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Psicologia Juridica No Brasil - Hebe Goncalves e Eduardo Ponte Brandao - 2004
Psicologia Juridica No Brasil - Hebe Goncalves e Eduardo Ponte Brandao - 2004
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Hebe S i g n°riní Gonçalves » «
ex. 19 . 20051 L0000068132
I A U ^duardo ponte Brandão o
DI TOn A
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organizadores
da P s ic o lo g ia
Ensino
Coleção
Hebe Signorini Gonçalves
Eduardo ponte Bran dão
Organização
Hebe Signorini Gonçalves
Eduardo Ponte Brandão
22 Edição
23 Reimpressão
Rio de Janeiro
EDI TORA
2009
© C opyright 2 0 0 4 by autores 'H
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Coleção Ensino da Psicologia i
Coordenação: Francisco Portugal f.
Capa .
Sphaera Design • f
1 y:
Revisão «
Renata G érard B o ndim £
P969
Psicologia Jurídica no Brasil
/organização Eduardo Ponte Brandão, Hebe Signorini Gonçalves. -
Rio de janeiro: NAU Ed., 2004
341 p.: (Ensino da psicologia)
inclui bibliografia
ISBN 8 5 -B 5 9 3 Ó -5 W
04-0292 £
CDU 3'13.95 ^
EditoraTrarcpaáídiaChamada>w;?
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Doação gC o rn p ra ^
Tel: (21) 354ó-2ââÂ.
F.mail: con taro@naucdirora.com.br
www.nauediroia.coni.hr
ï V-
8
C anguilhem acerca cia unidade da Psicologia, a autora traça
um cam inho genealógico, debruçando-se sobre as perícias, os
laudos, as questões da loucura e da sanidade, a crim inalidade,
as relações familiares, a cham ada justiça terapêutica e o difícil
tem a da in fan d a e da adolescência. Ela dem onstra como esses
percursos podem ser lidos como técnicas de subjetivação. Em
outras palavras, Esther Arantes vem nos m ostrar o jogo estra
tégico das instituições jurídicas, jogo que impõe sérios dilemas
à prática do psicólogo.
. Existe neutralidade nas práticas do psicólogo relaciona
das às Varas de Família? Com essa indagação de fundo, Eduardo
Ponte B randão aponta inicialmente p a ra a colonização recí
proca entre as leis e as práticas de disciplina e norm alização
que teria havido no Brasil desde o Código Civil de 1916 até as
legislações atuais que regulam as famílias. Corri objetivo de
analisar essas complexas relações, o autor adota como eixo de
investigação os critérios definidores da guarda e suas m odali
dades nos processos de separação e divórcio. Feito esse pano
ram a, o autor põe em xeque a prática pericial relacionada aos
litígios familiares. Os argum entos são suficientes p ara estim u
lar o psicólogo a atuar de forma a não causar mais prejuízos
do que os processos judiciais por si só já acarretam , devendo o
profissional lançar m ão de im portantes contribuições da psica
nálise, da abordagem sistêmica e das práticas de mediação.
Erika Piedade enfoca as diferenças valorativas entre os
conceitos de "m enor” e de “criança” que foram forjadas ao
longo de nossa história, sobretudo a partir de dispositivos ori
entados p a ra o controle das parcelas mais desfavorecidas da
população. O hiato entre os bem-nascidos e os potencialm ente
perigosos p a ra a sociedade é perpetuam ente estim ulado desde
o Brasil colonial até os últimos anos, apesar dos avanços teóri
cos e sociais propostos pelo Estatuto da C riança e do Adoles
cente. Investigar a complexa teia de determ inações que assevera
a desigualdade entre as infâncias no Brasil, e com isso proble-
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m atizar o lugaV que o psicólogo ocupa frente às dem andas so7
ciojurídicas, é a.tarefa a que a autora se'lança corajosam ente.
A contribuição de M arlene G uirado, psicanalista e ana
lista institucional, vem m ostrar um a nova form a de pensar a
-Psicologia-Jurídica-para-além -dos-cam pos-e-leituras-nas-quais-
ela j á firm ou sua produção. A autora questiona u m 'saber p u ra
m ente acadêm ico, restrito a formas protegidas de proceder, assim
com o u m a concepção de sujeito apartada das trocas sociais.
G uirado dem onstra que a Psicologia não só se transform a como
g an h a potcncia q u ando se dispõe a enfrentar os desafios do
cam po, expor sua p rática e enfrentar efetivam ente os dilemas
éticos dos sujeitos. A autora apresenta certos preceitos m etodo
lógicos e se p ro p õ e a avaliar sua aplicabilidade em instituições
destinadas a jo v en s em conflito com a lei e subm etidos a m edi
das de privação de liberdade. No! difícil contexto da FEBEM de
São Paulo, o P rojeto Fique Vivo —por ela supervisionado - é
alvo de um a análise fecuncla e original, que perm ite depreender
que o exercício daP sico lo g ia deve definir-se no cam po das ci
ências hum anas, assessorar-se delas e buscar a conexão entre o
sujeito e as relações sociais que o cercam e fundam .
A violência contra a criança e o adolescente é discutida
em capítulo de autoria de H ebe Signorini Gonçalves. C om base
cm literatura nacional e internacional, a au to ra faz um apa
n h ad o dos tipos de violência, dos sinais e indícios a serem ob
servados e das conseqüências que o ato violento produz na
criança ou no adolescente, assim como na dinâm ica familiar.
Sobre esse p a n o ra m a , a autora faz um a análise crítica do cam
po, avalia os alcances dos instrum entos legais e alerta p ara os
limites d a aplicação desses dados aos casos, levando em conta
que eles tendem a ocultar certas singularidades do sujeito. Seus
argum entos invocam os questionam entos mais recentes, sobre
tudo aqueles derivados de pesquisas desenvolvidas no Brasil, e
conclam am os profissionais a um a ação onde a ética de prote
ção à criança leve em conta tam bém as necessidades dos de
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m ais m em bros da família, assim como o contexto social em
que'se inserem.
R osana M orgado fala sobre a violência contra a mulher.
A autora m ostra que a larga incidência dessa form a de violên-
-cia,_na_sociedade. contem porânea, contribui p ara sua naturali
zação. A leitura crítica de R osana alèHi7^:í õ ~ ^ tã n tõ ^ p a ra '“o~
fato de que certos modelos de análise do problem a term inam
acatando a naturalização da violência. Em contrapartida, ela
busca tratar o gênero como construção social, e m ostra como a
p a rtir daí a m ulher pode ser vista de modo m uito mais com
plexo que o estrito lugar de vítima que lhe é atribuído. Sem
negar o lugar de vítima, e sem negar a dependência econômica
tão com um nas ■relações de. casal perm eadas pela violência, a
autora vem nos m ostrar que essas .concepções são insuficientes,
quando não falaciosas , p ara dar conta de um a tem ática que
im plica o sujeito em dimensões mais profundas e complexas.
Escapando do imediatism o que perm eia certos modelos sociais
e jurídicos, a autora propõe um novo olhar sobre a m ulher que
sofre a violência, olhar que permite desvendar suas ambivalências
e conflitos, em prestando nova dim ensão às relações de casal.
Dessa análise, a autora retira implicações importantes p ara as
políticas públicas e as form as jurídicas que tratam das relações
de gênero perm eadas pela violência.
A quem; serve a adoção: aos pais ou à criança adotada?
A resposta a essa questão é buscada na história do instituto da
adoção, história, que antecede os modelos jurídicos tal como
hoje os ^conhecemos. D a Antigüidade ao Brasil contem porâ
neo, Lidia W eber indica que a Lei e as práticas sociais se inter
penetram , e que nem sem pre a proposta jurídica encontra eco;
no tecido social. Essa análise histórica das formas de adoção é
ricam ente ilustrada pela mais extensa pesquisa já desenvolvida
no Brasil sobre o tem a, cujos resultados perm item exam inar
não só as motivações p a ra ' adotar como tam bém os critérios
das equipes encarregadas de avaliar - e avalizar — os propo-
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nentes à adoção. A autora sustenta que, para efetivar a propos
ta legal de privilegiar o interesse da criança, será necessário
que o trabalho do psicólogo busque afastar-se de um modelo
pericial, que visa apenas classificar e descobrir atributos desejá
veis. em candidatos a pais adotivos, para levar tam bém em conta
o desejo, a motivação, o m edo e a ansiedade, entre os candida
tos, e privilegiar sua preparação para as funções de paternida
de e os vínculos de filiação dos quais o instrum ento jurídico é
apenas um recurso.
Para entender o fenômeno da criminalidade, é funda
mental entender o papel da crim inalização da pobreza, da
demonização das drogas, da espetacularização da violência, da
criação da figura do inimigo interno e da funcionalidade do
fracasso da prisão, especialmente no contexto atual das socie
dades neoliberais globalizadas. A expressão de T an ia Kolker
anuncia a complexidade do tem a e a amplitude de sua análise.
Ela no entanto não se restringe a essas determinações sociais;
dem onstra ao mesmo tempo como se consolidou a prática de
individualizar as penas, o cálculo de reincidência no delito e, a
mais grave herança positivista, a percepção m aniqueísta da
delinqüência e do delinqüente. Com o m ostra a autora, essa
história de exclusão está até hoje presente na cena prisional, a
despeito de instrumentos de proteção internacional dos direitos
humanos. Em sua análise, Kolker se vale de um a literatura
am pla que contem pla Foucault, Castel, Zafaroni, W acquant,
assim como autores nacionais - Correa, Rauter, Batista - o
que lhe perm ite olhar para nossas prisões e analisar critica-
m ente a função do psicólogo nesse espaço.
Alinhado tam bém à criminologia crítica, escola inspira
da em Foucault, Saio de Carvalho enfoca a avaliação crimino-
lógica que permeia, a Lei de Execução Penal (LEP). N um a
exposição rigorosa que articula os aspectos jurídicos às práticas
de poder, o autor opõe-se à perspectiva de colocar-na cena
penal a personalidade do apenado, invocando para tanto as
12
garantias constitucionais. Seguindo esse raciocínio, Carvalho
desvenda a prática autoritária presente no exame criminológi-
co. Ele interroga a função dos técnicos do sistema penitenciá
rio, entre os quais o psicólogo, p a ra além da tarefa' de realizar
avaliações e perícias criminológicas. Carvalho' faz assim algu
mas indicações preciosas, mas que só serão possíveis de se rea
lizarem m ediante um a perspectiva dita “hum anista” .
13
P e n s a n d o a f s ic o lo g ia a p lic a d a à-JusIiça
15
B IB U O T E C A U N IVE R SIT Á R IA j
! PROF R O G ER PATT1 j
como mais e m elhor do que um empirismo com posto, lite
rariam ente codificado p a ra fins de ensinam ento. D e fato,
de muitos trabalhos de psicologia, se tem a im pressão de
que misturam a um a filosofia sem rigor um a ética sem exi
gência e um a m edicina sem controle (Canguilhem , 1972:
104-105). ■
16
1994: 15-16). Apesar das críticas de Canguilhem e de outros
àutóres, entre os quais Jacques Lacan, a proposta de Lagache
teve am pla repercussão ria França do pós-guerra.
Em dezem bro de 1980, num a conferência intitulada Le
ceroeau et la pensêe, Canguilhem voltou a criticar a. Psicologia,
desta vez por reduzir o pensam ento ao funcionam ento cere
bral. A firm ando que a Filosofia nada tem a esperar dos servi
ços da Psicologia, conclam ou os filósofos das novas gerações a
resistirem à “calam idade” psicológica. D iante de críticas tão
duras, Roudinesco observou que, nesta conferência, C angui
lhem não havia se preocupado em distinguir as querelas e discor-
dâncias internas à própria Psicologia, fazendo um a crítica em
bloco a saberes m uito diferenciados (Roudinesco, 1993). Com o
o próprio Canguilhem havia dito na conferência de 1956, não
há unidade na Psicologia.3 U.
M esm o assim, e ainda se perguntando se não haveria-:
um a certa obstinação por parte de Canguilhem em dem olir os c:
alicerces nos quais se fundam entam a Psicologia, Roudinesco-^
presta um a hom enagem “a um dos m aiores filósofos do nosso
tem po”, reconhecendo a pertinência e a atualidade de suas crí
ticas, principalm ente porque, segundo a autora, um a a lia n ç a '
vitoriosa entre o organicismo biológico e genético, a ciência da
m ente e a tecnologia estaria ganhando terreno, em tódos os
cam pos do saber.
(...) até o ponto de fazer em ergir u m a nova ilusão cientifi-
cista segundo a qual a intervenção cada vez mais ativa da
ciência no cérebro h um ano p erm itirá conduzir o hom em
à im o rta lid a d e , ou seja, à cu ra d a condição h u m a n a
(Roudinesco, 1993: 144).
18
por Louis Althusser entre ciência desenvolvida e ciência em
constituição. N a ciência desenvolvida o objeto e o m étodo são
hom ogêneos e se engendram reciprocam ente, o que não acon
tece com as ciências em desenvolvimento, como a Psicologia.
-Uma-coisa-é-a-tr-a-nsformaçâ© -pr-odutor-a-do-obj eto-cientifico,
outra, a reprodução m etódica deste objeto, que só pode acon
tecer, rigorosam ente falando, se uma. transform ação produtora
deste objeto já foi realizada. Quanto, à função dos instrum en
tos, ela não é a m esm a em cada um destes tempos da ciência.
Exem plificando esta diferença, lembra-nos H erbert a transfor
m ação que a balança sofreu após o advento da Física moderna.
F o ra de seu papel técnico-com ercial, ela servia para inter
rog ar toda a superfície do real empírico', pesava-se o san
gue, a urina, a lã, o a r atmosférico etc... e os resultados
forneciam a “realização do real” sob diversas formas bio
lógicas, m etereológicas etc...
Esta vagabundagem do instrum ento foi detida pelo m o
m ento galileano, que lhe designou, no interior da ciência
nascente, u m a função nova, definida pela teoria científica
m esm a. ' ,
Isto nos designa o duplo desprezo que não deve ser come
tido: declarar científico todo uso dos instrum entos, esque
cer o papel dos instrum entos na prática científica (Herbert,
1 9 7 2 : 31).
19
de vista de um a certa leitura epistemológicaj no caso aqui as
de Canguilhem e T hom as H erbert, não se trata de negar à
Psicologia, Jurídica ou não, um a existência de fato c um a qual
quer eficácia. Trata-se, então, de. saber como e porque este
cam po se constituiu, quais os seus procedim entos e de que
natureza é a sua eficácia. Não devemos nos esquecer que as
análises Genealógicas perm itiram a Foucault identificar as p rá
ticas jurídicas, ou judiciárias/com o das mais im portantes na
emergência das formas modernas de subjetividade, e que a partir
do século XIX, mais do que punir, buscar-se-á a reform a psi
cológica e a correção m oral dos indivíduos (Foucault, 1979).
Este segundo conjunto de questões diz respeito, então, a tudo
aquilo que faz com que a Psicologia Jurídica exista como p rá
tica em um a sociedade como a nossa, independentem ente de
seu estatuto epistemológico. Corno nos ensinou R oberto M a
chado, as análises arqueológicas e genealógicas não se norteiam
pelos mesmos princípios que a história epistemológica (M acha
do, 1982). -
No cáso específico da atuação dos psicólogos em V aras
de Família, de acordo com a pesquisa de Brito já m encionada,
e para continuar utilizando o mesmo fio condutor, constatou-
se o predom ínio das atividades de perícia nos casos de separa
ções litigiosas, onde havia disputa .pela .guarda dos filhos.
Sabemos que a perícia tem sido um dos procedim entos
mais utilizados na área jurídica, tendo por objetivo fornecer
subsídios p ara a tom ada de um a decisão, dentro do que impõe
a'lei. Em.algumas áreas da justiça a perícia pode ser solicitada
para averiguação de periculosidade, das condições de discerni
mento ou sanida.de mental das partes em litígio ou em julgamento.
Em bora não possamos rigorosamente dizer de que se
trata quando nos referimos, como psicólogos, a categorias como
estas, pelo rrienos do ponto de vista de uma. ideologia jurídica,
algo da ordem do objeto está apontado. No caso de V aras de
Família, não se trata, pelo menos em princípio, de exam inar
20
algum a periculosidadc, algum a ausência ou prejuízo da capa
cidade cie discernim ento ou sanidade mental. Com o pano de
fundo temos o casal em dissolução e em disputa pela guarda
dos filhos, cada um instruído no processo por seus respectivos
advogados. Sabemos que muitas das alegações p a ra a guarda
dos filhos tem sido im putações de infidelidade, desvios de con
duta, uso dc drogas, doenças ou mesmo a de possuir o outro
cônjuge m enor renda, trabalhar fora de casa ou não trabalhar,
ou ainda possuir m enor escolaridade.
É sobre tais alegações, motivo da disputa, que trabalha«
rá o juiz, form ulando quesitos a serem investigados pelo perito,
que de certa form a com provará ou não as alegações, form u
lando um a verdade sobre os sujeitos.
C om o resultado da perícia um a das partes tenderá a ser
apontada como aquela que reúne as melhores condições para-^
a guarda dos filhos, já que tanto o pedido do juiz como a lógi-
ca do processo se dirige e mesmo impõe esta direção. Enganamo-
nos todos ao acreditar que a verdade vem à luz e que se faz .
justiça nesse processo. O resultado parece ser, inevitavelmente,
a fabricação dc um dos cônjuges como não-idôneo, m oralmente
condenável ou, pelo menos, tem porariam ente m enos habilitado. -
N ão se trata, evidentem ente, de lançar aqui um a dú v id a'
generalizada sobre os diversos tipos de perícia e seus usos p e la '
Justiça; tam bém não se trata de negar o sofrim ento ou levantar
suspeitas sobre a sinceridade com que os genitores form ulam
suas queixas, em bora, aqui e aü, os advogados orientem a dire
ção e a form ulação das alegações, conhecedores que são dos
juizes e das regras, e em bora, vez ou outra, as partes estejam
igualm ente preocupadas com os filhos e o patrim ônio.
Podem os não saber como resolver problem as tão difícil
como este,4 podem os m esm o adm itir que em certos casos e em
frente aos pais?” é a questão m ais difícil e central, segun do Pierre L egendre
(1992), q u e todos os sistem as institucionais do planeta devem resolver histó
rica, p olítica e ju rid icam en te, pois é ai que o princípio da vida está ancora
do. O u seja: co m o ordenar o p od er genealógico? Q u a l a relação entre o
D ireito e a vida?
5 A C o n v en çã o internacional dos D ireitos da C riança, dc 1989, dispõe sobre
o direito da criança ser ed u cad a por pai e m ãe. A este respeito ver: Brito,
1999.
22
cologia com o Direito não diz respeito apenas ao bo.m ou m au
uso da técnica, à habilidade ou não do perito.
(...) deve-se reco n h ecer que o psicólogo contem porâneo é,
n a m aioria das vezes, um p rático profissional cuja “ciên-
------- ;------- eia—é-totalm ente-inspirada nas “leis” da adaptação a um
m eio sociotécnico - e não a u m m eio natural - o que con
fere sem pre a estas operações de "m edida” um a significa
ção de apreciação e um alcance de perícia. (Canguilhem ,
1972: 121) ■
P a ra C anguilhem , ao buscar objetividade, a Psicologia
transform ou-se em instrum entalista, esquecendo-se de se situar
em relação às circunstâncias nas quais se constituiu.
E m b o ra esta observação de Canguilhem se refira apenas
à Psicologia, ela pode ser estendida a outras áreas. Ao discor
rer sobre a m odernidade, José Am érico Pessanha afirm a ser
um a de suas características a opção p o r um certo tipo de ra
zão, ou conhecim ento científico, de natureza operante ou ins
trum ental, capaz de dom inar e m odificar o meio físico. M enos
m al, talvez, se este tipo de racionalidade tivesse se lim itado
apenas a certos usos e a certos propósitos, e não tivesse a p re
tensão de se constituir com o único m odo legítimo e verdadeiro
de leitura do m undo.
(...) q u an d o o O cidente, através de D escartes e de Bacon,
fez a escolha p o r u m a form a de cientificidade e deixou de
lado tudo que fosse dotado de algum a am bivalência, dei
xou de lado tam bém as cham adas idéias obscuras. Com
isso tam bém deixou de lado tudo o que n a condição h u
m an a é ligada ao corpo, ao tem po, à história e à concretude
(Pessanha, 1993: 26). ■ ‘
N ão se tra ta de negar validade ao m odelo das Ciências
da N atureza ou à M atem ática, m as apenas de reconhecer que
as Ciências H um anas e Sociais não podem se reduzir ao dis
curso coagente da razão abstrata, pretendendo a produção de
verdades a-históricas e universais. O fecham ento da razão a
23
dem aos vários setores da vida pessoal e social, levando Gastei
a fazer à Psiquiatria pergunta similar à feita por Canguilhem à .
Psicologia: “Sem dúvida nâo é possível estabelecer limite p ara
essé progresso. M as seria o m ínim o ousar perg u n tar ‘quem te
fez re i? a quem te faz sujeito-submisso” (Gastei, 1978: 20).
Assim com o p a ra o louco ie p a ra o prisioneiro, será n e
cessário encontrar um a nova form a de adm inistrar os conflitos
familiares e tám bém um a nova form a de assistência. No A nti
go Regim e, em troca de seu grande poder, o chefe de família
devia zelar p a ra que nenhum de seus m em bros perturbasse a
ordem pública. Este m ecanism o de controle se tornará insufici
ente e inadequado em função do aum ento crescente do núm e
ro de pessoas “desgarradas” ou que “escapavam ” ao controle
das famílias com o os pobres, os vagabundos, os viciosos e a
infancia abandonada, levando os novos filantropos a um a crí
tica feroz do arbítrio fam iliar e dos procedim entos da antiga
caridade. Estes filantropos lutavam por um a nova racionalidade
n a assistência e principalm ente p a ra que a ajuda dada à fam í
lia favorecesse sua prom oção e não sua dependência. Neste
contexto, m ultiplicaram -se as leis sobre o abandono, maus tra
tos, trabalho e m ortalidade infantil, surgindo novos profissio
nais dedicadas ao cam po social: os cham ados “técnicos” ou
“trabalhadores sociais”. A partir;de então, p a ra com preender
m os o que Jacques D onzelot cham a de “complexo tutelar”,
torna-se necessário entender as form as de agenciam ento entre
as suas principais instâncias: o judiciário, o psiquiátrico e o
educacional (D on 2 elot, 1980).
M as todas estas práticas riao incidem, como nos ensina
M ichel Foucault, sobre u n iv ersa l como “doente m ental”, “de
linqüente”, “carente” que lhes seriam exteriores, senão que esses
“universais” ou “essências”, são iaquilo m esm o que se produz
26
nestas práticas. Recusar estas categorias como sendo “natureza
h u m an a” significa, ao mesmo tempo, reconhecer, nas práticas
sociais concretas, a formação de um campo de experiência onde
processos de subjetivação/objetivação têm lugar. Significa tam
bém reconhecer o papel que trabalhadores sociais, técnicos e
peritos desem penham neste cam po de poder-saber.
Dos conflitos e do
24
larem a m inoridade do louco e A L ettue-de-Cachet “não era uma lei ou um de
creto, mas uma ordem do rei que concernia a
o seu isolam ento corno m edida uma pessoa, individualmente, obrigaudo-a a fa
terapêutica necessária ao con zer alguma coisa. Podia-se até mesmo obrigar
trole de sua pcriculosidade, os alguém a sc casar peia leltre-de-cacheí. Na maioria
das vezes, porém, cia era um instrumento de pu
alienistas ofereceram um a jus nição. Podia-se exilar alguém pela lellre-de-cachet,
privá-lo de alguma função, prendê-lo etc. Ela cra
tificativa m édica à sua repres um dos grandes instrumentos dc poder da mo
são. narquia absoluta” francesa (Foucault, 1979: 76).
M as não eram os loucos Por outro lado, ainda segundo Fouçault, as Uures-
de-cachet eram solicitações diversas dos próprios
os únicos que colocavam pro súditos: maridos ultrajados, pais de família des
blemas de governo, após a abo contentes com o comportamento de um de seus
membros, seja por vadiagem, bebedeira, prosti-'
lição das lettres de cachety um a ve 2
que estas serviam tarito p a ra sancionar as condutas considera
das imorais como as consideradas perigosas. No entanto, antes
de se colocar como fator indispensável ao funcionam ento do
aparelho judiciário e de estender-se em direção a outros gru
pos, a M edicina necessitou primeiro legitimar-se como um poder
face à Justiça. Em relação ao prisioneiro, por exem plo, a atu
ação m édica se dará inicialm ente visando à execução da pena,
e só mais tarde se dedicará à avaliação da responsabilidade do
criminoso (Castel, 1978: 38).
Neste m om ento posterior, ao desfazer-se a rígida sepa
ração entre o norm al e o patológico sobre a qual repousavam
as in tern açõ es dos alienados, d esfazim ento in iciad o pelas
teorizações dè Esquirol sobre as m onom anias6 e as de M orei
sobre as degenerescências,7 as atividades de perícia se esten-
ü D e acordo com a m áxim a dos prim eiros alienistas d e que “n ão existe lou
cura sem delírio” , surge a dificuldade de se caracterizar a alienação m ental,
para efeitos de dcsresponsabílização jurídica,, n os casos em q u e nao se o b
servam a presença de delírios nos indivíduos q u e com eteram crim c ou infra
ção penal. Em contraposição às m anias, Esquirol postulou ás m on om an ias,
ou loucura sem delírio, am pliando a n oção de alien ação m ental. A m o n o
m ania é co m o um delírio parcial, que não subverte inteiram en te a faculda
de da razão o.u do enten d im en to (V er G astei, 1978:_164^165).._____________ -
7 C om M orei am pliam -se as possibilidades de in terven ção da m ed icin a na
25
municípios, a promessa de um a vida m elhor p a ra todos ainda
não se concretizou. C ontinua a prática de atribuir a determ i
nados grupos, particularm ente os jovens pobres das periferias
urbanas, características negativas como perigoso, m arginal, in
frator, deficiente, preguiçoso, como se tais atributos constituís
sem a sua própria natureza. A R eform a Psiquiátrica, por outro
lado, em bora avance, se vê, às voltas com a difícil questão da
inclusão social dos ex-pacientes, álém de divergências internas
ao próprio movimento.
Com o profissionais que atuam no campo social, os psi
cólogos têm sido chamados, cada vez mais, a refletirem sobre o
papel estratégico que desem p en h am nestes processos de
objetivação/subjetivação, a próblem atizarem as dem andas que
lhes são feitas e a colocarem em análise a sua condição de
especialista.
28
Algumas das características destas internações tem sido:
1) a com pulsoriedade;' não se podendo recusar a internação
sob pena de desacato à autoridade; 2) o predom ínio dc q u a
dros não psicóticos; 3) a estipulação de prazos para a internação,
a despeito do que pensa a equipe m édica que recebeu a crian
ça ou o adolescente; 4) a caracterização do tratam ento como
pena, no caso de adolescentes em conflito com a lei; 5) as cri
anças e adolescentes apresentando-se fortemente medicados com
psicofármacos, no ato da internação; .6) presença de escolta
durante o período da internação; 7) tem po médio- de internação
superior aos dos demais internos admitidos por outros procedi
mentos; 8) desconhecim ento, pela equipe técnica, dos proces
sos judiciais referentes aos adolescentes em conflito com a lei.
D adas estas especificidades, o adolescente internado por
esta via judicial tende a não ser considerado paciente “legíti
m o” pela equipe médica, pois esta não pode opinar sobre a
indicação de internação nem sobre a alta, sentindo-se acuada
entre o Código de Ética M édica e o Penal. Estabelece-se então
um a distinção entre “nossos” adolescentes (da equipe) e adoles
centes do “ju iz” , sendo estes considerados desobedientes, sem
limites e agressivos. Além do mais, éxiste o m edo de que as
crianças e adolescentes do “ju iz” possam trazer “riscos” p a ra
as outras. A alternativa de separar essas duas clientelas em pátios
ou alas distintas do hospital equivaleria a instituir, na prática,
um a espécie dc m anicôm io judiciário p ara crianças e adoles
centes.
Procedendo a um detalham ento m aior da clientela, Bentes
constatou que do total de crianças e adolescentes encam inha
dos ju d ic ia lm e n te , 60% n ã o fo ram diagnosticados com o
“psicóticos”; 42, 9% dos que receberam diagnóstico de “dis
túrbios do com portam ento” eram adolescentes em conflito com
a lei, encam inhados p o r juizes da C om arca da Capital; e que a
m aior m édia de tem po de internação (55, 6 dias) foi em decor
rência dc encam inham entos feitos por juizes do interior do
Estado. O utros diagnósticos neste grupo foram dependência
de drogas, epilepsia, distúrbios de emoções na infancia e ado
lescência, transtorno da personalidade.-
D a entrevista realizada p o r Bentes com um dos juizes,
— onde-buscou-esolareeim entossobre-osencam inham entos-judi---------
ciais, destaco alguns trechos, indicativos do conflito aqui anali-
. , sado:
As M edidas Socioeducativas são impositivas não só para o
.menino com o tam bém p a ra o local cm que ele vai cum pri-
la. (...) Esta é um a questão essencial (..,) se a M edida médica
for um a P ena, que nós cham am os de M edida Socioeduca-
tiva, ela se to rn a imposiriva p a ra todo mundo: p a ra o Juiz,
p a ra a família, p a ra o M inistério Público, p ara a Defesa,
' p a ra o m édico, p a ra o próprio garoto, p ara a equipe técni
ca do H ospital, enfim ... A gente sabe, p o r exemplo,
que p a ra tra ta r de drogas a O M S, o C onselho'(...) dizem
que tem de ter a adesão voluntária da parte, m as no caso
de adolescente em conflito, com a Lei, é um a M edida, é
contra a vontade de todo , m undo, contra esta- P o rta ria ,"
contra a C onvenção, contra a recom endação, contra a fa
mília, co n tra o técnico. A m edida não é, vamos dizer as
sim, um a coisa voltada p ara 'a Proteção; é um a Pena (Bentes,
1 9 9 9 : 1 2 8 -1 3 8 ).
30
De 1990 para cá, a im putabilidade está em 12 anos. Q uando
as pessoas dizem assim: - “Eu sou a favor de reduzir (a
im putabilidade) p a ra 16 anos” - n a verdade, não estão
reduzindo e sim aum entando de. 12 para 16 (Bentes, 1999:
136-137).
31
criança encón tra-se fora da escola, por exemplo, o C T a enca
m inha a um a das escolas da região què, muitas vezes, alega
não poder receber a criança por falta de vaga, o m esm o po
dendo acontecer com o sistema de saúde ou com os abrigos.
Mas nem sempre os conflitos se devem à precariedade
das condições do atendim ento. A escola pode não querer m a
tricular a criança, não p o r falta áe vaga, mas porque ela é vista
como “da ru a”, “infratora” ou :‘deficiente”, fugindo do padrão
de norm alidade desejado. Neste caso, a escola alega que não é
sua função óu que não tem os meios para lidar com aquela
criança. O u seja, não crê que o “problem a’5 da criança pode
ou deve ser enfrentado pedagogicamente, preferindo encaminhá-
la ao juiz, ao Conselho T utelar ou ao sistema de saúde, resul
tando muitas vezes no que M aria Aparecida Affonso Moysés
cham ou de “medicalização da aprendizagem ”, ao estudar cri
anças que só não aprendiam na escola. (Moysés, 2001)
Configura-se assim, no campo social, um a situação m ui
tas. vezes complexa e confusa, onde pobreza, abandono e vio
lência’ se m isturam à ausência ou precariedade dás políticas
públicas, às desconfianças, medos, omissões e acusações m útu
as. Não é, certam ente, o m elhor dos mundos.
32
no a n o de 1999, do total dc 11.256 adolescentes que cum pri
ram m edidas no D epartam ento de Açõés Socioeducativas da
Secretaria de Estado e Justiça do R io de Jan eiro (DEGASE),
■40, 6% eram internações provisórias; 26, 07% m edidas de semi-
liberdade; 14, 8% internáções com sentença judicial e 9, 71%
liberdade assistida, totalizando 91, 18% dos casos —o que sig
nifica que menos dc 10% receberam m edidas mais brandas,
tam bém previstas na Legislação e consideradas m ais adequa
das ao adolescente, como a m edida1:de prestação dc serviço à
com unidade, por exemplo. Além do DEGASE, muitos adoles
centes cum prem m edidas em Program as oferecidos pela pró
pria Justiça da Infância e Juventude.
E m bora o Rio dc Jan eiro respondesse por 12, 98% do
total de adolescentes privados de liberdade cm todo o país em
3 0 /0 6 /1 9 9 7 , vindo logo abaixo de São Paulo com 44, 87%£*
respondia, no ehtanto, pelo m aior percentual de adolescentes
internados por infrações relacionadas à Lei de Entorpecentes:-
42, 07% (Volpi, 1998: 68-83). P ara termos um a idéia do que*
estes núm eros significam, o Relatório do Ju iz de M enores Saul
de G usm ão, de 1941, m ostra um crescim ento de 127 atos
infracionais em 1924 p a ra 248 em 1941 no Rio de Janeiro'/
sendo que n enhum a criança ou adolescente foi acusado dc
envolvimento com drogas. As infrações apontadas são delitos
de sangue, de furto, roubo e sexuais (Cruz Neto et al., 2001:
58).
No livro Delinqüência juvenil na Guanabara são apresentadas
estatísticas do Juizado de M e n o re s/R J do período 1960 a 1971
(Cavalieri et al., 1973). Nestes registros, verifica-se o início das
apreensões p o r drogas, em bora os núm eros sejam de m agnitu
de múito. inferior aos atuais: 14 em 1960, do total de 666 atos
infracionais e 192 em 1971, do total de 1.253 atos infracionais.
Esclarece o Juiz de M enores Alyrio Cavallieri, em seu livro
D ireito do M enor, que estes núm eros se referem ao uso e não
à venda de drogas, pois, em suas palavras “raram ente o m enor
33
é tr a f ic a n te ” (C a v a llie ri, 1976: 137). N e ste p e río d o a té o a n o
d e 1 9 9 5 , os m a io re s p e rc e n tu a is d e a to s in fra c io n a is são re la ti
v o s a o p a tr im ô n io : 2 .0 1 6 casos em 2 .6 2 4 n o a n o d e 1991, sen
d o d ro g a s a p e n a s 2 0 4 d e ste total.
_______ Esta_situação_diferenciada-para-o-Rio-de Janeiro-foi-ob—
je to de estudos e de intensos, debates realizados nas universida
des, n a C o m issã o de D ireito s H u m a n o s da A ssem bléia
Legislativa e no Conselho Estadual de Defesa da C riança e do
A dolescente, ocasiões em que se indagavam sobre os motivos
que estariam propiciando esta situação:
M u d o u a realidade e aum entou a crim inalidade ou a m u
d a n ç a é apenas o resultado de um a filosofia mais repressora
e policialesca? O u seria fruto de aum ento de operosidade
d a Ju stiça, do M inistério Público e da Polícia? (Relatório:
s/d ).
36
•V:. :vT
37
V II — C o o p erar p á ra a obtenção de inform ações necessárias à ava
liação inicial e seqüencial de seu caso.
V III — O s pais ou responsáveis deverão com parecer às audiências
no Ju izad o e às sessões de tratam ento recom endadas.
IX - C om p arecer e d em onstrar desem penho satisfatório n a esco
la, estágios profissionalizantes e laborativos. '
X - A gir de acordo com as norm as específicas da unidade de
tratam en to p a ra a qual foi feito o encam inham ento” .
38
responsável por grande parte do contingente dos hospitais psi
quiátricos, manicômios judiciários, internatos^e prisões? N ao se
tra ta aqui de negar o sofrim ento de pessoas e de famílias
destruídas pela dependência quím ica -e pelo uso abusivo de
drogas. N o entanto, trata-se de perguntar, como faz Luiz Eduar
do Soares: Por.que circunscrever o uso,de drogas ao cam po da
ilegalidade? Baseado em quais critérios certas drogas são con
sideradas lícitas e outras ilícitas? Por que difundir a idéia de
que ingerir substâncias psicoativas significa consumí-las em
excesso? (Soares, 1993).
P erguntado se achava possível ou mesmo desejável a
existência de um a .-cultura sem limites e repressões, Foucault
respondeu que o im portante não era a existência de restrições
e sim a possibilidade oferecida, às pessoas a quem afeta, de
modificá-las (Foucault, 2000b: 26).
A juiza M aria Lúcia K aram , contrária aos procedim en
tos da Justiça Terapêutica, advoga a s.ua inconstitucionalidade.
D ada a im portância da argum entação p ara o tem a tratado,
perm ita o leitor um a longa citação.
E m bora reconhecendo a ausência de culpabilidade e, as
sim, a inexistência de crime nas condutas daqueles que sc
revelam inim putáveis, o ordenam ento jurídico-penal b ra
sileiro, paradoxalm ente, insiste em alcançá-los, ao im por,
com o conseqüência d a realização d a conduta penalm ente
ilícita, as cham adas m edidas de segurança, com base em
- u m a alegada “periculosidade” atribuída a seus inculpáveis
autores.
Aqui, indevidam ente, se ab re: o espaço para manifestação
d a aliança entre o direito penal e a psiquiatria, responsável
' ■ p o r trágicas páginas d a história do sistema penal.(...)
N a realidade, as m edidas de segurança para inimputáveis,
consistindo, com o prevêem as m encionadas regras dos ar
tigos 96 a 99 do Código Penal e do artigo 29 da Lei 6.368/
76, n a sujeição obrigatória e p o r tem po indeterm inado a
tratam ento m édico (am bulatorial oú m ediante internação),
não passam de formas m al disfarçadas de pena, sua in
39
compatibilidade com a Constituição Federal, por manifes
ta vulncraçâo do princípio da culpabilidade é,. conseqüen
tem ente, p o r m anifesta vulneração d a p ró p ria n o rm a
constitucional, que aponta a dignidade d a pessoa hum ana
como um dos fundam entos da República Federativa do
Brasil, decerto, havendo de ser afirmada.
M as, este inconstitucional tratam ento obrigatório j á vem
sendo aplicado até mesmò p ara aqueles que têm íntegra
sua capacidade psíquica, nas tentativas,' diretam ente veicu
ladas pelos Estados U nidos da América,- de transportar,
para o Brasil, as cham adas drug court, que, aqui, se preten
de sejam adotadas, com a tradução literal de “ tribunais de
drogas” , ou sob a denom inação de “justiça terapêutica” ,
esta últim a explicitando a retom ada daquela' nefasta alian
ça entre o direito penal e a psiquiatria. (...)
Assim, estende-sc o tratam ento médico a imputáveis, o que
já contraria as próprias leis penais ordinárias vigentes. As
sim, amplia-se o alcance do sistema penal, com a imposi
ção de verdadeiras penas, negociadas ao preço d a quebra
de diversas garantias do réu, derivadas da cláusula funda
m ental do devido processo legal, constitucionalm ente con
sagrado. (...)
Esta im portação das drug court chega, ainda, ao âm bito dos
juizados da infancia e juventude. Ali tam bém , pretende-se
violar a liberdade individual, a intim idade e a vida privada
de adolescentes, através da imposição de um tratam ento
médico obrigatório, sem que sequer seja externado trans
torno mental que, teoricamente, o pudesse aconselhar. (...).
(K aram , 2002: 210-224).
40
d o so b a m e s m a lóg ica, o q u e ju s tific a a discussão n a c io n a l,
s e g u n d o o R e la tó rio -d e s te G T .
A J T faz parte de um a política nacional de com bate às
drogas, adotada pela SENAD - Secretaria N acional Anti-
drogas, cm p arceria com a E m baixada A m ericana, país
que exporta este m odelo. A SENAD, ao mesmo tem po que
ap ó ia in iciàtivas de re d u ç ã o de danos (ao p re m ia r a
REDUC), incentiva iniciativas do .tipo d a JT (Relatório, CRP:
s/d).
O G T in d ic a u m a p o siç ã o “ c o n tr á ria ao m o d e lo d a J T e
a in s e rç ã o d o p sicó lo g o b a s e a d o n o s seg u in tes e le m e n to s in ic i
ais” , e n tr e os q u ais: a q u e b r a d o sigilo p rofissio n al, j á q u e d ev e
o p sic ó lo g o p r o d u z ir p r o v a q u e d e p õ e c o n tra o p r ó p r io su jeito ;
q u e b r a d o s d ire ito s in d iv id u a is m ín im o s, p o sto q u e o su je ito
q u e o p ta p e la J T te m d e a b r ir m ã o d o d ire ito d è d efesa , te n d o
d e se c o n fe ssa r c u lp a d o , m e s m o q u e u s u á rio e v e n tu a l; p o r e n
te n d e r q u e h á u m a d ife re n ç a e n tr e u su á rio e v e n tu a l e d e p e n
d e n te e p o r r e a f ir m a r o c a r á t e r v o lu n tá rio d o tr a ta m e n to ,
c o n d iç ã o f u n d a m e n ta l p a r a su a eficácia; ta m b é m p o r e n te n
d e r, c o m o j á foi d ito , ser n e c e s s á ria u m a a m p la discu ssão so b re
a q u e s tã o d a s d ro g a s n o B rasil.
Em 2002, pelas Portarias 336 e 189 do M inistério da
Saúde, foram criados, dentro dos parâm etros da R eform a Psi
quiátrica, os C entros de A tenção Psicossocial para atendim en
to de crianças e adolescentes (CAPSi) e para portadores de
transtornos em decorrência do uso e dependência de substân
cias psicoativas (CAPSad), trazendo esperança de que novas
m odalidades de assistência em saúde m ental possam ter lugar.
41
bém a sua inutilidade em relação a um a suposta regeneração
dos prisioneiros, e, no entanto, as nossas sociedades não que
rem dela a b rir m ão. Sabem os tam bém , pelo menos enquanto
a prisão não se p ro p u n h a a regenerar ou tratar, que a prisão
nào-deveria-sérnadaalém -do^que"a'sim ples'privação_d e iib e r-
dade, m as não é o que acontece. É a este excesso, ao que ex
cede a pena, que Foucault cham ou o penitenciário. O aparelho
penitenciário, local de cum prim ento da pena, é tam bém lugar
de um a “curiosa substituição”:
(...) das m ãos da justiça ele recebe um condenado; m as
aquilo sobre que ele deve ser aplicado, não é a infração, é
claro, nem m esm o exatam ente o infrator, mas um objeto
um p o uco diferente e definido por variáveis que pelo m e
nos no início não foram ■levadas em conta n a sentença,
pois só era m pertinentes ’p a ra um a tecnologia corretiva.
Esse outro personagem que o aparelho penitenciário colo-
« ca no lu g ar do infrator condenado, é o delinqüente.
O d elinqüente se distingue do infrator pelo fato de não ser
tanto seu ato quanto sua vida o que mais o caracteriza (...)
O castigo legal se refere a um ato; a técnica punitiva a
u m a vida (..,) Por trás do.infrator a quem o inquérito dos
fatos p ode atribuir a responsabilidade de um delito, reve
la-se o c a rá te r delinqüente cuja lenta form ação transparece
n a investigação biográfica: A introdução do “biográfico” é
im p o rtan te n a história da penàlidade (Foucault, 1977.: 223-
224).
43
an ti-sociais, que se concretizam e agravam progressivamente,
sob a influência geral do am biente. Existem, n a criança, os
cham ados ‘sinais de alarm e’ de tais predisposições e ten
dências ao crim e, sinais que p o d em ser .de n a tu re z a
morfológica, funcional ou psíquica. Especialmente sobre
estes últimos é que devem estar vigilantes todas as mães,
sabiclo que as crianças perversas, rebeldes, violentas, im
pulsivas, indiferentes e desatentas são principalm ente as que
precisam recebcr cuidados especiais para não se. tornarem ,
afinal, elementos perigosos para a sociedade (Corrêa, 1982:
60-61).
45
quase sem pre com o critério de que o adolescente está recupe
rado ou ressocializado.
P a ra concluir, gostaria de dizer que um fator comum
que une os estudos acim a é a busca de alternativas p a ra a atu-
açâo_profissional3_na-esperança~de-quc-a-Psieoiogia-possa-ser—
exercida de um a ou tra form a, além de trazer à luz o enorm e
sofrim ento causado pelo encarceram ento de adolescentes. ^
R etom em os então, de um Outro m odo, a pergunta “Q ue
é a Psicologia?”, possibilitada aqui pelas lem branças de Bastos
(2002): : : í
N u m a de suas belíssimas aülas ele se dirigiu a alguns alu
nos do curso de psicologia e perguntou: O que vem a
ser a psicologia?” “P ara que ela serve?” A nte a nossa con
fusão, perplexidade e dem ora, Cláudio U lpiano nos disse:
D epende das forças que se apoderam 'dela!; Coloquem- ■
suas forças em b atalh a p a ra produzirem um a psicologia
afirm ativa.” 10
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49
Eduardo Ponte Brandão
53
m e m b ro s lig ad o s, p o r laço s c o n sa n g ü ín e o s o u d e d e p e n d ê n c ia
(fam ília extensa).. A o m e sm o te m p o , ela o rg a n iz a -se n u m m o
d e lo h ie rá rq u ic o q u e te m o h o m e m c o m o o seu chefe (fam ília
p a tria rc a l).
----------- ô hom em -é o~chefé~da sociedade conjugal“ê“da ãdminis^-
tração dos bens comuns do casal e particulares da m ulher, bem
como detentor da autoridade sobre os filhos è representante
legal da família.
Por sua vez, a m ulher casada é considerada relativamente
incapaz, em oposição à situação jurídica da m ulher solteira maior
de idade. Essa incapacidade retira da m ulher o poder de deci
dir sobre a prole^e o patrim ônio, cuja com petência pertence ao
hom em . A m ulher casada precisa de autorização do seu m ari
do p a ra exercer profissão, p a ra com erciar, além de estar fixada
ao domicílio decidido por ele. Os compromissos que assumir
sem autorização m arital não te m ‘eficácia jurídica.
vSomente n a falta ou im pedim ento do pai que caberia à
m ãe a função de exercer o pátrio poder (artigo 380), ao qual os
filhos estariam submetidos até a m aioridade (artigo 379).
Segundo Barros (2001), o fato de o hom em ter o poder
dividido, no caso de sua falta ou iseu im pedim ento, com a es
posa e lim itado à m enoridade do filho torna-se expressão de
um golpe no pátrio poder, em bora discreto em face da autori
dade que ele ainda detinha na família.
P or sua vez, cabe frisar que o pátrio poder, oriundo do
D ireito R o m an o , alude a um a figura de autoridade que não
representava o tipo dom inante em território nacional (Almeida,
1987). Seguindo esse raciocínio, â idéia de declínio da autori
dade p a te rn a n ão parece a mais adequada p ara a com preen
são dos regim es de aliança e sexo surgidos historicam ente no
Brasil, qu içá no O cidente m oderno (Foucault, 1997), pois está
lim itada à tradição rom ano-cristã.
N o que tange à separação do casal, o Código de 1916
prevê apenas a separação de corpos por ju sta causa, conhecido
p o r . desquite* p re s e rv a n d o assim a in d isso lu b ilid a d e d o m a tr i
m ô n io . E m o u tra s p a la v ra s , a s e p a ra ç ã o n ã o desfaz o v ín cu lo
m a trim o n ia l.2
C o m o d e s q u ite , d e le g a -se a o in o c e n te n o p ro c e sso de
se p a ra ç ã o o d ire ito d e te r os filhos con sig o . A o c ô n ju g e c u lp a
do, é-lh e a ss e g u ra d o o d ire ito d e v isita, salvo im p e d im e n to .
C o n fo rm e p o d e m o s o b s e rv a r, h á u m a re striç ã o d a g u a r d a à
m o n o p a r e n ta lid a d e , d e c id id a a p a r tir d o c rité rio d e fa lta c o n
ju g a l.
C a so a m b o s sejam c o n sid e ra d o s cu lp ad o s, a m ã e fica co m
as filhas m e n o re s e c o m os filhos até os seis anos. D e p o is dessa
id a d e , os filhos v ã o p a r a a c o m p a n h ia d o p a i. A lei p re v ê re g u
la r, e m c a so d e m o tiv o s g rav es, d e o u tr a m a n e ira a situ a ç ã o
dos p ais c o m os filhos. O b se rv a -se q u e o d e te n to r d a g u a rd a
ex erce o p á tr io p o d e r e m to d a su a e x te n s ã o (G o m es, 1981).
55
N a definição dos direitos e deveres do m arido e da m u
lher, pode-se confirmar a valor ação diferenciada dos papéis
sociais. Ao m arido, de acordo com a lei, cabe suprir a m anu
tenção da família, enquanto à m ulher cabe .velar pela. direção
m oral desta. H á um a tipificação das diferenças que justifica o
código m oral assimétrico e com plem entar como regra de con
vivência entre os sexos.
Os perfis sociais atribuídos ao hom em , à m ulher e aos
filhos já haviam sido desenhados pela política higienista que,
desde 1830, se inscreveu cpmo micropolítica no tecido social
brasileiro. Com objetivo de salvar as famílias do “caos” higiê
nico em que elas se encontravam , o saber médico aliou-se às
políticas do Estado e fez surgir o m odelo familiar pequeno-
burguês, expulsando do lar doméstico os.antigos hábitos colo
niais (Costa, 1999). Assim, as tipificações clas diferenças entre
os sexos, vinculadas pela m edicina à natureza biológica, não
deixaram de ser absorvidas paulatinam ente pela legislação.
Se o Código Civil de 1916 já norm atizava em capítulo
especial as relações familiares, é, por, sua vez, na década de 30,
no m om ento dé criação .de um projeto político nacionalista e
autoritário, que' se desenha um a proposta clara sobre a função
social da família. Trata-se de um projeto familiar articulado ao
nível legal, abrangendo outros aspectos da legislação além das
normas de direito civil. Tal projeto caracteriza-se por um a for
m a de p e n s a r-a fam ília com o elem ento de um a política
demográfica, tendo como objetivo último a construção da uni
dade política nacionalista:
Nesse período foram prom ulgadas: a legislação sobre o
trabalho feminino (origem da CLT); sobre casam ento en
tre colaterais do 3o grau; sobre os efeitos civis do casam en
to religioso; sobre os incentivos financeiros ao casam ento e
à procriação; sobre o reconhecim ento de filhos naturais e
legislação penal, em especial no tocante aos' crimes contra
a família (Código penal de 1940) (Alves e Barsted, 1987:
169). ■
- Pode-se vislum brar nessas regulamentações a preocupa
ção do legislador e n f reforçar os padrões de m oralidade já pre
vistos implícito e explicitamente no Código Civil, tais como: a
valorização do casam ento legal e monogâmico, o incentivo ao
trabalho masculino e à dedicação da m ulher ao lar, o tem or
higienista dos cruzam entos consanguíneos e do uso dà sexuali
dade fem inina e, em suma, a defesa da harm onia e dos costu
mes na família (Alves e Barsted, 1987)-:
No período seguinte, de 1946 a -1964, caracterizado po
liticamente como dem ocrático, destacam-se1a lei de reconheci
m ento de filhos ilegítimos (lei 883/49) e o "Estatuto da m ulher
casada” de 1962, que outorga capacidade ju ríd ica plena à
mulher.
