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THIAGO SOARES

“NINGUÉM É PERFEITO E A VIDA É ASSIM”:


A MÚSICA BREGA EM PERNAMBUCO

2ª Edição

Recife
Carlos Gomes de Oliveira Filho
2021
Edição • Carlos Gomes

Projeto gráfico e diagramação • Fernanda Maia | CASA10AB

Ensaio fotográfico • Chico Ludermir

Capa • Montagem de Fernanda Maia sobre fotografia de Chico Ludermir

Incentivo • Funcultura | Governo do Estado de Pernambuco

Realização • Outros Críticos

Apoio • CASA10AB

Publicado em 03 de dezembro de 2021.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Soares, Thiago
"Ninguém é perfeito e a vida é assim" [livro
eletrônico] : a música brega em Pernambuco / Thiago
Soares ; [ensaio fotográfico Chico Ludermir]. --
2. ed. -- Recife : Carlos Gomes de Oliveira Filho,
2021.
PDF

Bibliografia
ISBN 978-65-00-34319-9

1. Cultura popular 2. Gêneros musicais 3. Música -


Aspectos sociais 4. Música - Estética 5. Música
popular (Canções etc.) - Pernambuco - História e
crítica I. Ludermir, Chico. II. Título.

21-88999 CDD-780.981
Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Música brega pernambucana : Expressão


popular : História e crítica 780.981

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

2021 • Outros Críticos


contato@outroscriticos.com
www.outroscriticos.com
Para meu pai,
que me emocionou
ao ouvir A Raposa e as Uvas.
NÃO DEIXE O BREGA MOR
ACABAR / ESCREVAM LETRA
POSSA CANTAR / UMA LETR
DE AMOR / DE GRANDES C
GENTE PASSOU / NÃO DÁ P
ACONTECENDO / DESSE JE
MORRENDO / NÃO FALO DA R
BONITO / BREGA POP DO PA
MAS SIM DESSAS GRAVAÇÕ
TRANSANDO / ISSO É APELAÇÃ
RRER / DESSE JEITO PODE
AS BONITAS / PRA QUE EU
RA DE UM BREGA SE FALA
COISAS DESSA VIDA QUE A
PARA ACEITAR O QUE ESTÁ
EITO NOSSO BREGA ACABA
RENOVAÇÃO PORQUE ACHO
ARÁ ASSIM COMO CALYPSO
ÕES DE COMO QUEM TÁ /
ÃO, VAMO ACABAR COM ISSO
Banda Aparências
Prefácio
A vida tem mais sabor quando
é levada pelo nosso lado brega 10
POR MICAEL HERSCHMANN

Referências 18

Introdução
Afetos bregueiros 20

Capítulo 1
Incômodos e políticas da música brega 36
Música pernambucana de qualidade: para quem? 46
Disputas institucionais de valor musical 50
O problema do arquivo 55
O brega em eixos estéticos 61
Capítulo 2
Recife não é Belém: Brega não é Tecnobrega 70
A teatralização da subalternidade 78
Espacialidades bregueiras 82
Circuitos de lazer: das pagoderias às casas de brega 84
O deslizar do brega pela Avenida Conde da Boa Vista 88
Música brega e cultura da mobilidade 94

Capítulo 3
Economias Estéticas do Brega 102
Mediadores produtivos da cena brega 108
NP Produções e a Estética dos Teclados 110
Luan Produções e a Banda Calypso no Recife 112
O brega universitário 117
Tensões em cena: brega, VIP e descolado 124
Quando ser brega é conveniente 128
Capítulo 4
Quando a piriguete encontra o cafuçu 138
Distinção na bebida alcoólica 144
O corpo alcoolizado como performance 148
Desejos deslizantes na festa brega 153
Clubes como ambiências das canções 158
Piriguetismos noturnos 161
A virilidade do cafuçu 163
A diva bregueira 166
O “gangsta” do brega 168

Capítulo 5
Bregueiros midiatizados 174
Máquina e poder 180
Compartilhamentos, redes sociais e versões 185
Blogue para bregueiros 190
Vocação televisiva do brega 193
Pedofilia midiatizada: o caso Denny Oliveira 199
“Jacaré que dorme vira bolsa” 204
Reencenações do pop em videoclipes 210
Capítulo 6
A Funkização do Brega 218
A “abertura” do brega ao funk 228
Ostentar ou não, eis a questão 231
Brega como cidadania cultural 236
Utopia e transformação 238

Capítulo 7
Bregafunk, racialização do brega 242
Jovialização e racismo250
“Só Dá Tu”: a dança em rede 254
“Passinho dos malokas”, celebrização e estigma260
Disputas morais através do Bregafunk 266
Julgamentos e conhecimentos corporais 274
Dançarinas de Bregafunk: gênero, corpo, trabalho 278
Brega como música negra 284
Institucionalização (e exclusão) no brega 289

Notas de fim 297


Referências 301

Ensaio Fotográfico
A dança que nos revela 312
POR CHICO LUDERMIR
prefácio

MICAEL
HERSCHMANN
A vida tem
mais sabor
quando
é levada
pelo
nosso lado
brega
Em seu livro Gramática do tempo (2010), o sociólogo
português Boaventura de Sousa Santos critica a
postura científica mais conservadora, ressaltando a
importância do pesquisador em investir na polifonia e na
enorme riqueza presente no socius de um determinado
contexto, valorizando especialmente os aspectos que
não são encarados com muita credibilidade pelos
membros da crítica e Academia. A proposta de Thiago
Soares caminha corajosamente neste sendeiro menos
percorrido e, de certo modo, esta publicação se insere na
corrente de estudos comunicacionais de Música, Som
& Entretenimento (HERSCHMANN et al., 2014), que vem
atuando em âmbito nacional, e a qual tem procurado, entre
outras coisas, problematizar as previsíveis condenações
das manifestações musicais populares, salientando a
relevância e complexidade destas expressões coletivas na
vida sociocultural do País das últimas décadas (AMARAL,
2006; PEREIRA DE SÁ, 2011; HERSCHMANN, 2000;
JANOTTI JUNIOR, 2003; TROTTA, 2014).
Em seu livro intitulado Ninguém é perfeito e a vida é
assim: a música Brega em Pernambuco, este pesquisador,
jornalista cultural e professor da UFPE, reúne vários
instigantes ensaios – elaborados entre 2005 e 2016 –,
nos quais analisa a complexidade das polêmicas entre
os atores e a relevância sociocultural de um amplo
universo musical que tem como referência não só o
Brega Tradicional, de ídolos locais/regionais, tais como
Reginaldo Rossi, Adilson Ramos e Augusto César (que
tem como referência, por exemplo, o trabalho de Waldick
Soriano, Odair José e Agnaldo Timóteo), mas também

13
o Brega Pop (mais dançante e que dialoga com ritmos
caribenhos, forró e tecnobrega), o chamado Brega
Universitário e até o Brega Funk.
Entre outras coisas, Soares busca ao longo deste livro
debater a noção de “qualidade musical” associada ao
universo do brega na cidade do Recife, evidenciando o
preconceito social por parte da crítica e da elite locais
que entronizam certas expressões culturais como sendo
de excelência (as quais ainda tomam como principal
referência para o “padrão de bom gosto” a chamada
música erudita). Além disso, o autor chama a atenção
para um importante aspecto político desempenhado
pelo brega nesta região: a capacidade deste universo
cultural de promover “zonas de contato” (PRATT, 1992),
ou seja, dinâmicas de encontros e trocas assimétricas
entre diferentes segmentos sociais, o que tem gerado
inúmeras articulações e tensões urbanas, detalhadamente
analisadas ao longo desta publicação. Nesse sentido, o
autor afirma:

A música brega aciona uma dimensão política na


medida em que “força” a classe média branca e
parda de Recife a se deparar com o Outro. (...) Este
Outro, primeiramente é exótico e estranho (...), é
quase visto como selvagem. É a música que aciona
um outro padrão estético musical, tensionando as
normas clássicas de gravação, agindo no improviso,
naquilo que não se reconhece como “de qualidade”.
O brega, em suas levadas musicais, coloca-nos
diante de outras corporeidades possíveis: aquela
que é negra, sem ser folclórica. Uma negritude

14
que se constrói em diálogos com os padrões
midiáticos, mas de forma viva e pulsante.

Assim, poderia se afirmar que o mundo bregueiro, assim


como o do funk, forró e do tecnobrega, colocam em cena
(para desespero dos setores mais conservadores da
sociedade) o Outro, isto é, oferece visibilidade aos atores
oriundos das camadas menos privilegiadas da população,
os quais ganham protagonismo e reivindicam espaço
para suas demandas, códigos sociais, performatividades
e referenciais estéticos. Portanto, Soares parte do
pressuposto de que os artistas e consumidores da cena
brega ressignificam em certo sentido o seu cotidiano,
construindo significativas dinâmicas de agenciamentos de
“territorialidades” na cidade do Recife, as quais colocam
em pauta, isto é, no centro, expressões culturais populares
que tradicionalmente ocupavam uma posição periférica.
Nesse sentido, o autor salienta que:

(...) o periférico em geral aparece sob a máscara


do exótico da cultura popular-folclórica, como
nas imagens publicitárias institucionais
que os governos amam exibir. Mas qual o
periférico que está nas margens hoje? A
música da periferia do Recife não é apenas o
maracatu iluminado e museificado, tampouco
o caboclinho com um riso fácil ou o afoxé de
um carnaval de tambores silenciosos. A música
da periferia do Recife é, sobretudo, o brega
romântico, rasgado, sensual e pernicioso.

Ao mesmo tempo, Soares sublinha que na capital muitos

15
moradores, mesmo aqueles das áreas mais elitizadas da
cidade, vêm aderindo às festas e bailes bregas (alguns
desses considerados bastante “descolados” pelos atores).
De certa maneira, o autor analisa parte do processo pelo
qual o segmento social mais abastado da cidade, nos
últimos anos, vem “(re)descobrindo o seu lado brega”
(ainda que não o assuma de forma pública). Assim, analisa
e dá destaque ao crescimento do número de casas
noturnas – mesmo nos bairros chiques da cidade – que
abrem espaço para a música brega na sua programação
recorrente.
Nesse sentido é que o autor afirma que emerge nesses
espaços e no seu entorno uma “geografia do desejo”
(Parker, 1999), ambientes de “paquera” e “pegação”,
os quais afetam parcialmente o ritmo e a dinâmica do
cotidiano noturno do Recife. Soares menciona a Avenida
Conde da Boa Vista como um caso exemplar de como
a música brega vem reconfigurando a “cartografia” da
cidade, através da construção de “territorialidades sônicos-
musicais” (HERSCHMANN e FERNANDES, 2014). Além
disso, nos últimos anos, nesse processo de popularização
do brega, o autor constata que a dança, performance e
corporeidade desempenham um importante papel na
mobilização do público, colaborando para colocar em
evidência (inclusive nas mídias tradicionais e alternativas)
uma cena cultural de grande efervescência, na qual se
destacam não só os cafuçus, mas também as piriguetes,
coroas, divas bregueiras e novinhas.
Para finalizar, vale a pena ressaltar ainda que este livro
de Soares é bastante atual e engenhoso, elaborado por

16
um autor que não só não teme enfrentar controvérsias,
mas também que não teme salientar como preconceitos
sociais e estéticos vem presidindo os debates em certos
contextos. Portanto, recomenda-se o inovador Ninguém
é perfeito e a vida é assim a todos os interessados em
repensar de que maneira o brega vem se popularizando e
conquistando lugares significativos no imaginário social
da cidade do Recife.
Afinal, como afirma com certa sabedoria e jocosidade
o cantor e compositor Falcão: “a vida tem mais sabor
quando é levada pelo nosso lado brega”.

17
Referências
A

AMARAL, Adriana. Visões Perigosas: uma arque-genealogia do cyberpunk.


Porto Alegre: Editora Sulina, 2006.

HERSCHMANN, Micael. O funk e hip hop invadem a cena. Rio de Janeiro:


Ed. UFRJ, 2000.

HERSCHMANN, Micael; FERNANDES, Cíntia S. Música nas ruas do Rio de


Janeiro. São Paulo: Ed. Intercom, 2014.

HERSCHMANN, Micael; PEREIRA DE SÁ, Simone; TROTTA, Felipe:


JANOTTI JR, Jeder. Consolidação dos Estudos de Música, Som e
Entretenimento no Brasil In: MORAES, Osvando (org.) Ciências da
Comunicação em Processo. São Paulo: Ed. Intercom, 2014, v. 1, p. 404-426.

JANOTTI JUNIOR, Jeder. Aumenta que isso é Rock in Roll. Rio de Janeiro:
E-Papers, 2003.

PARKER, Richard. Beneath the Equator: cultures of desire, male


homosexuality, and the emerging gay communities in Brazil. New York:
Routledge, 1999.

PEREIRA DE SÁ, Simone. Funk Carioca: música eletrônica popular


brasileira?! In: Revista E-COMPÓS. Brasília: COMPÓS, 2011.

PRATT, Mary Louise. Imperial eyes: travel and transculturalism. Londres:


Routledge, 1992.

SOUSA SANTOS, Boaventura de. Gramática do tempo. São Paulo: Cortez,


vol. 4, 2006.

TROTTA, Felipe. No Ceará não tem disso não. Rio de Janeiro: Folio Digital,
2014.

19
Introdução
Afetos
bregueiros
O termo “música brega” é contraditório em qualquer contexto.
Evoca divergências: quem chama a música de brega? Quem
se diz ouvir música brega? Quem assume fazer música brega?
Quem detrata a música brega? O termo “brega” e, portanto,
“música brega” carrega, em si, contradições culturais. Aciona
disputas de gosto, de classe, de gênero, de raça. Encena
lugares, situações, corpos. Quase sempre corpos subalternos.
Possivelmente abjetos. Corpos outros. Possíveis.

Este livro é uma tentativa de pensar o brega produzido em


Pernambuco, entre duas décadas, no final dos anos 1990 e
parte dos anos 2000, como um conjunto de tensões, dissensos
culturais, negociações e performances que formaram parte
da cultura musical, sobretudo, da capital pernambucana. Sem
receio algum em afirmar: a extensa produção de música brega
é parte fundamental e significante para o entendimento dos
atravessamentos pelos quais a cidade do Recife passou – e
passa. Geograficamente, culturalmente, politicamente.

Os textos que aqui estão reunidos foram produzidos de forma


dispersa, entre os anos de 2005 e 2016, quando comecei a
me interessar pela música brega, ocupando o cargo de editor
dos suplementos culturais do jornal Folha de Pernambuco (um
veículo jornalístico voltado, originalmente, para as camadas
populares) e também durante a minha formação entre o
mestrado em Letras (UFPE) e o doutorado em Comunicação
e Cultura Contemporâneas (UFBA). Paralela a esta atividade,
eu ministrava aulas nos cursos de Comunicação em
diversas universidades da Região Metropolitana do Recife e,
inevitavelmente, era interpelado pela música em conversas,

23
bares e ruas da cidade.

A música brega, reparem, nunca esteve formalmente na minha


partitura de pesquisas, no entanto, constantemente, eu era
interpelado por questões que vinham deste gênero musical:
seja no tocante à sexualização das letras, às disputas estéticas
entre subgêneros musicais, à trajetória de artistas das periferias
do Recife e, sobretudo, às referências sempre presentes de um
imaginário pop na forma com que cantores e cantoras do brega
comentavam sobre seus processos de criação e expressão.

Vez ou outra, portanto, era instigado a escrever sobre a música


brega do Recife na Folha de Pernambuco, entrevistar artistas,
passar tardes fazendo ensaios fotográficos com eles, criar
pautas. As pautas que, certamente, mais me instigavam eram
aquelas em que transformávamos cantoras de brega em divas
pop. Fizemos de Dany Miller, então vocalista da banda Lolyta,
a “Beyoncé do Brega”. Dayane, vocalista da Frutos do Amor, a
emancipada “Mariah Carey do Brega”. Michelle Melo, da banda
Metade, a “Madonna do Brega”, expandiu-se e foi parar na Rede
Globo, entrevistada por Regina Casé.

O contato com estes artistas foi me fazendo perceber


sistemas produtivos de música profundamente efêmeros,
simples, caseiros, ao mesmo tempo, de uma singular potência
comunicacional, de adesão e largo espectro de público.
Percebi também um processo particular de celebrização que
emergia nos contextos de periferia, passava pelos programas
da televisão local e também pelos sites de redes sociais e me
fazia enxergar a formação de ídolos nas periferias, em geral, de
classes populares, que, rapidamente, eram alçados à esfera do

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“star system” pernambucano.

Neste contexto, era possível que um morador do bairro de


Nova Descoberta, na periferia do Recife, se transformasse
num ídolo, aparecesse na televisão, começasse a trilhar uma
carreira artística como cantor de brega e que seus vizinhos
se orgulhassem por morar naquele bairro, ao lado de um
artista. Este imaginário povoou – e ainda povoa – as periferias
recifenses e fez emergir uma certa noção de que a cultura seria
uma forma de sujeitos aparecerem como celebridades num
contexto periférico, narrativa que funcionou – e funciona –
como base de políticas públicas e culturais nos mais diversos
países (no Brasil, em países da América Latina, África, entre
outros).

O sistema produtivo da música brega em Pernambuco sempre


me interessou porque, a partir dele, é possível discutir os
agentes de produção, ambientes, estéticas, corporalidades e
o consumo das classes populares – e seus atravessamentos
– e posterior chegada em outros ambientes, notadamente,
os bairros mais abastados da cidade e as boates e festas
“descoladas” do Recife. Faço aqui um recorte: “música brega
do Recife”. Essa ênfase na produção urbana é oriunda de uma
disposição geográfica capaz de abarcar a Capital e sua Região
Metropolitana como importantes eixos produtivos deste gênero
musical e sua disseminação por todo o estado de Pernambuco.

Sabemos que este recorte não abarca, por exemplo, a


importante produção de música brega existente em cidades
da Zona da Mata Norte de Pernambuco, onde os maiores
expoentes são cantores como André Viana e Kelvis Duran,

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e todo o seu sistema produtivo – no entanto, é sintomático
reconhecer que o eixo de criação, gravação e disseminação
da música brega se dá maciçamente no Recife – cabendo ao
interior de Pernambuco funcionar como um importante circuito
de shows e espetáculos.

Este livro reúne, portanto, textos, rascunhos de pesquisa,


anotações jornalísticas e minha própria memória em torno
de fatos e seus desdobramentos. Vários destes textos foram
publicados em versões mais curtas em congressos e revistas
científicas da área de Comunicação e Música, quando, a partir
da resposta que fui tendo de pesquisadores das inúmeras áreas
(da Antropologia, passando pela História e a Sociologia, além,
logicamente da Comunicação), fui amadurecendo questões,
endossando certos pontos de vista, questionando outros. Pela
própria trajetória dos textos, é possível perceber uma série de
(re)enquadramentos, novas perspectivas. O primeiro artigo
acadêmico que produzi sobre o brega foi redigido em 2012 e
apresentado no X Congresso da Associação Internacional para
Estudos da Música Popular (IASPM) – Rama Latino-Americana,
em Córdoba (Argentina) e se chamou “Quando a ‘Piriguete’
encontra o ‘Cafuçu’: Divas e ‘Gangstas’ nas Encenações
Performáticas no Tecnobrega do Recife”.

Percebam que eu ainda chamava o Brega de Pernambuco de


Tecnobrega – questão que amadureci quando visitei Belém
do Pará, por duas vezes e, em contato com as festas de
Aparelhagem e as pesquisas em torno de artistas como Gaby
Amarantos e Gang do Eletro, fui percebendo duas tradições e
histórias distintas. O Tecnobrega e seu contato com os ritmos

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caribenhos e com a estética das equipes de Aparelhagem e o
Brega recifense com a música de seresta, o forró eletrônico, o
próprio Tecnobrega paraense e matrizes do funk carioca.

A partir das críticas e do debate gerado no evento, publiquei


uma versão semelhante a este texto apresentado em Córdoba,
agora sob o título “Conveniências Performáticas num Show de
Música Brega: Espaços Sexualizados e Desejos Deslizantes
de Piriguetes e Cafuçus” na revista Logos, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, já reconhecendo o Brega como gênero
musical e apontando para um debate em torno da sexualidade
e das performances de flerte e pegação nas festas. Continuei a
tentar entender os espaços das festas bregueiras, uma vez que,
como indica Fernando Fontanella (2007), o brega é a música do
corpo e do triunfo da dança. Reconhecia que minha experiência
era muito diferente quando eu apenas ouvia a música brega
e quando ia para os locais. Foi por isso que, em 2014, preparei
o paper “O Corpo Alcoolizado como Performance: Andanças
Cambaleantes numa Festa de Música Brega” para apresentar
no XI Congresso da Associação Internacional para Estudos
da Música Popular (IASPM) – Rama Latino-Americana, em
Salvador (Bahia). Dessa vez, parti para tentar compreender mais
detidamente as perspectivas performáticas dos frequentadores
das festas, acionando a bebida alcóolica como agenciamento
de corpos. Esses três artigos formam a base do Capítulo 4:
“Quando a Piriguete encontra o Cafuçu”.

Concomitantemente, fui percebendo mudanças substanciais no


consumo da música brega a partir das redes sociais, blogues
e da cultura da mobilidade, o que me levou a escrever o texto

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“Piriguetes e Cafuçus Digitais: Apropriações, Performances e
Poéticas ‘Orkutizadas’ no Brega Recifense”, para debater no VI
Simpósio Nacional da Associação Brasileira de Pesquisadores
em Cibercultura (ABCiber), em Novo Hamburgo (Rio Grande
do Sul), em 2012. Desenvolvi mais tópicos, ampliei o espectro
das lógicas de midiatização, incluindo também a televisão e
o videoclipe como importantes ambientes/produtos ligados à
cultura brega e esta é a configuração do Capítulo 5, “Bregueiros
Digitais”.

Apareciam novas questões ligadas à música brega –


digitalização, “orkutização”, diferença – mas também elitização,
disputas periferia x centro, Zona Norte x Zona Sul. O brega
chegava à classe média do Recife, que fruía destas expressões
de forma carnavalizada, humorística, problemática. Mas, e se
pensarmos que o humor e o Carnaval deixam vestígios no
corpo e no cotidiano? Redigi, então, o artigo “As Conveniências
do Brega” para integrar o livro Cenas Musicais, editado por
Jeder Janotti e Simone Pereira de Sá. A partir da noção de
“conveniência cultural” de George Yúdice, tentei pensar o brega
como uma série de enlaces e disputas dentro das culturas,
turvando lugares estanques sobre “quem se apropria”, “quem é
apropriado”. A base desta reflexão está contida no Capítulo 3,
“Economias Estéticas do Brega”.

Quando eu achava que não escreveria mais sobre o brega, eis


que recebo o convite de Carlos Gomes, editor da revista Outros
Críticos, para redigir um texto que julguei ser provocativo
sobre Política e Arte pensando um certo silenciamento da
musicalidade bregueira pelas políticas culturais do Estado de

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Pernambuco e do Município. Daí surgiu a base do Capítulo 1,
“Incômodos e políticas da música brega”, cuja versão reduzida
discuti no V Congresso Internacional de Comunicação e
Consumo (Comunicon), em São Paulo, em outubro de 2016. Por
fim, o texto “Recife não é Belém: Brega não é Tecnobrega”, que
resulta do Capítulo 2 deste livro, apresentei também uma versão
reduzida no Congresso da Intercom – Região Nordeste, em
Caruaru, em julho de 2016.

Os textos carregam diferentes perspectivas metodológicas.


Algumas eminentemente críticas e analíticas, a partir de teorias
e conceitos debatidos em textos acadêmicos e “usadas” com
a finalidade de iluminar questões em torno dos fenômenos da
música brega; outras de cunho essencialmente pragmático,
de campo, revisitando uma longa tradição das pesquisas em
cenas musicais, em contextos comunicacionais específicos.
Como os textos que fui escrevendo apresentam diferentes
metodologias, quis respeitar a gênese deles e também me
coloquei numa espécie de deriva metodológica, que pode
resultar pouco uniforme, “racional”, mas admito ter uma
inclinação pelos indicativos mais afetivos e processuais das
análises comunicacionais.

Do ponto de vista metodológico, acho que este livro apresenta


uma espécie de homenagem ao professor Micael Herschmann
e seu pioneiro estudo sobre o funk carioca nos anos 1990,
quando, numa singular atividade autorreflexiva, Micael tanto
apresentava seu objeto – os bailes funk que seduziam o olhar
de um Brasil fascinado e horrorizado pelos arrastões – quanto,
ao se colocar como dentro/fora deste objeto, explicitava os

29
limites de sua leitura. Ainda lembro quando li, nos corredores do
Centro de Artes e Comunicação da UFPE, então estudante de
Jornalismo, “O Funk e o Hip Hop Invadem a Cena” (2000), de
Herschmann, um pouco surpreso, um pouco instigado, com a
possibilidade de pluralizar as vozes na Academia.

