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RELIGIÕES

AFRO-BRASILEIRAS
82 REVISTA USP, São Paulo, n.55, p. 82-111, setembro/novembro 2002
INTRODUÇÃO: LUGARES DE ONDE
OLHAR

Na formação da antropologia brasi-


leira vê-se que esta disciplina, nas pala- VAGNER GONÇALVES
vras de Roberto Cardoso de Oliveira, DA SILVA é professor
do Departamento de

Construção “sempre se primou por definir-se em fun-


ção do seu objeto”. Nessa perspectiva,
duas tradições são tidas como inaugu-
Antropologia da FFLCH-
USP.

rais: a dos estudos das populações indí-


genas e a das populações afro-brasilei-

e legitimação ras, sendo esta posteriormente amplia-


da para os estudos da “sociedade nacio-
nal” por incluir em seu foco de interesse
as populações marginalizadas em geral:
brancos, pobres, camponeses, etc. (Oli-

de um campo veira, 1988, p. 111).


A tradição dos estudos indígenas, ini-
ciada com as contribuições dos naturalis-
tas estrangeiros, desenvolveu-se princi-
palmente com a realização no século XIX

do saber das expedições científicas que tiveram


por objetivo contatar e registrar aspectos
da vida dos assim chamados “aborígines”
brasileiros.
A segunda tradição, a dos estudos

acadêmico afro-brasileiros, teve início tardiamente


em relação à primeira. Seu principal
fundador, Raimundo Nina Rodrigues, só
Este texto foi escrito em 1995 para
integrar minha tese de doutorado.
Entretanto, não fez parte da edi-
na última década do século XIX publi- ção final desse trabalho, defendi-
do em 1998, nem de sua versão
cou suas investigações nas quais o ne- publicada (ver Silva, 2000, nota
9). Poucas modificações foram

(1900-1960) gro era visto tanto do ponto de vista ra-


cial como de suas expressões religiosas.
Com a decadência do paradigma racial
acrescentadas à sua versão origi-
nal, que mantém inclusive a biblio-
grafia consultada e disponível na
época de sua produção. Agrade-
ço a todos aqueles com os quais
pude discutir este trabalho, que
essa tradição acabou por se afirmar prin-
muito se beneficiou das críticas e
cipalmente no estudo deste segundo sugestões recebidas, especialmen-
VAGNER GONÇALVES DA SILVA te a Rita Amaral, José Guilherme
Magnani, Lilia Schwarcz, Paula
item. Dois nomes foram então seus gran-
Montero e João Baptista Borges
des incentivadores: Artur Ramos, que Pereira. Agradeço também a
Octávio da Costa Eduardo pela
procurou garantir um campo específico entrevista concedida e a Mariza
Corrêa que generosamente me ce-
para o estudo do negro quando as pri- deu algumas entrevistas realizadas
para o seu Projeto História da An-
meiras universidades foram criadas, tropologia no Brasil.

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nos anos 30, e suas disciplinas oficiais ins- logavam. A diferenciação entre os termos
tituídas, e Roger Bastide, que através da antropologia, etnografia e etnologia pode
análise deste tema consolidou de vez esse ser reveladora de algumas dessas posições.
campo abrindo as portas para as pesquisas Foi a partir da investigação científica
institucionalizadas pelas universidades a das culturas indígenas realizadas por natu-
partir dos anos 60. ralistas do século XIX – “a época das gran-
Partindo dessas indicações este traba- des expedições científicas, o período áureo
lho pretende refletir sobre o processo de dos estudos indianistas”, segundo Egon
construção e legitimação deste campo do Schaden (1984) – que se formou uma “cul-
saber acadêmico no qual o negro, mais es- tura etnográfica” entre nós (1). Vale lem-
pecificamente sua cultura religiosa, tornou- brar que o índio, desde a época dos cronis-
se um importante “objeto” da observação tas e viajantes, fora eleito símbolo de iden-
científica. Por meio do exemplo dessa tra- tidade pelos movimentos nacionalistas do
dição quer-se ver como experiências e tra- século XIX e pela literatura romântica, que
jetórias de sujeitos concretos ajudaram a o apresentava através de uma imagem he-
constituir esse “objeto” específico da in- róica e idealizada. A ciência antropológi-
vestigação científica e os espaços acadê- ca, ao se ocupar da temática indígena, cer-
micos necessários a sua legitimação. tamente produziu representações de outra
natureza. Entretanto, ainda que o “índio da
ciência” não fosse o mesmo “índio da lite-
ratura”, a escolha desse personagem e des-
TEMPOS HERÓICOS se grupo revelava uma convergência no
esforço para a construção tanto de uma iden-
Na cronologia do desenvolvimento das tidade nacional como de uma ciência feita
ciências sociais no Brasil costuma-se de- sob essa marca (2).
signar de “pré-científico” o período anteri- O termo etnografia designava nesse
or à criação das primeiras universidades no contexto principalmente a descrição dos po-
século XIX. Nesse período ter-se-ia produ- vos indígenas, sendo depois ampliado para
zido um conhecimento considerado outras populações. Na Comissão Científi-
“eclético”, “espontâneo” e “assistemático” ca de Exploração, criada em 1856 para
acumulado principalmente por meio das mapear os recursos naturais da Região Norte
crônicas e relatos escritos pelos viajantes e do Brasil, havia, por exemplo, uma seção
outros observadores não qualificados sob de Etnografia, para a qual foi designado o
os mais diversos contextos, enfoques e in- poeta indianista Gonçalves Dias, que teria
teresses (Azevedo,1956; Schaden e Perei- assim se tornado o “nosso primeiro etnó-
ra, 1967; Melatti,1984). Com o surgimento grafo oficial” (Corrêa, 1982, p. 30).
das universidades surgiu também a cres- Considerando que as instruções leva-
cente necessidade de definir fronteiras, das pelo poeta para executar sua tarefa for-
especializações, métodos, objetos e atribui- necem uma definição do que se entendia
ções entre as diversas disciplinas que rei- por etnografia, pode-se deduzir que esta
vindicaram desde cedo seus lugares nesses seria uma descrição dos aspectos físicos,
centros de produção acadêmica. morais e sociais dos indígenas, em termos
1 Sobre as expedições etno-
gráficas ver, entre outros: Aze- A escolha do índio e do negro como da alimentação, agricultura, religião, lín-
vedo,1956; Schaden e Perei- objetos preferenciais desse saber teve uma gua, etc. A coleta de objetos que indicas-
ra, 1967.
grande importância nesse contexto de busca sem o grau de desenvolvimento cultural (ou
2 Além disso, a divisão entre pro-
dução científica e produção de definições da antropologia no Brasil. tecnológico) dos povos visitados também
artística literária não se fez no
panorama cultural brasileiro de
Distinguindo-se os estudos sobre esses gru- era uma tarefa do etnógrafo. Em geral, es-
modo absolutamente excluden- pos, os pesquisadores procuraram estabele- ses objetos, trazidos do campo para os cen-
te. A própria literatura realista
ou naturalista absorveu muito cer fronteiras internas nessa disciplina e tros urbanos, formavam as “coleções
das concepções e valores da externas em relação aos domínios de outras etnográficas” exibidas nos museus de his-
ciência do século XIX
(Schwarcz,1992). ciências sociais e naturais com as quais dia- tória natural ou nas exposições nacionais –

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eventos que a partir de meados do século leira organizada pelo mesmo museu em
XIX exibiam periodicamente ao público em 1882, no qual o termo antropologia assu-
geral os avanços científicos e as riquezas miu um caráter mais amplo em relação às
do país (3). O colecionismo etnográfico outras modalidades como a etnografia e a
dessa época foi um dos responsáveis pela etnologia. Esta última inclusive nem cons-
associação da prática etnográfica com uma tou das seções em que se dividiu a exposi-
visão museológica ou preservacionista da ção: Etnografia, Arqueologia, Antropolo-
cultura, duramente criticada pelas gerações gia e Etnografia-Arqueologia (5).
posteriores. De qualquer modo, a sinonímia A relativa supremacia e legitimidade das
estabelecida entre etnografia e descrição asserções experimentais da antropologia
ou registro possibilitou que no interior des- (voltada para a mensuração e comparação
sa modalidade de saber tivesse lugar tam- dos grupos étnicos (6)) em relação a uma
bém o conhecimento acumulado pelos ob- certa desqualificação da etnografia (em ra-
servadores “não qualificados” em termos zão de seu caráter considerado apenas des-
de sua “contribuição etnográfica” a uma critivo dos povos) fez com que a primeira
visão das culturas descritas (4). fosse freqüentemente considerada “mais ri-
O termo etnologia a princípio também gorosa”. Esse rigor também era conseqüên-
foi associado aos estudos indígenas. Mui- cia da sua proximidade com as ciências na-
tos pesquisadores, criticando a visão mera- turais sendo praticada por profissionais de
mente “descritiva” e “museológica” que grande prestígio, como os médicos. Por
identificaram na etnografia (Corrêa,1982, outro lado, a antropologia, devido a essa
p. 32), passaram a defender através desse intermediação entre as ciências naturais e
termo uma abordagem menos comprome- sociais propriamente ditas, enfrentou difi-
tida com esses aspectos. A evidência que o culdades para encontrar espaço próprio de
3 Sobre as Exposições Nacio-
“índio da etnologia” obteve, em detrimen- discussão. Foi nos museus etnográficos ou nais Brasileiras e os Museus
Etnográficos ver: respectiva-
to do “índio da etnografia”, foi tão ampla em sociedades científicas ecléticas promo- mente, Faria,1993; Schwarcz,
que atualmente nos círculos acadêmicos toras de eventos como as exposições que 1993.
brasileiros entende-se por “etnologia” os esse espaço tendeu a se estabelecer (Fa- 4 Essa postura tem permitido que
muitos autores localizem a ori-
estudos das sociedades indígenas, salvo ria,1933, p. 33). gem do saber etnográfico bra-
menção em contrário. O negro apareceu inicialmente como sileiro nas primeiras crônicas
escritas sobre o Brasil. Assim,
Enquanto a etnografia e a etnologia elemento “externo” à nacionalidade e pos- até mesmo o escrivão Pero Vaz
de Caminha, autor da carta
enfatizavam os aspectos culturais dos gru- teriormente como principal obstáculo para sobre o descobrimento das
pos (analisados, é claro, segundo concep- o desenvolvimento social do país. As re- terras brasileiras pelos portu-
gueses, já foi identificado
ções teóricas nem sempre convergentes), a presentações sobre o negro, no período do como o nosso “primeiro
antropologia desse período, por estar mais conhecimento “pré-científico”, foram pro- etnógrafo” (Gicovate apud
Azevedo,1956, p. 359), se-
próxima da fronteira com as ciências natu- duzidas freqüentemente sem atribuir um guido por outros “patronos da
etnografia” como o jesuíta José
rais, serviu como termo genérico para de- valor em si mesmo a essas populações. O de Anchieta.
signar uma ciência do social entendida negro raramente era o elemento central das 5 Sobre essa exposição e alguns
como decorrência das idéias biologizantes narrações em que figurava. Nos casos em aspectos do desenvolvimento
da arqueologia no Brasil con-
e do debate evolucionista no qual o concei- que era visto como “objeto” principal da sultar: Faria,1993.
to de raça desempenhava um papel prepon- composição discursiva ou pictórica, sua 6 Eram freqüentes nessa época
derante. Essas concepções estavam presen- imagem era freqüentemente revestida de as medições de crânios e ex-
perimentos de aferição da
tes, por exemplo, no primeiro curso de características negativas (como indolência, capacidade biológica dos gru-
pos realizadas pelos médicos-
antropologia oferecido no Brasil, ministra- agressividade, imoralidade, promiscuida- antropólogos. João Batista
do por João Batista Lacerda no Museu de) ou exóticas (como o “primitivismo” de Lacerda, por exemplo, mediu
a força muscular de alguns
Nacional (Rio de Janeiro, 1877), cujo pro- suas danças, crenças religiosas e festejos). índios que foram “exibidos” na
citada Exposição Antropológi-
grama baseava-se nos conhecimentos Preso à sua condição de invisibilidade so- ca Brasileira, concluindo que
“anatomo-psicológicos” que, segundo cial, o negro apresentava-se às elites inte- a fadiga dos músculos destes
era maior do que a da raça
Lacerda, constituíam “a base da antropolo- lectuais como o “mal necessário” à forma- branca, o que “comprovava”
gia” (Schwarcz, 1993, p. 73). Ou ainda no ção econômica do país, isto é, um “anti- sua pouca resistência física e
sua baixa produtividade no tra-
nome da Exposição Antropológica Brasi- herói” da brasilidade. balho braçal.

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Na literatura, essa situação modificou- uma cultura passível de ser minimamente
se apenas quando alguns escritores come- descrita ou “etnografada”.
çaram a tematizar a vida cotidiana de es-
cravos e libertos, minimizando a escassez
de representações sobre esses grupos. Es- EM NOSSAS COZINHAS: O MÉDICO
sas representações, entretanto, presentes
nas obras românticas, naturalistas e realis- E O ANIMISTA
tas, ao mesmo tempo em que tornavam
visíveis os negros, reproduziam estereóti- “É uma vergonha para a ciência do Brasil
pos comuns na sociedade brasileira (7). Ao que nada tenhamos consagrado de nossos
contrário do “índio da literatura”, que per- trabalhos ao estudo das línguas e das reli-
sonificou valores morais e ideais naciona- giões africanas. Quando vemos homens,
listas, o negro, associado ao significado como Bleek, refugiarem-se dezenas e de-
negativo da escravidão e às mazelas de sua zenas de anos nos centros da África, so-
condição racial e social, ainda teria que mente para estudar uma língua e coligir uns
esperar algumas décadas para ser “rea- mitos, nós que temos o material em casa,
propriado” como personagem e símbolo que temos a África em nossas cozinhas,
“positivo” da cultura nacional, principal- como a América em nossas selvas, e a
mente pelo movimento modernista (8). Europa em nossos salões, nada havemos
De modo semelhante, a antropologia produzido neste sentido! […] O negro não
biologizante do final do século XIX ao é só uma máquina econômica; ele é antes
enfocar o negro (africanos e seus descen- de tudo, e malgrado sua ignorância, um ob-
dentes no Brasil) deu-lhe alguma visibilida- jeto de ciência” (Romero,1879, p. 99).
de social – enfrentando a necessidade de in-
terpretar sua presença como elemento ine- Este apelo de Silvio Romero corres-
gável na formação de nossa nacionalidade. pondeu aos primeiros movimentos na ten-
Por outro lado, essa visibilidade se fez pos- tativa de juntar esforços para interpretar os
tulando a inferioridade racial desse segmen- significados da presença do negro na for-
to populacional, servindo assim ao racismo mação da sociedade brasileira. No caso
das elites envolvidas no projeto científico desse autor, essa interpretação foi realiza-
de “desmontar a pretensão de uma suposta da considerando sobretudo a influência
7 Durante o romantismo houve
poucas referências ao negro em igualdade entre os homens, justificação ideo- negra na literatura popular. Nas justificati-
relação à presença marcante e lógica da abolição” (Corrêa, 1982, p. 43).
valorizada do índio. No realis-
vas que forneceu em favor do estudo das
mo e no naturalismo essas refe- A diferenciação entre a eleição do índio “línguas e religiões africanas” percebe-se,
rências se acentuam em obras
de tom pessimista e de crítica ou do negro como temas de um saber espe- além do fato de que estas estariam desapa-
social. Ver, entre outros, Aluí- cializado expressou, dessa forma, algumas recendo, outras questões importantes. A pri-
sio Azevedo ( O Mulato , O
Cortiço) e Adolfo Caminha (O características presentes no pensamento meira refere-se à possibilidade de compre-
Bom Crioulo).
social brasileiro emergente nesse período. ensão do universo cultural do negro atra-
8 Entre outros marcos da valori-
zação do negro pelo movimen-
Ao passar das crônicas dos viajantes para vés do estudo de duas de suas dimensões:
to pré-modernista e modernis- personagem da literatura e depois para as a língua e a religião. A segunda diz respeito
ta, pode-se citar obras como
Juca Mulato (1917) de Menotti páginas dos livros científicos, a imagem à associação explícita que estabeleceu en-
Del Picchia, Macunaíma social do índio oscilou entre a inferiorização tre o estudo do negro e o projeto de constru-
(1928) de Mário de Andrade
e Essa Negra Fulô de Jorge de racial que lhe imputava a antropologia ção de uma “ciência do Brasil”. Ter “em
Lima, quadros como A Negra
de Tarsila do Amaral, Mulatas biologizante da época e a crescente valori- casa” o “material” para o desenvolvimento
e Samba de Di Cavalcanti e zação de seu universo cultural produzida dessa ciência deveria ser visto como uma
Mestiço de Cândido Portinari.
Até mesmo na música erudita pela etnografia e etnologia. A imagem so- grande vantagem brasileira em relação aos
essa valorização da temática do
negro se verificaria, como na
cial do negro, ao contrário, entrou para a cientistas estrangeiros, que tinham de dis-
música de Francesco Mignone, ciência pelas “portas dos fundos” – ao ser tanciar-se de seus países durante anos para
“Quarta Fantasia para Piano e
Orquestra”, baseada em músi- “objeto” da mesma antropologia biologi- realizarem suas pesquisas. Ao apontar
ca de escola de samba (agra- zante que a desqualificou – para somente metaforicamente a disposição desse “ma-
deço a João Baptista Pereira por
esta indicação). depois ganhar o status de ser portador de terial” na sociedade nacional (“a África em

