos”. O que é o mesmo que afirmar
a total insuficiência do mero preenchimento formal da tipicidade. É na necessidade do
atendimento dos requisitos substanciais da tipicidade que se desnuda a ofensividade como
condição de legitimidade do direito penal106.
Nesse sentido, a título ilustrativo, e também já como desfecho deste estudo, segue o
seguinte exemplo: para que realização de uma subtração de coisa alheia móvel atenda à
dimensão material do tipo penal de furto, por exemplo, não basta a mera verificação, em
concreto, da subtração de coisa alheia móvel por sujeito com capacidade de culpa. Há de
se verificar a existência de efetivo impacto no patrimônio da vítima. Não atenderia a esse
requisito, como regra, o furto de uma caneta ou uma borracha, por redundar em ofensa não
significativa ao patrimônio da vítima (princípio da insignificância). Numa situação hipotética
como essa explicitada – e outras em que não se vislumbra a ofensa (seja na forma de dano,
seja na forma de perigo) a bem jurídico penal – há necessariamente o afastamento da
própria tipicidade da conduta.
Ultimado este estudo, cumpre referir que este tratou tão somente de um excurso introdutório
dos contornos gerais da teoria do tipo penal, cuja complexidade supera em muito os limites
estritos destas páginas. Não obstante isso, é impositiva a consideração de que o estudo do tipo
de ilícito, do modo como procedido neste ensaio, tornou apreensíveis os principais aspectos
deste que é um dos pontos centrais da dogmática penal contemporânea e abre caminho para o
estudo mais detido das causas de justificação e da culpabilidade penal. Completando, por fim, a
tríade do fato punível: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade.
105 D’AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade e ilícito penal ambiental. In: Ofensividade em direito penal: escritos
sobre a teoria do crime como ofensa a bens jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 106.
106 D’AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade e crimes omissivos próprios. Contributo à compreensão do crime como
ofensa ao bem jurídico. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 41.
85
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA c) Antijurídico – Punível – Culpável
d) Jakobs
Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
e) Figueiredo Dias
De acordo com o modelo tripartite do delito,
crime é:
a) Fato Típico
b) Fato Punível
86
Referências
AMBOS, Kai. Da “teoria do delito” de Beling ao conceito de delito no direito penal internacional. In:
RIBEIRO, Bruno de Morais (Coord.). Direito penal na atualidade: escritos em homenagem ao
Professor Jair Leonardo Lopes. Alberto Silva FRANCO, Daniela de Freitas MARQUES. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010.
BELING, ErnstLudwig von. El rector de los tipos de delito (Die Lehre vom Tatbestand). Tradução de
L. Prieto Castro e J. Aguirre Cárdenas. Madrid: Editorial Reus, 1936.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. rev., ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2014.
D’AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade e ilícito penal ambiental. In: Ofensividade em direito penal:
escritos sobre a teoria do crime como ofensa a bens jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2009.
D’AVILA, Fabio Roberto. Os limites normativos da política criminal no âmbito da “ciência conjunta
do direito penal”. Algumas considerações críticas ao pensamento funcional de Claus Roxin.
Zeitschrift für Internationale Strafrechtsdogmatik, Gießen, v. 10, p. 485-495, 2008.
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral: tomo I: questões fundamentais. a doutrina
geral do crime. Tomo I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
DIAS, Jorge de Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em direito penal. 4. ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 1995.
DOLCINI, Emilio; MARINUCCI, Giorgio. Constituição e escolha dos bens jurídicos. Trad. José de
Faria Costa. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Porto Alegre, fasc. 2, ano 4, p. 151-198, abr./
jun. 1994.
GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Acerca del dolo eventual. Nuevo Pensamiento Penal, Revista
Cuatrimestral de Derecho e Ciencias Penales, Buenos Aires, a. 1. n. 3, p. 355-386, set/dez. 1972.
JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Parte general. 4. ed. Tradução de José Luis
Manzanares Samaniego. Granada: Comares, 1993.
LISZT, Franz von. Tratado de Direito Penal Alemão. Tomo I. Traduzido e comentado por José
Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet e C., 1899.
MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Corso de diritto penale. Le norme penali: Fonti e limiti di
aplicabilità. Il reato: nozione, struttura e sistematica. 3. ed. Milano: Giuffrè Editore, 2001.
MUÑOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger e o direito penal de seu tempo: estudos sobre o direito
penal no nacional-socialismo. 4. ed. Trad. Paulo César Busato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
87
Referências
ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: fundamentos: la estrutura de la teoria do delito. Tomo
I. Trad. Diego-Manuel Luzón Peña; Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal.
Madrid: Civitas, 2006.
ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: fundamentos: la estrutura de la teoria do delito. Tomo
I. Trad. e notas de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente
Remesal. Madrid: Civitas Ediciones, 1997.
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal.Trad. Luís Greco. Rio de
Janeiro; São Paulo: Renovar, 2002.
ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro; São
Paulo: Renovar, 2000.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 6. ed., rev., ampl. Curitiba: ICPC Cursos e
Edições, 2014.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte general. 4. ed., rev., ampl. Florianópolis: Conceito
Editorial, 2010.
TAVARES, Juarez. Direito penal da negligência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985.
TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina finalista da ação. Trad.
Luiz Regis Prado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa E.
88
Gabarito
Questão 2
Resposta: Alternativa B.
Resolução: A concepção finalista do fato punível, elaborada por Hans Welzel, visava
superar o pensamento abstrato e o relativismo valorativo que advinha do pensamento
neokantista e que não foi capaz de evitar o uso arbitrário e político do direito penal no
regime nacional-socialista e no fascismo.
Questão 3
Resposta: Alternativa D.
Questão 4
Resposta: Alternativa B.
Resolução: Segundo Claus Roxin, a teoria da imputação objetiva pertence, como o próprio nome
antecipa, ao tipo objetivo e foi a principal inovação do funcionalismo penal à teoria do tipo.
Questão 5
Resposta: Alternativa C.
Resolução: A partir de sua obra datada de 1970, Claus Roxin estrutura o fato punível de
acordo com sua teoria funcionalista moderada. Cabe destacar que existem outras vertentes
do funcionalismo, como a desenvolvida por Günther Jakobs – direito penal do inimigo –
denominada funcionalismo radical.
89
TEMA 04
Teoria da Imputação Objetiva
90
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
91
Aula 04
Teoria da Imputação Objetiva
Objetivos
Caro aluno, o presente estudo tem por objetivo expor a teoria da imputação objetiva.
Para isso percorre as teorias do nexo de causalidade elaboradas ao longo da história do
pensamento jurídico-penal e os principais problemas com os quais se depararam as
mesmas no intento de criar uma teoria capaz de compreender a forma adequada de se
imputar a alguém um resultado ilícito, desde a teoria da equivalência das condições, a
teoria da causalidade adequada, a teoria das condições conforme leis naturais até teoria da
imputação objetiva. Vamos em frente.
1. O Nexo de Causalidade
Ainda sobre a importância do nexo de causalidade no direito penal Faria Costa disserta que
a causalidade ocupa “[...] um lugar fundamental na dogmática penal, é o quid que assinala a
passagem da responsabilidade por fato alheio para a responsabilidade por fato próprio”1-2.
E por ocupar tal posição de relevo, naturalmente suscita diversas questões. Nesse sentido,
a teoria da imputação objetiva é um dos institutos jurídico-penais mais debatidos e que tem
1 COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta Iuris Poenalis). 3ª ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 2012, p. 223.
2 No mesmo sentido, MANTOVANI, Ferrando. Principididirittopenale. Padova: CEDAM, 2002, p. 61.
92
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
recebido o tratamento mais intenso das últimas quatro décadas3. Isso por vários fatores.
Dentre eles, a mudança paulatina da sociedade e, consequentemente, do direito penal pela
própria complexidade da “sociedade de risco” e das novas formas de delitos, como os
dogmaticamente situados no chamado “direito penal secundário”, como os delitos
informáticos, econômicos ou mesmo os delitos que atingem bens jurídicos supraindividuais,
em que o nexo de causalidade é de difícil demonstração e não se restringe ao âmbito
causal-natural, requerendo sempre uma análise normativa. No que tange às constantes e
inelutáveis mudanças do direito penal e seus institutos, Faria Costa disserta:
Todos sabemos que nada nem ninguém para o caudal do reio da história e que
o direito penal não é nem nunca foi margem desse rio, antes força vivificadora
da torrente da vida, colectiva e individual, que os homens e as mulheres, ao
longo de milênios, foram construindo e que, ao fim e ao cabo, coincide com a
própria história. Todos sabemos, para o dizermos com as palavras insuperáveis
de beleza, e profundas de Camões, que ‘mudam-se os tempos, mudam-se as
vontades / muda-se o ser, muda-se a confiança / todo o mundo é composto de
mudança / tomando sempre novas qualidades’. Desse turbilhão de mudança
não se pode escapar. Dele não escapa o direito penal4.
Desse turbilhão de mudanças, certamente que a teoria do nexo de causalidade não pode
escapar. Ainda, a problemática se insere nos problemas do direito penal frente às insuperáveis
críticas, no que tange às tentativas de averiguação da causalidade entre a conduta e o
resultado, calcadas nos paradigmas inspirados nas bases das ciências empírico-naturalistas e
na filosofia natural. O direito penal, historicamente, afastou-se do enfoque naturalista que
renuncia a conceitos axiológicos e ancora-se no terreno do empírico. Nesse ponto, a tendente
reorientação ao significado valorativo dos conceitos jurídico-penais que o neokantismo
apregoou entre as duas guerras mundiais permitiu o ressurgir da ideia da imputação na
literatura jurídico-penal e contribuiu na discussão sobre as limitações da causalidade baseada
em um terreno vinculado e elementos ontológicos prévios à valoração jurídica 5.
3 JAKOBS, Günter. La imputación objetiva en el Derecho penal. Trad. Manuel CancioMeliá. Buenos Aires: Ad-
Hoc, 1996, p. 9.
4 COSTA, José de Faria. Apontamentos para umas reflexões mínimas e tempestivas sobre o direito penal de hoje.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 81, pp. 36-47, nov./dez., 2019, p. 39.
5 Neste sentido, MIR PUIG, Santiago. Significado y alcance de la teoría de la imputación objetiva en derecho
penal. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. 2003, núm. 05-05, p. 2.
93
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
6 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción
de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p.
346-347.
94
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
Historicamente, considera-se que foi Julius Glasser aquele que elaborou a teoria da
equivalência das condições, e que posteriormente Maximilian v. Buri foi quem a redigiu em
seus traços definitivos7, por volta do século XIX. De forma geral, a teoria da equivalência
das condições tem base na concepção causal-natural e tem significação pré-jurídica,
própria da filosofia e das ciências naturais8. Nesse sentido, tal teoria utiliza-se de uma
fórmula hipotética para a análise da causalidade, para a qual
[...] debe considerarse causa toda condición de un resultado que no puede ser
suprimida mentalmente sin que desaparezca el Resultado concreto9; es decir,
que es válida como causa toda condicio sine qua non, o sea, toda condición
sin la cual no se habría producido el resultado.
Quanto à nomenclatura, a teoria utiliza-se do termo “condição” porque não busca uma
causa particularmente importante, senão as condições do resultado, e “equivalência”
porque se considera que todas as condições têm o mesmo valor,10 assim a teoria se
contrapõe às teorias individualizadoras que buscavam valorações diversas para as
condições ou mesmo diversos critérios normativos na análise do nexo causal11.
A partir da fórmula apresentada, tal teoria implica num juízo hipotético de eliminação,
segundo o qual se procede eliminando mentalmente a ação e indaga-se sobre a produção
do resultado da forma como ocorreu. Nessa perspectiva, a conduta será considerada causa
do resultado quando se puder afirmar que, sem ela, o resultado não teria ocorrido. Tal teoria
7 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 348-
349.
8 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 348.
9 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p.
348. No mesmo sentido, BAUMANN, Jurgen. Derecho penal. Conceptos fundamentales y sistema. Introducción a la
sistematica sobre la base de casos. Trad. Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Depalma, 1973, p. 119: “Según ella, es causal
para un resultado toda condición que no puede suprimirse sin que desaparezca el resultado.”
10 BAUMANN, Jurgen. Derecho penal. Conceptos fundamentales y sistema. Introducción a la sistemática sobre la
base de casos. Trad. Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Depalma, 1973, p. 119.
11 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 348.
95
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
é aparentemente adotada pelo Código Penal Brasileiro, como disposto em seu “Art. 13 – O
resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.
Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. É dito
aparentemente adotada, pois a expressão “resultado de que depende a existência do crime”
não se limita ao resultado naturalístico, senão também abrange o resultado jurídico, visto que,
em caso contrário, não poderiam ser considerados crimes aqueles nos quais inexiste resultado
naturalístico, como os crimes de mera conduta, de perigo abstrato ou concreto.
Tal teoria enfrenta problemas no que tange às hipóteses de causalidade hipotética, como o
caso de um soldado em guerra que fuzila ilicitamente alguém e, em sua defesa alega que
se caso não o tivesse feito, outro soldado teria efetuado o fuzilamento do mesmo modo,
então, é possível suprimir mentalmente a sua conduta sem que desapareça o resultado.
Contudo, é certo, não faltou à causalidade de sua conduta, mas se negada a causalidade,
então, dado que a conduta do segundo soldado igualmente poderia não ser causa do
resultado através da mesma alegação, se chegaria ao absurdo lógico de afirmar que a
morte da vítima se produziu sem causa alguma14.
12 Neste sentido, Figueiredo Dias: “formulada nos termos da conditio sine qua non, a teoria das condições
equivalentes é inútil, precisamente porque já traz pressuposto aquilo que com ela deveria determinar-se.” DIAS, Jorge
de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina geral do crime. Coimbra: Editora
Coimbra, 2004, p. 307.
13 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoríadel delito.Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 350.
14 Exemplo citado por ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría
del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal.
Madrid: Civitas, 1997, p. 350.
96
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
Outro problema que enfrenta a teoria da equivalência das condições é sua incapacidade de
abarcar os casos de interrupção de cursos causais salvadores. Por exemplo, o caso de
alguém que destrói o único medicamento capaz de salvar a vida de outro que está prestes a
falecer, ou mesmo, aquele que rasga a mangueira do caminhão de bombeiros e assim o
impossibilita de apagar o incêndio16. É certo que tais ações são delituosas, mas a teoria
causal em tela não é capaz de demonstrar o nexo de causalidade entre a ação e o
resultado por meio da causalidade natural, pois a ausência do curso causal salvador só
pode ser entendida normativamente, visto que ela não cria o resultado, mas sim impede
que outro curso causal o impeça.
15 Exemplo citado por ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría
del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal.
Madrid: Civitas, 1997, p. 351.
16 Exemplos de Shmidhäuser citados por ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la
estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de
Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 358 e, na doutrina nacional, por D’ÁVILA, Fábio Roberto. Crime culposo e a
teoria da imputação objetiva. São Paulo: RT, 2001, p. 31.
17 D’ÁVILA, Fabio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: RT, 2001, p. 24-25.
97
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
normativo a eliminação hipotética chega ao regressum ad infinitum, pois se causa é tudo aquilo
sem o qual o resultado não teria ocorrido – conditio sine qua non – poderia se dizer que os pais
de um assassino ou mesmo o fabricante da arma usada nesse crime igualmente são causas,
pois sem elas o resultado homicídio tal como se deu não teria ocorrido18.
18 D’ÁVILA, Fabio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: RT, 2001, p. 25.
19 Em sentido contrário, Welzel, com fulcro no entendimento da ação humana como estrutura lógico-objetiva
existente no mundo do ser afirma que “Toda acción es un poner en servicio la causalidad; por conseguiente, ella es un
momento integrante de toda acción y en la mayoria de los tipos penales no representa problemas en absoluto. […] El
concepto causal no es un concepto jurídico, sino una categoría del ser.” WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman.
Parte General. Trad. Juan Bustos Ramírez y Sérgio Yánez Perez. Santiago: Editorial Juridica del Chile, 1997, p. 51.
20 ROXIN, Claus. Reflexões sobre a construção sistemática do direito penal, Revista Brasileira de Ciências Criminais,
São Paulo, n. 82, p. 25-45, abr./jun., 2010. p. 38.
98
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
agente21 e caia num regressum ad infinitum. Para isso, busca delimitar o juízo de
eliminação hipotética por meio de um prisma calcado nas máximas da experiência e de
previsibilidade ex ante. Nas palavras de Figueiredo Dias, tal proposta afirma que se deve
levar em conta para a aferição das causas “somente aquelas que segundo as máximas da
experiência e a normalidade do acontecer e, portanto, segundo o que é, em geral,
previsível, são idôneas para produzir o resultado”22. Contudo, tal método é pouco científico,
pois não elabora nenhum método ou critério que possa ser testado e contraposto a provas,
deixando em aberto ao julgador os critérios a serem utilizados, ou seja, não é passível de
contribuir de forma pontual à teoria geral do delito. Ainda, ao se basear nos conhecimentos
da experiência comum como base para a averiguação do que seria uma causa previsível,
acaba por confundir causalidade e culpabilidade23, e, portanto a acusam de ser uma teoria
pseudo-causal, que na realidade opera com critérios de culpabilidade24.
Pode-se criticar ainda, consoante Faria Costa, a inaplicabilidade de tal teoria ao resultado
de perigo, afirmando que a causalidade adequada ainda não consegue compreender e
estabelecer um juízo de causação entre a ação e o resultado de perigo, pois “o perigo não é
um estádio que pertença ao mundo do ser causal, o perigo é intencional e estruturalmente
uma categoria normativa, sem que isso perca a qualidade de se poder apreender de
maneira objectificável”25.
21 COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta Iuris Poenalis). 3ª ed., Coimbra:
Coimbra Editora, 2012, p. 225.
22 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I. São Paulo: RT, 2007, p. 328.
23 Neste sentido MANTOVANI, Ferrando. Principi di diritto penale. Padova: CEDAM, 2002, p.63.
24 MAURACH, Reinhart. Derecho Penal. Parte General. Teoria general del derecho penal y estrutura del hecho
punible. Trad. Jorge BofillGenzsch y Enrique Aimone Gibson. Actualizada por Heinz Zipf. Buenos Aires: Editorial Astrea,
1994, p. 317.
25 COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta Iuris Poenalis). 3ª ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 2012, p. 225.
99
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
que se presentan como resultado típico”26. Contudo, ainda assim, uma vez que o centro de
gravidade de tal análise está na causalidade empírico-natural, resta infrutífera no que tange
a compreender todas as formas de aparição dos delitos, mas, como se verá mais adiante,
pode ser complementada por critérios normativos.
Em suma, uma mera análise da causalidade física é pueril para os fins do direito penal, por
não ser capaz de delimitar a imputação penal nem dizer efetivamente o que foi a causa
(que importe ao direito penal) do resultado. Assim, se reconhece que o nexo causal-natural
é necessário, contudo, não suficiente para a imputação jurídico-penal, frente à necessidade
imperiosa de se analisar por meio do prisma da realização típica.
Nesse sentido, com clareza ímpar disserta Wessels:
26 JESCHECK apud ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría
del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal.
Madrid: Civitas, 1997, p. 351.
27 Ver nota 20.
28 Nesse sentido, Derecho penal. Conceptos fundamentales y sistema. Introducción a la sistemática sobre la base
de casos. Trad. Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Depalma, 1973, p. 118.