Com a vigência desse “E statuto”, a decisão sobre a prole ^
e o patrim ônio deixa de ser exclusividade do hom em . Ele revo- U
ga a incapacidade da m ulher casada. Para citar por exemplo
um dos efeitos jurídicos da lei, se a m ulher viúva, casada em
segundas núpcias, perdia o pátrio poder sobre os filhos cio leito
anterior, conforme redação original do Código Civil, com a
vigência do “Estatuto” ela passa a exercer tais direitos sem
qualquer interferência do m arido.
N a hipótese de desquite judicial, em que am bos os côn-
juges são julgados culpados, os filhos menores ficam corri a mãe,
diversam ente do que ocorria no regime anterior, cm que os
filhos varões, acim a de seis anos, ficavam com o pai.
Alves e Barsted (1987) afirmam .que, a despeito de um a
certa liberalização em relação ao casam ento e' regim e de bens,
o “E statuto” não rom pe algumas premissas básicas. O legisla
dor m antém a assimetria entre os sexos, pendendo a balança
p a ra o poder patriarcal. E reafirm ado no “E statuto” o papel
do hom em como sendo o chefe da família e o da m ulher, co
laboradora do m arido. Seguindo esse raciocínio, foi criado o
instituto dos bens reservados da m ulher, definidos com o aque
les oriundos de sua profissão lucrativa e dos quais pode dispor
57
livrem ente. O ra, pressupõe-se então que sua economia própria
é vista com o paralela e dispensável ao sustento do lar, ao passo
que, ao hom em , cabe m antê-lo.
Se o m odelo jurídico de fam ília,nuclear, com laços ex-
te n sosj-patriareal—fu n dada~na-assimetria~sexu al^e_geracio nal
perm anece inalterado do período autoritário ao democrático,
as práticas sociais se afastam cada vez mais do tipo ideal de
família da doutrina jurídica
O final dos anos 60 e a década de 70 foram fecundos
nesse sentido. ■
58
Por sua vez, o homem desvincula-se, ao .menos ideal
m ente, do papel tradicional de “m achista’V cuja relação privi
legiada com o trabalho fora de casa e com os próprios interesses
sexuais deixa de ser exclusividade de seu gênero.'
--------- Gom ^a-m udança-dos-arranjosinterpessoais^dissolve^sfa-
hierarquia que dividia as esferas pertencentes a cada sexo e
geração. As individualidades passam a subordinar as relações
entre os m em bros da família, seja entre m arido c m ulher, seja
entre pais e filhos. As roupas, os discursos, òs com portam entos,
os sentimentos, etc. não são mais sinais exclusivos de cada sexo,
posição e idade, de modo que os m arcadores visíveis da dife
rença passam a ser única e exclusivamente as expressões do
gosto pessoal (Figueira, 1987). !
Os m em bros da família pássam a se perceber como iguais
em suas diferenças pessoais. A ênfase no indivíduo faz-se acom
p a n h a r do ideal de igualdade de relacionam ento, apontando
p a ra um a nova m orai no campo das relações interpessoais. A.
tradição e a rede familiar cedem lugar às individualidades e
seus prazeres correlatos; de tal m odo que se torna necessário o
exam e de si mesm o para que as relações entre homens e m u
lheres, m aridos e esposas, pais e filhos possam ser negociadas a
todo e qualquer m om ento (Figueira, 1987).
N ão sendo por coincidência, é nos anòs 70 que se inicia
um alto consumo da psicanálise (Birman, 1995; Figueira, 1987;
K atz, 1979; Russo, 1987).
N um m om ento em que os papéis tradicionais da m u
lher, do hom em e das gerações são postos’ em xeque, os sabe
res psi surgem como coordenadas p ara as relações interpessoais,
m esm o através de conceitos os mais virulentos, tais como, por
exemplo, o de sexualidade. ! .
D onde explode o sucesso das práticas terapêuticas, das
colunas de aconselham ento psicológico em revistas femininas,
do uso quotidiano do vocabulário psicanalítico; em suma, da
necessidade crescente de se pedir a “palavra” de psicólogos e
59
psicanalistas sobre questões que -dizem respeito à família em
geral. Cabe notar que. o imenso consumo da psicanálise e da
psicologia não implica pura e ’simplesmente a subversão de
formas instituídas pela tradição, mas tam bém a multiplicação
de m icropoderes que são mais persuasivos do' que impositivos
(Foucault, 1997). ,
E evidente que todo esse panoram a de m udança nos anos
70 torna extrem am ente frágil não ápenas os deveres correlatos
entre os sexos, mas tam bém o.-ideal de indissolubilidade do'
matrim ônio.
•Vale acrescentar que nessa época o Brasil estava em ple
no regime militar, sob a presidência do General Ernesto Geisel,
cuja origem protestante luterana admite o divórcio. Ademais,
havia um a certa insatisfação entre os militares na m edida em
que se obstruía a promoção dos desquitados, chegando ao gene-
ralato e até mesmo à Presidência da República, apenas os ca
sados. Desse m odo, eles influenciaram - ao lado de um a gama
imensa de desquitados com famílias recompostas - o Poder Exe-
cutivo com objetivo de. legitimar e regular o fim do casamento.
[,:-tó^,l;-^ü[mrzd,.;çtc;;ipòriÍprciçndc^o,';qüè^él;iimpresciü'díy
■;^cs&áno^âhabita<^oV*òltàVamento’m
'sráe^tbie^scy&pêçsiõá^imçnü^
'^I9Ô3)í;Segi^dtf/Üi£LÍz::(L993)ijtò':umai\éhãShÍiaí.tô»Éstí&l&préWdênciàidé!'sé:'iinppí<;ãj«ste;a^
‘. ■ n w f r n ^ n r n r r p r ^ f l r n ^ r p i e g i r a n n f i a > rn v ^ g v H /» n n h h r a g 'g n r t a > t ^ r ; ^ m ? n h < / > h v n H A g f r i a l i v i a r . n £ S .V í *'
■frtíciós^àteríàúí-páraísóbrewerrè.írctorçaíòíp^cípid^dá^soHd^fcdadcíqÜèfdêyéVrcffcr^òs'-';
61
C ontudo, a força da definição dos papéis sexuais perm a
nece e revela-se, sobretudo, no tocante aos cuidados e educa
ção dos filhos. Diz a lei, no artigo 10, Io, que “se pela separação
forem responsáveis ambos os cônjuges; os filhos menores fica
rão cm poder da m ãe, salvo se o Ju iz verificar que tal solução
possa advir prejuízo de ordem moral p a ra eles” .
Em outras palavras, o cuidado' em relação aos filhos é
visto naturalm ente como sendo responsabilidade da m ulher,
independente de qualquer outra condição, exceto a de ordem
m oral. A m ulher portanto só perde a guarda dos íilhos caso se
conduzir contra os padrões morais, critério bastante nebuloso,
vale dizer, de constatação subjetiva e, ainda mais, deixada à
aferição do juiz.
Para agravar á situação, o privilégio da m aternidade acaba
gerando certas dificuldades p a ra o exercício da paternidade ou,
sim plesm ente, afastando o hom em da esfera de influencia so
bre os filhos. N o Brasil, há até os dias de hoje um a inclinação
em nossos tribunais de atribuir a guarda à m ãe, cabendo ao
pai a visitação quinzenal, o que limita, u m relacionam ento mais
estreito com os filhos. E quando o pai pleiteia visitas menos
espaças, o Judiciário costum a alegar que tal pedido pode au
m entar as desavenças entre os ex-cônjuges (Brito, 1999).
C ontudo, observa-se nos últimos anos um a tendência de
crescim ento das solicitações dos hom ens pela custódia dos fi
lhos (Ridenti, 1998). A reivindicação no judiciário dos hom ens
—em situação de igualdade com a m ulher - pela guarda dos
filhos coloca em p a u ta eis distinções donstruídas sócio-historica-
m ente, que p o r sua vez, como vimos, são naturalizadas pelo
D ireito de fam ília.4
legislação
sig n ificativ as m u d a n ç a s no
concerne aos direitos e deveres fam i- 1
liares e a C o n s t it u i ç ã o F e d e r a l de - p ^ A n t c ’- ! ^
1988.
C om a Constituição, o concubinato passa a adquirir pro- ||
teção do Estado, n a condição de união estável (art.226 §3°).
C om efeito, o casam ento deixa de ser a única form a le
gítima de constituição da família, tal com o era definida no
Código Civil. O conceito de família amplia-se na m edida em
que passa a legitim ar a diversidade de uniões existentes no
contexto brasileiro. Com o afirm am Oliveira e M uniz (1990),
não se pode mais falar num a form a exclusiva de família, e sim
tratar da m atéria no plural, passando-se a considerar tam bém
como entidade familiar a relação extram atrim onial estável, entre
um hom em e um a m ulher, além daquela form ada por qual
quer dos genitores e seus descendentes, a família m onoparental
(art.226 §3° e §4°).
É evidente que a admissão de novos arranjos amorosos e
familiares fazem surgir novos problem as, de m odo que se tor
na cada vez mais necessário o atendim ento de equipes interdis;
ciplinares ju n to às V aras de Família.
A Constituição elimina tam bém a chefia familiar, deter
minando a igualdade de direitos e deveres p ara ambos os cônju
ges, hom ens e mulheres (art.226, §5°). N o artigo 5, parágrafo I ’
está prescrito que homens e mulheres são iguais perante a lei.
63
É nela que se encontram pela prim eira vez no Brasil os
direitos da criança, expostos no artigo 227, a p artir do concei
to de proteção integral e do entendim ento da criança como
sujeito de direitos. Assim, diz a lei que “é dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança c ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alim enta
ção, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dig
nidade, ao respeito, à liberdade e à convivência fam iliar e
comunitária, além de colocá-los k salvo de toda form a de ne
gligência, discrim inação, exploração, violência, crueldade e
opressão”. N o mesmo artigo, §6°, ficam proibidas discrim ina
ções entre filhos havidos dentro e fora do casamento ,e na adoção.
Ao entendim ento da criança e adolescente como sujeitos
de ,direito, deve-se relacionar a questão da guarda com o texto
da Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
64
- A Convenção Internacional situa no. artigo 9 o direito
da criança de ser eduçada^por seus dois pais, exceto quando o
seu m elhor interesse torne necessária a separação. Contudo,
mesmo na situação em que a criança é separada da famílià, ela
tem-o direito de m anter o contato direto-.com os pais.
Reafirm ando tal perspectiva, o Estatuto da C riança e do
Adolescente dispõe o direito de a criança e o adolescente se
rem criados e educados no seio da família; (art. 19) e estabelece
os deveres dos pais em relação aos filhos ..menores, “cabendo-
lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cum prir e fazer
cum prir as determinações judiciais” (art.‘í22).
Compreende-se que a separação matrimonial de um casal
não deve conduzir à dissolução dos vínculos entre pais e filhos.
Brito (1996) adverte que os direitos representados na C onven
ção Internacional e no Estatuto da C riança e Adolescente con
trapõem-se à idéia que o artigo 15 da Lei do Divórcio pode
conduzir, como vimos acim a, de que não cabem preocupações
com o quotidiano infantil ao genitor que naó detém a guarda.
N um a pesquisa juiito às V aras de Família do T ribunal
de Justiça do R io de Janeiro, a autora constata que habitual
m ente a guarda atribuída a um dos pais contribui p ara o afas
tam ento do genitor descontínuo - term o usado por Françoise
Dolto —das decisões que visam à educação c ao cuidado dos
filhos (Brito, 1993, 1996).
Em vez do papel de pai de fim de sem ana ao qual é
relegado am iúde o genitor descontínuo, Brito ressalta que a
separação do casal não deve corresponder ao fim ou à dimi
nuição das funções parentais:
Nestes casos, presencia-se o desaparecim ento do casal con
jugal, mas deve-se conservar o casal parental, garantindo-
se a continuidade das relações pessoais d a criança, com
seu pai e sua m ãe (Brito, 1996: 141).
65
•responsabilidade parental em preservar o vínculo de filiação.
C abe então notar, através da representação dos direitos infan
tis, um nítido deslocamento do eixo da autoridade para o de
responsabilidade parental (Brito, 1999).
' " ~Ma medida em que os códigos jündiços~passam a priorizar o me-
Ihor interesse da criança, tal critério deve se sobrepor ao de falta conjugal
em toda decisão judicial a respeito da guarda defilhos de pais separados e
divorciados. As falhas no cum prim ento do contrato m atrim onial
não devem ser deslocadas às funções parentais.
N em por isso deixa de existir' em nossa legislação, até a
en trad a em vigor da lei 10.406, conhecida por “Novo Código
Civil” , com o veremos mais adiante,!um a superposição dos cri
térios de falta conjugal, interesse e direito da criança, contribu
indo p a ra o apoio da autoridade judiciária nos elementos de
convicção própria (Brito, 1999).
Pode-se dizer que o interesse da criança é um critério .
usado juridicam ente sempre que a situação da m esm a requer a
intervenção do m agistrado, visando a lhe assegui'ar um desen
volvim ento adequado. . :
T odavia, não deixa de ser ao mesm o tem po um opera
d or relacionado a um a predição, seguindo certos padrões do
que deva ser um a família ou infância saudável. Para respaldar
suas avaliações, o juiz solicita subsídios da psicologia, entre outras
áreas, cujos estudos correm am iúde o risco de estarem atrela
dos a um a certa noção standard de norm alidade (Brito, 1999).
Sem desconsiderar a im portância p ara a proteção da
criança, o critério de interesse da criança é de avaliação subje
tiva, sujeita às máis diversas interpretações, cuja aferição apóia-
se freqüentem ente num a situação de fato e não de direito.5
66
O critério de interesse da criança junto ao Direito de
Fam ília aponta, inicialmente, p ara a verificação individual de
necessidades infantis perante a separação dos pais, o que exige
por sua vez a intervenção de um aparato interdisciplinar. Seja
-com-a-tarefa-de-r.ealizarJaudosjo_u_p.are.ceres_psicosso.ciais,_seja_
com a de ser “porta-voz” do infante, tal aparato indica o m e
lhor interesse da criança diante da exclusiva possibilidade da
guarda m onoparental. Nessa perspectiva, o objetivo é, em últi
m a instância, descobrir se é mais adequado atribuir a gu ard a'
ao pai ou à m ãe.6
E ntretanto, tal objetivo revela-sc inadequado em face das
circunstâncias que envolvem a m aioria das disputas de guarda
e regulam entação de visitas, m arcadas m uitas vezes por acusa
ções m útuas entre as partes litigantes.
N ão basta definir critérios norteaclores para a. indicação
do genitor que reúne melhores condições, de guarda.
69
O ra , nota-se freqüentem ente que a perpetuação do em
bate fam iliar, via poder judiciário, 6 um m odo de dar continui
dade ao trabalho de luto da separação, às vezes até mesmo da
p e rd a do objeto am ado, ou é sim plesm ente u m meio de m an-
ter o vincu 1o_com^o_ex-compa n h eir.o.__ ______ ' ___________
V ain er afirm a que, nesse último caso, “o litígio está a
serviço de um a busca de reencontro ou aproxim ação daquele
ou daqueles que não se conformam;em estar separados” (Vainer,
1999: 15). E m bora o casal já ,te n h a resolvido legalmente o tér
m ino d a união, continua atado à relação por meio de ações
pendentes no judiciário. A cada ,vez que se inicia um a ação
judicial, a p arte interpelada é autom aticam ente obrigada a se
envolver com o ex-parceiro, dificultando a efetivação da ru p
tu ra consagrada de direito.
P a ra agravar a situação, os filhos são usados como ins
tru m en to de vingança e constrangim ento, não havendo bom -
senso que faça apelo ao fim do conflito.
É certam ente im próprio indagar à criança com quem
ela deseja ficar, cuja decisão póde acarretar, num outro m o
m ento, graves sentimentos de culpa por rejeitar um dos genitores
(Brito, 1996).
O s direitos de opinião (art. j12) e de expressão e inform a
ção (art. 13) da criança, estabelecidos na Convenção Internaci
onal dos D ireitos da C riança, nãoi im plicam que ela:deva depor
co n tra ou a favor dos pais, e sim que ela tem liberdade de
ob ter inform ações, emitir opiniões e de se expressar sobre os
assuntos que lhe digam respeito, sobretudo o processo de sepa
ração de seus pais. O ra, isso estái a quilôm etros de distância de
lhe incum bir um a decisão judicial. T rata-se de um erro de in
terp retação da lei deslocar à criança responsabilidades que são
co n trad itó rias-a sua condição de sujeito em desenvolvimento
(Brito, 1996).
Além do m ais, é com um a fantasia infantil de que os
pais voltarão a conviver harm oniosam ente no m esm o espaço
70
doméstico. E m bora vivendo nu m lar cujos pais estão infelizes
com o casam ento, as crianças não experim entam o divórcio
como solução ou alívio p a ra tal situação. M uitas preferem o
casam ento infeliz ao divórcio. (W allerstein e Kelly, 1998). Des-
se m odo, pedir p a ra que a criança se posicione em relação ao
divórcio soa inábil e, de certa form a, contrário a seus interesses.
Seguindo esse raciocínio, Brito afir-
ma. cjue ’âcârc&çocs c considcraçocs so- ünjías& ? 4 , ^ cs;‘v^anHóv-
bre o com portam ento dos pais tam bém
, „ m . h~ ~ ~ 1 -~tn\ !íè1p6&iste;êrn1çòlò^
devem ser evitadas (Bnto, 1999a: 178). .
Françoise D oito (1989) afirm a que
a criança deve ser ouvida pelo juiz, o que não pressupõe lhe
im por a escolha dos genitores e seguir o que ela sugere. Escu
tar a criança tem com o significado o fato de ela ser m em bro da
fam ília e ter vontade de falar sobre o que se passa com ela,
assim com o tirar dúvidas sobre tal situação. Ao final, é im por
tante a criança saber “q u e ” , diz D olto, “o divórcio dos pais foi
reconhecido como válido pela ju sd ça e que, dali por diante, os
pais terão outros direitos, m as que (...) eles não são liberáveis
de seus deveres de ‘p a re n talid ad e ’” (Dolto, 1989: 26).
Em contrapartida, segundo ainda Dolto, as crianças de
vem ouvir do Juiz algum as palavras a respeito de seus deveres
filiais, a saber, a preservação das relações pessoais com as fam í
lias de am bas as linhagens. T a l conversa deve acontecer desde
que o Ju iz saiba conversar com crianças, caso contrário por
um a pessoa encarregada disso p o r ele, não havendo idade m í
nim a que não se, possa explicar a situação (Dolto, 1989).
N ão é difícil a criança se sentir culpada pelo divórcio,
cuja existência é im aginada com o um peso p a ra os pais (Dolto,
1989). É de fundam ental im portância o psicólogo atentar p ara
esse aspecto, sem deixar de acolher, ao mesmo tempo, o silên
cio que certas crianças apresentam , durante as entrevistas. Tal
silêncio não deve ser percebido necessariam ente como negati
vo, podendo ser afirm ado com o um meio de a criança não
71
querer com partilhar das querelas parentais e nem das exigên
cias judiciais.
•E mesmo que a criança ou o adolescente insista verbalizar
com quem deseja ficar, não se pode perder de vista que há
um a tendência nas situações de litígio de os filhos fazerem ali
ança com um dos genitores e perceberem o outro como ‘Vi
lão” da separação. ■
Segundo algumas pesquisas psicológicas, a criança faz
aliança com o genitor que dispõe de sua guarda e que, portan-
> to, está mais próxim a dela, independente clo sexo (Wallerstein
c Kelly, 1998; Brito, 1999a). O tem po de convivência prolon
gado aproxim a a percepção do filho com a do guardião. Desse
m odo, na m edida em que costum a ser dem orado o intervalo
entre a separação de fato do casal e a formalização jurídica do
divórcio, o tem po transcorrido ju n to ao genitor que perm ane
ce com a criança ou o adolescente é o bastante p ara a conso
lidação das alianças. “A valiar com quem a criança q u er
perm anecer, ou com qual dos genitores c mais apegada, pode
ser”, conclui Brito, “interpretado como a pesquisa do óbvio”
(Brito, 1999a: 176).
P ara complicar o quadro, pedir à criança ou ao adoles
cente p ara expor com qual genitor deseja ficar acaba acirran
do ainda mais as: posições polarizadas c visões maniqueístas a
respeito do litígio.
O fato de o psicólogo restringir-se à tarefa pericial de
definir o “m elhor” genitor revela aí suas limitações, pois não
contribuí para um a melhor qualidade das relações entre as partes
litigantes, tam pouco coloca em xeque a lógica adversarial pre
sente nos encam inham entos jurídicos.
Em função do enfrentam ento que se impõe, a lógica
adversarial favorece o aumento de tensão entre os ex-cônjuges,
sem desfazer o entendimento habitual de que ao final do pro
cesso há sempre vencidos e vencedores (Brito, 1999a).
72
A sugestão do psicólogo ao juiz deve contar, o m áximo
possível, com a- participação da. família, retirando-as do papel
passivo a que são freqüentem ente relegadas no processo de pe
rícia. P ara tanto, deve-se privilegiar os recursos subjetivos, seja
a partir da tem ática do sujeito,-seja a partir do sistema relacional
da família, para a orientação e o encam inham ento dos impasses.
Tais observações fazem perceber a necessidade de o psicó
logo am pliar seu raio de ação p ara além -da perícia tccnica.
Vejamos então outras linhas de atuação.
73
1. O sujeito do D ireito é aqueíe que age consciente de seus
direitos e .deveres e segue leis estabelecidas em um dado
o rdenam ento jurídico; p a ra a Psicanálise, o sujeito está
assujeitado às leis regidas pelo inconsciente. Afinal as m ani
festações e atos conscientes que tanto interessam ao Direi-
to nãcTsão predeterm inadas pelcTinconsciênte?~2rPara o
D ireito Penal, os crimes de n atureza sexual são tipificados
e investigados buscando-se sua m aterialidade. Por isso, a
sexualidade p a ra o D ireito tem sido sem pre genitalizada,
como expresso no Código Penal (...), que se utiliza sempre
da expressão ‘conjunção carnal’; p a ra a Psicanálise, a se
xualidade' é da ordem do desejo. Pode o D ireito legislar so
bre o desejo, ou será o desejo que legisla sobre o D ireito?
(Pereira, 2001: 22).
P ara que tais conceitos se articulem ao cam po da prática
analítica, é necessário que as pessoas se ponham a falar. A psi
canálise é um a experiência discursiva. Seguindo esse raciocí
nio, Suannes (2000) propõe que se devolva a fala à pessoa e
aos processos inconscientes que subjazem ao processo judicial.
P ara tanto, convém elucidar as relações entre as deter
m inações inconscientes e a form alização da ação judicial.
Senão vejamos. N um litígio, os oponentes são incapazes
de resolver o conflito p o r conta própria, de tal m odo que re
correm a um terceiro, no caso, a autoridade judicial, com ob
jetivo de satisfazer as suas exigências.
A form alização dessa dem anda ao juiz exige que a fala
de cada sujeito envolvido no conflito seja representada pelo
advogado que, por sua vez, fala de acordo com a lógica do
discurso jurídico. R em ontando o discurso de acordo com a lógica
jurídica, o advogado dem onstra que:os interesses de seu cliente
estão am parados na lei, ao m esm o tem po èm que responsabi
liza o outro pela ação ou om issão; geradora do conflito. H á
nessa passagem , da vivência de insatisfação do sujeito à e n u n
ciação do seu problem a n u m a lógica jurídica, um a m udança
74
•na configuração do conflito, em que o discurso de insatisfação
cede lugar ao discurso de m erecim ento.
A re-configuração do conflito nos moldes jurídicos não
deixa de gerar certos impasses, especialmente nas Varas de
~Fãmília“ onde_a~natureza-do-víncuio-ent-r-é-as-pessoas-é-sufici-
ente p ara resistir a qualquer resolução judicial:
Nas ações de V ara de Família, (...) o ato jurídico não terá
com o conseqüência o rom pim ento dos laços psicológicos
das pessoas envolvidas e, no caso de haver filhos em co
m um , não levará ao afastam ento,concreto e não im pedirá
a participação de um na vida do outro. Devido à natureza
do vínculo existente entre as ‘partes’, (...) os problem as
explicitados nos autos são, freqüentem ente, deslocamento
de questões que não encontraram outra via de representa
ção. A m edida que o aparente problem a é resolvido, o
conflito se coloca eni outra questão, reacendendo o impasse.
Este constante deslizam ento de conflitos leva à cronificação
do litígio, (Suannes, 2000: 94) •
Seguindo esse raciocínio, a autora sugere que o objetivo
prim eiro seja “realizar um m ovim ento de direção contrária na
estruturação do problem a jurídico” (Suannes, 2000: 96), ou seja,
fazer falar o sujeito e não seus porta-vozes,
O simples encam inham ento das partes p a ra o estudo
psicológico por si só já tem papel im portante, à' m edida que
nom eia a natureza do problem a em pauta. Isto é, atribui o
“estatuto de psicológico a algo que é vivido pelas famílias como
um problem a jurídico, concreto e externo a cada um deles”
(Suannes, 2000: 95). U m a vez encam inhado o estudo psicoló
gico, a “questão não se coloca como oposição entre dois pólos,
ou seja” , afirm a Suannes, “não se trata de um conflito de inte
resses no qual o vínculo com o pai exclua a mãe de seu lugar,
ou vice-versa” (Suannes, 2000: 96).8
u C on vém observar que o encam in ham ento psicológico não é por si só sufi-
75
O rientado por urna escuta analítica; não cabe ao psicó
logo avaliar qual genitor é>m erecedor da guarda ou da visita
aos filhos, ou, tampouco, detectar qual deles estaria mais apto
para exercer as funções parentais, e sim com preender que “a
questão que faz aquela família sofrer e pedir ajuda no Judiciá
rio não é, muitas vezes, aquela que está configurada nos autos”
(Suannés, 2000: 96).
Evidentemente, a relação entre o método analítico e. as
circunstâncias de um a ação judicial não é sem dificuldades.
Barros (1999) adverte que num processo litigioso, ao
contrário do que pressupõe a regra técnica fundam ental da
psicanálise, o sujeito não fala o que lhe vem à m ente e sim o
que pode favorecer a sua causa. Ao mesmo tempo, preocupa-
se em não dizer o que pode ser usado contra ele mesmo pela
outra parte e seus advogados. Com efeito, tal depoim ento tor
na-se prejudicado, '‘pois”, escreve Barros, “o sujeito não está
ali num a posição de quem fala de si” (Barros, 1999: 37). E
mesmo no caso cm que o sujeito libera sua fala, o psicólogo
não pode m anejar os efeitos de sua intervenção após a conclu
são de seu laudo.’
Nem por isso Barros considera incom patível a práxis
analítica no âm bito jurídico. Ao contrário, é possível prom over
a retificação subjetiva em que o sujeito deixa de se queixar do
‘outro pára reconhecer sua participação no conflito, tendo como
efeito “separar-se desse outro, perder esse casamento, sem ficar
perdido de verdade” (Barros, 1999: 39).
Por sua vez, nos casos em que as pessoas não querem ou
se sentem impedidas de falar, resta somente apontar as dificul
dades das partes de se reconhecerem ativamente no conflito.
76
Sâo limites de um a práxis em que o sujeito deve passar do
estado de vítima pára. o. de responsável por seus atos e pala
vras, cujas determinações inconscientes se impõem à sua reve
lia. Se tais pessoas retornam ao Judiciário, envolyidas com. novas
querelas familiares, perm ite-se então "avançar um pouco e
construir os efeitos da intervenção na vhistória desse sujeito,
obtendo mais elementos p ara refletir c construir esse cam po de
intervenção” (Barros, 1999:40).
Não há previsibilidade sobre o desfecho da intervenção
analítica, na m edida em que não cabe ao analista im por os
seus próprios ideais. Q uerer simplesmente fazer o bem e desfa
zer os conflitos em que as pessoas se em baraçam , supondo com
isso resolver a relação do sujeito com seu desejo, é por defini
ção impossível. N ão há nada que ensine o sujeito a em pregar
seu desejo, de modo que na experiência analítica se obtêm
destinos pardeulares p a ra cada dem anda que é form ulada.
Seguindo esse raciocínio, a inscrição da psicanálise no
campo jurídico produz um a diversidade de efeitos, que vão desde
a re-significação do conflito, a resolução dos aspectos processu
ais, a dissolução de queixas com um simples gesto de oferecer
os ouvidos ou, na pior das hipóteses, nada acontece e continu
am-se as disputas familiares (Brandão, 2002).
A orientação teórica no interior da psicanálise é que vai
definir se a intervenção põe em jogo o casal ou o sujeito, o que
tem como conseqüência leituras distintas a respeito do laço
conjugal.
Puget e Berenstein (1994) tem com o objeto teórico a
‘'estrutura vincular” que se form a no laço conjugal, cujo dom í
nio é m arcado por pactos inconscientes, tipologias diferencia
das, entre outros aspectos. Em vez de com preender esse espaço
vincular como sendo um a relação entre desejo e objeto, os
autores definem -no com o um a relação: entre eu e outro, cujo
objeto não é assimilável a nenhum a interioridade e sim ao ter
ritório do vínculo estabelecido pelo casal.
O casal então é (...) um a estrutura vincular entre duas pes
soas de sexo diferentes, isto é, um a relação intersubjetiva
estável enlre um ego e um outro ego, onde tem cabim ento
o m undo intra-subjetivo de cada um, e onde o vínculo,
por sua vez, ocup a um a área diferenciada da estrutura,
objetai (Puget e Berenstein, 1994: 18).
79
Isso é um problem a que não concerne somente à psica
nálise, mas às .práticas psicológicas em geral, de m odo que
retornarem os a esse ponto ao final do texto.
SO
filhos destas, o serviço de psicologia poderá auxiliar ate c
u m a com posição amigável do litígio, restabelecendo a h a r
m onia entre as partes e, talvez, prom ovendo um a m udan
ça de m entalidade dos pais em relação aos filhos,
Negociação
85
as relações de poder entrevistas num a certa pedagogia que ela
parece im plicar, a saber, de que a prevalência do entendim en
to m útuo e do “sentir-se bem ” cm oposição' às paixões e ao
sofrim ento perm ite ensinar pais e filhos a controlar suas ações,
aperfeiçoar suas capacidades e diminuir a capacidade de revolta.
86
tem po, relutam ou .revelam um a inabilidade p ara explicar a
eles a situação que estão vivenciando.'
Os filhos sentem-se vulneráveis, rejeitados, culpados, so
litários, sendo muitas vezes usados, p ara agravar a situação,
-como-suportc-emocionahde^uiTrou-ambos os genitores, respon-
sabilidade p a ra a qual não se sentem prontos p ara assumir.
Não é por m enos que a criança concentra amiúde seus esfor
ços p ara reverter a decisão do divórcio o restaurar a harm onia
familiar, sem contudo lograr êxito. ■ '
Em face desse panoram a, os pesquisadores decidiram
incluir um program a de intervenção breve destinado a propor
cionar atendim ento psicológico e recom endações sociais e edu
cacionais p a ra as famílias com dificuldades de elaborar a situação
de divórcio (Wallerstein e Kelly, 1998).
H á outro projeto institucional nos EUA - Famílias em
Divórcio - desenvolvido por terapeutas de família e de casal des
de 1978, que visa a dar atendim ento e suporte-as famílias em
que o divórcio já ocorreu ou está em vias de ocorrer. Atende-
se inicialm ente os ex-cônjuges em separado, até o m om ento de
se sentirem seguros o suficiente p ara a sessão conjunta. U m a
vez ocorrida tal sessão, há um a avaliação em encontros nova
m ente individuais, reforçando os êxitos conseguidos e estimu-
.lando novas tentativas de diálogo. A discussão a respeito dos
filhos é um ponto fundam ental p a ra a elaboração do divórcio
e a organização da família.
O trabalho com os filhos é um dos pontos mais im por
tantes desenvolvido no projeto, por meio dos quais se diiui a
postura destrutiva dos pais, lida-se m elhor com as dificuldades
da separação e são fortalecidos os vínculos fraternos, tornando
no fim das contas.o processo de m udança familiar menos dolo
roso.
De inspiração sistêmica, os autores de tal projeto obser
vam que as querelas entre as partes não provêm do processo
de divórcio em si e sim dos antecedentes matrimoniais, não
sendo a separação mais do que a continuação dos conflitos
enraizados na união do casal. De diferentes tipos de casam ento
resultam diferentes tipos de divórcio (Isaacs a p u d V ainer, 1999).
Deve-se atentar igualmente p ara a regulam entação de
visitas, evitando-se modelos rígidos e preconcebidos de relacio
nam ento que, ao fmal, possam criar dificuldades p ara o genitor
descontínuo acom panhar e participar do desenvolvimento dos
filhos. A burocratização das visitas tem o risco de criar um a
rotina às vezes inteiram ente diferente do tem po subjetivo da
criança. Françoisc Dolto (.1989) adverte que a percepção infan
til do tempo cronológico é diferente da percepção do adulto.
Com efeito, convém ao psicólogo prom over, ju n to aos
demais profissionais, acordos de visitas quepossam m anter, como
é de direito, o estreito relacionamento da criança com seus pais.
P ara tanto, é recomendável que o tribunal informe tam bém
nas audiências sobre a necessidade de visitas do genitor, escla
recendo e ajudando na definição e execução dos acordos refe
rentes aos filhos (Brito, 1999a).
Alguns genitores acabam desaparecendo da vida de seus
filhos por não suportarem os constantes desentendim entos cóm
o ex-cônjuge e não concordarem com o papel de visitantes a
que são relegados. M uitos tam bém não suportam pegar os fi
lhos na casa que um. dia j á foi sua, o que indica a .im portância
de um outro local para a visitação dos filhos.
N a França, a preocupação em proporcionar à criança o
encontro constante com os dois genitores levou à criação de
estabelecimentos chamados dc “pontos de reencontro53. Lança-
se m ão desse recurso somente quando não é possível a atribui
ção da autoridade parental conjunta, cuja concepção veremos
adiante, ou quando um dos genitores é impedido judicialmente
de perm anecer sozinho com a criança. Os “pontos de reencon
tro” são então lugares onde podem ocorrer visitas supervisio
nadas por especialistas, ou ainda um local “neutro”, onde a
criança é deixada por um dos pais e pega pelo outro que lhe
visita (Bastard-e t'C árdia apud Brito, 1999a).
A necessidade de garantir à criança o direito de convi
vência com ambos os pais é tam bém objeto de preocupação na
Suécia, onde há um projeto de "conversas cooperativas”. D e
senvolvido com ex-cônjuges e profissionais qualificados, o p ro
jeto consiste em esclarecer e prom over a prática de custódia
conjunta, obtendo êxito na m aioria dos casos atendidos (Saldèen,
apud Brito, 1999a).
90
Observa-se que a guarda com partilhada, como os outros
modelos, não é panacéia para todos os conflitos-familiares. Como
observa Filho (2003), ao m esm o tem po em que ela é benéfica
para pais cooperativos, ela pode não funcionar p ara outras fa
mílias —C ontru do - a-gu arda-com p ar-tilhada-tem-a-vantagem-d e—
ser bem -sucedida mesmo quando o diálogo entre os pais não é
bom, m as que são capazes de discrim inar seus conflitos conju
gais do exercício da parentalidade.
E nquanto nesses e noutros países,'com o os Estados U ni
dos, a H olanda e a A lem anha, por exemplo, a visão da criança
como sujeito de direitos-promoveu alterações na própria legis
lação referente ao D ireito de Fam ília,' no Brasil não houve
modificação significativa na referência ià guarda de filhos de
pais separados.
C om a vigência do "Novo Código Civil”, em janeiro de - '
2003, que substitui o Código Civil de 1916, o critério de falta
conjugal na definição da guarda é definitivamente revogado,
sem que, por sua vez, tenha sido contem plado o instituto de
guarda conjunta. Em outras palavras, cai por terra a falta conjugal
mas permanece a guarda mono-parental.
Se antes com a Lei do Divórcio, como vimos acima, no
artigo 10, a m ãe ficava com os filhos em não havendo acordo
e sendo ambos os genitores responsáveis.pelo fim do casam en
to, com o Novo Código a guarda é atribuída a quem revelar
m elhores condições p ara exercê-la (art. 1.584). Desse modo, as
regras de cessão dai guarda estão diretam ente vinculadas aos
interesses da criança e do adolescente.
O bjeto de críticas desde sua vigência, o Novo Código
não form ula nada sobre assuntos como união entre homosse
xuais, clonagem , insem inação artificial, proteção do sêmen,
barriga de aluguel, transexualismo, exàme de DNA para inves
tigação de paternidade, entre outros.
Por sua vez, a legislação inova ao reduzir o grau de pa
rentesco até quarto grau, legitim ar a falta de am or como mo-
91
tivo para pedir a separação sem perda do' direito de pensão3
conceder efeito civil ao casamento religioso em qualquer culto,
estabelecer a igualdade absoluta de todos os filhos, incluídos os
adotados, abreviar a m aioridade civil de 21 para 18 anos, ne
gar o adultério como causa preponderante na separação, entre
outros aspectos. •
O Novo Código põe fim ao pátrio poder, cujo conceito
cede lugar ao de poder familiar (art. 1.631). Com efeito, o poder
é estendido à mãe, pressupondo â divisão da responsabilidade
na' guarda, educação c sustento dos filhos. Ê se houver diver
gência entre m arido e mulher, não prevaleee a vontade do pai,
sendo o Judiciário que concede a solução.
Estabelece1ainda no artigo 1.632 que a separação judici
al, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as
relações .entre pais e filhos, senão quanto ao direito que aos
prim eiros cabe de terem em sua com panhia os segundos.
Atualmente, encontram -se três projetos de lei em tram i
tação no Congresso que prevêem a guarda com partilhada, re
presentando um a"nová m odalidade na posse dos filhos1•com
divisão m útua de tarefas e responsabilidades.10
92
O m odelo.de família n a legislação brasileira não é.refle
xo das relações vivenciadas em toda a extensão da sociedade,
muito mais heterogênea do que a lei pode pretender, e sim a
codificação nascida da preocupação do Estado em reconhecer,
nos termos legais,' os laços familiares, a definição do poder marital
e paterno, a regulam entação do regime de bens. Ao regular as
relações .entre pais e filhos, m arido e m ulher e'dependentes de
vários matizes, e ao organizar a estrutura do casam ento e do
regim e dc bens, o legislador cum pre um a função não só
normativa, mas, principalmente, valorativa, que codifica ao nível
do D ireito o lugar que cada m em bro da família e do casal deve
ocupar (Alves e Barsted, 1987).
Por sua vez, no plano das práticas, isto é, ao serem apli
cadas, as leis apóiam e são apoiadas por m icropoderes, perifé
ricos ao sistema estatal, que penetram no lar doméstico, invadem
o quotidiano e se multiplicam sob a form a de práticas médicas,
terapêuticas, sociais e educadvas (Foucault, 1997; Fonseca, 2002).
H á um a colonização recíproca entre o Direito e as p rá
ticas de disciplina e norm alização. Ao mesmo tem po em que a
legislação absorve valores im anentes às práticas de norm aliza
ção m édica ou psicológica, entre outros saberes, ela serve de
vetor e suporte para procedim entos de vigilância, controle e
exame irredutíveis às regras de Direito e suas respectivas san
ções (Foucault, 1997; Fonseca, 2002).
A doutrina da proteção integral e a prevalência do inte
resse da criança na definição da guarda fazem surgir a neces
sidade de subsídios psicológicos, entre outros saberes, p ara a
decisão judicial.
C ontudo, a restrição do psicólogo ao papel de perito não
fa 2 mais do que perpetuar o conflito que perm eia a m aioria
das ações judiciais, im pondo prejuízos emocionais sobretudo
p ara os filhos envolvidos.
93
O bservam -se outras possibilidades-de atuação que pos
sam prom over arranjos mais benéficos entre os familiares, além
de atender aos interesses objetivos, da instância judiciária.
São inegáveis as contribuições que a prática psicológica
põdêTõferecer a essa"matéria^d 0~Direit07"haja_vi.sta_a_dificulda--
de de se ab o rd ar hoje em dia as relações hum anas como se
fossem determ inadas pela objetividade jurídica (Pereira, 2001).
T odavia, não se deve perder de vista que o saber psico
lógico aplicado às V aras de Família não é isento das relações
de poder, cabendo interrogar se ás práticas que visam a resol
ver os impasses do quotidiano fazem proliferar mecanismos de
tutela cada vez mais sofisticados e menos visíveis.
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LEI n.° 6.5 1 5 , de 26 de dezem bro de 1977.
LEI n.° 8069, dc 13 de ju lh o de 1990.
96
LEI n.° 10.406, d e ' 10 dc jan eiro de 2002.
O rgan ização das N ações-U n id as. Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
P ublicação da exposição dc m otivas para a Proposta de Abertura dc Concurso
P ú b lico p ara o C argo de P sicó lo g o E n ca m in h a d o ao C o n se lh o de
M agistratura, de 11 dc novem bro de- 1997.-
§■
100
gêmeos, R ôm ulo e Rem o, que foram abandonados e “adotados”
por um a loba e, posteriorm ente, educados p o r pastores; a his
tória de Edipo é um referencial bastante conhecido p a ra a Psi
cologia; existem ainda m uitas figuras místicas que pàssaram
por fugas, adoções e heroísm o, com o Perseu, H erm es e Pan,
entre outros.
N a Bíblia encontram os a história de nascim ento e da
vida de Moisés, “filho das águas”, retirado do rio pela filha do
Faraó, que decidiu criá-lo; a literatura em geral apresenta in
contáveis exemplos cle adoções, tais como Tom Jones de H enry
Fielding, G randes esperanças de Dickens,-' M onte Cristo de
A lexandre D um as, Cosette dos Miseráveis, Hucklebeiiy Finn de
M ark T w ain, Les N atchez de C hauteaubriand, entre outros.
T am b ém existem inúm eros personagens infantis contem
porâneos que exploram o tem a: M ogli, o “m en in o -lo b o ” ;
Bam bam é filho adotivo de Beth e Barney no desenho “Os
Flinstones” ; “O Rei L eão” trata de questões sobre a origem
biológica e sobre o comprom isso assumido pela família adotiva
q u e e stã o sim b o liz a d a s n o film e; S u p e r-h o m e m é u m sím b o lo
sobre a necessidade dos adotivos de conhecerem suas raízes;
“T a rza n ” é um a bela história de adoções especiais, e “Pinóquio”
tam bém representa um a bonita simbologia da transform ação
de um a criança em filho (para um a revisão mais detalhada de
mitos, lendas e histórias, ver W eber, 2001).
101
m ica d o j l m ilênio a .C. O mais antigo registro de um a adoção
foi o de Sargon I, o rei-fundador da Babylônia, no século 28
a.Ç . B árbaros, os hebreus e os egípcios recolhiam as crianças
sem pais e as assim ilavam aos filhos legítimos e, p o r outro lado,
•TnHos-os-out-ros-pQvos.-par-ticularrnentc os persas, os assírios, os
gregos e os rom anos controlavam a dem ografia com severida
de. O pai ou o E stado decidiam se deixavam o recém -nascido
viver, ou jogá-lo às ruas, ou m atá-ló.
É sabido que na vida ro m an a o, direito à vida era conce
dido, geralm ente pelo pai, em um ritual. P ara os gregos a ado
ção cra resultado de necessidades jurídicas e religiosas, pois
pensavam que um a fam ília e seus costumes domésticos não
deviam extinguir-se, e com o a herança som ente poderia ser
deixada p a ra um descendente direto, era possível adotar um
estranho que se converteria em filho legítimo. Em R om a, o
direito de um pai sobre seus filhos era ilimitado, assim com o
relatam as leis de Justiniano: <cO poder legal que temos sobre
nossos filhos é um atributo especial dos cidadãos rom anos,
porque nenhum outro hom em tem o poder sobre seus filhos
com o nós” (Roig e O chotorena, 1993: 13). Neste ritual, o re
cém -nascido era colocado aos pés de seus pais. Se o pai dese
j a v a reconhecê-lo, tom ava-o nos braços, se não, a criança era
levada p a ra fora e colocada na rua. Se a criança não morresse
de frio ou de fome, pertencia a qualquer pessoa que desejasse
cuidar dela p a ra fazê-la sua escrava (Weber, 1999a).
N a Idade M édia o papel da Igreja no que diz respeito a
questões de parentesco formulava um princípio de não superpor
as relações entre duas pessoas. Em virtude deste princípio que
estabelecia o carnal depois do espiritual na criação do vínculo
de parentesco, Leão V I estendeu a capacidade de adotar às
m ulheres e aos eunucos. Porém , a adoção teve um repentino
„ eclipse em toda a Idade M édia p ara reaparecer somente com a
Revolução Francesa, pois o direito feudal considerava im pró
pria a convivência de senhores com rústicos e plebeus em um a
102
m esm a família (Áries e C hartier, 1991). Borgui (1990) relata
que a Igreja, durante a Idade M édia, não via com muito agra-
• do tal instituto por ele ser o oposto do casamento, pois se pes
soas podiam gerar filhos não naturais p ara imitação da natureza
,e am paro delas na velhice, podiam por conseguinte dispensar
o m atrim ônio. H avia "tutores” que se encarregavam dos 6r^"~
faos, mas a prática de confiar os cuidados e a educação de
um a criança, órfa ou não, a outra pessoa, continuou. No .caso
desses “pais adotivos” ou “de criação” , os laços de afeto e gra-
ddão prescindiam a consagração legal de um a. nova situação
(Ariès e C hartier, 1991: 474).
N a Idade M oderna, a referência prim eira à adoção é
encontrada na D inam arca no ano de 1683, sendo que houve
influência dessa legislação no Código Napoleônico. Houve o
retorno da adoção com a Revolução Francesa, dessa vez com
interesse um pouco m aior do adotado, e por ocasião da m orte
dos pais. D o ponto de vista estritam ente jurídico, a adoção não
existia na Inglaterra entre os séculos X V III e X IX , mas so
m ente acontecia através da instituição do “aprendizado”: ór
fãos abandonados ou crianças cedidas pelos pais genéticos
integravam -se como aprendizes superiores. D urante séculos o
nascim ento de um filho “ilegítimo” era ostensivamente repro-
" vado, ocasionando inúmeros abortos, infanticídios ou nascimen
tos clandestinos, e o posterior abandono da criança. Tentou-se
criar um m ecanism o social, em bora hipócrita, que solucionas
se estes escândalos — a R oda dos Enjeitados ou dos Expostos
(Perrot, 1991).
Dessa história inicial sobre a adoção é possível tirar pelo
m enos duas conclusões: a prim eira é que a adoção nos moldes
legais foi um a exceção, e a segunda é que a adoção servia es
pecialm ente aos interesses dos adultos e não aos^da criança
(W eber, 2001). '
A m aioria dos países europeus, com exceção da Ingla
terra, construíram sua lei baseada no Código R om ano e, pos-
103
tenorm ente, no Napoleônico. À lei am ericana não foi derivada
do direito rom ano ou napoleônico. -Suas raízes estão nas leis
_ . _ ■ j • ;..— /
inglesas' qüe naõ previam a* adoção. A m aior barreira p ara a
introdução da adoção na lei comum estava em conflito com o
princípio de herança. A terra somente poderia ser transm itida
dejum a pessoa a outra se estivessem-ligadas p q rla ç ò s de sán-
gué, e não poderia ser dada em vida e nem após a m orte por
simples vontade do proprietário. A ádoçãò começou realm ente
a adquirir um sentido mais social, voltando-se ao interesse ,dá
criança/após a Prim eira G uerra M undial, por causa do gran
de núm ero de crianças órfas e abandonadas, e a adoção com e
çou a ser entendida como um a solução para a ausênáa de pais e
o ,bem-estar da criança. No entanto, depois da Segunda G uerra
M undial, este renovado interesse público pela adoção foi in->
centivado liòmente a ’recém-nascidos.
Pilotti (1988) descreve que, na América Latina, existem
indícios de que algumas formas de adoção eram praticadas na
época colonial em muitos países, mas ela foi ignorada e omiti
da nas legislações latino-americanas até princípios do século
atual. Com o passar cío tempo houve a m udança dessa lim ita
ção legislativa, que seguia o exemplo das legislações sobre ado
ção dos países europeus que não criavam estado civil entre
adotantes e adotados, m antendo o vínculo de sangue, entre es
tes últimos e seus pais genéticos. Atualmente, os norte-am eri
canos .sao, em. todo o m undo, os mais numerosos a recorrer, à
adoção,»e “estima-se que o núm ero de crianças adotadas nos
Estados Unidos esteja em torno de 5 a 9 milhões, e este aspec
to mostra como é im portante p ara a sociedade am ericana en
tender e enfrentar as dificuldades nesse tipo de filiação’5(Samuels,
1990: 6).
No Brasil, o abandono de crianças não é um a situação
■ recente. M arcílio (1998: 12) relata que “o ato de expor os fi
lhos foi introduzido no Brasil pelos brancos europeus, pois o
índio não abandonava os próprios filhos. Nos períodos colonial
104
e im perial, crianças legítimas e ilegítimas eram abandonadas
cm diversos locais "úrbános, na tentativa dos pais de livrarem -sc
do filho indesejado, não am ado ou ilegítimo” . P ara estas crian
ças denom inadas dè enjeitadas, desvalidas ou expostas, foi copiado
o “m odelo” europeu: a “R o d a dos* Expostos” , que perm itia o
abandono anônim o de bebês. As R odas dos Expostos existiram
ern nosso país até a-década d e -1 9 5 0 ,e fomos o últim o país do
m undo a acab ar com elas. ^ **
As teses da Faculdade de M edicina do R io dc Jan eiro
m ostraram -se, inicialm ente, favoráveis à utilização d a R oda
como m edida m oralizãdora e de proteção à m ulher. Consisti
am , algum as delas, em argum entar sobre, a fragilidade da na
tureza fem inina, facilmente levada pelos sentidos e vítimas dos
libertinos e celibatários — hom ens inescrupulosos que não se
continham ante à tentação de seduzirem as m ulheres, tornan
do-as sem ho n ra e obrigando-as a abandonarem os filhos à
caridade pública (Arantes, 1995: 192).
C osta (1988) fez um a com pleta reconstrução histórica
d a legislação brasileira sobre adoção (até anteriorm ente ao
Estatuto da C riança c do Adolescente), m ostrando que o insti
tuto introduziu-se no Brasil a partir das O rdenações Filipinas,
e a Lei de 22 de setem bro de 1828 foi o primeiro^ dispositivo
legal a respeito d a adoção. A época, os textos jurídicos eram
recheados de citações rom anas, “ironicam ente m enosprezando
à herança através da tradição judaica e sua influência na ideo
logia cristã, com o nos exemplos de Moisés e Ester, e o caso da
sabedoria de Salomão na solução de disputa de duas mães p o r
um filho” (Costa, 1988: 28). No entanto, a referência à adoção
nos textos jurídicos era bastante rara anteriorm ente à elabora
ção do Código Civil de 1916. C osta argum enta que a inclusão
da adoção neste código foi motivo de acirrada polêm ica, e a
m esm a obteve lugar graças à autoridade c pertinácia de Clóvis
Beviláqua que alegou que “a adoção estava m uito em uso em
vários Estados brasileiros” .
As possibilidades de adoção constantes no Código Civil
brasileiro de 1916 assem elhavam -se àquelas ditadas pelo C ódi
go N apoleônico. E ram excessivam ente rígidas e, conseqüente
m en te , isto dificultava o seu uso social: som ente podiam adotar
f^-m aiores-deJiC Lanos, sem filhos legítim os ou legitimados.