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nossas cozinhas, como a América em nos- o negro e o mestiço para o interior desse
sas selvas, e a Europa em nossos salões”), discurso, representava inserir nossa elite
Silvio Romero revelou também o caráter intelectual e seus centros de divulgação
hierárquico presente nos lugares e nas rela- científica num debate internacional (com a
ções entre os “sujeitos” e os “objetos” des- vantagem de se ter às mãos os “objetos
sa ciência nacional em formação. Sem dú- empíricos” de observação – a “África em
vida que os primeiros pertenciam ao mun- nossas cozinhas”) ao mesmo tempo em que
9 Da mesma forma, alguns críti-
do dos salões e era desse “lugar” que fala- se diagnosticavam os problemas particula- cos, para ironizar o que consi-
riam sobre os índios em nossas selvas e os res de acordo com um sistema de pensa- deram o caráter conservador
de um dos maiores clássicos
negros em nossas cozinhas (9). mento produzido lá fora, mas retraduzido sobre a formação da socieda-
de patriarcal brasileira, Casa-
Foi, inicialmente, no âmbito da medici- em termos locais (13). grande & Senzala, dizem que
na e do direito que o apelo de Silvio Rome- Assim, interessado em identificar e com- o seu autor Gilberto Freyre o
escrevera sentado na varanda
ro se fez ouvir, resultando nas etnografias provar patologias e desajustes psíquicos da casa-grande olhando para
pioneiras do médico maranhense Raimun- ocorridos entre os negros e mestiços, o a senzala.

do Nina Rodrigues sobre as línguas e as médico acabou interessando-se pelo uni- 10 Nas últimas décadas do sécu-
lo XIX, os principais centros
religiões africanas, as quais contribuíram verso místico desses grupos que lhe pare- institucionais de produção ci-
entífica eram as faculdades de
para uma primeira transformação do status ceu oferecer “referências positivas” da in- medicina e de direito, os mu-
das representações sobre os negros. capacidade intelectual dos devotos. seus de etnografia e história
natural e os institutos históricos
Nina Rodrigues, atuando num dos prin- As descrições feitas a partir de suas in- e geográficos. Ver: Corrêa,
cipais centros científicos de sua época, a cursões científicas pioneiras aos terreiros 1982; Schwarcz, 1993.

Faculdade de Medicina da Bahia (10), in- baianos e outros lugares de culto foram 11 Os principais veículos de di-
vulgação dos trabalhos de
teressou-se pelo estudo do negro levado a reunidas em dois livros. No primeiro deles, Nina Rodrigues foram as revis-
tas médicas, sendo algumas
princípio pelo interesse num campo prati- L’ Animisme Fétichiste des Nègres de Bahia especializadas em “medicina
camente inexistente no Brasil, o da medici- (14), Nina Rodrigues pretendeu demons- legal e antropologia” e em
“antropologia criminal”. Ver
na legal e da antropologia criminal (11). trar, com descrições da teologia, liturgia, Corrêa, 1982.
No período em que escreveu, a sociedade oráculo e possessão presentes na religiosi- 12 Levado por essas preocupa-
brasileira passava por importantes mudan- dade afro-brasileira, a incapacidade psíqui- ções, Nina Rodrigues passou
a defender a criação de uma
ças decorrentes da Abolição e da Procla- ca do negro de adotar uma religião baseada legislação penal que diferen-
ciasse os grupos raciais em
mação da República. Os conflitos e inse- em conceitos abstratos tais como os do cris- função de suas diferentes ca-
guranças gerados por essas mudanças va- tianismo. pacidades intelectivas, unindo
o saber médico ao saber jurí-
lorizavam ainda mais as explicações e pa- No segundo livro, Os Africanos no Bra- dico na determinação das for-
mas de relacionamento entre
receres dos cientistas que desfrutavam de sil – para o qual o apelo de Silvio Romero as raças e posicionamento do
grande legitimidade como portadores de um citado acima serviu de epígrafe –, Nina Estado diante delas. Ver
Rodrigues, 1933.
conhecimento útil para balizar as políticas Rodrigues ampliou a área de estudos siste-
13 Segundo Lamartine de
de intervenção social. Nina Rodrigues matizando suas observações empíricas jun- Andrade Lima (1984), o valor
empenhou-se inicialmente em interpretar tamente com dados obtidos de fontes docu- do trabalho de Nina Rodrigues
foi reconhecido por alguns fa-
os condicionantes biológicos dos compor- mentais escritas. Com isso o livro adquiriu mosos intelectuais europeus da
área da medicina legal, como
tamentos sociais considerados “desviantes” uma abordagem mais historiográfica abran- Césare Lombroso, que consi-
(crimes, estupros, pederastia, fanatismo gendo assuntos diversificados como a pro- derou Nina Rodrigues “o após-
tolo da medicina legal no Novo
religioso, etc.) que identificou principal- cedência dos grupos africanos vindos para Mundo”. O primeiro livro de
mente entre a população negra e mestiça. o Brasil, as revoltas dos negros maometa- Nina Rodrigues dedicado à
descrição da religião dos ne-
Para ele a inferioridade racial dos negros e nos, a formação do quilombo de Palmares, gros baianos ( L ’ Animisme
Fétichiste des Nègres de Bahia)
a miscigenação – fator de degeneração das além dos aspectos religiosos e lingüísticos foi resenhado e elogiado por
raças – eram os principais desafios que a dos grupos negros. Marcel Mauss no L ’ Année
Sociologique (1900-01, p.
medicina (como um saber dedicado à Através dos textos de Nina Rodrigues a 224).
profilaxia e à higienização) e a nova ordem religiosidade de origem africana foi vista 14 Esse livro reuniu uma série de
artigos publicados entre 1896
jurídica, política e econômica do Brasil como um “dado psicológico positivo”, num e 1897 na Revista Brazileira.
deveriam enfrentar (12). contexto em que não se pensava que essa Editado em 1900 no Brasil em
francês pela Reis & Cia., so-
Por outro lado, pensar o país segundo as religiosidade fosse sequer passível de ser mente em 1935 teve uma edi-
mais avançadas teorias científicas do perío- observada seriamente, muito menos pela ção em português na forma de
livro: O Animismo Fetichista dos
do, como o evolucionismo social, trazendo ciência. Negros Bahianos.

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Como objetos do discurso, os poucos sil, uma pesquisa de campo no âmbito dos
relatos produzidos até então sobre as reli- cultos de origem africana, que levou em
giões dos negros e seus descendentes con- consideração a convivência cotidiana e a
sistiam nas descrições dos cronistas e via- freqüência às festas e aos rituais realizados
jantes ou nos autos do Santo Ofício relatan- pelos fiéis. Nina Rodrigues freqüentava os
do casos de negros acusados de praticar terreiros, conhecia seus participantes na
feitiçaria. No século XIX, através da im- condição privilegiada de médico, a quem
prensa, outra forma descritiva desses cul- muitas intimidades são reveladas, tendo
tos ganhou evidência. Tratava-se da repro- acesso ao próprio corpo dos observados,
dução na seção policial de relatos dos ór- que iam também a seu consultório, tendo
gãos comprometidos com a repressão aos angariado confiabilidade suficiente para
cultos de origem africana identificados adentrar os espaços mais restritos dos ter-
como práticas de curandeirismo, charlata- reiros da época. Esse “padrão” de pesquisa
nismo, etc. Esses relatos produzidos na de campo se repetiria nos trabalhos que se
forma de “boletins de ocorrência” geral- seguiram, embora com finalidades e con-
mente eram descrições que se queriam clusões distintas das desse primeiro autor.
objetivas já que compunham a documenta-
ção jurídica que por vezes resultava em
processos criminais contra os acusados.
Nesses boletins constavam os nomes dos NADA ESTÁ NO SANGUE
presos, os motivos da prisão (o delito co-
metido), as condições em que os detidos As principais tarefas empreendidas pela
se encontravam quando efetuada a prisão, geração que resolveu dar continuidade à
os objetos litúrgicos apreendidos (provas “etnografia do negro”, de certa forma colo-
materiais do crime), etc. Os jornais, ao re- cada em suspensão até os anos 30, foram as
produzir, total ou parcialmente, esses bole- de redefinir posições, inventariar “totens”
tins, criavam ou reforçavam determinados e estabelecer legitimidades. Do mesmo
preconceitos na opinião pública. Esses re- modo que o negro foi “descoberto” para a
latos, além de parciais, não tinham obvia- ciência pela ótica de Nina Rodrigues, esse
mente finalidade de entender o objeto des- autor teve de ser “reinventado” por seus
crito (a prática religiosa em termos de seus sucessores para se tornar pai de uma gera-
significados) mas, principalmente, “docu- ção que buscava uma identidade para si,
mentar os fatos” sob uma ótica preconcebi- através do estudo do negro, dentro do novo
da. Nesses discursos, as práticas religiosas campo institucional-acadêmico.
afro-brasileiras eram vistas ora como exó- Artur Ramos foi quem mais assumiu
ticas ou “folclóricas”, ora como delituosas essa tarefa afirmando semelhanças (mas
ou farsas, e não havia lugar neles para o também buscando rupturas) que aproximas-
surgimento de uma outra compreensão além sem (e distanciassem quando conveniente)
daquela imposta pela própria ideologia que o mestre do discípulo.
motivou o texto. A etnografia de Nina Nos anos 20, Artur Ramos, também
Rodrigues abriu, dessa forma, um campo médico por formação, exercendo suas ati-
discursivo inédito não apenas porque in- vidades científicas e profissionais na Fa-
terpretou os cultos de origem africana com culdade de Medicina da Bahia, entrou em
um novo olhar mas também porque procu- contato com a obra etnográfica de Nina
rou demarcar a especificidade dessa inter- Rodrigues. Seu interesse pelo estudo da re-
pretação como resultado de uma “observa- ligiosidade do negro levou-o posteriormen-
ção documentada, tão minuciosa e severa” te a publicar uma série de livros sobre o
como pedia a “natureza delicada do assun- tema: O Negro Brasileiro (publicado em
to”; insistindo sempre no seu caráter cien- 1934 e revisto e ampliado em 1940), O
tífico (Rodrigues,1935, p. 14). Nesse sen- Folclore Negro do Brasil (1935), As Cul-
tido, pela primeira vez, é realizada, no Bra- turas Negras no Novo Mundo (1935) e a

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Aculturação Negra no Brasil (1942). Artur Ramos, ao retirar a explicação 15 Um “totemismo” muito significa-
tivo do modo como em geral se
Uma característica principal marcou a racial da base dos fenômenos culturais, mais estabelecem as linhagens inte-
nova abordagem proposta nesses livros: a do que se desviar do pensamento de Nina lectuais: “sacrifica-se” o mestre
em nome da continuidade de
religiosidade afro-brasileira deixou de ser Rodrigues procurou deslocar os estudos sua obra “inacabada”.
entendida como manifestação da inferiori- sobre a religiosidade de origem africana da 16 São eles: I- O Negro Brasileiro
(1934) de Artur Ramos; II- O
dade dos negros, e por meio dela se criticou fronteira com as ciências médicas e, poste- Animismo Fetichista dos Negros
riormente, da psicanálise. A mudança do Bahianos (1935) de Nina Ro-
o próprio conceito de raça substituindo-o drigues; IV- O Folclore Negro
pelo de cultura. Mas, para que essa nova subtítulo de seu livro inaugural O Negro do Brasil (1935) de Artur Ra-
mos; VII- Religiões Negras
abordagem não postulasse uma ruptura com Brasileiro, que, na edição de 1934, aparece (1936) de Édison Carneiro; IX-
Novos Estudos Afro-brasileiros
o que havia sido produzido sob o signo da como Ethnografia Religiosa e Psicanálise (1937) de Gilberto Freyre; XII-
explicação biológica (“tudo está no san- e na de 1940 apenas como Etnografia Re- As Culturas Negras no Novo
Mundo (1937) de Artur Ramos;
gue”), Artur Ramos identificou seu traba- ligiosa, é indicativa dessa postura. XIII- Xangôs do Nordeste (1937)
de Gonçalves Fernandes; XIV-
lho e o de seus seguidores como pertencen- De qualquer modo, a indicação do nome Negros Bantus (1937) de Édison
Carneiro; XV- Costumes Africa-
tes a uma fase “pós-Nina Rodrigues” – na de Artur Ramos, em 1939, para ocupar a nos no Brasil (1938) de Manuel
qual se operou “a interpretação metodoló- cátedra de antropologia e etnografia da re- Querino; XVII- A Escravidão no
Brasil (193) de João Dornas Fi-
gica e os acréscimos à obra que o grande cém-criada Faculdade Nacional de Filoso- lho; XVIII- O Folclore Mágico do
Nordeste (1938) de Gonçalves
mestre deixou inacabada” (15). fia, foi decisiva não só no encaminhamen- Fernandes; XIX- As Collectivida-
des Anormais (1939) de Nina
Um exemplo do que significou essa fase to de sua carreira em direção à antropolo- Rodrigues; XIX- O Negro no
na tradição dos estudos etnográficos sobre gia mas também na localização do seu tema Brasil (1940) de vários autores.
Cabe ressaltar que a Bibliotheca
o negro, que se queria consolidar nos anos predileto de pesquisa, o negro e sua religio- de Divulgação Scientífica da
Editora Civilização Brasileira
30 localizando, porém, o seu início em Nina sidade, como parte do curriculum oficial surgiu nos anos 30 em meio ao
grande boom do mercado edi-
Rodrigues, foi a publicação, em 1935, de O de ensino dessa disciplina (Faria,1993, p. torial brasileiro com a publica-
Animismo Fetichista dos Negros Bahianos, 7). O programa dessa cátedra em 1944, por ção de coleções com temas
relativos à realidade nacional.
com prefácio e notas de Artur Ramos. Nes- exemplo, estava dividido em três partes: Na análise feita por Heloísa Pon-
tes (1989) dos gêneros edita-
tes prefácio e notas, Artur Ramos procurou antropologia, etnologia e etnologia brasi- dos em três dessas coleções – a
minimizar a importância das interpretações leira (17). Na primeira parte enfatizava-se Brasiliana da Companhia Edi-
tora Nacional, a Documentos
racistas presentes na obra e ressaltar a parte a antropologia física ou biológica. Na se- Brasileiros da Livraria José
Olympio Editora e a Biblioteca
“documentária inatacável”, isto é, a descri- gunda, as doutrinas evolucionistas, aspec- Histórica Brasileira da Livraria
Martins Fontes Editora –, o “gê-
ção dos terreiros considerada “ponto de par- tos da cultura material e descrição dos po- nero antropologia e etnologia”
tida imprescindível ao ethnografo de nossos vos (mostrando inclusive a pouca distin- figura na primeira coleção em
sexto lugar com 7,1% e 6,7%
dias, interessado no problema da raça negra ção existente entre os nomes “etnologia” e dos títulos publicados entre
1931-40 e 1941-50, respecti-
no Brasil” (Ramos apud Rodrigues,1935, p. “etnografia”). E, na terceira parte, os estu- vamente (nessa coleção, em
primeiro lugar está o “gênero
11). Em dueto com o prefácio, a edição des- dos etnográficos no Brasil (retomando o história” com 25% e 37% dos
se livro trazia ainda nas últimas páginas tre- nome da cátedra). Nesses estudos destaca- títulos nos mesmos períodos,
respectivamente). Na segunda
chos de comentários elogiosos feitos por vam-se o ameríndio e o negro, sendo este, coleção “antropologia e etnolo-
gia” aparecem em quarto lu-
intelectuais da época ao livro de Artur Ra- inclusive, iniciado pelo estudo da “Escola gar com 7,6% dos títulos publi-
cados no período de 1941-50
mos, O Negro Brasileiro, publicado um ano Nina Rodrigues” (Azeredo,1986, p. 264). (em primeiro lugar está o “gê-
antes. Um “posfácio” que unia umbilical- Artur Ramos também se empenhou na nero biografia e memória”, com
38,1% dos títulos no mesmo
mente as duas obras. formação de uma bibliografia abrangente período). Considerando que
nessa época a antropologia e
Esses livros foram, também, os dois para o ensino dessas disciplinas, com espe- a etnologia eram disciplinas
primeiros volumes da coleção Bibliotheca cial ênfase na etnologia (ou etnografia) bra- recém-incorporadas ao campo
acadêmico, sua visibilidade
de Divulgação Scientífica, editada pela sileira. Em decorrência de sua cátedra es- nessas publicações em relação
aos outros “gêneros” mais anti-
Editora Civilização Brasileira, sob a dire- creveu um amplo compêndio em dois vo- gos e legítimos não é nada des-
prezível, principalmente se con-
ção de Artur Ramos, que nos anos 30 tor- lumes: Introdução à Antropologia Brasi- siderarmos que na classificação
nou-se um dos principais veículos de di- leira. No primeiro volume, publicado em desses gêneros essas discipli-
nas aparecem separadas de
vulgação dos estudos etnográficos sobre o 1943, procurou sistematizar o conhecimen- outras que lhes são muito próxi-
mas como a arqueologia, lín-
negro que ressurgiram com grande força to sobre as culturas indígenas e negras do guas indígenas, folclore, etc.
em várias partes do Brasil. Entre 1934 e Brasil, e no segundo, publicado em 1947, 17 Embora o nome oficial da cáte-
dra fosse antropologia e
1940, dos vinte títulos publicados nessa dedicou-se às culturas européias, à mesti- etnografia, Artur Ramos substi-
coleção, treze deles abordavam quase que çagem e aos contatos culturais ocorridos tuiu o último termo por etnologia
conforme se vê no “Programa
diretamente esse tema (16). no Brasil. A utilização de termos como da Cadeira de Antropologia e

