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2ª Edição
Recife
Carlos Gomes de Oliveira Filho
2021
Edição • Carlos Gomes
Apoio • CASA10AB
Soares, Thiago
"Ninguém é perfeito e a vida é assim" [livro
eletrônico] : a música brega em Pernambuco / Thiago
Soares ; [ensaio fotográfico Chico Ludermir]. --
2. ed. -- Recife : Carlos Gomes de Oliveira Filho,
2021.
PDF
Bibliografia
ISBN 978-65-00-34319-9
21-88999 CDD-780.981
Índices para catálogo sistemático:
Referências 18
Introdução
Afetos bregueiros 20
Capítulo 1
Incômodos e políticas da música brega 36
Música pernambucana de qualidade: para quem? 46
Disputas institucionais de valor musical 50
O problema do arquivo 55
O brega em eixos estéticos 61
Capítulo 2
Recife não é Belém: Brega não é Tecnobrega 70
A teatralização da subalternidade 78
Espacialidades bregueiras 82
Circuitos de lazer: das pagoderias às casas de brega 84
O deslizar do brega pela Avenida Conde da Boa Vista 88
Música brega e cultura da mobilidade 94
Capítulo 3
Economias Estéticas do Brega 102
Mediadores produtivos da cena brega 108
NP Produções e a Estética dos Teclados 110
Luan Produções e a Banda Calypso no Recife 112
O brega universitário 117
Tensões em cena: brega, VIP e descolado 124
Quando ser brega é conveniente 128
Capítulo 4
Quando a piriguete encontra o cafuçu 138
Distinção na bebida alcoólica 144
O corpo alcoolizado como performance 148
Desejos deslizantes na festa brega 153
Clubes como ambiências das canções 158
Piriguetismos noturnos 161
A virilidade do cafuçu 163
A diva bregueira 166
O “gangsta” do brega 168
Capítulo 5
Bregueiros midiatizados 174
Máquina e poder 180
Compartilhamentos, redes sociais e versões 185
Blogue para bregueiros 190
Vocação televisiva do brega 193
Pedofilia midiatizada: o caso Denny Oliveira 199
“Jacaré que dorme vira bolsa” 204
Reencenações do pop em videoclipes 210
Capítulo 6
A Funkização do Brega 218
A “abertura” do brega ao funk 228
Ostentar ou não, eis a questão 231
Brega como cidadania cultural 236
Utopia e transformação 238
Capítulo 7
Bregafunk, racialização do brega 242
Jovialização e racismo250
“Só Dá Tu”: a dança em rede 254
“Passinho dos malokas”, celebrização e estigma260
Disputas morais através do Bregafunk 266
Julgamentos e conhecimentos corporais 274
Dançarinas de Bregafunk: gênero, corpo, trabalho 278
Brega como música negra 284
Institucionalização (e exclusão) no brega 289
Ensaio Fotográfico
A dança que nos revela 312
POR CHICO LUDERMIR
prefácio
MICAEL
HERSCHMANN
A vida tem
mais sabor
quando
é levada
pelo
nosso lado
brega
Em seu livro Gramática do tempo (2010), o sociólogo
português Boaventura de Sousa Santos critica a
postura científica mais conservadora, ressaltando a
importância do pesquisador em investir na polifonia e na
enorme riqueza presente no socius de um determinado
contexto, valorizando especialmente os aspectos que
não são encarados com muita credibilidade pelos
membros da crítica e Academia. A proposta de Thiago
Soares caminha corajosamente neste sendeiro menos
percorrido e, de certo modo, esta publicação se insere na
corrente de estudos comunicacionais de Música, Som
& Entretenimento (HERSCHMANN et al., 2014), que vem
atuando em âmbito nacional, e a qual tem procurado, entre
outras coisas, problematizar as previsíveis condenações
das manifestações musicais populares, salientando a
relevância e complexidade destas expressões coletivas na
vida sociocultural do País das últimas décadas (AMARAL,
2006; PEREIRA DE SÁ, 2011; HERSCHMANN, 2000;
JANOTTI JUNIOR, 2003; TROTTA, 2014).
Em seu livro intitulado Ninguém é perfeito e a vida é
assim: a música Brega em Pernambuco, este pesquisador,
jornalista cultural e professor da UFPE, reúne vários
instigantes ensaios – elaborados entre 2005 e 2016 –,
nos quais analisa a complexidade das polêmicas entre
os atores e a relevância sociocultural de um amplo
universo musical que tem como referência não só o
Brega Tradicional, de ídolos locais/regionais, tais como
Reginaldo Rossi, Adilson Ramos e Augusto César (que
tem como referência, por exemplo, o trabalho de Waldick
Soriano, Odair José e Agnaldo Timóteo), mas também
13
o Brega Pop (mais dançante e que dialoga com ritmos
caribenhos, forró e tecnobrega), o chamado Brega
Universitário e até o Brega Funk.
Entre outras coisas, Soares busca ao longo deste livro
debater a noção de “qualidade musical” associada ao
universo do brega na cidade do Recife, evidenciando o
preconceito social por parte da crítica e da elite locais
que entronizam certas expressões culturais como sendo
de excelência (as quais ainda tomam como principal
referência para o “padrão de bom gosto” a chamada
música erudita). Além disso, o autor chama a atenção
para um importante aspecto político desempenhado
pelo brega nesta região: a capacidade deste universo
cultural de promover “zonas de contato” (PRATT, 1992),
ou seja, dinâmicas de encontros e trocas assimétricas
entre diferentes segmentos sociais, o que tem gerado
inúmeras articulações e tensões urbanas, detalhadamente
analisadas ao longo desta publicação. Nesse sentido, o
autor afirma:
14
que se constrói em diálogos com os padrões
midiáticos, mas de forma viva e pulsante.
15
moradores, mesmo aqueles das áreas mais elitizadas da
cidade, vêm aderindo às festas e bailes bregas (alguns
desses considerados bastante “descolados” pelos atores).
De certa maneira, o autor analisa parte do processo pelo
qual o segmento social mais abastado da cidade, nos
últimos anos, vem “(re)descobrindo o seu lado brega”
(ainda que não o assuma de forma pública). Assim, analisa
e dá destaque ao crescimento do número de casas
noturnas – mesmo nos bairros chiques da cidade – que
abrem espaço para a música brega na sua programação
recorrente.
Nesse sentido é que o autor afirma que emerge nesses
espaços e no seu entorno uma “geografia do desejo”
(Parker, 1999), ambientes de “paquera” e “pegação”,
os quais afetam parcialmente o ritmo e a dinâmica do
cotidiano noturno do Recife. Soares menciona a Avenida
Conde da Boa Vista como um caso exemplar de como
a música brega vem reconfigurando a “cartografia” da
cidade, através da construção de “territorialidades sônicos-
musicais” (HERSCHMANN e FERNANDES, 2014). Além
disso, nos últimos anos, nesse processo de popularização
do brega, o autor constata que a dança, performance e
corporeidade desempenham um importante papel na
mobilização do público, colaborando para colocar em
evidência (inclusive nas mídias tradicionais e alternativas)
uma cena cultural de grande efervescência, na qual se
destacam não só os cafuçus, mas também as piriguetes,
coroas, divas bregueiras e novinhas.
Para finalizar, vale a pena ressaltar ainda que este livro
de Soares é bastante atual e engenhoso, elaborado por
16
um autor que não só não teme enfrentar controvérsias,
mas também que não teme salientar como preconceitos
sociais e estéticos vem presidindo os debates em certos
contextos. Portanto, recomenda-se o inovador Ninguém
é perfeito e a vida é assim a todos os interessados em
repensar de que maneira o brega vem se popularizando e
conquistando lugares significativos no imaginário social
da cidade do Recife.
Afinal, como afirma com certa sabedoria e jocosidade
o cantor e compositor Falcão: “a vida tem mais sabor
quando é levada pelo nosso lado brega”.
17
Referências
A
JANOTTI JUNIOR, Jeder. Aumenta que isso é Rock in Roll. Rio de Janeiro:
E-Papers, 2003.
TROTTA, Felipe. No Ceará não tem disso não. Rio de Janeiro: Folio Digital,
2014.
19
Introdução
Afetos
bregueiros
O termo “música brega” é contraditório em qualquer contexto.
Evoca divergências: quem chama a música de brega? Quem
se diz ouvir música brega? Quem assume fazer música brega?
Quem detrata a música brega? O termo “brega” e, portanto,
“música brega” carrega, em si, contradições culturais. Aciona
disputas de gosto, de classe, de gênero, de raça. Encena
lugares, situações, corpos. Quase sempre corpos subalternos.
Possivelmente abjetos. Corpos outros. Possíveis.
23
bares e ruas da cidade.
24
“star system” pernambucano.
25
e todo o seu sistema produtivo – no entanto, é sintomático
reconhecer que o eixo de criação, gravação e disseminação
da música brega se dá maciçamente no Recife – cabendo ao
interior de Pernambuco funcionar como um importante circuito
de shows e espetáculos.
26
caribenhos e com a estética das equipes de Aparelhagem e o
Brega recifense com a música de seresta, o forró eletrônico, o
próprio Tecnobrega paraense e matrizes do funk carioca.
27
“Piriguetes e Cafuçus Digitais: Apropriações, Performances e
Poéticas ‘Orkutizadas’ no Brega Recifense”, para debater no VI
Simpósio Nacional da Associação Brasileira de Pesquisadores
em Cibercultura (ABCiber), em Novo Hamburgo (Rio Grande
do Sul), em 2012. Desenvolvi mais tópicos, ampliei o espectro
das lógicas de midiatização, incluindo também a televisão e
o videoclipe como importantes ambientes/produtos ligados à
cultura brega e esta é a configuração do Capítulo 5, “Bregueiros
Digitais”.
28
Pernambuco e do Município. Daí surgiu a base do Capítulo 1,
“Incômodos e políticas da música brega”, cuja versão reduzida
discuti no V Congresso Internacional de Comunicação e
Consumo (Comunicon), em São Paulo, em outubro de 2016. Por
fim, o texto “Recife não é Belém: Brega não é Tecnobrega”, que
resulta do Capítulo 2 deste livro, apresentei também uma versão
reduzida no Congresso da Intercom – Região Nordeste, em
Caruaru, em julho de 2016.
29
limites de sua leitura. Ainda lembro quando li, nos corredores do
Centro de Artes e Comunicação da UFPE, então estudante de
Jornalismo, “O Funk e o Hip Hop Invadem a Cena” (2000), de
Herschmann, um pouco surpreso, um pouco instigado, com a
possibilidade de pluralizar as vozes na Academia.
30
me disse o cantor. E, perdoem, eu acreditei.
31
edição
ampliada outros
críticos
Ensaio fotográfico
Chico Ludermir
A MÚSICA BREGA
EM PERNAMBUCO
THIAGO SOARES
34
35
capítulo
Incômodos e
políticas da
música brega
Diante de um quadro que aciona disposições classistas, a
música brega, no contexto de Pernambuco, naturalmente, foi
fortemente marcada pela ideia de “música de pobre”. Nos anos
1980, eu ouvia o radialista Reinaldo Belo, por meio do rádio
da empregada de minha casa, cantar faixas como “Cachorro
Quente” e “Menina da Mala Grande”. O contexto era a cozinha
da casa que eu morava, em Piedade, Jaboatão dos Guararapes,
Região Metropolitana do Recife. Voltava da escola no final da
manhã, almoçava e entre fazer a tarefa à tarde e ouvir música
junto às empregadas, óbvio, escolhia escutar canções.
39
se apresentava. Na televisão preto-e-branco, no quarto da
empregada, novelas da Rede Globo: “A Gata Comeu”, “Que Rei
Sou Eu?”, “Cambalacho”. Em 1988, a telenovela “Vale Tudo”, de
Gilberto Braga, trazia à tona personagens que marcariam certa
estética do melodrama: a vilã Odete Roitman (vivida por Beatriz
Segall), a também maléfica e contraditória Maria de Fátima
(Glória Pires).
40
oposta, no controle dos sentimentos que, divorciados
da cena social, se ‘interiorizavam’ e configuravam a
‘vida privada’ (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 171).
41
a decisões que envolvem agir no cotidiano, pautar condutas,
assumir riscos diante de aspectos ligados às formas de sentir.
42
Stevie Wonder, para tocar.
43
mercadorias padronizadas, superficiais, com consumidores
passivos e meros agenciamentos do ouvinte no capitalismo.
44
“Pernambuco Nação Cultural”2, sempre observei uma tendência
de jornalistas, críticos culturais e mediadores políticos em
tratar a produção musical do Estado como um gênero. Acho
que há um movimento análogo no cinema – com a retranca
ampla chamada “cinema pernambucano”, que engloba estilos,
diretores, gêneros e narrativas bem distintas entre si.
45
Música pernambucana de
qualidade: para quem?
“Qualidade”, neste contexto, me provocou a pensar sobre
cânones. Talvez estivessem chamando “música pernambucana
de qualidade” de uma certa música canônica produzida em
Pernambuco. Algo que o brega, definitivamente, nunca foi. Nem
é. O termo “cânone” é usado, em geral, para agrupar o que é
reconhecido como obras mais importantes dentro de uma certa
tradição. Defensores da ideia de cânone e da “qualidade” das
obras parecem reivindicar a existência de valores universais
e, portanto, dados que poderiam variar temporalmente e
espacialmente. No entanto, estariam dentro de um certo
escopo que caracterizaria a ideia de “obra universal”. Músicas
pernambucanas “de qualidade” seriam a melhor expressão da
linguagem específica da música produzida no Estado, e pode
ser tomada como uma espécie de metáfora da identidade de
uma cultura, de uma “nação”.
46
Importante destacar que a dimensão de autoridade da formação
desse cânone se dá por quem o elege. Neste caso, é inevitável
refletir sobre o papel da crítica na edificação do valor e das
lógicas discursivas5. E também reconhecer que o processo de
formação do cânone se dá necessariamente no dissenso. Todo
cânone é contestado, debatido, revisado. Neste sentido, Harold
Bloom (2013) enseja que o cânone abraça o (des)gosto. Artistas,
obras, movimentos canônicos não, necessariamente, incitam
o prazer, o belo, o consensual. Mas sim, causam desconfiança,
podem ser desconfortáveis e, portanto, incompreendidos. O
cânone tem que fazer refletir: uma época, atravessá-la, recontá-
la. Segundo Bloom, há uma potência na desconfiança em torno
do cânone. Quanto mais algo parece detestável, “desconfiável”,
mais podemos formular ideias sobre. Estou aqui, desse modo,
desconfiando do cânone da música pernambucana.
47
(1996) que evidencia instituições, sujeitos e práticas que
circunscrevem fenômenos, agenciando-os dentro de um
determinado campo de produção. A ênfase de Compagnon,
digamos, é nos textos e discursos. Bourdieu parece se
preocupar com as posições e papéis de sujeitos e instituições.
Deste quadro, entendemos que
48
pós-colonial. “Com a progressiva sensibilidade ao pluralismo
cultural e às condições econômicas e políticas da produção
artística, o cânone aparece menos como uma expressão de
valores universais e mais como uma expressão das relações
de poder” (EDGAR e SEDGWICK, 2003, p. 49). É nessa
disposição de poder que adentram as perspectivas previstas
numa abordagem estética dentro dos Estudos Culturais. O
cânone parece excluir grupos subordinados em diversos níveis.
Primeiro, obras canônicas seriam expressões de determinados
grupos (aqueles que economicamente, culturalmente,
hegemonicamente se impõem), a partir de retrancas mais
específicas que envolvem branquitude, masculinidade e
classes sociais abastadas, de acordo com estereótipos também
culturalmente dominantes.
49
Disputas institucionais
de valor musical
Felipe Trotta (2007), ao debater as noções de qualidade
musical na música popular, reconhece que há um forte apelo de
classe (ligando o “bom gosto” às expressões da nobreza e do
consumo das elites) que foi historicamente construído a partir
da referência à música erudita. De acordo com o autor, a noção
de qualidade na música viria atrelada à ideia de “inovação
técnica”, acompanhada de preceitos como elaboração
harmônico-melódica, condições de experiência (audição
silenciosa), consumo elitizado (nobreza e classes abastadas)
e personificação do criador (o “artista”) (TROTTA, 2007, p. 3).
Essas categorias apresentadas por Trotta parecem evidenciar
que a construção de valor na música popular estaria enraizada
numa ideia em torno de erudição (e música erudita), marcadores
de classe e destacamentos técnicos.
50
uma finalidade, seja ela comercial ou hedonista.
51
existentes no contexto. O que sempre se fez, como política
de Estado, em Pernambuco, foi operacionalizar o binômio
cultura popular-folclórica e gêneros musicais hegemônicos,
esquecendo que diversidade faz parte do reconhecimento
da produção cultural que está na borda da tão almejada
“qualidade”. A “music from Pernambuco” (que está nos boxes
e nas coletâneas para venda em feiras internacionais) é uma
embalagem higiênica e domesticada da pluralidade musical
do Estado, feita quase sempre obedecendo padrões de diálogo
com gêneros musicais hegemônicos nos circuitos de festivais
e trazendo à tona uma identidade condicionada, erguida sob a
égide do capital transnacional.
52
Numa conversa com a fotógrafa Bárbara Wagner, na ocasião
da sua exposição Brasília Teimosa, composta por imagens
provocadoras, estranhas e potentes de personagens daquele
bairro periférico do Recife, evocando um belo que atravessa
matrizes hegemônicas do bom gosto, em que ela me dizia que
tinha recebido críticas e sugestões para não expor aquelas
fotos no exterior “porque aquilo não representava o Recife”.
Neste tipo de crítica, pode-se observar aspectos éticos,
higienizantes e normativos da política de reconhecimento de
uma identidade por órgãos governamentais e também pelos
habitantes. Percebo movimento análogo no que diz respeito à
música. Na exclusão que se faz do brega nas políticas públicas
de cultura, há algo de higienização identitária ou uma certa
“cosmética” de um Estado. O brega, assim como os moradores
de Brasília Teimosa das fotos de Bárbara Wagner, seriam
escusos, “feios”, fora de um padrão já constituído.
53
e parda do Recife a se deparar com o Outro. Este Outro,
primeiramente exótico e estranho. Esse Outro quase selvagem.
O brega faz com que sejamos espectadores e ouvintes da
nossa própria alteridade enquanto pernambucanos. É a música
que ativa outro padrão estético musical, tensionando normas
clássicas de gravação, agindo no improviso, naquilo que não
se reconhece como “de qualidade”. O brega, em suas levadas
musicais, nos coloca diante de outras corporalidades possíveis:
aquela que é negra sem ser folclórica. Uma negritude que se
constrói em diálogos com padrões midiáticos, viva, pulsante.
A negritude do brega constrasta com a branquitude da plateia
de alguns shows que ocorrem em bairros nobres do Recife. E
também com os usos carnavalizantes do gênero por bailes e
festas “descoladas”.
54
O problema do arquivo
Diante da ausência de políticas públicas em torno de músicas
midiáticas periféricas, instaura-se um problema para se
desenvolver pesquisas sobre gêneros musicais como o brega:
os arquivos. Onde estão os acervos de canções? Que álbuns
fonográficos podemos destacar? Quais as canções mais
relevantes de uma determinada época? Perguntas simples
como estas, que facilmente poderiam ser respondidas, em
outros gêneros musicais, no brega, torna-se uma tarefa árdua.