E m 1927 foi criado o prim eiro Código de Menores brasilei
ro (e o p rim eiro d a A m érica Latina),- que apresenta definições
^de a b a n d o n o e suspensão de pátrio poder (atualm ente cham a
do de p o d e r fam iliar), diferença- entre m en o r abandonado e
delinqüente, e um a dupla definição de abandono - físico e moral,
m as n ã o tro u x e n e n h u m a contribuição à questão da adoção e
nem co n tribuiu p a ra dim inuir o núm ero de crianças abando
nadas no país, apenas enfatizou a institucionalização de crian-^
ças com o u m a form a de “proteção” à infanda.
N o Brasil, no ano de 194-1 foi oficializada a prim eira
A gência de C olocação Fam iliar, na Bahia, que serviu de m o
delo p a ra outras agências estaduais que se criaram durante esta
d écad a (Costa, 1988). Porém , ao longo do tem po, desvirtua-se
o conceito de “p ro teção ” à criança órfa e abandonada p a ra a
colocação legal de crianças em famílias com o objetivo de se
rem utilizadas com o serviçais.
■A Lei 3 .1 3 3 /5 7 trouxe algum as modificações im portan
tes p a ra a adoção, m as ainda estava jlonge de ser um recurso
simples: a idade m ínim a do adotante foi reduzida p ara 30 anos,
e a diferença de idade entre adotante e adotado tam bém foi
dim inuída p a ra 16 anos, perm itindo-se a adoção mesmo se o
adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos.
C om o n a Lei anterior, o vínculo de parentesco restringiu-se ao
adotante e ao adotado, m antendo-se o conceito de filiação
aditiva; os casados somente poderiam adotar depois de trans
corridos 5 anos do casam ento.
U m passo mais am plo foi dado através da Lei 4.655/65, .
que criou a Legitimação Adotiva, pela qual o adotado ficava quase
com os mesmos direitos e deveres dó filho legítimo, salvo no
106
caso de sucessão, se concorresse com filho legítimo superveniente
à adoção. De acordo com Bulhões de Carvalho (1977), com
esta lei, passaram a coexistir duas m odalidades de adoção,
regidas diferentem ente: suma pelo Código Civil _e outra pela
nova lei: O que distinguia a Legitimação Adotiva era a preocu
p a ç ã o com o dêstin atari o— a- enança-ab an don ada_o.u_que._j
estivesse h á três anos sob a guarda dos legitimantes e com menos
de 7 anos de idade, ,e com a equiparação em termos de direitos
e deveres com os outros filhos do casal e o desligamento com a
família de origem (excetuando-se os impedimentos matrimonias),
"v Foi som ente'com a Lei 6.697/79, com a instituição do
^ novo Código de M enores, que houve m aior progresso na ques
tão d a adoção de crianças: passou-se a adm itir um a form a de
adoção simples, que era autorizada pelo juiz e aplicável aos m e
nores em situação irregular e houve substituição da legitimação
adotiva pela adoção plena. C om a instituição deste Código pas
sou a haver três procedim entos básicos p ara a adoção: a ado
ção simples e a adoção plena regidas pelo Código de M enores,
e a adoção do Código Civil, feita através de escritura em car-
4
107
lei, o Estatuto da-C riança e.do Adolescente (ECA) (Lei 8.069',
d e ,.13.07.90),, considerada um à dás leis mais avançadas do
"mundo?. À questão da adoção do Estatuto da C riança e do
. Adolescente derivou do art. .227 da Constituição Federal, co
nhecida como a nossa “Constituição C idadã”:... § 6° “Os fi
lhos, h avidos ou não da relação do casamento, ou p o r adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação”/ A im portân
cia do ECA para-o reconhecim ento dos direi tos. d a criança no^‘
Brasil é fundam ental é, em especial, no que diz respeito à ado- ^
ção, pois passa a estabelecer como Lei a igualdade de trata-^
m énto entre filhos-genéticos e adotivos.
O correu nxaior facilitação para realizar um a adoção com
a promulgação do ECA: a idade mínima exigida para o adotante
que, antes era de 30 anos, passou a ser de 20 anos, respeitada
a diferença de 16 anos entre a pessoa que adota e a que é
adotada; aútorizou a adoção por pessoas solteiras, viúvas," con
viventes e divorciadas; possibilitou a'adoção unilateral, que é
aquela em que o m arido, ou com panheiro, pode adotar o filho
de sua esposa (ou companheira) sem que haja ò rom pim ento
dos laços de família da criança com a sua mãe genética; adm i
tiu a adoção póstum a, na hipótese de o candidato à adoção
^
f' - . —
T-
falecer no curso do processo*, e garantiu o pleno direito à suces-
+4* - - •>\
. são do filho adotado. No ECA houve o avanço p a ra a teoria
- da proteção integral èm lugar da m era proteção ao menor em situação
irregular. T am bém houve unificação das duas formas de adoção
previstas no Código de M enores: a adoção plena e a adoção sim
ples, que passam a não existir mais; existe a adoção que é plena
e irrevogável e-será; “deferida quando apresentar reais v a h ta -//
gens para o adotando e fundar:se ’em ,m otivos legítimos”. O
ECA passa a prom over a adoção como prim ordialm ente um
,atò de amorne não simplesmente um a questão dc interesse do
adotante. É im portante ressaltar que, com a im plantação do
Estatuto da C riança.e do Adolescente, o termo “m en o r” caiu ,
108
cm desuso, a partir de m ovim entos de pesquisadores e de defe
s a dos direitos (Weber, 2001: 61).
109
n o b re z a ”, o ju iz co ndena c im põe a p en a e, em u m segundo
m om ento, concede o perdão judicial. O réu n ão cu m p re pena
n em se to rn a reincidente, m as h á inscrição do seu norrie no rol
dos culpados. Im p o rtan te se faz a contem plação de cam panhas
de-eselaredm ento-à-população_e_um a: adequ a d a equipe técnica
p a ra lidar com a questão nos Juizados da I n fa n d a e da Ju v e n
tude.
N a verdade, o que é preciso é um processo m aior de
esclarecim ento e conscientização acerca da im p o rtân cia da le
galidade do processo de adoção, assim com o a facilitação e
desentrave burocrático que ainda reveste a questão do ab a n
dono de crianças nas instituições, que passam a ser crianças
abandonadas de fato em bora nem sem pre de direito. Além do
m ais inexiste um a definição de “ab an d o n o ” no-E C A , o que
perm ite que crianças perm aneçam longos anos em instituições,
coriíígurando-se em “filhos de ninguém ”, sem condições de
reintegração com sua fam ília de origem e sem possibilidade
legal dé serem adotados, pois o po d er fam iliar ain d a pertence
a seus pais genéticos. Além do mais, parece evidente que o
term o “adoção à brasileira” pertence a um tipo de jarg ão pejo
rativo, um a m aneira de ironizar o nosso próprio “jeitinho b ra
sileiro” : Talvez seja hora de m udarm os essa denom inação; este
processo pode ainda.ser cham ado de “adoção direta” ou m e
lhor, “adoção inform al” (W eber e Kossobudzki, 1996; W eber,
2001 ).
Eni 15 de abril.de 2002 foi decretada a Lei No. 1.0.42 K
q u e ' e ste n d e 'à m ãe adotiva o direito à licença-m aternidade,
alterando a Consolidação das-Leis do T ra b a lh o , aprovada p e lo ,
D eereto-Lei No. 5.452, de Io. de maio de 1943, e a Lei No.
8.213, de 24 de julho de 1991, designando a devida im portân
cia da constituição da família p o r adoção. U m resum o dessa
Lei assegura que:
“Art. 392-A., A em pregada que adotar ou obtiver guar
da judicial p ara fms de adoção de criança será concedida íicen-
ça-m aternidade nos term os do art. 392, observado o disposto
no seu § 5U.
§ Io N o caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1
(um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento
e vinte) dias.
'$~2'°~No~caso-de-adoção-Oii,gfuarda judicial de criança a p ard r
de 1 (um) ano até 4 (quatro) anos de idade, o período dè--
licença será de 60 (sessenta) dias.
§ 3o N o caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir
de 4- (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de
licença será de '30 (trinta) dias.
§ 4o A licença-m aternidade só será concedida m ediante apre
sentação do term o judicial de guarda à adotante ou guardiã”
A Lei, em bora extrem am ente oportuna, diferencia e traz
m aiores privilégios para adoção de bebês até um ano de idade,
fazendo com que crianças institucionalizadas continuem en
contrando poucas oportunidades d e ; adoção pelos brasileiros,
que preferem adotar bebês recém-nascidos, brancos e saudá
veis (W eber e Kossobudzki, 1996; W eber e Cornélio, 1995;
W eber e Vargas, 1996).
N o dizer de M arcílio (1998: 227), o Estatuto da Criança
e do Adolescente foi tão euforicam ente recebido, que se che
gou a afirm ar que “ele prom ove, literalmente, um a revolução
copernicana neste cam po”, mas apesar de todo otimismo pre
visto, a realidade m ostra que ainda há muito chão pela frente
p a ra que os direitos cheguem à vida real.
111
ticas e o perfil de adotantes e adotados no Brasil seria necessá
rio reportar-se aos mais de 2000 Juizados da Infância e da
Juventude do país. O trabalho mais completo desta natureza
até o m om ento (Weber, 2001) foi um a tese de doutorado que
investigou diversos aspectos da adoção com 400 pessoas em 17
Estados e 105 cidades brasileiras. Desta m aneira, um breve
resum o dos principais dados encontrados p o r W eber será
apresentado a seguir:
Sobre os adotantes
113
Adoção legal ou informal
114
' • te dos processos legais; 64% das ádoções informais ocorre
ram antes de 1991 è 36%, depois de 1991; por outro lado,
2,1% das adoções legais ocorreram antes de 1991 e 79% das
adoções legais ocorreram depois de 1.991; ■
* Tipo das adoções versus maneira como a criança chegou alè os adotantes:
crianças adotadas legalmente geralmente vêm ^elnstiíuições,
e crianças adotadas inform alm ente vêm através de m ediado
res. A m aioria absoluta das crianças adotadas legalmente (83%)
veio de instituições e 10% de hospitais, enquanto §2% das
crianças adotadas informalmente chegaram àos adotantes por
meio de m ediadores, e 20% foram entregues pela própria
m ae biológica ou foram deixadas na porta dos adotantes; 12%
das adoções informais vieram diretam ente de hospitais e /o u
i matemidades, pressupondo a intermediação da equipe médica;
115
adotadà. Adotantcs que adotaram porque não tinham filhos
genéticos m ostraram m aior preferência por determ inados
atributos físicos da criança (35%) do que aqueles que adota
ram por motivos altruístas (7%)'.
116
que tiveram preparação falaram características positivas so-
^bre seus.ülhos,..-.eis,7;0®/p--dos adotantes que não passaram por
preparação,' falaram positivam ente.
117
crianças com m enos de dois anos tiveram dificuldades en
q u a n to 72% dos adotantes que adotaram crianças com mais
de dois anos relataram dificuldades, com o relacionam ento
afetivo de seu filho adotivo. N o entanto, essas dificuldades
~ fn ra m -su p e rad a s-c-n e n h u m filho que dem onstrou estar insa
tisfeito com a relação atual foi adotado tardiam ente; .
* Dificuldades no relacionamento efetivo com ofdho adotivo versus moti
vação para adoção: ter adotado u m á criança p o r infertilidade
. ou p o r altruísm o não tem relação com encontrar dificulda
des no relacionam ento afetivo com i o filho adotivo; 84% de
adotantes cuja m otivação foi infertilidade não encontraram
dificuldade no relacionam ento afetivo e 78% dos adotantes
cuja m otivação foi altruísm o não encontraram dificuldades
neste tipo de relacionam ento com seu filho adotivo;
• Os adotantes aconselham outras pessoas a adotar uma aiahça? A maioria
absoluta dos pais adotivos (69%) afirm ou que aconselha ou
tras pessoas a realizarem um a adoção porque se sente feliz
com a sua própria decisão,
i
Preconceito e discriminação social pela família adotiva
118
• Filhos adotivos indicam as pessoas que os discriminaram: a m aioria
das autudes discriminatórias em relação aos filhos adotivos
•veio de.am igos (37%), da família (33%).ou tanto de amigos
quanto da família (17%);
• Sentimento de vergonha sobre a adoção de membros da família adotiva:
—ést€Tdã"do- re vela-difere nças-entre-os-trêsTgFupos-pesquisados:
a m aioria absoluta dos pais adotivos (63%) afirmou que nun
ca sentiram vergonha da sua situação ou, ao contrário, sen
tem orgulho (19%). A m aioria absoluta dos filhos adotivos
respondeu que não sentem vergonha (71%), mas nenhum falou
que tem orgulho desse fato e 26% sentem-se envergonhados
ou procuram não falar.do fato;
8 Sentimento de veigonha dosfilhos adotivos versas idade em que ocorreu a
revelação: filhos adotivos que souberam de sua adoção depois
dos seis anos e /o u por terceiros, sentem mais vergonha da
sua condição;
° Dificuldades na educação do filho adotivo versus discriminações sofridas
pelo filho adotivo: o filho adotivo ter passado por discrim ina
ções está ligado ao fato de os pais adodvos relatarem dificul
dades em sua educação; enquanto 21% dos pais que relataram
que o filho adotivo nunca sofreu discrim inação encontraram
dificuldades na educação de seu filho,! 53% dos pais cujos
filhos adotivos já sofreram discriminação, tiveram dificulda-.
des com a sua educação;
119
vezes (43%) t , em segundo lugar (23%), aparecem .ambos os
pais; . . . .
° Como ocorreu a revelação sobre a adoção ao Jilho: Em prim eiro lu
gar, os filhos que responderam a essà questão, falam , que a
revelação foi feita de form a/natural (26%); em segundo lugar
(24%) eles disseram que a revelação ocorreu de m aneira'for-
mal, mas em terceiro liTgar (15%). os filhos adotivós afirm a
ram que souberam da sua adoção em um momento de conflito,
em meio a brigas familiares;
0 Idade em que oJilho adotivo soube de sua adoção: a m aioria absoluta
dós filhos que foram adotados precocemente (79%) afirmou
que soube de sua adoção pela mãe e /o u pai, antes dos seis
anos cíe.idade; 22% souberam sobre sua história de m aneira
pouco adequada: tardiam ente pelos paisj ou por terceiros;
* Idade em que o filho adotivo soube de sua adoção versus. sentimento de
vergonha por ser adotivo: aqueles que souberam depois dos^seis
anos sentem mais vergonha da sua condição de adotivos (46%)
do que aqueles que souberam antes dos seis anos (28%);
0 Tipo de informação que os filhos adotivos têm sobre sua família de
• ongem: a m aioria absoluta dos filhos adotivos (84%) não tem
nenhum a informação sobre sua origem, somente, sabe que
era um a família pobre;
a Os'filhos adotivos desejam ter mais informações sobre sua família de
origem? A maioria absoluta dos filhos adotivos (62%) pénsa'
que ter informações sobre sua família de origem não é im-
- • portante; 32% dos filhos pensam que é bom. conhecer sua
* história;
° Filhos adotivos têm interesse de. conhecer pessoalmente sua família de
. origem? A rhaiòria absoluta dos filKos adotivos (58%) não qüer
conhecer sua família de origem ou não gostou.de conhecê-la;
13% foram fruto de adoção tardia e afirmaram que gosta
ram de ter conhecido sua família e 18% gostariam realm ente
de conhecê-la pessoalmente; para os, outros isso é indiferente
ou deixaram a questão sem resposta; :
120
• Sentimentos dosfilhos adoduos por seus pais genéticos: 45% dos filhos
adotivos afirm aram -que não tem nenhum tipo de sentim en
tos p o r sua fám üia de origem; 28% referiram -se a sentim en
tos negativos e 22% falaram de sentimentos positivos;
° Primeira palavra associada com adoção para pais adotivos, filhos ado
tivos efilh ó sgenéticos: p a ra os três grupos de sujeitos, a palavra
que sé assòcia à adoção' é “ám ór”;V
? Tratamento dos pais adotivos aosfilhos genéticos e adotivos: a m aioria
‘-.ab so lu ta .d o s filhos adotivos (63%) e genéticos (75% )'acham
que òs^pais trataram todos os filhos da m esm a m aneira, e 9%
dos adotados, pensam que receberam tratam ento m elhor do
que seus irmãos; 1
• Como o filho adotivo estaria mais feliz? A m aioria absoluta dos
filhos adotivos;(83%) .afirm ou q u e 1seu*lugar de felicidadevé
com . os-.pais, adotivos; *16% não responderam ou deu outra
resposta sem relação com família e som ente um filho respon
deu que estaria m elhor com sua família de origem;
o Sentimento dos filhos adotivos em relação a seus pais adotivos: a m ai
oria absoluta (93%) afirmou que sente am or e percebe-os como '
. "pais; 5% afirm aram que eles são como estranhos, e 3% dei
x aram a questão sem resposta.
122
pela adoção de um segundo ou terceiro filho. Existem pessoas
solteiras que não são inférteis mas querem filhos e há verdadei
ros atos dc generosidade motivados social ou religiosamente,
definidos pelos adotantes como com paixão, em patia, desejo de
contribuir e convicção de que tem algo a dar.
---------- Parker-(-l 999.).áfimia_q.ue. os dados de pesquisas america-
nas revelam que a m elhor com binação p ara que os adotantes
tenham um a avaliação positiva da adoção tem sido a com bina-'
ção de infertilidade e altruísmo, pois a m aioria dos adotantes
nessas condições tem consciência de que há um a m istura de
suas próprias necessidades e as dà criança.JCJm importante grupo
de adotantes nos Estadós Unidos~(cerca de 34%) tem sido os *
fosterparentS) o caso de nossos “p aisjo çiais” das Casas-Lares ou
program as como “pais de pjantão”, e há que se definir e re
pensar m elhor este tipo de situação. Geralm ente eles são pou
co considerados em ripssa realidade porque ^são “contratados v
vpara cuidar”- e não estão necessariam ente na “fila” do cadas-
tro, mas o nascim ento dc um vínculo de afeto que certam ente
pode beneficiar a criança não deve ser desprezado. O tem a
. ainda é carregado de polêm ica. H á argum entos que mostram
que a institucionalização da figura dos pais sociais carrega o
risco de perpetuar à situação de abrigo das crianças submetidas
a essa form a de cuidado, e nesse sentido ps “pais sociais” en-
<trariam em conflito com ò que prega o ECA, cuja prioridade é , .
colocar as crianças em condições o mais próximas possível da^
vida familiar. O utros argum entos enfatizam que as Casas-lares
e, conseqüentem ente, os pais sociais, parecem ser um a boa al
ternativa p a ra um a fase de transição que tenta m inim izar os
efeitos maléficos da institucionalização. N a impossibilidade de
se acabar rapidam ente com as grandes instituições, as casas-
lares, que geralm ente abrigam 10 crianças ao máximo, poderi
am. ser u m a alternativa viável p a ra que a criança outrora
abrigada em grandes instituições possa ter um a vida mais p ró
xim a de um am biente familiar. A polêmica revela que muito
ainda há para se discutir sobre o tem a e planejar pesquisas que
possibilitem a compreensão mais acurada das variáveis im por
tantes em todo esse processo.
A motivação sempre deve ser um fator de investigação
dos candidatos, em bora ninguém tenha muito claro quais são
os sinalizadores realmente .negativos, a não. ser aqueles que
indiquem casos patológicos. A im portância da m otivação está
ligada ao fato de que ela está fortemente, relacionada às expec
tativas que os adotantes têm da ádoção, ou seja, reflete no com
promisso e satisfação da adoção, mas se falamos em um a
preparação p ara adoção e não apenas um a seleção de candi
datos “naturalm ente mais aptos”, a situação.m uda de figura.
Técnicos e pesquisadores {tais çomo Jpfré, 1996) indicam casos
em que a adoção não seria indicada pela motivação 3os candi
datos. tais como a perda recente de um bebê ou famílias que
possam ter filhos genéticos mas optam por um a adoção. Q ues
tionamos todos os pareceres negativos antecipados, ou seja,
. ninguém deveria ser excluído a priori, antes de ter passado pelo
processo de preparação para a adoção, pelo qual se poderiam
conhecer mais completam ente os motivos é expectativas dos
postulantes. Algumas equipes técnicás têm políticas que exclu
em os candidatos .em fases m uito precoces, e isso pode fazer
com que muitos candidatos desistam e procurem outra m anei
ra informal de adotar, ou aparecem nos Juizados com as famo-
,sas “ad o çõ es.prontas'*. De fato, parece existir um a velada
hierarquia p ara se escolher um candidato como aprovado em
alguns casos; por exemplo, os solteiros parecem somente con
seguir se um casal não for encontrado. Os serviços de adoção
precisam rever seus critérios de tempos em tempos pois há
m udanças sociais pertinentes que devem ser incorporadas.
Ao se falar de candidatos à acloção, não é possível deixar
de lado um outro im portante tem a sempre presente nos deba
tes:.a adoção por homossexuais; Em bora a legislação brasileira
nao contemple a adoção por casais homossexuais, um a vez que
124
não exista juridicam ente o casam ento entre parceiros hom os
sexuais, j á existem alguns casos nacionais em que pessoas
declaradam ente homossexuais realizaram um a adoção com o
solteiros. O tem a da orientação sexual de um a pessoa e do
direito ou não de adotar um a criança é essencialm ente polêm i
co e a discussão está presente até mesm o em outros países.
Lasnik (1979) destaca que um a pessoa hom ossexual p ro cu rar
um a criança p a ra adoção não é sinônim o de consegui-la, m es
mo nos Estados Unidos c não é sequer possível saber quantos
hom ossexuais já adotaram um a criança. No entanto, em todo
o m undo, m aior núm ero de homossexuais têm-se se subm etido
ao processo de habilitação para adoção, ao contrário do que
ocorria no passado, quando recorriam mais freqüentem ente à
insem inação artificial (Sàmuels, 1990). O núm ero de pesquisas
sobre o assunto ainda é pequeno, m as alguns autores, como
M clntyre (1994), afirm am que a pesquisa sobre crianças serem
criadas p o r pais homossexuais docum enta que pais do mesmo
sexo são tão efetivos quanto casais tradicionais. Patterson (1997)
analisou as evidências da influência na identidade sexual, de
senvolvim ento pessoal e relacionam ento social em crianças
adotadas. Exam inou o ajustamento de crianças criadas por mães
homossexuais (mães biológicas e adotivas) e os resultados mos
traram que, tanto os níveis de ajustam ento m aternal quanto a
auto-estim a e o desenvolvimento social e pessoal das crianças
são compatíveis com crianças criadas p or um casal tradicional
O tem a não pode maís ser negado e são necessárias mais pes
quisas que possam esclarecer a dinâm ica dos relacionam entos,
mas tam bém é preciso refletir que, mais im portante do que a
orientação sexual dos pais adotivos, o aspecto principal ê a
habilidade dos pais em proporcionar p ara a criança um am bi
ente afetivo, educativo e estável.
125
0 período de espera
126
exigir que todos os candidatos esperem a todo m om ento um a
criança virtual sem sequer im aginar algumas de suas caracte
rísticas, m ãs o que a equipe deve fazer é encontrar maneiras de
refletir sobre os desejos de cada um e com o eles se coadunam
com as características das crianças que esperam um a família.
— •Q-perÍQdo-de-espera-tem_sido_reIatado por muitos como
difícil e frustrante, e os psicólogos da equipe técnica podem
criar form as de m anter os candidatos como verdadeiros parti
cipantes do processo; Esse tem po pode ser m uito longo, mas
algum as vezes pode ocorrer ser m uito curto, dependendo de
m uitas variáveis, com o a exigência dos candidatos e as crian
ças disponíveis. E~importante que os adotantes sejam inform a
dos do andam ento do seu processo, pois o relato é que os
candidatos sentem-se esquecidos e isolados. Sandelowski, Harris
e H olditch-D avis (1993) concluem em' sua pesquisa que este
período de espera pode ser tão rico quanto o período de espera
de um filho genético, não necessariamente um estado depressivo
e ansioso. Se os candidatos ficam isolados, muitos podem desis
tir e p a rtir p a ra outro tipo de adoçãó como m ostram os relatos
de W eber (1999a, 1999b, 2001). Pode ocorrer um a espécie de
b arg an h a quando um a criança é proposta. N a dificuldade de
se obter um bebê do sexo feminino, por exemplo, é oferecida
um a o u tra criança, e os adotantes sentem-se pressionados em
concordar, especialmente se estão esperando há muito tempo.
N ão basta pressionar, mas preparar. O longo tempo de espera
pode fazer com que aceitem um a criança somente para acabar
com a ansiedade da espera, e isso pode trazer frustração e de
sapontam ento.
N a m aioria dos casos de crianças mais velhas considera
das p a ra adoção é preciso lem brar que suas vidas geralmente
estiveram rodeadas de circunstâncias difíceis, com inúmeras
decepções e privações im portantes. Assim, a equipe profissio
nal precisa estudar cuidadosam ente o passado da çriança para
d eterm inar suas necessidades específicas e áreas mais vulnerá-
127
veis para procurar um' làr adotivo especialmente adequado às:
necessidades da criança, no qual as pessoas estejam preparadas
p ara recebê-la.
A seleção de candidatos -
128
Vargas (2000: 59): “U m a das questões técnicas m ais relevantes
no trab alho do psicólogcTcom a adoção é a possibilidade de
atuação preventiva. A obrigatoriedade de um contato inicial
m ediante avaliação p ara o cadastro de candidatos e a observa
ção dos vínculos fam iliares em form ação, durante o estágio de
convivência, facilitam que a intervenção do psicólogo venha a
ter um caráter mais orientador e de suporte do que perícia’5.
A atuação de um a equipe técnica na qual um psicólogo
faça parte deve levar em conta a reflexão sobre as práticas da
equipe e a constante avaliação dos resultados e satisfação dos
candidatos, p a ra fugir do aspecto essencialmente burocrático
do processo, com o assegura Pilotti (1988: 37):
Se bem que são inegáveis as vantagens que apresenta a
cooperação de instituições especializadas no desenvolvimen
to de um processo de adoção, não c demais indicar que
não são alheias ao risco de cair em burocradsmos que, em
vez de incentivar a adoção, trazem obstáculos. O desafio
de uma instituição que se dedica à adoção consiste em
cumprir rigorosamente com as normas técnicas que defi
nem seu funcionamento, mas tratando de evitar processo:?
excessivamente longos e difíceis.
A nteriorm ente, a avaliação de candidatos consistia ape
nas em critérios de seleção de m oradia, ingresso e composição
familiar. A gora a tendência m ârca a necessidade de estabele
cer um processo de assessoria constante p a ra as famílias adoti
vas, tanto antes quanto depois da colocação da criança. Em
vez de ter o objetivo de encontrar pais ideais, a equipe técnica
dos Juizados da Infancia e da Juventude deve saber recrutar
candidatos p a ra o grande núm ero de crianças que precisam de
um a fam ília e ajudar os postulantes a se tornarem pais capazes
de satisfazer as necessidades de um filho a d o tiv a “Os profissi
onais da adoção tornam -se, assim, agentes transform adores em
potencial, através de um a práxis com os futuros pais adotivos a
p artir de grupos operativos, cuja vivência, aliada ao acesso a
129
inform ações, tran scen d e a avaliação judiciária e propicia no
vos referenciais, atitudes e conceitos em torno da Família e
adoção” (Cassin e Ja cq u e m in , 2001: 249).
Assim, a p rim eira tarefa de um a e q u ip e ; de adoção é
-garantir,que_os candidatos estejam dentro dos limites das dis
posições legais em vigor no país e, a sua segunda e im portante
fase, seria iniciar u m program a de trabalho com os postulantes
aceitos, elaborado especialm ente p a ra assessorar, inform ar e
avaliar os interessados e não apenas “selecionar” os mais aptos
(W eber, 1997), Diversos modelos de seleção de candidatos e
aspectos nortead o res deste processo têm sido discutidos e apre
sentados p o r pesquisadores contem porâneos, e alguns serão
m ostrados a seguir.
Pilotti (1988) apresenta sugestões p a ra n ortear o proces
so de seleção: 1
1. Os pais adotivos devem ser selecionados de acordo com a
sua capacidade p a ra exercer os;papéis inerentes à paternida
de e m aternidade, como tam bém se baseando no potencial
que dem onstrarem p a ra se tornar pais capazes de satisfazer
as necessidades de um a criança durante as diferentes etapas
do seu desenvolvim ento;
2. N essa seleção, são sem pre prioritários os interesses da crian-
Ça,
3. A equipe técnica das V aras de Adoção deve definir e infor
m a r claram ente aos interessados os requisitos e procedim en
tos que regem o processo de seleção, a fim de evitar possíveis
interpretações errôneas;
4. A posição socio econôm ica dos postulantes ou sua capacida
de p a ra exercer influências de diversa índole não deve cons
tituir um elem ento de im portância no processo de adoção.
Em seguida, Piíòtti (1988) m ostra quais aspectos de ava
liação da idoneidade dos candidatos devem ser investigados,
em bora não indique de que m aneira isso pode ser feito:
130
.1. Investigar a personalidade e m aturidade dos candidatos; o
m odelo de.se relacionar com a própria família; qualidade da
união m atrim onial; adaptação no lugar de trabalho; ativida
des comunitárias e atitudes perante a tolerância e a disciplina.
M aturidade: capacidade para-dar e receber afeto; habilidade
~“para'assumir"a"rcsponsãbilid ad <Tde cuidar, guiar e proteger ãT
ou tra pessoa; flexibilidade p a ra m udanças segundo as neces
sidades dos outros; habilidade p a ra enfrentar problemas, de
silusões e frustrações;
2. V erificar a qualidade da união conjugal e atitudes para com
as crianças. Os futuros pais adotivos devem ser simplesmente
pessoas comuns caracterizadas tanto pelas debilidadcs e ca
rências quanto pelos aspectos positivos, mas devem ter habi
lidade e afeto p ára com as crianças. Devem ter a capacidade
de aceitar a criança que adotarão como ela é, sem noções
preconceituosas de como se desenvolverá física e emocional
m ente. Tolerantes p ara aceitar a realidade dos antecedentes
do filho;
3. V erificar a capacidade de lidar com a infertilidade e reações
quanto a isso;
4. D eterm inar.se as motivações estão baseadas.em necessida
des em otivam ente sãs: desejo de levar um a existência mais
com pleta c realizada; assumir responsabilidades inerentes à
paternidade e m aternidade; ajudar um a criança; contribuir
p a ra o desenvolvimento de outro ser hum ano e principal
m ente o desejo de dar e receber afeto.
131
Alguns autores'apresentam as características' que os can
didatos a pais adotivos deveriam ter valorizando a capacitação
pela equipe técnica. Segundo Sanz (1997) os serviços de ado
ção deveriam valorizar os candidatos e contribuírem p ara sua
capacitação m ediante um program a quê contenha tanto as
pectos genéricos como específicos de cada càso, com o objetivo
de desenvolver posições preventivas da intervenção. N esta
capacitação,, os pais' adotivos devem estar dispostos a:
1. Ser os primeiros a revelar a adoção a seu filho e estar dispos
tos a responder a suas perguntas;
2. Expressar empatia, compreensão e respeito às necessidades
do adotado em conhecer seus antecedentes e as razões pela
quais foi.adotado; ■
3. .Contatar com a instituição ou serviço de adoção p a ra solici
tar mais dados sobre os antecedentes da criança se as infor
mações de que dispõem são insuficientes;
4. Comunicar-se abertam ente com seu filho sobre a adoção e
criar uma atmosfera em que a criança se sinta livre para
perguntar o que desejar;
5. Continuar falando da adoção depois de fazer a revelação
inicial;
6. A daptar o nível de conversação ao nível de m aturidade
cognitiva e emocional da criança;
7. Entender os sentimentos da criança e as causas dos mesmos,
• tanto aqueles que têm sua base na adoção, como aqueles que
não têm.
132
2. A poiar os pais adotivos a aceitarem as diferenças do filho •
adotivo; ,r. . T-
.3. Potencializar a capacidade dos pais p ara enfrentarem de
m aneira adequada a educação da criança adotada;
4. Apoiar-os pais na elaboração e aceitação das origens da cri
ança adotada;
5. Auxiliar os pais a assum irem a im portância da revelação e
trabalharem os elem entos p a ra facilitar a influência positiva
deste m om ento: quando, o que e como informar.
134
&
.... .... .
cies sociais, treinam ento de práticas educativas) que têm o ob
jetivo de a te n d e r a"três aspectos dos participantes: •
1. R efletir atitude? e com portam entos emocionais, como a dis-
• posição p a ra aceitar o passado da criança, seus sentimentos e
recordações sobre a sua família; disposição para m ostrar res
peito pelaTam ília genética as“circunstâncias-que levaram -à-
. separação definitiva; ajudar a criança a conservar e valorizar
a sua própria história; aceitar os sentimentos de ambivalência
e insegurança da criança e seus desejos de conhecer mais
sobre o seu passado etc.;
2. Desenvolver habilidades que perm itam enfrentar de m anei
ra com petente a tarefa de educar um a criança adotada com
todas as suas características;
3. D iscutir idéias e sentimentos sobre o processo de adoção e
suas im plicações, os problem as mais comuns, os recursos
existentes na com unidade p ara apoiar as famílias etc.
135
ção de um a família p ara um a criançá concreta,' assim com o no
período de adaptação criariça-família e no, acom panham ento
posterior.
Além do mais, não é possível esquecer o trabalho da
equipe técnica que trabalha com adoção dos Juizados, da In-
■fância e da Juventude, que devem estar sistcm aticam cnte
conectados com os Conselhos M unicipais de Direitos da Cri
ança, os Conselhos Tutelares e as O N G s que tràbalhám com a
inserção da criança na família, como salienta Vargas (2000, p.
139), essa aliança traz diversas vantagens:
a) A prevenção das “adoções prontas” (adoções intuitiipersonae),
ha identificação/orientação pelos Conselhos T u telares e
ONGs, das redes de inform antes/interm ediários não legais
• qué atüam nas m esm as;"
b) A prevenção do abandono, através da identificação das mães
na própria rede que estimula as entregas diretas, trabalhan
do sua decisão de entrega e prevenindo assim reincidência
ou, avaliando com as mesmas os recursos que possuem ou
que possam obter p ara criar seu filho.
c) A "preparação de candidaturas com potencial para" realizar
as'adoções necessárias —que já vem sendo realizada de for
ma independente pelas Associações' de Pais e Grupos de Apoio
à Adoção, poderia ter o respáldo rháiòr da Rede de Atendi
mento, recebendo estrutura p ara um atendim ento mais téc
nico paütado riá ’orientação preventiva e m elhor instrum en
talizado para atender a dem andas ináis complexas.
d)fcÓ acom panham ento'durante o estágio de convivência pode
ria ser mais sistemático^e, efetivamente preventivo caso fosse
realizado por profissionais desvinculados da avaliação do J u
diciário em local adequado às necessidades dò grupo em for-
• mação, còmo o próprio am biente domiciliar.
W eber (2001: 247) apresenta um a sugestão de prepara-
'■ção/educação dividida em dois grupos distintos: o prim eiro
grupo seria composto por aqueles que já têm filhos adotivos e /
136
ou genéticos,,e outro p o r aqueles que n ão os têm , pois as habi
lidades refletidas.nesta p rep a ra çã o podem ser diferentes. No
entanto, é possível p en sar que u m grupo mais heterogêneo tam
bém possa trazer vantagens. E sta p rep aração deve necessaria
m ente incluir a criança, inclusive sob condições que serão apenas
utilizadas no futuro próxim o. Á seguirã o esquem a de W eber
( 2001 ):
^déiróímênjoítà^
■■■.■■■. S tíÂBIllttDÓs^^r:^.
P r ep a r a ç ã o d a c r ia n ç a ;> ;
CfílANCA INDICADA 'Quem é a faiiiflla que pretende adolá-lá
Fotos e video; V • . . ; '
. ^Se terá írmSo ou hSo ....
;.í Preparaçãopairâ rafleiSo e conscientização -. -:,
/ . da lamíiia idealizada e a família real £•.
v;;6'príinêirD'encòVifro traz sêmpré aruledade à v
: deve ser preparado ram cuidado ; v •’ v
A criança deve ser esclarecida se siia mudírtça.
Preparação para á crIaíiça písighaoa '.' para unia familiaé definitivaouéuma ftentativá!’
Dossiê da história pessoal a ínsfitcioiíaí; Crianças tém irni passado na Instliuiçaij é devem
Perfil psicológico das criançasmatoras; : . poder íevarseus-pertéricés favoritos 1eobjetos de
Contatolnterpessoál . . ; apego ■ h:-iY - / w ’ ': S r ;-'
Preparar outros (Ilhas àdotiyos ou biológicas ' Cuidado, especial quando a criança freqü enfa e
• trocará de escola; ' ''
137
A c o n c lu sã o é a n ecessid ad e de u m a m u d a n ç a de
p arad ig m a, ou seja, de a equipe técnica ter um a conduta p e d a
gógica e n ao sim plesm ente avaliativa, “retirando-se o foco de
suas atribuições da perícia p a ra recolocá-las num p a ta m ar mais
am p lo que inclua o p rep aro e a reflexão dos pretendentes”
(Cassin e Ja cq u e m in , 2001: 249)7É preciso aindãTrefletirrsobre
as fam osas “adoções p ro n tas” e se “há pouco a fazer” nestes
casos, p o r que não estabelecer condicionalm ente a p articipa
ção de tais adotantes em grupos de preparação? G ranato (1996:
107) ressalta que “o tem a da adoção! intuitu personae não tem
sido focalizado pelos estudiosos da adoção, m as é dos mais
angustiantes e p e rtu rb ad o re s p a ra aqueles que efetivam ente
tra b a lh a m nesse cam po e ocorre com um à freqüência m uito
superior à que sc im agina” . N a realidade brasileira que.se apre
senta, não é possível apenas aguardar candidatos que procu
ram por um bebê recém -nascido, m as tam bém traçar estratégias
de recru tam en to de pretendentes que ;possam desenvolver h a
bilidades p a ra a adoção de crianças com outras características,
que lotam as ^instituições de ábrigam ento. N ão é possível ter
respostas p a ra tudo, m as é possível refletir sistem aticam ente
sóbre nossas p ráticas sociais, profissionais e pessoais, com o
po eticam en te relata M areei Proust: “À verdadeira viagem da
descoberta consiste n ão em buscar novas paisagens, m as em
ter olhos novos” .
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140
Saio de Carvalho
141
D eterm in ação legal aditiva à CTC é a de aco m p an h ar a
execução das penas privativas de liberdade (art. 6-, .LEP), de
vendo p ro p o r, à au to rid ad e com petente, as progressões (art.
112, LEP) e regressões (art. 118, LEP) dos regimes, bem com o
as conversões de penas (art. 180, LEP).
D iferem d a CTC, cujo lab o r'tem como escopo; avaliar o
cotidiano do condenado, os afazeres dos técnicos do C entro de
O b serv ação C rim inológica (C O C ). Este local autônom o da
in stitu iç ã o c a rc e rá ria re a liz a exam es periciais e pesquisas
crim inológicas que retrata rã o o ‘perfil do preso’, fornecendo
instrum entos de auxilio nas decisões judiciais dos incidentes da
execução , n otad am en te livram ento condicional e progressão
de regim e. Logo, en quanto a CTC atua no local da execução,
\ com o observatório do cotidiano
Vé^ínoÍdada\j^o*^jn^pro^ej^yo^4rt^^ d(? aPenado, o C O C tem por fun-
Çã° realizar exames criminológicos
^toVdemm■■determinado;‘períòdfc • r .• j . . ,
mais sofisticados, com intuito de
-v„"per soifali dadéVO£udos;•e''.parecères ) a u x i l i a r OS Órgãos da execução. .
Não obstante, o Código Penal
. . . . .
,fechádo“aoc serrn-;abertoje;deste;a^o,aberto)'.;# p reve q u e O corpo CnminolOglCO
^ t á S ? Í Í Í Í S É É Í I Í . ( G O G ) deverá realizar .prognósticos
de não-dehnqümcia, requisito subje-
concessão .do livram en-
• ^ • ^ ^ o r-pi^vêrí^p^i^íú^ã^è5H^'^^cfc,Jd (^ to coiidicionaL—para o condenado
por crime doloso, cometido com violm-
^;5ííõ;:eiktót^da;njcsma;^^"a5qüc^ ípistem^jfc cia ou grave ameaça à pessoa^ û conces-
são dó livramento ficará também subor-
í^^jàcxiy^po^cípaçâü dttuidçL a constataçao de condxçoes
pessoais quefaçam presumir que o libe-
Wcúçf.Q)Sot‘c onáéhído- pqdcVegrea^/se^ re-* , , - ’ . ... .
rímc'{àit.’. í.^ô/da Lei |,lde7Exccuçãò)í*'>:r/ú'-'tv:,',i- fado nao voltara a delinqinr (art. 83,
luk * i , r , . ot>v A . ,
paragrafo unico, C r). Assim, o le-
. gislador estabeleceu condições especialíssimas p a ra concessão
do direito nos casos da denom inada ‘crim inalidade violenta’: o
: ’ dispositivo se inspira na reclamada defesa social e tem por objetivo a pre-
venção gerai Se após o exame crimino lógico (ou resultar da convicção do
juiz) ainda revelar o condenado sinais de desajustamento aos valores jurí-
dico-criminaiSj deverá continuar a sofrer imposição daquela pena até o seu
limitefin a l se a tantofor necessária em nome da prevenção especial (Fran
c o etalli, 1993: 535).
— ——O-Cxame fpericial)_entendido còrrió idôneo p ara a prog-
nose seria o de cessação de periculosidade/^õu sêjã^lnstrumen-
to análogo àquele aplicado ao inim putável (art. 175, LEP); caso
contrário, na.ausência do exam e, o juízo será hipotético2 (Cos-
' ta j r .j 1999: '206): '
C onclui Alvino Augusto de Sá, ao discutir a natureza
dos exames crimiriológicos é as form ás de prognose, que o pa-
' recer da CTC deveria voltar-se eminentemente para a execução, para a
terapêutica penal e seu aproveitamento por parte do sentenciado. J á o exa
me criminológico é peça pericial, analisa o binômio deUto-delinqüente e o
foco central para o qual devem convergir todas-as avaliações é a motivação
criminal, a dinâmica criminal, isto é, o conjunto dosfatores que nos aju
dam a compreender a origem e desenvolvimento •da conduta criminal do
examinado. Ao se estabelecerem as relações compreensivas entre essa condu-
' ta e esses fatores, se estará fazendo um diagnóstico criminológico, N a dis
cussão> devem ser sopesados todos os elementos desse diagnóstico e
contrabalanceados como os dados referentes à evolução terapêutico-penal,
deforma a se convergir o trabalho para um prognóstico criminológico, do
qual resultará a conclusão fin a l (Sá, 1993: 43).
143
A atuação, pericial como controle da identidade do preso
3 F oucault, n*Oí Anormais, lem bra q u e o exame pam ite passar do ato à conduta, do
delito à maneira de ser, e de fazer a maneira de ser se mostrar como não sendo outra coisa
que o próprio delito, mas, de certo modo, no estado de generalidade na conduta de um
indivíduo. Em segundo lugar, essa sêiie de noções tem por função deslocar o nivel de
realidade da infração, pois o que essas condutas infringem não é a lei mas, porque nenhu
ma lei impede ninguém de ser desequilibrado afetivamente, nenhuma lei impede ninguém de
ler distúrbios emocionais, nenhuma lei impede ninguém de ter um orgulha pervertido, e não
há medidas legais contra o erostratismo. M as se não é a lei que essas condutas ínjringem,
é o que? Aquilo contra o que elas aparecem, aquilo em relação ao que elas aparecem, ê um
nível de desenvolvimento átimo: 'imaturidade p sic o ló g ic a [personalidade pouco estruturada1,
''profundo desequilíbrio’. É igualmente um critério de realidade: rmá apreciação do real’.
São qualificações morais, isto é, a modéstia, a fidelidade, São também regrar éticas. Em
suma, o exame psiquiátrico permite constituir um duplo psicolôgico-êlico do delito. Isto é,
deslegalizar a. infração tal camo formulada pelo código, para fazer aparecer por trás dela
seu duplo, que com ela se parece como um irmão, ou uma irmã, nao sei, e quef a z dela não
mais, justamente, uma infração no sentido legal do termo, mas uma irregularidade em
relação a certo número de regras que podem ser fisiológicas, psicológicas, morais, etc.
(F oucault, 2002: 20-21).
ridículos preconceitos distribuem estigmas. 0 processo penal, além de todas
as ocupações e preocupações, será atado ao’torvelinho dos habituais e ten
denciososfalsários bem pagos, com humilhações'e vexames para o acusado
e sua família, para a vítima e sua família, com base em. ‘quadrinhos3 e
formulários (Lyra, 1977: 132).
Este papel de legitimação das decisões judiciais assumi
do pela crim inologia oficial foi percebido magistralmente por
M ichel F o u cau lt Ao responder indagação sobre o porquê de
sua crítica à crim inologia ser tão rude, Foucault afirma que os
textos criminológicos não têm pé nem cabeça. .. Tem-se a impressão —
prossegue —de que o discurso 'da criminologia possui uma tal utilidade,
de que é tão fortzmente exigido e tomado necessário pelo funcionamento do
sistema, que não tem nem mesmo necessidade de se justificar teoricamente,
ou mesmo simplesmente ter uma coerência ou uma estrutura. Ele é inteira
mente utilitário (Foucault, 1986: 138).
.A utilidade ressaltada por Foucault seria fornecer.argu
m entos ao julgam ento, p.errhitindo aos magistrados um a ‘b o a -:
consciência’.4 '’
O juiz d a execução penal, desde à reforma operada pela
crim inologia clínico-adm inistrativa, deixou de decidir, passan
do apenas a hom ologar laudos técnicos. Seu julgam ento passa;,
a ser inform ado p o r um conjunto de micro-decisões (micro-
poderes) que sustentarão ‘cientificam ente’ o ato decisório. As-
147
sim, perdida.no em aranhado burocrático,: a decisão torna-se
impessoal, sendo, inominável-o sujeito prolatòr.-. .
Lem bra Foucault ,qüe o ju iz de nossos dias ~. magistrado ou
jurado ~ fa z outra, coisa, bem diferente. de julgar*: Ele não julga mais
sozinho. Ao longo do processo penal,- e da execução da pena, prolifera toda
uma série de instâncias anexas. Pequenas justiças e juizes paralelos se
multiplicam em tomo do julgamento principal: peritos psiquiátricos e psi
cólogos, magistrados da aplicação da pena, educadores, funcionários da
administração penitenciária f acionam o poder legal de punir; dir-se-á que
nenhum deles partilha realmente do direito de julgar; que uns, depois das
sentenças, só têm o direito defazer executar a pena fixada pelo tribunal, e
principalmente que o u t r o s o s peritos - não intervêm antes■da ■sentença
para fazer um jidgamento, mas para. esclarecer a decisão dos juizes
(Foucault, 1991: 24).
Ferrajoli afirma, que estes .modelos correcionalistas de
‘reeducação’ - qualquer coisa que se entenda com esta palavra (Ferrajoli,
s/d : 46) ” acabam se tornando, um a aflição aditiva à pena pri
vativa de liberdade c, sobretudo, um a prática profundam ente
autoritária. Esta comporta - prossegue o autor - uma diminuição da
Liberdade interior do detento, que viola o.primeiro princípio do liberalismo:
o direito de. cada um ser e permanecer ele_ mesmo;- e, portanto, a negação ao
Estado de indagar sobre a personalidade psíquica do cidadão e de transformá-
lo moralmente através de medidas de premiação ou de punição por aquilo
que ele é e não por aquilo que elefe z (Ferrajoli. s/d: 46).
Converge, nesta perspectiva, Fabrizio Ram acci, ao ava
liar as teorias da em enda desde o processo de filtragem d.a Lei
Penitenciária a partir da Constituição italiana. Leciona que a
exasperação da idéià de correção, ínsita na doutrina de emenda, ê bloque-
’ ada pela proibição constitucional de tratamento contrário ao senso de hu
manidade, tanto nas.formas de■violência à pessoa, quanto nas de violência
. à.personalidade (v.g. lavagem cerebral) porque contrastante com a dignida
de humana '(art 3 [dá Constituição) e com. a liberdade de desenvolver e
inclusive manter.a.prõpria personalidade (art. 2 da Constituição) (Ramaci,
1991: 133). ... . ’ •• 1
143
A função dos técnicos do sistema penitenciário (Criminólogos)
desde uma-perspectiva humanista
■' Sustenta Cristina' R auter que a 'colonização’ do judiciário pelas ciências humanas,
pela via da Criminologia, corresponde a um processo de hnplanlaçào de uma tecnologia
disciplinar\ com efeitos ao nível do discurso e também- das práticas sociais (Rauter,
1982: 80).
149
if-:' •'
5 L em bra M iriam G uind ani, ao avaliar p papel dos técnicos no sistem a peni
ten ciário, que os profissionais do Serviço Social [psicologia e psiquiatria, inclui-se]
foram relegados à função de tarefeiros para simplesmente atender às demandas de avalia
ção perícia para fin s de individualização, progressão de regime ou livramento.condicionai:
A ssim , perdeu sua identidade como categoria,ficando relegado; muitas vezes, a um papel
de 1executor de laudos\ A s ações passaram a ocorrer através das equipes de CTC, enquan
to o tratamento penal previsto em lei tomou-se, com algumas exceções, secundário (Guindani,
2002: 35). N o m esm o sentido enunciam H oen isch e P ach eco ao afirmar que
a desp eito das diversas possibilidades de trabalho do psicólogo, observa-se
u m a restrita atuação à confecção de laudos técnicos (H oenisch & P acheco,
2002: 191-204). !
7 A pesar de entender a categoria ‘tratam ento p en al’ absolutam ente inade
qu ada, pois um a contradição em term os, utiliza-se entendendo-o não como uma
finalidade em si do cumprimento da pena, mas como um conjunto de práticas educativas
e terapêuticas que podem ter significados efunções diferenciadas no processo de cumprimen
to da pena, dependendo dos diferentes fatores teóricos, políticos e institucionais, que o
envolvem (WolfT, 2003: 96)..
150
deveria ser outro que o de ‘tarefeiro’ - fornecedor de dados
sobre ‘conduta futura e incerta’, com o escopo de justificar a
decisão judicial.8 . ,
U m a atividade pautada em program as humanistas de
redução de danos.possibilitaria construir com o apenado técni-
___cas_que_possibilitass.enua_minimização;_do„efeito_deletério_do
cárcere (clínica da vulnerabilidade). Constatados problem as de
ordem pessoal ou fam iliar, deveria o. técnico, ju n to .c o m o
apenado, e tendo como. imprescindível sua anuência, colocar
em prática um processo de resolução do problem a, ou seja,
' fornecer elementos p ara superação da crise e não estigmatizá-
lo, potencializando-a.
Elem entar, no entanto,, que qualquer tipo de ‘tratam en
to ’ pressupõe a voluntariedade do sujeito, sob pena de violação
do princípio da dignidade hum ana.