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“aculturação” e “assimilação” nos títulos gens (20) e atacando abordagens “estra-
de vários capítulos do segundo volume re- nhas” ao métier antropológico as quais
vela as influências das abordagens prove- poderiam confundir as fronteiras desta com
nientes do culturalismo norte-americano outras ciências, como a medicina.
que nortearam a compilação dos temas e o Freyre tornou-se um cientista social de
entendimento do que era a antropologia, a grande projeção depois da publicação de
etnografia e a etnologia. Casa-grande & Senzala (1933), e costu-
Com as publicações da Bibliotheca de mava ressaltar sua formação em “estudos
Divulgação Scientífica, a “etnografia do graduados e pós-graduados em ciências so-
Brasil”, principalmente a “do negro”, pas- ciais” realizados no exterior, uma credencial
sou a contar com uma “abundante biblio- que poucos intelectuais podiam exibir nos
grafia” em português, de fácil acesso e uti- anos 30, quando os primeiros cursos nessa
lizada no ensino superior. A atividade edi- área foram criados no Brasil.
torial e acadêmica de Artur Ramos contri- A ação de Gilberto Freyre na rede-
buiu, portanto, para evidenciar esse tema finição das linhagens que vinham sendo
Etnologia” feito por ele (Azere- facilitando o seu trânsito na academia (18). estabelecidas por Artur Ramos encontrou
do,1986, p. 264). Essa mes-
ma substituição também apare- Outra decorrência da atuação acadêmi- na formação médica deste um ponto estra-
ceu publicada em um edital do
Diário Oficial, de 1949, para
ca de Artur Ramos foi a criação em 1941 da tégico para marcar diferenças. Freyre, na
provimento do cargo de pro- Sociedade Brasileira de Antropologia e época em que Ramos ocupava a cátedra
fessor catedrático da cadeira
de antropologia e etnografia. Etnologia, que recebeu o mesmo nome de de psicologia social na Universidade do
A matéria para a argüição era: sua cátedra na Faculdade Nacional de Filo- Distrito Federal, era o diretor do Departa-
antropologia, etnologia e
etnologia brasileira (Faria, sofia. Essa associação, “a primeira socieda- mento de Ciências Sociais e como tal cri-
1993, p. 15). Como se vê, pa-
rece que a substituição dos de científica, de âmbito nacional, dedicada ticou o programa que este lhe apresentou
nomes, feita por Artur Ramos, ao tratamento de temas antropológicos” por considerá-lo excessivamente psicana-
acabou prevalecendo.
(Azeredo, 1986, p. 21), embora tenha tido lítico. Essa atitude teria distanciado os dois
18 Sobre a passagem do período
em que “não se havia caracte- uma curta existência (até 1949, ano da mor- autores:
rizado ainda uma ‘etnografia te de Artur Ramos), teve um significativo
do negro’ para o de uma abun-
dante bibliografia”, ver as in- papel, não tanto por suas atividades científi- “Artur Ramos nunca me perdoou a crítica
formações de Faria (1993, p.
17): “A [disciplina] etnografia cas – restritas, aliás, à gestão da cátedra da aos seus excessos psicanalíticos de então,
do Brasil […] abria espaço para qual era uma espécie de subsidiária –, mas de algum modo corrigidos pouco tempo
a apresentação dos chamados
estudos afro-brasileiros, com por indicar o crescente fortalecimento da depois não só pelos excessos marxistas
abundante bibliografia de au-
tores brasileiros. Como todos
antropologia que buscava um foro próprio como pela sua iniciação – data dessa época
sabem, grande parte da litera- para agrupar seus praticantes e afirmar a sua – nos estudos de sociologia e antropologia
tura sobre o negro era de auto-
ria de Artur Ramos, catedrático especificidade no panorama das ciências em língua inglesa. Mas a verdade […] é
de antropologia da Nacional, sociais brasileiras (19). que desde esse atrito comigo e da sua ini-
que também dirigia uma cole-
ção que acolhia, de preferên- ciação nas bibliografias de clássicos e
cia, estudos do mesmo gênero.
Foi essa uma área sem proble- modernos de antropologia social e de so-
mas de bibliografia para os ciologia em língua inglesa que lhe forneci,
estudantes”. LATIFÚNDIOS CIENTÍFICOS deu ao seu ensino e ao seu estudo de psico-
19 Depois de extinta a Sociedade
Brasileira de Antropologia e logia social amplitude tal que se libertou
Etnologia, somente em 1955
foi fundada outra entidade ci-
Em torno das representações sobre o do sectarismo psicanalítico da sua mocida-
entífica com objetivos de reunir negro também se atrelaram outras concep- de. E, assim liberto, é que se tornou antro-
em âmbito nacional os antro-
pólogos: a Associação Brasi- ções de antropologia e o estabelecimento pólogo social” (Freyre, 1959, p. 183).
leira de Antropologia. de competências nas universidades dos
20 Uso o termo “linhagem” para anos 30. Nessa tentativa de definir o ofício do
designar um conjunto de pes-
quisadores que possuem laços Paralelamente às atividades de Artur antropólogo distanciando-o de outras ci-
de reciprocidade entre si for-
mados a partir de relações es-
Ramos, que se afirmou nessa área como o ências, Gilberto Freyre procurou rever os
pecíficas como a de professor- principal articulador da Escola Nina “totens” reverenciados como patronos da
aluno (ou orientador-orientan-
do), de filiação teórica ou Rodrigues, outro intelectual em ascensão, antropologia. Para ele, o pioneirismo de
institucional, etc. Sobre as linha- Gilberto Freyre, procurou definir esferas Nina Rodrigues, grande ícone da Escola
gens na antropologia, ver:
Peirano, 1995. de atuação da disciplina refazendo linha- Baiana, deveria ser substituído por outros

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brasileira e no meio (ecologia) americano, Esta foto e as
ou tropical-americano, separando sua con-
dição de inferioridade social – a de escravo
seguintes foram
– da sua condição de raça. Nem fundaram publicadas em
aqueles mestres tais estudos com essa ori- Notas sobre o
entação nem os associaram a estudos
humanísticos, sem prejuízo para sua auten- Culto dos
ticidade científica” (Freyre,1959, p. Orixás e
LXVIII) (21).
Voduns, de
Para Freyre a justa linhagem desses es- Pierre Verger
tudos fora iniciada por intelectuais como (São Paulo,
José Bonifácio, Silvio Romero, Alberto
Torres, entre outros, sendo seus continua-
Edusp, 1999)
dores, na antropologia física e social, auto-
res como Roquette-Pinto, João Batista
Lacerda, Froes da Fonseca e Fernando de
Azevedo. Na “subárea recifense”, deveria
ser considerada, ainda, a atuação de Ulysses
nomes que teriam inaugurado “clãs” ver- Pernambucano e de seus discípulos: René
dadeiramente antropológicos, como a Ribeiro, Gonçalves Fernandes e Waldemar
“Nova Escola do Recife” (assim batizada Valente (22).
por Roquette-Pinto), da qual ele próprio se As críticas de Freyre aos excessos psi-
tornaria o principal representante. canalíticos de Artur Ramos e da Escola
Baiana foram, contudo, muito atenuadas
“Não é justo dizer-se de Nina Rodrigues quando aplicadas a essa “Nova Escola do
nem de Artur Ramos que foram pioneiros Recife” cujos integrantes, a começar por
ou fundadores dos modernos estudos bra- Ulysses Pernambucano, eram quase todos
sileiros de Antropologia Social, História de formação médica com especialidade em
Cultural e Sociologia […] Têm outra ori- psiquiatria. Mas, nesse caso, Freyre salien-
gem os estudos que situam o negro africa- tou sua ação no sentido de “corrigir” no
no e o seu descendente na vida e na cultura Recife a “orientação errada” de Nina Ro-
drigues. Dessa forma, caberia a ele, Freyre,
que se “considerava discípulo brasileiro de
Boas”, a primazia da renovação dos estu-
dos antropológicos no Brasil, segundo sua
própria opinião:

“A criatividade no Brasil, no sentido do


desenvolvimento das ciências sociais vol-
21 Na desqualificação de Nina
tadas para o próprio Brasil, teve, na década Rodrigues, Gilberto Freyre re-
de vinte, uma de suas épocas mais decisi- conheceu entre os viajantes e
cronistas alguns instauradores
vas, com a chegada ao Recife do único de tradição científica como Von
brasileiro discípulo do maior revolucioná- Martius, que teria lançado a
tese da ilusão da conversão
rio da antropologia física, da antropologia católica dos negros muito an-
tes de Nina Rodrigues basear-
socio-cultural: o judeu alemão, o grande se nesse argumento para es-
Franz Boas. Esse discípulo brasileiro de crever O Animismo Fetichista
dos Negros Bahianos (Freyre,
Boas é que trouxe ao Brasil, via Recife, não 1957, p. 177).
via Rio nem São Paulo, a revolucionária 22 Sobre essa disputa entre a
teoria do seu mestre na Universidade de Escola do Recife e da Bahia,
ver a análise de Mariza Corrêa
Colúmbia” (Freyre, 1985, p. 23) (1982, p. 215).

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Essa primazia também encontrou res- timação das religiões afro-brasileiras den-
paldo no I Congresso Afro-Brasileiro (Re- tro e fora do campo acadêmico (24), serviu
cife, 1934) organizado por Gilberto Freyre. para consolidar a memória de Nina Rodri-
Esse encontro pioneiro de estudiosos e pra- gues. A publicação dos trabalhos apresen-
ticantes das religiões afro-brasileiras bus- tados nesse congresso e no do Recife ficou
cou de certa forma expandir a influência do a cargo da Bibliotheca de Divulgação
grupo do Recife numa área em que Artur Scientífica de Artur Ramos.
Ramos e sua escola cada vez mais se pro- Nesse período as disputas por uma de-
jetavam: a dos estudos etnográficos sobre finição teórica e profissional entre lideran-
o negro tendo como ponto de partida seu ças representativas de instituições acadê-
universo religioso (23). A Escola Baiana micas de perfis e regiões diferentes tam-
estava, contudo, de tal forma consolidada bém se expressaram na corrida por publi-
que o próprio Congresso do Recife teve de car obras genéricas que fizessem uma es-
reverenciá-la na resolução votada pelos pécie de etat d’art da antropologia brasilei-
participantes de se publicar o retrato de Nina ra da época, definindo questões, colocando
Rodrigues nos seus anais. Outra demons- problemas e produzindo algumas versões
tração de reconhecimento da posição de de sua história oficial. Algumas dessas
prestígio de Artur Ramos, foi o convite que obras ainda tentavam manter sob o termo
lhe fez Gilberto Freyre para prefaciar o antropologia a “biologia comparativa dos
segundo volume dos anais do congresso. grupos humanos”, como Ensaios de Antro-
Ramos aceitou a tarefa e não perdeu a opor- pologia Brasiliana (1933) de Roquette-Pin-
tunidade para fazer algumas ironias no que to e Questões de Antropologia Brasileira
ele chamou de prefácio dispensável… (1935) de Bastos de Ávila, ambos com atua-
ção no Museu Nacional do Rio de Janeiro.
“Não havendo feito parte da comissão Outras, como Problemas Brasileiros de An-
organizadora do 1o Congresso Afro-Brasi- tropologia (1943) de Gilberto Freyre e In-
leiro […] nem havendo sequer discutido trodução à Antropologia Brasileira (1943)
diretamente as teses e as moções apresen- de Artur Ramos, anunciavam uma visão
tadas, acompanhei, no entanto, de longe, mais abrangente da disciplina seguindo,
com o maior interesse, a marcha dos traba- porém, as especializações ensinadas por
lhos […]. Desejo apenas fazer uma peque- esses professores nas suas cátedras univer-
na observação […]. É que desde 1926, na sitárias. De qualquer forma, esses livros,
Bahia, o nome de Nina Rodrigues, o sábio entre outros, não foram escritos e nem tive-
23 Gilberto Freyre, embora tenha iniciador dos estudos negro-brasileiros, foi ram títulos assim tão parecidos por acaso.
se tornado um dos mais conhe-
cidos estudiosos da formação retomado no propósito firme de uma re- Sob a aparente semelhança entre os subs-
sociocultural brasileira, não se interpretação do problema negro-brasilei- tantivos e adjetivos dos títulos, é possível
dedicou com maior ímpeto ao
estudo em particular da religio- ro, e é agora tacitamente reconhecida pelo reconhecer diferenças marcantes logo no
sidade afro-brasileira, como
demonstra Casa-grande & grupo do Recife, com a homenagem a Nina índice dos temas tratados em cada um deles.
Senzala. Na nota 42 do quar- Rodrigues referida por Gilberto Freyre, no
to capítulo dessa obra, Freyre
menciona o trabalho de Nina seu artigo deste livro, e pelo fato de haver
Rodrigues remetendo o leitor
o eminente sociólogo de Casa Grande e
aos continuadores deste: “um
grupo notável de estudiosos Senzala exigido de mim estas palavras” (Ra- NEGROS, NEGROES E NÈGRES
brasileiros”, encabeçados por
Artur Ramos (Freyre, 1981, p. mos apud Freyre, 1937, p. 12).
388). Uma posição contrária Quando comparadas entre si as concep-
àquela assumida por ele no
prefácio à segunda edição de A disputa continuou, ainda em 1937, no ções que Gilberto Freyre e Artur Ramos
Problemas Brasileiros de Antro-
pologia (Freyre, 1959: LXVII). II Congresso Afro-Brasileiro, dessa vez tinham do que era a antropologia, vê-se que
24 Foi nesse encontro que se de-
ocorrido na Bahia e organizado por um dos seus atritos resultaram menos de divergên-
liberou pela criação da União principais discípulos de Artur Ramos, cias concretas do que da busca pela legiti-
de Seitas Afro-Brasileiras da
Bahia, um órgão que visava Édison Carneiro. Esse encontro, que pare- midade de instaurar essa disciplina no cam-
reunir os terreiros de candom- ce ter tido maior visibilidade e maiores con- po acadêmico brasileiro. Tanto um autor
blé em torno dos seus interes-
ses comuns. seqüências ao menos em termos de legi- como o outro entendiam que a antropolo-

