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A Educação Segundo o Espiritismo

© Editora Comenius

1ª Edição digital

Capa: Lili Lungarezi

Av. Marcos Vinicius Valle, 640


Jardim Santa Helena - 12 916-420
Bragança Paulista - SP
e-mail: editoracomenius@uol.com.br
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Ao mestre Kardec,
que me inspirou esse livro
e continua me inspirando sempre.
A reescrita desse livro
De 1994 a 1995, estava eu morando na Alemanha, em companhia de meus pais e meu irmão.
Fomos tentar a vida lá depois de meu pai perder um emprego de anos numa empresa alemã.
Inocentemente achamos que com um passaporte italiano da Comunidade Europeia, sabendo
falar alemão, com diplomas universitários e pós-graduações, poderíamos abrir empresa, achar
uma atividade e ficarmos lá por um tempo, unindo estudo e trabalho. Mas a realidade se revelou
duríssima. De fato, abrimos empresas, fizemos projetos, procuramos colocações, mas nada deu
certo. O que apreendemos da realidade local, que não percebemos em outras vezes que
moramos lá sob a proteção da grande corporação em que meu pai atuava, foi que trabalho para
estrangeiros só havia para mão-de-obra barata. Para pessoas qualificadas, mesmo com
cidadania europeia, todas as portas estavam fechadas. Um xenofobismo intenso, próprio da
tradição germânica, não deixava nenhuma brecha para qualquer trabalho. Brasileiros?
Italianos? Só para serem garçons, faxineiros ou lixeiros. Como nosso propósito era outro, o
nosso dinheiro acabou em um ano e tivemos que regressar ao Brasil, para recomeçar a vida.
Mas esse um ano de permanência em terras alemãs, na pacata cidade medieval de Weil der
Stadt, onde nasceu no século XVII, o astrônomo Johannes Kepler, foi fecundo em termos
espirituais e culturais.
Fazíamos reuniões mediúnicas em casa, diariamente. Íamos à biblioteca de Stuttgart
semanalmente. E eu escrevi A Educação segundo o Espiritismo, que depois se tornaria o meu
livro mais lido e mais vendido no movimento espírita brasileiro.
Passadas várias edições, depois da primeira, em 1997, comemoramos agora 15 anos desta obra,
que tem sido citada como referência. Pensando em reeditá-la, fui relê-la. Embora já tenha
passado antes por revisões, modificações e ampliações, percebi que muita coisa mudou, dentro e
fora de mim. Muitas afirmações, parágrafos inteiros, trechos curtos ou longos, expressões e
termos diversos – me pareceram defasados, fora do contexto atual, pesados às vezes. Acho que
aos 32, quando comecei a escrever esse livro, eu tinha menos sutileza de pensamento do que
tenho hoje, aos 50.
Então, resolvi passar a caneta – ou o computador – e reescrever, ajustar, melhorar, amenizar,
muita coisa. A insatisfação me parecia tanta que às vezes achei que deveria escrever outro livro.
Mas já escrevi outros depois desse, mais profundos, e escreverei muitos mais. Então, esse deve
ficar como nasceu. Melhorado, atualizado, mas com o perfil que teve e que tem: um perfil mais
geral, menos acadêmico; mais panorâmico, menos aprofundado.
Ao manter esse perfil inicial, tomei, porém, o cuidado de suavizar as excessivas generalizações,
próprias de um pensamento apaixonado da juventude. Não poderia deixar de fazer algumas
afirmativas generalistas, já que se trata de uma obra que pretende sobrevoar vários temas,
dando uma visão abrangente do impacto que o Espiritismo pode causar na Educação. Mas,
evitei a ênfase.
Nesses anos todos, depois que escrevi a primeira versão do livro, também modifiquei a minha
leitura do próprio Espiritismo. Achei que as primeiras versões do livro apareciam muito
carregadas de ideias de culpa, erro, queda, dívidas… Agora, entendo os processos evolutivos de
maneira muito mais pedagógica, experimental e, os desajustes do caminho, como derivantes de
traumas e dores internas. Um entendimento da evolução, com menos culpa e castigo e muito
mais experiência e aprendizagem; com menos dívidas a resgatar, com mais caminhos para
reparar. Entendi que o movimento espírita brasileiro transformou a lei de causa e efeito num
determinismo cármico pesado e a reencarnação – que pode ser uma ideia de plena autonomia e
libertação – passou a ser motivo de conservadorismo e autoritarismo. O umbral se tornou o
nosso inferno e a lei de causa e efeito, a nossa punição. O diálogo fecundo que estabeleci nos
últimos anos com o brilhante amigo, filósofo do Direito, Alysson Leandro Mascaro, contribuiu
fortemente para essa revisão.
Tratei por isso de riscar ou, pelo menos, atenuar do vocabulário termos como ‘dívidas’ e
‘resgates’, pois agora penso que a Lei Divina não é mercantilista. Ao contrário, é melhor
interpretada por Jesus, quando diz que o amor cobre a multidão de pecados.
Em parte, eu já tinha uma compreensão menos determinista e pesada dessa questão, por causa
do meu entendimento pedagógico do Espiritismo. Mas, tive uma mudança mais profunda,
também depois de fazer uma terapia de vidas passadas, com outro grande interlocutor, o
psicólogo e doutor em Neurociências Julio Peres, quando me vi pronunciando uma sentença
condenatória contra mim mesma, depois de uma cena antiga em que me senti muito culpada.
Percebi que esse entendimento estreito e justiceiro da Lei provém de nós mesmos, que nos
punimos impiedosamente, num processo de autoflagelação. É preciso romper com isso, para
inaugurarmos novos caminhos reparatórios, amorosos, produtivos, elevados… Menos punição e
mais ação no bem é o que de fato promove a evolução. A prisão da autopunição nos atrasa, nos
paralisa e tem algo de masoquista.
Essa visão me deu igualmente melhor compreensão e empatia com os descaminhos alheios.
Entender crimes e quedas como processos temporários, experiências mal sucedidas, que serão
reparadas e retomadas, nos empresta mais alívio interior e mais compaixão para com todos. É
olhar de cima, reconhecendo em Deus mais uma essência maternalmente amorosa, do que
apenas um Pai justiceiro. Para isso, também o aprofundamento da minha própria feminilidade
contribuiu.
Anos e anos de experiências mediúnicas com Espíritos, considerados terríveis, das chamadas
trevas profundas, me ampliaram essa visão ainda mais. Quantas vezes, almas que acumulam
crimes milenares, dureza quase inconcebível, de repente desabam, ao olhar suave de uma mãe
espiritual, de um campo florido, de uma obra de arte ou de uma cena do cosmos infinito? A
corda sensível estava ali, tão acessível, revelando que a suposta dureza era o esconderijo de
uma fragilidade inconfessa, de dores enterradas… E esses Espíritos, muitas vezes, tocados,
retomam imediatamente o trabalho, a convite de seres amados, quando nós talvez os
houvéssemos sentenciado a séculos de punição e sofrimento.
Essas vivências todas imprimiram (ou espero terem imprimido) um caráter mais amoroso e
compassivo àquilo que proponho aqui como Educação segundo o Espiritismo.
Outra questão nevrálgica foi a minha mudança de postura em relação ao diálogo inter-
religioso. Nos últimos 10 anos, tenho trabalhado essa questão, juntamente com meu parceiro,
irmão e filho espiritual, Alessandro Cesar Bigheto, e mais recentemente, juntou-se ao nosso
diálogo, o amigo André Andrade Pereira, com excelente contribuição. Tem ficado cada vez mais
claro aos meus olhos e ao meu coração, a proposta universalista do Espiritismo, que o próprio
Kardec tinha. Assim, é preciso calar, amainar ou modificar qualquer fala que impeça ou
dificulte o diálogo com o outro. Pretensões à superioridade evolutiva diante de outros grupos ou
credos, tratamento arrogante ou paternalista de outras propostas, devem ser evitadas, porque
elas são ofensivas, ferem o princípio da fraternidade humana e afastam as criaturas. Procurei
assim transfundir para esse livro essa visão mais ampla e não sectária.
Outro aspecto importante de se mencionar foi a minha mudança em relação ao tratamento
terapêutico. Nutria completa oposição à Psicologia de modo geral, por considerá-la muito
reducionista e aos psicólogos, de modo particular, por adotarem posturas muito mercantilistas e
enveredarem por exagerado relativismo moral. Tendo feito uma terapia com uma pessoa de
seriedade, competência e ética inquestionáveis, como é o caso de Julio Peres, tive que rever essa
generalização empobrecedora. Sim, em muitos casos, as pessoas precisam de processos
terapêuticos para curarem feridas dessa e de outras vidas. Sim, há perspectivas na Psicologia
que não são reducionistas e psicólogos que intervêm de maneira muito positiva, ajudando a
encontrar certos fios de uma meada embaraçada.
Houve também atualizações de contextos, como por exemplo, o caso do aborto, cuja legislação
foi um tanto modificada desde a última edição e discutimos aqui essa mudança e os argumentos
dos que defendem a plena legalização do aborto no Brasil.
Por fim, acho que o leitor lerá o mesmo livro, mas lerá com outros olhos – mais serenos, mais
maduros, mais compreensivos. Talvez não o suficiente, para alguns que aderem, no meu ponto
de vista, excessivamente ao relativismo moral da contemporaneidade. Há princípios e diretrizes
de que não podemos abrir mão. Acredito que o maior deles e menos defendido na atualidade é o
ideal de família. Nesse tema, além da inspiração que sempre tive do exemplo de meus próprios
pais, a grande interlocutora tem sido minha amiga e irmã Claudia Mota, que é mãe e
educadora. Nosso discurso a favor da estabilidade das relações familiares nada tem a ver com
posturas fundamentalistas de algumas facções religiosas. Não se trata de uma defesa moralista,
burguesa. Mas, convivendo com as crianças, amando-as intensamente e observando os efeitos
devastadores no desenvolvimento infantil da quebra e da instabilidade dos laços familiares, não
podemos ter uma posição diferente dessa: compreendamos e aceitemos quem não teve a
possibilidade ou a habilidade de fazer ou manter uma família estável para filhos seguros e
saudáveis; mas proclamemos aos quatro ventos a necessidade de novas tentativas, se já houve
fracassos, e de buscarmos perseverantes esse ideal, nem sempre fácil, mas possível: o da
construção de um projeto familiar sólido e saudável. Sem a hipocrisia forçada do passado, mas
sem a descartabilidade fácil do presente.
Nas palavras finais, quero agradecer à minha querida filha espiritual, Lili Lungarezi, pelo
trabalho de arte desse livro e de tantos outros; à amiga Rita Foelker, pela revisão final dos
originais; e à Federação Espírita da Bahia, na pessoa de André Luiz Peixinho, pelo apoio
financeiro para essa edição!
Será essa versão de A Educação segundo o Espiritismo a definitiva? Não sei! Pode ser que
daqui a 15 anos, tenha de remexer tudo outra vez! Enquanto isso, convido o leitor a reler essa
obra e discuti-la comigo. A intenção continua a mesma de antes: contribuir para um mundo
mais humano e melhor e para uma educação libertadora das almas do planeta!

Dora Incontri
Bragança Paulista, setembro de 2012
Sumário
A reescrita desse livro
Ideário do Educador
Prece do Educador
Introdução

PRIMEIRA PARTE: A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO


I - A Natureza Humana
Um conceito de homem
A individualidade
A igualdade
A liberdade
II - Fundamentos de Psicologia
O ser interexistente
A unidade do ser
III - A Criança
Psicologia do desenvolvimento
O porquê da infância
O futuro da infância
Crianças especiais
IV- Fundamentos da Educação
O que é Educação
Finalidade(s) da Educação
O poder da Educação
Educação integral

SEGUNDA PARTE: O EDUCADOR


V- Requisitos do Educador
A Autoeducação
O Amor às Crianças
O Amor aos Jovens
VI - A Preparação dos Pais
O ideal de família
O namoro
O aborto
VII - Qualidades do Educador
VIII- O Professor
Profissão e vocação
Formação pedagógica
O professor espírita
IX – Grandes Educadores
As mães
Educadores exemplares
X – O Pedagogo da Humanidade
As virtudes de Jesus
A pedagogia do amor
A didática do Mestre
Jesus e as crianças

TERCEIRA PARTE: O EDUCANDO


XI - O Educando na Infância
XII - O Educando na Adolescência
A personalidade emergente
Doenças atuais
XIII - O Educando na Juventude
O caráter da juventude
A confiança nos mestres
A juventude atual
XIV- A Maturidade
Maturidade física e psíquica
Os maduros imaturos
Os falsos maduros
Autoritarismo e conservadorismo
XV- A Velhice
Velhice serena
A educação para a morte
A negação da velhice
Velhos manhosos
Velhice e esquecimento de si

QUARTA PARTE: A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO


XVI - A Educação Moral
As Leis Morais
Métodos
A Educação sexual
XVII - A Educação Intelectual
Aspectos da aprendizagem
Potencialidades a serem desenvolvidas
Métodos
XVIII - A Educação Estética
Aspectos e funções da Educação estética
Problemas da Arte atual
XIX - Cenários da Educação
A família
A escola
Escolas exemplares
A universidade
XI - A Educação Espírita
Definições possíveis
Cenários da Educação Espírita
Educação mediúnica

MENSAGENS:
A EDUCAÇÃO SEGUNDO OS ESPÍRITOS
O Amor pedagógico
A Educação pela natureza
Educação da inteligência e do sentimento
A Educação pela Arte e para a Arte
A Educação Espírita
Apelo da criança
Os anjos da guarda da infância
A música na Educação
Autoeducação sexual
O que se oferta às crianças…
O papel da infância
Educar para o futuro
A semeadura do amor
Literatura e Educação
Pedagogia do amor
Por amor à criança
BIBLIOGRAFIA COMENTADA
Ideário do Educador
1. Pensar no bem, falar no bem e exemplificar o bem.
2. Ser comedido nas palavras, correto na ação e ponderado nas emoções.
3. Cultivar a alegria, evitar a leviandade e mostrar-se sempre sincero.
4. Amar sem apego, ser doce com seriedade e firme sem dureza de coração.
5. Procurar a sabedoria com humildade, prezar a inteligência com clareza e ensinar com
simplicidade.
6. Fazer-se entendido por todos, amado pelos bons e respeitado pelos rebeldes.
7. Servir à sociedade, transcender as convenções e buscar o Reino de Deus.
8. Ser puro de coração, elevado no pensamento e nobre no proceder.
9. Servir aos homens como quem serve a Deus, amar todas as crianças como suas e conviver
amistosamente com a juventude.
10. Lutar pela Educação universal, empenhar-se pela Educação integral e praticar a Educação
pelo amor.

Jan Amos Comenius


(Mensagem psicografada, maio de 1999)
Prece do Educador
Senhor,

Que eu possa me debruçar sobre cada criança e sobre cada jovem, com a reverência que deve
animar minha alma diante de toda criatura tua!
Que eu respeite em cada ser humano de que me aproximar, o sagrado direito de ele próprio
construir seu ser e escolher seu pensar!
Que eu não deseje me apoderar do espírito de ninguém, imprimindo-lhe meus caprichos e meus
desejos pessoais, nem exigindo qualquer recompensa por aquilo que devo lhe dar de alma para
alma!
Que eu saiba acender o impulso do progresso encontrando o fio condutor de desenvolvimento de
cada um, dando-lhes o que eles já possuem e não sabem, fazendo-os surpreenderem-se consigo
mesmos!
Que eu me impregne de infinita paciência, de inquebrantável perseverança e de suprema força
interior para me manter sempre sob o meu próprio domínio, sem deixar flutuar meu espírito ao
sabor das circunstâncias! Mas que minha segurança não seja dogmatismo e inflexibilidade e
que minha serenidade não seja mormaço espiritual!
Que eu passe por todos, sem nenhuma arrogância e sem pretensão à verdade absoluta, mas que
deixe em cada um, uma marca inesquecível, por ter transmitido alguma centelha de verdade e
todo o meu amor!

A Autora
Introdução
O propósito dessa obra é contribuir para a melhoria da Educação do ser humano. Mas é preciso
renovar os próprios conceitos de Educação e de ser humano, para se propor com proveito
sugestões de como e com que finalidade se deve educá-lo.
Procura-se aqui, pois, delinear algumas diretrizes a respeito desta problemática. Evidentemente,
essas diretrizes estão sujeitas às limitações dos conhecimentos atuais e da própria capacidade de
quem escreveu a obra. Não se pretende aqui estabelecer dogmas, mas apalpar algumas verdades,
embora sempre relativas ao nosso grau de evolução.
Isso, dentro de uma perspectiva claramente antiniilista. Ou seja, a priori renego a atitude de
certas correntes contemporâneas, herdeiras dos sofistas gregos e rotuladas de pós-modernas, que
não aceitam qualquer possibilidade de verdade, esvaziando assim a busca milenar da
humanidade por conhecimento e progresso. É certo que a verdade tem a sua relatividade histórica
e subjetiva, mas ainda assim pode mostrar a consistência necessária à nossa atuação no mundo.
Há verdades provisórias, mas há algumas, sobretudo no campo dos valores, que são atemporais.
Porém, dentro de sua relatividade, é justo que o leitor se pergunte em que se apoiam as diretrizes
filosóficas e pedagógicas aqui propostas. Podemos de fato qualificá-las com algum grau de
verdade ou não passam de afirmativas pessoais? Que critérios, que fontes, que autoridades, que
conhecimentos foram aqui usados? É possível evidenciar de alguma forma a sua validade e a sua
consistência?
Antes de responder a essas questões, é preciso avisar o leitor, que nesta obra não existe nada que
tenha sido inventado, nenhuma teoria inteiramente nova. Com isso, não quero me eximir da
responsabilidade de minhas buscas e afirmativas, mas apenas precisar o único mérito deste livro:
que é o de organizar, explicar e encadear ideias esparsas em diversas obras e autores,
conjugando-as com observações da realidade. E, além disso, tirar conclusões lógicas dessas
ideias e desses dados da experiência. Algumas dessas conclusões talvez ainda não tinham sido
tiradas, ou pelo menos não tão claramente explicitadas. Mas essa proposta está longe de um
ecletismo incoerente, porque nessa obra se afirma com muita clareza uma determinada linha de
pensamento, que é a espírita, ou pelo menos, espiritualista.
Assim, é preciso dizer que a visão de ser humano e de Educação aqui proposta se enraíza na
cosmovisão espírita, sendo mesmo o objetivo primordial dessa obra o de uma primeira
formulação mais sistematizada de uma Pedagogia espírita – até agora não suficientemente clara
para a maioria dos adeptos e ainda menos para o público em geral. Mas o fato de que os
princípios aqui postos não sejam criados pela autora e de que sejam, muitos deles, princípios
presentes no Espiritismo, embora estejam também em outras correntes, não garante por si só que
sejam verdadeiros. Jamais poderíamos adotar um argumento de autoridade, à moda das Igrejas
tradicionais - é verdade porque está em Kardec, é verdade porque está num livro…
Analisemos, pois, alguns critérios possíveis de se validar uma teoria, uma ideia, que estão
adotados nesta obra e são os critérios do Espiritismo, segundo a leitura que faço de Kardec. Eles
podem ser propostos como critérios para um novo paradigma de conhecimento. Com eles,
possibilita-se uma interação das diferentes formas de acessar, entender e sentir a realidade.
Alguns são usados por esta ou aquela corrente da Filosofia ou por esta ou aquela Ciência, mas
para se obter uma visão coerente do todo e algum grau de certeza em nosso conhecimento, não
podemos excluir nenhum deles. Na verdade esses critérios estão assentados em pressupostos, a
partir dos quais começamos a pensar o nosso objeto, que aqui, nessa obra, é a Educação.
O critério da racionalidade. Somos seres racionais e o universo é inteligível, ou seja, podemos
entendê-lo com a nossa razão. É claro que esse entendimento aumenta com o progresso da
humanidade.
Uma prova de que este critério é válido está no fato de termos construído a Ciência com base na
racionalidade e a Ciência, embora imperfeita, apresenta resultados concretos. Por exemplo, se
não fossem verdadeiras certas leis da Física, descobertas pela nossa razão, a aplicação prática
dessas leis não funcionaria. Não teríamos saído da Idade da Pedra. Toda a tecnologia que
desenvolvemos não existiria, porque toda ela se baseia no conhecimento das leis da natureza – o
que significa que a natureza tem racionalidade e pode ser decifrada.
Isso não quer dizer que não haja coisas que transcendam a razão, pois a razão é apenas uma
faceta do homem. Mas o que está além da razão não lhe é necessariamente contrário.
O critério de racionalidade implica em coerência, em lógica, na lei de causalidade (todo efeito
tem uma causa) e na própria inteligibilidade das coisas (o mundo e seus fenômenos são
compreensíveis).
O critério da moralidade. Somos seres morais e o universo é moral. O universo não é apenas
inteligível, ele é impregnado de justiça, amor e bondade.
Isso se evidencia em nosso mundo, observando-se os seguintes fatores:
• Não há sociedade que não tenha leis morais. Embora elas se modifiquem de acordo com a
cultura, a presença de algum tipo de moralidade em todas as sociedades humanas indica que o
homem é um ser moral. A história da humanidade, por sua vez, tem sido uma busca ininterrupta
de justiça, liberdade e fraternidade (o que revela uma intuição coletiva de que esses valores são
naturais, necessários e realizáveis).
• Todo ser humano sente dentro de si manifestações dessa lei moral, pela voz da consciência,
pelos sintomas do remorso, pelos impulsos para o bem, pelo critério íntimo de justiça, pelo
prazer da bondade (coisas que podem ser encontradas até naqueles cujo senso moral se encontra
embotado por violências recebidas ou praticadas).
• Houve modelos de perfeição moral no mundo, demonstrando claramente a moralidade humana
realizada; entre eles, Jesus, Buda, Confúcio, Gandhi, Francisco de Assis e tantos outros.
Mas para se vislumbrar melhor essa lei moral, é preciso ver além da vida terrena, pois a justiça e
o bem só se revelam plenamente, quando os compreendemos em relação à eternidade. E possível
falar em moralidade como lei necessária, mesmo dentro de uma visão materialista. Mas só a
imortalidade da alma dá consistência às leis morais.
O critério de moralidade significa, pois, que:
• a visão de mundo mais verdadeira é a que inclui essa dimensão moral. O conhecimento não
pode perder de vista esse aspecto, que é um aspecto constitutivo do universo. E mais, toda a
nossa proposta de ação prática deve se orientar pelos princípios da Moral universal;
• os homens que realizaram mais perfeitamente essas leis morais estão mais próximos da verdade
do que os menos perfeitos moralmente. Ou seja, um dos critérios de verdade está na autoridade
moral de quem a expressa. É preciso cuidado para que isso não signifique um retorno medieval
ao argumento de autoridade, pois embora exista uma autoridade moral, muitas vezes nos
enganamos quanto à verdadeira moralidade de alguém. Vejam-se os falsos profetas, os fariseus
de todas as religiões… É por isso que é um critério que deve ser acompanhado por outros, como
o da racionalidade, da experiência, da observação.
O critério da experiência e da observação. Eis um critério que poucos contestariam. A
Ciência o tem elegido como princípio orientador. Mas é prudente esclarecê-lo melhor e ampliá-lo
além dos moldes da Ciência materialista. Desdobremos, pois, a experiência e a observação em
dois níveis:
• A experiência objetiva: aplica-se aos fenômenos, que observamos fora de nós e portanto outros
também podem participar dessa observação. No campo das Ciências físicas, esses fenômenos
podem ser analisados em laboratórios e quantificados; podem ser interpretados
matematicamente. Mas as Ciências humanas escapam aos limites do laboratório e às leis da
matemática (embora muitos tenham tentado encarcerá-las nesses parâmetros). Nem por isso, suas
observações deixam de ser objetivas. Desde que dentro de certas condições, qualquer pessoa
possa observar certo fenômeno e descrevê-lo ou descobrir suas leis, esse fenômeno existe
objetivamente, mesmo se essas leis não se prestem a uma formulação matemática e as condições
não possam ser reproduzidas em laboratório – coisa impossível quando o ser humano é parte do
fenômeno. Fenômenos sociais, psicológicos e espíritas pertencem a esse rol.
• A experiência subjetiva: aplica-se aos fenômenos que podem ser observados, vivenciados,
dentro de nós mesmos. Muitos deles também têm uma manifestação objetiva. Por exemplo: os
sintomas gerais de uma doença podem ser observados pelo médico, mas existe uma percepção
subjetiva desses sintomas, que se diferencia em cada paciente. O conhecimento, assim, pode ter
passado pelo critério da racionalidade, da moralidade e da experiência objetiva, mas só fará
sentido para o indivíduo, se ele puder fundamentá-lo em alguma experiência subjetiva. Não
podemos negar, nem desprezar esse critério de subjetividade, porque a realidade fundamental de
cada ser humano é o que ele experimenta em si mesmo.
O critério da universalidade. A verdade, para ser verdade, deve ser universal, não pode
pertencer apenas a uma cultura, não pode ser produto de apenas uma pessoa isolada (esse o
problema da maioria dos sistemas filosóficos). As verdades aparecem em todas as épocas e
culturas.
Os próprios conhecimentos científicos são assim: por exemplo, embora a estrutura atômica da
matéria só tenha sido comprovada em nosso século, já havia sido teorizada na Grécia antiga. Os
avanços tecnólogicos também não são isolados: tanto que há sempre polêmicas sobre quem tenha
inventado isso ou aquilo. Muitas invenções ocorrem simultaneamente.
E isso é muito mais aplicável a verdades morais, a Leis universais, a princípios filosóficos. Todas
as verdades nesse setor podem ser encontradas em todas as épocas e em várias culturas e isso é
uma evidência de que sejam válidas, pois são atemporais e supraculturais.
O critério de globalidade. Nenhum princípio é verdadeiro isoladamente; deve se integrar num
conjunto de princípios gerais. Nenhum dado pode ser verdadeiro numa área do conhecimento
contrariando os dados de outra área. Assim, nenhuma verdade moral pode ser irracional,
nenhuma verdade da experiência objetiva pode ser imoral; nenhuma verdade racional pode
contrariar os dados da experiência; nenhuma verdade religiosa pode ser anticientífica e vice-
versa. Assim, todos os critérios se integram e se completam. Todas as áreas do conhecimento
devem ser coerentes entre si.
Em nosso mundo, como cada representante de áreas restritíssimas de conhecimento (pelo
excesso de especialização e pela estreiteza da Ciência oficial) fica em seu feudo, é praticamente
impossível para a maioria conceber uma verdade integrada, que represente fielmente o grau de
verdade científica, moral e filosófica, que a humanidade já atingiu.
Postos estes cinco critérios, para que eles fiquem bem claros, tomemos, como exemplo, um dos
princípios básicos do Espiritismo e dessa obra de Educação– o princípio da reencarnação – e
analisemo-lo à luz desses crivos.
1) Trata-se de um princípio racional?
Obviamente sim, pois ele explica as ideias inatas, os gênios precoces, as diferenças individuais
entre pessoas que receberam idêntica Educação; dá um sentido racional aos sofrimentos
inevitáveis (pela lei de causa e efeito); responde a diversos porquês da existência.
2) É um princípio moral?
Não poderia obedecer melhor ao critério de moralidade, pois a vida ganha um caráter de justiça,
de misericórdia e de propósito moral. A vida é justa, porque colhemos o que plantamos; é
misericordiosa porque temos sempre oportunidade de refazer nosso destino e aprender com
nossos erros e tem um propósito moral, pois pelas sucessivas encarnações, evoluímos rumo à
perfeição.
3) É contrária ou conforme os dados da experiência objetiva e subjetiva?
É absolutamente conforme a ambas. Quase todo mundo já experimentou sensações de “déja vu”
e há numerosos casos de pessoas, muitas no período infantil, que se lembram com precisão de
existências precedentes. Isso pertence ao domínio da experiência subjetiva. Mas muitas dessas
reminiscências foram pesquisadas e sua veracidade foi comprovada por pesquisadores do
assunto. Isso pertence ao plano da experiência objetiva. Mesmo se a Ciência oficial não aceita
isso, a reencarnação não contraria seus princípios, pois os cientistas não conseguiram ainda
identificar um gene que faça um Mozart ou dar uma outra explicação plausível a essas
recordações comprovadas.
4) É um princípio universal?
Isso já foi fartamente demonstrado por todos os que estudam o problema. A teoria da
reencarnação existia entre os egípcios, entre os gregos, entre os celtas, entre as tradições
africanas, entre as tribos norte-americanas, ainda é aceita pela maioria das religiões orientais;
aparece em várias filosofias ocidentais; foi defendida por Pitágoras e Platão; por Buda e por
Gandhi; por Jesus (embora muitos cristãos não aceitem) e por Kardec, por escritores e artistas de
várias épocas, apenas para citar alguns.
5) Adapta-se ao critério de globalidade?
Claramente, já que integra todos os outros critérios e pode fazer parte de uma visão de mundo
racional, moral e apoiada nos dados da experiência, conciliando áreas da Ciência, da Filosofia e
da Religião.
Explicados os critérios das verdades expressas nessa obra, resta esclarecer algo quanto às fontes
usadas e quanto à forma escolhida.
Por uma questão de fluidez e transparência do texto, resolvi não fazer nenhuma citação de outros
autores, salvo uma ou outra nota de rodapé. Mas devo registrar aqui os mestres a quem mais
devo. Na área espírita, Allan Kardec, Léon Denis, J. Herculano Pires e as obras mediúnicas de
Francisco Cândido Xavier e Yvonne A. Pereira. Na área da Educação, Jan Amos Comenius e
Johann Heinrich Pestalozzi em primeiríssimo lugar. Secundariamente: Jean-Jacques Rousseau,
Hippolyte Léon Denizard Rivail (nome de registro de Kardec – refiro-me aos textos que escreveu
sobre Educação, antes de se dedicar ao Espiritismo), Léon Tolstoi, Mohandas Gandhi,
Rabindranath Tagore, Janusz Korczak, Maria Montessori, John Dewey, Leo Buscaglia, Carl
Rogers, Herbert Read e Célestin Freinet. Em Educação espírita: ainda J. Herculano Pires. Em
Filosofia, todos os espíritas citados e Platão. Em Religião, o Evangelho. No final do volume,
uma farta bibliografia pode familiarizar melhor o leitor com todas essas fontes. Quanto aos
educadores que me inspiram e que podem servir de modelo a todos os que se dedicam à
Educação, o leitor encontra-los-á no capítulo do livro que trata deste tema.
Mas não foram apenas leituras e estudos que me orientaram. Também a experiência com
crianças, adolescentes e jovens, em escolas, na faculdade e em cursos livres; a minha busca
íntima de autoconhecimento e autoeducação e a própria educação que recebi, sobretudo de minha
mãe, foram fatores de maturação sobre o tema.
Além disso, não posso omitir a minha própria intuição e a inspiração direta dos Espíritos. Na
parte final do livro, encontram-se várias mensagens, ditadas por eles, através da psicografia –
todas elas recebidas antes da confecção dessa obra. Há muitas ideias que desenvolvo no livro,
tiradas dessas comunicações. O leitor talvez estranhe os nomes ilustres que as assinam. Mas isso
é perfeitamente natural, já que esses Espíritos veneráveis não vieram para satisfazer qualquer
capricho de minha parte ou para me distinguir por algum merecimento especial, que não possuo.
Eles se manifestam, porque eles próprios trabalharam e trabalham em benefício da Educação,
zelando pelo progresso espiritual da humanidade – função própria dos Espíritos superiores.
Comunicaram-se por meu intermédio, porque estou familiarizada com o tema e porque estou
animada de uma intenção séria de realizar algo de útil nessa área. Os Espíritos, pois, pensaram no
bem geral e se aproveitaram da minha boa vontade – único mérito que posso reivindicar como
meu. Se os nomes pertencem a seus donos, é uma coisa que cada qual deve julgar por si mesmo,
passando as mensagens pelos critérios de verdade acima citados.
Aos que julgarem que se tenha dado excessiva ênfase ao aspecto moral da Educação, nessa obra,
alego que o déficit evolutivo da humanidade, nesse setor, justifica plenamente esse empenho.
Pelo estado atual da nossa civilização, tão avançada em Ciência e tecnologia e tão decadente e
infeliz, pode-se avaliar facilmente o quanto o intelecto pode se desviar, se o homem não se
esforçar em respeitar as Leis Morais, necessárias e universais, divinas e eternas. Aliás, quem
compreender o conteúdo desse livro saberá que não existe Educação verdadeira sem elevação
moral.
De resto, procurei em tudo a verdade, tentei o máximo de clareza e simplicidade, para tornar o
texto acessível a qualquer tipo de leitor. Esta obra pode ser lida por espíritas e não-espíritas, sem
prejuízo de sua compreensão, porque os conceitos mais correntes do Espiritismo estão
claramente contextualizados. Tentei evitar vocabulário técnico da área da Filosofia e da
Educação, pois esse livro não se destina a meia dúzia de intelectuais e acadêmicos (que, se
despojados de preconceitos, também poderão lê-lo com proveito), mas a todos os que têm sede
de verdade, progresso espiritual e gostariam de educar melhor seus filhos, seus pupilos, seus
alunos e, antes de tudo, a si mesmos.
PRIMEIRA PARTE:
A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
I - A Natureza Humana

UM CONCEITO DE HOMEM

A primeira questão que se põe ao tratarmos da Educação é a do ser do homem. O objeto, o meio
e o fim da Educação é o ser humano – por isso importa antes de mais nada refletirmos sobre a
sua origem, sua natureza e sua finalidade.
As Ciências, a Filosofia, a Religião têm dado respostas diferentes, às vezes aparentemente
inconciliáveis, a esse problema. Aliás, toda busca do conhecimento humano nada mais é que a
busca do ser humano em conhecer a si mesmo. Estuda-se o ser corporal, pesquisando-se sua
fisiologia, sua evolução, esquadrinhando-se seus neurônios e seus genes. Estuda-se o ser social,
observando-se seu comportamento individual e coletivo, seu progresso histórico, sua organização
política, suas relações econômicas. Estuda-se o ser espiritual, indagando-se sobre seu destino
eterno, sobre sua natureza moral, sobre a sua constituição psicológica. Estuda-se o ser como
espécie e como indivíduo, como autor e como produto da cultura.
Entretanto, não se tem uma visão unificada, uma resposta integrada a respeito. Isso porque cada
estudioso se entrincheira em seu domínio de pesquisa, atendo-se apenas à sua perspectiva
particular. Uma visão sintética, que tome em consideração todas as visões parciais, ainda está
longe de ser alcançada. Aliás, justamente no momento histórico presente, em que se propõe uma
inter - e transdisciplinaridade que poderia promover essa unidade de vistas, isto está ainda mais
longe de acontecer, porque o niilismo contemporâneo nega que se possa alcançar qualquer
certeza e nega igualmente a existência de uma natureza humana, na medida em que recusa
qualquer conceito universal.
O Espiritismo busca e oferece uma síntese, porque se propõe a levar em conta os dados de todas
as áreas do conhecimento. Ele mesmo se constitui em doutrina tríplice (Ciência, Filosofia e
Religião) e incorpora o princípio da evolução do conhecimento. Assim, o que hoje afirmamos
sobre o o ser humano como verdade poderá adquirir amanhã novas dimensões conceituais, pelo
avanço das pesquisas humanas e pelo progresso da capacidade do homem em compreender a si
mesmo e ao universo.
Apesar da relatividade do nosso saber, sempre sujeito à lei do progresso, podemos propor
algumas afirmações, que nos orientem na compreensão do ser humano:
• O ser humano é um ser animal
Pelo corpo, descende de espécies inferiores, sendo produto da lei da evolução, lei que se
manifesta em todos os domínios da natureza física e espiritual.
Essa afirmativa não rebaixa o homem em sua dignidade – como certos setores religiosos até hoje
supõem. Ao invés, elevam-se os irracionais a nossos predecessores, a criaturas irmãs, menos
adiantadas na escala da vida. Neles se elabora o princípio de inteligência que um dia, pelo
influxo da lei evolutiva e pelo sopro da Inteligência suprema, atingirá o status da racionalidade.
• O ser humano é um ser social
A dependência física em que nasce; a constituição natural da célula familiar, formada pela
contingência da reprodução; a contínua necessidade de cooperação com seu semelhante para
sobreviver; a própria carência de afetividade, que todo ser humano manifesta,– são apenas alguns
dos fatores que indicam a sociabilidade inerente ao homem. Dela, ele jamais escapará, cabendo-
lhe apenas aperfeiçoá-la, rumo à fraternidade universal.
• O ser humano é um ser espiritual
As manifestações espíritas demonstram que a sua razão, seus sentimentos, suas lembranças, seu
saber e suas qualidades morais, seu eu, enfim, residem no espírito, que preexiste e sobrevive ao
corpo e cujo destino é a perfeição.
Esse espírito – e não apenas o corpo – se desenvolveu nos reinos inferiores da Criação, antes de
atingir o plano da liberdade e da razão. E, no plano hominal, vai progredindo ainda e sempre, em
sucessivas reencarnações, até alcançar a condição de Espírito puro.
No ser espiritual, manifesta-se a marca da divindade, pela lei moral, incrustada em sua
consciência e que ele vai desvendando e compreendendo à medida que evolui. Em todos os
aspectos do ser humano, percebe-se a imanência de Deus em sua natureza.
A lei da evolução, tanto no plano material quanto no plano moral, nos faz entrever que a vida
tem um propósito, um sentido, uma finalidade – o aperfeiçoamento de todos os seres. Vejamo-la
aplicada na origem material do corpo humano ou na lenta incubação do espírito, desde o átomo
até o arcanjo, ou ainda na esteira da evolução moral, que converte o canibal em sábio e o
criminoso em santo – causa-nos sempre deslumbramento e reverência perceber o impulso
evolutivo que percorre a Criação. O autor dessa lei evolutiva é Deus. Ele está na origem de todas
as coisas e também no fim, pois é o alvo de perfeição, beleza e bondade, que nos atrai para cima.
A sociabilidade humana é outra prova dessa presença de Deus no ser humano. Nossa inclinação
natural para o próximo, a necessidade de viver em comunhão com outros de nossa espécie,
revela a fraternidade dos Espíritos, filhos todos de um mesmo Pai, cuja lei máxima é o amor.
E afinal, pela natureza inteligente e criadora do ser humano, sua potencialidade infinita de saber,
amar e criar, fica evidente por que a Bíblia nos diz que o ser humano foi feito à imagem e
semelhança de Deus. No espírito, mora a centelha divina, que nos faz seus herdeiros cósmicos.

A INDIVIDUALIDADE

Se todo homem na Terra participa de uma natureza tríplice, animal, social e espiritual, existe
uma gama infinita de manifestações que são próprias de cada individualidade. Do geral, portanto,
passemos ao particular.
O conceito de individualidade é talvez o mais importante para uma prática sensata da Educação.
Aliás, quem compreende o que é o ser humano, em sua essência, respeitará o seu caráter de
singularidade.
Analisemos assim três aspectos que caracterizam a individualidade:
• Seu grau evolutivo. Em que ponto cada qual está na escala ascensional que separa a
animalidade da angelitude. Não há duas pessoas que estejam exatamente no mesmo degrau de
evolução espiritual. As individualidades que mais se afinam são as que estão mais equiparadas
nesse sentido. Mas as variações são infinitas: algumas mal saíram do domínio dos instintos
animais, tendo apenas começado seu desenvolvimento intelecto-moral; outras estão adiantadas
em inteligência, mas revelam ainda grande indigência em moralidade; muitas possuem bons
sentimentos, mas são deficitárias em seu desenvolvimento mental; raras, sobre a Terra, já estão
no rumo da angelitude, tendo se libertado completamente do domínio dos instintos mais
grosseiros e revelando equilíbrio entre sentimento e intelecto.
• Suas tendências inatas. Todo Espírito que reencarna neste mundo já viveu outras vidas e
desenvolveu certos aspectos de sua personalidade e adquiriu certos vícios, pois o nosso planeta
não é um planeta para onde venham almas novas, ainda em estágio primitivo. Uma evidência
material disso é a inexistência do tão procurado “elo perdido” – a transição do animal para o
homem. Assim, qualquer Espírito traz, em forma de tendências inatas, aquilo que conquistou
anteriormente. Cada um viveu uma história única, com uma somatória de experiências pessoais,
que podem ser semelhantes, mas nunca idênticas às de outro Espírito. Pode-se ancorar também aí
a noção de singularidade.
• Sua tarefa nesta existência e sua missão no universo. Todo Espírito que reencarna vem à
Terra com o propósito geral de evoluir, mas com um propósito específico, familiar, profissional,
pessoal, em que deve exercer uma tarefa, uma vocação, tendo a liberdade de cumpri-la ou não. E
como Espíritos eternos, todos terão um papel a exercer no universo. Quando atingirmos a
condição de angelitude, nossa individualidade será ainda e sempre singular, cabendo-nos uma
missão de acordo com nossas aptidões de sabedoria e de amor.
Materialistas defendem em sentido errôneo o princípio da individualidade, pois lhes falta a
compreensão de que a singularidade humana não reside na sua carga genética ou na combinação
de influências recebidas no transcurso de uma só existência.
O princípio da individualidade não está radicado em nossa parte animal, pois nada mais igual em
todos os seres irracionais ou racionais do que a ação instintiva. O instinto é cego, não implica em
liberdade de escolha, em julgamento moral e é sempre idêntico em suas manifestações, em
qualquer meio cultural que apareça. Enganam-se, portanto, aqueles que pregam o livre
desenvolvimento da individualidade como obediência cega à nossa parte instintiva – o impulso
sexual, o instinto de sobrevivência, o prazer sensorial, o instinto de posse e domínio.
Também não se radica em nossa sociabilidade terrena, regulada por leis, por associações
políticas, por regras, exteriores ao indivíduo.
É preciso buscar no espírito um quid individual. É aí que está tudo o que caracteriza a
singularidade humana; é esse princípio que sobrevive à matéria e está sujeito à lei da evolução e
que deve atingir a perfeição. Aliás, é o caráter individual do Espírito reencarnante, que vai
interagir com a lei de hereditariedade. A margem de casualidade que a Ciência vê na seleção dos
genes, na hora da concepção, é influenciada pelas necessidades evolutivas e pela própria vontade
da alma que volta ou, ainda, pela direção de seus Espíritos protetores.

A IGUALDADE

Por sua natureza tríplice, por sua origem divina e por sua destinação eterna, todos os seres
humanos são iguais. Por filiação a um mesmo Pai, todos os seres humanos são irmãos. Mas por
sua individualidade, todos os os seres humanos são diferentes.
A igualdade de direitos, que é uma conquista da nossa civilização democrática – pelo menos no
papel das constituições – não deve ser confundida com massificação das individualidades, que é
a marca da nossa sociedade de massa. Um dos mais legítimos direitos do ser humano é o de
desenvolver e expressar a sua própria individualidade. Esta oportunidade só a Educação,
entendida em suas finalidades reais, pode proporcionar.

A LIBERDADE

O ser humano é um ser livre, pois não haveria nenhum vestígio de moralidade no universo, se a
criatura não tivesse liberdade de escolha. Ele é livre para agir na sua esfera pessoal, para atuar no
mundo e até para exercer sua influência sobre seus semelhantes e sobre os reinos inferiores da
Criação. Mesmo se, por qualquer motivo, não estiver na posse da sua liberdade de ação visível,
resta-lhe sempre a liberdade de pensar e o pensamento é criação, e também uma forma de ação,
pois toda ideia alimentada tem consequências concretas.
Entretanto, ele não é livre para escapar às Leis divinas que animam o todo e que o orientam na
própria consciência. Não é livre para fugir das consequências de sua ação, praticada livremente,
permanecendo sujeito à lei de causa e efeito, embora sempre possa modificar seu destino com
novas ações e pela emissão de outras formas-pensamentos.
Sua liberdade é, além disso, condicionada pelos seguintes aspectos:
• Pelo seu grau evolutivo. Quanto mais espiritualizado, e menos escravizado ao impulso cego
dos instintos, menos vulnerável às paixões e mais livre para comandar seu destino positivamente,
conquistando por sua evolução, sempre maior grau de liberdade.
• Pelo seu corpo. Qualquer que seja o grau de evolução do Espírito encarnado, enquanto na
matéria, ele sofre uma restrição de sua lucidez e de suas faculdades, muito mais amplas fora da
carne.
• Pelo meio social. Num planeta ainda inferior como o nosso, a influência do meio, a
organização social rígida, exercem forte pressão sobre o indivíduo, restringindo-lhe a liberdade
de ação. Quanto mais evoluído o Espírito encarnado, mais ele terá forças e lucidez para se
sobrepor ao meio.
Em quaisquer circunstâncias, somos dotados de uma parcela de liberdade, mas o bom uso dessa
esfera de escolha pode aumentá-la sempre. Agindo no bem, deixamos de nos encadear em
compromissos, que seriam restritivos à nossa liberdade no futuro. Procurando a nossa elevação,
não estaremos sujeitos à escravidão dos sentidos. Trabalhando pelo progresso social, ajudaremos
a sociedade terrena a se tornar menos opressiva da liberdade individual.
II - Fundamentos de Psicologia

O SER INTEREXISTENTE

Porque o ser humano é um Espírito encarnado, sua existência na Terra é uma interexistência –
ele existe ao mesmo tempo em dois planos, o físico e o espiritual. O instrumento de manifestação
no plano físico é o corpo carnal e no plano espiritual é o perispírito. O sono demonstra essa
interexistência. Não se trata apenas de uma necessidade fisiológica de descanso; o sono é uma
espécie de respirar da alma, que se desprende do corpo físico e, envergando seu corpo espiritual,
vai viver algumas horas no seu mundo de origem. O Espírito encarnado é um mergulhador que
precisa periodicamente vir à tona d’água, buscar o oxigênio na superfície.
Mesmo no estado de vigília, o Espírito não está trancado no corpo, ele se expande além dos
limites físicos. Exala vibrações, emite formas-pensamentos que, se alimentadas constantemente,
começam a fazer parte integrante de sua aura. Todos temos uma atmosfera psíquica, emanada de
nós próprios.
Estudando essa interexistência, podemos tirar algumas conclusões proveitosas para o
conhecimento da psicologia humana. É lamentável que a maioria das correntes da psicologia
nem conheça, nem leve em consideração essa dimensão espiritual do ser – o que tem por
consequência a superficialidade de suas teorias e a sua incapacidade de resolver de fato os
desequilíbrios da alma. Enquanto não houver o desenvolvimento científico de uma psicologia e
de uma psiquiatria que levem em conta o elemento espiritual do se humano, a maioria dos casos
das chamadas neuroses ficará sem solução.[1]
Analisemos, pois, em que essa interexistência influencia nossa personalidade terrena. Mesmo
para a psicologia materialista, parece evidente que a nossa vida exterior, que a nossa
personalidade social é apenas uma casca de nosso eu. As teorias do inconsciente reconhecem
esse fato. Entretanto, por não considerarem a personalidade espiritual, afirmam que essa face
oculta do ser tenha sido inteira constituída nessa vida, a sua maior parte na infância, ou quando
muito, tenha se embebido numa espécie de depósito coletivo de arquétipos culturais e psíquicos.
Segundo ainda tais teorias, essa parte oculta do eu se manifesta constantemente, seja através de
sonhos, de lapsos, de intuições e de sintomas neuróticos.
Vejamos o que o Espiritismo nos diz a respeito. É verdade que nossa personalidade de relação,
nosso eu social, é ínfima parte de nós mesmos, mas o lapso temporal dessa existência é muito
pequeno para conter nosso eu integral.
Três aspectos devemos considerar para começarmos a entender como o nosso eu se manifesta
interexistencialmente, muito além da sua máscara social e muito além das instâncias que a
psicologia atual lhe reconhece.
• Nossa individualidade integral se perde em milênios passados; tem raízes ignotas, na noite dos
tempos. Somos a soma de muitos eus sociais já vividos neste planeta e provavelmente também
em outros. Carregamos experiências, conhecimentos, vícios, traumas, visões que acumulamos
em múltiplas existências. Assim, muitos de nossos gostos, inclinações, ideias inatas, complexos,
simpatias e antipatias, impulsos e motivações provêm desse acervo adormecido de nosso eu. O
esquecimento do passado, próprio do Espírito encarnado num planeta inferior como a Terra,
esmaece, porém não anula essas vozes interiores que se manifestam também em forma de
sonhos, intuições, conflitos, fobias, neuroses... Existem sonhos-recordações, intuições, que
brotam de nós mesmos, porque já sabíamos disto ou daquilo em outras vidas, e neuroses que
tiveram sua origem em outras encarnações, consequências de crimes praticados ou de traumas
sofridos.
Às vezes, e isso não é tão raro como se pode pensar, o passado pode nos vir à lembrança de
forma nítida, seja por algum estímulo exterior, seja espontaneamente. São inúmeras as crianças,
que, sobretudo na primeira infância, têm lembranças nítidas de uma encarnação precedente[2].
•Fora do corpo, assumimos uma individualidade mais plena do que a apresentada em nossa vida
social. A mais legítima, a mais profunda manifestação de nosso eu é o pensamento e o
sentimento. Pensando e sentindo, somos absolutamente sinceros. Pensando e sentindo, estamos
emitindo forças reais, que vão atuar em nós mesmos, em nosso ambiente e no próximo. A
palavra e a ação podem ser calculadas, podem expressar algo em oposição ao nosso eu
verdadeiro. Mas no íntimo de nós próprios, somos o que pensamos e o que sentimos. Ora, ao
sairmos do corpo, pelo sono, amortecem-se os freios sociais, não queremos e não podemos
guardar mais as aparências (por isso a morte é sempre um enfrentamento de si, porque caem as
máscaras sociais e desaparece o refúgio da carne), ou não estamos mais limitados pelas
circunstâncias da vida atual, então pensamos e fazemos o que muitas vezes não temos coragem
ou oportunidade de fazer na existência terrena. Assim, em Espírito, pessoas aparentemente
honestas se envolvem em ações criminosas, mulheres e homens que muitos julgam virtuosos, se
entregam a desvairamentos sexuais, ou ao invés, obscuras personalidades na Terra comandam
missões sublimes, criaturas sem nenhuma expressão de talento à mostra, enquanto no corpo, fora
dele, dão concertos siderais...
Isso tudo, porque a matéria, além de ser fator de esquecimento do passado, abafa a verdadeira
dimensão do Espírito. O corpo é um obstáculo à livre manifestação da alma. Vários fatores
concorrem para esse impedimento: as próprias limitações físicas (em Espírito, nossas faculdades
são muito mais desenvolvidas); as necessidades práticas da vida terrena; as circunstâncias
culturais e sociais do meio em que o Espírito está encarnado, o que influencia seu eu social
(sobretudo se ele tiver tendências muito opostas ao grupo em que vive, tenderá a reprimir sua
manifestação). Uma alma evoluída, no pleno gozo de sua liberdade e de suas faculdades,
geralmente se agiganta fora do corpo, enquanto na Terra passa muitas vezes despercebida, pelo
prosaico da vida cotidiana; uma alma rasteira assume fora do corpo as suas feições animalescas,
que reprime durante a sua vida de relação corporal, consciente ou inconscientemente, desejosa de
parecer melhor do que é, ou temerosa de perder a aprovação social. As almas medianas, que
estão ensaiando os primeiros passos da evolução, se comportam de maneira inconstante durante
o sono carnal: às vezes frequentam cursos instrutivos, às vezes praticam o bem, mas às vezes
também têm recaídas, entregando-se a vícios e atitudes que já não praticam mais no corpo, mas
de cujos desejos e condicionamentos ainda não se libertaram totalmente.
Daí deriva outra forma de sonho: os sonhos-ações. Há trabalhos, desejos, aprendizados, vícios,
que realizamos enquanto nosso corpo dorme, e de que temos às vezes lembranças nítidas ou
apenas uma vaga ideia (dependendo do grau de lucidez do Espírito). Durante a vida na carne,
essas ações, pensamentos e sentimentos experimentados durante o sono, se manifestam também
em forma de impulsos, remorso, tédio ou alegria, esperança e paz, cuja origem não sabemos
explicar.
• Não temos uma vida de relação apenas no plano carnal. Muito mais intensa e verdadeira é
nossa vida de relações espirituais. Em nossos contatos terrenos, usamos dos sentidos físicos e dos
meios materiais para nos comunicarmos. Ora, a dissimulação, os interesses particulares, as
convenções sociais, as circunstâncias adversas – tudo isso obstrui ou pelo menos desfigura a
verdade dessas relações. Entretanto, num plano extra-sensorial, elas não podem fugir à realidade.
As palavras podem encobrir a verdade, mas as vibrações e sentimentos emitidos, as mensagens
telepáticas lançadas alcançam o nosso próximo encarnado e os Espíritos desencarnados que nos
rodeiam, criando-nos laços profundos de cumplicidade, de afinidade, de simpatia ou de repulsa e
ódio. A nossa atmosfera psíquica não é uma ilha isolada, ela interage com as atmosferas
psíquicas de outros seres, neste mundo e no mundo espiritual. Essa interação continua fora do
corpo, durante o sono: em Espírito, juntamo-nos com aqueles que nos são afins, alguns para
cometer crimes, partilhar vícios, desenvolver tramas obsessivas, de que na Terra só se veem as
consequências; outros para se dedicarem a trabalhos científicos ou artísticos, a missões benéficas
e humanitárias. . .
Ao pensar e agir, portanto, não pensamos nem agimos isoladamente. Nossa vontade ganha mais
ímpeto, secundada por aqueles que atraímos pelas leis de afinidade. Muitas vezes, nossos
desejos mais grosseiros ou nossos ideais mais elevados são potencializados por desejos e ideais
semelhantes de nossos afins.
Se nos enleamos em pensamentos e ações, que infringem as leis morais, comprometemo-nos
com companhias ou com perseguidores, que podem nos levar a intrincados processos obsessivos.
Se buscamos o bem e a verdade, conquistamos a simpatia, a proteção e a inspiração dos Espíritos
superiores.
Assim, nossos sonhos, intuições, ideias podem também ter origem em inteligências estranhas à
nossa – mas cuja sintonia nós mesmos escolhemos.
Nos dois primeiros casos, somos médiuns de nós mesmos e no último caso, somos médiuns de
outros Espíritos–abstração feita da mediunidade específica, o chamado mediunato, em que
ocorrem fenômenos espíritas evidentes. Algumas pessoas têm como tarefa na existência o
exercício desta ou daquela mediunidade em particular. Mas, no sentido amplo, todos somos
médiuns, pois todos somos interexistentes. A toda hora, somos intermediários entre o plano
espiritual e o plano físico.
Para Herculano Pires, a própria vida na Terra é um ato mediúnico, porque é a manifestação do
Espírito através do corpo. Mesmo fora de um corpo terrestre, o fenômeno mediúnico não cessa,
pois a vida se desdobra numa infinidade de planos, cada qual com densidade material diferente e
sempre pode existir a intermediação entre um plano e outro. Temos notícias de manifestações
mediúnicas entre os Espíritos. Quando um Espírito mais avançado, com um corpo mais sutil,
quer se manifestar a um outro Espírito mais atrasado, precisa materializar-se e para isso pode se
utilizar de um Espírito médium, que lhe empreste matéria mais grosseira.
A interexistência, como se vê, é um fenômeno universal, porque o espírito, centelha divina, pode
se manifestar em diversos planos da matéria.

A UNIDADE DO SER

Por causa da interexistência, poderia alguém ser levado a pensar que o ser humano esteja
condenado a viver com uma consciência fragmentada, não sabendo jamais ao certo se suas ideias
e atitudes provêm dele próprio ou de inteligências estranhas à dele, ou se a sua verdadeira
personalidade é a de agora ou a de séculos atrás. Mas não é assim. É verdade que muitos
desequilíbrios mentais se originam de tais confusões, mas sempre por escolha do próprio
Espírito, que às vezes se apega a máscaras de personalidade por ele criadas, evitando enfrentar a
si mesmo. Então, ocorrem dissociações de personalidade, loucura, fuga da realidade. Também
em processos obsessivos, pode se dar que o indivíduo perca a noção da própria identidade, mas
ainda assim, a responsabilidade inicial é sua, pois em toda obsessão, o obsedado, por atitudes
morais inadequadas, abre brechas de entrada à influência dos Espíritos perturbadores. De
qualquer forma, esses estados patológicos são sempre temporários, porque mais cedo ou mais
tarde, dependendo sempre dos esforços que despender, o Espírito encontra o equilíbrio,
reencontrando a si mesmo.
Na estrutura psicológica do ser humano, existe uma unidade interior comandada pelo espírito, o
princípio inteligente que nos anima, emanação da Divindade. O espírito é todas as
personalidades carnais que já assumiu. Ele dá forma ao perispírito, influencia o corpo físico, é o
sujeito de seu destino e é o centro de irradiação, que se põe em comunicação com outras
inteligências.
Esta é uma realidade, entretanto, que demora muito para que ele sinta e veja. Para ter plena
consciência de si mesmo, o espírito tem de amadurecer pouco a pouco, através de múltiplas
existências. Saído dos reinos inferiores da criação, onde começa a se desenvolver o princípio
inteligente e individual para atingir o seu acabamento apenas no plano hominal, o ser humano
inicia a sua carreira evolutiva, ainda com a consciência semiadormecida, confusa. Aliás,
poderíamos descrever a evolução como um processo de despertar. Quanto mais avança em
inteligência e moralidade, mais lúcido é o Espírito, mais consciente de si. Essa consciência,
quando atingir a sua máxima altura, incluirá a posse completa da memória do seu passado, numa
integração harmoniosa de todas as suas experiências. Isso significará o pleno desabrochar de
todas as suas potencialidades e o inteiro domínio de si mesmo, do seus poderes criadores, de sua
eternidade.
Não percamos pois de vista que estamos a caminho: as raízes profundas da nossa individualidade
não estão ainda claras aos nossos olhos; ao mesmo tempo ainda estamos construindo nosso eu
integral, através da existência presente e das futuras que viveremos e o objetivo final é despertar
plenamente a nossa consciência, para entrarmos na posse da nossa herança divina. Apesar da
obra incompleta e imperfeita que ainda somos, é preciso buscar com afinco tocar em nossa
realidade essencial, nosso eu espiritual, onde estão os germes da vontade que nos levará para o
alto, do amor que nos tornará felizes e da sabedoria que nos fará lúcidos.
III - A Criança
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

Partindo do entendimento da natureza humana e de sua psicologia, pode-se definir algo a


respeito da criança. A criança é antes de mais nada um Espírito reencarnado, uma alma que
recomeça uma nova existência na carne. Por isso mesmo, temos de desdobrar sua natureza em
três aspectos:
• A criança é uma personalidade com seculares experiências, com características individuais
próprias, mas que está momentaneamente adormecida. A reencarnação produz uma espécie de
amnésia temporária no Espírito, justamente para dar-lhe a oportunidade de recomeçar uma nova
experiência.
• É também uma personalidade nova em desenvolvimento. A personalidade atual vai se formar
ao influxo do ambiente, da Educação, dos estímulos da presente existência, mas também sob a
orientação inconsciente da sua personalidade espiritual, das suas tendências inatas.
• É representante da espécie humana e vai necessariamente obedecer a certos padrões instintivos
de desenvolvimento, que são comuns à espécie (alguns desses instintos estão presentes mesmo
em animais irracionais – por exemplo, o ato de mamar é um padrão instintivo de todos os
mamíferos).
Se vimos que, no adulto, ocorre uma espécie de ocultamento do eu integral, na criança, este
processo é ainda mais agudo, pois a reencarnação é um sono do Espírito, que vai acordando
pouco a pouco, em novo corpo, numa nova situação, num novo ambiente. Apenas na fase adulta
é que ele desperta completamente – o quanto é possível estar desperto, enquanto imerso num
corpo carnal.
Disso se conclui que o desenvolvimento da criança é um processo triplo: a formação de uma
nova personalidade e o despertar gradativo (e relativo) da personalidade espiritual, condicionado
pelo desenvolvimento biológico. Da interação desses aspectos é que vai resultar o ser humano
adulto.
A compreensão desta interação deve levar a uma revolução em nossa análise do
desenvolvimento infantil.
Durante muitos séculos, achou-se que a criança era um recipiente vazio, onde se deveria
derramar o conteúdo da Educação, ou uma argila que se deveria moldar, segundo os padrões do
adulto. A partir de Rousseau, entretanto, começou-se a reconhecer que a criança constrói a si
mesma – ela se desenvolve a partir de um impulso interno, coordenando esse desenvolvimento,
embora influenciada por estímulos e condições externas.
O que até agora não está claro para a maioria dos estudiosos é que o coordenador desse
desenvolvimento físico e psíquico, emocional e social é o próprio espírito, que, embora
adormecido em suas potencialidades e em sua memória, ainda é o núcleo em torno do qual deve
se criar a casca de uma nova personalidade.
Para os materialistas, esse impulso interno, que coordena por dentro o desenvolvimento infantil,
é apenas a determinação genética da espécie; os espiritualistas não-reencarnacionistas admitem
que esse impulso provém do espírito recém-criado. Saindo do nada, esse espírito é apenas uma
potência, uma promessa a se realizar num corpo. A visão reencarnacionista, entretanto, alcança
uma dimensão mais profunda.
Vejamos as consequências lógicas desses aspectos acima citados, que aclaram o nosso conceito
de criança e explicam melhor suas características.
Porque a criança é uma personalidade já preexistente, embora adormecida:
• ela traz tendências morais e psicológicas inatas, que podem ser percebidas desde cedo;
• aprender não é para ela um processo inteiramente novo, é também um recordar, pois como
espírito ela já sabe muito. Por exemplo, andar, falar e até escrever são funções que ela já
desempenhou muitas vezes;
• o que ela sabe e o que ela é em sua personalidade espiritual pode variar ao infinito – é uma
incógnita para nós que a vemos tão frágil e pequenina.
Porque a criança é uma personalidade atual em formação:
• ela é extremamente maleável, suscetível às influências externas. Absorve os estímulos do
ambiente de forma intensa. O que lhe vem de fora pode passar a fazer parte de seu íntimo;
• ela precisa reaprender certas funções que já soube em outras vidas, em novas formas. Por
exemplo, falar, talvez numa língua que antes não sabia. Ou seja, ela tem de aprender os padrões
culturais do ambiente em que nasceu;
• ela parece dotada de uma certa bondade natural (o que Kardec chama de roupagem de
inocência), que é real, na medida em que suas tendências negativas inatas estão dormentes e o
que está mais à vista é a essência boa, que todos os seres humanos possuem, como herdeiros de
Deus.
Porque a criança é um ser humano em crescimento:
• ela apresenta alguns padrões de desenvolvimento físico e psíquico, que muitos estudiosos do
assunto têm observado: isso significa que existem certas fases infantis, obedecendo a uma lei de
desenvolvimento – que podem variar de indivíduo para indivíduo e podem ser influenciadas por
componentes socioculturais. Essas leis são tanto biológicas – no que se refere à maturação do
corpo – quanto psíquicas (e essas têm relação com a gradativa integração corpo-espírito, no
processo da reencarnação);
• as leis gerais do seu desenvolvimento físico-psíquico e do processo reencarnatório fazem com
que todas as crianças sejam semelhantes em todo o mundo, guardadas as diferenças individuais e
culturais, nunca ausentes. Existe portanto uma natureza propriamente infantil.

O PORQUÊ DA INFÂNCIA

Existem duas visões extremadas a respeito da infância: uma delas considera a infância como uma
espécie de humilhação, pois o homem se vê num estado de desproteção e dependência que lhe
causa profunda infelicidade (o que em parte é verdade, não por causa da infância em si, mas por
causa do despotismo dos adultos que, ao invés de proteger a fragilidade infantil, oprimem a
criança e abusam dela). Outros veem no estado infantil um sonho de beleza e felicidade, uma
época de despreocupação e de fantasia, pela ausência de ocupações sérias.
Em verdade, a condição infantil não é em si mesma humilhante e, por outro lado, nem sempre é
imune de sofrimento, num estado ideal de felicidade e nem é isenta de seriedade, pois o período
de aprendizagem infantil é de suma importância para a vida terrena e espiritual. Aquele que acha
que ser criança é algo humilhante, talvez seja excessivamente orgulhoso (por isso o ensino de
Jesus de que é preciso se fazer pequenino para entrar no Reino dos Céus). E aquele que atribui à
infância uma época de maravilhosa irresponsabilidade, talvez revele tendência à fuga da
realidade e não se acomode muito com o lado sério da vida, ou ainda só considere sério o que se
relaciona com a luta do ganha-pão, com as ambições terrenas e, por isso, não vê a seriedade da
infância.
É preciso entender a função própria do período infantil, para se poder avaliá-lo com justeza.
Afinal, por que Espíritos velhos, vividos, já donos de tantas experiências, precisam “entrar de
novo no ventre da mãe” e se fazerem crianças outra vez? A função educativa da reencarnação –
como nova oportunidade de refazer o destino, de aprendizagens diversas e de reparação de faltas
passadas – perderia o sentido se o Espírito não fosse internado num corpo infantil.
Através desse processo de esquecimento e renovação da vida, ele pode construir uma nova
personalidade, melhor e mais integral; pode refazer caminhos, desanuviando-se de sentimentos
de culpa e vergonha pelos enganos do passado; pode conviver com inimigos, transformados em
parentes e amigos, sem se dar conta disso, modificando sentimentos e melhorando relações; pode
absorver elementos de novas culturas, aumentando sua bagagem universal.
Mas a principal finalidade de o Espírito nascer criança outra vez é a de ser educado novamente.
As impressões positivas que recebe durante a infância podem ser determinantes em sua
existência atual e até em próximas vidas. Exatamente por causa do estado de semi-inconsciência
do Espírito encarnado num corpo infantil, suas barreiras de defesa psíquica estão neutralizadas:
ele está mais receptivo, mais maleável, mais aberto a todas as influências – se lhe forem dados
bons estímulos, sua assimilação poderá ajudá-lo imensamente em seu progresso espiritual. Assim
também uma influência negativa, transmitida pela Educação, pode complicar muito seu futuro
espiritual – mas, nesse caso, a responsabilidade moral recairá mais sobre aqueles que foram
encarregados de sua Educação e falharam nesta tarefa.
Assim, é preciso ser criança de novo, a cada nova encarnação, para que, aliviados
momentaneamente das nossas cargas de memória, possamos ser educados e nos educarmos, e
com isso darmos alguns passos adiante no caminho infinito da evolução.
A infância é, pois, um estado de humildade – não de humilhação – porque todo recomeço requer
esta virtude. É também um estado de bênção – não por causa da aparente irresponsabilidade –
mas porque o Espírito está na posse do melhor de si mesmo, de sua capacidade de amar, de seu
desejo de aprender, de sua sinceridade natural. Enquanto o passado dorme no subconsciente, a
alma pode dar expansão à sua divindade interior e por isso uma criança, saudável e natural, é
sempre um bálsamo para o adulto, já calejado nas dissimulações sociais, envolvido na luta
aspérrima da sobrevivência na Terra...
O período infantil é um período muito sério, porque então o ser humano, ainda não aparelhado
física e psiquicamente para o trabalho considerado produtivo no mundo, pode se dedicar ao
trabalho não-produtivo (economicamente), mas nem por isso menos importante: o trabalho de
aprender, de amar, de construir a si mesmo, de observar a vida e as coisas com olhos de interesse
e entusiasmo. . . Ai, pois, daqueles que roubam a infância da criança, através de abusos,
violências e estímulos, que a arrancam desse estado de pureza necessária, para lançá-la a traumas
e conflitos prematuros e, que serão dificilmente curáveis na fase adulta!
O FUTURO DA INFÂNCIA

Apesar de a criança ter uma natureza própria e esta natureza transcender até certo ponto as
influências do meio e o tempo histórico, pode-se observar nela uma lenta mudança. Alguns
especialistas em infância têm-se aventurado a esmiuçar o problema de alguma forma, mas parece
que todos podemos observar de maneira empírica que a criança evoluiu. E isso resulta de um
fato: a humanidade evoluiu. (Este fato, para alguns, é de difícil constatação, por causa da visão
estarrecedora do mundo atual. O problema é que vivemos um momento de crise, de transição de
épocas: a aparência é a de um mundo decadente. É verdade que esta civilização que conhecemos
está em decadência. Mas quem tem olhos de ver já consegue enxergar o primeiros clarões de
uma nova aurora.)
Porque os estímulos do ambiente são muito maiores, porque os meios de comunicação mudaram
o mundo (trazendo vantagens e desvantagens), porque a Educação, mal ou bem, recebeu alguns
melhoramentos e se tem um pouco mais de consciência dos direitos da criança – por tudo isso, a
criança é hoje mais inteligente, desenvolve-se mais facilmente e é mais receptiva que anos atrás.
Mas, acima de tudo, isso se deve à evolução lenta, difícil e gradual, mas real, da qualidade
intelectual e moral dos Espíritos que se encarnam na Terra. E isso se reflete também no
progresso da infância.
Dizem os Espíritos que, em mundos mais adiantados, a infância é mais curta, pois a alma
encarnada necessita de pouco tempo para despertar numa nova existência. Espíritos mais lúcidos
e menos comprometidos com o mal não precisam desse longo período de esquecimento e
reeducação. Assim, devemos crer que a fase da infância na Terra também diminuirá com o
tempo. Esse encurtamento, porém, não deve ser provocado artificialmente, impondo-se à criança
uma maturação precoce. Nem tampouco – e é o que acontece hoje – deve ser acompanhado de
estímulos negativos precoces, como o apelo à sensualidade e à violência.
Outro indício de maturação espiritual da infância está nas recordações espontâneas de vidas
passadas, cada vez mais comuns. Fenômeno universal, catalogado por pesquisadores, parece
indicar que, no futuro, a consciência de nossa personalidade integral estará mais à tona da
memória.