A questão dos acervos é possivelmente a mais problemática
em se tratando de pesquisa acadêmica: as canções de
brega parecem evanescer, aparecem, somem, muitas não
estão retidas em suportes – analógicos ou digitais – ficando
presentes apenas na memória dos ouvintes. Integra aquilo
que Diana Taylor (2012) chama de “repertório” do comum, do
ordinário, um conhecimento que está corporificado e, como
tudo aquilo inscrito no corpo, fadado a desaparecer.
55
– completamente obsoleto, sobre “se o brega é cultura ou não”
durante o anúncio de atrações do Carnaval do Recife.
56
Pernambuco. Somos levados, por exemplo, a outra pergunta:
que álbuns fonográficos podem ser destacados como icônicos
na música brega do Estado? O brega opera sob a lógica dos
álbuns fonográficos? O que se observa na trajetória deste
gênero musical são múltiplas formas de consumo e disposição
de produtos musicais, impossibilitando uma narrativização
histórica e tradicional, do cancioneiro do brega. Se tomarmos
como exemplo um artista como Reginaldo Rossi, a delimitação
do álbum fonográfico na construção de um aparato conceitual
para o entendimento de sua dinâmica artística e discursiva, é
possível.
57
1970 e início dos anos 1980. Pensar a figura de Reginaldo
Rossi numa espiral que conecta outros artistas populares
contemporâneos, como Sidney Magal, Fábio Júnior, Wando,
Ronnie Von, entre outros, ajuda a compreender as estratégias e
disposições mercadológicas que posicionaram a música brega
num constante acionamento entre o pop nacional e global e
suas instâncias locais, desvelando questões que parecem dar
conta das formas com que tanto periferias quanto sujeitos
subalternos sempre estiveram atentos aos movimentos
cosmopolitas.
58
praiana e da utopia solar pernambucana ao também inserir
a ilha de Itamaracá (na faixa “Itamaracá”) como um lugar
paradisíaco, paraíso possível, com muitas mulheres, sexo e
bebida.
59
em função da inconstância de artistas, fenômenos e da
ideia de “sucesso” dentro do gênero. Bandas de brega são
formadas, rompem, acabam, abrem outras bandas, artistas
brigam, empresários demitem músicos com impressionante
velocidade. Esta volatilidade de artistas da cena musical do
brega em Pernambuco parece ser uma das características mais
prementes.
60
vocalistas que não estavam na primeira formação.
O brega em
eixos estéticos
Diante da ausência de disposições arquivais sobre a música
brega em Pernambuco e, consequentemente, de uma
fortuna crítica sobre este cancioneiro popular, adentro aqui à
possibilidade de traçar eixos estéticos que possam, de alguma
forma, sintetizar momentos ou movimentos dentro deste
gênero musical, ao longo de sua existência de mais de 50
anos, entre os anos de 1966 e 2017. A tentativa de normatizar
estéticas é uma tarefa das mais ingratas, sobretudo porque
incorre-se em generalizações, agrupamentos às vezes (quase
sempre) arbitrários, associações não previstas. Pensei, num
primeiro momento, em adotar uma perspectiva essencialmente
histórica, a partir de fases e períodos históricos do brega.
Achei pouco sedutor, na medida, em que a história do brega e
61
de qualquer fenômeno cultural, não é linear, nem com claras
delimitações de início e fim – assim como de seus “pontos de
virada”.
62
De início, o gênero musical que surge em Pernambuco
está intimamente conectado com a estética musical da
Jovem Guarda, inclusive, na temática das letras e também
da ingenuidade da performance e dos arranjos musicais.
Estereótipos de garotas ingênuas, homens sedutores e frisson
de paquera e flerte integram a partitura performática deste
primeiro momento do brega. Reginaldo Rossi torna-se, já nos
anos 1980, uma espécie de modelo performático, que será
amplamente reencenado por outros artistas – notadamente
Reinaldo Belo, Nino (Banda Labaredas), Adilson Ramos, e por
artistas nordestinos de brega, o potiguar Carlos Alexandre, o
paraibano Bartô Galeno, entre outros. Nos anos 1990, Rossi
passa a “apimentar” suas canções e performances, fazendo
shows em que a figura do homem garanhão, sexualmente voraz
e ligeiramente rude, aparece.
63
A perspectiva temporal e também de gênero ajuda a
compreender a aparição de um segundo eixo estético no
brega de Pernambuco. Como uma espécie de “resposta” aos
cortejos masculinos; vozes femininas aparecem no contexto
pernambucano, já negociando com o histórico de “galanteios”
de homens nos espaços de sedução e flerte da cultura da
noite. A mulher que questiona o homem, mas também cede
a seus apelos, que sofre porque descobre a amante, mas que
também é amante, encena matrizes do amor romântico que se
materializam em artistas como Banda Metade, Banda Ovelha
Negra, Brega.com, Musa do Calypso, Kitara, entre outras. Este
segundo eixo aparece junto a um conjunto de fatores que serão
debatidos mais detidamente adiante, mas que antecipamos: a
mudança da banda Calypso para o Recife (os vocalistas Joelma
e Chimbinha são originalmente do Pará) e o agendamento
estético das bandas de forró com vocalistas mulheres, como
Magníficos.
64
O visual de Palas Pinho, uma mulher negra, de cabelos
cacheados, batom vermelho e roupas, muitas vezes, preta, com
lantejoulas, criava uma narrativa de enfrentamento do feminino
diante da hegemonia de vozes masculinas. Ao contrário
de bandas como Metade, centrada na figura de Michelle
Melo, loira, cândida e sensual, e Brega.com, com a altivez e o
distanciamento de Elisa, a banda Ovelha Negra parecia “partir
para o ataque”. Isto construiu um lugar bastante singular para
a banda e também para a canção na circulação do brega no
Recife. A partir de 2003, a faixa “Amor de Rapariga” passou a
integrar o repertório de bandas de forró como Calcinha Preta,
Forró Saborear, Mulheres Perdidas, de axé music como Babado
Novo e Cheiro de Amor e também de outras bandas de brega/
calypso, como a Mistura do Calypso.
65
contingências de popularização do brega e contaminação com
outros gêneros musicais populares – no caso, notadamente
o funk, como também aprofundaremos mais adiante. A
performance do homem provocador, acintoso e sexualizado,
que ordena, ostenta e disponibiliza seu corpo como mercadoria
de prazer e observação coloca o brega em contato com um
conjunto de dimensões performáticas que negociam com o
imaginário de ídolos pop. MC
66
Eixo Temática Sonoridade Performance Circulação
Rádio populares
Ecos da Jovem
e programas
masculino-galanteador
67
68
69
capítulo
Recife não é
Belém:
Brega não é
Tecnobrega
Da janela do avião, vou avistando Belém. As pesadas nuvens
do início da tarde anunciam: vai chover. E chove. O calor e a
umidade lembram os dias quentes no Recife. E ao seguir para o
hotel, no táxi, vamos tentando “pescar” onde podemos ir a uma
Festa de Aparelhagem, o evento em que artistas do tecnobrega
emergiram a partir do início dos anos 1990. Estou em Belém a
turismo, primeira vez nesta metrópole nortista, abril de 2013. Na
ida à capital do Pará, estão previstas visitas ao Mercado Ver-o-
Peso, à Estação das Docas, tomar sorvete de frutas exóticas na
Cairu e, me parecia natural, ir a uma Festa de Aparelhagem.
73
(processo que discutiremos mais adiante), proponho aqui
pensar o embaralhamento sobre as classificações envolvendo
“tecnobrega” e “brega” e dos agenciamentos geográficos e
estéticos entre Pará e Pernambuco (num primeiro momento),
quando se cristaliza a estética centrada na cantora de brega
(Joelma e Gaby Amarantos, no contexto paraense, e também
Michelle Melo, Priscila Sena, Carlinha, Palas, Dany Miller, Elisa7,
entre outras, no contexto do brega pernambucano)8. Meu
interesse é pensar como o conceito de cena musical debatido
por Straw (1997, 2006, 2013) e Janotti e Sá (2013) funciona
como forma de aproximação e debate estéticos entre Pará e
Pernambuco/Belém e Recife apontando, para além de circuitos
culturais e de consumo, também formas de teatralização das
cidades e das identidades, propondo olhares estéticos para os
fenômenos fortemente amparados pela ideia de performance.
74
que não sabia nos informar, mas chamou uma camareira que
“entendia tudo” de Aparelhagem). Numa cervejaria nas Docas,
um local bastante turístico de Belém, quem nos deu indicativos
sobre as atrações do tecnobrega foi o garçom.
75
num controle sobre as formas de fruição dos contextos
urbanos. Neste sentido, Recife e Belém se aproximavam.
76
figuras como Reginaldo Rossi e Adilson Ramos e também
com a musicalidade do calypso, presente nos artistas do
tecnobrega paraense.
77
A teatralização
da subalternidade
Para adentrar nos meandros da cena brega, é preciso
posicioná-la num quadro mais macro em que outros gêneros e
experiências musicais – como o Manguebeat9, o circuito “indie
rock”, por exemplo – foram/são hegemônicos na formatação
da imagem do Recife como uma “cidade musical”. Pensando
nas tensões acarretadas entre as perspectivas do senso
comum e as legitimações por parte do jornalismo cultural, é
possível o reconhecimento de uma cultura musical recifense
que, hegemonicamente, se traduz por meio do Carnaval, dos
festivais de música (com ênfase no rock e suas variáveis) e
da cristalização do uso do Manguebeat como retranca de
endereçamento, inclusive, de uma série de políticas culturais.
78
cristaliza como música comercial em Pernambuco nos anos
2000, podemos traçar relações com o Manguebeat nos anos
1990, especificamente a partir de matrizes estéticas da periferia.
A princípio, mencionaremos ideias a respeito do periférico e do
subalterno operacionalizadas de formas bastante distintas. A
estética da periferia no Manguebeat apareceu na referência a
uma geografia urbana que materializava conceitos em torno de
uma imagética ligada à lama, à produção de música na periferia,
ao pensamento conectado.
79
destes artistas. Os avanços políticos do Manguebeat, de
agendar a cultura periférica na mídia de maneira mais ampla, no
jornalismo cultural; e, sobretudo na cultura musical brasileira,
colocando a capital pernambucana no mapa da produção
musical no contexto da década de 1990, foram significativos
para se falar em torno de “qualidade da música pernambucana”,
de um mercado interno de festivais e eventos e também de
políticas públicas e culturais que olhou para a periferia e
tentou integrar tais estéticas periféricas a padrões de música e
mercado vigentes no contexto da época.
80
tutela empresarial e de uma música de consumo fácil, efêmero
e que busca o hit comercial e, portanto, pop.
81
interesse, no entanto, é avançar e adentrar os espaços e a
formação de uma cultura musical nas periferias do Recife.
Espacialidades bregueiras
Para debater melhor estas questões aqui elencadas,
precisamos conhecer as espacialidades que foram centrais
na constituição da cena brega do Recife, tomando o conceito
de cena musical como discutido por Will Straw (2013), a partir
da noção de que: trata-se de um ambiente local ou global,
marcado pelo compartilhamento de referências estético-
comportamentais, que supõe o processamento de referência
de um ou mais gêneros musicais, podendo ou não dar origem
a outros gêneros; apontando para fronteiras móveis, fluidas
e metamórficas dos grupamentos juvenis e que supõem
demarcações territoriais a partir de circuitos urbanos que
deixam rastros concretos na vida da cidade e dos circuitos
imateriais da cibercultura (apud PEREIRA DE SÁ, 2013, p. 157).
Nesta direção, espaços codificados por gêneros musicais
populares funcionam como articuladores da permissividade da
ocupação da música brega nas lógicas de consumo no Recife.
82
e consumo dos produtos (arquivos de MP3, CDs e DVDs
piratas), significa perceber tal cenário como resultante de (re)
organizações, combinações e ambientes de performatização
de gêneros musicais populares. Em síntese, a cena brega do
Recife deve ser pensada como constituída por vestígios de
sonoridades de gêneros musicais populares, ambientes em
que tais sonoridades foram performatizadas, engajamentos
dos sujeitos nestas espacialidades e, sobretudo, enunciações
que cristalizaram modos de fruir a musicalidade popular
pernambucana.
83
artistas ligados ao universo bregueiro no Recife foram,
gradativamente, deixando de ser “estranhos” em casas
noturnas voltadas à classe média recifense e passando a ser
“legítimos” nestes espaços?
Circuitos de lazer:
das pagoderias
às casas de brega
As casas de entretenimento popular que traziam atrativos de
pagode ainda nos anos 1990 podem ser pensadas a partir de
endereçamentos geográficos: não exclusivamente o Recife,
mas sobretudo a Região Metropolitana (que compreende, além
da capital pernambucana, outros municípios como Jaboatão
dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho, Olinda, Paulista,
Camaragibe, Abreu e Lima). Formas de construção de vivências
comuns foram fundamentais para a inserção do brega na
partitura de fruição dos frequentadores destes espaços.
84
média, estudantes universitários, como Pagunça e Padang, e
bandas com repertório de axé music12.
85
quanto com artistas oriundos da axé music, do funk ou em
dias temáticos com os chamados “banhos de espuma”13.
Estabelecimentos como o Veleiro do Guaiamum e o
Caldeirão, localizados em bairros nobres como Espinheiro e
Casa Forte, ou pagoderias situadas em Boa Viagem, davam
a tônica neste formato de festa. É curioso perceber que não
havia uma segmentação dos espaços por classe social, pois
grupos de pagode como Sassarico, Pagunça ou Padang
tocavam tanto nas pagoderias da Zona Sul (usual reduto da
classe média), quanto nas casas de pagode da Zona Norte;
2. Os clubes de bairro passavam a despertar interesse dos
jovens das periferias do Recife e atraíam grupos de pagode
para suas programações culturais, outrora dedicada
exclusivamente, por exemplo, à seresta, promovendo uma
mescla de atrações de ordem mais “romântica” e “dor-de-
cotovelo”, com o “alto astral” dos pagodeiros. Fazem parte
deste segmento, locais como o Clube das Pás, em Campo
Grande, o Atlético Clube de Amadores, em Afogados, o
Treze do Vasco, em Vasco da Gama, o Intermunicipal de
Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes e o Jaboatonense,
em Jaboatão Velho – grande parte desses clubes de
bairro integram políticas públicas de descentralização do
entretenimento popular;
3. As casas de serestas eram estabelecimentos em que se
concentravam atrações mais ligadas à música romântica,
com shows de artistas como Daniel Bueno, Reginaldo Rossi,
Nádia Maia e, inevitavelmente, atrativos relacionados à
Jovem Guarda, como Renato e Seus Blue Caps, The Fevers
e cantores “da fossa”, como Núbia Lafayette, Cauby Peixoto
86
e Waleska. Estes locais agregavam, substancialmente,
pessoas “mais velhas”, muitas vezes, interessadas em
relembrar grandes sucessos do cancioneiro popular, de
preferência, com um “copo de uísque na mão”;
4. Os forrogodes eram espaços em que oscilavam atrações de
pagode e de forró, agregando de maneira mais evidente o
público jovem, muitas vezes, universitário. Grande parte dos
espaços de forrogode se localizavam perto de universidades
particulares do Recife (Feitiço Tropical, Pappillon). Nestes
locais, era possível entender a reverberação de que o forró
rompia com a sazonalidade do período das festas juninas.
Mais especificamente, o forró da chamada "oxente music",
movimentação em torno de grupos como Magníficos,
Mastruz com Leite e outros, oriundos, grande parte, do
Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, e que ganhavam
divulgação através da rádio Som Zoom Sat, gerando público
em todo o Nordeste.
87
reconhecimento destes atores sociais.
88
não me encontro mais sob a regência da sonoridade que quero
ouvir. Sou um corpo interpelado pelas materialidades sonoras
que me interrogam, me acionam, me tocam. Na caminhada
pelas calçadas sujas da Conde da Boa Vista e ruas adjacentes,
ouço maciçamente música brega. Esta avenida é, digamos, a
artéria central do Recife, inicia-se na Ponte Duarte Coelho (que
encena, por exemplo, a estátua do Galo da Madrugada, durante
o período carnavalesco) e termina na Rua Dom Bosco – seu
prolongamento passa a se chamar Avenida Carlos de Lima
Cavalcanti, cortando os bairros da Boa Vista e Soledade. Por
ela, todos os dias, cerca de 400 mil pessoas e 9.700 veículos
circulam, segundo dados da Prefeitura do Recife e do Grande
Recife Consórcio de Transporte. Ao ser inserido neste contexto
musical através de uma localidade, estou adentrando também
a um conceito proposto por Micael Herschmann e Cintia
Fernandes (2012): uma territorialidade sônico-musical. Com esta
noção,
89
regularidade, geram uma série de benefícios locais diretos
e indiretos para o território (permitindo até o incremento
das atividades socioeconômicas locais)” (HERSCHMANN e
FERNANDES, 2014, p. 13). Meu recorte em torno da Conde
da Boa Vista se dá em função das problemáticas que esta
via fornece do ponto de vista sônico-musical. Percebo a
avenida como uma espécie de epicentro sonoro que adquire
importância mercadológica em função do enorme fluxo de
pessoas que por ali circulam – historicamente, a via se edificou
como ambiente de comércio e negócios desde sua obra inicial
em 1840 e, já em 1870, no trecho que compõe o espaço entre a
Rua da Aurora e a Rua do Hospício, passou também a ser local
de lazer e entretenimento.
90
adquira status de ambiência de inúmeros agregamentos e
atravessamentos, interessantes para o comércio e para a
divulgação de ações e produtos populares. A Avenida Conde
da Boa Vista é assim percebida por meio de sua vocação
mercadológica e midiática, local, por exemplo, em que ocorrem
as manifestações culturais e políticas da cidade, algumas
já deslocadas para outros ambientes, como a Parada Gay, o
desfile de 7 de setembro, passeatas e a passagem de blocos de
Carnaval.
91
periferia se dá fisicamente com os deslizes entre canções que
são produzidas em contextos periféricos, fruídas em centros,
transformando o “espaço” num “lugar”. Pensamos aqui a cidade
pela máxima de “artes do fazer” cotidiano, como postula De
Certeau (1994), um espaço comunicacional-interacional vivido
nas dinâmicas socioculturais e ambientais, nos modos de
presença, no compartilhamento e dissensos sobre gostos e nas
significações entre urbanidades e sujeitos.
92
música de rua no Rio de Janeiro, Herschmann e Fernandes
apontam que:
93
e os camelôs, os fiteiros e as “bancas” de DVDs e CDs
piratas. A formalidade do comércio institucionalizado contra a
informalidade dos camelôs é um debate de valor associativo
da música brega. Ao brega, cabe a informalidade, o mercado
paralelo, sem a chancela dos grandes conglomerados de
comércio. Observo aqui o consumo que circunscreve o embate
entre as Lojas Americanas (uma loja de departamentos que se
notabilizou em comercializar CDs e DVDs originais, direto das
grandes gravadoras, a preços populares) e os vendedores de
DVDs e CDs piratas que, por vezes, armam seu comércio “na
porta” das Americanas. A música brega, portanto, vem atrelada
a valores ligados à pirataria, enfrentamento do sistema formal
do capitalismo e desordem institucional.