Confesso que o maior desafio nesta obra é dar unidade a textos


que foram acadêmicos, mas também jornalísticos, tentando
negociar com aspectos teóricos, mas não esquecendo a riqueza
do empírico. Fui percebendo que meus textos sobre o brega
que começaram leves, humorísticos até, foram se tornando
mais políticos – frutos de reflexões de nosso tempo e também
do meu próprio reconhecimento nas expressões do brega.
Frequentemente recebo telefonemas de colegas jornalistas,
estudantes, pesquisadores, para dar entrevistas sobre o brega
pernambucano, novos fenômenos, novos artistas. Percebo que
o gênero musical está enraizado na cultura local e também nos
afetos e na memória dos pernambucanos.

Não me proponho aqui a contar a história do brega, nem fazer


perfis dos artistas (embora ache importantíssimo), mas tento
pensar o brega como ponto de partida para uma série de
questões de ordem político-cultural. O título do livro, o verso
“Ninguém é perfeito e a vida é assim”, cantado pelo Conde
do Brega, é um convite à reflexão em torno das imperfeições
culturais, das assimetrias do bom gosto, daquilo que não é
cartesiano. “Eu não gosto do bom gosto/ Eu não gosto do bom
senso”. Elitismo me entedia. O brega me aproxima das gentes.
Do cotidiano de riso e horror. Do centro e da periferia. O brega é
o deslize. A dobra. “Gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”,

30
me disse o cantor. E, perdoem, eu acreditei.

Em Piedade, Jaboatão dos Guararapes.

31
edição
ampliada outros
críticos
Ensaio fotográfico
Chico Ludermir

A MÚSICA BREGA
EM PERNAMBUCO

THIAGO SOARES
34
35
capítulo
Incômodos e
políticas da
música brega
Diante de um quadro que aciona disposições classistas, a
música brega, no contexto de Pernambuco, naturalmente, foi
fortemente marcada pela ideia de “música de pobre”. Nos anos
1980, eu ouvia o radialista Reinaldo Belo, por meio do rádio
da empregada de minha casa, cantar faixas como “Cachorro
Quente” e “Menina da Mala Grande”. O contexto era a cozinha
da casa que eu morava, em Piedade, Jaboatão dos Guararapes,
Região Metropolitana do Recife. Voltava da escola no final da
manhã, almoçava e entre fazer a tarefa à tarde e ouvir música
junto às empregadas, óbvio, escolhia escutar canções.

Dali surgiam, além de Reinaldo Belo, Odair José, Reginaldo


Rossi, músicas evangélicas, paradas dos sucessos das rádios
populares (Rádio Recife FM, Caetés, Maranata, entre outras).
O cancioneiro brega, cujo maior expoente era Reginaldo
Rossi, mas também Adilson Ramos, Augusto César, Bartô
Galeno, Carlos Alexandre, Evaldo Freire, vinha atado a cantores
populares hegemônicos: entre uma canção e outra deles,
ouvia Roberto Carlos, Agnaldo Timóteo, artistas sertanejos-
românticos como Leandro & Leonardo, Chitãozinho & Xororó,
entre outros.

Esta “formação musical” na cozinha da minha casa, vendo a


empregada doméstica cozinhar macaxeira, inhame, batata-
doce, para o jantar. A cozinha impregnada do cheiro da carne
de charque fritando, o ovo sendo frito, o café coando, talvez,
me fizeram nutrir certo afeto por aquelas vozes, narrativas
dramáticas, ultrassofridas. Homens românticos, histórias de
amor malsucedidas, mulheres sofredoras, tentando superar.
Junto a esta cultura musical, uma outra, audiovisual, também

39
se apresentava. Na televisão preto-e-branco, no quarto da
empregada, novelas da Rede Globo: “A Gata Comeu”, “Que Rei
Sou Eu?”, “Cambalacho”. Em 1988, a telenovela “Vale Tudo”, de
Gilberto Braga, trazia à tona personagens que marcariam certa
estética do melodrama: a vilã Odete Roitman (vivida por Beatriz
Segall), a também maléfica e contraditória Maria de Fátima
(Glória Pires).

A música brega, o cancioneiro romântico, o melodrama


televisivo: instâncias que mais se uniam que se afastavam,
formavam um continuum de expressões que pareciam dizer
sobre o presente de sujeitos que compactuavam daqueles
dramas. O trágico emergia como uma potência para observar
fenômenos. Essa vivência cultural no espaço privado da minha
casa – as duas casas – uma em que eu convivia com minha
família, no primeiro andar, nas pequenas solenidades cotidianas
(as refeições, ver televisão, estudar, ler); e uma outra casa, no
térreo, nos fundos, na área de serviço, com as empregadas
domésticas, em geral, mulheres negras, vindas do Interior
ou de bairros periféricos do Recife, parece ser a metáfora da
interpelação do melodrama no cotidiano. Deste encontro,
sempre tensivo, emerge o afeto pelo popular – representado
fortemente pela música brega. Talvez por falar tão direto de
sentimentos, com linguagem acessível, povoada de clichês, o
cancioneiro brega me ensinou a nomear as emoções. E neste
sentido, o emocional é o artefato discursivo mais próximo do
popular.

O forte sabor emocional é o que demarcará definitivamente


o melodrama, colocando-o do lado popular, pois a
marca da educação burguesa se manifesta totalmente

40
oposta, no controle dos sentimentos que, divorciados
da cena social, se ‘interiorizavam’ e configuravam a
‘vida privada’ (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 171).

Situo o melodrama como uma maneira de pensar os


engendramentos do popular no massivo e vice-versa; uma
espécie de vértice de uma memória narrativa, gestual e, por
isso, cênica, de uma emergência massiva, na qual “o popular
passa a ser objeto de uma operação, de um apagamento das
fronteiras deslanchado com a constituição de um discurso
em que tem-se uma espécie de imagem unificada do popular”
(MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 171). Entre as canções bregas, as
personagens das novelas, as tramas dos filmes hollywoodianos,
aparecia uma espécie de estética do sofrimento e suas
soluções, dramas, itinerários, pautados em afirmações morais,
tomadas de decisão que envolviam a dessacralização do
universo e, portanto, das relações familiares, dos parentescos,
das estruturas das fidelidades primordiais e do excesso.

Como situa Martín-Barbero, todo o peso do drama se apoia no


fato de que se acha no segredo das fidelidades primordiais a
origem dos sofrimentos. O que converte a existência humana
numa luta contra as aparências em que viver consiste em
decifrar índoles, mapear maldades, sublinhar atitudes. Os
movimentos éticos da vida, encenados em produtos midiáticos
populares no qual circunscrevo a música brega, constituem
a ida do “desconhecimento” ao “reconhecimento” de uma
certa identidade dos sujeitos, acionando opacidades e
complexidades que revestem as relações sociais – sobretudo
aquelas pautadas pelos “aprendizados” afetivos. Impõe-se
o que podemos chamar de “economia moral”, ou a remissão

41
a decisões que envolvem agir no cotidiano, pautar condutas,
assumir riscos diante de aspectos ligados às formas de sentir.

Esta “economia moral” que eu ouvia nas canções de brega


parecia nortear tramas que evidenciavam as experiências
afetivas que observava nas telas de televisão e cinema e
também no cotidiano das empregadas. Sem pudor, elas
revelavam casos de amor, fins de relacionamentos, inícios
avassaladores de paixões, traições, experiências sexuais. Os
relatos vinham pontuados por canções, naturalmente. Lembro
da voz de Reginaldo Rossi entoando “dizem que seu coração
voa mais que avião, dizem que o seu amor, só tem gosto de
fel, vai trair o marido, em plena lua de mel” e Djanira, que eu
chamava de Nira, falando sobre não se prender a homens que
insistiam em querer “coisa séria”.

Uma vez, no entanto, acho que vi Nira chorando ao telefone e


balbuciando coisas como “você deveria ficar comigo”, “ela não
te ama como eu”, “você só está com ela porque é covarde”,
“você não tem coragem de largar sua família para ficar comigo”,
“o problema é a sua filha”. Nira era a contradição dos afetos:
falava em liberdade, em não se prender, cantava Reginaldo
Rossi nas alturas, fumando seu cigarro Derby Suave, no quintal
da minha casa, mas reivindicava um relacionamento estável
com este seu suposto namorado. Talvez tenha sido com Nira
que eu tenha aprendido o sentido da palavra “amante” quando
ela me disse, em segredo (sempre), que estava saindo com um
policial casado (não lembro se era esse do telefonema, poderia
ter sido) e colocou “Só Liguei Porque Te Amo”, de Adilson
Ramos, versão local de “I Just Called to Say I Love You”, de

42
Stevie Wonder, para tocar.

Mas em Reginaldo Rossi e Adilson Ramos, por exemplo, residia


um aparente paradoxo: eram músicas que meu pai também
ouvia, um engenheiro, escolarizado, classe média, casado com
minha mãe e que, portanto, tinha um gosto musical próximo ao
da empregada doméstica. “Garçom”, de Reginaldo Rossi, era um
dos “hinos” do carro do meu pai, juntamente, a todo cancioneiro
de Luiz Gonzaga (“Asa Branca”, “Assum Preto”) nas longas
viagens que fazíamos para a cidade de Arcoverde, no Sertão
de Pernambuco, quando íamos visitar meus avós paternos em
períodos festivos (São João, Natal ou feriados).

No carro Del Rey azul, parecia haver tantos encontros musicais:


uma vasta tradição do forró remetia à origem interiorana de
meu pai (nascido em Jupi, um então distrito de Angelim, no
Agreste pernambucano), se juntava a cantores do brega local
e a artistas internacionais que também poderíamos chamar de
românticos, entre os que lembro, Julio Iglesias, Pepino di Capri,
Charles Aznavour, Jacques Brel. Destas viagens de carro tanto
para o Interior quanto para João Pessoa, emergia o turvamento
das fronteiras entre música brega, música romântica, música de
pobre, música de rico, canções de brancos, canções de pretos,
entre infinitas possibilidades de classificação.

Tal indefinição de fronteiras nutriu em mim uma espécie de


ausência de resistência diante das origens dos fenômenos
estéticos, embaralhando o que autores do campo de estudos
da música, notadamente aqueles inspirados pelos postulados
de Adorno (2011), pareciam defender: a ideia de que músicas
populares, como fenômenos das indústrias musicais, são

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mercadorias padronizadas, superficiais, com consumidores
passivos e meros agenciamentos do ouvinte no capitalismo.

Nas músicas mais banais, do repertório brega, eu não


conseguia enxergar esta “separação”. Só me vinham os
encontros: do sentir do meu pai, escolarizado, e do sentir da
empregada doméstica, analfabeta; de homens e mulheres, de
pretos e brancos. Theodor Adorno menciona uma tal música
autêntica, que expressaria o “real interesse” das pessoas,
que poderia variar temporalmente; ser a música erudita, o
jazz para Hall e Whannel (2004) ou a folclórica (Rosselson,
1979). A música brega, veja só, era onde eu percebia o “real
interesse” de sujeitos próximos a mim e isto não deixava de me
despertar noções políticas. Da micropolítica da casa, do espaço
privado, do carro, passo para o reconhecimento não mais
dos encontros. Na macropolítica das cidades e das políticas
culturais, fui percebendo como o brega talvez evidenciasse a
ideia de banalidade evocada pela perspectiva frankfurtiana, um
incômodo1 mesmo.

Como alguém que pensa que a cultura se faz na multiplicidade


e, sobretudo, no dissenso, acho que uma boa forma de refletir
sobre as articulações entre música e política no Recife e em
Pernambuco é cartografar os incômodos da música brega neste
contexto. Se tomarmos a noção de política como ocupação,
como estratégia, inserção e partilhas nos espaços codificados,
o brega é, pois, um itinerário curioso para debater o centro
e as bordas do que se convencionou chamar de “música
de Pernambuco”. Por meio de uma política cultural que se
edificou, a partir da década de 2000, sob a égide de um certo

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“Pernambuco Nação Cultural”2, sempre observei uma tendência
de jornalistas, críticos culturais e mediadores políticos em
tratar a produção musical do Estado como um gênero. Acho
que há um movimento análogo no cinema – com a retranca
ampla chamada “cinema pernambucano”, que engloba estilos,
diretores, gêneros e narrativas bem distintas entre si.

No caso da “música pernambucana” (ou “Music from


Pernambuco”, título inclusive de uma coletânea de artistas
locais3) acontece movimento semelhante. A música
chamada “de Pernambuco” é aquela circunscrita a tradições
hegemônicas nas políticas públicas de incentivo à cultura e
também “eleita” por conselhos e mediadores comunicacionais,
uma certa música que atende a interesses de uma suposta
intelectualidade que reconhece no folclórico e num certo tipo de
cultura popular algo que pode formatar uma noção identitária.

Quando peguei o box com uma dessas coletâneas “Music


from Pernambuco”, que seria lançada numa feira internacional
dedicada a “world music”, tomei um susto: onde estava o
brega? A discussão se espraiou para a programação da Rádio
Frei Caneca, em que, durante um debate numa reportagem
do jornal Diario de Pernambuco, tive que responder a uma
provocação em torno do que o programador/curador da rádio
chamava de “música pernambucana de qualidade”. Cabe aqui
circunscrever o que se chama de “qualidade”.

45
Música pernambucana de
qualidade: para quem?
“Qualidade”, neste contexto, me provocou a pensar sobre
cânones. Talvez estivessem chamando “música pernambucana
de qualidade” de uma certa música canônica produzida em
Pernambuco. Algo que o brega, definitivamente, nunca foi. Nem
é. O termo “cânone” é usado, em geral, para agrupar o que é
reconhecido como obras mais importantes dentro de uma certa
tradição. Defensores da ideia de cânone e da “qualidade” das
obras parecem reivindicar a existência de valores universais
e, portanto, dados que poderiam variar temporalmente e
espacialmente. No entanto, estariam dentro de um certo
escopo que caracterizaria a ideia de “obra universal”. Músicas
pernambucanas “de qualidade” seriam a melhor expressão da
linguagem específica da música produzida no Estado, e pode
ser tomada como uma espécie de metáfora da identidade de
uma cultura, de uma “nação”.

Mas quem elege os cânones?4 Se pensarmos em desenvolver


o raciocínio de que expressões musicais se cristalizaram como
cânones na música produzida em Pernambuco, é preciso
entender o cânone dentro de uma tradição do julgamento, que
está circunscrita no campo da estética. Como observa Antoine
Compagnon (2010), “o tema do valor, ao lado da questão da
subjetividade do julgamento, comporta a questão do cânone, ou
dos clássicos, e da formação desse cânone, de sua autoridade,
de sua contestação, de sua revisão” (COMPAGNON, 2010, p.
222).

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Importante destacar que a dimensão de autoridade da formação
desse cânone se dá por quem o elege. Neste caso, é inevitável
refletir sobre o papel da crítica na edificação do valor e das
lógicas discursivas5. E também reconhecer que o processo de
formação do cânone se dá necessariamente no dissenso. Todo
cânone é contestado, debatido, revisado. Neste sentido, Harold
Bloom (2013) enseja que o cânone abraça o (des)gosto. Artistas,
obras, movimentos canônicos não, necessariamente, incitam
o prazer, o belo, o consensual. Mas sim, causam desconfiança,
podem ser desconfortáveis e, portanto, incompreendidos. O
cânone tem que fazer refletir: uma época, atravessá-la, recontá-
la. Segundo Bloom, há uma potência na desconfiança em torno
do cânone. Quanto mais algo parece detestável, “desconfiável”,
mais podemos formular ideias sobre. Estou aqui, desse modo,
desconfiando do cânone da música pernambucana.

Postula-se a formação desse processo como um agenciamento


que se constrói socialmente a partir de ditames consensuais.
Podemos pensar no cânone a partir do que Compagnon
chama de uma retórica da institucionalização, reforçando
com o termo “retórica”, o que se diz sobre algo, as formas de
discursar sobre um fenômeno e as maneiras com as quais ele
se institucionaliza. Processos de canonização, de acordo com
o autor, perpassam ensejos institucionais: como algo se torna
hegemônico e que instituições são responsáveis por tal lugar.

Compagnon está tratando processos de canonização tanto


de artistas (neste caso, escritores) quanto de obras. O termo
“retórica da institucionalização” estaria próximo da noção
de “instância de consagração” proposta por Pierre Bourdieu

47
(1996) que evidencia instituições, sujeitos e práticas que
circunscrevem fenômenos, agenciando-os dentro de um
determinado campo de produção. A ênfase de Compagnon,
digamos, é nos textos e discursos. Bourdieu parece se
preocupar com as posições e papéis de sujeitos e instituições.
Deste quadro, entendemos que

O cânone não é fixo, mas também não é aleatório


e, sobretudo, não se move constantemente. É uma
classificação relativamente estável, há entradas e
saídas, mas elas não são tão numerosas assim, nem
completamente imprevisíveis (COMPAGNON, 2010, p. 249).

A triangulação conceitual sobre processos de canonização


encontra reverberação nos escritos sobre valor de Simon Frith
(1996), que ao circunscrever o debate sobre institucionalização
na música, usa texturas da sociologia de Bourdieu e revisa o
legado da Escola de Frankfurt para, com acento culturológico,
falar do valor cultural como aquele notadamente político,
que envolve raça, gênero, classe social, entre outros fatores
circunscritos a determinadas culturas. Ao resgatar a tradição
dos Estudos Culturais norte-americanos, Frith destaca o
olhar econômico em torno da construção valorativa. Trata,
por exemplo, do valor de mercado de produtos musicais, do
apelo dentro de lógicas do mainstream e dá uma guinada no
essencialismo que vê autonomia distante das lógicas do capital.

Junto à perspectiva de Bourdieu, a suposta noção de


universalidade abarcada pelo conceito de cânone vai ser
duramente problematizada pelas críticas feminista e marxista e
das avaliações da cultura pelo viés pós-estruturalista e também

48
pós-colonial. “Com a progressiva sensibilidade ao pluralismo
cultural e às condições econômicas e políticas da produção
artística, o cânone aparece menos como uma expressão de
valores universais e mais como uma expressão das relações
de poder” (EDGAR e SEDGWICK, 2003, p. 49). É nessa
disposição de poder que adentram as perspectivas previstas
numa abordagem estética dentro dos Estudos Culturais. O
cânone parece excluir grupos subordinados em diversos níveis.
Primeiro, obras canônicas seriam expressões de determinados
grupos (aqueles que economicamente, culturalmente,
hegemonicamente se impõem), a partir de retrancas mais
específicas que envolvem branquitude, masculinidade e
classes sociais abastadas, de acordo com estereótipos também
culturalmente dominantes.

Cânones, nesta proposta universalizante, excluiriam obras


produzidas por não-brancos, por minorias, gays, pobres, entre
outros, além de não reconhecer estéticas dissonantes das
hegemônicas, com outras leituras de mundo e expressões
possíveis dentro de um quadro mais amplo das culturas. A
questão desse modelo, pensada em inúmeros setores da
produção artística e midiática, ajuda a problematizar também
instâncias sociais das formações dos gostos. Pensar, então,
como os valores são construídos no terreno da música popular
funciona como maneira de reconhecer o lugar que o brega e
suas expressões (e as músicas periféricas ou ultrapopulares,
por consequência) assumem o lugar de reiteração da diferença
– inclusive (e destacamos aqui) diferença de classe.

49
Disputas institucionais
de valor musical
Felipe Trotta (2007), ao debater as noções de qualidade
musical na música popular, reconhece que há um forte apelo de
classe (ligando o “bom gosto” às expressões da nobreza e do
consumo das elites) que foi historicamente construído a partir
da referência à música erudita. De acordo com o autor, a noção
de qualidade na música viria atrelada à ideia de “inovação
técnica”, acompanhada de preceitos como elaboração
harmônico-melódica, condições de experiência (audição
silenciosa), consumo elitizado (nobreza e classes abastadas)
e personificação do criador (o “artista”) (TROTTA, 2007, p. 3).
Essas categorias apresentadas por Trotta parecem evidenciar
que a construção de valor na música popular estaria enraizada
numa ideia em torno de erudição (e música erudita), marcadores
de classe e destacamentos técnicos.

Richard Shusterman (1992) examina a então clássica distinção


da noção de “autonomia” da “alta arte” versus a “função” da
“baixa arte”. Trata-se de um outro elemento a ser pensado na
construção do valor na música popular, agora, debatendo um
novo lugar de construção de “qualidade” e “autenticidade”: o
rock. No desenho conceitual do autor, que faz uma leitura crítica
do álbum Talkin’ All That Jazz (1988), da banda Stetasonic, uma
estratégica da crítica de rock foi sempre tratar o álbum como
“arte” – reforçando valores ligados à autonomização, razões
artísticas e à forma, em oposição à ideia da baixa cultura que
opera sob o princípio da “função” de uma expressão, ou seja,

50
uma finalidade, seja ela comercial ou hedonista.

O valor estaria não na sua forma, mas no seu uso. Argumento


semelhante tem Simon Frith ao falar sobre diferentes
perspectivas de fruição: “Audiências de produtos da alta cultura
assumem que o valor de um objeto está contido no próprio
objeto; enquanto audiências de produtos da baixa cultura
postulam que o valor de um objeto está no que este objeto
pode fazer por elas” (FRITH, 1996, p. 18). A música brega de
Pernambuco em consonância com as expressões culturais
periféricas de outras localidades teria “valor de uso”.

Tanto Shusterman quanto Frith parecem estar fotografando


uma problemática historicamente construída para propor
uma outra via: o exame de qualidades estéticas imanentes
em produtos que complexificam a noção de autonomia de
criação. Sobretudo na argumentação de Shusterman, há
uma clara indicação de que a contribuição da filosofia sobre
a estética de produtos midiáticos estaria em propor outras
chaves de compreensão e valoração destes produtos que
não as oriundas da alta cultura. Esta argumentação está bem
próxima do que Sianne N’Gai (2012) propõe também sobre a
necessidade de criação de novas categorias para julgamento de
fenômenos que não obedecem normas e padrões da chamada
alta cultura. Observa-se, assim, uma aproximação da Estética
de uma Sociologia do Gosto como aparatos conceituais para
compreender fenômenos da música popular.

Quando se faz uma abordagem geográfica de um gênero


musical, no caso “música brega” (gênero musical) e geografia
(Pernambuco), o interessante é justamente acionar tensões

51
existentes no contexto. O que sempre se fez, como política
de Estado, em Pernambuco, foi operacionalizar o binômio
cultura popular-folclórica e gêneros musicais hegemônicos,
esquecendo que diversidade faz parte do reconhecimento
da produção cultural que está na borda da tão almejada
“qualidade”. A “music from Pernambuco” (que está nos boxes
e nas coletâneas para venda em feiras internacionais) é uma
embalagem higiênica e domesticada da pluralidade musical
do Estado, feita quase sempre obedecendo padrões de diálogo
com gêneros musicais hegemônicos nos circuitos de festivais
e trazendo à tona uma identidade condicionada, erguida sob a
égide do capital transnacional.

O periférico aparece sob a máscara do exótico da cultura


popular-folclórica, como nas imagens publicitárias institucionais
que governos amam exibir. Mas qual o periférico que está
nas margens destas propagandas institucionais? A música
da periferia do Recife não é apenas o maracatu iluminado e
museificado, tampouco o caboclinho com um riso fácil ou o
afoxé de um carnaval de tambores silenciosos. A música da
periferia do Recife é, sobretudo, o brega romântico, rasgado,
sexual e pernicioso. É a música dos MCs, ídolos entre garotas,
e das divas bregueiras, espelhamento de meninas, travestis,
gays, drag queens. A música da periferia é a suingueira quase
funkeada, o pagode radiofônico, o grito da cantora pop, o hip-
hop. A música da periferia não cabe na foto de políticas estatais,
porque vaza ao controle de uma identidade higienizada. É, por
si só, contaminada pela borda, pela sombra, por aquilo que
governos não querem enxergar.

52
Numa conversa com a fotógrafa Bárbara Wagner, na ocasião
da sua exposição Brasília Teimosa, composta por imagens
provocadoras, estranhas e potentes de personagens daquele
bairro periférico do Recife, evocando um belo que atravessa
matrizes hegemônicas do bom gosto, em que ela me dizia que
tinha recebido críticas e sugestões para não expor aquelas
fotos no exterior “porque aquilo não representava o Recife”.
Neste tipo de crítica, pode-se observar aspectos éticos,
higienizantes e normativos da política de reconhecimento de
uma identidade por órgãos governamentais e também pelos
habitantes. Percebo movimento análogo no que diz respeito à
música. Na exclusão que se faz do brega nas políticas públicas
de cultura, há algo de higienização identitária ou uma certa
“cosmética” de um Estado. O brega, assim como os moradores
de Brasília Teimosa das fotos de Bárbara Wagner, seriam
escusos, “feios”, fora de um padrão já constituído.

Falar do incômodo do brega na música pernambucana é


debater os estranhamentos e os “usos” deste gênero musical
– que não entra em programações “oficiais” do Carnaval, muito
menos em editais de fomento à produção. Ao brega, cabe a
função autogestora, fora do guarda-chuva do Estado. Longe
dos gabinetes, perto das ruas. Ao brega, cabe ser usado como
fantasia carnavalesca, como música “para suar”. Música que
habita a área de serviço, a cozinha e também o quarto de jovens
nos apartamentos de classe média do Recife. O brega é música
das “periferias” do apartamento. Nunca da sala.