100
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
opinião de que a teoria do Direito penal, como ciência normativa, tem de formar
e manifestar conteudisticamente seus próprios conceitos, de forma que possam
preencher sua função no panorama jurídico-social. Isso vale especialmente
para a teoria da causação. Causalidade em sentido jurídico é outra coisa que
causalidade em sentido das ciências naturais. A causalidade das ciências
naturais é uma relação entre dois estados, dos quais um segue o outro pela lei
natural. Esta lei da causalidade seria inadequada e insuficiente no Direito Penal
como princípio (isolado) da imputação do resultado. O conceito jurídico penal
de causalidade é um conceito de relação jurídico-social, que conduz a
conteúdos ontológicos e normativos, não sendo, portanto, idêntico nem
aos conceitos causais das ciências naturais nem aos filosóficos29.
Por fim, resta evidente que o nexo de causalidade-natural tem de ser complementado pelo
nexo normativo, ou seja, ligado ao tipo penal. É nesta direção que se produz a teoria da
imputação objetiva.
Nesse sentido, a imputação objetiva não vem postergar ou remeter a causalidade ao sótão
das noções jurídicas inúteis31, mas busca complementá-la por meio da adoção de critérios
normativos voltados à relevância jurídica para além dos elementos empíricos. É isso o que
29 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 40.
30 MAURACH, Reinhart. Derecho Penal. Parte General. Teoria general del derecho penal y estrutura del hecho
punible. Trad. Jorge Bofill Genzsch y Enrique Aimone Gibson. Actualizada por Heinz Zipf. Buenos Aires: Editorial
Astrea, 1994, p. 317.
31 COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta Iuris Poenalis). 3ª ed., Coimbra:
Coimbra Editora, 2012, p. 227.
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Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
almeja a teoria da imputação objetiva do resultado, para a qual a causalidade empírica deve
ser avaliada por meio de sua relevância jurídica. Portanto, a estrutura dogmática que se
constrói é uma sobreposição dos critérios normativos sobre os critérios empíricos,
necessitando da existência de ambos para a configuração do liame causal.
Assim, a imputação objetiva não vem substituir o nexo causal, e sim complementá-lo32,
incluindo o nexo normativo, traduzidos aqui a partir da ideia do risco e da realização típica.
Isso não é novo, mas decorrente das necessidades jurídico-penais e do caminho que a
dogmática vem traçando no decorrer de sua história, como se pode perceber eis que
Mezger já havia ressaltado, ainda na escola neokantista, que a conexão causal entre um
ato de vontade e o resultado não é suficiente para atribuir responsabilização, sendo ainda
indispensável que tal conexão seja juridicamente relevante. Assim, a relevância jurídica que
autorize a imputação deve ser apurada no sentido protetivo de cada tipo incriminador, ou
seja, quando a conduta orienta-se para afrontar a finalidade protetiva da norma33.
A partir de tal intento, no momento em que se percebeu que o direito penal não consegue
embasar seu conceito de causalidade em critérios unicamente provenientes da
causalidade-natural ou mesmo a partir da finalidade, Roxin buscou inserir no contexto da
delimitação do nexo causal a figura do risco proibido, uma vez que a ideia do risco vai além
da esfera natural e demonstra o aspecto normativo da dogmática jurídico-penal. O
tratamento dogmático dessa ideia possibilita e favorece a introdução de questionamentos
da relevância jurídica e faz com que a dogmática, que estava encerrada em seu edifício
conceitual nas anteriores concepções de sistema, se abra para a realidade 34 e restrinja o
alcance da causalidade por meio de critérios normativos adicionais.
A partir do exposto, para a teoria em tela, o resultado é passível de ser imputado objetivamente
ao agente unicamente quando o comportamento do autor cria um risco não permitido, que esse
risco se realize no resultado concreto e que este resultado se encontre dentro do alcance do
32 GOMES, Luiz Flávio. Teoria Constitucionalista do Delito e Imputação Objetiva: O novo conceito de tipicidade
objetiva na pós-modernidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 137.
33 ROCHA, Fernando A. N. Galvão da.Imputação Objetiva nos Delitos Omissivos. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, n.33, pp. 101-119, jan./mar., 2001, p. 111.
34 ROXIN, Claus. A Teoria da Imputação Objetiva. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.38, p.
11-31, abr./jun., 2002, p. 16.
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Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
tipo. Numa exposição mais didática, são três as etapas de análise, que caso não
preenchidas leva à exclusão da causalidade e, assim, à atipicidade da conduta:
1) A criação ou aumento do risco não permitido.
35 Outrossim, a teoria da imputação objetiva no que tange ao âmbito de proteção do tipo, num desenrolar dogmático,
apresenta critérios suplementares de exclusão da imputação tais como: a atribuição à esfera de responsabilidade
alheia; a cooperação na autocolocação dolosa em perigo; bem como a colocação de terceiro em perigo com o seu
consentimento. Para maisaprofundamento ver ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la
estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de
Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997.
103
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
de forma geral, essas atividades de natureza arriscada são juridicamente permitidas 36, pois
a utilidade social dessas condutas, mesmo que perigosas a bens jurídicos, proporcionam o
grau de tolerância do Direito, desde que observados os critérios de segurança e os deveres
objetivos de cuidado. A partir dessa leitura, somente se poderá reconhecer legítima a
responsabilidade penal e a respectiva imputação quando o resultado típico decorra de uma
especial contribuição do agente, ou seja, depende da conduta do agente em concreto criar,
ou não, um risco juridicamente relevante. Assim, se o agente mantém o seu atuar nos
limites de risco socialmente tolerado, não se legitima a imputação objetiva do resultado37.
Como no exemplo clássico elaborado por Roxin, em que A incita B a realizar uma viagem
de avião, torcendo para que o avião caia, o que de fato ocorre e B vem a falecer. Ora, é
certo que A é causa da morte de B, contudo A agiu dentro do risco permitido, portanto, tal
resultado não lhe pode ser imputado.
Em suma, o resultado somente é imputável quando causado por uma conduta humana que
tenha criado ou incrementado um risco não permitido. Portanto, se a conduta se considera
enquanto risco permitido, resta excluída a possibilidade de imputação penal, pois a conduta
do agente não estabelece situação que ultrapasse o âmbito do risco permitido e tolerado.
36 ROCHA, Fernando A. N. Galvão da.Imputação Objetiva nos Delitos Omissivos. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, n.33, pp. 101-119, jan./mar., 2001, p. 111.
37 ROCHA, Fernando A. N. Galvão da.Imputação Objetiva nos Delitos Omissivos. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, n.33, pp. 101-119, jan./mar., 2001, p. 112.
38 D’ÁVILA, Fabio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: RT, 2001, p. 49.
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Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
Cabe novamente expor a diferenciação entre o que será causa justificante, e a diminuição de
risco que leva ao reconhecimento da atipicidade da conduta. A diminuição de risco é uma
conduta que não lesiona um bem jurídico, portanto, não chega a ser ilícita, o que implica que
não pode ser entendida como uma causa de exclusão da ilicitude como o estado de
necessidade. Efetivamente, a exclusão da imputação nos casos de diminuição de risco se
39 D’ÁVILA, Fabio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: RT, 2001, p. 49.
40 D’ÁVILA, Fabio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva.São Paulo: RT, 2001, p. 50-52.
41 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 365.
42 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 365.
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Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
coloca no âmbito da tipicidade. Nos casos de diminuição de risco, o risco não é substituído
por outro, mas somente minorado, situação diversa dos casos em que se substitui um risco
por outro, assim, por exemplo, alguém que atira uma criança pela janela de um prédio em
chamas no intento de salvá-la e que de tal queda a criança sofra lesões43. Nesse caso, não
houve diminuição de risco, mas a criação de outro risco, de menor ou igual potencial lesivo,
no intuito específico de salvação. Nesse sentido, foi criado um resultado típico – a lesão
corporal – mas que não será ilícito, pois está compreendido nas causas de exclusão de
ilicitude enquanto estado de necessidade.
Para Roxin, frente a estes casos há duas resoluções: 1) Caso a conduta alternativa conforme o
direito, com certeza, não teria sido capaz de evitar o resultado danoso, exclui-se a imputação
pela não realização do risco não permitido. 2) Caso a conduta alternativa conforme o direito,
43 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 366.
44 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 379.
45 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 379.
106
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
possível ou provavelmente, não teria sido capaz de evitar o resultado, imputa-se o resultado ao
autor, pois incrementou um risco não permitido que se realizou no resultado 46. Em suma,
somente se deve deixar de imputar quando houver a certeza, e não a mera demonstração da
possibilidade, de que o resultado teria ocorrido mesmo no caso da observância de todas as
normas de cuidado, assim, todo o incremento faz recair as consequências sobre o autor 47.
Este critério é de fácil averiguação, mesmo que um risco proibido seja criado ou
aumentado, o resultado daí proveniente tem de ser previsto como típico, caso contrário, não
é interessante para fins de avaliação de imputação penal, pois, por óbvio, é atípico. Ora,
restam excluídas da apreciação do direito penal as condutas que geram resultados que,
mesmo que perigosos, não são proibidos, ou ainda que os desdobramentos dos resultados
da conduta não sejam típicos.
46 D’ÁVILA, Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: RT, 2001, p. 49, p. 60.
47 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 380.
48 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 375-
376.
107
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
49 GOMES, Luiz Flávio. Teoria Constitucionalista do Delito e Imputação Objetiva: O novo conceito de tipicidade
objetiva na pós-modernidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 134.
50 ROXIN, Claus. A Teoria da Imputação Objetiva. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.38, p.
11-31, abr./jun., 2002, p. 18.
51 ROXIN, Claus. A Teoria da Imputação Objetiva. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.38, p.
11-31, abr./jun., 2002, p. 18.
108
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
No que tange às contribuições de Jakobs, é de fundamental relevância expor que sua teoria
da imputação tem ligação estrita com seu entendimento do sistema penal funcional e
teleológico baseado na função da pena, qual seja, a prevenção geral positiva. Assim, sua
teoria da imputação tem na função da pena a sua coluna vertebral53. Nesse sentido, Jakobs
busca uma total objetificação da análise da imputação por meio da figura do papel social do
agente. A título de exemplo, ilustra o caso de um estudante de biologia que trabalha como
garçom e, graças a seus estudos, percebe que na salada exótica que vai servir se encontra
uma fruta venenosa, contudo, serve da mesma maneira54. Para Jakobs, o papel social da
profissão de garçom foi cumprido, portanto, no plano objetivo, que deixa a averiguação do
injusto pessoal da conduta e os conhecimentos específicos do autor a serem relevados pela
norma jurídica, o autor não é passível de imputação, e somente o seria caso, em vez de
servir o prato envenenado à pessoa destinada, escolhe-se outra pessoa para servir55.
Resta claro que Jakobs busca uma teoria da imputação que se baseia nas expectativas sociais
e no papel social exercido pelo cidadão, contudo, acaba por deixar de fora da análise da
imputação o desvalor da conduta, o injusto pessoal, assim, é possível afirmar que tal
52 FEIJÓO SANCHEZ, Bernardo. Teoria da Imputação Objetiva. Estudo crítico e valorativo sobre os fundamentos
dogmáticos e sobre a evolução da teoria da imputação objetiva. Trad. Nereu José Giacomolli. Barueri, SP: Manole,
2003, p. 119.
53 FEIJÓO SANCHEZ, Bernardo. Teoria da Imputação Objetiva. Estudo crítico e valorativo sobre os fundamentos
dogmáticos e sobre a evolução da teoria da imputação objetiva. Trad. Nereu José Giacomolli. Barueri, SP: Manole,
2003, p. 120.
54 FEIJÓO SANCHEZ, Bernardo. Teoria da Imputação Objetiva. Estudo crítico e valorativo sobre os fundamentos
dogmáticos e sobre a evolução da teoria da imputação objetiva. Trad. Nereu José Giacomolli. Barueri, SP: Manole,
2003, p. 122.
55 FEIJÓO SANCHEZ, Bernardo. Teoria da Imputação Objetiva. Estudo crítico e valorativo sobre os fundamentos
dogmáticos e sobre a evolução da teoria da imputação objetiva. Trad. Nereu José Giacomolli. Barueri, SP: Manole,
2003, p. 126.
109
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
padronização das condutas a partir de suas expectativas e papéis sociais retira do injusto e
da imputação algo que lhe é fundamental, o aspecto humano da liberdade de ação.
Portanto, o papel social não é critério definitivo para a limitação da imputação.
A partir de tal base teórica, Jakobs elabora o critério da proibição de regresso, que,
grosso modo, afirma que não pode imputar, ou seja, haver regresso de responsabilidade,
na direção daquele que se comportou de forma socialmente aceita de acordo com sua
atividade. A proibição de regresso provém da sua doutrina do funcionalismo sistêmico que
vê no sujeito, para fins do direito penal, um cumpridor de papéis sociais, neste sentido, se a
conduta do agente, mesmo que tenha desencadeado um resultado típico, estiver dentro de
sua incumbência social, tal conduta não é passível de imputação, como no caso do
vendedor de armas que, mesmo sabendo que o comprador pretendia matar alguém lhe
vende a arma de acordo com a lei. Ora, o vendedor cumpriu com seu papel e, desse modo,
não criou nenhum risco proibido.
No que tange às críticas de Wolfgang Frisch, ele afirma que a teoria da imputação objetiva de
Roxin erra em considerar a criação ou incremento do risco não permitido enquanto critério de
imputação, para ele, isto se trata de um pressuposto material à responsabilização penal, e não
56 FEIJÓO SANCHEZ, Bernardo. Teoria da Imputação Objetiva. Estudo crítico e valorativo sobre os fundamentos
dogmáticos e sobre a evolução da teoria da imputação objetiva. Trad. Nereu José Giacomolli. Barueri, SP: Manole,
2003, p. 136.
110
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
57 GOMES, Luiz Flávio. Teoria Constitucionalista do Delito e Imputação Objetiva: O novo conceito de tipicidade
objetiva na pós-modernidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 140.
58 Ver em: FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación del Resultado. Trad. Joaquiín Cuello
Contreras y José L. González de Murillo. Barcelona: Marcial Pons, 2004.
59 FEIJÓO SANCHEZ, Bernardo. Teoria da Imputação Objetiva. Estudo crítico e valorativo sobre os fundamentos
dogmáticos e sobre a evolução da teoria da imputação objetiva. Trad. Nereu José Giacomolli. Barueri, SP: Manole,
2003, p. 144.
60 MIR PUIG, Santiago. Significado y alcance de la teoría de la imputación objetiva en derecho penal. Revista
Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. 2003, núm. 05-05, p. 2.
61 MIR PUIG, Santiago. Significado y alcance de la teoría de la imputación objetiva en derecho penal. Revista
Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. 2003, núm. 05-05, p. 2-3.
111
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
Não obstante Welzel ter efetuado um retorno do direito penal ao jusnaturalismo quando buscou
sua ancoragem às estruturas lógico-objetivas, ou seja, trouxe novamente os influxos do apego
à natureza no desenvolvimento do tipo e da imputação incluindo ali a estrutura da ação humana
como condutora dos processos causais62, é de se afirmar que tal teoria não representa de fato
um regresso, pelo contrário, o finalismo teve o mérito de ampliar a compreensão do direito
penal frente às manifestações delituosas e deixou uma herança irrenunciável, o transporte do
dolo e da culpa da culpabilidade para o tipo. Porém, logo se percebeu que a dogmática jurídico-
penal não pode se atrelar a conceitos e critérios ontológicos sob pena de tornar-se um sistema
fechado e estéril, representante máximo de uma determinada “natureza das coisas”. Portanto, a
literatura especializada vem evoluindo no sentido do afastamento de bases meramente
ontológicas e causais em favor de uma concepção de fundo que se furta de conceitos
irretocáveis, de dogmatismos e fundamentalismos estéreis do mundo do ser, senão que
procure a construção do direito penal em concordância com os valores sociais historicamente
construídos por meio das relações humanas.
Na realidade, tal direcionamento da dogmática, em suas mais variadas feições, tem algo de
comum tanto ao neokantismo, como o regresso a Hegel, e como a filosofia fenomenológica
de Husserl. São manifestações em repúdio ao naturalismo positivista63 e, apesar das suas
diversas vertentes e seus modelos até opostos de fundamentação, coincidem em pretender
ir além da descrição científica dos fatos físicos para ascender à compreensão do sentido
social de tais fatos64. É daí a principal preocupação da teoria da imputação objetiva.
Assim, a teoria da imputação objetiva tem por objetivo delimitar o alcance do tipo objetivo ao
aportar o material com o qual se pode interpretar a relevância social da conduta típica. Ora,
sem esse material normativo, qualquer causação de um resultado não é mais que um
conglomerado naturalista, não é mais que uma amalgama heterogenia de dados que não tem
62 MIR PUIG, Santiago. Significado y alcance de la teoría de la imputación objetiva en derecho penal. Revista
Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. 2003, núm. 05-05, p. 3.
63 MIR PUIG, Santiago. Significado y alcance de la teoría de la imputación objetiva en derecho penal. Revista
Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. 2003, núm. 05-05,p. 5.
64 MIR PUIG, Santiago. Significado y alcance de la teoría de la imputación objetiva en derecho penal. Revista
Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. 2003, núm. 05-05. P 5.
112
Aula 04 | Teoria da Imputação Objetiva
significado social.65 Cabe à imputação objetiva converter esta amalgama em algo valorativo
e de significado66 passível de ser utilizado pelo direito penal, complementando os dados
ôntico-naturais por meio de uma (des)valoração com critérios normativos para, somente
assim poder-se imputar ou não a alguém um resultado como obra sua.
Por fim, apesar das críticas e falhas atribuídas à teoria da imputação objetiva, ela
representa, sem dúvida, um pedaço do futuro, um avanço na direção de uma dogmática
jurídico-penal capaz de resoluções mais justas e corretas.
65 JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en el Derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Buenos Aires: Ad-
Hoc, 1996, p. 24.
66 JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en el Derecho penal. Trad. Manuel CancioMeliá. Buenos Aires: Ad-
Hoc, 1996, p. 24.
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
A teoria da equivalência das condições é co- Qual a matriz filosófica da teoria da imputa-
nhecida por qual expressão? ção objetiva do resultado?
113
Verificação de Leitura
c) Superar a causalidade.
d) O aumento da tipicidade.
e) O aumento da imputação.
114
Referências
BAUMANN, Jurgen. Derecho penal. Conceptos fundamentales y sistema. Introducción a la
sistemática sobre la base de casos. Trad. Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Depalma, 1973.
COSTA, José de Faria. Apontamentos para umas reflexões mínimas e tempestivas sobre o direito penal
de hoje. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 81, pp. 36-47, nov./dez., 2009.
COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta Iuris Poenalis). 3ª ed.,
Coimbra: Coimbra Editora, 2012.
D’ÁVILA, Fabio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: RT, 2001.
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. Tomo I: questões fundamentais; a doutrina
geral do crime. Coimbra: Editora Coimbra, 2004.
FEIJÓO SANCHEZ, Bernardo. Teoria da Imputação Objetiva. Estudo crítico e valorativo sobre os
fundamentos dogmáticas e sobre a evolução da teoria da imputação objetiva. Trad. Nereu José
Giacomolli. Barueri, SP: Manole, 2003.
FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación del Resultado. Trad. Joaquiín Cuello
Contreras y José L. González de Murillo. Barcelona: Marcial Pons, 2004.