Música brega e
cultura da mobilidade
O estudante Breno França, 17 anos de idade, está no ônibus
da linha 071 – Candeias. Na parada de ônibus em frente à
loja Riachuelo, na avenida Conde da Boa Vista, ele subiu no
coletivo ouvindo, sem fones, uma música brega. Breno está com
outros dois amigos, Melque e Tiago, os três conversam sobre
novidades no universo dos videogames. Vou seguir Breno e
tentar conversar com ele durante o percurso no ônibus. Minha
forma de aproximação é, naturalmente, perguntando sobre a
música. “É de Tróia”, responde, desconfiado. Silêncio entre os
amigos enquanto a parada de ônibus é embalada pela canção
que sai do celular de Breno: “novinha kika, kika vem kikando,
kika daquele jeitinho que papai já tá gostando”. O verso faz
94
parte da música “Novinha Kika”, do MC Tróia, um dos artistas
da cena brega recifense. Breno não sabe o nome da música,
olha no celular para ver o título e me mostra na tela do aparelho:
“novinhakika.mp3” é o arquivo.
95
de silêncio, noções ligadas ao bem-estar e à ordem pública.
Trata-se de um consenso em torno do que se chama de
“poluição sonora” como perturbação da ordem pública, dos
dissensos causados pelo alto volume de músicas e também
pela perspectiva festiva em torno dos fazeres musicais. Quero
pontuar aqui dois termos usados no relato que talvez ilustrem
a desconfiança com que Breno e os dois amigos tiveram em
relação a mim – como interlocutor no ato de abordagem sobre
a música que eles ouviam coletivamente, junto aos transeuntes
na parada de ônibus da avenida Conde da Boa Vista.
96
também reconheço pessoas sorrindo com aquela “greia”, com
a escuta humorística que aquela canção de brega provoca.
Instaura-se um clima de tensão tácita diante daquela música,
possivelmente a “inquietude” ao qual Janice Caiafa (2002)
menciona ao analisar os processos de comunicação, silêncios e
corporalidades nos metrôs do Rio de Janeiro.
97
e fico com insônia”, diz Breno. Noto que eles se animam ao
falar das “viagens” de ônibus com “trilhas sonoras” de brega.
Algumas marcam. “Tem coroa que fica cabulosa mermo”, ri
Melque. Eles enumeram algumas reações das viagens de
ônibus pela cidade. Dizem, inclusive, que têm horários e dias
que o “breguinha” deles incomoda mais. “Fim de tarde e
início de noite é pior, o povo tá estressado”, comenta Tiago.
Nos finais de semana, segundo ele, o brega é liberado nos
ônibus – embora esteja na Lei número 12.789, de 26 de abril de
2005, da Constituição do Estado de Pernambuco, no Art. 1°: “É
proibido perturbar o sossego e o bem-estar público com ruídos,
vibrações, sons excessivos ou incômodos de qualquer natureza,
produzidos por qualquer meio ou forma que contrariem os
níveis máximos de intensidade auditiva fixados por lei”.
98
Estes agenciamentos do público no privado, ideias em torno
de sujeitos civilizados e “arruaceiros” colocam a construção
do espaço acústico numa lógica de poder. Como já mencionei
aqui, a música brega, em função de seus circuitos e lógicas de
consumo, pode ser vista através da premissa de “desordem
pública” (os ambulantes que a comercializam, os indivíduos que
escutam em alto volume), mas também esta aparente desordem
é a sua potência, na medida em que se espraia, vaza, impõe-
se “em alto e bom som”, apresenta-se diferente, periférica,
adentrando nos meandros “civilizados” da urbe.
99
100
capítulo
Economias
estéticas do brega
Compreender as lógicas econômicas que envolvem as
cenas musicais é de fundamental importância no que diz
respeito à investigação das dinâmicas dos gêneros musicais
populares. E no brega constituído em Pernambuco não é
diferente. Sem grandes vínculos às propostas – digamos
– mais “artísticas”, o que se observa neste contexto de
produção é uma busca pelo retorno financeiro como
aparato de longevidade – seja de casas noturnas, bandas
ou eventos. Cabe pensarmos em modelos de negócio da
música popular periférica como formas de sustentação
econômica à parte das disposições formais e, portanto,
institucionais de comércio e renda. A música produzida
em contextos periféricos coloca em questão uma série de
pressupostos da indústria fonográfica e do mercado formal
de música – direitos autorais estão no epicentro desta
problemática, assim como a pirataria.
105
com canções são disponibilizados em blogues ou sites
de compartilhamento de música de forma gratuita – como
explicitaremos mais adiante as perspectivas de consumo
digital da música brega.
106
são extremamente simples, os arranjos pré-programados,
existe a busca pela “linguagem que pegue”, uma espécie de
jargão, de frase de efeito que será incorporada e viralizada.
A poética da canção de brega opera sob o invólucro que
rege a música pop. A “facilidade” do refrão, o privilégio da
emoção e o acionamento à corporalidade são premissas
que circunscrevem a criação do cancioneiro bregueiro.
107
sonoridades, figurinos, coreografias, canções, hits, shows,
traz à tona, necessariamente, a reflexão sobre esses
mediadores.
Mediadores produtivos
da cena brega
Numa história da estética do brega de Pernambuco,
proponho um olhar mais detido sobre as produtoras
dos artistas, como forma de compreensão dos aparatos
produtivos que geram o mercado. Essas produtoras são
locais de planejamento de carreira de artistas e também
de comercialização de espetáculos e produtos associados.
Antes de adentrar a uma trajetória das produtoras do gênero
no estado, elencarei algumas especificidades em torno do
sistema de produção da música brega, com base em leituras
exploratórias, que tanto aproximam como afastam as
dinâmicas bregueiras da música pop.
108
1999, p. 76). No contexto do brega, a figura do produtor
musical se confunde com a do produtor executivo, esse
último bastante comum no campo do cinema, funcionando
como uma espécie de guia financeiro e de captação de
verba dos projetos.
109
NP Produções e
a Estética dos Teclados
A NP Produções, liderada pelo empresário Nino, e
responsável pela gestão de carreira da banda Labaredas,
em 1995, era a principal produtora de brega do Recife
naquele período. Com vinculação ao Clube das Pás – um
estabelecimento de bairro (Campo Grande) que assumia
também festas com serestas e cancioneiros românticos –,
a NP Produções articulava a venda de shows da Labaredas,
conjunto que foi um contraponto ao “excesso” de grupos
de pagode que “apareciam” nas casas noturnas locais
para fazer espetáculos, geralmente com coreografias
padronizadas e cabelos descoloridos – seguindo a
tendência legada pelo pagodeiro Belo e por grupos como
Katinguelê, Os Morenos, Karametade (de âmbito nacional) e
Ourisamba, 171 e Ginga e Malícia (no contexto local).
110
relacionamentos amorosos, com forte acento musical que
evocava a Jovem Guarda.
111
A estética dos arranjos musicais à base de teclados, que
viria cristalizar o que se chamou de “brega romântico”, tem
como epicentro este momento, em que artistas ganharam
visibilidade no cenário local. Parte do legado estético
advinha de uma tradição do brega romântico de artistas
como Reginaldo Rossi, Adilson Ramos, Augusto César,
Rodrigo, entre outros. Parece evidente que a NP Produções,
que agenciou a carreira da banda Labaredas, foi uma das
responsáveis pela continuidade de uma linhagem da música
brega de Pernambuco que tinha como Reginaldo Rossi um
cânone.
Luan Produções e a
Banda Calypso no Recife
Foi com a criação da Luan Produções e a chegada da banda
Calypso, vinda do Pará, fixando residência em Pernambuco,
que se criam as bases para a legitimação do brega e seu
processo de consolidação como gênero musical periférico
hegemônico no Recife, apontando para a transformação
que viria a consolidar o “Brega Pop” (FONTANELLA,
2007). Parece oportuno pensar o brega do Recife como
uma confluência de sonoridades e estéticas que dialogam
tanto com artistas da cena musical local (Reginaldo Rossi,
Reinaldo Belo, Labaredas, entre outros e uma estética dos
teclados), quanto do Pará (a partir de referências como a
calypso e o tecnobrega) e também do Ceará (forró eletrônico).
112
Ainda diante de questões acionadas pelos atores sociais
no contexto de produção, importante destacar a gênese
de uma estética que se ancora na presença da vocalista
feminina, a “diva bregueira”, como eco de referências
ligadas ao universo da música pop, a partir da chegada da
banda Calypso, vinda de Belém do Pará, com o intuito de
fixar residência na capital de Pernambuco. O motivo para a
escolha do Recife: o posicionamento estratégico da cidade
no “centro” do Nordeste (estando perto de grandes centros
urbanos como Fortaleza e Salvador) e também em função
da logística em torno da produtora que assumiria a gestão
de carreira da banda Calypso, a Luan Produções – cuja parte
de proprietários eram donos da maior casa de shows do
Recife, o Chevrolet Hall.
113
Fig. 1
Cartaz da “Festa do Beijo”,
Atlético Clube de Amadores, em Afogados.
Fig. 2
Cartaz do “Brega Chic”,
boate Iguana, em Boa Viagem.
Pensar a chegada da banda Calypso ao contexto recifense
significa compreender o agendamento que o grupo
trouxe a outros artistas locais e também a legitimação
que os vocalistas Joelma e Chimbinha tiveram ao serem
agenciados pela Luan Produções – que tinha em seu
casting para divulgação no Nordeste, no início de carreira,
por exemplo, artistas como Luan Santana e a banda de forró
Garota Safada, do vocalista Wesley Safadão. A Calypso
trazia a alcunha de “tecnobrega” do Pará, no entanto,
chegava ao contexto pernambucano sob a chancela de
uma produtora de “grandes espetáculos” – o que a tornava
notável e distintiva num ambiente originalmente periférico
do cancioneiro brega do Recife.
116
Podemos identificar procedimentos enunciativos na
formatação deste momento da gênese da estética feminina
do brega no Recife: os arranjos à base de teclados, gravados
em poucos canais e com limitadas texturas sonoras,
a presença da mulher, dos figurinos “berrantes” e dos
bailarinos como “corpo de baile” e, sobretudo, nos vocais
femininos, apelos ao sussurro, gemido, erotização no
cantar16. Está na referência à banda Calypso, por exemplo,
a matriz estética que propiciou a aparição de “fenômenos”
do brega no Recife, ao final da década de 2000, artistas
como Musa do Calypso, da vocalista Priscila Sena, e a
banda Kitara, que detém configuração idêntica à Calypso (a
vocalista Karlinha e o músico Rodrigo Mell como “líderes”).
O brega universitário
A movimentação em torno das polaridades centro/periferia,
Zona Norte/Zona Sul, classe média/classe baixa passou a
ser ainda mais problematizada com a aparição, em meados
dos anos 2000, de artistas como Victor Camarote & Banda
Arquibancada, Faringes da Paixão, Tanga de Sereia, entre
outros; grupos formados por indivíduos de classe média
que se apropriam da estética do brega de forma lúdica e
passam a integrar o circuito de shows nas boates da Zona
Sul do Recife. Jornalistas de cultura rotulam tais artistas
de “brega universitário”, numa referência ao próprio rótulo
de forró universitário que foi gerado junto, por exemplo, a
117
grupos como Falamansa – igualmente integrantes da classe
média performatizando o “forró pé-de-serra” no mercado de
música.
118
Artistas como Victor Camarote & Banda Arquibancada e
Faringes da Paixão foram responsáveis pelo arrefecimento
das fronteiras entre periferia e Zona Sul, na medida em que
passaram a produzir shows em noites em boates do bairro
de Boa Viagem reunindo suas próprias bandas e artistas
vindos da periferia (como Vício Louco, Michelle Melo e
Banda Metade e Sheldon, Boco, GG, entre outros).
119
Fig. 3
Cartaz do “Brega Naite”,
Clube Internacional, na Madalena.
fundadores do que se chama de música pop. Atenuar certas
texturas excessivamente eróticas das letras, “embalar”
melhor os artistas através de figurinos mais elaborados,
“domesticar” a “selvageria” das mulheres eram operações
propostas na formação de um sistema produtivo da música
pop e que é reencenado em diversos contextos da música
periférica.
122
tensão: as apropriações da música brega contemporânea
feitas por produtores culturais em eventos voltados
para a classe média e que acontecem em boates ou
espaços “descolados” da Zona Sul do Recife. Questões
sobre autenticidade, legitimidade e formas “corretas” de
engajamento de uma estética que emerge da periferia são
acionadas.
123
quem? para quê?) no contexto da cultura do entretenimento
no Recife. Nosso olhar é permeado pela identificação de
micropolíticas, jogos de poder e legitimação acionados,
muitas vezes, por retrancas econômicas que agem sobre a
disposição estética.
Tensões em cena:
brega, VIP e descolado
Essa cartografia de artistas da música brega parece nos
ser útil para refletir sobre as tensões da fruição do gênero
musical nos contextos da Zona Sul do Recife. Na tentativa
de materializar questões acerca dos jogos de valores
presentes nesses embates, trago à tona os cartazes
que anunciam as festas de brega como um interessante
aporte para a presentificação de uma lógica de entrada
do brega nas casas noturnas de classe média do Recife.
O interesse aqui é evidenciar rascunhos discursivos que
sirvam como suporte da compreensão de uma dinâmica dos
deslocamentos na cidade.
124
de beijos em toda extensão do anúncio. Há uma perspectiva
de design de artefatos populares, com excessivo recurso
de cores e formas, além de uma síntese digamos “naïve”
(ingênua) nesta configuração.
125
uma forma de acesso dos artistas do brega aos locais da
Zona Sul do Recife, neste caso, em específico, à boate Iguana.
Entre os artistas escalados para tocar na festa, também, um
destacamento: há desde aqueles que o jornalismo cultural
rotula como “brega universitário”, como Victor Camarote e
Faringes da Paixão, mas também os “bregas da periferia” ou “de
raiz”, como Kelvis Duran e Banda Torpedo.
126
formadores de opinião, publicitários, jornalistas e “gente que
gosta de brega, mas prefere curtir junto de pessoas de seu
ciclo de amizades”, como me disse um frequentador. Apesar de
compor as edições com shows de artistas do “brega de raiz”, o
destacamento da “Brega Naite”, na verdade, se dá em função
dos DJs Ladie Khekhe e Original DJ Copy – que mesclam o set
de canções bregas com o funk carioca e outros subgêneros
das músicas populares periféricas. Há, na festa, uma premissa
de “jogação” e “pegação”, como podemos observar também na
convocação da “Festa do Beijo”, no clube de bairro do Recife,
mas verifica-se um espírito de negociação com as lógicas
distintivas, na medida em que o cartaz divulga a existência de
uma “lage VIP”, titulação lúdica para a área VIP ou camarote,
como se costuma dividir os espaços nas casas noturnas e
shows.
127
Quando ser brega
é conveniente
Ao longo do capítulo, tentamos arregimentar, a partir da
verificação empírica de instituições, cenários e atores sociais
da cena brega do Recife, questões que nos levem a entender
nuances sobre o conceito de conveniência cultural em
deslocamento para a compreensão de uma cena musical.
Neste caso, precisamos nos voltar à gênese da ideia de
“conveniência”18 como proposta por George Yúdice, em seu
livro As Conveniências da Cultura (2006). O autor menciona a
conveniência sob a retranca do uso da cultura por instituições
– notadamente da ordem do Estado – a partir da materialização
em diferentes setores da vida contemporânea, a saber, o uso
da alta cultura (museus, centros culturais, entre outros) para
objetivos do desenvolvimento urbano; a promoção de culturas
nativas e patrimônios nacionais através da lógica do turismo; a
“transformação” de espaços históricos em “parques temáticos
do tipo Disney” (YÚDICE, 2006, p. 46); a criação de indústrias
de cultura transnacional para “suporte” e integração de
premissas como a União Europeia ou o Mercosul.
128
de Frankfurt. A certa altura, Yúdice se vê diante de uma
encruzilhada:
129
a partir do apoio a artistas, eventos e a ocupação de uma
série de cargos por “filiados ao Mangue” e, por outro lado,
a invisibilidade em que se circunscreve o brega para fins de
política cultural, pode ser sintoma de indicativos dos gêneros
musicais como recursos de uma cultura. O que está em jogo,
neste caso, é uma permanente tensão entre cultura, política,
economia e imagens institucionais que traduzem “modos de
cognição, de organização social e até mesmo tentativas de
emancipação social que parecem retroalimentar o sistema a
que resistem ou se opõem”. (YÚDICE, 2006, p. 49).
130
e compreender, por exemplo, usos e expressividades de
gêneros musicais em contextos específicos. Ao tratar de
performatividade, por exemplo, o que adentra a esfera do
visível, as expressões, aquilo que é posto, sua materialidade,
constante lógica de performance das instituições, dos
sujeitos, dos usos, Yúdice convoca Judith Butler para pensar
princípios de inclusão e exclusão, disputas, controles e – mais
uma vez – usos de aparatos da cultura. “Dentro” ou “fora”,
incluído ou excluído, segundo Butler, fazem parte de uma
inteligibilidade simbólica através da qual é possível reconhecer
performatividades, hegemonias e contra-hegemonias. É neste
sentido que operacionalizamos com o conceito de conveniência
de George Yúdice: na forma de enxergar o fenômeno, as
brechas, as operações de entrada e saída, jogos de visibilidade
e invisibilidade, em constante performatização.
131
as conveniências em torno dos usos estratégicos de um
gênero musical: sua ocupação dos espaços, legitimação
de sonoridades e experiências e seus usos institucionais.
Destaco aqui o termo “acomodação” como profícuo para
pensar movimentos de hegemonia e contra-hegemonia de
valores e gostos nas cenas musicais, além de reconhecer
que pensar como os fenômenos “se acomodam” de
forma “conveniente”, nos interpela mapear, por exemplo,
que instituições (públicas ou privadas) agem sobre esse
processo. Nesta minha observação sobre a cena brega,
tive a intenção de cartografar, através da verificação de
uma retórica dos espaços, casas noturnas e lógicas de
fruição de gêneros musicais populares, no Recife e Região
Metropolitana, como o brega foi se acomodando na cidade,
se legitimando, ocupando as brechas dos cenários de
outros gêneros musicais, notadamente o pagode e o forró
– e passando, hoje, a “conviver” com estes gêneros em
espaços de disputa e constante reorganização. Reconheço
que a institucionalização do brega no Recife traz indicativos
de fortes enlaces econômicos, sobretudo através de
empresários e casas de espetáculos populares em busca
de atrativos para movimentação de suas agendas, em
consonância com uma sonoridade e uma estética que se
cristalizam diante da circulação de bens de consumo e sua
midiatização.
2. Ressalto aqui a perspectiva de pensar a conveniência no
âmbito performático, como um jogo de engajamentos
precários, efêmeros, que é acionado diante de contextos
específicos. Tomar a conveniência como uma performance
132
enseja refletir sobre a cultura como uma complexa cadeia
de tensões e interesses, visibilidades e invisibilidades. A
noção de conveniência nos é útil porque a palavra traz,
em si, a visualização de brechas, enlaces discursivos
que podem – ou não – serem acionados. Performatizar
de acordo com uma conveniência significa reconhecer a
cultura como um ambiente tático, estratégico, como um
vetor de visibilidades políticas, estéticas e afetivas. É nesta
direção que reconhecemos que a cena brega do Recife é
um profícuo ambiente para se pensar as conveniências
performáticas: os garotos de classe média que se
fantasiam de bregueiros para curtir uma noite; as jovens
que vivem as “piriguetes” numa noite estratégica de flerte
e sedução ao som das batidas musicais bregueiras. Uma
geografia humana que se forma e se dissipa em função de
circunstâncias não previstas. Aparição e apagamento. Luz e
sombra. Visualidade e invisibilidade.