CRIANÇAS ESPECIAIS

Todas as crianças são especiais, porque cada uma é uma individualidade sagrada e rica. Mas aqui
queremos nos referir particularmente às crianças que fogem, de um modo ou de outro, ao padrão
médio de normalidade. As crianças com problemas de desenvolvimento, com sub ou
superdotação intelectual, crianças com desajustes emocionais – todas elas merecem estudos de
médicos, psicólogos e educadores em todo o mundo. Aliás, alguns dos métodos pedagógicos
desenvolvidos no século XX para crianças normais partiram de métodos antes aplicados a
crianças excepcionais – como o de Montessori e o de Decroly. Interessa-nos o aspecto espiritual
da questão, até agora pouco ou nada desvendado.
• A deficiência mental tem geralmente uma causa física bem identificável: pode, por exemplo,
ser provocada por um problema genético (como no caso da síndrome de Down) ou uma lesão
cerebral (ocorrida na hora do parto ou durante alguma convulsão). Pode, às vezes, também ser
consequência passageira de algum distúrbio psíquico.
Em qualquer caso, entretanto, trata-se de uma incapacidade momentânea de manifestação do
Espírito e não uma incapacidade intrínseca da alma encarnada. Kardec comprovou isto ao evocar
Espíritos de crianças deficientes e que, fora do corpo, tinham grande lucidez espiritual. Há
algumas dessas entrevistas na Revista Espírita. Isso também se observa diariamente pelo fato de
que, em muitos casos de deficiência, os diagnósticos médicos são taxativos, descartando
qualquer possibilidade de desenvolvimento. Mas, quando estimulada convenientemente e quando
revela uma vontade forte, a criança ultrapassa de muito os prognósticos pessimistas. O que é isto,
senão o Espírito inteligente que, apesar dos obstáculos para a sua manifestação, luta e consegue,
pelo menos em parte, superar os limites do corpo?
O nascimento de crianças excepcionais é um desses fatos que só se pode explicar inteiramente
pela lei da reencarnação. As deficiências mentais (e evidentemente as físicas também) são
sempre resultados de processos regenerativos, cujas origens desconhecemos. Mas podemos supor
suas características principais.
Espíritos que abusaram demasiado da inteligência, empregando-a em prejuízo de si próprios e do
próximo podem ter encarnações de aprendizagem, em que se sintam tolhidos para usá-la em sua
integridade. Podem ser Espíritos que desenvolveram pouco o sentimento. Enquanto, pois, não
podem manifestar a plenitude de suas faculdades intelectuais na carne, são obrigados a arranjar
outras formas de comunicação com o ambiente e por isso, muitas vezes, mostram-se
extremamente afetivos. A inteligência descansa, mas o Espírito progride, aprendendo a sentir.
Isso se observa com muita clareza nas crianças de síndrome de Down – afetuosíssimas, em sua
maioria.
Espíritos comprometidos em séculos de crimes e malbaratamento das Leis da vida, atingem tal
estado de desequilíbrio espiritual, que só a reencarnação lhes pode aliviar a consciência. É que a
carne age como uma espécie de mataborrão. Ao seu contato, o Espírito amortece as dores agudas
da consciência e pode usá-la para reequilibrar-se para o futuro. Quando ainda no plano espiritual,
vê-se abismado em profunda loucura, não pode, ao reencarnar, moldar um corpo normal e,
assim, imprime na sua formação genética as lesões gravíssimas, que vão resultar em corpos
defeituosos e incapacitados.
Nesses casos, não se pode esperar um desenvolvimento pleno da personalidade atual, mas não
devemos esquecer que essa experiência estará servindo para a melhoria da personalidade
espiritual. E essa personalidade espiritual sempre pode ser atingida, se não pela comunicação
verbal, certamente pela linguagem do amor.
• A superdotação é outro tema complexo, que é preciso analisar com critério. Em primeiro lugar,
deve-se tomar cuidado na identificação de um superdotado, pois há muita superdotação artificial.
Qualquer criança, submetida a uma estimulação intensa, pode se revelar precoce. Aliás, uma
estimulação exagerada e unilateral pode causar distúrbios psíquicos e, como ela é sempre feita
por motivo de vaidade ou de interesse econômico dos adultos, acaba por deformar a
personalidade da criança.
Assim são os casos de músicos ou esportistas, por exemplo, que desde a mais tenra idade sofrem
um treinamento massacrante, tornando-se exímios em certa atividade. Podem conquistar fama e
dinheiro fácil, mas podem se tornar pessoas profundamente desajustadas e infelizes, porque não
se desenvolveram de maneira natural e integral.
Quando legítima, ou seja, espontânea e não provocada, a superdotação pode se revelar por um
talento específico ou por uma inteligência geral acima da média. Pode-se observar uma criança
superdotada, entre outros traços, pelo seu pensamento criativo, pela intensidade e profundidade
com que se envolve em assuntos de seu interesse, pela superioridade geral de seu raciocínio em
comparação com as crianças de sua idade e, ainda, pela extrema facilidade em alguma área do
conhecimento.
Faça-se porém importante parêntese: uma determinada superdotação intelectual não implica
necessariamente em evolução moral do Espírito encarnado. Há muitos homens e mulheres que
desenvolvem predominantemente a inteligência, em detrimento das qualidades morais. Ao
renascerem, podem revelar esse desenvolvimento anterior desde cedo, mas nem por isso
possuem elevação moral. Aliás, podem até ser Espíritos comprometidos com sérios desajustes.
Poderíamos também falar de uma espécie de superdotação moral, coisa nunca mencionada: são
as crianças que revelam desde cedo uma superioridade moral em relação ao meio – estas sim
podem ser consideradas como reencarnação de Espíritos avançados.
• O desajuste emocional pode se manifestar em forma de inquietação, agressividade, choro
excessivo, medo, pesadelos, insônia e até prejudicar o desenvolvimento físico e cognitivo. As
causas do problema podem ser as mais variadas. É preciso saber distingui-las.
Pela sua extrema maleabilidade psíquica, a criança absorve facilmente os reflexos vibratórios e
emocionais do ambiente. Diante de um comportamento anormal de sua parte, deve-se antes de
mais nada procurar as causas na atmosfera psíquica que a cerca. Mesmo que os adultos não
demonstrem agressividade, desespero, angústia e outros sentimentos negativos e os trancafiem
dentro de si, nem por isso as crianças, desde o berço, deixam de senti-los, de captá-los e de
manifestá-los, se eles existem no íntimo das pessoas que as acompanham.
Não só o estado emocional explícito ou embutido dos adultos, mas igualmente atitudes e
orientação educacional inadequadas em relação à própria criança produzem desajustes
emocionais profundos: por exemplo, tapas, gritos, repreensões severas ou indiferença, rejeição e
abandono… Esses fatores são largamente conhecidos pela Psicologia. Aqui nem nos referimos às
aberrações, infelizmente muito comuns, como o abuso sexual e a pancadaria – que obviamente
chegam a abalar a personalidade da criança por toda a vida e talvez até além.
Outras condições, muito comuns em nossa sociedade atual, também podem ser causa de
anormalidades emotivas numa criança: o impedimento de dar livre curso à sua criatividade, à sua
energia física e psíquica, o viver sempre em ambientes fechados, onde não possa mexer em nada,
levando uma vida muito contrária à sua natureza expansiva e criadora; excesso de atividades
passivas, como as desenvolvidas na escola atual, muitas horas de televisão por dia, contato com
literatura e cinema de conteúdo violento ou pornográfico, ou mesmo experiências vividas nestes
setores etc.
Mas existem também as causas espirituais. As crianças podem revelar desde cedo desequilíbrios
emocionais, trazidos do passado, ou podem ainda sentir influências negativas de Espíritos
obsessores, ligados a ela e à família. Entretanto, só se pode identificar com toda a certeza se um
desequilíbrio emotivo provém dela própria ou de Espíritos perturbadores, quando as causas
ambientais estiverem eliminadas. Ou seja, em uma criança que vive num ambiente saudável,
alegre, tranquilo, onde sejam cultivadas a prece, conversas elevadas, limpeza material e moral e
ainda assim persistirem os desajustes, então eles serão de fato originários dela própria. Mas todo
esse ambiente positivo é o primeiro requisito de qualquer terapia.
IV- Fundamentos da Educação
O QUE É EDUCAÇÃO

Educação é toda influência exercida por um Espírito sobre outro, no sentido de despertar
um processo de evolução. Essa influência leva o educando a promover autonomamente o
seu aprendizado moral e intelectual. Trata-se de um processo sem qualquer forma de
coação, pois o educador apela para a vontade do educando e conquista-lhe a adesão
voluntária para uma ação de aperfeiçoamento.
Educar é pois elevar, estimular a busca da perfeição, despertar a consciência, facilitar o
progresso integral do ser.
O processo educativo é sempre uma relação de indivíduo para indivíduo. E isso por dois
motivos: primeiro porque uma individualidade só se reconhece como individualidade e progride
como tal, quando é reconhecida e posta em contato com outra. Segundo, porque só ocorre
influência positiva não-violenta através do amor e o amor só se dá entre dois seres.
Um educador pode amar muitos educandos, mas com cada um deve estabelecer uma relação
individual. Amamos indivíduos e não massas ou grupos. Amar alguém é conhecê-lo
profundamente, é interessar-se pela sua felicidade e pelo seu progresso. Por isso, o amor
verdadeiro é sempre educativo e a Educação verdadeira é sempre um ato de amor. O amor não é
um apetrecho, um aspecto da Educação. A relação entre amor e Educação é intrínseca,
indissociável.
Essa relação educativa pode se dar em qualquer relação humana. Não ocorre apenas entre o
adulto e a criança. Pode até ser invertida: uma criança pode educar um adulto, na medida em que,
sendo um Espírito mais evoluído, produza uma influência benéfica sobre ele. Um verdadeiro
líder religioso ou político é um educador, quando provoca uma transformação positiva em seus
seguidores. Um amigo mais consciente espiritualmente pode educar outro amigo. Uma esposa
educa um marido e vice-versa. Todas as vezes em que um ser humano desperta algum bem no
outro se dá um ato de Educação – tenham disso os protagonistas consciência ou não.
Qualquer processo que se afasta disso não é Educação, é simplesmente alguma forma de
domínio, de patologia ou de prejuízo para aquele que o recebe.
Devemos, pois, reconhecer que muito do que se tem praticado ao longo dos séculos, com o nome
de Educação, não é digno desse conceito. O autoritarismo, a tentativa de moldar o outro à nossa
imagem e semelhança ou nos parâmetros de alguma moldura social, as influências deformadoras
de um ambiente vicioso, o domínio violento de um ser humano sobre outro, o abuso da força
física, a imposição pela malícia da chantagem – todas essas relações, tão comuns entre adultos e
crianças e entre os próprios adultos, não podem ser de forma alguma classificadas de educativas.
No entanto, pode-se alegar que muita coisa tem sido feita em prol da Educação, nos últimos
séculos. É verdade que muitos homens e mulheres têm trabalhado arduamente para aclarar esse
caminho. Concomitantemente, tem-se lutado pelo respeito aos direitos sociais, políticos e
individuais dos seres humanos. Mas ainda há muito a fazer.
Esbocemos um rápido inventário crítico sobre o estado atual das ideias e da prática
especificamente da Educação, analisando suas vitórias e seus desvios.
• O que se entende muitas vezes por Educação é apenas o processo de integração da criança à
sociedade. Ou seja, é sinônimo de socialização. Esse conceito é teorizado tanto por certas
correntes de pensamento, quanto praticado empiricamente pela maioria, sem maior reflexão.
Nessa concepção isolada, ela pode se tornar um esforço de modelação do ser humano, abafando-
lhe a individualidade e promovendo a padronização social. É o que faz, na maior parte do tempo,
tanto a família, quanto a escola, quanto todos os poderes vigentes (inclusive os meios de
comunicação de massa). Então, a Educação tem um aspecto conservador – mantendo o “status
quo”, e entravando a evolução humana – e um aspecto autoritário, desrespeitando a
individualidade do educando e deixando de desenvolvê-la como um ser humano, rico de
promessas de transformação. O homem se torna apenas o produto acabado de uma dada cultura e
de todas as suas mazelas sociais.
Evidentemente, a Educação tem um aspecto socializador, mas socializar deve significar: 1)
familiarizar a criança com a cultura e a organização social em que está inserida, mas não modelá-
la absolutamente de acordo com esses padrões. O desenvolvimento da capacidade crítica, da
criatividade e da autonomia de pensamento afastam esse perigo; 2) despertar na criança o sentido
de justiça, solidariedade e amor ao próximo, porque esses são os valores essenciais para a
formação de uma sociedade justa.
Ao contrário, socializar tem sido, quase sempre, ensinar à criança os padrões de injustiça,
exploração, egoísmo e orgulho, vigentes nas relações sociais e políticas. Usa-se comumente
como justificativa: “É preciso ensiná-la a viver nesse mundo” e com isso subentende-se que é
preciso ensiná-la a lesar o próximo, a pensar em primeiro lugar em si e em seus próprios
interesses.
Se o processo de socialização tem um aspecto de harmonização do indivíduo com a sociedade,
pode-se indagar até que ponto podemos educar uma criança para certos valores morais, que não
sejam vigentes nas sociedades humanas. Muitos se perguntam se isso não seria criar um conflito
inconciliável e se essa criança futuramente teria condições de viver numa sociedade como a
nossa. A resposta é muito simples: a organização da sociedade humana, com suas injustiças e
discrepâncias, é passageira e está em constante processo de evolução; ao passo que os valores
morais são eternos. Educar uma criança para integrar-se à sociedade deve significar assim
equipá-la de valores reais com que ela possa justamente contribuir para a evolução dessa
sociedade. Mas como esses valores incluem a tolerância, a fraternidade, o amor ao próximo, não
haverá para ela conflitos insuperáveis, pois a compreensão humana, fruto do amor, é o maior
fator de harmonização externa e interna.
• Nas correntes mais avançadas da Pedagogia, a partir de Rousseau, a Educação começou a ser
vista como os meios proporcionados à infância, para o seu desenvolvimento autônomo. Desde
Pestalozzi, passando por todo o movimento da escola ativa, por métodos diversos, como o de
Montessori e o de Freinet entre outros; por propostas de vários cunhos políticos, como a de
tendência democrática de Dewey ou de tendência anarquista de Herbert Read, tem se afirmado o
princípio fundamental do respeito ao ser individual e a necessidade de compreensão, amor e
liberdade, para que essa individualidade se desenvolva.
Mas, ao mesmo tempo que teorias pedagógicas pregam a necessidade de individualização da
Educação, a partir do interesse, da capacidade, da vocação de cada um, também se advoga com
toda a razão a necessidade de todos os seres humanos receberem algum tipo de Educação,
princípio aliás, pela primeira vez, proclamado por Comenius, em pleno século XVII. A
consciência política dos direitos da criança, esboçados desde a Revolução Francesa e
proclamados hoje pela ONU, defendidos por diversas entidades governamentais e não-
governamentais, por constituições, leis e manifestos, reconhece entre esses direitos
fundamentais, indiscutíveis, o direito inalienável à Educação.
E uma grande contradição tem permanecido insolúvel: a necessidade de individualização da
Educação versus a necessidade de dar Educação a todos. E o que tem acontecido nos últimos
séculos é o sacrifício da individualização. Educar a todos – coisa aliás que ainda não foi atingida
na maioria dos países – tem significado massificar, homogeneizar, padronizar. A sociedade
industrial, gerida pelo Estado burguês, tem produzido homens e mulheres em série.
Pensa-se que ao direito geral à Educação corresponde o dever do Estado de dar esta Educação.
Portanto, o Estado planeja, o Estado determina, o Estado supervisiona e, por isso, massifica,
padroniza. O Estado tem seus interesses políticos, econômicos, sociais, transitórios e muitas
vezes amorais, que se chocam frontalmente com o desenvolvimento autônomo do indivíduo. O
que o Estado promove não é necessariamente Educação. Tanto que uma nação como a
Alemanha, que há dois séculos vinha sendo educada segundo os moldes estatais, provocou
coletivamente a terrível tragédia nazista. Não era portanto um povo educado, mas padronizado
segundo certos parâmetros ideológicos, impostos pelo Estado militarista, centralizado na antiga
Prússia. A Educação pressupõe a formação de homens e mulheres autônomos e pensantes e não a
produção de massas de manobra para ditadores.
Devemos achar, portanto, uma conciliação entre essas duas necessidades urgentes:
individualização da Educação e Educação para todos.
• Algo que não está muito claro para a maioria é a relação entre Educação e instrução. Instrução
é a transmissão de um conteúdo cognitivo. Pode ser também uma forma de Educação, porém
restrita. O conhecimento pode transformar o homem positivamente e quem transmite um
conhecimento pode provocar alguma mutação naquele que o recebe. Mas um livro ou um
arquivo de computador ou o estudo da própria realidade podem ser uma fonte de conhecimento.
Nesses casos, ou o autor do livro ou a realidade estão exercendo uma função instrutiva.
Educação é um conceito mais global. A instrução não se confunde nem mesmo com Educação
intelectual – pois instruir é transmitir conhecimentos prontos, o que a escola convencional tem
feito, mais ou menos bem, segundo as circunstâncias. Educação intelectual é mais do que isso. É
despertar a capacidade de autoinstrução, é formar o pesquisador da verdade, o amante da
sabedoria, e provocar um ímpeto de busca e não apenas entregar algumas informações.

FINALIDADE(S) DA EDUCAÇÃO

A finalidade da Educação está embutida em seu próprio conceito: é ajudar o outro a evoluir. Esta
meta está em consonância com a finalidade da vida universal. Tudo evolui para a perfeição. E
está em harmonia com a finalidade particular da nossa existência na Terra: aqui reencarnamos
para darmos mais um passo nessa jornada infinita da evolução.
Essa é a finalidade geral, primeira, que devemos ter em vista num processo educativo, inclusive
em nossa autoeducação. Mas tornêmo-la mais compreensível e desdobrêmo-la em seus múltiplos
aspectos.
A evolução do espírito, como sabemos, é um processo longo e tortuoso e provavelmente jamais
termina – pois nunca chegaremos à perfeição de Deus. Não temos a noção da idade do nosso
Espírito. Não sabemos quantos milhões de anos já gastamos para chegar ao estágio evolutivo que
alcançamos hoje – estágio ainda tão deficitário! Não sabemos quantos milênios mais gastaremos
para alcançar o nível de perfeição de um Cristo.
Uma existência na Terra é uma breve etapa desse processo. Nela, viemos adquirir algumas das
virtudes que nos faltam, mas não nos será possível nesse curto espaço de tempo desenvolver
todas as nossas potencialidades divinas.
Assim, dentro dessa meta infinita de evolução, a Educação deve preencher as seguintes
finalidades específicas:
• Contribuir para que o ser desenvolva, na presente existência, sua perfectibilidade possível, no
estágio evolutivo em que se encontra. Um Espírito, por exemplo, que na última encarnação foi
um malfeitor, atrasado moral e intelectualmente, não poderá na atual existência se tornar um
modelo de perfeição e sabedoria. Se a Educação lhe proporcionar os meios de se tornar uma
pessoa honesta, trabalhadora e crente em Deus já terá feito muito, embora possa ainda conservar
inúmeros traços de rudeza e ignorância. Já para um Espírito com um adiantamento relativo, o
fato de levar apenas uma vida honesta, cumprindo os deveres impostos pela sociedade, pode não
bastar ao seu aperfeiçoamento: a Educação só terá realizado a sua tarefa se lhe desenvolver um
sentido a mais de sacrifício e renúncia a favor do próximo...
• Facilitar o cumprimento da missão específica que o Espírito trouxe à Terra. Além de
determinadas virtudes possíveis e necessárias a serem desenvolvidas nesta existência, há tarefas
familiares, profissionais, sociais, que o Espírito pode estar incumbido de realizar. A Educação
deve ajudá-lo a descobri-las e a assumi-las.
• Estimular o indivíduo a revelar suas características individuais. A evolução, ao contrário do que
muitos pensam, é um processo de individualização. Quanto mais progredimos, mais somos nós
mesmos, originais, únicos, com talentos e virtudes singulares.
• Semear verdades e virtudes com vistas à eternidade. Mesmo que a criatura na atual existência
só realize um grau reduzido de suas potencialidades, a Educação pode alcançar outras vidas.
Quando o educador tem um amor elevado e possui grande ascendência moral sobre o educando,
sua influência positiva se estende por várias encarnações. Certamente já tivemos pais, mães,
mestres em outras vidas, cuja fecundação benéfica só está frutificando hoje, mesmo que não nos
lembremos deles conscientemente. Nossos anjos da guarda, aliás, nada mais são do que parentes
e amigos mais evoluídos que nós, que conosco já conviveram em outras vidas e portanto já
exerceram uma função educativa para conosco e continuam a exercitá-la no mundo espiritual. A
função de um guia é eminentemente educativa e a sua semeadura vale pelos séculos afora.
• Formar sempre educadores. O homem bem educado é necessariamente um educador. Alguém
que recebeu e assimilou uma influência benéfica exercerá essa influência sobre outros. Aquele
que sabe sempre deve ensinar. Aquele que ama sempre eleva. A sabedoria e o amor reunidos são
sempre fatores de Educação dos Espíritos. Não é preciso escolher a profissão de professor, para
se ter uma responsabilidade educativa. A maioria dos homens e das mulheres tem filhos, portanto
a maioria tem uma tarefa educativa ainda maior do que a dos professores. E mesmo na ausência
de filhos, em qualquer setor de atividade humana, podemos e devemos exercitar um papel
educativo. Toda ação que contribui para a evolução dos seres humanos é uma ação pedagógica.
O PODER DA EDUCAÇÃO

É importante nos indagarmos até que ponto a Educação tem poder. O que aparentemente está em
contradição com o poder da Educação é a liberdade individual. Por isso, pensam os
conservadores que quanto mais se restringir a liberdade, maior é o poder de moldarmos o outro,
dentro da concepção errônea de que educar seja fazer a personalidade do educando, de fora para
dentro...
Quem não crê na anterioridade do Espírito – que já é uma personalidade antiga e portanto não
pode ser moldada, mas apenas influenciada – atribui à Educação um poder quase ilimitado.
Trata-se de um poder diretamente proporcional ao autoritarismo empregado. Claro, pois, se não
respeitamos no educando uma personalidade independente da nossa, por mais que enfeitemos
nosso discurso de liberalismo, o resultado da Educação será sempre a tentativa de modelar o
outro segundo nossos padrões pessoais ou segundo regras sociais.
O materialismo, assim, poderá até defender em alguns casos a liberdade individual e o direito
inalienável de cada um decidir sobre o seu próprio destino. Mas então, ele não estará sendo
coerente consigo próprio, pois quando o homem é considerado apenas um animal determinado
pela genética ou, quando muito, um produto da cultura e da sociedade, resta-lhe pouca margem
de liberdade para fazer a si mesmo.
Já vimos que existe um princípio de liberdade espiritual, que Deus estabeleceu como lei natural –
pois Ele nos dá o mérito de evoluirmos por nossas próprias forças quando e como quisermos,
tendo apenas de nos submeter às consequências dos nossos atos. Essa liberdade é condicionada
por vários fatores.
É verdade que a criança nasce numa condição de liberdade ainda mais limitada que o adulto,
porque a sua temporária dependência física e psíquica é uma forma de restrição de sua ação no
mundo. Mas ainda e sempre, ela conserva a liberdade inalienável do seu espírito. E é isso que os
adultos não lhe reconhecem. Os adultos têm um poder parcial sobre a criança, que lhes foi dado
para usar em benefício dela própria. Mas quase todos abusam desse poder, para usá-lo em
benefício de seus interesses e caprichos, de seu comodismo e de suas tendências tirânicas. O
poder da Educação muitas vezes se transforma em tirania violenta ou disfarçada.
Entretanto, dissemos que educar é amar e vice-versa. Por isso, o poder da Educação não é
proporcional ao autoritarismo, à chamada “imposição de limites”, à disciplina externa, à coação
violenta... Esses não são os métodos do amor. O amor reconhece a dignidade do outro, respeita-
lhe a liberdade individual. O poder da Educação, assim, é proporcional à grandeza do amor do
educador pelo educando, à sua capacidade de renúncia e doação, ao seu interesse legítimo pela
felicidade do outro, ao seu desinteresse por recompensas de qualquer espécie, mesmo afetivas, e
à força do exemplo vivido. A Educação é tanto mais poderosa quanto mais reconhece a liberdade
do educando de aceitar ou não a sua influência. Ao reconhecer essa liberdade no outro, o
educador toca muito mais a sua alma do que com imposições violentas e descabidas. Esse
reconhecimento não é indiferença, pois o poder da Educação é também proporcional ao esforço
empregado para ajudar o educando a encontrar seus caminhos.
O resultado do autoritarismo é imediato e previsível: pessoas enquadradas num padrão ou
revoltadas; ou então muitas vezes hipócritas, pois a imposição lhes criou um comportamento
exterior em antagonismo aos seus impulsos reais.
O resultado da Educação de amor não se sabe qual será. Depende do grau de evolução do
Espírito que a recebe, que pode assimilá-la mais ou menos. Depende da liberdade do educando,
que pode aceitá-la ou rebelar-se contra ela (o que acontece apenas raramente, em caso de
Espíritos muito rebeldes). Depende das características individuais do educador e do educando e
da maior ou menor afinidade espiritual entre ambos. A Educação verdadeira não cria autômatos
iguais, robotizados. Cria indivíduos e a variedade de tendências individuais é infinita.
Mas então, pode-se indagar: de que adianta a Educação, se não oferece um resultado
absolutamente seguro? Primeiro é preciso dizer que a média geral da humanidade – como
adverte o próprio Kardec – não é constituída de Espíritos endurecidos no mal. Por isso, o
empenho colocado na Educação das crianças, para o bem, apresentará inevitavelmente pelo
menos algum resultado imediato. Uma Educação verdadeira, no atual estágio evolutivo do
planeta, produzirá uma maioria de homens de bem, com tendências individuais variadas. Mas em
todos os casos, a semeadura educativa terá algum resultado, seja a curto ou longo prazo. O amor
doado jamais será perdido. O exemplo deixado sempre exerce uma influência, cedo ou tarde,
sobre aquele que o observou. Não foi assim com Jesus? O pedagogo da humanidade lançou suas
sementes de Educação há dois mil anos. Alguns começaram a desenvolvê-las naquela época
mesmo. Mas a maioria só agora começa a compreendê-las e muitos ainda nem sequer as
aceitaram no solo da alma. E o esforço de Jesus não foi em vão. Mas Ele espera pacientemente
há séculos que resolvamos atender ao seu apelo.

EDUCAÇÃO INTEGRAL

Um fator vital em nossa própria busca por evolução espiritual é o equilíbrio entre os diversos
aspectos do nosso desenvolvimento. Sabemos que a intelectualidade sem amor nos conduz a
abismos seculares e que o sentimento desvairado pode nos aprisionar na ignorância e no
fanatismo. Sabemos também que, ao longo da nossa jornada evolutiva, devemos desenvolver
todas as nossas potencialidades e alcançarmos a condição de anjos em todas as virtudes e de
sábios em todas as ciências.
Educar, assim, tanto para os fins da existência presente, quanto para as nossas metas eternas,
deve ser uma ação que desperte de maneira equilibrada e integrada todas as forças da alma. A
Educação deve se dirigir ao sentimento e à inteligência, deve formar pessoas saudáveis de corpo
e alma.
Pestalozzi, que se preocupava bastante com o aspecto global e equilibrado que deve ter a
Educação, resumiu a questão na famosa tríade: educar o coração, a cabeça e as mãos. Por educar
o coração, entendia fazer brotar o amor a Deus e ao próximo; com educar a cabeça, referia-se à
formação da inteligência, não no sentido de entupir a memória de informações, mas de
desenvolver o ímpeto de observar, analisar, deduzir e pensar; e, afinal, educar as mãos era para
ele tanto estimular atividades manuais e o trabalho em geral, quanto cultivar a agilidade, a saúde
e a harmonia do corpo.
Além dessa concepção de Pestalozzi, outros autores resumiram essa integralidade da Educação
em tríades (forma muito comum para exprimir algo que é ao mesmo tempo múltiplo e uno).
Léon Denis, por exemplo, fala do Amor, da Sabedoria e da Vontade, como as três potências que
devemos desenvolver em nossa evolução espiritual.
Mais adiante, haverá uma análise mais pormenorizada do que significa desenvolver cada um
desses aspectos e que meios podem ser usados para isso. O que importa em princípio é deixar
clara a necessidade de uma Educação integral, para que o homem não cresça aleijado
espiritualmente, mas tenha harmonia interna para realizar suas tarefas no mundo.
E já que cada Espírito reencarnante traz experiências diversas do passado e pode ter se
desenvolvido mais num determinado aspecto, com certos desequilíbrios e desvios, é necessário
dosar os apelos aos diversos aspectos, segundo a necessidade de cada um. Um Espírito que
revele desde cedo uma inteligência precoce, mas grande incapacidade de convivência fraterna
com o próximo, deve ser estimulado a desabrochar sentimentos altruístas. Em outro, que mostre
bons sentimentos, mas tenha grande preguiça mental, deve-se procurar despertar algo que lhe dê
interesse em aprender. Ou, ainda, uma criança que seja vivaz no raciocínio, mas deficiente no
trabalho a realizar, por negligência ou falta de vontade, deve ser incentivada à autodisciplina e ao
fortalecimento de seu querer. Enfim, a Educação deve ser sempre integral, mas procurando
preencher as lacunas do Espírito. Ao que já mostra certo desenvolvimento numa área, dê-se sim
mais oportunidade de crescimento nesse setor, mas o esforço para guiá-lo em adquirir o que lhe
falta é mais árduo e por isso requer maior dedicação. Mas isso nunca deverá ser feito por
imposições coercitivas, e sim por estímulos amorosos e diálogos sinceros.
SEGUNDA PARTE:
O EDUCADOR
V- Requisitos do Educador

O princípio, o meio e o fim da Educação é o ser humano. Por isso, o foco principal de qualquer
estudo pedagógico deve recair sobre o educador, o educando e a relação entre eles. Se o
educador estiver compenetrado de sua missão, se o relacionamento estabelecido com o educando
for baseado no amor, na confiança e nos elevados objetivos da evolução humana, então todo o
resto se torna secundário. Ao invés, os melhores planos didáticos das escolas, os mais avançados
métodos e materiais pedagógicos resultam em fracasso se não houver seres humanos habilitados
para educar.
A capacidade para educar, entretanto, está muito além dos conhecimentos técnicos adquiridos
num curso de Pedagogia. Ser educador é muito mais do que ser professor. Para ser educador, não
basta conhecer teorias, aplicar metodologias, é preciso uma predisposição interna, uma
compreensão mais ampla da vida, um esforço sincero em promover a própria autoeducação, pois
o educador verdadeiro é aquele que, antes de falar, exemplifica; antes de teorizar, sente e antes
de ser um profissional, é um ser humano.
Como já foi dito, qualquer pessoa, em qualquer relacionamento humano, pode se tornar um
educador. Bom seria se cada um se empenhasse em colaborar com a evolução do próximo,
ensinando o que sabe, partilhando suas conquistas espirituais e sacrificando-se pelo progresso da
humanidade. Detenhamo-nos, porém, nos que têm uma tarefa específica na Educação: pais e
professores.
Como prepará-los para cumprirem sua missão? Os profissionais da Educação, bem ou mal,
fazem uma especialização no assunto; os pais, em sua maioria, jamais estudaram algo a respeito.
A maior parte nem sequer se compenetra da necessidade de refletir sobre essa tarefa sagrada que
Deus lhe coloca nas mãos: a de educar uma criança. E, no entanto, a responsabilidade dessa
missão é vital. Dela depende o futuro da humanidade, dela depende em grande parte a realização
e a felicidade das novas gerações e, diante da Providência Divina, pais e professores não
escaparão de prestar contas de sua obra educativa. O fracasso no cumprimento dessa tarefa
acarreta consequências dolorosas tanto nessa vida, como em outras.
Escolas, cursos, debates, livros, tudo é bom e útil para estimular o progresso da Educação. Há
mesmo necessidade premente de uma escola de pais. Mas, acima de tudo, seria desejável que
cada um se preparasse a si mesmo, para estar à altura da tarefa em vista.
Analisemos, pois, em primeiro lugar, os requisitos básicos para assumir alguma tarefa na
Educação, seja como pai, como mãe, como professor. Nos próximos capítulos, passaremos às
especificidades de cada um.

A AUTOEDUCAÇÃO

A ação educativa, em qualquer setor, requer empenho na autoeducação. Poucos aceitam isso,
pois é muito mais fácil prescrevermos ditatorialmente normas de conduta para aqueles que estão
sob a nossa responsabilidade do que lutarmos continuamente para superarmos a nós mesmos e
podermos mostrar um exemplo digno de ser seguido.
Se o poder da Educação repousa sobre a autoridade moral, essa se adquire pela conquista de
virtudes e pelo esforço no próprio aperfeiçoamento.
Que ninguém se iluda. Para cumprir uma tarefa específica na Educação, seja como pai, mãe ou
professor ou em qualquer relação humana, é preciso buscar a própria melhoria, cultivar a
paciência, a renúncia, a doação irrestrita de si.
Ora, como o ser humano tem a tendência egoística de distribuir bens com algum cálculo de
retorno para si próprio, isso ainda é muito forte na mente de quantos pretendem educar uma
criança. Existem cálculos conscientes e inconscientes, materiais e espirituais. Há aqueles, por
exemplo, de classes econômicas mais deficitárias, que têm filhos e os educam para que esses os
sustentem na velhice. Outros pretendem que os filhos lhes preencham os projetos de orgulho,
vaidade e domínio social. Há os que desejam escravidão afetiva. Há muitos que trabalham na
área da Educação e se revelam personalidades tirânicas: seu objetivo, assumido ou não, é o
exercício puro e simples do poder. Seria tedioso descrever aqui todos os móveis inferiores que se
misturam a essa sagrada função.
Isso não significa que os filhos não possam e não devam ajudar os pais economicamente, em
caso de necessidade, ou não possam e não devam amá-los e respeitá-los, ou que o educando não
deva manifestar gratidão por quem o educou. Mas isso não pode entrar em cálculos de cobrança.
Aliás, quanto mais desinteressadamente agir o educador, maior a probabilidade de ver
reconhecido o seu esforço.
A Educação é tanto mais eficaz, quanto mais o educador se desprenda de interesses pessoais,
quanto mais eduque por amor ao próprio educando, para atingir a felicidade e a realização
espiritual deste. Mas ainda duas considerações devem ser feitas. Primeiro, levem-se em conta os
disfarces mentais que o ser humano está acostumado a arranjar para o próprio comportamento,
mascarando intenções e desejos, com os discursos mais bonitos. Há muitos tiranos domésticos
que justificam sua conduta com o clássico: “é para o seu bem!” É preciso, pois, honestidade para
analisarmos nosso íntimo e purificá-lo. Segundo, esse desinteresse pessoal na ação educativa não
significa servilismo aos caprichos do educando. O educador tem de saber distinguir com clareza
as imperfeições de quem quer educar, orientando-o com lucidez.
Aliás, faz parte do processo de autoeducação o autoconhecimento, que Sócrates já colocava
como ponto fundamental na obra de melhoria individual. A observação profunda de si, a
tentativa sincera de superar vícios e limitações é o que dá a segurança e a capacidade de observar
as tendências do educando e ajudá-lo a se fortalecer para o bem.
Apesar da absoluta necessidade de autoridade moral para o ato de educar, ninguém deve se sentir
indigno de conquistar essa estatura de moralidade, pois ela não implica em santidade repentina
ou passado impoluto. A maioria das criaturas terrestres é de Espíritos imperfeitos, com um
passado espiritual problemático. Ora, justamente o desejo de educar uma criança que se ama é
um ótimo estímulo à regeneração. Não há delinquentes que, por amor a um filho, são capazes
dos maiores sacrifícios e encontram forças até para sair da criminalidade? Assim, a urgência da
automelhoria para educar não significa que apenas algumas pessoas tenham o merecimento de se
tornarem educadoras. Ao contrário, a ação verdadeiramente educativa transforma tanto o
educando quanto o educador, num processo de superação para ambos.

O AMOR ÀS CRIANÇAS

Deveria ser óbvio, mas não é para muitos: para se pensar em colocar um filho no mundo ou para
se escolher uma carreira na Educação, a primeira condição deveria ser a de amar as crianças. É
verdade que todo ser humano deveria gostar de crianças, pois a afeição à descendência, a ternura
despertada pela graça infantil, o instinto de proteção diante de sua fragilidade, são coisas
naturais, inerentes à espécie. No entanto, o ser humano tem a liberdade e a capacidade de
contrariar até os seus instintos mais básicos, pelo menos temporariamente. E há muitos que não
suportam criança.
A característica básica da maioria dos inimigos de crianças é o egoísmo feroz. A criança pede
sempre cuidado, atenção. Uma criança, na vida do adulto, modifica-lhe os hábitos, requer que ele
renuncie a alguns de seus prazeres e desejos e a uma grande parte do seu tempo. Dá trabalho. E
há gente que se encerra num egocentrismo tão doentio, que não pode sequer pensar em doar algo
de si, em favor de um ser que dele dependa.
Outro aspecto de tais personalidades é geralmente uma insensibilização, que pode raiar pelo
extremo da crueldade e da dureza. Pois quem não é capaz de se comover ante um rostinho
sorridente, quem não é capaz de apreciar a ternura e a sinceridade infantis, revela atraso em sua
evolução moral ou está demonstrando problemas psíquicos que requerem cuidado. Incluem-se
nesse rol aqueles que não conseguem respeitar uma criança, exercendo violências inomináveis
contra os próprios filhos ou contra os filhos alheios. Infelizmente, o estágio evolutivo do nosso
planeta é ainda tão deficitário, que muitos Espíritos se encontram nesse ponto de atraso e
degeneração. Basta ver as barbaridades praticadas contra as crianças nas guerras e, mesmo no
cotidiano, os estupros, seviciações, raptos e assassinatos de menores.
Mas entre esse extremo brutal e o verdadeiro amor às crianças, há enorme gradação. A maioria
das pessoas sente uma inclinação natural pela infância, demonstra algum enternecimento diante
da graça infantil. É o começo, mas não basta, pois a ternura inicial não exclui atitudes egoísticas.
Uma manifestação de desamor às crianças, constante mesmo entre aqueles que afirmam e até
demonstram gostar delas, é considerá-las como um estorvo. Elas atrapalham a ordenação do
ambiente, fazem barulho, têm necessidade de se movimentar, de correr, são perguntadeiras,
pedem atenção, querem o nosso tempo... São uma perturbação na rotina, nos afazeres, na vida do
adulto. A tendência então é a chamada imposição de “limites”, muito citada por psicólogos e
pedagogos atuais, que na realidade não passa de uma tentativa de estabelecer regras para que a
criança não atrapalhe e deixe o maior usufruto possível do espaço e do tempo para o adulto. O
objetivo implícito é fazer a criança ver que ela tem de se conformar a ser uma pessoa secundária,
uma natureza violentada, para se adequar ao mundo egoístico do adulto.
Manifestar amor pleno à criança é, acima de tudo, ter tempo para ela, aceitá-la como criança,
dar-lhe inteira atenção e devotamento, não excluí-la nunca de nossa vida, fazendo-a ver que em
qualquer tempo, ela pode estar presente. Além da aceitação de sua natureza infantil, amá-la
significa enxergá-la como uma pessoa inteira, digna de respeito, com dignidade humana,
liberdade de opinião e necessidade de afeto. O amor a uma criança ou a algumas crianças que
estejam sob nossa responsabilidade só é edificante e legítimo, se não se mostrar exclusivista e
egoístico. O amor deve ser justo e não desprezar ninguém. Diante de uma criança que seja nossa
filha ou tutelada e de outra que não seja, tratemos ambas com o mesmo carinho, sejamos justos
na divisão de brinquedos, alimentos e carícias e jamais coloquemos uma criança em posição
inferior a outra. Se com os adultos – embora devamos amar ao próximo como a nós mesmos –
podemos ter nossas simpatias e preferências, nosso amor às crianças deve ser farto e indistinto.
Quanto aos que se dedicam profissionalmente à Educação, é preciso que tenham uma grande
paixão por crianças e especial prazer em estar com elas. Que apreciem suas qualidades, que
considerem seu trabalho um privilégio e tenham plena consciência da responsabilidade moral
que ele implica. Nenhuma escolha profissional deve ser fruto do acaso e da indiferença, menos
ainda a tarefa da educação. Ela deve brotar em primeiro lugar de um grande amor à criança e à
humanidade em geral. Quem não se sinta à vontade, alegre e satisfeito com um bando de crianças
correndo e gritando à sua volta, que as deixe em paz e procure outra atividade, para não se tornar
rabugento, tirânico e frustrado.

O AMOR AOS JOVENS

Apesar dos entraves citados, amar as crianças é coisa relativamente comum para a maioria dos
pais, dos mestres e dos adultos em geral. A criança é fácil de ser levada. Ela é confiante e deixa-
se conduzir, até contra os seus próprios interesses – o que proporciona abusos de toda a espécie.
Já o mesmo não se dá com os adolescentes e os jovens. Nesses períodos, aparece mais
fortemente a personalidade do Espírito reencarnado. Muita gente então perde a paciência e a
vontade de continuar a obra de Educação e não revela a mínima afeição pelos moços. Mas então,
a tarefa educativa não estará terminada para os pais, que devem levá-la a bom termo ainda e
sempre pelo amor–que abrange a compreensão e o diálogo.
Há uma reação muito comum entre os adultos para com a juventude: é um desprezo autoritário,
que se revela em frases como: “ele não sabe nada da vida”, “é ainda um moleque”, “ainda tem
muito o que aprender”. O desdém pode também se manifestar disfarçado em paternalismo, no
discurso daqueles que vivem se referindo “aos jovens”, com um ar condescendente e superior.
Essa falta de respeito para com a dignidade do jovem, que é também um ser humano, com direito
a ter opiniões próprias, e que tem uma idade espiritual que não corresponde necessariamente à do
corpo, revela no fundo grande despeito. Muita gente, já às portas da velhice, sente irresistível
inveja da mocidade. Não se conformam de já terem perdido a sua, não se desapegam de certos
prazeres e desejos, que já deveriam ter sublimado à certa altura da existência e sentem raiva cega
daqueles que podem usufruí-los. Sua visão da mocidade é distorcida; trata-se para eles de um
período de aproveitar a vida, atirando-se sofregamente a toda espécie de futilidades e prazeres,
sem qualquer noção de responsabilidade.
Outra causa de despeito é que muitos adultos perderam ou nunca tiveram ideais e motivações
nobres. Idealismo para eles é, aliás, um indício de imaturidade. Maturidade é sinônimo de
materialismo, secura de alma e ambição desmedida. Quando esbarram com algum sentimento
legítimo, vindo de um jovem, apelam para o desprezo, que não esconde o despeito íntimo, por
enxergar no outro uma superioridade que eles, como pessoas mais velhas, supostamente
deveriam ter.
Amar a juventude significa ver seu potencial de renovação e mudança, respeitar-lhe e incentivar-
lhe os ideais elevados e não secundá-los na satisfação passageira dos instintos mais grosseiros e
da leviandade.
Aquele que, particularmente, se dedica a uma carreira universitária, deve ter um espírito jovem e
aberto, sentir-se bem na companhia da mocidade, compreender-lhe os anseios e dificuldades,
saber conversar de forma igualitária, respeitando-lhe as manifestações, e ter o ideal de ajudá-la,
sem exigências, a encontrar seus próprios caminhos.
Essa indispensável e afetuosa dedicação do professor aos seus alunos de qualquer idade não
exclui a autoridade moral que deve possuir sobre eles. Uma autoridade que não se impõe, mas se
conquista pela dignidade, pelo amor e pela seriedade com que o mestre exerça seu sacerdócio.
Não implica tampouco em relacionamento formal e distante. A aproximação amiga, o diálogo
franco não diminuem, ao invés aumentam o respeito mútuo.
É preciso cuidado, porque há professores e mesmo pais que pretendem demonstrar esse amor à
juventude, tornando-se tão ou mais levianos e inconsequentes que seus alunos ou filhos. Querem
conquistar o seu afeto ou sua atenção à custa de piadas inconvenientes, partilhando material
pornográfico, participando de aventuras amorosas, mantendo, no caso de professores, inclusive
relacionamento com estudantes do sexo oposto (ou do mesmo sexo), comportando-se enfim sem
nenhuma dignidade moral. Esses estão muito longe de sua tarefa educativa e não merecem nem
mesmo o nome de professores, pois usam de sua influência sobre os jovens, para satisfazer suas
paixões inferiores. Responderão por esse gravíssimo desvio.
VI - A Preparação dos Pais

Deveria começar cedo a preparação do homem e da mulher para as sagradas funções da


paternidade e da maternidade. Desde criança, todos deveriam sentir o que há de alegria,
responsabilidade e grandeza nessa tarefa. No período infantil, isso deve ser mostrado
primordialmente pelo exemplo dos pais. A vida intensa em família, a participação conjunta de
adultos e crianças nos problemas do cotidiano, o envolvimento inteiro de pai e mãe com os
filhos, sua dedicação constante – tudo isso necessariamente fará das crianças bons futuros pais.
Diálogo ao invés de violência e autoritarismo; amor ao invés de exigência e opressão; empenho
pela felicidade do outro ao invés de indiferença; são atitudes que podem ser observadas e
adquiridas.
Obviamente, as crianças que passam por experiências familiares altamente traumáticas, como
abuso sexual, violência, abandono, poderão apresentar dificuldades importantes para criar
vínculos duradouros e acreditar na vida em família. Provavelmente, precisarão de intervenções
terapêuticas e espirituais para superar os traumas, elevarem a autoestima e conseguirem se
estabilizar com um parceiro, numa relação saudável. A marca deixada por tais situações é uma
ferida aberta, que pode desencadear patologias psíquicas, que precisam de muito cuidado.

O IDEAL DE FAMÍLIA

Sobre a base de uma boa exemplificação dentro de casa, na formação dos homens e mulheres do
futuro, ergue-se o trabalho que cada um deve fazer consigo mesmo, com vistas ao objetivo de ter
filhos. A Educação dos filhos começa muito antes do casamento.
O ideal da família – hoje muito esmaecido na sociedade egoísta, fria e materialista em que
vivemos – deve ser alimentado em cada adolescente, em cada jovem, por seus pais e mestres, por
todas as forças sociais e deve ser cultivado por cada um dentro de si mesmo. Um dos objetivos
principais da nossa existência na Terra é a formação de um núcleo familiar, onde possamos
desenvolver mais intensamente nossa capacidade afetiva, onde tenhamos o ponto de apoio
necessário à realização de outras tarefas e onde possamos conviver com Espíritos afins, com
nossos credores e devedores, em colaboração mútua para a evolução de todos.
Certamente, há pessoas que, em determinadas existências, nascem para tarefas ou provas que
excluem a formação de uma família. São as que não souberam de alguma forma respeitar esse
núcleo de trabalho humano e se perderam por desvios e perversões e podem muito bem ter
escolhido experimentar toda uma vida – e às vezes várias vidas – de insulamento, carência e
impedimentos afetivos e sexuais. Desde que alguém se reconheça passando por tal prova, o
melhor é aceitá-la e procurar transferir os tesouros da própria afetividade para a humanidade em
geral, sublimando desejos e aspirações e tornando-se cada vez mais útil ao próximo. Podem-se
extrair as vantagens de tal estado, para o exercício de tarefas sociais e espirituais que aos casados
seriam mais difíceis de cumprir. É preciso, porém, não confundir essas pessoas, que desejariam
constituir família, mas por motivos diversos não podem ou não conseguem realizar esse intento,
com aquelas que rejeitam a formação de um lar, por puro egoísmo.
Há outros Espíritos ainda, esses mais raros, que não estão reparando nenhuma falta do passado
nesse campo, mas vêm ao mundo com determinada missão, onde não pode entrar a constituição
da família. Assim, por exemplo, um Espírito da estatura moral de Eurípedes Barsanulfo, que
incentivava seus discípulos a se casarem, mas dizia estar ele próprio casado com a humanidade.
De fato, uma vida missionária como a dele, de pobreza, renúncia e absoluta dedicação ao
próximo não poderia se coadunar com a vida em família.
Mesmo Espíritos medianos, sem uma grande missão na Terra, podem escolher uma vida onde
não esteja planejada a formação de um lar, para desempenharem alguma tarefa mais abrangente,
do ponto de vista social. Assim, a não constituição de uma família pode ser uma reparação, uma
aprendizado ou uma simples opção do Espírito, com vistas à realização de outras atividades, mas
não deveria ser fruto do egoísmo e do comodismo.
No entanto, é bem possível que a maioria dos Espíritos encarnados nasce com a programação de
criar uma família. Ora, é verdade que temos a liberdade de cumprir ou não as tarefas previstas
para uma dada existência. É verdade também que há fatos e acontecimentos secundários, que
dependem das circunstâncias e não estão subordinados a um planejamento prévio. Mas a
constituição de um lar é fato de grande relevância espiritual e não pode ser obra do acaso e da
leviandade.
Antigamente, dizia-se que os casamentos se fazem no céu. Nada mais verdadeiro. Antes de
voltar à Terra, as almas medianamente esclarecidas se comprometem com esse ou aquele
Espírito ligado ao seu passado espiritual e planejam juntos a vida em comum e muitas vezes
fazem promessas àqueles que vão receber como filhos. Renascidos, porém, na Terra, imersos no
esquecimento da carne, não fazem ideia exata da importância desses compromissos e se atiram às
vezes a numerosas aventuras, dilapidando seus tesouros afetivos, rebaixando suas forças sexuais.
Mas guardam no fundo da consciência a vontade de realizar suas promessas e sentem no íntimo
uma insatisfação imensa, consequência natural do dever não cumprido, ou adiado.
Esse problema agravou-se nos séculos XX e XXI, porque o individualismo contemporâneo
denegriu a tal ponto a ideia de família que, para muitos, tornou-se quase vergonhoso manifestar o
desejo de formar um lar. O culto ao prazer sexual, praticado em todas as idades e justificado com
pomposas teorias, é um obstáculo à formação de famílias sólidas. Aliás, quando nos propomos a
falar sobre família, somos imediatamente alinhados ao lado de fundamentalistas radicais e pesa
sobre nós o rótulo de conservadores.
O desvio já começa na maneira de encarar a sexualidade. Para a maioria dos ideólogos do prazer,
o sexo é um fim em si mesmo e a sexualidade humana, mera ferramenta de satisfação. Encara-se
o relacionamento sexual-afetivo entre duas criaturas como uma “experiência”. Referem-se
muitos às “primeiras experiências sexuais”, que devem ocorrer na adolescência. Ora, quando se
caracteriza um relacionamento como experiência, já está claro que o outro ser humano se torna
um objeto de experimentação.
A meta de encontrar a pessoa certa, para formar uma família, fica praticamente apagada, com
toda a confusão sentimental e mental em torno das múltiplas experiências que cada um deve
colecionar, como troféus de sua masculinidade ou feminilidade. A preservação das energias
sexuais para emoções mais sublimes e profundas do que a relação com o primeiro que aparece, é
vista como patologia e anormalidade. Nos livros, no cinema, na televisão, nas entrevistas com
psicólogos, filósofos e artistas, incentiva-se o entregar-se pura e simplesmente aos instintos mais
imediatos, sem qualquer reflexão ou responsabilidade, sem qualquer respeito para com o
sentimento alheio e para com os dons criadores com que Deus nos dotou.
Os numerosos relacionamentos, porém, deixam o Espírito confuso e perturbado, arrancando-lhe
a lucidez para enxergar verdadeiros compromissos. Dispersando a sua energia sexual e a sua
capacidade afetiva, vai esfriando seus sentimentos e o relacionamento com o outro se torna algo
corriqueiro, sem importância. Trocam-se então os parceiros como se troca de roupa. É muito
fácil perceber o quanto isso compromete a formação da família. Fica mais difícil ter um amor fiel
e profundo, verdadeiro e responsável, quem já “experimentou” tantos outros.
Outro agravante que se dá na sociedade atual é o do empurrar as relações para o mundo virtual:
sites, chats pornográficos, onde além do outro ser mero objeto, ainda é um objeto distante, sem
rosto, sem nome, com o qual temos menos responsabilidade ainda.
Certamente, os leitores pensarão numa distinção muito importante que se deve fazer no tema. Há
aqueles que, declaradamente, consideram que o sexo pode ser praticado por mero prazer, sem
maiores envolvimentos afetivos. Ou seja, os encontros descartáveis, os casos fortuitos, de uma
noite ou algumas semanas... Sente-se uma atração sexual e realiza-se o desejo, sem maiores
consequências – pensam. Noutro nível, colocam-se aqueles que acreditam que o sexo deve ser
praticado com amor. Mas, é perfeitamente possível e mesmo normal – dizem – que alguém ame
diversas vezes na vida, em relacionamentos variados. Ou ainda, cada vez que uma pessoa entra
num relacionamento, pode ter a proposta ou a esperança de que dê certo para a vida inteira, e na
maioria das vezes, não dá.
O assunto é complexo, porque a maioria dos Espíritos encarnados na Terra têm graves
comprometimentos no campo sexual. Estamos todos aprendendo e ensaiando nessa área e temos
dificuldades em manejar essa força impetuosa que é o impulso sexual. Entretanto, é bem claro o
objetivo da nossa evolução: o ser humano equilibrado é monogâmico e a sexualidade deve ser
empregada na construção de um relacionamento estável, para a formação de uma família. Mesmo
se não acertemos na primeira vez, na segunda, tentemos sempre esse ideal. Sem culpa, sem
medo, com o propósito de fazer o melhor.
O projeto de família é algo a ser construído, com consciência, com sacrifício, com maturidade –
não se trata de um romance com final feliz, como esses que se viam no cinema de antigamente. É
preciso que ambos os parceiros estejam comprometidos com esse projeto, é preciso que haja
amor como combustível suficiente para assegurar a longevidade do relacionamento, é preciso
que haja afinidade sexual e identidade de ideais na vida.
Por mais que isso contrarie desejos e teorias pessoais de muitos, a meta é essa. A prova está na
insatisfação e confusão generalizadas que o desregramento sexual produziu em nosso mundo.
Não vamos achar uma solução para tantas neuroses e angústias e até crimes e suicídios, se não
aprendermos a disciplinar nossa energia sexual e a elevar nossos sentimentos.
O argumento mais forte em defesa da família, monogâmica e douradoura, é o olhar da criança:
que criança não se sente segura e satisfeita com uma relação saudável e estável dos pais? Qual
criança não se vê afetada pelas separações, novos relacionamentos, rompimento de laços? Não se
trata de sermos contrários ao divórcio, em alguns casos necessário, mas não podemos deixar de
ter um espírito crítico em relação à descartabilidade dos relacionamentos e mesmo dos
casamentos de hoje. Sabe-se também que as gerações das últimas décadas já foram criadas num
parâmetro de pais separados, múltiplos relacionamentos do pai de um lado, da mãe do outro; ou
uma substituição estável por um padrasto ou madrasta. Isso evidentemente quebrou as
referências de famílias unidas à moda tradicional. Mas sempre é possível consertar, remendar,
buscar maior estabilidade e responsabilidade nas relações, mesmo quando houve tentativas mal
sucedidas. E há reformulações de famílias, que conseguem criar estabilidade, oferecendo bem-
estar às crianças.
Devemos também ampliar nossa concepção de sexualidade. Além das suas manifestações físicas,
existe uma energia sexual, um impulso criador, que é do Espírito. Rebaixada e aviltada, essa
energia é vampirizada por Espíritos desencarnados, que usufruem de nossas manifestações
doentias, para satisfazerem seus instintos. Por isso, muitas vezes, os desvarios sexuais são
potencializados além dos desejos naturais, pois são incitados por entidades vampirizadoras, a que
os encarnados se entregam, por incúria e invigilância.
Ao invés, a energia sexual, quando sublimada, pode ser empregada na feitura de obras sociais,
artísticas e humanitárias. Tanto é verdade que essa força não se canaliza apenas no
relacionamento sexual, que até grupos terroristas exigem, às vezes, abstinência temporária, para
a execução de seus planos criminosos. O homem e a mulher que dominam a si mesmos são mais
fortes em todos os sentidos. Imagine-se essa força aplicada no bem!
Ela deve, pois, ser impulsionada sobretudo para o ideal familiar. É necessário e útil que homem e
mulher aprendam a dirigir seus desejos, sem negá-los e abafá-los hipocritamente, mas elevando-
os a um ideal mais nobre. Desde a adolescência, cada um deve ser senhor de sua própria
sexualidade, para orientá-la nesse sentido e não para iniciar a carreira de sensações e
“experiências”, que acabam por relaxar todas as forças de sua alma e enredá-la em longas tramas
obsessivas.

O NAMORO

Se o adolescente estiver compenetrado desse ideal de família e estiver a par de suas


responsabilidades perante as Leis da vida, sua atitude diante do namoro não será de leviandade,
não será o do “ficante”, mas poderemos recuperar quem sabe, o namoro no sentido mais
responsável do termo. É verdade que, nesse período, começam a brotar, mais fortemente, nossos
impulsos sexuais e, com eles, podem surgir os desequilíbrios que trazemos do passado. Mas tem
de haver algum critério, pelo qual cada um possa dirigir sua conduta. É claro que, entre a
imperfeição humana e o ideal a ser atingido, existe uma infinita gama de variações. Apesar de
nossos conflitos, é preciso pelo menos nos empenharmos na busca do que é saudável e nobre.
A moral espírita não é dogmática em suas recomendações, porque reconhece no ser humano a
necessidade de liberdade de ação para a aprendizagem evolutiva. Isso é tanto mais válido no que
se refere à vida afetiva e sexual de cada um. Eis um setor onde cada Espírito tem inteira
jurisdição de si mesmo e ninguém pode ou deve fazer imposições. Mas dentro do princípio
monogâmico, que é um princípio claramente expresso na Doutrina Espírita, poderíamos tirar
algumas orientações gerais de conduta.
Que cada um reflita por si mesmo sobre sua validade e as aplique em sua vida, na medida de sua
adesão e capacidade moral.
• O ideal de formar uma família deveria estar por trás de qualquer relacionamento. Se um
indivíduo tem um namoro, um caso, uma relação qualquer, sem que este objetivo o esteja
orientando, já está partindo do pressuposto de que será algo passageiro e sua postura não é
responsável, nem diante de si mesmo, nem diante do parceiro. A premissa de que o namoro é
coisa sem importância é que deveria ser evitada. Nada que envolva o sentimento das pessoas
pode ser considerado banal. Aquele que entra num relacionamento com essa mentalidade está
brincando com o outro ser humano, que pode ficar seriamente envolvido. Espíritos responsáveis
não brincam com os sentimentos sagrados da vida e encaram seus próprios atos com gravidade e
reflexão.
Pode-se alegar que ninguém vai começar um namoro já pensando em casamento e que
justamente os namoros servem para conhecer o outro, para observarmos se de fato temos
afinidade real para a constituição de uma família. Esta alegação é verdadeira, mas é preciso
esclarecê-la. O namoro pode ser uma forma de compromisso mais leve, mas deveria ter alguma
dose de comprometimento, pois todo envolvimento afetivo pode implicar em lesão de
sentimentos do outro e de nós mesmos, principalmente se for acompanhado de relação sexual,
como o é hoje, na maioria das vezes. É evidente, diante disso, que o atual “ficar” é também
problemático, porque implica no puro e simples prazer físico de uma troca de carícias, sem o
mínimo compromisso. Trata-se de um barateamento do carinho, que só deveria ser praticado em
ralacionamentos mais sérios.
• Quanto mais cedo o adolescente comece a namorar, maior a possibilidade de enganos e
decepções. Acha-se, hoje em dia, que quanto maior o número de relacionamentos, mais
experiente é o indivíduo. É justamente o contrário. Não há necessidade de ensaios para aprender:
já temos vastíssima experiência em centenas de encarnações. O que devemos buscar agora é
equilíbrio e responsabilidade e não apenas sensação e experimentação. Quanto mais o
adolescente esperar o momento certo e a pessoa certa, mais facilmente alcançará uma vida
afetiva saudável e equilibrada e mais simples se tornará a realização de uma família. Entretanto,
tudo isso não pode ser algo imposto autoritariamente pelos pais, mas vivenciado voluntariamente
pelo jovem, que teve a oportunidade de observar alguma referência positiva em seu meio.
• É premente a necessidade de outros objetivos na vida que não apenas o de um relacionamento.
Há milhões de criaturas na Terra que centralizam todas as suas forças e capacidades na busca de
satisfação nesse setor. A excessiva concentração no assunto, a fixação mental num só objetivo é
prejudicial à lucidez do Espírito. Nosso objetivo maior na Terra é evoluir e, dentro dessa meta,
temos várias tarefas a realizar – achar um companheiro ou uma companheira é algo que todos
desejam e uma de nossas tarefas existenciais pode ser a formação da família. Mas nosso ideal
deveria ser mais abrangente, deveria se elevar e se alargar o máximo possível. Durante a
adolescência e a mocidade é que esses ideais se solidificam e será muito mais fácil para alguém
preservar seu potencial afetivo para a criatura certa, à sua espera em algum ponto do destino, se
estiver trabalhando e se desenvolvendo em outros ideais. Muita gente estuda, trabalha, adquire
uma profissão, pratica uma religião, mas tudo de forma mecânica, pois a sua preocupação central
é entregar-se às sensações do sexo ou à busca desesperada de satisfação afetiva. Ao invés, quem
se dedicar ao desenvolvimento do próprio Espírito, cultivando a inteligência e a prática do bem,
terá maior facilidade de controlar seus impulsos – não dispersando energias inutilmente – e de
encontrar um parceiro num nível mais profundo de afinidade.
• A vida sexual não pode ser o ponto central de uma relação. A afinidade espiritual, a amizade, a
admiração mútua, a troca de intensas vibrações afetivas, a identidade de ideais e objetivos na
vida – entre os quais o de ter filhos e educá-los – o amor fiel e equilibrado, são estes os fatores
preponderantes de um relacionamento estável. A manifestação física do sexo é uma
consequência. Tanto que, com o avançar dos anos, o desejo carnal pode esmaecer, mas o amor
pode continuar mais vivo do que nunca. É, pois, importante que sempre se dedique tempo e
atenção para cuidar desses fatores. Não basta os corpos se juntarem, é preciso que as almas se
amem e se entendam. Porque o amor verdadeiro é de Espírito para Espírito. As manifestações da
carne são transitórias e instáveis, mas o amor é eterno.
Jovens e adolescentes! Pensem que desde o primeiro desabrochar de sonhos românticos, desde os
primeiros anseios de satisfação sexual e afetiva, podem estar junto de vocês, invisíveis e atentos,
os Espíritos destinados a nascer como seus filhos! Não decepcionem suas esperanças, não traiam
compromissos assumidos no plano espiritual! Eles esperam que vocês se conduzam com
dignidade e responsabilidade diante do sexo, que se unam à alma que lhes está destinada a ser
mãe ou pai. Procurem estar em sintonia mental com eles, os Espíritos dos seus futuros filhos,
para prepararem dignamente a família que os deverá receber. Procurem a inspiração dos
Espíritos do bem, buscando forças para vencer os arrastamentos das paixões e dos discursos
sofísticos, que justificam todos os desregramentos com bonitas palavras! A luta é difícil –
sabemos todos! Os impulsos sexuais muitas vezes nos torturam, nos atormentam! E mais que de
sexo, temos sede de companhia, de compreensão, de carinho! Então, queremos nos atirar às
conquistas, queremos forçar o destino, pensando encontrar aqui e ali a realização de nosso anseio
mais profundo! Olhamos todos os prováveis parceiros com um interesse exagerado! Pensamos
encontrar satisfação em vários relacionamentos! Busquemos, porém, o autocontrole e o
equilíbrio. Não se trata de repressão e negação de nossos instintos naturais. Através da prece, do
estudo, do trabalho, podemos sempre elevar nossos sentimentos e encontrar a lucidez para
enxergar para onde de fato deve nos levar o nosso destino espiritual! O desejo sincero de acertar
e de evoluir já é um primeiro passo! Se as fraquezas e as hesitações próprias do ser humano já
nos fizeram cair em armadilhas, já nos deixaram um gosto amargo, tenhamos coragem para nos
levantar, encarando tais experiências como aprendizados. Mas avancemos! Afinal, está nas mãos
de todos nós a realização de um mundo melhor. E nesse mundo regenerado e mais feliz, a família
deve ser o esteio das nossas emoções sublimadas. E para que a família brilhe em sua missão de
educar os Espíritos, é preciso que canalizemos a força do sexo para a sua construção e que
elevemos o nosso amor à altura dessa tarefa!

O ABORTO

Se há pais que falham na Educação dos filhos, acarretando problemas conscienciais para si
mesmos, têm eles ainda o mérito de tê-los deixado nascer. Desde o Antigo Testamento, enfatiza-
se o respeito aos pais, pois a dádiva da vida é inestimável. A oportunidade de encarnarmos na
Terra, para evoluir, deve ser valorizada em toda a sua grandeza. E aqueles que nos permitem a
realização dessa vinda ao mundo fazem um ato meritório e tornam-se dignos de nossa gratidão.
Mas o contrário também é verdadeiro. Impedir a vinda de um Espírito ao mundo, cortando-lhe a
vida no útero materno, altar sagrado da reencarnação, é falta grave diante das Leis Divinas. O
Espiritismo trabalha com a ideia de que o Espírito se liga à matéria desde o momento da
concepção e que a reencarnação de uma alma não ocorre ao sabor do acaso, pois requer sempre a
colaboração de Espíritos Benfeitores, dedicados a esse tipo de tarefa. Por isso, por mais
imprevista, casual, indesejável, que nos pareça uma gravidez, ela estará sempre dentro dos
desígnios divinos e não deve ser interrompida. As pesquisas existentes sobre o psiquismo fetal,
as lembranças que pessoas em estado de transe revelam, de episódios e falas de pais e parentes,
quando elas estavam no ventre materno, evidenciam o acerto de Kardec no século XIX, quando
aceitou a ideia transmitida pelos Espíritos, da presença de uma alma pensante durante todo o
processo de gestação. Filmagens pelo ultrassom, que mostram o feto se contorcendo e repelindo
os objetos abortivos, agarrando-se à vida desesperadamente, também são evidências de uma
inteligência ativa e sensível, que está se defendendo da morte. E no entanto, estima-se que em
torno de 50 milhões de abortos são realizados anualmente em todo o mundo!
Bom e desejável seria que todas as crianças viessem ao mundo com um preparo conveniente.
Que à sua espera estivesse uma família bem estruturada, em condições de educá-la. Condições,
aliás, mais morais do que financeiras. Isso só será possível no dia em que todos tiverem os
cuidados acima descritos para a construção de uma família e não se entregarem a
relacionamentos precoces ou fortuitos, instáveis ou levianos. Mas como estamos em permanente
processo de aprendizagem evolutiva, mesmo se não agimos de maneira responsável, na hora de
termos um relacionamento, a Providência pode enviar filhos justamente para nos despertar o
senso de responsabilidade.
Quando surge, pois, o fruto não planejado de um relacionamento, quem sabe se essa criança não
está vindo para chamar os pais a assumir uma atitude mais responsável diante da vida? E se não
houver condições financeiras adequadas, a criança não será justamente um motivo de luta para o
trabalho e o desenvolvimento do pai, da mãe ou de ambos? Quem sabe se não se trata de alguém
muito querido e que venha com a missão de elevá-los?
Mesmo se um dos responsáveis abandona o seu dever e se nega a assumir a criança – o outro,
embora com maiores sacrifícios, deve assumir sozinho. Pois é sempre melhor a renúncia e o
dever cumprido do que a morte de um nascituro! Na prática do dever, aliás, o ser humano pode
sempre esperar o concurso do Alto. Pior para aquele que recua ante a responsabilidade, melhor
para aquele que a cumpre a qualquer custo.
Um dos argumentos muito usados a favor do aborto é o direito da mulher ao próprio corpo. Eis
um sofisma perverso. Pois, na gravidez, trata-se de outro corpo, de outra vida, de outro Espírito.
E se não dispomos nem do direito de dar fim à nossa própria vida, pois o suicídio é violência que
o indivíduo comete contra si mesmo e contra o fluxo da vida, que se dirá do ato de pôr termo a
uma vida que está sob a nossa responsabilidade e que não tem nenhum meio de defesa?
Outro argumento bastante invocado é o financeiro. Segundo muitos, a miséria justificaria o
aborto. Outro sofisma. Primeiro, porque o aborto não deve ser usado como controle de
natalidade, sobretudo quando temos à nossa disposição diversas maneiras de evitar filhos.
Segundo, porque a miséria é um problema social, que deve ser resolvido pela reestruturação mais
justa da sociedade e não se evitando que os Espíritos reencarnem na Terra, para continuarem sua
jornada evolutiva. Aliás, a necessidade e o desejo de reencarnar são tão grandes, que muitos
Espíritos, não encontrando receptividade entre as famílias ricas, que planejam avaramente o
número de filhos, vão procurar abrigo entre os pobres. Muitas vezes também, o Espírito escolhe,
com vistas ao seu aprendizado, a prova de voltar nos meios onde reina miséria, para valorizar o
bom uso dos recursos materiais ou para fortificar-se na luta pela existência. Com isso, não
estamos justificando a injustiça social, que deve ser combatida de todas as formas. E a
reencarnação jamais pode ser invocada como justificativa das desigualdades do mundo. Mas é
fato que a pobreza é uma das possibilidades ainda disponíveis em nosso planeta, para
determinadas experiências educativas.
Ainda existem aqueles que propõem o aborto no caso de previsão de uma criança com defeito
físico ou mental. Então também teríamos o direito de matar crianças já nascidas, ou adultos, com
problemas físicos e mentais! Então teríamos o direito da eugenia! Quem quer que compreenda as
causas espirituais que estão por trás desses efeitos materiais, quem quer que saiba da
imortalidade do Espírito e da transitoriedade de uma existência de sofrimento e limitação jamais
adotará o procedimento de impedir a vinda de um Espírito à Terra, nas condições em que,
muitas vezes, ele mesmo escolheu renascer.
Os motivos que se escondem por trás de tais propostas não são de forma alguma humanitários.
Dizem que são atos de piedade, para evitar a miséria e o sofrimento – quando na verdade se trata
de egoísmo: somos todos responsáveis pela condição social injusta em que vivem milhões de
irmãos nossos. Cabe-nos resolver essa situação e não impedi-los que se multipliquem, como se
fossem ratos e não seres humanos, que têm o poder e o direito de decidirem por si mesmos. E
quanto às crianças excepcionais, realmente seria mais fácil matá-las antes de nascer, para não
termos de nos ocupar delas, nos sacrificarmos em prol de seu desenvolvimento e de seus
cuidados. As intenções criminosas, por mais que se disfarcem de humanitárias, sempre são filhas
do egoísmo, do interesse pessoal mesquinho.
Em dois casos específicos, o aborto era permitido por lei no Brasil: quando a mãe corre risco de
vida e quando da eventualidade de um estupro. Mais recentemente, admitiu-se também para o
caso de feto anencéfalo. Em O Livro dos Espíritos, discute-se a primeira circunstância e diz-se
que, de fato, é melhor preservar a vida já formada da mãe, sacrificando a criança em formação.
Mesmo em tal ocasião, é preciso refletir com cuidado e consultar muitas opiniões médicas, pois
há alguns casos em que o prognóstico é a morte da mãe; a mãe teima em ter o filho, o
prognóstico falha e mãe e filho sobrevivem. No estupro, parece-nos que nem todas as mulheres
teriam estrutura psicológica para criar um filho, fruto de uma violência dessa natureza. Um
preceito moral não pode estar acima das forças humanas. Mas então, ela poderia dá-lo para
adoção. Entretanto, se uma mulher se sentir suficientemente forte e abnegada para assumir um
filho nessas circunstâncias, decerto não lhe faltará auxílio do Alto. O terceiro caso provocou
imensas polêmicas nos últimos tempos, terminando com a sua aprovação. Há relatos de
sobrevida de até dois anos de bebês anencéfalos e deveríamos considerar até que ponto ali não há
um Espírito que precisa dessa experiência breve de contato com a matéria (mesmo que seja de
algumas horas), para se restabelecer de algum desequilíbrio e seguir adiante depois. De qualquer
maneira, é um ser humano que está ali e merece ser cuidado e amado.
O melhor portanto seria jamais pensar em aborto e procurar conscientizar as mulheres sobre a
sacralidade de seu ventre, onde se abriga uma alma que deseja renascer. Felizmente, há muitas,
que estão cônscias disso e fazem todos os sacrifícios para assumirem a maternidade e colhem os
frutos do bem-estar espiritual e do amor semeado.
Em relação à legalização do aborto, o assunto é delicado. Não consideramos que punir, prender
ou criminalizar a mulher que pratica o aborto seja o ideal. Mas também não consideramos que
punir, prender ou criminalizar os que usam drogas, os que roubam e até mesmo os que matam,
resolve os nossos problemas sociais. Porque todos esses atos requerem educação e não punição.
A sociedade se vinga ao punir e não educa. A cadeia piora o ser humano e não o reabilita para
viver na coletividade. Provoca ainda mais sua exclusão. Assim, todo o nosso sistema de justiça
teria de ser repensado e modificado profundamente. Então, não desejamos que mulheres que
abortam sejam presas! Aliás, na prática, isso não acontece no Brasil, mesmo sendo considerado
crime.
Invoca-se a necessidade de legalizar o aborto, para evitar os abortos realizados na
clandestinidade, em que muitas mulheres perdem a vida. Mas também simplesmente legalizar o
aborto é uma forma de incentivá-lo e tratá-lo como algo admissível e, ainda, favorecer a sua
exploração comercial. Sabemos que em países onde o aborto é liberado, aumentou e aumenta
sempre o número de abortos praticados e há clínicas que faturam milhões matando crianças no
ventre materno. É uma indústria de morte.
A melhor ideia seria pleitear projetos de lei que amparem a mãe que não deseja seu filho ou não
tem condições de recebê-lo. Como? Através de estímulos financeiros, de processos de adoção, de
orientação psicológica, encaminhamento a apoio espiritual… Mesmo os que defendem a sua
prática, reconhecem os inevitáveis traumas psíquicos e a agressão física ao corpo feminino que o
aborto representa. Então, é preciso prevenir, educar, conscientizar e não punir. Mas também não
nos parece que seja ético o Estado se eximir de proteger o direito à vida do nascituro, que deve
ser considerado pela Lei como um sujeito de direito. Há ali um novo ser humano, que deve ser
protegido, para não sucumbir indefeso. Como contemplar essa necessidade, sem criminalizar a
mulher que aborta, deveria ser objeto de discussão honesta da sociedade.
A discussão, porém, fica polarizada entre os fundamentalistas religiosos e os defensores do
Estado laico – como se pleitear pelo direito à proteção do nascituro fosse apenas uma questão
religiosa e não uma questão ética mais ampla. Além disso, a legalização pura e simples do
aborto, sem nenhuma outra consideração, está na cartilha do politicamente correto, que virou a
ditadura ideológica do século. Se está na cartilha, supostamente representa o pensamento
progressista e ninguém pode discordar. Quem não adere é condenado socialmente.
A defesa da vida deve ser praticada sem o fanatismo religioso, que julga e condena
inapelavelmente, mas com a ética e o bom senso necessários à dignidade do ser humano.
VII - Qualidades do Educador