A im posição de p ro g ram as .de ressocialização, .n ã o .
o b sta n te ferir a m ais e le m en ta r prem issa, do tra tam e n to
(voluntariedade), somente é admissível em sistemas nos quais o
encarcerado é percebido como objeto entregue, ao laboratório
crim inológico do cárcere —objeto de uma tecnologia e de um saber de
reparação, de readaptação, de reinserção, de correção (Foucault, 2002:
26-27).
D esde a perspectiva hum anista, é inconcebível obrigar o
sujeito a qualquer tipo de m edicina,;pois este preserva seu di
reito de ser e continuar sendo quem deseja, tudo em decorrên
cia do princípio constitucional da inviolabilidade da consciência
(art. 5o, incisos IV, V I e VIII).
8 M aria P alm a WolíT lem bra q u e. esta disaicionaridade dos profissionais embasada
em critérios, que não são tão neutros e científicos como pretendem ser, f a z com que, muitas
vezes, o parecer técnico afigure-se quase como um .exercício de suposições,. de futurologia.
Isto, a partir de um discurso que j á está dado como única verdade, bastando ajustâ-lo a
cada caso avaliado (VVolíT, 2003: 93).
151
Im portantes, pois, as recomendações do Docum ento Fi
nal do Program a de Investigação desenvolvido pelo Instituto
Interam ericano de Direitos H um anos (IÍDH).
Diagnostica o relatório que inexiste nos ordenam entos
jurídicos latino-am ericanos q u alq u er tipo dé in tervenção
participativa d'o apenado na eleição do program a de reinser-
ção ao qual estará subordinado. Em regra, os informes sobre o
condenado tendem a ser es tigmatiz antes, agregando expedien
tes com- sentido infamante altam ente negativo que al par de re
sultar una agresión a la personálidad, totalmenle contraria a los fines que
■se propone formalmente el sistema, importa en una seria violación a la.
esfera íntima de la persona, que no se encuentra afectada por la pena
privativa de liberdad más que en la estricta medida de lo que, conforme a
la naturaleza de las cosas, se desprende dei mero heclio de la privación de
libertad (Zaííaroni, 1986:'209).
Conclui Zaffaroni que a pena privativa de liberdade não
tem, sob nenhum a justificativa,' o efeito de com prom eter a
personalidade c a intimidade do condenado, de tal sorte que os
técnicos que atuam na execução não estão isentos do segredo
profissional inerente aos seus cargos, isto é, os funcionários não
estão autorizados a divulgar dados relativos à intimidade da
pessoa.
Posto isto, propõe ó relatório (Zaffaroni, 1986: 209-210):
152
(3) que os profissionais e.funcionários intervenientes fiquem
subm etidos às regras do segredo profissional ou funcional e
que seus informes não sejam agregados, indiscrim inadam en
te aos autos do processo. -s
Nota
* O s resultados apresentados neste artigo são fruto: dc pesquisa financiada
pela Pontifícia U n iversidade Católica do R io G rande d o Sul, desenvolvida
ju n t o a o se u P r o g r a m a d e P ó s-g r a d u a ç ã o cm C iê n c ia s C r im in a is
(transdisciplinar) e é parte integrante da versão revista e atualizada do livro
Pena e Garantias (C arvalho, Saio dc. (2003) Pena e Garantias. R io de Janeiro:
L um en Juris, 21 edição - prelo).
T rata-se, em realidade, de reavaliação e atualização de investigação que se
iniciou no ano de 2 0 0 0 , cujos resultados prelim inares foram publicados ao
longo de 2001 e 2002 (N este sentido, conferir, fundam entalm ente, Carva
lho,- 2002a: 475-4-96; e Cangalho, 2002b: 3-45; 145-174; e 487-500).
Im prescindível, destacar, portanto, o apoio dos integrantes (acadêm icos c
m estrandos) do grupo dc pesquisa em Criminologia- e E xecu ção Penal que
realizaram inestim ável trabalho de coleta de dados docum entais, o qual,
aliado aos férteis debates, deu consistência a inúm eras das conclusões aqui
nom inadas. D esta m aneira, são sujeitos integrantes da pesquisa as mestrandas
Paula-G il Larruscahin, N atália G im encz e Lenora A zevedo de O liveira, e os
acadêm icos dc direito R ainer Hillmarm, M ariana de Assis Brasil e W eigert,
R a fa e l R o d r ig u e s d a S ilv a P in h eiro M a c h a d o , ^R oberta L o n g o n i dc
Vasconcellos, R enata Jardim da Cunha, RaíFaella Pallam olla,1Eduardo Rauber
G onçalves, R ob erto R o ch a Rodrigues, Fernanda Juliano Pasquali e Caroline
Eskenazi.
153
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 atuação dos psicólogos no;sisfema penal
TaniaKolker
158
a econom ia m onetária; os suplícios e a pena capital foram as
penas preferenciais no período feudal, atingindo apenas aos
extratos mais pobres da população; o trabalho nas galés serviu
para satisfazer a necessidade de rem adores; o banim ento e a
deportação estiveram associados ao processo de exploração
colonial-e-a-prisão^eom-ou-sem-trabalho-forçado-esteve-intima-
m ente ligada à em ergência e ao desenvolvimento do m odo de
produção capitalista.2
P ara m elhor entender a função histórica da prisão e o
papel historicam ente atribuído ao saber médico-psicológico
nessas instituições, convém voltarmos um pouco atrás no tem
po, a princípio em com panhia de Foucault e Castel. Com eles
é possível ver como as diferentes formas de assistir e /o u punir
dispensadas aos doentes, deficientes, pobres, desempregados,
marginais e criminosos de nossa história estão relacionadas entre
si, como estas estratégias estão intim am ente relacionadas com
as sucessivas políticas voltadas p ara o controle das classes tra
balhadoras e como as nossas ações, enquanto técnicos, estão
atravessadas por essas determinações.
159
Mendigos, vagabundos, delinqüentes e trabalhadores'
160
não enquadráveis nessa nova configuração. A pobreza, que nos
séculos anterjor.es era valorizada espiritualm ente, torna-se m o
tivo de desonra e é*criminalizada. A m endicância, a vagabun
dagem ou a delinqüência, que até então sé constituíam em
estratégias eventuais de sobrevivência, niuitas vezes p ara fazer
frente a períodos sem trabalho, pouco k pouco vão sc tornando
destinos irreversíveis. M esm o as massas ocupadas são agora
severamente punidas, ao m enor sinal de associação, desobediên
cia, ou insurreição. Nesse leqiic de- situações facilm ente inter-
cambiáveis, onde segundo Castel, a “crim inalidade representa
ria ) a franja externa,, alim entada pela área fluida da vagabun
dagem , ela própria alim entada p o r um a zona de vulnerabilidade
mais am pla, feita da instabilidade das relações cie trabalho e da
fragilidade dos vínculos sociais” (Gastei, 1998: 135), o que, na
verdade, concorrerá p a ra a constituição daqueles que serão os
futuros m endigos, vagabundos ou delinqüentes, serão as pró
prias instituições criadas p a ra geri-los.
Nesse processo, a figura do m endigo é recortada entre
esses novos objetos e passa a scr percebida “como um a espécie
de povo (que corre o risco de se tornar) independente”, que
não conhece “nem lei, nem religião, nem autoridade, nem
polícia”, tal com o “um a nação libertina e indolente que nunca
tivesse tido regras” (Castel, 1998: 75). A m endicância é, então,
perseguida em toda a E uropa pré-capitalista e p a ra conjurar
tal am eaça, é criado o' dispositivo da internação, constituído
por um a vasta rede de casas de trabalho, casas de detenção e
hospitais cuja função principal será a transform ação, dessas for
ças inúteis ou potencialm ente perigosas em força de trabalho.4
161
O u tro personagem que em ergirá dessa nova classifica'
ção e que m erecerá um tratam ento rigoroso é o vagabundo,
que se assem elha aos m endigos por ser pobre e não estar tra
balhando, mas que deles se diferencia por não ter pertencim ento
com unitário. Esta categoria tão am pla que, segundo Castel, até
o século XVI a b a r c a r á f<pessoas que- m endiguem -sem -m otivo;—
v e lh a c o s, m en d ig o s que sim ulem en ferm id ad es, ociosos,
luxuriqsos,' rufiões, tratantes, imprestáveis, indolentes, m alaba
ristas, cantores, exibidores de curiosidades, arrancadores de
dentes, vendedores de teriaga, jpgadores de dados, prostitutas,
e até operários, ou rapazes barbeiro”, a partir dos séculos seguin
tes irá ganhando contornos mais precisos (Gastei, 1998: 120).
Assim, em 1566 um decreto real estabelecerá que:
v a g a b u n d o s sã o p e s s o a s o c io s a s , p r e g u iç o s a s , p e s s o a s q u e
n ã o p e r t e n c e m a n e n h u m s e n h o r , p e ss o a s a b a n d o n a d a s ,
p e s s o a s s e m d o m ic ílio , o ficio e .o c u p a ç ã o (C a stel, 1 998: 121).
162
ritorial, os vagabundos sâo punidos tam bém com o banim ento,
o trabalho forçado nas galeras, ou a deportação para as colônias.
Gastei nos explica o motivo deste tratam ento especial:
A existência dessas populações instáveis, disponíveis para
todas as aventuras, representa uma ameaça para a ordem
----- ———pública.-(,..)-Não-SÓ_os_vagabundos_individualmente,_co^_
m e te m d e lito s , m a s t a m b é m a in s e g u r a n ç a q u e r e p r e se n
ta m p o d e a ss u m ir u m a d im e n s ã o c o le tiv a . P e la fo r m a ç ã o
de g r u p o s q u e e x p o lia m o c a m p o e d e s e m b o c a m às v e z e s
n o r o u b o a m a o a r m a d a o r g a n iz a d o , p o r su a p a r tic ip a ç ã o
n a s e m o ç õ e s e n o s m o tin s p o p u la r e s , o s v a g a b u n d o s , s e p a
r a d o s d e tu d o e v in c u la d o s a n a d a , r e p r e se n ta m u m p e r i
g o , r ea l o u fa n ta s m á tic o , d e d e s e s ta b iliz a ç ã o s o c i a l...
Afinal,
q u e m n a d a te m e n ã o está' lig a d o a n a d a é le v a d o a fazer
c o m q u e a s c o isa s n ã o p e r m a n e ç a m c o m o sã o . Q u e m n a d a
tem p a r a p r e se r v a r c o rr e o risco d e q u e r e r a p r o p r ia r-se d e
tu d o . A fu n ç ã o d a c la sse p e r ig o s a , q u e e m g e ra l é a tr ib u í
d a a o p r o le ta r ia d o d o s é c u lo X I X , j á é a ss u m id a p e lo s
v a g a b u n d o s . (...) R e a lm e n te , sa b e r q u e a m a io r ia d o s in d i
v íd u o s r o tu la d o s d e m e n d ig o s o u v a g a b u n d o s e ra , d e fa to ,
fo r m a d a p o r p o b r e s c o ita d o s le v a d o s a tal situ a ç ã o p e la
m isé r ia e p e lo is o la m e n to iso c ia l, p e la fa lta d e tr a b a lh o e
p e la a u s ê n c ia d e su p o r te s s o c ia is , n ã o p o d ia d e se m b o c a r
e m n e n h u m a p o lít ic a c o n c r e ta n o q u a d r o d a s s o c ie d a d e s
p r é -in d u s tr ia is. E m c o n tr a p a r tid a , e s tig m a tiz a n d o a o m á
x im o o s v a g a b u n d o s , c r ia v a m -se o s m e io s r e g u la m e n ta r e s
e p o lic ia is p a r a e n fr e n ta r o s tu m u lto s p o n tu a is p r o v o c a d o s
p e la r e d u z id a p r o p o r ç ã o d e v a g a b u n d o s v e r d a d e ir a m e n te
p e r ig o s o s . P o d ia -s e ta n tb é m , s è m d ú v id a , p e sa r u m p o u c o
so b r e o q u e , e n t ã o , fu n c io n a v a c o m o . m e r c a d o d e tr a b a
l h o , t e n t a n d o o b r ig a r in a tiv o s .a se é m p r e g a r e m p o r q u a l
q u e r v a lo r a fim d e fa z e r o s salários^ c a ír e m (C a stel, 1998:
1 3 8 -1 3 9 ). .
163
cjue cresce a população miserável,5 desenvolve-se a produção e
multiplicam-se as riquezas e as propriedades, é preciso aperfei
çoar os instrumentos de controle social. Com o aparecim ento
dos grandes arm azéns - que estocam m atérias-prim as e m er
cadorias passíveis cie serem roubadas - e das grandes oficinas -
que reúnem centenas de trabalhadores descontentes, e onde há
máquinas que podém ser danificadas - nasce um a nova neces-
' sidadc de segurança e aparecem os primeiros rudim entos da
Polícia (Foucault, 1993). Os crimes contra a propriedade pas
sam a prevalecer sobre os crimes de sangue e os criminosos do
século anterior, geralmente ‘hom ens prostrados, mal alim enta
dos, levados pelos impulsos e pela cólera” (Castel, 1998: 71),
são agora substituídos por bandos profissionalizados e organi-
zados. Para fazer frente a esse novo quadro e ao aparecim ento
de formas embrionárias de organização das massas trabalha
doras, novas leis repressivas são criadas, e a Justiça -- que du
rante toda. a alta Idade Média, funcionara através de tribunais
arbitrais - vai sendo progressivamente substituída por um con
junto de instituições controladas pelo Estado, que terá a fun
ção de a d m in is tra r as massas revoltosas e asse g u ra r a o rd e m
pública. C om eça,'então, a ser constituído o embrião daquilo
que se tornará o aparelho judiciário.
' A este respeito, Foucault dirá que:
A p a rtir d e u m a c er ta é p o c a , o siste m a p e n a l, q u e tin h a
e s s e n c ia lm e n te u m a fu n ç ã o fisc a l n a Id a d e M é d ia , d c d i-
c o u -s e à lu ta a n ti-se d ic io sa . A rep ressã o d a s r ev o lta s p o p u
lares tin h a sid o até e n tã o so b r e tu d o ta refa m ilita r. F o i e m
se g u id a a sse g u r a d a o u m e lh o r , p r e v e n id a , p o r u m s is te m a
c o m p le x o ju s tiç a -p o líc ia -p r isa o (F o u c a u lt, 1 9 9 2 : 5 0 ) ..
165
zadas e m anipuláveis. Segundo Foucault, c quando as classes
dom inantes descobrem que do ponto de vista da econom ia do
p o d er é “mais eficaz e mais rentável vigiar que pu n ir” (Foucault,
1 9 9 2 :1 3 0 )/
T rata-se, segundo ele
d e e s t a b e le c e r u m a n o v a e c o n o m ia d o p o d e r d c c a stig a r ,
a s s e g u r a r u m a m e lh o r d istr ib u iç ã o d e le , [d e fa z e r c o m q u e]
se ja r e p a r tid o e m c ir c u ito s h o m o g ê n e o s q u e p o s s a m se r
e x e r c id o s e m to d a p a r te d e m a n e ir a c o n t ín u a e a té o m a is
f in o g r a u d o c o r p o s o c ia l, [d e to r n á -lo ] m a is r e g u la r , m a is
e f ic a z , m a is c o n s ta n te c m a is b e m d e ta lh a d o e m se u s e fe i
tos. (F o u c a u lt, 1 9 9 3 : 75). ■
167
Os infratores, um a vez captados pelas malhas- da lei, se
rão submetidos a um a operação, que antes.de visar corrigi-los,
vai transformá-los em-delinqüentes. Não im porta se o infrator
em questão foi premido pela necessidade,.ou foi flagrado no
seu único crime. A m áquina penitenciária irá tragá-lo por um a
de. suas entradas- possíveis e quando o. devolver, se um dia o
fizer, já será na qualidade de delinqüente. M arcados p a ra sem
pre. pela infamia; afastados do seu meio social, em geral por
muitos anos e irreversivelmente; segregados em meio a crimi
nosos de todos os tipos, com diferentes graus de habitualidade
criminosa; ocupados com um trabalho inútil, que de nada lhes
servirá quando voltarem à liberdade; submetidos a condições
que só estimularão a sua revolta; perseguidos por seu estigma e
por sua folha corrida* recusados no m ercado de trabalho por
seus antecedentes penais e, doravante sob a, vigilância freqüen-
tc da polícia, os condenados à pena de prisão- serão tam bém
condenados à reincidência.
Segundo Foucault:
(O ) a p a r e lh o p e n ite n c iá r io , c o m to d o o p r o g r a m a t e c n o ló
g ic o d e q u e e a c o m p a n h a d o , efetu (a) u m a c u r io sa su b sti
tu ição: d a s m ã o s d a ju s tiç a e3e r e c e b e u m 'c o n d e n a d o ; m a s
aq u ilo, so b re q u e ele d e v e se r a p lic a d o , n a o é a in fr a ç ã o , é
c la r o , n e m m e s m o e x a ta m e n te o in fr a to r, m a s u m o b je to
• u m p o u c o d ife r e n te e d e fin id o p o r v a r iá v e is q u e p e lo m e
n o s n o in íc io n ã o fo r a m le v a d a s c m c o n ta n a s e n te n ç a ,
p o is só era m p e r tin e n te s p a r a u m á te c n o lo g ia c o rr etiv a .
E sse o u tr o p e r s o n a g e m , q u e o a p a r e lh o p e n ite n c iá r io c o lo
c a n o lu g a r d o in f r a t o r c o n d e n a d o , é o d e l in q ü e n t e .
(F o u ca u lt, 1993: 22 3 )
163
O d e lin q ü e n te se d is tin g u e d o in fr a to r p e lo fa to d e n ã o ser
ta n to se u a t o 'q u à iito . s ü a v id a o q u e m a is o c a r a c te r iz a .
(. . :) p ó r 'trás.d o in fr a to r a q u e m o in q u é r ito d o s fa to s p o d e
a tr ib u ir a r e s p o n s a b ilid a d e d e u m d e lito , r e v e la -s e o c a r á
ter d e lin q ü e n te c u ja le n t a fo r m a ç ã o jtr a n s p a r e c e n a in v e s
tig a ç ã o b io g r á fic a . A in tr o d u ç ã o d o ‘b io g r á fic o ’ é im p o r ta n te
n a h istó r ia d a p e n a lid a d e . P o r q u e e la fa z e x is tir o ‘c r im i
n o s o ’ a n te s cio c r im e e, n U m r a c io c fn io -lim ite , fo r a d e s te ” .
(...) “ O d e lin q ü e n te se d is tin g u e ta m b é m d o in fr a to r p e lo
fa to cie n ã o s o m e n t e se r o a u to r d e se u a to (a u to r r e s p o n -
- sá v e l é m fu n ç ã o d e c e r to s c ritér io s d a v o n ta d e liv r e e c o n s
c ie n te ), m a s ta m b é m d e esta r a m a r r a d o a s e u d e lito p o r
u m fe ix e d e fios c o m p le x o s (in stin to s, p u ls õ e s , te n d ê n c ia s ,
te m p e r a m e n to ). (F o u c a u lt, 1 993: 2 2 3 :2 2 4 ) ,
168
.O d e lin q ü e n t e se d istin g u e d o in fr a to r .p elo fato d e n ã o ser
ta n to se u a to q u a n to s.ua v id a o q u e m a is o c a r a c te r iz a .
( . . . ) p o r tr á s d o in fr a to r a q u e m o in q u é r ito d o s fa to s p o d e
a tr ib u ir a r e s p o n s a b ilid a d e d e u m d e lito ,.r e v e la -s c o c a r á
ter d e lin q ü e n te c u ja le n ta f o r m a ç ã o tr á n sp a r e c e n a in v e s
tig a ç ã o b io g r á fic a . A in tr o d u ç ã o d o ‘b io g r á fic o ’ é im p o r ta n te
----------------— n a-h istór-i a -d a _ p e n a lid a d e. F o r q u e c ia fa z e x is tir o ‘c r im i
n o s o ’ a n te s d o c r im e e , n u m r a c io c ín io -lim ite , fo ra d e s t e ”7"
(...) “ O d e lin q ü e n t e se d is tin g u e ta m b é m d o in fr a to r p e lo
fa to d e não' s o m e n t e se r o a u to r d e se u a to (a u to r respon>
s á v e í e m fu n ç ã o d e c e r to s c r ité r io s d a v o n ta d e liv r e e c o n s
c ie n te ), m a s ta m b é m d e esta r a m a r r a d o a se u d e lito p o r
u m -feixe d e fio s c o m p le x o s (in stin to s, p u lsõ e s , te n d ê n c ia s ,
te m p e r a m e n to ). (F o u c a u lt, 1 9 9 3 : 2 2 3 - 2 2 4 )
170
(.ivas a um a lei efetiva, mas das virtualidadcs de com porta
m ento que elas representam (Foucault, 1996: 85).
Por, sua;vez, naturalizada a reincidência, esta servirá:
de justificativa p a ra u m a rápida: m odernização das técni
cas de controle-e repressão utilizadas pelos aparelhos poli
ciais, dando lugar ao aparecim ento de um a ‘polícia cientí
fica’. (...) Porém , os efeitos da m odernização da polícia não
se restringiram apenas ao 'muridó do crim e’; logo se fize
ram sentir p o r todo o tecido social, principalm ente ju nto
às cam adas da população que exigiam rhaiores cuidados
em termos de contenção, vigilância e disciplinarização. (...)
' N o bojo desse processo, apresentando-se inicialm ente como
p anacéia p a ra ò problem a da reincidência crim inal, cons
tituiu-se u m a das mais im portantes técnicas de controle
que hoje nos atinge a todos: a identificação pessoal através
das im pressões digitais (G arrara, 1998: 64).
P a ra 'Foucault, se anteriorm ente julgar era estabelecer a
verdade de um crim e e apontar o seu autor, agora o objetivo é
ju lg ar tam bém as paixões, as vontades e as disposições. Isto
quer dizer que punem -se as agressões, mas por meio delas as
agressividades; os crimes sexuais, mas ào mesmo tem po, as
perversões; os assassinatos mas através deles os impulsos e de
sejos (Foucault, 1993: 21). Im porta agora,.não apenas estabele
cer que lei sanciona esta infração, mas verificar, tam bém , até
que ponto a vontade do réu determ inou o crime, se o infrator
apresenta algum a periculosidade e d e .q u e m aneira ele será
m elhor corrigido. Isso significa que a partir de agora, o juiz já
não julgará sozinho. D e um lado, a m edicina m ental será cha
m ad a ao tribunal p ara decidir sobre a responsabilidade c a
periculosidade do criminoso, avaliando se ele se encontrava em
estado de loucura n a hora. do ato e se ele é acessível à sanção
penal e de outro, um a nova m odalidade rde técnicos avaliará o
efeito da pena sobre o condenado e se ele merece ou não ser
posto em liberdade. P ara responder a esses novos m andatos,
em ergem diversas instituições, laterais à justiça, com as funções
171
de exam e, vigilância e correção. E com elas, aparecera tam
bém os novos atores que doravante se encarregarão de p ro d u
zir diagnósticos e prognósticos acerca do preso e de acom panhar
as transform ações que estão se operando em seu com porta
m ento, tornando possíveis um conhecim ento individualizado
do crim inoso e u m a individualização- dás penas (por^exemplo,
através da abreviação ou o prolongam ento das mesmas) que
funcionarão com o julgam entos adicionais. É quando, segundo
Foucault,
todo aquele ‘arbitrário5 que, no antigo regime penal, per
mitia aos juizes modular a pena e aos príncipes eventual
mente dar fim a ela, todo aquele arbitrário que os códigos
modernos retiraram do poder judiciário, vemo-lo se
reconstituir, progressivamente, do lado do poder que gere
e controla a punição (Foucault, 1993: 219-220).
iNo -iiT»çicKdo '«cciilo^X I^êstáj^é^^^m ^i^^V tíçâplBntre^o £ *.
172
do castigo é decidida.c um certO'saber sobre o criminoso é
produzido, é tam bém o palco onde se definirá, de acordo com
as norm as disciplinares vigentes em cada estabelecimento, que
novas punições se acrescentarão às determ inadas por lei. É
quando a tortura, m uito usada no período feudal p ara fins de
-prova.-será.ressignificada e ga n h a rá novos objetivos. N esse lu
gar que funcionará como um m icrotribunal, os presos serão
observados dia e npite, avaliados, classificados, punidos ou re
com pensados. Segundo Foucault, dessa observação se extrairá
um .saber cujo objetivo não é mais determ inar se algum a cois?.
se passou, ou não, com o fazia o inquérito no período anterior,
mas sim avaliar se um indivíduo se com porta de acordo com a
norm a, se está progredindo ou não, se deve ser punido ou merece
ser recom pensado. T rata-se, pois, de:
■ um novo saber, de tipo totalm ente diferente, um saber de
vigilância,; de exam e, organizado em to rno.da norm a p e lo ..
. controle dos indivíduos ao. longo. de sua existência. Esta é
a base do p oder, a form a.de saber-poder que vai d ar lugar .
não às grandes ciências de observação como no caso do
inquérito, mas ao que cham am os de ciências hum anas:
Psiquiatria, Psicologia, Sociologia etc. (Foucault, 1996: 88).
0 dispositivo da periculosidade
173
grara a igualdade jurídica e a liberdade individual, còmeça' a
p erd e r' espaço para as idéias positivistas. D iferentem ente dos
liberais que'tinham como objeto os delitos, os adeptos da Esco-
]a Positiva de Direito Penal voltarh-se paira o hom em delin
qüente e as características que os distinguem dos demais. Com
esse objetivo tentam individualizar os fatores que condicionam
o comportamento crim inoso e,- apoiados em pressupostos
deterministas e na noção de hereditariedade,'passarri a criticar
a noção de livre arbítrio e a questionar a responsabilidade dos
criminosos. Segundo eles, a liberdade de escolha não podia ser
considerada relevante no julgamento de um ato criminoso, um a
vez que o comportamento hum ano estava predeterm inado por
causas inatas. No entanto, se os criminosos não podiam ser
considerados, sob esse ponto de vista, m oralmente responsá
veis, deviam ser tratados como socialmente responsáveis pelo
perigo que podiam representar. Assim, entendendo que a soci
edade tinha direito de se defender desse perigo e que as leis
não tinham o mesmo efeito cie intimidação sobre os diferentes
homens, os“positivistas, propõem que é preciso criar algum a
sanção para. n e u tra liz a r os delinqüentes natos, reservando as
penas tradicionais aos criminosos ocasionais, susceptíveis de
serem disciplinados e incorporados ao mercado de trabalho.
Na verdade, de acordo com Sérgio Carrara,
(a)través do crime, juristas, criminalistas, criminólogos,
. antropólogos criminais, médico-legistas, psiquiatras, todos
fortemente influenciados p ò r doutrinas positivistas ou
cientificistas, discutiam um a questão política maior: os li
mites ‘reais’ e necessários da liberdade individual, que ex
cessivamente protegida nas sociedades liberais, era apontada
como causa de agitações sociais ou, ao menos, como em
pecilho à sua resolução. (...) Cumpria então reform ar códi
gos e leis para assentar as bases jurídico-políticas de um a
. . ampla reforma institucional que fornecesse ao Estado e às
. suas organizações-os instrumentos necessários para. uma
intervenção social mais incisiva e eficaz (Garrara, 1998: 65).
174
A oportunidade foi dada com o dispositivo cia periculo-
sidade e a incorporação, d as.m edidas de segurança ao rol das
.sanções penais. Desde "o século anterior, à m edida em que a
estrutura jurídico-política da sociedade contratual se génerali-
» « ^ ■ *■^ ■
zava, os mendigos, vagabundos e criminosos vinham sendo cada
vez m ais re p rim id o s . C o m o v im o s a c im a , estes e ra m in d isc ri
m inadam ente captados pelas teias de um a m esm a rede que
cada vez mais se estendia pela sociedade. A p artir do século
X IX , no entanto, essa m alha começa-a se especializar. Pouco a
pouco, repressão e assistência se dissociam, inúm eras prisões
são construídas e.os loucos são internados em locais especiais.
Estes últimos, vistos como incapazes de trabalhar e dc respon
der por seus atos, ao mesmo tem po inocentes e potencialm ente
perigosos, que não transgride(m) a uma lei precisa, mas pode(m) violar
a todas passam a ser tratados como um foco especial de desor
dem. Segundo Castel, por sua singular im unidade às regras do
m undo do trabalho e da lei, era como se ameaçassem a p ró
pria estrutura que presidia a organização da sociedade. Para
a d m in istrá -lo s, p o rta n to , e r a p reciso c o n stru ir-lh e s u m e sta tu to
diferente. N ão podendo gerir seus bens, deviam s e r tutelados,
não sendo passíveis de sanção, deviam ser subm etidos à
internação. C om o m ovim ento alienista com eçam a ser consti
tuídas as bases teóricas que justificarão a seqtiestração dos lou
cos, com base em sua imprevisibilidade, am oralidade e suposta
tendência p ara o crime. Portadores de um a alienação, muitas
vezes só visível aos especialistas, os diagnosticados com o
m onom aníacos passam a ser objetos de suspeição e devem ser
internados p ara evitar que com etam crimes. A loucura é então
crim inalizada e os alienistas passam a ser cham ados aos tribu
nais p ara atuar nos crimcs sem causa racional aparente. Cabe-
lhes nesse m om ento distinguir o louco do criminoso, o respon
sável do irresponsável, os passíveis de punição ou necessitados
de tratam ento (Castel, 1978).
175
C om a crise do liberalismo, cresce a contestação da no
ção de livre arbítrio c a crim inalidade passa a ser considerada
com o u m a realidade ontológica. Os positivistas passam a tra
b a lh a r com a tese da predisposição hereditária p a ra o delito e
os tra ç os reveladores da personalidade criminosa passam a ser
procurados na biografia, no meio social e /o u na constituição-
física do réu. O crim e é visto, como .à m anifestação de um a
degeneração, anorm alidade ou atavismo ou como o sintom a
de um a personalidade perigosa. O hom em criminoso torná-se
objeto de investigação científica e passa a ser visto como um
elem ento negativo e disfuncional ao sistema social, p ortador de
lim a especial tendência ao crime, de quem a sociedade deve
defender-se. Assim,, diferentem ente da Escola Clássica que via
na pena um m eio de defesa co n tra'o crim e atuando com o um
dissuasivo, um a contram otivação à repetição da infração, a pena
p a ra a Escola Positivista tem como função a proteção da soci
edade contra o criminoso. Isso significa que enquanto p a ra a
do u trina anterior, o fim da pen a seria a eliminação do perigo
social qiie adviria da im punidade do delito e a reeducação do
condenado seria um resultado acessório, p ara o Direito Penal
Positivo a p e n a como meio de defesa social, pretende intervir
diretam ente sobre o indivíduo criminoso, reeducando-o, ou pelo
m enos neutralizando-o (Bissoli Filho, 1998).
Em decorrência dessas convicções, os positivistas p ro p u
nham que p a ra orientar a boa aplicação da pena as sanções
deveriam ser individualizadas e um a Inova jnodalidade de téc
nicos devia ser cham ada ao tribunal p a ra exam inar o crim ino
so e avaliá-lo segundo o tipo de crim inalidade apresentada.
D entre os autores que mais se destacaram nesse período, qua
tro m erecem , m enção especial:
O prim eiro foi M orei, que apresenta sua tese sobre a
degeneração em 1857. Segundo o autor, esta condição engen
drava verdadeiros tipos antropológicos desviantes, hereditaria-
m ente destinados a um a vida im oral, à alienação e ao crime.
Conseqüentem ente, um a vez que os degenerados não podiam
escolher não delinqüir e via de regra apresentavam um a ten-'
dência precoce p ara o mal, só podiam ser considerados irres
ponsáveis. Além disso, como essa anorm alidade costum ava se
m anifestar em diversas formas sintomáticas e com diferentes
gfãusTde-gravidaderhave ria"en tre~o~indivídutrno rm al~e“o-d egè-
nerado um continuum de inúm eras possibilidades.10 Todos os
tipos, no entanto, deveriam ser considerados igualmente alie
nados.
S eguindo a d ia n te n o século, aparecem as teses de
Lom broso (1870), que propõe a existência dos criminosos na
tos" e o crime como um fenôm eno atávico. D e form a seme
lhante aos degenerados, este novo tipo tam bém não podia es
colher ser honesto, pois o crime fazia parte da sua natureza e
era o resultado de sua inferioridade biológica. Além da nature
za crim inosa, esses.- hom ens tinham como característica um a
série de sinais e atributos que os identificavam. Destacavam-se
pela ausência de pelos, os braços excessivamente compridos, os
m axilares superdesenvolvidos, a vaidade, a . imprevidência, a
instabilidade emocional, a im prudência, a.impulsividade, a pre
guiça, o caráter vingativo, a crueldade, a tendência para a obsce
nidade, p a ra o jogo, p a ra a bebida e p ara o crime, a homosse
xualidade, a insensibilidade à dor, o gosto pelas gírias e tatuagens,
entre outros. Além disso, como eram incapazes de sentir re
morso ou culpa, entre eles a reincidência era a regra.
'’ Segundo D elgado esse còiVceito aparece peia prim eira ve 2 em Feuerbach,
.no ano dc 1799/referindo-sè a “quáíidadc de um a pessoa que faz presum ir
fundadam ente que violará o D ireito” (D elgado, 1992: 94).
a pçrvçrsidadc constante e ativa do delinqüente c a q uan
tidade de m al previsto que se deve tem er p o r parte do
m esm o' (Gárófaio apud M ecler, 1996:26).
Chegam os então em Ferri, o mais im portante represen
tante da Escola Positiva, que atribuindo às diferentes classes
sociais um a natureza específica e tratando as desigualdades
sociais de form a espantosam ente preconceituosa divide as ca
m adas sociais em três categorias:
a classe m oralm ente mais elevada que não com ete delitos
p orque é honesta p o r sua constituição orgânica, pelo efeito
do senso m oral (...) (pelo) hábito adquirido e hereditaria-
m ente transm itido (...) m antido pelás condições favoráveis
de existência social (...) O u tra classe mais baixa (que) é
com posta de indivíduos refratários á todo sentim ento de
honestidade, porque privados de toda educação c im preg
nados (...) da miséria m aterial c m oral.(...) (que) herdam dc
seus antepassados (...) A terceira classe (dos que) não nas
ceram p a ra o delito, m as não são com pletam ente honestos
(Ferri íí/>«í/ R auter, 1982: 29)..
. .. Seguindo os passos dos seus antecessores, Ferri tam bém
p ro cu ra as razões do crim e nos homens, afirm a a anorm alida
de dos delinqüentes e abraçando a causa da defesa social avan
ça na proposta de individualização e indeterm inação das sanções
e insiste no estudo da personalidade do criminoso p a ra a ava
liação de sua periculosidade. Para o autor, som ente a adapta
ção das sanções à natureza e à periculosidade do delinqüente
pode fornecer à sociedade a arm a necessária ao sucesso da luta
c o n tra o crime. Segundo suas próprias palavras:
n a justiça p en al trata-se de ver não se o delinqüente ofen
deu ou não ‘um direito5 ou antes 'um bem ju ríd ico ’ e trans
grediu ou não ‘a proibição’ ou antes ‘a norm a p en a l’, mas
de p ro c u ra r com o e em virtude de que ele com eteu essa
ação crim inosa e qual a periculosidade que revelou ém tal
• ação c quais as probabilidades que apresenta de voltar,
depois da condenação, a u m a vida regular e p o r isso qual
179
sanção repressiva que lhe ó mais conform e, não ‘ao crim e’
p o r ele levado a efeito, mas- à sua ‘personalidade de delin
q ü en te’ pelo crime praticado.
180
Pouco a pouco, a idéia da periculosidade vai concernindo
a todos os criminosos e delinqüentes potenciais, de tal m aneira
que j á nao é necessário com eter um delito para ser considera
do perigoso. J á qúe agora o verdadeiro fim do direito penal é
a defesa social, é possível justificar a intervenção no seio das
■_clásses_perigosas“sem -esperar_pelo_delito~('Bissoli~Fillio7~l'996':'
, 136-137).
Crim inalizando a loucura e patologizando o crime, em
pouco tem po este sistema elimina toda a distinção entre penas
e m edidas de segurança e propõe unificá-las por meio das san
ções por tempo indeterm inado. Segundo Rauter, neste momento
de im plantação da criminologia, não era tanto a recuperação
do crim inoso que im portava, m as a necessidade de defender a
sociedade desses degenerados morais. As sanções passam então
a atuar como um a espécie de seleção artificial, eliminando os
degenerados, os atávicos, que a sèleção natural deixou escapar
(Rauter, 1982: 30).
Q uando, enfim, as idéias positivistas começam a ser com
batidas, surge a concepção dualista do Direito Penal (ou siste
m a do duplo-binário), que, mais dura ainda que a anterior,
fará coexistir, durante algum tem po, os dois tipos de resposta
penal: a pena como retribuição ao crim e.e a m edida de segu
rança a ser acrescentada à prim eira nos casos considerados peri
gosos.13 P o r fim, novas m udanças são introduzidas e o-sistema
conhecido como duplo-binário é substituído pelo vicariante. Com
isso, penas e m edidas de segurança passam a ser consideradas
sanções de natureza diversa, aplicadas p ara situações diversas:
as prim eiras p a ra os im putáveis e as; segundas reservadas ape
nas p a ra òs inimputáveis.
l-J Este sistema foi adotado pelo Código Penal italiano de 1930 e inspirou
diversas outras legislações penais. No nosso país, foi adotado cm 1940, até a
reforma de 1984.
181
1 A s id é ia s p o s itiv is ta s v a o entao peirdendo espaço, as pe
nas m antêm seu caráter de sanção retributiva, com tem po p re
estabelecido e calculado de acordo com a gravidade do crime,
e o universo de pessoas passíveis de receberem sanções por tempo
indeterminado reduz-se até se lim itar aos loucos infratores. Mas,
apesar de ter caído em descrédito, a Escola Positiva de Direito
Penal deixará entre, nós várias heranças: continuarão a fazer
p>artc de nossas legislações o princípio de individualização das
penas; os exames que visarão o estudo da personalidade e his-
, tória, de vida dos condenados c que avaliarão a probabilidade
de estes virem a reincidir rio delito (exame que será conhecido
como criminológico); o conceito de periculosidade e as m edi
das de segurança por tem po indeterm inado. Além disso, como
. legado dessa escola se m a n te rá a tra d iç ã o , in te ira m e n te
. maniqueísta, de perceber os que delinqüem como um outro pe
rigoso, pernicioso à sociedade, desum ano, verdadeiro m onstro
e por isso incapaz de viver entre os hom ens de bem.. Dessa
m aneira, será sempre possível justificar para' eles os tratam en
tos mais cruéis e ainda garantir a aprovação da o p in i ã o p ú b li
c a . Afinal, como n o s d iz Chomsky, “quando você oprime alguém
precisa alegar alguma coisa. A justificativa acaba sendo o nível
de depravação e vicio m oral do oprim ido (...). Exam ine a con
quista britânica da Irlanda, a p rim eira das conquistas coloniais
ocidentais. Ela foi descrita nos m esm os term os que a conquista
da África. Os irlandeses eram um a raça diferente, não eram
hum anos, não eram como nós. Eles tinham que ser esmagados
e destruídos5’ (Chomsky, apud C oim bra, 2001: 63). É o que
132
temos visto, contem poraneam ente, nas doutrinas de segurança
nacional das ditaduras,.militares latino-am ericanas, nas políti
cas transnacionais de com bate às drogas é na guerra ao ter-
.rorismo.
184
engordando as estatísticas penitenciárias.'G Adaptando-se ao
receituário neoliberal, as políticas de segurança latino-amcrica-
.nas m igram da ideologia de segurança nacional p ara a ideolo
gia da segurança urbana e elegem um .novo inimigo comum,
agora proveniente das cam adas mais pauperizadas da socieda-
de7~N essenovocontexto3 asdrogas-seeonvertem -na-m aÍ5re--
cente justificativa p ara se crim inalizar os pobres e jovens e
alim entam as novas, cam panhas de alarmismo social (Batista,
1997; B aratta, 1998).
P ara esta nova ordem , se revela, m uito mais funcional
alim entar o m edo e o conflito, quebrando todas as antigas for
mas de sociabilidade e solidariedade. Se como nos diz Bauman,
em breve 20% da força de trabalho será suficiente p ara mover
a econom ia, o que fazer com os outros 80% da faixa vulnerá
vel ou excluída, que j á não têm mais utilidade? É preciso gerar
novos m ecanism os reguladores da insatisfação da sociedade,
novos in stru m en to s;de controle social, sendo, ós principais o
encarceram ento maciço, e a m anipulação da insegurança e do
m edo (Baum an, 2000). N ão é à toa que em nossas sociedades
volta a crescer tanto o aparelho penal e buscam-se novas opor
tunidades p a ra a reedição de legislações penais voltadas p ara a
defesa da segurança nacional.17 Com o nos diz Zaífaroni, “o
im portante é ter um pretexto p a ra tornar mais repressivo o
controle social punitivo” (Zaífaroni, 1997: 33-34).
185
núm ero um a figura do subversivo. As polícias são militarizadas
e aparelhadas para o combate a um inimigo interno e a tortu
ra, que nunca deixara de ser utilizada contra as parcelas
desfavorecidas da sociedade, é institucionalizada e passa a ser
ensinada nos quartéis e a ser instrum entalizada p ara o controle
da subversão. As legislações são reformuladas à luz da nova
doutrina e as penas de morte e de banim ento voltam a fazer
parte dos Códigos Penais.15
Mais recentem ente, já com as reformas neoliberais, o
capitalismo ganha novo impulso e passa a dispensar os ditado
res de plantão. As novas regras da economia aum entam as ta
xas dc desemprego e emprego precário, tornando sem efeito as
antigas estratégias de luta dos trabalhadores c lançando em
situação dc total vulnerabilidade um contingente antes inim a
ginável de pessoas. Não tendo mais como reintegrá-los ao
m ercado formal de trabalho os Estados neoliberais inventam
outra função para as prisões. Segundo Bauman,
. nessas condições, o confinam ento não é nem escola p a ra o
emprego riem um método alternativo compulsório de au
m entar as fileiras da m ã o -d e -o b r a p rod u tiva q u a n d o fa
lham os m étodos ‘voluntários’ comuns e preferidos para
levar à órbita industrial aquelas categorias particularm ente
rebeldes e relutantes de ‘hom ens livres’. Nas atuais circuns
tâncias, o confinamento é antes um a alternativa ao em pre
go, um a m aneira de utilizar ou neutralizar um a parcela
considerável da população que não é necessária à produ
ção e para a qual não há trabalho 'ao quai se reintegrar’
(Bauman, 1998,119-120).
15 A esse respeito ver Arquidiocese de São Paulo, Brasil: nunca mais. Petrópolis,
RJ: VpzeSj 1985 e Clínica e Política: subjetividade, e violação dos direitos humanos.
organizado por Cristina Rauter, Eduardo Passos e Regina B enevides, Rio
de Janeiro, T e Corá, 2002.
184
engordando as estatísticas penitenciárias.Ib- A daptando-se ao
receituário neoliberal, as políticas de segurança latino-am erica
nas m igram da ideologia de segurança nacional p ara a ideolo
gia da segurança u rb an a e elegem um' novo inimigo comum,
agora proveniente das cam adas mais páuperizadas da socieda
de. Nesse novo contexto, as drogas se'-convertem na mais re
cente justificativa piara se crim inalizar os pobres e jovens e
alim entam as novas cam panhas de alarmismo social (Batista,
1997; B aratta, 1998).
P ara esta. nova ordem , se revela muito mais funcional
alim entar o m edo e o conflito, quebrando todas as antigas for
mas de sociabilidade e solidariedade. Se como nos diz Baum an,
em bre.ve 20% da força de trabalho será suficiente p ara m over
a econom ia, o que fazer com os outros 80% da faixa vulnerá
vel ou excluída, que já não têm mais utilidade? E preciso gerar
novos m ecanismos reguladores da insatisfação da sociedade,
novos instrum entos de controle social, sendo os principais o
encarceram ento maciço, e a m anipulação da insegurança e do
m edo (Bauman, 2000). N ão é à toa que em nossas sociedades
volta a crescer tánto o aparelho penal e buscam-se novas opor
tunidades p ara a reedição de legislações penais voltadas para a
defesa da segurança nacional.17 Com o nos diz Zaffaroni, “o
im portante é ter um pretexto p ara tom ar mais repressivo o
controle social punitivo” (Zaffaroni, 1997: 33-34).
185
M ovidas por esses novos desígnios, as políticas de segu
ran ç a pública intensificam o controle, encarceram ento e até
exterm ínio das classes vistas como perigosas, atingindo icspecial-
m ente os pobres,'jovens e negros, m oradores das áreas pobres.
PãraTsociedades-excludentes-e-elitistas.-onde^segurança públi-
ca não significa segurança e bem -estar do público mas, ao con
trário, expressa a m anutenção de um a ordem desigual e injusta”,
um a polícia violenta e co rrupta é absolutam ente funcional
(Dornelles, 1997).lKAssim, favelas eibairros popularesjsão inva
didos a qualquer hora e sob qualquer pretexto por um a polícia
que extorque, forja flagrantes, tortura ou m ata e é neste con
texto que vai sendo construído o im aginário social que perm ite
que grande parte de nossa população seja percebida como
perigosa e p o r essa razão não sejaivista como benefitiária dos
direitos mais essenciais. Identificá-los, pois, como m onstros in
desejáveis, faz parte desse grande em preendim ento de reenge-
nharia social.
T endo em vista as novas subjetividades que se querem
produzir, a gestão m idiática do médo e da indiferença cum pre
um papel fundam ental. A violência é oferecida como espetácu
lo diário aos consum idores em busca de entretenim ento e
adrenalina e a exposição repetida la cenas de violência prom o
vem ao m esm o tem po o terro r :e a banalização. iPara isso,
espetaculariza-se e cria-se um am biente de pânico è comoção
social generalizados por urri lado, òu banaliza-se e justifica-se a
violência p o r outro. O objetivo ésa aprovação da opinião pú
blica a um tratam ento m aniqueísta da violência de acordo com
a classe social da vítima ou a posição social do perpetrador.
Segundo Dornelles, utilizando-se do m edo e da insegurança
1(1 N esse novo quadro, a própria, violência passa a ser estratégica, justificando
a m ilitarização dá segurança pública, a; tolerância com as práticas ilegais c
violentas da polícia e com a ação d o s gru pos de exterm ínio, a legalização da
p en a de m orte, a redução da idade passível de responsabilização penal etc.
como operador acirra-se a divisão entre a ‘cidade legal’, bem
cuidada, ordeira e: civilizada onde viyem as pessoas de bem,
cum pridoras de seus deveres, e a ‘cidade ilegal’, da sujeira,
desordem -e da barbárie, onde se ‘escondem 5 os criminosos.
Jdentificam-se os bairros populares e as favelas com o quartel
general do crime e passa-se a temer- a rua e a ver em todo
desconhecido —especialmente se ele for jovem , pobre e negro
- um a am eaça. Desenha-se um a situação absolutamente con
flagrada, onde os habitantes da cidade ilegal am eaçam os di
reitos e a vida dos habitantes da cidade legal. Através da lógica
da guerra, os excessos são considerados inevitáveis, e ficam jus
tificados os cercos das favelas, as detehções a execução de pes
soas em a titu d e suspeita e a to rtu ra p a ra ob ten ção das
informações (Dornelles, 1997: 114-1T8).
É quando os discursos periculósistas nascidos no século
anterior tornam -se insuficientes. Pará'sustentar as políticas de
encarceram ento em massa que se disseminarão pelo m undo
afora será preciso ;adaptar a noção de periculosidade às novas
estratégias de controle social, que agem mais difusamente. Será
então, form ulado o conceito de risco social, que perm itirá um a
significativa ampliação na escala da .intervenção das medidas
preventivistas. Segundo Pegoraro, a
gestión dei riesgo im plica la ppsibilidad de m ultiplicar las
intervenciones, abarcan d o as.í ya no la ‘peligrosidad1
siem pre en carn ad a en algum individuo - sino factores,
ambientes, situaciones, que se convierten eh blanco de tales
intervenciones ya sea preventivas o represivas (Pegoraro,
1999: 227).
O u, com o nos diz Sotomayor, . .
dado el viraje que se está desarrollando en las sociedades
tardo-capitalistas el control social no se dirige ahora sobre
el suje to-individualm ente considerado, sino sobre grupos
enteros, poblaciones y am bientes, y la peligrosidad va
d ejan d o de ser, en general,; u na noción referida a un
187
-.indivíduo en particular para serio rcspecto dc determ ina
das ‘situaciones o grupos de riesgo’ (Sotomayor, 1996: 145).
1:1 Estas teorias, que felizmente não chegaram a ser coíocadas em prática em
nosso pais, pregavam a eliminação dos infra-homens que a seleção natural
’ deixou escapar.
povo e questionando a noção de livre-arbítrio, define os graus
de irresponsabilidade social de acordo com parâm etros de raça,
idade, sexo e cultura. C oerentem ente cóm os ideais positivistas
verde-amarelos ele afirm a que “a igualdade política não pode
com pensar a desigualdade m oral e física” e pergunta:
Pode-sc exigir que todas estas raças distintas respondam
p or seus atos p erante a lei com igual plenitude de respon
sabilidade penal? (...) P orventura pode-se conceber que a
consciência do direito e do dever que têm essas raças infe
riores, seja a m esm a que possui a raça branca civilizada?
(...) A escala vai aqui do produto inteiram ente inaprovcitávcl
e degenerado, ao produto válido e capaz de superior m a
nifestação de atividade m ental (Corrêa, 2001: 141).
189
tendências, pudessem ser considerados como pré-delinqüen-
tes2' (G orrêa, 2001: 1B7).j .