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gia deveria ser uma ciência dedicada ao representantes dessa vertente, seguido por
estudo do “homem total” erigida na época Édison Carneiro, um jornalista baiano que
sob a perspectiva teórica do culturalismo embora tenha encontrado sérias dificulda-
norte-americano. Artur Ramos, por ter des de inserção acadêmica produziu inú-
centrado seu esforço na constituição de uma meros trabalhos sobre o tema, além das
etnografia da religiosidade do negro, dife- atividades já referidas junto ao II Congres-
riu neste sentido de Gilberto Freyre, que so Afro-Brasileiro.
conduziu seus temas preferencialmente Nesse sentido, o legado científico de
para fronteiras mais amplas entre sociolo- Nina Rodrigues, que propunha vínculos
gia, antropologia e história. De qualquer explicativos entre raça e religião, foi refei-
forma, foi no contexto das influências to pela geração posterior. O estudo das re-
exercidas por esses autores que os estudos lações raciais entre negros e brancos se con-
afro-brasileiros tiveram outros desdobra- solidou como uma área quase que autôno-
mentos entre as décadas de 40 e 60. ma para a qual convergiram enfoques socio-
Um desses desdobramentos foi empre- lógicos, antropológicos e históricos. Já os
endido por autores que, ao criticarem as estudos sobre a herança cultural religiosa
abordagens de Nina Rodrigues, não tive- africana no Brasil, nos quais o candomblé
ram receio de ampliar os limites tradicio- e outras expressões ocuparam um papel
nais do “objeto” de sua etnografia. Gilber- central, acabaram se consolidando como
to Freyre anunciou esse encaminhamento antropológicos ou etnográficos.
ao apontar o equívoco de Nina Rodrigues Esses desdobramentos não foram, en-
em ver o “africano” no Brasil esquecendo- tretanto, conseqüência da ação exclusiva
se de sua condição de “escravo”, que cons- dos intelectuais e acadêmicos brasileiros.
trangia a expressão livre de sua cultura de Resultaram também da atuação crescente
origem (Freyre, 1959, p. LXVIII). Essa dos pesquisadores profissionais estrangei-
postura considerada mais “histórica” ou ros, principalmente norte-americanos e
“sociológica” (Nogueira,1955) permitiu a franceses, que a partir dos anos 30 e 40
formação de uma linhagem de estudos na “descobriram” o Brasil como área de estu-
qual a religião não foi eleita como um as- dos sobre o negro e de conformação de suas
pecto central de interesse, figurando como carreiras universitárias.
um dado, entre outros, para se entender o Entre os primeiros cientistas que desem-
relacionamento cultural e racial entre bran- barcaram no Brasil tendo em vista desen-
cos e negros na sociedade brasileira. volver aqui suas pesquisas sobre os negros
Outro desdobramento foi conduzido por estavam Donald Pierson e Ruth Landes
pesquisadores que, mesmo ressaltando as (25). Pierson, muito mais do que Landes,
críticas ao trabalho de Nina Rodrigues, exemplificou o enquadramento do proble-
buscaram manter como ponto de atração o ma da etnografia religiosa afro-brasileira
lugar especial que ocupou o seu “objeto” em termos de conexões mais amplas. Em
empírico mais enfatizado: o universo das seu livro, Negroes in Brazil, a Study of Race
práticas religiosas de origem africana. Es- Contact at Bahia (1942), escrito a partir de
sas práticas foram compreendidas, então, suas pesquisas de campo nesse estado en-
não mais em termos de conceitos desqua- tre 1935 e 1937, procurou fornecer uma
lificantes como animismo, fetichismo, his- interpretação do caráter harmonioso de
teria, etc., mas como fenômenos singula- nossas relações raciais seguindo de perto
res, nacionais e importantes para o conhe- os alicerces de Gilberto Freyre em Casa-
cimento da realidade cultural brasileira. Um grande & Senzala – nome, aliás, que deu a
exemplo dessa perspectiva valorativa foi a um dos capítulos do livro. Dos outros dez
transformação na nomenclatura dessas prá- capítulos, apenas um deles é dedicado ao 25 Sobre o significado da presen-
ça dos pesquisadores estrangei-
ticas que passaram a ser designadas por Candomblé. Essa obra de Pierson teve um ros na formação da comunida-
“cultos ou religiões negras ou afro-brasi- papel muito importante por fazer trafegar de científica brasileira ver, en-
tre outros: Schwartzman, 1984;
leiras”. Artur Ramos foi um dos principais representações sobre o “problema negro” Massi, 1989; Meihy, 1990.

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no Brasil num circuito acadêmico altamente mento do Brasil na rota dos interesses aca-
prestigiado dos Estados Unidos: o da Uni- dêmicos do seu país.
versidade de Chicago (26). A presença de Herskovits no Brasil sig-
Depois desse trabalho, Donald Pierson nificou o apogeu dos enfoques sociocultu-
voltou ao Brasil em 1939 para integrar o rais nos estudos afro-brasileiros seguidos
quadro de professores da Escola Livre de por duas das principais lideranças intelec-
Sociologia e Política fundada em São Pau- tuais nacionais: Gilberto Freyre e Artur Ra-
lo em 1933, um ano antes da criação da mos (28). Essa presença foi, no entanto,
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras mais benéfica para Freyre, cujo trabalho
da Universidade de São Paulo. Nessa cida- foi elogiado por Herskovits, que não esten-
de ficou por cerca de dezoito anos imple- deu o mesmo tratamento às obras de Artur
mentando uma postura profissionalizante Ramos (29). Na conferência de abertura da
na prática das ciências sociais, segundo o Faculdade de Filosofia da Bahia, em 1942,
modelo da Escola de Chicago. Herskovits ressaltou que, se a censura de
26 Segundo Donald Pierson, par-
tiu de seus professores a suges- Ruth Landes pesquisou no Brasil entre Silvio Romero sobre a falta de estudos so-
tão e o incentivo para que ele 1938 e 1939. Vinda de outro importante bre o negro foi bem respondida com a obra
pesquisasse os contatos raciais
no Brasil. Entre esses professo- centro acadêmico, a Universidade de de Nina Rodrigues e de seus seguidores,
res estavam Herbert Blumer,
Colúmbia (27), onde atuavam Franz Boas por outro lado, com exceção para as “aná-
Robert Redfield, Louis Wirth e
Robert Park, sendo este inclusi- e seus discípulos, tinha como interesse ori- lises etno-históricas de Gilberto Freyre e
ve o prefaciador de Negroes
(Pierson, 1967, p. XII). ginal também a área dos contatos raciais. para os estudos sociológicos de Pierson,
27 A vinda de antropólogos norte- Contudo, acabou centrando suas pesquisas toda essa obra acha-se orientada com espe-
americanos para o Brasil fez em aspectos rituais e sociais do candom- cialidade para uma compreensão das práti-
parte da Política de Boa Vizi-
nhança estabelecida nos Esta- blé, com especial ênfase no status femini- cas e crenças religiosas dos afro-baianos”
dos Unidos em 1936 quando
foi assinada a Convention for
no na estrutura desses cultos em Salvador. (Herskovits, 1967, p. 93). Para Herskovits,
the Promotion of Inter-America Produziu alguns artigos sobre o tema, mas essa abordagem, ainda que fosse relevante
Cultural Relation. Segundo
Charles Wagley: “Em meio a sua obra mais conhecida foi The City of e necessária, deveria ser redirecionada por
esta política de aproximação, Women (1947), em que narrou numa lin- um programa de pesquisas abrangentes con-
o Museu Nacional do Rio de
Janeiro promoveu a ida de qua- guagem quase confessional suas experiên- siderando a totalidade do rico material que
tro antropólogos de Colúmbia
para o Brasil. Esse grupo foi com- cias dessa época. a Bahia, e por extensão o Brasil, poderia
posto por Buell Quain, que estu- Outra presença, menos duradoura se oferecer com as inúmeras instituições e
dou os índios trumaí, William
Lipkind, que se dedicou aos comparada com a de Pierson ou de Landes, modos de condutas africanas que se con-
carajás, Ruth Landes, que fez
um trabalho interessante sobre
porém tão importante como essas na conso- servaram devido à “tradicional tolerância”
os cultos afro-brasileiros na lidação do Brasil como “região etnográfica” da sociedade brasileira. Herskovits também
Bahia, e eu, que me dediquei
aos tapirapé” (Wagley apud no estudo do negro e na legitimação das li- influenciou a especialização acadêmica de
Meihy, 1990, p. 71). nhagens acadêmicas nacionais, foi a de alguns scholars brasileiros como Octávio
28 Gilberto Freyre referia-se a Melville Herskovits, que no início dos anos da Costa Eduardo e René Ribeiro que fize-
Herskovits como “um dos maio-
res antropólogos modernos” 40 realizou, durante alguns meses, uma pes- ram a rota inversa dos pesquisadores es-
(Freyre, 1959, p. 191) e Artur
Ramos era reconhecidamente
quisa sobre a aculturação negra no Brasil. trangeiros: saíram do Brasil para escrever
um admirador desse autor ten- Nessa época, quando o pensamento de Boas sobre o país com o olhar desde fora. Pelos
do participado em 1941 de
um seminário sobre aculturação assumia novas direções nos trabalhos de seus títulos dos trabalhos produzidos por eles –
dirigido por Herskovits na discípulos, Herskovits, da Northwestern The Negro in Northern Brazil: a Study in
Northwestern University.
University, era um dos principais divulga- Acculturation (Eduardo, 1948) e Cultos
29 Nas palavras de René Ribeiro:
“Aqui no sul ele [Herskovits] teve dores da tradição boasiana dos estudos Afrobrasileiros do Recife: um Estudo de
uma rivalidade aberta com Artur
Ramos. Artur Ramos enciumou- culturalistas, principalmente em sua “ver- Ajustamento Social (Ribeiro, 1952) – vê-
se. Era uma pessoa muito vai- tente econômica”. Como africanista, havia se o significativo papel que as teorias sobre
dosa, era muito lido, aí o
Herskovits criticou ele; [Ramos] revelado esse continente para a antropolo- aculturação e relações entre cultura e per-
sabotou até uma conferência
gia cultural norte-americana (Stocking, sonalidade assumiram na análise do mate-
que [Herskovits] fez lá no Reci-
fe e repetiu no Rio” (“Depoimen- 1992, p. 132) e sua vinda ao Brasil em busca rial afro-brasileiro. Essa perspectiva foi
to de René Ribeiro”, Projeto
História da Antropologia no de sobrevivências africanas no Novo Mun- muito importante na sedimentação dessa
Brasil, coord. Mariza Corrêa, do significou não apenas a continuidade de área na antropologia, além de ter permitido
Unicamp, 1984, p. 23,
mimeo.). seus estudos nessa área, mas o estabeleci- a transferência para essa disciplina do “ca-

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30 A adesão do médico René Ri-
pital teórico” de certos pesquisadores for- se tema, ao que tudo indica, foi resultado da beiro a essa perspectiva cultu-
mados em outros campos como medicina intervenção e do prestígio de Gilberto Freyre, ralista e à antropologia é um
exemplo desse processo:
ou psiquiatria (30). que protestou contra a exclusão no projeto “Quando da visita do profes-
A disseminação dessa postura teórica, da “região de Pernambuco” e do Instituto sor de antropologia cultural da
Universidade de Nortwestern
com a legitimidade advinda dos centros Joaquim Nabuco (Freyre, 1959, p. 192). Com ao Recife, Melville Herskovits,
este discordou perante Ulysses
acadêmicos estrangeiros, logo se tornou isso coube a René Ribeiro desenvolver uma Pernambucano da ênfase em-
passaporte valorizado para esses scholars pesquisa em Recife sobre Religião e Rela- prestada por sua escola, ao
psicopatológico nos estudos
pós-graduados no exterior que passaram a ções Raciais (1956). Afinal de contas, reli- afro-brasileiros. […] Daí por
diante passei a considerar o
integrar os quadros ainda precários das gião “evidentemente deve ter alguma coisa distúrbio mental muito mais
instituições científicas e de ensino superior com o preconceito” (34). como social do que como
psicopatológico”. “Outra coi-
emergentes. Costa Eduardo passou a lecio- Apesar dessa “evidência”, a constitui- sa, também, é que a corrente
a que me filiei em antropolo-
nar com Donald Pierson na Escola Livre de ção de vínculos entre o campo etnográfico
gia cultural (Boas, Herskovits,
Sociologia e Política de São Paulo, e René das religiões afro-brasileiras e outros mais etc.) é uma corrente que leva
em muita consideração o indi-
Ribeiro ocupou a cátedra de etnografia do abrangentes, como o das relações raciais, víduo – o indivíduo na cultura,
Brasil da Faculdade de Filosofia da Uni- não se consolidou nos circuitos acadêmi- o racional e o irracional no ho-
mem” (“Depoimento de René
versidade Federal de Pernambuco, além cos nacionais. É significativo que numa re- Ribeiro”, op. cit., pp. 3 e 21).
de integrar como antropólogo a primeira senha ao livro Candomblé da Bahia de 31 Sobre a história do Instituto Joa-
quim Nabuco ver: Freston,
equipe de pesquisadores do Instituto Joa- Donald Pierson (o capítulo sobre o can- 1989.
quim Nabuco, fundado em Recife por Gil- domblé de Negroes transformado em livro),
32 A edição em inglês de O
berto Freyre em 1949 (31). Hélio Vianna tenha afirmado: “Não há Negro Brasileiro de Artur Ra-
mos saiu em 1939 e a de Casa-
Nesse período, o crescente fluxo de dúvida que o material apresentado pelo grande & Senzala de Gilberto
pesquisadores estrangeiros ao Brasil e a pu- professor Donald Pierson seja dos mais in- Freyre em 1946. Esse livro,
principalmente, fez muito suces-
blicação em língua inglesa dos trabalhos teressantes até agora a respeito reunidos, so também no exterior e atraiu
o interesse de estudiosos es-
dos brasilianistas e de autores brasileiros embora passível da observação de levar a trangeiros.
(32) promoveram a divulgação internacio- sério cultos que na verdade não passam de
33 Artur Ramos ocupou em 1949
nal das especificidades presentes nos con- simples manifestações de magia negra e, o cargo de diretor do Departa-
mento de Ciências Sociais da
tatos raciais e culturais do país. Esses con- como tais, justamente perseguidos pela Unesco, vindo a falecer no fi-
tatos acabaram sendo objeto de uma ampla polícia” (35). nal desse mesmo ano.