Como já ficou estabelecido que a Educação não é um conjunto de conteúdos fechados ou lições
exteriores a serem transmitidas pelo educador para o educando, mas uma influência de Espírito
para Espírito, importa enfatizar as atitudes a serem cultivadas por pais e professores, se quiserem
ter de fato uma ação educativa. Os requisitos básicos, descritos nos capítulos anteriores – o amor
às crianças e aos jovens, o empenho na autoeducação e a intenção séria de formar uma família,
ou pelo menos assumir a sua paternidade ou maternidade – precisam ser acrescidos de outras
virtudes no relacionamento educador/educando.
Não se pense que, por assumirem uma responsabilidade mais específica no campo intelectual, os
professores estejam dispensados de cultivar as virtudes morais necessárias. O conhecimento
neutro não existe. Numa simples aula de Ciências ou de História, pode-se passar uma visão de
mundo, que tem claras consequências morais para os alunos. Além disso, mesmo nas relações
“estritamente profissionais” (às quais se quer às vezes reduzir a tarefa do educador e que
significa separação da vida pessoal da ação profissional) sempre transparece o exemplo humano.
Não podemos ter vida dupla, porque nossa verdadeira face sempre vem à tona e exerce influência
em qualquer meio que estejamos e ainda mais sobre mentes em formação.
Os pais, por sua vez, que são os maiores responsáveis pelo desenvolvimento moral dos filhos,
não devem considerar dispensável o seu engajamento também no progresso intelectual de seus
tutelados.
Assim, as características aqui comentadas, podem se aplicar a pais e professores e a qualquer um
que pretenda exercer uma função educativa.
• Autoridade moral. Não se impõe. Conquista-se pela vida reta, pela renúncia aos vícios morais
e até às futilidades. Muitos pensam que basta a abstenção da prática de crimes ou erros mais
graves, para se estar trilhando o caminho do bem. O Livro dos Espíritos propõe: não adianta
abster-se do mal, é preciso fazer todo o bem possível. E nessa atitude ativa, para a conquista de
uma personalidade integrada no bem, é preciso também abdicar das inutilidades, que dispersam o
Espírito do seu objetivo superior. Quem vive devotado a mil futilidades, em busca constante de
diversões – mesmo que, na aparência, inocentes – ainda não atingiu o ideal de seriedade
espiritual, que deve estar ligada à função educativa. Não se trata absolutamente de sisudez,
muitas vezes, forçada e hipócrita. Ninguém precisa, nem deve, cobrir-se de cinzas para evoluir.
A alegria saudável, a espontaneidade e a naturalidade são atributos do Espírito elevado. Trata-se,
sim, do desprendimento de certas ilusões, da busca de prazeres mais espirituais, que as
futilidades do mundo. Por exemplo, pais compenetrados de sua missão sentem mais prazer em
estar com os filhos em diversões saudáveis e familiares, do que manterem uma vida noturna
agitada, votada às sensações mais materiais, onde surgem, aliás, todas as oportunidades de
distração do caminho reto.
A autoridade moral não se obtém, pois, como muitos supõem, à base de gritos, punições e
autoritarismo, mas no lastro de uma vida devotada à família e a ideais nobres. Também não pode
ser fruto da aparência. Sem sinceridade de intenções, sem virtude real, a autoridade moral não
existe. Mesmo porque, ela não provém somente da observação do exemplo, mas de uma
emanação vibratória. Aquele que aparenta virtude, mas não a tem, não deixa de exalar uma aura
de vibrações negativas. Estampa seus vícios em sua atmosfera mental. E aquilo, que ele quer
esconder para os outros, pode ser facilmente sentido por qualquer um que tenha maior
sensibilidade – coisa que as crianças têm em abundância.
Não se pense, porém, que é preciso ter atingido a perfeição para se entrar na posse dessa
autoridade moral, senão não haveria ninguém apto a ser educador nesse mundo. O esforço
honesto é o que conta, com todas as nossas possíveis falhas. Integridade e sinceridade podem ser
alcançadas por qualquer um.
• Espiritualidade. Em sentido amplo, a espiritualidade é a conexão do ser humano consigo
mesmo, com o transcendente, com Deus, com o espiritual. Pode se manifestar em qualquer forma
religiosa ou não aparecer vestida de uma religião específica. Mas é a espiritualidade que dá
suporte nas horas difíceis, pois ela nos permite a prece, a elevação do pensamento acima das
circunstâncias terrenas. Ela empresta resiliência e confere sentido à existência. Qualquer forma
de espiritualidade, experimentada de forma saudável, sem fanatismo ou intolerância, pode trazer
benefícios ao indivíduo e é muito importante no ato de educar. O Espiritismo é uma forma de
espiritualidade que procura racionalizar a fé e elevar o sentimento religioso, despojando-o de
rituais e simbolismos. Isso não significa que basta se declarar espírita para se possuir uma
espiritualidade positiva e elevada.Há muitos espíritas, sem um verdadeiro sentimento religioso e
muitos adeptos de variadas religiões, legitimamente piedosos. Isso porque rótulos e adesões
verbais nada valem, se o indivíduo não experimentar uma conversão interna, um sentimento real
em relação àquilo que sua boca afirma e ao que sua mente compreende. E sem legítima
espiritualidade, a moralidade não fica necessariamente excluída, mas menos fortemente
ancorada.
Explica-se: se considerarmos que o egoísmo, o orgulho, a ambição, o interesse, o apego às coisas
materiais só podem se amenizar por uma compreensão e um sentimento do transcendente, do
infinito, da vida que se estende além dessa, então podemos concluir que a solidariedade, a
humildade, o desinteresse, o desapego aos bens da terra melhor se enraízam numa vivência do
espiritual, numa percepção de nossa imortalidade.
Outro aspecto da questão: o amor profundo, amplo, irrestrito por toda a humanidade, que é a
base da verdadeira moralidade – que nunca é repressiva ou hipócrita – é a tradução de um
sentimento de conexão com o todo, uma experiência do divino em nós e no outro, uma
manifestação do amor a Deus. Não foi à toa que Jesus colocou o amor a Deus sobre todas as
coisas como o primeiro e maior mandamento e logo em seguida referiu-se ao amor ao próximo.
A fraternidade deriva do sentimento de paternidade divina.
Assim, um educador é mais forte, mais elevado, mais profundo em seu agir, se cultiva uma
espiritualidade nesse sentido de conexão amorosa com o Universo, se partilha de um amor a
Deus, da reverência pelas Leis da Vida... O materialismo, ao invés, resseca a alma, aborta-lhe os
sentimentos mais sagrados, oprime as potencialidades divinas do ser, relegando-o à negação, ao
pessimismo e ao relativismo moral.
É verdade, porém, que há pensadores hoje, como André Comte-Sponville, que pregam uma
espiritualidade ateia. Mas esse autor, assim como outros, reconhece beber na fonte da civilização
cristã, os valores éticos que o animam. Então, até que ponto esses valores de que historicamente
não consegue se desvincular, não procedem de uma visão de mundo espiritual? É verdade
também que o Budismo se pretende um caminho espiritual sem Deus. Mas o Budismo está longe
de ser materialista. E a reverência ao próprio Buda tem muito da reverência a uma Divindade.
Além de toda a proposta ética budista, que é de desprendimento do egoísmo, dos bens materiais,
embebida que está na compaixão e no uso equilibrado das coisas.
Todos conhecemos pessoas que se afirmam ateias e não são necessariamente maus educadores,
mostrando algumas grandes ideais e elevado sentimento de fraternidade humana. Grande número
de ateus podem ser, sem dúvida, exemplos de Ética. Mas, assim como em Comte-Sponville, que
consegue identificar isso claramente em suas discussões filosóficas, até que ponto a Ética
praticada e adotada por essas pessoas não está arraigada na educação (religiosa) que receberam,
na civilização (altamente embebida de valores religiosos) de que fazem parte? As próprias
doutrinas materialistas, como o marxismo, por exemplo, guardam raízes religiosas, de
fraternidade e igualdade, de que não conseguiram se desfazer. Se filósofos que conceberam
críticas ferozes às religiões, ainda guardam ressonâncias delas, o que dizer de indivíduos que se
assumem antirreligiosos? Na maioria das vezes, não existe completa coerência nestes, que
adotam certas posições, mais por influência do meio, do que por real convicção; mais pelo
contexto histórico que por um impulso profundo do ser; mais por uma crítica radical e justa aos
abusos religiosos e às violências praticadas pelas instituições religiosas, do que por uma repulsa
ao espiritual. Há muitos que, no fundo, têm sentimentos de religiosidade, mas não gostam nem
de admitir para si mesmos. Prova disso é que não são poucos os materialistas que, na hora de
alguma dificuldade, lembram-se logo da oração e procuram algum apoio na religião.
Mas para se realizar uma obra educativa mais eficaz e consciente, a fé fundamentada, refletida e
sincera é de grande valia. A confiança na potencialidade infinita do desenvolvimento humano
desabrocha com muito mais coerência naquele que identifica a divindade intrínseca do homem. E
toda a força moral para vencer a si mesmo e caminhar para o bem, para elevar o pensamento
acima da mesquinharia terrena, o ser humano encontra no sentimento profundo de sua filiação
divina e no cultivo da meditação e da prece.
• Equilíbrio. Pode haver muita gente bem intencionada, de sentimentos nobres e que acaba
perdendo os frutos de suas boas intenções, por falta de equilíbrio íntimo. Equilíbrio é o domínio
das próprias emoções, e a serenidade com que se enfrenta qualquer situação. Não se trata, em
absoluto, de frieza, insensibilidade e indiferença. O homem equilibrado tem sentimentos
profundos, é sensível ao sofrimento alheio, chora e ri, é humano em toda a dimensão da palavra.
Mas não cai em desespero, não se desgoverna na cólera, não fala nem age intempestivamente,
tem o controle de sua língua e de suas ações.
Outro aspecto do equilíbrio, talvez mais difícil, é o desapego afetivo, que é amar profundamente,
sem escravizar o outro. Eis uma necessidade vital na Educação, para que o amor doado ao
educando não se transforme em prisão e opressão. Amar com desapego é aceitar a liberdade do
outro, é enfrentar com resignação a separação, se necessária, e não restringir o nosso afeto
apenas a uma pessoa, como se ninguém mais no mundo merecesse nosso amor. O amor
multiplicado, alargado, é sempre mais fácil de escapar do destempero.
Esse equilíbrio é produto de longo trabalho interno, que cada um deve fazer em si mesmo. É obra
do nosso esforço, secundado pelo tempo, que vai nos burilando sempre. Não pode ser um
simples abafamento, compulsório e impositivo, de nossas emoções. É preciso trabalhar com elas,
sublimando sentimentos e não fugindo deles.
Às vezes, são necessários processos terapêuticos para nos ajudar a sanar determinadas feridas da
alma, que podem, sem que percebamos, gerar desequilíbrios vários. Por exemplo, uma forte
carência, provocada por um abandono na infância ou em outra vida, desencadeia um apego
excessivo às pessoas que se ama, por medo de perdê-las. Num outro exemplo, um abuso ou uma
violência, por que se passou, pode abaixar nossa autoestima de modo a nos fazer arrogantes a
agressivos, numa tentativa de defesa constante.
Assim, todo educador deve estar consciente de que suas emoções, se não trabalhadas por si
mesmo e, se necessário, com ajuda psicológica, podem detonar atitudes negativas, prejudiciais ao
ato de educar. Há muita gente, inclusive, que está atuando na educação e não conseguiu superar
um estado de infantilização psíquica, por traumas vários, por baixa autoestima, e portanto, não
consegue a estabilidade emocional precisa para uma relação equilibrada com seus filhos ou
alunos.
• Lucidez espiritual. É uma consequência necessária da autoridade moral e do equilíbrio. Só
quem tem uma vida reta e um sentimento equilibrado consegue erguer o olhar acima das brumas
do mundo, além dos impedimentos da matéria, para enxergar os melhores caminhos a trilhar, as
soluções adequadas para os problemas mais imprevistos. Essa lucidez é essencial para lidarmos
com o próximo, sobretudo com os que estão sob a nossa responsabilidade. Com ela, conhecemos
de fato quem é o outro, sabemos analisar suas tendências, perceber seus impulsos e sentimentos,
para dar a orientação certa, no momento oportuno e da maneira adequada. Lúcidos, entrevemos
até mesmo seu passado espiritual – o que não significa conhecer fatos, nomes e datas, mas saber
quais as tendências marcantes do Espírito, o que ele já desenvolveu predominantemente e o de
que está mais necessitado agora para a sua evolução.
A lucidez espiritual provém igualmente da compreensão clara dos objetivos da existência e nos
dá uma bússola para guiarmos a nossa vida de acordo com aquilo que planejamos antes de nos
encarnarmos. O educador, que possui essa lucidez, ajuda o educando a encontrar o sentido de sua
presença no mundo. Tomemos um exemplo prático: se alguém se deixa levar por ambição de
dinheiro e essa ambição ocupa um lugar muito importante em sua vida, isso perturba a percepção
da tarefa que o traz ao mundo. Pode sentir o desejo e o ideal de realizá-la, mas o amor ao
dinheiro o desvia. Então, arranja desculpas para si mesmo, tentando justificar seu desvio. Se esse
indivíduo for orientar um filho ou um pupilo, certamente não terá capacidade de vislumbrar a
tarefa do outro nem sequer poderá ajudá-lo para que ele mesmo a descubra. Permeada com seus
melhores conselhos – se estiver em condições de dá-los – virá sempre a ganga da ambição
material, desvirtuando os melhores ideais. Não só porque a ambição lhe obscurecerá a visão,
como porque inconscientemente quererá induzir o outro ao mesmo fracasso espiritual que ele.
Eis uma constante no ser humano: para sentir alívio na consciência, quem está em erro deseja
sempre arrastar outros para o mesmo engano.
Aquele que tem em mente os objetivos maiores da vida, procura realizá-los em si mesmo, escapa
de suas paixões e consegue orientar o outro com mais segurança. Essa lucidez espiritual é assim
uma espécie de visão clara das coisas, uma sabedoria de vida.
• Capacidade de observação. Liga-se ao interesse pelo ser humano em geral e pelo próximo em
particular. É a capacidade de ouvir, de observar o comportamento alheio, de analisar as reações
humanas. Isso evidentemente pode ser também uma característica de pessoas maliciosas ou de
Espíritos dominadores. Os obsessores, por exemplo, são ótimos observadores das fraquezas
humanas. Conhecem perfeitamente as brechas por onde penetrar no pensamento alheio, sabem
como manipular sentimentos e emoções. A própria Psicologia, se praticada por pessoas sem
Ética, pode se tornar uma fonte de dominação, pois se aqueles que lidam com isso abusarem de
seus conhecimentos, poderão explorar e sujeitar personalidades desestruturadas e fracas. Porém,
o mau uso de uma faculdade apenas deve nos alertar para a necessidade de canalizá-la para o
bem, pois se tem tanto poder no mal, terá muito maior eficácia a serviço do amor.
A capacidade de observação deve ser empregada com tolerância, bondade e verdadeiro interesse
no bem do outro e não para satisfazer uma curiosidade maléfica ou para estabelecer qualquer
espécie de domínio sobre o observado. Aliás, o melhor antídoto contra esse domínio é sempre
levar em consideração que o outro tem a inteira jurisdição de seu mundo íntimo. O conhecimento
que o educador possa ter dessa intimidade deve ser tratado com o máximo respeito e com a justa
reverência pela liberdade do Espírito. Outro fator de diferenciação é que o observador mal
intencionado sempre procura fraquezas e defeitos, possibilidades de queda e desvio, ao passo que
o observador que educa, embora deva reconhecer os erros do educando, está sempre em busca da
sua melhor parte, para descobri-la e despertá-la. O mau observador se compraz em humilhar o
outro em seus erros, o educador se entristece com o erro, se alegra com o progresso e é em tudo
discreto e cuidadoso, caridoso e bom.
Essa capacidade de olhar o outro implica em saber identificar no educando desde os problemas
mais simples, orgânicos, familiares, dificuldades, talentos, quanto saber olhar além…
identificando possíveis tendências que traz do seu passado reencarnatório e possíveis influências
espirituais a que está ligado. Assim, o educador, se for bem preparado para isso e tiver um
cultivo equilibrado de suas percepções mediúnicas, poderá mesmo estender essa observação para
além do visível e do material, tendo o cuidado de não assumir tais apreensões como verdades
incontestáveis, submetendo-as sempre a outras pessoas. O perigo de um educador-guru, que use
de uma mediunidade sem critério para pontificar sobre seus educandos, deve ser evitado por uma
autocrítica constante e pelo intercâmbio com outros observadores, sejam eles, educadores,
psicólogos, familiares ou mesmo outros sensitivos.
• Humildade. Está inteiramente ligada à capacidade honesta de observação. Quem observa com
amor, respeita; orienta sem impor, admira-se com as riquezas espirituais do outro e não hesita em
reconhecer as suas próprias limitações. A maior prova de humildade do educador é quando,
munido de sua lucidez e exercitando sua observação, constata que o Espírito que está sob a sua
responsabilidade é mais evoluído que ele próprio. Só o princípio da reencarnação pode explicar
essa aparente anomalia: um filho pode ser mais adiantado espiritualmente do que os pais, um
aluno pode dar lições a seu mestre. Entretanto, mesmo se isso acontecer, o reconhecimento da
superioridade do educando não pode significar abandono da tarefa educativa, pois de uma forma
ou de outra, mesmo os bons precisam de apoio para continuar no bem, nem pode resvalar para a
idolatria–o que representaria gravíssimo perigo para a personalidade do educando.
Além disso, é preciso cuidado, porque às vezes, no afã de encontrar um filho ou um aluno que
lhe dê orgulho, o educador pode enxergar mal e enganar-se quanto à suposta superioridade do
Espírito diante dele. Assim, o melhor é a humildade, não só em relação a si mesmo, mas também
em relação aos educandos. A satisfação pelo progresso espiritual dos filhos e alunos é mais do
que justa. Mas o orgulho por eles também pode cegar. Enxergá-los como companheiros de
jornada evolutiva, sem instinto de posse, nem vontade de domínio, reconhecendo suas qualidades
e suas limitações é a posição mais equilibrada e humilde.
• Paciência. Eis uma virtude que todo educador deve necessariamente possuir. Paciência para
ensinar, para exemplificar, para repetir, para esperar a frutificação, para aguardar o ritmo e a
vontade livre de cada educando. O tirano impõe, ordena, obriga e obtém uma resposta imediata,
contra a vontade do outro, sem tê-lo convencido de nada. O chantagista consegue igualmente um
resultado imediato, porque usa do sentimento alheio, da manipulação, para obter o
consentimento numa ação. O educador, ao invés, semeia valores, exemplifica com a própria
ação, convida, alerta e espera… Nada força. Conquista a vontade do educando, pela razão e pelo
amor. Mas se não consegue conquistar essa vontade de imediato, respeita-a e espera sempre!
• Firmeza e energia. O educador não pode ter essa indolência de espírito, essa vontade apática,
que costuma deixar a pessoa ao sabor das circunstâncias e de outras vontades. Deve possuir uma
vontade firme, na execução de seus ideais pessoais e no cumprimento de sua tarefa de educador.
Essa vontade firme não significa em absoluto o desejo de submeter o outro, mas segurança
íntima e vigor, o que não exclui os traços da doçura e da humildade. É que diante de qualquer
empreendimento, humano ou divino, material ou espiritual, a vontade firme, a fé na vitória, a
persistência inquebrantável constituem condições indispensáveis para o êxito. A paciência e o
respeito pela liberdade do outro não significam que o educador deve tentar apenas e
displicentemente a realização de sua missão e desistir na primeira dificuldade e na primeira
resistência encontrada. Aliás, quem ama de fato jamais abandona o projeto de elevar o ser amado
e trabalha literalmente durante milênios, se for preciso, para despertá-lo para o bem. A paciência
verdadeira é firme e confiante e prossegue sempre nos propósitos da evolução.
Só com a vontade firme, o educador terá, em primeiro lugar, êxito no aperfeiçoamento de si
mesmo e depois, na contribuição que deve dar para o aperfeiçoamento do educando.
• Entusiasmo pelo saber. Não é necessário que o educador, nem mesmo especificamente o
professor, tenha um saber ilimitado, uma enorme bagagem acadêmica ou cultural. A intoxicação
de uma certa forma de pseudocultura, muito em voga no mundo, pode até mesmo prejudicar sua
tarefa. Indispensável é que manifeste entusiasmo por aprender, seja aberto ao progresso e esteja
em constante busca para enriquecer seu Espírito. Essa predisposição para aprender é o que
caracteriza a verdadeira inteligência. Quem se julga no topo do conhecimento e não pensa poder
aprender mais nada, estagnou a própria mente e não passa de um tolo, com pretensões a sábio.
A vontade de saber, a capacidade de perguntar, o impulso de pesquisar e descobrir é o que deve
afinar o educador com o educando, para que a busca da aprendizagem se faça em conjunto. A
criança tem naturalmente esse ímpeto, é preciso alimentá-lo com a nossa própria chama e não
apagá-lo com a nossa indiferença e a falsa postura de quem já sabe tudo.
Esse entusiasmo por aprender sempre e progredir sem cessar faz com que o educador cresça
junto com os educandos e nunca fique à margem, superado pela força evolutiva das novas
gerações. Assim, ele não perde contato com aqueles que educa, podendo sempre usufruir de sua
companhia, mantendo com eles a comunhão mental.
Todas essas qualidades acima descritas são muito necessárias, úteis e boas para a evolução
individual de cada um, atuemos ou não como educadores. Mas se estivermos investidos dessa
tarefa, aumenta a nossa necessidade de buscá-las, porque se falhamos moralmente apenas para
nós mesmos, teremos de acertar contas com o nosso futuro pessoal, mas se falharmos na missão
de educar, seremos pelo menos parcialmente responsáveis pelo fracasso de outros Espíritos.
Assim, o engajamento num projeto de ascensão, sem autorrepressão, sem hipocrisia, sem falsa
superioridade e moralismo de fachada, mas com autenticidade e reconhecimento de que estamos
a caminho, é o que garante que o educando nos acompanhe, seja atraído para a mesma via de
aperfeiçoamento que estamos trilhando. Se nos desleixarmos em relação ao nosso esforço de
evolução, perdemos a oportunidade de educarmos de fato e teremos de lamentar mais tarde.
VIII- O Professor
PROFISSÃO E VOCAÇÃO

Em algumas tribos indígenas brasileiras, aquele que melhor sabe cozinhar ensina essa prática às
crianças, o mais hábil pescador da tribo transmite os segredos da pesca às futuras gerações. O
pajé, a maior autoridade religiosa, passa importantes tradições históricas e espirituais aos
discípulos. No decorrer dos séculos, na própria história da civilização ocidental, a Educação foi
muitas vezes considerada um ramo sagrado de atuação. Sócrates e Platão ocuparam-se disto,
Rousseau foi preceptor, Pestalozzi era autor renomado de obras filosóficas e pedagógicas e
cuidou sozinho de crianças órfãs. Bach, com toda a sua genialidade, ensinava música à esposa,
aos filhos pequenos e aos alunos. Marie Curie, duas vezes prêmio Nobel, dava aulas de Física
num colégio de meninas. E o próprio Jesus não reunia as criancinhas em torno de si e lhes
contava parábolas?
Esses exemplos não são de pessoas que, por dificuldades financeiras, como alguns músicos e
artistas, tiveram que, muitas vezes a contragosto, dar aulas particulares, para aumentarem seus
rendimentos. Ao invés, são seres humanos de alto gabarito intelectual e moral, que consideraram
a ação educativa um dever, um desdobramento natural de seus talentos, como contribuição mais
eficaz para a evolução da humanidade.
Isso nos remete a uma reflexão do papel do professor em nossa sociedade. Dois fenômenos são
comuns no mundo atual:
• Pessoas que não têm uma vocação definida, que hesitam na hora da escolha da profissão,
acabam muitas vezes caindo no campo da Educação.
• Pessoas de destaque num ramo do conhecimento, que se dedicam com sucesso a uma área,
considerariam uma humilhação, um desperdício de tempo para suas mentes brilhantes,
ocuparem-se de algo tão prosaico quanto a Educação, principalmente a infantil. E o que é pior:
aqueles que se tornam teóricos acadêmicos da própria Pedagogia, na maioria das vezes, não
entraram jamais numa sala de aula. Raramente há aquela justaposição, que Maria Montessori
considerava indispensável: do educador-pesquisador. Aquele que produz o conhecimento não
entra na prática, quem está na prática não se interessa pelo conhecimento.
Resulta disso que, em muitos casos, os professores não são nem pessoas que têm a vocação
nítida para a Educação, nem pessoas que conhecem profundamente o assunto que ensinam e a
própria Pedagogia. Junte-se a isso o fato de atuarem num sistema de ensino massacrante, onde
devem obedecer a programas, horários e imposições, com pouca liberdade de ação – o que
desencoraja os mais idealistas – e acima de tudo a desvalorização social e econômica por eles
sofrida, sobretudo no Brasil, e chegaremos a algumas causas da calamidade da escola.
Se toda e qualquer escolha profissional deve ser feita após cuidadosa análise de nossas
tendências e aspirações, no caso da área pedagógica isso é ainda mais necessário. Para ingressar
numa carreira de magistério, não se deve apenas procurar um conhecimento técnico – coisa que
aliás na maioria das vezes é bastante deficiente – mas antes de tudo uma predisposição natural e
certas qualidades morais. Em qualquer ramo de atividade, são necessários talentos específicos e
pressupostos éticos. Mas em outras áreas, que não a Educação, a incapacidade intelectual, a ética
deficitária ou a incompetência profissional são mais fáceis de serem medidas e controladas, pois
as sequelas são imediatas e visíveis. No entanto, no campo da Educação, elas são mais tardias,
mas também muito graves. Em qualquer área, profissionais que não estejam comprometidos, em
constante atualização, demonstrando a cada instante o seu empenho, perdem a sua inserção no
mundo do trabalho.
Na Educação, porém, as consequências não podem ser analisadas tão objetivamente – é a
influência deixada na mente infantil ou juvenil. A avaliação disponível – as provas e os exames
tradicionais demonstram um conteúdo memorizado e não uma aprendizagem real e muito menos
as marcas emocionais. Mesmo nessa avaliação, tão precária e injusta, em caso de fracasso, a
responsabilidade geralmente é depositada no aluno e não no professor ou, no máximo, no
sistema. E ainda quando o limitado objetivo da instrução é alcançado, isso não significa
necessariamente um projeto educativo de fato levado a termo.
Em qualquer outro ramo de ação, há liberdade de escolha e possibilidade de desqualificação se o
profissional não corresponde às exigências da tarefa. O paciente procura o médico que mais lhe
inspire confiança; quem vai mover um processo ou precisa de defesa também escolhe o
advogado que melhor lhe pareça. Mesmo quem não paga por tais serviços e é obrigado a aceitar
o que o Estado lhe dá, pode sempre formar uma opinião a respeito do profissional e tentar
conseguir outro. Aquele que comete erros pode perder o nome, a licença, o emprego e não
conseguir mais trabalho.
Na Educação, não é assim: nem a criança, nem os pais têm liberdade de escolha, sua opinião não
é ouvida, sua reação não é sequer observada e o professor jamais fica desqualificado. Já se ouviu
falar de alguém que fracassou na profissão de professor? Aqueles que a abandonam é para
ganhar mais dinheiro em outra área. Mas quem quer que tenha o diploma necessário tem sempre
um emprego de professor. Cabe às crianças, aos adolescentes e aos jovens engolir aquele que
lhes for dado.
Assim, há inúmeros professores novos e antigos, sem a mínima didática, que nunca se atualizam,
que não têm nenhuma paciência ou prazer em se dedicar à Educação e que se revelassem
tamanha incapacidade em qualquer outra área, já teriam perdido o emprego. Mas, na Educação,
permanecerão atormentando a vida dos alunos, até a aposentadoria. Isso vale sobretudo para as
escolas públicas.
No caso das escolas particulares, onde tal cenário também existe, há uma inversão ainda pior:
quando o aluno se torna cliente, esvai-se a relação pedagógica e muitas vezes os pais (e os
próprios alunos) passam a considerar o professor um empregado subalterno. Como estão
comprando um produto, consideram que podem moldar a oferta pedagógica a gosto do cliente.
Pode-se perguntar pois, como uma pessoa continua a fazer o que não lhe agrada, ganhando tão
pouco e com tão pequena consideração social. Seria de se supor que tal situação deixasse no
magistério somente os apaixonados, os idealistas, que, mesmo à míngua de recompensas
materiais e reconhecimento, jamais abandonariam sua missão educativa. Há muitos educadores
desse quilate, não há dúvida. Todos conhecemos professores nobres e dedicados, que se
entregam de corpo e alma à sua vocação, mesmo à custa dos maiores sacrifícios. Mas há também
os que são de tal forma medíocres, que se não tivessem a garantia de um emprego numa escola,
não saberiam de onde tirar o ganha-pão. Ou seja, a desvalorização completa da Educação faz
com que sobrem alguns extremamente idealistas e os que não têm outra opção.
Isso tudo revela quão pouca importância a sociedade brasileira liga à Educação. A criança em
geral ocupa um lugar secundário. Melhorias na escola são discurso político raramente cumprido,
reivindicação quase nunca plenamente atendida e reformas que mais fazem mudanças de fachada
que investimento real e maciço na área.
Muita gente repete hoje tais constatações no Brasil, pois é algo muito evidente, entretanto, é
preciso tomar cuidado para não querermos nos espelhar em países onde a Educação é valorizada
apenas em sentido econômico – isso é, para formar pessoas aptas a competir no mercado de
trabalho; onde o respeito à individualidade da criança, a formação do espírito crítico e o
estímulo à autonomia estão fora da estrutura pedagógica. São países que conseguiram formar
gerações inteiras instruídas tecnicamente, mas como peças de produção do mercado, a serviço da
coletividade, sem nenhum favorecimento do desenvolvimento pessoal. Assim, valorizar a
Educação e, portanto, o professor é algo bem mais profundo do que criar um sistema autoritário e
coletivista de modelagem de seres humanos para o trabalho alienante do mundo capitalista.
Antes de nos estendermos com mais detalhes, em outros capítulos, sobre algumas propostas
práticas de como melhorar esse quadro, é preciso que, como no caso dos pais, partamos de
alguns pressupostos básicos, que devem constituir o perfil de um professor, que almeje o título
de educador. Evidentemente, todas as virtudes citadas nos capítulos anteriores permanecem
como requisitos indispensáveis.
• Paixão pela Educação. Se há uma profissão que transcende os contornos de uma profissão,
porque é também uma missão, um sacerdócio, só comparável à do medico – é a de professor. Se
qualquer profissional deve gostar do que faz, para fazer bem feito, para se realizar e ser útil à
sociedade, o professor deve ser um apaixonado pela Educação, deve ter a luz do ideal como força
e inspiração. A decisão de se dedicar à Educação não pode se dar por acaso, na falta de algo mais
interessante a fazer. Deve nascer de uma necessidade interna profunda, de um amor sincero à
infância e à juventude e do desejo de contribuir para a melhoria do gênero humano.
Pessoas apáticas, indiferentes, que não sabem bem do que gostam, jamais deveriam trilhar esse
caminho. Já que se trata de uma tarefa espinhosa, difícil, que para alcançar resultados humanos
satisfatórios são necessários muito devotamento e atenção, o entusiasmo e o idealismo ardente
deverão fazer parte da alma do educador.
• Interesse por questões fundamentais da existência. A Educação é uma prática, porém ligada
às mais importantes questões filosóficas. Tudo o que foi discutido na primeira parte deste livro: o
que é a natureza humana, sua estrutura psicológica, sua forma de desenvolvimento, a finalidade
do ser humano e da Educação etc. são problemas que devem preocupar o educador. Uma pessoa
que não considera tais questões vitais para si mesma, não pode interessar-se por elas, na prática
educativa. E sem esse interesse, é impossível ser um educador plenamente consciente de sua
ação. Quem é o homem a ser educado, qual o objetivo dessa educação, qual a melhor forma de
atuar sobre ele são coisas que o educador deve ter bem claro para si mesmo, senão sua ação será
incoerente, incerta, ineficaz e até mesmo prejudicial.
• Capacidade de comunicação. Resume-se a duas atitudes fundamentais: a de saber ouvir e a de
saber se exprimir. É verdade que a palavra, não enraizada no exemplo, perde todo o seu valor.
Mas ela tem papel fundamental na Educação. Por isso, deve ser usada com reflexão. O educador
deve ter o dom da clareza e deve saber se fazer entender, pois sem isso não há possibilidade de
qualquer diálogo entre educador e educando. O saber se exprimir também decorre do saber
pensar. O pensamento lógico, baseado numa coerência de filosofia de vida, resulta naturalmente
numa expressão clara. Não adianta o brilho das palavras, sem a articulação da lógica e a
densidade do conteúdo.
FORMAÇÃO PEDAGÓGICA

Levando em consideração essas qualidades acima mencionadas, é justo se perguntar até que
ponto elas são predisposições naturais e até que ponto podem ser aprendidas e aperfeiçoadas, na
preparação dos futuros educadores. Digamos, então, que devem existir as tendências iniciais: a
vontade de ser educador, o interesse pelas questões ligadas à Educação e a facilidade de
comunicação, além das qualidades morais citadas anteriormente. Mas a solidez do educador pode
e deve ser construída numa formação adequada. Na falta ou na precariedade de um curso de
Pedagogia (um bom curso de Pedagogia exigiria justamente a presença de educadores como os
acima descritos, que contagiassem os jovens candidatos à carreira, com seu entusiasmo e seu
amor), o indivíduo sempre poderá cultivar a si mesmo, procurando fazer por si o que seus
mestres não puderam ou não quiseram fazer por ele.
Assim, dois pontos devem ser buscados, na formação do educador:
• Boa formação filosófica. O que acontece hoje, na maior parte das Faculdades, não só de
Pedagogia, é que o aluno é bombardeado por diversas correntes ideológicas (muitas vezes não
assumidas), de forma superficial, incompleta e confusa. Muitos dos professores universitários
não têm a desejável coerência. Não se estimula entre nós o pensamento autônomo, crítico, mas
apenas a repetição reverente e, muitas vezes, mal compreendida, de autores consagrados. Há, por
exemplo, os de tendência marxista, os piagetianos, os os freudianos, os lacanianos, os
espiritualistas mistos, esotéricos, católicos, os sociologistas da infância, os propositores de uma
neuroeducação… Se indagados até as últimas consequências, muitos não serão capazes de expor
com coerência a doutrina ou linha de que se fazem representantes. Revelarão ideias esparsas,
conceitos prontos e não serão capazes de manter uma discussão até as últimas consequências.
Ora, esses professores universitários passarão suas ideias fragmentárias a uma juventude sem
preparo filosófico, que mal aprendeu a pensar. O estudante se vê então num mar de ideias
contraditórias, esparsas e ecléticas. Como poderá formar uma visão clara e coerente, para depois
atuar consequentemente na realidade?
Há também algumas teorias, mais recentes, no quadro do pós-moderno, que são
propositadamente irracionais e confusas, pois pertencem a uma proposta de desqualifiquação da
própria racionalidade. Um texto, para muitos, para ser rico, precisa ser obscuro, ambíguo,
contraditório. A precisão e a simplicidade são vistas como limitação, pobreza e superficialidade.
Discursos sem nexo ganharam cidadania acadêmica no mundo inteiro. Pode-se colocar isso à
prova, escrevendo-se para os professores mais extremados desse obscurantismo, um texto
absolutamente sem nexo, juntando-se os jargões de algum autor, sem nenhuma ordem lógica,
jogando-se frases aleatórias. Já observamos experiências assim – os próprios alunos, para
salvarem a pele e a nota muitas vezes fazem isso. O resultado são notas altas e até comentários e
reflexões sobre o trabalho escrito. Ou seja, há muita gente falando sem entender do que está
falando, apenas para se mostrar inteligente e complicada!
Assim, a primeira dica para se analisar o eixo de um autor, de um livro, de um texto, é passá-lo
pelo crivo do nexo: se for algo muito confuso, sem uma linha de raciocínio, com termos muito
difíceis e obscuros, alguma coisa de errada há com o autor e não com o leitor. Ou o autor não
sabe se exprimir e nesse caso não deveria adotar o ofício de pensador, ou não tem o que dizer e
então deveria se abster de charlatanismo intelectual ou ainda quer exibir erudição, numa
complexidade inacessível, num ensaio de poder. A função básica de um texto é a de se
comunicar com os leitores. Há textos antigos, que apesar das questões que levantam ao primeiro
contato e da profundidade de conteúdo, são perfeitamente inteligíveis, mesmo séculos depois.
Por que alguém razoavelmente inteligente, suficientemente alfabetizado, não poderá entender um
autor contemporâneo, falando sobre um tema que lhe interessa e com que tem familiaridade?
Apesar de haver muitos leitores deficitários, não podemos menosprezar assim a inteligência
humana, exaltando pseudo-sábios, que se arvoram em doutrinadores de filosofias vazias!
Segundo, desde que o autor consiga comunicar algo com inteligibilidade, é preciso indagar quais
os pressupostos básicos que o orientam. Por exemplo, é justo perguntar: Para esse autor, o que é
o ser humano? É um ser biológico? É um ser social? É um ser espiritual? Em que sentido? Qual a
finalidade que ele vê na vida? E na Educação? Seu discurso se fundamenta mais na política e na
economia? Ou revela preocupações psicológicas? Qual a sua concepção de moral? Ele não se
preocupa com esse tema? Tem dele uma definição clara ou apenas sugere algo a respeito? Trata-
se de um autor que valoriza o indivíduo ou se preocupa mais com a sociedade, com o coletivo?
Quais as consequências lógicas de seus pressupostos? Quais as perspectivas que podemos
esperar para a humanidade, se aplicadas as suas propostas?
É preciso penetrar o pensamento de cada autor e seria bom e necessário que o estudante saísse de
uma faculdade com uma ideia clara das principais correntes filosóficas e pedagógicas, com todas
as consequências práticas, a que elas necessariamente conduzem. Saber quais são as correntes
assumidamente materialistas, quais os autores do passado e do presente, que aceitam alguma
forma de espiritualidade, quais as que não se pronunciam sobre isso, mas deixam margem a esta
ou aquela interpretação... Qual a ênfase dada por cada uma aos aspectos social, político,
econômico, cultural, moral, espiritual, afetivo, cognitivo etc. Com uma percepção precisa das
diversas correntes, poderá formar a sua própria visão de mundo, com coerência e fundamento.
• Formação com abertura interdisciplinar. Assim como se avaliam os alunos pela quantidade
de conteúdo decorado, há a tendência de se avaliar o professor pela carga de informações de que
dispõe, para transmitir aos alunos. Entretanto, o professor não precisa ser um arquivo ambulante.
Dados, datas, fatos, fórmulas e teorias podem ser arquivados em livros e hoje estão disponíveis
na rede, com documentos, filmes, imagens, simulações. Aliás, a amplitude de conteúdo de todas
as áreas de conhecimento cresceu tanto, nos últimos tempos, que a maioria dos cérebros
humanos não é capaz de abarcá-la. A armazenagem eletrônica da informação deve justamente
dar ao homem mais liberdade e mais tempo, para usar o conhecimento de forma criativa, para
refletir com maior profundidade sobre o que sabe, para fazer com que os diversos campos de
pesquisa interajam e dialoguem, para garantirmos uma visão integral e coerente do mundo. A
tendência cada vez mais forte e necessária do conhecimento é a globalização e a
interdisciplinaridade. Assim, o professor deve ganhar uma nova dimensão: não mais o de
transmissor limitado de um conteúdo específico, mas o de um orientador de projetos, propositor
de pesquisas, estimulador de debates críticos.
A melhor formação de área não é, pois, a excessiva especialização, mas a visão de conjunto de
seu campo e a possibilidade de diálogo com outros setores. É a flexibilidade de raciocínio e a
criatividade aplicadas à descoberta e à pesquisa e a capacidade de traduzir o conhecimento na
prática.
Expliquemos isso mais detidamente: para ensinar alguma Ciência, o mais importante não é que
se tenha na memória todas as equações e fórmulas, mas que se compreendam os conceitos
envolvidos e que se possua o espírito daquela Ciência. Por exemplo, o que é essencial na
Matemática? Para que ela serve? Trata-se de uma linguagem para interpretar a realidade, uma
forma de compreender e explicar um fenômeno. Assim, o matemático deve estar impregnado
desse entendimento e o principal a passar para seus alunos é o raciocínio matemático, a
capacidade de interpretar matematicamente fenômenos reais e não um conjunto de equações
abstratas.
Em qualquer Ciência, o essencial não é a observação dos fenômenos e a formulação de teorias,
que possam explicá-los? Então, para ensinar Física ou Biologia, o importante é que o professor
esteja embebido desse interesse real pelos fenômenos físicos ou biológicos, que tenha esse
espírito de pesquisa e observação.
A História, muito longe de ser um conjunto morto de fatos e datas, é uma forma de compreensão
do homem. Assim, o historiador deve estar imbuído dessa visão interativa entre passado e
presente, entre causas e efeitos políticos, sociais, econômicos e religiosos, vivamente
entusiasmado com seu objeto central: o ser humano.
A Arte, por sua vez, é a capacidade de exprimir um sentimento estético. Além de conhecer
técnicas, o professor tem de viver a Arte dentro de si, fazer desabrochar sua capacidade criativa,
no sentido da beleza e da harmonia, para com ela contagiar seus alunos.
Assim, o professor de Ciências, deve ser antes de tudo cientista; o professor de Artes, artista; o
conhecedor de qualquer área, não mero transmissor de um conhecimento que não lhe diz
respeito, mas de algo que ele mesmo vive e experimenta.
Seria bom romper esse abismo existente entre o profissional e o professor de uma determinada
área. Pode-se alcançar isso de duas maneiras: por um lado, despertando a consciência de
cientistas, artistas, jornalistas, escritores, para também atuarem na Educação; por outro, tornando
os professores mais atuantes em suas áreas de formação específica. Os primeiros, quando
realmente capazes, como os citados no começo deste capítulo, sabem traduzir de maneira simples
os princípios de sua especialidade, à infância e aos iniciantes. Os segundos devem receber uma
formação, não apenas teórica mas igualmente prática de suas áreas, permanecendo depois em
contato com o progresso do conhecimento.
Mais do que isso, um professor deveria receber uma formação de como aplicar projetos
interdisciplinares, como orientar pesquisas, como motivar o interesse dos alunos pelo
conhecimento.
Um exemplo adiante de seu tempo nesse sentido é a figura de Rivail, que exerceu
brilhantemente sua tarefa de educador, antes de se dedicar ao Espiritismo, sob o pseudônimo de
Allan Kardec. Seus conhecimentos de Gramática, História, Matemática, Química, Anatomia e
outras Ciências vinham de suas pesquisas e estudos pessoais nessas áreas. E no entanto, ele não
se dedicava especificamente a nenhum desses campos e sim à Educação. Mas tão legítimo era
seu espírito científico, que ele pôde aplicá-lo mais tarde à pesquisa dos fenômenos mediúnicos,
que deu origem ao Espiritismo.

O PROFESSOR ESPÍRITA

Todas as qualidades até agora estudadas, desde os capítulos anteriores, e que devem constituir os
predicados de um verdadeiro educador, podem ser encontradas tanto numa pessoa espírita,
quanto numa não espírita. Então, o que de específico teria um professor, adepto do Espiritismo?
Pode ele de fato contribuir com algo diferente dos outros?
Para quem está acompanhando a linha de argumentação desta obra, parecerá evidente que a visão
até agora esboçada é primordialmente dada pelo Espiritismo e, portanto, os espíritas seriam os
mais indicados para aceitá-la e praticá-la. Isso, naturalmente, considerando-se um espírita que
compreenda de fato o Espiritismo como uma filosofia racional, embasada na ciência, com uma
espiritualidade aberta e não como uma religião sectária. Um espírita que priorize o aspecto
pedagógico que Kardec imprimiu a essa filosofia. Um espírita que mantenha o espírito disposto
ao diálogo, atualizado, com uma visão pluralista, universal e não de catequese dogmática.
Também devemos levar em conta que o pressuposto básico de uma Educação inspirada pelo
Espiritismo é a reencarnação. E no Brasil, embora se declare espírita apenas cerca de 3% da
população, em torno de metade dos brasileiros afirma aceitar a reencarnação. Ou seja, as
consequências pedagógicas, teóricas e práticas que se depreendem de tal pressuposto, de que
esse livro é apenas um ensaio, podem em tese ser aceitas e postas em ação por qualquer pessoa
reencarnacionista.
Aprofundando, porém, um pouco mais a questão, diremos que o professor espírita é aquele que
tem essa coerência filosófica a que nos referimos acima, dada pela cosmovisão espírita. Essa
coerência é um novo paradigma de abordagem da realidade, que estabelece um diálogo entre as
pesquisas científicas, a articulação filosófica e a prática ética e espiritual do indivíduo. Sabe,
portanto, retirar o que há de contribuição proveitosa de outras doutrinas filosóficas, de outras
experiências pedagógicas; sabe aproximar-se de outras correntes espirituais com empatia e
respeito; sabe transitar pelo mundo da cultura contemporânea, atualizando-se – mas sempre
dentro do eixo espírita, sem perder a sua identidade. A identidade espírita se caracteriza por uma
posição espiritualista, sem misticismo; uma militância transformadora da sociedade, sem
violência; uma proposta científica, sem o reducionismo materialista; uma busca da verdade pela
razão, sem o dogmatismo das escolas filosóficas. Assim, é impossível que um espírita seja
simultaneamente materialista ou niilista. Mas também é contraditório que um espírita seja um
místico, um adepto de superstições e de ritualismos ultrapassados.
O professor espírita, portanto, é aquele que tem muito claro diante de si o horizonte filosófico e
moral que o Espiritismo descerra e embebe sua vivência humana e sua prática educativa nessa
fonte, sem querer impor essa sua visão a ninguém.
O que deve caracterizar a proposta de uma Educação espírita é justamente o que até agora
nenhuma Educação proporcionou: a de que os alunos conheçam todas as teorias, todas as
posições, todas as vertentes que pesquisem, falem ou proponham algo em torno de um dado tema
e que possam discuti-las livremente. Então, a visão espírita também será trazida à tona em meio
às outras. Autonomia de pensamento e convicção só se obtém por meio do exame livre das ideias
e da discussão aberta e racional sobre elas.
Não seria isso então fazer cair a Educação num relativismo? Não poderá o professor espírita
assumir suas convicções? Deve ele omitir sua visão de mundo? A questão é sutil, mas bastante
pertinente. Se houver uma discussão e uma pesquisa aprofundada sobre os temas, de forma
interdisciplinar e referendada por fontes confiáveis (que são naturalmente as que derivam de
pesquisas e não de achismos), então o professor poderá colocar sem receio a sua posição, como
uma posição possível, mas não como verdade absoluta ou como dogma de fé. Se houver tal
seriedade e comprometimento, não haverá o perigo de relativismo, porque ficará claro ao
educando que estamos em processo de desenvolvimento do que sabemos sobre nós mesmos e
sobre o mundo. Que se não há respostas fechadas e acabadas, há respostas bastante satisfatórias e
suficientemente verdadeiras para o atual momento histórico, mas que serão ainda provisórias.
Essa visão de progresso permanente e possibilidade de questionamento sempre é a essência do
próprio Espiritismo e que hoje faz parte de toda a visão de mundo contemporânea, inclusive da
própria Ciência. Isso não deve nos colocar num patamar de ceticismo, mas de abertura, onde as
verdades possíveis que já possuímos possam ser aprendidas sem dogmatismo. O professor
espírita terá essa dimensão nem cética, nem absoluta do conhecimento, e deixará sempre uma
abertura – que atualmente a Ciência oficial (chamada de mainstream em inglês) não permite: a
de atingirmos pela pesquisa uma dimensão espiritual da realidade e dos seres. Essa possibilidade
é dada ao professor espírita abrir em sala de aula.
IX – Grandes Educadores

Mais inspirador do que qualquer teoria é o exemplo existencial. Assim, para abarcarmos melhor
a definição de educador, temos de recorrer àqueles que nos deram um elevado exemplo nesse
sentido. No decorrer de nossas diversas existências, certamente teremos tido contato com pessoas
– pais, mães, tutores, mestres – que nos foram educadores devotados e amorosos. Seres humanos
desconhecidos da História que, entretanto, influenciaram nossas e outras almas. Há tantos desses
Espíritos iluminados e bons, que passam no mundo anonimamente, irradiando amor e benefícios
à sua volta, contagiando com o bem todos os que se lhes aproximam! Enquanto há muitos outros,
que adquirem fama e prestígio, por algum talento ou genialidade, que brilham acima das massas,
mas cujos perfis do ponto de vista moral deixam muito a desejar. Isso porque, em nosso planeta,
o que consideramos genialidade é, às vezes, apenas uma inteligência um tanto acima da média
terrestre, mas bem pequena diante da grandeza do universo. Aliás, como já vimos, um certo
avanço intelectual, sempre relativo, não implica necessariamente em estatura moral.
Ao tratarmos, pois, de alguns modelos edificantes para a humanidade, que se tornaram
conhecidos, devemos nos lembrar sempre daqueles que trabalharam pela evolução do mundo,
mas cujo nome não nos chegou pelos anais da História.

AS MÃES

Entre esses benfeitores anônimos, pensemos sobretudo nas mães. Desde que o mundo é mundo,
o coração da mulher tem contribuído para o progresso da humanidade. Mas pelo predomínio dos
homens, na História da civilização, a figura feminina nem sempre recebeu as homenagens e o
reconhecimento devidos. Não dizemos com isso que a missão paternal não seja importante e que
a mãe deva ocupar o lugar predominante na Educação dos filhos. A partilha das
responsabilidades deve orientar a função educativa na família. Nem afirmamos que todas as
mães sejam modelos de maternidade e solicitude, pois o fracasso nessa função é muito comum e
evidente em todas as épocas. Mas o fato de que até recentemente na História os homens
exerceram um poder tirânico sobre a mulher, vedando-lhe a participação no mundo externo, fez
com que a maioria dos homens se desvairassem muito mais em abusos de poder do que os
Espíritos que têm reencarnado mais vezes no sexo feminino. É verdade que a mulher pode
dominar pela perfídia, pela intriga, pela sensualidade e quando isso se dá, a dominação é tão ou
mais problemática do que o poder da força bruta.
Por outro lado, a tese mais comum no Espiritismo e que as pesquisas com memórias espontâneas
ou provocadas de outras vidas confirmam, é a de que podemos reencarnar ora como homem, ora
como mulher, para desenvolvermos nosso Espírito de maneira integral, amealhando experiências
de ambos os sexos. É uma lei da vida. Mas também observamos que os Espíritos em nosso
estágio de evolução costumam reencarnar longamente num mesmo sexo, possivelmente para
repetir experiências e fixar determinados traços psicológicos, que numa só existência não seria
possível adquirir. Assim, vários casos em que se conhecem múltiplas encarnações de um
Espírito, a preponderância de um sexo é constante. Isso também pode representar uma certa
repugnância da própria alma em voltar no sexo oposto – o que implica num preconceito, e os
Espíritos ainda não esclarecidos têm preconceitos. Mas há também aqueles, que mudaram
algumas vezes no decorrer dos últimos séculos. Importante acrescentar que essa mudança não
resulta necessariamente em tendência homossexual, embora essa possa ser uma de suas causas.
Se um Espírito muda de sexo e envereda por esse caminho é que inconscientemente talvez não
tenha aceitado a mudança. Trata-se de uma forma de fixação na encarnação anterior, mas não
uma consequência inevitável da troca de sexo. As pesquisas de Ian Stevenson com crianças que
têm memória espontânea de vidas passadas confirmam essa visão. Uma pequena porcentagem
teve mudança de sexo de uma encarnação para outra; nesse contingente, há alguns que
apresentam características psicológicas do sexo oposto desde a primeira infância. Mas dentre
esses, apenas uma parte desenvolve-se no sentido de uma orientação homossexual; a maioria se
fixa no gênero presente, quando consegue superar as lembranças do passado e se desliga
psiquicamente da personalidade anterior.
Diante desses argumentos, podemos dizer que muitas mulheres foram diversas vezes mulheres
em nosso mundo e tendo vivido constantemente em situação pior que a dos homens,
desenvolveram, muitas delas, uma capacidade de sublimação e renúncia, ausente na maioria dos
caracteres predominantemente masculinos. Com isso, não estamos justificando a opressão. Muito
pelo contrário, devemos combater incansavelmente toda forma de domínio. Mas é um processo
natural que os que mais sofrem, mais evoluem, e os que exercem um poder ilegítimo e violento,
mais se endividam e se comprometem no mal. Existem Espíritos femininos endurecidos, mas são
em menor escala do que Espíritos que foram homens. Nas sessões de desobsessão, por exemplo,
vemos uma predominância de Espíritos masculinos se comunicando.
Além desse provável fator histórico – o de que provavelmente a mulher em muitas ocasiões
tenha se desenvolvido mais moralmente do que o homem, ainda temos de considerar a ligação
especial que existe entre a mãe e o filho. Homem e mulher participam biológica e
espiritualmente na concepção do corpo carnal, que deve servir de morada para o Espírito que
volta à Terra. Mas a mulher o carrega no ventre, e ao fazer isso não abriga somente o corpo físico
em desenvolvimento. Durante a gravidez, como que está em simbiose fluídica e mental, com a
alma reencarnante. Ao nascer, não é apenas seu corpo físico que vem à luz, mas seu Espírito, já
encarnado em novo corpo.
Por causa dessa comunhão íntima de corpo e espírito, entre mãe e filho, estabelece-se um vínculo
natural e forte, que ultrapassa todos os outros tipos de ligação afetiva ou biológica na espécie
humana. Nessa base natural, pode se erguer um amor ilimitado e salvador. Nas mulheres de
sentimentos ainda atrasados, esse amor é feroz e possessivo, desequilibrado e rude. Num Espírito
endurecido, o impulso maternal pode até ser negado. Mas quanto mais o Espírito evolui, mais
depura o amor materno e quando atinge o seu grau mais sublime, esse amor pode de fato redimir.
E no seu plano mais alto, o amor maternal não é dirigido exclusivamente aos Espíritos que já
foram filhos de certa alma. Ela o estende a toda a humanidade.
A mulher, quando exercita a maternidade, está realizando o poder criador, o poder da vida, que é
herança de Deus. Se ela puder elevar seu sentimento à altura desse dom, seu poder de
regeneração é muito grande. Por isso, todo Espírito deverá também renascer mulher, pois essa é
uma experiência e uma aprendizagem que não pode ser feita num corpo masculino, pelo menos
em nosso planeta – não sabemos como se dá em outros mundos.
Da maioria das mães nada sabemos, pois passaram no mundo colaborando em silêncio na obra
divina, mas temos notícias das mães de alguns homens que, por sua vez, exerceram missões
importantes para a humanidade. Teriam cumprido plenamente seu papel, se não tivessem
encontrado o apoio materno?
Sócrates, o maior filósofo de todos os tempos e precursor do Cristianismo, dizia ter aprendido
com sua mãe o ofício de parteiro. Só que sua mãe era parteira literalmente e ele praticava um
parto espiritual: ajudava as pessoas a conceberem ideias mais justas a respeito da vida.
Agostinho tem belíssimas passagens sobre a relação com sua mãe Mônica, em seu célebre livro,
As Confissões, mostrando a sua influência na conversão ao Cristianismo.
Francisco de Assis, Espírito delicado e cheio de luz, recebeu ao que parece o apoio de sua mãe,
para lançar-se ao caminho da missão que o trouxe à Terra. Isso sem falar na colaboração de outro
Espírito feminino em sua tarefa, a doce Clara.
Pestalozzi, órfão de pai desde muito cedo, deveu sua Educação a duas mulheres corajosas, sua
mãe e sua governanta, Babeli, que marcaram fortemente sua existência.
Também Kardec tinha certamente grande ligação com sua mãe: ela mesma o foi levar a Iverdon,
para estudar com Pestalozzi, que se refere a Mme. Rivail em sua correspondência. Mais tarde,
quando já entregue ao trabalho espírita, Kardec confessa em Obras Póstumas, que sonhava
frequentemente com a mãe lhe dando conselhos.
Padre Flanagan, o grande educador irlandês, que atuou nos Estados Unidos, dizia que a sua
maior inspiração, em prática pedagógica, tinha sido a de sua própria mãe.
Gandhi, o Espírito mais evoluído do século XX, tinha estreito vínculo com a mãe, cuja
ascendência moral– mesmo à distância – o ajudou muito, durante a sua estadia na Inglaterra, em
contato com as tentações ocidentais.
Junto ao próprio Jesus, Espírito sublime que pisou no planeta, vemos a figura suave e iluminada
de Maria. Teria ele, Espírito perfeito, encontrado condições vibratórias para se submeter ao
sacrifício de vir habitar num corpo de carne, se não tivesse afinidade com a mãe, se ela não
estivesse à sua altura? As intuições que Maria teve antes de seu nascimento, a oração que
pronunciou em presença da prima Isabel e toda a preparação que antecedeu a vinda do Mestre,
demonstram o quanto ela (ao lado de José) estava consciente do plano divino. Com o passar dos
séculos, o vulto de Maria foi transcendendo a de simples coadjuvante na vida de Jesus, para
alcançar o título de mãe da humanidade. Hoje, sabemos, por informações espirituais confiáveis,
como as da médium Yvonne A. Pereira, em seu livro Memórias de um Suicida, que isso não se
deve meramente a um fanatismo religioso, porque de fato Maria, Espírito angelical, cuja
elevação mal podemos conceber, dirige extensa falange de socorro aos seres humanos,
principalmente às vítimas do suicídio, colaborando ativamente na redenção da humanidade. Sua
emanação espiritual regenera muitas almas, porque seu amor maternal toca as fibras dos
Espíritos mais endurecidos que, em algum momento de sua vida, sempre tiveram uma mãe que
os aconchegasse e cuja lembrança ilumina novamente seus corações. Para uma humanidade
ainda tão sofredora e conturbada, um Espírito maternal dessa envergadura é um estímulo à
recuperação de muitos, pelo atavismo que o homem guarda em relação aos cuidados maternos e
pela amorosa influência vibratória, que a mãe de Jesus expande de si.

EDUCADORES EXEMPLARES

Além das mães, não pretendemos aqui destacar aqueles que apenas contribuíram teoricamente
para a Pedagogia. Nem sempre, podem esses ser citados como modelos de educadores. Interessa-
nos a vivência, acompanhada ou não de boas teorias. Também não é nosso propósito biografar
aqui as figuras citadas, cuja história pode ser melhor apreciada em diversas obras especialmente
dedicadas a contar suas vidas e a analisar suas ideias. Vamos apenas tentar apreender a
mensagem pedagógica de seus exemplos.

• Sócrates (470 - 399 a. C.). Sócrates foi o pai da Ética ocidental, sábio virtuosíssimo.
Contrariamente à maioria dos filósofos de todos os tempos, não foi apenas um teórico de ideias.
Não apenas procurava uma conceituação racional das virtudes; vivia-as. Como Jesus, nada
escreveu. E pagou com a vida a elevação moral de suas ideias, tão em oposição à sociedade
corrompida de sua época, tão em contradição com a costumeira corrupção das sociedades
terrenas de todos os tempos.
O que nos interessa aqui, entretanto, é apreender a sua proposta de mestre, pois nele o ato
filosófico de busca da verdade coincide com o ato pedagógico de despertar da consciência.
Sócrates pertenceu a um período da história grega em que os sofistas estavam em voga. Os
sofistas eram professores pagos, e muito bem pagos, pelas elites de então, que ensinavam
principalmente a dialética – que poderíamos definir como o “saber falar”. Na democracia grega,
a oratória exercia papel importantíssimo para a conquista de liderança política. Ora, os sofistas
não acreditavam que houvesse algo a ser ensinado sobre Moral, Política ou Ciência. Para eles, a
Filosofia se resumia a um jogo de palavras, onde a defesa de qualquer posição era válida, desde
que atendesse aos interesses do orador. Era um ensino para a demagogia. Todos os conceitos
morais eram para eles relativos e não lhes interessava melhorar o comportamento humano ou
buscar valores que pudessem orientar a vida do homem.
Sócrates, tendo aprendido com os próprios sofistas o poder da dialética – do discurso, da palavra,
do diálogo – vai lhe dar, porém, uma orientação oposta. Primeiro, ensinava gratuitamente, nas
praças e nas ruas, a aristocratas e a escravos, a cidadãos atenienses e a estrangeiros. Segundo, seu
método consistia sobretudo na maiêutica – uma espécie de parto espiritual – através do qual ele
pretendia extrair de seus discípulos a verdade moral, escondida dentro de cada um. Ele começava
pela dúvida, demolindo com perguntas certeiras tudo o que seus interlocutores pensavam saber.
Quando convencidos da própria ignorância – ponto de partida para a verdadeira aprendizagem –
Sócrates se propunha a ajudá-los no parto da verdade. Essa atitude pedagógica é sempre válida,
porque pressupõe vários princípios:
1) Sócrates tinha grande autoridade moral, por sua vida exemplar de homem de bem e por não
explorar comercialmente a Educação, como faziam seus colegas sofistas, que só ensinavam a
quem podia pagar um alto preço.
2) Revelava, com seu método, uma confiança fundamental no ser humano, sabendo-o depositário
de verdades morais na alma. Com isso, indicava que todos trazemos a marca divina em nós.
3) Acreditava que aprender é recordar, também por causa da preexistência da alma. Extrair do
discípulo o que ele sabe, mas esqueceu, é um parto do passado espiritual da criatura.
4) Sabia que existem valores morais eternos, permanentes, que não são relativos, porque
pertencem à consciência humana.
5) Valorizava a razão bem orientada para a busca da verdade e do bem.
6) Mostrava que todo processo pedagógico nasce da interação humana, através do diálogo,
exercendo o mestre a função de parteiro da luz espiritual do discípulo.
Como todos os grandes educadores, a influência moral e filosófica de Sócrates ultrapassou a
mera ação pedagógica sobre seus discípulos de então. Sua figura transcendeu os séculos. Sua
atitude serena diante da morte e sua certeza da imortalidade da alma e da necessidade do
aperfeiçoamento moral e intelectual do Espírito para atingir a divindade, podem até hoje nos
inspirar e nos comover, mostrando o quanto as ações pelo bem e pela verdade são atemporais e
fortes, belas e profundas.

• Comenius (1592-1670). Jan Amos Comenius (ou Komensky), educador, líder religioso checo
(da fraternidade dos hussitas, discípulos de Jan Huss), filósofo e sábio universal; muito antes de
Rousseau, foi o iniciador da Pedagogia moderna. Educação para todos, homens e mulheres,
pobres e ricos, normais ou deficientes; abolição de castigos; escola humanista e ativa;
aprendizagem global e estimulante, partindo do interesse e da observação – todas essas são
ideias, pela primeira vez, formuladas e teorizadas por Comenius, cuja difusão foi ampla e
fecunda em muitos países, sobretudo nos de formação protestante.
Foi autor de variadas obras, sobre diferentes assuntos, inclusive algumas obras primas de
Pedagogia, como a Didactica Magna e a Pampædia. Foi o primeiro a conceber e editar um livro
didático para crianças, o Orbis Sensualium Pictus, livro interdisciplinar, ilustrado, inter-religioso
e multiligue.
Comenius era um humanista e um universalista, que não só se interessava por todas as áreas do
conhecimento, como queria elaborar uma pansofia – uma sabedoria do todo. Achava que o
conhecimento, para ter pleno sentido e ajudar o homem, deveria integrar a filosofia racional, a
ciência empírica e a moral religiosa. (Nem é preciso dizer da coincidência de sua ideia com o
Espiritismo, de quem pode por isso mesmo ser considerado um precursor.) Seus estudos foram
de ordem teológica, social, política, científica... Dialogou com os homens mais ilustres do seu
tempo, como Bacon e Descartes e publicou obras em várias línguas. Todo esse conhecimento o
levava necessariamente para a Pedagogia, entrelaçando todas as áreas, para orientar o homem,
desde criança, no cumprimento de seu destino de perfeição moral e intelectual. Ele próprio,
porém, não se limitou a teorizar, mas trabalhou como professor de crianças e jovens e, acima de
tudo, sua vida inteira foi uma exemplificação inigualável de Cristianismo e de integridade
intelectual. Tendo sofrido toda espécie de perseguição política e religiosa, todos os revezes da
fortuna e da desgraça, perdendo bens materiais e entes queridos em guerras e epidemias,
experimentando todas as formas de dificuldades físicas e morais, comportou-se sempre com
estoicismo e dignidade, dando testemunho de fé inquebrantável e de irrestrita fidelidade a Jesus.
Sua proposta pedagógica dirige-se sobretudo à razão humana, convocando-a a assumir uma
atitude de pesquisa diante do universo e de visão integrada das coisas. Pretendia que o homem
deve ser educado com vistas à eternidade, pois, sendo Espírito imortal, sua educação deveria
transcender a mera realização terrena, para procurar a sabedoria e a virtude que o aproximassem
de Deus. Mas ao lado dessa bela formulação teórica, Comenius dedicou-se à práxis, elaborando
obras didáticas, inventando métodos de ensino e esboçando a escola do futuro.

• Bach (1685 - 1750). Johann Sabastian Bach é aclamado mundialmente como um dos maiores
gênios musicais da História. Já sabemos, porém, o quanto os gênios podem estar distantes de
uma exemplificação moral edificante. Entre aqueles que se dedicam às Artes, são bastante
comuns os desajustes, as vidas devastadas por paixões e conflitos, que tantas vezes terminam em
tragédias. Bach, além de sua excepcionalidade musical, é uma exceção também no plano moral.
Homem profundamente religioso, sincero seguidor de Jesus, revelou-se sempre dedicado à
família, ao lado da esposa Barbara e, depois de viúvo, da segunda esposa Ana Magdalena.
Mais do que apenas um homem caseiro – o que poderia ser categorizado por alguns espíritos
cáusticos como uma tendência pequeno-burguesa – Bach, pai de numerosos filhos e professor de
vários pupilos, era um pedagogo de mão cheia. Era capaz de simplificar a sua musicalidade
complexa, para ensinar e contagiar a todos com seus dons. Seus filhos aprenderam música com
ele e se tornaram todos grandes musicistas. Para o desenvolvimento musical de Ana Magdalena,
ele elaborou um delicado, e depois tornado célebre, livrinho de composições fáceis. A seus
alunos, ele também dedicava tempo e obras. Eis um mérito inapreciável num mundo em que os
gênios consideram desprestígio ocupar-se da educação de uma criança e se sentem humilhados
se não podem ter uma vida de brilho externo, procurando sempre sensações e aventuras, louros e
admiração, ao invés de realizações morais. Ter um conhecimento profundo e excepcional numa
área e saber descer até a criança e o iniciante, interessando-se pelo seu progresso, é o que
caracteriza um Espírito elevado, na prática da Educação. E saber unir o talento com a disciplina
dos instintos e a busca do bem é o que faz um artista ou um sábio equilibrado e com verdadeiros
méritos diante das Leis Divinas.

• Pestalozzi (1746 - 1827). Johann Heinrich Pestalozzi, educador suíço, não foi apenas o mestre
de Kardec e necessariamente precursor da Doutrina Espírita. Sua obra e sua ação pedagógicas
são uma das melhores inspirações para qualquer educador sincero e desejoso de bem cumprir sua
tarefa. Autor de livros filosóficos, literários, políticos, sociais – sua obra completa, em alemão,
conta 40 volumes – sua preocupação fundamental era sempre a Educação do ser humano, na
acepção plena da palavra. Mas como todos os Espíritos elevados, a serviço do bem da
humanidade, não se limitou a escrever e a teorizar. Foi um fundador de escolas, um apaixonado
educador de crianças pobres e ricas, de órfãos e de filhos da elite europeia; de outros educadores,
discípulos seus, e de filósofos e homens e mulheres eminentes, que seguiram seu exemplo e suas
doutrinas.
Ideias como educação integral, que ele resumia em educação da cabeça, das mãos e do coração;
educação ativa, em que a criança aprende observando e fazendo e não apenas escutando;
necessidade de se acompanhar o ritmo da criança no seu desenvolvimento; educação para a
autonomia, em que o diálogo e a iniciativa individual exercem papéis fundamentais – essas e
outras propostas teóricas e práticas foram amplamente discutidas em suas obras e
experimentadas em suas escolas, principalmente no famoso Instituto de Iverdon. Pestalozzi é um
universo, em que podemos mergulhar durante anos, sem nunca abranger toda a extensão de seu
pensamento.
Seu mérito principal foi o de afirmar e analisar a base afetiva da Educação, de forma mais
explícita e consequente que outros pedagogos. Pestalozzi era, ele próprio, um homem
extremamente amoroso e dedicado ao próximo, cheio de energia e benevolência. Basta só citar
que certa vez, durante alguns meses, na aldeia de Stans, ele cuidou sozinho de 80 crianças órfãs,
vítimas da guerra e da miséria, muitas delas já delinquentes juvenis, e conseguiu recuperá-las.
Ele teorizou e demonstrou que a partir do elo afetivo que se cria entre educador e educando,
baseado evidentemente na dedicação sincera e integral daquele, é que se desenvolve um processo
pedagógico eficaz, em que ambos crescem espiritualmente.
Pestalozzi não foi apenas um educador de crianças, mas um pedagogo universal. Suas lições de
Política e Moralidade, de Sociologia aplicada e Ciência pedagógica, para reis e filósofos, artistas
e sábios de seu tempo, continuam válidas e interessantes. O leitor que se aventurar a descobrir
suas obras poderá verificar por si mesmo que, após o contato com o seu pensamento e sua vida,
terá se edificado e transformado.

• Kardec (1804-1869). Allan Kardec ou Hippolyte Léon Denizard Rivail, o fundador do


Espiritismo, antes de se dedicar à sua elaboração, exerceu na França, durante 30 anos, a missão
de educador. Discípulo de Pestalozzi, começou por aplicar o método do mestre, mas desde o
princípio revelou ideias próprias e uma personalidade segura. Seus primeiros textos pedagógicos
mostram o quanto estava integrado em sua tarefa, refletindo sobre o papel do educador e
propondo soluções aplicáveis para a melhoria do ensino em seu país.
Kardec, como já foi dito em capítulo anterior, tinha amplo conhecimento em várias áreas,
embrenhando-se com facilidade pela Ciência e pela Filosofia, fazendo parte de numerosas
associações científicas. Mas aplicava toda a sua cultura geral e suas especializações acadêmicas
na instrução de crianças e jovens, seja em sua própria casa, seja nos institutos de ensino, que
fundou ou em que atuou, ou ainda em numerosos livros didáticos, publicados ininterruptamente
nesses anos de dedicação ao magistério.
Alguns críticos, que desprezam a Educação, querem, com esse dado, reduzir Kardec a um
“obscuro professor”. Ao estudarmos, porém, sua atuação como educador – pouco conhecida, por
sua modéstia e discrição e ofuscada pela fama adquirida depois no campo espírita – vemos que
Rivail era um sábio distinto e laureado, mas que preferia, por convicção e ideal, dedicar seus
talentos à obra educativa. Isso é incompreensível para alguns, que logo se apressam a ver nessa
opção a decorrência de uma suposta mediocridade. Ele mesmo, aliás, comenta, em seus textos, o
quanto os preconceitos de algumas pretensas sumidades consideram indigno de um sábio a
função de educador. Embebido, porém, dos ideais pestalozzianos, Rivail assumiu com dignidade,
competência e autoridade moral a tarefa de educar as crianças e os jovens de seu tempo, para se
tornarem seres humanos dignos como ele. (Diga-se de passagem que, tendo sido druida em
recuada encarnação, como ele mesmo conta– e, dessa vida, vem o nome de Allan Kardec – ele
estaria então repetindo a tarefa educativa, pois os sacerdotes celtas não eram apenas os zeladores
da fé de seus antepassados, mas também os educadores da juventude e os líderes políticos
daquela sociedade. Se também, como dizem alguns, é verdade que ele teria sido Jan Huss, o
grande reformador, morto na fogueira, no século XV, então lá exerceu da mesma forma a tarefa
educacional, porque foi reitor da Universidade de Praga, fundada por Carlos IV. Como se vê, o
talento para ser educador, assim como outros talentos, não se improvisa em apenas uma vida.
Durante várias existências, a alma se prepara para cumprir uma grande missão.)
Sabe-se que Rivail e a esposa, Amélie, também distinta intelectual e sua colaboradora nos
institutos que fundou, não tiveram filhos (provavelmente, porque Amélie, 9 anos mais velha, já
tinha 37 anos quando desposou Rivail, o que na época era idade bastante avançada para se ter o
primeiro filho). Isso, porém, não impediu que a obra educativa do casal atingisse filhos alheios e,
mais tarde, toda a humanidade, com a fundação do Espiritismo.
Tanto no exercício do magistério, como na execução de sua missão mais ampla, a de elaborar a
Doutrina Espírita, Kardec revela o equilíbrio, a integridade, a força moral e a inteligência lúcida
de um Espírito muito elevado. Apesar da amplitude de seu conhecimento e de sua altura moral,
sabe ensinar, traduzindo os conceitos mais difíceis em linguagem simples, clara, objetiva, usando
uma lógica inapelável e, ao mesmo tempo, sabe evitar o personalismo e a exibição de si.
Raramente uma doutrina foi tão transparente e racional, coerente e bem encadeada como a
espírita e poucas vezes um homem eminente soube tão bem exaltar a verdade, apagando a si
mesmo e declarando-se sempre mero operário da obra, quando mereceu e merece, por todos os
motivos, o título de mestre.
Quem prefere a ambiguidade e a confusão – muitas vezes como forma de dominação ou como
caminho de anuviar a visão das responsabilidades morais – considera a objetividade de Kardec
como superficialismo. Outros, mesmo alguns que se dizem espíritas, o julgam ultrapassado. É
claro que podemos e devemos fazer uma leitura contextualizada de seus textos, porque os
espíritas, conforme recomendação do próprio Kardec, não devem considerar seus livros como
escritura sagrada, como revelação inquestionável, mas como construção conjunta de Espíritos
encarnados e de seres humanos desencarnados, todos sujeitos à relatividade de seus
conhecimentos e ao contexto cultural do momento em que esse conhecimento é produzido.
Importa-nos ver em Kardec o criador de um método seguro de intercâmbio com o mundo
espiritual e a constituição de uma nova maneira de construir o saber, integrando pesquisa,
revelação e razão. Mas quem quer que tenha sensibilidade moral e capacidade de compreensão
espiritual, sem tolas pretensões à pseudossapiência e examine detidamente suas obras espíritas e
os textos de mocidade de Rivail, logo percebe a luz de um mestre, que ensina com absoluta
segurança, que procura com acuidade, integridade e intuição as verdades possíveis e sabe
transmiti-las com absoluta fidelidade. O Espiritismo, fruto dessa busca, mas ainda e sempre em
construção e constituição, como queria o mestre, é uma grande obra de Pedagogia do Espírito e
deve contribuir para a educação da a humanidade para um futuro melhor.
• Eurípedes Barsanulfo (1880 - 1918). O Espiritismo tem apóstolos, como os teve o
Cristianismo e outras grandes ideias, e pode-se dizer que, até agora, esse foi um dos maiores.
Nascido em Minas Gerais, Sacramento, onde viveu até sua morte prematura, Eurípedes deixou
um rastro de luz em sua passagem pela Terra. Foi daqueles Espíritos que vêm ao mundo apenas
para se dedicar ao próximo e exemplificar o que seja uma vida verdadeiramente cristã. Não tinha
outro ideal, outra atividade, outro passatempo a não ser ajudar o semelhante. E o fazia,
restaurando-lhe a saúde, com receitas, remédios e cuidados, ministrados por ele próprio;
orientando sessões mediúnicas, curando obsessões e convertendo Espíritos endurecidos; e
educando crianças e jovens, no seu famoso Colégio Allan Kardec – uma das primeiras escolas
espíritas de que se tem notícia no mundo.
Não vamos descrever aqui todas as peripécias de sua vida, a sua mediunidade extraordinária, sua
ação social e espiritual, que se alastrou pelo Brasil afora. Para se ter uma ideia de sua evolução
moral, basta dizer que ele viu o próprio Espírito de Jesus, que veio consolá-lo, durante suas
preces matinais, numa época de perseguições e problemas graves.
Sua formação escolar, realizada em famosos colégios mineiros de seu tempo, não chegou a ser
coroada pela formação universitária. Mas Eurípedes era também autodidata e, além disso,
evidentemente trazia do passado grande bagagem cultural.
É preciso notar, porém, que, como nos outros educadores citados, a função de educar não se
separava da sua vida. Eurípedes não era mestre na escola e homem comum no cotidiano. Era
mestre permanente dos valores espirituais que irradiava de si. E, na sala de aula, não era apenas
professor das matérias, que ensinava brilhantemente – era exemplo e modelo moral, despertando
a consciência dos alunos para o progresso espiritual.
As inovações pedagógicas, por ele adotadas, numa época e num contexto cultural ainda tão
precários, são dignas de menção: adoção de classes mistas; abolição de castigos; métodos
dinâmicos de ensino, como teatro, declamação, observação de fenômenos da natureza, entre os
quais se destacava a iniciação à Astronomia; abolição das notas; aulas de História das Religiões.
No campo da Educação Moral, Eurípedes fazia muitas vezes os alunos participarem de suas
atividades caritativas, ensinando-lhes assim a prática do bem pela própria prática e não por
sermões bem articulados – o que também Pestalozzi fazia e recomendava.
Contam os discípulos que tiveram a felicidade de conviver com Eurípedes que suas aulas eram
magistrais e que os debates entre os alunos eram altamente estimulantes. De todas as partes do
Brasil acorriam pessoas em busca de cura e orientação e muitos, da própria cidade de
Sacramento e das redondezas, vinham ouvir as aulas de Espiritismo, que ele ministrava nas
quartas-feiras ou observar os debates dos discípulos, no final de cada período letivo.
Um Espírito de tal grandeza cria em torno de si uma atmosfera espiritual e moral, que por si só já
é educativa, regeneradora, purificadora. Eis o educador no mais alto sentido do termo – aquele
que consegue doar de si apenas atos, palavras e emanações vibratórias que elevam, edificam,
consolam e instruem.