Estas idéias que se colocavam contra os ideais liberais
pressionavam 'a favor de legislações que incorporassem as m e
didas preventivistas. Assim7~So~mesmo_ternpo~em-que—tardia—
m ente, os nossos prim eiros códigos penais introduziam os
princípios liberais, eram introduzidos também os primeiros traços
dos.ideais positivistas. P ara o Código Republicano de 1890,
que antecedeu, a m aior parte dessas discussões, não eram con
siderados criminosos os indivíduos isentos de culpabilidade em
virtude de qffecção mental, como tam bém estavam livres de pena
os m enores de 9 anos, os maiores de 9 e m enores de 14 que
não tinham discernim ento, os portadores de imbecilidade nata,
enfraquecim ento senil e os surdo-m udo s.22 Em compensação,
p ara os m aiores de 9 e m enores de 14 que houvessem obrado
com discernimento, a legislação previa o recolhim ento em estabe
lecim entos disciplinares industriais; p ara os vadios e capoeiras
reincidentes, a internação em colônias penais; p ara os toxicô
m anos, a internação curativa e' p ara os ébrios habituais que
fossem nocivos ou perigosos a si, próprios, a outrem ou à ordem pú
blica, a internação em estabelecimento correcional (Ribeiro, 1998:
12-13). ;
M as é no Código Penal ide 194-0, inspirado no Código
Italiano de 1930, que verdadeiram ente se pode ver a força da
influência positivista. N a exposição de M otivos1do M inistro
C am pos, lê-se o seguinte: '
190
i ': 5. É notório que as m edidas'puram ente repressivas c pro
% ■ pr i amént e penais se revelaram insuficientes n a luta contra 5 ^
í a crim inalidade, em particular contra as suas formas habi-
tuais (rio sentido de reincidentes). Ao lado disto existe a
■vT’ crim inalidade dos' doentes m entais perigosos. Estes, isentos
" de“pena—não-eram -subm etidos-a-nenhum a-m cdida-dc-se______,
•i' ■ gurança ou de custódia, senão nos casos de im ediata peri* ; ®
culosidade. Para corrigir a anom alia, foram instituídas, ao i
lado das penas que têm finalidade repressiva e intim idante, j
í|? as medidas de segurança. Estas, em bora aplicáveis em re- j
gra post delictum, são essencialmente preventivas, destinadas ^
à segregação, vigilância, reeducação e tratam ento dos in-
divíduòs perigosos, ainda que m oralm ente irresponsáveis
(Oliveira, 1987: 7). ^
Este Código, que já incorporará o Princípio de Indivi- ^
dualização das Penas e o sistema do duplo binário, introduzirá ^
tam bém o critério da periculosidade para a aplicação da pena,
consagrará o dispositivo da m edida de segurança a ser cumpri- ^
do em estabelecimento especial e oferecerá aos Juizes a liber
dade de escolher entre os diversos tipos de sanção23 ou de aplicar
ÏI
cum ulativam ente sanções de espécies diversas. Por outro lado,
I como o seu modelo europeu ^
(e)ntre o mínimo e o máximo, ele (o Juiz) graduará a ®
quantidade de pena de acordo com a personalidade e os
antecedentes do criminoso, os motivos determinantes, as ^
circunstâncias e as conseqüências do crime. Em suma, indi-
vidualizará a pena, adotando a quantidade que lhe pareça 0
mais adequada ao caso concreto (Oliveira, 1987: 7). £
P ara efeitos de individualização, o Código de 1940 dis- ^
tingue os prim ários e os reincidentes, as circunstâncias agra- ^
___________________ _ • -
23
As sanções estabelecidas por esse novo C ódigo são: reclusão, detenção,
m ulta, perda de função pública, interdições de direitos, publicação de sen- ^
tença e m edidas de segurança. !
i • '
rs;
2
v a n te s e a te n u a n t e s e introduz um a aplicação subjetivista da
pena. Assim,, é estabelecido que:
24. O Ju iz , ao fixar a p en a , n âo deve te r cm c o n ta so m e n
te o fato crim inoso, nas suas circunstâncias objetivas e c o n
seqüências, m as ta m b ém o delin q ü en te, a su a personalidade,
seus antecedentes, a in ten sid ad e do dolo o u g rau de cu lpa
e os m otivos d eterm in a n tes (art. 42). O ré u te rá dc ser
apreciado através de todos os fatores endógenos e exógenos,
de sua individualidade m o ral (...) c da su a m a io r ou m e n o r
desaten ção à disciplina social. Ao Ju iz in c u m b irá investi
g a r,'ta n to quanto-possível, os elem entos q u e p o ssam c o n
trib u ir p a ra o exato co n h ecim en to do c a rá te r ou índole do
réu - o que im p o rta dizer que serão pesq u isad o s o seu
curriculum vitae, as suas condições de vida in d iv id u al, fam ili
a r e social, a sua c o n d u ta co n te m p o râ n e a ou su b seq ü en te
ao crim e, a sua m a io r ou m e n o r pcriculosidade (p ro b ab ilid a
de de vir ou to rn a r o agen te a p raticar fato prev isto co m o
crim e). Esta, em certos casos, é p resu m id a p ela lei,24 p a r a
o efeito d a aplicação o b rig ató ria d a m e d id a de seg u ran ça;
m a s'fo ra desses-casos, fica ao p ru d en te arb ítrio do J u iz o
• seu reconhecim ento, (art. 77) '
Im portante para a aplicação deste instrum ento legal é a
avaliação da responsabilidade penal que deverá ser feita m edi
ante pericia médica. A dotando o sistema biopsicológico de
a v a lia ç ã o o Gódigo estabelecerá, que de acordo com o seu
artigo 22:
18. Ê isento de p e n a o agen te que, p o r d o e n ç a m en tal, ou
desenvolvim ento m e n ta l incom pleto ou re ta rd a d o , era, ao
tem p o d a ação ou d a om issão, in teiram en te in c a p a z de
24 Para os efeitos dessa lei são considerados presum idam ente perigosos: os
inim putáveis e sem i-im putáveis que nos termos do artigo 22 são isentos de
pena; os ébrios habituais condenados por crime com etido em estado dc
embriaguez; os reincidentes em crim e doloso e os condenados por crim e
com etido através dc associação, bando ou quadrilha de m alfeitores.
192
e n te n d e r o c a rá te r crim inoso do fato, ou de d eterm in ar-se
d e 'a c o rd o co m esse en ten d im en to (O liveira, 1987: 15).
193
im putáveis passa a ser aplicada a pena ou a m edida de segu
rança, de acordo com a necessidade de cada caso. Q uanto às
m edidas de segurança p a ra os portadores de transtornos m en
tais, praticam ente não há nenhum a diferença. Apesar de o Có-
di"go"ter excluído_a'periculosidade presumida-o-conceito-continua-
a ser aplicado aos inim putáveis. Isso significa que osexam es de
verificação de cessação de pericujosidade deixam de ser aplica
dos aos im putáveis, mas são substituídos pelos exames crimino-
lógicos, que vão ser usados para instruir os pedidos de livramento
condicional e progressão de regime, devendo inform ar se o
interno está em condições de receber o beneficio pleiteado.25
C om a Lei de Execução Ifenal, são estabelecidas as no
vas condições q u e devem ser garantidas aos presçjs e interna
dos p a ra o cum prim ento de suas sanções. Estes passam a ter
direito à assistência m aterial, à| saúde, jurídica, educacional,
social e religiosa. Curiosam ente}não há m enção à assistência
psicológica. P a ra orientar a individualização da execução pe
nal devem ser •classificados, segundo os seus antecedentes e
personalidade. Esta classificação! será feita por Comissão T éc
nica de Classificação (CTC), presidida pelo D iretor e com pos
ta, no m ínim o p o r dois chefes de serviço, um psiquiatra, um
psicólogo e um assistente social. Esta Comissão tem como atri
buições estudar e propor m edidas que aprim orem a execução
penal, aco m p an h ar a execução ;das penas, elaborar o progra
m a individualizador, ap u rar as infrações disciplinares e avaliar
as condições dos presos com direito a livramentoi condicional
ou progressão de regime. O s condenados à pena iprivativa de
liberdade estão p o r sua vez obrijgados ao trabalho, com finali-
194
dade produtiva e educativa, e sob rem uneração. Além disso,
tem o direito de descontar um dia de prisão para cada três dias
trabalhados. Devem tam bém se subm eter à disciplina estabele
cida e no caso de infringir as regras são sujeitos a sanções dis
ciplinares. Isto é o que determ ina a lei brasileira.
Prisões e violência
,JR D e acord o com o censo de 1995, tínham os 9 5 ,4 presos para cem mil ha
bitantes. H oje e ssa !cifra j á subiu para 146^5 cm cem mil.
195
•vezes que e s ta 6 deixada intencionalm ente ao sol p ara que es
trague. O fornecimento de água é precário, as caixas de água
nunca são lavadas c na falta de água corrente, os presos fre
qüentem ente arm azenam água p ara o banho e preparo de
pequenas refeições em latões enferrujados e imundos. Apesar
de viverem em condições absolutamente insalubres, a assistên
cia m édica oferecida aos pres.os geralm ente é p re c á ria ,27
obstruída ou até cobrada por a travessado res e com exceção do
Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro não conta com a co
bertura do SUS. São poucas as unidades penais que oferecem
oportunidade de estudo ou trabalho para os presos, as punições
'por infração disciplinar são m anejadas sádica e arbitrariam en
te e a tortura individual ou coletiva é cometida im punem ente.
Em nome. da segurança da unidade, freqüentem ente os presos
têm os seus objetos pessoais examinados e destruídos, e seus
familiares, que segundo a lei não podem ser atingidos pela pena,
são freqüentem ente tratados com desrespeito e obrigados a
submeter-se a revistas corporais-15 (Kolker, 2002: 89-97).
Aqui, como na m aioria dos países, vêm aum entando
m u it o os ín d ic e s de e n c a r c e r a m e n t o , a m a io r ia dos d e lito s en
volve o porte ou o tráfico de drogas e a idade dos presos dimi
nui cada vez mais. As cam panhas pela lei e pela ordem exigem
cada vez mais rigor (sob suas formas legais ou ilegais) no trato
196
com os bandidos c estes respondem com cada vez mais ousa
dia e violência, inclusive, freqüentem ente executando ou tortu
rando suas vítimas. A-criatura foge, enfim, ao controle do criador
e o pânico, tornado real, tom a conta das cidades.29'
197
to, um a das atribuições das G T C s é estudar.e p ropor jmedidas
que ap rim orem a execução penal.j Além disso, com o vimos
acim a, sequer está previsto na Lei de Execução Penal a assis
tência psicológica 'aos reclusos. Por! outro lado, os psicólogos,
assim^como_os_dernais técnicos que trabalham nessas institui-
çÕes, dificilmente têm contacto com o funcionam ento interno
das prisões. Estes, geralm ente por problem as de segurança, ou
p o r falta de tem po, m as m uitas ;vezes por desinform ação ou
desinteresse, não costum am , ter. acesso às galerias - desconhe
cendo e /o u silenciando acerca dos reais problem as dós estabe
lecim entos onde' trabalham , inclusive no que diz respeito às
costum eiras sessões de tortura (Kolker, 2002). T odas essas ques
tões, no entanto, estão ainda à espera de um a discussão mais
profunda, tanto no próprio sistema jpenal, como nos sindicatos
e conselhos profissionais. ;
Falem os pois dos exames. Com o bem o diz R auter, em
artigo fundam ental p a ra os que trabalham no sistema penal, a
p a rtir de 1984, cpm a consagração dó princípio de individua
lização das penas, “am pliam as oportunidades em que um con
denado será tornado alvo de um a avaliação técnica” e crescem
em im p o rtân cia “os procedim entos que visam diagnosticar,
analisar oü estudar a personalidade e a história dei vida dos
condenados”, com “o objetivo de adequar o tratam ento peni
tenciário às características e necessidades de cada preso” ou de
“prever futuros com portam entos delinqüenciais” (Rauter, 1989:
9). Assim, ainda que o propalado tratam ento penitenciário nunca
ten h a chegado a existir em nosso país e que pelo contrário, as
penas de reclusão tenham cada vez mais perdido o caráter de
correção ou tratàm entó, p a ra se converter em m eros instru
m entos de neutralização e eliminação das classes perigosas, cada
vez mais, desde que ingressar no sistema penitenciário, o des
tino dos presos estará subordinado aos pareceres técnicos que
sobre eles forem ' emitidos. Isso significa que ao ingressar na
prisão os apenados deverão ser submetidos a um a longa avalia-
198
ção, quando serão colhidos seus antecedentes pessoais c fami- •
liarès, seu grau de escolarização e profissionalização, suas h a
bilidades e interesses, seus antecedentes penais e a história de
■seu delito, e a cada m udança de regime ou pedido de livra-
'm ento“ cõndicional_deverão_ser-apuradas“as_m udanças-opera“
das em seu com portam ento e se as condições do apenado fazem
supor que ainda estão presentes as razões que o levaram a
delinqüir. Com o nos aponta R auter, a, qualquer m om ento um
laudo desfavorável do condenado poderá significar o prolonga
m ento da sua reclusão, a pretexto de.se continuar um trata
m ento sabidam ente inexistente, mas, ainda assim, como se
acreditassem n a eficácia da prisão como instrum ento de trata
m ento do preso, os psicólogos devem ;buscar na avaliação do
com portam ento do interno a resposta p ara as suas clássicas
perguntas. .
Buscando identificar os pressupostos em que se baseavam
os antigos Exam es de Verificação de Cessação de Periculosida-
de (EVCP),31 Cristina R au ter concluiu que um determinismo
cego, m ecânico e simplista os caracterizavam . Assim, fatores
como a m orte precoce da mãe, o abandono do pai, a separação
litigiosa dos dois, mães que trabalham fora e deixam os filhos
com os vizinhos, privações financeiras, casos de alcoolismo,
dependência de drogas, ou de antecedentes penais na família,
abandono precoce da escola, falta de profissionalização e pas
sagem na infancia p o r instituição correcional, vistos em con
ju n to ou isoladam ente, sem pre derivavam na conclusão de que
o resultado óbvio seria a prática de crime e, enfim, a reclusão.
Segundo as palavras da p rópria autora:
O processo de reconstituição d a histó ria do co n d e n ad o nos
EVCP, p o d e ria ser descrito co m o u m a m ira d a em direção
ao p assad o do indiv íd u o , b u scan d o a -confirm ação de que
199
realm ente existiram aco n tecim en to s em su a v id a q u e p o r
sua p ró p ria n a tu re z a são geradores de crim e. G ircula-se
tautologicam ente sobre este tipo de raciocínio: se te n h o
dian te de m im alguém q ue está preso e c o n d e n a d o , este
alguém só p o d e ser crim inoso e com o crim in o so só p o d e
ter história de crim inoso. Este passado, a ele se tem acesso
pela fala do preso, m as esta n ão é, p o r certo, u m a via to
talm ente confiável: acred ita-se ce rtam e n te q u e ele p ro c u
ra rá en g an ar, falsear â ‘v e rd a d e ’. L ança-se m ã o dos autos
do processo-crim e.. d a ficha de co m p o rta m e n to ca rcerário
etc. C o m base nestes d ad o s considerados in q u estio n áv eis,32
chega-se ao q u è se desejava: vidas p o n tilh ad a s de indícios
. que só p o d eria m levar ao crim e (R auter, 1989: 13).
200
Na impossibilidade de concluir..
m o n u m a prisão. ■
JurancUr Freire
antigo m as ainda
texto, j á nos alertava que é impossível prever o com portam en
to hum ano como quem prevê a dilatação do m etal pelo calor.
É impossível controlar a imprevisibilidade dos hom ens. P ara
ele, qualquer tentativa neste sentido só pode estar a serviço de
um a m ascarada cum plicidade com as razões de estado. E ava
liar um a pessoa segundo seu grau de adaptação às norm as so
ciais não pode ser considerado outra coisa (Freire, 1989). Isso
significa que o m andato dos técnicos da á re a p s i que.trabalham
em prisões,* e dentre eles o dos psicólogos, precisa ser urgente-
m ente repensado. Se vimos acim a que as prisões,produzem
efeitos de subjetivação, que o sistema penal ao configurar a
delinqüência contribui p a ra a produção e reprodução dos de
linqüentes, o que podem os fazer p ara trabalhar pela descons-
trução-dessas-carreir-as—par-a-a4produção-de~desvios_nessa___
trajetória que se quer preconizar como irreversível? Gomo uti
lizar nossas' .competências não pai-a reafirm ar destinos, e sim
p a ra ajudar a desviar o desvio p a ra outras direções mais criati
vas e a favor da vida? 1
P ara ajudar a esquentar essa.discussão, deixo tam bém
algum as palavras de G uattari j á tão repetidas por seus leitores,
m as tão vivas ainda...
d ev e m o s in te rp e la r to d o s laqueies que o c u p a m u m a p o si
ção d e ensin o nas ciências sociais e psicológicas, ou no
ca m p o do tra b a lh o social {- todos aqueles, enfim cuja p r o
fissão consiste em sc in te ressa r p elo discurso do o u tro . Eles
se e n c o n tra m n u m a e n c ru z ilh a d a p o lítica e m icro p o lítica
fu n d a m e n ta l. O u v ão faz er o jo g o dessa re p ro d u ç ã o de
m od elo s qu e n ã o n o s p e rm ite m criar saídas p a r a os p r o
cessos de sin g u larização , o u , ao co n trá rio , vão es ta r tr a b a
lh a n d o p a r a o fu n c io n a m e n to desses processos n a m e d id a
de suas p ossibilidad es e dps ag e n ciam en to s q ue consigam
p ô r p a r a fu n c io n a r (G u a tta ri, 1986: 29).
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204
(Des)consfruindo a 'menoridade': uma análise
crítica sobre o papel da Psicologia na produção
da categoria "menor".
Érika Piedade da Silva Santos
205
As prim eiras m enções à expressão “m enor” articulam-se
às leis crim inais do Brasil Im pério, e definem as penas a serem
aplicadas no caso de com etim ento ide crimes “por m enores de
idade” . Assimilada a partir do universo jurídico, a expressão
foi absorvida no discurso so a ã l_ã ^ fin a l_d'o~secuTo~XTX~para
designar as crianças nascidas das cam adas mais baixas da pirâ
m ide social. Nesse trajeto, do jurídico ao social, a .bxpressão
assum e conotação de controle político, pois ao segm entar cer
tos setores sociais, criam-se categorias de crianças consideradas
“suspeitas” e potencialm ente “perigosas”.' D urante todo o sé
culo X X , a expressão “m enor” preencheu a necessidade de di
ferenciar entre os bem-nascidos e os potencialroente perigosos
p a ra a sociedade, introduzindo um traço diferencial que, num
trajeto que vai do social ao jurídico, culm inou com a: form ação
de subjc.tividades. Em tais modelos, distinguiam -se as “crian
ças” dos “m enores em situação irregular”, a estes creditando
riscos sociais de ru p tu ra da ordem .
P ara com preender m elhor èsse panoram a, convém co
nhecer a intrincada e complexa tram a da tutela estatal sobre as
crianças e os jovens brasileiros que se form ou a partir do sécu
lo X IX . ;
! '
206
•Tais preocupações,'européias na origem, são trazidas ao
Brasil em 1808, com a vinda da Família Real. D a Europa, são-
nos trazidos os conceitos de trabalho como valor positivo, como
atividade form adora e enobrecedora; e as noções contrastantes
de cidadania (atribuída àqueles que trabalham ) e de vilania e '
ilegalidade (como m arca dõs vagal3ün"dos-e~ociosos)—No-Brasrl,
a sociedade colonial e escravagista pautava-se quase no contrá
rio daquilo que pregavam os europeus: o trabalho era percebi
do como traço dem eritório, sendo associado aos escravos ou a
pessoas sem valor nem peso na escala social. Transform ar em
qualidade aquilo que era percebido icomo defeito exigiu redo
brados esforços do poder soberano no fim do século X IX .
A interferência nos paradigm as sociofamiliares foi o prin
cipal cam inho escolhido p a ra fazer valer, aqui, valores trazidos
da sociedade européia. P ara ta n to ,;foi necessário acionar um
conjunto de saberes-poderes, tal como definido por Foucault,1
capazes de transform ar as formas de constituição das famílias
e, a p artir daí, a identidade dos sujeitos. E neste contexto que
observamos a em ergência de campos específicos do saber rela
cionados com a criança: a pediatria^ a pedagogia, a puericultu
ra (Azevedo, 1989), entre outros que, apropriados de acordo
com os padrões .morais do período, foram as vias de constru
ção de modelos ideais de conduta.
A tuando especificamente sobre a família, as primeiras
referências às idéias psicológicas que começavam a influenciar
os meios acadêm icos europeus e norte-am ericanos, conceitos
oriundos da M edicina e da Pedagogia criaram ou redefiniram
as formas de funcionam ento esperadas nos indivíduos e institu-
207
iram parâm etros de “norm alidade” e "anorm alidade” , pau tan
do as condutas tidas como boas e saudáveis na vida familiar.
Em conseqüência, elegeram-se como norm a alguns modelos
de funcionamento familiar, em detrim ento de outros que pas
saram, a ser vistos como "clesviantes”, “patológicos” ou “irre
gulares”.
As famílias provenientes da elite econôm ica e intelectual
foram cooptadas pelos discursos médico e pedagógico, que as
identificaram cpm o modelo que se propunha im plem entar.
Ós ^segmentos mais pobres da população foram atingidos de
form a distinta, através da captura e controle pelos registros
policial e jurídico. É iqríportante que se frise que estas transfor
mações não aconteceram de modo passivo; houve áreas de atrito
e choque entre os modos de conduta que prevaleciam à época
e os “novos” modelos propostos em sociedade, como a adesão
à imagem de que o trabalho deveria ser aceito e incorporado
em um quotidiano em que era percebido tradicionalmente como
um traço demeritório e identificador de classes mais pobres e a
condenação, e crítica que foram produzidas sobre a m aior libe
ralidade s e x u a l e a f e tiv a q u e era com um e n t r e os c x -e s c ra v o s e
pessoas pertencentes aos grupos mais baixos do estrato social.
A própria estruturação posterior de um a psicologia dita
‘científica’ estaria diretam ente vinculada às dem andas morais e
jurídicas (Brito, 1992). Com ambição científica de conhecer o
hom em e a sociedade, a psicologia estaria a serviço de distin
guir o indivíduo “norm al” e controlar o “desviante” .2
A m aneira privilegiada para ingresso dos discursos cien
tíficos médico e pedagógico na esfera familiar foi a defesa da
208
infanda; sob o argum ento de que seria necessário estabelecer
os padrões de “cuidado da in fa n d a ” , a ciência enfatizou - no
Brasil da viradà do século X IX p ara o século X X - que era
dever das famílias “p rep arar seus filKos p ara ò futuro” , discipli
nar e dom esticar as crianças através da criação de ‘bons’ hábi
tos e adequar seu com portam ento. -
Essa lógica atingiria indiretam ente os adultos, na medi
da em que os capturaria como atores do enredo d a vida fami
liar nuclear, tornando-os pais e mães de família. Enfim, toda a
lógica em construção circula sobre os marcos territoriais da
família (a parentalidade e a filiação), assim como sobre os pa
péis sexuais.
Os modelos, e m . constituição obedeciam em sum a aos
pressupostos dc saneam ento e higienização social, conhecidos >
como m ovim ento higienista. N o entanto, se o percurso i n t e r
vencionista do Estado sobre as famílias deve muito ao higienismo, •
nas suas vertentes m édica e pedagógica, a salvaguarda legal foi J
um aspecto decisivo na consecução de um mecanismo eficaz
de tutela sobre as famílias. Para tanto, era n e c e s s á ria a prom ul
gação de um texto legal que firmasse os marcos jurídicos do
Higienismo.
E de fato, um dos principais propósitos das prim eiras
legislações sobre a infancia no Ocidente moderno foi servir como .
um poderoso instrum ento de penetração e controle das famíli
as (Coimbra, 2000: 85). Referimo-nos ao controle das wrhialiâades,
apontado por Foucault como exigência das sociedades discipli
nares, um controle'nâo apenas sobre o que se faz ou o que se
é, “mas sobre o que se pode vir a fazer ou vir a ser (Foucault,
1996). .
Nesse momeríto é im portante que destaquemos que du
rante todo o século X IX , na constituição do Direito Penal Po
sitivo, emergiu como principal objeto desta ciência, a importância
de se defmir o que é CR IM E, ou seja, alguma form a de trans
g ressão efetiva a u m a n o rm a e sc rita e c o d ificad a. Em
209
contrapartida, du ran te o século X I X , outro objeto foi paulati
nam ente elaborado, qual seja, o valor do cpnhecirnento e da
tipificação da figura do C R IM IN O S O , com o passível da inter
venção diante do com etim ento dejum a infração. A .análise de
que-um-indivíduó-viesse-a-ser-identificado-comojpotencialrnerv:
te capaz de vir á com eter um delito assume a form a de estra
tégia de controle e foi efetivam ente sancionado através da
conhecida “apreensão por atitudè suspeita” no Brasil do início
do século X X . ,
C itando o .professor Alessandro B aratta ;
N a lin g u a g em policial, a expressão ‘atitu d e su sp e ita’ n ão
foi n u n c a u sa d a p a r a in d ic a r q ue o jo v e m estivesse fa z e n
d o algo suspeito, m as p a r a in d ic a r q u e ele e ra co n sid erad o
a u to m a tic a m e n te suspeito pelos sinais de su a id en tificação
co m u m d e te rm in a d o g ru p o social (B ara tta a/m í/M alag u tti,
1 9 9 8 : 12). '
210
do pai ou da jn ãe que “p o r abuso -de autoridade, negligência,
incapacidade, impossibilidade de exercer o seu poder”, faltasse
“habitualm ente” ao cum prim ento dos deveres paternos (Rizzini,
1985: 131).
A^quiTTToWénTlalientar que a açãõldêstinãclã- á' menori”
dade era reconhecida, no próprio círculo jurídico, como urna
atuação “m enor” pois, segundo alguns juristas, seus parâm e
tros não correspondiam aos princípios mais basilares do Direi
to. Essa avaliação serve como crivo analítico da prática proposta
pelo m odelo da Situação Irregular: intervenção sobre o “me
n o r”, enquanto categoria forjada à! parte da infanda, e sobre
sua família de origem, sem qualquer referência aos direitos de
um ou de outro; em síntese, um a desqualificação da própria
ideologia do Estado D em ocrático de Direito.
Defensores da D outrina da Situação Irregular argum en
tavam que a intervenção do Poder ;TuteIar, por ser em essên
cia protetivo, g aran tiria por si m esm o a preservação dos
interesses de seus tutelados, não sendo necessário que as garan
tias elem entares do Direito fossem anunciadas para essa parce
la da população. Dessa form a, o direito de representação, a
am pla defesa, os prazos de representação e /o u contestação não
eram identificados como fundam entais em processos que en
volvessem os menores. Nesses, o poder repousava solitário e
subjetivo na figura do Juiz de M enòrcs, que por definição de
cidiria em seu beneficio.
N ão por coincidência, as prim eiras referências â utiliza
ção do discurso “psi” na sociedade brasileira datam das pri
m eiras décadas do século XX, pouco após a promulgação do
d ireitos” está diretam ente articulada ao m ovim ento de conquista dos D irei
tos H u m an os, q u e se tornou eloq üente na;m odernidade. Assim, a idéia de
direitos hu m anos tom a por base o pressuposto de que os indivíduos, por sua
própria condição hum ana, são portadores de direitos universais e inalienáveis
q u e d evem ser protegidos de quaisquer violações e arbitrariedades por parte
da socied ad e ou do Estado.
211
C ó d ig o d c M e n o r e s d e 1 9 2 7 , n a c o r r e n te d e p r e o c u p a ç õ e s c o m
o d e s tin o q u e d e v e r ia se r d a d o à “ in f â n c ia d e s a d a p t a d a ” e às
“ c ria n ç a s d ifíc eis” . À p a r ti r d e e n tã o , os in s tr u m e n to s d e a v a lia
ç ã o c d ia g n ó s tic o p sic o ló g ic o s f o ra m s e n d o p a u l a ti n a m e n te in
c o r p o r a d o s p e l a s in s t itu iç õ e s d e a b r ig o e / o u co rreç ão de
m e n o re s , a d e s p e ito d a p r ó p r i a p ro fis s ã o d e p s ic ó lo g o n ã o s e r
a in d a r e c o n h e c id a à é p o c a .
Dito de outro m odo, o- discurso sobre a infância, e a
prática psicológica a ele correlata, caracterizaram -se no Brasil
como instrumentos de adaptação e controle da “m enoridade”,
emergindo o “m enor” como um dos primeiros objetos de estu
do que se conhecem na histó ria da psicologia b rasileira
(Coimbra, 1999: 81).
D urante o Império, a sociedade brasileira conheceu im
portante influência da Igreja sobre os assuntos do Estado. D a
esfera política ao âmbito jurídico, atravessando á im plem enta
ção das políticas sociais públicas, a Igreja fazia ver sua influência
(Rizzini, 1985: 195). D atam desse mesmo período as prim eiras
referências ao termo “m enór” nas determinações previstas pelo
Código Criminal de 1 8 3 0 , q u e d e fin ia q u a is s a n ç õ e s deveriam
ser aplicadas no cometimento de crimes por “m enores de ida
de” . Essa prim eira referência ao termo tem, como se vê, cará-
. ter essencialmente penalista e criminal.
A população de m enor idade não envolvida com atos
criminosos estava, assim, alheia aos preceitos jurídicos do Im
pério. Sobre ela, predom inava a ação caritativa da Igreja, na
form a do paradigm a dos “órfãos e expostos da R o d a”,4 a idéia
212
presente neste tipo cie atuação estava diretam ente relacionada
aos princípios religiosos, e fazia crer que era função do “bom
cristão” ajudar aos “ menores desprovidos da sorte”, objetivando-
se o reconhecimento divino por esse auxilio e conseqüentemente
a “ida p ara o céu”. As alianças que destinavam os criminosos
à Justiça e os pobres à Igreja eram a principal característica da
política 'traçada no Brasil Im pério p ara a população infanto-
juvenil. Nessa associação conveniente, a Igreja - falando em
nome do poder estatal - atuava na ausência ou inexistência da
autoridade parental, abstendo-se no entanto de intervir no
âm bito privado da família e preservando o poder do “pai de
fam ília”, onde ele se fizesse presente e atuante.
Esse jogo perm itia preservar o delicado equilíbrio entre
os interesses do Estado e os interesses patriarcais; não havia,
no Brasil Império, qualquer mecanismo de tutela estatal que
interferisse direta e claram ente sobre os grupos familiares. •
Além da ação da Igreja, outros mecanismos assegura
vam a m anutenção da ordem social sem afrontar o poder p a
tr ia r c a l; c o m o e x e m p l o , p o d e s e r c i t a d a a l e g i s l a ç ã o d o I m p é r i o
que obrigava todas as crianças, independente de sua origem
social, à form ação escolar. T al determ inação, reiterada em di
versos decretos-lei, torna a freqüência escolar obrigatória para
todas as crianças do sexo masculino, maiores de sete anos e
sem im pedim ento físico ou m oral, sob pena de m ulta no caso
de não cum prim ento do disposto legalmente. Sob muitos as
pectos, esses dispositivos legais ajudam a construir a imagem
do processo de “cultivo, cuidado e vigilância” que a escola se
encarregaria de assum ir. N um contexto cm que discute o
surgimento, do sentim ento de infancia no O cidente m oderno,
no qual podem os incluir o Brasil, Aries escreve:
A despeito de muitas reticências e retardam entos, a crian
ça foi separada dos adultos e m antida à distância num a
espécie de quarentena, antes de ser solta no m undo. Essa
quarentena foi a escola, o colégio: Começou então um longo
213
processo de enclausuramentp das crianças (como dos lou
cos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia ate os
dias de hoje, e ao qual sc dá ó nome de escolarização (Ariès,
1981: 11). I
A Lei do V entre Livre, prom ulgada em r87'l7unprim e_a_
necessidade de um novo redirccioriam ento nas políticas da in
fância. Se antes' a iníancia podia ser tom ada como objeto de
ação no âm bito íntim ista das famílias, a libertação dos filhos de
escravos ainda cativos denunciam ia interferência de medidas
fora do âm bito estrito da família. À iníancia passa assim a re
querer novas considerações do Estado, e a assumir conotação
de questão social. Além disso, a sociedade brasileira assistiu na
segunda m etade do século XIX a uijn processo de grandes trans
formações: a urbanização e o início da industrialização, que
dem andavam m udança das m en tali d ades oriundas da tradição
agrário-rural.
T ais exigências exigiram do Estado novas estratégias
políticas, sendo a aliança com o m ovim ento higienista feita sob
m edida p a ra o controle da população. É então que, nesse con
texto, o conceito de m enor vai extrapolar a esfera \jurídica e
p en etrar o cam po social.
214}
'especial p a ra m enores de idade. As tdiversas leis sancionadas
no início do período republicano refletem' de um lado a preo
cupação do país em torno do reordenam ento político-social, e
de outro a preocupação com a infância, que emerge como foco
de preocupações bastante diversas daquelas da época do Im pé
rio:
1. sobre as crianças integradas a lares considerados apropria
dos, o Estado constrói estratégias de intervenção que pas
sam pela incorporação e apropriação de saberes-poderes'
médicos, pedagógicos e a im portação das prim eiras referên
cias de “discursos psicológicos”; *
2. sobre as crianças sem família, oü com famílias tidas como
“anorm ais, irregulares •ou patológicas” - ressalte-se, “nor
m alm ente” as originárias dos baixos estratos sociais - incidiam
um a série de ações calcadas no ideal higienista, de cunho
filantrópico e jurídico, através dã intervenção direta do Es-,
tado.
A ssim , in icia-se a in stitu iç ã o d a tu te la so b re as fam ílias
p o b re s . P o d e m o s c o n s id e ra r q u e u m a d as p rin c ip ais c a ra c te rís
ticas d o sécu lo XX é o su rg im e n to de u m e x tra o rd in á rio a p a r a
to j u r í d i c o - i n s t i t u c i o n a l p a r a a t u te l a d o s “ m e n o r e s ” e,
c o n s e q ü e n te m e n te , d á in te rv e n ç ã o so b re suas fam ílias.
A ssim , d iv ersas in stitu içõ es estatais são c ria d a s, b a sic a
m e n te n a p e rs e g u iç ã o d o o b je d v o d e a fa sta r os “ m e n o re s” das
ru a s a b rig a n d o -o s , q u a n d o “ c a re n te s ” , o u in te m a n d o -o s em
re f o r m a to r ie s , q u a n d o “in fra to re s ” . ■
Dessa m aneira, podem os entrever que as origens da his
tória da organização da Justiça de M enores se confundem com
a assistência à Infancia no Brasil através da filantropia.
A filantropia representou um desdobram ento que se pro
punha científico p a ra as ações de cunho puram ente caritativo
e religioso, ou seja, os teóricos do hígienismo preocuparam -se
em repudiar as ações que eram praticadas pela Igreja, conside
rado-as pouco técnicas e não-científicas, mas preservando ain
215
da p o s i c io n a m e n t o s que eram basicamente' assistencialistas.
Assim, evoluiu-se da idéia religiosa de fazer o bem aos pobres para
o conceito cientifico de saber o que deve ser feito com as populações
marginais para se alcançar o melhor possível com as mesmas.
O discurso filantrópico caracterizou-se sobretudo pela
profunda correlação com o ideário positivista, através da ênfa
se dada à articulação entre as propostas filantrópicas c a cons
tituição de um projeto “civilizatório” específico: ó projeto da
“psicoprofilaxia social” advogado pelo higienismo.
Por conseguinte, os prim eiros anos do século XX foram
atravessados e marcados pelos desdobram entos históricos das
décadas de 1880 e 1890, que revolucionaram as formas como
a sociedade brasileira se reconhecia e identificava: abolição da
escravatura; assimilação de um grande contingente de ex-escra
vos no mundo do trabalho livre; mudanças políticas substanciais
com o advento da República em 1889, urbanização do cenário
nacional e europeização dos costumes (Rizzini, 1987: 77).
216
“m enores pivetes” pela insegurança e com provar sua parcela
de culpa com dados- m atem áticos - “científicos” portanto - a
respeito dos atos delinqüentes cometidos contra gs “cidadãos
de bem ” (Santos, 2000: 213-215).
A Ciência não se restringia, no.entanto, ao registro esta
tístico da crim inalidade juvenil. Em Congressos Internacionais,
estudiosos discutiam a hum anização da Justiça assim como a
necessidade de “com preender a pretensa crim inalidade infan
til” . As medidas propugnadas nos Congressos do início do sé
culo defendiam em essência que o tratam ento da crim inalidade
juvenil deveria dar-se à m argem da justiça criminai, abrindo
cam in h o p a ra as políticas não-crim inais intervencionistas
(Rizzini, 1987: 82). Em conseqüência, a tem ática da infância
passa a ser tratada nuni duplo registro:, de um lado, a defesa do
“m enor abandonado” - defesa do abandono e da pobreza aos
quais foi lançado - e de outro a defesa da sociedade contra o
“m enor crim inoso ou delinqüente”, portador de um a am eaça
potencial à coletividade.
N e s s a a ltu r a , já é p o s s ív e l d is t in g u ir m a is c la r a m e n t e q u e m
é o “m enor” , em oposição à “criança” . O prim eiro tem origem
nas cam adas sociais mais baixas, refratárias à interiorização dos
códigos normativos tidos como m odelares no processo de m o
dernização e urbanização social. Estes exigem do Estado for
m as de captura ostensivas e intervenção do aparato judiciário
e policial. Em contrapartida, a "criançá” tem com o origem os
núcleos familiares burgueses, cujos m embros se identificam mais
facilmente ao ideário dom inante. Assim, em bora a história da
intervenção sobre as duas categorias tenha sido distinta, am bas
foram alvo de políticas que atravessaram seus m odos de funcio
nam ento e reconhecim ento.
N a análise das discussões que atravessaram a época em
estudo, podem os considerar que um a das razões cruciais para
essa distinção era dada pela necessidade de form ar mão-de-
obra p a ra a economia; grande parte dos argum entos em_prol
217
da necessidade de intervenção ju n tp às famílias pobres invoca
va o valor m oral do trabalho. A necessidade da preservação da
m ão-de-obra juvenil é destacada em docum entos políticos e
jurídicos, que defendiam não só a ; intim idação da ociosidade
com o a puniçãcTda vagabundagem ídõVl'menores~perámbuTan^
tes” .nas ruas. O Chefe de Polícia do Estado de São Paulo,
A ntônio Godoy, defendia em 1904 que
a p e n a e s p e c ífic a d a v a g a b u n d a g e m é in c o n te s t a v e lm e n t e
o t r a b a lh o c o a t o . E é a p é n a e s p e c ífic a , p o r q u e r e a liz a
c o m p le t a m e n t e a s f u n ç õ e s q u e lh e in c u m b e m : te m e fic á c ia
intim idaliva, p o r q u e o v a g a b u n d o p r e fe r e o tr a b a lh o à fo m e ;
te m p o d e r regenerativo, p o r q u e , s u b m e t id o . a o ijegim e d a s
c o lô n ia s a g r íc o la s o u d a s o fic in a s , o s v a g a b u n d o s; c o rr ig ív e is
a p r e n d e m a c o n h e c e r e a p r e z a r as v a n ta g e n s d o tr a b a lh o
v o lu n ta r ia m e n te a c e ito (S a n to s, 2 0 0 0 : 2 1 6 ).
218
ti a ta i d a s c id a d e s. E sta s, d e stin a d a s 3. v e lo c id a d e , tornam *
sc e s p a ç o s d e c ir c u la ç a o e n a o m a is lu g a r es d e e n c o n tr o s
(...) as r e o r d e n a ç õ e s u r b a n a s tê m se c a r a c te r iz a d o p e la s e
g r e g a ç ã o , e x c lu s ã o e is o la m e n to .da p o b r e z a c-orrob oran d o
a c r e n ç a d e q u e c o m e la e s tã o as d o e n ç a s, os p e r ig o s , as
—------ — — a m e a ç a s j-a -v io lê n c ia -(G o im b r a —2 G G G r 8 6 )r ~ -------— — — -
220
minosos, reforçaria a segregação e a exclusão (Rizzini, 1987:
95). . • •
■ Tais críticas 'coincidem com a criação do Laboratório cle
Biologia Infantil, efetivada em 1936. O Laboratório propunha-
se a auxiliar o Juízo dc M enores na form ulação'de critérios
para a institucionalização de menores, assim como a oferecer
subsídios para os program as desenvolvidos nos estabelecim en
tos correcionais. Em outras palavras, o, Laboratório queria es
tabelecer as bases científicas para a destinação asilar e para o
tratam ento dos m enores qualificados como “em situação irre
gular” e submetidos à tutela estatal. N um a época em que a
sociedade conferia grande crédito à ciência, supunha-se que o
L aboratório pudesse sofisticar a leitura moral, apresentando os
fatores psíquicos, sociais, intelectuais e orgânicos que estariam na gênese
clo com portam ento delinqüente (Oliveira, 2001: 239).
E digno de nota que, na composição da equipe do La
boratório de Biologia Infantil, estivesse representada a nata mais
seleta cla intelectualidade de então; por seu interm édio, a socie-
; dade brasileira foi a p r e s e n t a d a às t e o r ia s mais avançadas da
época, incorporadas do pensam ento europeu com claros pro
pósitos de controle social. Entre outros saberes, “a psicanálise
(era)”, nas palavras de Nunes (1992: 72), "valorizada enquanto
um saber que poderia se tornar uni instrum ento útil p ara os
program as de eugenia (...), O que interessava era a possibilida
de que alguns de seus postulados abririam para o projeto dc
controle e transform ação dos indivíduos.”
. Nesse, m ovim ento de apropriação do discurso científico
cm prol do controle, os textos m arcavam a apreensão do ter
mo “m enor” a p artir das categorias de desvio, patologia, irre
gularidade e anorm alidade. Evidência gritante disso são as
referências de psiquiatras a estudos psicanalíticos sobre a sexu
alidade infantil, tomados como base para- afirm ar que os m e
nores não seriam ingênuos nem inocentes, pois descle a mais
221
tenra idade portariam impulsos de origem sexual que deveri
am ser contidos, controlados e; se necessário, corrigidos:
O s p s iq u ia tr a s v ã o tratar as fo r m a s de e x p r e s sã o d a s e x u a
lid a d e in fa n til e se u s e q u iv a le n te s n a v id a a d u lta c o m o
____________ a n o m a lia s .que d e v e m se r c o m g id a s , g e n e r a liz a n d o -a s p a r a
to d o s o s in d iv íd u o s, q u e j á n a s c e r ia m c o m u m a c o n s titu i
ç ã o b á s ic a a n o r m a l, q u e d e v e se r p a u la tin a m e n te r e g e n e
r a d a ( N u n e s , 1992: 82). ; !
222
N a realidade, a proposta de que as famílias “abrissem
seus corações” a novos m em bros não era habitual entre os
brasileiros das prim eiras décadas do século XX, que norm al
m ente utilizavam o recurso jurídico da adoção p ara legitimar
filhos—b astard os ^ -d i ante-d a-i-n e-xi stêneia- de-filh os-legí t-iinos,
evitando-se que os bens familiares fossem herdados por outros
que não os m embros do mesmo clã.
Em 1959 a Q N U sanciona a Declaração de Direitos da
Criança, expondo de m aneira inédita os direitos do cidadão
desde a infanda. Em bora os efeitos desse texto não tenham
sido imediatos, sua influência m arcaria as gerações futuras do
pensam ento sociojurídico brasileiro.
Pouco depois ida elaboração da C arta da Assembléia das
Nações Unidas, aconteceu o Golpe M ilitar no Brasil. A Políti
ca de Segurança Nacional pautava todas as ações federais, c
neste contexto tam bém a m enoridade é alçada à condição de
“problem a de segurança m áxim a”. Em nome da segurança, o
regime m ilitar proclam ava que os grupos de menores, circu
lando livremente pelas vias públicas, colocavam em risco a se
gurança coletiva, pois não apenas participavam ostensivamente
de crimes contra o patrim ônio, como tâm bém eram autores de
homicídios (Bazílio, 1985) e por isso, deveriam ser controlados
e contidos. Em conseqüência, o Estado'passa a adotar um con
ju n to de medidas que têm por alvo a “conduta anti-social” do
m enor, entre elas o recolhim ento de jovens pela polícia e seu
posterior encam inham ento à Fundação Nacional do Bem-Es
tar do M enor (FUNABEM), criada em 1964.
O segundo Código de Menores (também conhecido como
Código Alyrio Cavallieri) data de 1979..Surge no período em
que se iniciava no Brasil a discussão da abertura política, e
constitui-se num a tentativa de interm ediar o modelo em vigor
e as críticas que então já censuravam o modelo repressivo das
políticas sociais p ara a infância. Cedendo a várias linhas de
debate, o Código de 1979 continuou adotando a D outrina da
223
Situação pois trata ainda o m enor com o objeto de
I r r e g u la r ,
m e d i d a s judiciais. O Código de 1979 abria m ão da classifica
ção da infância em “a b an d o n ad a” ou “delinqüente”, mas dis
farçava a categoria "ab an d o n ad o ” n a análise das condições
sociais e econômicas da família, defendendo o abandono m ate
rial como argum ento jurídico válido p a ra a intervenção estatal
. na família c p ara a cassação — tem porária ou definitiva — do
pátrio poder. C om base em tais paradigm as, o Código de 1979
amplia em m uito o poder dos magistrados, perm itindo-lhes:
° ãtuar legislativamente, com poder de determ inar m edidas
através da instituição das Portarias;
• atuar ex-oficio, caracterizando o Juiz como autoridade que cen
tralizava ações de caráter pedagógico e adm inistrativo;
• investigar, denunciar, acusar, defender e sentenciar os m eno
res infratores, constituindo-se ainda o Juiz com o único fiscal
legalmente autorizado de suas próprias decisões;
• aplicar m edidas a m eros acusados de atos infracionais, sem a
necessidade de constituição de provas; na prática, só se ins
taurava o contraditório quando a família do acusado desig
nava advo'gado, o que t e r m in a v a por r e tir a r dos m a is p o b r e s
o direito à defesa.
O Direito do C ontraditó-
^Â^u$ti^i?<!sanu:tenza7sc;b0rfíacuac-}‘eaizvamentc,.'i.'%
224
que os acusados pudessem se defender de m aneira tão conside
rável como acontecia com sua acusação.
Com o o D ireito do Contraditório não era. considerado
como Princípio Constitucional pela Constituição de 1969, apa
recendo apenas durante o decorrer do processo de investiga
ção crim inal (ou seja no período da investigação policial), e
não na fase do processo judicial (quando o processo era efeti
vam ente instaurado no Juizado de M enores)3 a ausência do
Contraditório, à época do Código de 1979 não era ilegal, mas
expressava eloqüentem ente o sistema em que estáva inserido.
As. críticas ao Código de 1979 nasceram descle a sua
prom ulgação e acentuaram -se no decorrer dos anos 80 com o
processo de abertura democrática. Os movimentos sociais, muito
atuantes no período, articularam -se em' torno de um a grande
aliança que ficou'conhecida sob a denom inação de Fórum dós
Direitos da C riança e do Adolescente (o Fórum DCA), cujo
principal alvo político era a R eform a C onstitucional. Esse
movimento conquistou um a vitória política ao inscrever no texto
c o n s t i t u c i o n a l , p e l a p r i m e i r a v e z n a h i s t ó r i a b r a s ile ir a , a con
cepção da criança e do adolescente como cidadãos e sujeitos
de direitos sociais, políticos e jurídicos. O Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA, Lei 8069/90) é o instrum ento legal
que consolida esses direitos constitucionais.
’ A D outrina da Proteção Integral é a principal inspiração
do ECA. D entre as inúm eras inovações introduzidas pelo ECA,
destaque-se a submissão do texto legal aos princípios, regras,
técnicas c conceitos da ciência jurídica: o Juiz emerge com a
função de prevenir e com por litígios; incum be ao M inistério
Público a fiscalização da lei e a titularidade das ações protetiva
e socioeducativa; o advogado ou o defensor público representa
a criança e o jovem no interior- do processo legalmente consti
tuído; e. as questões da Política Social passam à responsabilida
de das administrações locais.
í i > i ' K i ! * ; , * y * *:• i'*WT*<*c w e J r wf i . y t i ' i r , * ,<f*t v ,! 'íh ^ v iv /^ ií pr j n w » x v .* c •% ., i •* *
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víii* r ^ í í - í - - 1 ítvfi-,,''\ «^'"Y.W1^.'y ^ í / . T l V ^ ^ j ■*v K V / - 1í •^ >1,1 ^ J L\ rr í J
\ © u f e i t ò / ; A '! l e n $ l a ç 3 0 ; e m i y i g o r ^ e s f c p u I a s q ü e í a V c n 3 n ç â - ^
r ’ -tfV.55, ,iSí, ,èW ff;vtt:ü’ '“Vrô*' t ^ A ,v^oí? 'V6 ? ^rv./v , Pc A^V/ * \
rr^ ttfT p \^ K A m í> n n C ‘ ^ rc n r ^ ^ ic 'o rçtrfln H n n c . r í M a ^ r ín n c t if iii m c \ 'Trfffneral/^ |i-h í*la .S -iftlS V D ra silC ira S :Í O ^Q ue^.
226
na letra da lei, a igualdade entre as crianças e os adolescentes
brasileiros. D ada a igualdade no plano jurídico, cabe agora
questionar as práticas de tratam ento que vêm sendo destinadas
aos “adolescentes em conflito com a lei”.
N a verdade acreditamos que a história das legislações
brasileiras dirigidas à “m enoridade” tradicionalm ente se encar
regou de criar diferenças entre o "m enor infrator” e o “jovem
de classe m éd ia /a lta que cometesse delitos”, dando-lhes identi
ficações e destinos singulares.
Assistíamos dessa m aneira a criminalização dos com por
tam entos transgressores quando cometidos pelas classes mais
baixas do estrato social e a “criminalização dos jovens pobres”
em contrapartida à patologizaçao dos com portam entos delin
qüentes quando cometidos por adolescentes pertencentes aos
grupos m ais altos da sociedade.
A eleição dos term os dem arca a escolha dos olhares,
análises e interpretações que. serão produzidas. Verificamos dessa
form a que a referência ao "adolescente que usa drogas”, por
exemplo, é m uito distinta da idéia que é construída com a ex
pressão “m enor m aconheiro’5.
Dessa form a, após o advento, do EGA, alguns teóricos
propõem a substituição term inológica da expressão estigmati-
zante “m en o r 55 pelas expressões consideradas mais positivas
“criança5’ e “adolescente55. Reconhece-se logicamente que a sim
ples m udança na nom enclatura por termos polidcamente mais
corretos não é suficiente p ara transform ar a realidade instituí
da, m as se revela um prim eiro passo |na conscientização crítica
dos preconceitos que subjazem às formas que escolhemos para
nom ear e significar o universo social, de que participamos.
E m bora a m ídia e o senso com um continuem ratifican
do dois universos 1 díspares p ara o “m enor infrator” e para o
“adolescente que com eteu delitos”, a lei instituída e vigente
atualm ente definirá de form a genérica o "adolescente autor de
ato in fra c io n a l” com o alvo de m edidas pro tetiv as e /o u
227
socioeducativas previstas no ECA, a partir da D outrina da Pro
teção Integral.
- Dessa m aneira, mesmo na verificação do ato infracional
o adolescente apreendido, destinatário de medidas socioedu
cativas, também pode (e deve) ser alvo de medidas protetivas,
que pugnem pôr sua efetiva ressocialização e pela garantia de
todos os direitos e responsabilidades dispostos nas leis tutelar
(ECA) e constitucional (Constituição Federal de 1988).
O Estatuto da- C riança e do Adolescente compõe-se de
,duas partes fundamentais: a prim eira, nom eada como Parte
Geral, apresenta os sujeitos da lei e os direitos referidos a eles;
na segunda parte, nom eada como Parte Especial, são apresen
tados os contornos da política de atendim ento; as m edidas
protetivas e socioeducativas aplicáveis à criança e ao adoles
cente; as medidas aplicáveis aos pais ou responsável; o papel e
definição dos Conselhos Tutelares; da Justiça da Iníancia c
Juventude; dentre outros títulos.
Observamos dessa m aneira, que o escopo da nova legis
lação apresenta como. traços marcantes:
1 . p r o p o r a d e s c e n t r a l i z a ç ã o j u r í d i c a q u e m a r c a v a o s d o i s C ó
d ig o s de M enores, pois estes culminavam por caracterizar os
Juizados de M enores como Juizados Executivos, responden
do por ações que deveriam ser de competência do Executi
vo. Com isso, conclama-se a maior participação e interlocuçao
dc outros setores sociais diante da. temática, pois os Juizados
atuavam praticam ente sem o protagonism o de outros seto
res nas ações dirigidas à m enoridade;
2 . responsabilizar outros atores diante da problem ática, defi
nindo família, sociedade e Estado como participantes ativos
do enredo e ,não. apenas elegendo e culpabilizando o “m e
nor” (e por extensão sua família) por possíveis dificuldades
na inserção' social;
3. a extensão da população alvo originariam ente atingida pelos
Códigos de M enores: de um a parcela da infância e juventu
de brasileiras, p ara a totalidade dos adolescentes c cnanças
do país; objetivando-se a não-crim inalização e não-estigma-
tização da: população a qual a lei se. d irige;.