3. A ideia é pensar aspectos ligados à efemeridade
dos engajamentos ou o que Edgar Morin chama de
“apropriações precárias” nos agrupamentos. Neste sentido,
começamos o texto falando num certo tom classificatório
de classe social e faixa etária, no entanto, a perspectiva
é desconstruir essa fala comum e acionar a ideia de
conveniência performática para tentar escapar de uma certa
ambivalência marxista. A nossa direção é a de reconhecer
a efemeridade como uma forma legítima de engajamento,
inclusive, pensando uma política que se faz na frivolidade
das fruições. Reiteramos, portanto, a performance como
um lugar privilegiado para tratar das encenações no
133
brega do Recife e, de maneira mais ampla, das cenas
musicais. Pensar performance nas cenas musicais significa
entender formas de atuar, papéis sociais, lugares de fala,
de encenação que se formam diante de gêneros musicais,
contextos econômicos, políticos e estéticos.
134
136
capítulo
Quando a piriguete
encontra o cafuçu
Sexta-feira, 22 horas, calçada defronte ao Atlético Clube de
Amadores, no bairro de Afogados, cidade do Recife. Carta-
zes afixados nas paredes externas convocam: “A Noite das
Novinhas”. Trata-se de um show com atrações do brega do
Recife. Os nomes em destaque nos cartazes são dos can-
tores MC Sheldon e Michelle Melo. O encontro dos dois, no
mesmo palco, sintetiza mais um “plus” na festa. MC Sheldon
e Michelle Melo não são apenas os chamarizes de grande
parte dos cartazes de shows do gênero do Recife. Eles são
os expoentes de uma cena musical que tem artistas reco-
nhecidos localmente, casas de shows específicas, produ-
tores de músicos e bandas, produtoras de videoclipes, am-
bientes virtuais de compartilhamento de músicas e fóruns
de debates também virtuais para fãs.
141
do clube, já se dispõem as pessoas. Homens e mulheres
com idades entre 16 (embora menores sejam “oficialmen-
te” proibidos) e 35 anos – alguns homens aparentando os
40/50 anos são vistos. Mulheres com mais de 40 anos (as
“coroas”) são minoria.
142
“tomar uma na frente” e ir para casa. Muitas vezes, a com-
pensação do valor do ingresso de um show (R$ 20) é con-
vertida informalmente, pelo público, em cerveja. “Dá para
tomar seis Skol (cerveja) latão e ainda sobra”, calcula um
deles. “E aqui, você ainda vê as novinhas cheirosinhas e ar-
rumadinhas”, pondera outro. As novinhas são como o MC
Sheldon e o MC Boco, autores da música “Nós Gosta é de
Novinha” chamam as mulheres jovens dos seus shows, que
têm “franjinha de lado” e são “gostosinhas”.
143
quando um homem “pega” uma novinha, na noite, e a leva
para o “espelhado” (que, na verdade, é o “quarto espelhado”,
metáfora para o motel), ele adquire status em seu grupo de
amigos. Coroas seriam mulheres mais “fáceis” porque estão,
segundo entrevistados, “carentes e fogosas”. Novinhas, em
contrapartida, são mais “difíceis” porque se configuram em
“presas” muito assediadas. A oferta de parceiros para as no-
vinhas é maior, portanto, elas podem escolher. Já as coroas...
Distinção na
bebida alcoólica
“Você vai querer a lata ou o balde?”, me pergunta o ambu-
lante, em frente ao Atlético Clube de Amadores. “A lata” é
apenas a latinha da cerveja. “O balde” é um balde, desses
de plástico que se usa para lavar a casa, com cinco latas de
cervejas. Faço a negativa com a cabeça. Nem um, nem ou-
tro. Não bebo cerveja. Mas provo do espetinho dele: frango
com bacon. “Com farofa?”, sim. Molho de alho? Pimenta?
Joyce Coelho, 22 anos, está ao meu lado, esperando o espe-
tinho dela também: carne com frango. Puxo assunto sobre
a qualidade dos espetinhos, sobre paquera, sobre o preço
das bebidas. Três outras amigas de Joyce entram no papo,
“tás sozinho?”, uma delas estranha. Joyce parece ser a líder
das meninas. Convenceu, inclusive, Diana Silva, 19, a vir para
a festa – mesmo Diana sendo evangélica: “A mãe dela num
sabe que ela tá aqui”, diz Joyce.
144
Depois de umas latinhas de cerveja de Joyce e eu tomando
minha Ice, emerge na conversa o assunto dos “caras que se
acham”. Começo a usar gírias tipo “bofe”, “cafuçu”, as me-
ninas riem, tiramos onda e aquilo que eu observei, sobre o
jogo performático dos meios de transporte (os homens que
chegam de carro ou moto se exibem, já os que vêm de bici-
cleta, discretamente, a escondem na rua ao lado) também
ganha escopo no tocante às bebidas alcoólicas consumidas
na festa. Não só as bebidas, mas também, como se bebe.
Estamos diante das dimensões performáticas do ato de sair
para beber. Joyce me diz que eu não tenho cara de quem
bebe cerveja. “A gente sabe logo”, deduz. “Você é fino, chi-
que, só bebe uísque. Ice é porque tu tás aqui”, diz, com uma
dose de ironia.
145
tro do consumo de bebidas alcoólicas nos bailes. A bebida
empodera o homem, atribui certas noções econômicas, bali-
zas de virilidade. Quem me explica, utilizando o próprio tom
popular e ligeiramente jocoso, é a própria Joyce. Segundo
ela, a cachaça é a bebida alcoólica que menos se expõe pu-
blicamente. “Já viu alguém numa festa como esta exibindo o
copinho da cachaça?”, ironiza. De fato. Joyce liga a cachaça
ao consumo “de boteco”, “de pinguço”, sem glamour e, por-
tanto, longe dos “holofotes” das festas. “Sem falar que a tal
da cachaça... Ô cheiro triste que deixa!”, revira os olhos.
146
ostentar um balde de cerveja funciona como importante ar-
tefato de diferenciação. Curioso que o “balde de cervejas” é
utilizado tanto por homens para cercar-se de mulheres, mas
também de gays e travestis para se rodear de homens tam-
bém.
147
ciais. Dentro dos Estudos Culturais, os estilos de vida foram
pensados como importantes maneiras de reconhecer iden-
tidades de grupo e singularidades dos sujeitos, valendo-se
de ideias como expressão e escolha de itens e padrões de
comportamento como codificações sociais. Estilos de vida
perpassam biografias dos sujeitos, enlaces afetivos, geográ-
ficos, culturais, históricos e nos interpelam num constante
diálogo entre autonomia e incorporação; ordens individuais
e de grupo.
O corpo alcoolizado
como performance
Eu e o grupo de amigas de Joyce seguimos bebendo e con-
versando amenidades na frente do Atlético Clube de Ama-
dores. Diante do mapeamento de um certo “capital social”
das bebidas alcoólicas, a partir das falas dos próprios fre-
quentadores, vou reconhecendo que, inclusive, é possível fa-
lar da bebida alcoólica como um mobilizador, um agregador
dos sujeitos, promovendo enlaces que turvam as relações
entre flerte, coleguismo, amizade e sexualidades. Pensar a
bebida alcoólica como este agenciador de proximidades, de
formação “em torno” dos sujeitos e dos grupos, talvez nos
ajude a entender os jogos e disposições corporais que se
encenam nas formas de estar em ambientes festivos. Come-
ço a perceber que a ideia de estar bêbado ou bêbada, apare-
ce atrelada à noções como disponibilidade e permissividade.
148
Os jogos performáticos entre pessoas sob o efeito de bebi-
das alcoólicas comportam saídas e desfechos improváveis.
A inevitabilidade, o acaso, o imprevisto, funcionam como
importantes engrenagens no acionamento da bebida, na
continuidade dos jogos e dos fazeres noturnos.
149
reencenação de problemáticas performáticas das próprias
canções e disponibiliza micropolíticas de gêneros nas dis-
putas afetivo-sexuais na cultura da noite.
150
radora de capital erótico/sexual no contexto da cultura da
noite. Pensando que os espaços das festas são marcados
por disputas em torno de sujeitos que se dirigem ao ato de
conquistar o outro, flertar, paquerar, convencer, seduzir, é
preciso levar em consideração aquilo que chamamos aqui
de capital erótico/sexual. No contexto sociológico, a ideia de
capital está atrelada a ter dinheiro, propriedades ou perspec-
tivas de ação.
151
po e na performance, aquilo que se exibe como aparência e
gesto, maneira de se apresentar e posicionar.
152
ta de dança (dedicada ao ato de dançar, suar, se exibir para
o outro, mas também reconhecer que estar suado/suada
significa também perda de capital erótico, segundo me diz
Joyce), os corredores (em seu esbarrar, tocar, pedir licença,
olhar mais perto) e também os banheiros (nos jogos tanto
de se embelezar, se olhar no espelho, quanto da verificação
de corpos fora do jogo performático externo).
153
lado, observa-se a profusão de bandas com vocais femini-
nos sussurrados exaltando o poder feminino; do outro, a
aparição de MCs (mestres de cerimônias, assim como no
funk carioca) que discorrem nas suas letras sobre o caráter
sedutor da figura masculina. Bandas como Metade, Lapada,
Musa do Calypso, Swing do Pará, Toda Boa, Sedutora, Bateu
a Química, entre outras, são a própria performatização das
mulheres sedutoras. Letras sobre traição (que popularmente
se chama de “gaia”), superação, “dar o troco” num homem
traidor, entre outras abordagens, fazem parte da dinâmica
das canções de brega.
154
apontariam, portanto, soluções ancoradas em torno de um
claro embate (para usar a metáfora bélica: um “inimigo”). Tal-
vez o desafiador é reconhecer que uma abordagem de gêne-
ro conectada à ideia de “recusa ou adesão” estaria centrada
numa observação do fenômeno que excluiria suas contra-
dições, seus embates “internos” e múltiplos agenciamen-
tos. Portanto, a tentativa aqui é perceber que o debate em
torno das premissas de gênero deve ser pensado na ordem
das efemeridades, dos acontecimentos em situações, de
uma certa ordem enunciativa que se faz e se desfaz cons-
tantemente, afirmando e negando na mesma proporção, na
mesma intensidade, provocando anulações, deslocamentos,
inclinações, desníveis.
155
ainda mais radical, é possível caso faça tal opção, não se tor-
nar nem masculino nem feminino, nem homem nem mulher”
(BUTLER, 2015, p. 33). O debate recai em torno da ideia de
que gênero não é a expressão do sexo biológico, mas algo
performativamente construído na cultura. Dessa maneira,
156
dades de gênero, mas performatividades. A recusa pela ideia
de “expressão” estaria na relação cartesiana – e binária –
que o termo poderia evocar – nos remetendo, por exemplo,
aos postulados que ligam conteúdo-e-expressão. Expressão
(gênero) como manifestação de um conteúdo (sexo) anula-
ria o processo de significação cultural dos corpos. “Não ha-
veria nem verdadeiro, nem falso; nem atos de gênero reais
ou distorcidos – a postulação de uma identidade de gênero
‘verdadeira’ se revelaria uma ficção regulatória”. (BUTLER,
2015, p. 180)
157
calypso, como Aviões do Forró e banda Calypso.
158
meira Vez no Carro”: a primeira vez não deve ser ali, tem que
ser algo “especial”. Mas, numa noitada de loucuras, quem
sabe se a novinha não termina a noite mesmo “embaçando”
o vidro de um carro?
159
A questão de “acionar” uma identidade de forma estratégi-
ca, dentro de uma determinada situação, de forma delibera-
damente efêmera, autônoma e, de algum forma, política, nos
remete à problemática debatida pela teórica Judith Butler,
que em 1990 publicou o seu Problemas de Gênero (Gender
Trouble), no qual busca uma desconstrução das configura-
ções de identidade de gênero e propõe um pensamento que
se desloca da análise recorrente da questão relacionada a
homem e mulher e inclui na questão os indivíduos inade-
quados ao ideal normativo. O objetivo de Butler é indicar
uma incapacidade de coerência da identidade de gênero,
que, se pensada em uma estrutura binária e linear, pressu-
põe uma necessidade de ajuste à norma por parte daqueles
que não se enquadram em tais estruturas.
160
sujeito quanto às normas sociais. O que Butler busca é dar
visibilidade à importância das discussões de sexo, gênero e
sexualidade, para chamar a atenção para a necessidade de
legitimar existências que o ideal normativo relegou ao sta-
tus de “abjetas”.
Piriguetismos noturnos
É neste sentido que queremos trabalhar a noção de pirigue-
te como um deslocamento de um certo eixo normativo so-
bre a constituição do feminino e da mulher. A piriguete, em
sua acepção de mulher fatal, sedutora e sexualmente ativa,
se constitui numa espécie de deslize da normatização social
da mulher inscrita nas retrancas de uma premissa patriarcal,
masculina e heteronormativa. Obviamente, como expressão
nascida na fala popular, não se sabe a origem do termo piri-
guete. Há quem suponha que o termo tenha sua gênese na
etimologia de “pretty girl” (“garota bonita”, numa tradução),
convertida em piriguete pela pronúncia “diferente” dos falan-
tes. Também é possível que o termo piriguete esteja relacio-
nado à palavra “perigo”, ou seja, uma mulher “no perigo” de
atacar homens, expor seu desejo.
161
nião alheia24. A piriguete não costuma ser bem vista pelo públi-
co feminino e muitas vezes nem mesmo com o masculino. Ta-
chada de vulgar, ocupa um espaço de identidade invisível, uma
vez que reforça um deslocamento de um certo caráter moral e
de um habitus socialmente inscrito. Trata-se de uma expressão
bastante usada de forma cômica, em tom de brincadeira. Foi por
meio da cantora Ivete Sangalo que a expressão piriguete aca-
bou sendo disseminada midiaticamente quando ela própria se
intitulou “Veveta Piriguete” ou “Piriguete Sangalo” na apresen-
tação no Festival de Verão de Salvador, no ano de 200625.
162
A virilidade do cafuçu
Talvez, a ideia de definição do que seria o cafuçu seja ainda
mais complexa que a da piriguete. De maneira simplista, pode-
ríamos definir cafuçus como homens de camadas populares
que acentuam a masculinidade com cabelos curtos, roupas jus-
tas evidenciando braços e peitorais definidos e também perfor-
matização do poder através do desdém em relação às pirigue-
tes. Ao contrário da ideia da piriguete, que já foi legitimada, por
exemplo, por uma artista como Ivete Sangalo, o cafuçu ainda
segue obscuro em sua dinâmica de inserção nas formas de en-
cenação social. Sobretudo porque um homem que seja cafuçu
dificilmente se assume cafuçu.
163
O termo cafuçu pode, etimologicamente, estar próximo da de-
nominação étnica “cafuzo”, embora também saibamos que não
se trata de algo estritamente étnico, nos usos contemporâneos
do termo. O “cafuzo” é a designação dada no Brasil aos indiví-
duos resultantes da miscigenação entre índios e negros africa-
nos ou seus descendentes. Em regiões do Brasil, são também
conhecidos como “taioca”, “cafuçu” ou “cariboca”, como no
Maranhão, na Bahia e em algumas áreas do Pará e do Amapá.
Se lembrarmos, por exemplo, de toda premissa sexualizada que
havia entre os escravos e as “sinhás”, os embates sociológicos
já traduzidos por Gilberto Freyre em seu Casa Grande & Senza-
la (1933), não é difícil constituirmos a formatação do imaginá-
rio em torno da figura sexualizada do cafuçu. Trata-se de uma
construção histórica e sociológica. É, portanto, a perspectiva
sexual que está em jogo ao se usar o termo cafuçu.
164
também possam ser registros de “cafucice”.
165
terminante na lógica de poder e distinção do homem. Por isso,
a questão da masculinidade exacerbada e da premissa cafuçu
funcionam articuladas a lógicas de poder.
A diva bregueira
Acionar a piriguete na balada tem como cúmplice as próprias
cantoras que performatizam este personagem. Aqui, falarei
mais detidamente de Michelle Melo, que se intitula como “a pri-
meira que gemeu na cena bregueira” do Recife ao simular sus-
surros e gemidos na canção “Lua de Mel”, no ano de 2002. Os
gemidos e sussurros de Michelle Melo criaram uma espécie de
padrão vocal na cena do brega recifense, inclusive funcionando
como um fator de diferenciação da dinâmica vocal de artistas
femininas do forró eletrônico e da axé music – mais “gritados”,
digamos. O tom mais “baixo” encenado por Michelle Melo re-
porta a um tipo de performatização da piriguete: mais sorrateira,
silenciosa, agindo de maneira escusa – como supõe a letra do
funk “Piriguete” (que atesta que a mulher-piriguete gosta de ho-
mem casado, seria uma “destruidora de lares”).
166
corpo deslizante, que convoca a sua visibilidade de forma es-
pecífica, que se aproxima de forma também suave, quase sem
ser percebido. Corpo este que fala ao pé-do-ouvido, que balbu-
cia palavras em tom mais baixo, como parte integrante do jogo
de sedução. Esta forma de agir e performatizar o sussurro e o
gemido por Michelle Melo também evidencia reverberações da
imagética das cantoras da música pop internacional, como Ma-
riah Carey, Whitney Houston, Beyoncé, Shakira, Madonna e Brit-
ney Spears, entre outras.
167
inspiração, admiração pelo trabalho delas”, diz Michelle Melo.
O “gangsta” do brega
O artista MC Sheldon se notabilizou no Recife por disseminar
em suas canções o termo “novinha” (referindo-se às adoles-
centes presentes nos seus shows) e a perspectiva de “dar pres-
são” (fazer sexo voraz) com elas. Trata-se de um cantor (MC de
“mestre de cerimônia”, análogo ao funk carioca) que apareceu
na cena brega do Recife entre os anos de 2008 e 2009, ficando
mais famoso em 2010, quando foi acusado pela Justiça de Per-
nambuco como “incitador da pedofilia”, em função do conteúdo
que disseminaria o interesse sexual por meninas menores de
idade. A partir deste episódio, MC Sheldon ocupou páginas po-
liciais de jornais locais e compôs canções como “Vem Novinha
Tomar Toddynho”, cujos versos dizem: “Mas se eu mato, eu vou
preso/ Se eu roubo, eu vou preso/ Se é pra pegar novinha/ Eu
vou preso e satisfeito”.
168
rap”, subgênero do rap, que tem por característica a descrição
do dia a dia violento dos jovens urbanos26. A palavra “gangsta”
deriva de “gângster”, soletrando-a na pronúncia do inglês com
acento negro. As suas letras são violentas e normalmente ten-
dem a criticar a sociedade e revelar a dura realidade das ruas.
Geralmente, os autores tinham problemas com a lei ou já tive-
ram envolvimento com gangues. Ice-T, Tupac Shakur, Notorious
BIG, Snoop Dogg, entre outros, passaram pelos tribunais por
atividades relacionadas com o tráfico de drogas, porte de armas,
assassinatos etc. O “gangsta rap” também é conhecido pelas
acusações, de promover crimes como assassinatos e tráfico de
drogas; além da promoção do machismo, promiscuidade, pre-
conceito, vandalismo e desrespeito às autoridades.