• Gandhi (1869 - 1948). Mohandas Gandhi é internacionalmente conhecido por sua atuação
política, por sua filosofia da não-violência, inspirada no Bhagavad Gita hindu e no Evangelho de
Jesus, por sua vida devotada ao bem e por sua morte de mártir da paz. Advogado, líder religioso
e político, conseguiu a façanha de libertar a Índia do domínio inglês pelos métodos da não-
violência e da resistência passiva.
Poucos compreenderam todo o alcance de suas lutas. É verdade que, tanto na Índia, como
durante os anos que passou na África do Sul, havia sempre um objetivo concreto a ser atingido.
No caso da Índia, era sua libertação dos ingleses; no caso da África era a conquista de certos
direitos raciais e políticos. No entanto, conhecendo mais de perto sua filosofia e sua forma de
agir, percebe-se que ao lutar por uma causa justa, seu objetivo principal era o de educar tanto
aqueles que estavam sendo injustiçados, como os que estavam praticando a injustiça. Assim se
aclara plenamente o seu método de resistência passiva, de não-colaboração com o mal e de não-
violência
Analisemos passo a passo sua postura pedagógica.
1) Por sua pobreza voluntária e pela completa renúncia à conquista de poder (ele jamais ocupou
qualquer cargo político), Gandhi provava que nenhum interesse pessoal o movia. Esse
desprendimento e o devotamento pessoal ao próximo – pois acima de tudo ele era um homem
que servia seu semelhante – davam-lhe a autoridade moral pública, para a execução de sua tarefa.
2) Ele nunca considerou dominadores e dominados, de forma maniqueísta. Tratava de mostrar os
pontos fracos dos dois lados, tentando reformar uns e outros, para levá-los a uma condição moral
mais elevada. Assim, se lutou pela independência de sua pátria, em relação à Inglaterra,
internamente lutava para a libertação dos intocáveis, pessoas marginalizadas na sociedade
indiana; buscava a educação do povo, a emancipação das mulheres, o abrandamento dos
costumes, a abolição dos abusos religiosos, o cuidado com a higiene pública e particular. Quanto
aos ingleses, nunca os viu como inimigos, mas buscava convencê-los de que suas belas ideias de
liberdade e justiça deveriam ser aplicadas também para com os povos colonizados; procurava
tocar a sua consciência, demonstrando-lhes as injustiças que cometiam…
3) Se tivesse, contudo, apenas discursado nesse sentido, suas palavras teriam caído no vazio. Mas
em todas as lutas, em todas as reivindicações, em todos os passos da sua vida, Gandhi adotou o
sacrifício de si mesmo. Sua atitude era a de não colaborar com o mal, não se dobrar diante da
injustiça, mas de jamais revidar o mal com o mal, jamais odiar, e preferir sempre sacrificar-se e
sofrer a impor sacrifícios e sofrimentos aos outros.
4) Estabeleceu um forte vínculo afetivo com os seus compatriotas, diante de quem exercia uma
liderança moral incontestável. Pelo amor que o povo lhe consagrava, ele podia tocar sua alma,
guiá-lo à não-violência e tentar sua regeneração social. Certa vez, com um famoso jejum, que
quase o levou à morte, conseguiu parar uma guerra civil, entre hindus e muçulmanos. Seus jejuns
em geral eram uma forma de mostrar pelo próprio sofrimento, a dor que a conduta do povo lhe
causava. Poderia usar de sua liderança, para condenar ou amaldiçoar, para exercer um poder
coercitivo – mas não! Tomava sobre si toda a dor pelo mal praticado, procurando tocar a
consciência dos culpados.
Essa sua maneira de ensinar, pelo sacrifício de si, para tocar a consciência alheia era um método
pedagógico – o mesmo usado por Jesus – para regenerar o próximo. Mas só fazia sentido
partindo de uma pessoa com irrepreensível moral e que tinha profunda relação afetiva com
aqueles que queria influenciar para o bem. E sua primeira experiência desse gênero ocorreu
justamente com dois alunos seus, na comunidade que fundou na África do Sul e onde mantinha
uma escola, com métodos muito avançados. Ao saber de uma falta gravíssima praticada pelos
pupilos, Gandhi não os puniu nem os repreendeu, mas fez ele mesmo um jejum, para mostrar sua
dor e seu desejo de purificação.
Pode-se alegar que o trabalho de Gandhi resultou em nada, porque pouco conseguiu alterar a
sociedade da Índia, até hoje marcada por gritantes injustiças e problemas. Entretanto, o mestre
não é responsável pelo não-aproveitamento dos discípulos e a obra de regeneração dos
indivíduos e dos povos pertence aos séculos e ao seu próprio esforço de aperfeiçoamento.
Gandhi permanecerá sempre como guia e luz, para seu povo e para toda a humanidade. Por
alguns momentos históricos, ele mostrou como é possível liderar sem oprimir, instruir pela
humildade, elevar pelo sacrifício e educar pela paz e para a paz.
• Padre Flanagan (1886 - 1948). Edward J. Flanagan, irlandês radicado nos Estados Unidos,
tornou-se célebre por sua obra pedagógica de enorme alcance social: a Cidade dos Meninos
(Boys’ Town), em Nebraska, ainda hoje existente e em pleno funcionamento, embora adaptada às
necessidades contemporâneas. Recolhendo os meninos de rua, muitos já delinquentes que eram
normalmente encaminhados a reformatórios, de onde saíam piores do que antes, Flanagan
fundou a princípio um lar para recebê-los, educá-los e orientá-los. A demanda, porém, era tanta
que o lar acabou se transformando numa cidade, onde os meninos estudavam, trabalhavam e se
preparavam para uma vida digna.
Alguns aspectos relevantes caracterizam a personalidade e a atuação desse padre católico que,
aliás, primava pelo universalismo e pelo respeito às crenças alheias. Em sua cidade, eram
acolhidos negros e brancos, judeus, protestantes, católicos e cada qual podia continuar praticando
sua própria religião. Isso pode parecer natural e óbvio hoje em dia. Mas à sua época, numa
sociedade racista e num contexto em que colégios dirigidos pelo clero eram rigidamente
católicos, isso representava um grande avanço.
Sua atitude pedagógica fundamental era a confiança irrestrita no ser humano – seu lema era de
que não existem meninos essencialmente maus e que todos podem ser despertados para o bem.
Quando juízes e psicólogos, a imprensa sensacionalista e a polícia queriam para crianças que
haviam cometido crimes ou graves infrações, o reformatório, a prisão e mesmo a pena de morte
(até hoje vigente em certos Estados da América, inclusive para adolescentes), Flanagan apostava
na capacidade de recuperação do ser humano, desde que fosse bem orientado e recebesse amor.
E sempre alcançava esse objetivo.
Os resultados obtidos eram devidos à sua personalidade e ao seu método. Como em todos os
casos citados, sua firmeza moral, seu desinteresse pessoal e seu amor às crianças eram a base
para lhes conquistar a confiança e estabelecer um elo afetivo, que lhes restituísse a crença no
bem e no ser humano. Depois, a organização da cidade era a prova de que o bem se consegue
pela adesão voluntária de uma vontade que optou por praticá-lo e não por meio de ameaças e
coação. A cidade não tinha muros. Era governada pelos próprios meninos, que elegiam
democraticamente seus líderes – mas tudo supervisionado e inspirado por Flanagan, cuja simples
presença moral impedia a exploração demagógica da democracia reinante. O trabalho constituía
a terapia e o método principal. Na cidade havia oficinas, imprensa, rádio, barbearia, correio etc. –
e cada um se dedicava à tarefa que preferisse, sempre num clima de respeito e liberdade.
Com essa experiência, o Padre Flanagan demonstrou que quando se deposita confiança numa
criança ou num jovem, obtém-se confiança; quando se lhe atribui uma responsabilidade, ele a
assume e que a melhor maneira de edificar para o bem é dar espaço para a iniciativa individual e
para a cooperação. Mas sua própria personalidade otimista, enérgica, amorosa e votada ao bem
era um fator de tal sucesso.

• Janusz Korczak (1878 - 1942). Foi chamado de o “Pestalozzi polonês”, pela intensidade
afetiva de sua obra pedagógica e por ter se inspirado nas ideias do próprio Pestalozzi. Nascido
Henryk Goldszmit, judeu polonês, formou-se médico e atuou nessa área, com relevantes
contribuições científicas, sobretudo no campo da puericultura. Suas obras pedagógicas, porém,
são as que mais de perto se relacionam ao nosso tema. Nelas, Korczak revela uma profunda
compreensão da psicologia infantil, uma empatia comovente com as crianças.
E não ficou apenas na teoria. Criou e orientou um orfanato que era uma república infantil.
Contemporâneo e semelhante à proposta de Flanagan, no orfanato Dom Sierot, as próprias
crianças constituíam assembleias, parlamentos e tribunais e tomavam as decisões. Dessas
instituições democráticas infantis, tomavam parte os adultos em pé de igualdade. O voto de
Korczak valia tanto quanto o de qualquer criança. Como no caso de Boys’ Town, essa autonomia
de decisão e julgamento era garantidamente direcionada para o bem, pela força moral de
Korczak, que nada impunha, mas inspirava espontaneamente amor e respeito. Mencione-se, por
exemplo, o funcionamento do tribunal: quem se sentia lesado por alguma atitude, fosse de um
colega ou de um professor, apresentava queixa. Mas, ao contrário dos tribunais comuns, evitava-
se a punição e estimulava-se o perdão ou alguma forma de reparação do dano cometido.
O orfanato de Korczak funcionou em circunstâncias normais até a invasão dos nazistas em
território polonês. Os judeus foram confinados no gueto de Varsóvia e Korczak passou a viver
com suas 200 crianças nas trágicas condições do gueto. Em seu livro Diário do Gueto, mostra,
porém, que não se deixou contaminar pelo clima de ódio, estabelecido pelo absurdo sistema
nazista. Era capaz de levantar-se todas as manhãs e olhar com olhos de perdão os soldados, que
mantinham guarda no gueto.
E afinal, Korczak demonstrou absoluto heroísmo, quando recusou fugir e escapar da morte no
campo de concentração, para acompanhar o martírio de suas 200 crianças. Se, por um lado,
assistimos à barbárie inominável de uma sociedade, que o mundo julgava avançada, matando
crianças inocentes; por outro, em meio à tragédia, destaca-se a alma do educador-herói, que
soube enfrentar a morte de olhar límpido e coração generoso, dedicado até o fim às crianças que
amava.
• Maria Montessori (1870 - 1952). A famosa educadora italiana espalhou suas ideias e seu
método pedagógico mundo afora e foi das pessoas que mais lutou pela conscientização
internacional dos direitos da criança. Com sensibilidade feminina e energia, soube reunir em sua
personalidade e em suas teorias o espírito científico (era médica por formação) e um profundo
sentimento religioso (era cristã, no sentido profundo da palavra). Com o dom da observação e da
pesquisa, partiu para a prática educativa. Debruçando-se sobre a criança, sobre a sua ação
espontânea, suas reações e suas aspirações, criou um método adequado ao que viu. Esse olhar,
porém, não foi o do estudioso frio e distante. Era um olhar de amor e de reverência religiosa.
Montessori foi capaz de teorizar em termos científicos, sem perder a admiração pelo ser humano,
porque em tudo via, além do corpo, o espírito e, além da natureza, ou na própria natureza, a
manifestação de Deus. Por sua postura espiritualista, ela quase chegou à reencarnação: falava da
encarnação do espírito.
Foi a primeira a criar mobiliário adaptado ao tamanho e às necessidades da criança, pensando
não só em seu conforto e bem-estar, como na necessidade de ela ter domínio sobre o seu próprio
ambiente, para bem se desenvolver. Constatou o quanto a criança em nossa civilização é
considerada uma intrusa, atrapalhando o mundo pronto e ordenado dos adultos. Assim, inventou
um método de ensino em que a infância tivesse seu próprio ambiente de expansão e trabalho.
Nesse sentido, sua preocupação estética é também notável: ela percebeu o quanto a beleza e a
harmonia do ambiente influem sobre o psiquismo infantil, ajudando-lhe o desabrochar da mente
e do coração.
Também não foi uma teórica de gabinete. Suas teorias nasceram da prática e sua fama de
educadora começou com o estabelecimento da “Casa dei Bambini” (Casa das Crianças), depois
reproduzida em vários países do mundo.
Montessori atuou em dois níveis na Educação, ambos indispensáveis para um real progresso
pedagógico: diretamente com as crianças, oferecendo-lhes uma possibilidade concreta de terem
uma escola mais feliz, e com os adultos do mundo inteiro, promovendo sua educação para
melhor educarem.
X – O Pedagogo da Humanidade

Jesus é modelo moral por excelência. Destituído de todos os apetrechos míticos com que os
séculos o enfeitaram, ele reaparece, no Espiritismo, na sua grandeza de Espírito puro, que veio à
Terra para nos mostrar o caminho da evolução. Surge aos nossos olhos não mais como Rei,
Salvador, segunda pessoa de uma trindade irracional, mas como Irmão mais adiantado, Espírito
perfeito, com o único título que aceitou em vida: o de Mestre. E Mestre é Jesus da humanidade.
Ele é o Pedagogo da nossa Educação espiritual. Professor das almas matriculadas na escola da
Terra, Ele representa o “caminho, a verdade e a vida” para nossa ascensão.
Por isso, para elevarmos a nossa compreensão ao exemplo máximo de educador, meditemos na
vida e na personalidade de Jesus de Nazaré. Grandes educadores, que mencionamos antes, foram
os que tentaram imitá-lo e seguiram seus ensinamentos. Pestalozzi o amava ternamente;
Montessori o cita em cada texto seu; Comenius procurava servi-lo; Bach o louvava pela vida e
pela música; Eurípedes era seu discípulo tão fiel que recebeu sua visita espiritual; Gandhi,
embora hindu, se inspirava nele; e Kardec nos deu a chave para melhor compreendê-lo,
libertando sua figura dos dogmas irracionais.
Ao tomarmos Jesus como modelo, porém, deparamo-nos com uma dificuldade: o possível
sectarismo que a escolha de um mestre, entre outros grandes mestres espirituais do planeta, pode
representar aos olhos dos não-cristãos. Na medida em que nos interesse uma proposta
pedagógica de alcance universal – porque o melhor é o sempre mais universal, menos
exclusivista, o que mostra a possibilidade de diálogo com todos – como justificar a opção por
Jesus, como nossa maior inspiração?
Essa é uma dificuldade que o próprio Espiritismo apresenta: ora se mostra universalista, ora se
afirma cristão e pode isso parecer uma contradição inconciliável. Ora Kardec afirma que o
muçulmano, o judeu e pessoas de qualquer tradição podem ser espíritas, ora ele afirma que o
Espiritismo é cristão. Podemos ensaiar uma resposta para isso, apontando o seguinte: a melhor
maneira de compreender o próprio Cristianismo é a maneira universalista. Aliás, a ideia espírita
de que Jesus é um Espírito perfeito e que todos podemos alcançar essa perfeição não exclui que
outros Espíritos apresentem perfeição semelhante à dele. Tomemos, por exemplo, Buda, que não
por acaso passa pelo mesmo processo que Jesus. Se os budistas teoricamente afirmam que todos
os seres humanos podem atingir o estado búdico, não é menos verdade que Buda é divinizado e
cultuado por povos inteiros. E não é menos verdade que se trata de um Espírito iluminado, pelo
caminho que abriu à humanidade, pela compaixão que demonstrou pelo sofrimento de todos os
seres.
O Espiritismo nos mostra sim a possibilidade de reconhecermos grandes e elevados Espíritos,
mestres que podemos seguir, em todas as culturas, de todas as religiões, porque a estatura
espiritual não é dada por nenhum rótulo, não está condicionada a nenhuma religião ou corrente
específica. A interpretação espírita de Jesus pode muito melhor entrar em diálogo com um
islâmico e com um budista, por exemplo, do que a interpretação tradicional que considera Jesus,
como encarnação de Deus e único salvador possível.
Por outro lado, não podemos negar que o Espiritismo nasceu na tradição ocidental e por isso suas
raízes são cristãs. Sua proposta é justamente a de reinterpretar o Cristianismo de forma mais
universalista e menos dogmática e exclusivista que as interpretações das igrejas. Assim, justifica-
se retomarmos Jesus: sem idolatria, sem mitificação, sem sectarismo, mas com uma nova
compreensão de sua mensagem. E essa compreensão passa por uma visão pedagógica do próprio
Cristianismo e, claro, do Espiritismo.
Sem desprezarmos outros exemplos de desprendimento, heroísmo moral e sabedoria, Cristo foi
um padrão de moralidade, de amor e de sacrifício. Impregnar-se do Espírito de Jesus e agir em
sintonia com o influxo de sua mensagem é estar de fato trabalhando na vanguarda da evolução
planetária. Alguns Espíritos nos informam, além disso, que ele é o líder espiritual, que
acompanha os destinos do planeta, desde a sua formação.
Deus, em seu infinito poder e sabedoria, como Causa inteligente e Providência de todo o
universo, é o principio e o alvo de todas as coisas. Manifesta-se por suas Leis imutáveis, por seu
hálito de amor, no qual tudo está mergulhado, pela vontade criadora que anima a evolução.
Acima de nossas definições e de nossa compreensão, sabemos que Ele é e que está na origem de
nós mesmos e do todo universal. Os Espíritos puros, que atingiram a perfeição moral e a
sabedoria celeste, são seus colaboradores na criação e na manutenção do universo. Jesus é um
desses Espíritos e certamente há muitos outros, ligados ou não ao planeta Terra. Mas, sem
dúvida, ele é nossa referência, nosso guia, nosso caminho para chegar ao Pai!
É justo, pois, examinarmos sua conduta pedagógica. Mestre dos mestres, ele pode nos dar o
modelo de educador a que devemos aspirar, dentro de nossas limitações. Apesar da lentidão dos
processos evolutivos, nosso destino é atingir a altura daquele que nos serve de polo de atração
para o Alto.

AS VIRTUDES DE JESUS

Relembrando as qualidades que consideramos indispensáveis aos educadores terrenos, vamos


encontrá-las em seu grau mais alto na personalidade de Jesus.
Sua autoridade moral emana da sua perfeição; pelo menos a perfeição acessível ao nosso
entendimento. Uma perfeição constituída de amor universal e disposta aos maiores sacrifícios
pelos seres humanos.
Com toda a sua grandeza espiritual, como protetor da humanidade, encarna-se na Terra,
submetendo-se às restrições de um corpo de carne, ao peso da atmosfera espiritual dos seres
terrenos. Sabe-se que quanto mais elevado o Espírito, mais desmaterializado. Se para nós, almas
inferiores, ainda identificadas com a matéria, a vida no corpo físico e uma espécie de prisão, que
se dirá do sacrifício de Jesus, vindo habitar conosco?
E veio, não em poder e glória terrenos, mas na pobreza e na obscuridade. Podia revelar seu poder
espiritual, impondo-se às multidões, vencer os adversários de sua obra, fulminar os hipócritas –
mas como pedagogo perfeito, exerceu apenas um poder: o poder do amor. Um poder que não se
impõe, mas convida; que não violenta, mas converte e transforma os Espíritos, acordando-os
para tomarem posse de si mesmos; um poder que não pune o mal, mas sacrifica-se pelo bem,
tomando sobre si todas as dores e serviços, para a todos arrastar pelo exemplo.
Era humilde, sem fraqueza ou servilismo. Enérgico com os hipócritas, firme com os falsos sábios
que conduziam os simples segundo seus interesses, Jesus foi padrão de dignidade. Sua
serenidade diante dos algozes é também coragem e nobreza; seu perdão e sua doçura são
manifestações de sua infinita superioridade.
Indiscutivelmente, ele trouxe até nós a concepção mais alta de religiosidade que podemos
alcançar, pois nos apresentou Deus na forma de Pai amoroso e justo. Ninguém compreendeu e
revelou Deus tão perfeitamente quanto Jesus. É que quanto mais realiza em si a angelitude a que
todos estamos destinados, mais perto de Deus chega o Espírito, tornando-se seu instrumento de
amor e bondade, em permanente sintonia com Ele. Por isso, pode-se dizer que Jesus, segundo a
afirmação de Eurípedes Barsanulfo, foi o médium de Deus.
E afinal, como nosso Mestre, mantém há milênios a paciência que espera a nossa decisão de
aderirmos ao seu convite de ascensão, dando-nos a liberdade de cair, de nos levantarmos e de
aprendermos com nossos erros, mas empenhando-se sempre pela nossa melhoria. Jesus não
semeou apenas em sua curta existência terrestre, mas permanece em trabalho ativo pela
regeneração planetária: dirige falanges do bem, inspira seus colaboradores, envia missionários
para se encarnarem na Terra e contribuírem no estabelecimento do seu Reino, desce
pessoalmente às regiões das trevas para lançar apelos de amor aos Espíritos endurecidos e
sofredores... e permanece como foco de irradiação, de paz e de luz. Se a ele nos ligarmos, mais
facilmente atingiremos o porto da nossa felicidade.
Na sua paciência, demonstra o equilíbrio de quem ama sem desesperar, de quem semeia
aguardando os frutos e de quem se entristece com o mal, pairando sempre acima. Essa divina
tristeza, que muitos Espíritos, e mesmo artistas terrenos, captaram na expressão de Jesus, não
será essa dor serena e sublime pela humanidade sofredora? O pastor não pode alcançar a perfeita
felicidade, enquanto não conduzir ao aprisco todas as suas ovelhas. Assim, Jesus não é
indiferente às lutas e aos atropelos da evolução humana. Como Espírito amoroso, empenhado em
nossa ascensão, seu coração é tocado por nossa rebeldia. Mas como Espírito puro, com a visão
do passado e do futuro, sabe que atingiremos a maturidade espiritual, assumindo nossa herança
divina.

A PEDAGOGIA DO AMOR

Quando se pensa no amor de Jesus pela humanidade, fundamento de sua Pedagogia divina, pode-
se imaginar que seja um amor difuso, impessoal, em que os homens sejam vistos como massa.
Mas não é assim, pois o amor é sempre uma relação de Espírito a Espírito. As próprias palavras e
atitudes de Jesus demonstram de sobejo que ele conhece cada um de seus pupilos e está sempre
disponível à nossa aproximação, ao nosso desejo de educação espiritual. Quanto mais
ascendermos e nos depurarmos, mais direto será o nosso contato com sua mente poderosa e com
seu coração afetuoso.
Não disse ele que haveria alegria no céu por cada ovelha que torna ao aprisco? Não relatou a
consoladora parábola do filho pródigo, onde fala do acolhimento generoso do Pai ao Espírito que
volta à trilha do bem? Nada disso teria sentido se não fôssemos indivíduos perante Jesus, como
somos indivíduos, mesmo diante da grandeza de Deus. O universo não é frio e impessoal. A Lei
não é apenas justiça, mas amor. E o amor se manifesta de ser para ser.
Não só as palavras de Jesus demonstram essa verdade, mas sua ação pedagógica é assim
desenvolvida. Ele visita a alma de Madalena, devassando-lhe o passado em desequilíbrio e
elevando-a ao amor purificado; sabe das potencialidades e intenções de Zaqueu, antes que esse
lhe respondesse do alto do sicômoro; busca pessoalmente os apóstolos na Galileia e depois Saulo
às portas de Damasco, vendo de antemão as suas possibilidades; dirige-se a cada um que dele se
aproxima, sabendo quem é, seu passado espiritual e suas promessas futuras. Em sua lucidez, sabe
que Judas vai traí-lo e que Pedro fraquejará, ainda assim acolhe-os em seu amor e não os
desampara.
Jesus não passa no mundo como um mestre distante dos alunos, mas conhecendo-os a todos,
mesmo os fariseus empedernidos, usando com cada um a linguagem doce ou enérgica – mas
sempre amorosa – de quem educa.
E sua liderança espiritual na Terra não é devida apenas ao seu exemplo imortal. Sua aura de
amor envolve a humanidade e basta querermos captá-la, na oração e na prática do bem, para
sentirmos seu influxo. Esse amor é o ponto de apoio de nossa evolução. Assim, dentro dos
limites das imperfeições humanas, cada educador deve fazer de seu próprio afeto uma âncora de
evolução para aquele a quem deseja educar.
Não foi o amor de Jesus, seu sacrifício por nós, que levou os mártires a morrerem nos circos, os
santos e apóstolos de todos os tempos a procurarem seguir seu exemplo? Não é porque nos
sentimos amados e sustentados por ele, que adquirimos a força de nos sobrepormos às
mesquinharias terrenas, vencendo dores e espinhos, avançando, embalados por sua luz?
É certo que, em última instância, a fonte suprema desse amor é Deus. Mas, para nós, ainda
deficitários na compreensão da Divindade, a figura mais próxima e mais acessível de Jesus nos
reconforta e nos facilita inclusive o entendimento do amor de Deus. E assim também, embora
possamos identificar em Jesus, nosso Mestre maior, cada indivíduo não dispensa seus mestres
menores, seus guias e seus exemplos mais próximos de moralidade, inteligência e elevação. Por
isso, cada um de nós tem seu anjo da guarda, que, muito acima da função de nos proteger, tem a
tarefa de nos educar. Na escala infinita dos seres, quem está um passo à frente pode sempre
educar aquele que está um passo atrás e qualquer um terá sempre um mestre na sua vanguarda,
para inspirá-lo na jornada ao infinito, até que prescinda de todos os mestres. Entenda-se que
esses mestres de nossa ascensão não são gurus a quem devemos obediência, mas referências
morais, que nos atraem e nos sustentam. A evolução só se dá na autonomia do indivíduo, que
embora inspirado por seus maiores, dá seus próprios passos na construção de si mesmo.

A DIDÁTICA DO MESTRE

Além de sua Pedagogia divina, em permanente exercício para conosco, detenhamo-nos na


didática específica que usou em sua passagem pela Terra.
Jesus não ensinou em cátedras, não fez parte de corporações científicas, não se revestiu de
nenhum título terreno e não fundou escolas ou instituições, nem mesmo nelas ensinou. E foi o
maior dos mestres. Seu local de ação era a casa de Pedro, eram as praças, os montes, as margens
do lago de Genesaré e sua mensagem atingia a todos indistintamente. Ensinava sem nenhum
outro instrumento a não ser seus atos de amor, suas palavras simples e sua autoridade divina.
Não que devamos por isso menosprezar o que o homem cria para sua instrução e
aperfeiçoamento: a escola e a universidade, a Ciência e a pesquisa, a Filosofia e todos os
recursos de aprendizagem e progresso. Mas, observando o exemplo de Jesus, saberemos que tudo
em Educação pode ser acessório, menos o ser humano que educa e que também os meios mais
simples – a palavra, o diálogo, o contato com a natureza e a naturalidade amorosa no
relacionamento – são os mais eficazes para um Espírito atuar sobre o outro.
Jesus curava, servindo ao povo, aliviando-lhe as dores, conquistando-lhe o coração pelo seu
devotamento, e ensinava por histórias. Em seus sermões e parábolas, usou o poder da síntese e a
linguagem poética para atingir seus ouvintes. Pelas parábolas, adequava-se aos costumes do
povo, aproveitava as situações do cotidiano e, portanto, a experiência diária dos que o ouviam.
Não dava aulas de metafísica abstrata, mas ensinava, por histórias compreensíveis, princípios
claros de moralidade. Eis uma capacidade didática imprescindível: a de saber se achegar ao
educando, em seu nível de interesse, de vivência e de compreensão.
Mas como o que é simples e verdadeiro é atemporal, suas palavras e seus ensinos não tinham
apenas o dom de tocar os homens de seu tempo, mas os homens de todas as épocas. Aliás, um
ensino é tanto mais profundo e eficaz quanto expresso de forma mais simples, sintética e bela e
que possa ter vários níveis de atuação sobre a consciência.
Expliquemos por exemplo: o amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo
– aí está uma máxima simples, bela e clara. Mas em cada estágio de evolução que vamos
atingindo, ela vai se enraizando melhor em nosso Espírito e mais amplamente podemos
compreendê-la e praticá-la. Por isso, ela pode atuar sobre uma alma ignorante e rude e daí a
milênios continuar atuando sobre a mesma alma, melhorada e mais sábia e sendo sempre um
clarão, uma porta, uma ideia fecunda, um ensino antigo e novo, nunca deixando de impulsionar
para o alto.
Pouca gente percebe o caráter genial e poético das pregações de Jesus. Ele não foi apenas um
homem bom. Tinha uma bondade inteligentíssima, mas de uma inteligência superior e não essa
inteligência que costumamos apreciar na Terra, cheia de sofismas e complexidades inúteis,
incapazes de sobreviver no tempo e de tocar as almas. O conhecimento da Lei Divina
transbordava de seus lábios de forma equilibrada e pura – de tal modo que as suas palavras
guardam ainda e guardarão sempre a solidez da eternidade, o perfume da elevação, o sabor da
poesia e a força da verdade.

JESUS E AS CRIANÇAS

Se do alto da sua grandeza moral, Jesus não desdenhou vir habitar entre os homens, para lhes
ensinar a verdade que os deve libertar, também não considerou sem importância relacionar-se
com as crianças e abençoá-las com seus gestos de amor. Aliás, tomou-as mesmo como símbolo
para indicar a pureza e a simplicidade, que devem animar os candidatos ao seu Reino. Isso
porque, como já foi explicado, no estado infantil, o ser humano está mais flexível e aberto à
aprendizagem do bem. Embora traga marcas do passado, está temporariamente revestido de
inocência e de sinceridade. Jesus acolhia as crianças em seu regaço, contava-lhes histórias e dizia
que todos os homens deveriam lhes imitar a humildade e a confiança.
Com isso, ele estava fazendo uma revolução, que mais tarde inspiraria os grandes educadores de
que aqui falamos. Estava formulando um conceito de criança, que apenas hoje faz pleno sentido
para nós – a de que a infância é um estado de abertura, beleza e encantamento. Na Antiguidade, a
criança nada valia. Mesmo depois do advento do Cristianismo, com o influxo renovador da
mensagem de Jesus, ainda assim, a criança era vista como um adulto em miniatura. Muitas
vezes, como ser a ser domado e reprimido, pois nascia herdeira do pecado. Até hoje, em nossa
sociedade, quantas vezes, a criança é violentada, abusada, e quase nunca tem voz. Jesus mostra a
face luminosa da humanidade na infância, dizendo que era das crianças o Reino dos Céus, ou
ainda chamando-as: “vinde a mim os pequeninos!”
Mais do que isso, suas parábolas e seus ensinos, dentro do espírito didático e poético em que
foram concebidos, servem até hoje muito bem à Educação infantil. Qual a criança que não
entende e ouve com prazer a parábola do samaritano ou do filho pródigo? E a vida de Jesus, suas
curas e suas palavras, seus sofrimentos e sua morte? Se tudo isso é uma fonte inextinguível de
edificações para os adultos sofridos e desesperados – muito mais eficazes e tocantes são para a
alma, quando ela está mergulhada nesse período de frescor e renovação espiritual.
Se Jesus é o Pedagogo da humanidade, nosso dever é aproximá-lo desde cedo dos Espíritos que
voltam ao mundo para continuar sua jornada evolutiva. Ao impregnarmos o coração da criança
com a personalidade sublime do Mestre de Nazaré, estaremos lhe entregando uma chave de
sintonia com o Alto, um caminho fácil e suave para o seu aperfeiçoamento. Mas isso não se faz
através de doutrinação maçante, de imposição repetitiva. O contato com Jesus deve ser feito de
modo poético, leve, agradável, onde as histórias de sua vida e as histórias que contava sejam
lidas e dramatizadas, vistas em filmes e cantadas, sempre despertando o interesse espontâneo da
criança. Assim, Jesus lhe será um personagem amigo, familiar, com quem pode partilhar seus
projetos de vida, inspirando-se na sua conduta de amor.
TERCEIRA PARTE:
O EDUCANDO
XI - O Educando na Infância

O educando é sempre um Espírito eterno e a tarefa educativa deve, acima de tudo, atuar sobre a
consciência espiritual. Mas enquanto encarnado na Terra, o Espírito passa por diversas fases
vitais. Quanto mais evoluído espiritualmente, mais ele transcende as características próprias
destas fases ou, ainda, mostra o melhor de cada uma delas. Assim, por exemplo, uma alma
adiantada, enquanto criança, vai revelar em grau elevado a doçura, a delicadeza, os bons
sentimentos, a sinceridade – coisas comuns nas crianças. Uma alma muito atrasada, ao contrário,
pode até mesmo contrariar tais características, revelando brutalidade e sentimentos perversos
desde muito cedo. Se isso acontecer, entretanto, é porque houve um estímulo ambiente que
revelou precocemente as tendências negativas do Espírito encarnado.
Assim, quando analisamos o educador, pudemos traçar um perfil seguro do modelo ideal, a que
todos podem e devem aspirar, esforçando-se para possuir as virtudes necessárias ao desempenho
desta sagrada missão. Entretanto, para tratar do educando, não podemos fixar seu perfil com
precisão. Não existe um modelo de educando, pois o filho, o aluno, a criança, o jovem, o adulto,
o próximo, enfim, para cuja Educação devemos contribuir, pode ser qualquer tipo de
individualidade e não se pode fixar, determinar ou exigir a priori que ele seja isto ou aquilo…
Observe-se que, coerentemente com o princípio posto de que a Educação é uma influência de
Espírito para Espírito e que ela pode ocorrer em qualquer idade, tomaremos aqui o educando em
todas as fases possíveis da vida humana.
Podemos, isto sim, captar algumas características gerais de cada período, mas sempre levando
em consideração tanto o grau evolutivo dos Espíritos, quanto o contexto atual do mundo e as
influências de diferentes meios e culturas. Entenda-se que aqui tomamos o grau de maturidade
espiritual dos indivíduos como uma variável que pode contribuir na análise geral da questão, mas
não temos nenhum meio de medir, afirmar e demonstrar o grau evolutivo de uma criança
específica. Perigoso é pensarmos que possamos declarar que tal ou qual criança é a reencarnação
de um Espírito elevado ou diferenciado. Tal pretensão seria enganosa, criaria vaidades e
mistificações e perturbaria o processo educativo. É o que acontece com a absurda e infundada
ideia das crianças índigo – classificação discriminatória, perigosa, criada por uma seita da Nova
Era norte-americana e propagada e adotada por má-fé ou inconsciência, no incauto meio espírita.
O Espírito volta à Terra, num corpinho tenro de bebê, entregue à boa vontade e aos cuidados de
seus semelhantes. Com a consciência e as faculdades adormecidas, não lhe resta alternativa
senão repousar confiante, completamente indefeso, diante dos adultos que o recebem. Desse
sono profundo, ele desperta muito lentamente, no decorrer dos anos. Assim, o período infantil
revela um caráter geral, sobre o qual a individualidade de cada Espírito só tem uma influência
relativa. Podemos, pois, afirmar que todas as crianças, em maior ou menor grau, mostram as
seguintes particularidades:
• Confiança e ingenuidade. Por mais experiente que seja uma criança, mesmo as que vivem
abandonadas nas ruas e sujeitas a toda espécie de maus tratos, existe nela uma necessidade de
crer e de confiar, de se entregar à proteção de alguém, uma incapacidade de ver a malícia dos
mais velhos e de se defender em seus direitos e interesses. Isso se deve exatamente ao fato de o
Espírito não estar na plena posse de suas faculdades e ao processo recente de adormecimento por
que passou. Ele se esqueceu de si, esqueceu temporariamente como é o mundo a que veio, tem
sua razão amortecida. A princípio, a criança não pode fazer nada sozinha. Se não lhe dão de
comer, se não a vestem, se não cuidam da sua higiene, não pode atender às próprias
necessidades. Essa dependência absoluta, do ponto de vista físico, que vai diminuindo com o seu
desenvolvimento, mas não acaba de repente, é também um fator que a faz confiar no meio e
esperar a bondade alheia.
Aí está porque as crianças muitas vezes perdoam tão facilmente as maiores crueldades dos pais.
Sua necessidade de amor e de proteção, sua posição indefesa, as tornam incapazes de qualquer
reação. Por isso, abusar da fragilidade infantil é cultivar uma personalidade que não vai
desenvolver o sentimento da própria dignidade. É deixar marcas psíquicas que serão difíceis de
remover. Nem mesmo Espíritos fortes conseguem conservar o seu eu intacto, quando passado
pelo rolo compressor do domínio cruel ou quando têm a sua infância roubada por abusos e
violências. Enquanto são confiantes e ingênuas, as crianças não têm meios de se valer contra a
personalidade intrusa que as oprime. Assim, o adulto que molesta, abusa, viola e fere em vez de
proteger, respeitar, orientar e amar, é doente e covarde e precisa de tratamento psíquico e
mudança moral, para saber como portar-se diante da fragilidade confiante e pura da criança.
Pode-se alegar que há crianças delinquentes, entregues ao crime e que parecem ter perdido
completamente a confiança e a ingenuidade. Olhemos mais de perto esses casos. Salvo em
raríssimas circunstâncias, em que a criança, sem nenhuma influência negativa, revela uma
perversidade precoce – fato só explicável por se tratar de um Espírito inferior – quase sempre as
crianças delinquentes são justamente vítimas de sua ingenuidade e confiança. Pelo impulso
espontâneo de confiar, mas inseridas num meio corrompido, elas são usadas pelos mais velhos
que as exploram, que manejam suas habilidades, para levá-las ao crime. Charles Dickens já
demonstrava isso em sua obra-prima, Oliver Twist, quando esse problema, na Inglaterra no
século passado, nem era tão grave quanto hoje, em que a criminalidade infantil envolve o tráfico
de drogas e os assaltos à mão armada.
Podemos nos indagar sobre o significado de tal situação, do ponto de vista cármico. Sabemos
que existem lei de afinidade e lei de causa e efeito regendo os processos reencarnatórios:
Espíritos criminosos podem voltar aos meios corrompidos, de onde saíram, pela simples lei de
atração. Outros podem pedir a tentação de renascerem nesses meios, para adquirir forças de
superá-los. Analisando, pois, sob o prisma espiritual, não existem vítimas absolutas da
degeneração humana. Um Espírito elevadíssimo que reencarnasse num meio corrompido jamais
seguiria a via do crime. Mas o reverso não é verdadeiro – um Espírito com más tendências,
recebendo influências positivas tem todas as chances de se recuperar. E um Espírito mediano sob
o bombardeio de estímulos negativos dificilmente escapará de enveredar por um mau caminho.
Assim, impõe-se a necessidade absoluta de boa educação, bons meios e bons exemplos para
todas as crianças de uma sociedade, se quisermos que seja uma sociedade saudável, justa e
fraterna.
Permanece, pois, válida a nossa afirmativa: toda criança tem uma enorme dose de confiança e
ingenuidade, que pode ser aproveitada para o bem ou pode ser desvirtuada pela crueldade dos
adultos. E a responsabilidade dos que a usam para sua perdição é muito grande perante a Lei
Divina. Mas além da culpa que cabe aos que deveriam zelar diretamente pela Educação dessas
crianças – culpa essa atenuada muitas vezes pelo fato de que foram eles mesmos crianças sem
orientação e violentadas – há também a responsabilidade por parte da sociedade, que pouco ou
nada faz para garantir nem a Educação, nem um meio moralmente saudável, para aqueles que
nascem sob sua tutela. Uma sociedade que permite bolsões de miséria, que não apoia a família,
que não provê trabalho bem remunerado para todos os seus membros e não distribui
equitativamente as riquezas da nação.
À parte essas situações mais visíveis de degeneração da criança, pelo abuso de sua ingenuidade,
há casos mais sutis e não menos graves. A mentira, a manipulação dos filhos, pelo medo ou pela
chantagem, são igualmente abusos de sua confiança, e são largamente empregados por muitos
pais, e provocam também a deturpação da personalidade infantil.
Diga-se, além disso, em favor da verdade, que em nossa sociedade de massa, ocorre em geral um
decréscimo da confiança e da ingenuidade das crianças, apesar de serem características ainda e
sempre presentes em todas elas. Dois motivos podem ser aventados para essa diminuição:
primeiro, o encurtamento do período infantil (ver no Cap. III, da Primeira Parte, “O futuro da
infância”); segundo, a influência dos meios de comunicação, que colocam a criança muito cedo
em contato com certos vícios e paixões, com a violência e a sexualidade desregrada, o que acaba
por arrancar-lhe mais rapidamente e, sem o devido preparo moral, essa ingenuidade e essa
confiança naturais.
A única forma digna e nobre de corresponder à confiança natural da infância é o amor sincero, o
exemplo elevado e a franqueza cristalina. A influência do contato humano na Educação é tão
vital, que, se for eficaz, pode mesmo neutralizar os efeitos negativos dos meios de comunicação.
• Curiosidade e interesse. O amortecimento de todos os conhecimentos que traz do passado e a
necessidade de se integrar novamente no mundo – o que só pode fazer, adquirindo domínio sobre
as coisas, conhecendo-as – dá à criança uma curiosidade viva e um interesse natural em aprender.
Sem essa mola propulsora, ela não se desenvolveria. A inteligência infantil vive em estado de
alerta, sempre em busca de algo. As neurociências hoje evidenciam que há inclusive uma
plasticidade cerebral acentuada na infância, permitindo a absorção do meio. É verdade que os
estímulos do ambiente ou a ausência deles contribui imensamente para avivar ou abafar essa
tendência natural. Em meios culturalmente mais pobres e apáticos, as crianças podem se revelar
menos curiosas e mais pacatas intelectualmente. Em meios mais estimulantes, a criança terá a
mente mais desperta. A presença de desajustes emocionais, gerados pelo abandono, pela falta de
afeto, pela violência, também pode provocar um amortecimento das capacidades cognitivas da
criança.
Guardando, porém, as devidas nuanças por conta dessas influências do próprio Espírito e do
meio em que está encarnado, as crianças, em geral, precisam e querem aprender, para crescer.
Essa necessidade se manifesta na sua capacidade de formular perguntas, de observar as coisas
sob aspectos diferentes daqueles que estamos acostumados a observar, de usar todos os sentidos
para captar o mundo exterior. Ora, a base de todo desenvolvimento intelectual do Espírito está
nessa disposição para a aprendizagem. O maior sábio não é o que sabe mais, mas o que sabe
indagar e buscar sempre o que lhe falta, o que sabe admirar-se com o mundo, encontrando a cada
instante motivos de interesse e observação, e o que procura uma experiência integral da
realidade.
Essa curiosidade instintiva da criança, que deveria ser a base para toda a sua aprendizagem e
desenvolvimento é, ao contrário, abafada e desviada, a ponto de se perder com o tempo. Suas
perguntas incomodam e irritam os adultos e não são orientadas para a formação de seu raciocínio
lógico e do seu espírito filosófico. Sua vontade de tocar, de ver, de experimentar não é
aproveitada e canalizada para o desenvolvimento do espírito científico, mas proibida e reprimida
por todos os meios, oferecendo-se-lhe apenas um ensino passivo e teórico. E sua admiração pelas
coisas, que poderia servir para nela fazer desabrochar o sentimento de reverência e religiosidade
perante o universo, é desencantada por um ensino frio e materialista.
A melhor Educação é aquela capaz de conservar pela vida afora do educando essa disposição
natural de buscar a aprendizagem, de olhar o mundo sempre com olhos novos e mente receptiva.
• Absorção do ambiente e imitação. Já fizemos breve referência (no Cap. III) à permeabilidade
da criança, caráter próprio do Espírito, nesse estado de adormecimento da sua personalidade
integral, que é a infância. Sobretudo nos primeiros anos de vida, essa absorção das emanações
fluídicas do meio se deve também ao seguinte fator: até os 7 anos, o perispírito não está
inteiramente encaixado – falando por uma analogia – no corpo físico. Dessa maneira, a criança
está como que exteriorizada e mais apta a captar todas as vibrações ao seu redor. É certo que
jamais o corpo espiritual, durante toda a vida na Terra, fica completamente aprisionado no corpo,
expandindo-se além dos limites físicos. Justamente por isso é que podemos assimilar vibrações
que nos chegam de encarnados e desencarnados, pelo dom da mediunidade. Mas na criança,
principalmente até aos 7 anos – conforme nos informam os Espíritos, coincidindo com a intuição
que teve Rudolf Steiner, na Pedagogia Waldorf – essa exteriorização é ainda maior.
Nos últimos anos, o desenvolvimento das Neurociências mostra que há uma base (ou
correspondência) neural para essa absorção e imitação, que tantos educadores observaram e
intuíram (Montessori chama a criança de “mente absorvente”): trata-se dos chamados
“neurônios-espelho”, presentes não só na infância, mas também na fase adulta.
Desde o ventre materno, portanto, a criança está sob a influência direta da atmosfera espiritual
dos pais, dos familiares, e até mesmo do ambiente do país em que vai reencarnar. Assim, sua
Educação pode de fato começar antes de nascer. Pois desde o momento em que se saiba da
gravidez, é possível elevar o pensamento, orar, melhorar a conduta, abandonar vícios, emitir
vibrações de amor e carinho para o Espírito que vai chegar, para ir criando uma atmosfera
saudável ao seu nascimento e aos seus primeiros anos de vida.
Primeiro, a absorção do meio pela criança se dá apenas pela assimilação fluídica e pela
influência telepática. Depois, quando começa a andar e a falar, processa-se ainda pela imitação
dos gestos e das palavras daqueles que lhe estão mais próximos. Podem existir afinidades de
comportamento e de tendências entre pais e filhos, mas também predominam as influências
diretas daqueles sobre estes. Por isso, todo cuidado é pouco para que elas sejam positivas.
Uma das maiores incoerências e um dos maiores erros em Educação é querer que um educando
se adapte a um princípio ou siga uma regra totalmente oposta, ou mesmo apenas diferente,
daquilo que ele vê à sua volta. A influência das vibrações e do exemplo é preponderante, a não
ser que o Espírito da criança seja bastante elevado em relação aos educadores, para transcender-
lhes a influência. Mesmo assim, essa influência jamais é nula. Por mais consciente seja um
Espírito, durante os primeiros anos da infância, ele não pode escapar deste estado de
permeabilidade ao meio. A criança terá sempre alguma marca da família em que cresceu e do
ambiente em que se desenvolveu.
Se levarmos em consideração este estado de desarmamento psíquico da infância, poderemos
entender por que Rousseau definiu toda Educação como um afastamento das influências
negativas. De fato, se conseguíssemos isolar a criança, como ele fez teoricamente com o Emílio,
de todo e qualquer exemplo maléfico e estímulo prejudicial, seria bem mais fácil a tarefa
educativa. Mas isso é impossível, primeiro, porque esse mundo é imperfeito e os Espíritos que
aqui reencarnam, o fazem porque, na sua maioria, se afinam com essas imperfeições. Segundo, o
isolamento traria consequências ainda piores, porque poderia estimular o egoísmo e fazer com
que o educando crescesse sem espírito de discernimento. Aliás, é preciso considerar que o
objetivo de Rousseau ao escrever Emílio, não era propor essa prática de isolamento da vida
social, mas apenas fazer um estudo sobre a natureza humana, através de um exemplo fictício.
Mas foi ele quem enfatizou mais fortemente essa influência do meio sobre a formação do
indivíduo. E é verdade que, na prática educativa, devemos afastar o máximo possível as más
influências sobre a criança, esforçando-nos para sermos nós próprios o melhor exemplo ao nosso
alcance.
• Sinceridade. Ainda porque sua personalidade integral se encontra em estado latente, a criança
não sofre desta patologia tão comum nos adultos: a dissimulação. Não nos referimos aqui a
pequenas mentiras, possíveis da parte da criança, e que precisam ser analisadas caso por caso; às
vezes, são fruto do medo, por causa de uma Educação excessivamente repressiva, algumas são
manifestação da fantasia infantil e outras podem ser o reflexo de um hábito dos adultos à sua
volta. A dissimulação da personalidade é algo mais profundo.
Na verdade, a hipocrisia humana pode ser um antigo vício do Espírito, mas é na maioria das
vezes reforçada e até forjada pelo processo educacional presente. Expliquemo-nos. A
personalidade real da criança está dormente, envolta por uma névoa de inocência e frescor
espiritual, o que representa uma espécie de recomeço para a sua alma. No entanto, impulsos
positivos e negativos de sua personalidade espiritual vêm à tona, constantemente, estimulados
pelo mundo exterior. Não tendo, porém, ainda assumido a nova Educação que está recebendo,
esses impulsos se manifestam francos e sem barreiras. Por isso, é possível observar as tendências
inatas de uma criança desde cedo, pois elas se mostram como reações vindas de seu eu profundo.
É preciso apenas saber distingui-las daquelas que são reflexos do ambiente e, em seguida, saber
como trabalhar com elas. Diante de uma Educação repressiva, porém, esses impulsos – tanto os
negativos, como os positivos – vão se recolhendo temerosos e a criança vai pouco a pouco
assumindo, sob a forma de máscara, os padrões que lhe são impostos de fora.
A criança é sincera porque não sabe ainda muito bem fazer esse jogo de “esconde-esconde” de si
mesma – no que os adultos já são peritos. O seu desarmamento psíquico, sua ingenuidade não lhe
permitem fazê-lo. É claro que quanto mais autoritária, mais homogeneizante, mais implacável for
a Educação que estiver recebendo, mais depressa encontrará os meios de se defender dos
castigos, das surras e mesmo do ridículo e da repressão do grupo, que poderiam significar a
manifestação de seus impulsos reais.
Assim, aquele espírito de observação, que citamos como uma das qualidades necessárias ao
educador, pode se exercer facilmente sobre uma criança em estado natural. Mas vai se tornando
cada vez mais difícil de usá-lo, quando o educando está submetido o tempo todo a regras e
disciplinas impositivas, que não lhe deixem espaço livre à escolha individual. Só se pode educar
de fato, conhecendo o educando. A criança não dissimula de moto próprio aquilo que ela é. Mas
deve encontrar um ambiente acolhedor e pessoas que procurem melhorá-la, sem massacrar sua
individualidade.
• Afetividade. Na infância, o ser humano passa por um processo de reconstrução da razão. Em
contato com o mundo exterior, sua inteligência vai se recompondo e se reorganizando, para se
manifestar no corpo – este novo instrumento físico à sua disposição. É como alguém que
adormecesse numa amnésia profunda e despertasse em outra casa, em outro país. É preciso
tempo para readaptar-se à nova situação e fazer o reconhecimento do novo domicílio. Enquanto,
pois, a razão se reestrutura, interagindo com o mundo concreto, servindo-se dos sentidos físicos,
como ponto de apoio, a criança é predominantemente sentimento. A necessidade de proteção e
apoio, para o recomeço de sua existência na Terra, também reforça esse aspecto. Ela se comunica
com o meio, principalmente pela afetividade.
Nesse processo, revela-se a Sabedoria Divina: sendo a lei do amor a mais importante lei da vida,
em cujo eixo gravitam todas as coisas, Deus nos dá a oportunidade de exercitá-la mais
livremente durante a infância, enquanto a nossa razão desperta aos poucos. Além disso, a
influência que a criança recebe durante esse período é sobretudo no campo afetivo e assim deve
ser, pois quando a razão estiver plenamente reconstruída pode encontrar uma base de
sentimentos bons, para iluminá-la.
Por isso, um crime imperdoável na Educação de uma criança é tratá-la com frieza e indiferença,
deixando de lhe dar esse alimento indispensável de amor e calor humano, para a edificação de
sua personalidade. O excesso de estímulos intelectuais no primeiro período infantil também é
negativo sob esse aspecto: corre-se o risco de abafar a afetividade sob o peso de uma
racionalidade muito intensa. É aliás o que ocorre muitas vezes com crianças superdotadas, que
precisam ainda mais de amor para contrabalançar suas tendências intelectuais muito acentuadas.
Não queremos dizer, com isso, que se deva frear de alguma forma o desenvolvimento da razão
nas crianças e nem que se deixe de fazer apelo ao seu raciocínio. Mas a base afetiva precisa ser
bastante forte e eficaz, para não haver o perigo de se escorregar para o intelectualismo frio.
Esse fundamento afetivo deve mesmo vir acompanhado de manifestações calorosas. Beijar,
abraçar, não ter entraves para mostrar a própria afetividade é muito saudável na Educação e em
qualquer relação humana. É evidente que o amor é antes de tudo sentimento, vibração, que se
percebe sem qualquer exteriorização, que se observa na ação para com o ser amado. Entretanto,
vivemos num mundo físico e o contato corporal é um complemento importante da afetividade.
Nas culturas latinas, onde esse contato é permitido e estimulado, as pessoas são muito mais
alegres e satisfeitas e o relacionamento humano transcorre de maneira mais espontânea e natural.
Nas culturas anglo-saxônicas, onde a troca de carinho, de beijos e abraços é bastante limitada, a
distância entre um ser humano e outro é muito maior. Os livros de Leo Buscaglia, um norte-
americano de origem italiana, vivendo num país anglo-saxônico – os Estados Unidos – fazem de
maneira leve a agradável, a apologia do jeito latino, como a melhor forma de manifestação de
amor.
O contato físico, porém, não pode ser imposto. Há crianças que, desde cedo, se mostram
arredias, apesar de viverem num ambiente expansivo. Nesse caso, será uma característica do
Espírito, mais reservado, que pode ter reencarnado predominantemente em culturas onde a
intimidade física é mais difícil.
Mas ai daqueles que abusam da afetividade infantil, com intenções grosseiras e viciosas! Ai de
quem mistura vibrações e desejos sexuais na carícia que faz e no carinho que oferta! Ai de quem
não é capaz de respeitar a pureza infantil! Esses devem procurar com urgência tratamento
psíquico e provavelmente experimentarão existências de carência afetiva e de abandono, até que
aprendam a retidão de sentimentos e a elevação do amor paternal e maternal.
• Fantasia e brincadeiras. É consenso universal que a fantasia e o gosto por jogos e brincadeiras
são características marcantes da infância. Mas há opiniões divergentes entre pedagogos,
psicólogos e demais estudiosos do assunto, quanto à função dessa fantasia e se ela deve ser
estimulada, controlada, ou mesmo reprimida.
Para alcançarmos alguma conclusão a respeito, comecemos por definir termos e conceitos.
Fantasia é a capacidade de imaginar e de criar com o pensamento coisas que, à primeira vista,
não pertencem à realidade. Brincar é a capacidade de fazer de conta, de agir dentro desse mundo
de fantasia, de concretizá-lo, de sair para fora da lógica comum e entrar num domínio de
realidade onde a lógica não está necessariamente ausente, mas onde funciona um outro tipo de
lógica, uma lógica emocional – se assim nos podemos expressar. Por exemplo, num jogo
qualquer, as regras nada têm a ver com a lógica cotidiana. Qual o motivo racional de não se
poder pisar na risca amarela, ou não se poder jogar a bola em tal direção? São regras ligadas à
lógica do prazer e do desafio – elementos essenciais da brincadeira.
Ora, é fácil de observar que tanto a fantasia quanto a brincadeira não pertencem em absoluto
apenas ao mundo infantil. A indústria cinematográfica, a literatura, o esporte, as atividades
diversas de lazer, – tudo isso tem relação direta com o ato de fantasiar e brincar. A diferença é
que os adultos ganham dinheiro com isso e as crianças não.
A pergunta que se coloca naturalmente é se essa capacidade do ser humano é algo útil ou
prejudicial, se é algo a ser estimulado ou reprimido e em que sentido. Tratando-se de uma
faculdade natural do homem, que está ligada à Arte – pois quem pode ser artista, sem
imaginação? – que está ligada à alegria e ao bom humor – pois quem pode rir e sorrir sem
brincar e quem pode viver sem rir e sorrir? – então ela não lhe pode ser tirada, não deve ser
reprimida.
Entretanto, como toda faculdade humana, esta também pode aparecer ainda misturada a
processos patológicos e desequilibrados. Estudemos em primeiro lugar a fantasia: quando o
homem solta as amarras da razão e se entrega ao mundo dos sonhos, suas aspirações mais
profundas, seus sentimentos mais escondidos vêm à tona – e por isso dissemos que a fantasia
está fora da realidade apenas na aparência. Ela expressa, ao invés, a realidade mais íntima do ser
que a concebe. Como a predominância na Terra, um mundo em processo precário de evolução, é
de Espíritos ainda imperfeitos e desajustados, a maioria das fantasias exteriorizadas, embaladas
ou não por concepções artísticas, estão contaminadas de sombras e desvios psíquicos. Raros
conseguem manter um padrão de elevação e beleza, harmonia e luz, ao apelarem para as forças
da imaginação. Assim se veem os filmes e os livros violentos, bizarros, de terror, de erotismo
grosseiro… Mas a fantasia, iluminada por bons sentimentos e intenções puras, também existe em
filmes e livros edificantes. Entendamos, porém, que quando nos referimos ao que é edificante,
não estamos falando de arte didática, empobrecida, que pretende passar uma liçãozinha fechada
de moralismo estreito. Estamos falando de manifestações estéticas originais, belas, mas que
tragam e provoquem sentimentos e sintonias positivas.
Do mesmo modo, a brincadeira. Ela pode ser uma pitada de bom humor e fineza de espírito, para
amenizar as amarguras do cotidiano. Pode se manifestar na sátira do teatro e do cinema, para a
crítica dos costumes, com um objetivo moralizante (como as obras de Gil Vicente ou de
Molière), ou mesmo para relaxar a mente e suscitar uma alegria saudável. Mas, lembrando a
escala espírita, proposta por Kardec em O Livro dos Espíritos, como forma didática de entender a
psicologia dos seres espirituais, os que se dedicam apenas a brincadeiras e leviandades são
Espíritos brincalhões, ainda distantes das responsabilidades necessárias da vida moral. Assim, a
sisudez excessiva não é sinal de santidade, pois o bom humor não é absolutamente contrário às
Leis Divinas. Mas uma vida votada somente a brincadeiras e distrações de toda a espécie, sem
nenhum serviço prestado ao próximo, sem nenhum proveito real para a alma, é vida inútil e
computada como desperdício de oportunidade.
Voltemos às crianças. Como a sua razão está se refazendo, e ela se encontra numa espécie de
descanso das responsabilidades mais pesadas da existência, é natural que sua imaginação seja
mais viva e sua capacidade de brincar seja grande. Mas se alimentarmos suas fantasias de
conteúdos sombrios e negativos, eles terão influência negativa sobre a formação de sua
personalidade atual e sobre seu estado emocional. Ao invés, devemos tirar proveito desse seu
amor à fantasia, para contar histórias edificantes e morais, que lhe tragam conforto, segurança e
bem-estar espiritual. Mais uma vez, é preciso cuidado, quando nos referimos à edificação da
literatura ou da arte em geral: é contraproducente que sejam historietas tolas, com lições de
moral explícitas e fechadas. É preciso algo elevado, mas inteligente; que provoque reflexões
positivas, mas sem dogmatismo; que desperte sentimentos bons, mas não pieguice.
A brincadeira também é uma função natural da infância. Mas, muitas vezes, a criança que brinca,
logo cai no tédio. Quem não se lembra de situações na própria infância, em que mal
começávamos uma brincadeira ou um jogo, logo nos avassalava uma sensação de desgosto e de
vazio? Isso demonstra que não é qualquer brincadeira que satisfaz o Espírito. O brincar deve
também ser canalizado para o proveito emocional e intelectual. O adulto deve sempre observar se
a criança está feliz brincando e que proveito ela está tirando desta atividade: se está aprendendo
algo, imaginando alguma coisa boa e bonita, interagindo com o meio e com os amigos de
maneira saudável. É aliás, na brincadeira, que a criança também pode revelar seus conflitos e
seus problemas. Dando livre curso às suas fantasias, ela mostra o que a preocupa, o que a atrai,
suas tendências inatas e seus desajustes presentes. E, a partir dessa manifestação, o educador
sabe melhor onde e como atuar em sua tarefa pedagógica. Por isso também, o brincar deve ser
livre e observado e, quando proposto e estimulado pelos educadores, deve ser sempre de forma a
deixar a criança se mostrar e agir com seus próprios sentimentos e suas próprias ideias.
• Criatividade. Durante o século XIX, criação era mais ou menos sinônimo de fantasia. E toda
análise do que então se chamava de gênio ou talento criador, se focalizava nas Artes. No século
XX, a palavra criatividade tornou-se corrente para designar um fenômeno muito mais amplo do
que apenas a criação artística. É óbvio que a fantasia (que nem sempre é Arte), que a concepção
artística (que nem sempre é fantasia) e a expressão estética em geral requerem alta dose de
criatividade. Mas essa faculdade humana é mais abrangente.
São considerados componentes da criatividade: a receptividade aos estímulos ambientais, a
originalidade de pensamento, a capacidade de imaginação e de julgamento, a autoconfiança, a
improvisação, a independência de opinião, o uso dos erros para a própria aprendizagem, a
flexibilidade, a abertura constante ao novo, o humor, a sensibilidade aos problemas, a capacidade
de indagar e formular questões, a intuição, a curiosidade…
Em outras palavras, poderíamos dizer que a criatividade é a inteligência em ação, em dinamismo
de aprendizagem e progresso. É a inteligência indagando e criando, fazendo uso de suas próprias
potencialidades, integrada no elã de evolução, que perpassa o universo.
Ora, recapitulando todas as características aqui mencionadas e ainda adicionando outras,
chegaremos facilmente à conclusão de que as pessoas mais criativas do mundo são as crianças.
Por seu próprio estado de desenvolvimento, elas precisam ser criativas para crescer. Todos esses
componentes, citados como integrantes do pensamento criativo, devem fazer parte dela, para que
ela possa adaptar-se ao novo corpo, integrar-se na existência, recuperar suas potencialidades. Se
ela não for flexível, curiosa, imaginativa, intuitiva, sensível... como poderá aprender?
É evidente que a pessoa em qualquer idade e em qualquer estágio evolutivo deveria ser sempre
criativo, pois do contrário sua inteligência estará embotada, estagnada, acomodada e não estará
em consonância com a lei da evolução.
Por isso, a Educação deve se preocupar não só em preservar, como em estimular a criatividade
infantil, para que ela não se perca às custas de um ensino que paralise as forças criativas da alma.
Infelizmente, não é o que acontece: a criança criativa, perguntadeira, de olhar brilhante, de
sorriso aberto, vai pouco a pouco perdendo o brilho, esmaecendo, se calando, perdendo seus
potenciais, nessa escola tradicional, que a entope de coisas prontas, de forma autoritária,
tratando-a como um número do sistema e formatando seu pensamento. A criança, que entrou na
pré-escola como um ser em explosão de vida, curioso, criativo, interessado, após completar o
ciclo massacrante da escola convencional, resultará no adolescente apático e desinteressado de
tudo.
• Mediunidade infantil. Muitas vezes, acontece de a criança ver um Espírito, sentir medo de
alguma presença, ouvir vozes ou ter qualquer manifestação desse gênero e isso ser atribuído à
sua fantasia. E nem sempre isso é justo. Por não estar completamente ajustada ao corpo,
principalmente nos primeiros anos de vida, a criança está mais em contato com o mundo
espiritual e pode muito bem ter percepções mediúnicas que escapam aos adultos. É óbvio que
não se deve estimular o desenvolvimento de uma tarefa mediúnica na criança. Ela está em
aprendizado e crescimento e não pode assumir as responsabilidades morais decorrentes de tal
tarefa. Mas, as manifestações espontâneas devem ser encaradas com naturalidade, com
explicações claras e racionais, recorrendo-se à prece e ao passe, para afastar as perturbações e os
medos renitentes.
Algumas crianças, porém, manifestam uma mediunidade precoce que não é apenas uma porta de
maior conexão com o mundo espiritual, que depois será fechada com o seu amadurecimento
biológico. Há aquelas que nascem médiuns e serão médiuns a vida toda. Nessas, as vidências, a
audição, a percepção de Espíritos, os recados que recebem, os processos obsessivos que podem
apresentar, são fenômenos mais consistentes, mais constantes, mais evidentes. Mesmo
considerando que enquanto crianças pequenas, elas não estão em condições de exercer uma
tarefa mediúnica, é preciso que essas crianças-médiuns recebam atenção especial em seus
processos de manifestação espiritual. As grandes mediunidades começam na infância e
desabrocham na adolescência. Assim, é preciso já começar com a criança uma educação
mediúnica informal, aceitando a naturalidade do fenômeno, acolhendo o que ela vê e sente,
explicando a necessidade de controle de si, mostrando a ela como distinguir seus próprios
sentimentos e pensamentos do que os Espíritos lhe passam ou sugerem… É preciso ensinar a
orar e a observar as sensações que experimenta. Ou seja, fornecer-lhe com sutileza, cuidado,
amor e didática os conhecimentos necessários, para que ela saiba lidar com a mediunidade.
Assim, chegando à adolescência, essa criança já poderá trabalhar mediunicamente como fizeram
inúmeras meninas-médiuns que atuaram com Kardec, contrariando o tabu criado atualmente no
movimento espírita, de não se permitir que adolescentes exerçam a sua mediunidade.
Para as crianças-médiuns (e qualquer criança que manifeste esse desejo e interesse) também é
útil que assistam a reuniões mediúnicas, que vejam Espíritos se manifestarem e convivam com o
fenômeno mediúnico, de forma natural e espontânea.
XII - O Educando na Adolescência

Se na análise da infância devemos levar em conta a influência do meio e do próprio Espírito


encarnado, essas variantes são ainda mais fortes quando falamos da adolescência. É na
adolescência que começa a se manifestar mais nitidamente a personalidade do Espírito, e ao
alcançar essa idade ele já recebeu a mais determinante influência da Educação presente. Assim, a
adolescência pode ser um período muito diferenciado para cada indivíduo, dependendo ao
mesmo tempo de sua bagagem de outras vidas, do tipo de infância de que está saindo e de
estímulos a que estiver exposto nesse período.
Especialistas no assunto colocam a puberdade (11 a 12 anos) como pequena fase de transição
entre a infância e a adolescência (13 a 18 anos).
Procuremos o que há de universal e o que há de individual, o que há de social e o que há de
natural nesse período da vida humana – puberdade e adolescência – buscando definir como a
criatura poderá vivenciá-lo de forma equilibrada e útil ao cumprimento de suas tarefas na
existência presente.

A PERSONALIDADE EMERGENTE

O fato essencial da adolescência é o gradual despertar psíquico do Espírito encarnado,


condicionado pelo desenvolvimento biológico. Corporalmente, o adolescente está se tornando
adulto, e espiritualmente está começando a mostrar seu eu profundo. A alma encarnada está em
vias de tomar posse definitiva de seu aparelhamento biológico, de sua razão plena, de sua
existência presente. Está saindo da tutela alheia para assumir a responsabilidade da própria vida.
Pode ser reducionista analisar esta fase de transição, centralizando toda a maturação do
adolescente no plano sexual e considerando esse período como necessariamente de crise aguda.
Numa visão mais integral do homem, não concordamos que na libido está o ponto de irradiação
de toda vida física e psíquica do ser humano. E numa proposta educacional equilibrada, a crise
da adolescência (como as crises de outras idades) não é uma fatalidade biológica. Ao invés, a
presença de uma crise muito aguda indica que o desenvolvimento não está sendo salutar – seja
por incompetência da Educação, seja por desajustes graves trazidos pelo Espírito encarnado.
Conflitos, problemas, questões a trabalhar e a resolver são naturais de todo processo de
aprendizagem e desenvolvimento. Mas se houver maturidade e segurança, por parte dos
educadores, tudo pode ser superado sem traumas e desvios.
O aspecto principal da adolescência – que é o da personalidade emergente do Espírito encarnado
– deixa de ser uma grande surpresa e fonte de muitos conflitos se, na fase infantil, já houve uma
observação atenta das tendências daquele indivíduo e se ele próprio já foi estimulado à
autoanálise. Se a Educação, até aquele ponto, não tiver sido demasiadamente opressora da
personalidade encarnada, não haverá uma explosão violenta de tendências desconhecidas.
Não se pode negar que essa é uma fase mais difícil que a infância, pela aparição de conflitos
internos do Espírito encarnado, aliados às mutações biológicas e à busca de identidade.
Juntamente com a personalidade emergente do passado, surgem às vezes vagas lembranças,
anseios indefiníveis, que nada mais são do que um eco das existências passadas. Dúvidas
existenciais, impulsos diversos e repentinos, melancolia ou revolta podem ser reflexos de outras
vidas, que vêm à tona, com o avanço da idade, e por isso devem ser trabalhados com cuidado e
amor.
Analisemos algumas características predominantes desta fase:
• Desejo de liberdade. Já que o Espírito está retomando sua personalidade e reassumindo sua
vida, é natural que anseie pela libertação da tutela que lhe era mais aceitável na infância. Quando
nasce esse anseio natural e positivo, é preciso que a Educação já tenha trabalhado com a criança
em liberdade e conseguido assim plantar a delicada flor da responsabilidade. Se a criança se
sentiu oprimida, escravizada, sem nenhuma possibilidade de ter voz e de escolher ações, o
impulso de liberdade do adolescente poderá ser agressivo e negativo. Mas, se a liberdade já foi
experimentada, a busca por mais liberdade se pautará naturalmente pelos parâmetros da
consciência moral e do respeito aos vínculos afetivos estabelecidos.
Às vezes, pais e educadores custam a aceitar o crescimento físico e mental dos filhos e alunos e
sufocam todo impulso de liberdade, gerando conflitos. Outros acreditam que atender a essa
necessidade dos adolescentes significa abandoná-los à própria sina, abdicando de orientá-los. A
função educativa não deverá ter absolutamente cessado nesse período, mas deve deixar que
aumente gradativamente a quota de responsabilidade do indivíduo na direção de seu próprio
destino.
Ora, o problema é que o impulso de liberdade por parte dos adolescentes é muitas vezes desviado
dos seus objetivos elevados, na construção de uma personalidade adulta equilibrada. Liberdade,
para muitos, é poder ir à vontade a festas, buscar todos os prazeres e a satisfação de todos os
caprichos, realizar todas as “experiências” sexuais possíveis. Então, o legítimo impulso de
liberdade dos adolescentes se destrambelha por falta de valores morais, que lhe orientem o
rumo.
Na verdade, o indivíduo só se faz livre na medida em que avança calma e conscientemente na
realização de si, no desabrochar de suas potencialidades, e não desperdiçando tempo e talento
sem fazer nada de útil e bom para si ou para os outros. Mas isso não se obtém através de
imposições, e sim de estímulos e exemplos e da vivência da própria liberdade. (Ver Cap. XVI)
O desejo de liberdade do educando bem orientado não produz o rompimento dos laços afetivos
com os educadores. Se o diálogo for aberto, livre e franco, sem melindres, podem até ocorrer
tempestades de conflitos passageiros – afinal tanto a ânsia de saída da casca do ovo, quanto o
instinto de proteção materno ou paterno às vezes são fortíssimos. Mas tudo passa, se o amor é
sólido e o diálogo autêntico.
• Despertar da sexualidade. Esse aspecto da adolescência é muito enfatizado atualmente, e a ele
pretende-se reduzir essa fase. É óbvio que o desenvolvimento físico vai condicionar e permitir a
manifestação mais clara da sexualidade, que mesmo durante a infância, jamais está
completamente apagada. Mas, dá-se algo muito diferente do que os materialistas admitem. Para
eles, os conflitos aparecem porque o adolescente está descobrindo o que é a sexualidade e
fazendo experiências com ela, porque quer se autoafirmar nesse setor e se sente inferiorizado…
Ninguém nesse mundo está iniciando uma vida sexual, mas está retomando o uso do sexo em
outro corpo e em outras condições. Essa retomada biológica é influenciada pelos estímulos
presentes, mas também e sobretudo pelas heranças do passado. O problema é que a maioria dos
seres humanos, em nosso atual estágio evolutivo, ainda traz desequilíbrios, impulsos mal
resolvidos, insatisfações profundas nessa área. Assim, o despertar da sexualidade num novo
corpo raramente é tranquilo e isento de conflitos.
Por isso mesmo, os estímulos externos nesse sentido devem ser muito positivos desde a infância,
a orientação e o exemplo dos adultos devem ser elevados, a formação moral e espiritual deve ser
segura – tudo para que o adolescente tenha condições de enfrentar seus desequilíbrios, anseios e
problemas com coragem, serenidade e firme propósito de evolução e não com falsas teorias que
recomendam entregar-se cegamente a todos os instintos. (Ver a respeito no Cap. VI, o item “O
namoro”; e no Cap. XVI, “Educação sexual”.)
• Carência afetiva. Nem todos os conflitos que o adolescente enfrenta são devidos meramente
ao desejo sexual. A necessidade afetiva, a sede de carinho e companhia são muito mais fortes do
que o mero impulso da libido. Aliás, é na busca desses ingredientes, que muitos se entregam
precocemente a uma vida sexual ativa.
O sentimento de solidão, que todo ser humano vivencia durante a existência terrena, parece mais
forte nesse período de dúvidas, anseios e conflitos, em que o Espírito está se encaixando numa
nova realidade existencial. Sem saber, pode experimentar saudades de almas queridas que
ficaram no além, ou com as quais vai se encontrar mais adiante na vida terrena. A dificuldade de
se ajustar aos tempos atuais (afinal todos viemos de tempos antigos e há muitos Espíritos
sensíveis que não conseguem se adequar facilmente a um século de frieza tecnológica) pode
também gerar essa necessidade premente e desesperadora de afeto. Se os adultos à sua volta se
mostram compreensivos e lhe dão carinho e atenção, podem ajudar a sanar o problema e evitar
que o adolescente vá buscar em distrações sexuais vazias ou nas drogas, a compensação para o
seu sentimento de carência e solidão.
• Rebeldia e reivindicações. A rebeldia do adolescente e o ímpeto de reivindicar seus direitos
estão frequentemente ligados ao desejo de liberdade. Pode-se tratar de alguma reivindicação
justa, apesar de exagerada pela sensibilidade ferida. A ausência afetiva do pai, da mãe ou de
ambos, os privilégios injustos de outro irmão ou o excesso de repressão e protecionismo, podem
estar na base de uma explosão de revolta.
Quase sempre, trata-se de algo sem fundamento lógico. Imerso num turbilhão de conflitos, de
emoções desencontradas, de carências e anseios indefinidos, o adolescente manifesta uma
rebeldia instintiva, que significa um desajuste momentâneo, uma revolta contra tudo e contra
todos.
O adulto experiente, sereno e seguro, deve analisar se há alguma base que justifique a crítica e o
desafio de filhos ou alunos, se ele pode corrigir algo em sua própria atitude, ou se tudo não passa
de uma tempestade para alívio de tensões. De qualquer forma, deve manter a paciência e não se
desgovernar emocionalmente, para servir de ponto de equilíbrio ao adolescente.
• Autenticidade. A sinceridade infantil ainda não morreu na adolescência, mas adquire o ímpeto
e a ênfase próprios dessa fase. O adolescente é franco, autêntico e às vezes gosta mesmo de
chocar os mais velhos. Sensível à hipocrisia de muitos adultos, revida em tom de franqueza rude.
Se encontrar como resposta a franqueza serena, equilibrada e sem melindres, ajustar-se-á por si
mesmo e não perderá a autenticidade saudável, que muitos adultos já esconderam de si.
• Hipersensibilidade. O adolescente tem uma sensibilidade exagerada, que se manifesta em
meio a lágrimas, mágoas, emburramentos e um sentimento de estar sendo constantemente
injustiçado. Isso tudo faz parte desse estado desencontrado de emoções em que se vê.
É preciso que os adultos respeitem essa hipersensibilidade, sem alimentá-la, para que ela não
cresça além dos limites da saúde mental, não crie raízes permanentes na personalidade atual e
não degenere em autopiedade, sentimento extremamente prejudicial ao Espírito, pois é uma
forma exacerbada de egoísmo. Nesse sentido, é necessário evitar gozações e repreensões rudes,
que fortifiquem a autopiedade. A atenção e o diálogo são sempre os melhores remédios.
• Atração pelo grupo. Para preencher a carência afetiva, para realizar seu ímpeto de liberdade
(que significa também libertar-se da tutela familiar), para se integrar na realidade presente, o
adolescente vai buscar apoio no grupo. De todas as fases da vida humana, esta é a que o
indivíduo mais procura partilhar, mais deseja companhia e reconhecimento dos seus pares.
Adolescentes em grupo – eis uma constante universal.
Isso não significa necessariamente que eles estejam encontrando no grupo a satisfação que
procuram. Amizades escolhidas e equilibradas, num relacionamento de troca e de confidências,
de companheirismo e de partilha, são úteis e necessárias ao desenvolvimento e à sanidade
psíquica de qualquer um. Mas o convívio desenfreado com muita gente – o bando – nem sempre
é uma forma saudável de socialização. Se não recebeu uma Educação que lhe tenha permitido
desenvolver sua personalidade, o adolescente pode perder a própria identidade, assumindo a
identidade coletiva do grupo. É o que acontece nos casos extremos das gangues de toda a
espécie, que pululam pelo mundo.
A vida social do adolescente deve ser orientada pelos educadores, para que o grupo não se torne
um apoio ao desequilíbrio. Onde todos buscam a liberdade sem responsabilidade, as experiências
desgovernadas e a futilidade por meta principal, geralmente brotam processos obsessivos e
maiores insatisfações. Essa orientação deve ser feita, porém, com o devido respeito aos
sentimentos e escolhas do indivíduo, para que ele não se sinta lesado em sua vida íntima.