4. pro p o r a criação de um a Política' de Atendim ento que exige,
p a ra seu efetivo funcionamento" e constituição, a participa
ção e mobilização político-sociais intensas, expressas nas elei
ções dos Conselhos Tutelares e narrepresentatividade dos
Conselhos M unicipal e Estadual doé Direitos da C riança e
do Adolescente; ' ■ . ' . :
5. criar um nòvo paradigm a social diante do com etim ento.dc
infrações por crianças e adolescentes, ou seja, com base na
D outrina da Proteção Integral, proteger e ressocializar, não
mais punir e sim educar através de atividade específicas como
a Prestação de Serviços a Com unidade; a Liberdade Assisti
da; a M atrícula e Freqüência O brigatórias em Escola; rà
Requisição de T ratam ento M édico, Psicológico ou Psiquiá
trico, em Regime H ospitalar ou Am bulatorial, etc. caracte
rizando a Internação como m edida sujeita aos princípios da
b r e v i d a d e , excepcionalidade e r e s p e i t o à c o n d i ç ã o p e c u l i a r
da pessoa em desenvolvimento. (Artigos 101, 112 e 121 da
Lei 8.069/90 - Estatuto da C riança e do Adolescente)
Apesar do ineditismo e dos avanços teóricos c sociais
propostos pela nova lei, assistimos atualm ente a um 'quadro em
que a utopia preconizada ainda está m uito longe de seu proje
to original. Quais seriam as possíveis razões subjacentes a tal
dinâmica?
Segundo Bazílio (2003: 26-28), devemos problem atizar
a atm osfera política que circunda a prom ulgação da nova lei
tutelar, pois podem os observar que, apesar do processo de re-
dem ocratização em curso na década de 1980', o período inau
gurado pelos anos 90 foi caracterizado pelo “avanço dos setores
conservadores e (...) ataque direto [aos] defensores dos direitos
hum anos”. Dessa form a, diante do aum ento dos índices de vio
lência durante a década de 1990, sentimentos de interiorização
229
da insegurança (notadam ente no convívio com a diferença) vêm
. sendo produzidos e m anipulados por parte da m ídia e da opi
nião pública, gerando a culpabilização e condenação dos m o
vim entos de prom oção da cidadania e defesa da paz social e
dos-direitos-humanosj-considerando_q.ue_tais_concepçoes_sãoj_
em essência, defensoras da im punidade daquelas personagens
que tradicionalm ente sempre foram; vistas como “m arginais” e
“perigosas”, como a “figura do m enor-infrator”.
Além disso, tam bém se evidencia nesse período que os
m odelos neoliberais que passam a ocupar a cena política
redim ensionam a política de financiam ento público. A dimi
nuição e afastam ento do Governo Federal como financiador e
principal provedor dos recursos do setor gera um a grave crise
na área. Nas palavras do professor.Bazílio:
O s fu n d o s q u e , p r e v is to s p e lo E sta tu to , te r ia m p o r o r ig e m
c o n tr ib u iç õ e s c o m o d o a ç õ e s o u r e c u r so s p r o v e n ie n te s d o
o r ç a m e n t o d e e s ta d o s e m u n ic íp io s , e n c o n tr a m -s e d e fa to
.e s v a z ia d o s . N ã o foi p e n s a d o e m fo n te s fix a s, a líq u o ta s d e
a r r e c a d a ç ã o o u ta x a s e im p o s to s p a r a c o b r ir c u sto s d e su a
im p la n ta ç ã o . A s sim , (...) o s p r o g r a m a s e p r o je to s d e ix a m
d e te r c o n tin u id a d e . V iv e m o s a d e sp r o fiss io n a liz a ç ã o e a
d e s c o n tin u id a d e , a in s titu c io n a liz a ç ã o d o p r o v isó r io . A si
tu a ç ã o q u e h o je é v iv id a (...) é o a u m e n t o d a p o b r e z a e
d im in u iç ã o d o o r ç a m e n to so c ia l (2 0 0 3 : 27 ).
I
Com o decorrência desse quadro de crise de financiamento
c de liberação de recursos públicos, as ONGs, que tiveram
im portante função no quadro de im plem entação do Estatuto,
passam a não ser mais solidárias diante de interesses comuns,
posicionando-se como rivais e concorrentes pelas verbas de finan
ciam ento, conseqüentem ente produzindo a fragilização da rede.
C om o último argum ento, o professor.Bazílio questiona
o am adorism o no gerenciam ento da coisa pública, pois diante
de m udanças político-partidárias os postos-chave da gerência
da política de atendim ento seriam submetidos a interesses de
230
poder difusos, não se dim ensionando a real im portância da
com petência e conhecim ento na área como critério de escolha
dos responsáveis pelas ações sociais relacionadas à .infância e à
adolescência (Bazilio, 2003: 28).
— ;——Ap esar "d e-avaiiarm os _qu e “crproj eto'utópito"dò- Es tãtütõ
da C riança e do Adolescente ainda encontra-se distante da sua
efetivação pragm ática e m ’ diversos pontos, a participação e
m obilização dos diversos sujeitos que compõem a rede social
poderia significar um im portante avanço na concretização de
m udanças no quadro.
Assim, acreditamos que a trajetória que vem sendo cons
truída por psicólogos dos diversos Tribunais de Justiça dos es
tados brasileiros que atuam em V aras de Infância e Juventude
deve estar atenta aos atravessamentos institucionais que fazem
parte da criação do cargo de Psicólogo do Judiciário. .
C om o conhecido, a atuação tradicionalm ente solicitada
é de produção de “laudos periciais” que auxiliem o Juízo em
sua tom ada de decisão; entretanto, observamos que paralela
m ente a tal pedido, sublim inarm ente é dem andado pelo A pa
relho Judiciário que “soluções mágicas” sejam produzidas pelo
psicólogo.
*- C om o exemplo apresentam os o texto que define M is
são do Juizado da Infância, e Juventude do Rio de Janeiro, do.
sítio do T ribunal de Justiça do estado mencionado:
O J u iz a d o d a In fâ n c ia e J u v e n tu d e tem a m issã o , p e r a n te a
s o c ie d a d e , d e p resta r a tu tela ju r isd ic io n a l, a p r o te ç ã o in te
gral à c ria n ç a e a o a d o le sc e n te , a c a d a u m e a to d o s, in d is
tin ta m e n te , c o n fo r m e g a r a n tid a s n a C o n stitu iç ã o F ed era l e
n o E sta tu to d a C r ia n ç a e d o A d o le sc e n te , d istrib u in d o ju s ti
ç a e atendimento psicológico de modo útil e a tempo, (h t t p : //w w w .tj .ij .
g o v .b r /i n s n t u c / 1 in s ta n c ia /in fa n -ju v e n tu d e /m is s a o jij.h tm )
231
te com a justiça, irá assegurar “justam ente” que as partes se
jam “atendidas” por um profissional “psi”.
A naturalização da prática psicológica em erge com o
possível chave de leitura p ara entendim ento dessa referência,
mas de igual forma, podemos considerar que a com preensão
do Tribunal vem sofisticando a idéia de que apenas a resposta
jurídica revela-se insuficiente diante das “subjetividades” hu
m anas, que m erecem ser problem atizadas e “escutadas” na
consecução de real projeto de im plem entação da Justiça.
Significativamente, a escuta psicológica não é utilizada
como termo p ara definição do trabalho a ser em preendido,
rrias a atuação do profissional “psi” não pode deixar de revelar
a fala subjetiva das partes que com põem os processos jurídicos.
Dessa forma, a referência objetalizante às pessoas, que
culm ina por caracterizar a m aioria das ações realizadas pelo
Judiciário, pode ser transformada micro-politicamente pela atua
ção do profissional “psi” que, se referindo às partes como sujei
tos (e não como objetos) que compõem e ativam o processo
judicial, pode vir a catalisar novos agenciamentos dos sujeitos
diante d a p r o b l e m á t i c a v iv id a , p e r m i t i n d o que se produzam
novas leituras sobre os enredos narrados pelos próprios sujei-
tos-partes que podem se perceber mais “inteiros” , e portanto
menos fragmentados, diante do poder decisório judicial.
' De igual maneira, a “escuta psi” aos adolescentes auto
res de ato infracional, deve procurar potencializar a vivência e
a história subjetiva desses jovens, desenvolvendo a possibilida
de de problem atização das form as com o se' reco n h ecem
identitariam ente e como são referidos socialmente a partir da
apreensão.
Além disso, o labor “psi” pode revelar e problem atizar
igualmente a sujeição e os atravessamentos sociopoiítico-eco-
nômicos que são impostos aos adolescentes que cometem atos
infracionais e que são apreendidos pelo sistema (que obviamente
não são todos os que entram em conflito com a lei); atuando
232
no sentido de pro-vocar (de incitar à fala.; .ao posicionamento)
•tanto os adolescentes em C o n flito com a'lei, n a significação e
ressignificação de.. sen tidos p ara os seus atos como os demais
ato res.envolvidos nessa dinâmica: elenco judiciário (j u iz , pro
m otor, defensor, advogado, assistente social, comissário da in
fância e ju v en tu d e , cartorário); tocla a rede de referência
institucional (escolas, hospitais, abrigos, Conselhos T u t e l a r e s ,
Conselhos de Direitos da C riança e do Adolescente, institui*
ções de sem i-liberdade c /o u internação); bem com o a família e
o Poder Público.
D e fato, consideram os que um dos mais interessantes
desdobram entos do Estatuto da Criança e do Adolescente em
suas propostas socioeducativas seja a idéia de responsabilização,
de fom entar pedagogicam ente no adolescente a noção de que
todos os cidadãos são co-responsáveis - ativa ou passivamente '.’
— pela sociedade construída, de form a a que os jovens perce- ;•
bam a sua responsabilidade social.
Constrói-se a imagem, portanto, de que eles são partici
pantes ativos na sociedade, sendo diretam ente responsáveis por
ela, e que um a vez que cies desrespeitem as regras instituídas
legalmente, serão responsabilizados socialmente por isso. É fun
dam ental que se frise que a responsabilidade proposta pelo EGA
é de cunho social, ,e não p enal ou criminal.
D e igual m aneira, o Estatuto apresenta m uito claram en
te que o Estado e a sociedade têm responsabilidades com as
crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, e que no
descum prim ento de seus deveres o próprio Estado pode vir a
ser acionado, a ser processado, por exemplo, na falta de' esco
las e creches p ara crianças, o que é im portante que tam bém
seja problem atizado ju n to aos adolescentes atendidos.
E ntretanto, se a m edida socioedücativa não é referida
em sua função em inentem ente pedagógica, ou seja de aprendi
zado e ressocialização, sendo alardeada corrio um recurso “puni
tivo” p a ra os "adolescentes infratores”, a percepção que preva-
lece é a de que, quando o Estado ou a sociedade com etem um
crim e, p o r ação ou p o r omissão, eles perm anecem impunes,
mas ao contrário, se o transgressor for um indivíduo “m enor”
de idade, ele será im putado com uma. “pcna-m edida”, portan-
-t:O-com-uma-leitura-criminal_e_nã 0 socioeducativa. ______
Dessa form a,' avaliamos que as imagens construídas pelo
im aginário social ainda am param e justificam a discrim inação
dos “infratores” , ainda que adolescentes, de outros da mesma
faixa etária e das crianças. N a verdade, parece-nos que as falas
produzidas socialm ente inclinam-se am biguam ente na referên
cia de que os jovens infratores não são como os outros, sendo
mais “m aduros” do que a m édia, devendo por isso ser mais
responsabilizados, ao mesmo tem po ç m que eles tam bém são
percebidos com o áinda adolescentes, e então não podem se
prevalecer das garantias do universo adulto. O que lhes resta é
um a identidade em que são referidos como adolescentes “maio-
rizados”, m as ao mesm o tem pò são “adultos m enorizados”, não
se beneficiando das positividades de. nenhum dos registros a
que são lançados.
V ejam os a seguir as formas de ingresso dos adolescentes
no A parelho Judiciário.
234
Em seguida; o adolescente pode ser conduzido im ediata
m ente ao Juiz, ou ser levado à audiência após entrevistas com
a equipe técnica (Psicólogo, Assistente Social e Comissário da
Infancia e Juventude).
______E fato conhecido que cada ju izado construirá sua rotina
de procedim entos, não existindo um procedim ento único para
atuação da equipe técnica. Visando facilitar a compreensão didá
tica, podem os caracterizar as formas de intervenção técnica da
seguinte m an e ira :'
1 . No m om ento anterior à realização da audiência judicial
objetivando a confecção de estudos e laudos que auxiliem o
Ju iz em sua tom ada de decisão;
2. No m om ento posterior à realização da audiência:
a) no acom panham ento técnico dos adolescentes a partir
da determ inação de m edidas protetivas e /o u socio-
educativas pelo Juiz;
b) no encam inham ento às instituições da rede.
A audiência deve contar necessariamente com a presen
ça do P rom otor e do D efensor Público; preferencialm ente,
devem estar presentes os familiares do adolescente; podem ser
convocados representantes da equipe técnica.
que a Justiça só pode atuar quando provocada, ou seja a partir da dem anda
de um terceiro (que pod e ser o p rom otor público) que dem ande a interven
ção do Ju iz diante cia configuração de um a dinâm ica específica. Além disso,
é igualm en te digno de destaque que - apesar da figura do Promotor Público
ser associada tradicionalm ente co m o responsável pela representação ao Es
tado dos atos praticados contra o interesse público - nos processos que en
volvam crianças e adolescen tes, a Prom otoria Pública deve atuar com o
C uradoria Pública, ou seja defen d en d o e zelando pelos interesses e direitos
das crianças e adolescentes, T a l com preensão entretanto não é irrestrita, e
en contram os partidários convictos do entendim ento de que o M P só deve
atuar co m o “C uradoria” nos processos envolvendo adolescentes “carentes’1
c não com aqueles que são infratores, ou seja na reedição e perpetuação do
antigos posicionam entos estigm atizantes.
235
r N a.audiência,o Juiz pode decidir péla aplicação de quais
quer das medidas so cio educativas previstas iló artigo 1 1 2 cto
Estãtuto da Criança e do Adolescente; ~
I- ■ a d v e rtê n c ia ^
II - obrigação de reparar o dano;
III - p re sta ç ã o d e serviços à c o m u n id a d e ;
Í.V - \liberdade assistida;
V- inserção em regime de semiliberdadeT“!!'
VI - internação, eríí* estabelecimento educacional;
VII - qualquer um a’das previstas no artigo 101, I a VI,
Cumulativam ente, o Juiz pode decidir pela aplicação de
medidas protetivas, especificadas no artigo 10 1 do ECA.
Dessa forma, verificamos que o adolescente, mesmo que
responsável peia prática de ato infracional, pode scr alvo de
medidas de proteção.
Apesar das mudanças jurídicas propostas, a estigrniatiza-
çào e a crim inalizaçao do adolescente que com ete o ato
infracional ainda decorre freqüentem ente de seu perten cimento
a determinados perfis que o aproxim ariam dos papéis identifi
cados como “m arginal e perigoso” à sociedade.
Exemplificaremos tal análise a partir do exemplo da ca
pital do Rio de janeiro no atendim ento a essa clientela.
238
contraste decorre o discurso recorrente,segundo o qual não se
instituiu a aplicação.pragm ática e integral do texto legal.
A distância entre as assertivas legais e as práticas em curso
é preenchida pelos diversos atores segundo as formas como a
sociedade consegne assimilar as propostas de m udança. Essa
àssimilaçãorpor-sua-vezTé-atr-avessada-pelo-impacto-da-mídia,-
que fre q ü e n te m e n te co n clam a à pu n ição , à prisão ou à
internação dos jovens infratores, em particular se são pobres,
fom entando a cultura do m edo e a projeção paranóica dos te
m ores sobre os destituídos.
Assim, acreditamos que apesar de hoje. já ser fato suficien
tem ente conhecido que as penas privativas de liberdade fracas
sam de form a reiterad a em suas proposições preventiva e
corretiva - o que na análise do professor Alessandro B aratta
parece estar articulado a objetivos velados .do próprio sistema
penal (Baratta, 1999:100) ~ o. propósito P U N I T I V O ’perm anece
como em blem a-m or da rede penal,“ sendo am plam ente divul
gado pela m ídia form adora de opinião.
É preciso que profissionais de Psicologia façam de sua
atuação um a expressão eloqüente do compromisso com o me-
239
Ihor c pleno exercício do Direito no encontro real com o ‘'su
jeito de direitos”,'preconizado pelo ECA, mesmo quando em
conflito com a lei. É preciso servir ao Judiciário mas sobretudo
à Justiça para os sujeitos por nós atendidos, e atuar em busca
da mais plena acepção da ética e do reconhecim ento da auto
ria dos sujeitos,;no processo legal.
240
Poderm os analisar o fenômeno dá “adolescência” artiv
culado à construção do projeto capitalista, talvez nos possibili
te reconhecer e tornar mais próximos os traços, singulares da
m ultiplicidade de “adolescências” forjadas nas últimas décadas
do século XX, percebendo nesses “adolescentes” produzidos na
pós-m odernidade grande influência midiática.
De igual forma; consideramos que coexistiram, e coexis
tem , categorias diferentes para um mesmo segmento etário,
deixando evidente que não é “apenas” a idade o elemento
identificador da “infância”, “adolescência” e “m enoridade”.
N a delineação deste quadro, percebe-se com o somos
“apropriados” por determinadas categorias que são naturalizadas
no processo de constituição da; “realidade” que vivemos cotidia-
nam ente, sem atentarm os que fazemos parte fundam ental das^
“engrenagens” que com põem , m ontam e desm ontam identida
des e subjetividades.
Dessa forma, destacamos a importância dos discursos “psi”
dentre as concepções “científicas” que legitim aram o “m enor”
na- cultura jurídico-social brasileira.
A lem disso, reconhecem os o papel da esfera jurídica na
diferenciação entre as categorias “m enor” e “criança” ; elas se
originaram de fato no contexto jurídico, que definiu os indiví
duos “m enores de idade” a partir de um viés criminal. M as a
noção de “m enor” extrapolou o espaço jurídico, ancorou-se na
gam a de saberes médico, pedagógico e psicológico e daí fir
mou-se como estratégia de'controle de determ inados grupos
sociais. Tendem os, no entanto, a neutralizar a força desses sa
beres na construção e na legitimação da noção de “m enor”.
Tendem os a desconsiderar as formas como a Psicologia contri
buiu p ara norm atizar, classificar, identificar e segregar o “m e
n o r” na rede de assistência tutelar.
Pois: enquanto à criança/infante foi determ inado um
lócus social de “ausência de fala”, sendo rep resen tad a no
interjogo com unitário pelos pais e /o u responsáveis que —ades-
241
trados e disciplinados por conceitos psico-médico-pedagógicos
- teriam a função de protegê-los e salvaguardá-los em jseus in
teresses e bem -estar, “falando por elas”...
A categoria “m enor *5 - que foi sendo paulatinam ente
GOnstituída^a_par.úr_da leitura jurídica penálista dirigida aos
“infratores” m enores de idade, mais .'especialmente evidente no
advento da R epública - foi dem andada a sua expressão e a sua
apresentação no entrechoque com o universo jurídico, fazen
do-os “falar” de “si” e de sua rede de origem, através da cap
tu ra pelos discursos jurídicos, com a jobjetalização dos discursos
e falas enunciadas por esses sujeitos.
Segundo Emílio G arcia M endez a emergência, do con- •
ceito de “criança” na consciência coletiva a considera “inca
p a z ” e sem autonom ia na sua apresentação social, tendo que
• ser protegida e representada juridicam ente na sociedade por
suas famílias (M endez, 1990: 179).
A inda de acordo com M endez a Escola teria um a fun
ção prim ordial na distinção entre jás “crianças” e os “m eno
res” , já que com o Aparelho Ideológico do Estado atuaria num
processo de crim inalização prim ária de “m enores”, alijando-os
do processo educacional. '
A s c r ia n ç a s se r ia m a q u e la s p e s s o a s q u e tiv e r a m a p o io fa
m ilia r e e s c o la r p a r a su a p r o t e ç ã o c. s o c ia liz a ç ã o ; o s m e n o -.
r es se r ia m a q u e le s q u e fo r a m a b a n d o n a d o s p e la fa m ília e
p e l a e s c o la e q u e e x ig ir ia m , p o r ..esta c o n d iç ã o , p a r a su a
p r o t e ç ã o , u m a o u tr a in s tâ n c ia e s p e c ia l d e c o n tr o le so c ia l
p e n a l: o s trib u n a is d e m e n o r e s (C e rq u e ira e P ra d o , 1 999: 9).
243
constituir) parte significativa das ações que são produzidas so
bre o ‘riienor infrator5.
Refletir sobre tais procedimentos, clarificando a im por
tância dc enfatizarmos a aproxim ação entre o diplom a legal
8.069/90 (ECA) e os discursos sobre direitos hum anos em sua
vertente nacional (constitucional) e internacional, foi um dos
objetivos do texto que construímos, na defesa da cidadania como
laço unificador de um a sociedade mais justa, digna e igualitá
ria para as crianças e os jovens brasileiros.
Igualm ente propusem os c apostamos na implicação das
práticas profissionais que produzim os, potencializando sua ca
pacidade dinam izadora e catalisadora de transform ações so
ciais, e não servindo apenas como mecanismos que servem à
engrenagem de m anutenção do status quo.
Dessa maneira, consideramos que a constituição do com
plexo de ações sociojurídicas que originou a-T utela em nosso
país já se caracterizou de forma bastante contraditória desde
os seus primórdios através do conjunto de ações que, no enten
dim ento'do ‘'m enor” como objeto do Direito, eram norteadas
a a t e n d e r aos ideais de: 1. P r o t e ç ã o d a ' m e n o r i d a d e a b a n d o n a
da’; 2. Controle e disciplinamento dos ‘corpos desviantes’ e 3.
Repressão social aos ‘com portam entos delinqüentes’ (Pinheiro,
2001: 65),
A proposição de novos modelos para atenção e atuação
sobre a infancia e juventude encontra enorm es dificuldades
diante do fantasma (muito real) das reiteradas práticas de des
respeito e repressão histórica dos direitos das crianças e adoles
centes, dos quais a história da psicologia faz parte.
Paradoxalm ente, com a m udança de enfoque doutriná
rio proposta pela nova lei (ECA),. a própria população alvo dessas
políticas produz falas de estranham ento diante do novo lugar a
que é lançada: o lugar do “sujeito” , referindo-se ainda como
“objeto” de políticas públicas.que espera passivamente a deci
são sobre sua vida e destino.
244
Parte da equipe do Judiciário tam bém aincla parecc não
se aperceber da. nova. dinâm ica legal proposta no ECA e dos
desdobram entos sociais advindos desse texto, não se im plican
do na form ação e transform ação dás políticas de atendim ento
à população que chega aos Juizados da Infanciá e Juventude.
Ressaltamos que não se transform a um quadro secular
cm um único instante e sim através da implicação constante de
cada um dos atores do elenco judiciário, da sociedade e do
Estado no reconhecim ento a essa questão.
P or ora, existe m uito a ser feito, pois nos deparam os
ainda com o perfil típico de adolescentes infratores como per
tencente a um grupo social específico, oriundo de favelas e da
periferia, o que acarreta, em contrapartida, em um reconheci
m ento imaginário distinto das práticas que são produzidas so
bre esse grupo, que se configura como m erecedor de um olhar
preponderantem ente penal no topo das ações que serão em
preendidas. "
Consideram os que, na construção de um novo p anora
m a jurídico, necessitamos de um a nóva config-uração social que
possibilite novos encontros, agenciamentos e atritos na rede
coletiva, de form a a atu ar como catalisadora nas discussões e
reflexões críticas sobre o que seja,Justiça, sociedade, crime,
criminoso, vítima, pena, etc.
Apenas na problem atização das representações que pos
suímos socialmente (e que opostam ente tam bém nos atraves
sam) c que acreditamos ser viável a- efetivação cle alguns dos
dispositivos propostos pelo ECA: como o pacto político entre
Estado e Cidadãos, que se efetivamente exercido por am bas as
partes possibilitaria a conquista de im portantes espaços públi
cos na discussão e com prom etim ento de todos p ara defesa de
direitos e p ara constituição cle um a sociedade menos fragm en
tada, posto que mais igualitária.
Dessa m aneira, realizamos um a análise das representa
ções im aginárias que atuam como m atrizes no processo de
245
“crim inalização” do “adolescente em conflito com a lei” e que
contribuem na cristalização da rriedida de internação como um
dos principais recursos socioeducativos (“punitivos’:) utilizados.
Partilham os da pressuposição de que exista um a com-
plÉrxOrè‘d e_dè_ãtfavessamentos'ri,a_eleição-e-construção-do-que—
seja o '“com portam ento desvianté” que merece o repúdio soci
a l assim com o tam bém avaliamos que a construção ’e a carac
terização do “m enor infrator” (oú adolescente em conflito com
a lei, p a ra utilizarm os a linguagem politicam ente correta) se
ja m processos que podem ser dem arcados historicam ente.
-A lé m d isso, a c re d ita m o s q u e os p ro fu n d o s im p asses exis
te n te s p a r a e fe tiv a ç ã o d o E C A n a a tu a lid a d e são u m reflexo
im p o r ta n te d o r e tr a im e n to d o E sta d o c o m o re sp o n sáv e l p elo
f o m e n to e im p la n ta ç ã o d e p o líticas p ú b lic a s b ásica s e m c o n tr a -
d iç ã o e v id e n te c o m os p rin c ip a is p ila re s d e su ste n ta ç ã o d o te x
to legal.
N a m edida em que não cum pre sua parcela de respon
sabilidade na garantia e defesa dos direitos elencádos pelo Es
tatuto (direito à vida, à saúde, ià alim entação à educação, ao
esporte, ao lazer, ‘profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária), o
Estado cria um vácuo referencial impossível de ser contornado.
Finalizando, gostaríamos; de evocar-que oi Estatuto da
C riança e do Adolecente se insere em um a rede de atravessa
m entos psico-sociopolíticos dirigidos à infancia e juventude, mas
enquanto não considerarm os efetivamente as falas produzidas
p o r esses atores (crianças e jovens) na real concepção de que
sejam eles os S U J E IT O S dessas! práticas e p ara os quais essas
.práticas se destinam , continuarem os a nos rem eter a um a lei
com o “letra m o rta’1’e não como texto vivo capaz ide nos m obi
lizar a em preender ações todos, os dias em favor da cidadania,
da liberdade e da dignidade hum anas.
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248
Marlene Guirado
250
se a um a repetição burocrática d e ; entrevistas e testes, onde,
como preposto im aginário do juiz (na sua cabeça e na cabeça
das pessoas que atende), julga encontrar algumas certezas de
um a atuação psicológica, conforme seu contrato de trabalho e
sua-form ação. -Afin al—não -se -diferenei.a-do j-ô u-n ão -s e -b riga
com, o discurso do Direito im punem ente.
Pois bem. Dizia, no início, que o que perm ite incluir
este escrito num: livro de Psicologia Jurídica é a clientela-alvo
do trabalho em psicologia, adolescentes em conflito com a lei.
O cam inho p a ra a apresentação das idéias, no presente
capítulo, seguirá colado a duas experiências concretas, desen
volvidas em m om entos e com finalidades diferentes: um a pes
quisa acadêm ica (1985) (G uirado, 1986) e um a supervisão
institucional ao Projeto Fique Vivjo (desde 1999). O que as
aproxim a é um certo m odo de conduzir a análise do que se
ouve, se vê e se vive, nessas práticas, na posição de quem faz
tam bém a instituição, só que na qualidade de um interessado
pesquisador ou de um não menos interessado agente de projèto
especialmente contratado.
Talvez repouse néssa vontade de análise permanente e nos limi
tes de suas possibilidades as discussões que pretendemos aqui produ
zir. Procurarem os ser fiéis ao m odo como se foram construindo
i
as descobertas analíticas, num terreno ;onde se miscigenam obser
vações, pré-concepções e interpretações.
Demos, então, início à tarefa...
E m 1985, p ro c u re i e n te n d e r: c o m o in te rn o s d a FEBEM-
SP, n a c o n d iç ã o d e a b a n d o n a d o s ie in fra to res, c o n c e b ia m os
1 N esse m om en to o term o lei está sendo usado não mais no sentido de lega-
251
vínculos afetivos que poderiam (e puderam ) constituir em suas
vidas. Como, por hipótese fundam ental, supunha que a rede
de relações institucionais concretas do contexto FEBEM fazia
parte das relações possíveis e, por isso, teriam papel significati
vo nos vínculos imaginados, procurei tam bém entender o modo
como os funcionários se viam na lida cotidiana de seu trabalho
com aqueles meninos e meninas, menores, conforme o discurso
da época, apoiado no então Código de M enores.
Naquele momento, já havia, de m inha parte, a preocu
pação de fazer um estudo em psicologia que acreditasse na
possibilidade de tom ar como objeto, não os com portam entos
observáveis ou um a realidade psíquica inferida por meio de
interpretações psicanalíticas estrito senso. No caso, a situação
era um a instituição social, o que, por um )ado, facilitava que
não se repetissem os estudos tradicionais, mas, de outro, pode
ria 'conduzir para métodos e recursos da sociologia, tam bém
estrito senso. Com o já vinha, há algum tem po, buscando defi
nir um objeto à psicologia, na fronteira entre a análise de insti
tuições concretas (um ram o da sociologia) e a .psicanálise,
colocando no c e n t r o das a t e n ç õ e s u m c e r t o c o n c e i t o de insti
tuição e a própria psicologia como instituição, conduzi o estudo
no fio da navalha da tentativa de articulação entre um e outro campo
na produção de conhecimento. E, isto, como uma estratégia de pensamento
intencional, como método}
Instrum entada por essas idéias e intenções, por essa es
tratégia básica de pensar, conduzi um a pesquisa acadêm ica
252
im ediatam ente voltada para situações e questões sociais que,
em m uito, extrapolavam os m uros da academ ia .3
Fiz entrevistas com internos e com funcionários, desde
os que m antinham contato direto c o m 'a clientela até os de
direção de U nidades de T riagem e de. Educação. Analisei os
discursos, ali e assim, produzidos c, com isso, configurei o que
se poderia cham ar de subjetividade-efeito das relações constitutivas
das práticas institucionais da F E B E M . .
Desse m odo, pode-se dizer que o estudo não faz, ou não
fez, um a anáíise psicológica das pessoas entrevistadas, mas sim , um a
análise do discurso que é, por suposição teórica, tecido nas malhas
das relações concretas dessa instituição. Portanto, deu-se ênfase às
relações, no e pelo discurso; e qualquer afirmação que se fizesse
sobre os meninos (e mesmo sobre os funcionários) exigiu que se
com preendesse sua estrita fundação no contexto, em questão:'
T an to que, do estudo da subjetividade, derivou a configuração .
de um objeto institucional dessas práticas . 4
253
O que se a p r e s e n t a v a , então, como um a pesquisa feita
em psicologia e por um a psicóloga já se m ostrava um curioso
trançado das noções de sujeito ej subjetividade às de grupos e
instituições. E, aquilo que meninos e m eninas m eidiziam nas
entrevistas eu considerava, sempre, como um ponto, como um
nó daqueles bem cegos, na rede;discursiva, em rejação a ou
tros, com o o do agente-funcionário e, até, o da. agente-pesqui-
sadora. C o n sid e ra v a o que me diziam , com o um a tram a
indissociável de reconhecim entos e desconhecim entos que a
dim ensão discursiva das relações; instituídas perm ite entrever,
ou reconstruir, no discurso analítico. ,
T u d o o que se afirm ou, a partir da análise, sobre o uni-
verso dos vínculos afetivos imaginados comó possíveis pelos
internos não se pensou como um a característica; individual
daqueles jovens, m as como um ajm arca característica da rela
ção institucional. Em outras palavras: como a subjetividade que
naquela relação se constituía. ,
Essas considerações teórico-metodológicas que estou fa
zendo são im portantes p a ra que ío leitor se esclareça sobre os
pontos de partida, ou m elhor, solpre o que pensa esta autora a
respeito da psicologia como fornia de conhecim ento, um a vez
que isto tem relação intrínseca com os resultados a que chegou
e com o que julgou conhecer nessas condições. '
A apresentar esses conhecimentos, nos dedicarem os a
p a rtir de agora. C om o o leitor poderá notar, na escritura deste
texto, os tem pos dos verbos se alternarão entre pasàado e pre
sente, n um a calculada disposição ’das idéias na lem brança e na
teoria.
254 I
essas m áxim as não sobreviveram :à análise que fizemos dos
discursos institucionais. M uitas vezes, o que se.poderia considerar
como prática apenas acentuava u m a das m arcas do discurso. O u
então, n a am bigüidade, era exatam.ente o que se propunha nos
textos -e-falas-mais-elaboradas_de alguns agentes._____________
Isto se dem onstrou quando tom am os p ara estudo os tex
tos oficiais que definem os objetivqs da Fundação: atendimento e
conservação das crianças e jovens em situação de abandono e infração. A
prim eira vista, algo irrepreensível em se tratando de um a insti
tuição de prom oção social. N o entanto, a análise dos textos
escritos bem como das falas em entrevistas (não só de atendentes
como de atendidos) perm itiu configurar cenas que levaram a
pensar que o que a Febemfaz é a conservação das crianças ejovens, no
abandono e na infração. O que parece, apenas um jogo de palavras
é, na verdade, um intrincado jogo de forças;e de equívocos que
o discurso arm a, denotando, n a sua construção, os dois lados
da m oeda do objeto institucional. 'Não se pode negar que esse
dito está no miolo do objetivo, tal como o discurso formal da
instituição o apresenta. M as tam bém não se pode negar que o
que aqui se aponta resultou d a articulação das análises dos
discursos de diversos segmentos ou grupos que faziam aquela
prática.
255
v es, cm carros sem qualquer proteção ou segurança. Os inter
nos, por sua vez, referiam-se aos riscos de ataques por parte de
outros internos e de funcionários, ao mesmo tem po em que
sinalizavam um certo domínio sobre como conseguir relatórios
de liberação por parte de técnicos e monitores,
A relação cotidiana num a casa de reeducação e de contenção
é, portanto, mais um a ocasião de transgressão e essa é a ordem das
coisas...
Daí se poder pensar que, por todos os poros, naquela
situação, respira-se violência, transgressão e infração. E que, se
a FEBEM. não cria a violência, cia parece ser um nicho privile
giado para sua reprodução.
Sobre os vínculos
256
parecia, o tempo todo,, estar nas mãos do mais forte, sendo esse
mais forte o interno que dizia conhecer o mandão lá fora e o
mundinho lá dentro>como a palma de sua mão. O .dizer era, às vezes,
indireto, pelo gingado corporal, pelos meios sorrisos, pelo tom
teatral das falas. As vezes, era direto,'como na resposta dada a
um a pergunta m inha, sobre o significado de alguns códigos
civis que um m enino enunciara por números: “A senhora n u n
ca vai entender o que a gente diz”...',.
Esse dom ínio do personagem -infrator tecia outras histó
rias que contavam os internos, sobre isuas vidas, a p artir do
m om ento em que caíram na m arginalidade (expressão usada
por eles quando se lhes pedia que falassem sobre suas vidas;
todos, sem exceção, diziam que a vida com eçava quando caíam
na marginalidade); histórias a respeito deles com os policiais, com
vítimas, com outros parceiros de transgressões. Os entrevista
dos eram sempre os que punham os contra-encenadores de qua
tro, atiravam neles, roubavam -nos e saíam ilesos para a próxima.
De um m odo que o discurso psicanalítico costum a no
m e a r denegado, um dos m e n i n o s m e disse, em m e i o a um a des
sas heróicas proezas: “Por exemplo, se eu encontrar a senhora
fora daqui, no m undão, eu não vou estuprar a senhora!”
Se essas falas, ainda p ara o discurso psicanalítico, são
exemplares da transferência, das defesas e da auto-idealização,
p ara quem é concretam ente o interlocutor, têm o efeito de re-
instaurar um gênero discursivo, com tudo o que ele implica de
receios, anseios, esquivas e avanços, absolutam ente inscritos na
pele .5
Além disso, nas histórias que contavam de si, sempre
que se configurava um a situação de proxim idade ou de víncu
lo, seguia-se algum tipo de violência que interrom pia o clima e
25 8
me dar um tiro” (comentário de um m enino que teria atirado
em alguém que levou a cerca da casa dé sua mãe p ara fogueira
de festa junina.). Reconhece-se a lei da- propriedade privada
bem com o a punição à sua transgressão; não im porta por que
mãos .a justiça se faça com legitimidade, o 'direito de proprie-
dade é legítimo.
Com o se pode notar, as oposições entre o reconhecimento
desse direito e da legitimidade da transgressão não existem.
D aí até o reconhecim ento da transgressão como a lei, o passo
é autom ático. Por um a daquelas mágicas do discurso em que
um dos interlocutores faz um deslocam ento absolutam ente
involuntário e, portanto está longe de atinar com o que diz, e
o outro ouve sem defato ouvir, a transgressão vira a lei. Acom pa
nhem-se os trechos das entrevistas que se seguem:
Se eu e n tr a r n u m a m b ie n te que t e n h a . .. s ó g e n te
tr a b a lh a d e ir a , h o n e s ta , d ir eita , sei c o n v e r s a r ta m b é m . S e m
se r n a gíria, se m ser g in g a n d o . N o m e io d a m a la n d r a g e m
a g e n t e te m q u e c o n v e r sa r n a g íria , c o n v e r sa r d e m a la n
d r a g e m . A g o r a ... n u m a m b ie n te , fa m ilia r , v o u c o n v e r sa r
d ife r e n te , c o m o g e n te .
S e in v a d ir m e u te r r e n o e . e u tiv e r c o m u m a a r m a d e fo g o ,
m a to . E u faço! N ã o te n h o d ó não! T e m p o d e fo g u e ir a d e
S . J o ã o , aí. n a v ila , n ã o p o d e m a r c a r c o m c er ca . A tu r m a
- n ã o a r r u m a le n h a n o m e io d o m a to e v ã o r o u b a r a c e r c a
d o s o u tr o s .e p ô r fo g o ... cer to ?
259
E: Q u e r d iz er , r o u b a r é u m a co isa to rta , m e sm o !
B: E coisa errada, mas...
E: Mas...?
B: A gente continua fazendo, né... quer dizer, tenho fé em
Deus de não... mexer mais... na casa dos outros.
(...) Agora, tem uma coisa: partiu do meu portào para den
tro, ta invadindo minha propriedade, eu mato e não tenho
dó. Ele ta desrespeitando eu e minha mãe, certo!? E ainda
tá... querendo invadir minha propriedade.
Retomando o fio...
260
Prosseguindo, então: essas conclusões se sustentariam com o
passar do tempo e dos estudos?
O. teste de sua força pôde ser feito, com a:mesma estratégia
de pensamento e para a mesma situação concreta (FEBEM), por meio
de supervisões feitas a profissionais psicólogos. Claro que a cada
situação concreta, surgiam desafios que. exigiam respostas ou
encam inham entos específicos, mas a base do que o estudo de
doutorado apontou parecia e parece se "confirmar.
U m a dessas supervisões, que acontece já há algum tem
po, é exem plar, em vários sentidos, de um precioso traçado (ou
trançado) da prática e da produção do conhecim ento em psi
cologia. É finalidade da escritura do item que se segue dem ons
trar como as coisas podem acontecer nesse outro contexto.
N ão se esqueça o leitor de nossos propósitos de escritura,
de um texto num livro sobre Psicologia Jurídica: o que pode á,
nossa vã psicologia, p ara além daquilo que habitualm ente se ^
coloca como seu objeto; mais cspecificamentc, o que pode ela,
quando feita nos campos afeitos a questões e populações ou
grupos, no âmbito da Justiça, do Direito. .
261
Instrum entos de Percussão, D J ., Leitura, Cartas, Jornal, Pa
ternidade e Prevenção de AIDS. São oficinas de trabalho e
algum as delas têm sido conduzidas como autogestão,.desde a
produção m aterial até a utilização da renda obtida pela venda
-dos_pr odutos._São.coordenadas por profissionais especializados
em cada área (nomeados educadores no quadro de trabalhadores
do Projeto) e acom panhadas p o r psicólogos que se atribuem
função diferenciada daquela do -énsino técnico específico de
cada tipo de atividade. Tais psicólogos, em cada U nidade, são
os mesmos que se ocupam do acom panham ento geral do P ro
jeto naquela casa, m antendo contato com os outros grupos
institucionais, sobretudo com os internos, em situação de roti
na, com o pátio e^ dormitórios. i ;
H á, ainda, um plantão psicológico oferecido aos rapazes
internos, de procura livre, conduzido por estagiários 'de psico
logia, com supervisão feita em conjunto, pelo Serviço ;d e Acon
selham ento do Instituto de Psicologia da U SP e um pijofissional
destacado do Projeto. , ;
■ ] !
Uma história,..
D izer o que acim a dissemos ê pouco, diante cie tudo o
que este Projeto faz e fez. O Fique Vivo já tem um a história de
cinco ou seis anos; um a história de|trabalhos idealizados e con
cretizados, sempre movidos a grandes esforços e reflexões, por
parte de toda a equipe, hoje com posta de psicólogos e educa
dores, em funções de coordenação 1e atividades diretas (oficinas
e contatos com os grupos institucionais, desde internos e
m onitores das U nidades da Febem até diretores da Fundação).
Neste m om ento, correndo 10 risco de ser parcial, mas
garantindo o tem a a que nos propusemos, darei destaque a
alguns aspectos^do conjunto das [ações. Creio, porém , que o
262
leitor, poderá ter um a idéia de' suas principáis características
bem como de sua im portância social. ;
Q uando as supervisões se iniciaram , foi-me possível reco
nhecer, naquilo que estes profissionais relatavam, marcas daquelas condu-
soes a que chegara com o estudo de 1985. Algo parecia profundam ente
enraizado nessas práticas, de tal m odo .que, infelizmente, ape
sar de tantas m udanças anunciadas nas instâncias oficiais, a
situação não se alterava.
Talvez caibam aqui algumas considerações sobre m u
danças. E ntre 1985 e hoje, houve a m udança do Código de
M enores p a ra o Estatuto da C riança e do Adolescente. Claro
que isto é im portante na garantia dos direitos da criança a
atendim ento digno. (Claro que foram criadas instâncias concre
tas mais coerentes com as necessidades de tratam ento desse
segmento da população, no plano jurídico, social e assistencial.
H á, particularm ente, um a alteração no discurso, que busca
corrigir um a discriminação, que por essa via se fazia das crian
ças em condição de pobreza, abandono e infrâção, que eram
invariavelm ente referidas como menores, sob .vigência do Códi
go. Pelo Estatuto, força-se a nom eação por sua condição de
crianças e jovens. Os relatórios psicológico e social bem como
os processos jurídicos parecem constantem ente policiados a
proceder a essa alteração discursiva.' E isso c, em princípio;
correto e bom . No entanto, o que se pode notar é que há algo
de absurdam ente resistente, no plano dos discursos e práticas
concretas, que insiste em perm anecer. Provavelmente porque
as alterações nesse plano têm ritm o lento e exigem que outras
m udanças ainda se processem. As práticas institucionais têm
relação corri um contexto de outras expectativas e instituições
sociais, que continuam dem andandò da FEBEM um a função
específica no trato com a m arginalidade. O fato é que, no pla
no em que nossos.trabalhos e estudos se dão, pudem os'atestar,
não sem um quê de tristeza, a perm anência, em linhas gerais,
do m esm o quadro.
263
A te ccrto p o n to , tal inércia tende a colocar limites em
nossas p reten sõ es de transform ações radicais: sonho de que o
bom senso não nos livra, e que está na base e no horizonte de
nossas preocupações políticas; sonho bom que nos em purra a
tentar sempre:.. Mas o fato é que lá estava eu acom panhando,
agora com as mãos na massa do trabalho direto, as cenas que
a pesquisa configurara.
Bem. Não preciso dizer ..-que um projeto de intervenção
como o do Fique Vivo coloca-se na contracorrente desse m oto
contínuo da instituição. Daí, com freqüência, sua fluência é
atravessada pelos reveses de um trabalho institucional. São várias
as frentes em que se coloca, são várias as atividades que’desen-
vôlve e sao vários os grupos institucionais que envolve. M uito
embora' a proposta prim eira seja a de trabalhar diretam ente
com os internos, constantem ente, isso implica interferir na ro
tina da casa para que os meninos possam participar das ofici
nas, o que, por sua vez, implica ter a anuência de um m onitor
(funcionário da U nidade, responsável pelo contato com os
meninos, para seu cuidado e controle7).
N o início das atividades, e r a esse o e n t r a v e m a i s v is ív e l
a o d e s e n v o l v i m e n t o do trabalho. Como que p ara confirm ar
um a interpretação já desgastada pelo uso, havia um a espécie
de afastamento deliberado de influências estranhas ao cotidia
no e ao ‘habitual. Freqüentem ente, dificultava-se a ida de m e
ninos às atividades program adas e as razoes p ara tanto iam
desde a simples afm tiação de que isso atrapalharia a ordem
das coisas, até que teria acontecido algum tipo de equívoco.
•7 C om tudo o que está ai fundido: cu id ad o/con trole, d iscip lin a/ed u cação,
• reedu cação/contenção. Esses pares de oposios não se distinguem no im agi
nário dos que fazem a FEBEM . E, diga-se, isto não ocorre só na fala dc
agentes e clientela em relação direta, com o tam bém no discurso escrito ofi-,
ciai.
264
M uitos desses entraves nos inipediám dc. avaliar até onde
os próprios internos poderiam estar ou não interessados naqui
lo que o Projeto propunha. Era como sé; na base d a ação, lhe
fosse ceifada a possibilidade de acontecer. Talvez sç possa apon
tar aí um a das formas sutis da dimensão perversa da relação,
que norm alm ente se costuma atribuir às práticas de atendi
m ento tecidas na violência. H á um “ataque ao contrato”, con
forme o discurso e o entendimento psicanalítiço. Com isto, tudo
estaria com prom etido.
Notávamos, ainda, que além dos tempos, os espaços da casa
eram tom ados com reféns de um a espécie dc estratégia de co
locação de limites ao Projeto. Com o assim? O pátio da U nida
de, por exemplo, parecia ser espaço sagrado da instituição; os
coordenadores do Fique Vivo, sobretudo se mulheres, não de
veriam circular nele e determ inadas atividades foram proibidaá
lá. Justificavam as proibições pelo risco de agressão e, até, re
belião. No ar, ficava a sugestão dc que as questões sexuais e de
segurança eram explosivas. Em nome de um pressuposto, a
violência se a n u n c i a v a n o v a m e n t e c o m o a m a r c a d a q u e l a r e l a
ção. Pelo avesso e pelo direito.
Falamos, aqui, de um jogo dc forças que se trava no e
pelo discurso e que está indissociavelmente enlaçado aos pro
cedim entos institucionais. Como se pode notar, o contraponto
i v-'
da tensão, assim gerada, eram os procedimentos das oficinas,
c arro-chefe do Projeto que, na luta p o r sobrevida e por
efetivação, tentou descobrir suas formas de resistência, sem se
deixar paralisar, absorver ou perverter nessa ordem discursiva.
Uma supervisão,..
Nesse ponto, ressalta o lugar da supervisão que eu fazia
com o grupo de coordenadores (diretores do Fique Vivo e seus
coordenadores p ara as atividades de cada U nidade em que ele
265
se desenvolvia). Ela era (e continua sendo) um lugar destinado
especialm ente a pensar o conjunto das correlações dei força na
intervenção. Lugar preferente de análise e de execuçãp do tra
balho que supõe á necessidade, em situações como essa, de um
co rte-no-eontact 0 -im ediato-e-de-eqrpo-a-G Orpo,-no-cotidiano
das relações instituídas. ;
E, como o Fique Vivo é, nas origens, um projeto em
psicologia, idealizado e coordenado, por psicólogos, cabem al
gum as palavras, sobre o modo. como encaram os nossa área do
conhecim ento, sobretudo quando ela tam bém se exerce fora
de seu berço histórico, com perspectivas e fundam entos dife
renciados. i
J\ra supervisão semanal, temos ium m om ento privilegiado
para exercer essa m ágica reciprocidade entre o fazer, e o pen
sar. C ostum am os ter como pauta, questões e dificuldades, que
surgem no trabalho. M as nosso foco (ou, ponto de partida, o que '
na m aioria das vezes dá no mesmo); ê} sempre, a atenção]às relações
concretas, tom adas na mais absoluta relatividade às condições insti
tucionais .de sua.produção; ê a atenção ao discurso, tom ado como
ocasião de análise, o que nos remete, inélutavelmente às imbricações
entre os efeitos im aginários e o coritexto e /o u os procedim en
tos institucionais.“ ■
Só p ara exemplificar: no que diz respeito ao i acom pa
nham ento que os psicólogos fazem às oficinas, temos discutido,
constantem ente, a necessidade de jse reverem os modelos de
pensar a subjetividade, alvo e objeto do fazer psicológico. Com
cuidado, temos insistido em não tom á-la (a subjetividade) como
sinônim o im ediato de um a história pessoal, de um a afptividade,
de um indivíduo, acim a/ao lado/antes/depois dos espaços/tem
pos/procedim entos daquela ordem institucional concreta. T e
mos insistido erri considerar que a^ possibilidade de o m enino
266
falar de um si, muitas vezes soterrado pelo discurso corrente,
obviam ente é de inestimável valor; no'entanto, esta é apenas '
• um a das dimensões da subjetividade que se constrói naquele
contexto. N ão se pode negligenciar que quando um m enino
----- nos-fala._ele traz p ara a oficina, ou p ara a conversa, o pátio e
suas densas relações; traz o dorm itório .e o lugar que ele (inter
no) tem entre os outros colegas de destino social. As regras do
fora da oficina atravessam as posturas e falas no dentro. Este é
o si do e no grupo de que se trata...9.
Exatamente por assim supor serem' aquelas práticas concretas
e p o r assim conceber nossa psicologia, podem os prosseguir
destacando aspectos que m arcariam ^s relações institucionais,
a subjetividade e a psicologia desta tão conhecida instituição
de custódia a jovens em conflito com a lei.
267
substância física qualquer., Esclarecer o equívoco, nem pensar,..
Foi prècisò um jogo de “deixa-disso”, por parte de outros rapa
zes p àfa que .tudo ficasse como se nada tivesse acontecido.
O que cham a a atenção no episódio é a prontidão pára
a anim osidade e a am eaça .de aniquilação do outro; é, tam
bém , a desmontagem da cena, sem vestígio de sua ocorrência;
e, ainda, o medo e o estranham ento que tomou conta do su
posto provocador, incápaz/ím pótente que se sentiu p ara en
tender o que se passava e sair do cerco. No ar, portanto, está o
risco de sobrevivência, pelo desconhecimento fundam ental das
regras seguras de conduta, naquele contexto; pela força de um
código que pode eventualm ente ser tolerante, mas que, num
golpe-, p o d e tam b ém ser fa to r d e ’su m á ria exclusão do
interlocutor. ■
Os meninos é que são maus? Os m onitores teriam razão
de dificultar, no início, o trânsito do pessoal do Fique Vivo?