GOMES, Luiz Flávio. Teoria Constitucionalista do Delito e Imputação Objetiva: O novo conceito de
tipicidade objetiva na pós-modernidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en el Derecho penal. Trad. Manuel Cancio Meliá. Buenos
Aires: Ad-Hoc, 1996.
MAURACH, Reinhart. Derecho Penal. Parte General. Teoria general del derecho penal y estrutura
del hecho punible. Trad. Jorge Bofill Genzsch y Enrique Aimone Gibson. Actualizada por Heinz Zipf.
Buenos Aires: Editorial Astrea, 1994.
MIR PUIG, Santiago. Significado y alcance de la teoría de la imputación objetiva en derecho penal.
Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. 2003, núm. 05-05.
ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Imputação Objetiva nos Delitos Omissivos. Revista Brasileira
de Ciências Criminais, São Paulo, n.33, pp. 101-119, jan./mar., 2001.
115
Referências
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Paulo, n.38, p. 11-31, abr./jun., 2002.
ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del
delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente
Remesal. Madrid: Civitas, 1997.
ROXIN, Claus. Reflexões sobre a construção sistemática do direito penal, Revista Brasileira de
Ciências Criminais. São Paulo, n. 82, p. 25-45, abr./jun., 2010.
WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman. Parte General. Trad. Juan Nustos Ramírez y Sérgio Yánez
Perez. Santiago: Editorial Juridica del Chile, 1997.
WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio
Fabris, 1976.
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa D.
Resolução: A fórmula do juízo hipotético de eliminação das causas – conditio sine qua non
– utiliza-se do termo “condição” porque não busca uma causa particularmente importante,
senão as condições do resultado, e “equivalência” porque se considera que todas as
condições têm o mesmo valor.
Questão 2
Resposta: Alternativa A.
116
Gabarito
remontados à matriz hegeliana, com posterior elaboração por Karl Larenz em 1927 e
Richard Hö̈nig em 1930, sendo atualmente desenvolvida por Claus Roxin, com relevante
contribuição de Günter Jakobs.
Questão 3
Resposta: Alternativa B.
Questão 4
Resposta: Alternativa A.
Questão 5
Resposta: Alternativa E.
Resolução: Se somente a criação ou aumento de risco não permitido podem ser levados em
consideração para que se possa imputar objetivamente ao agente o resultado como obra sua,
nos casos em que a conduta deste agente diminua o risco previamente existente (e não criado
por ele), igualmente não se poderá imputar a este o resultado lesivo. Primeiramente, pois, não
houve a criação ou aumento de um risco, e também porque o autor modificou o curso causal de
tal maneira que reduziu um perigo já existente para a vítima.
117
TEMA 05
Os Paradigmas Filosóficos do
Direito Penal
118
LEGENDA seções
DE ÍCONES
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Vamos
pensar
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Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
119
Aula 05
Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Objetivos
Caro aluno, neste estudo, você terá condições de realizar uma análise da evolução do
conceito de conduta em direito penal e sua vinculação aos paradigmas filosóficos vigentes
em seu momento de formulação. Para isso, o texto percorre as principais escolas da teoria
da conduta desenvolvidas ao longo da história do pensamento jurídico-penal, desde o
Naturalismo, o Neokantismo e o Finalismo, bem como as propostas hodiernas
Funcionalistas, Significativa da Ação e as formulações de renúncia a um conceito pré-
jurídico de ação como a pedra angular da teoria do delito. A leitura, em um primeiro
momento, poderá parecer um tanto densa, no entanto, após ter acesso a este material,
você terá todas as condições de refletir e debater, com fundamento na melhor doutrina, o
intricado tema das teorias da conduta.
1. O Naturalismo
1 MIR PUIG, Santiago. Limites delnormativismo em Derecho penal. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, n.64, p. 197-221, jan./fev., 2007, p. 201.
120
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Mais notadamente foi Descartes que cristalizou para a ciência “seu mais elevado princípio:
clara et distincta perceptivo, conhecimentos claros e distintos”4, e reclamou a substituição da
velha filosofia de cunho especulativo e metafísico por uma filosofia prática, comprometida com
resultados verificáveis. Igualmente, Francis Bacon ressaltou a possibilidade de domínio da
natureza e a relação de poder que envolve o conhecimento, bem como o ideal de progresso 5.
121
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
122
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
9 Contudo, há de se fazer uma pequena observação quanto a um erro comum da doutrina. Resulta inadequado
falar do sistema causal enquanto o sistema “Liszt – Beling - Radbruch”, pois para cada um dos autores os conceitos de
conduta e tipo penal desempenham papeis radicalmente diferentes, o que implica na impossibilidade de percebê-los
em consonância na formação de um sistema único. Cf. VIVES ANTÓN, Tomás S. COBO DEL ROSAL, Manuel.
Derecho Penal: Parte General. 4ª Ed. TirantloBalch: Valencia, 1996, p 340, nota 4.
10 LISZT, Franz von. Tratado deDireito Penal Allemão. Tomo I. Tradução de José Hygino Duarte Pereira. Rio de
Janeiro: F. Briguiet, 1899, p. 197.
11 MIR PUIG, Santiago. Limites del normativismo en Derecho penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São
Paulo, n. 64, p. 197-221, jan./fev., 2007, p.202.
123
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Porém, o conceito de conduta tem inúmeros problemas. Como elencado por Radbruch, tal
conceito de conduta naturalista como movimento corporal que provoca alteração no mundo
exterior não é capaz de abarcar os crimes comissivos e omissivos, pois na omissão não
existe um movimento corporal. Beling intenta uma defesa contra tal crítica, afirmando que:
Debe entenderse por “acción” un comportamiento corporal (fase externa,
“objetiva” de la acción) producido por el dominio sobre el cuerpo (libertad de
inervación muscular, “voluntariedad”), (fase interna, “subjetiva” de la acción);
ello es, un “comportamiento corporal voluntario”, consistente ya en un “hacer”
(acción positiva), ello es, un movimiento corporal, p. ej. levantar la mano,
movimientos para hablar, etc., ya en un “no hacer” (omisión), ello es,
distensión de los músculos12.
Ou seja, que na omissão haveria uma contenção muscular para a não realização do
mandamento legal. Tal defesa como se houvesse algo intrínseco no corpo humano que
tendesse ao fiel cumprimento do dever e o autor, voluntariamente contraindo seus
músculos, impedisse seu corpo de realizado. Ora, a punibilidade do crime omissivo não
decorre de um fenômeno natural, mas de um mandamento legal13 não existente no mundo
do ser e da causalidade física. Mais recentemente, no mesmo sentido D’Ávila, para quem:
[...] a submissão do direito penal aos estritos domínios do mundo do ser
mostrou-se, além de arbitrária e pouco útil, verdadeiramente irrealizável. A
omissão, p. ex., não existe em um mundo estritamente psicofísico. Ela até pode
ter uma feição psicofísica, mas jamais existência psicofísica, na medida em que
a sua existência está necessariamente condicionada a um elemento estranho
ao mundo do ser: o dever de agir14.
Ademais nos casos de tentativa igualmente tal conceito não atinge sucesso, como aduz Roxin
com perspicácia, “tampouco a tentativa é explicável a partir de um conceito de injusto referido à
causalidade. Afinal, o tipo da tentativa não pressupõe causalidade fática”15. Outrossim, se o
elemento volitivo for deixado para o campo da culpabilidade, não é possível realizar uma
12 Von BELING, Ernst. Esquema de Derecho Penal. La Doctrina del Delito-Tipo. Trad. Sebastián Soler. Libreria el
Foro: Buenos Aires, 2002, p. 42.
13 GOMES, LuizFlávio. Teoria Constitucionalista do Delito e Imputação Objetiva: O novo conceito de tipicidade
objetiva na pós-modernidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.48.
14 D’ÁVILA, Fábio Roberto. A realização do tipo de ilícito como pedra angular da teoria do crime. Elementos
para o abandono do conceito pré-típico de ação e de suas funções. Revista de Estudos Criminais, São Paulo, n.54, pp.
135-164, jul./set., 2014, p. 149.
15 ROXIN, Claus. Reflexões sobre a construção sistemática do direito penal. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, n. 82, pp. 25-45, abr./jun., 2010, p. 38.
124
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
diferenciação prática necessária para a tipificação da conduta, pois não está o elemento
que realiza a diferenciação entre uma tentativa de homicídio, uma lesão corporal dolosa ou
culposa, por exemplo.
A proposta da escola clássica restou abandonada, uma vez que se pode compreender que os
fundamentos ideológicos e filosóficos nos quais se assentava não eram mais defensáveis 16. É
verdade que a ela coube o mérito de ter construído um sistema dogmático do crime de método
claro e rigoroso. Mas as suas insuficiências são muitas17. Nas palavras de Figueiredo Dias:
O direito em geral – e o direito penal de forma particular – não participa do
monismo metodológico (e ideológico) das ciências naturais, trata com
realidades que excedem a experiência psicofísica e se não inscrevem de modo
exclusivo no mundo do ser; como, por outro lado, o pensamento jurídico não se
deixa comandar por uma metodologia de cariz positivista nem se esgota em
operações de pura lógica formal. Logo que tudo isto se compreendeu, o
sistema clássico do conceito de facto punível estava maduro para ser superado
por uma nova concepção18.
2. O Neokantismo
16 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo
I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 227.
17 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo
I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 227.
18 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo
I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 227.
125
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Ao mesmo passo, no campo das ciências a teoria de Newton e sua explicação mecanicista
de mundo mostraram-se insuficientes para abarcar toda a complexa dinâmica da realidade.
Logo, insurgiram-se tenazes vozes que pregavam a renúncia ao positivismo naturalista e à
fé no método científico. Um grande marco de ruptura do modelo newtoniano se deu com o
advento da Teoria Geral da Relatividade, publicada em 1915 por Albert Einstein, que afirma
que o tempo e espaço, matéria e a energia, estão intrinsecamente ligados, assim, esses
elementos sofrem influência mútua, ou seja, relativizam-se conforme a velocidade e a
massa. O peso dessa demonstração contraria diretamente os axiomas mecanicistas
newtonianos, que recebem duro golpe com a comprovação científica de que não eram tão
verdadeiras assim suas concepções tidas como irrefutáveis até então.
Ora, no campo do direito penal, não poderia ser diferente, também houve fortes influxos que
se deram em resposta ao naturalismo pretensamente neutro e vazio de conteúdo axiológico
que já havia se demonstrado insuficiente ao direito penal. Neste cenário surge o
Neokantismo, também chamado de sistema neoclássico, e que tem seu fundamento na
filosofia dos valores de origem kantiana, tal como ela foi desenvolvida nas primeiras
décadas do século XX, principalmente por Windelband, Rickert, Lask, integrantes da Escola
de Baden, localizada no sudoeste alemão.
19 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 200.
20 GOMES, Luiz Flávio. Teoria Constitucionalista do Delito e Imputação Objetiva: O novo conceito de tipicidade
objetiva na pós-modernidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 49.
126
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
21 KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito Contemporâneas.
Tradução de Marcos Keel e Manuel de Oliveira, revisão e coordenação de António Manuel Hespanha, Lisboa: Fund.
Calouste Gulbenkian, 2002, p. 117.
127
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
22 GOMES, Luis Flávio. Teoria Constitucionalista do Delito e Imputação Objetiva: O novo conceito de tipicidade
objetiva na pós-modernidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 49.
23 BUSATO, Paulo César. Direito Penal & Ação Significativa: Uma Análise da Função Negativa do Conceito de
Ação em Direito Penal a Partir da Filosofia da Linguagem. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 13.
24 MEZGER, Edmund. Derecho Penal: Libro de estudio. Parte General. Trad. Ricardo C. Núñez. Editorial
Bibliográfica Argentina: Buenos Aires, 1958, p. 87. Destaque nosso.
128
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Neste sentido, resta claro que o neokantismo não elaborou um novo conceito de ação. O
que ocorre é uma mudança o reconhecimento de um desvalor na ação, e não uma mera
descrição pura, eis que são abandonados os aportes naturalistas pretensamente neutros,
substituídos pela ideia da “relevância social” e “normas de cultura”. Portanto, o conceito de
ação continuou, essencialmente, como comportamento humano causalmente determinante
de uma modificação do mundo exterior ligada à vontade do agente26.
Para uma exposição mais geral da estrutura do delito e suas modificações, Mir Puig:
Pronto se vio que la acciónno era solo movimento físico, sino una conducta que
importa al Derecho penal en función de su significado social, que puede depender
de su intención. Más evidente era aún que la antijuridicidadno es una mera
descripción de una causación, sino, inevitablemente, un juicio de desvalor, que
también depende de aspectos significativos delhechonopuramente causales. Del
mismo modo, el significado negativo del concepto de culpabilidad no podía
sustituirse por la sola constatación de una conexión psicológica cuasi-causal entre
el hecho producido y la mente del autor, como lo demostró la inexistencia de tal
vínculo psicológico en la culpa inconsciente y, en definitiva, la esencia normativa de
todo imprudencia, así como la insuficiencia del proprio dolo para la imputabilidad y
para la negación de otras causas de exculpación27.
Ainda, conforme Figueiredo Dias, tal proposta teórica pretendeu resgatar o direito penal
[...] do mundo naturalista do ‘ser’, para, como ‘ciência do espírito’, o situar numa
zona intermediária entre aquele mundo e o do puro ‘dever-ser’, [...] no mundo
das referências da realidade aos valores, do ser ao dever-ser e, logo por aí, no
mundo da axiologia e dos sentidos28.
25 MEZGER, Edmund. Derecho Penal: Libro de estudio. Parte General. Trad. Ricardo C. Núñez. Editorial
Bibliográfica Argentina: Buenos Aires, 1958, p. 78. Destaque nosso.
26 DIAS, Jorge de Figueiredo. DIreito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 228.
27 MIR PUIG, Santiago. Limites delnormativismo em Derecho penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São
Paulo, n. 64, p. 197-221, jan./fev., 2007, p.203.
28 DIAS, Jorge de Figueiredo. DIreito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo
I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p 227.
129
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
O que implica, no que tange ao sistema do crime, em preencher cada conceito do sistema do
delito com essas referências axiológicas. Nesse sentido, o ilícito passa a ser entendido como
“danosidade social”, já a culpa, além do elemento de ligação entre o autor e seu delito, como a
“censurabilidade” do agente por ter agido da forma como ter agido de outra forma29.
29 DIAS, Jorge de Figueiredo. DIreito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo
I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p.228.
30 GUARAGNI, Fábio André. As Teorias da Conduta em Direito Penal: Um estudo da conduta humana do pré-
causalismo ao funcionalismo pós-finalista. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 106.
31 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoríadel delito.Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 198.
130
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
uma ideia mais concreta de bem jurídico e de tipicidade material dentro da teoria geral do
delito, porém, tal concretização não foi levada a cabo mesma32.
3. O Finalismo
É nesse momento histórico em que o mundo se defrontava com a derrocada dos governos
totalitários Nacionais Socialistas e com as atrocidades cometidas pelos mesmos, é que
ganha impulso a teoria finalista da ação. O finalismo nasce em um contexto de máxima
busca à limitação do legislador, almejando a superação das teorias jurídico-filosóficas
positivistas, visto que, após o terrível período de soberania e arbitrariedade que se
estendeu no nacional-socialismo, “durante o qual o direito foi pervertido até se tornar
irreconhecível, muitos creram, obviamente, que, na hora zero a seguir da segunda guerra
mundial, se devia regressar ao direito natural”34.
Nesse sentido, a grande preocupação de Welzelfoi demonstrar que a realidade empírica
oferece limites ontológicos ao legislador. No campo do Direito Penal, a estrutura da ação
humana e da culpabilidade seriam estes referidos limites, que caso fossem ignorados levariam
necessariamente a incoerências e contradições insolúveis35. A tais limites Welzel intitulou
32 No mesmo sentido, BREIER, Ricardo. Ciência penal pós-finalismo: uma visão funcional do direito penal.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.46, p. 95-119, jan./mar., 2004, p. 96.
33 ROXIN, Claus. Reflexões sobre a construção sistemática do direito penal. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, n.82, pp. 25-45, abr./jun., 2010, p. 29.
34 KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito
Contemporâneas. Tradução de Marcos Keel e Manuel de Oliveira, revisão e coordenação de António Manuel
Hespanha, Lisboa: Fund. CalousteGulbenkian, 2002, p. 125.
35 LOPES, Othon de Azevedo. Os Fundamentos Filosóficos e Metodológicos da Teoria Finalista da Ação. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.45, pp. 129-157, out./dez., 2003, p. 129.
131
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
estruturas lógico-objetivas ou ônticas, que tinham por objetivo propiciar uma ancoragem
ontológica e imutável ao direito e suas formas, de maneira a garantir minimamente, a partir
do mundo do ser, os elementos essenciais que impediriam a arbitrariedade por parte do
legislador.
Apesar de grande parte da doutrina aduzir que Welzel, para elaborar o conceito final de
ação, tenha se baseado no ontologismo filosófico de Nicolai Hartmann, no prólogo da 4ª
edição da obra “O Novo Sistema Jurídico-penal”, em que o autor tece um esclarecimento no
qual alega ser inverídica tal atribuição: “No tendría, sin duda, ningún motivo para
avergonzarme de que el origen de mi doctrina estuviera en la filosofía de Nicolai
HARTMANN - si fuera cierto. Este no es el caso, sin embargo”36. Segundo o autor, sua
produção tem influências diretas da escola da psicologia do pensamento, e de autores
como Richard Honigsvald, Karl Búhler, Theodor Erismann, Reich Jaensch e Wilhelm Peters,
bem como a filosofia fenomenológica de P. F. Linke e Alexander Pfander.
36 WELZEL, Hans. El Nuevo Sistema del Derecho Penal. Uma introducción a la doctrina de la acción finalista.
Trad. José Cerezo Mir. Buenos Aires: Euros Editores, 2004, p. 28.
37 LOPES, Othon de Azevedo. Os Fundamentos Filosóficos e Metodológicos da Teoria Finalista da Ação. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.45, pp. 129-157, out./dez., 2003, p. 129.
38 Nesse sentido, com perspicácia e precisão LOPES, Othon de Azevedo. op. cit., p. 137.
39 KANT apud WELZEL, Hans. Introducción a la filosofía del derecho. Derecho natural y justicia material. Trad.
Felipe González Vicén, Aguilar: Madrid, 1971, p. 248.
132
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
É a esta questão formulada por Kant que Welzel propõe-se a responder com a sua teoria da
ação finalista, é este o lema da sua busca pelo retorno ao direito natural 40: encontrar os
pontos firmes na natureza aos quais o homem nunca possa deslocar, os elementos
fundamentais do direito natural, evidentes e perenes, por ele denominados estruturas
lógico-objetivas, destinadas à vinculação do legislador e a servir de guia à aplicação e à
interpretação de todo o sistema jurídico.
40 WELZEL, Hans. Introducción a la filosofía del derecho. Derecho natural y justicia material. Trad. Felipe
González Vicén, Aguilar: Madrid, 1971, p. 248.
41 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 201.
42 LOPES, Othon de Azevedo. Os Fundamentos Filosóficos e Metodológicos da Teoria Finalista da Ação. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.45, pp. 129-157, out./dez., 2003, p. 133.
133
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
não poderia ser compreendido. De outro lado, aponta ser a culpabilidade um juízo sobre o
fracasso do homem como ser responsável, isto é, uma avaliação sobre um ser responsável,
consciente de seus deveres e domínios43.