169
periferia do Recife). É desta zona de atritos que observamos as
movimentações e embates das identidades.
170
das músicas em espaços codificados;
3. E no acionar das identidades de piriguete e cafuçu dos
frequentadores dos bailes de brega do Recife como uma
maneira de desenvolver os embates de identidades
marcadamente angariadas no desdém e no “ar de
superioridade” e “atitude” quase como uma performatização
do universo cantado por artistas como Michelle Melo e MC
Sheldon e as materializações de poder encenadas através
da posse de celulares, câmeras fotográficas e distinção em
ambientes como shopping centers, praias e clubes noturnos.
171
172
capítulo
Bregueiros
midiatizados
Se, outrora, a melhor forma de se atualizar sobre os
lançamentos da música brega no Recife era recorrer às
famosas “carroças de CD pirata”27 que circulavam por
locais de intensa movimentação (a praia de Boa Viagem, o
Centro e saídas de supermercados em bairros populares),
desde 2005 é com as possibilidades da internet e no
compartilhamento de produtos (canções, vídeos, toques
de celulares, wallpapers etc) que se dá a estreita relação
de consumo da música brega. Sites, blogues, aplicativos e
redes sociais funcionam como ambientes para download de
arquivos, compartilhamento de músicas e vídeos.
177
Michelle Melo, que tem sua performance fortemente
marcada pela sensualização, é usuária de redes sociais
como Instagram, Snapchat e Facebook, e atesta: “Nosso
‘lucro’, com a internet, é o fato de não gastarmos com
divulgação. Tenho também um contato direto com os fãs”,
observa.
178
da compreensão dos jogos performáticos (captação de
imagem, exibição em redes sociais, postagem de fotos etc).
No entanto, entre os frequentadores da “festa bregueira”, há
uma ressignificação das questões apontadas pelos artistas.
Se Michelle Melo exibe seu Iphone e Sheldon canta sobre
as máquinas fotográficas de celular, quem vive o dia a dia
da cultura de periferia aponta para um outro critério, menos
hegemônico, ligado às marcas e disposições tecnológicas
de celulares.
179
aglomerados comerciais do centro da cidade. São, em geral,
bem mais baratos que os aparelhos “originais”. Obviamente
que aparelhos hegemônicos como Iphone, Samsung, Motorola,
entre outros, aparecem nas festas e acentuam características
distintivas entre os sujeitos.
Máquina e poder
O celular, mais uma vez, funciona como uma metáfora para
as experiências ligadas a uma estética ou a uma lógica de
empoderamento: na sexualização do discurso sobre o homem
másculo e cafuçu, o aparelho de celular dá espaço para a
questão da operadora de telefonia na premissa para “pegar
geral”. Até uma canção foi produzida sobre este aspecto:
“Tá Querendo o Quê, Novinha?”, dos MCs Metal e Cego. Ao
questionar sobre o que a “novinha” (a menina adolescente que
“circunda” a banda) quer, os MCs enumeram: “Tô de Nextel
ligado/ Vou ligar no Metal/ Avisa pras novinhas que hoje eu
vou ‘pegar geral’”.
180
dos fluxos identitários ligados ao universo sexualizado do
brega.
181
capturar os viventes, dando lugar, por meio desta captura, a
processos de subjetivação e dessubjetificação. “Não seria
errado definir a fase extrema do desenvolvimento capitalista
que estamos vivendo como uma gigantesca acumulação
e proliferação de dispositivos” (AGAMBEN, 2007, p. 23). A
respeito deste processo, também segundo o autor, não se
trata nem de suprimir os dispositivos, nem de imaginar-se
ingenuamente um “bom uso” (para quê? Para quem?), mas de
“profaná-los”.
182
como metáfora para questões afetivas.
183
com acentuada textura alegre, Carlinha celebra: “Tô de biquini
no Facebook/ Me olha, me curte e me cutuque”. “Cutucar” no
Facebook é uma ação de demonstrar interesse afetivo-sexual
por um usuário da rede social.
184
canção da banda Companhia do Calypso. “Esse garoto é
metido a playboy/ Tem jeito de bacana, que tem grana/ Chega
no seu carro/ No meio da multidão/ E liga o som”. Conforme
já evidenciamos, a prática de exibição de posses em festas
e clubes adentra também ao universo poético das canções
colocando em destaque aquilo que liga beleza a poder
econômico. A letra da canção vai descrevendo o modelo de
homem que ligou a cobrar para a personagem: “Pedaço de Brad
Pitt/ Pedaço de Gianecchini”, duas referências a padrões de
beleza midiáticos, seja no cinema de Hollywood ou na Rede
Globo de Televisão. “Ele é pura sedução/ As meninas já estão
passando mal”, canta.
Compartilhamentos,
redes sociais e versões
É na internet que circulam novas demandas do público,
que antes só tinha acesso às músicas de brega executadas
nas rádios ou nas ruas. E dois ambientes funcionam como
potencializadores desse “encontro” entre cantores de brega
185
e público: os blogues de música brega e os ambientes de
compartilhamento de músicas. Marcar presença no Facebook,
no Instagram e no Snapchat é importante para as bandas de
brega, mas o que se tornou fundamental mesmo foi ter um perfil
no site Palco MP3 (www.palcomp3.com). A página funciona
como uma grande teia de compartilhamento musical voltada
para artistas independentes – em 2015 já eram mais de 250 mil
cadastrados. Com uma interface semelhante a da rede social
Orkut, o site disponibiliza vídeos, imagens, música, agenda de
shows e todas as informações de contato necessárias. O Palco
MP3 acaba sendo uma espécie de homepage prática e gratuita
– assemelhando-se ao que foi o MySpace para artistas de rock
e de gêneros musicais análogos.
186
as chamadas “editoriais” do site, apesar da artista de brega
Musa do Calypso estar em quarto lugar entre os perfis mais
acessados do Palco MP3. Este sintoma materializado no Palco
MP3 encontra reverberação no cotidiano dos artistas de brega:
preconceito diante de gêneros musicais legitimados e a própria
perspectiva de ser algo “estranho” dentro de um contexto
musical independente e hegemônico – como é o contexto de
Pernambuco. O brega, neste enquadramento, é um gênero
musical – efetivamente – contra-hegemônico, que apesar da
intensa circulação de seus produtos e artistas, fica à margem de
um certo status quo musical de Pernambuco.
187
Quando são “descobertos” por gravadoras ou integrantes de
órgãos de arrecadação de direitos autorais, os artistas do brega
têm suas páginas “bloqueadas” – como se refere a cantora
Palas Pinho.
188
procedimento de versões de canções pop pelo brega. “Se está
dando certo, tem uma música muito estourada, a gente mexe
e usa”, diz, para reportagem do Diario de Pernambuco. A Bateu
a Química foi criada em 2014 após a saída da vocalista Tereza
Cristina da Sedutora e teve como um dos grandes sucessos,
a faixa “Nada Sou”, cantada por Tereza ao lado do vocalista
Ronny Verssalyesh. Trata-se de uma versão para o sucesso de
“Let it go”, da trilha sonora de Frozen, vencedora do Oscar de
Melhor Animação em 2014. “Distorções temáticas à parte, os
versos de dor de cotovelo para a comemoração de liberdade
da Rainha Elza reforçam uma tendência em alta no brega
recifense, desafiando as leis de direito autoral e conquistando
o público”, atesta a jornalista Luiza Maia, no texto do Diario de
Pernambuco.
189
para versões é destacado por Rodrigo Mel, compositor de
mais de 700 canções populares, e um dos fundadores da
banda Kitara. “Louca”, faixa da mexicana Thalia, e “Mentes
tão Bem” do grupo Sin Bandeira são a contribuição do
brega com o cancioneiro latino. A dupla de MCs Meninos
da Net, formada por Felipe e Elton Santos, chamou o hit
de reggeatón “Gasolina”, de Daddy Yankee, de “Dá uma
Empinadinha” e “All About the Bass”, de Meghan Trainor, se
transformou em “Ela Desce”.
190
Uma das formas de apelo para que o “Blog dos Bregueiros”
continue sendo acessado é a oferta de material exclusivo
de artistas ou em primeira mão. Material primário, leia-se:
arquivos de músicas para download retirados diretamente
dos estúdios onde as bandas de brega gravam suas
canções ou videoclipes que acabaram de ser postados no
Youtube (em muitos casos, a música é compartilhada em
sites mesmo sem imagem, o que reforça que o Youtube
não é um suporte apenas para imagem, mas também
aúdio). O “Blog dos Bregueiros” tem parceria com artistas
“estourados”, que dá direito a ter o acesso ao estúdio dos
grupos para disseminar MP3s recém-acabadas.
191
backstages com o consentimento dos produtores dos
shows e, ele próprio, grava, edita e lança o áudio completo
do show em suas redes. Em contrapartida, fornece o
material a empresários para que eles veiculem em rádios ou
outros suportes.
192
Vocação televisiva do brega
Se a música brega adentrou a cultura digital e,
fundamentalmente se espraiou por redes sociais,
compartilhamentos e downloads, é porque, em sua essência,
o gênero musical é popular e midiático. E foi na televisão
local, das emissoras do Recife, que o brega constituiu sua
mais evidente relação afetiva com os espectadores. A
música brega foi consagrada dentro de um gênero televisivo
que, desde a origem da televisão pernambucana, se faz
presente: o programa de auditório.
193
duas questões: uma primeira, de ordem do fluxo das
grades de programação das emissoras de rede, que abria
“janelas locais” neste horário específico. Uma segunda,
quase consequência desta primeira, era uma audiência
marcadamente jovem, que, ou chegava da escola ou estava
de partida para o estudo no turno da tarde, o que provocou
um forte agenciamento etário e geracional entre os
consumidores de brega.
194
de artistas de brega e funcionavam como importantes
mediadores entre artistas e o público. A televisão, em
seu caráter essencialmente popular, marcou importante
processo de celebrização dentro do brega, funcionando
como engrenagem de fama e notoriedade para artistas,
empresários e artistas.
195
programas de auditório das redes de televisão do
Nordeste do Brasil, com os shows das bandas de brega
ou com o comércio de CDs piratas nos camelôs. Todas
as suas formas culturais encontram-se diretamente
ligadas aos usos do corpo em um esforço comunicativo
para afirmá-lo como último valor naquilo que ele tem
de mais material (FONTANELLA, 2007, p. 56).
196
atrativos de ordens bastante distintas nas organizações
de programação. Com poucas variações, era possível
fazer uma leitura sincrônica das grades de programação
para aproximar gêneros televisivos como “programas
de auditório” de dois outros: o programa de humor e o
programa policial. Por isso que a fruição dos atrativos
diários em que as bandas de brega se apresentavam
deve ser pensada também de forma relacional. Ou seja, o
agenciamento da cultura do brega no Recife veio atrelada
a uma premissa também humorística, em que destaca-se a
personagem Cinderela, com larga passagem pela TV Jornal,
em seus programas “Oxe Mainha” e “Papeiro da Cinderela”.
197
Cinderela também compunha seu programa com artistas
da noite do Recife, notadamente da cena gay da cidade,
como a transformista Salário Mínimo, que na televisão, vivia
a personagem Chola, uma cadela meio atabalhoada que
não entendia bem as situações em que estava. Este diálogo
com diversas formas de subalternidade em uma premissa
humorística posiciona Cinderela como uma importante
mediadora – com todas as contradições e processos de
estereotipação possíveis – de uma cultura da periferia em
agenciamentos midiáticos, provocando refletir sobre lugares
possíveis do subalterno dentro de um quadro cultural mais
amplo de disputas simbólicas. Portanto, a música brega
presente nos programas de auditório era também fruída
sob a égide do humor, no continuum que a programação
televisiva provoca do ponto de vista de acionamentos
estéticos.
198
nas grades televisivas, uma triangulação temática – humor
– brega – policial – que compunha o quadro de fruição
daquele conjunto de práticas da espectatorialidade no
Recife.
199
o apresentador Sílvio Santos, através das “caravanas”
do auditório), pode ser pensada sob a premissa das
ambiguidades e do embaralhamento entre poder e
contravenção. No ano de 2005, um escândalo envolvendo
o maior apresentador de televisão do brega local, Denny
Oliveira, colocou ainda mais tintas no debate em torno da
sexualização do gênero musical, das inclinações em torno
da erotização nas corporalidades presentes nos programas
de auditório, provocando um intenso debate sobre moral
dentro das organizações midiáticas.
200
com finalidades ambíguas.
201
limites e permissividades na TV pernambucana. Como
no próprio ordenamento dos fluxos televisivos previstos
pelas emissoras de TV, os apresentadores de programa de
auditório tinham suas condutas questionadas, ao mesmo
tempo que apareciam nomeados não mais pela chave do
riso ou da sensualidade, mas no julgamento dos programas
policiais. O apresentador de televisão Denny Oliveira foi
condenado a 15 anos de prisão pelos crimes de estupro
contra duas meninas e atentado violento ao pudor contra
outras três.
202
As promotoras de Justiça também chamaram atenção para
os depoimentos das vítimas e testemunhas, que seriam
uniformes, mesmo as vítimas não sendo conhecidas
ou amigas, frequentassem as residências ou qualquer
outro local, a não ser a participação em programas de
auditório comandados pelo apresentador. “A subversão
dos papéis de vítima e réu traduz jogo perverso que, no
afã de desqualificar as vítimas, termina por colocar em
maior evidência o perfil criminoso e repulsivo do réu que
não poupa criança e adolescente, para satisfazer a sua
lascívia”, mostraram as promotoras. Outro ponto do qual as
promotoras utilizaram para desfazer a tese da defesa, foi
o fato de que o apresentador comandava concursos entre
adolescentes, e que por isso, tinha a obrigação de saber a
faixa etária das concorrentes.
203
de visualizações e instauraram novos processos de
celebrização agora pelas redes digitais.
204
e artistas) e, em tom incisivo, afirma: “eita, ‘caraio’ mas né
foda mesmo”.
205
– parece que há uma determinação entre as duas situações.
206
“Mainha Painho” parece também ter sido possível diante
da profusão de videoclipes e produtoras de clipes que
apareceram no mercado musical do Recife a partir de 2010,
sobretudo em bairros periféricos da cidade. Os vídeos
caseiros, os fanclipes, as práticas de registro do cotidiano
de forma midiática e musical soam ser eficientes pontos de
partida para se pensar a forte adesão de “Mainha Painho”
entre fruidores de música brega no Recife. Isto porque o
vídeo musical caseiro é um ambiente de reverberação e
compreensão de lógicas performáticas que emulam corpos
midiáticos e são, em si, materialidades do devir-habitar
daqueles artistas que se presentificam em atos, gestos,
olhares, mimetizando um estar midiático agora fortemente
proporcionado pela disseminação via internet e redes
sociais. Não à toa, “Mainha Painho”, o videoclipe, teve uma
série de sátiras, releituras, reapropriações.
207
Primeiramente, porque a então produtora de vídeos se
coloca como “gravadora” em seu perfil no Facebook.
Somente entre janeiro e julho de 2016, 22 videoclipes
tinham sido lançados sob a chancela. O termo “gravadora”
encena uma outra dinâmica no sistema de produção da
música. No contexto do brega recifense, é uma produtora
de vídeos que gerencia desde a gravação da faixa até
a divulgação desta canção em redes sociais. Quando
assume o lugar de “gravadora”, a Pro Rec se coloca no
lugar de produção dentro do sistema musical para além
do registro audiovisual. A parceria da Pro Rec com Thiago
Gravações e com o “Blog dos Bregueiros” triangula um
sistema produtivo em que agenciamento de carreira (Pro
Rec), registro de imagem (Thiago Gravações) e circulação de
conteúdos (“Blog dos Bregueiros”) pontua uma rearticulação
nas dinâmicas de produção e consumo de música entre
sujeitos das periferias e também em seus atravessamentos
geográficos.
208
e gestores de imagem destes locais. Reconfigura-se,
portanto, uma certa ideia de “saber” e conhecimento
engendrada pelo YouTube e pelos usos das redes sociais.
209
Pensar o YouTube como ambiência na qual agentes aprendem,
compartilham, reencenam e se apropriam de conteúdos globais,
é uma questão pertinente nas cenas musicais periféricas
mundiais. Como já expôs Simone Pereira de Sá (2014), a dança
do passinho, no contexto do funk carioca, incorpora uma série
de movimentos corporais de danças das mais diversas partes
do mundo, em função da espectatorialidade proporcionada pelo
YouTube. Cenas musicais no contexto do Caribe (reggeatón,
dembow), da África (kuduro) e na América Latina (funk, cumbia)
parecem operar de forma bastante semelhante ao recorrer ao
YouTube como forma de engendramento de zonas de contato
com o pop transnacional e também com um retorno para
expressões idiossincráticas dos contextos em que emergem.
Reencenações do pop
em videoclipes
Ao falar sobre processos de enculturação, Jesús Martín-
Barbero (2003) coloca uma questão anterior a esta mencionada
por Jenkins (de exclusão dos não-letrados e da aparição de
outras formas de letramento) sob a perspectiva marxista.
“A ideia de cultura vai permitir à burguesia cindir a história
e as práticas sociais – moderno/atrasado, nobre/vulgar”
(MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 146). Numa leitura de Hobsbawn
esmiuçando ainda mais a luta de classes, Martín-Barbero
questiona a razão instrumental e excludente que há em negar
matrizes culturais não dominantes.
210
de expressões culturais de um certo cânone. Em seu Exercícios
do Ver (2001), Martín-Barbero é ainda mais incisivo em pensar
estéticas hegemônicas no campo do audiovisual e o caráter
elitista e excludente que constroem certas ideias em torno da
fuga da norma.
211
porém, com glamour. A ideia de glamour estaria na chave de
compreensão das disputas estéticas que parecem permear o
universo da música brega. Na negação ao princípio de “boa
música”, de ideias em torno da qualidade, o brega tenta emular
estéticas hegemônicas e consagradas midiaticamente como
tentativa de legitimação e reconfiguração de seu lugar nas
práticas culturais. Colocar um helicóptero num videoclipe
significa negociar de alguma forma com o padrão de clipes
internacionais, de artistas da música pop, em que sofrimento e
glamour operam em lógicas de proximidade.
212
Se reconhecemos que a sexualização do discurso de grande
parte das canções do brega opera nas dinâmicas de disputas
entre homens e mulheres em contextos de festa e que, portanto,
o acionamento temporário, efêmero e precário da performance
da piriguete e do cafuçu parecem ser insurgências contextuais,
é possível reconhecermos que neste jogo performático
desenvolve-se também em torno de performatividades de
papéis bastante canônicos nas lógicas sociais. A mulher casada
e recatada aparece no brega sob a alcunha de uma Mary
Campbell que vai até uma igreja ao final do clipe “Mulher de
um Homem Só” endossar o seu amor e se colocar num outro
lugar que não aquele tradicionalmente disposto para a mulher
na música brega. O mesmo MC Sheldon que aparece como
“pegador” e hiperssexualidado em clipes como “Fio Dental”
e “Estilo Panicat”, também sofre por amor e encena as dores
do amor perdido em “O Que Deus Uniu Ninguém Separa”,
videoclipe produzido pela Pro Rec, que conta com câmera em
drone e fogo cênico nos trilhos de uma rua de paralelepípedo
do Recife Antigo para situar a dor do cantor diante da quebra de
um laço amoroso.
213
modernidade e cosmopolitismo.