investigação patrocinada pela Unesco com Para que a etnografia da “magia negra” 34 “Depoimento de René Ribeiro”,
op. cit., pp. 9 e 10. Além do
o objetivo de divulgar ao mundo o exemplo atingisse sua maioridade como campo le- livro Religião e Relações Raci-
ais de René Ribeiro, outros tra-
brasileiro de “convivência harmoniosa” gítimo de interesse etnográfico foi preciso balhos resultantes das pesqui-
entre as raças. Esse projeto, idealizado por esperar pelo “olhar francês” que primeiro sas da Unesco foram publica-
dos como: Race and Class in
Artur Ramos (33) e levado adiante pelo insistiu no elevado significado dessa ma- Rural Brasil (1952) organiza-
antropólogo Alfred Métraux, consistiu gia em termos de compor um sofisticado do por Charles Wagley com
estudos na área da Bahia; Les
numa série de pesquisas realizadas em vá- “complexo religioso” e depois lhe imputou Elites de Coleur dans une Ville
Bresilienne (1953) de Thales
rios pontos do Brasil, aproveitando em mui- uma valorização desde dentro revelando as de Azevedo, com estudos na
tos casos as pesquisas que já estavam em “sutis metafísicas” que o compunham. área de Salvador; O Negro
no Rio de Janeiro (1953) de L.
andamento. Abrangeu desde estudos em co- Um dos primeiros contrastes que os A. Costa Pinto e Brancos e
Negros em São Paulo (1955)
munidades rurais que vinham sendo feitos “novos estudos afro-brasileiros”, de influ- de Roger Bastide e Florestan
principalmente na Bahia por antropólogos ência francesa, estabeleceram em relação Fernandes. Os resultados con-
traditórios em relação ao pre-
norte-americanos como Charles Wagley e aos estudos raciais e culturalistas norte- conceito racial ao qual chega-
Marvin Harris, até em áreas urbanas, como americanos foi o de substituir a busca pelas ram tanto os pesquisadores da
Unesco como outros pesquisa-
Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, onde formas com que a África se dissolveu no dores podem ser entendidos de
várias formas. No caso de al-
participaram principalmente pesquisadores Brasil pelos pedaços indissolúveis da Áfri- gumas pesquisas conduzidas
brasileiros. ca que teriam permanecido no Brasil. À por norte-americanos, o mode-
lo de discriminação racial exis-
O tema das religiões afro-brasileiras não frente dessa jornada se colocou Roger tente em seu país de origem
pode ter atuado em suas per-
parece ter sido inicialmente valorizado na Bastide, professor francês que chegou ao cepções sobre as relações ra-
proposta do projeto da Unesco, embora seu Brasil em 1938 fazendo parte da delegação ciais no Brasil. A visão de
Donald Pierson e Ruth Landes,
primeiro incentivador, Artur Ramos, tenha de professores estrangeiros que integrava por exemplo, sobre a ausên-
se especializado muito mais nessa área do o quadro docente do Departamento de Ci- cia ou a pouca discriminação
nas relações raciais entre bran-
que na de relações raciais. A presença des- ências Sociais da recém-criada Faculdade cos e negros no Brasil talvez

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de Filosofia, Ciências e Letras da Univer-
sidade de São Paulo.
Bastide viera substituir Claude Lévi-
Strauss, contratado como professor da ca-
deira de sociologia da Universidade de São
Paulo entre 1935 e 1938. Cada um desses
dois pesquisadores desenvolveu sua car-
reira acadêmica a partir dos estudos dos
dois principais “objetos” formadores da
antropologia brasileira: índios e negros.
Como disse outro integrante dessa delega-
ção de professores estrangeiros, Paul
Arbousse-Bastide:

“A maior parte dos meus colegas soube


extrair do Brasil riquezas ainda mais deci-
sivas. A etnografia francesa, excetuando o
Museu do Homem, com Rivet e Soustelle,
não conhecia os índios senão de ouvido. chegou ao Brasil a grande influência de
Ela jamais havia ido ‘a campo’ para Casa-grande & Senzala, buscou compre-
observá-los, muito menos para viver um ender o sentido dessa obra (que traduziu
tempo com eles. Lévi-Strauss atribuiu a si para o francês) na interpretação da realida-
a missão de encontrá-los e levá-los à Fran- de brasileira. O interesse pela cultura afro-
ça […]. Quando Roger Bastide obteve a brasileira levou-o a uma viagem em 1944
cadeira de sociologia, ele encontrava seu pelo Nordeste do Brasil na qual se encan-
futuro em uma nova voga, não mais a dos tou com o universo das religiões de origem
índios, mas a dos negros. E pelo mesmo africana. A partir dessa viagem escreveu
cálculo que Lévi-Strauss, ele tornou-se o Imagens do Nordeste Místico em Branco e
revelador diante dos franceses, da negritude, Preto (1945), misturando as crônicas de
quer dizer, da sobrevivência no Novo Mun- suas andanças pela Bahia e Recife com uma
do de velhas práticas africanas” (Arbousse- análise do barroco brasileiro e a descrição
Bastide apud Massi, 1989, p. 433). do “mundo dos candomblés”. Imagens pode
ser lido como uma espécie de Tristes Tró-
A “descoberta” ou “revelação” dos ín-
dios e dos negros a partir das poucas via-
gens etnográficas que Lévi-Strauss e Roger
Bastide empreenderam pelo Brasil ajudou
a redimensionar o valor dos estudos etno-
gráficos sobre esses grupos. Lévi-Strauss
descreveu seu contato com os índios do
Brasil Central no livro Tristes Trópicos
(1957). Roger Bastide começou a pesquisar
a contribuição dos negros para a cultura
brasileira por meio da relação entre arte e
sociedade. Da mesma forma que Silvio
encontre explicação no mode-
lo comparativo que ambos ti- Romero apontara a importância dos contos
nham em mente: o do deep populares de origem africana para o folclo-
south segregacionista dos Esta-
dos Unidos onde fizeram “está- re nacional, Roger Bastide se interessou
gios” antes de embarcarem
para o Brasil.
pela poesia afro-brasileira como parte rele-
vante na constituição da literatura brasilei-
35 Revista Estudos Brasileiros, vol.
8, n. 24, 1942. ra. E tendo constatado no período em que

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picos às avessas já que no primeiro preva- drigues a Artur Ramos. Nenhum dos livros
leceu um tom otimista em relação à preser- apresentava erros graves mas todos eles,
vação da cultura africana no Brasil, ao con- apesar de sua exatidão, ofereceram-me uma
trário do livro de Lévi-Strauss, que consta- idéia dos fatos e situações a serem vistas
tou uma triste realidade de abandono e que se mostraria inteiramente falsa quando
destruição das culturas indígenas. me encontrei nos lugares. Isso porque, se
O encanto despertado pela “mística” eram verídicos quanto ao que afirmavam,
dessas imagens religiosas, descritas inici- silenciavam estranhamente sobre aquilo
almente de modo impressionista, levou que logo me pareceu essencial. Escrevi
Roger Bastide a propor análises mais refi- então esta frase: ‘Há no candomblé uma
nadas. Escreveu uma série de artigos pu- importante filosofia sutil (em outra oportu-
blicados em três volumes do Boletim da nidade diria, antes uma metafísica) que me-
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras receria ser exposta…’ Essas obras, ao dei-
da USP (1946, 1951 e 1953) intitulados xarem de basear-se as descrições em ali-
Estudos Afro-brasileiros. Mas foi após o cerces metafísicos, fizeram com que os
retorno de Bastide à França em 1954 que candomblés surgissem como um conjunto
escreveu e publicou suas principais obras de sobrevivências desenraizadas, privadas
sintetizando o resultado das pesquisas rea- de sua própria seiva, em suma, um emara-
lizadas no Brasil: Le Candomblé de Bahia nhado de superstições (mais folclore do que
– Rite Nagô (1958) e Les Réligions religião)” (Bastide, 1983, p. XII).
Africaines au Brésil (1960) (36). Posterior-
mente, ainda publicou Les Amériques A identificação que Bastide estabele-
Noires (1967) no qual ampliou o campo de ceu posteriormente entre o seu trabalho no
análise para os africanismos presentes em Brasil e o de Marcel Griaule na África –
outros locais da América. ambos dedicados a descobrir a lógica das
Apesar de influenciado pela formação “filosofias nativas” – permite avaliar a
intelectual européia, Roger Bastide foi um transformação que a sua etnografia religio-
defensor da necessidade da criação de uma sa do negro propôs a partir do contexto
“sociologia brasileira” para entender a rea- acadêmico paulista e na redistribuição da
lidade sui generis do país. No estudo do atribuição de competência entre os centros
sincretismo, fenômeno que o instigava des- produtores de ciência e particularmente das
de suas primeiras incursões a campo, ex- representações científicas sobre o negro.
pressou essa insatisfação com os estudos
anteriores (“de Nina Rodrigues a
Herskovits”), que lhe pareceram adotar uma
“perspectiva mecânica (aquela que mais A FILOSOFIA SUTIL VAI À
tarde seria denunciada sob a fórmula de
aculturação en bottes de foin, de elementos FACULDADE
de natureza diversa, considerados em con-
junto)” (Bastide, 1983, p. X). Para Bastide A formação em São Paulo de um campo
os estudos afro-brasileiros anteriores dei- de estudos do “problema negro” foi inusi-
xavam de lado a característica que o seu tada porque instaurou essa discussão num
olhar, treinado por uma forte tradição filo- estado que pouco enaltecia a presença des-
sófica francesa, não poderia deixar de per- se contingente na sua população local cons-
ceber: a presença no mundo dos candom- tituída na época por muitos imigrantes eu-
blés de uma metafísica sutil cujo entendi- ropeus. Além disso, as pesquisas sobre as
mento deveria ser o principal objetivo da relações raciais em São Paulo feitas por
investigação antropológica. Roger Bastide e Florestan Fernandes, entre
outros, apontaram situações de discrimi- 36 Esses trabalhos foram apresen-
“Antes de ir a Bahia, lera tudo o que se nação e preconceito destoando dos resulta- tados por Roger Bastide na Uni-
versidade de Paris para obten-
escrevera sobre candomblés, de Nina Ro- dos das pesquisas feitas em lugares cujas ção do título de Doctorat d’État.

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populações eram majoritariamente consti- lo começou a adquirir um certo prestígio
37 Na Bahia, apesar dos esforços tuídas por negros e mestiços como a Bahia. nos anos 40 através da Escola Livre de
de alguns continuadores da
obra de Nina Rodrigues como Em relação aos estudos do universo Sociologia e Política e da Faculdade de Fi-
Oscar Freire e Estácio de Lima, religioso afro-brasileiro, desde os anos 30, losofia, Ciências e Letras. Na primeira atua-
os estudos sobre o negro pas-
saram por um período de pou- o Rio de Janeiro havia sucedido a Bahia de ram muitos pesquisadores cujas carreiras
ca projeção. Até mesmo porque
alguns de seus principais Nina Rodrigues e se tornado o principal estavam marcadas pelo estudo do negro,
continuadores, como Artur Ra- centro desses estudos tendo na cátedra de como Donald Pierson, que, com a colabo-
mos, produziram ou divulgaram
a maior parte de sua obra resi- Artur Ramos na Faculdade Nacional de Fi- ração dos alemães Herbert Baldus e Emílio
dindo fora desse estado. Somen-
te nos anos 40, com a criação
losofia o seu ponto de convergência (37). Willens, criou em 1941 a Divisão de Estu-
da Faculdade de Filosofia da Com a morte de Ramos em 1949, seu prin- dos Pós-Graduados, a primeira em ciên-
Bahia, o campo acadêmico
nesse estado começou a se ar- cipal discípulo nos estudos afro-brasilei- cias sociais do país, dando à instituição um
ticular. De qualquer forma, a ros, Édison Carneiro, não conseguiu suce- perfil mais voltado para a pesquisa de cam-
Bahia, juntamente com outros
estados do Nordeste, ainda que der-lhe, ficando esses estudos sem um po e para a formação de quadros acadêmi-
não contassem com um campo
científico institucionalizado na interlocutor de prestígio reconhecido den- cos. Nessa escola se pós-graduaram impor-
área das ciências sociais na dé- tro e fora do espaço acadêmico local. Nes- tantes pesquisadores das questões raciais
cada de 30, foram uma espé-
cie de “Ilhas Trobriand” da se período, nas faculdades de filosofia como Virgínia Bicudo, Oracy Nogueira e
etnografia religiosa afro-brasi-
leira, ou seja, um lugar muito
surgidas nos vários estados, havia grandes Florestan Fernandes (39). A contratação de
conhecido através das etno- dificuldades de se encontrar antropólogos Octávio da Costa Eduardo, ex-aluno de
grafias que se concentravam
nessa região pela efervescência ou cientistas sociais para preencher seus Herskovits e pesquisador das religiões de
de sua vida religiosa. A reali- quadros, sendo as cátedras ocupadas por origem africana no Maranhão, como pro-
zação nessa região do I e II
Congresso Afro-Brasileiro de- profissionais provenientes de outras áreas, fessor da Escola de Sociologia e Política
monstra a importância que des-
frutavam em termos dos deba- principalmente da medicina, interessados também foi uma referência para compor
tes nacionais. em ciências humanas (Azevedo, 1984, p. em São Paulo um núcleo de discussão des-
38 Em 1945, Artur Ramos, levado 260). Assim, se a carreira de Artur Ramos sa temática. Para essa cidade, por exemplo,
talvez pela intenção de mostrar
seus conhecimentos antropoló- é exemplar da atuação de profissionais que “René Ribeiro encaminhava alguns estu-
gicos para além da área dos progressivamente foram abandonando sua dantes aos cuidados do pernambucano (40)
estudos sobre o negro, subme-
teu-se ao concurso para a cáte- especialidade médica em direção a um co- Octávio da Costa Eduardo, seu ex-colega
dra de antropologia e etnologia
da Faculdade Nacional de Fi- nhecimento mais antropológico, por outro da Northwestern University” (Freston,
losofia apresentando uma tese lado ela não deve ser vista como típica, já 1989, p. 327).
sobre A Organização Dual
entre os Índios Brasileiros. Em- que muitos desses profissionais optavam A Escola de Sociologia e Política, ao
bora tenha sido aprovado, esse
trabalho recebeu muitas críticas por desempenhar tanto as funções de sua enfatizar a preocupação com as referências
e foi motivo de ironia por parte formação original como aquelas envolvi- empíricas, permitiu o desenvolvimento de
de Heloísa Alberto Torres, da
banca examinadora, que apon- das com a prática antropológica. Até mes- uma postura profissionalizante dos seus
tou a confusão feita por Ramos
mo porque o empenho de Artur Ramos em membros e uma diferenciação em relação
ao afirmar que a “corrida de
cães” era um esporte favorito favor da especialização na antropologia (38) aos outros centros acadêmicos. A ênfase na
dos índios. Ramos por um erro
de tradução confundiu log race nem sempre pôde ser seguido por outros pesquisa de campo se tornou sua marca
(corrida na qual os índios arras- professores que embora estivessem atuan- distintiva, ainda que muitas vezes essa ên-
tam um toro de madeira) com
dog race (corrida de cães) do nessa área não dispunham em suas fa- fase fosse criticada por ser considerada
(Azeredo, 1986, p. 219; Fa-
ria, 1993, p. 19). culdades sequer de cursos ou departamen- excessivamente dependente de concepções
39 Virgínia Bicudo defendeu tese
tos próprios de ciências sociais ou possibi- metodológicas e teóricas “norte-america-
de mestrado tratando do pre- lidades de intercâmbio intelectual com nas” (41).
conceito contra negros e mula-
tos em São Paulo. Oracy No- outros centros (Azevedo, 1984, p. 271). Na Faculdade de Filosofia, Ciências e
gueira e Florestan Fernandes, Talvez uma exceção a essa situação fosse Letras da USP, o perfil das ciências sociais
embora não tenham trabalha-
do com este tema para a obten- Recife, onde a presença de Gilberto Freyre assumiu uma postura “mais teórica” ou mais
ção de seus títulos acadêmicos,
escreveram importantes traba- e do Instituto Joaquim Nabuco continuava “humanística”, influência direta de uma
lhos nessa área. atuante. Na Universidade Federal de Per- compreensão européia ou mais especifica-
40 Na verdade, Octávio da Cos- nambuco, a ação de René Ribeiro, à frente mente francesa por parte do seu corpo do-
ta Eduardo nasceu no interior
de São Paulo. da cátedra de antropologia, também foi im- cente do que eram essas ciências. Além
41 Sobre a formação da Escola portante para manter o interesse na área disso, os professores estrangeiros estavam
Livre de Sociologia e Política dos estudos afro-brasileiros. impedidos por seu contrato de trabalho de
ver: Limongi, 1989; Pierson,
1987. A projeção desses estudos em São Pau- realizarem pesquisas em detrimento das ati-