N unca foi esse o nosso foco, Nosso ângulo de visão abrange a
relação que o discurso encena.
Vejamos outra situação, agora com os funcionários.
C e r t a v e z , um o u t r o c o o r d e n a d o r d o P r o j e t o c o n v e r s a
va, no pátio, com um m onitor e este o provocou, afirmando
que várias tentativas haviam sido feitas por grupos que vinham
cle fora da instituição, com novas e interessantes propostas de
m udança, mas que nada havia de fato m udado. Instado a res
ponder porque, (será que) isso acontecia, disse qué as pessoas
sempre chegavam lá com ideais de educação dem ocrática e
que aqueles meninos só entendiam a disciplina na base da for
ça.- Novam ente invertendo a ordem argüidor/argüido e pros
seguindo com seu desafio, o monitor perguntou o que o psicólogo
faria se estivesse em um a U nidade “desandada”, com jovens
agressivos atacando os mais fracos e os funcionários. Teve como
resposta que, em algumas situações, de fato, é necessária a for
ça; mas, apenas, para contenção de emergência. E, como se
mudasse de assunto, o coordenador-psicólogo lhe pergunta sobre
o tratam ento que a FEBEM dispensa aos funcionários. De ime
diato, ouviu que eram m uito m altratados, que havia m uita
arbitrariedade; por exemplo, costumavam acontecer promoções
de recém -adm itidos, em detrim ento de .pessoas qüe estão há
mais tem po no serviço. E, por aí foi a conversa, até que se
falasse sobre os boicotes ás .regras que, muitas vezes, os funcio
nários fazem, como um m odo de enfraquecer quem deu ás
ordens, como um a represália. Pois bem. Pelos mesmos m oti
vos, com freqüência, o jovem reage a imposições que não lhe
fazem sentido; pelo menos, fica mais fácil respeitar um a regra
quando se pode reconhecer sua procedência. Assim se o jovem
entendesse que, em algumas situações, o funcionário é enérgi
co p a ra protegê-lo, talvez entendesse m elhor o funcionário...
Gomo se pode notar, os personagens são diferentes, mas
há um certo'jogo de dom ínio que se repete, nessas cenas.
Em outro setiing, a experiência concreta destaca que,
dentre as oficinas, urna das que mais despertam interesse é a
de paternidade, o que nos rem ete novamente ao estudo de 1985;
lá, já se anunciava a delicadeza do tema p a r a os meninos. E
capaz de revirar a conversa, fazer eclodir, ao vivo, sentimentos
fortes, hostis ou de desprezo. E mais: o psicólogo que coordena
a oficina tem que ser hábil p ara que os funcionários, que acom
panham os participantes envolvam-se, como naturalm ente o
fazem, sem contudo abafar a voz dos rapazes. E com um que
todos participem efetivamente, num incrível enlaçam ento de
presente, passado• e futuro, apresentando suas histórias e ex
pectativas, mazelas e potências, no que diz respeito às suas
condições de filhos e de pais.
M ais ainda: num a das Unidades, produziu-se um jornal,
na oficina de leitura. H avia nele notícias do mundão e de dentro
da casa, como por exemplo entrevistas com o diretor daquela
U nidade. Curiosam ente, houve reação, am eaças mais ou m e
nos veladas de abortar a cria e não se poder chegar até a fase
de impressão. Ao mesmo tem po, um m ural foi diretam ente
269
proibido. N a s u p e r v i s ã o , procuram os pensar porque esse re
curso teria provocado tanto mal-estar. Com um certo, toque de
s u r p r e s a , chegam os a um a interpretação, que até agora iparece
c o n v i n c e n t e : a com unicação e o conhecim ento de fatos;sociais
c políticos a que estamos todos de algum m odo submetidos ou
que fãmbém produzim os nãcTdeve ser acessível aos que estão
com sentença de privação de liberdaqle. Nesses casos, a infor
mação é tem ida como um explosivo. D aqueles tantos que pa
recem espalhados p o r todos os postosj da relação. Privação de
liberdade, privação de inform ação...
: ■ i
271
Quem tem medo da Psicologia?
Está mais do que n a hora de voltarmos à pergunta-título
deste texto: (nisso tudo) o que pode a nossa vã psicologia?
A resposta foi-se construindo em dois níveis; ê, nisso, de
certa fórma, foi-se dem onstrando que, p ara além da brincadei
ra sugerida pela palavra vã, nossa psicologia podei
U m dos níveis é mais sutil: . tudo o que aqui se escreveu
e afirmou sobré a instituição e a população-alvo do estudo de
1985 e sobre a intervenção do Fique-Vivo (os resultados, por
tanto) guardam íntim a relação com a estratégia de pensam en
to que atribui à psicologia um objeto e um alcance determ inados
(a que já nos referimos no decorrer do próprio texto). O outro
nível são as diferentes inserções do psicólogo, no contexto do
Projeto, tal como exercido na FEB EM.
A experiência concreta, no entanto, reservou surpresas e
apontou para outras formas de identificar a potência de nossa
área de atuação e conhecimento. E é com ela, a experiência
concreta, que pretendem os finalizar o capítulo.
P o d e m o s n o ta r q u e o lu g a r q u e a P sico lo g ia o c u p a n o
imaginário social potencializa-a de algum a m aneira. E isto se
configurou num dado m omento na FEBEM , quando o Projeto
iniciou uma de' suas atividades.
Trata-se da ocasião em que começamos o Plantão de
Aconselhamento Psicológico. Estagiários de psicologia fariam
atendim ento individualizado aos rapazes que o solicitassem.
Com o todas as novas formas de intervenção, esta foi apresen
tada aos funcionários. E sua reação foi absolutam ente inespe
rada. Afinal, depois das dificuldades iniciais de im plantação dos
trabalhos, os profissionais do Fique-Vivo pareciam gozar d a
confiança da casa-. O trânsito de educadores, psicólogos e ativi
dades parecia despertar menos ânimos hostis, por parte d a q u e
les que tinham cómo tarefa a disciplina dos internos. Talvez,
tivessem se acostumado com o trabalho e nao mais o sentissem
272
com o um a am eaça à sua ordem . Talvez tivessem reconhecido
nele um a possibilidade de convivência pacífica, mesmo na di
ferença de aíyos. .
O fato, no entanto, é que houve reação de oposição ao
Plantão, p o r meio de várias formas de resistência: as resistênci
as abertas, com discussões que visavam, outra vez, dem onstrar
que isso poderia indiretam ente causãr rebeliões; resistências não
abertas, com perguntas sobre os procedim entos dos estagiários,
nessas "conversas particulares” com os meninos, sobretudo no
caso de eles falarem sobre violências e agressões feitas pelos
funcionários (o que o estagiário faria nesses casos?; denunciaria
o funcionário?); resistências em ato, com retardam entos de ações
e am eaças (não explícitas, mas caracterizáveis como) de boicote.
É impossível reproduzir, agora, o clima de' tensão que
sc viveu então. N ão cabia u m a interpretação fácil do tipo eles:;
estão se sentindo perseguidos: ela não resultaria em n a d a 'q u e fosse
produtivo p ara o jogo de forças. As vezes, nas supervisões, fica
va claro, por certas colocações feitas, que todos se sentiam
am eaçados, inclusive os coordenadores do Fique-Vivo. A m ea
çados cm sua conduta ctica de intolerância diante de atos dc
violência. »
C uriosam ente, inclusive, a pergunta sobre o que o esta
giário faria não era apenas um a pergunta do funcionário. E ra
de todos os trabalhadores do Projeto, que não se sentiriam à
vontade e sequer coerentes com seus propósitos se, em nom e
do sigilo dos atendim entos, calassem sobre os desm andos de
um grupo institucional.
P arecia, então, ter-se ch eg ad o a um a en c ru z ilh a d a
intransponível, em qualquer direção. Seriam (estagiários, tra
balhadores do Fique-Vivo e esta supervisora, inclusive) coni
ventes com a violência, respeitando o sigilo profissional e
evitando que os meninos que procurassem o atendim ento indi
vidual corressem ainda mais risco de vida? Com o o leitor pode
notar, a pergunta é um paradoxo; um paradoxo que assim se
273
desdobrava: seriam esses trabalhadores coerentes com seus prin relações, fazer do exercício da psicologia um a ocasião cie circu
cípios de não-tolerância p ara com certos atos qué põem em lação de um outro discurso, esse da intimidade como segredo do
risco a vida da clientela da instituição, e por isso, abririam ao um, que põe em risco o segredo da instituição. Vira-a do avesso.
discurso geral o que alguém lhes confidenciasse?; no entanto, M ostra suas costuras básicas; aquilo que lhe dá consistência e
não seria exatam ente aí que se jporiam em risco ;aquele cuja form as visíveis, pelo lado direito.
vida pretendiam garantir? , | : A psicologia, tal como reconhecida naquelas relãçõcs 7
T ínham os apenas certezaide um a coisa: essas encruzi v • trouxe, pelos procedim entos em que seu discurso se produz,
lhadas só se configuram quandojse leva até o limite o alcance 1 ' todo o jogo de tensão e poder na produção de subjetividade,
de um trabalho institucional, cujp objeto e alvo vão na contra nessas práticas de cuidado/contenção da delinqüência/violên-
m ão do objeto e alvo da instituição dom inante/contratante. cia dos (e com os) jovens infratores na FEBEM. A psicologia
N aquele m om ento, como sói acontecer quando nos de pôs em evidência os impasses de um a ética da intimidade; de
param os com a dim ensão paradoxal de nossas intenções e ges u m a ética na produção da subjetividade.
tos, parecia estar havendo engessamento ético do trabalho. Com o Se não pudesse mais, já teria podido muito, nossa psico-
sair disso? O u m elhor, como gaiiantir a vida, como ficar vivo? | logia, não?
A resposta parecia ser um a, apeijas: não paralisando. Exercen | C om certeza, o leitor está interessado tam bém em saber
do o básico: o m ovim ento. ; ■ ; I com o as coisas cam inharam , em meio a tantos impasses. Pois
U m esclarecim ento m aior aconteceu quando, nas super | bem . As discussões que pudem os fazer sobre esses aspectos
visões, pôderse falar tanto desse engessamento ético>como, tam conduziram -nos a definir um prim eiro passo: prosseguir com o
bém , de um a espécie de ameaça 'da intimidade. O que isto quer jí trabalho de aconselham ento psicológico e, coin base na corn-
dizer? Q ue os trabalhos do Fique-Vivo poderiam fluir enquan preensão que dele estávamos tendo, naquele m omento, conti-
to não chegassem m uito perto daquilo que eles (osi grupos que {| n u a r todo o tem po pensando. Afinal, essa era (e tem sido) um a
definem, por sua ação, o objeto da instituição) entendiam como ï possibilidade (talvez a única) de Ficarmos, todos, Vivos...
o mais íntim o das vivências institucionais. Enquanto não levas .■t
sem cada um a dizer do que mais o incomodava,; atingia e o Ê
fizesse sofrer. • Referências bibliográficas ■
Assim, tudo indicava, o segredo do um rem etia, sem fron
teiras, a um segredo institucional. E |a Psicologia seria :o passapor 1j ’ Aries, P. (1978) Hislóna social da criança e da.família. R io cle Janeiro: Zahar
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Paulo: Summ us.
277
aqui à expressão consagrada por H an n ah Arendí;,.e a tomo em
seu sentido original. P ara Arendt,i a banalização podè ser en
tendida com o a corrupção da consciência que se sedim enta em
pequenos hábitos do cotidiano e condiciona a form a pela qual
QS-mdivíduos.-suprimindo-a_capacidade de pensar criticam en-
[ j
te, se acostum am e se acom odam ao arbítrio, à barbárie, à
covardia e ao cinismo.
A essa constatação crítica de Arendt, associo um a afir
m ação m ais recente que nos é trazida p o r Pierre Bourdieu
(Bourdieu et al., 1999). N as ciências, e especialmente nas ciên
cias hum anas, ensina o autor, é preciso suportar a tensão do
desconhecido e .do estranham ento, pois são eles os motores do
conhecim ento. A banalização, ao anular o estranham ento, refor
ça a percepção im ediata, coloca jmaior relevo na experiência
vivida, e restringe nossa capacidáde de exercitar ajeom preen-
são p a ra além do que nos é dado a perceber da realidade ob
jetiva. C om o nos ensina Pierre Bourdieu, osfatos nãofalam\ eles
são u m a evidência da realidade objetiva que o conhecim ento
precisa decifrar.
Essa é a prim eira razão pela qual quero tratar aqui não
apenas daquilo que já se sabe acerca do tem a da violência contra
a criança, m as tam bém das m uitas lacunas e indagações ainda
presentes nesse cam po. A violência contra a criança tem sido
exaustivam ente estudada nos últimos 40 anos, m as um a leitura
aten ta das pesquisas recentes m ostra interpretaçõesjdivergentes
entre os m uitos estudiosos e, mais que responder, lévanta inda
gações que requerem investigação futura. Em suma, dispomos
de fato de m ais perguntas que jde respostas, o que deve ser
to m ad o com o um convite à m anutenção das sensações de
estranham ento que Bourdieu tanto valoriza.
Além disso, a produção dissses últimos 40 anos na área
d a violência contra a criança está ainda lim itada;a um saber
que é taxonôm ico, C om isso, quero dizer que o saber acum u
lado até aqui nos perm ite classificar os eventos observáveis, e
278
estabelecer correlações entre eles. No. entanto, os conceitos ainda
não foram adequadam ente estabelecidos nem as relações entre
os diversos fenômenos suficientemente compreendidas (Calhoun
■m e Clark-Jones, 1998). Em conseqüência' 'dispomos de poucos
elementos que nos perm itam com preender a natureza dos even-
f| tos violentos, tanto em term os dos motivos que os desencadei-
;| . am quanto dos efeitos que eles produzem : O u seja: não é possível .
| j fazer referência a causas ou conseqüências da violência, mas
£ som ente das relações verificáveis entre certos eventos.
V! Sj!íi^eb!l!;.j.vGlasbMficatpno;!rcbrísi5tema.rçbnstniçãG;{léi.catceonasi;de,',rnodo,'a.;brE;anizar.-e1suma- •
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. 1 í " , v j / í j , 1'ii*k- ?’■«.„ '< „ ,r‘ ' 1 i 'ir <; ;
:^nar'Plcomjpprtamento(obsprvaYer^â:-percepçao:lei.as'exf)cneticias.".t.orTi9|iijcxempLq^pp(íeíser. ■
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i. ■ ■ AvioíçnÉiaírial‘'forniai.feaciçclita «fortemente”' ^jácrçijiià”, f não sabe’'l ''“duvidà" ou “duv\da ■
' ' *"ff^ 1' xf*i*vij^*ii srTf 1]i i 3^A< V'j -31 s 1i ik **■|ii*j. ^ ^i^ * i i1% +^ jy *
X- í J,Nj.vel '2'-^ ^ õ /ió ^ iC p jíum 'esqu^rna que .permite ttyssificar e descrever fenômenos; especiü-
| ^cogtf^sfçâÊcço^asiílpísistcrijattz^^^
■' j Y'àve^^nçiT.cia^.oiqupj}ple m ‘j!itU'tdescrcver|l^^éÍação!jçntrej:elas.>/V‘(^onorma.aiãOíOÍcrece;çxpli^/;l
'■ { H'eaçõtésL :-jmaR»pei^téfdeíinir^''.descreVçr.'çlâiramèntei:OSíevpntos';:' as.:'íituações''çy0s:'ç0mpòrta-;
| .d:;rnento^'mscWndQp^
i léan^isâyaíConformeoícpniuntGídcxatèéonasiioantenor.dO'qual'cadavurudadeje,classificada:..
' I
' - 1<>' n rj,j I.,' i 1j ' ,rrS"s,i f K - * ' *- * *Ví ' ■' • <
^lvel^3'f!C>onÇçitual:;mço^p|t'a'fiQnçeipsjdescnüv^s'quc'sãi<?!Sisternatieameme:insendos:nüma i
; >’y s t r u t u r a í a n g ç n t e , de,ouü os^çonccjtòs^^},;qúal^dçnvajn prcjjposi ç õesinaj s‘ qú menos
■■ ' ‘l’èVpy1Cfías\íA o içòntó^oirJdaí(Itaxononiia,S,'o3! conceitos rs3<^definidoslje as 'relações' çrilreycks
279
Grande parte dos trabalhos produzidos na área da vio
lência contra a criança são estudos de perfil epidemiológico.
Q u a n d o a com unidade científica reco n h eceu que certos
ferimentos infligidos aos corpos das crianças tinham como ori
gem a agressão paterna ou m aterna, rompeu-se o grande ciclo
da civilização que fez da família o centro e o núcleo da prote
ção à criança (Gonçalves, 1999). A ruptura com essa visão idí
lica da vida em família gerou grande esforço acadêm ico,
empreendido de início pela com unidade médica, p a ra com pre
ender quem eram as crianças submetidas ao sofrimento no in
terior da.fam ília, e quem eram os pais autores das agressões
que a investigação médica constatava. Estabelecer o perfil da
vítima preferencial, e o perfil do agressor mais comum, foi crucial
para traçar estratégias de intervenção que levassem ao diag
nóstico precoce da violência em família, e às ações de caráter
preventivo que permitissem evitar a ocorrência de novos even
tos violentos.
O conjunto dessa produção foi sem dúvida valioso p ara
dar a conhecer, a extensão do fenômeno, contribuindo ainda
p a r a e lu c id a r asp ccto s a té e n tã o d esco n h ecid o s; fo ra m esses
trabalhos que, ao detalhar as varáveis correlatas ao evento violen
to, perm itiram estabelecer que certos eventos próprios da dinâ
m ica fam iliar - por exemplo, o desgaste ocasionado pelas
dificuldades cotidianas tais como a separação do casal parental
ou as dificuldades fin an ceiras ~ estavam p o sitiv a m e n te
correlacionados à prática de violência contra a prole. Foram os
mesmos estudos de perfil epidemiológico, acom panhando as
vítimas de violência durante algum tem po após a constatação
do abuso, que identificaram, certos efeitos adversos de longo
prazo, que se sucediam ao evento violento e tinham nele sua
causa provável. No entanto, quando esses mesmos estudos fo
ram reproduzidos em outras culturas, verificou-se que as ca
racterísticas da dinâmica familiar que precipitavam a violência
eram outros (Korbin, 1988). Constatou-se tam bém que os efei-
280
tos decorrentes da violência eram variados, podendo mesmo
não haver qualquer conseqüência adversa verificável (Levett,
1994).
Ate hoje, tais diferenças não encontraram um a explica
ção consensual. De fato, os estudos comparativos representam
hoje u m a área. im portante de investigação, pois tudo indica
que a descoberta dessas diferenças, e sua posterior elucidação,
pode lançar luz sobre aspectos ainda desconhecidos da vida
em fam ília, e dos fatores que precipitam ou im pedem a ocor
rência de eventos violentos contra a criança.
Essa variabilidade é singular e em si m esm a elucidativa.
Ela nos ensina que a questão da violência contra a criança
encerra ainda m uitas surpresas, e se não estivermos atentos a
elas correm os o risco de analisar e agir pautados nas crenças
advindas do senso com um , que tende a reforçar escalas de
valores auto-referentes e a desconhecer a diversidade.
E m resumo, dispomos de um saber provisório, que está
sendo construído, e isso recom enda postura cuidadosa e aban
dono das certezas. Se essa é um a dificuldade inegável, pode
p o r o u tr o la d o re p re s e n ta r um in stig an te e profícuo desafio para
aqueles que hoje se propõem a investigar, o tem a da violência
contra a criança —pois há m uito ainda a descobrir - e para
todos os que se propõem a atuar em program as de. proteção à
criança vítim a de violência — um a vez que cada caso singular
encerra surpresas e requer que tudo aquilo que sabemos seja
posto sob o crivo crítico do exame j á que a violência contra a
criança não tem causas nem conseqüências necessárias (Belsky,
1993).
281
Definições, indícios, conseqüências e jipologia
Definições
283
tratado como produto de um a ação abusiva, inclusive os aci
dentais, o que pode colocar a necessidade potencial de intervir
em todo e qualquer caso em que seja identificado ferimento na
criança. A definição adotada oficialmente no Brasil, como ve
remos a seguir, adota a intencionalidade como critério para
qualificar o ato como violento.
O utro aspecto controverso das definições diz respeito ao
grau de com prom etim ento, físico ou psíquico, que decorre do
ato. Aqui, a polêmica m ais im portante pode ser traduzida na
célebre pergunta sobre se um tapa pode ou não ser considera
do como um ato de violência. E nquanto alguns autores consi
deram que qualquer agressão ao corpo da criança deve ser
definida e abordada como um ato abusivo, outros acreditam
que um tapa e um espancam ento são fenômenos diversos na
sua natureza, e por isso cada um deles induz ações tam bém
diversas entre si. Por exemplo, Emery e Laumann-Billings (1998)
propõem distinguir entre duas formas de violência em família:
(1) a leve, ou m oderada, que designam como “m aus-tratos em
família”, e (2) a grave, p ara a qual reservam, a classificação de
“v io lên cia fa m ilia r” . O p rim e iro tip o e n g lo b a risco o u d a n o
físico ou sexual mínimo, enquanto que o segundo abarca injú
rias físicas graves, traum as psicológicos profundos ou violação
sexual. Os próprios autores argum entam que essa distinção
envolve certo grau de arbitrariedade, mas tem alto valor ope
racional; com base nela, os profissionais teriam mais segurança
para optar por apoiar a família e trabalhar em prol da m elhoria
das relações entre pais e filhos, ou por afastar tem porária ou
definitivam ente d a casa pais excessivam ente violentos ou
abusivos. Símons et ai (1991) tam bém já apresentaram a p ro
posta de criar subcategorias de violência, conforme sua gravi
dade, cada um a das quais abrindo um elenco de alternativas
de ação.
H á ainda um a dificuldade adicional que m erece ser no
m eada. Com o veremos logo a seguir, as definições incorporam
a referência direta ao dano que a violência produz na criança.
O corre que esse dano só pode ser verificado a posteriori, fre
qüentem ente transcorrido algum prazo após o evento violento;
além disso os efeitos, da violência sobre o corpo ou a psique da
criança variam em larga escala, tanto em natureza quanto em
intensidade. Caímos portanto num a circularidade. Com o re
sultado, term inam os por definir o ato como "violento” antes e
independente de qualquer efeito verificável, o que term ina ge
rando problem as tanto p a ra a pesquisa da violência quanto
p ara a proteção da criança.
Em outro texto (Gonçalves, 1999), j á citei um trabalho
que considero bastante elucidativo. Trata-se de um estudo con
duzido num a pequena aldeia africana, cm que a iniciação se
xual de m eninas de cinco ou seis anos de idade é feita por seus
irm ãos, pais ou parentes próximos. Com o faz parte de ritos de
iniciação seculares, essa prática não é vista como violenta nem
produz qualquer dano às m eninas a ela submetidas. Ao con-
trário, é parte im portante de sua identidade e inserção na es
trutura tribal, e portanto seus efeitos não são danosos, mas
benéficos.- C ham aríam os a isso de violência contra a criança?
Essas dificuldades são próprias do estágio do conheci
m ento produzido, como já vimos fortemente im pregnado da
constatação empírica. Q uero convidar o leitor a m anter em
m ente tais dificuldades e limites na leitura dos tópicos a seguir,
em que passo a tratar daquilo que já se sabe no cam po da
violência contra a criança.
Indícios
A im portância de reconhecer a violência a partir de si
nais e indícios deriva de um a situação singular: todo o profissi
onal que se disponha a trabalhar na área deve estar preparado
p ara lidar com um problem a que não só não é anunciado como
285
eventualm ente pode ser negado, ou escamoteado, pela criança
e pela fam ília. A condenação mora) da violência, e em particu
lar a condenação m oral da violência de pais contrai filhos, faz
com que o ato cotidiano que implica risco de ser submetido ao
crivo m oral seja sonegado à consciência de seu autor e mais
ainda ao conhecim ento do profissional que o interroga.
Ambroise T ardieu, em 1860, e H enry Kem pe,1em 1961,1
relataram que após exam inarem los corpos m ortos i ou feridos
de crianças dirigiam-se aos pais para buscar entender como o
ferim ento havia sido produzido; as respostas que recebiam dos
pais eram contraditórias entre si, íincoerentes com o dano ob
servado, e às vezes claram ente fantasiosas. Isso levou-os a reco
m endar aos m édicos que privilegiassem a evidênpia física e
desconfiassem do discurso, dos pais, que podem ocultar dados,
esconder motivações e com isso com prom eter a recuperação e
a proteção da criança. Desde então, firmou-se a.preocupação,
em identificar sinais e sintomas de m odo a que o diagnóstico
da violência possa ser estabelecido independente da .explicação
dos' pais ou responsáveis. i i
A literatura disponível lista um a série de efeitos que fo
ram observados em crianças vítimas de violência; esses mesmo
efeitos têm sido tom ados como jindícios, e forami elevados à
categoria de sintomas, que podem auxiliar o diagnóstico retro
ativo da violência. O u seja: como se sabe que várias crianças
reagiram à violência com os sintomas listados abaixo, o profis
sional deve suspeitar que ao sintom a corresponda a mesma cau
sa, e deve por isso investigar se a violência ocorreu na história
de vida passada da criança.
Os textos que abordam sináis e indícios de violência contra
a criança fazem dois alertas: emj prim eiro lugar, recom endam
ao profissiona.1 que se detenha no exame cuidadoso e circuns
tanciado do caso, sempre que identificar os sinaià e sintomas
286
listados abaixo; em segundo lugar, que o profissional esteja atento
p a ra o fato de que nenhum desses sinais é indício seguro de
que a violência ocorreu.
é.i-FraturaS'cm'cri^n^s'mcnorcs'de/iSânqsi.mercccmhnvestieaçao'j.naOi'CiCÇmumouc'cnanT;;
;>ças inovas, ijasuaimente J50UC0 ^xpostjW/^aqaentcsÿmpprt^n^es^oiram ir a ^ i^ jim^çrcantesjíi;'
secoxndoló cônïtecimèntô'méyico.^àl^ns'tiposkHe-ÎrâtûraT^àciéntifK^
^ S Q ^ a o s^ ro ^ e^ k n a a ^
'■:7:' Doencas- cromcas,ysem>tratamentOi-podem'jseE«inqiçio':dcÿviolenciiiJ?e:-':os;:pais^tcmi:Cornoà .•
. ;U - -■::i--^ i .\.>y.-s-tí/,
■■'íDrover iO-tratamento':e íse;f oram ®eviaamente.iQnentaaos iquaiuoía <sua^mportanciaíj>:ÍHfiKí ••;.
HO A u s e n c i | ^ ^ n t a ^ ^ i c d ^ m ajçnan^a, autudç di m t e ^ ó ^ p | ^ . o g r è ^ | g r a s ; ^ g
_
■?ausenciardé;rcrò^sta"áõícSõra:òurao5ofnmentO;:da:Críaiiça-sâó"''sih^s7déricoinórúínèúmentQ'^
^ v..__ _ J S i4 r ~
.■Fonte:
^tçí:nppSj|qüê5jjap{ce^a|^
287
Conseqüências
238
tal. O leitor já deve ter observado que as estatísticas disponí
veis m ostram o crescim ento em todo ó m undo dos índices cle
m ortalidade p ó rc a u sa s externas; deve observar, contudo, que
a denom inação "causas externas” engloba não só os eventos
intencionalm ente produzidos - com um ente relacionados à vio
lência —como tam bém os eventos acidentais, não intencionais.
A dificuldade em distinguir entre am bos é um em pecilho p ara
determ inar o grau em que os índices de m ortalidade por cau
sas externas pode ser atribuído à violência. Essa discussão se
aplica aos índices de m ortalidade e é ainda mais im portante na
determ inação dos índices de m orbidade (casos nao fatais).
E m b o ra sejá dlflCll t^;G^u^^ÊOTteN^-'é;.umaidenornináçâ{)vádotada*;pcláv
determ inar o im pacto pre-
. ]<v . . .fzàa.áÇ.^tu^!za^4'el™^ritc^í€ntàJJda^Or§^nlzação•■
CISO q u e â v io lê n c ia vai p r o - : tuídiáLl dà:Saúde./A' e^ressão dc?ignaamv conjunto.
duzir sobre u m a criança, d«; causas/de origem externa aó.coipo,do indi\idua,
. i T i i ^ciué^pÒdcrh produzirjdoençaVou^mdrtCyisejà lpor/áção' '
sabe-se que ele depende de .4njfeífàòn&^)qr.èx^
um conjunto de circunstân-
Tt , ;'viGID:".ç^feferên’cià' internacional' ria; classificação.'dé/áo-'.'
cias. U m levantam ento pu-
blicado p o r E m ery e L au- 'Údaíde) oiiVriaò^ CMÍ1«iic«_^dè;^òrbida l ^ ;'v1
mann-Billings (1998) m ostra que esses efeitos dependem
(a) da p ró p ria n atureza da violência: um a agressão fisica p ro
duz efeitos específicos que diferem daqueles gerados pela '■
agressão sexual; essa especificidade será tratad a adiante;
(b) de características individuais d a criança, que pré-existem à
violência; por exemplo, um elevado grau de auto-estima tende
a m inim izar ou m esm o a neutralizar os efeitos adversos da
violência;
(c) da n atureza da relação entre agressor e vítima; com o regra,
sabe-se que á violência praticada p o r um desconhecido, ou
p o r um parente distante, produz m enos dano p a ra a crian
ça que aquela cujo autor é um parente próxim o; a proxim i
dade do vínculo deve ser levada em conta;
(d) da resposta social à violência sofrida: o auxílio de profissio
nais especializados ou a intervenção dos operadores do di-
289
reito são fatores que contribuem p ara reduzir o dano oriun
do da violência; ; ;
(e) do apoio que a criança recebe ;por parte dos outros signifi
cativos, em especial no núcleo jfamiliar; a reaçãoí do núcleo
f?Tfhiliar~aos-eventos-violentosJimpacta_ta m b é m ia criança^
m inim izando ou exacerbando o efeito do ato violento, con
form e a fam ília m an ten h a a capacidade de suportar a cri
ança ou se desorganize em raízão dos eventos dos quais.tom a
cons/ciência.
j
Em sum a, a reação da criança depende nâq só da vio
lência per si m as tam bém , e em jgrande m edida, do processo
que tem curso após o evento violento.
Tipologia
i
Violência iísica
A violência física pode serjdefmida como aios violentos com
uso da força jísica deforma intencionalnão acidental, praticada por pais,
responsáveis, familiares ou pessoas próximas da criança ou dó adolescente,
com o objetivo de ferir, lesar ou destruir d vítima, deixando iou não marcas
evidentes em seu-corpo {Brasil, 2002). ;
A definição integra docum ento publicado pelo Governo
federal. Com base nela, som ente serão considerados abusivos
os atos intencionais com propósito lesivo p ara a criança. Des
cartam -se portanto os danos ocasionados por acidentes, assim
como aqueles cuja finalidade pjode ser considerada educativa.
Esse último aspecto levanta um a polêm ica que não pode ser
ignorada. s
A punição com finalidade educativa institucionalizou-se
na Suméria prim itiva, foi durante muito tem po aceita nas es
colas americanas, adm itida àtéjrecentem ente nas: escolas ingle
sas (Guerra, 1985) e ainda é adotada por força de cultura em
290
m uitas famílias em todo o m undo. Historiadores admitem os
castigos severos da Antigüidade foram sendo progressivamente
abandonados, e hoje a punição física, quando adm itida, é mais
b ran d a ou sofre controle mais estrito (Ariès, 1978; DeM ause,
1982). N o Brasil, a punição corporal cóm propósitos educati
vos é amplãmentê~diss'eminada-e-tem-s6u-uso~iustificadg pela
cultura.
J á vimos que o dano que a violência causa à criança
depende da reação social e fam iliar que se segue ao ato dito
violento; já vimos tam bém que a violência se defme, inclusive,
pelo dano que a ela se sucede. Lazerle (1996) fez um amplo
levantam ento da literatura acerca dos'efeitos da punição cor
poral com finalidade educativa; segundo ele, 40% das pesqui
sas m ostram que a punição corporal não produz qualquer dano
à criança; mais que isso, 26% dos trabalhos indicam efeitos
benéficos dessa m odalidade punitiva, entre os quais a introjeção
de valores da cultura. D ay et al (1998) m ostraram ainda que a
qualidade do vínculo entre pais e filhos, e a extensão em que o
casal adota outras técnicas autoritárias de disciplinamento, tem
grande relação com os efeitos que a violência provoca. Esses
dados m ostram que é o contexto social e cultural em que a
punição ocorre, e não a punição per si, que determ ina o dano.
P ara B aum rid (1996), isso indica qué há muito ainda a pensar
nesse cam po.
Levar em conta determ inantes culturais parece essencial
no Brasil, onde a punição corporal é aceita e largam ente p ra
ticada. A paternidade, e as form as de seu exercício, não nas
cem nem se esgotam na família nuclear. Antes de sermos filhos
de .nossos pais, somos filhos da construção cultural que os an
tecedeu, que inform a os modos pelos quais somos educados e
que delim ita opções concretas sobre métodos educativos que
são postos em prática. N enhum a fam ília inventa o sistema de
parentesco e nenhum indivíduo é soberano para fundar regras
ou operá-las (Rébori, 1995). É p o r isso que o trato desse tem a
291
tangencia a questão da identidade cultural, aspecto que não
deve ser relevado.. . -
No Brasil, a autoridade e a hierarquia são fortemente
pautadas na violência, o que contribui para que o uso da puni
ção corporal com finalidade educativa seja disseminado e co
mum. É um a ilusão, no entanto, achar que a própria cultura,
não controle seus excessos. J á .foi verificado (Gonçalves, 2001)'
que a punição corporal é aceita apenas dentro de rígidos limi
tes. Q uando praticada segundo essas regras, cia é endossada
pelo social e por isso seus efeitos são diferentes (e menos dano
sos) daqueles provocados pela violência severa, que a cultura
condena.
O peso do contexto cultural será tanto m enor quanto
m aior for o dano físico que a violência .provoca. Nas formas
mais severas o contexto tem m enor influencia, e isso parece
óbvio quando pensamos nas formas extremas em que a violên
cia física leva à morte. Levar em conta esse continuum parece no
entanto sumam ente im portante, pois é ele que recom enda evi-
tár que um a mesma norm a oriente indiscriminadamente as ações
de proteção à criança.
Violência sexual
A conceituação de violência sexual tem estreita relação
com o feminismo. Nos movimentos feministas, o abuso sexual
de mulheres e crianças é concebido como um crescimento dos
valores dom inantes e possessivos do hom em sobre a m ulher ao
longo da história (Bottoms, 1993). De fato, em bora o abuso
sexual atinja crianças de ambos os sexos, as m eninas e as jo
vens adolescentes são sem dúvida suas vítimas preferenciais,
enquanto seus autores são quase sempre do sexo masculino
(Berkowitz ei a l , 1994; Silva ,e Dachelet, 1994). H á aí portanto
um. forte viés sexista. N o'entanto, apesar do em penho do femi
nismo na denúncia da violência sexual contra mulheres e mç-
292
ninas, o abuso sexual contra crianças só foi considerado um
problem a de grande m agnitude nos anos 80 (Bottoms, 1993).
A violência sexual
c o n siste e m to d o a to o u j o g o se x u a l, r e la ç ã o h e te r o s s e x u a l
o u h o m o s s e x u a l c u jo a g r esso r e stá e m e stá g io d e d e s e n v o l
v im e n to p s ic o s s e x u a l m a is a d ia n ta d o q u e a c r ia n ç a o u o
a d o le s c e n te . T e m p o r in te n ç ã o e stim u lá -la s e x u a lm e n te o u
' u tiliz á -la p a r a o b te r sa tisfa ç ã o se x u a l. A p r e s e n ta -s e s o b a
fo r m a d e p r á tica s e r ó tic a s e se x u a is im p o s ta s à c r ia n ç a o u
a o a d o le s c e n te p e la v io lê n c ia física, a m e a ç a s o u in d u ç ã o
de su a v o n ta d e . E sse fe n ô m e n o v io le n to p o d e v a r ia r d e sd e
a to s c m q u e n ã o se p r o d u z o c o n ta to s e x u a l (v o y e r ism o ,
e x ib ic io n is m o , p r o d u ç ã o d e fo to s), até d ife r e n te s tip o s d e
a ç õ e s q u e in c lu e m c o n ta to se x u a l se m o u c o m p e n e tr a ç ã o .
E n g lo b a a in d a a s itu a ç ã o d è e x p lo r a ç ã o s e x u a l v isa n d o
lu cros c o m o c o c a so d a p r o stitu iç ã o e d a p o r n o g r a fia (Brasil,
2002 ). . *
293
de sedução gradual, principalm ente quando acontece dentro
da família (Berkowitz et al, 1994). Nesses casos, as m arcas são
m enos visíveis e, do ponto de vista da produção de provas da
ocorrência do abuso, exigência com um nos aparelhos judiciá
rios, entre esse é um aspecto que deve ser levado em conta.
O u tra questão que m erece destaque é a referência à di-
iere n ça de estágios de desenvolvimentp entre a criança eío autor
da violência sexual. Esse aspecto parece ter grande im portân
cia pois é ele que perm ite distinguir a violência dos jogos sexu
ais entre crianças ou entre adolescentes.
Sabe-se que os jogos sexuais fazem parte do desenvolvi-
. m ento da criança, e é tam bém com base neles que a sexualida
de busca sua expressão mais sadia. Por outro lado,'a consciência
contem porânea condena com veemência toda e qualquer for-
. m a de violência sexual contra a criança. O senso com um con
sidera essa a form a m ais grave de abuso (Gonçalves, 2001); a
literatura registra que o abuso sexual produz um a sensação de
incôm odo na m aioria das pessoas, e >há autores que defendem
ser esta a form a extrem a da violência contra a criança (Ama-
zarray e Koller, 1998). Essa convergência entre o senso co
m um e a academ ia, fortalecida além do mais pelas inúm eras
cam panhas que têm sido veiculadas na mídia em todo o m un
do, contribuem p ara consolidar a percepção de que a violência
sexual contra a criança deve ser alvo de forte condenação moral.
No rastro dessa percepção, podem-se produzir certos
excessos que term inam colocando emjfoco os jogos sexuais entre
iguais. Não falo aqui em tese: de fato, já testem unhei .“suspei
tas de violência sexual” levantadas p o r pais assustados por des
cobrirem suas filhas participando de íjogos sexuais com colegas
do sexo oposto, e da m esm a idade, i
Levando esses limites em conta, Finkelhor (1994) reco
m enda que só seja nom eado-com oj abuso sexual o ato cujos
protagonistas têm entre si um a diferença de 5 anos (quando a
’ vítim a é m enor que 12), ou de 10 anos (se a vítima tiver entre
294
13 e 16 anos). O critério de idade, contudo,-não deve ignorar
o uso da força física ou a exploração de autoridade. Friedm an
(1990) tende a desprezar a idade p ara conceder m aior relevo à
habilidade da vítima em consentir no ato; para ele, isso perm i
tiria um a análise mais com pleta da situação por parte tanto
das autoridades jurídicas quantõ^õs'té'cnicos'envolvidos-nocaso.
H iperatividade ou retraim ento; baixa auto estima; difi
culdades de relacionam ento com outras crianças ou com adul
tos, acom panhada de reações de medo, fobia ;ou vergonha; culpa,
depressão, ansiedade e outros transtornos afetivos; distorção da
im agem corporal; enurese e /o u encoprese; am adurecim ento
sexual precoce, ou m asturbação compulsiva; gravidez e tenta
tivas de suicídio têm sido associados à violência sexual (Berkowitz
et al, 1994; Banyard e Williams, 1996; Bottoms, 1993).
D e novo, essas reações estão sujeitas a certas condições
de contexto. Se o abuso é acom panhado de violência física, as
conseqüências de curto prazo tendem a ser mais traum áticas,
com ansiedade, depressão e distúrbios do sono (Banyard e
Williams, 1996). H á estudos que indicam que, nestes casos, a
■vivência traum ática da violência tem mais impacto que o cará
ter sexual da agressão (Vieira, 1990).
A reação da criança vai depender ainda da duração do
abuso (um episódio único é menos traum ático que o abuso
continuado), da presença ou ausência de figuras de apoio para
a criança (familiares., profissionais oú amigos) e da proxim ida
de do vínculo entre a criança e aquele que a agrediu (agravan
do a vivência de traição de confiança) (Amazarray e Koller,
1998; Banyard e Williams, 1996).
D uração, apoio e vínculo sãò temas que colocam em
xeque o papel dos adultos significativos, em particular dos
m em bros da família, Não é raro que o abuso sexual intrafamiliar
perdure p o r certo tem po, e seja praticado por adultos com os
quais a criança m antém importante relação afetiva. A isso, soma-
se a dificuldade da família em m anter íntegras suas funções,
295
inclusive sua capacidade de apoiar e proteger a criança. P ara
que se tenha- um a idéia dessa dificuldade, basta constatar que
pouquíssimas denúncias chegam aos tribunais, e a principal razão
para isso é a pressão contrária exercida peia própria família
(Silva e Dachelet, 1994). A ação policial-repressiva ao abuso
sexual intrafamiliar conta com forte oposição do núcleo fami
liar, o que é em geral atribuído ao. receio de perder o esteio
econômico (se o agressor é o provedor da casa) ou m esm o à
dificuldade em realizar as rupturas afetivas que a revelação do
abuso impõe. Por todas essas razões, Furniss (1993) recom enda
que tanto a criança quanto a família sejam alvo de ação profis
sional especializada, como forma de m inimizar os sentimentos
de desam paro, perda de controle, autocensura e culpa que
acometem á todos os mem bros quando se revela o abuso se
xual familiar.
Finalmente, investigações recentes têm m ostrado que a
idade da criança à época do abuso é outro fator que influencia
suas reações. Para um a criança muito nova, o contato sexual
pode ser desagradável ou mesmo, assustador; por outro lado,
cia n ã o a lc a n ç a o p le n o significado sex u al do ato (B a n y a rd e
Williams, 1996), e desconhece por completo sua condenação
moral; essa condenação - que acentua o valor transgressor da
violência sexual e' contribui p ara acentuar a .culpa e a vergo
nha - só pode ser atribuído pela sociedade c pela família.
Negligência
O termo negligência
d e sig n a as o m issõ e s d o s p a is o u d e o u tr o s r e s p o n s á v e is (in
clusive institucionais) p e la crian ça e p e lo a d o le sc e n te , q u a n d o
d e ix a m d e p r o v e r as n e c e s s id a d e s b á sic a s p a r a se u d e s e n
v o l v i m e n t o físico, e m o c io n a l c so c ia l. O a b a n d o n o é c o n
sid e r a d o u m a fo r m a e x tr e m a de n e g lig ê n c ia . A n e g lig ê n c ia
• sig n ifica a o m issã o d e c u id a d o s b á sic o s c o m o a p r iv a ç ã o
d e m e d ic a m e n to s; a fa lta d e a te n d im e n to a o s c u id a d o s n e -
296
c e s sá r io s c o m a sa ú d e ; a a u s ê n c ia d c p r o t e ç ã o c o n tr a as
in c le m c n c ia s d o m e io c o m o o frio e o calor; o n ã o p r o v i
m e n t o d e e stím u lo s e c o n d iç õ e s p a r a a fr e q ü ê n c ia à c s c o la
(B rasil, 2 0 0 2 ).
297
lidão a que são' relegadas pela com unidade. A autora supõe
que esse sentim ento de exclusão jsocial, que parece subjetivo
m ais que objetivo, possa resultar 'em apatia, imobilismo e fra
casso no provim ento das necessidades da criança, desencadeando
Qu-agravando-a-negligência-em_família._P.or_isso, recom enda
que a inserção em redes sociais 'de apoio vise nãó apenas o
fortalecim ento do auxílio efetivo e concreto ~ com ia oferta de
recursos m ateriais —m as tam bém le sobretudo o fortalecim ento
dos vínculos afetivos entre a família e a com unidade.
E m b o ra o Brasil não dispo’n h a de dados estatísticos em
escala nacional, levantam entos pontuais indicam que a negli
gência é um dos tipos de violência mais detectados nos diversos
serviços estruturados p a ra lidar com a violência contra a crian
ça. H á poucos estudos que avaliem as razões p a rá tal. U m a
hipótese a ser levantada é que a desigualdade social, que vem
crescendo ao longo da últim a défcada, possa efetivamente h a
ver colaborado p a ra que o provim ento das necessidades das
crianças ten h a se tornado m ais difícil, acentuando 'suas neces
sidades insatisfeitas; nessa hipótese, os índices elevados de ne
gligência poderiam estar acobertando a dificuldade da distinção
conceituai e prática entre violência e pobreza. O u tra hipótese
é que a vida nas com unidades, tradicionalm ente pautadas pela
solidariedade social e fortem ente ancoradas nas relações de
vizinhança (Aragão, 1983), esteja! sofrendo em razão da ru p tu
ra do tecido social que decorre inclusive da escalada da crimi
nalidade e da delinqüência. As jhipóteses não se lexcluem, e
m erecem verificação.
I
Violência psicológica ;
I
A violência psicológica j |
c o n s titu i to d a fo r m a d e r e je iç ã o , d e p r e c ia ç ã o 1, d is c r im in a
ç ã o , d e sr e sp e ito , c o b r a n ç a s e x a g e r a d a s, p u n iç õ e s h u m ilh a n
te s e u d liz a ç â o d a c r ia n ç a o u d o a d o le s c e n te p a r a a te n d e r
às n e c e s s id a d e s p s íq u ic a s d o s a d u lto s. T o d a s :essa s fo r m a s
298 !
de m a u s-tra to s psicológicos causam d a n o ao desenvolvi
m e n to è ao crescim ento biopsicossocial d a cria n ça e do
adolescente, p o d e n d o p ro v o c a r efeitos m u ito deletérios n a
fo rm a çã o de sua p erso n a lid a d e e na sua fo rm a de en c a ra r
a vida. P ela falta de m a teria lid a d e do ato que atinge, so-
— -----------b retu d o ,-o -ca m p o _ e m o cio nal e espiritual d a vítim a e pela
falta de evidências im ed iatas de m au s-trato s, este tipo de
violência é dos m ais difíceis de serem identificados (Brasil,
2002 ). :
299
violência, crueldade e opressão, p u n id o na fo rm a d a lei
q u alq u er aten tad o p o r ação o u om issão, aos seus direitos
• fundam entais.
... A rt. 13 - O s casos de suspeita o u confirm ação de m aus-
tratos contra crianças e adolescentes serão o b rig ato riam en te
com unicados ao C onselho T u te la r d a respectiva lo calid a
de, sem prejuízo de outras providências legais.
301
inocentes e culpados, e causa um dano irreparável às famílias
investigadas p o r falsas denúncias (Besharov, 1993). N ão nos ilu
dam os: as denúncias não com provadas chegam a 60% nos
Estados U nidos (Besharov, 1993) e 90% no Brasil (Gonçalves et
a l , 1999). i
Alguns autores argum entam : mesmo que, ao estimular a
notificação da suspeita de m aus-tratos, a legislação term ina
pecando contra a proteção da criança. Por sobrecarregar os
operadores do direito com um a sobrecarga de casos1a investi
gar, to rn a impossível estabelecer prioridades, investigar os ca
sos de form a m eticulosa ou decidir com mais propriedade o
m elhor encam inham ento de cada caso. Com o resultado disso,
40% dos casos notificados não são objeto de qualquer averi
guação ou assistência (Emery e Laumann-Billings, 1998), e um a
porcentagem im portante de m ortes por m aus-tratos vitim a cri-
anças cujas situações já haviam sido encam inhadas às agências
de proteção (Besharov, 1993). ’ •
N o que se refere à decisão de notificar, o profissional vê-
se quase elevado à condição de perito, já que sua decisão as
senta num caráter “técnico” cuja racionalidade condiciona o
destino dos envolvidos. Q uero lem brar aqui que, na definição
de Castel (1978), perito é aquele que define se um problem a
existe ou não, qual é a sua ‘verdadeira1 natureza, e como deve
ser tratado. Pela autoridade que a sociedade confere ao perito
em razão de sua com petência técnica, seu parecer é .como re
g ra levado em conta e, assim, a p_erícia opera no sentido de
transform ar o julgam ento técnico do especialista em realidade
social. ' ;
Aqui, com eçam os a nos defrontar com os efeitos sociais
e éticos da conceituação de violência e de seu valor social como
instrum ento de intervenção na vida das famílias, e por exten
são nos modos de construção do social.
Vale determ o-nos nas implicações e nos desdobram en
tos do trabalho assim cham ado “técnico”. A decisão de notifí-
302
car sucede, ou conclui, um conjuntç de tomadas de posição do
profissional que tem início com a escolha de um ou outro con
ceito operacional de violência; com base nessa prim eira esco
lha, vamos verificar se a situação em exam e preenche os
requisitos da definição, e se a situação pode ser qualificada de
violenta; em seguida, o profissional7passaTaxolher um a~série_de
informações que visam desenhar o contexto da situação que
exam ina, trabalhando por vezes sob a difícil recom endação de
suspeitar dos depoim entos que.colhe; finalmente, vai debruçar-
se sobre todos os elementos disponíveis para decidir o que deve
ser privilegiado, de m odo a encerrar sua avaliação.
■ É impossível im aginar que esse percurso possa ser abso
lutam ente isento dos valores de quem procede à avaliação. Vou
trazer aqui, como ilustração, um estudo feito no C anadá, por
T ourigny e B ouchard (1994). Eles verificaram que enquanto
14% das famílias canadenses são notificadas por abusarem fisi
cam ente dos filhos, 44% das famílias haitianas residentes no
C an ad á o são pelò mesmo motivo. U m a análise acurada des-,
ses índices m ostrou que eles se deviam menos a diferenças
objetivas' de m étodos educativos e mais ao confronto cultural
en tre a com unidade canadense e os im igrantes haitianos,
desencadeada por fatores externos-ao tema da violência contra
a criança. Assim, um a aparente política de proteção à criança
pode estar contam inada p o r um iconfronto que a excede.
O Conselho T u telar é o órgão encarregado pela legisla
ção de zelar pelos direitos da criança‘e do adolescente sempre
que eles forem am eaçados ou violados. Os casos de violência
em família estão incluídos nessa atribuição. Ao Conselho T u te
lar compete receber a notificação e proceder a um a prim eira
avaliação dos- fatos relatados, verificar sua procedência e deci
dir pelo encam inham ento ao M inistério Público de seu relato.
Observe-se que o Conselho T utelar não determ ina se a violên
cia ocorreu, nem tam pouco req u er perícia. Nessa investida
prelim inar, o Conselho T utelar tem a atribuição de apurar os
303
fatos e decidir.pelo seu encam inham ento, com autoridade para
aplicar medidas de proteção à criança previstas no art. 101 ( I a
VII) ou de atendimento aos pais ou responsáveis previstas no
art. 129 (I a VII) da Lei 8069/90.