Aí reside sua política. A música brega estimula uma dimensão


política na medida em que “força” a classe média branca

53
e parda do Recife a se deparar com o Outro. Este Outro,
primeiramente exótico e estranho. Esse Outro quase selvagem.
O brega faz com que sejamos espectadores e ouvintes da
nossa própria alteridade enquanto pernambucanos. É a música
que ativa outro padrão estético musical, tensionando normas
clássicas de gravação, agindo no improviso, naquilo que não
se reconhece como “de qualidade”. O brega, em suas levadas
musicais, nos coloca diante de outras corporalidades possíveis:
aquela que é negra sem ser folclórica. Uma negritude que se
constrói em diálogos com padrões midiáticos, viva, pulsante.
A negritude do brega constrasta com a branquitude da plateia
de alguns shows que ocorrem em bairros nobres do Recife. E
também com os usos carnavalizantes do gênero por bailes e
festas “descoladas”.

Cabe aqui pensar também o brega como gênero musical que se


adequa às questões mercadológicas e se insere em contextos
culturais hegemônicos. O político sobre a música brega é
aquele em que tensões, valores e hegemonias são colocados
em perspectiva. Lembro da fala reducionista de um gestor
público que disse que “brega é música que denigre a mulher,
incentiva o sexo”. Há, naturalmente, canções desta natureza.
Mas, reduzir o brega a isto é forçar uma ótica moralista ao
invés de problematizá-la. Talvez o incômodo do brega seja o
incômodo da nossa identidade. Daquilo que aparece e some.
Do que queremos destacar ou esconder; e questionar.

54
O problema do arquivo
Diante da ausência de políticas públicas em torno de músicas
midiáticas periféricas, instaura-se um problema para se
desenvolver pesquisas sobre gêneros musicais como o brega:
os arquivos. Onde estão os acervos de canções? Que álbuns
fonográficos podemos destacar? Quais as canções mais
relevantes de uma determinada época? Perguntas simples
como estas, que facilmente poderiam ser respondidas, em
outros gêneros musicais, no brega, torna-se uma tarefa árdua.
A questão dos acervos é possivelmente a mais problemática
em se tratando de pesquisa acadêmica: as canções de
brega parecem evanescer, aparecem, somem, muitas não
estão retidas em suportes – analógicos ou digitais – ficando
presentes apenas na memória dos ouvintes. Integra aquilo
que Diana Taylor (2012) chama de “repertório” do comum, do
ordinário, um conhecimento que está corporificado e, como
tudo aquilo inscrito no corpo, fadado a desaparecer.

A perspectiva da corporificação do conhecimento em torno


da música brega provoca um debate ainda mais oportuno
sobre a ausência de história das periferias, das classes
subalternas, dos Outros. Ensejamos, continuamente e de
maneira desatenta, a reiterar a metanarrativa histórica e
performática dos hegemônicos, aquela contada pelas “histórias
oficiais”, localizadas por falantes “do centro”, que olham com
tom de desdém e “coitadismo” para os sujeitos das bordas. A
ausência de arquivos do cancioneiro brega reitera o lugar de
não-reconhecimento de uma estética, de uma forma cultural, a
ponto de se ter, em pleno ano de 2017, um debate – a meu ver

55
– completamente obsoleto, sobre “se o brega é cultura ou não”
durante o anúncio de atrações do Carnaval do Recife.

Embora, com minha formação cultural e humanística, ache


um acinte questionar se uma determinada manifestação dos
sujeitos viventes é cultura – o que não seria cultura? –, devolvo
a pergunta, invertendo o sujeito que pergunta e questionando
o seu lugar de fala: o que leva alguém a questionar se a música
brega não é cultura? Que rastros de exclusão, de soberba
e de reconhecimento de um lugar outro, que não aquele
experienciado pelos sujeitos subalternos, estão visíveis neste
questionamento? Estas minhas indagações já foram melhor
formuladas por Jacques Derrida, em seu texto “Mal de Arquivo”
(2001), em que, segundo o autor, “não haveria certamente
desejo de arquivo sem a finitude radical, sem a possibilidade
de um esquecimento que não se limita ao recalcamento”
(DERRIDA, 2001, p. 32).

Derrida parece estar debatendo a possibilidade de


esquecimento e suas muitas faces: o apagamento, a tentativa
de borrar a história, a amnésia social ou política, esquecimento
decretado, que, no fundo, é uma contradição nos seus próprios
termos. Nossa cultura arquival e da memória é uma cultura
onde fatos, coisas, acontecimentos culturais, se articulam em
torno da chave de arquivos e de certas interpretações da nossa
memória cultural. Ora, se não lembramos, não consideramos
cultura, não temos lembrança ou afeto daquilo.

Tal questionamento encena o modo de operação sobre o que se


considera cultura que faz com que se naturalize, por exemplo,
a ausência de arquivos sobre música brega no Estado de

56
Pernambuco. Somos levados, por exemplo, a outra pergunta:
que álbuns fonográficos podem ser destacados como icônicos
na música brega do Estado? O brega opera sob a lógica dos
álbuns fonográficos? O que se observa na trajetória deste
gênero musical são múltiplas formas de consumo e disposição
de produtos musicais, impossibilitando uma narrativização
histórica e tradicional, do cancioneiro do brega. Se tomarmos
como exemplo um artista como Reginaldo Rossi, a delimitação
do álbum fonográfico na construção de um aparato conceitual
para o entendimento de sua dinâmica artística e discursiva, é
possível.

O Teu Melhor Amigo, disco lançado em 1987, e que abre com


um dos maiores sucessos do cantor, “Garçom”, desponta,
junto com A Raposa e as Uvas, de 1982, como uma espécie de
epicentro da constituição de Rossi como cantor brega e ícone
de um modo pernambucano de ler o cancioneiro romântico.
Estão presentes no disco, faixas que visivelmente tentam
emular Reginaldo Rossi como uma “versão local” dos ídolos da
Jovem Guarda, do cancioneiro popular, juntamente a músicas
que dialogam mais abertamente com uma estética da seresta
e dos teclados – que discutiremos mais detidamente adiante.
A própria configuração do mercado de música na década de
1980, impelia que artistas tivessem discos como formas de
negociação no mercado musical.

Neste sentido, Reginaldo Rossi nos coloca diante de um


primeiro momento histórico deste gênero musical no contexto
pernambucano: aquele em que estabelece uma relação com
a produção musical romântica brasileira do final dos anos

57
1970 e início dos anos 1980. Pensar a figura de Reginaldo
Rossi numa espiral que conecta outros artistas populares
contemporâneos, como Sidney Magal, Fábio Júnior, Wando,
Ronnie Von, entre outros, ajuda a compreender as estratégias e
disposições mercadológicas que posicionaram a música brega
num constante acionamento entre o pop nacional e global e
suas instâncias locais, desvelando questões que parecem dar
conta das formas com que tanto periferias quanto sujeitos
subalternos sempre estiveram atentos aos movimentos
cosmopolitas.

Quando, em 1980, Rossi grava, em seu álbum A Volta, a canção


“Recife”, desenha-se um importante lugar de reconhecimento
destas tensões entre o global e o local. A faixa é uma versão
de “San Francisco”, famosa gravação do grupo The Mamas &
The Papas, que fez enorme sucesso mundo afora e no Brasil,
nos anos 1970 e 1980. Famoso por canções como “California
Dremin’”, o The Mamas & The Papas institucionalizou
uma espécie de Califórnia utópica, praiana, com pôr-do-
sol e gaivotas, um clichê também endossado por filmes
hollywoodianos e pela narrativa midiática em torno da América
“com sol o ano inteiro”.

“Recife”, de Reginaldo Rossi, marca o início da tematização da


capital pernambucana como uma espécie de utopia praiana,
que viria a se consolidar com a gravação de “Recife Minha
Cidade” (“hey, vem cá que eu quero te mostrar, a minha cidade,
o meu lugar”), numa espécie de reiteração das raízes do artista
que cantava as dores de amores e também se inscrevia no
espaço geográfico afetivo da cidade. Rossi espraia a temática

58
praiana e da utopia solar pernambucana ao também inserir
a ilha de Itamaracá (na faixa “Itamaracá”) como um lugar
paradisíaco, paraíso possível, com muitas mulheres, sexo e
bebida.

Se artistas como Reginaldo Rossi podem ser pensados a partir


da relação com álbuns fonográficos, seus entornos contextuais
e modos de consumo, outros representantes da música brega
vão se “perdendo” na ausência de suportes tecnológicos,
arquivos ou plataformas de compartilhamento digitais. A Banda
Metade, de onde saiu a cantora Michelle Melo, é um exemplo
de artista que não pode ser “sintetizado” através dos álbuns
fonográficos e de seus arquivos formalmente dispostos, seja
em instituições fonográficas, seja em plataformas digitais.

Muitos de seus discos são compilações de canções gravadas


ao vivo, em estúdios, reunidas, sem um título, sob a alcunha
do nome da banda acrescido de um termo numérico. Por
exemplo: Banda Metade – Volume 4. A ausência de título do
álbum, a perspectiva numérica que aparece disposta, a noção
de serialidade e a contingência de produção, são sintomas de
uma maneira de fruir a música brega que prescinde o álbum
fonográfico, porque este resulta pouco atrativo num sistema de
distribuição e fruição fortemente pautado pela pirataria.

A efemeridade dos sucessos de músicas de brega, produzidas


na velocidade própria dos hits que contagiam multidões
e em meses caem no esquecimento, são uma espécie de
impasse dentro das lógicas de consumo do gênero musical.
Inclusive, parte da própria dificuldade de mapear questões
em torno das estéticas da música brega se dá justamente

59
em função da inconstância de artistas, fenômenos e da
ideia de “sucesso” dentro do gênero. Bandas de brega são
formadas, rompem, acabam, abrem outras bandas, artistas
brigam, empresários demitem músicos com impressionante
velocidade. Esta volatilidade de artistas da cena musical do
brega em Pernambuco parece ser uma das características mais
prementes.

Um dos principais exemplos deste fenômeno reside na banda


Sedutora, que, entre os anos de 2013 e 2016, teve 13 formações
diferentes6. O grupo conheceu o sucesso no final de 2013,
com os hits “Bateu a Química” e “No Dia do seu Casamento” –
regravado em 2015 pela dupla sertaneja Maiara & Maraise. Na
época, a banda contava com duas vocalistas: Tereza Cristina e
Rhayza Fontes. Poucos meses depois, a dupla se transformou
em trio, com a chegada de Valquíria Santana. Essa foi a primeira
formação de destaque da banda, que inclusive, cristalizou as
vozes no hit “No Dia do seu Casamento”.

Em junho de 2014, inicia-se o processo de transformação da


banda Sedutora em outras bandas – algumas resultado de
desavenças entre empresários e artistas ou da necessidade
de rentabilizar ainda mais os sucessos “estourados”. Valquíria
Santana abandona o grupo para ingressar na Banda Kiamo
e Tereza Cristina volta aos palcos, depois de uma licença
maternidade, à frente do projeto solo “Bateu a Química” –
título inclusive de um dos maiores hits da Sedutora, a versão
local para “Wrecking Ball”, de Miley Cyrus. Em setembro de
2014, a Banda Sedutora subiu ao palco do Clube Português, no
Recife (PE), para a gravação de seu primeiro DVD, com quatro

60
vocalistas que não estavam na primeira formação.

Reportagens da época dão conta que desentendimentos


entre a cantora Jéssica Netely e o empresário da banda, Jozart,
teriam sido o epicentro para ela deixar o grupo e fundar uma
banda “rival”, Avassaladora. Pouco tempo depois, a cantora
que ficou no seu lugar, também saiu e fundou a banda Efeito
A. Da Sedutora, ainda apareceram as bandas Divas, Primeira
Dama e Forrozão Chacal – todas com cantoras que passaram
pela Sedutora. Em outubro de 2015, a banda grava seu segundo
DVD, intitulado de Cabaré VIP da Sedutora, que ainda teve mais
duas formações até estabilizar, em 2016, com um total de 13
formações diferentes.

O brega em
eixos estéticos
Diante da ausência de disposições arquivais sobre a música
brega em Pernambuco e, consequentemente, de uma
fortuna crítica sobre este cancioneiro popular, adentro aqui à
possibilidade de traçar eixos estéticos que possam, de alguma
forma, sintetizar momentos ou movimentos dentro deste
gênero musical, ao longo de sua existência de mais de 50
anos, entre os anos de 1966 e 2017. A tentativa de normatizar
estéticas é uma tarefa das mais ingratas, sobretudo porque
incorre-se em generalizações, agrupamentos às vezes (quase
sempre) arbitrários, associações não previstas. Pensei, num
primeiro momento, em adotar uma perspectiva essencialmente
histórica, a partir de fases e períodos históricos do brega.
Achei pouco sedutor, na medida, em que a história do brega e

61
de qualquer fenômeno cultural, não é linear, nem com claras
delimitações de início e fim – assim como de seus “pontos de
virada”.

Em seguida, parti para testar a perspectiva geracional, de tratar


o brega, a partir da maneira com que as diferentes gerações de
músicos pernambucanos se apropriaram e negociaram com o
gênero. Havia, entretanto, uma assimetria que me incomodava.
Da “primeira geração” do brega, cujo principal expoente era
Reginaldo Rossi, para a “segunda geração”, marcada pela
cantora Michelle Melo, se passariam praticamente 30 anos –
tempo excessivamente diferente, por exemplo, se comparamos
a simultaneidade entre a “segunda geração” (Michelle Melo) e
a “terceira geração” (formada marcadamente pelos MCs, como
MC Sheldon, MC Cego e Troinha). Esta assimetria temporal me
fez abandonar a ideia de geração. Parti então para a delimitação
de “eixos estéticos”, que conjugam temáticas, arranjos e
dimensões performáticas, para tratar de uma categorização da
música brega em Pernambuco.

Toma-se aqui como marco inicial do brega no Estado, o álbum


Reginaldo Rossi, de 1966, lançado pela gravadora Chantecler,
com o sucesso “O Pão”. Apresentado como uma versão local
dos ídolos da Jovem Guarda, Rossi compôs a faixa em parceria
com Namyr Cury e Oracio Faustino, que trata de um amor não
correspondido que fez “uma bolinha no seu coração e jogou no
chão”. A presença de Reginaldo Rossi como figura emblemática
do brega de Pernambuco se estende por todas as “fases” em
que o cancioneiro chamado de brega se configura, formatando
uma espécie de cânone no gênero musical. Um clássico.

62
De início, o gênero musical que surge em Pernambuco
está intimamente conectado com a estética musical da
Jovem Guarda, inclusive, na temática das letras e também
da ingenuidade da performance e dos arranjos musicais.
Estereótipos de garotas ingênuas, homens sedutores e frisson
de paquera e flerte integram a partitura performática deste
primeiro momento do brega. Reginaldo Rossi torna-se, já nos
anos 1980, uma espécie de modelo performático, que será
amplamente reencenado por outros artistas – notadamente
Reinaldo Belo, Nino (Banda Labaredas), Adilson Ramos, e por
artistas nordestinos de brega, o potiguar Carlos Alexandre, o
paraibano Bartô Galeno, entre outros. Nos anos 1990, Rossi
passa a “apimentar” suas canções e performances, fazendo
shows em que a figura do homem garanhão, sexualmente voraz
e ligeiramente rude, aparece.

Traições, bebedeiras, vida desregrada, mas a busca incessante


por um grande amor, são as bases da narrativização do cantor.
É sob a égide performática de Rossi que o brega se consolida
como gênero musical em Pernambuco, desmembrando-se em
subgêneros, formas classificatórias que “atenuam” o termo
“brega” (sempre vulgar e problemático), e em artistas que vão
aderindo e negociando com o legado de Rossi. Percebe-se,
neste primeiro eixo estético, uma configuração performática
centrada no homem, na voz masculina, heterossexual. Parte da
oscilação destas performances se materializa entre a imagem
do homem dócil das canções ou do sujeito sexualizado, numa
ação de cortejar as mulheres, nas narrativas das canções.

63
A perspectiva temporal e também de gênero ajuda a
compreender a aparição de um segundo eixo estético no
brega de Pernambuco. Como uma espécie de “resposta” aos
cortejos masculinos; vozes femininas aparecem no contexto
pernambucano, já negociando com o histórico de “galanteios”
de homens nos espaços de sedução e flerte da cultura da
noite. A mulher que questiona o homem, mas também cede
a seus apelos, que sofre porque descobre a amante, mas que
também é amante, encena matrizes do amor romântico que se
materializam em artistas como Banda Metade, Banda Ovelha
Negra, Brega.com, Musa do Calypso, Kitara, entre outras. Este
segundo eixo aparece junto a um conjunto de fatores que serão
debatidos mais detidamente adiante, mas que antecipamos: a
mudança da banda Calypso para o Recife (os vocalistas Joelma
e Chimbinha são originalmente do Pará) e o agendamento
estético das bandas de forró com vocalistas mulheres, como
Magníficos.

Delimito como marco deste segundo eixo não um álbum


fonográfico – até porque a ideia de disco passa a ser
problematizada – mas sim uma canção. “Amor de Rapariga”,
cantada pela Banda Ovelha Negra, que narra o debate entre
uma esposa e uma amante pelo amor de um homem, pelo
caráter inusitado do “palavrão” no título e também pela abertura
à temática da infidelidade com tom essencialmente popular e
chulo, fazem com que a canção alcance públicos mais amplos.
“Amor de rapariga não vinga, não/ Não tem sentimento, não
tem coração”, verso cantado pela diva bregueira Palas Pinho,
ecoava pelas ruas do Centro do Recife, nos anos de 2001 e
2002.

64
O visual de Palas Pinho, uma mulher negra, de cabelos
cacheados, batom vermelho e roupas, muitas vezes, preta, com
lantejoulas, criava uma narrativa de enfrentamento do feminino
diante da hegemonia de vozes masculinas. Ao contrário
de bandas como Metade, centrada na figura de Michelle
Melo, loira, cândida e sensual, e Brega.com, com a altivez e o
distanciamento de Elisa, a banda Ovelha Negra parecia “partir
para o ataque”. Isto construiu um lugar bastante singular para
a banda e também para a canção na circulação do brega no
Recife. A partir de 2003, a faixa “Amor de Rapariga” passou a
integrar o repertório de bandas de forró como Calcinha Preta,
Forró Saborear, Mulheres Perdidas, de axé music como Babado
Novo e Cheiro de Amor e também de outras bandas de brega/
calypso, como a Mistura do Calypso.

Durante a pesquisa em torno da canção, o termo “Amor de


Rapariga”, um construto popular e coloquial, usado fartamente
em xingamentos e como aporte de disputas de gênero, também
virou outras canções homônimas, que integrou trajetórias de
artistas de forró como Sirano e Sirino, Brucelose, entre outros.
A adesão a “Amor de Rapariga” foi tamanha, que a canção
ganhou uma “resposta”, a faixa “Rapariga é Você”, lançada pela
banda Beijo Bhom (sim com “h” no “bom”). Este segundo eixo
estético do brega pernambucano abre caminho para o diálogo
com o romantismo e a sexualidade, sempre numa relação turva
e fronteiriça, entre o quarto do marido ou do amante; a cama de
casa ou do motel.

Um terceiro eixo estético se delineia a partir dos acirramentos


performáticos tensivos do feminino e também diante das

65
contingências de popularização do brega e contaminação com
outros gêneros musicais populares – no caso, notadamente
o funk, como também aprofundaremos mais adiante. A
performance do homem provocador, acintoso e sexualizado,
que ordena, ostenta e disponibiliza seu corpo como mercadoria
de prazer e observação coloca o brega em contato com um
conjunto de dimensões performáticas que negociam com o
imaginário de ídolos pop. MC

Sheldon é emblemático neste terceiro eixo, juntamente com


os MCs Leozinho, Boco, GG, Menor, Troinha, entre outros. O
homem “galeroso”, moleque, jovem, que quer a “novinha”,
dispõe de uma forma performática profundamente aderente e
sedutora. Delimito a faixa “Novinha Tá querendo o Que?”, dos
MCs Metal e Cego, como um epicentro discursivo deste eixo,
na medida em que expõe os embates deste jogo de interesse,
sedução e sexualidade, num quarto de motel.

A seguir, sintetizamos os três eixos performáticos e estéticos


do brega de Pernambuco a partir de categorias Temáticas,
Sonoras, Performáticas e de Circulação.

66
Eixo Temática Sonoridade Performance Circulação

Rádio populares
Ecos da Jovem
e programas
masculino-galanteador

Guarda e da Reginaldo Rossi


O homem que de televisão
seresta, do vasto é o marco ao se
corteja a mulher sobretudo “A
uso dos teclados inscrever como
em narrativas Hora do Chau”,
e dos vocais uma figura cujo
de ultra-amor com Jorge Chau,
incisivos. Canções espetáculo se dá
romântico, “Programa Paulo
importantes: na maneira com
insinuações Marques” e toda
“Garçom”, “A que ele conduz
sexuais e devires a linhagem de
Raposa e as Uvas”, sua própria relação
etílicos. programas de
“Garotinha Linda”, entre vida e obra.
auditório da TV
“A Vida é Assim”.
pernambucana.
Presença de
teclados, bateria
e da tradição Cantoras como
dos programas Michelle Melo,
de áudio que Palas Pinho, Ápice nos
feminino-romântico

A mulher que corrigem vozes Elisa são marcos programas de


responde ao e arranjos. fundadores deste auditório da TV
homem, luta por Forte relação gênero, que segue pernambucana
amor, sofre com performática com na tradição de nos anos 2000,
infidelidade e gêneros musicais bandas femininas como Tribuna
com questões do como o forró como Musa Show, Muito Mais,
feminino. eletrônico e o do Calypso, Tarde Legal, entre
calypso. Canções Loira Marrenta, outros.
como “Amor de Sedutora, entre
Rapariga”, “Baby outras.
Doll”, “Ânsia” são
significativas.
Presença
marcante do
teclado que, Marcadamente
ao contrário de digitais, ambientes
suavizar, “ataca” como Palco MP3,
Homem que
o ouvinte, com redes sociais
“atiça” e provoca
sonoridade como Facebook
a mulher, num
masculino-provocador

aguda e ritmo e blogues como


embate que
que negocia o Blog dos
envolve flerte, Artistas como MC
com matrizes Bregueiros são
sexualidade, jogos Sheldon, Metal
da música latina o principal lugar
de sedução e e Cego, Troinha,
dançante (timba, de disseminação
poder. Imaginário entre outros, se
reggeatón), mas destes conteúdos.
do motel, da configuram neste
também com Redes no
cultura digital, contexto.
o funk carioca. aplicativo
da ostentação
Faixas como Whatsapp e
integram as
“Novinha tá disposições
máximas
Querendo o mobile (Instagram
performáticas.
Que?”, “Estilo e Snapchat)
Panicat”, facilitam a
“Balança”, entre distribuição.
outras, sintetizam
sonoramente.
SOARES, Thiago. Eixos Estéticos da Música Brega em Pernambuco.

67
68
69
capítulo
Recife não é
Belém:
Brega não é
Tecnobrega
Da janela do avião, vou avistando Belém. As pesadas nuvens
do início da tarde anunciam: vai chover. E chove. O calor e a
umidade lembram os dias quentes no Recife. E ao seguir para o
hotel, no táxi, vamos tentando “pescar” onde podemos ir a uma
Festa de Aparelhagem, o evento em que artistas do tecnobrega
emergiram a partir do início dos anos 1990. Estou em Belém a
turismo, primeira vez nesta metrópole nortista, abril de 2013. Na
ida à capital do Pará, estão previstas visitas ao Mercado Ver-o-
Peso, à Estação das Docas, tomar sorvete de frutas exóticas na
Cairu e, me parecia natural, ir a uma Festa de Aparelhagem.

O disco Treme, de Gaby Amarantos, tinha sido lançado no final


do ano anterior. A cantora paraense parecia ser a tradução
de um certo senso utópico da cantora de periferia que tem a
canção exibida na “novela da Globo”. Aconteceu com a faixa
“Ex Mai Love”, composta por Veloso Dias, e tema de abertura
da trama de “Cheias de Charme” enquanto Gaby Amarantos
se apresentava sob a alcunha de “Beyoncé do Pará” (e
depois negava a aproximação com a diva pop americana),
reivindicando sua identidade brasileira e paraense.

Ao assistir ao show de Gaby Amarantos no Festival Rec-Beat,


que ocorre anualmente durante o Carnaval do Recife, em que
a cantora, entre suas faixas, entoou “Hoje eu Tô Solteira”,
versão tecnobrega de “Single Ladies”, de Beyoncé, e que,
exatamente por isso, recebeu o codinome de “Beyoncé do
Pará”, percebi conexões ainda mais evidentes entre a música
tecnobrega paraense e o brega produzido em Pernambuco.
Para além da presença da banda Calypso no Recife, que viria
fixar residência e “montar negócio” na capital pernambucana

73
(processo que discutiremos mais adiante), proponho aqui
pensar o embaralhamento sobre as classificações envolvendo
“tecnobrega” e “brega” e dos agenciamentos geográficos e
estéticos entre Pará e Pernambuco (num primeiro momento),
quando se cristaliza a estética centrada na cantora de brega
(Joelma e Gaby Amarantos, no contexto paraense, e também
Michelle Melo, Priscila Sena, Carlinha, Palas, Dany Miller, Elisa7,
entre outras, no contexto do brega pernambucano)8. Meu
interesse é pensar como o conceito de cena musical debatido
por Straw (1997, 2006, 2013) e Janotti e Sá (2013) funciona
como forma de aproximação e debate estéticos entre Pará e
Pernambuco/Belém e Recife apontando, para além de circuitos
culturais e de consumo, também formas de teatralização das
cidades e das identidades, propondo olhares estéticos para os
fenômenos fortemente amparados pela ideia de performance.