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vidades docentes e tinham de usar o tempo dades que havia na Faculdade de Filosofia
livre ou o trabalho com seus alunos para na época eram limitadas e as que havia eram
realizarem suas investigações (42). para gente da própria faculdade” (43).
O contraste entre essas características
da Faculdade de Filosofia da USP e da As concepções que “antropologia”,
Escola de Sociologia e Política não impe- “etnologia” e “etnografia” assumiram nes-
diu, entretanto, a existência de um relativo se contexto e a forma como absorveram o
trânsito e influência entre os membros de estudo do negro resultaram também do diá-
uma e outra instituição apesar da disputa logo que essas duas escolas estabeleceram
existente entre as duas instituições, con- com o ambiente científico paulista que en-
forme relata Octávio da Costa Eduardo. contraram.
No período anterior à fundação dessas
“Bem, eu voltei dos Estados Unidos em 45, escolas de ensino superior, as principais
46, e passei a estudar [lecionar] na Escola instituições que abrigavam em São Paulo
de Sociologia. Era a única oportunidade as discussões em torno dos temas antropo-
que eu tinha de ser antropólogo. As portas lógicos eram o Museu Paulista e o Instituto
da Faculdade de Filosofia estavam fecha- Histórico e Geográfico de São Paulo. Es-
das […]. Em primeiro lugar havia o laço ses institutos, por estarem atrelados a uma
afetivo com a escola onde eu havia estuda- concepção muito tributária dos métodos e
do. Em segundo lugar havia uma ciumeira enfoques ecléticos do século XIX, não con-
muito grande entre e Escola de Sociologia seguiram acompanhar a renovação cientí-
e a Faculdade de Filosofia. Os Mesquita fica dos anos 30, que culminou com a cria-
eram donos absolutos não só da verdade ção das faculdades de filosofia (44). A de-
como da Faculdade de Filosofia. Eles é que finição dos “objetos” privilegiados de es-
determinavam. Orientação era francesa, os tudo nesses institutos continuou, contudo,
professores vieram da França para a Facul- orientando de certa forma o movimento das
dade de Filosofia inicialmente. Formação fronteiras disciplinares nos novos espaços
americana era vista sob reservas muito for- institucionais. Na Faculdade de Filosofia,
tes no Brasil. Ciência só se faz na França, a cadeira de sociologia, desde a sua cria-
os Estados Unidos é fact file, a procura de ção, ocupou um lugar de destaque, já que 42 Roger Bastide, por exemplo,
ao escrever sobre a “macum-
informação, de dado, não têm espírito como essa disciplina traduzia a novidade do ba” paulista, apontou entre as
cientistas, não desenvolvem teorias, dão in- enfoque proposto por uma “ciência do so- fontes de consulta “um certo
número de investigações pes-
formações, fatos, etc. Bem, e havia natu- cial” e fazia com isso convergir para si as soais ou feitas por antigos alu-
nos nossos, a nosso pedido,
ralmente o interesse da Faculdade de Filo- principais expectativas em relação a um seja na capital, seja em cida-
sofia em prestigiar os seus próprios estu- “curso de ciências sociais”. A cadeira de des do interior” (Bastide,
1983, p. 193).
dantes: Florestan, Rui Coelho e tantos ou- etnografia brasileira e língua tupi-guarani,
43 Depoimento pessoal dado ao
tros. Curiosamente, Florestan foi ser aluno à qual estava associado o ensino de etno- autor por Octávio Eduardo em
da Escola de Sociologia no curso de pós- grafia geral e antropologia física, foi criada 7/11/96.

graduação que era a única escola que tinha em 1935 e ocupada pelo engenheiro Plínio 44 Uma das características
marcantes dessa renovação foi
pós-graduação na época. Combinei com o Ayrosa. Nessa cadeira, como o próprio a crescente especialização
que as faculdades de filosofia
Pierson que dirigia o Departamento de Pós- nome revela, o estudo das sociedades indí- impuseram às ciências huma-
Graduação que eu daria dois cursos no curso genas foi prioridade. Uma certa visão do nas.
normal da Escola, um de Introdução à colecionismo museográfico ainda vigorou 45 A criação dessa cátedra foi
conseqüência da exigência de
Antropologia e outro de Antropologia Fí- nessa cátedra como exemplificou a criação adequação do regimento da
sica e que no estudo de pós-graduação eu do Museu de Etnografia, instituído nessa Faculdade de Filosofia, Ciên-
cias e Letras da USP ao pa-
daria um curso sobre o negro no Novo faculdade. Somente em 1941 foi criada a drão estabelecido pela Facul-
dade Nacional de Filosofia do
Mundo. Para minha surpresa o Florestan disciplina “antropologia” associada à cáte- Rio de Janeiro que, por decre-
inscreveu-se nesse curso em 1946, era um dra de etnografia e voltada para “os estudos to federal de 1939, foi consi-
derado oficial para todas as
curso semestral e o Florestan foi meu aluno raciais e etnobiológicos” (Schaden, 1984, instituições congêneres do
e tornamo-nos bons amigos, freqüentei p. 253) (45). Essa disciplina foi lecionada país. Sobre a organização e
atividades dessa cátedra, ver:
várias vezes a casa dele, mas as oportuni- por Emílio Willems que, nesse mesmo ano Pereira, 1966.

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46 Emílio Willems, numa carta de também, tornou-se professor de antropolo- lizar a área na qual se concentravam as dis-
1941 a Artur Ramos, assim
definiu as “três tarefas máximas gia social e sociologia na Escola de Socio- ciplinas dadas em geral por Herbert Baldus,
da Antropologia no Brasil: a) logia e Política (46). Sete anos mais tarde, que obtivera seu título de doutor em
Estudo de culturas indígenas e
seus contactos com a ‘civiliza- a disciplina “antropologia” foi finalmente etnologia na Europa.
ção’. b) Estudo das culturas
‘caboclas’ indispensável à so- transformada em cadeira integrando, com O estabelecimento de fronteiras não
lução do problema rural brasi- a de sociologia e de política, o recém-cria- muito precisas entre a sociologia e a antro-
leiro. c) Estudo da aculturação
de certos grupos étnicos e raci- do Departamento de Sociologia e Antro- pologia (principalmente quando esta não
ais (negro, japonês, alemão,
etc.)” (in Azeredo, 1986, p.
pologia da Faculdade de Filosofia. se referia aos estudos indígenas) ou a
50). João Baptista Borges Pe- A antropologia não foi, portanto, alvo “sociologização da antropologia e a
reira, que assumiu a cadeira
de antropologia na Faculdade de uma preocupação central na elaboração antropologização da sociologia” (Faria,
de Filosofia, Ciências e Letras dos cursos, em contraste com a articulação 1993, p. 90) criou em São Paulo um ambi-
da USP em 1967, assim des-
creveu a organização e ativi- dessa cadeira no Rio de Janeiro sob os in- ente favorável à interdisciplinaridade no
dades dessa disciplina: “a) In-
vestigação da cultura e da vida teresses de Artur Ramos. Ou seja, enquan- qual os acadêmicos puderam experimentar
social indígena e dos proces- to na Faculdade de Filosofia do Rio de Ja- e implementar em suas pesquisas aborda-
sos de transformação resultan-
tes de contatos intertribais e com neiro o negro (em seus aspectos culturais) gens diversas (48).
população neobrasileiras; b)
Análise de comunidades rústi-
tornou-se sinônimo de “etnografia brasi- A projeção que o campo acadêmico
cas e de mudanças sociocultu- leira” e foi inspiração para a legitimação da paulista assumiu no cenário das ciências
rais que nelas se operam; c)
Finalmente, estudo dos proces- antropologia, em São Paulo o índio assu- sociais também resultou dos projetos edi-
sos de aculturação e de assimi- miu esse lugar deslocando o negro (com toriais que tiveram nessas faculdades um
lação de minorias étnicas no
Brasil” (Pereira, 1966, p. 11). ênfase nas relações raciais com o branco) grande apoio. A coleção Biblioteca de Ci-
Como percebe José Guilherme
Magnani (1992, p. 46): “Tal para a sociologia sob a direção de Roger ências Sociais, da Editora Martins, foi or-
formulação [de Willems] como Bastide e posteriormente de Florestan ganizada por Donald Pierson e se especia-
base de programas de ensino
e pesquisa revelou-se bastante Fernandes (47) . lizou em traduzir livros didáticos (49) para
duradoura, pois passados mais
de vinte anos vamos encontrá-
Na Escola de Sociologia e Política (cujo o ensino das ciências sociais. A revista
la, com algumas nuanças – sig- curso era de “sociologia e política”, uma Sociologia, criada em 1939 por Emílio
nificativas – no texto [de Borges
Pereira]”. novidade em relação aos cursos de “ciên- Willems e Romano Barreto, tornou-se um
47 Roger Bastide assumiu a cáte- cias sociais” das faculdades de filosofia), dos principais veículos de divulgação na-
dra de sociologia substituindo ainda que a antropologia não figurasse no cional (e internacional) dos trabalhos pro-
Lévi-Strauss, que fora contrata-
do para essa cadeira mas logo nome da escola, teve nesta uma projeção duzidos nessa área. Na área da antropolo-
se interessou pelos grupos indí-
genas e se encaminhou para muito grande, principalmente a partir da gia surge o primeiro periódico acadêmico,
os estudos etnológicos, ou an- atuação de Donald Pierson. Na Divisão de a Revista de Antropologia, fundada em 1953
tropológicos segundo o para-
digma estruturalista que ele pró- Estudos Pós-Graduados, por exemplo, as por iniciativa particular de Egon Schaden,
prio se encarregaria de fundar.
duas primeiras seções criadas por Donald com o apoio da Faculdade de Filosofia da
Deve-se ainda relativizar a atua-
ção profissional de Roger Pierson foram a de sociologia e antropolo- USP, que mais tarde assumiu a responsabi-
Bastide que, embora se consi-
derasse um sociólogo, tinha gia, marcando os primeiros cursos de pós- lidade de sua publicação.
uma visão suficientemente am- graduação na área de ciências sociais. Nes- Essas publicações acompanharam a
pla do que era essa disciplina
para dissolver suas fronteiras sa escola, sociologia e antropologia não voga editorial dos anos 30 e 40 de produzir
com a antropologia. Uma vi-
são, aliás, fortemente influencia- apresentavam, contudo, fronteiras muito coleções voltadas para o conhecimento dos
da pela tradição francesa de claras sendo ensinadas indistintamente por problemas nacionais. Comparando os li-
aproximação entre sociologia
e antropologia iniciada por Donald Pierson e Emílio Willems (livre- vros editados pela Biblioteca de Ciências
Durkheim e Mauss.
docente em sociologia). O tema racial ou Sociais de Donald Pierson em São Paulo e
48 Para Egon Schaden, “nunca aspectos culturais do negro eram objetos pela Biblioteca de Divulgação Científica
chegou a esboçar-se, felizmen-
te, na Universidade de São das disciplinas inicialmente oferecidas por de Artur Ramos no Rio de Janeiro, perce-
Paulo, algo que pudesse deno-
minar-se ‘escola antropológica Donald Pierson e depois por Octávio da be-se como essas “bibliotecas” procuravam
paulista’. Por sorte, os interesses Costa Eduardo (Pierson, 1987, p. 56). Uma articular estratégicas diferenciadas em tor-
foram sempre variados, com
tendência crescente para a distinção mais acentuada entre sociologia no do projeto científico ao qual se atrela-
interdisciplinaridade” (Schaden,
1984, p. 254). Uma consulta
e antropologia aparecia apenas quando se vam. Ambas foram concebidas para suprir a
aos títulos dos trabalhos de entendia pela última o estudo das popula- ausência de uma bibliografia básica para o
Donald Pierson e Emílio
Willems, por exemplo, revela ções indígenas. Nesse caso, usava-se pre- ensino das ciências sociais, sendo que a pri-
esse trânsito entre estudos an- ferencialmente o termo “etnologia” (dis- meira privilegiava um determinado objeto
tropológicos e sociológicos. A
carreira de muitos discípulos pensando o adjetivo “indígena”) para loca- científico (o negro) e a segunda as aborda-