Nas palavras de Othon de Azevedo Lopes, a crença basilar do finalismo e sua teoria da
ação é que:
A natureza e a essência do homem (Dasein ou ser-aí) é a existência. E por sua
vez, a essência da existência é a possibilidade de atuar e, por consequência,
se escolher ou se perder. A existência é por isso essencialmente
transcendência, isto é, superação. O Homem é um projeto e as coisas do
mundo são seus utensílios postos à sua disposição. O homem compreende
algo quando sabe utilizá-lo. Da mesma forma, o homem compreende a si
mesmo quando sabe o que fazer consigo44.
Welzel elabora toda sua teoria da ação tendo fulcro nos fundamentos filosóficos expostos
anteriormente, afirma ainda que tal empreendimento não é em nada novo ou original, por se
tratar de uma verdade antiga, já reconhecida no âmbito da história da filosofia:
Con esta caracterización de la esencia de la acción humana nos incorporamos
a una gran tradición Filosófica. Desde que ARISTÓTELES (ética de Nicomach,
1.112 b) mostrara la estructura de la acción, por primera vez a través de la
finalidad, esta comprensión se impuso en la Edad media (ante todo por obra de
SANTO TOMÁS) y quedó reconocida generalmente hasta HEGEL. Sólo a fines
del siglo XIX, cuando las ciencias mecánicas naturales invaden el campo del
derecho, se trató de hacer también de la acción un proceso causal exterior45.
43 LOPES, Othon de Azevedo. Os Fundamentos Filosóficos e Metodológicos da Teoria Finalista da Ação. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.45, pp. 129-157, out./dez., 2003, p. 134-136.
44 LOPES, Othon de Azevedo. Os Fundamentos Filosóficos e Metodológicos da Teoria Finalista da Ação. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.45, pp. 129-157, out./dez., 2003, p. 135.
45 WELZEL, Hans. Teoría de la acción finalista. Trad. Carlos Fontán Balestra y Eduardo Fricker. Depalma:
Buenos Aires, 1951, p. 18.
46 WELZEL, Hans. Teoría de la acción finalista. Trad. Carlos Fontán Balestra y Eduardo Fricker. Depalma:
Buenos Aires, 1951, p. 20.
134
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
A ação, como exercício de atividade finalista, apresenta-se como uma estrutura, baseada
no modo essencial de ser do homem, a qual o legislador não pode modificar ou ignorar,
nem negar o papel que nela desempenha a vontade. A ação, desta forma, não se resume a
um mero processo causal ou a mera soma de elementos objetivos e subjetivos, é em
verdade a direção do curso causal pela vontade do homem47.
A finalidade da ação baseia-se no modo de ser do homem, que com base em seu
conhecimento causal prévio pode prever até certo ponto as consequências possíveis de
uma atividade, propor-se distintos objetivos e dirigir sua atividade segundo um plano que
tenda a obtenção de seus objetivos de forma a intervir e dirigir os acontecimentos causais a
determinado resultado48.
47 CEREZO MIR, José. O Finalismo Hoje. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.12, p. 39-49,
out./ dez., 1995, p. 39.
48 WELZEL, Hans. Teoría de la acción finalista. Trad. Carlos Fontán Balestra y Eduardo Fricker. Depalma:
Buenos Aires, 1951, p. 20.
49 WELZEL, Hans. Teoría de la acción finalista. Trad. Carlos Fontán Balestra y Eduardo Fricker. Depalma:
Buenos Aires, 1951, p. 20.
50 WELZEL, Hans. Teoría de la acción finalista. Trad. Carlos Fontán Balestra y Eduardo Fricker. Depalma:
Buenos Aires, 1951, p. 21.
51 WELZEL, Hans. Teoría de la acción finalista. Trad. Carlos Fontán Balestra y Eduardo Fricker. Depalma:
Buenos Aires, 1951, p. 21-22.
135
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
O finalismo teve o mérito de corrigir grande parte dos problemas enfrentados pelos
conceitos causais, tanto em sua vertente naturalista quando valorativa. Uma vez que a
finalidade faz parte do conceito mesmo de ação, os “elementos subjetivos” do autor, por
dizer, o dolo e a culpa, foram transportados da culpabilidade para o tipo, o que resolveu o
problema da definição típica de condutas que se diferenciam somente pelo elemento
subjetivo. Ainda, em matéria de erro na ação, passou-se a operar entre erro de tipo, que se
baseia na inexistência de dolo, e erro de proibição, que implica a impossibilidade do autor
compreender a ilicitude da conduta52.
52 GUARAGNI, Fábio André. As Teorias da Conduta em Direito Penal: Um estudo da conduta humana do pré-
causalismo ao funcionalismo pós-finalista. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 163.
53 GUARAGNI, Fábio André. As Teorias da Conduta em Direito Penal: Um estudo da conduta humana do pré-
causalismo ao funcionalismo pós-finalista. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 163.
54 GUARAGNI, Fábio André. As Teorias da Conduta em Direito Penal: Um estudo da conduta humana do pré-
causalismo ao funcionalismo pós-finalista. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 165.
136
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
No que diz respeito aos delitos culposos, Roxin questiona que a finalidade no crime nesses
delitos é irrelevante a fins jurídicos penais55. Portanto, o delito culposo não poderia ser
explicado pela teoria finalista da ação, de conteúdo ontológico e formal, pois a sua
reprovabilidade decorre somente de um dever de cuidado objetivo, que é meramente de
cunho valorativo axiológico, decorrendo da política criminal e da ordem social, e não das
atitudes internas do sujeito ou de determinada natureza das coisas.
Nesse ponto Hirschdefende, a teoria finalista afirmando que: “En primer lugar, hay que se
señalar que también en el delito imprudente se da una verdadera acción final. Su finalidad no
se refiere al resultado (delictivo); sino a un proceso, previo a dicho resultado”56. Ora, é difícil
discordar que há uma finalidade prévia a ser considerada nos delitos imprudentes, e que
embora não interesse a finalidade para definição típica, o fim implica a possibilidade de definir
quais os cuidados eram devidos. Contudo, tal defesa demonstra justamente que a finalidade
nos delitos imprudentes não é relevante à tipificação, senão como critério de nexo causal ou
normativo – no âmbito da teoria da imputação objetiva. Portanto, pode-se afirmar que o
finalismo não compreende inteiramente os delitos imprudentes, afinal, se a proposta é
exatamente partir de um conceito de conduta pré-jurídico em relação ao tipo penal, o fato de
que a finalidade nascondutas culposas não ter relevo para o direito penal em absoluto
desconstituirá o conceito de conduta do qual se tem por base toda a teoria analítica do crime 57.
No que tange aos delitos omissivos, nesses não há uma ação dirigida a um fim, há um não
fazer, derivado de um dever objetivo, uma expectativa de cumprimento de um mandato
normativo de ação. Nesses crimes, a punição não tem fulcro em uma ação final, mas no fato do
agente ter descumprido um dever de agir esperado pelo âmbito normativo, o que não se
enquadra na proposta finalista, por mais intenso que seja a participação intelectual do autor
55 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoríadel delito.Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 241.
56 HIRSCH, Hans Joachim. La polémica en torno de la acción y de la teoría del injusto en la ciencia penal
alemana. Trad. Carlos J. Suárez Gonzalez. Bogotá: Universidade Externado de Colombia, 1993, p. 35.
57 BUSATO, Paulo César. Direito Penal & Ação Significativa: Uma Análise da Função Negativa do Conceito de
Ação em Direito Penal a Partir da Filosofia da Linguagem.2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 181.
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Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
no processo que se desenvolve ante ele58, ele não domina o processo causal, senão
somente tem potencial de fazê-lo.
Nesse diapasão, a omissão não dirige o curso causal pela vontade, senão deixa o curso
causal livre sem intervir conforme manda o direito, ou seja, para sua configuração, o agente
tem que ter tido, no momento do fato, potencial para modificar o curso causal conforme o
direito e não tê-lo feito. Daí, ter Roxin objetado a diferenciação entre a mera potencialidade
de ação conforme mandamento normativo e a realização de um ilícito comissivo doloso por
meio do guiar voluntariamente um curso causal59, devendo haver o distanciamento efetivo
entre as duas formas de conduta, pois de naturezas diversas.
Por outro lado, a finalismo são atribuídos os méritos de haver percebido no desvalor da
ação um elemento constitutivo do injusto penal, superando o conceito causal de ação e
tendo logrado melhor delimitação da culpabilidade.
Porém, ao mesmo passo, nem mesmo o conceito ontológico finalista de ação foi capaz de conduzir
a resultados mais eficazes para a limitação do legislador, por implicar uma subjetivação do injusto.
Sobre isso, Armin Kaufmann, seguidor ortodoxo de Welzel, chegou a propor que, como o centro da
imputação penal é a ação final do autor, o injusto pessoal já estaria completo quando o autor tenha
feito tudo que, segundo a sua representação, seja necessário para que ocorra o resultado por ele
almejado. Se caso não sobrevier o resultado, tal encontra-se fora da influência anímica do autor60.
Dessa forma, a figura da tentativa receberia a mesma sanção do crime consumado. Tal
posicionamento caracteriza um radicalismo doutrinário e uma subjetivação extrema do injusto
penal. Disserta Hans Joachin Hirsch, outro grande defensor do finalismo, que a perspectiva de
Armin Kaufmann representa uma sobrevaloraçao do aspecto subjetivo, devendo ser
desconsiderada61. Destarte, com fulcro nesses influxos,
58 GUARAGNI. Fábio André. As Teorias da Conduta em Direito Penal: Um estudo da conduta humana do pré-
causalismo ao funcionalismo pós-finalista. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 167.
59 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoríadel delito.Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 241.
60 HIRSCH, Hans Joachin. Sobre o estado atual da dogmática jurídico-penal na Alemanha. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, São Paulo, n.58, p. 65-84, jan./fev., 2006, p. 70.
61 HIRSCH, Hans Joachin. Sobre o estado atual da dogmática jurídico-penal na Alemanha. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, São Paulo, n.58, p. 65-84, jan./fev., 2006, p. 70.
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Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
alicerçar a pena em atitudes internas do sujeito é contrário aos preceitos básicos do Estado
Democrático de Direito, uma vez que não cabe ao direito penal retribuir os propósitos
íntimos do cidadão, mas sim, proteger bens jurídicos.
Portanto, é válida a alegação de Mir Puig no sentido de que as estruturas ontológicas sobre
as quais Welzel assentou a teoria do delito, a ação final e a culpabilidade têm a capacidade
de limitar o legislador bastante reduzida, eis que não servem para decidir o mais importante:
quais ações finais culpáveis castigar-se e quais não, nem a que critério orientar a classe e
quantidade de pena que deve impor-se a cada caso. Seu poder de limitação é inferior ao
que tem o conjunto de princípios político-criminais geralmente admitidas na atualidade62.
Compreender o tipo penal como a concretização ético-moral que leve em conta elementos
evidentes e imanentes, inegáveis e eternos, provenientes da própria natureza das coisas
capazes de dar a forma e ancoragem ao direito foi método escolhido para tornar o sistema
jurídico-penal seguro quanto às manipulações que se poderia sofrer, a exemplo, o direito no
estado Nacional Socialista. Porém, ao fazer isso, o finalismo deu caráter irretocável à
norma, Welzel acabou a forma da lei, e não seu conteúdo, tornando a dogmática hermética
aos clamores sociais.
Para Welzel, o conteúdo material do direito já está expresso na norma por si mesma, que
traz em seu âmago o dolo ou a culpa desvinculado de seu contexto social. O fruto dessa
concepção não logra êxito em combater a possibilidade de barbárie e torção do direito, pois
é sistema fechado.
62 MIR PUIG, Santiago. Limites delnormativismo em Derecho penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São
Paulo, n.64, p. 197-221, jan./fev., 2007, p. 206.
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Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
4. Teorias Pós-Finalistas
Com efeito, em virtude do intenso debate entre os causalistas e finalistas que dominou os
escritos penais do período pós-guerra, várias propostas foram elaboradas. O ponto nodal
de todas as teorias da conduta surgidas após o finalismo, em suas mais diversas
fundamentações, é possível perceber um fundo em comum, uma orientação filosófica de
raiz histórica e cultural, a descrença nos fundamentos metafísicos ou mesmo nas
promessas científicas da modernidade. Na arguta síntese de Manuel da Costa Andrade:
O penalista deixa de orientar os passos na busca das constantes
antropológicas duma imutável e dada natureza das coisas, colhida na
contemplação cosmológica, recebida da revelação, alcançada na meditação
ôntico-metafísica ou na experimentação empírico-naturalista. Em causa não
está desvelar “verdades” escritas nas estrelas ou inscritas in cordehominis, mas
perscrutar o mundo e a vida, descobrir a raiz do conflito e da angústia e verter
sobre ela o bálsamo possível63.
Nesse sentido, a primeira teoria da conduta a emergir após o finalismo foi a teoria social da ação.
63 COSTA ANDRADE, Manuel de. Outros Mares e Outros Céus, A Mesma Alma. A última aula do Prof. Jorge de
Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 27.
140
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Por socialmente relevante se entende, portanto, como toda aquela conduta que afete o meio
social e seus valores. Nesse sentido, a teoria social da ação pretende superar a teoria finalista
64 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral.Aspectos fundamentais. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre:
Antonio Fabris, 1976, p. 21.
65 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral.Aspectos fundamentais. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre:
Antonio Fabris, 1976, p. 21.
66 ENGISH apud WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Aspectos fundamentais. Trad. Juarez
Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p 20.
67 JESCHECK apud WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Aspectos fundamentais. Trad. Juarez
Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p 21.
68 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Aspectos fundamentais. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre:
Antonio Fabris, 1976, p. 21.
69 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Aspectos fundamentais. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre:
Antonio Fabris, 1976, p. 22.
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Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
a partir do incremento de critérios normativos e axiológicos, ou seja, “não exclui, mas inclui
o conceito final e causal de ação”70.
É mérito dos doutrinadores desta escola o reconhecimento de que um conceito de conduta não
pode ser meramente ontológico, eis que a omissão só existe enquanto ente com valor em si, e
assim todo e qualquer conceito de ação tem de abarcar também critérios normativos e
axiológicos, contudo, conforme Busato, falha a teoria na identificação destes elementos ou
mesmo na elaboração de critérios71 passíveis de serem falseados e postos a prova.
70 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral.Aspectos fundamentais. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre:
Antonio Fabris, 1976, p. 22.
71 BUSATO, Paulo César. Direito Penal & Ação Significativa: Uma Análise da Função Negativa do Conceito de
Ação em Direito Penal a Partir da Filosofia da Linguagem. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 34.
72 D’ÁVILA, Fabio Roberto, A realização do tipo de ilícito como pedra angular da teoria do crime. Elementos para
o abandono do conceito pré-típico de ação e de suas funções. Revista de Estudos Criminais, São Paulo, n.54, pp. 135-
164, jul./set., 2014, p. 54.
142
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Dessa forma, considera-se o dever normativo como a base de tal concepção o conceito de
ação passa a ser: “evitar evitable em posición de garante”74. Na comissão, uma vez que o
autor decide por atuar este assumiria a posição de garante em relação ao resultado, e
quando iniciada a ação, o autor que detém o domínio de tal fato pode agir conforme o
direito e evitar o resultado75. Já na omissão pelo dever de interferir no curso causal
impedindo o resultado, portanto, em ambos os casos a referência é a evitabilidade 76.
Outra crítica trazida pela doutrina é que, uma vez que esse conceito parte da posição de
73 No mesmo sentido, BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal & Ação Significativa: Uma Análise da Função Negativa do
Conceito de Ação em Direito Penal a Partir da Filosofia da Linguagem. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 108.
74 HERZBERG apud ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría
del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal.
Madrid: Civitas, 1997, p. 247.
75 BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal & Ação Significativa: Uma Análise da Função Negativa do Conceito de
Ação em Direito Penal a Partir da Filosofia da Linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 108.
76 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoríadel delito.Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 247.
77 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 248.
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Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
garante, ou seja, do plano normativo e típico, ele não pode ser considerado um conceito de
conduta pré-jurídico. De forma que tal conceito não se trata de um conceito de conduta,
mas de critérios de imputação, uma vez que transporta para a ação o dever de agir, e assim
acaba por antecipar ao âmbito da pré-tipicidade elementos de imputação estranhos a ele.
Outrossim, a própria posição de garante não é esclarecida pela doutrina e, sob pano de
fundo, só funciona na concepção de um direito penal que, em vez de proteger bens
jurídicos, trabalha com a lógica da exigência de deveres normativos.
Na formulação de Roxin:
78 Conforme GRECO, Luís. Tem futuro o conceito de ação? In: GRECO, Luís. LOBATO, Danilo. (org). Temas de
Direito Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 147-172.
79 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 252.
144
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
80 Nesse sentido ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del
delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid:
Civitas, 1997, p. 252.
81 ABBAGNANO, N. apud GUARAGNI, Fábio André. As Teorias da Conduta em Direito Penal: Um estudo da conduta
humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 271.
82 VIVES ANTON, Tomás Salvador apud BUSATO, Paulo César. Direito Penal & Ação Significativa: Uma Análise
da Função Negativa do Conceito de Ação em Direito Penal a Partir da Filosofia da Linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2010, p. 139-140.
145
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Em suma, tal proposta traz um conceito de difícil verificação, senão porventura inverificável
e, por isso mesmo, resta infrutífero.
Doravante à Heidegger, por exemplo, o homem não mais poderá ser interpretado fora de seu
contexto histórico e social, eis que este só o é quando integrado com todos os significados
constantes no mundo, sendo ator produtor e receptor inerente à realidade circundante. Para
ele, não há sujeito sem mundo, pois o ser já está, desde que é, está lançado no mundo, sendo
correlativo ao projeto de viver, que é o compreender, e que integra o conceito próprio de
existência, da mesma forma, é inseparável de sua possibilidade de controlar seu destino, o
poder-ser, e a cada momento de existência traz compreensão de si e do mundo e das suas
possibilidades perante esses. Ao viver o homem projeta, e projetar é interpretar. Esse
argumento demonstra a quão frágil e abstrata é a concepção teleológica aristotélica ou ôntico-
fenomenológica do finalismo, calcada na ideia de uma determinada natureza das coisas.
146
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Portando, decanta-se que a conceito de homem não é algo dado, mas sim em eterna
possibilidade de construção, relacionando-se intrinsecamente ao seu contexto histórico,
assim, o homem se entende através de seu mundo, e não a partir de uma estrutura
imutável do ser.
Nesse aspecto é que contribui a filosofia de Wittgenstein, que apesar de ter método e foco
distintos dos de Heidegger, atina ao mesmo sentido investigativo da linguagem como a
expressão de significado e formadora da identidade dos homens.
Sua maior contribuição se dá no que tange a teoria dos jogos de linguagem, para a qual a
forma de vida e jogos de linguagem constituem o mundo significativo da humanidade,
sendo sempre ligada a uma forma de vida determinada, contextualizada e integrada dentro
das práxis comunicativas interpessoais, dessa forma, molda a identidade e as práticas dos
homens, conferindo significados que estão sujeitos as regras dessa comunicação, sempre
variáveis a cada contexto. Por isso Wittgenstein é relevante para a teoria em tela, pois o
significado de uma palavra ou de uma ação não é jamais independente, não carrega uma
essência em si, mas depende do jogo de linguagem sob o qual está sendo usado.
83 HEIDEGGER, Martin. Sobre a Essência do Fundamento. Tradução de Ernildo Stein, 1ª edição, Col. Os Pensadores.
São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 281-324.