Chego ao hotel em que me hospedo em Belém e vou perguntar


onde posso encontrar uma Festa de Aparelhagem. Lembro
que o taxista que pegamos no aeroporto nos advertiu a não
ir para eventos desta natureza. “É perigoso”, disse, quase
balbuciando. Não levamos muito em consideração (eu viajava
junto com outros três amigos) e seguimos na tentativa de
ir a uma festa para tentar encontrar as “novas cantoras” do
tecnobrega paraense. No hotel, também nos alertaram para
não irmos. Sabendo que Gaby Amarantos é original do bairro
de Jurunas, nem titubeei e indaguei qual o local para festas que
havia no bairro. Fui percebendo que não éramos encorajados a
ir às Aparelhagens. Mais ainda, quando perguntávamos sobre
estes eventos, quem nos dava a informação eram funcionários
subalternos (no hotel, por exemplo, o recepcionista nos disse

74
que não sabia nos informar, mas chamou uma camareira que
“entendia tudo” de Aparelhagem). Numa cervejaria nas Docas,
um local bastante turístico de Belém, quem nos deu indicativos
sobre as atrações do tecnobrega foi o garçom.

Resultado: fomos à Festa de Aparelhagem à revelia dos


“conselhos” para não ir. Assistimos ao Búfalo de Marajó no
Clube Florentina, em Jurunas. O Búfalo de Marajó é uma
Aparelhagem centrada numa certa estética do vaqueiro,
ligeiramente country, com os DJs usando chapéu com abas
largas, camisas quadriculadas, berrantes. Tocam músicas do
tecnobrega, pontuadas pelo peculiar uso dos teclados e da
vocalização acelerada, o palco é repleto de telões, algo que
destaca-se do ponto de vista tecnológico. Passava da uma hora
da madrugada quando explosões, chuva de papel picado, um
berrante com luzes de néon aparentemente anunciam o ápice
do espetáculo. Estou aqui descrevendo a Festa de Aparelhagem
do tecnobrega paraense porque foi, em função desta vivência
no evento, que comecei a perceber agenciamentos estéticos
que, ora se aproximavam, ora se distanciavam, do contexto do
brega em Pernambuco.

A primeira questão que se delineou foi pensar sobre


permissividades entre sujeitos e classes sociais nos contextos
dos eventos nas cidades. Percebi, nesse enquadramento, que
indo na condição de turista, há uma espécie de tentativa de
reter o fluxo de figuras “alheias” ao contexto do tecnobrega e
do brega – evocando, sobretudo, premissas ligadas ao perigo
e à violência urbana. Esta clara separação entre turistas e
fenômenos periféricos parece ser uma construção que se traduz

75
num controle sobre as formas de fruição dos contextos
urbanos. Neste sentido, Recife e Belém se aproximavam.

Uma segunda questão que se desenhou foi a clareza em


torno do que se chama de tecnobrega, no contexto do
Pará, e de brega, em Pernambuco. O tecnobrega paraense
se configura numa confluência do “tradicional brega que
fez muito sucesso no Pará nos anos 1970 com o que se
convencionou chamar de brega calypso, com batidas
eletrônicas aceleradas e evocação a uma sonoridade que
lembra a guitarrada” (MELO e CASTRO, 2011, p. 191). Já o
brega de Pernambuco mantém ligações com a música
brega/romântica dos anos 1970, de artistas como Waldick
Soriano, Odair José, Agnaldo Timóteo, que se materializou
na profusão de cantores no estado de Pernambuco que
eram espécies de “versões locais” destes ídolos bregas,
como Reginaldo Rossi, Adilson Ramos, Augusto César, entre
outros. No entanto, no enredo nordestino, seria impossível
não mencionar matrizes expressivas musicais do brega em
Pernambuco que derivam do forró eletrônico e também das
próprias bandas de tecnobrega do Pará.

Fontanella (2005) problematiza as matrizes expressivas


do brega produzido no Pará e este centrado no contexto de
Pernambuco recorrendo à classificação de “Brega Pop”. Para
o autor, o Brega Pop traria uma espécie de dupla vinculação
(com a tradição de música romântica/ cafona, na linhagem
descrita por Paulo César de Araújo (2002) que consagrou

76
figuras como Reginaldo Rossi e Adilson Ramos e também
com a musicalidade do calypso, presente nos artistas do
tecnobrega paraense.

Nas suas formas, o Brega Pop difere da música


cafona tradicional de diversas maneiras. Em primeiro
lugar está o papel da dança, essencialmente para ser
executada por casais (…) Para criar o efeito desejado de
uma música dançante e sensual, os músicos abusam
em seus arranjos de formas provenientes dos ritmos
caribenhos e do forró (FONTANELLA, 2005, p. 23).

Delineia-se aqui, portanto, que o brega produzido em


Pernambuco apresenta encontros e afastamentos com o
tecnobrega do Pará, a partir de lógicas de mercado e de
interesses de empresários que integram a cadeia produtiva
da música de gêneros ultrapopulares. Infere-se que a
música produzida no estado encontra disposições estéticas
que a afastam da hegemonia da cultura popular folclórica
e tradicional ao mesmo tempo que negociam com um tipo
de produção musical claramente mercadológica, porém
produzida à revelia dos sistemas produtivos hegemônicos
ligados, por exemplo, aos circuitos de festivais e que
era produzida e “consumida” nos contextos periféricos
especialmente do Recife.

77
A teatralização
da subalternidade
Para adentrar nos meandros da cena brega, é preciso
posicioná-la num quadro mais macro em que outros gêneros e
experiências musicais – como o Manguebeat9, o circuito “indie
rock”, por exemplo – foram/são hegemônicos na formatação
da imagem do Recife como uma “cidade musical”. Pensando
nas tensões acarretadas entre as perspectivas do senso
comum e as legitimações por parte do jornalismo cultural, é
possível o reconhecimento de uma cultura musical recifense
que, hegemonicamente, se traduz por meio do Carnaval, dos
festivais de música (com ênfase no rock e suas variáveis) e
da cristalização do uso do Manguebeat como retranca de
endereçamento, inclusive, de uma série de políticas culturais.

Minha intenção não é identificar arestas entre a cena brega


e outras manifestações musicais, suas disputas e busca
por legitimação, mas sim, primeiramente, localizar a cultura
musical do brega num quadro mais amplo e plural na cidade
do Recife e, com isso, verticalizar a observação na cena em si.
É dessa verticalização em tornos dos espaços e das lógicas
de ocupação da música brega no contexto do Recife que
faremos inferências sobre o que consideramos ser a partitura
de conveniências em torno da fruição e dos usos deste gênero
musical.

A primeira questão que me aparece diz respeito às diferentes


noções que uma certa estética da periferia adentra na cultura
musical pernambucana. Se pensarmos que o brega que se

78
cristaliza como música comercial em Pernambuco nos anos
2000, podemos traçar relações com o Manguebeat nos anos
1990, especificamente a partir de matrizes estéticas da periferia.
A princípio, mencionaremos ideias a respeito do periférico e do
subalterno operacionalizadas de formas bastante distintas. A
estética da periferia no Manguebeat apareceu na referência a
uma geografia urbana que materializava conceitos em torno de
uma imagética ligada à lama, à produção de música na periferia,
ao pensamento conectado.

No entanto, atrelando tais princípios a um gênero musical que,


conforme já vimos, ocupa o lugar mais hegemônico dentro das
partituras de autenticidade e valor no campo da música popular
midiática: o rock. Figuras como Chico Science, que trazia traços
biográficos de vivência periférica, abarcava a ideia de subalterno
conectado, roqueiro/rapper, produzindo fusões sonoras
“interessantes” (o rock com maracatu, rap com embolada) para
uma série de mediadores culturais, notadamente jornalistas,
que circunscreveram uma certa inteligência periférica que
emergia naquele contexto.

O álbum Afrociberdelia (1996), repleto de referências à


cultura negra, matrizes africanas locais, texturas eletrônicas e
orgânicas de sonoridades da cultura popular e da música pop,
foi um importante artefato de materialização da ideia de que a
estética da periferia do Recife “falava” (uso aqui o termo “falar”
numa referência ao termo no texto “Pode o Subalterno Falar?”,
de Spivak). O “falar” da musicalidade da periferia recifense
vinha repleto de mediadores (jornalistas, radialistas, músicos)
que construíam chancelas distintivas para a produção musical

79
destes artistas. Os avanços políticos do Manguebeat, de
agendar a cultura periférica na mídia de maneira mais ampla, no
jornalismo cultural; e, sobretudo na cultura musical brasileira,
colocando a capital pernambucana no mapa da produção
musical no contexto da década de 1990, foram significativos
para se falar em torno de “qualidade da música pernambucana”,
de um mercado interno de festivais e eventos e também de
políticas públicas e culturais que olhou para a periferia e
tentou integrar tais estéticas periféricas a padrões de música e
mercado vigentes no contexto da época.

Como processo que deixa resíduos, vácuos e novos


engendramentos, parece sintomático perceber como o
Manguebeat pareceu traduzir a necessidade de legitimação
da música periférica em função da filiação a gêneros musicais
hegemônicos e a mediadores culturais que funcionavam como
atestadores de valor da produção cultural. Haveria, portanto,
artistas musicais que “bebiam” na fonte da cultura popular, das
manifestações folclóricas, do que se convencionou chamar de
manifestações musicais da periferia, no entanto, sem que eles
mesmos, os sujeitos periféricos se afirmassem como agentes
da cadeia de produção, circulação e consumo.

Quando um artista da periferia recifense produzia músicas


dentro do que chamamos de “brega” e não rock, rap ou, num
sentido mais difuso “Manguebeat”, havia ali uma espécie de
tomada de posição, que poderíamos ler como ideológica e
emancipadora, no entanto, preferimos pensar no lugar de uma
outra estética possível, que conecta claramente um mercado,
ideias de “viver de música”, da junção de músicos sob a forte

80
tutela empresarial e de uma música de consumo fácil, efêmero
e que busca o hit comercial e, portanto, pop.

No momento em que estou pensando num certo sujeito que


toma decisões artísticas, estéticas, constrói ideias em torno
do seu discurso, daquilo que lhe impele a seguir na carreira
artística, parece propício pensar na noção de teatralização
como debatida por Nestor García Canclini (2000). Dentro das
disputas culturais, teatralizar fenômenos, colocá-los em cena,
atribuir-lhe sentido e evocar disposições sensíveis, significa
discutir ações estratégicas de representação de poder. Canclini
nos lembra que para que tradições sirvam de legitimação
para aqueles que a construíram ou se apropriaram delas, seria
necessário “colocá-las em cena”.

O patrimônio, segundo o autor, existe como força política


na medida em que é teatralizado, em comemorações,
monumentos, museus. Frequentemente somos interpelados por
“palcos simbólicos” em que “grupos hegemônicos fazem com
que a sociedade apresente para si mesma o espetáculo de sua
origem” (CANCLINI, 2000, p. 162). Talvez caiba aqui a reflexão
em torno de que “espetáculo de origem” da musicalidade
periférica fomos apresentados?

Seja via políticas culturais, dos instrumentais de Estado ou


mesmo por curadores e festivais de música de Pernambuco.
Ou em que medida o Manguebeat soa como importante forma
de teatralização da subalternidade recifense, a partir de um
conjunto de performances, gêneros musicais e espaços que
atenderam a uma certa ideia de construção de uma tradição
– já marcada desde por exemplo o Movimento Armorial. Meu

81
interesse, no entanto, é avançar e adentrar os espaços e a
formação de uma cultura musical nas periferias do Recife.

Espacialidades bregueiras
Para debater melhor estas questões aqui elencadas,
precisamos conhecer as espacialidades que foram centrais
na constituição da cena brega do Recife, tomando o conceito
de cena musical como discutido por Will Straw (2013), a partir
da noção de que: trata-se de um ambiente local ou global,
marcado pelo compartilhamento de referências estético-
comportamentais, que supõe o processamento de referência
de um ou mais gêneros musicais, podendo ou não dar origem
a outros gêneros; apontando para fronteiras móveis, fluidas
e metamórficas dos grupamentos juvenis e que supõem
demarcações territoriais a partir de circuitos urbanos que
deixam rastros concretos na vida da cidade e dos circuitos
imateriais da cibercultura (apud PEREIRA DE SÁ, 2013, p. 157).
Nesta direção, espaços codificados por gêneros musicais
populares funcionam como articuladores da permissividade da
ocupação da música brega nas lógicas de consumo no Recife.

Historicizar os ambientes performáticos numa cena é uma


atividade fundamental para compreender como espacialidades
são agentes de interpretação de uma geografia humana que
se atrela a gêneros musicais. Pensar a existência de uma cena
brega do Recife, com a experiência estética de um gênero,
as corporalidades dos sujeitos, os deslocamentos urbanos
dos frequentadores, toda a economia da cultura resultante
de empresários, casas de shows, espaços de circulação

82
e consumo dos produtos (arquivos de MP3, CDs e DVDs
piratas), significa perceber tal cenário como resultante de (re)
organizações, combinações e ambientes de performatização
de gêneros musicais populares. Em síntese, a cena brega do
Recife deve ser pensada como constituída por vestígios de
sonoridades de gêneros musicais populares, ambientes em
que tais sonoridades foram performatizadas, engajamentos
dos sujeitos nestas espacialidades e, sobretudo, enunciações
que cristalizaram modos de fruir a musicalidade popular
pernambucana.

Na cena brega do Recife, trazer à tona uma perspectiva


histórica sobre os espaços de lazer e entretenimento auxilia na
compreensão dos encaixes e tensões relativos aos diálogos
entre estéticas dos gêneros musicais populares. Dessa
forma, não se pode pensar tal cena sem recorrer aos espaços
ligados ao pagode romântico, à suingueira10 e ao samba como
“brechas” da entrada dos artistas de brega na cultura do
entretenimento. Na noite recifense nos anos 1990, assistíamos
à presença maciça das pagoderias, casas dedicadas a grupos
de pagode tanto locais quanto nacionais, que funcionavam
como espaços de lazer tanto na periferia da cidade, quanto nas
áreas centrais e nos bairros mais nobres da Zona Sul.

A tentativa é entender como o brega foi ocupando as


espacialidades, primeiramente da periferia, migrando, em
seguida, para a Zona Sul do Recife, numa lógica de negociação
com outro gênero musical popular, que vamos chamar aqui
genericamente de “pagode”. Lançamos a questão: como

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artistas ligados ao universo bregueiro no Recife foram,
gradativamente, deixando de ser “estranhos” em casas
noturnas voltadas à classe média recifense e passando a ser
“legítimos” nestes espaços?

Circuitos de lazer:
das pagoderias
às casas de brega
As casas de entretenimento popular que traziam atrativos de
pagode ainda nos anos 1990 podem ser pensadas a partir de
endereçamentos geográficos: não exclusivamente o Recife,
mas sobretudo a Região Metropolitana (que compreende, além
da capital pernambucana, outros municípios como Jaboatão
dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho, Olinda, Paulista,
Camaragibe, Abreu e Lima). Formas de construção de vivências
comuns foram fundamentais para a inserção do brega na
partitura de fruição dos frequentadores destes espaços.

A casas de pagode da Zona Sul (bairros de Boa Viagem, Pina,


Piedade, Candeias, Imbiribeira) centravam seus atrativos em
diálogos entre pagode e axé music, enquanto que, na Zona
Norte (Casa Amarela, Ibura, Jardim São Paulo, entre outros), a
negociação entre artistas de pagode e de brega sempre foram
– digamos – mais abertas11. O Pagode da Adega, da Lulagem,
Entre Amigos – O Bode eram points na Zona Sul, que tinham
o foco de suas noitadas, a presença de “gente bonita” que
se encontrava “depois da praia”. Entre os atrativos, grupos
de pagode constituídos quase sempre por garotos de classe

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média, estudantes universitários, como Pagunça e Padang, e
bandas com repertório de axé music12.

Esta aproximação entre o pagode e a axé music tinha


constituinte de viabilidade econômica: grande parte dos
empresários, proprietários de pagoderias da Zona Sul do Recife,
eram também “donos” de blocos de Carnaval que “saíam” no
Recifolia – a micareta que acontecia no Recife entre os anos
de 1993 e 2003. Esta deliberada aproximação entre gêneros
musicais gerou uma certa blindagem a outros gêneros musicais
como constituintes de atrativos nas pagoderias da Zona Sul.

Em contrapartida, locais como o Pagode da Wanda, Espaço


Aberto, Galpão 40 Graus, entre outros, que integravam
o “circuito pagodeiro” da Zona Norte (envolvendo o que
comumente se chama de periferia do Recife); a ausência de
ligações entre empresários do entretenimento e as lógicas da
axé music, gerou um ambiente de maior permissividade para os
artistas do brega – sem falar, obviamente, de uma aproximação
geográfica entre as residências dos próprios artistas e os locais
de entretenimento. Numa escala menor, é possível inclusive,
trazer à tona evidências de proprietários de pagoderias da
Zona Norte que mudaram o negócio e adentraram na lógica de
empresariar artistas do brega.

Formatava-se, assim, um circuito de espacialidades de música


popular na cidade do Recife. De maneira geral, na virada dos
anos 1990 para 2000, a cultura de lazer e entretenimento
popular da cidade estava dividida da seguinte forma:

1. As pagoderias seguiam atraindo grande parte da massa de


jovens, tanto com os grupos de pagode propriamente ditos,

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quanto com artistas oriundos da axé music, do funk ou em
dias temáticos com os chamados “banhos de espuma”13.
Estabelecimentos como o Veleiro do Guaiamum e o
Caldeirão, localizados em bairros nobres como Espinheiro e
Casa Forte, ou pagoderias situadas em Boa Viagem, davam
a tônica neste formato de festa. É curioso perceber que não
havia uma segmentação dos espaços por classe social, pois
grupos de pagode como Sassarico, Pagunça ou Padang
tocavam tanto nas pagoderias da Zona Sul (usual reduto da
classe média), quanto nas casas de pagode da Zona Norte;
2. Os clubes de bairro passavam a despertar interesse dos
jovens das periferias do Recife e atraíam grupos de pagode
para suas programações culturais, outrora dedicada
exclusivamente, por exemplo, à seresta, promovendo uma
mescla de atrações de ordem mais “romântica” e “dor-de-
cotovelo”, com o “alto astral” dos pagodeiros. Fazem parte
deste segmento, locais como o Clube das Pás, em Campo
Grande, o Atlético Clube de Amadores, em Afogados, o
Treze do Vasco, em Vasco da Gama, o Intermunicipal de
Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes e o Jaboatonense,
em Jaboatão Velho – grande parte desses clubes de
bairro integram políticas públicas de descentralização do
entretenimento popular;
3. As casas de serestas eram estabelecimentos em que se
concentravam atrações mais ligadas à música romântica,
com shows de artistas como Daniel Bueno, Reginaldo Rossi,
Nádia Maia e, inevitavelmente, atrativos relacionados à
Jovem Guarda, como Renato e Seus Blue Caps, The Fevers
e cantores “da fossa”, como Núbia Lafayette, Cauby Peixoto

86
e Waleska. Estes locais agregavam, substancialmente,
pessoas “mais velhas”, muitas vezes, interessadas em
relembrar grandes sucessos do cancioneiro popular, de
preferência, com um “copo de uísque na mão”;
4. Os forrogodes eram espaços em que oscilavam atrações de
pagode e de forró, agregando de maneira mais evidente o
público jovem, muitas vezes, universitário. Grande parte dos
espaços de forrogode se localizavam perto de universidades
particulares do Recife (Feitiço Tropical, Pappillon). Nestes
locais, era possível entender a reverberação de que o forró
rompia com a sazonalidade do período das festas juninas.
Mais especificamente, o forró da chamada "oxente music",
movimentação em torno de grupos como Magníficos,
Mastruz com Leite e outros, oriundos, grande parte, do
Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, e que ganhavam
divulgação através da rádio Som Zoom Sat, gerando público
em todo o Nordeste.

É da confluência do clima de “azaração” das pagoderias, em


consonância com a lógica da “dor de cotovelo” dos clubes
de seresta e das formas de engajamento, dança e flerte do
forró da “oxente music” que os clubes de bairro se tornam
locais propícios à gênese de uma cultura da música brega
contemporânea. Obviamente que as espacialidades só agregam
o brega porque há instituições no que se convencionou chamar
de circuito de cultura (HERSCHMANN, 2007), ou seja, níveis
de institucionalidade numa dinâmica híbrida, territorializada
e protagonizada por atores sociais. Entender a cena brega
do Recife diante deste quadro significa apontar para o

87
reconhecimento destes atores sociais.

O deslizar do brega pela


Avenida Conde da Boa Vista
Estou no centro do Recife, na rua Sete de Setembro, esquina
com a avenida Conde da Boa Vista. É a temporada do festival
Janela Internacional de Cinema, que ocorre no Cinema São Luiz.
Não costumo ir ao centro da Cidade e, quando vou, passo de
carro, vidros fechados, ar-condicionado do automóvel ligado.
Não ouço os sons da cidade. Ouço a música que disponho no
meu carro – ambiente privado – enquanto circulo pelas ruas
históricas do centro. Olhando para aquelas ruas, esquinas,
dentro do automóvel, música alta, pareço estar diante de um
videoclipe. “Quando você coloca um fone de ouvido e vai
passear pela cidade, a vida vira um videoclipe”, escreveu Bianca
Ramoneda.

Esta percepção ao mesmo tempo que me isola da metrópole,


também me conecta (DENORA, 2013), aciona questões em
torno da realização de percursos e acionamentos muito
pessoais – e possíveis – na relação entre música e cidade.
Se estou ouvindo uma música de Rihanna, no meu carro, a
paisagem se orienta, sob meu olhar, a partir da narrativa da
cantora pop. O Recife vira um pouco Bridgetown, a capital de
Barbados, terra nativa da cantora. O cotidiano encontra-se
atravessado por sons que vão se intercalando, interpenetrando,
agenciando, aparecendo, sumindo, criando enlaces possíveis
entre ruídos, sons, músicas, vozes.

Saio do carro, caminho pela avenida Conde da Boa Vista. Agora,

88
não me encontro mais sob a regência da sonoridade que quero
ouvir. Sou um corpo interpelado pelas materialidades sonoras
que me interrogam, me acionam, me tocam. Na caminhada
pelas calçadas sujas da Conde da Boa Vista e ruas adjacentes,
ouço maciçamente música brega. Esta avenida é, digamos, a
artéria central do Recife, inicia-se na Ponte Duarte Coelho (que
encena, por exemplo, a estátua do Galo da Madrugada, durante
o período carnavalesco) e termina na Rua Dom Bosco – seu
prolongamento passa a se chamar Avenida Carlos de Lima
Cavalcanti, cortando os bairros da Boa Vista e Soledade. Por
ela, todos os dias, cerca de 400 mil pessoas e 9.700 veículos
circulam, segundo dados da Prefeitura do Recife e do Grande
Recife Consórcio de Transporte. Ao ser inserido neste contexto
musical através de uma localidade, estou adentrando também
a um conceito proposto por Micael Herschmann e Cintia
Fernandes (2012): uma territorialidade sônico-musical. Com esta
noção,

[...] busca-se valorizar a importância da música e das inúmeras


sonoridades presentes no cotidiano das cidades para os
processos de reterritorialização que serão realizados pelos
atores pesquisados. Muitas vezes, a decisão da área que
será ocupada pela música leva em conta não só a circulação
dos atores, mas também o fluxo e a intensidade dos fluxos
sônicos do local (HERSCHMANN e FERNANDES, 2014, p. 13).

Os autores propõem uma espécie de indicação metodológica


em torno da escolha de locais a serem investigados, como
partitura de questões que ligam os tecidos urbanos e
as ocupações e deslizamentos sônico-musicais. “Estas
territorialidades – mais ou menos temporárias –, pela sua

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regularidade, geram uma série de benefícios locais diretos
e indiretos para o território (permitindo até o incremento
das atividades socioeconômicas locais)” (HERSCHMANN e
FERNANDES, 2014, p. 13). Meu recorte em torno da Conde
da Boa Vista se dá em função das problemáticas que esta
via fornece do ponto de vista sônico-musical. Percebo a
avenida como uma espécie de epicentro sonoro que adquire
importância mercadológica em função do enorme fluxo de
pessoas que por ali circulam – historicamente, a via se edificou
como ambiente de comércio e negócios desde sua obra inicial
em 1840 e, já em 1870, no trecho que compõe o espaço entre a
Rua da Aurora e a Rua do Hospício, passou também a ser local
de lazer e entretenimento.