214
da tecnologia em contextos periféricos e também apontar para
usos e sintomas de valor e poder que estão imbuídos destas
lógicas.
215
216
217
capítulo
A Funkização
do Brega
Manhã de 13 de dezembro de 2013. A apresentadora
Fátima Bernardes, no seu programa Encontro, na Rede
Globo de Televisão, apresenta um dos temas que será
debatido naquele dia. “Vocês vão conhecer um fenômeno
no Nordeste chamado Brega Funk. A galera domina tudo,
desde a produção dos CDs e DVDs até os shows”, anuncia.
Em seguida, tem-se a imagem do MC Sheldon, num de seus
espetáculos, cantando “Tá Lelé, Tá Maluco”. Reyson Santos,
o ator que interpreta a drag queen Jurema Fox (também
cantora de brega), define: “você pega a batida do funk e
coloca toda aquela pegada do brega e dá esta mistura
eletrizante que todo mundo curte”. Reyson explica que a sua
drag queen Jurema Fox ficou famosa no contexto da música
brega funk a partir de um videoclipe que gravou com a
cantora Michelle Melo, “Amiga Fura Olho”, em que faz uma
homenagem às disputas de divas da música pop, no melhor
estilo “The Boy is Mine”, de Brandy e Monica.
221
pirateados e, posteriormente, ida para o YouTube ou para os
blogues e redes sociais, para conhecer as canções, os clipes
e compartilhar as faixas. “A gente é tudo amigo da galera
que tem os carrinhos de CDs e DVDs”, endossa Sheldon.
Para logo em seguida, ele ser mostrado distribuindo seus
CDs e DVDs para serem vendidos, exibidos, num carrinho
que circula pelo bairro de Boa Viagem – a principal praia
da capital de Pernambuco. Ainda segundo Sheldon, o
videoclipe é uma peça-chave no universo do brega funk.
222
de milhões de visualizações que o aproxima dos clipes dos
artistas do brega. No estúdio, Fátima Bernardes tem como
convidada a produtora e DJ Allana Marques, da produtora
Golarrolê, que produz o Brega Naite, festa em que se toca
especificamente o brega. Allana, olhando para Naldo,
endossa: “é uma festa que toca muito brega mas também
muito funk, muito pancadão”. Naldo sorri. Enquanto Allana
Marques tece seus comentários, na tela aparece o twitter de
um espectador que diz: “Eu amo Brega e misturado com o
Funk fica melhor ainda ADORO #encontro”.
223
todos querem se divertir”, afirma a repórter. Em seguida, vemos
a estética do som automotivo: carros com enormes caixas de
som que se reúnem numa espécie de “rave” de Eletro Funk,
em Marechal Rondon, a cerca de 650 quilômetros de distância
de Curitiba, capital do Paraná, cujas principais estrelas são MC
Mayara e DZ MC.
224
1. Diante de um quadro de saturação de uma forma estética
hegemônica, como aquela centrada no brega romântico, no
qual grupos de artistas como Banda Metade, Brega.com, Só
Brega, entre outros, passam a esgotar tematicamente as
possibilidades musicais. Aliado a esse princípio, destaque
para o barateamento que as estruturas dos MCs e do
funk trazem. Se os grupos de brega romântico precisam
de banda, com muitos músicos, baixistas, guitarristas,
bateristas, tecladistas, backing vocals etc, no Brega Funk, a
produção, muitas vezes, é feita apenas através da figura do
produtor, que num programa de mixagem de som baixado
na internet, escolhe as batidas, grava a voz do cantor e
entrega a canção em forma de arquivo para seu “cliente”.
Este barateamento no sistema produtivo de gravação se
reverte num menor custo para shows. Bandas de brega
famosas cobravam, em 2013, em média de R$ 5 mil a R$
10 mil por um show; com a chegada dos “concorrentes”
MCs, este valor teve que cair. MCs do Brega, como Sheldon,
Boco, Elloco, Leozinho, Shevcenko, entre outros, no início
de carreira, cobravam entre R$ 1 mil e R$ 3 mil por uma
apresentação de uma hora.
2. Da necessidade de agenciamento do brega sob a alcunha
de uma música “brasileira” e não apenas pernambucana.
Neste sentido cabe pensar nos processos de tentativa
de corroborar com aquilo que Motti Regev chama de
“cosmopolitismo estético”, ou seja, um conjunto de
processos que envolvem teorizações sobre globalização
cultural e formas de entrada e saída do que se considera ser
moderno. “Hibridismo, creolização, complexidade, mistura,
225
fusão e desterritorialização são conceitos-chaves para
entender as aproximações e distanciamentos que encenam
fluxos culturais multidirecionais e globais” (REGEV, 2013, p.
7). À vista disso, quando pensamos nas inúmeras conexões
possíveis entre o brega e a música pop global, anglófila,
seja a partir das versões das canções cantadas pelos
artistas locais, seja pela corporalidade presente nestes
artistas (o gangsta rap que está presente na primeira fase
do MC Sheldon, quando ele ainda se apresentava como
“contraventor” e “bad boy”; ou a diva pop que habita o
corpo de Michelle Melo, entre inúmeras outras cantoras),
precisamos mostrar fluxos também difusos que envolvem
não só o brega em conexão com o pop global, mas também
o brega com os gêneros populares e periféricos do contexto
brasileiro, neste caso, o funk, prioritariamente, e a música
sertaneja.
226
funk e seus rearranjos em outros contextos fora do Rio de
Janeiro.
227
2. Regras semióticas: abarcam as estratégias de produção
de sentido e as expressões comunicacionais do texto
musical, além da conformação de valores ligados ao que é
considerado autêntico em detrimento da música “cooptada”,
ao modo como as expressões musicais se referem às outras
músicas e como diferentes gêneros trabalham questões
ligadas aos modos de enunciação, às temáticas e às letras;
3. Regras técnicas e formais: como convenções de execução,
habilidades que cada gênero pressupõe dos músicos,
quais instrumentos são necessários ou tolerados, ritmos,
alturas sonoras nas relações entre voz e instrumentos, entre
palavra e música. Estas regras funcionam como importantes
aparatos para pensar as dimensões estratégicas, estéticas
e musicais que aproximam o brega ao funk, como forma
de reconhecimento de um reposicionamento no mercado
musical.
A “abertura”
do brega ao funk
Que implicações há em pensar em como um gênero musical “se
abre” para outros? Motti Regev desenvolve a ideia de “abertura”
como guia para reflexão em torno dos fluxos culturais e,
portanto, estéticos do que significa “se abrir”. Para o autor,
abertura consiste não somente no fluxo direto de bens culturais
“importados”, inclui também a explícita absorção, indigenização,
domesticação de elementos estilísticos exógenos, práticas
criativas, técnicas de expressão e outros componentes na
produção do local, étnico e cultural. A abertura de um gênero
228
musical a outro é uma dinâmica que envolve a própria lógica
dos gêneros musicais, da incorporação, das disputas estéticas e
mercadológicas da música popular massiva em suas premissas
de produção e consumo. Para Regev, a noção de abertura é uma
das chaves de entendimento de um processo mais amplo que o
autor chama de “cosmopolitismo estético”, ou seja:
229
passaram a ocupar os espaços dos programas de televisão, não
sem causar tensão entre os artistas já longamente famosos no
contexto do brega.
230
2012, na ocasião da gravação do DVD da Musa. A faixa “Loira
ou Morena” traz uma disputa entre mulheres no melhor estilo
“eu sou melhor que você” no tocante à loirice ou à morenice.
A canção tem início com uma forte batida funkeada, enquanto
Carlinha, vocalista da Kitara, entra em cena junto a um conjunto
de dançarinas que se movimentam como numa coreografia de
funk carioca – inclusive na caracterização de roupa, com calça
“da Gang”, rebaixada. Trata-se de um momento em que uma
grande banda de brega, com direito a vocalistas, dançarinas,
amplo conjunto de músicos, incorpora aquilo que era “jocoso” e
excessivamente sexualizado quando da aparição desta estética
junto aos MCs.
Ostentar ou não,
eis a questão
Dia 2 de outubro de 2012. Programa de televisão Ronda Geral,
apresentado pelo jornalista Eduardo Moura. O horário do
final da manhã e o início da tarde é ocupado por inúmeros
programas policiais nas emissoras de TV do Recife e Região
Metropolitana. Na abertura do atrativo, Eduardo Moura é
incisivo: “Pela segunda vez, o cantor MC Sheldon passa a ser
notícia nas páginas policiais. Ele e um amigo foram levados
para uma delegacia depois que PMs sentiram cheiro de
maconha no carro em que eles estavam”. O apresentador
reforça: “é a segunda vez que as palavras Sheldon e maconha
são apresentadas juntas”. O tom da reportagem é o de
demarcação criminal. Há uma música de suspense ao fundo
enquanto assistimos a uma mulher loira chegando na delegacia
231
e encobrindo o rosto de um homem – que deduzimos ser
MC Sheldon, uma vez que o repórter Matheus Sukar explica
que o cantor não quis dar entrevistas. Sabemos, através da
reportagem, que junto com MC Sheldon e seu amigo havia uma
arma e um “galho” de maconha.
232
“Caidinha das Novinhas” (331 mil visualizações). Assim como
MC Sheldon, Vertinho também teve passagem pela polícia. Foi
detido em 2015, acusado de estupro de vulnerável (caso que
veio a público via um vídeo postado na internet que mostrava
performance erótica do artista, durante show no Recife, com
pré-adolescente de 12 anos). Tanto MC Sheldon quanto Vertinho
foram publicamente pedir desculpas.
233
Embora repleto de problemas de ordem ética e moral, cabe
tentarmos entender os lugares em que as questões da vida dos
sujeitos periféricos estão fazendo sentido e entram em conflito
com outros. As categorias de contradição e conflito são o
núcleo da maneira de entendimento do mundo que passa pelo
reconhecimento de hegemonias e contra-hegemonias, iguais
e diferentes. É importante não somente mapear a contradição,
mas também perceber a sua dinâmica, suas utopias de
mudança e justiça, reordenamento das visões de mundo.
Ecoando uma questão de Canclini: “sob que condições (reais)
o real pode deixar de ser a repetição da desigualdade e da
discriminação, para converter-se em palco de reconhecimento
dos outros?” (CANCLINI, 2005, p. 24).
234
funk carioca nas quais saíram figuras do pop brasileiro como
Ludmilla. Juntos, Elloco e Shevchenko criaram marca de roupas
e acessórios própria, a 24 por 48, que ambos definem, em
reportagem no Diario de Pernambuco, como “uma mistura de
ostentação e estilo de jogador”.
235
em torno de uma suposta orgia em que o namorado da
personagem liga para ela enquanto todos eles estão no motel.
Para afrontar, o personagem da canção diz que manda a própria
voz no “zap” (WhatsApp) em resposta para o namorado traído.
No início do clipe, é uma menina negra quem canta o “que
brabinha boy”, com voz infantil.
Brega como
cidadania cultural
De que forma consumir produtos culturais aciona disposições
ligadas à cidadania? De que cidadania se está tratando?
Apostamos na ideia de que cidadania e consumo sempre
estiveram articulados, sobretudo em contextos culturais e
históricos como os da América Latina, em que a própria noção
de cidadania é turva. As mudanças da forma de consumo
alteraram significativamente as possibilidades e as formas
de exercer a cidadania. Por cidadania, sempre se instituiu o
exercício de bases legais através de direitos intangíveis, ligados
a culturas e contextos erguidos sob bases políticas.
236
e na descrença em suas instituições que outros modos de
representação se fortalecem.
237
conseguir um mundo mais igualitário, uma vez que rejeitem
o tecnicismo, o utopismo, o liberalismo, o nacionalismo
e o neoliberalismo. Trata-se de um conceito de cidadania
cultural “de sempre”, que, sob a ótica da diversidade e do
multiculturalismo, oculta um conjunto de dinâmicas de
silenciamentos culturais.
Utopia e transformação
Foi com a gravação de vídeos caseiros em que aparece
dançando coreografias de brega funk que Neguim do Charme,
um dos dançarinos do MC Tróia, ganhou notoriedade na cena
brega. À frente do grupo Movimento Dance, dançava desde
os 12 anos de idade, sobretudo swingueira, no bairro do Totó,
na Zona Oeste do Recife. Percebe-se, também, os usos da
visibilidade gerada pelos vídeos caseiros no YouTube também
como forma de celebrização e busca por melhores condições de
vida. “Hoje, contratado com exclusividade como bailarino do MC
Tróia, faz mais de quatro shows por semana, o que lhe garante
cerca de três salários mínimos por mês” (WAGNER, 2016, p. 1).
Em janeiro de 2016, Neguim do Charme apareceu no videoclipe
“Tô Nem Aí”, a partir da canção lançada pelos Mcs Tróia, Lipinho
Dantas, Elvis e PP.
238
uma série de problemas típicos do contexto da juventude das
periferias do Recife, os MCs do Brega Funk trazem à tona uma
série de questões do ponto de vista de representação e utopias.
Fama, celebrização e disposição artística e musical fazem
parte do conjunto de questões pautadas por eles também nos
contextos de onde emergem.
239
alguns pesquisadores. Tenta-se entender e nomear sujeitos
e ações cujas demandas entram em conflito muitas vezes
com os ideais de representação largamente difundidos
através de políticas públicas e das elites pernambucanas. As
contradições e os conflitos estão no meu modo de perceber
a cultura e a música brega em Pernambuco.
240
e era transformado. A cada contato com o campo e a
vasta bibliografia que fui lendo a respeito do brega e das
estéticas da periferia, ia convertendo condicionamentos em
oportunidades para exercer a cidadania. Compreendendo
a beleza do limite e a potência do desejo em escrever uma
outra história. Uma história outra.
241
capítulo
Bregafunk, a
racialização do brega
Enquanto o Recife suava no escaldante verão pré-
carnavalesco de 2018, a cantora pop Anitta postava stories
na rede social Instagram de suas férias numa gélida
estação de esqui, quando, quase como num susto, aparece
reencenando (e “carregando” no sotaque “nordestino”) o
prólogo do videoclipe “Envolvimento”, de MC Loma e as
Gêmeas Lacração. “Ô, minha irmã, eu tô aqui esperando um
úbi (uber), tô desesperada, num tenho dois real no bolso”,
diz Anitta em vídeo. “Oxi, eu num sei o que fazer”, ênfase no
“oxi”.
Corta.
245
as Gêmeas Lacração para os (na ocasião) 30 milhões de
seguidores do Instagram de Anitta dá início a um processo
de ultravisibilidade para a jovem artista pernambucana,
mas sobretudo para o conjunto de artistas agrupados
sob o rótulo do Bregafunk, gerando um processo de
nacionalização da música brega de Pernambuco (SOARES
e BENTO, 2020) que ocorre em meio à intensificação das
trocas materiais, estéticas e simbólicas através das redes
sociais digitais.
246
de influenciadores e figuras “notáveis” na internet. Os
ecossistemas de mídia se alteraram, fazendo com que
formas mais consagradas e longevas de mídias como
a televisão e o rádio passassem a disputar espaço
com a ampla oferta de conteúdos da internet. Com um
detalhe: grande parte dos conteúdos digitais dispostos
nas plataformas de vídeo e em redes sociais digitais (o
videoclipe “Envolvimento” e a “reação” de Felipe Neto
dispostos no Youtube e os stories de Anitta no Instagram)
é produzido fora de sistemas formais de mídia. Improviso,
coloquialidade e inusitado passam a ser importantes valores
destes conteúdos em ampla circulação em rede.
247
com a gravadora Start Music, ambos notáveis por investir
maciçamente em artistas de funk, sitou o Bregafunk como
parte integrante da narrativa do funk, ou seja, sua entrada
no mainstream brasileiro foi atravessada por uma série de
comparações com o principal gênero musical “nascido” nas
periferias do País.
248
conhecido no contexto de Recife emerge em destaque nacional.
Alef Pereira, o Dadá Boladão, ganha reportagem no portal
Kondzilla como aquele que vai “apresentar” o Bregafunk para
públicos mais amplos, sendo apontado como “o cara que está
construindo uma ponte sólida entre o som de Recife e São
Paulo, sem deixar de perder o seu estilo próprio”31. Aquele
ano foi inteiramente dedicado às negociações, contratações,
tensões e deslocamentos de artistas do Bregafunk de
Pernambuco para São Paulo. Como aponta Bento (2018), a
intensidade de intercâmbios entre produtoras paulistas e
artistas pernambucanos fez emergir uma série de “novidades”
mercadológicas derivadas do Bregafunk, criando ora acentos
mais românticos (como no “batidão romântico”), ora criando
conexões mais evidentes com a cultura pop e a música
eletrônica (como no “brega rave”).
249
Jovialização e racismo
O Bregafunk resulta da necessidade de agenciamento do
brega sob a alcunha de uma música brasileira e não apenas
pernambucana, na tentativa de ampliação de mercado e de
um processo de jovialização do gênero musical. Antes de
serem categorizações musicais homogeneizantes, os gêneros
musicais permitem que músicos e audiência estabeleçam
balizas para as disputas de gosto,
250
evidenciando que o processo de jovialização de um gênero
musical implica também em sua mobilidade tanto pelos
circuitos culturais e urbanos quanto digitais.
251
porque sua música “incitaria violência”33 - exemplos do
sectarismo de classe social e do racismo que permeiam
o cotidiano dos artistas de periferia e de grande parte de
indivíduos negras e negros pobres do País.
252
e artísticas que aconteciam nas senzalas e que foram
“apresentadas” ao mundo gerando tanto fascínio quanto
repulsa em sua obra “Da Senzala ao Palco” (ABREU, 2017),
em que nomeia expressões como batuques, lundus, jongos
e maxixes, no caso do Brasil, e coon songs, cakewalks, rags,
spirituals, no caso dos Estados Unidos como “gêneros musicais
ou danças muito variadas, mas que se relacionavam com o
passado da escravidão e com memórias do cativeiro e, desta
forma, ganhavam expressão nos títulos das canções, nos
versos, nas formas de representar e dançar, na caracterização
dos músicos” (ABREU, 2017, p. 6). Ao fazer este recuo
histórico, a tentativa aqui é de perceber como os processos
de jovialização da música brega, que implica em incorporar
jovens negras e negros à paisagem humana do gênero musical,
realça a mobilidade de sujeitos e também os estigmas que esta
ampla circulação proporciona. Traduzindo: as músicas e danças
produzidas por negros podem circular, desde que seus agentes
produtores (os próprios corpos negros) não circulem.
253
ficar nas senzalas, os moços brancos seduzidos pela letra
desabusada e pela música desenvolta… trouxeram-no para
a alegria das serenatas”. O argumento de Lira é de que
o lundu teria chegado às serenatas “apenas” a partir do
interesse e do papel dos “moços brancos”, atraídos pela
letra “desabusada” e posteriormente pelas danças tidas
como sensuais e modernas. A autora não menciona que
esta incorporação do lundu na serenata, na verdade, era
também uma forma de tirar de circulação os corpos negros
das festas abastadas da sociedade pós-escravidão. O
parêntesis histórico é importante para que se observem
que as práticas musicais e artísticas realizadas por sujeitos
negras e negros no Brasil encontra um lastro de fascínio e
exclusão, em que a emergência do Bregafunk se insere.