147
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
No tocante à Habermas, este percebe por meio da teoria dos jogos de linguagem que, se
essa obedece a determinadas regras, portanto, traz conteúdo normativo. A partir disso,
estabelece que se pode extrair a regras éticas por meio do discurso, guiar sua ação através
das mesmas e, consequentemente, há a possibilidade de se extrair regras de ação a partir
das estruturas da linguagem.
Tendo por fulcro o paradigma filosófico apresentado, Vives Antón elaborou a concepção
significativa da ação. Na doutrina pátria, Paulo César Busato se apresenta como o mais
eminente defensor de tal corrente. A proposta significativa tem por fundamento a inserção no
conceito de conduta, do significado que se desejou transmitir por essa, ou seja, reconhece que
a ação é uma expressão que se dá pela linguagem, e não como um elemento ontológico,
portanto, é imprescindível a análise de seu contexto para a sua compreensão correta.
Com efeito, a ação tem um significado que é transmitido, assim, o conceito de conduta é
enriquecido com o significado que se desejou transmitir. A linguagem faz parte da ação, pois
“para que seja possível falar de ação é preciso que os sujeitos tenham a capacidade de
148
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Para essa proposta dogmática, o que há a centralidade conceitual do elemento subjetivo final
presente na ação delitiva, como preza o finalismo, tampouco da expectativa normativa, mas sim
o conjunto de fatores que produzem a percepção e compreensão dos propósitos do sujeito. Os
elementos subjetivos que reconhecemos na ação têm origem em uma multiplicidade de atos
sequenciais produzidos sob um determinado contexto. Na verdade, é da percepção e
compreensão global das circunstâncias relativas ao fato que se deduz sua qualidade final (tal
proposta trabalha com um conceito de dolo normativo), ou seja, a pretensão do agente. Assim,
para o conceito significativo de ação, não é essencial explicar o que se entende por ação,
tampouco sua estrutura, mas aprender o propósito significativo transmitido pela ação.
84 VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Apud BUSATO, Paulo César. Direito Penal & Ação Significativa: Uma Análise
da Função Negativa do Conceito de Ação em Direito Penal a Partir da Filosofia da Linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2010, p.150.
85 BUSATO, Paulo César. Direito Penal & Ação Significativa: Uma Análise da Função Negativa do Conceito de
Ação em Direito Penal a Partir da Filosofia da Linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p.180.
149
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Daí que os elementos subjetivos da conduta não devem ser compreendidos como processos
internos, mas como momentos da ação, ou seja, como componentes de um sentido
exteriorizado86. Sobre a verificação dos elementos subjetivos, Vives disserta que essa se
levará a cabo tendo em conta as competências do autor do fato e as características públicas de
sua ação, e não se dará em função de uma impossível certificação das representações,
crenças ou volições ocorridas em algum lugar opaco da mente 87, mas de um sentido expresso
e analisado frente ao tipo. Deriva disso a conclusão de que o tipo cumpre funções mais amplas
que a ação. É essa a razão que conduz a escolher a classificação de “tipo de ação”88. Portanto,
o tipo de ação trata-se de “uma regulação de sentido da própria ação, que a identifica como
pertencente a uma classe de ação delimitada pelo tipo”89. Assim, propõe a análise do dolo
como atribuição normativa, no âmbito da antijuridicidade.
O primeiro problema é que, por buscar um conceito de conduta no âmbito do mundo da vida
(lebenswelt) que não se embase em fundamentos ontológicos, mas que ainda não fazem
parte do âmbito normativo, ou seja, em uma terceira via entre os fundamentos normativos e
ontológicos, o conceito de conduta significativo acaba por não cumprir nenhuma das
funções dele esperadas, nem mesmo a função negativa de limitação, pois, se o prisma é o
86 PÉREZ, Carlos Martinez-Buján. A Concepção Significativa da Ação: T.S. Vives e sua Correspondência
Sistemática com as Concepções Teleológico-Funcionais do Delito. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 37.
87 PÉREZ, Carlos Martinez-Buján. A Concepção Significativa da Ação: T.S. Vives e sua Correspondência
Sistemática com as Concepções Teleológico-Funcionais do Delito. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 38.
88 BUSATO, Paulo César. Direito Penal & Ação Significativa: Uma Análise da Função Negativa do Conceito de
Ação em Direito Penal a Partir da Filosofia da Linguagem. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 214.
89 VIVES ANTÓN, Tomás Salvador, apud BUSATO, Paulo César. Direito Penal & Ação Significativa: Uma Análise
da Função Negativa do Conceito de Ação em Direito Penal a Partir da Filosofia da Linguagem. 2.ed. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2010, p. 204.
150
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
preenchimento do sentido do tipo penal, isto não é uma análise em âmbito pré-jurídico, senão
jurídico, e dizer somente que é o sentido que importa a análise não serve para a delimitação do
que é ação e do que não é, pois faz depender o tipo anteriormente à ação, o que importa dizer
que a ação pressupõe o tipo, de forma que ela não é capaz de delimitar quais referenciais
comportamentais podem ou não ser tipificados. Ademais, o próprio tipo passa a ter suas
funções reduzidas, funções que são transmitidas em sede da antijuridicidade.
90 MARINUCCI, Giorgio. Il reato come “azione”. Critica di um dogma. Milano: Giuffrè, 1971, p. 1.
91 No sentido da insuficiência dos conceitos de ação frente a suas funções, também Cerezo Mir: “Ninguno de los
conceptos de la acción formulados hasta el momento satisface plenamente, como veremos, estas exigencias, a pesar
de que gran parte de ellos han sido elaborados ya con este objeto.”CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal
Español. Parte General. Tomo II: Teoría jurídica del delito. Ed. Tecnos: Madrid, 1997. p 27.
92 JESCHECK apud MARINUCCI, Giorgio. Il reato come “azione”. Critica di um dogma. Milano: Giuffrè, 1971, p. 1.
151
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Neste sentido, a primeira indagação acerca da proposição de um conceito de ação deve dizer
respeito à sua viabilidade, ao seu valor sistemático. Se um supraconceito de conduta, ou mesmo
sua estrutura por si mesma, não é capaz de arvorar a teoria do delito, pode-se questionar, desde
logo, sua viabilidade ou sua própria utilidade na teoria do delito. 96 Todas as tentativas levadas a
cabo pelas propostas dogmáticas apresentadas revelam falhas até o momento insuperáveis. Frente
a isso, a dogmática vem apontando no sentido de um abandono do conceito pré-tipico de ação
como Aleph da construção teórica do crime. Nas palavras de D’Ávila:
93 MARINUCCI, Giorgio. Il reato come “azione”. Critica di um dogma. Milano: Giuffrè, 1971, p. 7.
94 Neste sentido, JESCHECK, WELZEL, ENGISH, KAUFMANN, CEREZO MIR, HIRSCH e, mais recentemente,
ROXIN.
95 TAVARES, Juarez. Apontamentos sobre o conceito de ação. In: PRADO, Luiz Regis (org.). Direito Penal
Contemporâneo. Estudos em Homenagem ao Professor José Cerezo Mir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2007, pp. 138-154, p. 140.
96 TAVARES, Juarez. Apontamentos sobre o conceito de ação. In: PRADO, Luiz Regis (org.). Direito Penal
Contemporâneo. Estudos em Homenagem ao Professor José Cerezo Mir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2007, pp. 138-154, p. 138.
152
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
No mesmo sentido, Luís Greco afirma que: “O conceito de ação perdeu sua majestade”98.
Ou ainda Tavares:
[...] a partir das dificuldades ou deficiências dos conceitos pré-jurídicos de ação,
a tarefa de se encontrar sua substância é ainda mais complexa, não
propriamente pela busca infinita ou incessante de seus elementos, mas
principalmente quando o conceito de ação se veja situado como instrumento
idôneo a possibilitar uma necessária avaliação reflexiva da norma no sentido de
verificar, negativamente, se o seu processo de construção traça com nitidez as
zonas do lícito e do ilícito e é capaz de pôr à prova a regularidade do processo
de imputação da conduta ao seu autor99.
Nesse sentido, parece claro que a doutrina caminha no sentido de abandono de um
conceito pré-típico de conduta a servir de zênite da teoria geral do crime. Contudo, não o
abandono de um conceito de ação não o é. O que se propõe, por meios e fundamentos
diversos, é a perda da centralidade de tal conceito. Alguns pelo esvaziamento semântico do
mesmo, tal qual Greco, que afirma que:
[...] não é preciso definir o que entendemos por ação. O sentido que este termo
tem na nossa linguagem cotidiana já basta, já é o suficiente par a que ele seja
capaz de cumprir a função que lhe assinalamos100.
Portanto, não abandona o conceito de conduta, eis que admite ser o mesmo necessário
enquanto sujeito das valorações da teoria do crime101, contudo, não como sua pedra angular.
97 D’ÁVILA, Fábio Roberto. A realização do tipo de ilícito como pedra angular da teoria do crime. Elementos para
o abandono do conceito pré-típico de ação e de suas funções. Revista de Estudos Criminais, São Paulo, n.54, pp. 135-
164, jul./set., 2014, p. 139.
98 GRECO, Luís. Tem futuro o conceito de ação? In: GRECO, Luís. LOBATO, Danilo. (org). Temas de Direito
Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 147-172, p. 152, itálico no original.
99 TAVARES, Juarez. Apontamentos sobre o conceito de ação. In: PRADO, Luiz Regis (org.). Direito Penal
Contemporâneo. Estudos em Homenagem ao Professor José Cerezo Mir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2007, p. 138-154, p. 138-139.
100 GRECO, Luís. Tem futuro o conceito de ação? In: GRECO, Luís. LOBATO, Danilo. (org). Temas de Direito
Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 147-172, p. 163.
101 GRECO, Luís. Tem futuro o conceito de ação? In: GRECO, Luís. LOBATO, Danilo. (org). Temas de Direito
Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 147-172, p. 162.
153
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Como foi possível observar, a despeito das propostas serem divergentes, todas têm como
fundo comum a renúncia ao conceito de conduta como pedra angular da teoria geral do
delito e sua capacidade de rendimento. Neste sentido, dentre os dois caminhos
apresentados à doutrina, parece que hodiernamente a tendência aponta para o abandono
de um conceito pré-tipico de conduta como pedra angular da teoria do crie, bem como de
sua importância e suas funções.
102 D’ÁVILA, Fábio Roberto. A realização do tipo de ilícito como pedra angular da teoria do crime. Elementos para
o abandono do conceito pré-típico de ação e de suas funções. Revista de Estudos Criminais, São Paulo, n.54, pp. 135-
164, jul./set., 2014, p. 139.
103 TAVARES, Juarez. Apontamentos sobre o conceito de ação. In: PRADO, Luiz Regis (org.). Direito Penal
Contemporâneo. Estudos em Homenagem ao Professor José Cerezo Mir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2007, pp. 138-154, p. 140.
154
Aula 05 | Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Atualmente, não se pode mais conceber a conduta por um viés estritamente ontológico.
Chegou-se à conclusão de que o conceito de conduta, por si só, já não é capaz de suportar
todo o peso e significado que lhe é atribuído e esperado. Com fulcro nessa leitura, tende a
ser reduzida a capacidade de rendimento do conceito de conduta frente ao tipo penal.
Por outro lado, as teorias que tentaram dar caráter axiológico ao conceito de conduta
igualmente não tiveram melhores resultados no que tange às respostas concretas e
abrangentes, senão enfrentaram dificuldades conceituais e dogmáticas insuperáveis.
Não obstante, cabe ressaltar que nenhum sistema jurídico tem ou deveria ter por base uma
teoria dogmática única, ora, seria totalmente imprudente, senão porventura impossível tal
prática. A boa doutrina deve, com uma postura cientifica louvável, fazer boa colheita de
todas as propostas apresentadas, sempre em busca de melhores e mais adequadas formas
de resolver os conflitos existentes na vida dos homens em sociedade, da razão e da ética.
No que tange a esse estudo, que figura como mera testemunha da evolução doutrinária,
resta claro que a resposta ao enigma da esfinge, a dogmática impecável, jamais será
alcançada. No entanto, a busca não pode ter fim. O certo é que todas as novas propostas
doutrinárias convergem a um ponto em comum, o declínio de rendimento do conceito de
conduta em contraponto ao tipo penal.
155
Aula 05| Os Paradigmas Filosóficos do Direito Penal
Por fim, nas palavras de Manuel da Costa Andrade, referindo-se às lições de Figueiredo Dias:
[...] não faz sentido encarar as diferentes escolas – os grandes modelos de
construção sistemática da infracção criminal, que correm sob as designações
de positivismo-causalismo, normativismoneokanteano, finalismo ôntico-
antropológico e doutrina teleológico-racional – como credos oferecidos, em
alternativa e exclusividade, a adesão. Em que a entrada numa escola obrigaria
a fechar a porta à influência “nefasta” das demais. A postura terá, pelo
contrário, de ser aberta e antidogmática: olhando cada uma das escolas como
contributos epocais, vinculados a um determinado ambiente filosófico-cultural.
Na certeza de que elas vão, progressivamente, elevando a doutrina a
patamares mais elevados, mais densificados de compreensão e fecundidade
explicativa. Nenhuma escola podendo ter realizado o seu percurso se não
tivesse podido contar com o legado das que historicamente a precederam. Não
podendo, por isso, nenhuma delas aspirar valer como a ultimaThule imaginada
por VIRGÍLIO. Nas ciências criminais, como na ciência em geral, a ultimaThule
é sempre e tão só a penúltima ultimaThule104.
104 COSTA ANDRADE, Manuel de. Outros Mares e Outros Céus, A Mesma Alma. A última aula do Prof. Jorge de
Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 31-32.
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA c) Naturalismo – Neokantismo – Finalismo
a) Kant
156
Verificação de Leitura
c) Escola Francesa
d) Naturalista – Mecanicista
a) Kantiana
b) Hegeliana
c) Antropológica
d) Sociológica
e) Filosófica
157
Referências
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WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio
Fabris, 1976.
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa C.
160
Gabarito
Questão 2
Resposta: Alternativa D.
Resolução: Numa perspectiva histórica, Hegel é apontado como o autor que primeiramente
trabalhou um conceito de ação punível pelo direito, ao vincular o dolo e a culpa ao agir de
um sujeito que expressa concretamente uma vontade, de forma a diferenciar uma ação
punível de um mero ato.
Questão 3
Resposta: Alternativa B.
Resolução: A resposta correta é a alternativa “b” tendo em vista que a escola naturalista,
também denominada causalista, ou mesmo escola clássica, proeminente na modernidade,
partia de uma influência de época que deitava raízes no positivismo, em que somente era
válido aquilo que pudesse ser empiricamente demonstrável. Historicamente, trata-se da
busca de superação de argumentos metafísicos que não pudessem ser referenciados no
mundo concreto.
Questão 4
Resposta: Alternativa A.
161
Gabarito
Questão 5
Resposta: Alternativa A.
Resolução: A pedra de toque da teoria finalista é sua teoria da conduta. Nesse sentido,
quando adotado o conceito pré-típico de ação proposto pelo finalismo, somente são imputáveis
ações finalisticamente dirigidas, consoante uma vontade de realização que abarca o propósito,
os meios selecionados e as consequências secundárias previsíveis decorrentes deste agir.
162
163
TEMA 06
Dimensão Subjetiva do Tipo: A
Teoria da Congruência e a Teoria
do Erro de Tipo
164
LEGENDA seções
DE ÍCONES
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Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
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Aula 06
Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da
Congruência e a Teoria do Erro de Tipo
Objetivos
Caro aluno, a pesquisa em voga procura realizar a exposição do que se entende como a
dimensão subjetiva do tipo, seus elementos constitutivos, sua importância e seus
desenlaces na teoria geral do delito. Nesse sentido, aprofunda o estudo sobre o dolo e suas
formas de manifestação, bem como os requisitos para sua configuração, o que desencadeia
toda a teoria sobre o erro em direito penal, bem como a congruência entre o tipo objetivo e
subjetivo. Tenha um ótimo estudo.
1 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
49.
2 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
50.
3 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 331.
166
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congruência e a Teoria do Erro
de Tipo
[...] não se referem a elementos do tipo objetivo de ilícito, ainda que porventura
se liguem à vontade do agente de realização do tipo: o seu objeto encontra-se
fora do tipo objetivo de ilícito, não havendo por isso, na parte que lhes toca,
uma correspondência ou congruência entre o tipo objetivo e o tipo subjectivo de
ilícito.4
Assim, cumpre dizer que há os chamados tipos congruentes, aqueles aos quais somente
importa o preenchimento do dolo do tipo, como o art. 121 do Código Penal: Matar alguém;
tal tipo não exige o preenchimento de nenhum elemento subjetivo especial. Já, em sentido
oposto, existem os chamados tipos incongruentes, que requerem, para sua configuração,
para além do dolo do tipo também a existência de um elemento subjetivo especial.
É certo que a intenção é integrada pelo dolo do tipo (mais notadamente no dolo de primeiro
grau) e assim pertence à dimensão subjetiva do tipo. Contudo, no que tange aos outros
elementos geralmente elencados pela doutrina, tais quais os motivos, os impulsos, as
características da atitude interna e estados anímicos são, em realidade, utilizadas não para
a configuração do tipo subjetivo de injusto, mas para avaliar o homem em concreto no que
tange à sua culpabilidade e à censurabilidade de suas ações, portanto, pertencem ao tipo
de culpa, e não ao tipo de injusto5. Assevera Figueiredo dias que tal confusão entre os
elementos subjetivos do tipo de injusto e do tipo de culpa poderia “assumir o efeito
indesejável de se bater os limites entre as categorias da ilicitude e da culpa” 6.
4 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 329.
5 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 331.
6 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 332.
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Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congru-
ência e a Teoria do Erro de Tipo
1.1.1 A Intenção
Até o momento, a literatura jurídico-penal não conseguiu delimitar o que seja o núcleo
duro de um conceito geral de intenção, portanto, não se pode considera-la um elemento
dogmático definido pela Parte Geral, senão como um elemento que está presente de
variadas formas na parte especial,7 contudo, a despeito disso, pode-se dizer que se
entende de forma geral por intenção a “vontade dirigida finalisticamente ao resultado”8.
As intenções são os elementos subjetivos mais próximos do dolo do tipo 9 e podem com ele se
confundir, como nos casos dos tipos congruentes, contudo, nem sempre se confundem com o
mesmo, como nos casos em que a intenção concorre com o dolo do tipo, como nos tipos
incongruentes, p. ex., a intenção de apropriar-se no delito de furto; ou mesmo, de obter para si
ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer
alguma coisa, no delito de extorsão. Esses elementos subjetivos não integrem o dolo do tipo de
forma essencial, mas codeterminam o desvalor da ação e definem a área da tutela 10.
7 Nesse mesmo sentido, ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la
teoría delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal.
Madrid: Civitas, 1997, p. 417.
8 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
51.
9 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 330.
10 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 328.
11 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 328.
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Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congruência e a Teoria do Erro
de Tipo
MAURACH: “[…] el querer, dominado por el saber, de la realización del tipo objetivo.”15
JESCHECK: “el dolo significa conocer y querer los elementos objetivos que pertenecen
al tipo legal”.16
ROXIN: “[…] dolo como “saber y querer (conocimiento y voluntad)” de todas las
circunstancias del tipo legal.”17
Essencial é dizer que, para a doutrina majoritária, o dolo requer um elemento intelectivo – o
conhecimento – e um elemento volitivo – o querer18. Em sentido parecido, porém inexato, uma
vez que não conceitua o dolo do tipo, mas somente apresenta suas formas de aparição, a
legislação pátria que em seu artigo 18 define o que se entende por crime doloso.