Percebe-se que a Conde da Boa Vista, em função deste duplo


endereçamento (é uma via “comercial” e também de “lazer”),
adquire uma centralidade em torno de sua relevância para
a cidade. Se a música e os sons da avenida, historicamente,
se construíram a partir dos bares, das lanchonetes e dos
automóveis que por ali circulam, entre os anos de 2007 e 2008,
com a implantação do Corredor Leste-Oeste, que ergueu um
conjunto de paradas de ônibus ao longo da via, assistiu-se
a uma dinâmica de circulação do ambiente que perpassou a
espera pelo ônibus nas paradas, os agenciamentos ligados
ao ócio e ao comércio de ambulantes culturais, que vendem
produtos culturais, quase sempre pirateados, como DVDs e
CDs, livros, óculos, roupas, entre outros.

O hábito de esperar na Avenida Conde da Boa Vista instaura


um agregar (de público, de comércio) que faz com que o local

90
adquira status de ambiência de inúmeros agregamentos e
atravessamentos, interessantes para o comércio e para a
divulgação de ações e produtos populares. A Avenida Conde
da Boa Vista é assim percebida por meio de sua vocação
mercadológica e midiática, local, por exemplo, em que ocorrem
as manifestações culturais e políticas da cidade, algumas
já deslocadas para outros ambientes, como a Parada Gay, o
desfile de 7 de setembro, passeatas e a passagem de blocos de
Carnaval.

Percebe-se também a importância política do local, uma vez


que, realizar qualquer ato nela significa estancar o fluxo de
transportes coletivos na cidade, causando transtornos no
trânsito. É, portanto, na avenida Conde da Boa Vista que a
música brega me interpela, enquanto agenciamento público.
Mesmo que eu não ouça música brega, não conheça os artistas,
não saiba do “último hit”, passear pela Conde da Boa Vista
é uma espécie de indicativo de contato com a musicalidade
bregueira que habita os vendedores ambulantes de CDs e
DVDs piratas e também os aparelhos celulares dos sujeitos em
trânsito no cotidiano.

A Conde da Boa Vista reconfigura, de alguma maneira, os


territórios do Recife, gerando novas cartografias e mapas
sônicos-musicais da cidade. Se pensarmos a música brega
como de matriz das periferias recifenses, através da presença
destas sonoridades no espaço do centro da cidade, vivenciamos
experiências estéticas que se sobrepõem: a circulação pelo
centro da cidade, o acionamento musical periférico. A periferia
está presente no centro e vice-versa. O deslocar centro-

91
periferia se dá fisicamente com os deslizes entre canções que
são produzidas em contextos periféricos, fruídas em centros,
transformando o “espaço” num “lugar”. Pensamos aqui a cidade
pela máxima de “artes do fazer” cotidiano, como postula De
Certeau (1994), um espaço comunicacional-interacional vivido
nas dinâmicas socioculturais e ambientais, nos modos de
presença, no compartilhamento e dissensos sobre gostos e nas
significações entre urbanidades e sujeitos.

Nas entrâncias da avenida Conde da Boa Vista, podemos


percebê-la como espaço democrático, de encontros e tensões
no cotidiano. A música brega, de forte conteúdo erótico-sexual,
encontra o cancioneiro evangélico (gospel) também de enorme
apelo comercial, entre os comerciantes e ambulantes de
produtos culturais pirateados. Estes encontros e tensões fazem
parte da vivência urbana, em que o desafio de conviver e tolerar
a diferença integra questões éticas da vida pública.

Entende-se a vida pública como repleta de conflitos, situações


inesperadas, conservadoras; no entanto, uma vez que tomamos
o desafio de tolerar e conviver, a avenida Conde da Boa Vista
é uma metáfora de atravessamentos de classes sociais, faixas
etárias, raça, gênero, que talvez nos leve a discutir aquilo que
Canclini (2011) chama de promoção de “ações cidadãs a partir
de uma ética intercultural”. Uma vez que estou na Conde da Boa
Vista e sou interpelado pela música brega, gospel, funk, entre
outros gêneros musicais possíveis, coloco em prática uma série
de confrontos, intercâmbios identitários e comunicacionais
vivenciados em tempos de globalização. Numa leitura
pertinente de Canclini para visualização destas práticas na

92
música de rua no Rio de Janeiro, Herschmann e Fernandes
apontam que:

Essas práticas interculturais não se reduziriam em acordos


econômicos nem apenas nas práticas multiculturalistas – que
estiveram presentes no debate das últimas décadas do século
XX – nas quais se admite a diversidade cultural a partir da
diferença sublinhada por políticas de tolerância e respeito,
mas que, por vezes, acabaram por reforçar segregação
social (HERSCHMANN e FERNANDES, 2014, p. 30).

Caminhar pela “artéria” central do Recife significa ser


interpelado pela diferença, colocar os sujeitos urbanos em
contato com outras estéticas, outras ideias de centro da cidade,
que remonta às periferias e às maneiras de se deslocar de
forma democrática. O tecido urbano é este ambiente em que
praticamos lógicas de cidadania cultural, sobretudo no tocante
às músicas e suas estéticas dissonantes. Os encontros na
Conde da Boa Vista estão longe de serem apenas interações
em que se pratica o exercício da diferença. Naturalmente, a
música que não estamos ouvindo porque queremos causa
incômodo (TROTTA, 2016) de forma a que somos impelidos a
pensar sobre o lugar do Outro na cidade.

A presença da música brega no contexto do centro do Recife


pode ser pensada na ordem do dissenso, daquilo que também
afasta e propõe novas instâncias de segregação. Por isso,
destacamos a associação que a música brega tem com o
mercado informal e pirata. Neste sentido, podemos vislumbrar
os embates entre o comércio informal dos grandes magazines
do centro do Recife, lojas de departamento, shopping centers

93
e os camelôs, os fiteiros e as “bancas” de DVDs e CDs
piratas. A formalidade do comércio institucionalizado contra a
informalidade dos camelôs é um debate de valor associativo
da música brega. Ao brega, cabe a informalidade, o mercado
paralelo, sem a chancela dos grandes conglomerados de
comércio. Observo aqui o consumo que circunscreve o embate
entre as Lojas Americanas (uma loja de departamentos que se
notabilizou em comercializar CDs e DVDs originais, direto das
grandes gravadoras, a preços populares) e os vendedores de
DVDs e CDs piratas que, por vezes, armam seu comércio “na
porta” das Americanas. A música brega, portanto, vem atrelada
a valores ligados à pirataria, enfrentamento do sistema formal
do capitalismo e desordem institucional.

Música brega e
cultura da mobilidade
O estudante Breno França, 17 anos de idade, está no ônibus
da linha 071 – Candeias. Na parada de ônibus em frente à
loja Riachuelo, na avenida Conde da Boa Vista, ele subiu no
coletivo ouvindo, sem fones, uma música brega. Breno está com
outros dois amigos, Melque e Tiago, os três conversam sobre
novidades no universo dos videogames. Vou seguir Breno e
tentar conversar com ele durante o percurso no ônibus. Minha
forma de aproximação é, naturalmente, perguntando sobre a
música. “É de Tróia”, responde, desconfiado. Silêncio entre os
amigos enquanto a parada de ônibus é embalada pela canção
que sai do celular de Breno: “novinha kika, kika vem kikando,
kika daquele jeitinho que papai já tá gostando”. O verso faz

94
parte da música “Novinha Kika”, do MC Tróia, um dos artistas
da cena brega recifense. Breno não sabe o nome da música,
olha no celular para ver o título e me mostra na tela do aparelho:
“novinhakika.mp3” é o arquivo.

A música é uma referência ao ato sexual, “quicar”, movimentos


pélvicos. O termo “kikar” (escrito com “k”) é bastante comum
no universo musical do brega recifense e aparece recorrente
nas canções de MCs como Tróia. Breno está desconfiado com
minha curiosidade. Os amigos não interagem comigo. Percebo
que há neles, talvez, o indicativo de que eu seja alguém que vá
reclamar da música tocada em alto volume. O enfrentamento
tácito entre cidadãos por causa de “problemas sonoros” é
uma constante nos circuitos de transporte público no Recife. A
jornalista Tânia Passos relata:

Na semana passada, durante uma viagem na linha Sul


do metrô, presenciei uma cena que me chamou atenção.
Um som alto, que demorei a identificar de onde vinha,
incomodava não apenas pelo péssimo gosto musical, mas,
sobretudo, pelo volume nas alturas. Uma senhora sentada,
próxima a um jovem, estava particularmente incomodada
e vi, por fim, de onde vinha o barulho. Embora com um fone
no ouvido, o rapaz o desconectou do celular e ‘dividiu’ com
todos a música que lhe enchia os ouvidos. Foi quando
resolvi abordar o jovem. Esse som é seu? Perguntei. Sim,
respondeu ele. O senhor acha certo ouvir som alto em uma
área que é pública? A única resposta dele foi: ‘Não vejo
nenhuma placa dizendo que é proibido’ (PASSOS, 2012, p. 1).

Quero aqui pontuar a problemática relatada pela jornalista


como dinâmicas dos atritos que envolvem direitos garantidos

95
de silêncio, noções ligadas ao bem-estar e à ordem pública.
Trata-se de um consenso em torno do que se chama de
“poluição sonora” como perturbação da ordem pública, dos
dissensos causados pelo alto volume de músicas e também
pela perspectiva festiva em torno dos fazeres musicais. Quero
pontuar aqui dois termos usados no relato que talvez ilustrem
a desconfiança com que Breno e os dois amigos tiveram em
relação a mim – como interlocutor no ato de abordagem sobre
a música que eles ouviam coletivamente, junto aos transeuntes
na parada de ônibus da avenida Conde da Boa Vista.

Os termos são “péssimo gosto musical” e “barulho”. Parece-me


importante pensar em torno não só das disposições valorativas
(bom, ruim, ótimo, péssimo), mas como estas construções
são acionadas, performativizadas, podendo evocar lugares e
disputas de classe, faixa etária, raça. Em seu relato, a jornalista
Tânia Passos não menciona o gênero musical da música de
“péssimo gosto musical” nem nomeia o que faz “barulho”. O
exercício aqui não é especular sobre a natureza do gênero
musical, mas pensar como estas classificações implicam em
uma história do valor da música produzida na periferia e as
disputas de classe reencenadas com aportes estéticos.

Breno e seus amigos seguem ouvindo brega no ônibus,


causando incômodo entre alguns passageiros, mas também
ressignificando aquele espaço. A sisudez do “clima” de
volta para casa, depois do expediente, rostos cansados, é
“quebrada” com o verso: “ela é a primeira dama, a mulher do
patrão, novinha sapequinha, ela gosta é de pressão”. Percebo
rostos se contraindo negativamente. Olhares enviesados. Mas

96
também reconheço pessoas sorrindo com aquela “greia”, com
a escuta humorística que aquela canção de brega provoca.
Instaura-se um clima de tensão tácita diante daquela música,
possivelmente a “inquietude” ao qual Janice Caiafa (2002)
menciona ao analisar os processos de comunicação, silêncios e
corporalidades nos metrôs do Rio de Janeiro.

Eles seguem ouvindo música sem fones e conversam, em


alguns momentos, quase gritando entre eles. Reconheço que
há ali uma dinâmica de exposição, performática, de tornar
públicos assuntos privados. Talvez incomodar mesmo, mas
um incômodo que também visa agregar. Aparentemente
contraditório. No entanto, talvez na “chave” com humor, chamar
atenção. Em algum momento, Tiago conta piadas. Breno parece
ser o mais desconfiado, embora ele seja o que “está colocando
música”. Melque ri muito. Com as músicas, com as piadas.

Quando Breno e os amigos pedem descida no ônibus, eu os


acompanho. Desço com eles. Me aproximo dos três e tento
estabelecer uma conversa. Todos desconfiadíssimos. Percebo
que Melque é o mais “aberto” e vou me dirigindo a ele, me
apresento como pesquisador. Talvez eles achem que sou da
polícia. Tiago diz para eles irem embora. Melque os encoraja
a ficar. “Oxe, é nenhuma!”, diz Melque para Breno, “bora falar,
a gente num deve nada a ninguém”. Os três estão com fardas
de escolas públicas do Estado, estavam “dando um rolê” pelo
centro.

A minha hipótese sobre ouvir música sem fones como uma


tentativa de instaurar um outro “clima” no ônibus se confirma.
“Boto música alta pra não dormir porque senão chego em casa

97
e fico com insônia”, diz Breno. Noto que eles se animam ao
falar das “viagens” de ônibus com “trilhas sonoras” de brega.
Algumas marcam. “Tem coroa que fica cabulosa mermo”, ri
Melque. Eles enumeram algumas reações das viagens de
ônibus pela cidade. Dizem, inclusive, que têm horários e dias
que o “breguinha” deles incomoda mais. “Fim de tarde e
início de noite é pior, o povo tá estressado”, comenta Tiago.
Nos finais de semana, segundo ele, o brega é liberado nos
ônibus – embora esteja na Lei número 12.789, de 26 de abril de
2005, da Constituição do Estado de Pernambuco, no Art. 1°: “É
proibido perturbar o sossego e o bem-estar público com ruídos,
vibrações, sons excessivos ou incômodos de qualquer natureza,
produzidos por qualquer meio ou forma que contrariem os
níveis máximos de intensidade auditiva fixados por lei”.

“Dia de jogo do Sport pode jogar música nas alturas que


ninguém liga também”, lembra Breno. O que percebe-se neste
debate entre música e perturbação da ordem pública é o que
Simone Sá (2006) chama de “construção do espaço acústico”
por meio dos aparelhos celulares, os desafios dos regimes de
escuta na contemporaneidade e as disputas de poder em torno
destas práticas. O público torna-se uma extensão do privado –
com todas as potências e contradições que há nisso.

A reformulação do espaço acústico privado também


ocorre à medida que o isolamento, a intimidade e a
privacidade já não são formas dominantes de comunicação
com este meio: fala-se ao telefone em qualquer lugar,
obrigando os vizinhos de transporte público ou da
mesa do restaurante, por exemplo, a compartilharem
conversas íntimas (PEREIRA DE SÁ, 2006, p. 124).

98
Estes agenciamentos do público no privado, ideias em torno
de sujeitos civilizados e “arruaceiros” colocam a construção
do espaço acústico numa lógica de poder. Como já mencionei
aqui, a música brega, em função de seus circuitos e lógicas de
consumo, pode ser vista através da premissa de “desordem
pública” (os ambulantes que a comercializam, os indivíduos que
escutam em alto volume), mas também esta aparente desordem
é a sua potência, na medida em que se espraia, vaza, impõe-
se “em alto e bom som”, apresenta-se diferente, periférica,
adentrando nos meandros “civilizados” da urbe.

No que se espraia, a música brega também agrega aqueles


que nunca a ouviriam – senão através da lógica “invasiva” e
permissiva do centro de uma metrópole como Recife. Ao tecer
comentários sobre a relevância dos estudos sobre o que chama
de “cultura da mobilidade”, André Lemos (2009) reconhece: “a
mobilidade deve ser politizada. Ela não é neutra e revela formas
de poder, controle, monitoramento e vigilância, devendo ser lida
como potência e performance” (LEMOS, 2009, p. 29). Deslocar-
se, ocupar, entrar, sair são movimentos profundamente
políticos. O encontro, o toque, aquilo que se apresenta, que
se “ajunta”, que está onde não deveria – ou onde não era
comumente seu lugar – significa deslocar eixos simbólicos e
estéticos. Tensão que a música brega enseja no contexto da
cidade do Recife.

99
100
capítulo
Economias
estéticas do brega
Compreender as lógicas econômicas que envolvem as
cenas musicais é de fundamental importância no que diz
respeito à investigação das dinâmicas dos gêneros musicais
populares. E no brega constituído em Pernambuco não é
diferente. Sem grandes vínculos às propostas – digamos
– mais “artísticas”, o que se observa neste contexto de
produção é uma busca pelo retorno financeiro como
aparato de longevidade – seja de casas noturnas, bandas
ou eventos. Cabe pensarmos em modelos de negócio da
música popular periférica como formas de sustentação
econômica à parte das disposições formais e, portanto,
institucionais de comércio e renda. A música produzida
em contextos periféricos coloca em questão uma série de
pressupostos da indústria fonográfica e do mercado formal
de música – direitos autorais estão no epicentro desta
problemática, assim como a pirataria.

O modelo de negócio da música brega no Recife está


marcado pelo retorno financeiro ligado ao mercado de
shows (apresentações ao vivo), ancorado numa rede de
produtoras que pensa estratégias de venda de espetáculos,
produção de videoclipes e gravação de canções para
circulação. Tais espetáculos acontecem em casas de
shows com agendas fixas ou em eventos específicos. O
comércio de CDs e DVDs, além do pagamento para áudio
em streaming, são práticas pouco usuais entre fruidores
e fãs de música brega, uma vez que arquivos de áudio

105
com canções são disponibilizados em blogues ou sites
de compartilhamento de música de forma gratuita – como
explicitaremos mais adiante as perspectivas de consumo
digital da música brega.

Amparados pelo retorno econômico em shows, os artistas


do brega do Recife precisam “estourar” para serem
convidados a se apresentar nas casas noturnas. Para
isso, valem-se da pirataria como uma eficiente forma
de circulação musical, além da recomendação de DJs e
blogueiros que organizam coletâneas musicais com hits
potenciais que podem ser comercializadas por ambulantes
ou simplesmente baixadas em blogues. A pirataria no
contexto do brega no Recife assume texturas semelhantes
ao tecnobrega de Belém do Pará. Conforme atestam Olívia
Bandeira de Melo e Oona Castro (2011), o conceito de
pirataria designa produção de cópia sem autorização

[...] e sem pagamento do direito autoral aos detentores


desse direito pelo uso da obra. No entanto, cabe
destacar que, o uso da obra por terceiros, no contexto
do tecnobrega paraense, era tacitamente autorizado
pelos autores, que consentiam a difusão e venda da
obra por terceiros (MELO e CASTRO, 2011, p. 192).

O sistema de gravação e produção dessas obras, em geral


disposto em estúdios caseiros, consiste no registro de
faixas isoladas que podem circular por blogues, vendedores
ambulantes, rádios, na tentativa de “virar hit”. As canções

106
são extremamente simples, os arranjos pré-programados,
existe a busca pela “linguagem que pegue”, uma espécie de
jargão, de frase de efeito que será incorporada e viralizada.
A poética da canção de brega opera sob o invólucro que
rege a música pop. A “facilidade” do refrão, o privilégio da
emoção e o acionamento à corporalidade são premissas
que circunscrevem a criação do cancioneiro bregueiro.

A semelhança entre os artistas é fruto de uma intensa


disputa por legitimidade e trajetória. É importante que “a
melodia seja assoviada, como se já tivesse sido ouvida
antes, mesmo que pela primeira vez” (MARTEL, 2012,
p. 131). Na música pop, aposta-se no “groove” (sulco,
ritmo), conforme define Martel, no “hook”, na pegada
musical e no “leitmotiv catchy” (que pega) e “prende” no
ouvido. Frases como #meucorpotámexendosozinho ou
#cadaumcomseupoder do MC Sheldon passam a habitar
textos e fotos em redes sociais, criando uma circulação
de sentidos que promovem reencenações das canções de
brega em outros contextos.

Pensar em estéticas na disposição profundamente


econômica do mercado do brega significa reconhecer que
o capital age sobre as formatações destas materialidades
sonoras e visuais dentro de contextos periféricos. Como nos
gêneros musicais ligados à cultura pop, a figura do produtor,
da produtora musical e de shows, além dos “donos” das
bandas são mediadores da estética do brega. Pensar em

107
sonoridades, figurinos, coreografias, canções, hits, shows,
traz à tona, necessariamente, a reflexão sobre esses
mediadores.

Mediadores produtivos
da cena brega
Numa história da estética do brega de Pernambuco,
proponho um olhar mais detido sobre as produtoras
dos artistas, como forma de compreensão dos aparatos
produtivos que geram o mercado. Essas produtoras são
locais de planejamento de carreira de artistas e também
de comercialização de espetáculos e produtos associados.
Antes de adentrar a uma trajetória das produtoras do gênero
no estado, elencarei algumas especificidades em torno do
sistema de produção da música brega, com base em leituras
exploratórias, que tanto aproximam como afastam as
dinâmicas bregueiras da música pop.

No mercado formal de música, o produtor musical designa


a pessoa responsável por conduzir o processo de gravação
para que a faixa ou o álbum estejam prontos para o
lançamento. Controle das sessões de gravação, treinamento
e gerenciamento dos músicos e cantores, além de
supervisão do processo de mixagem são tarefas do produtor
musical, que também é responsável por concepções
artísticas e estéticas dos dispositivos musicais (SHUKER,

108
1999, p. 76). No contexto do brega, a figura do produtor
musical se confunde com a do produtor executivo, esse
último bastante comum no campo do cinema, funcionando
como uma espécie de guia financeiro e de captação de
verba dos projetos.

O nome atribuído no contexto do brega é bastante


coloquial e vários artistas se referem ao “dono” da banda.
O termo evoca uma relação de trabalho em que um
produtor é proprietário da marca da banda e os artistas são
funcionários. Esta relação singular é bastante problemática
acarretando numa série de rompimentos e “finais” de
bandas, em função de desgastes de relações atribuídas às
supostas explorações de artistas por produtores.

Grupos frequentemente trocam de nome, mudam


integrantes, não relatam motivos para tais alterações,
porém, sabe-se, à boca miúda, que grande parte destes
problemas se dá por questões financeiras. Pontuo, portanto,
que a figura das produtoras ligadas a artistas do brega
funciona como um interessante aporte de investigação
na medida em que traduzem os movimentos de oscilação
econômica em torno dos fenômenos musicais.

109
NP Produções e
a Estética dos Teclados
A NP Produções, liderada pelo empresário Nino, e
responsável pela gestão de carreira da banda Labaredas,
em 1995, era a principal produtora de brega do Recife
naquele período. Com vinculação ao Clube das Pás – um
estabelecimento de bairro (Campo Grande) que assumia
também festas com serestas e cancioneiros românticos –,
a NP Produções articulava a venda de shows da Labaredas,
conjunto que foi um contraponto ao “excesso” de grupos
de pagode que “apareciam” nas casas noturnas locais
para fazer espetáculos, geralmente com coreografias
padronizadas e cabelos descoloridos – seguindo a
tendência legada pelo pagodeiro Belo e por grupos como
Katinguelê, Os Morenos, Karametade (de âmbito nacional) e
Ourisamba, 171 e Ginga e Malícia (no contexto local).

A Labaredas trazia uma configuração musical em que


se sobressaíam os arranjos à base de teclados. Canções
como “Garotinha Linda” ou “Kelly” passaram a integrar
praticamente todas as “vitrolas de ficha” de bares da
periferia do Recife, disputando a atenção dos ouvintes do
pagode. Utopias românticas (“Vou fazer promessa pra ficar
contigo/ Vem, garotinha linda!”) ou evocações a paixão por
musas (“Kelly, oh, Kelly! Você é assim, um pedaço de mim”)
predominavam nas letras, que remetiam à inocência dos

110
relacionamentos amorosos, com forte acento musical que
evocava a Jovem Guarda.

Enquanto passava a integrar o circuito de entretenimento


noturno recifense e, gradativamente, suas músicas
circulavam no mercado das rádios populares, a Labaredas
viu aparecer um cantor que também se angariava nos
arranjos musicais à base de teclados. O cearense Lairton
começou a ter faixas executadas pela rádio Som Zoom Sat,
com sede em Fortaleza, no Ceará, e de alcance regional.
No Recife, os arranjos românticos e “cheios de teclados”
de Lairton pareciam estar em consonância com a estética
sonora semelhante pautada pela banda Labaredas14. Dessa
forma, Lairton e Seus Teclados (este era o nome artístico da
banda) se integrou ao circuito de brega recifense, sobretudo
diante do sucesso da música “Morango do Nordeste”15.

Lairton e Seus Teclados foi logo apelidado de “o


moranguinho”, em função da sua canção, que “estourou” nas
rádios da Região Metropolitana do Recife. O cantor “abriu
terreno” nacional para esta faixa romântica de arranjos e
letras simples, sendo executado em rádios voltadas para
nordestinos residentes no Rio de Janeiro e em São Paulo.
No Recife, entretanto, artistas como Labaredas e Lairton e
Seus Teclados estavam circunscritos a circuitos da periferia
da cidade, tocando ainda em casas de serestas e clubes
de bairro, embora passassem a ter projeção nacional em
programas de TV populares como Ratinho e Domingo Legal.

111
A estética dos arranjos musicais à base de teclados, que
viria cristalizar o que se chamou de “brega romântico”, tem
como epicentro este momento, em que artistas ganharam
visibilidade no cenário local. Parte do legado estético
advinha de uma tradição do brega romântico de artistas
como Reginaldo Rossi, Adilson Ramos, Augusto César,
Rodrigo, entre outros. Parece evidente que a NP Produções,
que agenciou a carreira da banda Labaredas, foi uma das
responsáveis pela continuidade de uma linhagem da música
brega de Pernambuco que tinha como Reginaldo Rossi um
cânone.