DOENÇAS ATUAIS

Se a adolescência pode ser um período problemático para grande parte dos Espíritos encarnados,
pelo fato de ainda carregarmos todos heranças perturbadoras do passado, que começam então a
ganhar predominância, a sociedade moderna dificulta ainda mais uma vivência equilibrada dessa
fase.
Muitos pais e mestres se sentem desorientados, por não saberem lidar com determinados
problemas do educando. Essa insegurança – que pode ser vencida pelo esforço, pelo estudo, pela
oração, pelo amor – facilita as brechas por onde entram os apelos negativos da
contemporaneidade. Mesmo aqueles educadores, plenamente conscientes de seu mandato, têm de
lutar contra estímulos contrários e poderosos do grupo e dos meios de comunicação.
Muitas vezes, é na adolescência que se dá o momento decisivo, em que o Espírito incorpora a
Educação recebida – se é que recebeu uma influência construtiva – e aceita lutar para se elevar,
ou começa a fraquejar ante estímulos negativos do meio, que vêm de encontro às suas tendências
negativas do passado.
É verdade que, como já vimos, a boa Educação pode produzir seus efeitos em qualquer época da
vida – até em próximas encarnações. Assim, é possível que um Espírito se rebele logo cedo
contra valores que lhe foram exemplificados em casa, mas na maturidade, ou na velhice até, eles
voltem à tona e iluminem pelo menos parte da existência. Mas também é fato que a adolescência
é um dos momentos mais perigosos, para alguns passos no sentido do desequilíbrio.
O melhor preventivo contra isso, a ser adotado pelos pais, é a presença constante na vida do
adolescente: uma presença amorosa, uma autoridade moral, um exemplo autêntico, uma
referência segura. A ausência, a omissão, a indiferença são os maiores responsáveis pelas
doenças espirituais, psíquicas e sociais, que podem contagiar a adolescência.
• Apatia. A indiferença e a apatia podem aparecer como manifestação de tédio da existência, da
falta de um objetivo, da carência de amor e estímulo. O adolescente vai se arrastando no dia-a-
dia, cumprindo mecanicamente o ritual do cotidiano, sem entusiasmo e sem encanto. Nem o
estudo, nem saídas, festas e diversões lhe despertam interesse e elã. Não reage a nada. Esse
estado é muito mais perigoso que a rebeldia, pois amortiza as forças da alma e lança o indivíduo
numa espécie de modorra espiritual, mais difícil de ser desfeita do que o ímpeto da revolta.
Essa apatia pode ser fruto tanto de uma Educação repressiva, quanto do abandono. A escola
tradicional tem uma parte grande nesse processo, ao abafar gradativa e sistematicamente toda a
curiosidade, vivacidade e autonomia da criança. A personalidade oprimida, calada, pode revoltar-
se ou acomodar-se, escondendo-se. O abandono afetivo pode gerar um desencanto profundo.
Sem alimento de atenção, diálogo, carinho, o ser humano enfraquece seu brilho.
Do ponto de vista espiritual, apatia significa também uma desilusão existencial, que vem da falta
de fé, do materialismo. A visão de mundo materialista estiola a alma, resseca as esperanças e o
ímpeto de viver. Tudo fica mesquinho e pequeno. Se, em decorrência dessa falta de um ideal
mais elevado, alguns se atiram sofregamente à busca de diversões e prazeres, para abafar a
insatisfação íntima, outros caem na modorra e desinteressam-se de tudo.
Há ainda um fator extracorporal, que pode alimentar a apatia: a presença de Espíritos
vampirizadores que sugam as energias do adolescente e estimulam o tédio e até o sono
excessivo. Também o desperdício precoce e desequilibrado de energias sexuais, seja através da
excessiva masturbação ou de relações sexuais com diversos parceiros simultâneos ou sucessivos,
pode atrair a vampirização e a consequente apatia. Nesses casos, o cultivo do lado espiritual será
um contraponto importante, junto com o incentivo ao autocontrole.
De resto, nada melhor para robustecer a alma, dando-lhe ânimo de viver e entusiasmo de agir, do
que valores morais firmes, amor compartilhado e o pensamento elevado para o infinito.
• Massificação. A sociedade de massas, em que vivemos, começa a moldar as cabeças desde a
primeira infância. O apelo desenfreado ao consumismo, a divulgação maciça de teorias
materialistas e niilistas, a valorização do prazer físico em detrimento de qualquer
responsabilidade moral, a arte desfigurada pelo comercialismo e pelo brega…– tudo isso vai
sendo impingido nas mentes, pela televisão, pelo cinema, pelos jornais e atualmente até por
alguns livros infanto-juvenis (cujos autores já perderam qualquer compromisso com a Ética e
com o bom gosto, assumindo o interesse comercial e o sensacionalismo como base de seu
trabalho).
Com isso, não estamos criticando os meios de comunicação em si, pois são instrumentos
valiosíssimos de divulgação cultural, de informação e mesmo de Educação, mas o uso que deles
se vem fazendo é na maior parte do tempo negativo e prejudicial. E isso porque o lucro toma a
dianteira, deixando em segundo plano os valores éticos e estéticos. O acesso à produção e à
transmissão da comunicação está nas mãos de pessoas que, em sua maioria, se põem a serviço da
manipulação das massas, das manobras políticas, da alienação. Apesar disso, existem exceções.
É preciso procurá-las com atenção.
O resultado geral desse estado de coisas é que, diante dos meios de comunicação, os indivíduos
se tornam números de audiência e consumidores em potencial. Tanto num caso como no outro,
procura-se conquistá-los a qualquer preço, moldando seu comportamento, seus gostos, criando-
lhes, ou pelo menos despertando-lhes necessidades e sonhos, desejos e impulsos. Como o
objetivo é vender (seja o que for – produtos, ideias, audiência...), não se questiona se os
comportamentos, necessidades e gostos estimulados são positivos e úteis para o indivíduo e para
a sociedade. O efeito disso é tanto mais devastador quanto menos defesa tiver a pessoa, na
formação e na valorização da opinião própria. Isto é fatal durante a Educação, se não houver um
espaço psíquico em que a criança e o adolescente possam firmar-se na reflexão crítica, na
construção de sua personalidade, no desenvolvimento de seus gostos e tendências.
Abandonado a si mesmo, sem o empenho de uma Educação que se esforce para fazer
desabrochar sua individualidade, o adolescente, com sua tendência a ser atraído pelo grupo, vai
deixar de fortalecer sua identidade na presente encarnação, para tornar-se um autômato
massificado, vestindo-se, falando, pensando, agindo como todo mundo.
Este é um fato tão patente que se pode viajar pelo mundo todo e notar a similitude de atitudes
dos adolescentes. Não nos referimos aqui às características universais dessa fase da vida humana,
que podem ser comuns a qualquer cultura, mas as assimilações postiças, desenvolvidas
artificialmente pela sociedade de massas, que tornou esse mundo uma aldeia global.
É claro que para se ter personalidade e ser diferente dos outros, não é preciso adotar atitudes que
choquem a maioria, apenas com o objetivo de ser original. Pode-se perfeitamente usar calça
jeans e ter uma cabeça própria. Mas é preciso proporcionar a oportunidade de reflexão e crítica,
em que o indivíduo construa seu raciocínio e sua visão de mundo, sob a inspiração de pessoas
elevadas e ideias sensatas e não se deixe invadir pelas vagas e confusas e incoerentes visões, que
lhe chegam de toda a parte.
• Drogas. Sem dúvida, o problema das drogas em nosso século se tornou uma calamidade
pública, ceifando milhares de vidas e movimentando internacionalmente um dinheiro
incalculável. Porém, por mais que o governo e a polícia em todos os países combatam traficantes
e máfias envolvidas (e quantas vezes governos e polícias são aliados), nada será mais eficaz para
lutar contra as drogas do que a Educação. Apenas quando os indivíduos estiverem moralmente
imunizados, é que os tóxicos deixarão de ser explorados para viciar, degradar e matar. Isso se
prova pelo fato de que adolescentes e jovens viciados são problema em todos os países, pobres e
ricos, em todas as classes sociais, em todas as culturas. O antídoto, assim, não pode ser apenas
político ou econômico, social ou médico – deve ser moral.
O ser, consciente do respeito que deve ao corpo e a si mesmo, que ama a vida e ao próximo, que
tem ideais nobres e elevados, recusa a autodestruição e a fuga, o suicídio e a letargia. Mas para
respeitar e amar a si mesmo, o adolescente deve ter sido respeitado e amado. A rejeição, a
violência, o abandono podem induzir um ser humano a tal desgosto de si, que a saída para as
drogas se lhe torna atrativa. Para ter amor à vida, apego a alguém e um objetivo, é preciso que
lhe tenham proporcionado algum apoio, algum estímulo positivo.
As histórias trágicas de vida podem assim levar às drogas. Mas, às vezes, a tragédia não é
visível. Alguém pode ter riqueza, instrução, poder e status social e se entregar ao vício. Não é
por possuir esses apetrechos exteriores, que recebeu mais amor que outro, violentado e jogado no
meio da rua. A solidão e o desespero existencial, o tédio e o desamor podem brotar tanto na
favela quanto na mansão. Onde os seres humanos não se falam, não se respeitam, não se amam e
vivem o inferno de estarem juntos fisicamente e separados pelo egoísmo – aí aparece a brecha
para a destruição.
Pode-se argumentar que há famílias bem estruturadas, com filhos drogados. Primeiro, é preciso
sempre observar se esta estrutura é real ou aparente e se o amor e o diálogo são de fato autênticos
e profundos. Em caso positivo, apesar de se sentir amparado, o adolescente pode não ter
desenvolvido uma personalidade suficientemente forte para enfrentar as influências externas, ou
não ter uma base moral e religiosa convicta, com que possa derrubar os sofismas que ouve de
colegas e amigos. Mas se a família realmente o ama e se interessa por ele, constatado o
problema, poderá ajudá-lo na saída do vício, com muito devotamento e empenho, estimulando
nele uma vontade firme.
Um fator pouco conhecido, até mesmo por espíritas, e que acompanha todos os casos de droga (e
de outros vícios não menos graves, como o alcoolismo ou os desequilíbrios sexuais) é a
obsessão. Em todo resvalo no crime ou na viciação, há Espíritos igualmente criminosos e
viciados, estimulando o mal. No entanto, o primeiro passo na queda sempre pertence ao livre-
arbítrio do encarnado e o primeiro passo da recuperação também depende de seu esforço e
vontade. Mas para ter a vontade de lutar e vencer, é preciso às vezes um estímulo externo, que o
amor de alguém pode dar.
O devotamento de uma pessoa que o ame, a ajuda espiritual, a vontade própria e o tratamento
médico – esses fatores conjugados podem tirar alguém do caminho da droga. O tratamento
desobsessivo pode ser importante nesses casos. Na ausência de acompanhamento terreno nesse
sentido, nada impede que os Espíritos Protetores façam a sua parte, ajudando o encarnado a se
livrar de uma obsessão, se ele mesmo se ajuda, e encaminhando os obsessores para o bem. É fato
que para largar as drogas, o indivíduo precisa ganhar um objetivo de vida, sentir-se útil, achar
um sentido... Isso significa, de qualquer modo, mudar a sintonia, elevar o padrão vibratório e isso
é uma porta de saída da obsessão. Aliás, o processo de desobsessão, que deve cuidar do obsessor
e do obsedado, implica na mudança moral deste. Então, tudo o que promova e facilite esta
mudança, contribui para a recuperação.
Estas três doenças – a apatia, a massificação e as drogas – podem aparecer sozinhas ou
associadas e uma pode favorecer o surgimento da outra. Elas podem começar na adolescência,
mas atingem igualmente com toda a força a juventude.
XIII - O Educando na Juventude

O CARÁTER DA JUVENTUDE

A juventude sempre foi considerada a época dos grandes arroubos e dos grandes ideais. Sonhos
heroicos e otimistas, anseios de luta e renovação são qualidades reconhecidas nos jovens. Isso se
explica facilmente. O Espírito, atingindo a fase adulta, entra na plena posse de si mesmo e inicia
propriamente as responsabilidades mais graves da presente existência. Os ecos dos
compromissos assumidos no plano espiritual ainda estão frescos em sua alma e vêm ao coração
em forma de sonhos e impulsos. A vontade de autorrealização e o ideal de mudar o mundo se
conjugam. A euforia física, a energia vital, o vigor – tudo isso condiciona organicamente esse
estado de espírito.
Não foram poucas as vezes na História em que os jovens, imbuídos desse idealismo arrojado,
promoveram movimentos sociais e políticos, artísticos e religiosos, renovando a paisagem do
mundo. Muitos ofereceram suas vidas em guerras e revoluções. Tantos empunharam o idealismo
de forma feroz, semeando também a violência e a morte. Outros, no impulso de corrigir e de
romper com o conservadorismo e a opressão moral, abusaram de suas energias vitais e se
entregaram à devassidão.
É inegável, porém, que a juventude, tomada em seu aspecto coletivo, é uma força social
renovadora de que as nações e a humanidade necessitam para progredir. A volta dos Espíritos,
pelo processo da reencarnação, não proporciona apenas à própria individualidade a oportunidade
de evolução. Retomando a vida em outras condições, interagindo com a História, os Espíritos
que voltam são as novas gerações, incumbidas de empurrar o mundo para frente.
No intervalo entre uma existência e outra, o Espírito também aprende, toma novas resoluções,
ouve conselhos e instruções de seus guias. Reencarnado, dependendo de seu livre-arbítrio e da
Educação que recebeu, vai cumprir mais ou menos fielmente ou trair compromissos assumidos e
decisões tomadas. Comumente, vozes da própria consciência e dos Espíritos guardiães ainda
ecoam com relativa força durante a juventude, tão cheia de promessas de realização.
Encarada no conjunto, portanto, uma nova geração sempre tem maior soma de bons propósitos e
vontade de evolução do que muitas das pessoas mais velhas, que já se acomodaram na rotina; do
que muitos Espíritos que já fracassaram nos deveres que haviam trazido para a presente
encarnação.
Já ficou dito, e o reafirmamos sempre, que em qualquer fase da existência a renovação é
possível. O Espírito é eterno e soberano e pode superar qualquer condicionamento físico e
psíquico. (Ver Caps. XIV e XV) Podem-se observar homens e mulheres maduros e até velhos,
que vinham trilhando um caminho falso e promovem uma reviravolta saudável em suas vidas. O
esforço para isso, porém, é muito intenso, pois atitudes, vícios, padrões culturais e psíquicos já
estão, a essa altura, bastante cristalizados.
A juventude, nesse sentido, é muito mais flexível. Embora já tenha a carga de uma Educação
recebida, ainda não deu tempo de se fixar tão profundamente nos traços de sua nova
personalidade (que como sabemos é uma interação entre heranças do passado e aquisições do
presente). Por isso, por mais que um jovem esteja desviado dos propósitos construtivos que
trouxe para a vida, há ainda nele muitas cordas sensíveis, que podem ser acionadas, para que
mude de rumo.

A CONFIANÇA NOS MESTRES

Uma dessas cordas sensíveis é justamente a confiança. Exceção feita aos Espíritos muito
viciados na hipocrisia, desde outras existências, e que se mostram hábeis em cálculos e disfarces
já na primeira juventude, a maioria dos jovens conserva certa ingenuidade, que se traduz por uma
incapacidade de trapacear e enganar com tanta sagacidade, quanto aqueles que já se diplomaram
em anos de prática.
Por causa dessa característica, indicando que a juventude ainda tem uma porta de acesso ao
processo educativo, os jovens aceitam facilmente lideranças. Pessoas de sua confiança,
professores, pais, amigos, namoradas e namorados mais velhos, líderes intelectuais, religiosos ou
políticos podem exercer grande influência sobre suas vidas e personalidades.
Porém, muito mais do que a criança, que recebe influência mais generalizada de pessoas com
quem convive, o jovem seleciona essa influência pelo grau de afinidade psíquica com aquele que
a exerce e pelas tendências que já revela claramente.
Assim, em muitas ocasiões históricas, surgem líderes que abusam da confiança da juventude,
inclinando-a à realização de interesses escusos, violentos ou viciosos. Seitas perigosas, grupos
políticos e revolucionários radicais, movimentos pseudofilosóficos, vão recrutar adeptos entre os
jovens confiantes, que canalizam ideais e esperanças para falsas promessas e dilapidam suas
vidas em caminhos errôneos.
Por outro lado, esse caráter de confiança, de quem ainda está apto a aceitar orientação e estímulo,
permite ao jovem encontrar mestres e líderes, que lhe inspirem ideias elevadas e podem exercer
uma influência decisiva em sua existência.
É nesse período da vida, portanto, que o ser humano elege os mentores da sua vida mental, que
abre mais ou menos conscientemente a sua razão a uma influência positiva ou negativa. Se tiver
sido solidamente orientado na infância e na adolescência, desenvolvendo um espírito de crítica e
discernimento, saberá escolher mestres dignos desse nome. Caso contrário, corre o risco de ser
ludibriado em sua boa-fé.
Os professores universitários devem meditar nesse problema, para que tenham plena consciência
de suas responsabilidades. Não é raro um professor exercer uma influência decisiva na vida do
aluno, principalmente se as relações entre ambos forem prolongadas, se houver uma afinidade de
tendências ou, ainda, se o professor tiver um carisma e um magnetismo próprios de uma
personalidade-líder.
Mais trágico é o fato, bastante frequente, de pais ou mães assumirem um domínio negativo na
vida do indivíduo. O espírito crítico, que poderia libertar o jovem dessa influência, é difícil de
ser aplicado no caso, porque a formação recebida dos pais e a ascendência natural que estes têm
sobre os filhos cerceiam o discernimento. Do ponto de vista afetivo, é também muito duro
reconhecer que os próprios genitores representam algo de problemático. Não devemos nos
esquecer, porém, que nas relações familiares, o que se manifesta com mais frequência são as leis
da afinidade e assim como há famílias com determinadas especialidades profissionais ou
artísticas e famílias unidas no amor e na elevação de sentimentos, há também famílias que se
afinam nas patologias espirituais. Em tais casos, às vezes são necessários longos anos, e até
longos séculos, para que um membro mais consciente comece a se elevar acima do grupo e
depois venha em socorro dos demais. Processos terapêuticos podem auxiliar o indivíduo a
reconhecer sua identidade de maneira independente da família, para que consiga se sobrepor às
patologias e romper o ciclo vicioso de reproduções negativas.
Em qualquer circunstância, a escassez de verdadeiros mestres no mundo atual não significa que o
jovem possa deles prescindir. Todos precisamos da inspiração dos que vão na vanguarda, para
adquirirmos mais ímpeto na evolução. Assim, não é preciso que os mestres estejam encarnados e
que tenhamos contato pessoal com eles. Podemos achá-los nas obras de homens e mulheres que
realmente contribuíram para a edificação de um futuro melhor para a humanidade, lendo suas
ideias e suas biografias. Fortalecer o propósito de evolução, conhecendo exemplos dignos de
serem seguidos, é essencial para alimentar positivamente os ideais na juventude.
Além disso, todas as vezes em que meditamos com intensidade sobre as ideias e os exemplos de
Espíritos superiores, que já não estão encarnados, estabelecemos naturalmente uma ligação
mental com eles. E quem disse que eles não podem nos inspirar de longe, pelo impulso do
pensamento e da simpatia? O reverso também é verdadeiro: a escolha de leituras e mestres,
deficitários em moralidade e que alastraram no mundo ideias perniciosas, pode também nos
colocar em sintonia com eles – muitos dos quais, aliás, ainda podem estar persistindo em seus
erros e em seu desejo de dominar consciências.
Quem elege Jesus como Mestre supremo de seus ideais, tem logicamente um padrão de
referência seguro, para medir a verdade e a grandeza de outros mestres. Entregando-lhe nossa
confiança e devoção, teremos mais discernimento para reconhecermos a estrada reta.
Lembremo-nos também de que todos nós possuímos nosso guia espiritual, que é nosso professor
particular de evolução – se assim podemos nos expressar. Recorrer a ele, através da prece,
buscando inspiração pelo pensamento ou pela mediunidade (nossa ou de outros), é sempre um
recurso possível para nossa orientação – é claro, em assuntos morais e filosóficos e não em
negócios terrenos ou em decisões pessoais que nos compete assumir.
No entanto, não se pode deixar de considerar uma verdadeira bênção quando, em nossa
juventude, nos é possível encontrar em carne e osso alguém a quem chamamos com gosto de
mestre. Esse mestre pode se corporificar num pai, numa mãe, num professor, num amigo, num
parente qualquer… Pode ser de maior ou menor estatura. Pode apenas nos influenciar
profissionalmente ou se estender ao plano intelectual e ideológico. Mas o melhor mestre é aquele
que se revela aos nossos olhos em toda a sua integridade moral e nos estimula o amor à virtude.
Não podemos deixar que esse sentimento natural de confiança, que o jovem experimenta por
aqueles que lhe despertam admiração, degenere em idolatria cega, por mais digno de respeito
seja o mestre em questão. Aliás, quanto mais verdadeiro o mestre, mais ele rejeitará essa sujeição
psíquica, contribuindo para a independência moral e mental do jovem, estimulando-o a seguir
seus próprios caminhos e evitando o fervor excessivo. Quanto mais interesses inferiores tiver um
líder, mais incentivará a idolatria, para manter sua dominação. O verdadeiro mestre aproveita a
confiança que o discípulo lhe dá espontaneamente, para ajudá-lo, com absoluta abnegação. O
usurpador do título de mestre explora a confiança alheia, para estabelecer uma relação de poder
ilícito. Se desde a infância, porém, o jovem tiver treinado os olhos para reconhecer a honestidade
e detestar a hipocrisia, facilmente ele distinguirá uma coisa da outra.
A JUVENTUDE ATUAL

Dissemos no início que a juventude sempre foi vista como época de idealismo e de entusiasmo.
É preciso, infelizmente, fazer uma ressalva, focalizando a juventude das últimas décadas. Já
Léon Denis, no começo do século XX, identificava uma apatia, um desânimo e um arrefecimento
de ideais nos jovens e atribuía isso ao avanço do materialismo.
De lá para cá, a situação se agravou muitíssimo, pois mais recentemente o niilismo tem tomado
conta de numerosas mentes. Dentro dos quadros do materialismo, ainda houve certos ideais,
como por exemplo os ideais científicos ou o ideal socialista. Este revelava um impulso de
transformar o mundo. Numa situação como a da ditadura militar brasileira – só para situar o tema
na realidade concreta – a militância esquerdista podia mostrar por parte de alguns o devotamento
a um ideal de liberdade e justiça. Com a recente queda das ideologias políticas, que eram o
último reduto de algum idealismo, amainaram-se os impulsos de mudança social. Era natural que
as doutrinas socialistas perdessem o brilho, também por causa do malogro da União Soviética.
Mas houve uma faceta cruel na destruição do sistema totalitário soviético – é que o império
norte-americano, o sistema capitalista predatório da natureza e explorador do ser humano, não
encontra mais oposição. Ele domina o mundo através das grandes corporações e as consciências,
através da manipulação da mídia.
Uma das consequências tristes deste cenário são muitos jovens conservadores, individualistas,
completamente destituídos de espírito crítico em relação a esse sistema injusto de dominação da
humanidade, através do capital e das forças da guerra. A morte das utopias e dos projetos de
emancipação humana na segunda metade do século XX formou gerações amortecidas, sem
sonhos de transformação social. Também pelo fato de que se sentem impotentes para mudar
algo. É aliás o que o sistema quer que todos creiam: o capitalismo selvagem, desumano e
excludente é um determismo de que ninguém pode fugir, e por isso, nada há para sonhar e mudar
no mundo.
Já analisamos também o quanto o ideal de família ficou deteriorado em nossa época (ver Cap.
VI), e esse é um dos impulsos básicos do ser humano, que toma forma mais concretamente na
juventude. O entusiasmo de viver não está apenas ligado aos ideais de realizar algo de grande e
útil, mas também ao encontro da pessoa amada, que sirva de estímulo e apoio a essas realizações
e ao sonho de ter filhos. Ora, uma juventude que se atira, por força dos próprios impulsos
desgovernados e por força da influência preponderante das teorias niilistas de hoje, a variados e
instáveis relacionamentos, acaba por armazenar dentro de si um desencanto, que resulta em
indiferença e frieza. Até existe em muitos o desejo de constituir família, entretanto, já chegam a
essa realização depois de tantos desencontros, que muitos casamentos duram pouco e não
resistem ao desgaste do cotidiano.
Cita-se a situação econômica em crise, as flutuações do mercado de trabalho, a falta de
perspectiva profissional e financeira, como fontes, não só do desânimo em que a juventude das
últimas décadas mergulhou, mas até da dificuldade em se casarem e terem filhos. A luta pela
sobrevivência sempre foi difícil no mundo e faz parte natural da existência. As crises foram
constantes no decorrer dos séculos. Não se justifica a perda de entusiasmo e vigor e o declínio
dos ideais de família, por motivos econômicos. A não ser que isso se dê justamente pela
canalização de todos os objetivos do homem para o plano financeiro.
A discrepância entre o crescente desejo do supérfluo e a impossibilidade de adquiri-lo é grande.
O estímulo à compra e à aquisição aumenta em medida inversamente proporcional ao poder
aquisitivo e à facilidade de ganho individual. É isso o que se observa em todo mundo, gerando
grande insatisfação. Mas ainda aí a crise é moral: pois se deslocamos nossos valores e ideais para
níveis mais altos do que a satisfação consumista, a frustração será menor e isso não chegará a
atrapalhar nosso gosto de viver.
Os motivos econômicos podem sim atrapalhar a constituição da família, por causa do egoísmo.
Muitos jovens alegam querer estabilidade financeira, para se casarem e terem filhos, mas, às
vezes, essa estabilidade é na verdade a aquisição do supérfluo. Quanto mais ascende uma classe
social ou um país, no mundo moderno, menos quer compartilhar o conforto e o luxo com
descendentes. São as classes sociais e os países mais pobres que têm mais filhos. Nesse mundo
ainda tão inferior, muita gente pobre considera filhos um investimento, para que estes alimentem
os pais no futuro e muita gente rica considera filhos um estorvo ao seu bem-estar.
Outro viés pelo qual o sistema pode ser antagônico ao ideal de família é a tomada por inteiro do
indivíduo pelas corporações: homens e mulheres devem vestir a camisa da empresa, não podem
ter vida privada, têm de estar 24 horas à disposição, enfim, para sobreviverem, precisam se
tornar escravos, sem escolha própria. Isso ainda é mais alarmante nos modelos orientais de
empresas, onde o indivíduo nada vale e a nada tem direito.
Os jovens precisariam estar imbuídos de consciência crítica de que devem mudar isso tudo e não
se sujeitar passivamente a esse estado tenebroso de dominação social e econômica. Alguns estão
cientes disso e já buscam maneiras alternativas de viver e trabalhar, sem aderirem ao sistema.
Mas muitos ainda se rendem apaticamente ao que lhes é imposto.
Ainda e sempre, o problema é moral. A falta de ideais é irmã gêmea do desânimo existencial. O
que determina em grande parte o estado de apatia que realmente contamina a juventude do
mundo atual (processo que, como vimos, já se inicia na adolescência) são as teorias niilistas que
infestam a humanidade. Ao chamá-las de teorias, já estamos lhes dando um status, que
absolutamente não possuem. Elas pregam o nada e falta-lhes nexo e lógica a tal ponto que o seu
discurso fica ininteligível. Essa postura ideológica – que é a negação de todas as ideias, filosofias
e ciências – e que se encontra disseminada entre cientistas, filósofos, artistas, simplesmente não
aceita nenhuma verdade como verdadeira, nenhuma certeza como possível, nenhum valor moral
como necessário e universal. Tudo é relativo, incerto e a maior fraqueza que um ser humano
pode apresentar é uma crença, uma certeza, uma convicção, um parâmetro qualquer. Cientistas e
pensadores, adeptos dessa corrente, afirmam que o universo é caótico e não tem leis. As leis,
tanto morais, quanto físicas, seriam criações ou interpretações da mente humana. Tudo está no
imaginário da espécie. Dessa forma, flutuamos num vácuo, onde nada tem sentido e valor, nem
nós mesmos. A única coisa que sobra para os que são contaminados por essa verdadeira loucura
pseudofilosófica é constatar alguma realidade concreta nas sensações físicas. Essa forma de ver o
mundo, que cabe no rótulo do pós-moderno, gera uma alienação, um egoísmo, uma frieza tão
extremos, que é de se espantar que não produza mais suicídios do que os que já provoca. Essas
ideias se encaixam como uma luva no sistema econômico vigente, porque o ser humano
esvaziado de objetivos e de sonhos de mudança se sente impotente diante do mundo e é
plenamente manipulável pelos poderes instituídos.
Certamente, existem muitos jovens no mundo inteiro, lutando bravamente pela sua sobrevivência
e pelo cumprimento nobres ideais e que se conduzem para a realização de uma vida plena, com a
geração de filhos e o trabalho pela sociedade. Mas, diretamente ou indiretamente, de forma mais
profunda ou superficial, toda a juventude é atingida por tais disparates, pois eles são veiculados
nas Universidades por professores que partilham dessa opinião, estudados em livros de filósofos
que a imaginaram (um dos seus mentores é Nietzsche), passados sutil ou abertamente em filmes
e novelas de televisão… É preciso ter uma formação muito sólida e uma convicção muito
fundamentada e refletida, para não se deixar abalar por tal massacre ideológico, vindo de toda
parte.
Acontece que a natureza humana não é niilista. A certeza de uma ordem universal, a presença de
valores morais, a crença na imortalidade da alma fazem parte da estrutura consciencial do
homem… Assim, a maioria que é atingida por essa patologia, o é a ponto de abafar o entusiasmo
e o ímpeto de viver, mas não a ponto de lançá-la à destruição total. Aqueles mais profundamente
atingidos são levados às drogas, ao alcoolismo, ao suicídio premeditado. E outros tantos
intimamente discordam de tais disparates, mas se calam e se retraem, com medo de serem
ridicularizados.
A grande maioria dos jovens seria incapaz de formular com todas as letras essas teorias,
ingeridas por osmose. Eles se impregnam delas, mas não as têm muito claras dentro de si. Nem
por isso, elas deixam de atuar em seu comportamento ou em seu estado de espírito. Se pudessem
encará-las em todas as suas consequências lógicas, muitos as renegariam de imediato. É isso que
professores e educadores, pais e escritores devem fazer: decodificar a enxurrada de teorias
confusas, que pregam o nada – mostrando o seu vazio, a sua falta de lógica e a sua perversidade
intrínseca.
Já pudemos constatar que muitos jovens, ao ouvir tais explicações, se sentem aliviados e felizes,
porque gostariam de ter alguma certeza, quereriam aceitar algum valor moral, mas ainda não
haviam encontrado o instrumento da racionalidade, para fortalecerem aquilo que é apenas vaga
aspiração de suas almas. Há evidentemente jovens que se embeberam de tais teorias, com certa
reflexão, e não são tão facilmente demovidos do estado de nadificação em que caíram. Mas isso
também se compreende, porque tais teorias são interessantes àqueles que não desejam nenhuma
responsabilidade moral. Não querem nenhuma convicção, para não serem obrigados à coerência.
Acham melhor flutuar no nada, para poderem dar plena vazão a qualquer instinto e a qualquer
impulso.
Enquanto não conseguirmos arrancar da alma das novas gerações a erva daninha desse niilismo,
elas estarão sujeitas ao desânimo existencial, à falta do entusiasmo que deve caracterizar esse
período. Só se pode fazê-lo, porém, oferecendo-lhes uma filosofia sólida, que satisfaça à razão e
ao coração, que venha de encontro às aspirações profundas do ser. O Espiritismo, compreendido
em toda a sua abrangência e contextualizado no mundo contemporâneo – e não reduzido ao seu
aspecto religioso e tomado como um conjunto de dogmas imutáveis – pode ser capaz de
responder a essa necessidade.
XIV- A Maturidade

MATURIDADE FÍSICA E PSÍQUICA

Muitos poderiam pensar que a análise do educando deveria ser suspensa no capítulo anterior,
porque o processo de Educação possível estaria encerrado na juventude, com a aquisição de um
diploma, com o encaminhamento para uma profissão e com a maioridade física e mental.
Entretanto, não é assim. A Educação, como já vimos em nossas primeiras definições, é qualquer
influência positiva, em qualquer época da vida, em qualquer relação humana. Se hoje se
incentiva e se apoia, com toda a razão, desde a alfabetização até os estudos universitários para
pessoas que atingiram a maturidade e mesmo a velhice, tanto mais num conceito mais amplo de
Educação, que vai além da instrução, não poderíamos nos deter na juventude. Quando o
verdadeiro processo educativo é despertado (o que deveria ser o objetivo de toda a Educação),
seja na infância, na adolescência ou na juventude, entrega-se ao indivíduo a sua autoeducação e a
autoeducação nunca pára.
Vários pedagogos apontaram a vida como um processo de Educação permanente. Comenius fala
em Escola do nascimento, Escola da infância, Escola da puerícia, Escola da adolescência, Escola
da juventude, Escola da idade adulta, Escola da velhice e Escola da morte. Isso é ainda mais
óbvio do ponto de vista espírita, pois compreende-se que tudo no universo progride e a grande lei
que nos rege é a do aprendizado contínuo, da evolução ininterrupta, do aperfeiçoamento em
todos os campos. A estagnação, o comodismo, a parada à margem do caminho é desperdício de
tempo, acúmulo de sofrimento.
Reconhece-se hoje que, até do ponto de vista profissional e social, quem não se atualiza e apenas
permanece com a bagagem recebida na Educação da infância e da juventude, não consegue nem
mais a própria permanência no mercado de trabalho. O mundo tem passado por transformações
tão aceleradas, tanto tecnológicas, quanto econômicas e sociais, que para sobreviver é preciso
mudar a cada instante, adaptar-se, aprender sempre…
No plano existencial, analisemos, pois, o que significa viver a maturidade do corpo de maneira
equilibrada e saudável, em permanente processo de autoeducação e quais os desvios e tropeços
mais comumente observados.
Quando atinge a maturidade no plano físico, a partir dos 35 ou 40 anos, o Espírito deve então já
estar integrado nos objetivos da vida, consciente de sua vocação e de sua tarefa na presente
existência, assumindo integralmente suas responsabilidades. A maturidade deve ser um período
de menores conflitos, de maior serenidade, de mais equilíbrio emocional. Uma fase em que o ser
demonstra a plenitude de sua personalidade espiritual, enriquecida pelas experiências presentes.
Mostra o grau de perfectibilidade possível na atual encarnação.
Essa integração no próprio roteiro não significa estagnação, mas permanente luta e ímpeto de
aprendizado e evolução. Todavia, para aquele que realmente já atingiu a maturidade psíquica, as
lutas e o estado de constante aperfeiçoamento não implicam em tormentos e tempestades.
Se está imbuído do conceito de imortalidade, sabe que a partir da maturidade seu corpo tenderá
ao envelhecimento, para atingir o porto da morte, mas seu Espírito é sempre jovem e viverá
eternamente, acumulando a cada dia as experiências necessárias à sua evolução. Não que
devamos ser cultivadores da morte, mas quando compreendemos que ela não existe e pomos
nossas metas para além da vida terrena, no âmbito da eternidade, é daí que nos vem a serenidade
interior e a juventude permanente de espírito, guardando sempre os dons da esperança, do
entusiasmo e da vontade perseverante. “Enquanto o homem exterior se corrompe, o homem
interior se renova a cada dia”, dizia o apóstolo Paulo (II Cor. 4:16).
Nas relações humanas, o homem e a mulher maduros são aqueles que sabem apoiar o
semelhante, dão forças aos que precisam e sabem vencer as próprias dores, para consolar as do
próximo. É justamente na época da maturidade, que os pais têm os filhos na adolescência. Ora, é
aí que a estabilidade emocional e psíquica de uns deve ser a referência e a segurança de outros.
Assim, a maturidade implica em superação de egoísmo, que é sempre um infantilismo psíquico.
Centrando a mente apenas em torno de si mesmo, o egoísta é incapaz de enxergar o outro e vive
mergulhado nas próprias lamentações ou nas próprias ambições e desejos. A visão distorcida que
tem de todas as situações faz com que ele atravesse a vida em estado de alienação da realidade. A
incapacidade de ter sensibilidade e empatia para com os sentimentos do outro revela uma
imaturidade psíquica e emocional.
Entretanto, não se deduza que o Espírito, para viver a maturidade com equilíbrio e
discernimento, deva ter elevadíssima estatura moral. Pessoas medianas, se têm um histórico mais
ou menos saudável na vida presente e se esforçam para cumprir sua parte, podem muito bem ter
segurança psíquica e serem homens e mulheres maduros, dentro das imperfeições comuns à
média da humanidade. Mesmo aqueles que tiveram uma adolescência e uma juventude
atribuladas e cheias de conflitos e até de obsessões, podem aproveitar o avanço da idade para
irem se equilibrando e se ajustando. Essas são as personalidades que aproveitam alguma coisa
das experiências existenciais.
Aliás, a serenidade vem justamente do dever bem cumprido e é prova de que o Espírito está no
caminho reto. Em cada grau evolutivo, em cada tarefa existencial, existe um patamar de acerto e
de fidelidade a si mesmo, cuja consequência é um bem-estar íntimo, que mesmo as
circunstâncias externas mais difíceis da vida não podem abalar. Mas esse estado não se dá num
passe de mágica. Se já não for uma conquista anterior do Espírito, apenas depois de muitos e
árduos combates consigo mesmo, para vencer impulsos desequilibrados, é que vem a serenidade
relativa, que cada um pode alcançar no seu estágio evolutivo.
Se o indivíduo estiver sinceramente buscando seu autoaperfeiçoamento, ao aportar a maturidade
ele já terá tido tempo de disciplinar seus instintos, de temperar os impulsos mais tempestuosos,
com a reflexão e com a elevação de pensamento, enfim, de ter trabalhado suas arestas mais
graves. Se não o fez e continua com idênticos defeitos aos que tinha na adolescência e na
juventude, isso significa anos perdidos e vida mal aproveitada. Diga-se, porém, que esse trabalho
deve ser sincero e profundo e significar realmente uma amplificação da compreensão da vida.
Não vale o mascaramento da personalidade, através de atitudes adotadas na superfície.

OS MADUROS IMATUROS

Há muita gente que chega à maturidade física, sem nenhuma maturidade espiritual.
Emocionalmente instáveis, sem rumo existencial, encastelados num narcisismo e num egoísmo
ridículos, são incapazes de orientar-se a si mesmos e aos que estejam sob sua tutela. Sempre
psiquicamente dependentes de outras pessoas, inclusive de filhos e netos, jamais adquirem a
segurança e a firmeza de caráter. Procuram alguns estar permanentemente em festas e diversões,
como se a estadia na Terra fosse mera excursão de férias. Permanecem imaturos a vida toda; não
conseguem superar os quadros da adolescência.
É lamentável ver todos os dias em sociedade, homens e mulheres já com cabelos brancos,
tentando copiar as atitudes, as roupas, as conversas e a mentalidade de adolescentes. A mídia tem
incentivado bastante esse desajuste, pois costuma identificar erroneamente maduros de espírito
jovem, com irresponsabilidade, mau gosto e desequilíbrio.
Tudo isso está diretamente relacionado ao grau de evolução do Espírito e não ao seu grau de
instrução na vida presente. Há muitas pessoas simples e sem diploma, que revelam extraordinária
capacidade de compreensão da vida. Mas, em algumas, instruídas ou não, a ignorância espiritual
gera a fraqueza moral e a incompreensão dos valores mais sólidos da existência. Em outras, o
comodismo provoca o encarceramento em padrões psíquicos cristalizados.

OS FALSOS MADUROS

Se existem aqueles que vão envelhecendo fisicamente, sem alcançar real maturidade, revelando-
se sempre irresponsáveis, há outra espécie de pessoas que vão chegando à meia idade. São as
falsamente amadurecidas. Aparentemente não se desequilibram nem demonstram instabilidade
emocional. Mas o que deveria ser serenidade é na verdade frieza e cálculo. São os homens e as
mulheres contaminados pelos vermes ocultos da ambição desmedida, da alucinação pelo poder
(profissional, político, econômico ou mesmo doméstico), das falsas conquistas intelectuais e
acadêmicas.
Seu comportamento é geralmente o do mais arraigado egoísmo e falta-lhes quase sempre
interesse e respeito pelos sentimentos e problemas das pessoas mais próximas. Consideram como
maturidade a realização de objetivos financeiros e de dominação, com a superação do idealismo
e do sentimento. É claro que não se entregam a atitudes ridículas e infantis, facilmente
detectáveis como imaturidade psíquica. Eles costumam ter o respeito social e a admiração de
seus pares, pelas conquistas e pela postura equilibrada, ponderada e racional, que demonstram.
Se, porém, tivéssemos o poder de auscultar sua atmosfera psíquica, nada veríamos de plácido e
belo. Sua racionalidade não passa de cálculo, sua ponderação é mera hipocrisia, para
contemporizar politicamente ou mesmo social e familiarmente, com ideias, facções e pessoas, na
busca de dividendos financeiros ou sociais, na preservação da própria imagem. A serenidade da
pessoa verdadeiramente madura não exclui a firmeza de princípios e até, quando necessário, a
indignação do justo.
É preciso tomar cuidado porque o que caracteriza principalmente essa falsa maturidade é muitas
vezes um discurso coerente e recheado de bons princípios. Para se reconhecer, assim, uma
criatura de fato madura, é preciso conviver mais intimamente com ela e observar como age com
aqueles que estão mais próximos, vendo o quanto põe em prática aquilo que prega. Ou então, é
preciso ter um certo sentido mediúnico, para farejar de imediato a falsidade, a ambição e o
egoísmo bem postos.
Esses homens e mulheres falsamente maduros – pois se escudam numa aparente maturidade,
para humilhar e dominar – aparecem em todas as classes sociais e em todos os ambientes. Como
seu equilíbrio é um disfarce bem calculado, em algum momento pode desmoronar e seguir
aceleradamente para a depressão profunda, para as doenças de difícil diagnose e cura e para a
loucura declarada. Às vezes, isso ocorre já na velhice ou, então, apenas depois da morte física.
AUTORITARISMO E CONSERVADORISMO

O autoritarismo se caracteriza pelo desrespeito à personalidade alheia, suas opiniões, vontades e


modo de vida. O autoritário quer impor-se ao outro com violência, com persuasão insistente ou
com chantagens sentimentais. A tendência ao autoritarismo pertence ao Espírito, como todos os
vícios e virtudes, que traz do passado ou que desenvolve no presente. Mas é na idade madura que
esse apetrecho negativo da personalidade se manifesta mais fortemente, porque então a criatura
já terá superado os impedimentos sociais, educacionais, circunstanciais que possam ter
dificultado o seu exercício antes. Ainda quando jovem, está mais ou menos sujeito à tutela
alheia, ainda está iniciando sua carreira de vida e pode não ter muita oportunidade de exercer o
poder sobre ninguém. Mas, conforme avança em idade, adquirindo maior respaldo social,
profissional, hierárquico, vai dando mais vazão ao instinto de dominação.
É verdade que o Espírito autoritário pode revelar desde criança sua tendência, procurando
exercer um poder indevido sobre colegas, amigos, irmãos ou primos e até sobre pais e
professores. Mas se o indivíduo é trabalhado convenientemente pelos educadores e depois pelo
seu próprio esforço, poderá alcançar mais tarde uma postura mais liberal e branda. Se fortalecido
ou descuidado pela Educação, e referendado na maturidade por status social, título acadêmico ou
condição financeira, o autoritarismo pode atingir a sua manifestação mais aguda, enredando
muitas criaturas nas teias da infelicidade e do desamor.
Estreitamente ligado ao autoritarismo é o caráter conservador que algumas pessoas de idade
madura demonstram. Também esse aspecto pode aparecer desde a infância, adolescência e
juventude. Mas é preciso atenção com esse conceito. Uma pessoa conservadora é aquela que se
apega a certas tradições do passado e não aceita o progresso da humanidade, desde as novas
tendências tecnológicas até renovações políticas e sociais. Do ponto de vista adotado nessa obra,
devemos considerar conservador um Espírito que se opõe ao progresso, naquilo em que
realmente está havendo uma evolução.
Por trás do conservadorismo, geralmente está o interesse pessoal e o apego a certos privilégios
do passado, ou ainda o comodismo de uma personalidade que tem resistência à lei do progresso,
por ter se cristalizado excessivamente num certo modo de vida, numa determinada visão de
mundo.
Autoritarismo e conservadorismo exprimem ambos a estagnação do Espírito, porque derivam
justamente da atitude daquele que acha nada mais poder ou dever aprender. Autoritário e
conservador é o que se crê como dono absoluto de todas as verdades e por isso nem se dá ao
trabalho de ouvir outras pessoas, muito menos as mais jovens. Ora, além do fato de estarmos
sempre aprendendo, há muitas pessoas mais moças que podem ensinar algo aos mais velhos.
Primeiro, porque mais integradas no mundo atual, já tendo recebido uma Educação diferente,
mais familiarizadas com a tecnologia ou com novos modos de pensar o trabalho, e segundo, em
alguns casos, porque podem ser Espíritos mais evoluídos. A estatura moral de alguém não se
mede pela idade física. Descrevemos aqui as fases da existência e as características de cada uma.
Mas devemos sempre levar em conta que, acima dos condicionamentos terrenos, paira o Espírito
soberano.
É o autoritarismo, aliado ao conservadorismo, o que mais afasta os jovens das pessoas mais
velhas. Pela sua tendência natural de renovação, o jovem se choca com os padrões estabelecidos
e adotados por pessoas maduras, que não desejam nenhuma espécie de mudança, para não serem
obrigadas a se moverem da posição cômoda em que se colocaram.
Mas se jovens e maduros estiverem iluminados por um desejo sincero de amor e de
aperfeiçoamento, observaremos, por um lado, adultos maduros empenhados sempre em se
atualizar e progredir, por amor a si mesmos e para melhor compreender os jovens, sem abdicar
de princípios morais úteis e necessários. E, por outro lado, veremos jovens engajados nas
renovações do progresso, mas tolerantes com as dificuldades de pais e amigos mais velhos, em
acompanhar o tufão dos tempos. Poderão também os mais moços atuar pedagogicamente,
estimulando mudanças de mentalidade, mas norteando-se sempre pelos valores morais
indispensáveis. Com diálogo aberto e franco, com amor e com um terreno em comum – que são
justamente aqueles valores que não mudam, pois pertencem à ordem e à estrutura do universo,
qualquer conflito poderá ser superado.
XV- A Velhice

VELHICE SERENA

Viver bem, aproveitando os anos e os dias para o engrandecimento interior; estar convicto da
própria imortalidade; ter-se desprendido gradativamente dos prazeres e dos bens terrenos; amar
familiares e amigos sem apego e desejo de dominação; nunca ter perdido a alegria e o gosto de
viver e de aprender; enfrentar sempre e até o fim as dificuldades e problemas com ânimo firme –
essas são as condições essenciais para uma velhice sábia e calma.
Esta fase da existência pode ser de grande beleza espiritual, se o indivíduo estiver consciente do
seu destino eterno, se tiver acumulado experiências proveitosas e puder repartir com os mais
jovens o testemunho de uma vida exemplar, os conselhos da sabedoria, a simplicidade de espírito
– tudo isso ao clarão da imortalidade, que está batendo às portas, diante do corpo em
degeneração. Não se deve, porém, idealizar os velhos, pensando que todos eles sejam modelos de
experiência e sabedoria, apenas porque chegaram à idade avançada. Como todas as outras fases
da vida, esta também está condicionada à evolução do Espírito e a velhice, ainda mais, pela vida
que o indivíduo teve na presente existência.
O velho que sabe viver a velhice, não faz de sua experiência presente, motivo de desprezo e
distanciamento dos mais jovens. Ao contrário, se a vida lhe serviu para um amadurecimento real,
sua visão terá se alargado e ele terá adquirido muito maior capacidade de compreensão dos
problemas humanos, mais ampla dose de ternura para com o próximo. Não se isola na falsa
superioridade, na intransigência e na intolerância, criando barreiras com o mundo.
Também não se entrega ao desencanto e à amargura, pelas dores e fracassos que sofreu. O
Espírito consciente transforma todo sofrimento em oportunidade de elevação e não permite que
as marcas deixadas se tornem nódoas de desilusão e revolta em seu coração. Neste mundo, todos
passam por dificuldades, todos têm a sua cota de padecimento físico e moral. Mas quem enxerga
o alvo eterno da existência não se deixa magoar pela vida, pois sabe que aqui tudo é efêmero.
O velho tem provavelmente mais aguda percepção da efemeridade das coisas, pois quem avança
em idade vai sentindo a morte ceifar as suas afeições, vai vendo o mundo desmanchar obras e
instituições, vai assistindo à transitoriedade das fortunas, da saúde, da beleza física, de tudo o
que é considerado felicidade terrena. Se a criatura eleva a vista e se fixa no horizonte infinito,
então aproveita essa percepção de efemeridade para desprender-se cada vez mais das coisas do
mundo e se mostra mais cheia de sabedoria, de otimismo e de amor universal. Mas quem não vê
perspectiva além da matéria e se fixa na transitoriedade, se enche de pessimismo e depressão.
O contraste entre efemeridade e eternidade é vivido inclusive organicamente. A velhice é o
período de declínio do vigor físico, geralmente acompanhado de doenças. E o final irreversível é
a morte do corpo físico. Ora, quem vê seu corpo ir pouco a pouco declinando, e não vive a vida
do espírito, pode chegar ao desespero e à revolta. Mas quem tem intensa vida espiritual, assiste
com naturalidade à decadência do corpo, pois sabe que seu eu não é feito de matéria.
Em todas as épocas da vida, a certeza da sobrevivência do Espírito é vital para o aproveitamento
real das experiências e para nos orientar no objetivo maior e necessário da existência na Terra.
Desde a infância, se soubermos que o Espírito é mais do que o corpo e que a vida se estende ao
infinito, nossas atitudes serão certamente mais responsáveis e nossa paz íntima será maior. Aliás,
a grande transição da morte pode nos apanhar em qualquer idade. Mas ela é apenas uma
possibilidade (que consideramos sempre remota), enquanto somos jovens. Na velhice, a morte é
uma espera inevitável e um encontro certo.
É evidente que a compreensão da imortalidade não nos recomenda deixar o corpo à deriva, sem
cuidados. Pelo contrário, quanto maior consciência espiritual, mais sabemos que o corpo é uma
dádiva inestimável, pois é o instrumento com o qual atravessamos a existência no mundo, em
busca de aprimoramento e aprendizado. Elevar-se, pois, à vida do espírito é também devotarmos
o cuidado necessário à conservação e à saúde do corpo.
Especialistas da Gerontologia são pródigos em conselhos e recomendações para preservar ao
máximo a saúde física e psíquica durante a chamada “terceira idade”– termo adotado para
substituir velhice, porque alguns pensam que essa palavra já esteja carregada de preconceitos e
estereótipos negativos. (Essa mania de inventar palavras para mudar um conceito, coisa muito
comum em nossa época, parece-nos prejudicial, na medida em que a palavra usual vira um tabu.
O que nos interessa é mudar a mentalidade e até resgatar o sentido original de uma palavra e não
tirá-la do vocabulário. “Velho”, por exemplo, é um termo com força própria, que aparece na
literatura, na poesia, no cancioneiro popular e representa uma imagem forte e quase nunca
pejorativa. Não é por causa do abuso de alguns, que o usaram com menosprezo no cotidiano, que
devemos aboli-lo.)
Entre as dicas para uma boa velhice, muitos médicos incluem elementos psíquicos e sociais.
Além dos regimes alimentares equilibrados, dos exercícios físicos, da abstinência do álcool e do
fumo, também se fala em continuidade de atividade física e mental, da sensação de ainda ser útil,
da preservação da autoestima e de um bom astral, da necessidade da interação social… Isso vem
confirmar a assertiva acima: tem uma velhice melhor quem se educa permanentemente, sem
perder o interesse pela vida e pelas pessoas, conservando a serenidade e alegria – o que se
garante principalmente por uma filosofia espiritualista. Pesquisas hoje na área de saúde
demonstram que longevidade e qualidade de vida são maiores em pessoas que cultivam a
espiritualidade.

A EDUCAÇÃO PARA A MORTE

Pensar na morte pela vida afora nos ajuda a mantermos uma vida, que nos prepara para o além.
Não se trata de morbidez, mas de guardar a perspectiva da nossa efemeridade na terra. Se isso é
saudável para nossa vida diária, pois com essa perspectiva, praticamos o desapego da matéria, a
elevação de ideais, o amor mais plenamente vivido, quando alcançamos a velhice, é ainda mais
importante que tenhamos nítida e nossa finitude corporal.
Propostas de educação para a morte vêm se desenvolvendo no mundo desde a década de 1960 e
uma das criadoras da chamada Tanatologia é Elisabeth Kübler-Ross, que chegou por si mesma,
por pesquisas pessoais, sem nenhuma influência das ideias de Kardec, a proposições semelhantes
às espíritas. Ela leva em conta a transcendência e admite a continuidade da vida. No Brasil, um
dos introdutores dessa questão foi justamente J. Herculano Pires, o filósofo espírita, que lançou
um livro sobre o tema.
A velhice mais ou menos serena, vai depender em grande parte da perspectiva que se tenha
diante da morte. E é na visão da morte, com todas as suas consequências filosóficas e morais,
que o Espiritismo realizou uma revolução irreversível, que o mundo ainda não reconheceu. É que
a verdade deve vencer muitos preconceitos e muitos interesses antes de conquistar a totalidade
humana. Mas sua marcha é inexorável. O que é verdade está nas leis da natureza e mais dia
menos dia todos a reconhecerão como tal.
O Espiritismo arrancou o véu que nos ocultava o outro lado e, pela mediunidade, mostrou a vida
ativa, plena, imortal. A vestimenta do corpo passa. Volta ao pó da terra. Mas, como já pregavam
todas as religiões, a alma se desprende e sobrevive e vai encontrar a si mesma. Se não fosse
assim – como pensam materialistas e niilistas – nada teria sentido e a moral seria uma farsa, a
felicidade se reduziria de fato aos efêmeros gozos dos sentidos.
O Espiritismo veio demonstrar a imortalidade, com fatos mediúnicos – que se observados e
estudados com discernimento e reflexão fornecem evidências da sobrevivência do Espírito – mas
veio também descrever minúcias dessa vida espiritual. E ainda se debruça sobre o momento da
transição, captando o que acontece nos derradeiros minutos da vida terrena e no despertar da vida
espiritual. Kardec deu início a essas pesquisas, mas hoje elas se desdobram fora do movimento
espírita, que no Brasil, se tornou um movimento muito mais religioso. Há pesquisadores em todo
o mundo que vêm se dedicando no século XX e adentrando o século XXI, à pesquisa de
fenômenos que evidenciam a imortalidade – como os de lembranças espontâneas de vidas
passadas em crianças, experiências de quase morte, manifestações espirituais, por diversos tipos
de mediunidade e outros.
Por um lado, porém, a ciência, tanto pelo seu rigor, quanto pelos preconceitos que enfrenta ao se
dedicar a essa temática, é mais lenta em suas conclusões e se já chegou a muitas semelhantes ao
Espiritismo, no acervo da literatura espírita, colhemos mais informações sobre o fenômeno da
morte. Mas também aí, é preciso cuidado, porque nesse caso, pela falta de critério científico da
maioria dos espíritas, não habituados ao trato com metodologias de pesquisa, há muita
informação confiável, misturada a muita mistificação. Os critérios de seleção são os indicados
por Kardec – a confluência de informações por médiuns diversos; a racionalidade da informação;
a confirmação gradativa da ciência.
Ora, o que fica evidente é que não existe uma morte igual à outra, porque cada consciência é um
universo. A vida continua para todos. Mas o estado de cada um, no momento do desprendimento,
e as condições experimentadas no além variam ao infinito. A lei geral é que a morte não faz
milagres. Continuamos a ser o que somos. Carregamos conosco desejos e aspirações, vícios e
desajustes, conhecimentos e virtudes.
Mas existe sempre um componente moral no fenômeno de vida e morte: quanto mais virtudes e
maior cultivo de espiritualidade legítima, mais paz, mais felicidade, mais luz. Quanto maiores os
vícios, o egoísmo e o apego à Terra, mais sofrimento, mais desequilíbrio e mais trevas. Sabemos,
porém, que todas as virtudes devem se acrescer de mais virtudes e todos os vícios terão redenção,
porque o progresso, embora possa ser retardado pela vontade de cada consciência, é quase uma
fatalidade no universo. As sucessivas reencarnações proporcionam sempre novas oportunidades.
Assim como já estudamos a função da infância e da Educação nessa fase para o aproveitamento
da presente encarnação, também a velhice tem um papel importante para a transformação da
morte. O declínio das forças físicas e até as doenças devem justamente proporcionar ao ser
encarnado o desprendimento gradual, devem avisá-lo para se fixar em outros valores que não
apenas os valores efêmeros do mundo físico.
Sabe-se que as pessoas muito apegadas à matéria, que cultivaram demasiadamente o corpo
físico, têm maiores dificuldades de o abandonarem, quando chega a hora. Sua situação espiritual
depois da morte também pode ser problemática, se ainda se prendem com demasiada insistência
na satisfação das necessidades físicas. Quem está familiarizado com a literatura espírita, ou
participa de sessões de desobsessão, sabe quantos vivos do além permanecem no meio dos vivos
da Terra, para vampirizar sensações e energias, que já não podem ter como Espíritos. O egoísmo,
a mania de lamentação e a excessiva fixação mental em si mesmo, a ociosidade, o orgulho e todo
o cortejo de defeitos humanos são outros tantos fatores de loucura e desespero no mundo
espiritual. Não devemos nos esquecer, porém, que a qualquer momento, aqui ou no além, o
Espírito pode mudar o rumo do seu destino, ajustando-se mentalmente, redirecionando o rumo de
seus pensamentos e esforçando-se para progredir.
Assim, o Espiritismo se opõe terminantemente à eutanásia, pois até o último instante da vida no
corpo, mesmo no estado de coma, o Espírito pode estar refletindo, fazendo um balanço de sua
existência, adquirindo novas luzes e adaptando-se à ideia da desencarnação e ao mundo
espiritual. Enquanto o corpo sofre, não sabemos o que alma está vivenciando e o quanto lhe será
útil essa desencarnação lenta – ela pode muitas vezes não estar preparada para cortar
abruptamente o fio da vida.
Mas aquele que a morte surpreende nas condições descritas no início desse capítulo, as de uma
velhice ideal, desprende-se com facilidade do corpo e logo se ajusta às novas condições de
trabalho e evolução. Se compreendermos, aliás, que a vida prossegue sempre em atividade, luta e
desenvolvimento, e que não existe repouso eterno e contemplação beatífica de um céu ocioso e
entediante, fica mais evidente o fato de que a velhice também não deve ser pretexto para
ociosidade. É claro que ninguém deve fazer nada acima de suas forças físicas e muito menos ser
explorado por familiares e patrões. Mas em qualquer situação, cada um deve buscar ser útil na
medida de suas possibilidades, pois a vida só se enche de sentido quando agimos em favor do
bem comum.

A NEGAÇÃO DA VELHICE

Desse modo, devemos elogiar e apoiar todo e qualquer esforço da Ciência para prolongar a vida
no corpo físico, preservando a saúde e combatendo as doenças. Toda filosofia legitimamente
espiritualista conhece o valor da existência e não deseja abreviar a permanência do ser humano
na Terra, para que ele aproveite ao máximo suas oportunidades de aperfeiçoamento. Mas,
atualmente, existe uma tendência que acompanha o cultivo exagerado dos sentidos, na visão
materialista e niilista predominante, de se querer negar a velhice e não se enfrentar a morte.
Assim, a mídia gosta de dar destaque aos “velhinhos namoradeiros”, que procuram parceiros em
clubes e bailes, os que fazem ginástica e halterofilismo, os que se vestem como os netos e
mantêm a elegância e a coquetice da juventude. Há aí uma clara ambiguidade: ao mesmo tempo
em que se faz a apologia da permanência da atividade física e mental e se defende que o velho
não deve ser desprezado – o que é muito positivo – também se procura disfarçar os achaques
naturais da velhice e perpetuar ao máximo o prazer físico, como se fosse a coisa mais importante,
que deve ser prolongada e usufruída, antes do final de tudo, que é a morte – de que ninguém fala.
A vida valeria a pena ser vivida apenas por esses prazeres, e por isso o esforço de se mantê-los.
Mas nesse discurso, está também embutida uma armadilha para o pensamento: a pregação de
respeito ao velho, acompanhada desse cultivo irrestrito da euforia física, subliminarmente insinua
que esse vigor físico aliado ao cultivo do prazer é a virtude de um “velho para frente”. As
verdadeiras virtudes que o velho poderia ter – a experiência, a sabedoria, a capacidade de
comunicação com os jovens, a serenidade existencial – não são valorizadas. O importante é que
ele possa mostrar aos mais jovens ou aos maduros, que estão caminhando para a velhice, que esta
época pode ser tão prazerosa e divertida (no sentido mais materialista do termo), quanto as
outras. Assim, todos se sentem reconfortados e preferem não pensar que as doenças podem
aparecer e que a morte virá, pondo um ponto final (segundo pensam muitos) a essa carreira de
prazeres inconsequentes.
Os representantes desse tipo de velhice, admirada hoje em dia, são ainda mais lamentáveis que
os maduros imaturos de que falamos atrás. São aqueles que, muito longe de qualquer reflexão
elevada, qualquer sabedoria serena, dão o espetáculo do desequilíbrio e da vaidade deslocada.
Negam a velhice no seu aspecto de espiritualização e sabedoria e, principalmente, de preparação
para a morte.
Felizmente, o reverso também existe: há cada vez maior número de pessoas em nossa sociedade
que aproveitam os anos, para amadurecer cada vez mais e não veem na velhice um período de
descanso e inutilidade, mas prosseguem estudos, iniciam ou continuam com brilho dignas
atividades profissionais. O mundo está cheio de velhos na Política, na Arte, na Educação, na
Ciência e em outros setores, que mostram a permanência da vontade de trabalhar e aprender e
que para conservarem a juventude de espírito não precisam se atirar a uma nova adolescência.
Esses negam a velhice no aspecto de ociosidade que antes se pensava que ela deveria ter.

VELHOS MANHOSOS

No reverso dos idosos muito devotados à mera euforia física, há outros que exageram e se
comprazem nos aspectos patológicos que a velhice pode assumir. São os que, até
inconscientemente, estão sempre à procura de uma maneira de dominar os outros. Aqueles que
estão na plena posse da autoridade, do dinheiro, do status, usam desses apetrechos para oprimir e
explorar. Mas quando a criatura se vê destituída de quaisquer condições exteriores que
favoreçam a dominação, então se aproveita de suas próprias fraquezas para isso. Há velhos
assim.
Usam da velhice – que naturalmente e com toda a razão desperta respeito e deferência nas
pessoas moralmente bem formadas – das debilidades físicas e das doenças e até da possível
iminência de morte, para chantagear, para manipular familiares e situações à sua volta. Egoístas e
centrados em si mesmos, não se preocupam com os problemas alheios, mas tornam-se
verdadeiros pesadelos para familiares, empregados e amigos, que se desdobram para cumprir-
lhes as vontades e os caprichos. Esse domínio pode ser exercido de forma violenta ou pelas
queixas chorosas.
Mesmo assim, os que os acompanham não devem deixar de lhes prestar a assistência e o amor
devidos, exercitando a paciência, sem excessos de mimo. Os velhos dominadores terão a
responsabilidade moral por não agirem com maior equilíbrio e altruísmo, mas seus entes
queridos não terão a culpa de os ter abandonado e rejeitado e o amor doado pode afinal tocar
suas almas ainda antes da morte ou mais tarde, no plano espiritual. Nesse caso, está se exercendo
sobre eles uma influência educativa, cujos frutos a Deus pertencem.
Mas cuidado! Se há de fato velhos manhosos e caprichosos, também há pessoas a tal ponto
endurecidas, que consideram qualquer sentimento sincero ou qualquer manifestação afetiva
como chantagem barata. Portanto, pode se dar que o idoso não seja chantagista, mas ao
demonstrar qualquer reação ou mágoa natural por uma ofensa profunda ou um abandono
declarado, encontrar risos sarcásticos e ser tachado de ridículo. Porque se muitos dos que estão
numa situação de fragilidade procuram ainda dominar, outros, que estão numa situação de maior
força e poder, usam de crueldade e menosprezo para com os que precisam de algum apoio.

VELHICE E ESQUECIMENTO DE SI

Não são poucos os velhos que são atingidos por diversos tipos de desequilíbrio mental. Não
pretendemos aqui analisar as causas físicas ou sociais deste fenômeno. Apenas cumpre levantar
algumas hipóteses possíveis a respeito das causas morais que podem ser mais ou menos
determinantes no estado de alienação de si, em que caem muitos idosos. Sabemos obviamente
que, por exemplo, no caso da doença de Alzheimer – verdadeira epidemia atualmente – há
causas genéticas, físicas, que estão sendo pesquisadas. Mas seria de muita importância que se
realizassem pesquisas que pudessem levar em conta outras variáveis, como modo de vida, tipo de
personalidade, crenças pessoais e outras. Poderíamos então nos deparar com outras causas, que
não apenas as físicas, que interagem no desenvolvimento do Alzheimer, demências senis e outros
processos de degeneração mental, que se dão na velhice.
Aqui levantamos algumas considerações, que partem de nossas observações pessoais, mas que
não fizeram parte de nenhuma pesquisa sistematizada. Pode acontecer que, durante anos a fio de
sua existência, escudado pelos afazeres sociais, imerso na correria do cotidiano, seguro pela
razão e pela carga da Educação (posta de fora para dentro), o Espírito encarnado consiga tecer
uma máscara social em torno de sua personalidade, ocultando conflitos profundamente
arraigados, sentimentos negativos, complexos de culpa, traumas não superados… Ora, a morte é
um despojamento de todas as máscaras. Ficam na Terra todos os disfarces sociais e a alma vai se
enfrentar como ela é. E a velhice é o caminho da morte. Já desobrigado das funções mais
urgentes que o mantinham no comando da vida, com o corpo físico mais enfraquecido, e também
sem maiores necessidades de manter as aparências, para a conquista de poder e respeito social –
o velho pode mostrar desajustes, impulsos, manias, tendências, que estavam submersos, mas
antes não vinham à tona.
O que pode ocorrer também é a procura inconsciente de uma evasão da realidade dura da vida,
uma negação interna de continuar a enfrentar os problemas à volta ou dentro de si e então há uma
entrega à alienação, uma retirada estratégica do eu. Isso seria uma possível causa psíquica para a
doença de Alzheimer. É a degeneração neural que provoca essa fuga da consciência ou é a fuga
da consciência que faz com que o cérebro se desorganize? As relações entre cérebro e mente
ainda não foram suficientemente pesquisadas, sobretudo na interação entre psiquismo e sistema
cerebral, porque as linhas de pesquisa atual, que partem de pressupostos materialistas, não levam
em conta a independência da mente em relação à matéria. Com isso, não se abre espaço para a
incorporação de tais variáveis na pesquista de doenças mentais, reduzindo-as sempre ao mero
fisiologismo.
Ainda menos se conhece que esses processos de degeneração física e mental podem ainda ser
acompanhados de obsessões espirituais que, pela mesma razão, não se mostravam ativas, porque
a consciência estava mais resguardada na saúde física, nas atividades diárias, no pensamento
constantemente ocupado.
Quem exercita durante a vida a autoanálise sincera e procura se engajar, sem máscaras, no seu
próprio aperfeiçoamento, poderá amenizar esse perigo. Esse já sabe o que há dentro dele, não
procura reprimir o que há de negativo, mas tenta se elevar; não quer ocultar de si mesmo e dos
outros o que não gosta em si. Tudo o que é reprimido de maneira violenta e persistente no fundo
da consciência humana, algum dia estoura e sai de seu controle. A sinceridade constante consigo
mesmo é o único antídoto contra isso.
Estes desequilíbrios represados podem vir até de outras vidas e na época de maior fragilidade,
durante a velhice, quando o eco da eternidade ressoa na consciência humana, eles tomam conta
do indivíduo. Mesmo nesse caso, se a criatura tivesse se apalpado intimamente durante a vida
toda, teria descoberto esse foco de infecção mental e trabalhado com ele. Infelizmente, a maioria
não tem nem coragem, nem compreensão espiritual suficiente para tanto. Em algum trecho do
futuro, porém, terão de colocar mãos à obra, na edificação de si mesmos, pois ninguém escapa à
lei da evolução.
QUARTA PARTE:
A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO
XVI - A Educação Moral

Quando se fala em prática da Educação, muitos esperam uma receita pronta, um manual
infalível, que basta aplicar mecanicamente para se obter um produto satisfatório. Mas a
Educação, como já vimos, é muito mais uma influência ampla e profunda de Espírito a Espírito,
do que a adoção de regras específicas, que possam ser prescritas. O que precisa estar
interiorizado são os princípios descritos nos primeiros capítulos desta obra e o conhecimento dos
objetivos e das bases da Educação. A prática é decorrência.
O bem tem um vetor inicial, alguns princípios orientadores, que permitem uma variedade infinita
de manifestações. A criatividade de cada um, a vida, as circunstâncias pessoais, históricas,
sociais; as necessidades evolutivas do momento – tudo isso dá à sua prática uma vastíssima gama
de concretização.
Assim, nos próximos capítulos, pretendemos apenas indicar e explicar os pressupostos
indispensáveis para uma boa prática educacional, dentro da filosofia até agora proposta, porém
jamais daríamos um modelo rígido de ação.
Se dedicamos um capítulo especial à Educação moral, é para precisarmos melhor o tema, mas,
como se pode notar, ele integra todos os assuntos pedagógicos. O desenvolvimento moral é um
dos aspectos mais determinantes da evolução do Espírito. Para comprovar isto, basta observar
uma inteligência votada ao mal. A moralidade é o pano de fundo, sobre o qual todas as outras
qualidades do Espírito ganham brilho. O atraso moral, ao contrário, ofusca as mais belas
conquistas da inteligência e da criatividade, da Ciência e da Arte.
A Moral não é um segmento estanque da vida do Espírito, mas faz parte de seu pensamento e
ação. Da mesma forma, na Educação, o despertar de valores morais não pode acontecer de
maneira isolada, mas deve brotar em todos os momentos do processo educativo. O próprio
sentido da Educação é este: o de tornar o ser consciente das potencialidades divinas que estão
dormentes em seu íntimo, o de fazer desabrochar suas virtudes latentes, seu impulso para a
transcendência.
Para melhor compreendermos os métodos possíveis de Educação moral, é preciso ter em mente
que o ato moral é um ato de liberdade. Ninguém age moralmente sob coação. Nem o medo, nem
o desejo de recompensa são coadjuvantes da verdadeira moralidade. Observe-se isto
historicamente: por séculos, as religiões ameaçaram o homem com o inferno, para frear o mal, e
prometeram a glória dos céus, para estimular ao bem. Isso de fato serviu para obstruir a barbárie,
em muitas ocasiões, mas não a anulou. Significa isso que a Educação moral pelo temor e pela
esperança de paga não deu frutos para a grande massa humana.
Na Educação infanto-juvenil, dá-se o mesmo: os castigos e os prêmios, a violência física e moral,
podem até produzir um efeito temporário de contenção e obediência. Mas assim que o indivíduo
se livra do poder que o oprime, dará plena vazão aos próprios desejos, sejam positivos ou
negativos. A repressão pode gerar igualmente entraves para o indivíduo manifestar suas
tendências, conhecer-se a si mesmo e agir com autenticidade e honestidade.
A Educação moral, portanto, é o despertar de uma consciência, apoiada numa compreensão da
vida e fundamentada na vontade livre do indivíduo. Uma pessoa verdadeiramente moralizada é
aquela que age voluntariamente no bem, sem qualquer coerção interna ou externa. Sabe o que é o
bem, escolhe-o e persiste nessa escolha, independente das circunstâncias externas. Conseguir
essa adesão livre da vontade para a prática do bem – eis o desafio e o dever da Educação moral.
Outro parênteses que se tem de abrir para entender o processo de Educação moral é a constatação
de que o mal não é o mal, não é perversidade, não é algo substancial. O mal vem do
desequilíbrio, vem de um trauma, vem de uma história mal vivida, mal resolvida, que pode ser da
vida presente, ou de experiências passadas, soterradas no inconsciente. O mal é frágil, mesmo se
aparenta solidez, mesmo se parece enraizado nos milênios. Porque no fundo, sempre há uma
carência, uma solidão, uma vontade secreta e reprimida de amar e ser amado, uma saudades de
alguém que se perdeu na noite dos tempos, uma mágoa ou uma revolta do que alguém fez a outro
alguém.
O mal também vem da ilusão, da imaturidade, da ignorância. A pessoa adulta ou o Espírito age
como uma criança que brinca de príncipe e princesa, que faz castelos de areia e fantasia que é
dono do mundo. Almas há que estão brincando de poder, brincando de mandar, achando que isso
será para sempre. É claro que essa brincadeira pode machucar e machuca outras pessoas – mas
isso faz parte de um aprendizado. Um dia, o castelo de areia se desfaz e o espírito vê que foi tolo,
imaturo, infantil. Penaliza-se pelos que chegou a machucar, mas pode imediatamente mudar o
rumo e passar a construir abrigos para o próximo, em vez de castelos de ilusão e de poder.
Não devemos nos impressionar com o mal, por mais que ele aparente vitória, por mais que ele
provoque sangue e lágrimas, porque tudo é passageiro. Mesmo as mortes não são mortes, mas
passagens para outra vida. Mesmo as tragédias mais sombrias se desfazem ao raiar do sol do
amor. Quanto mais alimentamos o mal dentro e fora de nós, dando-lhe importância, atribuindo-
lhe poder, emprestando-lhe substância, mais ele se agiganta e parece não ter fim. Quanto menos
ligarmos, quanto menos valorizarmos sua ação, quanto menos confiarmos na sua predominância,
mais rápido ele se desfaz. É tudo uma questão mental. Nós criamos, alimentamos e cultivamos o
mal – ele não existe de fato, a não ser como projeção nossa. Então é só compreender que a nossa
essência é boa, é só caminharmos pela margem iluminada, é só elevarmos a mente às estrelas,
fixarmo-nos nas flores e nas crianças, no mar e no céu, que as sombras que entretecemos se
desmancharão pouco a pouco, para dar lugar à claridade permanente, límpida, cristalina – que é a
luz de Deus, que está em nós, está em todo o Universo e é a realidade suprema da vida.
Essa compreensão não substancial do mal não nos insensibiliza diante do sofrimento gerado pelo
mal. Lembremos que Jesus sempre nos é apresentado, com um olhar de tristeza e Gandhi chorou
diante das violências de seus compatriotas. Não nos exime tampouco de lutar contra a injustiça,
de intervir para defender os mais fracos, de engajarmo-nos por uma sociedade e por um
mundo… em que o mal não predomine. A diferença é que nessa luta, a nossa compaixão abrange
os que sofrem e os que fazem sofrer, pois estes também sofrem. Quem gera sofrimento é porque
está possuído por uma dor intensa. Quem mata, rouba, fere, domina, explora, está corroído por
dentro, desesperado, insano, alienado de si. Precisa de cura, educação, recuperação. Esse é o
entendimento que nos felicita com essa visão mais clara sobre o mal. Então, trata-se de libertar o
oprimido e o opressor, trata-se de arrancar a injustiça de quem a suporta e de quem a pratica.
Trata-se de educar a todos na fraternidade e no bem, tocando a alma de quem está em
desequilíbrio, em desajuste, em rebeldia interna… É compreender que o mal não se erradica com
punição, mas com amor e compaixão; com sacrifício e educação.
Esta é a proposta do Evangelho, quando Jesus disse que o amor cobre a multidão de pecados. Se
alcançarmos esse entendimento não apenas intelectualmente, mas tomados por um amor ardente,
seremos capazes de transformar o mundo. Esse é o único verdadeiro processo de transformação:
lento mas eficaz; sacrificial, mas urgente! É o método de Jesus, de Buda, de Francisco de Assis,
de Gandhi. Esses grandes Espíritos acenderam a própria luz e amaram intensamente a
humanidade sofrida, para iluminar as almas.
A educação nos oferece campo para favorecer esse bom desabrochar desde a primeira infância,
se garantirmos à criança uma vida emocional saudável, aberta, cheia de amor e de diálogo, sem
os traumas da violência e do abuso. E se, porventura, a alma trouxer de outras vidas traumas e
ressonâncias negativas, uma infância bem vivida, amorosa, alegre será como um processo
terapêutico benéfico, que propiciará uma vida atual mais promissora e mais ajustada.
E se estamos reavaliando a concepção de mal para os próprios adultos ou Espíritos,
aparentemente endurecidos, o que diremos então daqueles que atribuem à criança uma maldade
inata, irrecuperável? Aí está um verdadeiro crime, pois se devemos e podemos sempre apostar no
bem que qualquer criatura humana traz dentro de si e procurar estimular o lado luminoso de cada
um, muito melhor e eficazmente podemos e devemos fazer isso com as crianças, que estão mais
próximas, pelo esquecimento temporário, de sua essência divina. Portanto, educar moralmente
começa por uma confiança básica, amorosa no ser humano e na criança, em particular. Se não
tivermos isso, vamos tender para a repressão, a domesticação e a tirania.