Art. 18 - Diz-se o crime:
Crime doloso (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.
12 MEZGER, Derecho Penal: Libro de estudio. Parte General. Trad. Ricardo C. Núñez. Editorial Bibliográfica
Argentina: Buenos Aires, 1958, p. 226.
13 WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Parte General. 11ª edición. Tradução de Juan Bustos Ramírez e
Sergio Yáñes Pérez. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1997, p. 77.
14 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
50.
15 MAURACH, Reinhart; ZIPF, Heinz. Derecho Penal: parte general. Tradução de Sergio Politoff Lifschitz. Buenos
Aires: Editorial Astrea, 1994, p. 376.
16 JESCHECK, Hans Heinrich; WEIGEND, Thomas.Tratado de Derecho Penal. Parte General. Tradução de
Miguel Olmedo Carnedete. Granada: Comares Editorial, 2002, p. 314.
17 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción
de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 415.
18 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
50. Em sentido contrário, mais recentemente, PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa. Trad. Luís Greco.
Barueri: Manole, 2004.
169
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congru-
ência e a Teoria do Erro de Tipo
Ainda, é fundamental ressaltar que o dolo do tipo não são resume aos dados da realidade
interna do sujeito, mas é aquele elemento normativo a ser preenchido para que a conduta
seja típica.Neste sentido, sempre que se falar em dolo do tipo não se estará falando de uma
mera estrutura psicológica interna do agente, ou mesmo de uma estrutura ontológica do
agir desvinculada de qualquer conteúdo material, mas de uma análise normativa e
interessada de alguns aspectos subjetivos pontuais da conduta do agente e que estão
presentes no núcleo duro do tipo subjetivo.
170
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congruência e a Teoria do Erro
de Tipo
Cumpre observar que este conhecimento não se restringe a dados empíricos. Com efeito,
no que tange aos elementos descritivos do tipo (por exemplo “coisa”, “alguém”) o
conhecimento se resume ao seu conteúdo imediato da linguagem ordinária, sem que se
questione os aspectos valorativos. Todavia, no que tange aos elementos normativosdo tipo
(por exemplo, “injusta provocação”, “funcionário público”), não basta o conhecimento dos
fatos que preenchem o conceito, para além disto, deve o autor compreender o conteúdo de
significação jurídico-social das circunstâncias do fato20. Consoante o entendimento de
Roxin: “conocimiento significa percepción sensorial de las circunstancias descriptivas del
hecho y comprensión intelectual de las normativas”21.
A partir dos estudos anteriores foi demonstrada a aproximação entre o tipo e a antijuridicidade,
que se constrói de tal maneira que a ilicitude restará, por certo, como a dimensão material do
tipo.22Portando, se o conhecimento das circunstâncias do fato ilícito é exigência para a
configuração do dolo do tipo, é evidente que um conhecimento raso dos elementos normativos
do tipo também o será. Desta forma, as circunstâncias do fato igualmente deverão ser
analisadas sobre o prisma deste conteúdo ilícito. Em suma, se o tipo de ilícito já é portador do
sentido de ilicitude, então, por óbvio, o conhecimento das circunstâncias do fato não se atrela
19 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p
55.
20 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
56.
21 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 460.
22 Neste sentido, Roxin: “En nuestro tipo total, la relación entre tipo y antijuricidad se construye de manera tal que
la antijuricidad no resultará, por cierto, componente del tipo;”ROXIN, Claus. Teoría del tipo penal. Tipos abiertos y
elementos del deber jurídico. Trad. Enrique Bacigalupo.Buenos Aires: Depalma, 1979, p. 212.
171
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congru-
ência e a Teoria do Erro de Tipo
somente a dados ontológicos, ‘puros fatos’, ‘fatos nus’, senão a ‘fatos valorados’23 em
função do sentido dessa mesma ilicitude24-25.
Dessa forma, o conceito de dolo passa a ser normatizado, afastando-se de aspectos
puramente ontológicos. Com a exigência do conhecimento das circunstâncias do fato e
assim de certo entendimento do caráter antijurídico do mesmo, o dolo não pode mais ser
compreendido como a forma pura de um fenômeno psicológico existente a priori ou- mesmo
a meros dados subjetivos do autor, senão como parâmetro normativo que serve de guia a
interpretação do comportamento típico.
A partir do reconhecimento que o tipo não descreve simplesmente uma amalgama de dados
naturais, o conhecimento das circunstâncias do fato se refere, portanto, ao conhecimento fático
em seu significado correspondente aos elementos normativos do tipo. Contudo, por certo que
tal conhecimento dos elementos normativos não se dá na mesma forma e sentido ao qual o
jurista os dá, sob pena de, se assim fosse, somente o jurista poder atuar dolosamente 26. Nesse
sentido, avança a doutrina dominante, já com raízes no pensamento de Mezger que à sua
época já aduzia, aproveitando um pensamento de Bindig, a “subsusção na esfera do leigo”27 e
a “valoración paralela em la esfera del profano”28, ou mesmo Welzel, que por seu
23 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 335.
24 Em sentido contrário Armin Kaufmann, que sustenta, com base nas estruturas lógico-objetivas do finalismo,
que a formulação da teoria do dolo vinculada a uma posição consciente frente à ilicitude não é apenas incorreta, mas
que produz dificuldades práticas insuperáveis. KAUFMANN, Armin. El dolo eventual em la estrutura del delito. ADPCP,
nº 13, v2, pp. 185-206, mai./ago., 1960, p. 187-188. Disponível em <http://portal.uclm.es/descargas/idp_docs/doctrinas/
kauffman.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2014.
25 No mesmo sentido VIVES ANTÓN: “Actua dolosamente quien realiza el injusto típico com conocimiento y
voluntad. La noción general de dolo, podría ser la siguiente: consciencia y voluntad de la realización del injusto típico.
De forma que el conocimiento y la voluntad que la acción dolosa exige han de referirse necesariamente a la ejecución
del injusto típico y, en consecuencia, no se proyectan sólo sobre la dimensión externa del hecho, sino también sobre su
significación, es decir, sobre su entraña valorativa.” VIVES ANTÓN, Tomás S. COBO DEL ROSAL, Manuel. Derecho
Penal: Parte General. 4ª Ed. Tirant lo Balch: Valencia, 1996, p. 355.
26 Nesse mesmo sentido, VIVES ANTÓN, Tomás S. COBO DEL ROSAL, Manuel. Derecho Penal: Parte General.
4ª Ed. Tirant lo Balch: Valencia, 1996, p. 560.
27 MEZGER apud DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral
do crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 336.
28 MEZGER apud ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría
del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal.
Madrid: Civitas, 1997, p. 460.
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Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congruência e a Teoria do Erro
de Tipo
turno requer uma “apreciação paralela na consciência psicológica do agente”29-30 para avaliar
se o agente tinha os conhecimentos necessários para dirigir sua conduta no sentido do ilícito.
Nas palavras de Figueiredo Dias, a configuração do dolo do tipo requer que:
[...] o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação de sua
consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção
intentada, para o seu caráter ilícito; porque tudo isso é indispensável para se poder
afirmar que o agente detém, ao nível da sua consciência intencional ou psicológica,
o conhecimento necessário para que a sua consciência ética, ou dos valores, se
ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento. Só
quando a totalidade dos elementos do fato estão presentes na consciência
psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se decidiu pela prática do
ilícito e deve responder a uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico
lesado pela conduta. Por isso, numa palavra, o conhecimento da realização do tipo
objetivo de ilícito constitui o supedâneo indispensável para que nele se possa
ancorar uma culpa dolosa e a punição do agente a este título31.
Por certo que a exigência do conhecimento da fatualidade típica que configura o elemento
intelectivo do dolo típico ora será de maior ou menor grau de exigência. Será de maior
exigência como no caso do direito penal secundário e seus elementos normativos, em que
se exige um conhecimento específico e de maior profundidade que se afasta muitas vezes
de uma percepção clara da ilicitude do fato. Ao inverso, será de menor exigibilidadequando
o sentimento do ilícito for de fácil percepção, como nos casos de homicídio, em que já há
uma valoração moral, social ou cultural de fácil compreensão.
29 WELZEL apud DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral
do crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
30 No mesmo sentido, Zaffaroni: “lo que Mezger llamó ‘valoración paralela en la esfera lega del autor’ (Paralellwertung
in der Laiensphre des Täter), y que Welzel prefiere denominar ‘apreciación paralela en la consciencia del
autor’(Paralellbeurteilung im Täterbewusstsein)”. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General.
Tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1998, p. 312.
31 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 334-335.
32 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 337-338.
173
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congru-
ência e a Teoria do Erro de Tipo
33 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 339.
34 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
56.
174
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congruência e a Teoria do Erro
de Tipo
No que tange ao erro de tipo, a título de exemplo e para fins de esclarecimento, Figueiredo dias
trás o caso de uma mulher que faz uso de um medicamento que atua também como abortivo
sem saber que está grávida, e acaba por abortar. Neste caso, é excluído o dolo do delito de
aborto. Outrossim, outra mulher grávida que conhece a sua gravidez, mas considera o
medicamento inócuo, toma-o e acaba igualmente por abortar. Novamente o dolo não pode ser
reconhecido. No primeiro caso, pela falta de conhecimento, no segundo, pelo erro do
conhecimento35. Ou ainda, Roxin elabora o exemplo de alguém que dispara contra um suposto
espantalho sem saber que se trata de uma pessoa e, assim, atua sem o dolo do tipo 36.
Igualmente, o erro de tipo pode ser vencível ou invencível. Como no exemplo dado por
Roxin, caso a pessoa desconfiasse que o espantalho pudesse ser uma pessoa disfarçada e
atira assim mesmo, o erro, nas circunstâncias era vencível. Ainda, novamente cumpre dizer
que o autor poderá ser punido a título de delito culposo, caso haja previsão legal.
35 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 340.
36 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 458.
37 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 341.
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Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congru-
ência e a Teoria do Erro de Tipo
Contudo, seguindo a linha de raciocínio até aqui elaborada, o erro sobre o processo causal,
por certo, é um erro sobre a fatualidade típica, portanto, é capaz de excluir o dolo do tipo.
Igualmente, como já visto, há de se aplicar desde já a teoria da imputação objetiva, que
excluiria na maioria dos casos o próprio nexo de causalidade, uma vez que o resultado
criado não se realizaria no âmbito do tipo objetivo, ou mesmo que não seja caso de
aplicação desse critério de delimitação do liame causal, o erro sobre o processo causal não
pode deixar de ter-se por relevante no sentido da não afirmação do dolo 41. Ainda, a título de
esclarecimento de como é relevante o erro sobre o processo causal, Figueiredo Dias
apresenta o seguinte exemplo:
38 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
58.
39 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 341.
40 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
59.
41 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 343.
176
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congruência e a Teoria do Erro
de Tipo
Ora, é perceptível que tal erro sobre o processo causal leva a punição do agente somente
por tentativa, ou seja, se trata de um erro essencial do curso causal. Contudo, existem
casos em que o erro não se dá de forma tão essencial assim, por exemplo, o caso em que
A pretendendo matar a vítima B a golpeia com uma machadada na cabeça, contudo, não
ocorre esmagamento craniano e a morte só vem a ocorrer em virtude de uma infecção na
ferida43. É evidente que o autor esteve em erro sobre o curso causal, contudo, tais casos
são erros não essenciais e que não são capazes nem de excluir o dolo, bem como não
excluem a relação causal entre a ação e o resultado.
Por fim, percebe-se a delicada situação do erro sobre o processo causal, ora pode excluir o
dolo do tipo, ora é irrelevante e não altera em nada a valoração jurídica. Neste sentido,
salutar é a aplicação dos critérios da imputação objetiva no intuito de resolver o problema
no nexo de causalidade da realização do risco no resultado típico.
42 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 343.
43 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
49.
44 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 489.
177
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congru-
ência e a Teoria do Erro de Tipo
Nessas hipóteses resta claro que o dolo empregado na primeira ação não determina
imediatamente o resultado, e que a ação subsequente, sem o dolo de matar é que o
determina. Nesse sentido, parte da doutrina vê a primeira ação como uma tentativa, e a
segunda ação como um homicídio culposo, tal como Jakobs47.
Já outra parte da literatura segue outra senda, embora sobre diferentes pressupostos,
pronunciam-se pela aceitação do crime como consumado, tal qual Jescheck48. Figueiredo
Dias busca solucionar tais controvérsias por meio dos critérios da imputação objetiva, a
saber, “se o risco criado se concretiza no resultado pode ainda reconduzir-se ao quadro dos
riscos criados pela (primeira) acção”49. Em caso de resposta afirmativa, então o crime seria
consumado, caso a resposta for negativa, somente poderá ter lugar a tentativa,
eventualmente em concurso com um crime culposo50.
45 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 343.
46 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
49.
47 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 344.
48 JESCHECK, Hans Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal. Parte General. Tradução de
Miguel Olmedo Carnedete. Granada: Comares Editorial, 2002.
49 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 344.
50 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 344.
178
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congruência e a Teoria do Erro
de Tipo
Já a teoria da equivalência, parte da ideia de que o dolo somente deve abarcar o resultado
típico e seus elementos, ou seja, não exige a concreção num objeto real. Portanto, no caso
trazido, como o agente queria matar uma pessoa e, mesmo com o erro ou acidente na
execução, matou uma pessoa diversa, tal erro ou acidente não tem relevância no dolo,
portanto, deveria o autor responder por homicídio consumado.
51 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito.
Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas,
1997; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I.
Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 493.
52 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito.
Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas,
1997; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I.
Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 493.
179
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congru-
ência e a Teoria do Erro de Tipo
Erro na execução
Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o
agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa
diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-
se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida
a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste
Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)
53 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I.
Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 345.
180
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congruência e a Teoria do Erro
de Tipo
54 Nesse sentido, Welzel, Eb. Schmidt, Bockelmann, Donha, Niese e Armin Kaufmann, que remetem os elementos da
antijuridicidade e consideram o erro sobre estes como erro de proibição. Vide: ROXIN, Claus. Teoría del tipo penal. Tipos
abiertos y elementos del deber jurídico. Trad. Enrique Bacigalupo. Buenos Aires: Depalma, 1979, p. 192.
55 Nesse sentido, ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del
delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid:
Civitas, 1997, p. 459.
56 Vide ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito.
Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas,
1997; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I.
Coimbra: Coimbra Editora, 2004; VIVES ANTÓN, Tomás S. COBO DEL ROSAL, Manuel. Derecho Penal: Parte
General. 4ª Ed. Tirant lo Balch: Valencia, 1996, p. 560.
57 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito.
Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas,
1997; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I.
Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 459.
181
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congru-
ência e a Teoria do Erro de Tipo
da proibição legal58. Nesse sentido, o erro sobre as proibições exerce a mesma função de
quaisquer outros elementos do pertencentes ao tipo objetivo de ilícito. Portanto, o
conhecimento da proibição, mesmo que na “esfera do profano” tal qual aduzia Mezger, “faz
parte do conhecimento necessário a uma correta e indispensável orientação da consciência
ética para o problema da ilicitude”59-60.
Contudo, ainda não se pode dizer, num extremo da argumentação, que o erro de proibição se
trata de uma categoria ou modalidade de erro de tipo. Consoante Roxin, deve-se diminuir a
amplitude do conceito de erro de proibição, mas este ainda tem autonomia frente ao conceito
de erro de tipo. Para ele, o erro de proibição se limita aos casos em que há um erro de
subsunção por parte do agente que, mesmo que conheça o caráter minimamente ilícito capaz
de orientar e configurar o dolo, desconhece que o legislador proíba sua conduta. Como no caso
em que o agente, agindo com dolo, esvazia os pneus do carro de outro e não é capaz de
perceber que a palavra “dano” é valorada até este ponto pelo legislador, portanto, mesmo que o
autor conheça que sua atitude é ilícita, não há entende como proibida pelo tipo penal 61. Caberia
aqui, portanto, não o erro de tipo que exclui o dolo, mas sim o de proibição, com seria capaz de
excluir a culpabilidade pela falta da consciência de ilicitude.
58 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 346.
59 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 349.
60 Como leitura complementar para a total compreensão da temática em voga indica-se os escritos entorno da
dupla valoração do dolo e da culpa na teoria geral do delito.
61 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito.Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 461.
182
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congruência e a Teoria do Erro
de Tipo
requerido, que verdadeiramente serve para indicar (embora ainda não para fundamentar)62
uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento.
62 Em sentido contrário na atualidade, com maior relevo, Puppe que defende a eliminação do elemento volitivo
para guiar-se com base somente no conhecimento das circunstancias através da perspectiva normativa de imputar
como dolo todo comportamento que apresente um “método idôneo para a provocação do resultado”. PUPPE, Ingeborg.
A distinção entre Dolo e Culpa. Trad. Luís Greco. Barueri: Manole, 2004, p. 82.
63 WELZEL, Hans. Derecho Penal. Parte General. Trad. Carlos Fontán Balestra y Eduardo Friker. Buenos Aires:
Depalma, 1956, p. 74.
64 WELZEL, Hans. Derecho Penal. Parte General. Trad. Carlos Fontán Balestra y Eduardo Friker. Buenos Aires:
Depalma, 1956, p. 74.
65 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo
I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 349.
66 GRECO, Luis. Algumas observações introdutórias à “Distinção entre dolo e culpa”, de Ingeborg Puppe. In:
PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa. Trad. Luís Greco. Barueri: Manole, 2004, p. XII-XIII.
183
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congru-
ência e a Teoria do Erro de Tipo
67 Nesse sentido, BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição: uma análise comparativa. 4.
ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 28.
68 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo
I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 350.
69 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito.Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 424.
184
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congruência e a Teoria do Erro
de Tipo
A título de exemplo, o caso em que A, querendo matar B, coloca uma bomba em um trem ou
aeronave em que o último se encontra, a bomba explode e mata, além de B, a todos os demais
passageiros. Inegavelmente a morte dos demais passageiros foi anuída de forma inequívoca
por A, como consequência necessária do meio escolhido por ele 70, pois àquele que sabe com
seguridade que a bomba matará sua vítima e também causará a morte dos demais, por certo
se pode qualificar de “querida” a morte destes últimos, mesmo que o autor não tenha interesse
nas mesmas. Desse modo, pode-se afirmar que o elemento volitivo é presente tal qual no dolo
direto de primeiro grau no que tange à vítima visada, contudo, menos intenso que no dolo direto
de primeiro grau no que tange às demais mortes colaterais.
Grosso modo, os casos de dolo eventual se caracterizam pelo agente ter representado a
realização do tipo de ilícito objetivo como possível, e mesmo assim ter agido com a disposição
de aceitar a realização deste. Portanto, o sujeito prevê como possível a realização do resultado
típico e age com disposição e aceitando o risco de que o resultado se produza.
70 BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição: uma análise comparativa. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 29.
71 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo
I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 351.
185
Aula 06 | Dimensão Subjetiva do Tipo: A Teoria da Congru-
ência e a Teoria do Erro de Tipo
Nesse sentido, a distinção entre dolo direto de segundo grau e dolo eventual se assenta em
que, no primeiro, o resultado se representa como necessário, como certo, já no segundo,
somente como possível.