Luan Produções e a
Banda Calypso no Recife
Foi com a criação da Luan Produções e a chegada da banda
Calypso, vinda do Pará, fixando residência em Pernambuco,
que se criam as bases para a legitimação do brega e seu
processo de consolidação como gênero musical periférico
hegemônico no Recife, apontando para a transformação
que viria a consolidar o “Brega Pop” (FONTANELLA,
2007). Parece oportuno pensar o brega do Recife como
uma confluência de sonoridades e estéticas que dialogam
tanto com artistas da cena musical local (Reginaldo Rossi,
Reinaldo Belo, Labaredas, entre outros e uma estética dos
teclados), quanto do Pará (a partir de referências como a
calypso e o tecnobrega) e também do Ceará (forró eletrônico).

112
Ainda diante de questões acionadas pelos atores sociais
no contexto de produção, importante destacar a gênese
de uma estética que se ancora na presença da vocalista
feminina, a “diva bregueira”, como eco de referências
ligadas ao universo da música pop, a partir da chegada da
banda Calypso, vinda de Belém do Pará, com o intuito de
fixar residência na capital de Pernambuco. O motivo para a
escolha do Recife: o posicionamento estratégico da cidade
no “centro” do Nordeste (estando perto de grandes centros
urbanos como Fortaleza e Salvador) e também em função
da logística em torno da produtora que assumiria a gestão
de carreira da banda Calypso, a Luan Produções – cuja parte
de proprietários eram donos da maior casa de shows do
Recife, o Chevrolet Hall.

Levanta-se a hipótese também de um esgotamento do


mercado paraense, com alta concorrência entre artistas e
barateamento de cachês naquele contexto. Destaca-se o
potencial do interior do Nordeste como mercado propício a
receber a estética do calypso, tanto a partir de uma vivência
com as bandas de forró eletrônico quanto pela dimensão
rítmica e performática do gênero. Desenha-se uma geografia
de mercado, com a banda Calypso construindo bases
mercadológicas para adentrar ao interior dos estados da
Paraíba e Pernambuco e rivalizar com artistas do forró no
Ceará e Rio Grande do Norte, além de “enfrentar” nomes do
arrocha e da axé music no contexto da Bahia.

113
Fig. 1
Cartaz da “Festa do Beijo”,
Atlético Clube de Amadores, em Afogados.

Fig. 2
Cartaz do “Brega Chic”,
boate Iguana, em Boa Viagem.
Pensar a chegada da banda Calypso ao contexto recifense
significa compreender o agendamento que o grupo
trouxe a outros artistas locais e também a legitimação
que os vocalistas Joelma e Chimbinha tiveram ao serem
agenciados pela Luan Produções – que tinha em seu
casting para divulgação no Nordeste, no início de carreira,
por exemplo, artistas como Luan Santana e a banda de forró
Garota Safada, do vocalista Wesley Safadão. A Calypso
trazia a alcunha de “tecnobrega” do Pará, no entanto,
chegava ao contexto pernambucano sob a chancela de
uma produtora de “grandes espetáculos” – o que a tornava
notável e distintiva num ambiente originalmente periférico
do cancioneiro brega do Recife.

O destaque dado à banda Calypso no circuito de shows da


Região Metropolitana do Recife foi o pontapé para que se
desse início a um processo de criação em série de bandas
de brega com vocalistas femininas. É relevante destacarmos
o fato de que, nos grupos de forró da chamada “oxente
music”, a figura feminina já era destaque: da cantora
Eliane, a “Rainha do Forró”, passando pela Magníficos,
que trouxe na figura de sua vocalista, Walkíria, o principal
“trunfo” no tocante à cativar o público masculino em seus
shows, além naturalmente da estrela Solange Almeida, a
“Solanja”, do Aviões do Forró, tudo parecia conspirar para
que a configuração das bandas de brega recifenses fossem
angariadas por mulheres destemidas e empoderadas.

116
Podemos identificar procedimentos enunciativos na
formatação deste momento da gênese da estética feminina
do brega no Recife: os arranjos à base de teclados, gravados
em poucos canais e com limitadas texturas sonoras,
a presença da mulher, dos figurinos “berrantes” e dos
bailarinos como “corpo de baile” e, sobretudo, nos vocais
femininos, apelos ao sussurro, gemido, erotização no
cantar16. Está na referência à banda Calypso, por exemplo,
a matriz estética que propiciou a aparição de “fenômenos”
do brega no Recife, ao final da década de 2000, artistas
como Musa do Calypso, da vocalista Priscila Sena, e a
banda Kitara, que detém configuração idêntica à Calypso (a
vocalista Karlinha e o músico Rodrigo Mell como “líderes”).

O brega universitário
A movimentação em torno das polaridades centro/periferia,
Zona Norte/Zona Sul, classe média/classe baixa passou a
ser ainda mais problematizada com a aparição, em meados
dos anos 2000, de artistas como Victor Camarote & Banda
Arquibancada, Faringes da Paixão, Tanga de Sereia, entre
outros; grupos formados por indivíduos de classe média
que se apropriam da estética do brega de forma lúdica e
passam a integrar o circuito de shows nas boates da Zona
Sul do Recife. Jornalistas de cultura rotulam tais artistas
de “brega universitário”, numa referência ao próprio rótulo
de forró universitário que foi gerado junto, por exemplo, a

117
grupos como Falamansa – igualmente integrantes da classe
média performatizando o “forró pé-de-serra” no mercado de
música.

Não cabe aqui destituir tais experiências musicais de


legitimidade nem entrar no mérito da fidelidade ou do
“purismo” (essencialismo) em torno das expressões
musicais. Quero destacar que há um debate sobre o tipo de
apropriação que artistas do “brega universitário” fazem da
estética brega, sobretudo, no que diz respeito a uma atitude
possivelmente jocosa e risível a partir do material encenado.
Meu interesse é apontar uma tensão existente em tais
experiências do ponto de vista dos jogos de valores de
quem consome música brega no Recife: é possível mapear
fruidores que dizem, por exemplo, preferir “brega de raiz”,
feito na periferia, em detrimento do “brega da Zona Sul”,
“universitário”.

Esta tomada de posição é um indicativo das disputas dentro


das culturas, gerando conflitos, embates e assimetrias nas
formas de consumo e fruição das experiências estéticas.
Quero encaminhar esta reflexão para o reconhecimento de
como, ao mesmo tempo que “se apropriaram” da estética do
brega, artistas do “brega universitário” também funcionaram
como abertura e permissividade para que artistas oriundos
das periferias do Recife circulassem por ambientes restritos
ou fechados a eles.

118
Artistas como Victor Camarote & Banda Arquibancada e
Faringes da Paixão foram responsáveis pelo arrefecimento
das fronteiras entre periferia e Zona Sul, na medida em que
passaram a produzir shows em noites em boates do bairro
de Boa Viagem reunindo suas próprias bandas e artistas
vindos da periferia (como Vício Louco, Michelle Melo e
Banda Metade e Sheldon, Boco, GG, entre outros).

A casa de espetáculos Dona Carolina, localizada numa


área nobre de Boa Viagem, passou a ter a Quinta do Brega,
evento que promovia encontros musicais e onde abria-se
a possibilidade de vazar fluxos e tensionamentos entre
frequentadores de classe média e das periferias do Recife.
Há obviamente uma dupla zona de interesses: dos artistas
de brega chegarem às boates da Zona Sul (com cachês
mais aviltantes, por exemplo) e também dos “bregas
universitários” em se legitimarem com a presença de grupos
“vindos da periferia” em suas noitadas.

O fluxo de artistas de diferentes origens e constituintes


raciais pelos mercados do entretenimento do Recife pode
ser lido através da perspectiva do consumo “crossover”,
como uma das principais formas de engendramento do
sucesso da gravadora Motown, na década de 1960. Música
“de negro” para “plateias brancas”. Música “de pobre” para
“plateias ricas” fundam um dos sistemas mercadológicos
“conciliadores” de diferenças e que alçou, por exemplo,
o produtor Barry Gordy, da Motown, ao status de um dos

119
Fig. 3
Cartaz do “Brega Naite”,
Clube Internacional, na Madalena.
fundadores do que se chama de música pop. Atenuar certas
texturas excessivamente eróticas das letras, “embalar”
melhor os artistas através de figurinos mais elaborados,
“domesticar” a “selvageria” das mulheres eram operações
propostas na formação de um sistema produtivo da música
pop e que é reencenado em diversos contextos da música
periférica.

Apesar de soar um tanto quando “fora de moda” falar


em categorias estanques de estratificação da sociedade,
como classe social e faixa etária, observa-se ainda o
frequente uso destas molduras “enquadrantes” como
forma de circunscrever fenômenos nas cenas musicais
contemporâneas. Em particular, no contexto da música
brega do Recife, há uma constante convocação da
noção de classe social para reconhecer as dinâmicas de
endereçamento das festas e bailes.

Observa-se também que ainda se faz uso constante da


dicotomia periferia/Zona Sul como atributos de localização
geográfica dos eventos, assim como retrancas valorativas
dentro de uma política de ocupação dos espaços de
entretenimento. Por isso, expressões ditas, muitas vezes,
em tom pejorativo, como “festa de música brega para
playboy” ou “patricinhas da Zona Sul vão à periferia para
clubes de brega” servem como aparatos de mapeamento
de tensões envolvendo fruidores e ambientes desta cena
musical recifense. Partimos aqui da observação de uma

122
tensão: as apropriações da música brega contemporânea
feitas por produtores culturais em eventos voltados
para a classe média e que acontecem em boates ou
espaços “descolados” da Zona Sul do Recife. Questões
sobre autenticidade, legitimidade e formas “corretas” de
engajamento de uma estética que emerge da periferia são
acionadas.

O debate que trazemos visa discutir este tensionamento


a partir de dinâmicas performáticas que se fazem nos
deslocamentos na cidade e privilegiam os engajamentos
efêmeros, estratégicos e táticos. A ideia aqui é pensar
como esses eventos que acontecem na Zona Sul traduzem
lógicas de ocupação do espaço urbano que precisam
ser pensadas como instâncias de performatização. O
acionamento de determinadas performances nos jogos de
flerte da cultura da noite é sintoma de uma ocupação lúdica
a partir de retrancas que são postas em circulação a partir
das ingerências dos espaços sexualizados.

Fazer “pegação”, flertar, namorar são motivos para se


ir a uma festa brega17 – para além da própria música.
Performatizar é, naturalmente, negociar. E pensamos numa
negociação que se dá na ordem das conveniências culturais,
de uma política de ocupação do espaço da cidade que se
faz de forma assumidamente frívola e precária. A questão
que permeia esta investigação diz respeito às maneiras
com as quais o brega foi se tornando conveniente (para

123
quem? para quê?) no contexto da cultura do entretenimento
no Recife. Nosso olhar é permeado pela identificação de
micropolíticas, jogos de poder e legitimação acionados,
muitas vezes, por retrancas econômicas que agem sobre a
disposição estética.

Tensões em cena:
brega, VIP e descolado
Essa cartografia de artistas da música brega parece nos
ser útil para refletir sobre as tensões da fruição do gênero
musical nos contextos da Zona Sul do Recife. Na tentativa
de materializar questões acerca dos jogos de valores
presentes nesses embates, trago à tona os cartazes
que anunciam as festas de brega como um interessante
aporte para a presentificação de uma lógica de entrada
do brega nas casas noturnas de classe média do Recife.
O interesse aqui é evidenciar rascunhos discursivos que
sirvam como suporte da compreensão de uma dinâmica dos
deslocamentos na cidade.

Primeiro, destaco o cartaz de uma festa de brega que ocorria


num clube de bairro, o Atlético Clube de Amadores, em
Afogados. O cartaz da “Festa do Beijo” (Fig. 1) apresenta
configuração de ordem cromática que apela para cores de
longo alcance perceptivo – amarelo e vermelho – com os
artistas elencados com fotografias e a presença de ícones

124
de beijos em toda extensão do anúncio. Há uma perspectiva
de design de artefatos populares, com excessivo recurso
de cores e formas, além de uma síntese digamos “naïve”
(ingênua) nesta configuração.

Cartazes como este da “Festa do Beijo” são popularmente


chamados no Recife de “lambe-lambes”, pois são colados
nos muros das principais avenidas da cidade com uma
espécie de “cola” que “lambe” a parede. A presença dos
“lambe-lambes” e seu “descascar” expostos ao sol e à
chuva formam um cenário bastante peculiar nas ruas da
cidade, sobretudo no centro do Recife, junto aos terminais
de ônibus e pontos de intensa movimentação do comércio
popular. Fica notório no cartaz da “Festa do Beijo” a
centralidade de um apelo: beijar, flertar, fazer “pegação” ao
som dos artistas elencados. Não há qualquer referência ao
termo “brega” enquanto rótulo de gênero musical, no cartaz,
exceto em função do nome de uma das bandas se chamar
Pank Brega.

Quando partimos para a investigação em torno dos cartazes


das festas de brega que acontecem em boates da Zona
Sul, reconhecemos o endereçamento de gênero musical
como uma instância enunciativa: há um destacamento do
nome do bairro em que ocorre a festa (Boa Viagem) no
topo do anúncio e a própria titulação do evento traz à tona
a presença do gênero. A festa se chama “Brega Chic” (Fig.
2). Essa aparente contradição entre brega e chique pontua

125
uma forma de acesso dos artistas do brega aos locais da
Zona Sul do Recife, neste caso, em específico, à boate Iguana.
Entre os artistas escalados para tocar na festa, também, um
destacamento: há desde aqueles que o jornalismo cultural
rotula como “brega universitário”, como Victor Camarote e
Faringes da Paixão, mas também os “bregas da periferia” ou “de
raiz”, como Kelvis Duran e Banda Torpedo.

Importante perceber a estética do cartaz que opta por uma


ordenação cromática de cores frias, o lilás, o marrom e a
reprodução de uma parede com ênfase no formato da festa
“open bar” (tradução de “bar aberto”), ou seja, bebida alcoólica
liberada – neste caso do evento, “para elas”. Este clima
“elegante” e “cool” presente no cartaz do “Brega Chic” parece
ser sintoma de uma proposta que se faz “na defensiva” ou na
contradição: é brega, mas é elegante, “pode entrar”. Um tom,
no discurso imagético, que se faz na sobriedade. Outras festas
da cidade, como “Brega de Elite”, também acionam formatação
discursiva semelhante.

Num entrelugar discursivo, optando por uma estética kitsch e


um tom humorístico, há a festa “Brega Naite” (Fig. 3) (que, na
própria formatação do nome, traduz uma caracterização lúdica:
o “night” é propositalmente escrito como “naite”). O cartaz de
divulgação da edição do evento que contou com a presença
da cantora Preta Gil evoca uma iconografia que se assume
kitsch: além da tipografia assemelhando-se a rabiscos, há um
flamingo e uma ordenação cromática colorida, visivelmente
ornamentada, que acaba sendo uma chave semiótica para
o público frequentador do evento: pessoas “descoladas”,

126
formadores de opinião, publicitários, jornalistas e “gente que
gosta de brega, mas prefere curtir junto de pessoas de seu
ciclo de amizades”, como me disse um frequentador. Apesar de
compor as edições com shows de artistas do “brega de raiz”, o
destacamento da “Brega Naite”, na verdade, se dá em função
dos DJs Ladie Khekhe e Original DJ Copy – que mesclam o set
de canções bregas com o funk carioca e outros subgêneros
das músicas populares periféricas. Há, na festa, uma premissa
de “jogação” e “pegação”, como podemos observar também na
convocação da “Festa do Beijo”, no clube de bairro do Recife,
mas verifica-se um espírito de negociação com as lógicas
distintivas, na medida em que o cartaz divulga a existência de
uma “lage VIP”, titulação lúdica para a área VIP ou camarote,
como se costuma dividir os espaços nas casas noturnas e
shows.

O “Brega Naite” convoca um engajamento metarreferente que


se faz na performatização de uma fruição que se dá sempre
em relação a uma premissa previamente estabelecida. Há uma
perspectiva lúdica – que pode ser encarada como irônica ou
jocosa também – de ressignificar o brega diante de uma clara
associação com o Carnaval, a permissividade e a conveniência
performática, ou seja, a deliberada pressuposição de assumir
papéis sociais efêmeros, lúdicos, precários, de forma estratégica
e apontando para uma tática de performatização.

127
Quando ser brega
é conveniente
Ao longo do capítulo, tentamos arregimentar, a partir da
verificação empírica de instituições, cenários e atores sociais
da cena brega do Recife, questões que nos levem a entender
nuances sobre o conceito de conveniência cultural em
deslocamento para a compreensão de uma cena musical.
Neste caso, precisamos nos voltar à gênese da ideia de
“conveniência”18 como proposta por George Yúdice, em seu
livro As Conveniências da Cultura (2006). O autor menciona a
conveniência sob a retranca do uso da cultura por instituições
– notadamente da ordem do Estado – a partir da materialização
em diferentes setores da vida contemporânea, a saber, o uso
da alta cultura (museus, centros culturais, entre outros) para
objetivos do desenvolvimento urbano; a promoção de culturas
nativas e patrimônios nacionais através da lógica do turismo; a
“transformação” de espaços históricos em “parques temáticos
do tipo Disney” (YÚDICE, 2006, p. 46); a criação de indústrias
de cultura transnacional para “suporte” e integração de
premissas como a União Europeia ou o Mercosul.

Apesar de textualmente não querer soar “nostálgico ou


reacionário pela restauração de um pedestal para a cultura”,
percebe-se no tom da retórica de George Yúdice, ecos de uma
crítica aos usos da cultura por instituições públicas e privadas,
reverberando o que se convencionou chamar de uma crítica
à estética da mercadoria (HAUG, 1997) ou a mercantilização
da vida cotidiana – como previam os autores da Escola

128
de Frankfurt. A certa altura, Yúdice se vê diante de uma
encruzilhada:

[...] a conveniência da cultura é uma característica óbvia da


vida contemporânea. Ao invés de nos atrelarmos à censura,
pode ser mais efetivo para os propósitos do pensamento
estratégico estabelecer uma genealogia da transformação
da cultura em recurso. O que ela nos assinala a respeito
do nosso período histórico? (YÚDICE, 2006, p. 47).

A expressão-chave para entender as atribuições da


conveniência, para o autor, parece ser a “transformação
da cultura em recurso”, ou seja, a cultura como commodity
ou artefato de negociação com pressupostos estratégicos
institucionais. Proponho circunscrever esta lógica de
reconhecimento da “cultura como recurso” para o entendimento
das estratégicas expressivas, espaciais e experienciais dos
gêneros musicais. Pensar um gênero musical como um recurso
significa compreender seu uso institucional, suas formas de
apropriação em circuitos de produção e reconhecimento e ainda
a institucionalização de suas espacialidades e estéticas.

Os gêneros musicais são importantes agenciadores culturais


na medida em que traduzem uma certa espontaneidade das
experiências musicais, dos fruidores e das sociabilidades,
levantando o debate em torno dos seus usos por aparatos
institucionais – sobretudo o Estado. A visibilidade, por exemplo,
que o Governo de Pernambuco dá para o Manguebeat (e não
vou aqui debater sua ontologia, se o Manguebeat é ou não um
gênero musical, faço uso desta retranca classificatória como
uma estratégia de endereçamento estético e mercadológico)

129
a partir do apoio a artistas, eventos e a ocupação de uma
série de cargos por “filiados ao Mangue” e, por outro lado,
a invisibilidade em que se circunscreve o brega para fins de
política cultural, pode ser sintoma de indicativos dos gêneros
musicais como recursos de uma cultura. O que está em jogo,
neste caso, é uma permanente tensão entre cultura, política,
economia e imagens institucionais que traduzem “modos de
cognição, de organização social e até mesmo tentativas de
emancipação social que parecem retroalimentar o sistema a
que resistem ou se opõem”. (YÚDICE, 2006, p. 49).

George Yúdice se encaminha para a problematização de


uma episteme19 da conveniência da cultura e, neste ponto,
nossas questões se imbricam. O autor propõe a noção de
performatividade – “o modo, além da instrumentalidade, pelo
qual o social é cada vez mais praticado” – para mapeamento
de uma espécie de materialidade das estratégias dos discursos
que emergem das transformações da cultura em recurso.
Nas palavras de Yúdice, “a conveniência da cultura sustenta
a performatividade como lógica fundamental da vida social”,
ou seja, o autor trata a performatividade como um constante
estado de alerta, uma enunciação que se faz continuamente e
aciona as relações entre Estado, cultura e instituições públicas
e privadas para compreensão dos jogos de aproximação,
distanciamento e usos de bens culturais.

Acho particularmente pertinente enquadrar a noção de


conveniência da cultura dentro de quadros mais amplos
que convocam, por exemplo, expressões como adequação
e pertinência – tais palavras soam como formas de agenciar

130
e compreender, por exemplo, usos e expressividades de
gêneros musicais em contextos específicos. Ao tratar de
performatividade, por exemplo, o que adentra a esfera do
visível, as expressões, aquilo que é posto, sua materialidade,
constante lógica de performance das instituições, dos
sujeitos, dos usos, Yúdice convoca Judith Butler para pensar
princípios de inclusão e exclusão, disputas, controles e – mais
uma vez – usos de aparatos da cultura. “Dentro” ou “fora”,
incluído ou excluído, segundo Butler, fazem parte de uma
inteligibilidade simbólica através da qual é possível reconhecer
performatividades, hegemonias e contra-hegemonias. É neste
sentido que operacionalizamos com o conceito de conveniência
de George Yúdice: na forma de enxergar o fenômeno, as
brechas, as operações de entrada e saída, jogos de visibilidade
e invisibilidade, em constante performatização.

Quero finalizar esta argumentação trazendo à tona alguns


pontos que julgo necessários para o debate em torno dos
engajamentos, performances e ocupações espaciais nas
cenas musicais. Neste sentido, destaco aqui três postulações
que ajudam a compreender como faço uso da noção de
conveniência (reenquadrando a perspectiva de Yúdice) na
observação da cena musical brega do Recife:

1. A conveniência é uma brecha através do qual fenômenos,


processos, expressões e experiências se acomodam
em suas dinâmicas de institucionalização na tessitura
da cena musical. Penso, neste texto, especificamente, a
cena brega do Recife, por isso, estou diante de uma cena
marcada por um gênero musical. Neste caso, observa-se

131
as conveniências em torno dos usos estratégicos de um
gênero musical: sua ocupação dos espaços, legitimação
de sonoridades e experiências e seus usos institucionais.
Destaco aqui o termo “acomodação” como profícuo para
pensar movimentos de hegemonia e contra-hegemonia de
valores e gostos nas cenas musicais, além de reconhecer
que pensar como os fenômenos “se acomodam” de
forma “conveniente”, nos interpela mapear, por exemplo,
que instituições (públicas ou privadas) agem sobre esse
processo. Nesta minha observação sobre a cena brega,
tive a intenção de cartografar, através da verificação de
uma retórica dos espaços, casas noturnas e lógicas de
fruição de gêneros musicais populares, no Recife e Região
Metropolitana, como o brega foi se acomodando na cidade,
se legitimando, ocupando as brechas dos cenários de
outros gêneros musicais, notadamente o pagode e o forró
– e passando, hoje, a “conviver” com estes gêneros em
espaços de disputa e constante reorganização. Reconheço
que a institucionalização do brega no Recife traz indicativos
de fortes enlaces econômicos, sobretudo através de
empresários e casas de espetáculos populares em busca
de atrativos para movimentação de suas agendas, em
consonância com uma sonoridade e uma estética que se
cristalizam diante da circulação de bens de consumo e sua
midiatização.
2. Ressalto aqui a perspectiva de pensar a conveniência no
âmbito performático, como um jogo de engajamentos
precários, efêmeros, que é acionado diante de contextos
específicos. Tomar a conveniência como uma performance

132
enseja refletir sobre a cultura como uma complexa cadeia
de tensões e interesses, visibilidades e invisibilidades. A
noção de conveniência nos é útil porque a palavra traz,
em si, a visualização de brechas, enlaces discursivos
que podem – ou não – serem acionados. Performatizar
de acordo com uma conveniência significa reconhecer a
cultura como um ambiente tático, estratégico, como um
vetor de visibilidades políticas, estéticas e afetivas. É nesta
direção que reconhecemos que a cena brega do Recife é
um profícuo ambiente para se pensar as conveniências
performáticas: os garotos de classe média que se
fantasiam de bregueiros para curtir uma noite; as jovens
que vivem as “piriguetes” numa noite estratégica de flerte
e sedução ao som das batidas musicais bregueiras. Uma
geografia humana que se forma e se dissipa em função de
circunstâncias não previstas. Aparição e apagamento. Luz e
sombra. Visualidade e invisibilidade.
3. A ideia é pensar aspectos ligados à efemeridade
dos engajamentos ou o que Edgar Morin chama de
“apropriações precárias” nos agrupamentos. Neste sentido,
começamos o texto falando num certo tom classificatório
de classe social e faixa etária, no entanto, a perspectiva
é desconstruir essa fala comum e acionar a ideia de
conveniência performática para tentar escapar de uma certa
ambivalência marxista. A nossa direção é a de reconhecer
a efemeridade como uma forma legítima de engajamento,
inclusive, pensando uma política que se faz na frivolidade
das fruições. Reiteramos, portanto, a performance como
um lugar privilegiado para tratar das encenações no

133
brega do Recife e, de maneira mais ampla, das cenas
musicais. Pensar performance nas cenas musicais significa
entender formas de atuar, papéis sociais, lugares de fala,
de encenação que se formam diante de gêneros musicais,
contextos econômicos, políticos e estéticos.