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gens teóricas que deveriam nortear as análi- como demonstra um dos capítulos de Os
ses dos vários objetos dessas disciplinas. Africanos no Brasil: “Sobrevivências
As faculdades de filosofia, inicialmen- Totêmicas: Festas Populares e Folclore”
te no Rio de Janeiro e São Paulo e depois (Rodrigues, 1977, p. 172)
em outros estados, passaram assim a cen- Nos anos 30, devido à instituciona-
tralizar com maior ou menor intensidade as lização das ciências sociais, as fronteiras
representações sobre o negro, que se tor- entre folclore e antropologia (ou etnografia)
nou “objeto” das ciências sociais. Mas se a começaram a ser definidas. Artur Ramos,
retirada desse tema da fronteira com a em O Folclore Negro do Brasil (1935), es-
medicina foi relativamente fácil de justifi- boçou um dos primeiros marcos dessas
car (substituindo a ênfase biológica pela fronteiras, além de investir contra o senti-
explicação social ou cultural) houve outras do negativo que o termo folclore assumira:
disputas mais sutis no estabelecimento de
competências acadêmicas e definições des- “Neste livro, o ‘folclore negro’ do Brasil
se “objeto”, como a que ocorreu entre os não é estudado como material pitoresco,
cientistas sociais e os folcloristas. Estes úl- para recreio de espíritos curiosos. Não se
timos, por também promoverem represen- trata de uma história amena de curiosida-
tações da cultura baseadas num intenso tra- des domésticas e sociais da vida do negro
balho de campo, exigiam para si um “lugar […]. É um método de exploração científica
ao sol” entre os ramos legítimos das ciên- do seu inconsciente coletivo” (Ramos,
cias sociais. Essa “disputa de terras”, nas 1954, p. 9).
palavras de Roger Bastide, ou “guerra de
sutileza” para usar os termos de Édison Ramos posteriormente explicou melhor
Carneiro, entre acadêmicos e folcloristas, sua compreensão do folclore como uma
mais do que sinalizar a importância na de- subdivisão da antropologia, distinguindo-
finição de um determinado objeto de in- o da etnografia: “Folclore está para a antro-
vestigação, revelou o reconhecimento por pologia cultural na mesma situação que a
parte de ambos da força que o campo aca- lingüística, a arqueologia, e outras subdi-
dêmico possuía na legitimação das repre- visões que estudam os vários aspectos da
sentações que a ele estivessem associadas. cultura. É preciso que o Folclore não seja
confundido com Etnologia, ou com a dessa primeira geração de pes-
quisadores estrangeiros tam-
Etnografia, disciplina, esta última, descri- bém foi marcada por essa ca-
racterística. Florestan Fernan-
tiva da cultura” (Ramos apud Diegues,
GUERRA DE SUTILEZAS 1952, p. 68). Artur Ramos, talvez devido à
des talvez seja o caso mais
exemplar já que foi considera-
do “o pai da escola sociológi-
sua formação original em medicina e ao ca paulista” mas produziu tan-
Desde pelo menos o século XIX os in- seu esforço de fazer convergir para si os to no mestrado como no douto-
rado teses sobre grupos indí-
telectuais brasileiros utilizavam o termo estudos do negro (inclusive os produzidos genas. Esse trânsito também se
fazia em relação a outras áre-
“folclore” para designar as tradições cultu- por pesquisadores identificados com a abor- as, como revela o comentário
rais, ou seu estudo, produzidas pelas cama- dagem do folclore e/ou não pertencentes de Ruy Coelho sobre a presen-
ça de Florestan Fernandes na
das “não-ilustradas” da população e tidas aos quadros acadêmicos), tinha uma gran- Faculdade de Filosofia da USP:
“Neste Departamento, o
como espontâneas e preservadas em con- de simpatia pelos “saberes não estritamen- Florestan é uma ilha de socio-
tos, lendas, mitos, festas, etc. te acadêmicos”. A Sociedade Brasileira de logia cercada de literatura por
todos os lados” (Cândido apud
As manifestações culturais do negro, por Antropologia e Etnologia contava, por Fernandes, 1978, p. XI).
preencherem essas definições, foram par- exemplo, com um departamento de folclo- 49 Segundo Castro Faria: “A an-
ticularmente alvo dos primeiros estudos de re e patrocinou muitas conferências de es- tropologia social surge no Bra-
sil, ou melhor, em São Paulo,
folclore no Brasil, como os de Silvio Ro- tudiosos dessa área. Numa dessas seções, na década de 1940, fora da
universidade oficial, sempre
mero, nos quais se ressaltou a contribuição em 1944, o veterinário maranhense Nunes muito zelosa da tradição euro-
dos africanos na formação da literatura Pereira apresentou a monografia A Casa péia e, nessa época e lugar,
profundamente afrancesada. E
nacional. Também Nina Rodrigues, seguin- das Minas, um estudo sobre esse terreiro surge de maneira ostensiva, e
com um poderoso veículo de
do essa tradição, procurou incluir o folclo- do Maranhão no qual se preservaram im-
comunicação: os livros didáti-
re como parte de seus estudos etnográficos, portantes tradições religiosas de origem cos” (Faria, 1993, p. 86).

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“folclore”, como revelam os subtítulos de
Religiões Negras: Notas de Ethnographia
Religiosa (1936) e Negros Bantos: Notas
de Ethnographia Religiosa e de Folk-lore
(1937), ambos publicados pela coleção
dirigida por Ramos.
A partir dos anos 50, as fronteiras entre
o campo do folclore e da antropologia ou
da etnografia aproximaram-se bastante com
o crescimento de suas esferas de atuação e
influência. Em 1947 foi criada a Campa-
nha Nacional do Folclore e nos anos se-
guintes ocorreram vários encontros (Sema-
na Nacional de Folclore, Congresso Bra-
sileiro de Folclore), culminando com a cri-
ação, em 1958, da Campanha Brasileira de
Defesa do Folclore. Na área das ciências
sociais ocorreram os primeiros encontros de
daomenana no Brasil. Por esse trabalho, especialistas reunidos sob a marca de suas
custeado e publicado por Artur Ramos, que disciplinas. Os antropólogos, por exemplo,
escreveu a “Introdução”, Nunes Pereira realizaram a I Reunião Brasileira de Antro-
pôde reclamar o seu pioneirismo na inves- pologia em 1953 no Museu Nacional do Rio
50 Da comissão organizadora da tigação dessa “região etnográfica” em re- de Janeiro e na segunda reunião sediada em
I Reunião Brasileira de Antro- lação a Octávio da Costa Eduardo, que nesse Salvador, em 1955, foi fundada a Associa-
pologia faziam parte desde
pesquisadores com uma forma- mesmo ano estivera no Maranhão fazendo ção Brasileira de Antropologia. Nessas reu-
ção mais acentuada na área
da antropologia física, como sua pesquisa sob a orientação de Herskovits. niões, a discussão de temas e a freqüência
Roquette-Pinto e Bastos D’Avila, Também Édison Carneiro, jornalista baiano de pesquisadores, inclusive nas comissões
até pesquisadores que se iden-
tificavam plenamente com a e um dos principais defensores do folclore organizadoras, pertencentes às duas áreas
abordagem folclorista, como
Manuel Diegues Júnior e Édison
nos anos 50, encontrou em Artur Ramos demonstraram a grande proximidade entre
Carneiro. Também nesses en- um grande incentivador dos seus estudos “folcloristas” e “antropólogos” (50). Mas o
contros de antropologia a área
do folclore figurava ao lado na área das religiões afro-brasileiras. O próprio crescimento e sobreposição dessas
de outras, como paleontologia próprio Édison Carneiro tendia a não sepa- áreas e a dificuldade de definir consen-
e lingüística (Cavalcante &
Vilhena,1990). rar muito os campos da “etnografia” e do sualmente as tarefas e enfoques que cada
uma queria imputar a si mesma e à outra
ocasionaram freqüentes pontos de tensão.
Um destes foi o crescente mal-estar causa-
do pela dificuldade de traçar um perfil ní-
tido para a definição do “fato folclórico”
que o distinguisse dos demais fatos cultu-
rais e exigisse para si uma disciplina à par-
te. E mesmo que essa definição pudesse ser
dada, era preciso legitimar uma metodolo-
gia que distinguisse o estudo do folclore
da etnografia que se afirmara como uma
“ciência descritiva da cultura”. A distin-
ção proposta por Artur Ramos entre etno-
grafia e folclore, embora fosse bem-inten-
cionada, sucumbiu diante das dificulda-
des crescentes enfrentadas por esse saber
para construir um espaço próprio e per-
manente entre as disciplinas acadêmicas

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(51). Essa situação restringiu ou eliminou
a possibilidade de o folclore obter algum
dividendo no processo de divisão do tra-
balho acadêmico e de estabelecimento da
autoridade científica.
Nas regiões onde esse processo se veri-
ficou com maior competitividade, como no
campo científico da Região Sudeste, as re-
lações entre folclore e outras ciências soci-
ais, depois de um longo período de fricção
e interdependência amistosa, rebelaram-se.
Algumas polêmicas como a de Mário de
Andrade e Heloísa Alberto Torres e a de
Édison Carneiro e Florestan Fernandes fo-
ram exemplares dessas tensões envolven-
do agências científicas, compreensões lo-
cais das abordagens disciplinares e seus
objetos preferenciais.
Em São Paulo, a área do folclore passou Lévi-Strauss, que tinha por objetivo forne-
por um período de grande incentivo repre- cer instruções práticas para pesquisas de
sentado pela criação, em 1936, da Socieda- antropologia física e cultural. Possibilita-
de de Etnografia e Folclore por Mário de va, ainda, a apresentação de comunicações
Andrade, que, desde o ano anterior, atuava sobre as pesquisas em andamento ou já
como secretário do Departamento de Cul- realizadas, como a de Claude Lévi-Strauss
tura da cidade. Nessa sociedade circula- sobre os índios kadiveus. O tema do negro
ram, além de intelectuais e escritores com- também foi trazido para as discussões da
prometidos com a gestão municipal da cul- sociedade. Numa comunicação em 1938,
tura, muitos acadêmicos da Faculdade de Dalmo Belfort de Mattos apresentou o tra-
Filosofia e da Escola de Sociologia e Polí- balho As Macumbas em São Paulo (1938),
tica. Embora chamada de Sociedade de uma etnografia modesta mas pioneira so-
Etnografia e Folclore, a concepção predo- bre esses cultos e cujas conclusões foram 51 No Brasil, esse processo se as-
semelhou ao ocorrido em ou-
minante nessa instituição não demarcava incorporadas posteriormente aos trabalhos tros centros científicos. Como
de Artur Ramos e Roger Bastide. escreveu Renato Ortiz (s/d, p.
de forma evidente uma separação entre os
58): “Contrariamente à Antro-
dois campos. Se para Mário de Andrade pologia, à História e à Sociolo-
gia, cultivadas nas universida-
“etnografia era a sua visão contemporânea des, [o folclore] é um domínio
do folclore” (Rubino, 1995, p. 503), parece confinado ao reino do
amadorismo. Na França e na
que para outros membros a afirmação se Inglaterra, o estudo da cultura
popular floresce à margem das
invertia. O folclore seria uma forma de se instâncias legítimas de reconhe-
praticar a etnografia ou fornecer documen- cimento do trabalho científico.
Essa marginalização se acen-
tação para estudos de caráter mais socioló- tua quando sabemos que o
processo de autonomização do
gico ou etnológico. Essas percepções ma-
campo científico coincide com
tizadas provinham das diferentes formações a emergência da universidade
moderna nesses países”.
dos freqüentadores da sociedade e dos in-
52 A Sociedade de Etnografia e
teresses particulares que circulavam nesse Folclore, estando atrelada ao
espaço de discussão (52). Ao agregar fre- Departamento de Cultura do
Município, era um importante
qüentadores como os professores estran- espaço de interseção entre o
poder público e os interesses
geiros (Claude e Dina Lévi-Strauss, Roger das elites intelectuais e acadê-
Bastide, Pierre Monbeig entre outros) e seus micas. Além disso, era um im-
portante espaço de divulgação
alunos brasileiros, a sociedade atuava em das discussões já que contava
alguns terrenos de interesse comum como com a Revista dos Arquivos Mu-
nicipais como órgão oficial de
o curso de etnografia ministrado por Dina divulgação.

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Outra importante iniciativa, de Mário Nos anos 50, com a crescente influên-
de Andrade, foi a idealização da Missão de cia das primeiras gerações de cientistas so-
Pesquisas Folclóricas que, saindo de São ciais treinados nas instituições acadêmicas,
Paulo, em 1938, visitou vários estados do os estudos de folclore tiveram uma signifi-
Brasil, filmando e gravando cenas e músi- cativa redução no seu potencial de agencia-
cas de rituais religiosos afro-brasileiros e mento de pesquisadores entre os acadêmi-
festas populares. A compreensão que Má- cos. O protesto de Édison Carneiro em A
rio de Andrade tinha do que era o objeto Sociologia e as Ambições do Folclore, ar-
privilegiado dos estudos folclóricos ou tigo de 1959, é exemplar da crescente di-
etnográficos – as camadas populares majo- vergência nesse período entre folcloristas
ritariamente compostas por negros e mes- e cientistas sociais. Nesse artigo, Carneiro
tiços – não era, contudo, um consenso em reclamou do que julgou ser o “desprezo
outros circuitos científicos. Mário de An- pelo labor do folclorista e a segurança de
drade, incumbido de elaborar um antepro- que só a sociologia pode entender os fenô-
jeto para a criação de um serviço nacional menos folclóricos em sua plenitude” (53).
de patrimônio, sugeriu entre outras coisas Essa queixa foi dirigida a dois importantes
a reestruturação do Museu Nacional (con- membros da “escola paulista de sociolo-
siderado por ele uma “mixórdia”), que de- gia”: Florestan Fernandes e Roger Bastide.
veria ser desmembrado em um Museu de Fernandes, antes de se tornar uma lideran-
História Natural e um Museu de Arqueolo- ça das ciências sociais em São Paulo, co-
gia e Etnografia. Essa sugestão ocasionou meçou sua carreira fazendo pesquisa sobre
uma forte reação por parte de Heloísa o folclore paulista. Em seus estudos de fol-
Alberto Torres, uma das principais lide- clore, realizados entre 1942 e 1959 e reuni-
ranças científicas do museu, que conside- dos e republicados como Folclore e Mu-
rava inseparáveis os estudos etnográficos dança Social na Cidade de São Paulo
das ciências naturais. Ao contrário, ressal- (1961), demonstrou desde o princípio uma
tou ela que no Museu “esses estudos deve- certa insatisfação com aquilo que julgava
riam ser intensificados com urgência a fim ser as limitações do enfoque folclorista.
de que se recolha a documentação que os Embora considerasse o folclore um objeto
restos de nossas populações indígenas, em passível da investigação científica, esta
via rápida de desaparecimento, ainda po- deveria desenvolver-se “no campo da his-
dem nos proporcionar” (Rubino, 1995, p. tória, da lingüística, da psicologia ou da
502). Para Mário de Andrade, contudo, “D. sociologia”. Assim, opunha-se às “antigas
Heloísa, ao entender etnografia, pelas suas ambições de conferir ao folclore a condi-
próprias especializações, só pensa em ção de ciência positiva autônoma”
‘Etnografia ameríndia’, ao passo que eu, (Fernandes,1961, pp. 413-4). A oposição
pelas minhas especializações, entendo prin- de Florestan Fernandes a Édison Carneiro
cipalmente ‘Etnografia popular’”. Era in- se fez, portanto, menos em torno da defini-
compreensível para Mário de Andrade que ção do que era o “fato folclórico”, cuja
essa “etnografia popular” tivesse uma só existência o primeiro atestara já nos títulos
sala no Museu Nacional. Nesse episódio da dos seus primeiros trabalhos, e mais em
disputa entre uma “etnografia mais cultu- relação à definição das disciplinas apropria-
ralista e voltada para a cultura popular”, da das ou legítimas ao seu estudo. A tentativa
qual Mário de Andrade era um defensor, e frustrada de Édison Carneiro de ocupar a
a “antropologia mais próxima das ciências cátedra de Artur Ramos na Faculdade Na-
naturais” (Rubino, 1995, p. 501), postula- cional de Filosofia serve como metáfo-
da por Heloísa Torres, percebe-se também ra dessa restrição a que os estudiosos do
o embate pela legitimação de “índios” e folclore foram submetidos quando se trata-
camadas populares (principalmente “ne- va de estabelecer fronteiras de distinção
gros”) como focos de interesse nas repre- entre os padrões de competência e prestí-
53 Sobre essa polêmica ver: Caval-
cante & Vilhena, 1990, p. 81. sentações científicas. gio da academia e outros que lhe eram vi-