Contudo, a distinção entre dolo eventual e culpa consciente não é tão simples. O que ocorre
é que, na culpa consciente, o agente, da mesma forma que no dolo eventual, prevê seu
resultado somente como possível, todavia, neste grupo de casos, não está disposto a
aceitar a produção do resultado, mas mesmo assim age, confiando que o resultado não
ocorra, p. ex., um caçador que, confiando plenamente em sua habilidade como atirador,
dispara contra um animal que se encontra próximo de uma pessoa. Contudo, acaba por
acertar a pessoa ao invés do animal.
Já no dolo eventual, o agente aceita a possibilidade da produção ou, inversamente, não confia
que não se produza o mesmo72. Assim, o agente conta como altamente possível que o
resultado se produza e assume voluntariamente este risco. O dolo eventual requer, pois, a
consciência concreta do perigo73. Em outras palavras, o agente atua com dolo eventual quando
representa o resultado como provável e inclui essa probabilidade na vontade realizadora 74-75.
72 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1998, p.
352.
73 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1998, p.
353.
74 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1998, p.
355.
75 No fôlego aqui permitido foram apresentadas as linhas mestras da teoria da dimensão subjetiva do tipo.
Contudo, como o tema se trata de um dos problemas mais debatidos em toda a história da dogmática jurídico penal
tendo, inclusive na atualidade, divergentes vertentes e tentativas de explanação. Portanto, há ainda muito de relevante
a ser dito, por exemplo, as teorias de distinção entre o dolo eventual e a culpa consciente, tais quais: A teoria da
aprovação ou do consentimento; a teoria da indiferença de Engisch; a teoria da representação ou da possibilidade; a
teoria da probabilidade; a teoria do risco de Frisch; As fórmulas de Frank; a teoria da não colocação em prática da
vontade de evitação de Kaufmann; a não improvável produção do resultado e a habituação ao risco em Jakobs; a teoria
do perigo não coberto ou segurado deHerzberg;O doloeventualcomo decisão pela possível lesão de bens jurídicos;
Para um panorama geral, por todos, vide ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la
estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de
Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 424 ss.
186
Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA e) Erro no Procedimento Típico
Pode-se afirmar que todo aquele erro que c) Dolo Direto Eventual e Dolo Direto Cons-
causa uma falsa percepção da realidade das ciente
circunstâncias do tipo objetivo de ilícito é o: d) Dolo de Erro e Dolo Culpável
a) Erro de Proibição e) Dolo Geral
b) Erro de Tipo
d) Erro Jurídico
187
Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo e erro de proibição: uma análise comparativa. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2007.
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do
crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
GRECO, Luís. Algumas observações introdutórias à “Distinção entre dolo e culpa”, de Ingeborg
Puppe. In: PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa. Trad. Luís Greco. Barueri: Manole,
2004.
JESCHECK, Hans Heinrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de Derecho Penal. Parte General.
Tradução de Miguel Olmedo Carnedete. Granada: Comares Editorial, 2002.
KAUFMANN, Armin. El dolo eventual en la estructura del delito. ADPCP, nº 13, v2, pp. 185-206,
mai./ago., 1960, p. 187-188. Disponível em: <http://portal.uclm.es/descargas/idp_docs/doctrinas/
kauffman.pdf>. Acesso em: 15 de jan. 2014.
MAURACH, Reinhart; ZIPF, Heinz. Derecho Penal: parte general. Tradução de Sergio Politoff
Lifschitz. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1994.
MEZGER. Derecho Penal: Libro de estudio. Parte General. Trad. Ricardo C. Núñez. Editorial
Bibliográfica. Argentina: Buenos Aires, 1958.
PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa. Trad. Luís Greco. Barueri: Manole, 2004.
ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del
delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente
Remesal. Madrid: Civitas, 1997.
ROXIN, Claus. Teoría del tipo penal. Tipos abiertos y elementos del deber jurídico.Trad. Enrique
Bacigalupo. Buenos Aires: Depalma, 1979.
VIVES ANTÓN, Tomás S. COBO DEL ROSAL, Manuel. Derecho Penal: Parte General. 4. ed. Tirant
lo Balch: Valencia, 1996.
188
Referências
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo III. Buenos Aires:
Ediar, 1998.
WELZEL, Hans. Derecho Penal. Parte General. Trad. Carlos Fontán Balestra y Eduardo Friker.
Buenos Aires: Depalma, 1956, p. 74.
WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán. Parte General. 11. ed. Tradução de Juan Bustos Ramírez
e Sergio Yáñes Pérez. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1997.
WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio
Fabris, 1976.
Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa A.
Questão 2
Resposta: Alternativa D.
Resolução: Até o momento, a literatura jurídico-penal não conseguiu delimitar o que seja o
núcleo duro de um conceito geral de intenção, portanto, não se pode considerá-la um
elemento dogmático definido pela Parte Geral, senão como um elemento que está presente
de variadas formas na parte especial, contudo, a despeito disso, pode-se dizer que se
entende de forma geral por intenção a “vontade dirigida finalisticamente ao resultado”.
189
Gabarito
Questão 3
Resposta: Alternativa B.
Resolução: Erro de tipo é todo aquele erro que causa uma falsa ou faltosa percepção da
realidade das circunstâncias do tipo objetivo de ilícito. Portanto, a teoria do erro se dá de
variadas formas frente aos diversos elementos do tipo.
Questão 4
Resposta: Alternativa C.
Resolução: Ocorre a Aberratio Ictus quando, por inabilidade que determina um erro na
execução o agente vem a atingir outro objeto daquele o qual pretendia. A título de
ilustração, aquele que, pretendendo matar seu inimigo dispara contra este, contudo, por má
pontaria, vem a acertar um transeunte que passava pelo local. O resultado pretendido não
se realiza, e sim outro, não pretendido.
Questão 5
Resposta: Alternativa B.
Resolução: O dolo direto se dá nos casos em que a realização do ilícito é o verdadeiro fim
da conduta do agente. Nesse sentido, o dolo direto é composto de três aspectos: a) O
conhecimento das circunstâncias do fato típico; b) O querer o resultado representado, bem
como os meios para isso e; c) o anuir a realização das consequências secundárias dadas
como certas. Nesse sentido, o dolo direto pode ser subdividido em: Dolo direto de primeiro
grau e Dolo direto de segundo grau.
190
191
TEMA 07
Antijuridicidade
192
LEGENDA seções
DE ÍCONES
Início
Vamos
pensar
Glossário
Pontuando
Verificação
de leitura
Referências
Gabarito
193
Aula 07
Antijuridicidade
Objetivos
Caro aluno, o escrito em questão buscar realizar uma breve exposição das linhas mestras
daquilo que se entende por antijuridicidade ou ilicitude em direito penal. Para isso, expõe seus
elementos, sua estrutura e sua função, bem como sua forma de manifestação específica na
teoria geral do delito e no ordenamento jurídico. Seja bem-vindo à antijuridicidade.
1. Da Antijuridicidade
A partir do que já foi visto anteriormente,1 a dogmática jurídico penal vem avançando no
sentido de uma aproximação entre tipo e ilicitude. Ora, é certo que o tipo constitui o primeiro
degrau valorativo da doutrina do crime. Contudo, a literatura jurídica vem conduzindo seu
entendimento de um tipo de matriz positivista e sem conteúdo axiológico – Bindig – para um
entendimento de aproximação do tipo com a ilicitude. Nesse sentido, a antijuridicidade ou
ilicitude passa a representar o desvalor material com que se estabelecem as relações
típicas, ou seja, constitui o conteúdo material do tipo.2 Assim, o ilícito-típico ou tipo de ilícito
se trata de uma “categoria dogmática materialmente informada por um juízo de ilicitude
centrado na ofensa a bens jurídicos”.3
A despeito de tal aproximação e relação intrínseca, o tipo não pode confundir-se com a
ilicitude. Nas palavras de Faria Costa:
[...] o tipo é condição sine qua non para que a ilicitude se possa expressar, isto
é, condição para que o ilícito entre no discurso jurídico-penal relevante. De
sorte que a antijuridicidade penalmente relevante não está fora do tipo, mas
sempre se expressa dentro dos contornos dogmáticos definidos pelo tipo.
194
Aula 07 | Antijuridicidade
Portanto, na esteira do pensamento de Mezger e Mayer, Welzel já aduzia que aquele que
atua tipicamente, já atua, em princípio, antijuridicamente. Ou seja, que a ação típica é um
indício da antijuridicidade. Com efeito, a conduta típica é meramente antinormativa, e não
de fato antijurídica, pois pode haver uma causa de justificação.4-5 Por isso, para Roxin, a
antijuridicidade é uma qualidade da ação típica.6
Por sua vez e de acordo com o exposto supra, a ilicitude atualmente é entendida como a
categoria material que carrega a ideia de desvalor e desaprovação da ordem jurídica; ou,
em outra formulação, expressa a negação de certos valores.7 Nesta senda, o conceito de
injusto reúne as categorias da ação, tipicidade e antijuridicidade.8 Assim, é a ilicitude que
expressa a qualidade ofensiva do comportamento típico,9 o precede e o ilumina.10 Portanto,
a ilicitude tem primazia sobre a tipicidade,11 uma vez que é sua razão de ser, mas não se
confunde com esta.
4 WELZEL, Hans. Derecho Penal. Parte General. Trad. Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Depalma, 1956, p.
86.
5 Nesse sentido, Zaffaroni disserta que: “Hemos señalado al tipo como el ente que nos permite ‘ver-a-través-de-él' las
desvaloraciones jurídicas que recaen sobre las acciones que pueden tener relevancia penal como delitos.” p. 561. Portanto:
“Sabemos que de esta forma, la tipicidad penal (antinormativa) no pasa de ser un indicio de la antijuridicidad.” ZAFFARONI,
Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1998, p. 562.
6 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 557.
7 COSTA. José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal.Fragmenta Iuris Poenalis. 3ª ed. Coimbra:
Coimbra Editora. 2012, p. 253.
8 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 558.
9 COSTA. José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. Fragmenta Iuris Poenalis. 3ª ed. Coimbra:
Coimbra Editora. 2012, p. 253-254.
10 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 363.
11 Nesse sentido, uma vez que o primado está na ilicitude, poder-se-ia dizer que a fórmula se apresenta no
sentido oposto ao criado por Mezger – a tipicidade deixa de ser ratio essendi da ilicitude, senão que a ilicitude é a ratio
essendi da tipicidade. Ora, se a ilicitude precede a tipicidade e a ilumina, o tipo não pode ser a essência da ilicitude,
uma vez que pode haver tipicidade sem ilicitude, mas o contrário não é verdadeiro. Portanto, é a ilicitude que se projeta
no tipo, e não o tipo que carrega a ilicitude, assim, é a ilicitude que é a essência da tipicidade. Nesse sentido, COSTA.
José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. Fragmenta Iuris Poenalis. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora.
2012; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I.
Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
195
Aula 07 | Antijuridicidade
Todavia, na atualidade, tal diferenciação resta infrutífera e até mesmo superada, porquanto,
se analisada mais detidamente, acaba por criar uma confusão dogmática com a própria
tipicidade.14 Se é bem verdade que o tipo já carrega a ilicitude como sua dimensão material,
o próprio preenchimento do tipo já demonstra um indício de ilicitude. Portanto, a
antijuridicidade formal corresponde a uma realização do comportamento contrário à norma
jurídica, o que é o mesmo que dizer que a antijuridicidade formal seria a própria tipicidade, 15
já compreendida em sua dimensão material. Assim sendo, consoante melhor e mais atual
doutrina, há de se rejeitar tal entendimento e divisão entre ilicitude formal e material.
2. Do Tipo Justificador
12 CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. Tradução de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto
Alegre: Antonio Fabris Editor, 1988, p. 87.
13 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1998, p.
562.
14 COSTA. José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. Fragmenta Iuris Poenalis. 3ª ed. Coimbra:
Coimbra Editora. 2012, p. 254.
15 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo, Editora Saraiva, 2010, p.
378.
196
Aula 07 | Antijuridicidade
que se arvoram duas modalidades diferentes, senão opostas, de tipos penais: a) Os tipos
incriminadores – que se ligam diretamente às circunstâncias fáticas e subjetivas
direcionadas à ilicitude e, por isso, também ao bem jurídico protegido, e; B) Em outra
senda, estão os tipos justificadores, também chamados de tipos permissivos ou causas
de justificação que, servindo igualmente à averiguação da concretização do conteúdo ilícito
da conduta, assumem o caráter de limitação dos tipos incriminadores no sentido de
exclusão do caráter ilícito dos atos. As causas de justificação, portanto, levam implícito um
preceito permissivo, em contraposição ao tipo, visto que interferem nas normas, sejam
mandatos ou proibições, dando lugar para que a realização de uma conduta proibida ou a
não realização da conduta ordenada seja lícita.16
16 CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal Español. Parte General. Tomo II: Teoría jurídica del delito. Ed.
Tecnos: Madrid, 1997, p. 178.
17 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 362.
18 COSTA. José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. Fragmenta Iuris Poenalis. 3ª ed. Coimbra:
Coimbra Editora. 2012, p. 272.
19 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 362-363.
197
Aula 07 | Antijuridicidade
a justificativa de uma ação típica resulta da colisão entre a norma proibitiva ou de comando,
fundamentadora do tipo incriminador, e um tipo permissivo. Numa visão mais simples dessa
relação: frente aos tipos incriminadores situam-se tipos permissivos que excepcionalmente
autorizam a conduta ofensiva a bens jurídicos.20
Portanto, uma ação será antijurídica quando realiza um tipo incriminador e não se torna
acobertada por um tipo justificante.21
20 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
62.
21 No mesmo sentido, Wessels: “Uma ação é antijurídica, quando realiza um tipo de injusto e não se torne
acobertada por uma causa justificante”. WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto
Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 62; CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal Español. Parte General. Tomo II:
Teoría jurídica del delito. Ed. Tecnos: Madrid, 1997, p. 178; Roxin: “Una conducta típica es antijurídica si no hay una
causa de justificación”; ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del
delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid:
Civitas, 1997, p. 557.
22 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
62.
23 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
62.
24 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
63.
25 Nesse sentido, Conde: “só pode atuar em legítima defesa quem sabe que está se defendendo” CONDE,
Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. Tradução de Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto Alegre: Antonio Fabris
Editor, 1988, p. 94.
198
Aula 07 | Antijuridicidade
Porém, não somente a função dos tipos justificadores é diversa da dos tipos de injusto,
embora complementares, mas sua estrutura também o é. Os tipos incriminadores detêm
uma relação intrínseca com o bem jurídico protegido e com a conduta específica descrita,
ou seja, tem caráter concreto e individualizador. Por outro lado, os tipos justificadores são
gerais e abstratos, “no sentido de que não são em princípio referentes a um bem jurídico
determinado, antes valem para uma generalidade de situações independentes da concreta
conformação do tipo incriminador em análise.”26 Outrossim, de forma diversa aos tipos
incriminadores, não estão sujeitos à proibição de analogia e nem mesmo, eventualmente,
de que se faça valer causas supralegais de exclusão da ilicitude.27
Até o momento, a literatura jurídico penal não logrou êxito na tentativa de criar uma
sistematização ou teoria geral das causas de justificação de modo definitivo.28 Tentou-se, sem
sucesso, a criação de teorias capazes de compreender todas as formas de ocorrência das
causas de justificação, contudo, como as causas de justificação aparecem no ordenamento
jurídico das diversas e mais variadas formas, tal tentativa resta dificulta, o que torna infrutífera a
criação de uma teoria monista capaz de abranger tal fenômeno de forma total.
Liszt procurou elaborar a teoria monista do fim, segundo a qual estaria justificada toda a
conduta que “possa representar-se como meio adequado (correcto) para alcançar um fim
reconhecido pelo legislador como justificado (correcto).”29 Já Sauer propagou a teoria baseada
no “princípio do maior benefício do que prejuízo”, que, grosso modo, afirma que seria lícita “a
atuação, que em sua tendência geral, represente para a comunidade estadual maiores
26 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 363.
27 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 363.
28 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito.
Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas,
1997, p.572; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 368.
29 LISZT apud DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do
crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 368.
199
Aula 07 | Antijuridicidade
benefícios (ideais, culturais) que danos.” Contudo, toda teoria monista que intente
reconduzir as causas de justificação a uma teoria reitora omnicompreensiva tem
necessariamente de permanecer em um plano absolutamente abstrato e, por isso, vazio de
conteúdo,30 portanto, imprestável para fins práticos.
Contudo, há de se dar mérito às teorias dualistas, tais como a de Mezger, que procura
realizar um apelo a um duplo ponto de vista: o do princípio do interesse preponderante,
válido para a generalidade das causas de justificação; e o princípio da falta de interesse, a
que deveria ser reconduzida a causa justificativa do consentimento.31 Que também não
resta isenta de críticas.
30 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito.
Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas,
1997, p. 574; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 368.
31 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 368-369.
32 Nesse sentido, ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del
delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid:
Civitas, 1997, p. 575.
33 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 358.
200
Aula 07 | Antijuridicidade
penal e do ordenamento jurídico como um todo que sua exposição geral e exaustiva seria
totalmente impossível.34 Até pelo motivo de que uma discussão que pretenda ser completa
seria inadequada, portanto, somente serão expostas as que substancialmente pertencem
ao direito penal. Nesse sentido, a exposição se atrelará às causas de justificação de que
trata do Código Penal brasileiro, que são as mais difíceis bem como as mais importantes.35
Com efeito, as causas de justificação presentes no artigo 23 do Código Penal:
Exclusão de ilicitude (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei
nº 7.209, de 11.7.1984)
I - em estado de necessidade; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - em legítima defesa; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Passa-se então à exposição das causas de exclusão da ilicitude.
34 No mesmo sentido, ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la
teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal.
Madrid: Civitas, 1997, p. 604.
35 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 604.
201
Aula 07 | Antijuridicidade
O exemplo clássico do estado de necessidade é o dos dois náufragos que disputam a mesma
tábua de salvação, a qual não suporta mais do que uma pessoa. Portanto, uma das vidas terá
de ser sacrificada em prol de outra. Nessas situações, pressupõe-se uma determinada situação
de estado de necessidade, que consiste em um perigo atual para a vida, integridade corporal,
ou outro bem jurídico, e que não pode ser afastado de outro modo a não ser através da atuação
sobre outros bens jurídicos,36 próprios ou alheios, bem como sobre bens jurídicos
supraindividuais. Portanto, a ação do estado de necessidade deve ser objetivamente a única
possível capaz de afastar o perigo, eis o caráter de necessária, e subjetivamente orientada pela
vontade de salvamento.37 Ainda, é salutar expor que o estado de necessidade pode ser
reconhecido quando em prol de um terceiro, ou seja, no caso de alguém que ofende bens
jurídicos a fim de salvação de bem jurídico de terceiro.
36 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
67.
37 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
68.
38 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 680.
202
Aula 07 | Antijuridicidade
desabamento.39-40 Tal caso compreende-se como perigo atual para fins do reconhecimento
do estado de necessidade.
Contudo, tal posicionamento vem sendo abandonado em prol do entendido que tal restrição
de reconhecimento da presente causa de justificação deve ser aplicada somente aos casos
dolosos, excluindo do âmbito da negação os casos meramente culposos. Nas palavras de
Fragoso:
Não pode alegar o estado de necessidade quem por sua vontade provocou o
perigo; Essa fórmula refere-se exclusivamente ao dolo. Pode haver estado de
necessidade se o agente causou culposamente a situação em que surge o
perigo. Assim, por exemplo, se o agente provoca um incêndio por
inobservância do cuidado devido, pode alegar o estado de necessidade, se
para salvar-se causa um dano a outrem inevitável.41
Contudo, mais radical e profunda ainda é a objeção feita por Figueiredo Dias que, com
intuito de questionar tal dispositivo, disserta:
39 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 417.