AS LEIS MORAIS

As leis morais, eternas e universais – que são princípios, potencialidades, germes de divindade
em nós – estão impressas na consciência humana. São a marca do Criador na criatura. Mas como
defini-las? Quais são afinal os valores que devemos concretamente tentar despertar no outro pela
Educação e em nós mesmos, pelo esforço de autoaperfeiçoamento? Todos temos esses valores
dentro de nós, mas eles foram também revelados em todas as épocas da humanidade, por
filosofias e religiões, profetas e sábios, enviados para ajudar o progresso da humanidade.
Impossível citar todas as doutrinas e todos os Espíritos que contribuíram neste sentido. Em que
pesem as imperfeições humanas, as institucionalizações das religiões, a mistura das paixões aos
grandes princípios revelados e vividos por profetas, sábios e filósofos, é possível extrair uma
essência, que se revela semelhante no Ocidente e no Oriente, em grandes mestres antigos e em
grandes mestres contemporâneos. É possível fazer leituras éticas relevantes relacionando por
exemplo a compaixão de Buda e de Francisco de Assis; a não-violência de Jesus e de Gandhi; as
virtudes sociais de Sócrates e de Confúcio, apenas para mencionar algumas personalidades, que
vivenciaram princípios éticos, universais e sempre necessários.
No Velho Testamento, temos os célebres Dez Mandamentos, cuja validade pode até hoje ser
aceita. Destacam-se os seguintes preceitos: adorar a Deus; honrar pai e mãe; não matar; não
cometer adultério; não furtar; não dar falso testemunho contra o próximo; não cobiçar a
propriedade alheia. São mandamentos simples e claros, numa das mais importantes revelações
morais de todas as épocas. Já se passaram mais de quatro mil anos e ainda não são praticados
pela maior parte dos homens encarnados.
Em Platão e em seus discípulos, destacam-se, como as principais virtudes que devemos adquirir,
a justiça a temperança, a sabedoria e a fortaleza. Os filósofos cristãos adotaram essas virtudes, a
que chamaram de cardeais. A justiça é saber dar a cada um o que é devido; a temperança é o uso
e o usufruto ponderado de bens e gozos materiais; a prudência (ou sabedoria) é o discernimento
moral, a lucidez para apreciar valores e analisar situações concretas (a palavra prudência perdeu
seu sentido original e hoje quer dizer cautela); a fortaleza é a coragem moral, com que se deve
enfrentar os obstáculos e dores da vida.
Os teólogos cristãos reconheceram que, além dessas virtudes cardeais, proclamadas desde a
Antiguidade, há também as ditas virtudes teologais, citadas por Paulo em sua I Epístola aos
Coríntios: fé, esperança e caridade.
No Oriente, talvez o mais elevado código moral escrito, acompanhado das mais belas definições
de Deus e da doutrina da reencarnação, se encontra no Bhagavad Gita, um dos livros mais
importantes do Hinduísmo. Aí se veem recomendados preceitos como a igualdade de ânimo
diante da dor e do prazer (o que equivaleria à fortaleza do Ocidente); o equilíbrio; a ação
desinteressada no bem, com desapego dos resultados; o desprendimento das coisas terrenas e dos
prazeres sensuais; a fé e o amor a Deus; a busca constante de aperfeiçoamento (através das
sucessivas existências); a fraternidade; a tolerância religiosa; a caridade e a compaixão para com
todos os seres; a humildade e a paciência. Nenhuma das virtudes, exaltadas em dois milênios de
Cristianismo, se encontra ausente nesta obra.
A ética proposta e vivida por Siddhartha Gautama, o Buda, iluminou o Oriente e é inspiração de
milhões no mundo contemporâneo. A prática da não-violência e da compaixão para com todos os
seres; o desapego; a ideia de se sobreviver de um trabalho nobre, que não cause dano a ninguém;
a renúncia do egocentrismo e do colocar-se a serviço - todas são virtudes indicadas pelo
Budismo, como caminho de libertação do sofrimento.
Mais recentemente, tivemos na figura de Gandhi a reinterpretação e a exemplificação das
virtudes pregadas pelo Bhagavad Gita, por Buda, aliadas às recomendadas por Jesus. No grande
princípio da não-violência – aplicação do amor ao próximo, no campo da vida prática e da
política – temos um resumo de tais preceitos morais.
O Espiritismo, proclamando-se uma continuidade da revelação judaico-cristã, mas reconhecendo
que as grandes verdades morais apareceram em todas as épocas e em todas as doutrinas
filosófico-religiosas do mundo, ressalta as mesmas virtudes. A especificidade da moral espírita é
o reconhecimento de que, embora as leis morais sejam as mesmas em qualquer época e para
qualquer pessoa, a responsabilidade diante de sua aplicação varia, segundo o grau evolutivo do
Espírito. Os princípios são iguais, mas a responsabilidade é individual, dependendo das
condições emocionais, históricas, sociais, psíquicas e circunstanciais de cada um.
Em O Livro dos Espíritos, o livro terceiro é todo dedicado às Leis morais. Entre elas, aparecem a
Lei de Adoração (que é o amor e o reconhecimento que se deve a Deus e a ligação com Ele
através da prece), a Lei do Trabalho, a Lei de Sociedade, a Lei de Progresso, a Lei da Igualdade,
a Lei da Liberdade, a Lei da Justiça, do Amor e da Caridade. Em O Evangelho Segundo o
Espiritismo, a obra que Kardec consagrou aos problemas morais e cuja proposta é resgatar a
Moral cristã em sua pureza, são estudados, entre outros, os preceitos da mansuetude, da
misericórdia, do amor ao próximo e aos inimigos, da prática do bem sem ostentação, da caridade,
do desprendimento dos bens terrenos, da busca de perfeição espiritual, da fé raciocinada (esta
também uma especificidade da moral espírita), da gratuidade dos dons espirituais, do dever e da
necessidade da prece.
São muitas as virtudes pregadas pelas diversas filosofias e religiões, mas todas elas se irmanam
em princípios básicos, válidos em todos os tempos. Poderíamos, talvez, resumir todas elas em
três pontos fundamentais, para nos atermos à formação trinitária do pensamento, tão comum para
traduzir grandes verdades espirituais.
• Amor a Deus e ao próximo. Jesus disse que no amor a Deus, sobre todas as coisas, de toda a
alma, de todo o coração e entendimento e no amor ao próximo como a si mesmo, estão reunidos
toda a Lei e os Profetas… Isso é lógico e evidente. Pois o amor a Deus nos coloca em sintonia
com sua presença em nós, essa presença se manifesta pela consciência e pelo sentimento de
unidade e conexão com todas as coisas; o reconhecimento de sua paternidade divina é que nos
faz enxergar todos os seres humanos como irmãos; a ideia em nós de Sua perfeição absoluta é
que nos atrai para o autoaperfeiçoamento (“sede perfeitos, como vosso Pai celestial e perfeito”–
disse-nos Jesus). No amor ao próximo – que no Espiritismo se traduz na máxima “fora da
caridade não há salvação”– encontram-se todas as atitudes naturais ao Espírito sequioso de luz e
perfeição: o perdão, o interesse pela felicidade do próximo, a abnegação, a humildade, a
paciência. O Mestre estabeleceu a medida do amor ao próximo, no amor que temos a nós
mesmos, porque todo ser humano tem o mesmo desejo de felicidade, a mesma necessidade de
afeto e respeito, de compreensão e ajuda e todos são igualmente sensíveis à dor e à agressão.
Imaginando o resultado de nossas ações sobre nós mesmos, podemos saber o efeito que elas
causarão no próximo e identificaremos com clareza se estão de acordo com a lei do amor.
• O trabalho e o sentido de utilidade. Ao contrário de outras doutrinas, que pintam a felicidade
suprema como a contemplação ociosa, o Espiritismo nos ensina que o trabalho é o maior gozo do
Espírito e que a eternidade será preenchida de ação permanente no bem.
Durante muitos milênios, o trabalho no mundo foi considerado uma punição ou uma obrigação
apenas para escravos. Progressivamente, a humanidade foi abolindo privilégios e exaltando o
trabalho. Hoje, reconhece-se até mesmo a sua função pedagógica e terapêutica. Em nossos dias,
ele é considerado, pelo menos teoricamente, um dever social de todas as pessoas em idade e
condições de assumir uma atividade. Eis, porém, o problema central: o trabalho hoje é
identificado com função produtiva, com serviço remunerado. Mas há aqueles que trabalham
apenas nominalmente e açambarcam o resultado financeiro de outros, que trabalham de fato. E,
ainda, pela urgência de sobrevivência, pela persistência de muitas formas de exploração e pela
desorientação vocacional de muitos, o trabalho é associado às ideias de obrigatoriedade maçante,
dever imposto, carga pesada.
É na Educação que devem começar a se desenvolver outras noções de trabalho. Ele deveria ser
sempre associado à ideia de utilidade e de bem fazer ao ser humano. Se assim fosse, aliás, muitas
atividades consideradas lucrativas, do ponto de vista financeiro, desapareciam da face da Terra.
O trabalho também deve dar prazer (pela atividade em si e pelo gosto de ser útil ao próximo –
condição inteiramente moral) e corresponder às tendências individuais daquele que o faz. Deve
desenvolver de algum modo (moral e/ou intelectualmente) aquele que trabalha.
Assim, a recompensa financeira pode ou não ser consequência, dependendo das circunstâncias e
necessidades. Se no maior período da vida, para a maioria dos seres humanos, haverá a
necessidade de um serviço remunerado, já que a nossa organização social ainda trabalha com
esse valor de troca, que é o dinheiro, que esse serviço possa estar dentro das condições de
trabalho mencionadas. Mas, o conceito de trabalho é muito mais amplo e não deve ser visto
apenas como estar numa fábrica, num escritório ou no exercício de uma atividade considerada
profissional. Há o trabalho espiritual, em todos os campos religiosos. (Um aspecto negativo das
religiões institucionalizadas é ter estabelecido o profissionalismo religioso – a remuneração por
atividades espirituais). Há o trabalho de assistência fraternal (tudo aquilo que Jesus considerou
como obrigação moral de seus seguidores, assistir doentes, presos, necessitados…); o trabalho
doméstico (que deve ser compartilhado por todos os membros da família, principalmente numa
estrutura em que homens e mulheres trabalham fora); o trabalho da Educação de filhos e
tutelados e todo e qualquer tempo que se dedica ao próximo. Além disso, trabalhos intelectuais e
artísticos, com propostas idealistas e nobres, por vezes podem não dar nenhum fruto financeiro
àqueles que os produzem, permanecendo porém como contribuições essenciais à evolução da
humanidade.
Desde a primeira infância – época em que justamente o trabalho não deve ser remunerado e
muito menos explorado – deve-se procurar associá-lo à criação, ao gosto de produzir, ao prazer
de servir ao próximo e de se sentir útil, ao uso e ao desenvolvimento das próprias
potencialidades…
• A vontade do bem. O progresso espiritual não pressupõe apenas o conhecimento e o
sentimento do bem, mas a disciplina da vontade, um impulso inquebrantável para o alto. A
vontade é a persistência, a firmeza, a energia que se põe num propósito edificante, num trabalho
útil. Sem ela, o conhecimento mais elevado e as melhores intenções se desfazem às primeiras
contrariedades e oposições. Ora, a vontade é despertada pelo conhecimento espiritual, e atraída
pelo polo supremo da perfeição, que é Deus; é alimentada pelo amor, tanto a Deus, como ao
próximo, porque quando somos movidos verdadeiramente por amor, o sentimento de dedicação
ao outro e a comunhão com Deus nos fazem vencer toda resistência interna e externa à prática do
bem; é, enfim, fortificada pelo trabalho, pois quando, nas mínimas ações, perseveramos na
execução até o final, vamos aprendendo a dominar a vontade.

MÉTODOS

Todos temos ao mesmo tempo as sementes divinas, depositadas e dormentes em nossa


consciência, e as tendências negativas trazidas do passado. A criança, como vimos, está num
período em que justamente essas tendências estão adormecidas e a divindade essencial está mais
acessível. A Educação moral deve se preocupar muito mais em tocar essa divindade, em fazer os
sentimentos morais ativos, tocando-os e acordando-os do que em reprimir as más tendências.
Que as leis morais brotem do coração e se fortaleçam pela razão. Despertado o anseio e o gosto
pelo bem, o segundo passo é fortalecer a vontade, para que o indivíduo tenha forças de
permanecer no bom caminho e lutar contra os obstáculos internos e externos que se lhe opõem.
A Educação deve chamar sua atenção para as próprias fraquezas e problemas, pode ajudá-lo a
superá-los. Mas o esforço interno lhe pertence. Cada qual é soberano dentro de si.
Para despertar o bem, em qualquer processo educativo, é preciso renunciar à violência de
qualquer espécie, pois a humilhação da dignidade desperta revolta ou mergulha o ser na apatia.
Aliás, os meios devem ser coerentes com os fins. Como despertar amor, com violência; justiça,
com desrespeito; liberdade com opressão? Desde a primeira infância, é necessário repelir tapas e
castigos. Não se deve tentar condicionar à obediência, na base do medo da dor ou da humilhação
moral. Isso é domesticação e não Educação. Trata-se aliás de uma postura que produz
sentimentos e reações contrários à moralidade: a hipocrisia, a raiva, a perda da autoestima. Para
acordar valores positivos, só podem ser usados meios positivos. Enumeramos os seguintes:
• O contágio moral. Tanto virtudes como vícios, tanto o bem quanto o mal se transmitem
principalmente pelo contágio, pela emanação fluídica, pela exemplificação. Por isso, ao
tratarmos do educador, na segunda parte desta obra, demos tanta ênfase às suas qualidades
morais, ao seu empenho de autoaperfeiçoamento. O ambiente que cerca a criança, o adolescente
e o jovem, o engajamento sincero dos educadores na própria evolução moral, a elevação dos
estímulos que recebe, eis a fonte principal de Educação moral. O teor das conversas que escuta, a
maneira como os adultos à sua volta se relacionam, os valores que familiares cultivam na vida
pessoal – tudo isso será determinante na Educação moral do indivíduo.
Não que pais e professores devam se mostrar pessoas distantes e sisudas, que simulam
circunspecção, para conquistar um falso respeito. O contágio moral se dá muito mais nas
relações abertas, com naturalidade e alegria, do que nos moralismos rabugentos.
E é claro que não podemos esperar perfeição moral dos educadores, mas pelo menos um
engajamento sincero no bem. Assumir as próprias fraquezas e limitações também é um bom
contágio na arte da humildade e no esforço genuíno de acertar.
• A prática moral. A melhor maneira de se aprender é agindo. Assim, na medida do possível, os
educadores devem proporcionar oportunidades de boas ações, estimulando os educandos, sem
arrancar-lhes a iniciativa. Convidá-los, sem coação, a participar, na medida de suas forças e
capacidades, em trabalhos de ajuda ao próximo, em que os adultos estejam engajados; incentivar
a cooperação entre eles (Pestalozzi, nesse sentido, propunha na escola, o ensino mútuo – ao invés
da competição estimulada pelas provas e notas em nosso sistema); aproveitar das situações
cotidianas, mesmo de conflitos e problemas, para destacar a beleza de virtudes, como a justiça, o
perdão, a fraternidade.
• O amor. Se o amor é uma das finalidades da Educação moral, também é o seu recurso
principal. Só o amor tem o condão capaz de tocar a divindade essencial do Espírito. Entenda-se
aqui o amor em seu sentido mais profundo e sublime. Muita gente confunde amor com egoísmo,
ao projetar no outro a satisfação de suas próprias necessidades afetivas ou de seu orgulho e
vaidade. Outros entendem o amor como servidão, nos mínimos caprichos, ao ser amado (coisa
comum por parte de pais para com filhos). O amor verdadeiro é aquele que, acima de tudo,
deseja o crescimento espiritual do ser amado e se devota, se sacrifica até por esse progresso. Esse
amor, portanto, sabe destacar a melhor parte do educando e cultivá-la com carinho e paciência,
sem ignorar suas tendências negativas – tentando igualmente transformá-las, sem violência e sem
desrespeito pela sua dignidade.
O amor sincero e profundo cria uma atmosfera de alegria e entusiasmo de viver, que é o fio
condutor de toda evolução real. O gosto de estar junto, o encanto de cativar o outro e se deixar
cativar proporciona paz e estímulo. O tédio existencial e o desânimo têm geralmente origem na
falta de amor. Onde ninguém se importa com ninguém, todos se fecham em si mesmos e
murcham espiritualmente.
• O diálogo. O amor sustenta o vínculo de confiança recíproca e diálogo sincero entre os seres
humanos – condição essencial no processo educativo.
O diálogo não é algo que se possa improvisar repentinamente entre pessoas que convivem sob o
mesmo teto. Ele é sempre fruto de um longo cultivo e brota de uma relação de confiança. Na
Educação, deve começar a ser cuidado desde a primeira infância, nas mínimas ocasiões da vida
diária.
Pode-se alegar que, às vezes, em poucos minutos, estabelecemos um diálogo profundo, com
alguém que acabamos de conhecer, chegando mesmo à troca de confidências. Isso pode
acontecer por se tratar de um reencontro do passado, em que as relações íntimas se restabeleçam
de imediato, numa simpatia intensa, ou ainda por uma afinidade espontânea e profunda. Também
ocorre a muitos de se sentirem mais à vontade em falar com um estranho do que com algum
familiar. Isso pode revelar ausência de diálogo e confiança, dentro da família.
A condição básica para o diálogo é a compreensão, derivada do amor. A intolerância e o
autoritarismo, num extremo e a indiferença no outro, lhe são as maiores barreiras. Quando
tememos punições, ironias, acusações, explosões de raiva, gritarias ou quando sabemos que a
resposta será a frieza e o tanto-faz, evitamos qualquer relação profunda, porque já sabemos de
antemão que não haverá diálogo, mas monólogo. O autoritário nos impingirá o seu monólogo. E
diante do indiferente, faremos nós um monólogo. Ao contrário, quando sabemos de alguém que
se preocupa conosco, com equilíbrio, que nos aceita e nos ama, em qualquer circunstância, a
confiança será natural.
Entretanto, compreensão e amor não significam aprovação permanente. O verdadeiro diálogo se
baseia na aceitação do outro, mas não na condescendência comprometedora com que nos desvia
do rumo. Quem apoia indiscriminadamente qualquer atitude não está agindo pedagogicamente,
mas facilitando a queda alheia e eximindo-se de suas responsabilidades morais. É certo que
ninguém é dono da verdade, mas num diálogo construtivo pode haver ocasiões em que alguém
tenha de dizer certas verdades, embora sempre dosadas com amor e compreensão. Às vezes,
então, não é o autoritarismo de quem pode orientar que afasta quem precisa ser orientado, mas a
vontade deste de ser sempre aplaudido e a sua resistência melindrada a qualquer tipo de
conselho.

A EDUCAÇÃO SEXUAL

A Educação sexual aparece necessariamente relacionada à Educação moral, porque, ao contrário


do que muitos pensam e praticam atualmente, ela não deve se constituir meramente de lições de
anatomia e de prazer sensorial. À prática do sexo, está associada uma responsabilidade ética
inalienável.
É claro que, como em todos os outros campos, a canalização positiva do sexo deve em primeiro
lugar partir do exemplo dos educadores. Em segundo, o assunto deve ser objeto de conversação
aberta, dentro de um clima de respeitabilidade. Nem tabu, nem deboche são próprios para o
diálogo entre educador e educando sobre essa questão. Naturalidade, oportunidade, respeito e
elevação são os ingredientes necessários.
O mundo contemporâneo está sob o signo do prazer irrestrito, do estímulo indiscrimado às
sensações, em detrimento do sentimento, da responsabilidade e do compromisso. O
individualismo feroz que domina a sociedade de consumo transfere-se também para o campo
sexual e as pessoas são convidadas pela mídia, por psicológos, filósofos e pensadores, mais
mediáticos e de discursos mais ralos, a colocarem o prazer como princípio supremo da
existência.
A canalização pura e simples da sexualidade para o prazer descomprometido resulta na
instrumentalização do outro e de si mesmo. A pessoa torna-se objeto de consumo descartável,
consumindo por sua vez outras pessoas, sem nenhum vínculo de sentimento.
O sexo é uma energia poderosa, que é melhor canalizada no compromisso afetivo sério, na
formação da família, na construção de vínculos espirituais e profundos que resultarão em filhos,
em projetos de elevação mútua, em atividades sociais benéficas à coletividade. Sustentação
afetiva e não uso descartável do outro é o melhor caminho.
A energia sexual, se for gasta apenas no prazer, sem um sentimento de amor, que eleve o seu
diapasão, sem responsabilidade moral e finalidade nobre, que garanta o equilíbrio, pode não só
servir de alimento a Espíritos vampirizadores, como gerar profundos desequilíbrios naquele que
a está desperdiçando e malbaratando.
Então, em sexo, nem tudo é normal, nem tudo faz bem, nem tudo é saudável, como querem nos
fazer crer os discursos relativistas contemporâneos. Pelo princípio do prazer, não é tudo que vale
a pena para o Espírito. O principal critério para nos orientarmos em relação ao que é melhor e ao
que é pior no exercício da própria sexualidade é se estamos nos respeitando, e respeitando o
outro; se estamos empregando essa energia de forma construtiva ou se a estamos dissipando sem
rumo; se estamos numa relação saudável, equilibrada, que nos traz paz e bem-estar ou se estamos
nos agredindo ou agredindo alguém.
É bem verdade que se, em todos os campos da vida moral, o indivíduo tem inteira jurisdição de
si mesmo, seu comportamento sexual é ainda mais intimamente seu. A ninguém compete julgar e
condenar o próximo, nesse sentido. Lembremo-nos da inesquecível lição de Jesus: “quem estiver
sem pecado, atire a primeira pedra”. Mas a pretexto de tolerância e benevolência para com todos,
não se pode deixar de reconhecer o que é melhor, o que é mais saudável, o que é mais elevado,
distinguindo o que é rasteiro, grosseiro e vil, o que nos aprisiona nas malhas da viciação.
Para uma Educação sexual saudável, além do exemplo e do diálogo, pressupõe-se que sejam
estimulados no educando os seguintes valores:
• O auto-respeito. Trata-se do respeito pelo próprio corpo, o cuidado com a saúde, com a
higiene, tendo-se a consciência de que o corpo é um templo do espírito, no qual cada um deve
trabalhar pelo seu progresso moral e não reduzi-lo a uma fonte viciosa de prazer físico. Além do
respeito ao próprio corpo, é preciso que também aprendamos a respeitar nosso psiquismo, nossos
sentimentos, no sentido de não nos deixarmos explorar, não nos acomodarmos a relações
patológicas. Respeitar-se é também praticar uma higiene mental, o que implica em elevação de
pensamento. Por isso todo aquele que se alimenta mentalmente de imagens e propósitos
saudáveis, equilibrados e bons, atrairá para si afinidades nesse sentido e fugirá das atrações do
abismo, que podem vir de fora ou nascer de dentro. Nesse sentido, é bom oferecer aos educandos
histórias bonitas (sem moralismo burro e lições pobres), exemplos nobres e diálogos
consistentes.
• O respeito pelo sentimento alheio. Quando o educando aprendeu e viu desde cedo a prática do
respeito mútuo, o interesse pelo bem-estar do outro e o amor presidindo todas as ações,
dificilmente será na fase adulta um gozador irresponsável, indiferente às consequências de suas
relações afetivas.
• O autodomínio. Também aquele que se viu desde cedo estimulado a controlar seus desejos,
que não vê seus mínimos caprichos atendidos e cultiva a autodisciplina (que não é a mesma coisa
que a disciplina imposta por outros, e sim uma disciplina despertada pela influência dos
educadores, mas que cada um vai exercer dentro de si), já na adolescência saberá melhor
controlar seus desejos e orientar seus impulsos.
A problemática que se apresenta hoje no campo da sexualidade é que a permissividade é tanta, o
estímulo é tão maciço, que corremos dois riscos, que já estão se manifestando socialmente. O
primeiro é a perda do apetite sexual. O uso abusivo da libido desgasta o desejo e poderá nos
apresentar gerações impotentes. O segundo são os movimentos repressivos, à moda medieval,
que estão retornando no mundo atual, pela mão das religiões fundamentalistas.
Temos, de um lado, a apologia irrestrita do sexo livre e descomprometido, praticado de qualquer
forma; do outro, temos o ensaio de voltarmos à moral repressiva e hipócrita do passado, em que
o indivíduo nega a sua sexualidade, tampando-a de maneira negativa, o que certamente mais
adiante lhe acarretará problemas psíquicos e comportamentais.
O nosso desafio é trilhar o caminho do meio na orientação sexual às novas gerações, partindo
nós mesmos de uma vida sexual que busca o equilíbrio e a responsabilidade. Nem repressão
hipócrita, nem devassidão que escraviza o Espírito na viciação patológica. Nem sermões
moralistas e puritanos, nem relativização permissiva. Saibamos que o sentimento tem de vir
associado ao sexo; o respeito deve ser o parâmetro ético de sua prática e a criança nesse processo
todo deve ser o alvo supremo de nossa preocupação e cuidado: que ela não seja mais abusada,
perdendo a inocência necessária ao seu desenvolvimento; que ela possa contar com pais e mães
amorosos e responsáveis, que coloquem o bem-estar dos filhos acima da satisfação de seus
impulsos sexuais; que ela possa ter famílias estáveis, seguras, sinceras e pessoas à sua volta que
sejam capazes de amá-la incondicionalmente e exemplificar uma vida a dois de devotamento,
respeito e afeto construtivo.
XVII - A Educação Intelectual

Se demos tanta ênfase ao aspecto moral da Educação, não quer dizer que menosprezemos e
releguemos a segundo plano o aspecto intelectual. O desenvolvimento cognitivo do Espírito é tão
importante quanto o desenvolvimento moral. No Espiritismo, encontramos a célebre
recomendação do Espírito da Verdade: “Amai-vos e instruí-vos”. Aliás, esses dois parâmetros do
progresso espiritual estão intimamente entrelaçados. É verdade que na maioria dos seres ainda a
caminho da perfeição, há um desequilíbrio entre ambos. Vemos algumas almas bondosas ainda
ignorantes, e encontramos gênios degenerados moralmente. Entretanto, a bondade do ignorante é
estreita e precisa iluminar-se com a razão e com o conhecimento, para tornar-se mais lúcida,
mais ativa e mais eficaz. Assim também, o conhecimento do mau é restrito ao seu horizonte,
encarcera-se nas grades do orgulho e do egoísmo, deformando-se a sua inteligência em
preconceitos e falsas teorias. Devemos, pois, velar atentamente pelo crescimento equilibrado das
duas asas da evolução humana, para que possamos voar com segurança aos píncaros da
perfeição.
A concepção mais comum e ainda vigente em nosso sistema escolar é baseada muito mais na
memória de conteúdos prontos do que num real desenvolvimento da mente. Já no século XVII,
Comenius chamava a escola de “câmara de tortura das mentes infantis”. Desde o século XVIII,
Rousseau alertava para a necessidade de a criança inventar a Ciência e aprender a aprender e não
se tornar um arquivo morto de dados. Sucessivamente até o nosso século, pedagogos e
psicólogos têm estudado o desenvolvimento cognitivo do ser humano e observado a importância
de um progresso autônomo, não-mecanicista.
Todo discurso sobre o desenvolvimento intelectual da criança, e mesmo do adulto, deve se
focalizar assim no ser humano e nas potencialidades que desejamos ver nele desabrochadas e não
no conteúdo a ser transmitido. Aliás, quanto mais avança a civilização – e isso tem sido
avassalador nas últimas décadas – o conhecimento muda, progride, passa por revoluções…
Ninguém pode se fixar num patamar acabado das diversas Ciências. Disso depende até mesmo a
sobrevivência profissional. O próprio progresso material e tecnológico, científico e humanista do
mundo está nos indicando algo que deve fazer parte do nosso Espírito: o empenho permanente de
aprender e renovar-se, descobrir e elevar-se.
O ser humano deve estar no centro de todo esse processo, porque ele é o seu agente e o seu fim e
para que o conhecimento de alguns não venha a se transformar – como tem acontecido sempre
no decorrer da História – na dominação de muitos. A tecnologia hoje contribui para a
democratização do conhecimento, pelas mídias e pela informática. O que é outro motivo para se
formarem seres humanos capazes de usar criativamente o conteúdo armazenado nos meios
eletrônicos. A memória meramente informativa, como finalidade principal do desenvolvimento
cognitivo, cai do seu pedestal humano, porque o computador arquiva informações muito mais
eficiente e rapidamente. O que resta ao homem? Tudo. A criação, a interpretação subjetiva,
filosófica; a sensibilidade, o julgamento crítico; a interação global do conhecimento… São essas
algumas das características que devemos fazer brotar no educando. Essas habilidades humanas,
hoje necessárias na sociedade, são ao mesmo tempo habilidades espirituais, imprescindíveis à
evolução integral do Espírito.
Para enfocar a Educação intelectual, colocando o homem no centro de suas metas, é preciso levar
em consideração alguns aspectos de como se dá a aquisição do conhecimento e, ao mesmo
tempo, descrever algumas potencialidades cujo desenvolvimento precisamos almejar.

ASPECTOS DA APRENDIZAGEM

• O interesse e o significado. Aprende-se de fato aquilo por que se tem interesse e aquilo que faz
sentido. Podemos chamar isso também de motivação. O interesse pode nascer da necessidade, ser
espontâneo ou estimulado e pode se radicar em diferentes aspectos do indivíduo. O interesse por
necessidade é fruto das contingências e circunstâncias. Os interesses inatos são herança de gostos
e conhecimentos já desenvolvidos em outras vidas. E outros podem advir da presente influência
familiar ou social.
Em qualquer caso, os interesses cognitivos se entrelaçam com motivações emocionais,
psicológicas, afetivas… O homem é uno e suas reações não são setorizadas rigidamente em
razão, emoção, memória, vontade. O universo mental de cada um é por demais complexo, ainda
mais se levarmos em consideração que muitas de suas raízes jazem em milênios de existências,
pelo momento adormecidas, mas que não deixam de atuar sobre a personalidade atual.
Isto significa que o indivíduo só aprende algo se sentir a necessidade daquele conhecimento ou
se este estiver ligado a uma experiência concreta, afetiva, psicológica com forte significado para
ele. Do contrário, não se dá a aprendizagem, mas apenas a fixação de algo vazio de sentido, que
logo em seguida desaparecerá da memória, sem deixar marcas.
É preciso aproveitar interesses já existentes, indicar necessidades, despertar desejos e vontades e
centrar o trabalho pedagógico muito mais na motivação do que no conteúdo. O ser humano, em
qualquer idade, entusiasmado, interessado, motivado, pesquisa, procura, aprende por conta
própria. Ao passo que, no ensino burocratizado, sem vida, sem significado subjetivo para o
indivíduo, por mais que se martele, ameace, insista, pouco de proveitoso acontece.
A criança por si só já se revela multiplamente interessada, salvo exceções que podem estar
ligadas a complexos fatores emocionais ou espirituais ou ainda a déficits cognitivos de origem
neurológica. O esforço do educador tem de ser no sentido de canalizar, orientar, potencializar a
curiosidade infantil, ao invés de esmagá-la. O sistema de ensino vigente jamais aproveita as
condições de aprendizagem oferecidas pela criança. Anula-as, para impor autoritariamente
conteúdos fechados e maçantes.
• A memória global. Não é errado dizer que a memória ocupa um lugar importante na
aprendizagem. Mas ela é o seu último reduto e jamais seu primeiro recurso. Isso quer dizer que,
motivado, o ser humano vai construir um conhecimento significativo e este conhecimento ficará
indelevelmente marcado em seu Espírito. Não permanece o que foi decorado apenas. Definições,
palavras, fórmulas, regras, datas papagaiadas e reproduzidas numa prova, ou mesmo num
vestibular, desaparecem depois, sem deixar vestígios. Fica o que se aprendeu. E aprendizagem
real interage com o Espírito inteiro, pondo em ação diversos tipos de memória: memória visual,
sensorial, auditiva, musical, afetiva etc…
Às vezes, podemos lembrar um fato, apenas porque envolveu uma pessoa de que gostamos
muito. Uma música ou um perfume podem nos remeter com clareza para uma situação passada.
Sensações e conceitos, experiências vividas e conteúdos incorporados associam-se
indelevelmente no espírito humano. A memória que se requer da criança na escola é a memória
do computador– a de arquivar informações sem nexo com a experiência. O ser humano não é
capaz de ser um arquivo neutro de dados. Tudo nele se associa a fatores emocionais, estéticos,
éticos… seja de maneira positiva ou negativa. A memória do prazer e da dor, do belo e do feio,
de uma grande realização ou de um grande erro liga-se ao conhecimento adquirido: aliás, é o
conhecimento adquirido. Tudo fará parte da visão de mundo do homem, de sua maneira de
entender a vida e de comportar-se diante dela. O ato de conhecer é um ato subjetivo, embora haja
componentes objetivos no conhecimento.
Como a escola é atualmente um lugar inóspito, de aprendizagem neutra, abstrata, apenas para
cumprir mecanicamente conteúdos pré-programados, não se estimula a memória global do
indivíduo, com que possa armazenar vivências significativas. Ele está limitado a ser um
reprodutor passivo de conceitos.
• Abstração da experiência concreta. Não se pode despertar interesse e muito menos se fazer
apelo à memória global, com conceitos abstratos, destituídos de base concreta e experimental. O
ensino não pode ser esse amontoado de fórmulas e teorias, que o educando não sabe de onde
vem, para que serve e qual a sua ligação com a realidade. Um critério de conteúdo válido para se
trabalhar seria o do aluno ter condições de relacionar o aprendizado com alguma aplicabilidade
concreta ou com algum interesse subjetivo. No caso, por exemplo, da Matemática, da Física ou
da Química, essas Ciências deveriam sempre ser conduzidas de forma a despertar o interesse
pelos fenômenos que elas estudam ou pela aplicação prática de suas fórmulas. Jamais poderiam
se tornar um complexo ininteligível de conceitos puros. Aliás, deveriam antes desenvolver o
pensamento matemático ou científico do que enfiar na cabeça do aluno um conjunto de fórmulas
prontas. Também nas Ciências Humanas, na História, na Literatura, na Arte, na Geografia, pode-
se fazer a ponte com a realidade concreta, e ainda é possível ligar seus conteúdos a estados de
alma e a experiências subjetivas do indivíduo.
Aproximar a realidade do conhecimento, a vida da escola e da universidade, eis uma urgência
universal, para que haja maior e real desenvolvimento intelectual dos que passam pelos bancos
escolares. Trata-se justamente de abolir os “bancos” e mudar substancialmente a estrutura, os
objetivos e as práticas escolares, desde a pré-escola até o mundo acadêmico. (Ver Cap. XIX)
• A concentração e a disciplina. Apenas atendendo à estrutura real da mente humana, para a
realização da aprendizagem, será possível obter a concentração espontânea, indispensável ao
processo de crescimento cognitivo. De fato, para se aprender algo é preciso que a mente se volte
com intensidade e exclusividade para a atividade intelectual em questão. A dispersão e a
confusão mental são dos maiores inimigos do desenvolvimento do intelecto. Mas exatamente
essa concentração só se obtém pelo envolvimento total do indivíduo pelo assunto – coisa apenas
possível se realizadas as condições anteriormente citadas.
O interesse subjetivo garante ao indivíduo a vontade de se esforçar e vencer obstáculos; o apelo a
todas as suas faculdades, estéticas, emocionais, manuais, permite que ele esteja presente de corpo
e alma no processo de aprendizagem e, por fim, a ligação do conhecer com o fazer, do conceito
com a realidade, é o fio de lógica concreta, o fundamento sólido para a construção do
conhecimento. Interessando-se, ele se concentrará. Globalmente envolvido, ele naturalmente não
se dispersará. Na observação do real, sua mente não pode se confundir.
Tudo isso fará brotar uma disciplina espontânea, não imposta de fora para dentro, mas condição
necessária do próprio indivíduo que deseja aprender. Ao contrário do que muitos pensam, a
disciplina na escola, com seu cortejo de silêncio, seriedade e dedicação, é menos um problema
moral do que uma consequência de organização adequada à aprendizagem. O desinteresse, a
dispersão mental provocam a manifestação da confusão exterior.
Não que disciplina deva ser aquela ordem militar, rígida e inóspita de antigamente. A
aprendizagem autônoma, entusiástica, engajada, pode inclusive aparentar uma desordem externa.
Mede-se a verdadeira disciplina pelos frutos produtivos. A disciplina real é a da mente que
produz e ela é sempre autodisciplina. Não importa até se durante o processo de produção, o
indivíduo desorganize o ambiente, troque ideias, rompendo o silêncio (que é geralmente
considerado a maior manifestação de disciplina), se excite, se entusiasme… Muitas vezes, a
disciplina aparente, exterior, em que todos estão quietos, sentados e obedientes, pode esconder
uma indisciplina e uma dispersão mental muito maiores. A mente vaga sem rumo, enquanto a
boca se cala, por imposição externa.
O problema da indisciplina mental em nosso mundo é muito grave por causa dos apelos
desencontrados dos meios de comunicação de massa. O indivíduo é bombardeado
constantemente por uma avalanche de imagens, ideias, recados publicitários, notícias
deprimentes, cenas violentas… É a todo minuto convocado à dispersão de si, à fragmentação da
mente. Por isso, é mais do que necessário que se possa obter uma terapêutica mental, através de
uma aprendizagem que consiga reorganizar o Espírito e colocá-lo num estado de maior harmonia
psíquica. Isso apenas será possível, atraindo sua vontade, conquistando sua adesão com um
ambiente estimulante e atividades que o motivem.

POTENCIALIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS

• Racionalidade (Ciência, Filosofia e Linguagem). A capacidade de encadear ideias com lógica


e coerência, de estruturar um discurso com começo, meio e fim, de argumentar e ter clareza de
raciocínio – eis uma habilidade mental muito pouco cultivada na escola, principalmente no
Brasil. O aluno não aprende a pensar e não se torna capaz de manter uma coerência mental.
Entretanto, trata-se de uma necessidade vital para o desenvolvimento global do indivíduo.
A racionalidade é usada na Ciência, na Filosofia e seu instrumento principal é a linguagem. Para
que ela se torne um traço da personalidade em formação, é preciso: 1°) que os conhecimentos
adquiridos estejam bem fundamentados em fatos, observações e argumentos sólidos; 2°) que haja
conexão entre os diversos campos de observação e conhecimento, ou seja, que nada seja
fragmentário e isolado; 3°) que o indivíduo seja estimulado a construir a sua visão de mundo,
reunindo fatos, experiências vividas e conceitos filosofados; 4°) que a aprendizagem da
linguagem esteja conectada com um conteúdo de lógica e racionalidade e não seja apenas a
manipulação de desinteressantes conceitos gramaticais.
O que importa no ensino das Ciências é transmitir o método científico. É mais vital que o
educando se aposse do raciocínio científico, que decore descobertas alheias. Espírito de
observação, capacidade de formular hipóteses, amor à experiência e curiosidade insaciável –
devem ser despertadas através de pesquisas em laboratórios, em análises de fenômenos simples,
que rodeiam o nosso dia a dia, em simulações do método científico, para descobrir leis e
explicações…
A Filosofia também deve ocupar lugar central na formação do indivíduo, não meramente como
ensino de variados sistemas de pensamento, mas como desenvolvimento do espírito filosófico.
Provocar debates, levantar questões existenciais profundas, levar o educando a se interessar pela
reflexão crítica sobre a realidade humana e social, incentivar a busca ininterrupta da verdade –
tudo isto faz parte do processo de filosofar.
Mas é preciso muito cuidado para que o desenvolvimento da racionalidade não se torne um jogo
de palavras, em que o educando seja literalmente treinado numa lógica fria, desconectada dos
próprios sentimentos, com uma tendência cética muito acentuada e avessa a uma visão de
mundo, que inclua a espiritualidade.
Tanto a Ciência quanto a Filosofia podem ser instrumentalizadas a serviço do materialismo. A
racionalidade também pode ser doutrinada. Por isso, é importante que a Educação proporcione
algo que nunca proporcionou: uma visão plural, um acesso honesto a todas as teorias. Que a
racionalidade aprenda a questionar e a duvidar, mas também possa conhecer os argumentos e os
pensadores que usaram a razão em favor da ideia de Deus e da espiritualdiade. Os maiores
racionalistas que a humanidade já conheceu – como Sócrates, Platão, Descartes– usavam a
racionalidade para testemunhar a existência de Deus, dos princípios morais universais,
apontando para a transcendência espiritual.
Existem duas posturas filosóficas negativas em relação à razão humana: uma é a do materialismo
tradicional, que chama de irracional tudo que se afasta do seu ideário positivista; a outra é a do
niilismo, que põe em xeque a própria razão como fonte confiável de conhecimento. A visão
espírita se equilibra, alicerçando na racionalidade sua cosmovisão, transcendendo-a, porém, ao
fazer do amor e da fé alavancas evolutivas igualmente necessárias ao Espírito.
• A criatividade. Já fizemos uma análise dessa capacidade (ver Cap. XI), que é natural na
criança, mas ainda assim deve ser cultivada e estimulada. A criatividade se relaciona com o
processo global da aprendizagem, incluindo a capacidade de questionar, de achar respostas
originais e ter a inteligência desperta para o crescimento constante. O Espírito encarnado ou
desencarnado, cuja criatividade está embotada, está estacionado, pois é o pensamento em ação
constante e positiva que garante o engajamento do ser no processo evolutivo.
Quando a escola apaga a chama criativa da criança, acabou de completar um processo de
deseducação.
• Vontade permanente de aprendizagem. Está diretamente ligada à criatividade. Trata-se de
saber extrair de cada circunstância, de cada momento existencial, de cada fato observado, lições
e reflexões. Estar em permanente estado de indagação e curiosidade é o oposto da preguiça
mental, da acomodação intelectual.
Como todos os atributos morais e intelectuais do Espírito têm conexão entre si, a vontade de
aprender está ligada a certas virtudes morais: perseverança, ânimo firme, autodisciplina. Para
vencer obstáculos externos e internos, a vontade de progredir intelectualmente tem de se
alicerçar numa vontade firme de progresso espiritual, de vencer as próprias limitações e superar
qualquer barreira. Se a curiosidade intelectual não estiver enraizada na vontade moral, ela
murcha à beira da estrada e não produz frutos proveitosos.
• Conhecimento global (interdisciplinaridade). Comenius usava a imagem da árvore, com seu
entrelaçamento orgânico de ramos, com seu enraizamento profundo, com seus frutos suculentos,
para simbolizar a necessidade do conhecimento global e interdisciplinar. Cada detalhe, que o
indivíduo sabe, deve se conectar com outros detalhes, tudo deve fazer um sentido global e único.
Não foi à toa que Comenius propôs uma pansofia (o saber do todo) de que deriva a sua
pampædia (o ensino do todo). Realizando o sonho histórico deste autor, o Espiritismo propõe o
entrelaçamento de Ciência, Filosofia e Religião, para a apreensão global da realidade.
Hoje, mais do que nunca, mesmo materialistas estão convencidos da urgência de
interdisciplinaridade. Nas mais diversas áreas de pesquisa e atuação profissional, a formação de
grupos interdisciplinares e a necessidade de se trocar experiências, ideias e ações, têm sido uma
constante nos últimos anos.
Assim, uma premissa filosófica antiga – que vem aliás desde os gregos – e que encontra elevada
expressão no Espiritismo, é também um requisito prático do mundo atual.
Mas, por enquanto, tanto a escola comum quanto a universidade têm resistido a essa necessidade
e dado mostras de persistência teimosa na fragmentação e na especialização excessiva do
conhecimento – herança ainda do Positivismo.
• O espírito crítico e a autonomia de pensamento. Desenvolvendo-se a racionalidade,
incentivando-se a criatividade e proporcionando ao educando a possibilidade de entender o
mundo de forma integrada, naturalmente ele terá à flor da mente o espírito crítico e a autonomia
de pensar. Não se trata de formar pessoas com a marca da revolta em relação aos problemas da
existência e do mundo. Mas que não tenham medo de emitir opiniões, porque se sentem seguras
– segurança que não significa dogmatismo, porque a primeira característica de alguém com
espírito critico é a capacidade de criticar-se a si mesmo e rever posições, quando defrontado por
fatos ou argumentos mais fortes.
A capacidade crítica é o preventivo contra a dominação mental de outras inteligências,
encarnadas ou desencarnadas. É o discernimento justo para avaliarmos o bem e o mal e
percebermos o que se esconde por trás das aparências. É a disposição de questionarmos pessoas e
situações, sem medo de enxergarmos a verdade, pois por trás da descoberta e da justa avaliação
de um problema, vem necessariamente o compromisso de nos engajarmos até o sacrifício para
saná-lo. Assim, o espírito crítico, em relação a nós mesmos, a pessoas à nossa volta, a
circunstâncias sociopolíticas, a respeito de formas de relacionamentos humanos ou de
instituições e poderes constituídos é um desestabilizador do comodismo egoísta.
Mas para ter uma função positiva para o indivíduo e para a sociedade, o espírito crítico deve
também estar vinculado a valores morais e equilíbrio emocional. A capacidade crítica enxerga a
realidade sem máscaras e sem subterfúgios. Mas deve ser contrabalançada pelo amor, pela
fraternidade, pela compaixão, para que não se converta em revolta e violência, em desequilíbrio e
desesperação.
Impossível chegar à verdade, sem ser crítico em relação à mentira; comprazer-se com a justiça e
lutar por ela, sem discernir a injustiça; exercer mesmo a compaixão e o perdão, a fraternidade e o
amor, sem reconhecer onde está o erro.
É verdade que o espírito crítico exarcebado e contundente pode provocar muitos males, pela falta
de caridade e tolerância. Mas a ausência dele também gera comodismo, egoísmo e indiferença
moral.

MÉTODOS

• Estimulação e contágio. Assim como no campo moral deve-se conquistar a vontade do


educando para o exercício do bem, no aspecto intelectual, deve-se despertar a vontade de
aprender e estimular o desenvolvimento destas potencialidades acima citadas. E assim como o
educador que já desenvolveu em si a bondade e o amor é capaz de irradiar suas vibrações,
mostrar seu exemplo e contagiar o educando, também o educador de inteligência desperta, que
cultiva a própria cultura e as próprias potencialidades, é capaz de mexer com as inteligências e
engajá-las na aprendizagem.
Como se vê, em todos os setores, a Educação é sempre, em primeiro lugar, uma influência de ser
a ser. Nesse sentido, existem duas maneiras do educador influenciar o educando: a primeira,
quando se trata de alguém multiplamente interessado, com grande vivacidade mental e que
desencadeia uma boa e ampla inquietação intelectual no aluno; a segunda, quando o educador
transmite a paixão por uma área específica de sua especialidade, e desperta vocações. Por
exemplo, um músico que acende o amor pela Música; um cientista que faz seus discípulos
descobrirem a Ciência…
Qualquer metodologia de ensino se torna secundária diante de um grande educador, que cria seus
próprios métodos e inventa sempre novas formas de atingir cada individualidade com que se
depara. Mas além da influência humana, que é sem dúvida a mais forte e preponderante no
processo educativo, é bom que haja um ambiente que estimule intelectualmente o indivíduo. E
todos os recursos são válidos: meios de comunicação, usados com finalidades pedagógicas e não
comerciais; computadores, mediatecas, teatro, passeios etc. Tudo isso, porém, sendo apenas
meios para atingir a finalidade principal, que não é a de passar simplesmente um conteúdo, mas
desenvolver capacidades.
• O uso criativo de conteúdos. Pelo fato de priorizarmos as potencialidades a serem
desenvolvidas e não o conteúdo a ser transmitido, poderia alguém pensar que estejamos fazendo
a apologia de um conteúdo pobre. Ao contrário. Quanto mais amplo, profundo e bem integrado
for o conteúdo que o educando venha a possuir, tanto melhor. Mas é que ele só possui de fato
qualquer conteúdo, se desenvolver as capacidades mencionadas.
Assim, é preciso inverter o processo. Use-se o conteúdo como meio para despertar a inteligência
em seus múltiplos aspectos, sem se cogitar se este conteúdo se fixará. E afinal, teremos pessoas
mais inteligentes e o conteúdo, que lhes fizer sentido e de que tiverem real necessidade, ficará.
Para dar um exemplo concreto: a partir de uma pequena informação de história antiga ou
moderna, que desperte um vivo interesse nos alunos, porque tenha alguma relação com suas
ansiedades, dúvidas ou vivências pessoais, pode se desencadear um processo de pesquisa
interdisciplinar ou uma discussão filosófica, ou uma reação prática (por exemplo a organização
de uma campanha ou a confecção de uma peça de teatro…). Através de um conteúdo (que muitas
vezes não faz parte da programação escolar usual), pode-se estimular a pesquisa (que vai levar a
outros conteúdos imprevistos e interessantes), o espírito crítico e a iniciativa individual ou
coletiva.
• Aprender fazendo. Iniciativa é outra palavra-chave num verdadeiro processo pedagógico.
Como se poderá despertar vontades e constatar que estão despertas, se o educando não tiver
espaço para a ação? Como desenvolver globalmente o homem, pondo em movimento suas
diversas aptidões, se desde cedo ele não usar suas potencialidades para produzir? O resultado que
se afere na escola atualmente é o que se decora. Deveria ser o que se produz.
Assim, todo aprendizado deveria estar baseado na ação: ação de pesquisar, de observar, de
dialogar e debater, de confeccionar obras intelectuais, produções artísticas, trabalhos manuais, de
promover atividades individuais e coletivas em benefício de uma causa ou de um serviço
comunitário… Apenas dessa forma, o educando estará dando expansão às diversas facetas de
suas potencialidades, tendo um aprendizado com sentido prático e aplicação real e ao mesmo
tempo com a oportunidade de trazer à tona virtudes morais e sociais.
XVIII - A Educação Estética
Entre a prática do bem e a busca da verdade, está o anseio pelo belo. Desenvolvimento moral,
intelectual e estético integram as necessidades evolutivas do Espírito. O Amor, a Sabedoria e a
Beleza são aspectos inseparáveis da perfeição.
Para melhor definirmos uma proposta de Educação estética, temos de desmitificar os conceitos
de Arte e de artista: Arte não é apenas a produção específica de poesia, pintura, música… e
artistas não são apenas alguns privilegiados que demonstram um talento inato. Arte é uma forma
de manifestação existencial do Espírito. Aquele que atingiu a perfeição produz incessantemente a
beleza por gestos, palavras e pensamentos. Qualquer exteriorização sua é verdadeira, amorosa e
bela. Jesus, no sentido estrito da palavra, não foi um artista. Mas houve beleza maior do que a
manifestada em cada palavra e gesto seu? O Espírito perfeito é artista, porque tudo nele é
harmonia, luz e criação ininterrupta no bem! Saberá em altíssima escala exteriorizar-se em
melodias, cores e pensamentos sublimes, de que a Arte terrena é pálido e imperfeito reflexo.
Trata-se assim de compreender que o sentido estético deve ser desenvolvido no Espírito, como
forma de manifestar o bem e a verdade. Uma ação nobre ou uma grande verdade jamais serão
feias, bizarras ou desarmônicas. Quando nos defrontamos com alguma manifestação de perfeição
– como a natureza, por exemplo, que é a Arte materializada de Deus – experimentamos a
sensações de bem-estar e enlevo, de que tudo é harmônico, simples, compreensível e belo!
Há pois uma Beleza suprema que está em Deus, cuja essência ainda nos escapa, mas cujas
manifestações podemos ver com os olhos da carne e, mais ainda, com os olhos do Espírito.
Assim, a Arte humana, sempre relativamente bela – pois estamos ainda longe da perfeição e seus
atributos – tem uma gradação de relatividade. Ou seja, algumas produções são mais belas do que
outras, ao contrário do que se quer fazer crer hoje, onde tudo se confunde na banalização do
grosseiro e na comercialização do banal. Quanto mais elevada, luminosa, equilibrada,
reconfortante, estimulante de sentimentos puros, mais perto da Beleza suprema estará a Arte.
Quanto mais sombria, desequilibrante, estranha, de menor frequência vibratória, carregada de
paixões e sensualidade rasteira, mais distantes do alvo infinito estarão as produções chamadas de
artísticas.
Não se pode, pois, dissociar o belo do verdadeiro e do bom, como já intuía Platão. A criação
artística está relacionada à originalidade, à expressão única de cada individualidade, mas quanto
mais integralmente evoluída for esta individualidade, mais poderosa será sua Arte. É uma
potencialidade que todos os homens deverão desenvolver. É certo que o desabrochar pleno do
gênio criador é tarefa para muitas existências, entretanto, o cuidado com a Educação estética
pode despertar o Espírito desde já para o anseio do belo.

ASPECTOS E FUNÇÕES DA EDUCAÇÃO ESTÉTICA

A Educação estética se desdobra em três aspectos fundamentais, cada qual relacionado a uma
função:
• A Estética e a função indutiva. Os elementos estéticos devem estar presentes no meio
ambiente e no conteúdo da Educação. O ideal é que o educando possa ser rodeado por coisas
belas: o espaço arquitetônico claro, harmonioso, arejado e reconfortante, os jardins de canteiros
floridos, a natureza bem cuidada, as obras de arte à sua volta, oferecidas à sua percepção:
frequentes concertos de música, livros de Arte e poesia ao alcance de todos, filmes e peças de
teatro abundantes…
Isso porque a Arte tem uma função indutiva. Harmoniza a alma, acorda sentimentos e provoca
estados de espírito adequados à aprendizagem intelectual e à pratica moral. A alegria invocada
por uma música pode nos trazer bom ânimo, o enlevo de um poema nos predispõe à meditação,
um belo filme pode induzir à reflexão e servir de alimento para nobres ideais… A Arte pode ter
esse papel de estimular os sentimentos ao bem, banindo estados de espírito negativos.
Evidentemente que, para cumprir essa missão, ela deve estar sintonizada com ideais e vibrações
elevadas. Caso contrário, pode induzir ao desequilíbrio e a estados depressivos.
Como as obras artísticas se dirigem à nossa parte intuitiva e afetiva, para além da racionalidade,
elas têm o poder de se impregnar em nosso eu com muito mais força e rapidez que um discurso
racional ou um enunciado objetivo. Uma simples canção pode nos levar a estados de grande
euforia ou profunda melancolia. Claro que o grau desta indução depende da sensibilidade
individual e mesmo do histórico cultural de cada um. Mas de um modo geral, a Arte provoca
estados emocionais mais ou menos duradouros. E este é um dos aspectos que deve ser levado em
conta em nossa escolha pessoal para o alimento estético: que optemos por substâncias leves e
sadias e não por coisas pesadas e apodrecidas.
Espiritamente falando, cada produção artística está numa frequência vibratória. Primeiro, é
preciso desenvolver uma sensibilidade estética, um senso crítico e um discernimento cultural,
para que se possa perceber o nível vibratório do que nos chega pelos canais da música, do
cinema, da literatura, das artes plásticas. Segundo, é preciso recusar o cultivo daquilo que possa
nos induzir a estados sombrios, ideias negativistas ou sensualidade desvairada.
Quando se trata de aplicar a Arte na Educação, a responsabilidade nessa escolha de conteúdos
estéticos é ainda maior: a criança se deixa impregnar ainda mais pelas induções de sons, imagens
e palavras… Se o adulto abre a guarda da racionalidade e se deixa invadir pela linguagem
artística, a criança ainda nem sequer desenvolveu, pelo menos na existência atual, as estruturas
defensivas e críticas da razão.
Devemos, pois, inserir a Arte em todos os contextos pedagógicos, para harmonizar e estimular,
atrair e envolver. É indispensável, porém, uma cautelosa escolha para que ofertemos às novas
gerações o que de melhor foi produzido pela humanidade em todos os tempos e que as
defendamos o quanto possível das agressões pretensamente artísticas. Esta defesa não se dá na
proibição, mas no apelo ao espírito crítico, que hoje somos obrigados a desenvolver o quanto
antes na criança, e também nas alternativas culturais interessantes, que temos o dever de colocar
à sua disposição.
Nesta escolha do melhor, não adianta nos apegarmos a rótulos. Não se trata, por exemplo, de
oferecer apenas música erudita e jamais música popular. Há muita boa música popular e muita
música erudita sombria e inadequada para a sensibilidade infantil. E assim, em qualquer área. É
preciso saber captar o delicado e o nobre, o simples e o bom, o alegre e o suave, para ofertar às
almas em estado de inocência.
• O estímulo à produção e a função criativa. Deve-se estimular a criatividade, incitar à
produção artística. Na sua função criativa, a Educação estética não pretende fazer com que todos
os educandos dediquem sua existência exclusivamente à Arte, mas que todos se apossem de pelo
menos alguma linguagem (musical, literária, plástica etc.), para que possam se exprimir
artisticamente, seja como forma de terapia, comunicação, crescimento individual ou interação
cultural.
Neste sentido, a Educação estética prevê mesmo a absorção de técnicas específicas desta ou
daquela forma de Arte, de acordo com o interesse e as tendências inatas dos educandos. Mas é
preciso cuidado, porque a técnica não deve abafar a espontaneidade criativa, nem matar o
sentimento. Pode ser um instrumento à disposição do educando para que ele aperfeiçoe sua
expressão e tenha mais recursos para exprimir a beleza e a pujança de sua criatividade; jamais
deve se tornar um treinamento massacrante.
Para evidenciar o quanto a iniciação de uma técnica pode anular o poder de criação, basta
observar os métodos tradicionais (ainda vigentes) de educação musical na área erudita. Faz-se
um adestramento tão autoritário e tão destituído de espontaneidade, que vemos pianistas,
regentes, cantores, com conhecimento musical imensurável, com perfeito domínio de um ou
mais instrumentos – inclusive o da própria voz – e que são incapazes de compor uma
cançãozinha. Eis um desperdício considerável da criatividade humana. Se todos temos
inimagináveis e ocultas fontes de criação, o envolvimento existencial com uma Arte deveria
despertar talentos criadores. Ao invés, produz apenas intérpretes tecnicamente impecáveis de
criações alheias.
Ainda nesse campo, como nos casos da Educação moral e intelectual, a criatividade artística se
dá pelo contágio. Apenas um educador que produz Arte pode despertar e aperfeiçoar o ímpeto
criativo dos educandos. Para que maior número de pessoas, senão a totalidade dos seres
humanos, possa se tornar capaz de se exprimir pela Arte, é preciso que a Educação vele por isso.
Mas quebre-se o velho conceito de idolatria em relação aos artistas, como se fossem seres
privilegiados por algo de que a grande massa não é capaz. Essa reverência exagerada pelos que
têm produzido Arte no decorrer dos séculos é uma das causas do embotamento da maioria e da
grande vaidade de muitos artistas.
Virá o dia em que qualquer pessoa será capaz de compor um poema, quando quiser presentear
alguém; em que fará parte da vida cotidiana a formação de orquestras e corais; em que a
humanidade enfim deixe de ser mera consumidora da Arte produzida por alguns e se torne
produtora de sua própria Arte. (Era o que acontecia com a Arte folclórica e regional, hoje mais
distante do povo, pela intermediação dos meios de comunicação de massa.)
A Educação estética é o único caminho para este futuro. A criança ainda não tem autocensura:
cria com liberdade e se exprime por todos os recursos disponíveis. É preciso fazê-la conhecer
modelos, que excitem nela o desejo do belo, e ensinar-lhe técnicas que melhorem sua expressão.
Mas tudo com a delicadeza, o respeito e o entusiasmo necessários, para não apagar a chama
criativa.
A criatividade trabalhada pela Educação estética não servirá apenas para a execução de obras de
Arte. Desenvolverá a capacidade criativa do indivíduo inteiro, que poderá estendê-la a qualquer
atividade intelectual, manual ou moral.
• O acesso à cultura e a função sociocultural. A Educação estética não tem apenas a meta de
tornar melhor o indivíduo. Ela proporciona uma integração coletiva, a nível comunitário e a nível
planetário. A Arte tem uma função sociocultural. É comunicação entre povos, entre indivíduos,
entre esferas espirituais. É linguagem dos homens e dos anjos, atemporal e universal.
Facilitando ao educando o acesso ao acervo artístico do planeta, estaremos criando laços
interculturais pacíficos e fecundos. E estimulando a criação individual, estaremos dotando o
homem de amanhã de uma linguagem de comunicação universal.
Esta atemporalidade e universalidade da Arte é um fato. A comunhão e o intercâmbio artístico
têm superado fronteiras de todas as espécies. Misturas de influências artísticas de diferentes
culturas têm provocado movimentos novos e fecundos em todas as Artes. Orquestras são
formadas com membros de todas as nacionalidades. Músicas populares de certos povos
impregnam o mundo. A literatura e o cinema retratam costumes e mentalidades e promovem o
conhecimento mútuo entre os povos. Isso tudo foi facilitado pela cultura de massa. Por causa
dela, o homem comum ficou mais distanciado e inibido para produzir Arte, mas como
consumidor ele tem acesso às mais antigas, longínquas e minoritárias produções do planeta. É
verdade que há uma clara colonização cultural por parte das potências que impõem determinados
padrões estéticos, com fins comerciais. As culturas locais podem tender ao desaparecimento.
Mas por outro lado, é muito mais fácil resgatá-las hoje e colocá-las ao alcance de todos.
A Educação estética pode tirar proveito desse acesso, abrindo o leque de conhecimento do
educando, para que ele possa degustar os mais diferentes paladares culturais. Aproximar-se de
outros povos, de sua História, de sua visão de mundo, de sua geografia, de seus problemas
políticos e sociais, através da Arte, é uma das melhores maneiras de ensinar
interdisciplinarmente. A produção artística pode ser o ponto de partida para o contato com as
mais diversas disciplinas e pode desencadear interesses múltiplos.
Em relação à Arte, produzida no país em que se nasceu, ela é um fio condutor para a tomada de
consciência das peculiaridades nacionais e do sentimento de enraizamento cultural, de que o
Espírito tem necessidade para construir a sua personalidade atual. Na elaboração do seu eu
presente, o Espírito naturalmente mostrará traços mais ou menos identificáveis de outras culturas
das quais já participou em vidas anteriores. Mas deverá embeber-se da cultura do povo de que
faz parte para que sua tarefa presente se concretize com os elementos disponíveis do meio.
Mesmo os Espíritos da mais alta envergadura não escaparam a essa necessidade. Jesus falou em
aramaico e usou estruturas de linguagem e de comunicação, de pensamento e de formulação
literária da cultura de Israel. Francisco de Assis cumpriu sua missão como um jogral medieval.
Dentre os elementos culturais nacionais que o indivíduo deve incorporar, a Arte é o que melhor
traduz a alma de uma nação.
Mas tanto na assimilação da cultura artística universal, quanto na apropriação da Arte nacional, a
Educação estética deve zelar para que isso se dê nos pólos mais luminosos e elevados. Devemos
nos aproximar da alma dos povos pelas suas contribuições à beleza e ao bem e não pelo que é
rasteiro e de mau gosto.

PROBLEMAS DA ARTE ATUAL

Pela primeira vez na História da humanidade, a Arte virou objeto de exploração comercial e de
consumo massificado. Por um lado, já vimos que isso pode proporcionar maior acesso a todas as
formas de cultura. Se antigamente, apenas os privilegiados de uma grande metrópole podiam
assistir à execução de uma sinfonia de Beethoven, hoje, nos rincões mais remotos do planeta,
pode-se comprar um CD com a reprodução das melhores orquestras. O cinema, por sua vez, que
também pode ser uma forma de Arte, tem penetração em todos os países. E a televisão pode fazer
o papel de transmissora de Arte e Cultura – além de informações, entretenimento e atualidades
(que são as suas funções mais usuais). Agora também temos a rede, onde estão acessíveis,
gratuitamente ou por valores irrisórios, visitas virtuais a museus, peças de música de todos os
gêneros, livros para leitura das maiores bibliotecas do mundo. A democratização da produção da
humanidade é um fato novo, estimulante e ainda totalmente inexplorado nas escolas que ainda
usam lousa e giz!
Se a possibilidade de acesso se tornou mais ampla, por outro lado, a comercialização da Arte
trouxe para o seu cenário interesses, que nada têm a ver com sua real missão humana e cultural.
É verdade que, antigamente, algum artista mais apegado aos interesses materiais, ou mesmo por
necessidade de sobrevivência, pudesse fazer certas concessões aos mecenas, que os financiavam
– reis, papado, aristocracia… É verdade também que a ambição de glória e a vaidade pessoal
sempre ofuscaram a produção artística em todos os tempos. Mas os artistas, que chegavam a ser
reconhecidos como artistas, eram de fato artistas, por mais misturada de paixões e sombras
terrenas estivesse a sua arte.
Hoje, a comercialização, com estratégias bem armadas de marketing, produz “artistas”, que na
verdade não o são. Ou seja, investem-se milhões para fabricar a imagem de alguém, sem
nenhuma produção com mínima qualidade estética. Então, veem-se esses fenômenos repentinos
de grupelhos ou pessoas isoladas, sem conhecimento artístico, sem estilo literário, musical ou
plástico, sem conteúdo estético, estourarem nas vendagens, nacional e internacionalmente. É que
por trás deles, há máquinas econômicas poderosas, que apostam no mau gosto e na ignorância
das massas e, ao invés de exercerem sobre elas um papel pedagógico de elevação e cultura,
abaixam ainda mais seu padrão vibratório e cultural, impondo-lhes lixo e podridão, com o rótulo
de Arte. E a massa, desavisada, deseducada, hipnotizada pelos meios de comunicação de massa,
dança grotescamente com ritmos paupérrimos, repete letras chulas e assiste a um lixo televisivo
altamente nocivo à cultura e ao espírito.
Além deste aspecto comercial, os próprios movimentos artísticos foram se degenerando desde o
começo do século XX, a ponto de numa bienal de São Paulo, um pretenso artista apresentar
animais esquartejados e apodrecidos (reais!!) e os jornais comentarem a “originalidade” de tal
proposta. E assim acontece em todos os setores. Filmes de violência e terror gratuitos, de clima
doentio e trevoso; músicas eruditas ou populares da mais agressiva dissonância; livros de estilo
retorcido e conteúdo ininteligível, de mensagens filosóficas ralas e banais – tudo é incorporado
no confuso universo da Arte contemporânea. Isso não quer dizer que não haja produções dignas
do nome de Arte. O cinema é pródigo de obras-primas. Há poetas e músicos dignos deste título.
O problema é que todo esse panorama criou uma confusão conceitual em torno da Arte. Tudo
sendo considerado Arte, mesmo o que é apenas comercial ou apenas desvario e patologia, é
difícil resgatar o seu sentido próprio. E mais ainda complexo se torna, numa proposta de
Educação estética, isolar na medida do possível o que é realmente Arte – e ainda mais, Arte
elevada – do amontoado de lixo e perturbação que veio se juntar ao seu conceito. Para isso, é
necessário desenvolver uma acurada sensibilidade cultural e espiritual e, ao mesmo tempo,
assumir uma postura de coragem. A força da massificação, a imposição das máquinas
comerciais, interessadas em vender e em explorar os mais baixos instintos da maioria, cria uma
espécie de unanimidade forçada, que apenas os mais corajosos conseguem afrontar.
A criança, então, sem defesa psíquica e cultural, sem saber que está sendo objeto de exploração
dinheirosa, é levada de roldão em novelas, filmes, músicas sem valor artístico e extremamente
prejudiciais à sua formação estética e moral. A resistência tímida, a indiferença ou mesmo a
adesão dos pais e educadores ao mau gosto e à dominação comercial, deixam o campo livre para
a alma da criança ser contaminada desde cedo por tudo o que é baixo e feio, violento e
patologicamente sensual.
A Educação estética, portanto, é uma espécie de luta e resistência cultural e moral à degeneração
da Arte no planeta. Oferecer alternativas de consumo e produção de Arte, envolver o educando
tanto quanto possível num processo de estimulação constante para o belo e para o bem e
desenvolver-lhe o espírito crítico para fazer frente ao massacre diário dos meios de comunicação
– eis a única solução.
XIX - Cenários da Educação
Para que se resgate a Educação em seu sentido real – de realizar o homem integralmente – é
preciso haver uma revolução em todos os cenários em que se dá o processo educacional: o lar, a
escola, a universidade. E mais, é preciso haver menos fronteiras entre a vida e a escola, entre a
escola e a universidade, entre a família e os professores. A burocratização do ensino em todos os
níveis criou um sistema educacional completamente divorciado da realidade. O que se aprende
na escola ou o que se pesquisa na universidade, muitas vezes não tem aplicação prática, não tem
lastro experimental, não tem significado existencial para os educandos. Uma das características
da vida é o imprevisto – o que torna a existência excitante e requer do existente o
desenvolvimento de sua criatividade. A principal característica do ensino sistematizado é a
previsibilidade absoluta. Urge abrir um espaço para a quebra da rotina escolar e acadêmica e
basear o processo predominantemente na liberdade, na iniciativa individual e coletiva.
Quando se propõe uma quebra radical no sistema, a primeira pergunta que se faz é esta: como
então seria a escola? E espera-se obter uma descrição minuciosa de seu funcionamento. Mas é
justamente uma receita pronta, fixa, inflexível, um molde pré-estabelecido, que gostaríamos de
evitar. Agentes pedagógicos ativos e engajados, criativos e sensíveis estariam na obrigação de
recriar a escola e a universidade todos os dias, fazendo adaptações aos grupos, aos indivíduos, às
novas situações históricas, às mais recentes informações científicas… Deveria ser preservada
exatamente a possibilidade de progresso, que só se dá na medida das mudanças geradas por
adaptações a novas realidades. A escola, que aí está, permanece estática há 400 anos.
Assim, não nos cabe fixar uma proposta acabada para os cenários da Educação, mas podemos
indicar alguns rumos, que poderão servir de inspiração para experiências diferentes, atendendo às
especificidades de grupos e indivíduos, envolvidos no processo pedagógico. Prova de que a
mesma filosofia pode orientar práticas diferentes, mas não necessariamente conflitantes, são os
métodos surgidos no século XX. Freinet, Montessori, Decroly, Rodgers, por exemplo, têm
propostas práticas diversas, mas todos se baseiam no respeito à individualidade da criança, ao
seu ritmo e iniciativa. Todos acreditam numa Educação ativa, diametralmente oposta à vigente.
Não é nossa intenção, portanto, criar mais um método de ensino, mas fincar certos pressupostos
de que poderão brotar métodos adequados às diversas situações.