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de Folk-lore (1952), não deixou de assina-
lar a sua compreensão dessa área, um pou-
co discordante da de Ramos. Mas foi so-
bretudo no seu livro Sociologia do Folclo-
re Brasileiro (Bastide,1959) que aproxi-
mou os termos “sociologia” e “folclore”
para poder distingui-los melhor: o primei-
ro referia-se a um “saber”, o segundo a um
“objeto desse saber”. E ao incluir no livro o
estudo das religiões afro-brasileiras adver-
tiu o leitor sobre o lugar que este tema ocu-
pava na constelação dos fenômenos socio-
lógicos, isto é, ali não se praticaria o “etno-
centrismo” de considerar essas religiões
como “folclore”, muito embora “manifesta-
ções folclóricas” pudessem a elas se associ-
ar (55). Afinal, nessa guerra de sutilezas vê-
se que o que está em jogo não são apenas
definições mas a prerrogativa de saber quem
zinhos (54). Conscientes dessas fronteiras, pode estabelecê-las legitimamente.
os cientistas sociais que freqüentavam tam-
bém os circuitos de discussão dos folclo-
ristas procuraram demarcar suas formas de
atuação em ambos os espaços. Roger Bas- NOTAS FINAIS: DO QUE RIEM AS
tide, por exemplo, ao freqüentar as reuniões
da Comissão Paulista de Folclore, justifi- CLASSIFICAÇÕES? 54 Édison Carneiro, Heloísa
Alberto Torres e Marina de Vas-
concelos, assessora de Artur
cava sua presença dizendo que estava ali Ramos, eram os candidatos à
como “um sociólogo interessado em fol- Com a criação e consolidação dos pro- vaga que foi preenchida pela
última. Segundo Azeredo
clore e não como alguém já investido ou gramas de pós-graduação nas principais (1986, p. 221): “De posse da
cátedra, e no sentido de me-
por se investir no papel de folclorista” (No- universidades do país, a partir dos anos 60, lhor resguardá-la, manteve
gueira, 1978, p. 142). E no prefácio que e com o crescente aumento no número das Marina de Vasconcelos consi-
derável distanciamento daque-
escreveu ao livro de Artur Ramos, Estudos investigações neles realizadas (condição les seus competidores poten-
ciais. Aqui cumpre notar que,
necessária para a titulação acadêmica), as ainda no ano de 1968, evi-
representações sobre o negro assumiram tou ela de inserir curso regular
de folclore no elenco das dis-
novos e complexos rumos diversificando ciplinas da Cadeira de Antro-
os enfoques e dificultando assim sua clas- pologia e Etnologia do Institu-
to de Filosofia e Ciências
sificação em categorias muito estanques. Sociais da UFRJ, receosa de
reacender as pretensões de
Muitos estudos que poderiam ser identifi- Édison Carneiro”.
cados sob essa rubrica (“estudos sobre o 55 No caso das religiões afro-bra-
negro”) ampliaram o seu referencial, como sileiras, a atuação dos folclo-
ristas garantiu em muitas re-
no caso dos estudos dos movimentos soci- giões do país a produção de
uma grande quantidade de do-
ais urbanos e rurais que, mesmo sem aludir
cumentação que foi freqüente-
diretamente à questão do negro, acabam mente incorporada às pesqui-
sas acadêmicas. Os trabalhos
por revelar condições sociais que lhe são de Luís da Câmara Cascudo
peculiares. Na área dos estudos sobre o sobre o catimbó nordestino e
os de Dante de Laytano e Car-
universo religioso afro-brasileiro também los Krebs sobre o batuque
gaúcho são exemplos, entre
houve transformações significativas, seja outros, dessa atuação. Uma
pela inclusão desses estudos em campos consulta à Bibliografia do Fol-
clore Brasileiro (Colonelli,
mais abrangentes, como o dos “estudos de 1979) permite constatar um
número significativo de traba-
religiosidade popular” (o que de um certo lhos sobre as religiões afro-bra-
modo dissolveu o “caráter étnico” desse sileiras na área do folclore.

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universo) (56), ou ainda pela ênfase no tações, etc.) e especializações disciplina-
estudo de expressões religiosas de confor- res (antropologia da saúde, da educação,
mação mais recente, como a umbanda, que etc.). Curiosamente, o negro, mesmo como
proliferou muito nos grandes centros urba- objeto empírico, não constituiu nessa lista
nos do Sudeste e chamou a atenção dos uma linha de pesquisa autônoma, como
estudiosos acadêmicos (57). acontece com sociedades indígenas. Su-
Além disso, vários institutos, núcleos põe-se que possa ser analisado na linha
ou centros de pesquisa surgiram conve- relações interétnicas, na categoria outras,
niados às universidades ou integrados aos que se apresenta diferenciada inclusive da
seus programas de pós-graduação, o que linha relações interétnicas específica para
promoveu um adensamento das discussões grupos indígenas. O universo religioso
sob certos enfoques mais específicos ou afro-brasileiro também não é instituído
compondo áreas de investigação mais nominalmente como uma linha específica
abrangentes (58). podendo ser enquadrado em grupos e ritu-
A relação entre “objetos teoricamente ais religiosos.
construídos” e “objetos empíricos”, referi- Pela forma como as representações so-
da por Cardoso de Oliveira, nesse contexto bre o negro aparecem enunciadas nessas
parece que se tornou mais complexa se- linhas de pesquisas é possível perceber
guindo de perto os interesses das políticas como o saber acadêmico oscilou entre
estabelecidas pelos pesquisadores organi- incorporá-lo ou não como o “outro” da
zados em instituições universitárias e asso- descrição etnográfica. Enquanto membro
ciações acadêmicas. Nessas esferas, as “li- da mesma sociedade nacional do antropó-
nhas de pesquisas” ou “temas de investiga- logo, o negro não podia ser definido em
ção”, que congregam os pesquisadores a termos das especificidades que o separa-
partir dos seus interesses acadêmicos, for- vam do sujeito do conhecimento, a não ser
necem pistas significativas sobre os modos no período inicial da formação da antropo-
56 Sobre os significados da classi- pelos quais os “objetos” são referendados logia quando o negro era sinônimo de afri-
ficação “religiões populares”,
consultar a resenha bibliográfi- pelos grupos da academia. cano, estrangeiro. As formas de sua inser-
ca de Rubem César Fernandes
(1984). Considerando, por exemplo, as linhas ção na sociedade nacional passaram, en-
57 Outra característica importan- de pesquisa praticadas em dez instituições tão, a ser alvo do interesse científico, pri-
te presente nas análises do uni- acadêmicas em 1977, segundo o Conselho meiro tomando-o na sua condição biológi-
verso religioso afro-brasileiro é
o crescente abandono das gran- Nacional de Pesquisas (Velho, 1980, p. 81) ca (racial), depois na de escravo e final-
des sistematizações, como as
– Sociedades Indígenas; Relações Interét- mente como elemento subjugado nas rela-
propostas por Roger Bastide.
As novas investigações em geral nicas (Grupos Indígenas); Frentes de Ex- ções de classe. Em relação ao índio parece
se encaminham para análises
de aspectos regionais das reli- pansão (Moving Frontiers); Campesinato; ter sido mais fácil defini-lo como o “outro”
giões, de componentes de sua Movimentos Sociais Urbanos; Trabalha- em contraposição a um sujeito do saber
estrutura organizacional ou ain-
da de outras dimensões, como dores Urbanos; Relações Interétnicas (ou- acadêmico. Nesse sentido, até mesmo o
identidade religiosa, sistema
simbólico, aspectos da liturgia tras); Rituais e Símbolos Nacionais; Gru- relacionamento do índio com o branco foi
(dança, música, transe, etc.). pos e Rituais Religiosos; Papéis Sociais e diferenciado das outras relações entre gru-
58 Alguns exemplos: na Bahia o Representações; Camadas Médias (Com- pos. Relações raciais para negros e bran-
Centro de Estudos Afro-Asiáti-
cos (Ceao), a partir dos anos portamento Desviante); Etnodemografia cos e relações interétnicas para índios e
60, deu um novo impulso às Histórica; Antropologia da Produção Inte- brancos. Como bem percebeu Mariza
investigações sobre o desenvol-
vimento das religiões afro-bra- lectual; Antropologia da Saúde; Antropo- Peirano, os títulos de dois importantes li-
sileiras. O Instituto Superior de
Estudos da Religião (Iser), fun- logia da Educação e finalmente Teoria vros sobre essas relações, O Negro no
dado em 1969 em São Paulo Antropológica –, vê-se uma grande varia- Mundo dos Brancos de Florestan Fernandes
e depois transferido para o Rio
de Janeiro, constituiu-se num dos ção nos critérios de definição que não dis- (1972) e O Índio e o Mundo dos Brancos de
mais atuantes centros de pro-
dução científica e divulgação
tinguem objetos empíricos (sociedades in- Roberto Cardoso de Oliveira (1964), ser-
nessa área. Também o Centro dígenas, campesinato, trabalhadores urba- vem como metáforas para as diferentes
de Estudos da Religião Douglas
Teixeira Monteiro (CER), em nos, etc.), problemáticas e categorias da percepções científicas em relação a essas
São Paulo, fez confluir para si explicação científica (relações interétnicas, populações. Enquanto o primeiro título alu-
várias discussões do tema da
religiosidade afro-brasileira. rituais, símbolos, papéis sociais, represen- de à “inclusão do negro na totalidade da

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nação”, no segundo prevalece “a exclusão te os “sujeitos”, as disciplinas e o campo
do índio como um outsider da nação defi- acadêmico no qual essas representações
nida por ‘nós’” (Peirano, 1991, p. 168). trafegam como “bens científicos”.
Outro exemplo pode ser dado pela clas- O saber médico-etnográfico do final do
sificação das “áreas de conhecimento” pro- século XIX, sinalizando o fim das viagens
posta pelo Conselho Nacional de Pesquisa e de suas crônicas, marcou uma transfor-
nos anos 80. Essa classificação abrange três mação significativa do status das represen-
níveis, do mais geral ao mais específico. A tações sobre o negro, que passaram de uma
“área” da antropologia foi localizada na posição periférica para o centro da atenção
“grande área” das ciências humanas, pas- científica, principalmente da medicina. Isso
sando a ter cinco “subáreas”: Teoria An- se deu através das primeiras incursões
tropológica; Etnologia Indígena; Antropo- etnográficas que, tomando os africanos e
logia Urbana; Antropologia Rural e Antro- seus descendentes como portadores de uma
pologia das Populações Afro-Brasileiras. alteridade que os distinguia na sociedade
Essa classificação demonstra inicialmente brasileira (conforme demonstravam as so-
a hegemonia do termo antropologia como brevivências religiosas africanas), defini-
o mais apropriado para denominar a disci- ram um objeto observável ao mesmo tem-
plina em relação a outros como etnologia po que criavam a figura do observador (um
ou etnografia (esta inclusive nem aparece investigador empírico largamente devedor
na lista) (59). Por outro lado, no caso das da visão de ciência aprendida nas faculda-
populações indígenas, a especificidade do des de medicina e das práticas e rotinas
objeto continuou marcando sua distinção desenvolvidas nos consultórios).
no nome dessa subárea que é identificada Com o saber institucional-acadêmico
59 A oficialização do termo “an-
como etnologia, em contraste com a praticado nas primeiras faculdades de filo- tropologia” como genérico
“subárea” das populações afro-brasileiras, para designar as demais de-
sofia, ciências e letras criadas no Brasil, as
nominações parece ter ocorri-
considerada como antropologia. De qual- ciências sociais ganharam nos anos 30 um do no Brasil a partir dos anos
60 como conseqüência da
quer modo, nessa lista, ao contrário da an- espaço próprio e a antropologia procurou ânsia classificatória e padroni-
terior, as representações sobre o negro ga- marcar sua especificidade no conjunto des- zadora característica do pro-
cesso de burocratização do en-
nharam uma linha própria mesmo que sob sas ciências. Nesse processo, os “objetos” sino superior. Até esse perío-
do ainda havia divergências
um adjetivo de difícil consenso: afro-bra- preferenciais da antropologia (como as na utilização do termo. Fernan-
sileiro. Nessa classificação persistiu, tam- populações indígenas e negras) desempe- do de Azevedo, no livro que
organizou e publicou em 1956
bém, ainda que de modo menos visível do nharam um importante papel. No caso dos sobre o desenvolvimento das
que na classificação anterior, a tensão en- ciências sociais no Brasil, de-
estudos sobre os negros, a formação nesse
nomina o capítulo XIV, escrito
tre os critérios adequados para denominar período de uma literatura científica especia- por ele, de “A Antropologia e
a Sociologia no Brasil”. Dois
o saber acadêmico antropológico. O que lizada sobre o tema garantiu, juntamente anos depois, Florestan Fernan-
(índios/negros) e onde (rural/urbano) estu- com outros fatores, o estabelecimento de des, tratando do mesmo tema,
publicou Etnologia e Sociolo-
damos parece prevalecer nessa classifica- uma linhagem de pesquisadores que teve o gia no Brasil. Somente quan-
do o assunto era especifica-
ção dicotômica e reveladora das contradi- seu ponto de origem demarcado com a mente sobre as questões indí-
ções presentes no olhar e no lugar de quem reedição dos primeiros trabalhos de Nina genas se usava o termo “etnolo-
gia” como Bibliografia Crítica
classifica. Se a antropologia não termina Rodrigues. Ao mesmo tempo, a geração da Etnologia Brasileira de
onde começa o asfalto (60), não resta dúvi- Herbert Baldus (1954). Essas
que patrocinou e apoiou essas reedições e
tendências têm se confirmado
da que é mais difícil caminhar sem a legi- produziu suas próprias investigações pro- nas revisões bibliográficas
mais recentes, como Antropo-
timidade que os “povos da selva” (os pri- moveu a ruptura com o viés médico que logia para Sueco Ver, de Otá-
meiros “objetos”) lhe outorgaram como caracterizava os escritos etnográficos des- vio Guilherme Velho (1980),
A Antropologia no Brasil: um
parte do próprio “mito antropológico de se autor. Assim, essa geração procurou Roteiro, de Julio Cesar Melatti
(1984), e Etnologia Indígena
origem”. demarcar linhas nítidas de distinção entre o Brasileira: um Breve Levanta-
Na relação entre as representações so- “negro da medicina” do final do século XIX mento , de Roque Laraia
(1987).
bre o universo cultural religioso do negro e e o “negro dos estudos antropológicos e
60 Inversão da expressão “a an-
a formação da antropologia brasileira, per- etnográficos” dos anos 30 e 40. Posterior- tropologia termina onde come-
cebe-se, portanto, que é impossível identi- mente, essas linhas de distinção foram es- ça o asfalto”, utilizada por
Lurdes Arizpe e citada em:
ficar “objetos” sem identificar minimamen- tendidas também ao “folclore negro”, ob- Corrêa, 1995, p. 98.

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jeto do saber popular ou folclorista que nos com as quais se pode classificar os discur-
anos 50 detinha um grande prestígio. As sos científicos.
inúmeras sutilezas sobre as quais se afir- Nesse sentido, construir representações
mou essa distinção em favor do saber aca- sobre o “outro” significa construir “luga-
dêmico demonstraram sobretudo o poder res” (disciplinares, institucionais, regionais,
que este já desfrutava enquanto instância etc.) dos quais se pode falar legitimamente
autorizada na produção de um saber através de um consenso interpares que é
etnográfico legitimado dentro e fora da aca- continuamente objeto, ele próprio, de ne-
demia. gociações e consenso. O lugar e os signifi-
O saber especializado que a partir dos cados atribuídos à atividade de representar
anos 60 foi sendo implementando através não devem ser vistos, portanto, como di-
dos programas de pós-graduação das prin- mensões menores para o entendimento do
cipais universidades brasileiras veio, por- processo de construção das representações,
tanto, confirmar e consolidar a autoridade principalmente numa ciência da alteridade
do discurso científico proveniente dessa como a antropologia, na qual representar é
esfera. Desde então os programas de pós- sempre um verbo intransitivo. A transfor-
graduação vêm se tornando os principais mação do negro em “objeto da antropolo-
canais para o desenvolvimento das pesqui- gia”, por meio dos estudos das religiões
sas e a organização institucional dos seus afro-brasileiras, privilegiadas neste ensaio,
investigadores. Também a partir desse pe- pode ser vista, assim, como um exemplo
ríodo os estudos sobre o negro consolida- desse jogo de espelhos no qual não se pode
ram-se como um dos principais “objetos” ver um termo sem ser visto pelo outro.
da antropologia no Brasil, encontrando seu Sujeitos, verbos e objetos comunicam-se
lugar legítimo entre as linhas de pesquisa mutuamente.

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