40 Nas palavras de ROXIN: “[…] un peligro permanente es una situación peligrosa que permanece durante un
largo período y que en cualquier momento puede desembocar en un daño, aunque pueda quedar abierta la posibilidad
de que aún pueda tardar un tiempo en producirse el daño. Así p.ej. constituyen un peligro permanente, frente al que se
puede recurrir ya a medidas de estado de necesidad, un edificio en ruina o un enfermo mental peligroso”. ROXIN,
Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego
Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 680.
41 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. Parte geral. Rio de Janeiro; Forense, 1993, p. 190.
203
Aula 07 | Antijuridicidade
Assim, não basta para o não reconhecimento do estado de necessidade que o autor
tenha provocado o perigo, intencional ou culposamente. A situação de exclusão
somente poderia se dar quando o autor provocasse o perigo intencionalmente voltado,
premeditadamente, para livrar-se de bens jurídicos alheios. Ora, afirmar que deve ser
negado o reconhecimento do estado de necessidade toda vez que o sujeito tenha criado o
perigo intencionalmente ou culposamente chega a exageros tais quais demonstrados nos
exemplos supra.43
42 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 417.
43 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 418.
204
Aula 07 | Antijuridicidade
44 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.
339.
45 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.
332-333.
205
Aula 07 | Antijuridicidade
já nos casos exculpantes, por ter a sua culpabilidade afastada, permitiria a punição da
participação.46
A despeito de tal divisão trazida pela doutrina, o certo é que deve ser realizada a
ponderação entre os interesses colidentes na situação de estado de necessidade.
Dentro da ponderação devem ser observadas a espécie dos interesses, a intensidade e
proximidade do perigo, a espécie e a extensão do que está em risco, a relação dos bens
jurídicos colidentes, a existência de deveres especiais de suportar o perigo em posição de
garante, a dimensão subjetiva do tipo permissivo, entre outros elementos.47
Assim, pode-se trabalhar com o clássico exemplo de Welzel em que um trabalhador da linha
férrea vê um trem de carga sem condutor e desgovernado vindo de encontro a outro trem,
lotado de passageiros. Para evitar a morte de muitas pessoas, o trabalhador desvia, no último
momento, o trem de carga para uma via secundária onde trabalham alguns operários, os quais
são atropelados, causando mortes e ferimentos. Ora, a lei não pode aceitar o sacrifício de uns
46 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal: parte general. Trad. José Luis Manzanares Samaniego.
4. ed. Granada: Comares, 1993, p. 318.
47 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
68-69.
206
Aula 07 | Antijuridicidade
poucos para salvar muitas pessoas inocentes, portanto, tal conduta teria de ser considerada
antijurídica,48 mas configurar-se-ia enquanto estado de necessidade exculpante.
Consoante Roxin, “cuando esté en juego el bien jurídico de la vida humana, son
inadmisibles las cuantificaciones.”49 Ou ainda “[…] es inadmisible la ponderación según el
número de las vidas humanas en conflicto.”50
Porém, a ponderação tem, ao menos nos demais casos em que a vida humana não esteja
em conflito com outras, um marco de avaliação: O próprio quadro jurídico penal e as
medidas das penas. Pode-se perceber que, quanto mais alta a pena cominada, maior a
reprovação jurídico penal da conduta e de maior valor o bem jurídico protegido, portanto, a
medida das penas pode servir de ponto de apoio para a ponderação entre as condutas,
mas não seu fundamento último, visto que a própria intensidade da lesão ao bem jurídico
tem de ser avaliada. Ainda assim, mesmo que não seja o fundamento, é, sem dúvida, o
quadro jurídico penal representado nas penas cominadas um dos critérios e pontos de
apoio da ponderação entre os interesses colidentes.
48 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p 689.
49 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 686.
50 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 687.
207
Aula 07 | Antijuridicidade
A natureza e fundamento do instituto da legítima defesa tem uma dupla feição; de um lado,
a necessidade de defender bens jurídicos perante uma agressão injusta, e de outro, o dever
de defender o ordenamento jurídico.51 Nesse sentido, o legislador conceituou a legítima
defesa conforme disposta no artigo 25 do Código Penal:
Legítima defesa
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos
meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou
de outrem (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Os requisitos para a configuração da legítima defesa estão previstos na lei, quais sejam:
injusta agressão atual ou iminente e a utilização dos meios necessários para a repelir.
Portanto, pode-se dividir os elementos da legítima defesa em dois âmbitos: um referente a
situação de defesa (injusta agressão atual ou iminente, a direito seu ou de outrem); e
quanto à forma de defesa (usando moderadamente dos meios necessários).
4.2.1 A agressão
Numa leitura sistemática e analítica, o conceito de agressão deve compreender a ameaça
proveniente sempre de um comportamento humano (comissivo ou omissivo) a um bem jurídico
protegido, visto que a qualidade da agressão é “injusta”, e só seres humanos podem cometer
atos injustos.52 Outrossim, deve-se exigir que a agressão seja uma conduta humana voluntária,
portanto, não caberá legítima defesa contra atos reflexos, inconscientes ou sem qualquer
elemento volitivo. Ora, só pode agir ilicitamente aquele que apresenta um elemento volitivo,
mesmo que mínimo, por isso, não faz sentido considerar ilícita a agressão sem intenção
qualquer.53 O que significa dizer, juntamente a Wessels, que “a ação de legítima defesa deve
ser objetivamente necessária e subjetivamente conduzida pela vontade de defender.”54
51 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.
340; DIAS, p. 382; COSTA. José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. Fragmenta Iuris Poenalis. 3ª ed.
Coimbra: Coimbra Editora. 2012, p. 282.
52 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 385.
53 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 386.
54 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 72.
208
Aula 07 | Antijuridicidade
Nesse sentido, aquele que age em defesa própria ou de terceiro que está sendo atacado por
um animal ou em situações de agressão decorrentes de “coisas”, não age em legítima defesa,
senão em estado de necessidade, uma vez que tal agressão não é proveniente de conduta
humana.55 Contudo, cumpre observar que configurará legítima defesa contra animais ou coisas
quando estejam sendo usados como instrumento de agressão por um humano, como no caso
do dono de um cachorro treinado que ordena ao cão que ataque outrem.56
Ainda, se a legítima defesa é um tipo permissivo que requer a “vontade de salvamento”, isto
é, requer que o elemento subjetivo seja direcionado à causa justificante, no clássico
exemplo em que A que vê seu inimigo B e, por vingança, dispara contra ele e o mata.
Entretanto, posteriormente, constata-se B estaria prestes a cometer um estupro, assim,
objetivamente A teria atuado em legítima defesa de terceiro. Nesse caso, não se pode
reconhecer a situação como legítima defesa, pois falta o elemento subjetivo indispensável
para a configuração da causa de justificação.
55 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 611.
56 Em sentido similar, Roxin: “Sin embargo, la situación es diferente cuando un hombre se sirve de un animal
para una agresión, azuzando p.ej. a un perro contra otra persona; en tal caso el perro es sólo el instrumento del hombre
agresor, y matarlo si es necesario para la defensa estará justificado por legítima defensa exactamente igual que la
destrucción de otros medios agresivos.” ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la
estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de
Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 611.
57 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010,, p.
342.
58 Nas palavras de Wessels: “’Antijurídica’ é toda agressão que contraria objetivamente as normas de valoração do
Direito e não está acobertada por uma oração permissiva” WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez
Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p. 71; Ou ainda, Roxin: “[...] será agresión antijurídica toda lesión de um bien que
amenace producirse por uma conducta humana y que no este amparada por um derecho de intromisión.” ROXIN, Claus.
Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-
Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 615.
209
Aula 07 | Antijuridicidade
Assim, p. ex., contra o furto uso, apesar de não ser um ilícito penal, senão meramente civil,
cabe igualmente o reconhecimento da legítima defesa. Ou mesmo o caso de um injusto
cometido por aquele sem culpabilidade, tal qual o menor de 18 anos ou mesmo um doente
mental, cabe legítima defesa, conduto, deve-se observar que, nesses casos específicos, os
meios adequados para repelir a agressão devem ser especiais e mais criteriosos.
59 Nesse sentido, WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio
Fabris, 1976, p. 70; DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do
crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 388.
60 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 388.
61 Cabe a observação cautelosa de Roxin: “Cuándo es inmediatamente inminente una agresión es algo que
hasta ahora no se ha aclarado inequívocamente.” ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la
estructura de la teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de
Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 618.
62 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 389.
210
Aula 07 | Antijuridicidade
a agressão “ya es actual siempre que el agresor la prepare de tal modo que ya no sea posible
una defensa posterior”63, ou seja, no exemplo em tela, tal ação configuraria legítima defesa.
Entretanto, deve-se objetar a tal entendimento. Para Roxin, tal solução “tampoco puede ser
correcta, puesto que una agresión sólo planeada o preparado no sólo no es una agresión
actual, sino que ni siquiera es aún una agresión.”. Outrossim, Figueiredo Dias afirma que a
legítima defesa deve ser negada em tais situações, pois não se está presente uma
agressão atual e, tal alargamento do conceito de atualidade acabaria por constituir um
campo de defesa privada em situações às quais caberia a intervenção policial.64
Em outro sentido, se a agressão tem de ser atual ou iminente, também é fundamental saber
não somente quando se inicia uma agressão, mas quando ela termina. Pode-se adotar o
critério de que o término da agressão é o momento até o qual a defesa é suscetível de
pôr fim à agressão65, caso a agressão já tenha cessado, não caberá então a legítima
defesa, pois será, no mais, uma nova agressão. Como, p. ex., o caso em que A desfere três
socos contra B, que cai ao chão, ocorre que A desiste de continuar a agressão e vira as
costas para ir embora, neste momento B levanta e desfere golpes contra A. No caso em
tela, a conduta de B não poderá ser considerada legítima defesa, visto que não é atual,
senão posterior à agressão, e não tem por objetivo a defesa, senão a vingança.
63 SCHMIDHÄUSER apud ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la
teoría del delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal.
Madrid: Civitas, 1997, p. 619.
64 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 389.
65 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 390.
211
Aula 07 | Antijuridicidade
a agressão de forma eficaz. Além de que o meio seja necessário, exige-se ainda que seu
uso seja moderado, especialmente quando for o único meio disponível.66 Nas palavras de
Figueiredo Dias:
O meio será necessário se for um meio idóneo para defender a agressão e,
caso sejam vários, os meios adequados de resposta, ele for o menos gravoso
para o agressor. Só quando assim aconteça se poderá afirmar que o meio
usado foi indispensável à defesa e, portanto, necessário.67
Nas palavras de Welzel: “a defesa pode chegar até onde seja requerida para a efetiva defesa
imediata, porém, não deve ir além do estritamente necessário fim proposto”.68 Nesse sentido, a
avaliação dos meios adequados deve considerar a toda a dinâmica do acontecimento, merecendo
análise as características físicas do agressor e do ofendido (idade, compleição física), os
instrumentos que ambos dispõem, bem como a intensidade e a surpresa do ataque.69
Por outro lado, no caso desse mesmo boxeador, evidentemente que se ele for agredido por
três homens também pode ele efetuar um disparo de arma de fogo para salvar-se, frente à
duvidosa eficácia, no caso concreto, da luta corporal, ou mesmo de um disparo de aviso
66 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010,, p.
343.
67 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 396.
68 WELZEL apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora
Saraiva, 2010, p. 344.
69 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime.
Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 396.
70 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del delito. Traducción de
Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 630.
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Aula 07 | Antijuridicidade
ou na perna de algum agressor. Coisas que, em realidade, com armas de cano curto e em
situações de perigo, praticamente não existem.
Contudo, é certo que tal averiguação é extremamente difícil, pois, nos casos concretos, há
o medo, o movimento impensado e desesperado de defesa que, muitas vezes, dentre todas
as opções e meios de defesa ao alcance, o agente atua escolhendo o primeiro que vê a sua
disposição, sendo que este era mais do que o necessário para repelir o perigo. Portanto, os
critérios são os postos acima, mas deve-se analisar cada caso em concreto em sua
singularidade.
A legítima defesa real ou própria se trata da legítima defesa tal como ocorre nos exemplos
acima, ou seja, nos casos tradicionais em que o agente atua em defesa contra agressão injusta
atual ou iminente e estão presentes todos os requisitos necessários para sua configuração.
A legítima defesa putativa, pelo contrário, ocorre quando o agente atua julgando estar em
situação de legítima defesa e, em realidade, não está. O que ocorre é que o agente supõe
erroneamente estar diante de uma situação em que seria adequado agir em legítima
defesa, pois julga erroneamente estar sob uma agressão injusta atual ou iminente. No caso
em tela, tal situação não se configura mais como causa de justificação, senão como causa
de exclusão de culpabilidade, conforme o § 1º do artigo 20 do Código Penal:
Descriminantes putativas
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação
legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é
punível como crime culposo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
71 Nesse sentido, BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva,
2010, p. 345.
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Aula 07 | Antijuridicidade
Primeiramente, para que haja o excesso da legítima defesa deve, antes, haver uma
situação de legítima defesa caracterizada em todos os seus requisitos. O excesso se dá
quando não são respeitados tanto a escolha quanto o uso dos meios adequados para a
repulsa moderada da agressão injusta.
72 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 345.
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Aula 07 | Antijuridicidade
Se o agente, mesmo depois de já ter feito cessar a agressão injusta da qual defendeu-se, não
interromper seus atos e continuar a agredir o antigo agressor, incorrerá em excesso. Nesse
caso, o agente responderá penalmente pelos danos cometidos em excesso, mas não por
aqueles acobertados pela legítima defesa, uma vez que, se o agredido ultrapassa os limites da
legítima defesa, atua ilegalmente. Nesse sentido, o excesso pode se dar de duas formas:
dolosa e culposa, ou ainda, pode aparecer da norma doutrinário do excesso exculpante.
Já o excesso culposo na legítima defesa ocorre quando o agente acredita que a agressão
contra ele ainda não cessou ou que poderá continuar a qualquer momento e, baseado
nesse entendimento, precipita-se e continua a rechaçar o primeiro agressor; ou mesmo nas
situações em que o agente, por má interpretação da situação, acredita ser o perigo maior
do que realmente é e excede-se quanto à moderação de suas ações.
O excesso exculpante, por sua vez, se dá por uma situação emocional do agente que, por
grande medo ou temor a ponto de transtornar o sujeito, acaba por exceder-se na legítima
defesa, como no caso de uma senhora que, muito amedrontada com um assaltante que
adentra em sua casa, descarrega a arma contra ele, sem sequer mirar ou averiguar se acertou
seu alvo. Nesses casos, o que se entende é que, em virtude do estado emocional do agente,
não lhe é exigível conduta diversa, portanto, deve-se excluir a culpabilidade da conduta.
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Aula 07 | Antijuridicidade
se dizer que quem age em cumprimento de dever legal não comete crime, mesmo que
cause ofensa a um bem jurídico tutelado pela norma, desde que aja dentro dos limites da
permissão ou mandamento legal.
Em determinadas situações a lei impõe ou permite determinada conduta que, embora típica,
não será ilícita, mesmo que cause lesão a um bem jurídico tutelado. Como no caso do
oficial de justiça que, com permissão legal, adentra na residência particular de um acusado.
A doutrina considera o consentimento73 do ofendido como causa supralegal – uma vez que
não é previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro – de exclusão de ilicitude. Tal entendimento
se baseia na premissa do reconhecimento da autonomia e liberdade da pessoa. 74
Ora, o tipo penal prevê que a ação deva ser “contra a vontade expressa ou tácita de quem
de direito”, logo, se há consentimento, não há tipicidade.
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Aula 07 | Antijuridicidade
b) Aquele que consente deve ser capaz de consentir, segundo sua maturidade psíquica, e
ser capaz de compreender o alcance da renúncia ao bem jurídico, bem como seus efeitos.
d) Nos casos de intervenção à integridade corporal, o fato em si não pode ser contrário
aos bons costumes.78
e) O consentimento deve ter sido expressamente declarado antes do fato.
76 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio Fabris, 1976, p.
68-69, p. 76.
77 Critérios elencados por WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre:
Antonio Fabris, 1976, p. 68-69. p. 77-78.
78 Esse pressuposto encontra graves problemas. Por um lado, por ser completamente imaterial e vazio de
conteúdo, visto que a contrariedade à moral não é base segura para nenhuma limitação penal. O que a doutrina
compreende por essa rubrica é a limitação às intervenções corporais que venham a mutilar ou mesmo a provocar
irreversibilidade grave sobre o corpo e que possa atuar sobre o bem jurídico vida, este sim indisponível. Assim, tal
cláusula se esgota somente nesses casos mais graves. Nesse sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte
Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 451.
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Verificação
de leitura
Questão 1 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA d) Legal ou Supralegal
d) Supralegais e Formais
Questão 2 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
e) Homogenias e Heterogenias
Segundo Welzel, aquele que atua
tipicamen-te, em princípio, já atua: Questão 5 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
b) Antijuridicamente a) Extremo
c) Erradamente b) Abreviado
e) Simples e Complexo
Questão 3 INDIQUE A ALTERNATIVA CORRETA
a) Unicamente Material
b) Exclusivamente Formal
c) Formal e Material
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Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. São Paulo: Editora Saraiva,
2010.
CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal Español. Parte General. Tomo II: Teoría jurídica del
delito. Ed. Tecnos: Madrid, 1997.
CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. Trad. Juarez Tavares e Luiz Regis Prado. Porto
Alegre: Antonio Fabris, 1988.
COSTA. José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. Fragmenta Iuris Poenalis. 3ª ed.
Coimbra: Coimbra Editora. 2012.
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Questões fundamentais: a doutrina geral do
crime. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Parte geral. Rio de Janeiro; Forense, 1993, p.
190.
JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal: parte general. Trad. José Luis Manzanares
Samaniego. 4. ed. Granada: Comares, 1993.
ROXIN, Claus. Derecho Penal: parte general: tomo I: fundamentos: la estructura de la teoría del
delito. Traducción de Diego Manuel Luzón-Peña, Miguel Diaz y García Conlledo e Javier de Vicente
Remesal. Madrid: Civitas, 1997.
WELZEL, Hans. Derecho Penal. Parte General. Trad. Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires:
Depalma, 1956.
WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Juarez Tavares. Porto Alegre: Antonio
Fabris, 1976.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal: Parte General. Tomo III. Buenos Aires:
Ediar, 1998.
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Gabarito
Questão 1
Resposta: Alternativa C.
Resolução: É certo que o tipo constitui o primeiro degrau valorativo da doutrina do crime.
Para saber se uma pessoa deve ser castigada por determinada conduta, esta,
primeiramente, deve passar por um juízo de tipicidade, para que somente após essa etapa
cumprida seja possível aferir a culpabilidade do agente.
Questão 2
Resposta: Alternativa B.
Questão 3
Resposta: Alternativa C.
Resolução: A doutrina costuma, tal qual Muñoz Conde, entender a antijuridicidade em dois
aspectos, um formal e outro material. O primeiro significaria o preenchimento dos elementos
do tipo penal, já o segundo seria a conduta típica quando não estivesse presente nenhuma
causa de justificação.
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Gabarito
Questão 4
Resposta: Alternativa B.
Questão 5
Resposta: Alternativa D.
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