134
136
capítulo
Quando a piriguete
encontra o cafuçu
Sexta-feira, 22 horas, calçada defronte ao Atlético Clube de
Amadores, no bairro de Afogados, cidade do Recife. Carta-
zes afixados nas paredes externas convocam: “A Noite das
Novinhas”. Trata-se de um show com atrações do brega do
Recife. Os nomes em destaque nos cartazes são dos can-
tores MC Sheldon e Michelle Melo. O encontro dos dois, no
mesmo palco, sintetiza mais um “plus” na festa. MC Sheldon
e Michelle Melo não são apenas os chamarizes de grande
parte dos cartazes de shows do gênero do Recife. Eles são
os expoentes de uma cena musical que tem artistas reco-
nhecidos localmente, casas de shows específicas, produ-
tores de músicos e bandas, produtoras de videoclipes, am-
bientes virtuais de compartilhamento de músicas e fóruns
de debates também virtuais para fãs.

MC Sheldon e Michelle Melo subirão ao palco do Atlético


Clube de Amadores para, juntos, cantarem “Se Me Trair, Vou
Te Trair Também”, faixa cujo videoclipe já ultrapassava mais
de dois milhões de visualizações na plataforma de compar-
tilhamento de vídeos digitais Youtube, na ocasião. Estamos
na calçada, em frente ao Atlético Clube de Amadores. E a
calçada é reconhecida como o espaço do “esquenta” para
a noitada regada a brega. Na calçada, estão dispostos carri-
nhos de cachorro-quente e de espetinho – todos oferecendo
cerveja barata a R$ 1,50 o latão (de 473 mililitros). A fumaça
dos espetinhos e o forte odor de carne/frango sendo assa-
dos emoldura a chegada dos frequentadores. Ali, na entrada

141
do clube, já se dispõem as pessoas. Homens e mulheres
com idades entre 16 (embora menores sejam “oficialmen-
te” proibidos) e 35 anos – alguns homens aparentando os
40/50 anos são vistos. Mulheres com mais de 40 anos (as
“coroas”) são minoria.

A calçada como este ambiente de “aquecimento” para a


noite, é, sobretudo, local de paquera, flerte. Homens estacio-
nam suas motos, carregam capacete. Alguns, menos “abas-
tados”, param a bicicleta escondida. Outros fazem questão
de expor o carro. Estacionam o veículo próximo às mesas e
cadeiras de plástico dos carrinhos de cachorro-quente e es-
petinho. Um deles abre a porta do automóvel e liga o rádio.
Ouvem-se canções de brega – aquelas que, daqui a cerca
de uma hora, eles ouvirão, ao vivo, dentro do clube. Nota-
mos uma relação de esconder/revelar a situação econômica
dos homens observando onde eles estacionam os meios de
transporte: bicicletas (que denotam homens mais pobres)
são quase que “escondidas” na rua lateral ao clube; motos
ficam paradas defronte à entrada do clube e os carros estão
localizados exatamente na rua principal, bem próximos dos
“focos” de grupos femininos.

Esta calçada de frente ao Atlético Clube de Amadores, nos


dias de shows de brega, se configura num espaço de socia-
bilidade extensivo ao próprio clube. Alguns frequentadores
chegam a atestar que ficam somente ali, “aquecendo”, e
nem entram no evento. É o que eles dizem em tom popular:

142
“tomar uma na frente” e ir para casa. Muitas vezes, a com-
pensação do valor do ingresso de um show (R$ 20) é con-
vertida informalmente, pelo público, em cerveja. “Dá para
tomar seis Skol (cerveja) latão e ainda sobra”, calcula um
deles. “E aqui, você ainda vê as novinhas cheirosinhas e ar-
rumadinhas”, pondera outro. As novinhas são como o MC
Sheldon e o MC Boco, autores da música “Nós Gosta é de
Novinha” chamam as mulheres jovens dos seus shows, que
têm “franjinha de lado” e são “gostosinhas”.

A disseminação do termo novinha no brega recifense rever-


bera o imaginário de sexualidade e performance de gêneros
(masculino e feminino) que habita canções e encenações
performáticas nos shows e casas noturnas dedicadas a este
segmento musical. A novinha é o eco da ninfeta, da lolita, a
menina jovem e sedutora, sexualmente voraz e apta a con-
vocar o homem para a noite de sexo20. O termo é extrema-
mente problemático na medida em que aciona um imagi-
nário que constitui indicativos de pedofilia, encontros entre
homens mais velhos e mulheres mais novas – algo que, ve-
remos mais adiante, de fato, se materializou na cena brega
do Recife, a partir de assédio a menores em programas de
televisão em Pernambuco.

Utopia da conquista masculina, a novinha aparece como


encenação da dicotomia da menina/mulher que parece ser
o “troféu” de uma noite que começa no flerte com mulhe-
res e novinhas nas calçadas. A impressão que se tem é que,

143
quando um homem “pega” uma novinha, na noite, e a leva
para o “espelhado” (que, na verdade, é o “quarto espelhado”,
metáfora para o motel), ele adquire status em seu grupo de
amigos. Coroas seriam mulheres mais “fáceis” porque estão,
segundo entrevistados, “carentes e fogosas”. Novinhas, em
contrapartida, são mais “difíceis” porque se configuram em
“presas” muito assediadas. A oferta de parceiros para as no-
vinhas é maior, portanto, elas podem escolher. Já as coroas...

Distinção na
bebida alcoólica
“Você vai querer a lata ou o balde?”, me pergunta o ambu-
lante, em frente ao Atlético Clube de Amadores. “A lata” é
apenas a latinha da cerveja. “O balde” é um balde, desses
de plástico que se usa para lavar a casa, com cinco latas de
cervejas. Faço a negativa com a cabeça. Nem um, nem ou-
tro. Não bebo cerveja. Mas provo do espetinho dele: frango
com bacon. “Com farofa?”, sim. Molho de alho? Pimenta?
Joyce Coelho, 22 anos, está ao meu lado, esperando o espe-
tinho dela também: carne com frango. Puxo assunto sobre
a qualidade dos espetinhos, sobre paquera, sobre o preço
das bebidas. Três outras amigas de Joyce entram no papo,
“tás sozinho?”, uma delas estranha. Joyce parece ser a líder
das meninas. Convenceu, inclusive, Diana Silva, 19, a vir para
a festa – mesmo Diana sendo evangélica: “A mãe dela num
sabe que ela tá aqui”, diz Joyce.

144
Depois de umas latinhas de cerveja de Joyce e eu tomando
minha Ice, emerge na conversa o assunto dos “caras que se
acham”. Começo a usar gírias tipo “bofe”, “cafuçu”, as me-
ninas riem, tiramos onda e aquilo que eu observei, sobre o
jogo performático dos meios de transporte (os homens que
chegam de carro ou moto se exibem, já os que vêm de bici-
cleta, discretamente, a escondem na rua ao lado) também
ganha escopo no tocante às bebidas alcoólicas consumidas
na festa. Não só as bebidas, mas também, como se bebe.
Estamos diante das dimensões performáticas do ato de sair
para beber. Joyce me diz que eu não tenho cara de quem
bebe cerveja. “A gente sabe logo”, deduz. “Você é fino, chi-
que, só bebe uísque. Ice é porque tu tás aqui”, diz, com uma
dose de ironia.

O consumo de bebida alcoólica como ferramenta distinti-


va é uma prática dentro dos jogos de sedução e flerte nas
festas e bailes populares. Teóricos sociais como Thorstein
Vebler (1987) e George Simmel (1987, 1998a, 1998b) estão
entre os articuladores das ideias entre consumo e existência
urbana. Foi Vebler, inclusive, quem instituiu o “consumo no-
tável” da então nova classe burguesa em que a identidade
de classe poderia residir não na ocupação, na sua categori-
zação a partir da força do trabalho, mas em padrões de con-
sumo que serviam para construir estilos de vida distintivos
e expressar status. Neste sentido, observa-se, para além de
disposições de status, também marcações de gênero den-

145
tro do consumo de bebidas alcoólicas nos bailes. A bebida
empodera o homem, atribui certas noções econômicas, bali-
zas de virilidade. Quem me explica, utilizando o próprio tom
popular e ligeiramente jocoso, é a própria Joyce. Segundo
ela, a cachaça é a bebida alcoólica que menos se expõe pu-
blicamente. “Já viu alguém numa festa como esta exibindo o
copinho da cachaça?”, ironiza. De fato. Joyce liga a cachaça
ao consumo “de boteco”, “de pinguço”, sem glamour e, por-
tanto, longe dos “holofotes” das festas. “Sem falar que a tal
da cachaça... Ô cheiro triste que deixa!”, revira os olhos.

A cerveja é a principal bebida dentro das lógicas distintivas.


A marca, naturalmente, cria outros aparatos discursivos de
valor. No ano de 2014, as cervejas existentes nos arredores e
na festa eram Skol, Brahma, Kaiser, Antarctica e Schin – ma-
ciçamente. Já animada, Joyce diz que eu tenho cara de tomar
“aquela cerveja verdinha”. Heineken? Stella Artois? Rimos.
Percebo um intenso comércio de copos coloridos com a
inscrição de nomes de artistas neles. Todos com cores gri-
tantes, acesas. Num rosa pink, está estampado o nome
“Garota Safada” (banda original do cantor Wesley Safadão);
num outro verde-limão, está “Aviões” (na verdade “Aviões
do Forró”); num amarelo, tem-se “Luan Santana”. Cada copo
é vendido por R$ 5 e trata-se também – percebo – de uma
estratégia para “esconder” possíveis bebidas que não geram
status. Vou reconhecendo, pelas falas dos frequentadores,
que embora a cerveja não seja em si um sintoma de status,

146
ostentar um balde de cerveja funciona como importante ar-
tefato de diferenciação. Curioso que o “balde de cervejas” é
utilizado tanto por homens para cercar-se de mulheres, mas
também de gays e travestis para se rodear de homens tam-
bém.

Numa escala de status na festa, eu estaria – digamos –


numa “classe média”, pois minha bebida era a Ice (abre-
viação da Smirnoff Ice, bebida misto de vodca e limão), em
geral, taxada como “bebida de mulher” – pelo sabor ligeira-
mente doce, pelo caráter de não ser “forte”. A Ice, além de
ser mais cara que a cerveja, goza de certo poder por ser à
base de vodca – uma bebida que, em tese, não “empacha”
como a cerveja. Na época da pesquisa, ainda não havia sido
lançada no mercado a cerveja Skol Beats Senses, que lem-
bra em sabor a “família” das Ice e tem alto teor alcoólico.

O ponto mais alto do status de bebida recai sobre o uísque


(marcas como Johnny Walker, Jack Daniel’s são citadas, in-
clusive, em canções, como parte do universo das festas que
reúnem MCs e novinhas). Esta lógica das bebidas alcoólicas
como atribuidoras de status nas festas populares é pensada
aqui sob a alcunha do mapeamento de estilos de vida mar-
cadamente agenciados por marcas, padrões de beleza e po-
der encenados midiaticamente. A partir de uma sociologia
da cultura jovem, desenha-se a noção de estilo de vida para
abarcar os padrões de consumo e uso (de bens materiais
e simbólicos) associados a diferentes grupos e classes so-

147
ciais. Dentro dos Estudos Culturais, os estilos de vida foram
pensados como importantes maneiras de reconhecer iden-
tidades de grupo e singularidades dos sujeitos, valendo-se
de ideias como expressão e escolha de itens e padrões de
comportamento como codificações sociais. Estilos de vida
perpassam biografias dos sujeitos, enlaces afetivos, geográ-
ficos, culturais, históricos e nos interpelam num constante
diálogo entre autonomia e incorporação; ordens individuais
e de grupo.

O corpo alcoolizado
como performance
Eu e o grupo de amigas de Joyce seguimos bebendo e con-
versando amenidades na frente do Atlético Clube de Ama-
dores. Diante do mapeamento de um certo “capital social”
das bebidas alcoólicas, a partir das falas dos próprios fre-
quentadores, vou reconhecendo que, inclusive, é possível fa-
lar da bebida alcoólica como um mobilizador, um agregador
dos sujeitos, promovendo enlaces que turvam as relações
entre flerte, coleguismo, amizade e sexualidades. Pensar a
bebida alcoólica como este agenciador de proximidades, de
formação “em torno” dos sujeitos e dos grupos, talvez nos
ajude a entender os jogos e disposições corporais que se
encenam nas formas de estar em ambientes festivos. Come-
ço a perceber que a ideia de estar bêbado ou bêbada, apare-
ce atrelada à noções como disponibilidade e permissividade.

148
Os jogos performáticos entre pessoas sob o efeito de bebi-
das alcoólicas comportam saídas e desfechos improváveis.
A inevitabilidade, o acaso, o imprevisto, funcionam como
importantes engrenagens no acionamento da bebida, na
continuidade dos jogos e dos fazeres noturnos.

Joyce me diz que detesta homem bêbado, que homem bê-


bado é “inconveniente e chato”. No entanto, quando proble-
matizo a fala dela, e elenco um bêbado, “não esse incon-
veniente, mas um bêbado ‘de leve’, que fica mais ‘safado’”,
Joyce ri e concorda: “esse eu adoro”. Rimos. Percebo que
estamos falando de zonas limítrofes da performance, de
uma área bastante singular, específica, cultural e circunscri-
ta a efemeridades que norteiam um valor em torno de uma
performance entre “inconveniente” e “sedutora”.

A música brega e os ambientes festivos em que tais can-


ções são encenadas comportam uma série de possibilida-
des performáticas – algumas delas acionadas pela presença
da bebida alcoólica. Como se trata de um estado efêmero,
o efeito do álcool sobre o corpo aponta para a necessidade
de pensar também a própria ideia de efemeridade, de fluxo
e inconstância dos corpos ao longo do período em que se
desenvolvem as festas. Uma festa é, portanto, composta por
um conjunto de forças que agem sobre os sujeitos, em bus-
ca de lazer, diversão, exposição, flerte e indicativos sexuais,
evidenciando um quadro em que a música embala as ações,
serve como espécie de ritmo para os corpos, possibilita a

149
reencenação de problemáticas performáticas das próprias
canções e disponibiliza micropolíticas de gêneros nas dis-
putas afetivo-sexuais na cultura da noite.

Os corpos alcoolizados numa festa de brega deslizam dis-


poníveis em suas andanças cambaleantes. Parecem acionar
a disponibilidade e interpelação. Os espaços das festas são
importantes contextos de enunciações que proporcionam
pensar os corpos a partir daquilo que eles revelam em suas
efemeridades. Entende-se aqui a performance como uma
disposição acionada pela espaço, pelo estar, “o momento de
uma exposição, um corpo se expõe e, ao se expor, cria uma
situação na qual se expõe, não sem, ao mesmo tempo, criar-
-se a si mesmo” (BRASIL, 2014).

A perspectiva de pensar a performance como uma exposi-


ção é, para André Brasil, uma forma de reconhecer um ato
que se faz, que há um “durante”, ou seja, um momento de se
fazer. Esta perspectiva nos parece útil para pensar as estra-
tégias dos corpos alcoolizados nas festas de brega na me-
dida em que é possível falar em usos e estratégias dos cor-
pos sob efeito do álcool como uma maneira de refletir sobre
como os espaços agem sobre os corpos, impelindo certos
traquejos performáticos como convenientes ou oportunos
dentro de determinadas balizas sociais.

Quero aqui também apontar um debate em torno da per-


formance do corpo alcoolizado como uma espécie de ge-

150
radora de capital erótico/sexual no contexto da cultura da
noite. Pensando que os espaços das festas são marcados
por disputas em torno de sujeitos que se dirigem ao ato de
conquistar o outro, flertar, paquerar, convencer, seduzir, é
preciso levar em consideração aquilo que chamamos aqui
de capital erótico/sexual. No contexto sociológico, a ideia de
capital está atrelada a ter dinheiro, propriedades ou perspec-
tivas de ação.

No vocábulo dos sociólogos, o capital social designa aquilo


que chamamos de relações sociais ou a capacidade de mo-
bilização em torno de ações. “Ter relações”, capital social,
significa uma espécie de destreza de formação de redes de
amigos, conhecidos, sujeitos que nos remetem às redes de
relações – públicas ou particulares – que as pessoas man-
têm. Pierre Bourdieu (1979, 1989, 1996, 1997, 2001) faz uso da
noção de capital para descrever os recursos de que dispõe
um indivíduo a fim de adquirir uma posição na sociedade.

Distingue, por exemplo, o capital econômico (recursos finan-


ceiros), capital cultural (diploma, domínio cultural) e o capital
social (redes de relações pessoais e familiares). Fazendo
uma leitura econômica e bastante neoliberal das teorias de
Bourdieu, a socióloga Catherine Hakim (2012) desenvolve
o conceito de “capital erótico”, no qual, beleza, sex appeal,
carisma, elegância, entre outros, seriam importantes chaves
para as condutas e valores agregados numa cultura. O capi-
tal erótico, portanto, estaria marcadamente centrado no cor-

151
po e na performance, aquilo que se exibe como aparência e
gesto, maneira de se apresentar e posicionar.

Como socióloga e economista, a leitura que Hakim faz do


capital erótico está bastante inclinada a pensar o universo
corporativo, inclusive, as relações de gênero dentro deste
contexto. Proponho deslocar o olhar para as festas periféri-
cas e pensar o capital erótico dentro de uma perspectiva das
disputas de corpos e performances em ambientes festivos,
destrezas e pedagogias da sedução e do flerte. Saber “che-
gar”, se fazer “disponível”, de “difícil”, conduzir a narrativa da
paquera, seus acionamentos e entraves, parecem estar na
partitura possível para pensar o capital erótico.

A bebida alcoólica, os corpos, as roupas, os gestos cons-


troem, juntos, uma situação comunicacional em que esta-
dos emocionais deslocados acionam ideias como acaso,
descontrole, selvageria. A vulnerabilidade dos corpos alcoo-
lizados precisa também ser pensada na ordem da violência,
daquilo que impele a oportunidade também para “se apro-
veitar” de corpos em instabilidade. Diante desse contexto,
os espaços das festas são pontuados por performances e
corpos alcoolizados que se encenam disponíveis e aces-
síveis ao “esbarrar”, ao toque, àquilo que parece inusitado,
pernicioso e, também, erótico.

Espaços como a calçada (o “aquecimento”, o início da festa,


a exposição das marcas de cerveja, de Ice ou uísque), a pis-

152
ta de dança (dedicada ao ato de dançar, suar, se exibir para
o outro, mas também reconhecer que estar suado/suada
significa também perda de capital erótico, segundo me diz
Joyce), os corredores (em seu esbarrar, tocar, pedir licença,
olhar mais perto) e também os banheiros (nos jogos tanto
de se embelezar, se olhar no espelho, quanto da verificação
de corpos fora do jogo performático externo).

Desejos deslizantes na festa brega


O Atlético Clube de Amadores, sua calçada e ambientes in-
ternos, são locais de performatização de jogos de sedução e
flerte. É nesta perspectiva que nossa observação se delineia.
Temos ali o que Richard Parker (1999) classifica como uma
“geografia do desejo” do clube noturno, espaços que são
ressignificados diante de uma lógica de performance de fler-
te e “pegação”, ambientes que existem para serem etapas
nas fases de paquera, abordagem e “pegada”. Este ambien-
te banhado por pouca luz, muitos becos e ambientes aperta-
dos é o lugar ideal para “se esbarrar”, roçar os corpos, tocar
no outro. Tocar este, que pode se reverter, num beijo, numa
“pegada” no quadril ou mesmo num dispor os corpos juntos,
quase como em um passo de tango ou de forró. Aproxima-
ção intensa e excessiva.

Esses ambientes sexualizados são uma instância enuncia-


tiva das canções e da imagética do brega. A cena brega da
cidade do Recife apresenta uma curiosa dicotomia: de um

153
lado, observa-se a profusão de bandas com vocais femini-
nos sussurrados exaltando o poder feminino; do outro, a
aparição de MCs (mestres de cerimônias, assim como no
funk carioca) que discorrem nas suas letras sobre o caráter
sedutor da figura masculina. Bandas como Metade, Lapada,
Musa do Calypso, Swing do Pará, Toda Boa, Sedutora, Bateu
a Química, entre outras, são a própria performatização das
mulheres sedutoras. Letras sobre traição (que popularmente
se chama de “gaia”), superação, “dar o troco” num homem
traidor, entre outras abordagens, fazem parte da dinâmica
das canções de brega.

As cantoras do brega são fortemente inspiradas pelas can-


toras pop, ou divas pop, como Madonna, Lady Gaga, Shakira,
Laura Pausini, Ivete Sangalo, entre outras, agenciando um
estar no mundo pautado pela ideia de feminilidade empode-
rada, consciência corporal, diversão, entretenimento e as-
pectos políticos ligados a mulheres e homossexuais. O de-
bate em torno das questões de gênero faz parte da partitura
de questões de Judith Butler em seus estudos sobre gênero
e sexualidade.

Numa primeira leitura, podemos pensar as abordagens de


gênero como grandes campos de embates em torno de
masculinidades e feminilidades, opressões e subjugamen-
tos, quem manda e quem obedece. No entanto, essa chave
de interpretação cairia na mesma falácia que os próprios
estudiosos sobre gênero tanto criticam – o binarismo – e

154
apontariam, portanto, soluções ancoradas em torno de um
claro embate (para usar a metáfora bélica: um “inimigo”). Tal-
vez o desafiador é reconhecer que uma abordagem de gêne-
ro conectada à ideia de “recusa ou adesão” estaria centrada
numa observação do fenômeno que excluiria suas contra-
dições, seus embates “internos” e múltiplos agenciamen-
tos. Portanto, a tentativa aqui é perceber que o debate em
torno das premissas de gênero deve ser pensado na ordem
das efemeridades, dos acontecimentos em situações, de
uma certa ordem enunciativa que se faz e se desfaz cons-
tantemente, afirmando e negando na mesma proporção, na
mesma intensidade, provocando anulações, deslocamentos,
inclinações, desníveis.

Pensar gênero significa reconhecer os jogos de poder, sem


dúvidas, mas, sobretudo, como estes jogos são jogados,
durante, aquilo que se constrói diante dos olhos, fazendo
aparecer algo. Por isso, a discussão sobre gênero acopla
outra premissa: a da performance. Como corpos encenam
gêneros, em que contexto, diante de que agenciamentos. Se
pensarmos que até o sexo é uma categoria gerada pela bio-
logia e pela medicina, “politicamente investida em sua inte-
gralidade”, não existiria uma verdade (ontologia) em torno
dos acionamentos entre sexo e gênero.

Parafraseando Simone de Beauvoir – e contestando-a –


Butler atesta: “Não se nasce uma mulher, torna-se uma;
mas, além disso, não se nasce feminina, torna-se feminina;

155
ainda mais radical, é possível caso faça tal opção, não se tor-
nar nem masculino nem feminino, nem homem nem mulher”
(BUTLER, 2015, p. 33). O debate recai em torno da ideia de
que gênero não é a expressão do sexo biológico, mas algo
performativamente construído na cultura. Dessa maneira,

[...] gênero é a estetização repetida do corpo, uma série


de atos que se repetem dentro de um enquadramento
regulatório altamente rígido, que se cristaliza ao longo
do tempo para produzir a aparência de algo sólido,
um tipo natural de ser (BUTLER, 2015, p. 43-44).

Ideias sobre gêneros consistem na acumulação do que está


do lado de fora (na cultura) fazendo crer que trata-se de uma
expressão de dentro (da natureza). Feminilidade e mascu-
linidade, portanto, seriam mais do que simples expressões,
“desempenhos culturais” em que a ideia de naturalidade
seria constituída por meio de atos performativos limitados
pelo discurso criando um efeito de “natural”, inevitável21.

Quero aqui acrescentar a dimensão ficcional nas performan-


ces de gênero retomando a ideia de performatividade. Se
pensarmos que a atividade da performance é sua teatrali-
dade, a performatividade estaria na ordem de um processo
contínuo de reiteração daquilo que forma a eficácia da per-
formance – o arsenal cultural que nos move por outros cor-
pos, outros gestos, fantasmagorias, por aquilo que julgamos
ser uma forma bem-sucedida de performatizar. Butler sus-
tenta que atributos de gênero não são expressões de identi-

156
dades de gênero, mas performatividades. A recusa pela ideia
de “expressão” estaria na relação cartesiana – e binária –
que o termo poderia evocar – nos remetendo, por exemplo,
aos postulados que ligam conteúdo-e-expressão. Expressão
(gênero) como manifestação de um conteúdo (sexo) anula-
ria o processo de significação cultural dos corpos. “Não ha-
veria nem verdadeiro, nem falso; nem atos de gênero reais
ou distorcidos – a postulação de uma identidade de gênero
‘verdadeira’ se revelaria uma ficção regulatória”. (BUTLER,
2015, p. 180)

Duas faixas da música brega presentificam instâncias de


enunciação de gênero. Neste caso, o papel encenado pela
mulher no contexto ficcional das canções: “Meu Novo Na-
morado”, que fez sucesso através da banda Mistura do
Calypso22 e “Primeira Vez no Carro”, da banda Toda Boa. A
primeira é uma canção sobre superação, volta por cima. De-
pois de ser abandonada pelo namorado, a personagem da
música atesta: “Pintei o meu cabelo, me valorizei/ Entrei na
academia, eu malhei, malhei/ Dei a volta por cima e hoje te
mostrei meu novo namorado”. Sobre uma camada de tecla-
dos e a pontuação da guitarra típica do brega, o refrão da
faixa traz a voz da cantora em tom de revanche: “Pensou
que eu ia chorar por você?/ Que eu ia sofrer de amor?/ Que
eu ia pedir pra voltar?”. O vocal da cantora Priscylla Malta, da
banda Mistura do Calypso, parece acentuar um certo padrão
de feminilidade evocado por artistas de bandas de forró e

157
calypso, como Aviões do Forró e banda Calypso.