. . A sobrecarga que com prom ete o trabalho dás agências
de proteção americanas atinge tam bém os Conselhos T utela
res instalados no Brasil. Os Conselhos têm funcionado em con
dições adversas, enfrentando graves problemas de infra-estrutura;
a aplicação de medidas enfrenta além disso um a enorm e escas
sez de serviços de retaguarda, o que am plia sua capacidade de
responder à dem anda. Esses motivos aconselham a que a noti
ficação de violência seja encam inhada com os subsídios que só
um a investigação cuidadosa pode oferecer (Gonçalves e Ferreira,
2002 ).
Mas sobretudo, em nome da proteção à criança, cabe
lem brar que o art. 100 da Lei 8069/90 estipula que, sempre
que possível, deve-se dar preferência à aplicação das medidas
que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Não
.'bastassem os imperativos teóricos, morais e éticos- que reco
m endam um a a v a lia ç ã o c r ite r io s a d a p o s s ib ilid a d e de o c o r r ê n
cia da violência contra a criança em família, que se afaste do
julgam ento moral, é preciso ter em conta que o enquadre legal
recom enda que se privilegie o convívio familiar.
O respeito aos valores familiares não deve ser interpre
tado como permissividade ou autorização à prática da violên
cia, mas antes como regra que recom enda a negociação com
as regras da cultura, e o respeito à autoridade parental, ainda
que seja imperioso transform ar as formas de seu exercício.
, Para isso, e antes de apartar pais e filhos, cabe suprir as
necessidades mais prem entes da família, inclusive aquelas que
dizem respeito a recursos pessoais e sociais que instrumentalizam
sua tarefa de construir, na próxima geração, um ambiente menos
. contam inado pela violência.
304
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t
ï'
V•
• níí**' .
Mulheres em situação de violência doméstica:
limites e possibilidades de enfrentamento
Rosana Morgado
309
P or esta razão, é im portante enfatizar que a violência
dom éstica contra a m ulher é um fenôm eno social grave, que
traz inúm eras conseqüências físicas e psicológicas p a ra as víti
m as e tam bém p a ra as crianças e adolescentes que a presen-
ciam “ É -rotineira-e-de-longa-duração,-freqúentem ente_m uito
tem po se passa até que a m ulher denuncie. Desenvolve-se um
processo que alguns autores qualificam de “escalada da violên-
\
cia” , onde se m esclam atos de violência emocional, física e se
xual.
N o Brasil, som ente a partir da década de 70 foi possível
a publicização deste fenôm eno. Os m ovimentos feministas, ar
ticulados a outros m ovim entos sociais, puderam de form a mais
enfática denunciar as atrocidades cometidas nos lares de m i
lhares de m ulheres.
Considera-se que a perspectiva de análise das relações
de gênero, associada aos demais campos de conhecimento, trou
xe subsídios de extrem a relevância, p ara a com preensão e en-
frentam ento da violência doméstica.
Parte-se, assim, da prem issa de que o lugar historica
m ente ocupado pela m ulher confere-lhe algumas possibilida
des, m as lhe im põe fortes lim ites de atuação c o n tra seus
agressores diretos, assim como contra os agressores e abusadores
sexuais de crianças e adolescentes, sob sua responsabilidade.
A sociedade brasileira, herdeira de um a sistema p atriar
ca], continua conferindo ao hom em um lugar de privilégios,
seja com o m arid o /co m p an h eiro j seja como pai. Assim, a atri
buição de funções em nossa sociedade, determ inada pelas con
dições de inserção de classe, gênero e etnia, configura um a
inserção subordinada da m ulher.
Os sujeitos sociais, portadores de relativa autonom ia frente
aos processos soeializadores, incorporam e reproduzem , com
m aior ou m enor autonom ia, as funções que lhes são atribuídas
socialmente.
310
Sobre as m ulheres brasileiras recaem imensas responsa
bilidades: a de dona-de-casa, de trabalhadora, am ante, com pa
nheira e mãe. Exige-se, para todas as funções, esmero, dedicação
e com petência. Entretanto, a expectativa do bom desem penho,
q uase que exclusivo, destas funções pelas m ulheres constitui-se
em um a atribuição social, nem sempre visível ou explicitada,
que se modifica de acordo com os embates travados no interi
or da sociedade, im prim indo-lhe um m ovim ento constante em
direção da m anutenção da ordem vigente e /o u de transform a
ções sociais.
N a m edida em que a inserção social mais am pla da
m ulher se dá de form a subordinada, sua inserção na família
não poderia fugir a este m odelo. Em bora a mãe figure como a
"rain h a do lar” , a m agnitude de seu reinado tem, por limite, o
poder exercido pelo hom em (marido e pai).
D a perspectiva aqui adotada, sobre o conceito de gêne
ro, concorda-se com Saífioti, quando afirm a que:
Este conceito (gênero) não se resume a uma categoria de
análise, não obstante apresentar muita utilidade enquanto
tal. Gênero também diz respeito a uma categoria históri
ca, cuja investigação tem demandado muito investimento.
(...) havendo um campo (...) de acordo.: o gênero é a cons
trução social do masculino e do feminino. O conceito dc
gênero não explicita necessariamente, desigualdades entre'
homens e mulheres. (...) A desigualdade longe de ser natu
ral, é posta pela tradição cultural, pelas estruturas de po
der, pelos agentes envolvidos na trama de relações sociais
(Saífioti, 1999: 83).
Ao enfatizar-se a dimensão relacional da categoria de
gênero, com preende-se que tam bém os hom ens em seu proces
so de socialização p a ra assum ir sua condição masculina nas
sociedades contem porâneas sofrem enormes prejuízos, pois tam
bém a eles é imposto um m odelo do que devem ser socialmente.
Este artigo, contudo, analisa alguns aspectos das condições de
socialização fem inina, aspectos relativos ao cam po jurídico e
311
estratégias de enfrentamento do fenômeno, privilegiando o ponto
de análise das condições subordinadas da inserção da m ulher,
posto que a violência doméstica, historicamente, atinge m ajori-
tariam ente: mulheres.
A socialização feminina
312
rentes índices, o quanto o lar tem sido um.local extrem am ente
perigoso p a ra as mulheres. ■- ,
Giffin, utilizando-se de índices de violência doméstica
çontra a m ulher debatidos por Heise (1994), analisa dados de
diferentes sociedades, que perm item subsidiar esta perspectiva
cle análise. A autora n o s tra z p ara o debate:
Embora baseados cm definições variadas do fenômeno es
tudado, 35 estudos.de 24 países revelam que entre 20%
(Colômbia, dados de uma amostra nacional) e 75% (índia,
218 homens e mulheres num estudo local) das mulheres já
foram vítimas de violência física ou sexual dos parceiros.
Em estudos com amostras nacionais dos Estados Unidos e
Canadá, 28% e 25% das mulheres, respectivamente, re
portam que foram vítimas deste tipo de violência. Em ci
dades dos Estados Unidos, uma entre cada seis mulheres
grávidas já foi vítima da violência dos parceiros durante
gestação. De 10% a 14% de todas as mulheres norte-ame
ricanas declararam que os maridos as forçam a fazer sexo
contra a sua vontade (...) (apud.GifFin, 1994: 146).
No que tange à v io lê n c ia física no B ra sil, os dados e x t r a
ídos do suplem ento da Pesquisa N acional por A m ostra de
Domicílios (PNAD) de 1988, intitulado Participação Político-
Social —Justiça e Vitimização, apontam que: “Q uase dois ter
ços (65,8 por cento) das vítimas de violência fisica de parentes
são m ulheres, sendo hom ens apenas 34,2 por cento” (apucl
Saííioti, 1997a: 48).
Q uanto ao. estupro cm geral, baseando-se ainda em Heise,
Giffin destaca que a partir de dados obtidos de centros de aten
dim ento a vítimas de estupro em sete países m ostram que “ de
36% a 58% das vítimas de estupro ou tentativa de estupro têm
menos de 16 anos; 18% a 32% têm menos de 11 anos; e em
60% a 78% dos casos, o agressor é um a pessoa conhecida”.
No que se refere aos Estados Unidos, “de 27% a 62% das
m ulheres sofrem pelo menos um evento de abuso sexual (não
necessariamente estupro) antes dos 18 anos”. Q uanto ao Ca-
313
nadá “estima-se que 25% das m eninas sofrem algum tipo de
abuso sexual antes dos 17 anos” (GifHn, 1994: 147).
N o Brasil, no que se refere à violência sexual, o relatório
da Com issão P arlam entar de Inquérito destinado a investigar
_a_violência contra a m ulher (C PI, 1992), cobrindo crimes co-
m etidos contra a m ulher no período jan e iro /9 1 - agosto/92,
afirm a existirem “dados com provando que mais de 50% dos
casos de estupro ocorrem dentiro da própria fam ília” (apud
Saffioti, 1997a: 169). \
O im pacto da violência doméstica contra a m ulher e sua
relação, com os diferentes aspectos no campo da saúde vem,
progressivam ente, sendo objeto dé análise de pesquisas e publi
cações. A título de exemplificar ajgravidade do assunto, m ere
ce d estaq u e u m dos índices com parativos analisados p o r
Deslandes et al.. Dizem os autores:I “A violência doméstica e o
estupro seriam a sexta causa de anos de vida perdidos por m orte
ou incapacidade fisica em m ulheres de 15 a 44 anos - mais do
que todos os tipos de câncer, acidentes de trânsito e guerras”
. (Deslandes et ál., 2000: 130).
A perspectiva de análise das relações de gênero, ancora
da dentre outros aspectos nas estatísticas citadas, conduz dife
rentes autores a esta b e le c e re m ; conexões entre a violência
dom éstica e a dom inação masculina.
Autores ingleses, com o D obash and D obash, propõem
que a violência entre m aridos e iesposas, seja analisada como
extensão da dom inação e do controle dos m aridos sobre as
esposas (apud Pahl, 1985: 12), .
O s dados m undiais disponíveis suscitam a necessidade
de retom ar-se a idéia de que a violência doméstica (seja contra
crianças e adolescentes ou contra a mulher) expressa um con
ju n to de “relações de violência”, que se desenvolvem a partir
de um a “escalada da violência” . Tal como observam Saflioti e
Almeida; .
314
As relações de violência são extremamente tensas e quase
invariavelmente caminham para o pòlo negativo: a violên
cia tende a descrever uma escalada, começando por agres
sões verbais, passando para as físicas e/ou sexuais e podendo
atingir a ameaça de morte e até mesmo o homicídio (Saffioti
________ e Almeida, 1995: 35)._______ ____ _____
O cotidiano de relações violentas vividas entre cônjuges
na Inglaterra, é tam bém discutido por Pahl (1985), realçando o
fato de não serem episódios isolados, mas parte freqüente da
relação do casal.
N esta direção, considera-se fecunda a idéia retom ada por
Almeida, a partir de autoras feministas anglo-saxãs (Mackinnon,
1994-; C opelon, 1994), ao problem atizar a violência doméstica,
como um processo de “terror doméstico” . Segundo a autora:
“passa a se configurar um quadro de terror doméstico, com
preendido por um a série de pequenos assassinatos diários da.
m ulher, form ado por cenas de violência cotidianas” (Almeida,
1999 :1 2 ).-
Estas relações, contudo, são perm eadas por sentimentos
e com portam entos contraditórios. As relações de violência com
portam , ao m esm o tem po, m om entos de violência, sedução,
afeto, presentes, arrependim entos, dentre outros. O u, como
observa Almeida: “a m istura deste clima de afeto e arrependi
m ento favorece a criação de um a situação propícia à tentativa
de resolução do conflito no in te rio r da relação violenta”
(Almeida, 1999: 11).
O depoim ento abaixo mostra-se exemplar p ara tal dis
cussão. De acordo com a Sra. L au ra:1
Após a separação, ‘ele (o marido) a cercava tentando o
retorno’; ela diz que embora ele .tenha ‘mudado da água
1 O s depoim entos foram extraídos de casos acom panhados pela ABR A PIA —
“A ssociação Brasileira M ultiprofissional de Proteção à Infância e A dolescên
cia” utilizados com o fonte para a realização da pesquisa de doutoram ento.
T o d o s os nom es sâo fictícios.
315
para o vinho’, não confia mais nele, ‘nem penso em rea
tar’. ‘Nao consigo aceitar o que ele fez com nossa filha’,
(Ele havia perpetrado abuso sexual incestuoso) Ele a ame
açava muito, ‘mandava- bilhetes amorosos, presentes e fa
lava baixo’. (...) Comportamentos que se alternavam ‘com
muitas ameaças’
O com portam ento, que alterna afeto e violências, nutre-
se, dentre outros fatores, dos sentirrumtos de ambivalência vivi
dos por estas mulheres. Apesar de referirem-se às inúm eras e
freqüentes violências que m arcam suas relações, muitas delas
afirmam am ar seus com panheiros/agressores.
São exemplos desta ambivalência: “eu gostava e não
gostava dele, quando cie me tratava bem eu esquecia o que ele
fazia de mal pra m im ”; “eu era apaixonada por ele, mas não
gostava dele na cama, pois as relações eram forçadas”; “eu
estava cega porque gostava dele” .
A perspectiva aqui adotada situa-se na com preensão de
que os processos sociais com portam e engendram, sim ultanea
mente* limites e possibilidades de transformação.
Neste sentido, compreender as histórias de violência destas
mulheres como decorrentes exclusivamente de sua inserção
subordinada, nó atual ordenam ento das relações de gênero, se
por um lado as retira da condição de culpadas, pode, por ou
tro, situá-las na posição de “vítimas das circunstâncias” . Julga-
se que esta postura é tam bém preocupante, pois revela um a
visão de determ inação da estrutura sobre os sujeitos, que aca
ba por não percebê-los como capazes de construir possibilida
des de enfrentam ento e ruptura de tal ordenam ento.
A formulação de Heise (1994) nos parece adequada. Ao
analisar mulheres adultas, q u t na infancia foram vítimas de
abusos (não só o sexual), considera qué elas: “ [têm] menos
possibilidade de se proteger, [são] menos seguras do seu valor
e dos seus limites pessoais, e mais propensas a aceitar a
vitimÍ2 ação como sendo parte da sua condição de m ulher” (apud
Giffin, 1994: 148).
316
Para subsidiar sua análise, Heise identifica que “sessenta
e oito por cento das m ulheres que foram vítimas de [abuso
sexual] incestuoso quando crianças relatam que posteriorm en
te foram vítimas cle.estupro ou tentativa de estupro, em con
traste com 17% verificados c m u m grupo de.controle (dados
dos Estados Unidos)” (apud Giffin, 1994: 148).
A convivência prolongada com relações de violência, a
legitimação social p ara sua perpetuação c a form ação de um a
identidade de gênero.subordinada conform am um cam po pro
pício para a internalização da banalização da violência sofrida,
direta e indiretam ente. Identifica-se, neste cam po, um dos es
paços desencadêadorcs da minimizaçao do seu próprio sofri
m ento ou do de sua prole.
A situação descrita a seguir parece nos oferecer estes
subsídios: A Sra. Letícia, separada há dois anos do Sr, Jorge
(pai biológico da filha em comum, da qual abusou sexualm en
te), relata que, quando estáva casada: “gostava e não gostava
dele, quando ele m e tratava bem eu esquecia o que ele fazia de
mal p ara m im ”. “Ele sempre foi um ótimo pai durante o tempo
em que convivemos juntos5’ (grifo nosso).
A Sra. Letícia refere-se ao Sr. Jorge como um ótimo pai,
mesmo constando do processo as informações, por ela trazidas,
de que o Sr. Jorge perpetrava violência física contra os filhos
em sua presença (seu filho um a vez ficou com um olho roxo e
não foi à escola por 15 dias e em outra ocasião, o pai deu um a
cotovelada no filho que lhe quebrou um dente), que ela já ti
nha “sofrido am eaça de m orte” e que “não podia nem varrer
a varanda, pois ele era m uito cium ento” . Por estas razões, ela
abandonou o com panheiro, indo p ara outra cidade, deixando
seus filhos com um a irm ã, “pois não agüentava mais”.
A justificativa da dependência econômica para a perm a
nência na relação, evocada freqüentem ente pela literatura e
presente no senso com um , mostra-se a nosso ver insuficiente e
falaciosa.
317
Pahl (1985:11), ao realizar entrevistas com 4-2 m ulheres
inglesas vítimas de violência dom éstica que haviam procurado
um abrigo, tam bém identifica que, em alguns casos, eram elas
que .supriam m aterialm ente a família. Em um dos depoim en-
tosrSuz-v-descreve-que-seu-marido-ficou-aproximadam ente dois
ou três anos sem trabalhar, não olhava 'as crianças, jogava a
cinza no chão da casa e exigia que ela fizesse xícaras e xícaras
de café, p a ra servir a ele. R elem bra airídá que um dia, grávida
de seis meses, pediu a ele que esperasse p ara receber um a xíca
ra de chá e que disto resultou que batesse nela, sendo necessá
rio ser levada ao hospital por um a ambiilância.
O depoim ento acim a, tom ado como exemplo, oferece
os subsídios necessários à posição de D uque-A nazola (1997).
Segundo a autora, devem servir de exemplo os depoim entos
dc m ulheres que m esm o exercendo atividades rem uneradas, e
sendo ao menos cm parte responsáveis pela renda familiar, “sub
m etem -se à autoridade masculina, mesmo quando falta a esta
o argum ento da provisão do sustento” (Duque-Anazola, 1997:
397).
Ao aceitarm os a im ediaticidade dó argum ento econôm i
co com o justificativa da m anutenção da relação, trazido por
vezes pelas próprias m ulheres envolvidas, desprezamos as pos
sibilidades de analisar a. complexidade de seus sentimentos e
atitudes, bem como suas possibilidades je limites de enfrenta-
m ento.
N esta direção percebe-se que rotineiram ente, no trans
correr dos anos, um dos sentimentos mais dilapidados ao longo
da vida destas m ulheres foi sua auto-estima.
A pesquisa realizada por Deslandcs no C R A M I/C am pi-
nas destaca que “nos seus relatos, term os como trapos, caco e
lixo foram empregados p a ra se autodesignarem nos momentos
dé crise pessoal e familiar” (Deslandes, 1993: 7.3).
A m ulher passa, assim, a auto-representar-se como víti
m a. Encena, naquele m om ento, como observa Safíioti, o papel
318
de atriz. Escreve a autora:
No momento da queixa, a atriz desempenha um papel,
4 que- a vitimiza. Vitimizar-se significa perceber-se exclusi
vamente enquanto objeto da ação, no caso violência, do
outro. Isto não quer dizer que a mulher, enquanto sujeito,
seja~Dassiva-ou-nào-suieito-f...).__O s homens dispensam a
mulheres um tratamento de não-sujeitos e, muitas vezes,
as representações que as mulheres têm de si mesmas cami
nham nesta direção (...) (Saffioti, 1997b: 70).
Esta “atuação” parece se desenvolver visando obter m aior
solidariedade social e am paro jurídico p ara a sua denúncia.
319
O a c u sa d o (nas situações cle violência doméstica) é convo
cado para comparecer a um JECRIM - Juizado Especial
Criminal, onde poderá efetuar uma composição civil (re
paração de darios com o consentimento da vitima) ou uma
transação penal (caso seja frustrada a composição civil).
De um modo gerál a transação penal resulta em pagamen
to de muita, ou de uma ou mais cestas básicas a uma ins
tituição assistência!) conforme o delito e o poder aquisitivo
do acusado. Em nenhum dos dois- casos o agressor perde a
primarièdadè.‘Ileso, ele recebe, indiretamente, a informa
ção de que o preço da violência é baixo. Não custa caro
espancar a mulher. A sociedade, por sua vez, recebe a
mensagem de que a violência pode ser negociada. Como
um bem danificado, ela è conversível em valor monetário
ou em espécie. Ao fim desse percurso, a vítima compreen
de, então de forma oblíqua e dolorosa, que não vale a pena
pedir ajuda (Musumeci, 2000: 2).
O dilema pode ser assim resumido: “como evitar que
um instrum ento inovador, como os Juizados Especiais, venha a
contribuir para a banálização da violência doméstica, endos
sando, su b rep ticiam en te a desqualificação das m ulheres
agredidas?” (Musumeci, 200: 3).
>i; ím portante vitória foi obtida em 2002. A aprovação da
Lei 10.455/02, que modifica o parágrafo único da Lei 9 .0 9 9 / .
95, prevê que o juiz possa determinar o afastamento do agressor'
do lar ou local de convivência com a vítima.
Sabemos, contudo, que as leis oferecem respaldo se fo
rem acionadas p ara a intervenção qualificada dc profissionais,
como form a efetiva de oferecer suporte e desenvolverem
institucionalmente estratégias que enfrentem o fenômeno.
322
a ru p tu ra im ediata da relação, seja diante da violência dom és
tica contra a própria m ulher, seja diante do abuso sexual inces
tuoso. O não-rom pim ento imediato da relação tem atuado.com o
um dos principais alicerces p ara que estas m ulheres sèjam con
s id e r a d a s /d e n o m in a d a s de passivas ou c ú m p lic e s da(s)
relação(ões) de violência(s).
Saííioti e Almeida (1995), ao analisarem diversos proces
sos de denúncias realizadas por m ulheres que sofreram violên
cia doméstica, identificaram a existência de um a postura de
enfrentam ento das violências sofridas, e não de passividade.
Em um dos casos analisados pelas autoras, diante da “in
terrupção do fluxo do num erário para suprir as necessidades
alim entares da família”, Luísa inventou “um a nova form a de
enfrentar o m arido na questão da falta absoluta de dinheiro”.
Diz Luísa: “Primeiro, eu deixei acabar tudo. Acabou tudo, n ã o '
tinha mais nada. Ai, ele veio p a ra corner, botei o prato, a s''
travessas todas na m esa, vazias” . Gom base nos depoim entos
de Luísa, SafFiori e Alm eida reafirm am sua perspectiva de que
"em bora Luísa se submetesse ao p o d e r d is c ric io n a ria m e n te
exercido por seu m arido, sua vontade não deixava de tentar-se
afirm ar, vez por o u tra.” ' (Saffiod e Almeida, 1995: 91).
Em um a outra entrevista concedida às autoras, T â n ia
rem em orou suas dificuldades em concluir a dissertação de
M estrado, pois seu m arido não a “ajudava, com as tarefas do
mésticas35. Por esta razão, quando foi a vez de' ele realizar sua
dissertação, ela tam bém não o ajudou, ficando “o dia inteiro
em casa, de perna p a ra cima, lendo Agatha C hristie” (Safíioti
e Almeida, 1998: 134).
N este sentido, Saffioti e A lm eida afirm am que “esta
m ulher não com baria a gram ática sexual hegem ônica apenas
do ponto de vista da oratória. Instituía práticas feministas em
sua relação amorosa, atualizando um a nova gram ática de gê
nero”. (Saffiod e Almeida, 1‘995: 134).
323
A discussão sobre as possibilidades e limites que têm as
m ulheres p a ra enfrentarem e /o u rom perem relações de vio
lência constitui-se em um cam po prenhe de debates.
.HáfoêsípnjVcipàisitcndêiVtiãs-de^áááljsir-sòbrç^
lencia^A^pnjnpira •asçenta'íe:najpcrçcpçap.vdcíquç;ps>hpj^ens ;jaoientos ■
;5jaq\aIgQ^çs/.e;'as:j[TLu-v
:pórt^^i^iy^c.i^è'di^té-,da8!:,wõIênci^^frida^/^^‘^dcm;.cbnslnHrj::iriividual'c-colctí-
^varnérite^içpj^téjpásídeTupturà/d^^ J’ . f
Identificam -se, n a literatura, três principais tendências
de análise sobre a participação da m ulher nas relações de vio
lência. A p rim eira assenta-se n a percepção de que os hom ens
violentos são algozes e as m ulheres, subordinadas pelas rela
ções de dom inação de gênero, as vítimas. Esta perspectiva an
corou-se, principalm ente, na form ulação de C hauí (1985) sobre
a violência. Escreve a autora:
Entenderemos por violência íuma realização determinada
das relações de força, tanto em termos de classes sociais
quanto em termos de relaç5,es interpessoais. (..-.) Em pri
meiro lugar, como conversão de uma diferença e de uma
assimetria numa' relação hierárquica de desigualdade com
fins de dominação. Isto é, a'.conversão dos diferentes em
desiguais e a desigualdade em relação entre superior e in
ferior. Em segundo lugar, como a ação de um ser humano
não como sujeito, mas como uma coisa. Esta se caracteri
za pela inércia, pela passividade e pelo silêncio, de modo
que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas
ou anuladas, há violência (Chauí, 1985: 35).
A perspectiva acim a, elaborada em um m om ento de for-
. tes confrontos e de denúncia d a opressão e violência masculi-
•; n a, p o r um lad o o fereceu in e q u ív o c a c o n trib u iç ã o p a ra
•rom per-se com o ,m u ro de conivências que cercava o segredo
da violência dom éstica. Possibilitou ainda desnudar o processo
de transform ação das diferenças em desigualdades e seu uso
p a ra efeitos de dom inação. C ontudo,íacabou por favorecer um a
análise “vitim ista” em relação à m ulher, contribuindo p ara que
324
in ú m e ra s m u lh e re s ■v ítim a s de v io lê n c ia d o m éstica a
internalizassem .
Considera-se que esta concepção teve, como principal
base de su sten tação , o fato de tere m sido as D elegacias
Especializadas de A tendim ento a M ulher - DEAM S (assim
cham ãdãs^íõ~R io“de Janeiro)~o-prim eiro_cspaco institucional
público de acolhim ento das denúncias de violência domcstica.
A denúncia da opressão e violência masculinas expressa
na violência doméstica, por exemplo, ao ser encam inhada à
instância jurídica, propiciou de fato a polarização entre culpa
dos e vítimas.
U m a segunda tendência do .debate é representada por
Gregori (1989; 1993). N a análise da autora, as mulheres não
são vistas como vítimas passivas na relação de violência. No
entanto, ao enfatizar tal com preensão, Gregori acaba por situ
ar em um mesmo p atam ar de igualdade as violências perpetra
das pelos hom ens e as formas de reação encontradas pelas
m ulheres, estabelecendo um a dimensão de cumplicidade entre
ambos.
C onsiderando os argum entos trazidos por Saffioti e
Almeida, ao se posicionarem contrariam ente às duas concep
ções acim a, julgam os a posição adotada pelas autoras como a
mais pertinente p a ra a análise deste processo.
As autoras adotam , parcialm ente, a formulação de Chauí,
m as refutam a idéia de que n a relação de violência a mulher
possa ser considerada como não-sujeito, ou como “coisa”, como
quer C hauí. .
Nas palavras de Saffioti e Almeida:
As vítimas, embora possam sc sentir paralisadas pelo medo
e/ou tratadas como objetos inanimados, não deixam pelo
menos de esboçar reações‘de defesa. (...) A posição vitimista,
na qual a vítima figura como passiva, sem vontade e intei
ramente heterônoma, alé.m de não dar conta da realidade
histórica, revela um pensamento extraordinariamente au
toritário (Saffioti e Almeida, 1995: 35).
325
Saffioti, em um artigo posterior, reafirma sua postura.
Escreve a.autora:
- Mesmo quando permanecem na relação por décadas, as
mulheres reagem à violência, variando muito as estratégi
as. A compreensão desse fenômeno é importante, porquanto
há quem as considere não-sujeitos e, por via de conseqüên
cia, passivas. (...) Mulheres em geral, e especialmente quando
são vítimas de violência, recebem tratamento de não-sujei-
tos. Isto, todavia, é diferente de ser não-suieito (Saffioti.
1999: 85).'
No que tange à concepção proposta por Gregori, que
implica em cumplicidade entre hom ens e mulheres, SaíHoti
contesta-a veementemente. Segundo a autora, afirm ar que não
há objetos, apenas sujeitos, "não significa dizer que as m ulhe
res sejam cúmplices de seus agressores (...) P ara que pudessem
ser cúmplices, dar seu consentimento às agressões masculinas,
precisariam desfrutar de igual poder que os homens (...)” (Saffioti,
1999: 86).
Saffioti ao refletir sobre a possível cumplicidade da m u
lher na violência doméstica afirma que:
Esta discussão, entretanto, não autoriza ninguém a con
cluir pela cumplicidade da mulher com a violência de gê
nero. Dada a organização social de gênero, de acordo com
a qual o homem tem poder praticamente de vida ou morte
sobre a mulher (a impunidade de espancadores e homici
das revela isto) no plano d cfado, a mulher, ao fim e ao
cabo, é vítima, na medida em que desfruta de parcelas de
poder muito menores para mudar a situação. (...) Para po
der ser cúmplice do homem, a mulher teria de se situar no
mesmo patamar que seu parceiro na estrutura dè poder
(Saffioti, 1997b: 71, grifo no original).
Nesta direção considera-se que a distinção entre ceder e
• consentir oferece potencial heurístico de compreensão dos sen
timentos, limites e possibilidades das mulheres em situação de
violência doméstica.
326
Com base na análise da história do estupro, Vigarello
(1998) propõe que se discuta, nos dias atuais, sobre o consenti
m ento dado ou não pela m ulher no m om ento do estupro. Em
sua perspectiva, uo julgam ento do estupro mobiliza a interro
gação sobre o possível consentimento da vítima, a análise de
suas decisões, de sua vontade c de sua autonom ia”. Enfatiza
ainda que "os juizes ^clássicos só acreditam na queixa cle um a •
m u lh e r se todos os sinais físicos, os objetos quebrados, os
ferimentos visíveis, os testemunhos concordantes confirmam suas
declarações” (Vigarello, 1998: 9).
A relevância desta discussão para o caso brasileiro pode
ser exemplificada através do depoim ento de um policial, regis
trado em 1991 pelo Centro de Defesa dos Direitos da M ulher
de M inas Gerais, que foi incorporado ao relatório do Américas
W atch (1992: 56), Diz o policial:
N in g u é m c o n s e g u e ab rir as p e r n a s b e m fe c h a d a s d e u m a
m u lh e r , a n ã o ser q u e e la seja a m e a ç a d a c o m u m a a r m a
o u te m a p e la p r ó p r ia v id a . A m a io r ia d o s c a so s a c o n t e c e
p o r q u e a m u lh e r d e ix a , p o r q u e e la q u er . D e p o i s se a r re
p e n d e e v e m d a r u m a cle v í t i m a , v e m r e g i s t r a r q u e i x a .
M u ita s m u lh e r e s c r ia m c o n d iç õ e s fa v o r á v eis a o c r im e .
327
a in f e r io r id a d e -social d a m u lh e r fr en te a o h o m e m . A ssim ,
' a m u lh e r a d ú lta é c a p a z d e c o n se n tir . A rig o r , c o n tu d o , o
c o n s e n t im e n t o lh e e s c a p a , s ó lh e r e s ta n d o a c e s sã o . E la
c e d e a o s d e se jo s d o m a r id o , m a s n ã o c o n s e n te n a r e la ç ã o
s e x u a l, p o is,' n e ste c a s o , o c o n s e n t im e n t o só p o d e e sta r
_____ _______ a lic e r ç a d o n o d e se jo (S a ffio ti e A lm e id a , 1 995: 31).
328
te o m arido c os filhós, a um com portam ento desejado, a m u
lher, neste caso, usa um a característica intim am ente associada
a ela — ser frágil, indefesa e incapaz — (...) para obter o que '
alm eja (como em, “Não consigo fazer isto, faz.para mim, faz” .
Á autora, contudo, destaca o quanto o uso desta estratégia ge-
'ra'lmente“situa-seu-usuári 0 -ern-um a-posição _de _mais_baixo_po^_
der e auto-estima. Isto porque, ao usar esta form a de controle,
“freqüentem ente a m ulher está dando a, entender ao outro que
ela não pode fazer uso de outra estratégia porque ela, de fato,
admite ser fraca, indefesa ou não saber nada” (Rocha-Coutinho,
1994: 146).
Realçando as tensões que tais estratégias/comportamentos
engendram , R ocha-Coutinho afirma que a situação é delicada
pois a m ulher, ao agir de acordo com o com portam ento que
tradicionalm ente se espera dela, é julgada fraca, incom petente,
ineficaz. Ao mesmo tem po se ela, não age da forma esperada
“está sujeita a ser criticada por agir como um hom em ” (Ro~
cha-C outinho, 1994: 150).
As afirmações, com as quais concordam os, de que a
m ulher não é vitima passiva e de que dispõe de parcelas de
poder, têm conduzido diferentes segmentos sociais a im puta
rem unicam ente à m ulher a responsabilidade de superação das
relações de violência. Estas relações passam a ser tratadas como
relações conflituosas, localizando na m ulher a capacidade de,
através do m anejo do conflito, transform ar seus maridos vio
lentos em com panheiros ideais.
De pronto, recusam-se as idéias de que homens perpe
tradores de violência não têm “jeito” e de que p ara eles cabe a
“pena m áxim a”. No entanto, ao mesmo tem po, julga-se exces
sivo alocar na m ulher, vítima, deste hom em violento, a res
ponsabilidade por sua transform ação:
Esta perspectiva foi recentem ente defendida pela autora
inglesa Arabella Melville (1998) em seu livro intitulado Difficult
men: strategies fo r women who choose not to leave. O título em si já
329
oferece subsídios para depreender-se sobre que bases sê consti
tuirão as propostas da autora, ela própria vitima de violência
doméstica. >■
Em nossa perspectiva, qualificar um hom em perpetrador
de violência como um hom em difícil, revela um m odo de
relativizar as violências por ele cometidas, contribuindo p a ra a
banalização, do fenômeno.
A entrevista de Cláudia, concedida à revista Maria} M a
ria (1999: 7) pode ser tom ada como exemplar, para a discus
são:
Minha história é complicada e simples ao mesmo tempo,
pois eu fui tentando agüentar, por achar que isso era só
uma fase dele. É .um grande erro da mulher achar que vai
modificar um homem violento; quanto mais ela fica, mais
ela dá forças para a brutalidade dele. Eu me lembro dele
esmurrando a minha cabeça. (...) Eu estava totalmente sob
o controle dele, eu não fazia absolutamente nada, eu esta
va em pânico. Eu n ã o podia trabalhar direito, tinha que
voltar cedo para casa. (...) Ele fazendo o que fazia e eu
pedindo: por favor, tenha calma. (...),Ele quebrava as mi
n h a s c o isa s, co rta v a minhas c a lc in h a s , os m e u s v e stid o s.
Eu só consegui sair dessa reiaçao quando, de fato, não
agüentava mais, quando não conseguia me mexer mais,
quando não conseguia sarar de uma violência, porque sem
pre vinha outra. Eu acho que as mulheres ficam muito
tempo acreditando que a violência do companheiro é ape
nas uma fase ruim que vai passar.
R ocha-Coutinho, sinalizando p ara contradições ainda
presentes na formação da identidade da mulher, enfatiza que
“a necessidade da m ulher de agradar, de ser perfeita, de se
voltar ppxa os'outros, bem como sua delicadeza e docilidade
continuam presentes (...) no discurso social e, mais que isso,
parecem estar ainda atuando, mesmo que de forma contradi
tória, no interior destas mulheres” (Rocha-Coutinho, 1994: 150).
Partilha-se pois do pressuposto de que as mulheres não
são vítimas passivas, e que tam bém não se com portam passiva-
330
m ente diante das violências sofridas. Considera-se, que mesmo
enfrentando condições ainda extrem am ente desfavoráveis, elas
podem construir,, individual e coletivamente, estratégias de rup
tura, face às condições de dom inação ora vigentes.
Neste sentido, m erecem análise dois graves e específicos
limites, que interferem drasticam ente nas possibilidades de rup
tura da violência doméstica: o “perigo real de m orte” e a au
sência de políticas públicas.
Diferentes autores e alguns índices estatísticos têm de
m onstrado que o m om ento em que a m ulher busca rom per ã
relação de violência configura-se como um dos m om entos de
m aior perigo p ara a sua integridade física,' bem como p ara sua
própria vida. ■
O assassinato da jornalista Sandra Gom ide, em 2001,
n a cidade de São Paulo, ocorrido no m om ento de ruptura d a '
relação, oferece indícios sobre a atualidade e urgência do de
bate.
T am b ém na sociedade inglesa este “perigo real de m or
te” é assinalado por H ague e M aios (1999).. Segundo estes a u
tores, são inúmeras as evidências dem onstrando que o m om ento
mais perigoso para m ulheres vítimas da violência dom éstica é,
justam ente, o m om ento da ruptura. Ressaltam que, tal como
foi docum entado por um dos abrigos ingleses, em vários casos
m ulheres foram m ortas, na frente de seus filhos, dentro ou próxi
mo aos abrigos.
Neste sentido, impõe-se como urgente ao debate nacio
nal a construção de propostas que enfrentem o “perigo real de
m orte” , presente no m om ento de ruptura da relação. Conside
ra-se que a construção de estatísticas, com a abrangência naci
onal de homicídios, discriminadas por sexo e relacionadas ao
grau de parentesco, pode oferecer um dos subsídios fundam en
tais para a estruturação de políticas públicas de enfrentam entò
do fenômeno.
331
Esta dim ensão da violência dom éstica possibilita a dis
cussão de outro aspecto a ela diretam ente associado: o senti
m ento de posse do h o m em /m a rid o que^ ao ser atingido pela
ru p tu ra, busca a recom posição da relação, a qualquer custo.
:--------- -D_ormindo_corh o inim igo” , u m a ;produção norte-ame-
ricana de. 1991, retrata o longo e incansável percurso d o .h o
m e m /m a rid o em busca de sua mulher, que, p a ra escapar à
violência dom éstica, havia forjado a própria m orte, m udado
de cidade e assum ido um a nova identidade. E m bora se trate
de u m a ficção, o filme retrata inúm eros' aspectos da trajetória
de m ulheres e hom ens reais. ■
Este com portam ento dos ho m en s/m arid o s é tam bém
percebido p o r H ague e M aios (1999), na sociedade inglesa. De
acordo com estes autores, os perpetradores de violência do
m éstica não m edem esforços na procura de suas parceiras.
R ealçam ainda a possibilidade de graves conseqüências, quan
do eles as encontram .
Nesta direção, vále a pena lem brar o assassinato de Eliane
de G arm m ont. Eliané, no fmal do ano de 1979, concedeu um a
entrevista p a ra a Revista Nova, na quàl relatou os inúmeros
episódios de violência que, ao longo dós treze anos de convi
vência, m arcaram seu relacionam ento | com Lindom ar. R ela
tou, tam b ém , com o vinha b u s c a n d o ; reconstruir sua vida,
vislum brando a possibilidade de.gravar (na época um disco),
no ano seguinte. N a entrevista, ainda chegou a afirmar: “ [Ele]
T á percebendo que está me perdendo... é disso que cie está
com m edo...novo papo, faz quatro dia;s, quero ver que bicho
dá: T á bem mais am ável...Eu acho qüe ele tá sendo sincero.
N ão tenho mais m edo dele. Dele me m atar? Não. Hoje sou
m uito mais esperta do que antes...” Em 30 de abril de 1980,
L in d o m a r C abral, m ais conhecido pelo nom e artístico de
L indom ar Castilho, separado de Eliane há três meses, assassi
nou-a em um Bar-Café, com um revólver com balas p a ra tiros
332
de precisão, com prado por ele fazia pouco tem po (Ardaillon e
D ebert, 1987: 65-68).
O debate acima corrobora a análise de Saffioti quando
observa que, em se tratando do cham ado espaço privado do
lar, estabelecem-se "um território físico e um território simbó
lico, nos quais~õ~hom em ~detéirrpraticaniente-dom ím o-t:otal—
(Saffioti, 1997b: 46).
O sentim ento de propriedade, a im punidade e a ausên
cia de políticas públicas atuam , dentre outros, como alicerces
de m anutenção desta violência.
N o que se refere às condições concretas de apoio às
m ulheres/m ães brasileiras que buscam auxílio para rom perem
com o ciclo de violência, um a pergunta pode ser feita: a quem
recorrer?
D e fato, a violência dom éstica, seja; contra a m ulher, seja
contra crianças e adolescentesj ainda não atingiu um “status'’
capaz de desencadear a estruturação de políticas públicas que
a enfrentem . Isto se deve não só às particularidades que m ar
cam o fenôm eno, mas tam bém à form a como o Estado brasi
leiro vem enfrentando toda a problem ática social. Percebe-se,
de form a mais contundente, os reflexos da política econômica
im plem entada especialmente nos últimos oito anos. O desm an
telam ento de direitos socialmente adquiridos, a dilapidação do
patrim ônio público e a progressiva retirada, por parte do Esta
do, do financiam ento de program as públicos,-exemplificam este
processo.
No que se refere especificamente à violência doméstica,
ressalta Saífioti (1,999: 90), “atualm ente, há m enos de um a
dezena de abrigos p a ra vítimas de violência em todo o país, o
que é, no m ínim o, ridículo” .
Em nossa perspectiva, corroborando a análise desenvol
vida por Alm eida (1998), a ausência do, Estado na formulação
e im plem entação de políticas públicas ;p ara o enfrentam ento
de fenômenos sociais, dentre eles a violência doméstica, consti
333
tui-se na escolha de um a m odalidade de gestão, pois “as estra
tégias de intervenção implem entadas neste âmbito favorecerão
a (ou destruirão a possibilidade) construção de espaços especí
ficos de sociabilidades e de subjetividades” (Almeida, 1998: 7).
A im punidade para os crimes cometidos contra m ulhe
res revela um a outra dimensão da forma de gestão do Estado
sobre o fenômeno. Dados contidos no relatório do Americas .
W atch (1992: 60) oferecem subsídios ao debate “(...) dós mais
de 2.000 crimes de violência contra'a m ulher, incluindo o estu
pro, registrados na delegacia do Rio de Janeiro em 1990, ne
nhum resultou na punição do acusado”. E ainda “Mais de 70%
de todos os casos registrados de violência contra mulheres no
Brasil acontecem dentro de casa. Desses casos, um núm ero
estatisticamente insignificante resulta na punição do acusado”.
N a perspectiva de SafFioti c Almeida, a im punidade pode
scr assim analisada “(...) a organização social de gênero torna a
sociedade extremamente complacente no julgam ento m oral dos
crimes cometidos por hom ens contra m ulheres” (Saffioti e
Almeida, 1995: 100).
As dificuldades concretas, enfrentadas pelas mulheres ao
buscarem, ajuda para romperem a relação de violência são tam
bém percebidas nas relações de consangüinidade tornando, para
elas, extrem am ente dificultoso conseguir algum tipo de ajuda
na própria família.
O depoim ento de uma das m ulheres cla Casa Viva M a
ria, de Porto Alegre, reafirma as imensas dificuldades enfrenta
das nesta busca de ajuda. D i 2 ela:
Toda vez-que eu procurava ajuda todo mundo me virava
as costas. Por isso que eu deixei chegar ao ponto que che
gou, que ele fizesse o que ele fez comigo. O mundo tinha
acabado, eu não ia viver mais, minha vida não tinha mais
valor, eu não tinha mais força. Eu não sabia se valia a
.., pena continuar ou me matar. Eu não consegui me encon
trar ainda, mas tenho um objetivo: voltar para minha casa,
criar minha filha (Meneghel et al., 2000: 752).
334
Este processo é tam bém identificado por Pahl (1985), na
sociedade inglesa. A autora cham a atenção p ara o fato de que
as m ulheres buscam , em um prim eiro m om ento, apoió na fa
m ília (especialmente mães e irmãs) e em relações próxim as e só
quando esta ajuda informal se m ostra inadequada é que os
serviços de apoio são procurados.
N este sentido, a discussão sobre o c m p o d eram en to
(“ empowerment”) parece constituir-se em um cam inho tam bém
fecundo p ara subsidiar a form ulação de propostas político-pro-
fissionais, deslocando do cam po individual a exclusividade cla
construção de estratégias de enfrentam ento e ruptura das rela
ções de violência.
Arilha ressalta que, em bora não se tenha acerca deste
conceito um a com preensão uniforme, ele tem hoje como prin
cipais objetivos:
o d e s a fio à d o m in a ç ã o m a s c u lin a e su b o r d in a ç ã o fe m in i
n a , a tr a n sfo r m a ç ã o d a s estru tu r a s e in stitu iç õ e s q u e r efo r
çam e p e r p e tu a m a s d is c r im in a ç õ e s d e g ê n e r o e a
d e s ig u a ld a d e s so c ia is, e p o s sib ilita r q u e as m u lh e r e s p o b r e s
[n ã o só] te n h a m a c e s s o e c o n tr o le a se u s r e c u r so s m a te r i
ais e d e in fo r m a ç õ e s. É se m p r e m o tiv a d o o u a c e le r a d o ,
p e la s p r e ssõ e s e x te r n a s q u e o c o r r e m a tr a v és d e m o v im e n
to s d e p e s s o a s , g r u p o s , o u in stitu iç õ e s q u e te n ta m p r o m o
v e r m u d a n ç a s d e p e r c e p ç ã o e d e c o n s c iê n c ia . N o c a s o d as
m u ih e r e s isto im p lic a n e c e s s a r ia m e n te a d q u ir ir c o n s c iê n
c ia d e g ê n e r o (A r ilh a , 1 9 9 5 : 11),
335
O investim ento continuado, realizado através de servi
ços. cie apoio de qualidade, por exemplo, pode fortalecer nas
m u lh eres um sen tim en to que julgam os fundam ental p a ra
alicerçar o enfrentam ento, com vistas à ruptura, das relações
d e violência: a auto-estim a.______ 1______ _ _ _ _____
Este sentim ento, se tratado como um processo que se
articula aos dem ais aspectos relacionados ao fenômeno, apare
ce com o um a “aquisição'lenta, paciente, disciplinada e cotidi
ana. U m a construção deliberada e trabalhosa” (Meneghel et
al., 2000: 752). ' ■
A im portância da reconstrução deste sentimento nos é
trazida pelo depoim ento de um a das m ulheres abrigadas na
C asa Viva M.aria, em Porto Alegre:
A a u t o - e s t im a c o m e ç a c o m um^ e m p r e g o . D a í tu te a n i
m a ... F a z a g e n t e e n x e r g a r o u tr a s c o isa s, n o v o s v a lo r e s,
u m a p o t e n c ia lid a d e m u ito g r a n d e . A g e n te v a i d e s c o b r in
d o e. c o lo c a n d o e m p r á tic a . E sse le x e r c íc io é d iá r io . D e in í
c io é d ifíc il, é m u ito d ifíc il. A g e n te d e sc o b r e u m a
p o te n c ia lid a d e g r a n d e n a g e n te (M e n e g h e l et al., 2 0 0 0 : 752).
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p . 2 9 - 6 2 •
339
Sobre os autores
Eduardo-Ponte Brandão
Psicólogo, m estre em Psicologia pela PU C-Rio, psicólogo do
Poder Ju d ic iá rio /R J, professor do curso de pós-graduação lato
sensu de Psicologia Jurídica da Universidade C ândido M en
des, psicanalista M em bro Convidado da Form ação Freudiana,
autor de artigos publicados ná Revista Brasileira de Direito 'de Fa
mília e na Revista de Psicanálise PulsionaL
340
Hebe Signorini Gonçalves
D outora em Psicologia pela PUC-Rio. Vinculada ao N ú
cleo de Atenção à C riança V ítim a de Violência do IP P M G /
ÜFRJ entre 1996 e 2003. M em bro do Núcleo Interdisciplinar
~de~Pesquisa-e-lnte-reâm bio-para-a_Iníancia e Adolescência
C ontem porâneas, do Instituto de Psicologia da UFRJ. A utora
de artigos e do livro Infância e violência no Brasil
Marlene Guirado
M arlene G uirado é psicóloga, psicanalista, docente no
Instituto de Psicologia da U SP e analista institucional; Autora
dos livros A criança e a F E B E M , Instituição e relações afetivas: o vín
culo com o abandono e Psicologia Institucional, frutos das pesquisas
realizadas na dissertação de m estrado e na tese de doutorado.
Mais recentemente publicou Pskanálísa e armííw do discurso c A
clinica psicanalílica na sombya do discurso, oncle mostra um a tensão
mais especificamente voltada para a prática clinica da Psicaná
lise.
Rosana Morgado
Assistente Social, doutora cm Sociologia pela P U C /S P ,
professora da Escola de Serviço Social da UFRJ e pesquisado
ra do GEGEM ~ Gênero, Etnia t Ciasse: Estudos Muitidisci-
plinares. Atuando como docente na Universidade desde 1985,
tem-se dedieado a análise de program as dirigidos a área da
infanda e juventude, desenvolvidos em instituições públicas e
em organizações não governamentais. A tem ática da violência
doméstica contra crianças e adolescentes, bem. como contra
mulheres ganhou, ao longo doa anos, centralíd&de nas propos
tas de investigação, sendo realizada com o aporte ás> relações
de gênero. "Famílias e Relações de G ênero’', in: Praia Vemwlka:
estudos de politica e tmna social, vol. 5. UF.RJ, Escola de Serviço
Social. Coordenação de Pós-Graduação. Rio de J a n e ir o , 2001.
Saio de Carvalho
Advogado. Mestre (ÜFSG) e D outor (UFPR) em Direi
to. M estrando em Filosofia (FUCRS). Professor do M estrado
em Ciências Criminais da PU C R S e do Program a de D outo-
rado em 'Dercchos Humanos y Desarrollo' da Universidad Pablo
Oiavi.de (Sevilha/ES).. Autor do livro Pma c Garantias',
lania Kolker
Psicanalista, médiea da Superintendência de Saúde da
Secretaria de. Estado de Adm inistração Penitenciária, onde
coordena program a de desin te m ação progressiva e reim erção
social dos pacientes internados por medida de segurança. Mern-
342
bro da equipe dínica do G rupo ‘Tortura .Nunca M ais do Rio
de Ja n eiro , vice-presidente cio Conselho da Com unidade da
C om arca do Rio de Janeiro, organizadora do M anual Saúde e
Direitos H um anos nas Prisões, c autora do artigo ‘‘T o rtu ra nas
prisões e produção de subjetividade” , publicado no livro Clinica
t política: subjetividade e. violações dos direitos humanos, organizado
por C ristina Rauter, Eduardo Passos e Regina Bencvides.
343
CRONOGRAMA PSICOLOGIA - JUKIDICA/2720I1
* * '
^ j0 3 DEj AGOSTO ~ Apresentação da Ementa e do conteúdo programático de Psicologia
\ J X-Jurídica
Leitura complementar;
Leitura complementar:
Leitura complementar:
02 DE NOVEMBRO - FERIADO
Leitura Complementar-
23 DE N O VEM BR O -N p2
30 DE N O VEM BR O - F E R IA D O
07 DE D E Z E M B R O -P R O V A SU BSTITU TÍV A
14 DE DEZEMBRO- EXAMES
31 Dt| AGOSTO - V-itimização de crianças e adolescentes - Maus-tratos perpetuados
por familiares ou conhecidos contra a integridade física, psicológica de crianças e
adolescentes,
07 DE SETEMBRO - FERIADO
14 E>H SETEMBRO- Violência contra <t mulher ~ Atuação dos Psicólogos nas
Delegacias de Defesa da Mulher - Lei Maria da Penha..
Leitura Básica: JONG, LinChaw; SADALA, Maria Lncia Araújo; TANAKA, Ana
Cristina D ’Aridretta. Desistindo da denúncia ao agressor: relato de mulheres vítimas de
violêjaciadoméstica. Rev. Esc. Enfermagem USP. São Paulo, v 42, no. 4}Dez 2008.
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