“Só Dá Tu”:
a dança em rede
Para além de um roteiro histórico mais amplo, é possível
pensar sobre a formação performática dos artistas do
Bregafunk, muitos desvinculados da dimensão estética
da música brega romântica e mais próximos narrativa
e corporalmente do universo dos bailes funk. A música
brega conviveu, desde o final da década de 1990, com
uma pulsante cena de funk no contexto de Pernambuco
(ALBUQUERQUE, 2018) com a presença de festas em
254
clubes de bairro e equipes de som comandada por DJs que
se inspiravam em ídolos do funk carioca como MC Galo e DJ
Malboro (da produtora Furacão 2000). Esta cena de festas
de funk em clubes de bairro do Recife funcionou como uma
espécie de formação performática de artistas que viriam
se consagrar no cenário do Bregafunk posteriormente,
como MC Leozinho e MC Elloco. É no contexto midiático de
crescimento das redes sociais digitais e na consolidação do
YouTube como plataforma de compartilhamento de vídeos
que se destaca a abertura performática da música brega
pernambucana ao funk.
255
Bregafunk, é preciso voltar ao ano de 2017, quando, um
ano antes da viralização do videoclipe “Envolvimento”, de
MC Loma e as Gêmeas Lacração, um outro fenômeno viral,
agora de “dança em rede social” tomou conta das redes
sociais digitais, conectando vídeos postados no Youtube
com ações em vídeos virais no Instagram: o “Desafio Só
Dá Tu”35 (SANTOS, LOPES e SOARES, 2018). “Só Dá Tu”,
cantada pela banda A Favorita, é a versão em brega da
música “I Got You”, da cantora estadunidense Bebe Rexha e
integra uma prática usual no contexto da música brega de
Pernambuco: a realização de versões de hits da música pop
com acento bregueiro. O que diferencia “Só Dá Tu” de outras
versões reside naquilo que viria consagrar outras canções
de brega romântico e de Bregafunk no contexto das redes
digitais: o seu apelo para dança.
256
do canto de Raphaela Santos, com tom bastante agudo e
notável extensão vocal, fazem com que a canção congregue
características sonoras já notadamente “viralizáveis”.
257
privilegiar outros valores sonoros e musicais, um deles
é a capacidade de “captação” de atenção, do inusitado
de algum trecho ou expressão contida na canção e
também diante de uma dimensão que acione algum traço
humorístico.
258
verso de “Só Dá Tu”, a pessoa fazia a coreografia de erguer
os braços e “arrebitar” o quadril.
259
da faixa original “I Got You”, a estadunidense Bebe Rexha
compartilhou em seu perfil no microblog Twitter a frase “Só
Dá Tu” e um vídeo onde entoava o famoso trecho da versão
de brega.
260
coreográficos que iriam habitar vídeos dispostos em redes
sociais e instaurar novos movimentos de intensificação dos
processos de celebrização de anônimos no contexto da
música brega de Pernambuco. A dança, mais uma vez, se
consagra como um elemento intensificador da presença em
rede social e das disputas de valores que surgem dentro do
gênero musical.
261
disputadas também em redes sociais digitais. É na conexão
do Youtube com a rede social Instagram que se notarizaram
passos acrobáticos dos dançarinos de passinho, seja no
cruzamento das pernas, do agachamento e dos movimentos
dos “quadradinhos” e que viriam a ser importantes
mediadores de valores coreográficos tanto no funk quando
em outros gêneros musicais. Importante perceber como a
ideia de vigor e “entrega” são consagrados nas batalhas
de passinho e novamente acionados em outros contextos
como no Bregafunk. Sem camisa, corrente no pescoço, uma
ajeitada na bermuda para mostrar mais as coxas e aumentar
o volume entre as pernas, leve flexionada dos joelhos, cara
sensual e assim os dançarinos de passinho vão recebendo
curtidas.
262
catalisadores de vídeos que celebrizaram dançarinos
de passinho. Um deles foi San do Passinho, que após
compartilhar vídeos “quebrando” em suas redes sociais,
criando coreografias com amigos do bairro de Água
Fria, na periferia do Recife, formou o grupo Os Lokos e
foi contratado pelos MCs Shevchenko e Elloco para se
apresentar no “corpo de baile” da dupla.
263
à cena do funk e da música pop, o Bregafunk era “trazido”
de volta a Pernambuco, por artistas que demarcavam a
autenticidade e origem do gênero musical nas periferias da
Região Metropolitana do Recife. A ostentação da bandeira
do Estado de Pernambuco como marcação de origem
no videoclipe “Ninguém Fica Parado”, de Shevchenko
e Elloco e Maneirinho do Recife apresenta este traço
performático e “diferencial” do cancioneiro de Bregafunk
que era feito “aqui” em contraponto àquele feito “de fora”.
Em um vídeo produzido pela produtora KondZilla e com
claro endereçamento nacional, os MCs cantam e dançam
enquanto seguram a bandeira de Pernambuco39.
264
ao se reunirem para se encontrarem e darem um “rolê”
pelos shopping centers, os encontros regados a dança
e coreografias de passinho dos malokas ganhavam um
componente ainda mais perverso no contexto do Recife:
os jovens eram hostilizados (e expulsos) não em espaços
privados como em shopping centers, mas em locais
públicos, de ampla circulação de pessoas, sobretudo
quando estes lugares estavam localizados em bairros
abastados da capital pernambucana40. Pedidos para que
grupos de jovens dançando passinho “se retirassem” de
parques públicos e praças por “ameaça à ordem pública”
foram amplamente compartilhados em redes sociais e
noticiados na mídia.
265
erótica da dança popular e dos dispositivos flutuantes das
performances de gênero. Frequentemente “acusado” de
“perverter” mentes e “sexualizar” crianças, o gênero musical
passa a integrar uma agenda moral fortemente ligada a
grupos conservadores.
Disputas morais
através do Bregafunk
Ligo a seta do carro para pegar a rua Arão Lins de Andrade,
que liga os bairros de Piedade e Prazeres, ambos na cidade
de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana
do Recife. É um domingo à tarde e, à medida que vou
adentrando às áreas mais residenciais e populosas do
bairro de Prazeres, uma paisagem humana se desvela:
crianças e jovens dançam passinho dos malokas nas
calçadas enquanto a música alta vaza entre casas e
estabelecimentos comerciais fechados. Num cruzamento
pouco movimentado, grupos de amigos “fecham” a rua com
barras improvisadas de madeira enquanto jogam futebol. Há
também cadeiras nas calçadas com senhoras que assistem
despreocupadas aos embates coreográficos e esportivos.
266
da música, ignorando competições, disputas. O Bregafunk
também embala o jogo de futebol. Entre um drible e outro,
uma “kikada”, sobretudo depois de um gol ou de um
lance polêmico. Os diferentes tons de pele dos jovens são
realçados pela ausência de camisa, pelas bermudas largas e
por alguns cabelos “descoloridos”, em cortes “raspadinhos”
e com “risquinhos” na sobrancelha.
267
molhados e roupas claras, mulheres de cabelos longos e
lisos, o único homem vestindo uma camisa abotoada e
formal, sai em direção à igreja no fim desta mesma rua. Eles
caminham na mesma calçada em que, horas antes, grupos
de jovens dançavam passinho. Mais alguns passos adiante,
acho que a mulher adulta do grupo leva uma Bíblia, passam
a caminhar pela rua – aquela que estava fechada para o
jogo de futebol improvisado. Na calçada, restos de cimento
de uma obra inacabada, peças de porcelanato aguardando
serem dispostas num muro em construção. Enquanto esta
família caminha pelos espaços que, mais cedo, estavam
ocupados pelo jogo, pela música e pela dança, começo
a perceber que a questão do Bregafunk nas periferias da
Região Metropolitana do Recife diz respeito sobretudo a
disputas morais que se encenam no cotidiano, nas relações
familiares, interpessoais, de vizinhança e comunitárias.
268
configurações sociais criam ou validam diferentes princípios
morais com consequências sobre a vida dos indivíduos. Em
sentido amplo, a moral é sempre disputada em contextos
diversos e se edifica a partir de consensos e dissensos que
vão se formando a partir das tessituras da vida cotidiana.
269
voluntário de jovens sobre suas práticas de lazer e diversão
seculares (não religiosas) ligadas à música brega parecia
ser o sintoma de um conjunto de práticas regulatórias
morais existentes nos ambientes familiares. Em muitos
relatos, a ideia de que a “ida a uma festa de brega” aparecia
conectada a ideais de que você seria uma pessoa “devassa”,
imoral ou ligada a valores “deturpados” era recorrente.
Este indicativo se acentuava quando se fazia um recorte
de gênero: mulheres eram mais cobradas a não irem aos
eventos como as festas de brega para que não “servissem
de mau exemplo” para outras.
270
discursos religiosos. Estudiosos da religião localizam que,
entre as décadas de 1990 e 2000, as ações pentecostais
representadas sobretudo pela Assembleia de Deus se
intensificam e ramificam para o que se convencionou
chamar de neopentecostalismo – vinculando igrejas como
Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus,
Renascer em Cristo, entre outras.
271
religiosa pentecostal e neopentecostal que se enraíza nas
periferias brasileiras, pelo menos, desde a década de 1980.
Este debate incorre na valorização de uma juventude cristã,
religiosa e moralmente “consciente” em oposição a grupos
de jovens hedonistas, de “fora da igreja” e “perdidos”. Trata-
se, antes de tudo, de um debate binário que reproduz a
lógica de conversão e de conquista de fiéis que pautou as
práticas missionárias das igrejas evangélicas no contexto
brasileiro.
272
Nogueira, que passou pelo Instituto Moreira Sales, do Rio
de Janeiro e São Paulo, entre os anos de 2017 e 2018. “À
Procura do Quinto Elemento” é uma obra composta de
52 fotografias e um vídeo com as apresentações de MCs
em um reality show para a escolha de um “novo artista”
para uma importante produtora de funk paulista. Retrata,
como atesta o curador Thyago Nogueira, “uma geração
acostumada às selfies e às redes sociais, que sabe usar a
pose e a performance de palco para tratar de seus anseios,
disputar um lugar ao sol e ascender socialmente”. Grande
parte dos concorrentes a MCs no reality show são jovens
pobres e negros das periferias que encontram no funk (e
na música) uma forma de visibilidade e ascensão social.
O embate moral, ético e performático da obra de Bárbara
Wagner se apresenta quando a artista dispõe, ao lado de
“À Procura do Quinto Elemento”, o filme “Terremoto Santo”,
feito em colaboração com o artista Benjamin de Burca,
um documentário musical com jovens da Zona da Mata
pernambucana que sonham em gravar um videoclipe gospel.
“A expressão musical é parte importante da liturgia
evangélica da região, o que permite que os jovens usem a
imagem e a voz para buscar uma nova forma de trabalho.
A performance diante da câmera também revela aspectos
sociais, econômicos e estéticos da prática pentecostal”,
afirma o curador Thyago Nogueira.
273
as obras de Bárbara Wagner nos sugerem é que as disputas
morais a que estamos nos referindo é atravessada pela
questão da imagem e do som (da música), por um conjunto
de ambiguidades e interditos que constituem as práticas
performáticas dos sujeitos em seus contextos sociais.
Compreender as construções de consensos morais em
torno de corpos que circulam pelas periferias da Região
Metropolitana do Recife e também em diversos contextos
brasileiros, devem auxiliar para leituras menos binárias
e moralistas da realidade, colocando em evidência as
vivências sociais e humanas como partes integrantes de
projetos inacabados de sujeitos, sempre em construção e
em diálogo com instituições e normatizações.
Julgamentos e
conhecimentos corporais
No dia 28 de agosto de 2019, a integrante da bancada
evangélica da Assembleia Legislativa de Pernambuco
(Alepe), deputada Clarissa Tércio (PSC), apresentou o PL
494/ 2019, que dispunha “sobre a proibição de exposição
de crianças e adolescentes no âmbito escolar, a danças que
aludam a sexualização precoce e inclusão de medidas de
conscientização, prevenção e combate à erotização infantil
nas escolas do estado de Pernambuco”41. Sem mencionar
diretamente o passinho dos malokas, o PL indiretamente se
constituía a partir das práticas de danças sobretudo ligadas
274
ao Bregafunk em contextos escolares. O debate foi pautado
por disposições morais: “uma criança dançando na escola,
balançando o bumbum, não é cultura”, afirmou, na ocasião,
a deputada em suas redes sociais. Conforme radiografou
Mariama Correia42, no site Marco Zero, ao menos, cinco
projetos de leis em contextos que passaram por São Paulo,
Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Paraíba e Pernambuco
apresentavam tentativas de censura a dança em ambientes
escolares.
275
não leva em consideração um conjunto de disposições
que dizem respeito a práticas corporais amplamente
presentes nas culturas populares. O corpo e o prazer da
dança, em grande medida, vinculam-se a leituras sexuais
de gestos coreográficos realçando a necessidade de impor
disposições regulatórias que impeçam jovens a dançarem.
Além do prazer da dança, é na chave da relação corporal,
das descobertas dos movimentos e do entendimento de
seus próprios corpos que jovens utilizam-se da dança como
estratégia de visibilidade.
276
forma, mover-se dançando, tocaria numa espécie de regime
de verdade para além da configuração discursiva da fala,
como sugere o autor ao citar verso da canção “Hips don’t
lie” (“Quadris não mentem”), da cantora colombiana Shakira:
“Então seja sábio e continue/A ler os sinais do meu corpo/
Eu estou aqui nesta noite/Você sabe, meus quadris não
mentem”. O corpo sexualizado que dança no ritmo do
passinho dos malokas faz aparecer também um corpo
espontâneo, que se entrega ao ritmo, prazer e deleite de
ocupar o espaço público, seja nas redes sociais digitais, seja
nas dinâmicas urbanas ou nos pátios das escolas.
277
se estabilizar – embora sempre passível de novas
instabilidades. É sobre o argumento coreográfico do gênero
que Susan Foster (1998) se conecta às ideias de Tomazzoni
(2015) para apresentar possibilidades de leituras de gênero
em danças nas mídias. As coreografias de gênero implicam
em perceber “movimentos de existência” dos sujeitos que
dançam permitindo perceber resíduos culturais mediados
nos corpos.
Dançarinas de Bregafunk:
gênero, corpo, trabalho
Adentrando ainda mais nas disputas morais em torno do
Bregafunk é inevitável o reconhecimento das desigualdades
de gênero no tocante à presença de homens e mulheres
em lugares de destaque no panteão artístico do gênero
musical. Durante os anos de 2017 e 2020, homens ainda
eram amplamente reconhecidos como MCs e protagonistas
no Bregafunk enquanto às mulheres cabia, em geral, o
lugar de dançarinas e de “coadjuvantes” neste processo.
Levantamento realizado pelos jornalistas Maira Stephane
e Pedro Oliveira43, elencou que, no ano de 2018, dos 17 dos
MCs mais populares de Bregafunk todos eram homens –
levando em consideração engajamento e popularidade em
redes sociais. Os “corpos de baile” destes artistas reuniam
34 pessoas, na ocasião, sendo 20 homens e 14 mulheres.
278
As desigualdades de gênero integram parte significativa
daquilo que mais amplamente chamamos de “políticas
de gênero” (SOARES e LINS, 2017) ou seja as ações
institucionais organizadas em torno do debate sobre
igualdade de gênero, relações e hierarquias entre gêneros
e suas transformações políticas, sociais e econômicas.
Mesmo que as conjunturas de poder e interesse estejam
em constante transformação, são justamente as estruturas
hierarquizantes entre os gêneros as que permanecem
profundamente enraizadas nas instituições e organizações
da sociedade. Simultaneamente, a continuidade das
assimetrias de poder entre os sexos tornou-se frágil. Elas
são diferentes entre os sexos e dentro de cada grupo de
gênero (STIFTUNG, 2007, p. 14).
279
musical como forma de apresentar relações menos
assimétricas entre sujeitos nestes contextos.
280
A questão do trabalho parece ser central sobre o
autorreconhecimento como dançarinas profissionais e
também no afastamento da ideia de uma “vida doméstica”.
Elas lembram do “primeiro salário”, do que fizeram “quando
receberam o cachê” e relatam aquilo que seria a maneira
com que “entraram” no ambiente do Bregafunk. Descoberta
por um famoso MC ou numa escola de dança comunitária,
o processo de “se tornar” dançarina integra uma prática de
autonomia da mulher em práticas interseccionais de raça
e classe social (DAVIS, 2016) a partir do reconhecimento
da força de trabalho do seu corpo. A dimensão material do
corpo da mulher na leitura marxista de Davis nos convida
a pensar para além da dimensão moral que recai sobre as
mulheres dançarinas, trabalhadoras da noite e do mercado
de entretenimento. As condições de vulnerabilidade social e
racial a que jovens das periferias estão submetidas incidem
sobre o reconhecimento do corpo como um instrumental
de trabalho – para além dos ideais patriarcais do corpo
feminino em trabalho doméstico.
281
que se sentem aptos a tocarem nelas, filmarem suas áreas
genitais e agarrarem em saídas de shows evidenciam traços
do que as próprias dançarinas chamam de “ações corriqueiras”
– elas também relatam que são protegidas por seguranças e,
em alguma medida, por sua própria recusa. Há dançarinas que
dizem se incomodar muito quando o assédio ultrapassa o limite
e chega ao toque, outras relatam que deliberadamente não
ligam e que “até gostam” de provocar e de “se sentir desejada”.
O que parece haver neste interstício entre o prazer de causar
o desejo e o medo do avanço excessivo do homem é a própria
dimensão performática que envolve suas vidas dentro e fora do
palco: provocar é parte integrante do jogo de sedução no palco,
mas uma vez que o “jogo cênico” termina, o “pacto simbólico”
do ato de dançar e atiçar o imaginário alheio também deve
esmaecer. É nesta zona limítrofe entre o prazer do trabalho
de dançar e as ingerências decorrentes das desigualdades de
gênero e do machismo que o trabalho se desenvolve e parece
ser o “desgaste” da atividade das dançarinas de Bregafunk.
282
quando para finalidades exclusivamente sexuais.
283
Brega como música negra
A consagração do Bregafunk leva a música brega a uma
consagração midiática e nacional. Volta-se também para o
entendimento e uma releitura do brega romântico, abrindo-se
para um processo de racialização da música brega, ou seja,
a identificação do processo de construção social de raças
na esfera musical. O conceito de racialização rompe com os
padrões estabelecidos e legitimados que concebem raça como
sendo uma simples característica determinada pela biologia
dos corpos ao mesmo tempo em que rompe com a visão de
que raça teria alguma essência (GILROY, 2001), enfatizando
o caráter histórico, político, cultural, econômico e social na
construção de sujeitos racializados.
284
como evidencia Araújo (2010), que relaciona este cancioneiro
aos contingentes de migrantes no Sudeste brasileiro nas
décadas de 1960 e 1970. O autor ressalta a marcação de classe
social tanto no consumo quanto na dinâmica produtiva das
canções, ao mesmo tempo em que reconhece a potência
poética e política da música brega (cafona) no tocante à censura
no período da Ditadura Militar. Araújo ressalta a existência de
uma “linguagem de frestas” no cancioneiro brega, linguagem
esta que despista a censura e impõe a sagacidade e criatividade
em um contexto restritivo de liberdade de expressão no Brasil.
285
grandes cidades, ora reconhecendo as assimetrias de gênero
e a poética das letras que ressaltam enquadramentos sobre o
papel da mulher e do homem nas encenações melodramáticas
das canções, ora a partir das ambiências e circulações do
consumo musical.