A FAMÍLIA

A estrutura familiar sofreu diversos ajustes e desajustes nos últimos séculos, mas ainda não
atingiu o ponto de maturação adequada ao exercício de suas funções – sobretudo pedagógicas.
De um modelo hierárquico e autoritário, escorregou-se para o indiferentismo, embora isso não
seja regra geral, pois muitas famílias no mundo ainda adotam o estilo repressivo, crentes no
poder da pancadaria e da opressão. Já atravessada pelos ventos da modernidade, ou ainda
apegada a velhos padrões, a família hoje, de qualquer modo, está diante de questões muito
dolorosas e ainda não encontrou respostas satisfatórias.
Uma das problemáticas mais fortes está na fácil dissolução dos laços familiares, o que causa
sempre um trauma maior ou menor para todos os seus membros, mas sobretudo para as crianças.
É certo que a indissolubilidade do casamento à moda antiga degenerava muitas vezes em
hipocrisia e infelicidade permanente. O Espiritismo não se opõe ao divórcio de maneira absoluta.
Mas parece óbvio que o instituto familiar deveria ter maior estabilidade do que tem atualmente.
A facilidade com que se quebram os laços matrimoniais e mesmo os laços maternais, paternais,
filiais ou fraternais está radicada no encrudescimento do egoísmo e no culto excessivo ao prazer
e ao sucesso pessoal. Palavras como sacrifício, devotamento, renúncia, perdão – integrantes
necessários de qualquer relação humana altruísta e verdadeira – caíram em desprezo público,
pois a realização individual do homem e da mulher paira acima de qualquer concessão. E nessa
realização, a sexualidade, o dinheiro e a profissão ganham proeminência.
É verdade que, antigamente, aqueles requisitos morais só eram impostos à mulher, enquanto o
homem usufruía de maior espaço de liberdade para o culto de suas ambições profissionais e
fantasias sexuais. Com a liberação da mulher – fruto necessário e positivo da evolução social –
também ela passou a ter maior possibilidade de buscar realização fora do lar, o que nem sempre
fez de forma equilibrada e muitas vezes passou a acumular as jornadas de trabalho fora e dentro
de casa. Atravessamos ainda um momento de mutação e crise nas relações entre os sexos, mas
devemos achar um termo de equilíbrio e sensatez, sobretudo para que as crianças não sofram
tanto com o abandono e com o conflito de ver a unidade familiar destroçada. Para isso, será
preciso que homens e mulheres, de forma igualitária, recorram às virtudes domésticas – não mais
virtudes de fachada como antes, mas sinceras e sentidas. Isso implica num retorno de ambos ao
lar. Mais tempo, mais atenção de todos os familiares uns para com os outros, mais diálogo aberto
e sem melindres, mais convivência em trabalhos, lazeres saudáveis, atividades religiosas e
sociais – eis a única receita para que se recupere o amor e a alegria em família, únicos antídotos
contra a discórdia, a separação, a frieza e o isolamento.
A sociedade deverá se estruturar de forma a permitir maior convivência familiar, o que não tem
acontecido, pois as empresas que oferecem os empregos, estão cada vez mais ávidas de sugar o
homem e a mulher numa escravidão, que não lhes permite ter vida privada. Se o capitalismo
contemporâneo seguir a trilha do modelo oriental, isso se tornará cada vez mais massacrante. Por
outro lado, a informatização do trabalho hoje permite outras alternativas. A terceirização, o
serviço de meio período, a volta das famílias à vida mais simples e mais rural, a possibilidade do
trabalho e do estudo em casa via computador – tudo isso são tendências que poderão se firmar no
terceiro milênio e que deverão favorecer a vida em família. Para isso precisamos aderir a essa
tendência e não à outra, de sacrificarmos a vida pessoal e familiar por empresas que depois
descartam seus funcionários, como peças usadas e inúteis.
A solução antiga – o homem fora e a mulher dentro do lar – já não é mais possível, nem
desejável, pois resulta numa grande dissociação entre interesses, realizações e ideais femininos e
masculinos, criando dois mundos à parte, inconciliáveis e empobrecidos. O homem, ausente de
maiores responsabilidades domésticas e apenas retido no ativismo da vida diária, tende a
endurecer o coração e perder a sensibilidade para as delicadezas da vida familiar. A mulher,
apenas encarcerada em casa, perde a perspectiva do progresso individual e coletivo, aliena-se e
torna-se mesmo incapaz de dar uma educação de maior qualidade aos filhos. Além disso, o
mundo em suas atividades produtivas ganha muito com a participação intuitiva e sensível da
mulher. O ideal, portanto, é uma diminuição do ritmo feminino e masculino no frenesi do
mundo, para que o lar volte a ser um lugar aprazível e não apenas um dormitório. A diminuição
de horas passadas fora de casa poderá minimizar ainda outros problemas, como o desemprego e
o estresse. É claro que também deve implicar numa renúncia voluntária ao consumismo. Mas o
que será melhor: poder trocar de carro, comprar todas as novidades eletrônicas do mercado, ou
poder reunir-se com a família para conversar e cantar, orar e passear num bosque? Se as
alternativas forem excludentes, deveríamos optar por mais simplicidade e mais convivência
humana.
Eis o ideal pelo qual devemos trabalhar no plano individual e coletivo, escolhendo sempre as
soluções mais humanistas e mais amorosas. Mas a realidade atual está semeada de incertezas e
angústias. Alguns certamente argumentarão que o trabalho frenético do homem e da mulher é na
maioria das vezes necessidade de sobrevivência e não um desejo desenfreado de consumo.
Frequentemente, é verdade. Então, o sacrifício pessoal deverá ser maior para consagrar mais
tempo à convivência familiar, às vezes em detrimento de um lazer pessoal e até de algumas horas
de repouso. O fato, porém, é que geralmente o maior sacrifício quem faz é a mulher, que acaba
acumulando as funções de profissional, dona de casa e de mãe, com grandes complexos de culpa
por não estar desempenhando a contento a sua missão materna. Os homens, em sua maioria,
ainda não aprenderam a sair de seu egoísmo milenar e a cooperar com a mulher no mundo
doméstico, como a mulher tem cooperado com eles no mundo do trabalho.
Mais recentemente, entretanto, também observamos mulheres que não têm nenhuma intimidade
com as antigas funções femininas e não sabem nem mesmo o que seria básico nos cuidados de
um bebê, de uma criança. Masculinizadas, perderam muitas aquela capacidade feminina máxima
que é a capacidade de acolher, cuidar, preocupar-se com o bem-estar do outro. Ao invés da
mulher perder isso, o homem é que deveria aprender com ela e poderem ambos exercitar essas
funções de maternagem junto aos filhos. Alguns homens hoje já sabem fazer isso.
Esse descompasso transitório entre homens e mulheres tem sido uma das causas de separação de
casais. Mas a verdade é que marido e esposa deveriam se empenhar até o limite máximo possível
para evitar esse rompimento dos laços familiares, que é sempre causa de traumas para os filhos.
Uma prática mais intensa do amor e do perdão de ambas as partes poderá solucionar muitos
impasses. Entretanto, esse esforço para preservar a família em sua unidade não pode implicar em
opressão, violência física ou anulação da personalidade de algum dos parceiros. Sem dúvida
alguma, o divórcio aparece em certos casos como o mal menor, o remédio inevitável. Cabe então
aos pais divorciados uma quota maior de compreensão e amor aos filhos, para ampará-los nesse
transe difícil.
O que se vê, porém, são alguns casais separados, usando as crianças como instrumento de
manobra para ferir um ao outro. Outros saem do casamento como se entrassem em novo período
de adolescência e passam a buscar avidamente novos parceiros – em namoricos e transas
inconsequentes. Obviamente isso representa um desrespeito a si mesmos e às crianças. Basta
conhecer de perto a sensibilidade infantil para verificar o quanto deve ser estranho e dolorido
observar pai ou mãe às voltas com namorados e amantes. Mas hoje, o prazer sexual e a satisfação
do indivíduo são postos muito acima do amor paternal ou maternal. A ternura pelos filhos, que
deveria servir de antídoto e ponto de apoio contra maiores desequilíbrios, perdeu a força, pelo
egoísmo excessivo dos adultos.
Não queremos dizer com isso que o homem ou a mulher divorciados não tenham o direito de
reconstruir sua vida afetiva. Se encontrarem alguém com sentimentos nobres e à altura dos
filhos, que o façam com cuidado, a longo prazo e pensando sempre nas consequências de suas
atitudes para a Educação das crianças.
O melhor, porém, é que homens e mulheres busquem como ideal de vida a monogamia e isso
deve ser um objetivo cultivado desde a adolescência, pois é justamente a multiplicidade de
parceiros que confunde e perturba o indivíduo, desgovernando-lhe o caminho para o parceiro
certo. Casamentos se desfazem com facilidade, também porque não são nascidos da afinidade
profunda e de compromissos anteriores. Muitos não passam da oficialização fortuita de algum
dos vários relacionamentos que tanto o homem como a mulher já tiveram em muitos anos de
“experiências” afetivas. É óbvio que tal consórcio não pode criar raízes. O problema é que
nascem crianças destes casamentos, e crianças que teriam direito a uma família estruturada,
amorosa e feliz.
Precisamos recuperar com urgência o amor verdadeiro, sincero e altruísta e isso tem a ver
necessariamente com uma restrição voluntária da liberdade sexual. Há valores bem mais
aprazíveis, duradouros e sublimes do que a satisfação passageira do instinto. A construção de
uma família sólida e equilibrada é um desses tesouros inestimáveis, capaz de oferecer raízes
seguras aos Espíritos em sua jornada evolutiva.
O lar deve ser o cenário onde o indivíduo possa sentir-se plenamente confiante, aceito e amado,
onde possa expor seus conflitos mais íntimos com sinceridade, sem medo de perder a
compreensão dos familiares, onde possa desabafar seus problemas e dialogar em profundidade
com os que lhe são afins. A família tem que ser o esteio de sua autoeducação. O exemplo
edificante, o ambiente moral, as vibrações amorosas do lar serão determinantes na existência
presente e na vida imortal.

A ESCOLA

Para atender com acerto às necessidades evolutivas das novas gerações e mesmo se quiser
sobreviver como instituição, a escola terá de promover reformas radicais e urgentes. Sinalizamos
aqui o rumo que poderá seguir, sem prescrever-lhe uma receita pronta.
• Mudança física. As salas tradicionais com carteiras e lousa devem ser abolidas
completamente. Elas são o cenário adequado para a educação autoritária e passiva, em que se
pressupõe que o aluno deva ficar sentado horas a fio, sendo instruído pelo professor, em
conteúdos previstos, programados e dissociados da experiência concreta, do interesse do aluno e
de qualquer atividade física.
A autonomia individual a ser recuperada na escola começa numa ordenação do ambiente em que
os alunos tenham domínio sobre os objetos pedagógicos e sobre a estruturação das salas,
segundo as necessidades do momento. Duas soluções práticas, alternativas ou concomitantes,
podem ser adotadas: 1) A criação de salas-ambientes (sala de Ciências, de Artes, de Música, de
Teatro, de Línguas, de Artesanato, Mediateca etc.), onde todo o material de pesquisa e produção
esteja ao alcance do aluno, entregando-se-lhe a responsabilidade de sua organização, cuidado e
preservação. Maria Montessori praticou isso largamente em seu método, indicando as vantagens
educacionais do aluno desenvolver seu senso de responsabilidade e organização, em relação ao
ambiente. 2) A criação de salas móveis, cuja ordenação possa variar: ora transformando-se em
auditório, em teatro, em laboratório, em sala livre, com almofadões e tapetes etc. Neste caso,
também, móveis, cadeiras, objetos deveriam ser projetados com peso e tamanho manipuláveis
pelas crianças.
Outro aspecto a ser considerado na preparação do ambiente escolar é a beleza e o conforto: a
claridade, a simplicidade, o colorido leve, o bom gosto, o uso de materiais naturais, a arquitetura
arejada, moderna e específica, para a função pedagógica e lúdica da escola, e acima de tudo a
integração harmoniosa com a natureza. A existência de espaços verdes, de canteiros floridos, de
hortas – de que as crianças serão estimuladas a cuidar – é fator determinante de Educação
ecológica, estética e harmonizadora da alma infantil.
• Mudança organizacional. As relações de poder na escola deverão também sofrer uma
transformação radical. Será preciso permitir a participação de todos os membros da comunidade
na gestão escolar: professores, pais, alunos, funcionários. Isso não só deve facilitar a unidade de
metas pedagógicas (desde que se tenha uma filosofia de base, de que todos os participantes do
processo estejam convencidos), como estimular as partes envolvidas para um engajamento mais
efetivo na orientação da escola, reforçando a autoconfiança e a colaboração mútua.
Na escola particular, professores são empregados, com um comprometimento apenas obrigatório
com o resultado escolar. Na escola pública, esse comprometimento não é cobrado ou verificado
por ninguém e os salários irrisórios resultam, na maioria das vezes, em total indiferença. Atuais
escolas alternativas, formadas por cooperativas de pais e/ou professores apontam um rumo mais
interessante. Mesmo assim, nenhuma delas pratica o principal de uma proposta verdadeiramente
democrática: a participação dos alunos. As experiências de Summerhill, com A. Neill, a de Padre
Flanagan em sua Cidade dos Meninos, em Nebraska, e de Janusz Korczak em seu orfanato no
gueto de Varsóvia são modelos dignos de serem examinados nesse sentido. Mais recentemente, a
Escola da Ponte, de Portugal, dirigida durante 30 anos por José Pacheco, também é inspiradora.
O propósito pedagógico de uma participação dos alunos na organização escolar, principalmente
no que se refere a regras comuns, disposições disciplinares e planejamentos, é evidente. As
vantagens de uma participação econômica de professores e pais é a solução para os impasses
criados na relação patrão/empregado e um antídoto contra a degeneração da escola em empresa
comercial, onde o desejo de lucro se sobreponha aos objetivos educacionais. É a alternativa
adequada também para desamarrar a Educação do protecionismo estatal, vinculado sempre às
aberrações da política e das disposições partidárias e à ingerência ideológica do Estado na
formação do indivíduo.
Mas tenha-se um cuidado fundamental: o processo democratizante não pode emperrar o
funcionamento da escola, escorregando-se para o assembleísmo demagógico ou para a falta de
uma espinha dorsal em sua proposta pedagógica. A escola não pode perder a sua identidade. A
garantia para que isso não aconteça é, como nos casos citados acima (de Neill, do Padre
Flanagan e de Janusz Korczak), a presença de um líder-educador, que exerça uma espécie de
parâmetro moral positivo. Essa liderança tem de ser natural, desinteressada e nascida da
autenticidade absoluta do líder. Será geralmente aquele que teve a ideia da escola ou a pessoa
mais habilitada, com obras e experiências educacionais, e deve ser sobretudo a mais idônea e
transparente do ponto de vista moral, e a que possui maiores reservas de amor pedagógico – em
suma, o educador que reúna maior parte das qualidades dos grandes educadores. Esta pessoa não
pode ser eleita por votos ou impor-se como líder; deve ser reconhecida espontaneamente como
tal.
Essa liderança positiva não pode degenerar em culto de personalidade. Mas se estivermos de fato
na presença de um educador, ele mesmo não permitirá que se crie em torno de sua pessoa um
clima de idolatria e dependência. O verdadeiro mestre exerce uma função libertadora.
• Mudança pedagógica. É na sua especificidade pedagógica que a escola tem de promover a sua
revolução mais profunda. Deve passar a educar e não mais apenas a instruir. Pensa-se às vezes
que apenas essa última função seria própria da escola, ao passo que a Educação seria tarefa da
família. Mas, como já vimos, qualquer processo de relações humanas, mesmo com objetivo
meramente intelectual, envolvendo seres em formação ou não, tem componentes pedagógicos.
Então é muito melhor assumir, discutir e determinar esse papel educacional do que alegar
falsamente que ele não ocorre.
Para cumprir, portanto, sua missão, a escola deve aplicar a Educação integral, que temos descrito
nessa obra, investindo o seu maior esforço: 1) para que o quadro de seus educadores seja o mais
possível imbuído de uma consciência pedagógica séria e integral e apresente virtudes morais e
intelectuais à altura da proposta educacional em vista; 2) para que as metas pedagógicas se
transmutem, saindo da mera aquisição de conteúdos para o desenvolvimento de potencialidades;
3) para que os conteúdos sejam flexíveis, podendo ser propostos por professores e alunos, indo
muito além dos atuais programas e currículos; 4) para que os conteúdos sejam trabalhados
interdisciplinarmente em pesquisas e produções, jamais num ensino passivo; 5) para que se acabe
de uma vez com esse método de avaliação por provas, com notas, reprovação e seriação rígida e
se estabeleçam autoavaliações, avaliações contínuas por rendimento em trabalhos individuais ou
de grupos, objetivando-se sempre observar potencialidades desenvolvidas e produtos acabados e
não conhecimento decorado.
Para se encaminhar por esse rumo, a escola tem de romper definitivamente com o sistema
tradicional e não apenas introduzir pequenas e inócuas novidades num modelo antigo e falido. É
preciso coragem e convicção para esse rompimento radical, mas trata-se de uma necessidade
histórica, com benefícios gerais. Só poderemos dar um salto qualitativo na formação do ser
humano, na medida em que abandonarmos o sistema homogeneizante, autoritário e insosso do
passado. Revolucione-se a escola, para que a escola mude o homem e o homem transforme o
mundo!
As escolas deverão se tornar locais belos, excitantes e aprazíveis, com alunos produzindo,
interagindo, discutindo, exercitando a sua liberdade de forma construtiva, estimulados por
educadores, também criativos e entusiastas! Não mais essa luta constante por silêncio, por
sujeição física e mental, por obediência a regras e programas impostos, por introjeção de
conteúdos abstratos, num confronto diário entre a vontade do aluno e a vontade burocratizada do
professor! Não mais essa competição de notas, essa ansiedade desgastante e inútil por obter um
resultado numérico sem nenhum significado em relação ao que indivíduo realmente sabe e
realmente é! Não mais essa repetição monótona e diária de horas e aulas sempre iguais! E sim, a
vida entrando na escola, arejando as mentes, emprestando significado às atividades.
Para isso, é preciso atender a questões e interesses dos educandos, estudar temas que estejam
palpitando no mundo, levá-los para fora em aulas-passeios, trazer profissionais de outras áreas,
inclusive para se tornarem educadores permanentes na escola, proporcionar oportunidades de se
construir projetos cujo produto pode ser um brinquedo, uma máquina, uma peça de teatro, um
jornal, um filme, uma multimídia… E, num projeto, passar por várias matérias necessárias à sua
execução, aprender a conviver e a trabalhar em equipe, colocar a criatividade em ação, dar um
acabamento estético, enfim, fazer um treinamento real para o mundo do trabalho e da pesquisa
acadêmica… trata-se de sair do mormaço da rotina previsível, para fazer brilhar o sol da
verdadeira Educação!
• Recursos humanos e financeiros. Quando se propõe uma transformação radical na escola, há
interlocutores que logo afirmam tratar-se de uma ideia muito bonita, mas utópica, impossível de
ser executada nas circunstâncias atuais.
As duas carências mais comumente apontadas são recursos humanos e financeiros. Quem
trabalharia nessa escola? Onde encontrar os profissionais adequados para atuar nela, se quase
todos os professores disponíveis foram formados na mentalidade antiga e se mostram
condicionados pelo modelo vigente? E onde achar o dinheiro necessário para colocar em
funcionamento uma escola equipada e bem construída?
Para se atender à questão do dinheiro, é preciso apenas uma pequena (e grande) tomada de
consciência por parte de todos os agentes sociais, em relação à prioridade que a Educação deve
ter para investimentos maciços de recursos financeiros. A escola tem sido o último lugar que
empresários e governo, particulares e instituições pensam em aplicar seu dinheiro, a não ser que
se invista o dinheiro para produzir essa pseudoeducação em massa, pasteurizada, apostilada,
exploratória, geradora de lucro para as instituições e de alunos tratados de forma impessoal e
robotizada. Na destinação de dinheiro à Educação, há também a necessidade de que a escola bem
equipada, revolucionária, atraente e formadora, aqui descrita, seja igualmente destinada às
crianças mais pobres e não apenas à elite. Aliás, essa transformação viria acabar com o problema
da evasão escolar das classes mais baixas. Essa evasão é devida principalmente à inadequação da
escola pública à criança.
Para se resolver o problema de recursos humanos, temos de colocar em ação três diretrizes: 1)
Promover cursos, seminários e experiências práticas para os professores que já estão aí,
demonstrando-lhes a exequibilidade do projeto em vista e conseguindo sua adesão voluntária e
entusiástica. Claro que nem todos acompanharão o progresso, com o que estarão mostrando não
terem verdadeira vocação pedagógica, pois o educador de fato está sempre aberto à mudança e se
sente insatisfeito e frustrado com a atual situação. 2) Trazer para a escola pessoas com diversas
formações universitárias, e não apenas a pedagógica, para arejá-la com outras mentalidades. 3)
Mudar substancialmente os cursos de Pedagogia, hoje dos mais fracos no Brasil, tornando-os
mais integrais e participativos.

ESCOLAS EXEMPLARES

Mudar a escola radicalmente parece a muitos tarefa impossível ou dificilmente praticável. A


insegurança quanto à prática concreta e quanto aos resultados dessa mudança é o que mais
emperra a necessária revolução. Por isso, é utilíssimo conhecermos experiências bem sucedidas,
que, em diferentes épocas e contextos históricos, mostraram a exequibilidade dos princípios
gerais tratados nessa obra.
Não cabe aqui um estudo detalhado destas escolas exemplares, mas podemos citá-las, com
alguns de seus princípios orientadores, para demonstrar que, apesar de originadas em países e
momentos diversos, lideradas por educadores com formação religiosa, política e social,
igualmente diversa, elas apresentam propostas semelhantes. Isto parece nos colocar no roteiro da
urgente revolução que nos cabe realizar.
A mais antiga dessas experiências é a do Instituto de Iverdon, dirigido por Pestalozzi, no início
do século XIX, na Suíça. Depois, podemos mencionar outras quatro, todas elas tendo raízes no
começo do século XX. Por ordem cronológica, o Colégio Allan Kardec de Eurípedes Barsanulfo
(Brasil), a Cidade dos Meninos, fundada por Padre Flanagan (EUA), o Orfanato de Janusz
Korczak (Polônia), a escola de Summerhill, idealizada por A. S. Neill (Inglaterra), a Escola da
Ponte (Portugal), liderada por José Pacheco. Esta última é a mais tardia de todas elas. E tanto a
Cidade dos Meninos quanto Summerhill e a Ponte ainda persistem em seus propósitos. Pestalozzi
era de origem protestante, mas entendia a religião como religião natural, ligação livre entre o
homem e Deus; Eurípedes, espírita; Flanagan, sacerdote católico; Korczak, judeu e Neill, ateu.
Evidentemente que há muitas outras escolas exemplares, já desaparecidas ou ainda atuantes no
mundo, mas nos deteremos nestas, para examinar suas semelhanças. Todas se guiaram por três
ideias básicas:
• Educação pela liberdade. Nessa prática, incluem-se a abolição de notas e recompensas,
porque não se pretende condicionar à obediência, mas respeita-se no educando um ser livre; a
liberdade de ir e vir – na Cidade dos Meninos, não havia muros nem cercas, em Iverdon, os
portões ficavam abertos, em Summerhill, a criança assiste às aulas, se quiser; a liberdade de
pensamento e de expressão, praticada entre alunos e professores em diálogo franco e aberto;
liberdade de escolha – de matérias, projetos, atividades… E, afinal, tanto na Cidade dos
Meninos, como na República Infantil de Korczak, em Summerhill e na Escola da Ponte, aparece
explicitamente a prática da autogestão. São os próprios alunos, em pé de igualdade com
professores, que dirigem a escola.
• Educação pela ação. Em todas essas escolas, as crianças aprendem fazendo. As oficinas
diversas na Cidade dos Meninos; o teatro, os debates, as observações astronômicas, as
dissecações de animais no Colégio Allan Kardec; as aulas-passeio, a horta, o ensino mútuo de
Pestalozzi; a autogestão, como forma de aprender na prática o exercício da liberdade, da
democracia e da cidadania – tudo isso nos põe à mostra de maneira concreta, como se faz uma
escola ativa.
• Educação pelo amor. Característica marcante dessas experiências, é que todas são lideradas
por pessoas amorosas, educadores que evidenciam sua fé no ser humano, seu amor às crianças,
sua dedicação à humanidade. Pestalozzi, Korczak e Neill chegaram a escrever largamente sobre
o papel da afetividade na Educação. Todos eles, porém, a praticaram com forte exemplo. É o
amor pedagógico que garante aliás o bom direcionamento da liberdade e a própria liberdade:
amar o outro é respeitar sua individualidade e, ao mesmo, tempo, influenciá-lo em seu
crescimento.
Ao terem notícia de tais escolas, muitos se indagam por que experiências assim não duram
muito, não se multiplicam, não criam raízes… Isso poderia indicar que não são muito
praticáveis.
Primeiro, é preciso reconhecer a resistência social, política e mesmo espiritual, existente no
planeta, a qualquer anseio de evolução e libertação das consciências. Esse mundo ainda é
dominado pelas forças contrárias ao bem e qualquer esforço no bem encontra imediata oposição.
Essa proposta educacional viria a formar consciências críticas, não manipuláveis, ativas no
progresso humano. Isso evidentemente perturba todas as tendências tirânicas que ainda
encontram guarida no homem, desde o pai autoritário até o político totalitário e sobretudo no
sistema econômico vigente, que requer pessoas submissas, mão-de-obra descartável e
consumidores acríticos… A quebra dos poderes, numa Educação baseada na liberdade e no
amor, choca os que ainda querem dominar e encontra neles opositores ferrenhos. E esse desejo
de dominação pode estar dentro de cada um de nós.
Segundo, há a necessidade sim de educadores exemplares, para liderarem tais escolas,
educadores amorosos, que se dediquem, que acreditem profundamente no ser humano, na
liberdade e no amor. Mas não significa isso que apenas alguns privilegiados possam ser tais
educadores. Todo ser humano, desde que se esforce na aquisição de tais virtudes, pode ser um
educador assim. Não importa sua origem social, sua formação cultural ou religiosa. Basta ter
amor, coragem e convicção, com um conhecimento sólido do ser do homem.

A UNIVERSIDADE

Essa grande criação medieval precisa também se renovar para entrar com o pé direito no futuro e
ter direito à sua sobrevivência milenar. Os moldes autoritários que a regem precisam ser
quebrados e a ligação da teoria com a prática deve ser buscada a todo o custo, com tão forte
razão quanto na escola fundamental.
A universidade tem a tripla função de formar o indivíduo com vistas a um exercício profissional
(que não seja um exercício apenas tecnicamente correto, mas socialmente engajado e eticamente
condicionado), de abrir as portas para a pesquisa científica e de ser um centro de irradiação
cultural no meio em que se insere. Para que cumpra estas tarefas, carece também de umas tantas
mudanças, aliás semelhantes às transformações da escola: 1) estabelecer a base do ensino
acadêmico, tanto no diálogo aberto – seminários participativos, colóquios individuais e coletivos
entre orientadores e alunos interessados no conhecimento de certa área – como na experiência
concreta, na aprendizagem prática dos conteúdos; 2) promover um ensino livre, com
possibilidade total de escolha de matérias, atividades, pesquisas – devendo o aluno preencher
certo número de horas-atividades e mostrar o resultado em pesquisas e produções, para alcançar
a qualificação desejada; 3) incrementar a interdisciplinaridade, possibilitando ao aluno realizar
trabalhos no cruzamento de conhecimentos e áreas; 4) minimizar a especulação vazia de certos
academicismos, destituídos de sentido filosófico ou prático, que promovem apenas a confusão
mental – não que a universidade não possa produzir conhecimento teórico puro, mas esse
conhecimento deve pelo menos fazer sentido e afastar-se da ininteligibilidade de certas correntes
atuais; 5) introduzir no estudo acadêmico, em todas as áreas, questões relevantes como o sentido
da vida, a morte, o relacionamento interpessoal, as questões sociais, a Ética, as Religiões, a
Filosofia – enfim aquilo que interessa a todos os seres humanos, enquanto seres humanos e sobre
o que todas as categorias profissionais deveriam tecer reflexões.
XI - A Educação Espírita

DEFINIÇÕES POSSÍVEIS

Existem três perspectivas sob as quais se pode falar em Educação Espírita. É certo que elas
acabam se unificando num só conceito. Um aspecto deriva do outro e formam uma visão
única.
• Espiritismo como Educação. A essência do Espiritismo é a Educação. Ao contrário de outras
correntes religiosas, que têm caráter salvacionista, a Doutrina Espírita, com seu tríplice aspecto –
científico, filosófico e religioso – pretende promover a evolução do homem, que é um processo
pedagógico. A Educação do Espírito é o cerne da proposta espírita. Se o Espiritismo é uma
síntese cultural, tocando diferentes áreas do conhecimento, seu ponto de unificação é justamente
a Pedagogia. Não foi uma casualidade Kardec ter sido educador e recebido influência de
Pestalozzi, um dos maiores educadores de todos os tempos. Melhor compreende o Espiritismo
quem o compreende pedagogicamente.
Lendo Kardec com olhos pedagógicos, pode-se observar a sua insistência e a dos Espíritos em
comparações com imagens emprestadas do universo educacional. O desenvolvimento do Espírito
através das vidas sucessivas é visto como um curso escolar, com seus anos letivos. A Terra é
tratada como uma escola, em que as almas se matriculam para o seu aperfeiçoamento. As
imagens são recorrentes e não são mero recurso literário. Há de fato uma identificação.
Corroborando essa leitura do Espiritismo, Herculano Pires, em Pedagogia Espírita, comenta que:
“O Livro dos Espíritos é um manual de Educação Integral oferecido à Humanidade para a sua
formação moral e espiritual na Escola da Terra”.
Ser espírita, pois, na acepção plena da palavra é engajar-se num processo de autoeducação,
projetando-se para a eternidade. E estar em processo de autoaperfeiçoamento, como já vimos, é o
requisito básico do educador. Como o Espiritismo não é uma doutrina individualista, no sentido
de descomprometer o ser humano de deveres para com o próximo – ao contrário, elege na
caridade seu princípio máximo – quem está em processo de melhorar a si mesmo tem o dever
moral de exercer uma tarefa pedagógica com todas as criaturas que o cercam. A caridade
máxima, portanto, que o espírita deve procurar realizar como ideal de vida, não é o
assistencialismo social, respeitável e necessário, mas limitado e superficial, e sim a Educação.
Elevar, transformar, despertar consciências, contribuindo para a mudança interna dos homens e
para a mudança externa da sociedade – esta deve ser a meta de todo espírita.
• A Educação segundo o Espiritismo. Se o Espiritismo é pedagógico, olhando a questão do
lado avesso, a área específica da Pedagogia pode se iluminar com a perspectiva espírita. Neste
sentido, a Educação espírita é a prática de uma Pedagogia à luz do Espiritismo. É exatamente o
que estamos teorizando nesta obra. Muitas das ideias aqui expostas poderão ser partilhadas por
adeptos de outras correntes filosóficas ou religiosas. Mas para aplicá-las inteiras, para aderir a
uma formulação pedagógica completamente espírita, é preciso estar convencido dos postulados
básicos da proposta de Kardec. O educador espírita, porém, poderá e deverá exercer sua tarefa
com quaisquer crianças e adultos. Se a verdadeira Educação se dá quando se desperta um
processo evolutivo no educando, este processo poderá ser desencadeado em qualquer ser
humano, tenha ele a cultura que tiver, seja ele partidário de que religião for. A influência
benéfica de um educador, consciente de seu mandato, poderá se imprimir em qualquer educando.
Assim, educar espiritamente não é necessariamente educar para o Espiritismo. Kardec sempre
enfatizou que os espíritas não deveriam fazer proselitismo e muito menos violentar consciências.
No relacionamento com pessoas não espíritas, o educador espírita saberá exercer sua tarefa, sem
impor suas convicções. E mesmo diante de educandos, cuja família é espírita, ainda assim deverá
evitar a imposição doutrinária. Ao invés, o melhor será favorecer o acesso ao pluralismo
filosófico e religioso, para que aquele ser, livre, antigo e consciente, não faça uma adesão forçada
ao Espiritismo. Se, conhecendo outras posições religiosas, filosóficas, científicas, ele vier a optar
pela espírita, o fará por convicção – o que terá muito maior solidez, do que se tiver sido pura e
simplesmente catequizado.
• O ensino espírita. O terceiro aspecto da Educação espírita é mais específico, é o ensino
propriamente da Doutrina Espírita – o que será feito apenas em cursos especialmente destinados
para esse fim. Mas se não houver, por parte daqueles que estão promovendo este ensino, uma
compreensão clara e uma prática engajada da Pedagogia espírita, então o processo não passará de
catequese, com metodologia tradicional, destituído de compromissos mais profundos. Na linha
conceitual que temos seguido aqui, é evidente que o ensino espírita não poderá ser mera
transmissão de conteúdos, mas o despertar de uma consciência espiritual.

CENÁRIOS DA EDUCAÇÃO ESPÍRITA

• A existência. Entender o Espiritismo como Educação é ser espírita verdadeiramente. Por isso,
quem é espírita de fato e pratica a caridade da Educação em todas as dimensões possíveis, faz
isso existencialmente, no seu meio familiar, profissional, social, espiritual… É alguém engajado
na própria evolução e na evolução coletiva. O destino espiritual do próximo não lhe será jamais
indiferente. Não tomará uma postura salvacionista, nem pretenderá mudar o mundo sozinho. Mas
levará até o sacrifício o compromisso da exemplificar o bem, arrastando com isso outros seres ao
contágio da virtude. Amará com intensidade seu próximo mais próximo, procurando estender
sempre mais seu amor ao próximo longínquo, significando esse amor justamente o empenho em
ajudar o outro a encontrar seu próprio caminho evolutivo.
Consolar, amparar, servir – verbos tão conjugados em mensagens e orientações espirituais – são
as atitudes fundamentais de quem ensina, com a sinceridade dos sentimentos e a força do
exemplo. São a ponte de acesso ao coração do próximo, não como fator de proselitismo, mas
como centelha para desencadear um processo de Educação. Quem presta um serviço, quem se
dispõe a se doar – se o faz com o influxo de vibrações autenticamente fraternas – pode restaurar
no outro a confiança existencial e a vontade de crescer. Nesta doação fraternal, pode estar
incluído um prato de comida, um passe, um agasalho… mas a caridade deve transcender tudo
isto, porque deve tocar a alma do outro.
Há pessoas que entendem a prática espírita apenas no exíguo espaço do Centro. Quando estão no
mundo, na profissão, na família, numa festa, nas relações sociais, agem como se não fossem
espíritas. Mas o compromisso educativo existencial do adepto do Espiritismo é justamente ser
em qualquer lugar e a qualquer hora um elemento de influências positivas, um pólo de
transformação do ambiente. Sem prepotência, sem austeridade excessiva, sem pretensão à
verdade absoluta, sem autoritarismo, como quem passa e serve, o espírita deve fazer brilhar seu
empenho em ser melhor, sua fidelidade aos princípios éticos fundamentais, sua sede
intelectual… partilhando sua chama interior.
Irradiar otimismo, disposição, energia e serenidade – todas aquelas virtudes que vimos como
constitutivas do verdadeiro educador – deve ser uma consequência natural da sua compreensão
de mundo. Quem sabe que a vida é eterna, que toda tragédia é passageira, que tudo caminha para
a perfeição, que todos estão sob a proteção de uma Providência misericordiosa e justa, será
necessariamente uma pessoa alegre e tranquila, no controle de si mesma, podendo com isso
servir de edificação e apoio aos irmãos do caminho.
A missão pedagógica do espírita, porém, não se dá apenas no plano moral. Em todos os setores
de atividade, os espíritas devem também se esforçar pelo avanço intelectual de si mesmos e da
comunidade a que pertencem. Promover a cultura elevada e proporcionar meios à instrução faz
parte integrante de seu programa de ação. Nesse sentido, deve-se abrir aqui uma crítica ao
movimento espírita brasileiro, que se preocupa muito mais com a caridade material do que com
projetos pedagógicos. Dar pão e agasalho é bem mais fácil do que educar, mas educar é uma
terapêutica global e uma solução social muito mais eficaz.
Deveria fazer parte da prática do espírita no mundo uma posição de transformação crítica da
sociedade, de militância pelos direitos humanos, de propostas arrojadas de mudança social, de
estar ao lado dos injustiçados, dos explorados e compreendendo a estrutura extremamente injusta
da organização econômica e política da sociedade globalizada, ser um agente de superação desse
modelo. A caridade assistencialista é geralmente acrítica em relação ao sistema e, o que é pior,
costuma provocar um falso alívio consciencial nas classes mais favorecidas, entre as quais os
espíritas brasileiros mais têm representantes. Vemos então muitos espíritas, à semelhança dos
antigos católicos (que hoje nem agem em sua maioria mais dessa maneira) com ares de
santificação e voz mansa, achando-se muito bons em doar sopa e agasalho, quando o trabalho de
mudar a sociedade é algo que requer muito mais engajamento, luta muito mais profunda e oferta
maciça de oportunidade de educação, cidadania e participação dos mais excluídos.
Ser espírita portanto de maneira existencial é educar-se educando e provendo em toda parte a
educação que liberta, transforma e muda o mundo.
• A família espírita. O mais forte impacto que o Espiritismo causa na relação entre os membros
de uma mesma família é a desierarquização de funções. É verdade que os pais recebem a tarefa
de educar os filhos e trata-se de tarefa de grande responsabilidade moral. Mas pais e filhos,
marido e mulher, avós e netos são acima de tudo Espíritos irmãos, peregrinos da evolução
humana, cada qual carregando sua herança passada e sua missão presente, essencialmente iguais,
e dignos todos, moços e velhos, homens e mulheres, crianças e adultos, de respeito e amor. Nesta
perspectiva, o autoritarismo patriarcal do passado perde qualquer fundamento. Espiritualmente,
filhos podem até ser mais adiantados que pais. Mesmo nesse caso, não ficam os pais eximidos de
sua função de educar.
Outra explicação inédita que o Espiritismo nos aponta para o entendimento das relações
familiares é a lei da reencarnação. Como pais e filhos, irmãos e irmãs, avós e netos, podem
nascer adversários ferrenhos do passado. E, nesse caso, a convivência cotidiana deve ser
justamente a oportunidade de reconciliação e ajuste. Quando o pai ou a mãe percebem num filho
uma aversão inata, uma antipatia inexplicável, podem estar certos de que a relação atual é
preciosa ocasião para reajuste de ódios anteriores. Cabe então ao adulto, na posse do
conhecimento espírita, procurar com mais afinco, dedicação e renúncia, conquistar o amor
daquele ser a quem talvez prejudicou em eras passadas. Se aquele que tem a missão de educar
permanecer com o coração endurecido e não fizer a sua parte para a reconciliação espiritual, terá
fracassado duplamente, como pai ou mãe e como cristão, com o dever moral de perdoar e
reconciliar-se com os adversários.
Assim, num clima não-hierárquico – onde todos se sintam acima de tudo irmãos uns dos outros –
de cultivo permanente de amor e respeito mútuo, a família espírita é o cenário mais propício e
mais imediato para a Educação espírita. Evidentemente, não se trata aqui de sermões esporádicos
a respeito de postulados doutrinários. Mas quando o Espiritismo está enraizado na alma,
entranhado no comportamento cotidiano, como explicação para os porquês da existência, como
parâmetro ético, como proposta vital – então a convicção espírita se impregna naturalmente nas
crianças, marcando-as para o resto da vida.
Então, nem sequer faz sentido a questão muito polemizada por certos adeptos: se os pais devem
ou não ensinar Espiritismo as crianças. Se os pais são de fato espíritas, ensinarão nos mínimos
gestos, nas relações familiares, na vida profissional, e na própria prática pedagógica que
adotarem com os filhos, o que é ser espírita. Mas se o Espiritismo representar apenas uma
frequência rotineira a um centro, sem que haja um engajamento existencial, então obrigar a
criança a ir a cursos de evangelização, como se vai a um catecismo para fazer primeira
comunhão é transformar a a filosofia espírita num formalismo religioso, destituído de um sentido
mais profundo. É evidente que tal atitude não criará convicções; ao invés, despertará resistências.
Além da função pedagógica, específica dos pais, não se pode deixar de mencionar que a família
serve como cenário educativo para todos os seus membros, desde que haja engajamento no
processo de melhoria íntima. É na família, que podemos e devemos em primeiro lugar conquistar
e exercitar virtudes fundamentais, como altruísmo, paciência, amor ao próximo e ao mesmo
tempo o empenho de contribuirmos para o progresso do outro. Trata-se, pois, de um cenário
permanente e fecundo para a Educação do Espírito.
• A escola e a universidade espíritas. É numa instituição de ensino primário, secundário ou
superior, que devemos também colocar em prática a Educação segundo o Espiritismo. É preciso
criar espaços institucionais, onde as crianças, os adolescentes e os jovens possam receber uma
Educação integral; serem amados e observados como Espíritos imortais e reencarnados; serem
estimulados a se autoeducarem… Nem todos os alunos de uma escola ou de uma universidade
espírita deverão ser necessariamente adeptos do Espiritismo. Por isso mesmo, nesta escola,
haverá o ensino inter-religioso e o acesso ao pluralismo filosófico. Porque acima de tudo, é
preciso favorecer para o educando o pensamento autônomo e as escolhas próprias. Entre as
filosofias, religiões, posições científicas pesquisadas, estudadas, discutidas, obviamente, o
posição espírita também terá espaço. Mas ela jamais poderá ser objeto de doutrinação unilateral.
Por outro lado, todos deverão se beneficiar de uma visão espírita da Educação. Muitas das ideias
que constituem o universo da Pedagogia Espírita vêm de uma tradição que começa em Sócrates,
passa por Comenius, Rousseau, Pestalozzi e têm seu modelo máximo em Jesus. Desta forma,
crianças e jovens pertencentes a diferentes credos poderão usufruir de uma Educação
espiritualista, sem que suas consciências sejam violentadas por imposições.
Salvo raras exceções, as escolas espíritas que fizeram história no Brasil e outras, ainda atuantes,
adotaram o sistema educacional vigente e apenas acrescentaram uma aula de Espiritismo,
opcional ou obrigatória. Quando muito, apoiam-se numa filosofia vagamente humanista. Este
não é o modelo de uma escola verdadeiramente espírita. A Doutrina não pode se reduzir a um
catecismo periódico, divorciado da prática existencial. Trata-se sim de oferecer escolas com uma
proposta de Educação tão revolucionária, tão superior, tão mais democrática e eficaz que as
ofertas vigentes, que mesmo não-espíritas disputarão suas vagas.
Manifesta-se aí o compromisso espírita de agir pedagogicamente, tanto no sentido moral quanto
intelectual e mesmo estético. É preciso abolir o conceito ultrapassado de que a boa vontade supre
todas as deficiências. Escolas espíritas, sem necessidade de ostentação, devem ser modernas,
com arquitetura diferenciada, em meio à natureza, bem equipadas e, sobretudo, com recursos
humanos qualificados. E para formar recursos humanos compatíveis, precisamos de
universidades espíritas. O círculo se fecha. É imprescindível criarmos um ciclo educativo
completo, pelo qual possamos educar pessoas, pelo menos humanistas, que se ponham na
vanguarda espiritual da sociedade e espíritas mais conscientes, com uma cosmovisão doutrinária
mais integrada e fundamentada. Ao mesmo tempo em que o Espiritismo pode contribuir para a
melhoria da Educação, a Educação espírita deve contribuir para o progresso do próprio
Espiritismo.
Certamente, não deixarão de perguntar pelos recursos financeiros necessários a tais
empreendimentos. Os recursos existem. O movimento espírita não constrói centros, asilos,
hospitais, orfanatos, federações? Por que não aplicar parte destes recursos para a construção de
escolas e faculdades? O que falta é uma mudança de mentalidade: é preferível, embora mais
trabalhoso, aplicar dinheiro em Educação do que em assistencialismo; aliás, o próprio
assistencialismo deveria ser pedagógico.
• Os centros e instituições espíritas. A primeira instituição espírita do mundo foi a Sociedade
de Estudos Psíquicos de Paris. Lá se pesquisavam os aspectos científico, filosófico e moral do
Espiritismo. Os participantes debatiam questões existenciais, mensagens e fenômenos
mediúnicos, temas do cotidiano e notícias de jornais, teorias científicas ou filosóficas à luz da
Doutrina. Intercâmbio entre os próprios encarnados – entre os membros da sociedade e outras
sociedades semelhantes na França e no estrangeiro – e entre encarnados e desencarnados,
alimentava o progresso do Espiritismo, sob a luminosa liderança de Kardec que, apesar de sua
incontestável autoridade espiritual, jamais se arvorou em chefe do movimento. O aspecto
acadêmico da Sociedade – no que a academia tem de positivo em pesquisa e diálogo entre os
pares e não no seu espírito sistemático e arrogante – estava presente na Sociedade de Paris, que
tinha um caráter de “estudos”, portanto, um caráter pedagógico.
No Brasil, houve um processo, talvez historicamente necessário, de massificação do Espiritismo.
Centros, federações, instituições diversas atendem diariamente a milhares de pessoas em todo o
país. Com isso, a Doutrina penetrou em todas as camadas da sociedade e multiplicou adeptos e
simpatizantes. O Brasil se tornou o país mais espírita do mundo. Mas essa disseminação em
massa teve seu preço. As casas espíritas praticam um assistencialismo social e espiritual em que
o indivíduo atendido geralmente assume uma atitude muito passiva de assistir cursos, palestras,
tomar passes. Às vezes, após anos e anos numa casa espírita, o frequentador tradicional não
passou de fato por um processo pedagógico de crescimento espiritual, mas pratica o Espiritismo
à moda tradicional de outras religiões: de forma rotineira, mística e destituída de significação
existencial mais profunda.
Já que o movimento espírita brasileiro avançou tanto em termos numéricos, chegou a hora de
darmos um salto qualitativo em suas práticas: e esse salto deve ser justamente o de caracterizar
toda a atividade espírita como atividade pedagógica, segundo a própria essência do Espiritismo.
Pode-se objetar que as atividades desenvolvidas pelos centros e federações são
predominantemente educacionais. Cursos, palestras, estudos doutrinários, o grande movimento
da evangelização infantil, as mocidades espíritas, a própria assistência social – sempre
acompanhada do ensino do Espiritismo – e a assistência espiritual – com a doutrinação dos
Espíritos – tudo isto é Educação espírita. É verdade que o movimento espírita tem esse caráter
instrutivo, mas não necessariamente pedagógico. Geralmente, é um ensino exercido de forma
autoritária e conservadora, arraigado nos modelos tradicionais do sistema educacional vigente e
nas heranças trazidas das igrejas. Crianças, adolescentes, jovens, adultos, que chegam à casa
espírita, não se tornam educandos para assumir sua própria autoeducação, num processo
participativo, dinâmico e enriquecedor. São tratados como ouvintes passivos.
A metodologia adotada para o ensino do Espiritismo, em qualquer nível, costuma ser maçante e
autoritária, sem recursos didáticos, sem consciência de expositores e líderes do sentido real de
um processo pedagógico.
Pode-se argumentar que um dos problemas com que se depara a casa espírita é a frequência de
pessoas traumatizadas por perdas dolorosas ou portadoras de complexos problemas obsessivos.
Isso faz com que tais recém-chegados sejam muitas vezes tratados de forma paternalista.
Costuma-se mesmo dizer que, para estes, o Espiritismo teria um caráter apenas consolador. E
quem precisa ser consolado não está interessado em renovação. E quem está obsedado não pode
ter a liberdade da palavra, nem mesmo para indagar – é o que se pensa.
É evidente que a orientação de qualquer atividade espírita deve ser assumida por pessoas
equilibradas, moralmente idôneas, conhecedoras e praticantes do Espiritismo em todos os seus
aspectos. Isto não é motivo para que os outros participantes do processo sejam tratados com uma
falsa superioridade. O educador verdadeiro é aquele que sabe converter traumas em motivos de
edificação e crescimento e fazer da participação ativa dos educandos uma terapia para seu
equilíbrio. O primeiro passo para que se dê um desencadear das potencialidades dos que
frequentam a casa espírita é que sejam acolhidos como seres pensantes e dignos de serem
ouvidos. Que se tornem indivíduos conhecidos, respeitados e participantes, e não meros
assistidores de palestras.
Seminários, debates, reuniões de estudos em que todos possam colocar seus questionamentos e
dúvidas, a própria disposição das cadeiras em círculos e não em plateias com um púlpito
longínquo – tudo isso deve fazer parte do panorama pedagógico do centro espírita, quebrando o
monólogo autoritário dos oradores. É evidente que, para isso, o centro não precisa nem deve se
converter numa arena de disputas de opinião e de brigas pessoais. É preciso criar o hábito de
debater ideias com argumentos e não com ofensas e enfrentar a divergência de opinião com
naturalidade, preservando sempre os postulados básicos do Espiritismo. Com líderes conscientes,
equilibrados e com sólidas convicções doutrinárias, é possível se ventilar o clima com a
liberdade de expressão, mantendo-se o padrão vibratório elevado e a compreensão fraterna entre
todos. Aliás, isto também deve fazer parte do aprendizado. É muito fácil se obter uma harmonia
aparente, sob o tacão da disciplina autoritária. O desafio é obter a união, pela adesão voluntária
de todos os participantes a uma proposta de progresso e fraternidade.

EDUCAÇÃO MEDIÚNICA

A Educação mediúnica é um dos aspectos característicos da Educação espírita, ligada ao


desabrochar das capacidades extrassensoriais que todo ser humano deverá desenvolver em sua
jornada evolutiva. Como já foi analisado (ver Cap. II), há o mediunato – compromisso específico
de atuação mediúnica numa dada existência – mas além desta tarefa, todos os seres humanos têm
uma mediunidade geral, mais ou menos cultivada.
No caso de o indivíduo possuir algum dom mediúnico específico, a Educação mediúnica tem por
meta possibilitar seu desenvolvimento e uso equilibrado, sadio e positivo. No caso de
mediunidade difusa, não-específica, a meta é a de aguçar a sensibilidade extrassensorial, a
intuição, a percepção psíquica – coisas presentes em todos os seres humanos.
Tanto num como noutro caso, são facetas da proposta espírita: o controle racional das faculdades
mediúnicas, fruto do estudo acurado dos fenômenos e da autoanálise que todo espírita
comprometido com sua autoeducação deve permanentemente promover; o uso da mediunidade
para fins úteis, nobres e cristãos; o cuidado para não converter nenhum dom mediúnico em fonte
de riqueza material, de projeção pessoal ou de manipulação psíquica, ou seja, mediunidade com
absoluto desinteresse e devotamento.
Desta forma, a Educação mediúnica não é meramente um apossar-se de técnicas, mas deve ser
um fator de evolução integral para o Espírito; uma possibilidade real de aperfeiçoamento moral e
de prática do bem. Os parâmetros éticos da mediunidade se sobrepõem aos aspectos técnicos,
inclusive como garantia de controle do fenômeno e de atração de bons Espíritos – ao contrário de
certas correntes espiritualistas que acentuam a frieza da técnica em detrimento do amor, que
deve orientar a utilização dos dons psíquicos.
Se, conforme Herculano Pires, O Livro dos Espíritos é um manual de Educação integral, O Livro
dos Médiuns é um manual de Educação mediúnica, que pela primeira vez na história humana
colocou balizas éticas e racionais para a prática da mediunidade.
Teçamos, porém, algumas considerações a respeito do entrelaçamento entre esses dois temas:
mediunidade e Educação.
• A mediunidade como meio de aperfeiçoamento. É meio porque pode se tornar importante
instrumento da evolução humana, tanto para quem a pratica, como para quem dela é beneficiário.
O médium pode empregá-la para melhorar a sua percepção do mundo, para instruir-se com o
conteúdo espiritual de que é intermediário, instruindo também o próximo. Quando lida com
outros Espíritos, superiores ou inferiores a ele, em moralidade ou inteligência, está em processo
de aprendizagem e interação, acumulando um conhecimento experimental do ser, que não pode
ser buscado em nenhum compêndio.
Esse aprendizado que a mediunidade proporciona tem um alcance pedagógico mais amplo. No
decorrer da história humana, filósofos e profetas, artistas e cientistas, conscientemente ou não,
têm servido de intermediários interexistenciais, construindo o conhecimento humano, de forma
interativa com o plano espiritual. Sócrates referia-se ao seu daimon, como voz inspiradora de
suas ações. Descartes afirmava que toda a sua filosofia havia se iniciado a partir de três sonhos,
proporcionados pelo Espírito da Verdade. Rousseau contava como tivera uma visão das ideias
que desenvolveria em seus livros. Mas o assumir a comunicação mediúnica, como parte
constitutiva da construção do conhecimento nunca foi tão explícito e transparente, como na
constituição (aliás, permanente) da Doutrina Espírita. A mediunidade é posta como uma das
portas de acesso à realidade.
Ao mesmo tempo, o médium pode se tornar ele mesmo educador dos Espíritos mais atrasados,
que com ele convivem, por sua emanação vibratória amorosa, por seu exemplo existencial e por
seus diálogos (a que no meio espírita se convencionou chamar de doutrinação). É evidente que
esta, como todas as outras relações pedagógicas, deve ser despretensiosa, humilde e paciente,
sem ares de superioridade. Conquistar o coração alheio – seja encarnado, seja desencarnado –
para a adesão ao bem e ao progresso é um ato de amor, jamais de imposição orgulhosa.
• A mediunidade como finalidade da Educação. A mediunidade é faculdade humana, cujo
desabrochar pleno faz parte das metas a serem atingidas pela Lei da evolução. Por isso mesmo,
como outras faculdades morais, intelectuais ou estéticas, o seu desenvolvimento é obra dos
séculos, em sucessivas encarnações.
As mediunidades que despontam com força e pujança, desde a mais tenra idade, atingindo na
maturidade uma produção equilibrada e de boa qualidade, são mediunidades que já vieram se
burilando no tempo. O trabalhador qualificado não se improvisa.
Ao invés, as mediunidades hesitantes, inseguras, sujeitas a perturbações intensas e cujos
resultados deixam sempre a desejar são mediunidades em início de maturação. Nem por isso,
devem ser desprezadas ou negligenciadas. Mesmo se na presente encarnação, tais médiuns não
alcancem o equilíbrio ideal, estão se preparando para tarefas futuras, estão aprendendo a lidar
com esta faculdade complexa e múltipla.
Ao longo das vidas, a mediunidade vai se afinando, vai se tornando mais lúcida, mais elevada. O
homem, como ser integral, se desenvolve de forma inteira. Embora certos Espíritos possam ter
maior altura intelectual, em detrimento da moralidade, ou vice-versa; Espíritos primitivos
possam apresentar fortes fenômenos mediúnicos e outros evoluídos mostrem às vezes pouca ou
nenhuma mediunidade; chega sempre um limite em que o desenvolvimento de uma faculdade
estaciona, se outras não progredirem em paralelo. Assim, um Espírito que vem desenvolvendo
uma potencialidade mediúnica só poderá dar um salto qualitativo se fizer igual progresso moral e
intelectual. Moral, para afinar-se com Espíritos superiores, para canalizar de forma produtiva e
benéfica sua faculdade. Intelectual, para saber racionalizar, analisar e conduzir a própria
mediunidade, permitindo ao mesmo tempo que os Espíritos encontrem o cabedal cultural
necessário às comunicações de qualidade.
Assim, na constelação de potencialidades, com que Deus dotou as suas criaturas, a mediunidade
é uma das mais nobres, que o ser deverá cultivar, para fazê-la frutificar.
• A Educação da mediunidade. A mediunidade colabora na Educação do Espírito e ao mesmo
tempo é meta desta própria Educação. Mas ainda, ela mesma deve ser educada. A Educação no
sentido pleno da faculdade mediúnica é, como vimos, um processo transreencarnatório.
Entretanto, numa dada encarnação, manifestando-se mais ostensivamente, poderá ser
convenientemente educada para dar os frutos possíveis do estágio em que se encontra.
Parafraseando Kant, que dizia ser a Educação o desenvolvimento da perfectibilidade possível do
ser, a Educação mediúnica também é o desenvolvimento possível de cada mediunidade em
particular.
Mas como em qualquer processo pedagógico válido, a Educação mediúnica não pode ser
massificada, sob pena de se tornar adestramento. Cada ser humano é único e cada mediunidade
deve ser tratada de forma individualizada, procurando-se sempre despertar uma autoeducação
consciente e não um condicionamento disciplinar e automático.
Os métodos da Educação mediúnica deverão variar segundo o grau de lucidez espiritual de cada
médium. Alguns já nascem quase prontos, outros precisam de longos esforços e forte
acompanhamento dos mais experientes. Não pode existir uma padronização na metodologia
empregada, sob pena de se brecar arbitrariamente uma mediunidade promissora ou senão
desequilibrar uma mediunidade incipiente. Assim, os manuais de Educação mediúnica, com
receitas muito estereotipadas ou com passos muito rígidos não correspondem às necessidades dos
médiuns. Veja-se que em O Livro dos Médiuns, Kardec não propôs etapas muito rígidas e
esquematizadas para o desenvolvimento dos médiuns. Preferiu analisar, compreender, esmiuçar
o fenômeno mediúnico, estudando-lhe todos os componentes espirituais, éticos e técnicos para
munir cada médium das ferramentas necessárias para entender e cultivar sua própria
mediunidade.
Deve-se igualmente afastar da Educação mediúnica qualquer caráter de iniciação – com
períodos, anos pré-fixados, certificados, títulos etc… Isso são heranças hierárquicas do
esoterismo. A Pedagogia Espírita em todos os setores propõe métodos naturais, baseados na
espontaneidade e na vivência de cada um. Os maiores médiuns da história do Espiritismo não
fizeram cursos de mediunidade nos moldes que temos hoje em centros e federações. E vice-
versa, atualmente, com tantos cursos e certificados, há tão poucos bons médiuns. Esse
formalismo excessivo é fruto do autoritarismo e da falta de confiança no ser humano. Para
Kardec, bastava estudar atentamente O Livro dos Médiuns, para se estar apto a praticar a
mediunidade com certa dose de segurança. Mas Kardec acreditava na autonomia da razão
humana e na capacidade de autoeducação individual. Não recomendava evidentemente o
isolamento, para que houvesse Educação e controle recíprocos no campo dos fenômenos
mediúnicos. Porém, esse controle seria feito de forma natural, fraterna, sem formalidades
impessoais.
E afinal, é preciso deixar que os Espíritos superiores participem da Educação mediúnica,
sugerindo procedimentos, aconselhando moralmente, orientando e equilibrando os médiuns
pupilos. Os grandes médiuns que conhecemos tiveram seus maiores mestres em seus guias
espirituais.
“…todas as vezes que um Espírito superior se comunica usando o nome de um personagem
conhecido, nada prova que seja precisamente o Espírito desse personagem. Mas se ele nada diz,
no seu ditado espontâneo, que desminta a elevação espiritual do nome citado, existe a presunção
de que seja ele. E em todos esses casos se pode dizer que, se não é ele, deve ser um Espírito do
mesmo grau ou talvez mesmo um seu enviado. Em resumo: a questão do nome é secundária,
podendo-se considerar o nome como simples indício do lugar que o Espírito ocupa na Escala
Espírita. (…) Assim a questão da identidade, como dissemos, é mais ou menos indiferente
quando se trata de instruções gerais, desde que os Espíritos mais elevados podem substituir-se
mutuamente sem que isso acarrete consequências. Os Espíritos superiores constituem, por assim
dizer, uma coletividade, cujas individualidades nos são, com poucas exceções, completamente
desconhecidas. O que nos interessa não são as pessoas, mas o ensino. Ora, se o ensino é bom,
pouco importa que venha de Pedro ou de Paulo. Devemos julgá-lo pela qualidade e não pelo
nome.” (Allan Kardec, O Livro dos Médiuns, Item 256)
MENSAGENS:
A EDUCAÇÃO SEGUNDO OS ESPÍRITOS
O Amor pedagógico
Falar de amor pedagógico é quase praticar um pleonasmo, porque o amor, na mais alta e
completa acepção do termo, é sempre educativo. Mas antes, é preciso saber que tipo de amor é
esse, que pode ser empregado na educação do próximo; que tanta eficácia possui, que pode
despertar a essência divina dormente no indivíduo…
Está claro que se trata do amor despojado de personalismo e egoísmo.
Um amor que não se interessa em obter recompensas pessoais, mas procura apenas doar e passar.
Um amor em que não se imiscuem desejos doentios do orgulho de se querer modelar o outro à
nossa imagem.
Um amor que não se melindra e, portanto, é sempre motivo de alegria e jamais se carrega com
exigências e com cobranças de impostos de gratidão.
Um amor que se vive com descontração, espontaneidade e leveza, mas que sabe se tornar sério e
enérgico no momento de gravidade, não para obter algo em seu próprio proveito, mas ainda e
sempre em benefício do ser amado.
Um amor, acima de tudo, engajado na felicidade alheia e que não mede esforços, sacrifícios e
oferendas para proporcionar todas as oportunidades de crescimento espiritual do outro.
Eis aí o sentido propriamente pedagógico do amor que se sublimou: não é um amor orientado
para satisfazer meramente as necessidades materiais, físicas, culturais ou mesmo psíquicas do
amado. O amor bem direcionado pode e deve facilitar as condições materiais da existência e
favorecer o bem-estar mental e o alimento intelectual. Porém, mais do que isso, ele deve atuar
nas camadas profundas do ser, fazendo brotar o impulso divino da evolução.
O amor pedagógico é aquele que consegue acender no outro–seja o outro, filho, aluno, esposo,
esposa, amigo, irmão ou a humanidade em geral–o desejo do bem, o anseio da luz, a vontade
irresistível de evoluir, o sentimento de Deus e a segurança do caminho a perseguir. Pelo amor,
podemos nos tornar médiuns de Deus, na educação da humanidade. Mas somente se nos
transfiguramos nesse amor, se nós mesmos buscamos ardentemente a luz e se trilhamos com
todo o esforço as veredas do autoaperfeiçoamento e, nesse impulso, sentimos e exalamos um
entusiasmo vivo, uma energia poderosa e uma confiança plena –é que poderemos partilhar com o
outro essa vibração.
Educar não é entregar um ensino acabado, transmitir uma mensagem fechada, mas acima de tudo
desencadear processos de evolução, originar centelhas de entusiasmo, dividir um estado de
espírito–que é o estado de espírito em atividade, em ebulição, em permanente devir, em
constante busca de novos amanhãs.
Assim, é impossível amar pedagogicamente sem um trabalho intenso consigo mesmo, sem uma
atenção permanente para com o nosso próprio devir existencial.
O homem que não aprendeu a ser médico de si próprio e, portanto, não conhece todos os
procedimentos de higiene mental e de postura existencial para manter o corpo em equilíbrio, não
saberá tratar eficazmente e com profundidade dos doentes que lhe pedem ajuda. Da mesma
forma, o educador que não educa a si mesmo. Se ele não descobriu dentro de si um impulso
verdadeiro, nobre e permanente, de automelhoria e se ele mesmo não está constantemente em
busca de aprender e construir, como poderá comunicar uma chama que não possui, como poderá
abrir para o outro uma trilha que não percorre?
A marca do amor pedagógico é por isso a vitalidade, a ação, a força atuante, o elã divino se
manifestando entre educador e educando. Só é, de fato, pedagógico, um amor que consegue
acender algum impulso novo e benéfico. Acontece muitas vezes que são algumas crianças que
fornecem este estímulo aos adultos, pois o amor pedagógico independe de idade, profissão,
condição social ou grau de instrução. De maneira mais ampla, amor pedagógico é todo amor que
nos dá algum empurrão sadio para rumos mais altos.
Mas é de vital importância que cada um de nós procure por si mesmo o despertar dessas forças
internas, depositadas por Deus em nossa alma, e encontradas e postas em ação possam contagiar
todos aqueles que nos rodeiam…
Obviamente tudo o que foi descrito como amor pedagógico se opõe terminantemente à
acomodação, à mesmice, à rotina vazia do cotidiano sempre igual… Qualquer processo de
educação e de autoeducação é processo de mudança a cada minuto. Não se trata da instabilidade
emocional, tão própria dos espíritos ainda em desequilíbrio. Ao contrário, a configuração interna
de quem está em processo de maturação é de serenidade–embora possam sobrevir crises, comuns
a quem ainda está a caminho. O que está em movimento, porém, é o espírito, sempre querendo
aprender mais, compreender melhor e amar com maiores doses de abnegação. O espírito que se
educa, modifica-se a cada momento, porque está sempre acrescentando experiência e
conhecimento, conjugando esforço e atividade.
Pode-se ver claramente que o amor pedagógico, no campo específico da educação escolar, não
pode se acomodar com escolas, onde tudo esteja já preestabelecido, esquematizado, prescrito a
priori, e que se entrega a uma rotina sempre igual, entra ano, sai ano, sem consideração pelos
impulsos evolutivos de educadores e educandos, sem oferecer o menor espaço ao
desenvolvimento espiritual e mesmo intelectual dos que participam da comunidade escolar.
A escola, que deveria ser um campo de florescimento do espírito, torna-se, ao invés, um
cemitério de potencialidades, um arquivo morto de dados, transmitidos sempre da mesma forma,
um espinheiro para a criatividade e um local onde se abafa toda a vivacidade da alma.
A escola, vivificada pelo amor pedagógico, a cada ano, a cada mês, a cada dia, em cada classe,
para cada individualidade, deve ser diferente.. . Sempre inovando, sempre recriando, sempre em
contato com o impulso evolutivo do ser, impulso esse ainda mais renovado nas crianças, espíritos
que voltam ao mundo estimulados para novas oportunidades de elevação!
Será maravilhoso o dia em que as escolas deixarem de ser esses recantos tristes em que crianças
sentadas e passivas, a contragosto, são adestradas diariamente através de conceitos e fórmulas, e
se transformarem em viveiros espirituais, em que crianças alegres, estimuladas, produzam,
pesquisem, se desenvolvam, partilhando com os mestres um ideal de permanente progresso. Pois
se a lei mais alta do universo é a lei da evolução e se cada um é responsável por sua própria
trajetória evolutiva, então o que principalmente o amor pedagógico é capaz de transmitir é o
impulso de autodesenvolvimento, é o desejo incontido da criatura de se aproximar do Criador.
“Sede perfeitos, como vosso Pai celestial e perfeito”–disse Jesus. E se Ele, Mestre dos mestres,
através do seu amor pedagógico, tem sabido movimentar o elã evolutivo da humanidade, na
busca do Pai, então nós–pequenos educadores de nós próprios e do próximo–precisamos pelo
menos acender uma centelha!
Pestalozzi
12/1/91
A Educação pela natureza
Se esperais que o mundo se apazigue e que a luz venha habitar o coração dos homens, deixai que
as crianças bebam livremente do fluxo da vida e se banhem nas margens da mãe natureza.
Deixai-as florir sob a carícia do sol. Que elas percorram os prados, se molhem nos riachos e se
deitem na relva. Que apreciem as estrelas, antes de saber contá-las e que olhem como os insetos
se movem, antes de dissecá-los. Não as tranqueis nessas caixas de concreto, não as obrigueis à
rigidez do corpo e não lhes imponhais fórmulas prontas ao espírito!
Mas nem por isso, abandonai-as a elas próprias, distantes do olhar atento de quem as ama. Que
este amor não tema por elas, para não lhes arrancar a autonomia e as experiências vitais; mas que
esse amor observe, compreenda e acompanhe; participe do embevecimento divino que toda
criança sente, redescobrindo verdadeiramente o mundo a que veio.
Vós mesmos, tão atados às corriqueiras repetições do dia-a-dia, relaxai as correntes da sociedade
intrincada em que gozais tantas superficialidades e entregai-vos à contemplação da vida. Ide vós
também, descalços, com as crianças, sentir de novo o sabor da terra molhada e a aura etérea do
vento…
Só a partir dessa ligação visceral com a natureza, podeis falar em qualquer forma de Educação.
Se esperais que algumas crianças se tornem artistas, se para isso vieram, como não deixá-las
expandir-se intimamente com o Deus poeta, que entreteceu o poema da vida; com o Deus
músico, que inventou a melodia dos bosques e com o Deus pintor, que semeou luzes e cores em
todo o universo?
Se credes que renascerão cientistas entre vós, como não permitir que eles se debrucem desde
cedo sobre o livro da natureza, para saber interpretar as leis da matéria e do espírito?
Se contais com futuros reformadores da sociedade humana, como não fazê-los se embeber na
harmonia do cosmos?
E se vislumbrais diferentes líderes da religião e da espiritualidade, haverá melhor templo que o
da natureza, que não estreita a concepção de Deus em dogmas e sistemas e não acabrunha a
reverência religiosa entre as paredes de uma igreja?
Aboli definitivamente tantas clausuras, tantas torturas, tantas imposições ao espírito sedento,
vibrante, criativo da criança! Deixai que elas se expandam, se espantem, se entusiasmem, se
lancem à vida com a energia que muitos de vós procurais em vão, desiludidos pela sociedade que
vos massacra, pela civilização de concreto que vos enregela!
Não precisais com isso renegar as conquistas, que já acumulastes na bagagem da História! Mas
porque pisastes na Lua e porque sondais os espaços, maior deve ser vossa integração com o
universo. E porque manipulais computadores, maior deve ser vossa reverência diante da chama
do espírito, infinita potencialidade se projetando para as estrelas!
Jamais atingireis a conscientização pretendida das doenças que afetam vosso sistema ecológico,
se não trouxerdes de volta a criança para se educar em meio à natureza, pela natureza, com a
natureza. Pois ninguém tomará conta daquilo que não conhece, que não vivencia cotidianamente,
e de que não pode prescindir numa interação total e mística.
Ultrajais a Deus, quando feris a natureza e ultrajais a vós mesmos, mas quem vos pode fazer
compreender isso se não experimentardes com toda a alma a presença divina em todas as coisas e
vossa unidade com o todo?
Voltai ao campo, se quiserdes salvar o planeta e fazei de vossas crianças guardiãs de uma
herança que elas desde já possam usufruir e que não lhes seja alheia e separada…

Tagore
27/2/91
Educação da inteligência e do sentimento
Se tomardes como ponto de partida para a Educação do homem, aquela célebre frase
pronunciada pelo Espírito da Verdade: “espíritas, amai-vos, eis o primeiro mandamento e instruí-
vos, eis o segundo”, já tereis esboçado o pano de fundo de uma filosofia educacional, premente
na atual circunstância de transição histórica em que a humanidade se encontra.
Porque mais do que este ou aquele procedimento didático, mais do que tal ou qual item de um
currículo preestabelecido por instituições ou intelectuais, tendes necessidade de uma atitude
nova, de uma filosofia de essência, que vivifique todas as relações educacionais e todos os
impulsos de renovação pedagógica.
É preciso reatar pela Educação esse abismo entre o coração e o intelecto, provocado pela vossa
civilização, porque apenas pela interação do sentimento e da inteligência, o homem pode alçar o
voo da evolução cósmica, tanto individualmente, quanto no plano das reformas sociais.
Viveis numa época, talvez em alguns aspectos semelhante àquela em que eu habitava entre vós
corporalmente e conquistei uma fama além da que seria desejável, dados certos problemas de
consciência que ainda carregava – viveis numa época, dizia eu, que despreza o sentimento e o
considera manifestação deselegante, de mau gosto. Admite-se sim a expansão livre do instinto,
da agressividade e dos impulsos mais baixos dos indivíduos e das massas; admira-se a
inteligência que faz manobras mentais em turbilhões de ideias inúteis e vazias…
Mas não se preza a delicadeza de um sentimento puro e elevado, nem se empresta valor à
inteligência livre de preconceitos e desembaraçada dos entulhos que amontoastes, no
academicismo tantas vezes arrogante. A inteligência equilibrada, que se deixa bafejar pelo
influxo do amor e pela luz dos ideais nobres; a inteligência que se alegra com a lógica dos fatos e
se estende além da mera apreensão da matéria, para desdobrar-se na sondagem do infinito–esta é
mal vista em vosso mundo.
Ora, justamente no Espiritismo, esse presente de Deus aos homens de final de civilização, essa
conquista espiritual do ser em evolução, é um campo onde inteligência lúcida e amor fraterno se
conjugam para subjugar os instintos bestiais e elevar o homem acima de si próprio.
Quanto não podereis esperar que ele realize pela humanidade, se o aplicardes à Educação?…
Quando derdes à criança a oportunidade de desabrochar em sentimento e intelecto, não apenas
como tantos filósofos e educadores já previram, mas na compreensão de que ela é um espírito de
passagem, com destino certo para a transcendência, com experiências milenares armazenadas e
com um futuro infinito à sua frente!…
Muitos já procuraram aliar mente e coração, numa intuição historicamente precoce do que diria o
Espírito da Verdade, mas pouco adianta indicar o remédio, sem revelar o segredo de sua
origem… Educação moral e intelectual acham seu fundamento natural e profundo na
reencarnação, na evolução ininterrupta do Espírito, que deve se desenvolver integralmente, com
vistas à angelitude, e se entrelaçam na síntese de conhecimento que o Espiritismo preconiza, ao
romper as barreiras entre Ciência, Filosofia e Religião – o que equivale a dizer entre experiência
empírica, razão abstrata e sentimento moral.
Se vos aproximardes, com a concepção espírita, do depósito de conhecimento acumulado pelos
séculos, sereis capazes de extrair o sumo de bem que há em toda conquista intelectual do
homem, mas deixareis de lado as futilidades, os enganos promovidos pelas paixões humanas, e
sabereis unir esse conhecimento ao exercício íntimo da moral cristã, o que vos afastará das
vaidades dos pobres inteligentes que se julgam profetas das últimas e definitivas verdades!
Imbuídos dessa atitude sensata, que deve ser a dos espíritas sinceros, de conhecer tudo e reter o
bem (como recomenda o apóstolo Paulo) e colocando-se em posição de igualdade perante o
próximo, para amá-lo como irmão, estareis aptos a transfundir vosso exemplo para as crianças,
esses Espíritos que vos abordam na existência, com tantas promessas para o futuro!
Dai-lhes o substrato lógico, racional, da visão espírita, sem imposições dogmáticas, quando elas
se sentirem instigadas a indagar a respeito das questões essenciais da vida. Provocai nelas essas
mesmas indagações; fazei-as filosofar, quando chegar a idade da razão.
Mas antes, impregnai-lhes o espírito de amor cristão. Que elas se sintam fortalecidas em seus
incipientes e espontâneos impulsos de generosidade e desencorajadas em seus atos de
competitividade e agressão… Que elas percebam que o sentimento, a piedade, a ternura e a
bondade são manifestações respeitadas pelos adultos à sua volta e nunca ignoradas e muito
menos desprezadas, por tolas e infantis.
Ao invés, que suas tendências inferiores não encontrem em vós a mesma ressonância. Jamais
coibir severamente tais tendências é a atitude evidente de quem não deseja formar homens
hipócritas. Mas que todo impulso de vingança, agressão, orgulho, vaidade, possa se envergonhar
diante de educadores que primem pela doçura, pela humildade e pelo amor benevolente e cristão.
Que a autoridade moral seja a única a refrear nos maus instintos–não por punições, reprimendas
e demonstrações forçadas de conceitos morais–mas pela sua simples presença, pelo poder de
irradiação que só o bem possui! Mas não vos descuideis também de aliar a esse exemplo moral,
um constante incentivo ao desenvolvimento da inteligência, porque a Terra do futuro deve se
constituir de homens fundamentalmente bons, mas igualmente com grande capacidade mental,
que se traduz na lucidez de enxergar o universo, com suas leis físicas e morais, e de contribuir
eficazmente para a imensa e infindável obra da Criação!

J. J. Rousseau
10/6/91
A Educação pela Arte e para a Arte
A Arte, deusa ferida, vagueia pálida e fria pelas nações do planeta, à procura de devotos que a
socorram, ensaiando despertar as sensibilidades adormecidas… Quem haverá de vir lhe prestar
novamente o culto que merece, para que ela se recomponha e brilhe no altar da Beleza, do Bem e
da Perfeição?
É preciso que seus seguidores se despeçam dos lauréis, que aceitem servi-la
desinteressadamente, que busquem se revestir da pureza moral, para não manchar sua divindade,
que enverguem o heroísmo da virtude para se entregarem à posse dessa deusa…
Mas, como esperar que as sensibilidades, capazes de incorporar os eflúvios invisíveis do infinito,
possam fazê-lo fielmente, sem que se enredem nas ilusões do corpo, sem que cedam aos apelos
da vaidade, se não as educais para isso?
Educados pela Arte – todos os seres humanos devem ser. Pois que outro componente melhor e
mais propício a fazer florescer a divindade interior do homem, que o de colocá-lo desde cedo sob
a inspiração da Beleza e da Harmonia? Toda criança pode crescer sob o signo do equilíbrio se ao
lado do pão, da ideia, da experiência e do brinquedo, lhe derdes o alimento da Beleza… e se ela
própria puder dar seus primeiros ensaios de criação livre e espontânea, percebendo e intuindo
diretamente a sua infinita capacidade de criar e produzir. Não lhe imponhais modelos e padrões,
deixai-a experimentar e achar a própria expressão.
Mas também não lhe negueis acesso ao que a cultura humana já compôs através do tempo.
Deixai que as crianças bebam nas fontes mais puras da Arte terrestre… Que elas possam
exercitar a sua sensibilidade, ouvindo as melodias mais doces jamais feitas; olhando as cores e as
luzes mais sutis já tecidas; declamando os poemas mais elevados jamais compostos; sentindo as
produções mais próximas da divindade que o homem já atingiu. Fazei isso com todas elas e se
não tiverdes no futuro todos os homens literalmente artistas, tê-los-eis moralmente melhores e
mais criativos.
Mas se perceberdes nessas almas, que tendes sob vossa tutela, um grande talento despontando,
um germe latente de genialidade, então não deveis mais apenas educar pela Arte, mas para a
Arte!
Não lhe estimuleis apenas a aprendizagem da técnica artística, como se o dom de compor, tocar,
representar, pintar, escrever, fosse mero instrumento morto, código pronto de uso…
Desenvolvei-lhe sobretudo o sentimento do Belo e do Bom, para que coloque seu talento a
serviço dos homens e de Deus e não a serviço de si próprio.
Que esses gênios precoces não sejam cultuados como flores exóticas a que se deve admiração,
mas não familiaridade. Que eles sejam amados como seres pertencentes à mesma humanidade de
que todos fazeis parte…
Que se lhes dê o exemplo vigoroso da virtude moral, que lhes possa garantir a segurança de fazer
de seus talentos um presente de Deus aos homens e não um elemento de perturbação social e de
queda para si mesmos. Sobretudo, não percais com eles nem os laços de carinho nem o vínculo
de uma autoridade moral, que os guie em seus primeiros passos, para que não se sintam isolados
num mundo adverso, que os idolatra e os usa; que os explora e os denigre depois…
Se assim educardes vossos gênios–e eles virão em grande massa habitar entre vós–tê-los-eis
como irmãos em vosso benefício e os vereis realizados e felizes, a salvo de todas as tragédias que
têm sido o destino de muitas almas sensíveis, mas ególatras; generosas, mas vaidosas, que
carregam entre vós o nome de artistas!
E, então, a deusa da Arte, soerguida da lama em que a lançaram neste século, se levantará
luminosa, para conduzir a humanidade a outras esferas!