286
Apelidada de “Sapoti” pelo presidente Getúlio Vargas em
função da cantora ter uma “voz aveludada e pele da cor de
sapoti”, Sovik atesta que “Ângela Maria e sua música existiam
no limiar entre ser negro ou ‘sapoti’ e a suspensão desta
identidade – indicando ao mesmo tempo negritude e ausência
de cor, identidade e piada” (SOVIK, 2009, p. 121). Segundo
a autora, somente em 1956, quando a cantora fez cirurgia
plástica, afinou o nariz, clareou a pele e tingiu o cabelo para
aparecer fantasiada de baiana na capa do disco “Isto é Ângela
Maria” é que o aspecto racial foi debatido na imprensa. Ou
seja, Ângela Maria foi identificada como negra por subtração.
Assegura Sovik: “mais discutido do que sua cor, na cobertura da
imprensa no auge de sua carreira, era seu estatuto de mulher na
promoção da imagem da esposa e mãe”. (SOVIK, 2009, p. 122)
287
Se observarmos os não-ditos presentes na observação de
Sovik sobre a negritude de Ângela Maria, assim como o
conjunto de postulações que resultam no estudo de Xavier
sobre consumo, lazer e diversão das populações negras
nas periferias brasileiras, observa-se a ausência de um
debate de raça interseccionado, ou seja, como um fator
de acentuação das diferenças tanto nas dimensões de
enquadramento performático de artistas quanto nas formas
de consumir música urbana.
288
Whitney Houston. O cantor Sheldon ostenta o codinome de
“Diamante Negro”.
Institucionalização
(e exclusão) no brega
Meu celular toca, número desconhecido. Desconfio ser
mais um daqueles atendentes de telemarketing ou robôs
de cobrança. Atendo. Do outro lado da linha, era o deputado
Edilson Silva (PSOL) convidando para uma audiência pública
da Comissão de Cidadania da Assembleia Legislativa de
Pernambuco para o debate sobre políticas públicas em
torno da integração do brega às festividades promovidas
pelo Estado de Pernambuco. “Queria que você falasse sobre
a importância cultural do brega e também sobre os impactos
econômicos para a economia”, disse o deputado.
289
de Cultura, através da Fundarpe e da Empetur, de padronizar
a divisão de orçamento para atrações do Carnaval através
da clivagem dos gêneros musicais.
290
16.044/2017 é publicada no Diário Oficial do Estado, tendo
sido aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa
de Pernambuco. O que, em linhas gerais, a lei permite é
que o brega possa disputar verba pública para ocupar
espaços em eventos financiados pelo Estado, ao lado de
artistas de outras expressões da cultura popular como
frevo, maracatu, ciranda, entre outros. Instaura-se assim
um debate sobre políticas públicas e o reconhecimento de
diferentes matrizes da cultura popular: para além do popular
folclórico, sintetizado pelas expressões culturais protegidas
e incentivadas pelo Estado, existe um popular midiático que
também funciona como dispositivo identitário e agregador
de ideais culturais de um território.
291
Troinha e Tocha postaram vídeo na rede social
Facebook expondo o episódio: “O brega é por lei cultura
pernambucana, mas o preconceito e a falta de respeito
continuam”. O que, em linhas gerais, os MCs relatavam
é que “virar lei” não faz do brega permissivo em todos
os espaços. As barreiras políticas, estéticas e morais
seguem entrincheirando o gênero musical nos espaços
de espetáculos, criando zonas de negociação que fazem
acentuar o estigma e a origem periférica e racializada de
grande parte dos artistas.
292
Inverno de Garanhuns e Carnaval – todos vinculados ao
brega romântico ou “brega das antigas”.
293
Coquetel Molotov: Troinha em 2018, a dançarina Dani Costa
em 2019 e Rayssa Dias na edição online em 2020 em
função da pandemia de Coronavírus foram reconfigurando
o Bregafunk no circuito de entretenimento da Região
Metropolitana do Recife, atenuando as diferenças e
promovendo ampla visibilidade para artistas que também
ajudaram a minimizar estigmas.
294
A centralidade do Bregafunk como música pop brasileira
em 2020 aponta para a necessidade de compreensão
das tramas midiáticas e contextuais que ensejaram o
gênero musical. É parte de um processo que envolve atores
humanos (artistas, músicos, produtores e mediadores
culturais) e atores não-humanos (plataformas digitais de
compartilhamento de vídeos, aplicativos musicais, aparelhos
de celulares, entre outros) conectando-se em redes sócio-
técnicas que se movem, agrupando interesses em torno
de ações performáticas compartilhadas e retroalimentadas
por novas redes que se ampliam a partir de sistemas de
recomendação. A formação e a retroalimentação destas
redes dependem de dispositivos tecnológicos que se
tornaram acessíveis a partir do acesso das classes
populares a tecnologias móveis, do barateamento dos
dispositivos tecnológicos, alterando a forma de produzir e
consumir música nas periferias do Brasil.
295
fissuras: evidenciando as tensões de sua conexão com
manifestações da cultura pop global, amplamente comercial
e as questões em torno do pertencimento e da marcação
territorial como “música pernambucana”, além dos estigmas e
do racismo que permeiam as relações de poder.
296
Notas de fim
1 Corroboramos aqui com a ideia de “incômodo” como pensada por Felipe Trotta,
na palestra “A Música que Incomoda”, na Universidade Federal de Pernambuco, em
março de 2016.
2 O termo faz referência ao Festival Pernambuco Nação Cultural, que entre 2007 e
2014, elaborou 74 etapas, realizando shows musicais em 82 cidades do interior de
Pernambuco. Nenhum artista de música brega integrou o evento em seus sete anos
de realização. O documento sobre o projeto está disponível em: https://issuu.com/
cultura.pe/docs/revista_secult_web_final.
3 O projeto “Music from Pernambuco” foi realizado pela Astronave Iniciativas Culturais,
criado pelo produtor Paulo André Pires (do Abril pro Rock), e teve apoio da Funcultura
(Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura) e Fundarpe (Fundação do Patrimônio
Histórico e Artístico de Pernambuco).
4 “Em grego, o cânone era uma regra, um modelo, uma norma representada por uma
obra a ser imitada. Na Igreja, o cânone foi a lista, mais ou menos longa, dos livros
reconhecidos como inspirados e dignos de autoridade” (COMPAGNON, 2010, p. 222).
5 Estamos aqui lembrando o que Genette chamou de “ilusão estética” ou o relativismo
de quem olha: a posição do crítico e a tentativa de fixar valores, seja destacando uma
certa objetividade científica (a partir de leituras imanentes) ou também apontando a
(suposta excessiva) subjetividade da crítica como um lugar “menor” de observação.
Dentro deste quadro, sabemos que mesmo diante de toda tradição de abordagens
imanentes nas ciências humanas (formalistas, estruturais), sempre coube à crítica
vazar disposições subjetivas, o lugar do crítico como amparado em escolhas muito
pessoais e a disposição para leituras políticas destes posicionamentos.
6 Para a íntegra da matéria: http://eutonamidiapb.com.br/33595/noticias/banda-
sedutora-em-menos-de-tres-anos-tem-13-formacoes-diferentes.
7 Joelma, ex-vocalista da banda Calypso; Michelle Melo, ex-vocalista da banda Metade;
Priscila Sena, ex-vocalista da banda Musa do Calypso; Carlinha, ex-vocalista da banda
Kitara; Palas, da banda Ovelha Negra; Dany Miller, ex-vocalista da banda Ovelha
Negra; Elisa, ex-vocalista da banda Brega.com. Percebe-se a intensa mobilidade de
artistas de brega na aparição e no fim de bandas centradas na figura da mulher.
8 Percebemos também agenciamentos entre Rio de Janeiro (a cena musical do
funk) e Recife, a partir do momento em que aparecem os MCs do brega (mestres
de cerimônia) centrados na figura masculina, sexualizada, evocando a sedução e a
dominação masculinas como retórica (integram este diálogo, cantores do funk carioca
como Mr. Catra, MC Marcinho, MC Sapão, Bonde do Tigrão, entre outros, e os MCs do
brega pernambucano, como Sheldon, MC Troia, Boco, GG, Leozinho, as duplas Metal e
Cego, entre outros). Sobre este processo podemos chamar de “funkização do brega”
gerando, inclusive, uma nomenclatura de uma sub-gênero musical chamado “brega
funk”.
9 O Manguebeat (também grafado como Manguebit ou Mangue beat) pode ser
traduzido como um movimento de inspiração contracultural ocorrido no Recife
na década de 1990 que usava do mangue como metáfora da diversidade musical
de Pernambuco. Artistas que promoviam “misturas” de ritmos regionais, como o
maracatu com o rock e o hip-hop, despontaram neste cenário, notadamente, Chico
297
Science e Nação Zumbi e Mundo Livre S/A. O Manguebeat influenciou bandas de
Pernambuco, sendo o principal “motor” para Recife ser reconhecida midiaticamente
como um “centro musical”, e permanecer com esse título até hoje.
10 Nomenclatura que soa como uma síntese da junção entre o pagode baiano e a axé
music.
11 Podemos pensar também numa geografia distintiva dos espaços de shows: havia
aqueles mais “nobres” na área de entretenimento, como o Circo Maluco Beleza (reduto
onde jovens da classe média se reuniam, frequentemente, para shows de axé music),
o Clube Português ou o Pavilhão do Centro de Convenções também cediam seus
palcos para apresentações de grupos de pagode.
12 Lembremos que os anos 1990 foram centrais na cristalização da axé music e das
micaretas, os Carnavais fora de época num modelo de entretenimento gerado nos
padrões da folia de Salvador.
13 Uma prática que se assemelhava ao quadro da Banheira do Gugu, do Domingo
Legal, em que, a certa hora, em meio a um show de pagode, jogava-se espuma na
plateia e se iniciava uma “guerra” de mela-mela que se convertia num jogo de paquera
e sedução.
14 As configurações musicais (arranjos, letras) eram bastante semelhantes, por
exemplo, às do cantor Reginaldo Rossi – uma espécie de precursor da “movimentação”
em torno da música romântica no Recife.
15 A música foi gravada também por artistas de “âmbito” nacional, como o pagodeiro
Vavá e os sertanejos Zezé di Camargo & Luciano, entre outros.
16 Foi em meio a estes procedimentos discursivos que “estourou” nas rádios, no final
de 2001, a música Amor de Rapariga, logo “apelidada” de Melô da Rapariga. A canção
foi cantada por Palas, vocalista do grupo Ovelha Negra, e trazia versos explícitos
como: “Amor de rapariga não vinga, não/ Não tem sentimento, não tem coração/ Eu
sei que logo ele vai perceber/Esta é a diferença entre nós duas/ Todo homem quer
uma mulher só sua”.
17 Cabe aqui uma definição acerca do que vem a ser uma festa brega no contexto da
cidade do Recife e Região Metropolitana: trata-se de um evento em que artistas da
cena brega local se apresentam. Neste sentido, adota-se o brega como um gênero
musical e a festa como uma espacialidade na qual a estética e as experiências deste
gênero são performatizadas. Artistas como MC Shedon, Michelle Melo, banda Musa
do Calypso, Kitara, entre outros, são endereçados como bregas. Vale aqui fazer
diferenciações dos usos acerca do termo: o emprego do brega no Recife difere, por
exemplo, do tecnobrega do Pará e também da música cafona dos anos 1970.
18 Antes de tudo, é preciso fazer uma ressalva em torno da tradução para português
do termo “conveniência”, que, nos escritos originais de Yúdice, aparecem como
“expediency”. O termo, como usado pelo autor, traz à tona os usos ligados às lógicas
de políticas culturais e legitimações governamentais em torno de bens intangíveis. A
forma com que pensamos “conveniência” talvez se aproxime mais da palavra original
em inglês “convenience” que, por sua vez, não é usada por George Yúdice. O uso
do termo “conveniência” como fazemos neste texto, portanto, é mais inspirado pelos
escritos de Yúdice que, propriamente, uma tentativa de extensão de suas noções.
Neste caso, tento fazer um (re)enquadramento do termo para compreensão das
“brechas” e “conveniências” existentes nas experiências dos gêneros musicais.
19 O uso do termo “episteme” como faz Yúdice remete à noção como pensada por
Michel Foucault, ou seja, a episteme como um paradigma comum aos diversos
saberes humanos em uma determinada época que, por se embasarem numa mesma
estrutura, compartilham as mesmas características, independetemente de suas
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diferenças específicas.
20 Na letra “Tá Querendo o Quê, Novinha?”, o MC Sheldon canta versos em que
sugere que a novinha vai querer tomar “Toddynho” (marca de leite achocolatado
comum entre jovens, mas que funciona como metáfora de sexo oral).
21 Percebemos aqui que a teoria da performance de gênero de Butler lembra o estudo
sobre o performativo nos atos de fala, de J.L. Austin, para quem a fala não apenas
descreve o que existe, mas “faz algo existir”. “Eu agora os declaro marido e mulher”
não descreve algo apenas, mas faz existir algo.
22 Uma das questões mais problemáticas no brega do Recife é o debate sobre autoria
das canções. Quando uma faixa faz sucesso, é disseminada nos “carrinhos de CD
pirata”, aparece nas programações das rádios comunitárias, ela passa a entrar no
repertório de praticamente todas as bandas – ao mesmo tempo. O que problematiza
ainda mais o reconhecimento de quem primeiro cantou a faixa ou é, de fato, seu autor.
23 Por “imposição psicossocial”, entende-se na ideia de que gênero é um ato
intencional e performativo: palavras ou gestos que, ao serem expressos, e repetidos
de uma forma estilizada, produzem um efeito ontológico, levam a crer na existência
de seres homens e seres mulheres. Os gêneros, portanto, são performances sociais.
(PORCHAT, 2010, p. 2).
24 O funkeiro carioca MC Papo compôs uma canção chamada “Piriguete”, de levada
próxima do reaggeton, cujo trecho diz: “Ela curte funk quando chega o verão/ No
inverno, essa mina nunca sente frio/ Desfila pela night de short curtinho/ Ela gosta é
de cara comprometido/ Não tem carro, anda de carona (...)/ Todo mundo já conhece,
sabe o que acontece/ Quando vê a gente ela se oferece/ Mexe o seu corpo como se
fosse uma mola/ Dedinho na boquinha, ela olha e rebola/ Chama atenção, vem na
sedução, essa noite vai ser quente/ Eu vou dar pressão”.
25 Na ocasião, Ivete Sangalo usou da identidade de “piriguete” para incluir em seu
show um bloco de canções ligadas ao pagode popular e ao arrocha – gêneros musicais
marcadamente presentes na periferia de Salvador, Bahia. A partir de então, Sangalo
recorria à alcunha de “piriguete” para cantar desde faixas como “Piriri Pom Pom”, da
banda Um Toque Novo; passando por “Mulher Brasileira (Toda Boa)”, do Psirico e até
“Você não Vale Nada”, sucesso na voz de Calcinha Preta.
26 O gênero desenvolveu-se durante os anos 1980 nos Estados Unidos. Um dos
pioneiros do “gangsta rap” foi o rapper Ice-T com seus singles “Cold Wind Madness”
e “Body Rock/Killers”, de 1983 e 1985.
27 As próprias bandas de brega, que não tinham recursos para gravar discos, munem
o mercado musical com registros de suas canções, em geral, ao vivo, a partir de
gravações amadoras. Mesmo sendo uma prática ainda muito comum, a “carrocinha
de CD pirata” agora tem uma concorrente de peso; e os artistas, mais um instrumento
de divulgação: a internet.
28 A tamanha repercussão do caso fez com que houvesse um verbete sobre o “Caso
Denny Oliveira” até no Wikipédia.
29 Disponível em http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-
urbana/2015/06/13/interna_vidaurbana, 581019/mc-vertinho-foi-solto-nesta-sexta.
shtml
30 Reportagem do jornal Folha de São Paulo chamando MC Loma de funkeira: https://
f5.folha.uol.com.br/celebridades/2018/09/mc-loma-processa-seu-empresario-e-
alega-nao-receber-repasse-de-caches-de-shows.shtml.
31 Para mais informações: https://kondzilla.com/m/dada-boladao-apresenta-o-
bregafunk-de-recife.
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32 Para mais informações: https://blogs.ne10.uol.com.br/social1/2019/06/08/
produtor-pede-desculpas-apos-polemica-envolvendo-os-mcs-shevchenko-e-elloco-
preconceito-nao-e-citado-em-nota/.
33 Para mais informações: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/
viver/2017/06/mcs-troinha-e-tocha-sao-impedidos-de-fazer-show-com-marcia-
fellipe-em.html.
34 A pesquisa da historiadora Martha Abreu (2017) relata uma série de episódios de
racismo quando da aparição dos primeiros artistas negros que levavam as “canções
escravas” para os palcos artísticos das grandes cidades brasileiras. O detalhamento
dos relatos evidencia traços muito semelhantes de racismo que revelam a permanência
de padrões de enquadramento do olhar sobre pessoas negras.
35 Para mais informações: https://g1.globo.com/pernambuco/noticia/desafio-so-da-
tu-espalha-brega-pernambucano-pela-internet-e-chega-a-china.ghtml.
36 Confira em: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/2019/01/o-
fenomeno-do-passinho-dos-malokas-no-grande-recife.html. Acesso em: 6 de maio
de 2020.
37 Embora dados presentes no documentário “A Batalha do Passinho – O Filme”, de
Emílio Domingos, relate a existência do passinho nas comunidades cariocas desde
2003. Informações: A BATALHA DO Passinho – O Filme. Documentário. Direção:
Emílio Domingos. Osmose Filmes, 2012. Brasil. 75 minutos.
38 Para ver a informação: http://g1.globo.com/musica/rock-in-rio/2013/
noticia/2013/09/beyonce-encerra-noite-pop-com-show-vigoroso-e-toca-funk-
carioca.html
39 Para assistir ao videoclipe: https://www.youtube.com/watch?v=7tzDburY9ec.
40 Para ler: https://www.leiaja.com/cultura/2019/02/14/mcs-sao-expulsos-do-
parque-da-jaqueira-ao-gravar-clipe/.
41 Para íntegra do projeto de lei: http://www.alepe.pe.gov.br/proposicao-texto-
completo/?docid=4966&tipoprop=p.
42 Para leitura da reportagem completa: https://marcozero.org/projetos-de-lei-
tentam-proibir-dancas-nas-escolas-por-todo-o-pais/.
43 No trabalho de conclusão de curso de Jornalismo da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), “Corpo de Baile: O Protagonismo das Dançarinas de Bregafunk”,
disponível em: https://jpoa96.wixsite.com/corpodebaile.
44 A Lei número 16.044/2017, proposta pelo deputado Edilson Silva (PSOL), altera a
Lei nº 14.679/2012 e inclui o brega na lista de manifestações artísticas com espaço
garantido na programação de eventos custeados pelo Estado. Para mais informações:
http://www.alepe.pe.gov.br/2017/08/18/brega-e-reconhecido-como-expressao-
cultural-pernambucana/.
45 Para a íntegra da reportagem: http://saojoao.leiaja.ne10.uol.com.br/
noticias/2017/06/23/mcs-troinha-e-tocha-sao-proibidos-de-subir-ao-palco-com-
marcia-fellipe-em.
46 Para a íntegra da reportagem: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/
carnaval/2020/noticia/2020/02/19/mulher-representa-brega-funk-pela-primeira-
vez-no-palco-do-festival-rec-beat-no-recife.ghtml.
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