Schiller
23/6/91
A Educação Espírita
O Espiritismo deverá reformular os padrões da Educação humana, propondo-lhe novas metas,
ajustando-lhe diversos procedimentos no relacionamento entre educador e educando e, com isso,
formará novas gerações de seres, que estarão capacitados ao trabalho árduo da reconstrução da
civilização.
Entende-se que meta é essa que o Espiritismo confere à ação educativa–a meta espiritual.
Desfazem-se os objetivos educacionais puramente terrenos, esses que pretendem fazer do
homem uma pessoa bem ajustada aos padrões da sociedade vigente. Projetam-se os objetivos
para o infinito. Trata-se de formar homens bem ajustados às Leis de Deus–eternas e cósmicas–
muito superiores e muito mais importantes ao Espírito do que as leis e os costumes humanos,
passageiros e sujeitos às decepções da marcha do progresso.
Não se dá com isso que a Educação Espírita fará homens revoltados, em permanente
desobediência ao meio, em ininterruptos conflitos. Ao contrário, o homem equilibrado com as
Leis Cósmicas, embebido da mais pura intenção de servir e ajudar, é um homem que, acima de
tudo, compreende, estende sua mão fraternal aos que estão a caminho com ele e não se jacta de
qualquer pretendida superioridade. O atraso das massas o confrange, não o faz vibrar de vaidade.
A miséria moral o incita a acender todas as luzes possíveis ao seu alcance, a mobilizar seus
recursos mais profundos de sacrifício e altruísmo e não o isola na crítica acerba e superior.
Sem dúvida, esse homem que se formou à luz do Espiritismo, já se destituiu de todas as ilusões
passageiras da existência. Enquanto outros podem achar que a competição entre os indivíduos, a
sensualidade desenfreada, a luta por bens materiais, a ambição de promessas terrenas fazem parte
da própria natureza do homem terrestre–ele sabe que tudo isso passa no vendaval das existências,
tudo se esfacela com as mutações contínuas do progresso. Não se entusiasma, assim, por aquilo
que ainda apetece à maioria. Desse modo, embora sereno em suas convicções e equilibrado em
seus propósitos, pode ser visto por muitos como um excêntrico ou um homem votado à utopia,
distante da realidade das coisas.
Tudo isso ocorre porque o que principalmente o Espiritismo nos confere é um deslocamento da
escala de valores, pela simples projeção de nossos ideais e de nossa visão à evolução infinita do
Espírito!…
Ora, enquanto novas gerações não forem desde cedo alimentadas com esses ideais nobres, com a
perspectiva excitante da evolução humana, não haverá um salto qualitativo no porvir da
humanidade. Há que se nutrir o Espírito com a certeza da imortalidade, da grandeza do Universo,
animado e governado por Deus, com a convicção inabalável das vidas sucessivas–tudo isso não
pode ser acessório de um catecismo que se transmite em palavrórios, deve estar muito claro e
explícito na alma infantil, para que aí possa se alicerçar o progresso moral e intelectual que a
criatura deverá buscar por si mesma. Cônscio do seu status de Espírito eterno, eternamente em
busca da perfeição, o homem assim educado fará de sua existência na Terra um engajamento
contínuo em seu próprio aperfeiçoamento e uma atividade sem tréguas em prol do bem e da
verdade.
A virtude moral que se espera do homem do terceiro milênio não terá outra base que essa
convicção. Assim como sobre a certeza de que Deus ama os homens, por intermédio de seu filho
Jesus, construiu-se a coragem dos mártires que enfrentaram apodos, torturas e morte, no
princípio do Cristianismo, é sobre a certeza da própria potencialidade infinita de progresso
através de infindáveis existências e sobre a certeza da inexcedível misericórdia de Deus,
derramada sobre nós nas oportunidades repetidas de aprendizagem e refazimento, que deve
brotar a virtude espírita, essa virtude serena e esclarecida, que age porque sabe as causas e as
consequências de sua ação. Embora não se dê que a virtude produza frutos em ações calculadas.
Mas é que, embriagada a alma de infinito, vislumbrando as luzes do porvir sem fronteiras, ela se
atira com ardor e virilidade ao cumprimento dos seus deveres, ansiosa por testemunhar gratidão
ao Pai eterno, nostálgica do seu Seio amoroso e apressada em reparar todas as faltas cometidas
em eras pregressas, das quais pode ter uma consciência clara ou apenas uma vaga noção, quando
encarnada, mas que não se apagam do Espírito, quando desprendido dos laços terrenos…
Que logo se formule, com caracteres vibrantes e espírito de seriedade e reverência uma
Pedagogia baseada nesses princípios redentores. Os Espíritos sempre semearam seus
fundamentos, presentes em todas as obras do codificador e de seus continuadores, pois a
Educação Espírita das crianças nada mais é do que a Educação do espírito encarnado, e o que é a
Doutrina Espírita senão um vasto curso de aprendizagem da alma, em que esta se habilita a
penetrar em outros mundos, se cumprir fielmente o que aprendeu? Mas cabe aos homens achar
suas aplicações possíveis na pratica pedagógica com as crianças. Cabe aos encarnados atuar
espiritamente na Educação e pedagogicamente no Espiritismo.
Vós todos, pais, mestres, administradores, intelectuais espíritas, que estais mais diretamente
envolvidos com a Educação, que responsabilidade não tereis, se não aplicardes a luz espírita para
atuar sobre as almas que vos foram confiadas! Que arrependimentos não sentireis, quando virdes
que estava em vossas mãos um tesouro que poderíeis e deveríeis compartilhar com as crianças,
oferecendo a elas as pérolas da fé, do amor e do esclarecimento e negligenciastes vossos deveres!
E eis que as crianças crescem, e os jovens se encontram desguarnecidos de luz, vazios de
certezas, atirados às lutas terríveis deste mundo em transição, baldos de segurança e serenidade,
de altura moral e coragem, com que possam afrontar todos os apelos das paixões, sem o perigo
iminente da queda!
Urge o tempo! Não mais bastarão alguns conselhos jogados displicentemente para que os jovens
possam vencer na porfiada luta da existência. Viveis numa época de profundos embates morais,
em que a alma precisa munir-se de todas as armaduras à mão, sem o que não conseguirá dar
cumprimento às tarefas que a trouxeram ao mundo.
Não vacileis, portanto, em trabalhar ativamente pela Educação Espírita! Só ela poderá ensinar
aos homens como vencerem a si próprios, para que o mundo vença afinal na trajetória evolutiva,
galgando novos e mais ditosos destinos!

Léon Denis
5/8/91
Apelo da criança
Chego ao mundo todos os dias, em busca de refazimento e evolução. Carrego na alma chagas do
passado, amortizadas pela esperança do recomeço, esquecidas no envoltório de um novo corpo.
Entretanto, quando mais conto com a tua ajuda, para me erguer à altura da tarefa que trago, da
prova que planejei ou da missão a mim outorgada, eis que te vejo de mãos vazias para me
amparar!
Quantas vezes, me deixas na companhia das ruas, me abandonas à míngua de tudo, sem que eu
tenha boca para pedir socorro, sem que eu tenha mãos para buscar sustento, sem que eu tenha o
espírito preparado para poder vencer a mim mesmo…
Quantas outras, me empanturras de fantasias malsãs, de ambições perniciosas, criando-me em
castelos de egoísmo e indiferença, em completo menosprezo pelo solo da minha alma.
Pobre ou rica, tenho sofrido a violência determinada pela lei do mais forte: punem-me antes que
eu tenha plena consciência do que seja culpa; moldam-me à força do chinelo e da coação, como
se a educação de que necessito fosse mera domesticação…
Pobre ou rica, tenho sido explorada em minha inocência de espírito adormecido em sua
maturidade, e sou desde cedo convocada à mentira, desde cedo instigada à sensualidade sem
propósito, desde cedo acometida pelas doenças sociais de todas as camadas…
E, no entanto, caro adulto, que pensas do futuro, se não voltas teu olhar benevolente para mim, a
criança? Que mundo transformado pretendes, se não te lanças com todo o arrojo de tua alma à
minha educação?
Somos tantas neste planeta em transição! Estamos vindo em massa, em busca de uma
oportunidade de ascensão, demandando o privilégio de colaborar contigo na construção de um
amanhã mais sorridente!
Peço-te, não me esqueças–pois sou teu filho, teu aluno, teu neto; sempre teu irmão, pedindo
apenas a quota de amor e paciência de que preciso para me fazer homem de bem e companheiro
do teu ideal!

Meimei
25/11/91
Os anjos da guarda da infância
Faço parte de uma equipe de Espíritos que trabalham com crianças: crianças recém-
desencarnadas, crianças encarnadas, ou melhor dizendo, espíritos encarnados durante seu
período de infância. Poderão perguntar: por que a predileção de certos Espíritos por crianças?
Não são as crianças Espíritos como os Espíritos dos adultos? Não carregam elas o mesmo
passado tortuoso, cheio de sombras, que os adultos também carregam?
Sim, é verdade, que sua inocência não é a inocência do espírito recém-criado, ainda ignorante
das grandes quedas morais, ainda sem discernimento do bem e do mal, com uma consciência
apenas embrionária. Não. A criança é um Espírito velho–alguns mais velhos e experientes que
outros, mas sempre um Espírito vivido. No atual estágio de nosso planeta, todos os Espíritos que
reencarnam já vêm com um passado sobrecarregado de experiências amargas e de lutas
fracassadas: eis a grande imagem do pecado original.
Mas, apesar disso, Jesus disse: “Vinde a mim os pequeninos e só aqueles que se fizerem como
eles é que alcançarão o Reino dos Céus!” Ignoraria Jesus as existências pregressas daquelas
crianças que acariciava em seu colo bendito? Não podemos supor tal disparate. É que Jesus
conhecia profundamente as leis que regem a vida–essas leis tão sábias e justas, que Deus
estabeleceu no desenvolvimento dos mundos e dos seres…
É que na criança se refaz momentaneamente a pureza primitiva. Não há aí nem hipocrisia, nem
disfarce. De fato, a criança está mais perto de nossa essência divina do que o adulto, já
desvirtuado por uma falsa educação. Rousseau intuiu a verdade, embora não tocasse na chave da
reencarnação. O próprio tamanho do corpo infantil, sua maior leveza, oprime menos o espírito do
que o corpo adulto, plenamente desenvolvido, com todas as suas necessidades e vigor material.
De fato, refaz-se a pureza, porque o Espírito repousa de seus pesadelos passados, sem ainda dar
vazão às complexidades da mente culpada e à responsabilidade moral: ele permanece num
período de abastecimento de amor… É por isso que a linguagem mais propícia, a primeira
linguagem a ser trocada com a criança é a linguagem do amor… Deus quis que a base da
renovação do espírito, numa nova encarnação, não fosse a inteligência, mas o amor. A criança
ama, antes de compreender, e é nesse amor que, como pregava nosso mestre Pestalozzi, devemos
fincar as estacas da racionalidade que se desenvolverá depois.
Poderão objetar que em muitas crianças, esse repouso do Espírito não se dá, pois que a alma tão
carregada de sombras atravessa os umbrais do renascimento, presa de obsessões, desequilíbrios
psíquicos e físicos tais, que a infância para ela não é período de alegria e reconforto, mas de
duros ajustes. Outras não conseguem atingir no corpo a plena racionalidade, porque se servem de
cérebros lesados ou sofreram, no processo da reencarnação, de uma deformação genética que
lhes impede o desenvolvimento normal.
Direi então que tanto num, como no outro caso, o amor deve ser redobrado. No primeiro caso, o
corpo funciona como um refúgio da consciência oprimida pelo arrependimento. A lucidez do
Espírito culpado, em nosso plano, é mais dolorosa do que o pesadelo na carne, sempre
amortizado pelo esquecimento. No caso das crianças com deficiências mentais, ainda louvemos a
sabedoria de Deus. Para elas, só o período de infância não basta para refazer em seu espírito um
pouco de pureza, para uma renovação moral. As quedas da inteligência são por vezes tão
desastrosas, que são precisas existências inteiras aprendendo a linguagem do amor, para que
nesses Espíritos surjam as bases de um soerguimento espiritual.
Voltemos, porém, a nós, tarefeiros empenhados no amparo à infância. Geralmente, somos nós
mesmos, almas sedentas dessa pureza, desse despojamento humilde, que se lê no olhar das
crianças de todos os continentes do planeta. Amamos as crianças, porque elas simbolizam a
misericórdia divina, que sempre oferece novas oportunidades de regeneração. Amamos as
crianças, porque elas retratam momentaneamente uma realidade universal e eterna: a de que o
Espírito mais criminoso, o réprobo mais endurecido pode reconquistar sua pureza; não mais a
pureza da ignorância primitiva, mas a pureza do Espírito nobre e evoluído. E afinal, amamos a
criança, porque cada nova geração que renasce na Terra é sempre uma nova oportunidade de
evolução planetária, pode sempre representar um enxerto de almas decididas a mudar o que
encontrarem…
Por tudo isso, há inúmeras falanges no plano espiritual que se dedicam às crianças e gostamos de
poeticamente evocar as imagens arquetípicas do anjo da guarda dos meninos, a quem as mães de
antigamente ensinavam seus filhos a orar… E também quereríamos nos fazer anjos da guarda de
homens e mulheres, que tomem a sério a questão educacional, não com ares doutorais e soturnos,
mas com a alegria e o despojamento, a doçura e o desinteresse próprios da infância…
Que os educadores se tornem mais semelhantes às crianças, para que as crianças possam se
tornar homens de verdade! Quem quer que trabalhe e aja, ore e se engaje a favor das crianças,
terá nossa proteção, nossa simpatia e… sempre mais trabalho, em prol de uma causa, que é antes
de tudo, a causa de Jesus!
Miro
25/11/91
A música na Educação
Quis dar também meu palpite nesses intercâmbios entre os dois mundos, sobre um tema que a
todos os Espíritos interessa: a Educação… Fá-lo-ei, porém, dentro do campo em que atuei na
Terra e pelo qual ainda me embrenho, embora em sintonias mais sutis, em consonância com a
harmonia cósmica.
Educação e música–duas palavras que ressoam harmoniosamente juntas. Deixai que a música
frequente a alma desde cedo, tocando sutilmente as fibras divinas do ser e a moralidade e o amor
brotarão mais facilmente nas vossas crianças.
A música é linguagem imediata, não conceitual, que transcende os padrões rígidos das palavras,
podendo enlaçar o espírito num todo. Sem que se dê conta, ei-lo que está sentindo, pensando,
pulsando em todo o seu ser espiritual na vibração da música. Que poderoso instrumento de
persuasão e de elevação!
Porque quando a alma está desarmada, com a sensibilidade abandonada ao sabor dos ventos, a
música entra por todos os poros perispirituais e a perpassa, a invade completamente…
Ora, exatamente nas crianças, que em vosso planeta ainda chegam experimentando a bênção do
adormecimento, a sensibilidade está à superfície da pele. Ainda não foram reconstruídas pelo
ensino racionalizado as estruturas lógicas da consciência. A criança bebe os sons, como se
impregna das imagens, absorvendo profundamente as impressões que a alcançam. Eis então o
meio insuperável para que essas impressões sejam harmônicas, belas e puras: a música!
Mas… é preciso antes nos entendermos a respeito dessa palavra, pois quantos arremedos de sons,
quantos desencontros harmônicos e quanta sonoridade brutal chamais de música…
Direi, antes de mais nada, que o primeiro elemento da verdadeira música é o silêncio. Quem não
for sensibilizado para ouvir o que a natureza nos oferece de musicalidade, o que o silêncio nos
proporciona de introspecção; quem não for capaz de apalpar a sutileza de um grilo noturno ou
comover-se com o canto de um pássaro, ou ainda contemplar em si mesmo o silêncio da paz,
jamais compreenderá a essência da música. Sabeis que fazem parte, da própria composição
musical, as pausas, que marcam a pulsação da alma, quando se retrai na inspiração, para depois
expirar novamente o som…
Assim, educai o ouvido para o silêncio da natureza e para a natureza divina do silêncio — pois é
também quando se faz silêncio na Terra, que o Espírito encarcerado no corpo pode se alçar ao
infinito e beber as harmonias celestiais que, garanto, não têm comparação, não têm expressão
possível em vosso plano…
Depois do silêncio–a simplicidade. Começai por introduzir às crianças melodias simples,
cantantes, doces. Mas eis o segredo: fazei com que degustem cada nota, cada acorde, cada
suspiro da alma. Longe de mim, entretanto, sugerir-vos a aproximação da criança com a
mediocridade, com o feio, com o banal. A simplicidade pode ser divina–é isso que deveis
procurar (e não apenas no domínio das artes, mas da própria vida, pois quereis divindade mais
simples que a de Jesus?).
Outro requisito da sensibilidade musical é o vagar. Que o espírito se abandone às harmonias e se
evole às alturas! Não o enlevo contemplativo da inutilidade, em que as horas ecoam num sonhar
vazio. Mas a ação, mesmo a mais nobre, não prescinde do apoio do ócio, esse ócio que os
filósofos pregavam, no qual o espírito possa se cultivar para o bem e para o belo, apurando os
laços de sintonia com as estrelas… Por isso, não corrais tanto de alguns minutos de encontro
com o belo e permiti também que as crianças tenham tempo para a música; para fazê-la, para
conhecê-la, para amá-la.
E afinal, uma última palavra sobre um outro aspecto deste vasto tema. Um aspecto que me toca
ainda a lembrança da minha encarnação de músico terrestre: o das crianças-prodígio–desses
espíritos que já nascem embalados pelas harmonias que jorram do Alto e que nada podem fazer
senão dar vazão a essa musicalidade, chegando aos borbotões. Digo das crianças que assim se
apresentam espontaneamente e não dessas que, muitas vezes, treinais à força do cansaço e às
quais conseguis impingir uma mecanização precoce das técnicas de interpretação. Quanto às que
realmente se mostrem talentosas–evitai a idolatria! Protegei-as das manobras dos interesses
mesquinhos e confiai-lhes o tesouro da moral de Jesus. Esse é o melhor presente que podeis
oferecer ao talento.
E, sobretudo, sabei que o Mestre conta com todos, para a sinfonia de um mundo novo e os
músicos serão chamados a captar as harmonias do cosmos, traduzindo-as para a Terra e elevando
o tônus vibratório do planeta. Mas, então, ajudai os músicos, para que se elevem a si mesmos e
suas melodias serão mais puras, suas traduções mais fiéis e suas harmonias mais doces–para
embalar o terceiro milênio…
Deste que agradece a todo o planeta pelas imerecidas homenagens de aniversário de morte e
envia a todos um coração cheio de amor:
Mozart
9/12/91
Autoeducação sexual
A coragem mais corajosa é a do homem olhar-se a si mesmo. Cavar até sangrar o solo da alma e
arrancar sem escândalo e sem desespero a crosta pútrida dos milênios. É preciso buscar, sim… o
que se oculta por dentro de nós, sufocando a serpente da vaidade, que sussurra sofismas melosos
a respeito de nossa estatura espiritual.
Sem dúvida, somos deuses e se cavarmos de fato até sangrar, abaixo das crostas, havemos de
encontrar mananciais deliciosos e reservas desconhecidas de força e de luz. Mas não nos
iludamos, há milênios que nos separam desse acesso pleno à divindade que herdamos. E não se
demovem os acúmulos do tempo, sem um esforço perseverante e inquebrantável, aliado a um
tato cirúrgico. A força moral é a de arrancar o que resiste ao nosso mínimo toque e se encolhe ao
primeiro foco de luz. É respirar fundo e encostar os dedos nas feridas. E o tato delicado então é
necessário para salvarmos do fundo do poço, os fios de luz que se entremearam às paixões
sinuosas. Lucidez é urgente para saber converter as próprias quedas em motivos de
aprendizagem e filosofia, em conteúdo de experiência e início de elevação.
Olhar-se sim, é preciso. Mas não podemos nos deter nessa contemplação–sob pena de nos
petrificarmos no narcisismo ou no desespero de nós mesmos. É olhar-se, atuar agilmente sobre si
e voltar-se logo em seguida para fora, procurando devolver ao mundo o que lhe roubamos de
tempo, talentos, posses e belezas. Geralmente, o lixo guardado dentro de nós é algo subtraído de
alguém–alguma cota de paz, alguma ajuda omitida, algum golpe desferido na sensibilidade de
um outro…
Assim, ninguém pode se consertar, sem se colocar em melhores relações com o próximo mais
próximo ou mais longínquo, sem ajustar-se melhor à humanidade. Pois, onde estará a maior
fonte de nossas quedas, senão no egoísmo e no orgulho, que negam nossos deveres mais
comezinhos para com o outro?
Dentre as feridas mais agudas e das que mais nos desagradam contemplar e mais difíceis de
pensar–pela sua inteira irracionalidade, são as que foram abertas pelo sexo mal conduzido. A
primeira e mais forte sensação que nos avassala, quando nos tornamos conscientes desse foco de
infecção espiritual é da impureza. Eis uma sensação difícil de suportar, pois a ela se alia um
sentimento de indignidade–o que é ainda mais intolerável, se o Espírito tiver um certo grau de
desenvolvimento espiritual e uma inteligência capaz de compreender as nuanças de seus desvios.
É tão pungente a sensação de impureza, que somos impelidos a fechar os olhos e a fugir,
incapazes de suportar a visão de nós mesmos.
E eis então que é preciso insistir–mesmo contra as argumentações da serpente, de que ainda não
atingimos a santidade ou de que problemas sexuais só a nós mesmos concernem e só a nós
mesmos prejudicam. Ninguém é uma ilha vibratória nesse universo de permanentes trocas
fluídicas. Ainda que não deixemos escorrer pelos poros da carne o desequilíbrio sexual que nos
desgoverna, ele transpira de nossa aura e volta a nos contaminar e a se estender pelo ambiente
que nos cerca e se acumula em nossas formas-pensamentos e se vivifica em nossos sonhos e
pode mesmo se realizar com Espíritos desencarnados ou encarnados, vampirizadores ou
vampirizados.
Aliás, os vícios não confessados são os mais renitentes, os desequilíbrios camuflados são os mais
rebeldes à cura. E o Espírito tem uma atividade intensa além e fora do corpo, e mesmo nele
ajustado expande-se muito além dos gestos e das palavras… Algo que só os mais sensíveis à
realidade do espírito podem compreender–e aliás são principalmente esses que precisam
compreender, porque os outros se atiram sem freios à brutalidade da matéria e nem sequer
sonham o que se comprazem em fazer abertamente com o corpo.
Quanto mais se intelectualiza o Espírito, mais sutis se tornam seus vícios, mais arraigados em
sofismas intrincados, mais encobertos pelo colorido das paixões e pelo refinamento dos costumes
e pelo disfarce da arte, falsamente direcionada. Quanto mais compreende a virtude, mais o
Espírito renitente em seus desvios encontra meios de mentir à própria consciência e fugir da
clareza da verdade…
E, no entanto, a moral não tem subterfúgios. A luz não tem peias. A conduta reta é acessível a
qualquer homem sensato. Mas os Espíritos inteligentes, que carecem de elevação moral–como há
tantos no planeta e dos quais eu mesmo fiz parte, quando encarnado (espero estar já mais
redimido agora)–gostam de se enfeitar com discursos; afirmam-se muito inteligentes para
caberem na linha simples do bem!
Na semeadura do sexo, os sofismas avultam, porque se mesclam a paixões tão intensas que o
Espírito enceguece no fogo dos instintos. É verdade que vêm se juntar ao fogo alguns clarões de
luz verdadeira, que pouco a pouco deverão predominar para inundar a alma dessa alvura
translúcida, que é a verdadeira pureza–sem comparação com o fogo dos sentidos, atormentando a
carne e o espírito.
Porque o sexo é uma força poderosa, quando em desequilíbrio, faz de nós um joguete sem
vontade e parece se imiscuir nas mais belas intenções e ofuscar os mais elevados ideais. Diminui
toda a nossa lucidez para as grandes verdades e podemos mesmo entrevê-las, tocá-las até… mas
elas nos escapam, fugidias, porque não encontramos em nós a suficiente serenidade de determos
os passos para contemplá-las e sustarmos a respiração para inspirá-las em haustos prolongados e
tranquilos. O tormento das paixões nos empurra, nos tira dos trilhos, nos desgarra, porque há
sempre algo que nos espeta o ser, um desejo insatisfeito, uma insatisfação crônica, uma
melancolia amarga, uma perda de si ou de alguém. E eis que vertemos esses tormentos em
artifícios de arte e eis que os convertemos em elãs desesperados de fanatismo religioso, eis que
os saturamos de filosofia irracional…
Que capacidade infinita essa do ser humano de mascarar o real e de distorcer o que é tão simples!
Uma família ajustada, um trabalho a realizar, uma tarefa a cumprir e uma vida de serenidade e
devotamento à humanidade–serão coisas tão difíceis, para inteligências tão avançadas? Ou serão
por demais prosaicas para os gênios do planeta?
Se tivéssemos sempre diante dos olhos o que valem no espaço infinito, no universo que jamais
conheceremos por inteiro, esses míseros esgares de inteligência terrestre, essas pobres centelhas
acendidas na História… Muitos desses brilhos são fogos-fátuos, são ilusões… Nossa perspectiva
diminuta nos faz dar por joias o que não passa de fantasia e muitas vezes a pérola rara não a
reconhecemos, porque a ostra nos parece um envoltório pobre e não levantamos a casca…
A verdade é que tenho visto aqui muitos gênios terrestres esmolando luz, e muitos mendigos de
cultura do mundo distribuindo bênçãos!
Mas dirão, talvez, que esse é o velho Rousseau, vociferando contra as artes e as ciências, saudoso
da simplicidade dos brutos… Antes Jean-Jacques tivesse dado mais ouvidos a Rousseau. Pois
não havia mesmo em minha revolta e em meu desejo de verdade, mesmo em minha sinceridade,
um amor excessivo aos meus dotes de inteligência? Não usava eu de artes, para criticá-las? Não
usava eu da luxúria das palavras, para me arremeter contra a luxúria do corpo? Sem dizer da
emanação da minha vida, que até agora enche de amargor o pouco brilho de meus escritos…
E eis que ainda me confesso. Mas agora, apenas com o desejo despretensioso de ajudar amigos,
de compartilhar experiências, dentro de um mesmo grupo de Espíritos, que se assemelham nas
quedas, se irmanam nas paixões, mas se esperam mutuamente para os grandes e verdadeiros voos
da evolução espiritual!

Jean-Jacques Rousseau
Lyon, 15/1/92
O que se oferta às crianças…
Quem se habilita a ofertar à criança uma página, um verso, um dizer–que o faça com a unção de
quem deposita flores no altar de uma alma…
Quem se atreve a modelar os sonhos das novas gerações e projetar imagens que criarão atos e
impulsos, pensamentos e outras criações, que o faça com a responsabilidade absoluta da beleza e
do bem…
Nada de oferecer um restolho de inspiração, o que sobrou nas prateleiras de ideias rejeitadas para
o mundo dos adultos e que sob uma embalagem graciosa se dê empacotado para a pequena alma
infantil–que pode encerrar uma grandeza oculta aos olhos da carne!
É preciso doar à criança o que de melhor nos escorrer do espírito, em estado de graça e
simplicidade! Algo que possa servir para a vida toda e até mais além, eternidade afora…
A facilidade fútil com que os adultos costumam, sobretudo nesses tempos banais, confeccionar
historietas e livretos, poeminhas e toda a multiplicidade de imagens televisivas, é um desrespeito
à inteligência que torna ao mundo, na expectativa de arrojados progressos espirituais!
Quanto cuidado é preciso para se extrair algo do escrínio da inspiração, que seja digno da pureza
infantil e ao mesmo tempo substancial para o Espírito eterno, que habita o corpinho tenro!
Comovo-me ao contemplar esses olhinhos espremidos de curiosidade e atenção, sequiosos de
uma semeadura que povoe a mente de ideais promissores, de inspirações grandiosas… e quão
criminosos não seremos se, ao invés do pão espiritual, apenas lhes lançarmos açucaradas
guloseimas ou, ainda pior, o veneno disfarçado em prato apetitoso aos olhos ingênuos!
A palavra semeada numa alma de criança pode frutificar amanhãs radiosos, mas também pode se
tornar um espinho indesejável, de que muitas vezes ela não conseguirá se livrar. Nunca serão
excessivos os cuidados que tomamos com o alimento de arte a lhes oferecer.
Quando escritores se debruçarem sobre a página em branco, para respingar ideias e metáforas
para as crianças, que se elevem para o infinito, pois é de infinito que devemos fecundar o futuro.
Quando pais e mestres buscarem as páginas já escritas, que escolham as que mais possam refletir
ideias transcendentes e não as que se arrastam na miséria apenas do cotidiano.
Não digo, com isso, que a literatura infantil deve ser preenchida de metafísica pedante e
indigesta. Ao invés, é na simplicidade que moram as grandes ideias do bem e do amor e é na
vida traspassada para a beleza das palavras, que habitam os exemplos dignos de serem
conhecidos e as aventuras mais excitantes da evolução espiritual.
Que se transportem as jornadas interessantes a terras longínquas ou a outros planetas em
metáforas da grande aventura que é o progresso do Espírito em direção à luz das estrelas! Que se
saiba traduzir o bem e a verdade sem o moralismo maçante das igrejas, mas com a poesia que o
universo mesmo oferece aos olhos atentos e sensíveis do verdadeiro artesão das palavras!
Há tantas fontes de inspiração inexploradas, há tantas belas palavras ainda não suficientemente
bem arranjadas para carregarem no bojo mensagens eternas, que quase me sinto tentada a repetir
meu ofício na próxima vida terrestre, e quiçá alcançar maior elevação do que me foi dado
realizar, para escrever novamente a esses seres que adoro. Esses seres que, enquanto crianças,
manifestam o que de melhor há na humanidade para ser amado.
Enquanto isso, vou inspirando aqui e ali, anônima ou explicitamente, aqueles que se afinam com
esses propósitos, mas esperando sempre que os adultos finalmente se convençam dos cuidados
extremos que devem tomar no cultivo da alma infantil.

Cecília Meirelles
31/7/92
O papel da infância
Quando Jesus disse que o Reino do Céus seria daqueles que se fizessem como meninos, estava
deixando uma lição imortal à humanidade. Ele assim exaltava a virtude da simplicidade, do
despojamento de si, que caracterizam a infância humana. Preconizava também o ensino da
reencarnação–pois para ganharmos o Reino, quantas vezes não temos de nos tornar novamente
meninos, e retomar a experiência terrestre, desenvolvendo novos padrões de comportamento? E
ao readquirirmos essa forma infantil, não renovamos em nós a simplicidade primitiva, aquela que
nos aproxima das origens de nossa estrada evolutiva, quando ainda não havíamos comido da
árvore do discernimento e nossa consciência era só inocência e nossa ação apenas instinto?
E não se refaz também na infância esse olhar ávido, ansioso de conquistar a sabedoria da vida,
esse olhar que depois se turva de orgulho, para se recusar a ver a verdade, quando ela se
apresenta ao homem maduro fisicamente, mas endurecido pela presunção de tudo saber?…
A infância verdadeiramente tem um papel fundamental no plano terrestre; não só o de permitir
que velhos homens se despojem de velhas cargas, para reaparecerem no cenário da vida na leve
estatura de um menino, como para que a humanidade veja constantemente, espelhada no olhar
infantil, a virtude simples e pura e o desejo ardente de saber e crescer.
A criança se desenvolve, se educa permanentemente; faz parte de sua condição um estado
constante de alerta para as coisas que lhe chegam pelas portas dos sentidos, pelas vivências que
experimenta em seu frágil e sincero coração, pelos pensamentos que absorve em seu meio. Mas,
ao chegar à fase adulta, o homem pensa já ter adquirido tudo, pensa já nada mais ter a
aprender… Que irrisão! Pois se comparado aos Espíritos angelicais, que nem sequer pode
conceber, este homem enfatuado é tão ignorante quanto uma criança, com o agravante de se
presumir sábio e de rejeitar a aprendizagem permanente, que pode e deve ser a vida na Terra, e
como sempre será a vida em qualquer parte do universo…
Que a criança pois, ao penetrar lentamente no mundo adulto, não perca esses olhos abertos, essa
mente alerta, esses sentidos físicos e espirituais sensíveis ao fluir da vida…–por isso deve zelar a
educação. E, ao mesmo tempo, deve-se procurar preencher o aparente vazio da inocência infantil,
com uma virtude refletida, mas espontânea e simples.
Nada de artificialismo em educação, eis uma fórmula que poderia ser atribuída ao velho
Rousseau, mas que na verdade não tem outra origem senão no Mestre dos mestres. Pois não foi
Ele que promoveu sempre essa educação natural, feita nas praças, no meio dos bosques, em cima
dos montes, à beira dos lagos, conversando e ensinando, curando o corpo e a alma dos ouvintes,
derramando parábolas impregnadas de amor e sabedoria, sem nenhuma pretensão às cátedras da
época, sem nenhuma arrogância dos doutores de então, sem a mínima necessidade de outros
recursos senão o de sua própria personalidade, que se imantava não só nos ouvidos, mas nas
almas dos que O seguiam?…
Naturalidade nas relações com as crianças, sem ares pedantescos e professorais, é o que vai
permitir que elas conservem pela vida afora esta bela espontaneidade, esta autenticidade
exteriorizada em todos os momentos…
Não era casual o carinho que Jesus dedicava às crianças, contrariando os preconceitos dos
próprios discípulos, que por certo acreditavam que um Rabi, ocupado com os assuntos mais
transcendentes, não poderia desperdiçar seu tempo, sorrindo para as crianças, acariciando suas
cabecinhas, contando-lhes histórias… Mas Jesus, bem ao contrário de repeli-las, tomava-as como
modelos. Sim, porque educá-las pelo amor é educar a humanidade da maneira mais suave e mais
segura. E dar-lhes valor é reconhecer na simplicidade e na pureza, virtudes essenciais de todo o
progresso moral…

Um Educador
22/10/92
Educar para o futuro
Avistai ao longe as margens do futuro! Lá está a terra prometida da paz e da esperança, que a
humanidade sonha desde os mais antigos mitos… Lá está o mundo pacificado, sem as fronteiras
do ódio e da ambição; lá está a ilha da liberdade, cercada pelo universo, tornado habitado pelas
almas afins de outras galáxias; lá está a fraternidade erigida em traço comum da conduta de todos
os homens e mulheres…
Mas, para atingirmos esse futuro glorioso, que assalta a nossa imaginação, povoando nosso
coração de estrelas e de alegrias, antes será preciso formar o homem que o habitará, o homem
que o erguerá como um troféu de sua evolução moral… o homem que saberá aportar com
segurança a essa terra prometida, porque saberá o caminho que a ela conduz!
Educar o homem do futuro é a missão primordial do homem do presente. O homem do futuro
pode viver desde já construindo a ponte de acesso aos novos tempos.
O clima espiritual que deve fazê-lo crescer para além de si mesmo é o clima da liberdade e do
amor. Só quando educamos na liberdade, amamos o ser em estado de gestação moral. Mas só
quando o amamos de fato é que essa liberdade será a fonte segura de seu desenvolvimento para o
bem.
Educar com liberdade não é abandonar o ser à própria sorte, esquecendo-nos de suas
necessidades básicas de alimento físico e espiritual. Educar com liberdade não é nos
desleixarmos com sua postura mental, indiferentes ao seu roteiro evolutivo. O amor, que é a
condição necessária da liberdade, não permite tal disparate.
O amor se debruça cuidadosamente sobre o ser em crescimento e, sem afogar-lhe os impulsos de
transcendência, sem abafar suas potencialidades latentes, rega de carinho e compreensão as
sementes da personalidade que desabrocha novamente no corpo tenro de uma criança.
O amor sabe se postar à beira do canteiro das futuras flores, como sentinela de proteção e calor,
mas de maneira a não fazer sombra, ocultando-lhe o sol irradiante da vida universal, que emana
de Deus.
Sim, o educador que age no horizonte da liberdade e do amor, tem como referência suprema o
amor divino e por isso não se põe como pequeno deus despótico, ansioso por modelar com
critérios pessoais a individualidade com que interage no processo educativo.
Apresenta-se, sim, como mediador de um amor maior, fazendo-se elo de uma corrente universal,
em que todos os Espíritos se ajudam mutuamente, no influxo irrefreável da evolução das
humanidades cósmicas!
Nessa perspectiva mais ampla, que tem um pequeno modelo terreno nas relações entre pais e
filhos, é que devemos educar o homem do futuro. Desenlaçá-lo da visão apenas mesquinha do
momento em foco, dos minúsculos ajustes sociais e lançá-lo para o infinito… Abrindo-se-lhe o
espírito para o mais além, ele saberá construir os passos da História, com a acuidade dos gênios e
a bondade dos santos.
Não se pode temer a abertura de horizontes e a quebra de velhos e desgastados modelos, desde
que se saiba claramente o fundamento dessa revolução educacional. E esse fundamento está bem
aí, fincado ante nossos olhos históricos, nas obras magistrais do Espiritismo.
A certeza da imortalidade da alma perpetua, enobrece, eleva o mandamento do amor entre os
homens e ainda mais do amor na Educação. E o princípio da reencarnação agiganta, explica,
reforça o princípio da liberdade do ser–de todos os seres–na autonomia que Deus nos dá, de
construirmos nosso destino e nossa própria individualidade…
Imitemos Deus na Educação. Ele nos ama, nos protege, nos inspira para o bem, mas nos deixa a
liberdade de agir e de experimentar, de ascender e de conhecer, por nossos próprios esforços.
Sejamos assim como a Providência divina, para formarmos o homem do futuro: inspirando o
bem, exercendo a autoridade do exemplo, desatemos as imposições e a rigidez, para que a
criança se faça a si mesma, com base na sua personalidade herdada do passado, mas orientada
pelos ventos novos da evolução, que desejamos para todo o planeta!
Herdeira de si mesma, sim, mas construtora também de sua própria redenção e da terra prometida
do amanhã de luz!

Comenius
25/4/93
A semeadura do amor
Quando uma alma vos chega às mãos, encerrada no corpo tenro de uma criança, não penseis que
se trata de um ser amorfo, para se modelar segundo o figurino que trazeis em mente. A alma que
vos chega é semente que volta ao solo da matéria, para germinar uma nova personalidade, mas
guarda a reminiscência de todas as personalidades frondosas que já foi, de todos os jardins que já
habitou… O Espírito humano em si mesmo é uma semente de divindade, cuja promessa de
acabamento e realização se renova a cada revivescência no mundo–a cujo desabrochar completo,
apenas o suceder dos milênios vai assistir.
Mas quão pouco cuidado, quão pequena reverência, ofertamos ao Espírito que vem habitar um
novo corpo! Deveríamos nos sentir honrados pela confiança divina ao depositar em nossas mãos
uma alma que se torna novamente embrionária, para reacordar em novas condições! Deveríamos
corresponder ao crédito que a Providência nos dá, permitindo-nos a oportunidade de ajudar a
cultivar o jardim espiritual de um outro ser, pelo processo da Educação! Deveríamos ser
agradecidos à bênção de receber na forma de filho, neto, aluno–na aparência suave da criança–
um Espírito companheiro, um irmão em humanidade, um peregrino da evolução!
E, no entanto, tantas vezes, tornamos essa bendita oportunidade um fato corriqueiro, cujo
deslumbramento inicial vai pouco a pouco se esvaindo na rotina morna do cotidiano. E vamos
transformando a graça de receber um Espírito e a oportunidade de ajudar em sua Educação, na
desgraça da indiferença, que vai resultar na catástrofe do fracasso…
É preciso, pois, para ser educador, com a dignidade que esse título merece, jamais perder o
encantamento de olhar o outro–o outro-educando–nunca deixar o gosto de descobri-lo, o prazer
de cultivá-lo, a graça de reencontrá-lo e de nos tornarmos determinantes em sua vida. Quando
digo determinantes, não quero dizer que nos cabe determinar sua personalidade e seu destino. Ao
invés, mais eficaz será nossa influência, quanto maior papel tivermos exercido para que a criança
se descubra a si própria, se desvende como portadora de talentos inatos, como dona de sua alma
e como cumpridora do destino que a trouxe à Terra, para edificação de si própria!
Quanto mais soubermos orientar para que o Espírito se ache, se aperceba de si, mais inesquecível
será a nossa presença na vida de alguém. E só conquistamos esse poder de entregar o educando a
si mesmo, na medida em que nosso amor o acompanhe nessa descoberta de si! Amar é desvendar
o mistério profundo do ser–e só quem se aproxima do outro ser humano com o condão mágico
do amor, terá a sabedoria de alçá-lo à altura de si mesmo, de ajudá-lo a abrir as portas de seus
tesouros mais ocultos.
Que supremo regozijo o de quem consegue amar alguém a ponto de se tornar uma referência
vital para o progresso da alma amada! Que único e verdadeiro poder o de ter a capacidade de
entregar o outro a si mesmo, ao que ele tem de melhor dentro de si! As mães têm naturalmente o
germe desse poder, que deve ser purificado de suas feições possessivas, para atingir a
sublimidade do completo sacrifício de si. Nunca vistes assassinos e tiranos se aquietarem
enternecidos no colo materno? Ora, é porque o amor maternal pode alcançar o que há de divino,
mesmo no Espírito mais empedernido!
Mas todos podemos e devemos desenvolver esse amor, dentro de nossas almas, pois ele é o
reflexo de Deus em nós. Quem não busca possuir esse amor não pode se dedicar ao ato sagrado
da Educação. Porque o educador verdadeiro só consegue extrair a luz mais recôndita de seus
discípulos, pelo fórceps desse amor, que se empenha pelo ser amado, mas nunca o violenta.
Porfiai por conquistar essa dilatação íntima, que consiste em primeiro lugar numa reverência
profunda pela humanidade, numa comunhão íntima com Deus, o Criador que se espelha em
todas as criaturas, num sair constante de si mesmo, para buscar o coração alheio… Feliz de quem
conhece esse estado de espírito e esparge o perfume desse amor ao redor de seus passos–esse não
conhece o cansaço, a ingratidão não o atinge, e todos os esforços feitos, ele os entrega a Deus, o
único zelador das sementes semeadas, o único depositário dos frutos que não nos pertencem. . .
Quem assim educa não está preocupado com o resultado imediato de seu empenho, mas sabe
entregar à eternidade a esperança da frutificação!…

Maria Montessori
12/10/93
Literatura e Educação
Quando eu era um menino, tenro e choroso, na minha última vida terrestre, corria aos braços de
minha ama e ela contava histórias da minha terra. As personagens eram mujiques, pessoas
simples do povo, popes cheios de fervor, peregrinos que mendigavam o pão, nos caminhos
gelados das estepes, mulheres e crianças da imensa Rússia.
E nessas histórias, eu bebia o leite do solo em que havia nascido, aprendia a amar o povo–a quem
tanto desejei servir depois–e, ao mesmo tempo, extraía a seiva da sabedoria popular; sempre a
mesma em todas as latitudes e em todas as épocas. A religiosidade pura dos camponeses, a
simplicidade dos costumes e da vida, que então me eram narrados e que eu espiava também à
minha volta, impregnaram minha formação de aristocrata, fazendo-me ansiar por uma vida mais
autêntica do que as complicadas e perigosas experiências da corte.
É certo que, durante a juventude, comecei me perdendo nos vícios da época, tresmalhei-me por
caminhos nada aprazíveis ao meu espírito, no fundo sempre sedento de paz. Mas sem que eu
percebesse, aquelas histórias da infância, aquelas personagens simples e sábias, que passaram a
habitar alguns de meus contos e romances, me inspiravam e me empurravam à mudança de
valores.
Foi então que, em certo ponto da existência, já saturado das armadilhas sociais, já entediado de
meus próprios desenganos, aproximei-me mais reverente do Evangelho de Jesus. Esse Evangelho
que justamente foi dirigido aos simples e aos humildes de coração. Mas, apesar do ardente desejo
de iluminar minha vida com os ensinamentos do Mestre de Nazaré, ainda não conseguia me
despojar de todos os resquícios de orgulho e de todas as manchas viciosas do passado. Por isso,
vivi os conflitos, amargamente experimentados, até a derradeira hora terrena.
Sim, o impulso recebido na infância foi a fonte que me alimentou a transformação na
maturidade. Mas o trabalho de conversão do Espírito exige a obra paciente dos anos. E posso
dizer que quase cheguei ao ponto de partida na minha velhice. Por pouco, o velho de longas
barbas não conseguiu reavivar inteiramente a pureza dos seus primeiros anos.
Faltou-me para isso, a aceitação de uma luz que já despontara no mundo–a luz da Doutrina
Espírita. Apenas a força da lógica e o influxo de renovação, trazidos pelo Espiritismo, poderiam
ter me transformado radicalmente a alma, naquela altura. É verdade que procurei me nutrir da
essência mais pura do Cristianismo. Mas que bem me teria feito, enxergar que o Espiritismo era
aquela ressurreição do Cristianismo, que eu procurava realizar por conta própria, lutando contra
minhas teimosas imperfeições!
É por isso que, hoje, trabalho ardentemente pela expansão dessa Doutrina, inspirando, onde me
seja possível, corações de boa-vontade, a conhecê-la, amá-la e praticá-la…
A infância é o canteiro mais apropriado para a semeadura de tais ideais. Porém, é preciso não
pecar pela mera doutrinação, destituída do encanto e da suavidade, necessários ao tratamento dos
pequenos renascentes no corpo terrestre.
Que bom se pudéssemos reunir as histórias verdadeiras e singelas dos povos, extraídas da vida
das pessoas comuns e oferecê-las às crianças, sob a égide do Espiritismo. Que a Doutrina
garantisse a lição, mas que a vida popular e as personagens verídicas fornecessem o encanto da
narrativa e o impulso de simplicidade!
Que as crianças então aprendessem, desde cedo, a essência igualitária e fraterna do Espiritismo
cristão, convivendo com as personagens populares de todos os rincões do planeta. Que não
escasseasse assim o amor ao solo maternal que nutre as criaturas–e com isso as futuras gerações
pudessem se desvencilhar das paredes de concreto que lhes encerram a existência, nessas
desumanas megalópolis do século!
Recuperar a beleza da vida no campo, a crença fervorosa dos simples, o valor do trabalho das
mãos, como fator de enobrecimento e serenidade do espírito; fazer renascer o desejo da natureza
e fazer desaparecer o apego ao supérfluo e ao inútil–tudo isso pode ser estimulado através de
uma literatura cativante e adequada, que apele profundamente ao atavismo do homem, que é, no
fundo, sempre saudoso de suas origens…
Por isso, convocamos todos aqueles que se dedicam à Educação e à literatura: abandonai os
contos excitantes de violência; jamais desperteis ansiedades e terrores, sensualidade e
desconfiança, nas mentes em formação para uma nova existência física! Antes, semeai o futuro
tranquilo, a volta do homem para suas origens, a serenidade do trabalho e a simplicidade de uma
vida sem muitas necessidades! Não é que devais rejeitar a máquina, como se fosse instrumento
de perdição. Mas não a endeuseis e não deixeis que ela substitua os prazeres mais puros, da
natureza e da arte, da convivência humana e da elevação da alma para as estrelas e para o Senhor
de todo o universo!
Também para a harmonia das emoções e para a disciplina dos instintos, deve contribuir uma
literatura mais fiel ao homem e mais de acordo com as leis naturais! Falo da literatura como um
dos instrumentos da Educação da infância e juventude, mas esses ideais devem ser transmitidos
por todos os meios possíveis e, sobretudo, pela vivência dos mais velhos, que poderiam procurar
desde já alternativas mais sadias para a civilização do lucro financeiro e do desperdício das mais
belas potencialidades do homem!
Nós, Espíritos, acompanhamos com atenção todo o desenvolvimento da humanidade e
contribuímos para a procura de novas formas de vivência na Terra, porque, afinal, nós mesmos
vamos reencarnar ainda muitas vezes nesse orbe e gostaríamos de receber uma Educação à altura
dos nossos anseios de evolução e encontrar o mundo mais bem disposto a cuidar da dignidade
espiritual do ser humano!

Tolstoi
5/3/94
Pedagogia do amor
De um punhado de discípulos, humildes pescadores, e alguns outros que se agregaram ao
primeiro grupo de Jesus, expandiu-se o movimento cristão que impregnou com suas marcas a
civilização ocidental e ainda prossegue conquistando corações.
Assim, de pequenos grupos idealistas e fiéis a uma ideia regeneradora–a da Educação pelo
amor–há de desabrochar um movimento que vai iluminar o mundo nos próximos séculos!
Não dizemos isto porque sejais privilegiados como obreiros desta construção–a Seara é do
Mestre e todos, encarnados e desencarnados, permutamos o mesmo propósito de servir a esta
causa, sob a inspiração de Jesus–o pedagogo maior!
Mas dizemo-vos estas palavras, para que vossa esperança não se turbe ante as dificuldades
naturais de tal empreendimento!
Deixai que vosso coração arda na chama da Educação, para que contagieis vosso ambiente,
abrais espaço em outros corações e arrasteis outras mentes neste propósito sublime!
A Educação pelo amor–essa que deve tocar as fibras mais íntimas do ser, para remetê-lo à sua
própria essência, para que ele se reconheça como consciência livre e responsável, espelho da
Divindade!
A Educação do Espírito–essa que promove o diálogo profundo entre duas almas, educador e
educando–diálogo que gera a luz do progresso interior.
A Educação Espírita–essa que põe diante dos olhos da criatura seu destino imortal, suas
potencialidades infinitas e a grandeza imensurável da Criação…
Educar o Espírito pelo amor é talvez a mais simples e justa definição de Educação Espírita. É a
renúncia à violência, ao autoritarismo, à indiferença. Impregnando-se de amor e reverência pelo
outro–o educador desta Pedagogia é capaz de se tornar um agente da evolução alheia,
proporcionando ao mesmo tempo ao seu próprio espírito a oportunidade de crescer em virtude,
paciência e compreensão!
Para atingir este estágio de educador pleno, basta que o Espírito se descubra ele próprio como
portador do germe divino, como criatura herdeira de Deus!
Confiança no ser humano, alegria existencial contagiante e entusiástica, firmeza de convicção–
são consequências naturais dessa conversão íntima, por que deve passar quem deseja ser
educador de fato!
Nenhum retrocesso, nenhuma recaída nas antigas e viciosas tendências autoritárias se darão no
íntimo de quem realmente compreendeu que educar é amar, estimular, confiar e elevar!
Nós, os Espíritos que humildemente servimos a esse ideal de Jesus, também procuramos
despertar essas conversões, transformando mentes refratárias em mentes absorventes de novos
padrões de elevação moral! Nós também semeamos ideias e vibrações, que suscitem outras
ideias e mais altas vibrações, para que a humanidade possa finalmente se beneficiar deste modelo
educacional, que, na verdade, transcende todos os modelos, porque onde há amor, há deliciosa
liberdade de ser!
Caminhai firmes por essas trilhas e anunciai aos homens a Pedagogia nova e antiga, praticada
por todos os Espíritos Superiores, mais ainda ignorada pela massa humana: a Pedagogia do
amor!
Deus esteja em nossos corações!

Maria Montessori
8/11/98
Por amor à criança
Chegou o momento de promover a libertação da criança.
Nela, está a dignidade do ser que volta para progredir.
Nela, há a esperança de alguém, que retorna para contribuir na melhoria social.
Nela, mostra-se a possibilidade de permanente renovação da humanidade.
Nela, manifesta-se a misericórdia divina, que converte todo mal criado pelo homem em novo
impulso de ascensão espiritual.
Nela, abrem-se as potencialidades do ser, ainda não viciado pelas máscaras do presente.
Nela, está o caminho para resgatar a verdade, falseada pelo intelectualismo desconexo do homem
maduro, que já se rendeu à vaidade.
Dignificar a criança. Orientar o despertar da sua consciência. Recebê-la com a reverência que se
deve ao Espírito humano, centelha do Criador. Acolhê-la com a atenção dedicada aos seus
passos. Oferecer-lhe a beleza dos bons exemplos, a consistência das palavras sinceras e a
emanação de um amor irrestrito – são as atitudes esperadas e desejadas, para que o futuro venha
mais cedo, carregado de róseas promessas.
Como não identificar na criança, o símbolo da perfeição da Lei divina, que permite nos
refazermos periodicamente, como seres sempre novos, sempre outra vez educáveis, outra vez
dóceis à voz da natureza e à voz do bem?
Como não admirar na criança a manifestação do melhor que a essência humana guarda e ajudá-la
a não contrariar essa tendência profunda para o bem?
Há tendências que indicam o primitivismo do ser? Há ações humanas que parecem desmentir a
sua origem divina? Mas tudo isso são vícios de superfície, são ações não enraizadas no coração
mais íntimo do homem. O coração humano, no fundo, sempre ama, sempre quer o bem, sempre
sonha com a felicidade e com o aconchego no regaço do Pai. Mas, endurecido pelas experiências
atordoantes da existência, acaba por abafar esses impulsos.
Salvai o impulso ainda no seu primeiro momento de manifestação, ainda no vagido do berço e
nos primeiros beijos da ternura infantil e tereis salvo a humanidade – proporcionando-lhe enfim
uma esperança mais sólida.

J.J. Rousseau
11/9/99
BIBLIOGRAFIA COMENTADA
Bibliografia em Português

ANDRADE, Hernani Guimarães. Reencarnação no Brasil. Matão, Casa Ed. O Clarim, 1988.
ANDRÉ LUIZ - Psicografia de Francisco Cândido Xavier. Nosso Lar/ Os Mensageiros/
Missionários da Luz/ Obreiros da Vida Eterna/ No Mundo Maior/ Libertação/ Entre a Terra e o
Céu/ Nos Domínios da Mediunidade/ Ação e Reação/ Evolução em dois Mundos/ Mecanismos
da Mediunidade/ Sexo e Destino/ E a Vida Continua. Rio de Janeiro, FEB, 1944 - 1996. (As
obras de André Luiz, como a maioria das obras espíritas, mediúnicas ou não, não tratam
especificamente de Educação. Mas quem as lê com olhos de educador, percebe muitas passagens
que tangenciam o tema e recolhe muitas ideias inspiradoras.)
Bhagavad Gita. Trad. Francisco Valdomiro Lorenz. São Paulo, Pensamento, 1987. (Esta é a
melhor tradução que conhecemos do famoso livro hindu, que inspirou juntamente com o
Evangelho, a doutrina da não-violência de Gandhi.)
BIGHETO, Alessandro Cesar. Eurípedes Barsanulfo, um educador de vanguarda na 1ª
República. Bragança Paulista, Comenius, 2006. (Pesquisa minuciosa e fecunda sobre a vida e
prática pedagógica do primeiro educador a fazer uma escola espírita no mundo. Foi mestrado na
Unicamp.)
BOWMAN, Carol. Crianças e suas Vidas Passadas. Rio de Janeiro, Salamandra, 1997.
BUSCAGLIA, Leo. Vivendo, Amando e Aprendendo/ Assumindo a sua Personalidade/ Amor.
Rio de Janeiro, Record, s/d. (Buscaglia é um autor americano leve e fácil de se ler, cujo tema
principal, aplicado à Educação, é o amor e as relações afetivas sob todos os seus aspectos.)
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo, Unesp, 1999. (Das melhores obras de
História da Educação.)
COLOMBO, Cleusa Beraldi. Ideias Sociais Espíritas. São Paulo, Comenius, 1998. (Dissertação
de mestrado de minha mãe, onde ela mostra que a contribuição social espírita não é apenas a do
assistencialismo, mas sobretudo da mudança das estruturas, através da Educação.)
COMENIUS, Jan Amos. Pampædia. Coimbra, 1971.
COMENIUS, Jan Amos. Didática Magna. São Paulo, Martins Fontes, 1999. (Estas duas obras de
Comenius são clássicos da Pedagogia.)
COMENIUS, Jan Amos. O Labirinto do Mundo e o Paraíso do Coração. Bragança Paulista,
Comenius, 2010. (Clássico de Comenius, onde ele descreve o mundo com a metáfora do
labirinto, pelo qual anda um peregrino, até encontrar Deus em seu próprio coração. Traduzido
em 1917 por Francisco Waldomiro Lorenz e revisto e reeditado em 2010.)
COVELLO, Sergio Carlos. Comenius. A Construção da Pedagogia. São Paulo, Comenius, 1999.
(Este livro dá um boa visão da vida e das ideias de Comenius e esta edição está acrescida de uma
introdução minha e algumas traduções inéditas de Comenius.)
CHATEAU, Jean. Os grandes Pedagogistas. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1978.
(Focaliza grandes educadores de todos os tempos, inclusive Comenius e Pestalozzi.)
DENIS, Léon. O Espiritismo na Arte. Rio de Janeiro, Lachâtre, 1997.
DENIS, Léon. O problema do ser, do destino e da dor. Rio de Janeiro, FEB, 1982.
EBY, Frederick. A História da Educação Moderna. Rio de Janeiro, Globo, 1962. (Uma visão da
História da Pedagogia com maior ênfase sobre a influência da Reforma.)
EMMANUEL - Psicografia de Francisco Cândido Xavier. Vida e Sexo. Rio de Janeiro, FEB,
1970.
FREINET, Célestin. Conselhos aos Pais. Lisboa, Editorial Estampa, 1974.
FREINET, Célestin. Pedagogia do Bom Senso. São Paulo, Martins Fontes, 1988.
FROMM, Erich. A arte de amar. Belo Horizonte, Itatiaia, 1964.
FROMM, Erich. O medo à liberdade. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 1983.
HUBERT, René. História da Pedagogia. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1957.
INCONTRI, Dora. A Educação da Nova Era. São Paulo, Comenius, 1998. (Este foi meu
primeiro ensaio sobre o tema da Educação Espírita, lançado em 1984. Revisado, reescrito e
ampliado, foi relançado em 1998.)
INCONTRI, Dora. Pestalozzi: Educação e Ética. São Paulo, Editora Scipione, 1996. (Esta é a
minha tese de mestrado, transformada em livro. Contém uma análise sobre a vida e as ideias
pestalozzianas e alguns trechos de textos seus, pela primeira vez, traduzidos para o português.)
INCONTRI, Dora. Vivências na escola. Bragança Paulista: Comenius, 2005. (Nesse livro, conto
experiências práticas ao longo de 15 anos de sala de aula no ensino fundamental e médio.)
INCONTRI, Dora. Para entender Allan Kardec. Bragança Paulista, Editora Lachâtre, 2004.
INCONTRI, Dora. Pedagogia Espírita, um projeto brasileiro e suas raízes. Bragança Paulista,
Editora Comenius, 2004. (Minha tese de doutorado, depois reeditada em 2006 e 2012, na qual
desenvolvi de forma mais profunda e acadêmica, as ideias contidas no presente livro.)
INCONTRI, Dora e BIGHETO, Alessandro Cesar. Todos os jeitos de crer. Didático, inter-
religioso, 4 volumes, Editora Ática, 2004.
INCONTRI, Dora (Org.) ; SANTOS, Franklin Santana (Org.) A Arte de Morrer - Visões
Plurais. 1ª. ed. Bragança Paulista: Editora Comenius, 2007.
INCONTRI, Dora (Org.) ; GRZYBOWSKI, P. (Org.) . Kardec Educador - Textos Pedagógicos.
Bragança Paulista: Comenius, 2005, 2ª ed. 2012. (Estes textos de Rivail versam sobre problemas
pedagógicos e datam de sua juventude. Têm mais de 150 anos e ainda são muito atuais.)
INCONTRI, Dora e BIGHETO, Alessandro Cesar. Jeitos de crer. Didático, inter-religioso, 5
volumes, Editora Ática, 2010.
INCONTRI, Dora. (org.) Educação e Espiritualidade, interfaces e perspectivas. Bragança
Paulista, Comenius, 2010. (Livro resultante do 1º Congresso Internacional de Educação e
Espiritualidade, com artigos de participantes brasileiros e internacionais nos três eixos temáticos
do congresso: Saúde e Espiritualidade; Educação e Espiritualidade; Reencarnação e Educação.)
INCONTRI, Dora ; SANTOS, Franklin Santana. As leis, a educação e a morte - uma proposta
pedagógica de tanatologia no Brasil. International Studies on Law and Education, v. 9, p. 72,
2011.
INCONTRI, Dora. Educação, Saúde e Espiritualidade - Um diálogo mediado pelos clássicos.
Notandum (USP), v. 22, p. 21-30, 2010.
INCONTRI, Dora ; BIGHETO, Alessando Cesar. A Filosofia no Ensino Médio: um desafio
filosófico e pedagógico. Notandum (USP), v. 1, p. 29-34, 2009.
INCONTRI, Dora ; BIGHETO, Alessando Cesar. Ensino confessional, laico ou inter-religioso?
Qual a melhor resposta? Revista de Educação CEAP, Salvador, v. 45, p. 39-49, 2004.
INCONTRI, Dora ; BIGHETO, Alessando Cesar. Filosofia e Ética para Crianças, uma Proposta
Interdisciplinar. Videtur (USP), Porto/São Paulo, v. 15, p. 25-32, 2003.
INCONTRI, Dora ; BIGHETO, Alessando Cesar. O ensino inter-religioso, como fazer?
Mirandum, Porto/São Paulo, v. 15, 2003.
INCONTRI, Dora ; BIGHETO, Alessando Cesar . É possível a criança filosofar? Revista
Internacional d’Humanitats, Barcelona/São Paulo, v. 6, p. 45-50, 2003.
INCONTRI, Dora . A crise do saber e a Educação. Revista Internacional d’Humanitats,
Barcelona/São Paulo:, v. 6, p. 76-80, 2003.
INCONTRI, Dora. Espiritismo e Educação. Mirandum, Porto/São Paulo, v. 15, 2003.
(Diversos artigos e livros acima fazem parte de um trabalho que Alessandro Cesar Bigheto e eu
estamos realizando, inédito no Brasil, de trazer espiritualidade para a Educação, de forma não-
confessional e de introduzir filosofia para crianças.)
GANDHI, Mohandas. Minha Vida e minhas Experiências com a Verdade. São Paulo, Palas
Athena, 1999. (Um valioso estudo de autoaperfeiçoamento, relacionado com sua ação política).
KARDEC Allan. Obras Completas: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho
Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno, A Gênese, Obras Póstumas, Revista Espírita - 12
volumes. (Não cito uma edição específica, porque há inúmeras no mercado, mas entre as
traduções existentes prefiro as de J. Herculano Pires, que infelizmente não chegou a traduzir
todas as obras de Kardec. A teoria da Educação espírita está toda nas obras básicas, embora
dispersa e nas entrelinhas.)
KORCZAK, Janusz e DALLARI, Dalmo. O Direito da Criança ao Respeito. São Paulo,
Summus Editorial, 1986.
KORCZAK, Janusz. Como Amar uma Criança. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.
KORCZAK, Janusz. Quando eu Voltar a Ser Criança. São Paulo, Summus, 1981.
KORCZAK, Janusz. Diário do Gueto. São Paulo, Perspectiva, 1982.
LOBO, Ney. Filosofia Espírita da Educação. 5 volumes. Rio de Janeiro, FEB, 1990. (Os 5
volumes de Ney Lobo são plenos de erudição e interesse como contribuição à elaboração de uma
Pedagogia Espírita. O autor também teve uma experiência prática na década de 70, no Instituto
Lins de Vasconcelos, em Curitiba.)
MASCARO, Alysson Leandro. Cristianismo Libertador. Bragança Paulista, Comenius, 2002.
(Brilhante livrinho do filósofo do Direito Alysson Mascaro, que revisa o Cristianismo e também
o Espiritismo, como processo de luta e transformação social.)
MIRANDA, Hermínio C. Nossos Filhos são Espíritos. Rio de Janeiro, Lachâtre, 1999. (Belo
livro, que mostra em casos reais e testemunhos vividos, a realidade espiritual por trás das
relações familiares, e indica a explicação espírita para muitas situações difíceis.)
MONTESSORI, Maria. A Criança. Rio de Janeiro, Editorial Nórdica s/d. (A autora mostra sua
capacidade de observação científica e ao mesmo tempo sua reverência pelas crianças, nesta obra
que nos faz compreender melhor a infância.)
NEILL, A. S. Liberdade sem Medo (Summerhill). São Paulo, Ibrasa, 1971. (Em que pesem as
posições materialistas do autor, marcado pela repressão da religião tradicional, suas noções sobre
liberdade e afetividade na Educação são das mais belas e avançadas.)
NOVAES, Maria Helena. Psicologia da Criatividade. Petrópolis, Editora Vozes, 1975. (Bom
estudo sobre a criatividade, reunindo as análises mais categorizadas sobre o tema.)
NOVELINO, Corina. Eurípedes, o Homem e a Missão. Araras, IDE, 1981. (Biografia de
Eurípedes, escrita por uma aluna sua.)
Pequena Crônica de Anna Magdalena Bach. São Paulo, Veredas, 1988. (A segunda esposa de
Bach conta cenas e fatos da vida cotidiana da família.)
PACHECO, José. Escola da Ponte: formação e transformação da educação. Rio de Janeiro,
Vozes, 2008.
PERES, Julio F. P. Trauma e Superação - o que a Psicologia, a Neurociência e a
Espiritualidade ensinam. São Paulo, Roca, 2009.
PIRES, J. Herculano. Pedagogia Espírita. São Paulo, Paideia, 2011. (Reunião de artigos
publicados anteriormente na Revista Educação Espírita. Lúcida e profunda contribuição para a
elaboração de uma Pedagogia Espírita.)
PIRES, J. Herculano. Educação Espírita, Revista de Educação e Pedagogia. São Paulo, Edicel,
1970 a 1974.
PIRES, J. Herculano. Educação para a Morte. São Paulo, Correio Fraterno do ABC, 1984.
PIRES, J. Herculano. Pesquisa sobre o Amor. Santos, Dicep, 1983.
PIRES, J. Herculano. Vampirismo. São Paulo, Paideia, 1980.
PLATÃO. Diálogos (A República, ou da Justiça). Rio de Janeiro, Ediouro, Coleção
Universidade e Clássicos Universais.
PLATÃO. A República (2 volumes). Trad. de J. Guinsburg. São Paulo, Difel, 1973. (Esta edição
é melhor do que a EDIOURO.)
PLATÃO. Diálogos (Menon, ou da Virtude/ Banquete, ou do Amor/ Fedro, ou da Beleza). Rio
de Janeiro, Ediouro, Coleção Universidade e Clássicos Universais
PLATÃO. Diálogos (Fedon, ou da Alma/ Sofista, ou do Ser/ Político, ou da Realeza). Rio de
Janeiro, Ediouro, Coleção Universidade e Clássicos Universais.
PLATÃO. Apologia de Sócrates. Rio de Janeiro, Ediouro, Coleção Universidade e Clássicos
Universais. (Defesa de Sócrates perante os juízes que o condenaram à morte.)
(As obras de PLATÃO, apesar de escritas há mais de 2000 anos, são acessíveis, saborosas e a
visão de mundo nelas expressa é, de todos os sistemas filosóficos já formulados, o mais próximo
do Espiritismo.)
PRIVAT, Edmond. A Vida de Gandhi. São Paulo, Cultrix, 1961.
READ, Herbert. A Educação pela Arte. São Paulo, Martins Fontes, 1982.
READ, Herbert. A Redenção do Robô. São Paulo, Summus, 1986.
(Read é um autor inglês, anarquista, e um dos pais da Arte-Educação. Inspirado em Platão, sua
contribuição é notável. Escreveu também Educação para a Paz, citado abaixo na bibliografia
estrangeira.)
RODRIGUES, Wallace Leal V. Breve História de Pestalozzi. Franca, Fundação Pestalozzi,
1996, 2ª ed. 2012.
ROGERS, Carl. Liberdade de Aprender em Nossa Década. Porto Alegre, Artes Médicas, 1986.
(Rogers transportou práticas terapêuticas para a Educação e propôs principalmente uma mudança
no papel do professor, que passaria a ser um facilitador de aprendizagem.)
ROUSSEAU, J.J. Emílio ou da Educação. São Paulo, Martins Fontes, 1998. (O maior clássico
da Pedagogia moderna, leitura obrigatória para quem se interesse pela área.)
SCHILLER, Friedrich. A Educação Estética do Homem. São Paulo. Iluminuras, 1990.
(Excelentes reflexões sobre Educação estética do célebre poeta alemão.)
VINICIUS (Pedro de Camargo). O Mestre na Educação. Rio de Janeiro, FEB, 1977. (Pedro de
Camargo trabalhou pela Educação espírita e algumas de suas reflexões estão nesta obra simples,
mas profunda.)
WOODCOCK, George. As Ideias de Gandhi. São Paulo, Cultrix, 1984. (Nesta obra, o famoso
estudioso do anarquismo aponta as facetas libertárias do pensamento e da ação de Gandhi.)

Bibliografia estrangeira

ABBAGNANO, N. e VISALBERGUI, A. Linee di Storia della Pedagogia. 3 vol. Torino,


Paravia, 1989. (Uma excelente História da Educação, dirigida pelo filósofo existencialista
italiano Abbagnano.)
COMENIUS, Johann Amos. Pforte der Dinge. Janua rerum. Hamburg, Felix Meiner Verlag,
1989. (Livro filosófico, em que Comenius enfoca a Metafísica.)
COMENIUS, Johann Amos. Pampædia. Heidelberg, Quelle &Meyer, 1965. (Texto em latim e
alemão.)
COMENIUS, Johann Amos. Große Didaktik. Stuttgart, Klett-Cotta, 1993. (Tradução alemã da
Didática Magna.)
COMENIUS, Johann Amos. Selections. (Introduction by Jean Piaget) Paris/Lausanne, Unesco,
1957. (Uma seleção de textos de Comenius, traduzidos para o inglês.)
DEWEY, John. Democracy and Education. ILT Digital Classics, 1994. (Clássico da Pedagogia
moderna. Leitura necessária. O texto original está na Internet, no endereço
webmaster@ilt.columbia.edu. Existem antigas traduções em português dos textos de Dewey,
publicadas pela Companhia Editora Nacional, série “Atualidades Pedagógicas”.)
GANDHI, Mohandas. Tous les hommes sont frères. Paris, Gallimard, 1990. (Textos selecionados
sobre Educação, Política, Religião, etc.)
JULLIEN, M.A. Sistema de Educación de Pestalozzi. Madrid, Francisco Beltran, 1932. (Este
livro conta como era o Instituto de Iverdon, dirigido por Pestalozzi e onde Kardec estudou.)
MAROGER, Dominique. Les Idées Pédagogiques de Tolstoi. Lausanne, Ed. L’Age d’Homme,
1974. (Desenvolve as ideias da proposta libertária da educação tolstoiana.)
MONTESSORI, Maria. Educazione alla libertá. Roma, Laterza, 1986. (Textos póstumos da
pedagoga italiana, organizados por uma discípula.)
PESTALOZZI, Johann Heinrich. Sämtliche Werke und Briefe. Kritische Ausgabe. Zurique, Orell
Fussli, 1927-1980. Obras: Vol. I a XXVIII. Cartas: Vol. I a XIII. (Obras completas de Pestalozzi,
edição crítica.)
PLATON. Œuvres complètes. Bibliothèque de la Pléiade. Paris, Galimard, 1950. 2 Vols.
READ, Herbert. Education for Peace. London, Routledge & Kegan Paul Ltd., 1950.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Œuvres complètes. Bibliothèque de la Pléiade. Paris, Gallimard,
1967. 4 vols.
TOLSTOI, Léon. La Liberté dans l’école. Paris, Nouvelle Librairie Parisienne, 1888.
TOLSTOI, Léon. L’école de Yasnaia Poliana. Paris, Nouvelle Librairie Parisienne, 1888.
(Textos do próprio Tolstoi, expondo suas ideias e experiências pedagógicas. )

Filmes

Jesus of Nazareth (Jesus de Nazaré). Franco Zeffirelli, Itália (1976). (O melhor filme sobre a
vida de Jesus. Fidelidade aos Evangelhos em bela produção.)
Gandhi. Richard Attenborough, Índia-Inglaterra (1982) (Biografia de Gandhi, que lutou pela
transformação social e política da Índia, empregando a não-violência).
Blossoms in the Dust (Flores do Pó). Mervyn LeRoy, EUA (1941). (Biografia verídica de uma
mulher americana, que lutou pelos direitos das crianças ilegítimas.)
Boys’ Town (Cidade dos Meninos). Norman Taurog, EUA (1938). (Biografia do Padre Flanagan,
educador irlandês, radicado nos Estados Unidos, que fundou uma cidade para meninos
delinquentes, recuperando-os para a sociedade. Spencer Tracy faz Flanagan e ganhou Oscar por
esse filme.)
Dead Poets Society (Sociedade dos Poetas Mortos). Peter Weir, EUA (1986). (Filme empolgante
que discute a liberdade e a afetividade na Educação)
Men of Boys Town. Norman Taurog, EUA (1941) . (Continuação do anterior.)
Mr. Holland (Adorável Professor). Stephen Herek, EUA (1995). (Comovente história de
professor de música, que leva a sério sua missão pedagógica.
Korczak. Andrzej Wajda, Polônia (1990). (A biografia do educador polonês Janusz Korczak, que
morreu com suas 200 crianças num campo de concentração nazista.)
To Sir with Love (Ao Mestre com Carinho). James Clavell, EUA (1966). (Um professor negro
conquista uma classe rebelde, com sua dedicação.)
Les Choristes (A voz do coração). Christophe Barratier, França, Suíça, Alemanha (2003) (A
vivência de uma criança numa escola repressiva, que encontra sua vocação na música.)
Freedom Writer (Escritores da Liberdade). Richard LaGravenese, EUA (2007). (A história
verídica de uma professora numa classe violenta, num bairro carente, que consegue transformar
os alunos através da escrita).
Taare Zameen Par (Como estrelas na Terra). Aamir Khan, Índia (2007) (Filme musical de uma
criança que tem dislexia e sofre a opressão do sistema escolar, até encontrar um professor de arte
muito especial.)
Maria Montessori, una vita per i bambini (Maria Montessori, ima vida dedicada as crianças)
Gianluca Maria Tavarelli (2007) (A biografia da grande educadora Maria Montessori).
[1]
Nos últimos anos, alguns profissionais da psicologia têm trabalhado na linha de “terapias de vidas passadas” - alguns de
maneira sensacionalista e pouco científica e outros, com seriedade e rigor. Os que se cercam de cuidados éticos e usam
metodologias científicas de verificação estão abrindo caminhos auspiciosos para uma psicologia do Espírito.
[2]
Ver a esse respeito os artigos e livros de Ian Stevenson e Reencarnação no Brasil, de Hernani Guimarães Andrade.

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