Já a canção “Primeira Vez no Carro”, sucesso da banda Toda


Boa, trata do “jogo de forças” entre um namorado afoito e
uma garota, de certa forma, precavida. Os personagens da
canção estão prestes a entrar “naquela fase do namoro” em
que o sexo se faz presente. Ele quer fazer amor com a na-
morada no carro, com o vidro “embaçado”, mas ela retruca
cantando: “A nossa primeira vez não vai ser no carro/ Não
pode ser em qualquer esquina, qualquer beco/ Tem que ser
algo especial/ Fora do normal/ Algo sem igual”. Desejo e
utopia entram em embate numa melodia que lembra em an-
damento a canção “Touch My Body”, da diva pop americana
Mariah Carey.

Clubes como ambiências das canções


Os clubes em que acontecem as festas de brega são, por-
tanto, palcos de performatizações das canções. A menina
chega, circula, mostra o “novo namorado”, exibe o corpo
malhado. Seja na calçada, dentro do clube, há um jogo de
acionar as feminilidades e as instâncias de poder feminino.
Perfumes de aromas doces, batom vermelho, olhos marca-
dos por delineadores. Cara de desdém. Unhas pintadas. Os
carros estacionados nas imediações do clube podem fun-
cionar como extensão do flerte. Se os dois estiverem muito
bêbados e não conseguirem ir a um motel, é no carro que
pode “acontecer”. Daí a questão evocada pela canção “Pri-

158
meira Vez no Carro”: a primeira vez não deve ser ali, tem que
ser algo “especial”. Mas, numa noitada de loucuras, quem
sabe se a novinha não termina a noite mesmo “embaçando”
o vidro de um carro?

A geografia do desejo, como proposta por Richard Parker,


parece nos despertar uma questão: diante de um espaço se-
xualizado, em que os desejos são deslizantes e móveis, as
identidades também acompanham este percurso, são iden-
tidades-passagens, acionadas naquele momento, diante da
conveniência do flerte. Ou seja, na geografia do desejo, os
habitantes dos espaços se amalgamam, eles mesmos, com
o ambiente, fazendo emergir, por exemplo, facetas e ence-
nações performáticas que estão articuladas às linguagens
em fluxo naquele ambiente.

Por isso, parece ser sintomático pensar, por exemplo, que


uma certa estética do sussurro na fala feminina, diante da
abordagem masculina, está intimamente articulada à per-
formance de cantoras do brega. Os corpos se deslocam
com movimentos que soam ser análogos aos passos coreo-
grafados pelas bandas. É diante deste quadro enunciativo
que mulheres acionam seu lado piriguete – e eu me refiro
a “acionar”, pois a ideia de piriguete é um tanto quanto pe-
jorativa e as mulheres simplesmente – e deliberadamente
– acionam a identidade a seu “bel prazer”, no momento que
lhes é conveniente.

159
A questão de “acionar” uma identidade de forma estratégi-
ca, dentro de uma determinada situação, de forma delibera-
damente efêmera, autônoma e, de algum forma, política, nos
remete à problemática debatida pela teórica Judith Butler,
que em 1990 publicou o seu Problemas de Gênero (Gender
Trouble), no qual busca uma desconstrução das configura-
ções de identidade de gênero e propõe um pensamento que
se desloca da análise recorrente da questão relacionada a
homem e mulher e inclui na questão os indivíduos inade-
quados ao ideal normativo. O objetivo de Butler é indicar
uma incapacidade de coerência da identidade de gênero,
que, se pensada em uma estrutura binária e linear, pressu-
põe uma necessidade de ajuste à norma por parte daqueles
que não se enquadram em tais estruturas.

Butler aponta que essa configuração do modelo compor-


tamental exigido pela sociedade deixa de lado particulari-
dades anatômicas ou psicológicas que escapam à classi-
ficação de normalidade, e exclui a sexualidade como uma
multiplicidade de combinações que não surgem a partir da
imposição psicossocial23. Com a ideia da performatividade,
Judith Butler redireciona os indivíduos excluídos pela nor-
ma ao mesmo patamar dos gêneros dominantes, ou seja, o
ideal normativo não pode ser determinante na classificação
de identidades sexuais enquanto “normais”. O corpo não
acata completamente às normas que impõem sua materiali-
zação. Nesse sentido, o corpo resiste tanto às intenções do

160
sujeito quanto às normas sociais. O que Butler busca é dar
visibilidade à importância das discussões de sexo, gênero e
sexualidade, para chamar a atenção para a necessidade de
legitimar existências que o ideal normativo relegou ao sta-
tus de “abjetas”.

Piriguetismos noturnos
É neste sentido que queremos trabalhar a noção de pirigue-
te como um deslocamento de um certo eixo normativo so-
bre a constituição do feminino e da mulher. A piriguete, em
sua acepção de mulher fatal, sedutora e sexualmente ativa,
se constitui numa espécie de deslize da normatização social
da mulher inscrita nas retrancas de uma premissa patriarcal,
masculina e heteronormativa. Obviamente, como expressão
nascida na fala popular, não se sabe a origem do termo piri-
guete. Há quem suponha que o termo tenha sua gênese na
etimologia de “pretty girl” (“garota bonita”, numa tradução),
convertida em piriguete pela pronúncia “diferente” dos falan-
tes. Também é possível que o termo piriguete esteja relacio-
nado à palavra “perigo”, ou seja, uma mulher “no perigo” de
atacar homens, expor seu desejo.

O que parece consensual é de que piriguete é uma classifi-


cação de mulheres conhecidas por estarem na balada, geral-
mente solteiras, que escolhem com quem e quando querem
“ficar”, autossuficientes e que não se importam com a opi-

161
nião alheia24. A piriguete não costuma ser bem vista pelo públi-
co feminino e muitas vezes nem mesmo com o masculino. Ta-
chada de vulgar, ocupa um espaço de identidade invisível, uma
vez que reforça um deslocamento de um certo caráter moral e
de um habitus socialmente inscrito. Trata-se de uma expressão
bastante usada de forma cômica, em tom de brincadeira. Foi por
meio da cantora Ivete Sangalo que a expressão piriguete aca-
bou sendo disseminada midiaticamente quando ela própria se
intitulou “Veveta Piriguete” ou “Piriguete Sangalo” na apresen-
tação no Festival de Verão de Salvador, no ano de 200625.

Deslizante, móvel: uma identidade “na penumbra”, assim po-


demos pensar na piriguete. A ideia de uma identidade na
penumbra nos aciona espaços de claro e escuro para a per-
formatização de gêneros. A piriguete estaria se deslocando
constantemente do escuro para o claro, num jogo de revelar e
esconder que se materializa nos embates entre a sombra do
status quo patriarcal e masculino e uma maneira premente de
acionar o desejo e a sexualização dos discursos e prazeres do
feminino. A ida ao clube noturno, no show de brega, aciona um
descortinamento da noção de piriguete. Ali, este fluxo identi-
tário não só se aciona, como ganha destacamento valorativo,
passa a ser uma moeda de troca diante das possibilidades de
encontros e tensões sexuais. Ou seja, ser piriguete num show
de brega não é só bem-vindo como também aparece como uma
extensão da mulher cantora de música brega.

162
A virilidade do cafuçu
Talvez, a ideia de definição do que seria o cafuçu seja ainda
mais complexa que a da piriguete. De maneira simplista, pode-
ríamos definir cafuçus como homens de camadas populares
que acentuam a masculinidade com cabelos curtos, roupas jus-
tas evidenciando braços e peitorais definidos e também perfor-
matização do poder através do desdém em relação às pirigue-
tes. Ao contrário da ideia da piriguete, que já foi legitimada, por
exemplo, por uma artista como Ivete Sangalo, o cafuçu ainda
segue obscuro em sua dinâmica de inserção nas formas de en-
cenação social. Sobretudo porque um homem que seja cafuçu
dificilmente se assume cafuçu.

Há um saber-implícito e uma permissividade para que ele seja


“chamado de”. Em outras palavras, chama-se alguém de cafu-
çu, mas este alguém dificilmente se intitula cafuçu – exceto em
situações mais cômicas ou extremas de questionamento sobre
sexualidade (não à toa, no Carnaval, há dois blocos carnava-
lescos que levam o nome de cafuçu: um em João Pessoa (PB)
chamado de “Cafuçu” e um em Recife (PE) de nome “I Love Ca-
fusú”). Há, naturalmente, uma lógica de banalização do termo
cafuçu, mas reconhecemos que tal uso excessivo soa eviden-
ciar aquilo que a teórica e ensaísta Susan Sontag (1987) já ha-
via mencionado em seu texto “Notas Sobre o Camp”: possivel-
mente, cafuçu é mais uma sensibilidade, um estar, algo de fato
intangível que passa pela noção de masculinidade e é acionado
sempre que possível, sem poder, claramente, localizar simples-
mente que o cafuçu faz parte de grupo social, uma faixa etária,
uma classe social.

163
O termo cafuçu pode, etimologicamente, estar próximo da de-
nominação étnica “cafuzo”, embora também saibamos que não
se trata de algo estritamente étnico, nos usos contemporâneos
do termo. O “cafuzo” é a designação dada no Brasil aos indiví-
duos resultantes da miscigenação entre índios e negros africa-
nos ou seus descendentes. Em regiões do Brasil, são também
conhecidos como “taioca”, “cafuçu” ou “cariboca”, como no
Maranhão, na Bahia e em algumas áreas do Pará e do Amapá.
Se lembrarmos, por exemplo, de toda premissa sexualizada que
havia entre os escravos e as “sinhás”, os embates sociológicos
já traduzidos por Gilberto Freyre em seu Casa Grande & Senza-
la (1933), não é difícil constituirmos a formatação do imaginá-
rio em torno da figura sexualizada do cafuçu. Trata-se de uma
construção histórica e sociológica. É, portanto, a perspectiva
sexual que está em jogo ao se usar o termo cafuçu.

Nos usos contemporâneos, chama-se cafuçu também aquele


homem com grande disposição e competência sexual. Eles po-
dem ser rígidos com palavras, mas são doces como amantes
– não costumam deixar mulheres “carentes”. Adentrando na
esfera do clichê, marcas de masculinidade, de uma certa aura
rude, podem fazer com que o termo cafuçu também seja em-
pregado: homens que exacerbam a “testosterona” em jogos de
futebol, em lutas livres, que xingam, falam alto, coçam a genitá-
lia, cospem. Figuras masculinas de barba por fazer, ligeiramente
descuidados, avessos a vaidades etc. De aspecto físico, cabe-
lo com algum efeito de gosto duvidoso, corpo trabalhado nas
academias de ginástica também podem evocar uma busca por
exacerbar o masculino. Embora, a barriga saliente de chope, o
pé “rachado”, os pelos no corpo, o gostar de comidas pesadas

164
também possam ser registros de “cafucice”.

O termo cafuçu pode também estar atrelado a profissões. Algu-


mas são a própria performatização deles: motoboys, jogadores
de futebol, entregadores de pizza, garçons, caixas de super-
mercados, policiais, bombeiros, instrutores de autoescola etc.
Podemos nos remeter ao cafuçu como o trabalhador braçal, que
sabe trocar uma lâmpada, um botijão de gás, pintar uma pare-
de – uma espécie de utopia de modelo de masculino almejado
dentro da cultura gay e dos fetiches em torno do masculino.
“Cafuçu é aquele sujeito que não tem muito requinte intelectual
nem disposição financeira. Tampouco liga para moda. Mas que
te leva no brega e te faz sentir mulher”, diz uma amiga. Estamos
diante de uma questão que parece ser a de evidenciar uma hi-
per-masculinidade, talvez, um contraponto à premissa metros-
sexual e de “homem sensível” tão disseminada midiaticamente.

Na cultura noturna do brega, a identidade cafuçu também é


acionada pelos homens frequentadores. Muito embora, assim
como a questão da piriguete, o cafuçu também não seja algo
deliberadamente evidenciado. Trata-se de uma conveniência
acionada em momentos específicos, sobretudo nos jogos de
poder do flerte. Na verdade, há uma micropolítica na paquera:
estamos diante de um embate de forças, de convencimento e
de conquista. “Ficar” com alguém na noite significa, antes de
tudo, convencer alguém. E um dos “argumentos” para esta con-
quista é o poder.

No caso do homem frequentador do brega, um dos sintomas do


poder é o meio de transporte e a presentificação dele diante do
automóvel ou moto. A questão econômica parece ser uma de-

165
terminante na lógica de poder e distinção do homem. Por isso,
a questão da masculinidade exacerbada e da premissa cafuçu
funcionam articuladas a lógicas de poder.

Ao contrário da piriguete que precisa atuar sorrateiramente,


quase que na surdina, o cafuçu adota a performatização da
“greia” como ethos de seu discurso. Ele pode falar alto, “chegar
junto”, usar do humor, da “malandragem” para conquistar. Ex-
plicitar seus gostos por “cafucices” e também trazer à tona indí-
cios de que é sexualmente interessante.

A diva bregueira
Acionar a piriguete na balada tem como cúmplice as próprias
cantoras que performatizam este personagem. Aqui, falarei
mais detidamente de Michelle Melo, que se intitula como “a pri-
meira que gemeu na cena bregueira” do Recife ao simular sus-
surros e gemidos na canção “Lua de Mel”, no ano de 2002. Os
gemidos e sussurros de Michelle Melo criaram uma espécie de
padrão vocal na cena do brega recifense, inclusive funcionando
como um fator de diferenciação da dinâmica vocal de artistas
femininas do forró eletrônico e da axé music – mais “gritados”,
digamos. O tom mais “baixo” encenado por Michelle Melo re-
porta a um tipo de performatização da piriguete: mais sorrateira,
silenciosa, agindo de maneira escusa – como supõe a letra do
funk “Piriguete” (que atesta que a mulher-piriguete gosta de ho-
mem casado, seria uma “destruidora de lares”).

O sussurro de Michelle Melo é uma espécie de forma de agir


da piriguete em cena, na balada, na cultura da noite. Podemos
pensar, por exemplo, no sussurro como uma performance: um

166
corpo deslizante, que convoca a sua visibilidade de forma es-
pecífica, que se aproxima de forma também suave, quase sem
ser percebido. Corpo este que fala ao pé-do-ouvido, que balbu-
cia palavras em tom mais baixo, como parte integrante do jogo
de sedução. Esta forma de agir e performatizar o sussurro e o
gemido por Michelle Melo também evidencia reverberações da
imagética das cantoras da música pop internacional, como Ma-
riah Carey, Whitney Houston, Beyoncé, Shakira, Madonna e Brit-
ney Spears, entre outras.

O que se delineia é uma apropriação pela cantora de brega de


formas consagradas midiaticamente de encenação/performa-
tização da mulher: neste caso, a ideia da diva pop. Percebemos,
enquanto encenação performática, o encontro entre a ideia da
diva pop internacional e a piriguete de periferia presentificado
na figura de Michelle Melo, que é chamada também de “Madon-
na do brega”, em função de uma postura assumidamente se-
xualizada nos seus shows. A cantora performatiza, na periferia
do Recife, a imagética sexualizada e extremamente feminina
das divas internacionais, evocando, inclusive, em seus shows,
referências a Madonna, Britney Spears, Shakira e Janet Jackson.

Num dos seus espetáculos, assim como já fizeram Janet Jack-


son e Britney Spears, ela chamava um homem da plateia para
amarrá-lo numa cadeira e cantar dançando em sua frente e
ainda tocando no seu corpo. A presença de bailarinos muscu-
losos e sem camisa, em cena, também dialoga com premissas
da cultura gay bastante frequentes em shows de divas pop in-
ternacionais. “Eu adoro ficar vendo DVDs de shows de cantoras
internacionais para me inspirar nos figurinos. Não faço cópia, é

167
inspiração, admiração pelo trabalho delas”, diz Michelle Melo.

A performatização de Michelle Melo que reverbera nas ence-


nações no Atlético Clube de Amadores, com as mulheres (no-
vinhas ou coroas) assumindo a sua dinâmica piriguete, tem um
sentido: seduzir o cafuçu, este homem másculo, ligeiramente
rude, possivelmente musculoso, que habita também as calça-
das e áreas internas dos clubes que tocam brega, no Recife.
Mais uma vez, é preciso compreender como essas identidades
amorfas são convocadas no jogo de encenação da noite.

O “gangsta” do brega
O artista MC Sheldon se notabilizou no Recife por disseminar
em suas canções o termo “novinha” (referindo-se às adoles-
centes presentes nos seus shows) e a perspectiva de “dar pres-
são” (fazer sexo voraz) com elas. Trata-se de um cantor (MC de
“mestre de cerimônia”, análogo ao funk carioca) que apareceu
na cena brega do Recife entre os anos de 2008 e 2009, ficando
mais famoso em 2010, quando foi acusado pela Justiça de Per-
nambuco como “incitador da pedofilia”, em função do conteúdo
que disseminaria o interesse sexual por meninas menores de
idade. A partir deste episódio, MC Sheldon ocupou páginas po-
liciais de jornais locais e compôs canções como “Vem Novinha
Tomar Toddynho”, cujos versos dizem: “Mas se eu mato, eu vou
preso/ Se eu roubo, eu vou preso/ Se é pra pegar novinha/ Eu
vou preso e satisfeito”.

Neste sentido, é possível reconhecer que MC Sheldon cristaliza


o discurso do “bad boy”, tão comum na música pop. Sua pos-
tura está próxima das experiências consagradas pelo “gangsta

168
rap”, subgênero do rap, que tem por característica a descrição
do dia a dia violento dos jovens urbanos26. A palavra “gangsta”
deriva de “gângster”, soletrando-a na pronúncia do inglês com
acento negro. As suas letras são violentas e normalmente ten-
dem a criticar a sociedade e revelar a dura realidade das ruas.
Geralmente, os autores tinham problemas com a lei ou já tive-
ram envolvimento com gangues. Ice-T, Tupac Shakur, Notorious
BIG, Snoop Dogg, entre outros, passaram pelos tribunais por
atividades relacionadas com o tráfico de drogas, porte de armas,
assassinatos etc. O “gangsta rap” também é conhecido pelas
acusações, de promover crimes como assassinatos e tráfico de
drogas; além da promoção do machismo, promiscuidade, pre-
conceito, vandalismo e desrespeito às autoridades.

A questão não é assumir um tom moralista nem reconhecer que


MC Sheldon “imita” os integrantes do “gangsta rap”, mas desve-
lar nuances de construções de discursos e performances midiá-
ticas que são próximas, compondo um quadro em que é extre-
mamente problemático não olhar o “entre” as duas expressões.
O que queremos apontar nesta aproximação entre uma certa
estética da masculinidade e do “cafuçu” do brega recifense com
a lógica do “gangsta rap” é que se observa contornos particula-
res nos atos performáticos em análise.

Se já apontamos anteriormente aqui a imagética consagrada


pela cultura midiática das mulheres fortes, cheias de atitude,
mas que fraquejam em alguns momentos (a questão da diva do
pop incorporada na lógica do brega); há também o embate com
o homem másculo, rude, marginal e que é difícil de “se apaixo-
nar” (como esse que é performatizado também na cultura de

169
periferia do Recife). É desta zona de atritos que observamos as
movimentações e embates das identidades.

Trazemos à tona também contornos de que “ser fora da lei”,


“outsider” e “bad boy” pode funcionar, de alguma forma, como
um valor dentro da construção de uma masculinidade atrelada
ao mercado de música. E, no caso específico do MC Sheldon,
que é um dos expoentes da cena de brega do Recife, esta di-
nâmica identitária perpassa por uma imagética cristalizada do
“gangsta rap” e da cultura do hip-hop que foi incorporada pelo
funk carioca e reprocessado no tecnobrega recifense.

A própria imagem do MC Sheldon já nos dá indícios de suas fi-


liações associadas ao “rapper” norte-americano: casaco, corren-
tes de ouro, a faixa na cabeça ligada a uma marca fashion-es-
portiva (neste caso, a marca Nike) e a configuração da cultura
Black.

Nossa tentativa é compreender o brega do Recife a partir de


três eixos de investigação:

1. Os discursos encenados pelos artistas da cena em suas


canções, shows, atos performáticos e DVDs largamente
difundidos através da pirataria, como aportes que dialogam
com formas consagradas de midiatização de matrizes
identitárias do feminino (a figura da diva pop) e do
masculino (a imagética do “gangsta rap”);
2. Os ambientes nos quais esses atos performáticos
acontecem, suas geografias, performatizações e
encenações de gênero através do jogo de sedução e,
consequentemente, a presentificação do universo das letras

170
das músicas em espaços codificados;
3. E no acionar das identidades de piriguete e cafuçu dos
frequentadores dos bailes de brega do Recife como uma
maneira de desenvolver os embates de identidades
marcadamente angariadas no desdém e no “ar de
superioridade” e “atitude” quase como uma performatização
do universo cantado por artistas como Michelle Melo e MC
Sheldon e as materializações de poder encenadas através
da posse de celulares, câmeras fotográficas e distinção em
ambientes como shopping centers, praias e clubes noturnos.

171
172
capítulo
Bregueiros
midiatizados
Se, outrora, a melhor forma de se atualizar sobre os
lançamentos da música brega no Recife era recorrer às
famosas “carroças de CD pirata”27 que circulavam por
locais de intensa movimentação (a praia de Boa Viagem, o
Centro e saídas de supermercados em bairros populares),
desde 2005 é com as possibilidades da internet e no
compartilhamento de produtos (canções, vídeos, toques
de celulares, wallpapers etc) que se dá a estreita relação
de consumo da música brega. Sites, blogues, aplicativos e
redes sociais funcionam como ambientes para download de
arquivos, compartilhamento de músicas e vídeos.

Celulares passam a ser sintoma de distinção, operadoras de


telefonia são citadas em letras, o Iphone se “orkutiza” (gíria
que virou sinônimo para “popularização”) e, desde 2010, que
o brega da cidade do Recife passa a ser atravessado pela
questão da tecnologia. Este capítulo que aqui apresentamos
resulta numa observação da cena de brega da capital
pernambucana e no registro de zonas de tensão resultantes
das apropriações tecnológicas e da lógica de popularização
da tecnologia junto a artistas, fruidores e fãs de brega.

As festas bregueiras funcionam como ambientes que


presentificam os jogos de disputa, poder e performatização
que acionam questões ligadas também à tecnologia.
Demonstração de poder é, portanto, um requisito para o
embate entre mulheres e homens no brega, e o celular é
um objeto capaz de evocar noções distintivas. A cantora

177
Michelle Melo, que tem sua performance fortemente
marcada pela sensualização, é usuária de redes sociais
como Instagram, Snapchat e Facebook, e atesta: “Nosso
‘lucro’, com a internet, é o fato de não gastarmos com
divulgação. Tenho também um contato direto com os fãs”,
observa.

Segundo a cantora, as redes sociais não apenas contribuem


– e muito – com a difusão do que é produzido pelos grupos
de brega, mas estabelecem um elo com o público – que
pode também resultar em vigilância. Um aspecto que chama
atenção nas apropriações e ressignificações de marcas
pelos artistas do brega diz respeito a como Michelle Melo se
relaciona com a marca Apple. Famosa pelo símbolo de uma
maçã, a tal “Apple”, para a cantora (que tem na sensualidade
de suas performances um dos trunfos) acaba sendo
sinônimo de sensualidade. “É o celular da maçãzinha... E ela
já vem mordida”, diz Michelle, sorrindo, e comentando sobre
a configuração da marca da Apple: “tem tudo a ver comigo”.

Marcas são mediadores de status e de legitimações


culturais dentro da cena brega. Aparelhos de celular
também. Artistas exibem seus aparelhos que denotam
poder (Michelle Melo comenta sobre o Iphone) e fama
(na canção “Estraladinha”, Sheldon fala sobre o “estralar”
da câmera fotográfica do celular das “novinhas” quando
ele chega ao shopping center) e, neste sentido, tem-se
a disposição da apropriação tecnológica como aparato

178
da compreensão dos jogos performáticos (captação de
imagem, exibição em redes sociais, postagem de fotos etc).
No entanto, entre os frequentadores da “festa bregueira”, há
uma ressignificação das questões apontadas pelos artistas.
Se Michelle Melo exibe seu Iphone e Sheldon canta sobre
as máquinas fotográficas de celular, quem vive o dia a dia
da cultura de periferia aponta para um outro critério, menos
hegemônico, ligado às marcas e disposições tecnológicas
de celulares.

Ao invés de exaltarem, reproduzindo uma forma consagrada


de status através das marcas, artefatos da Apple,
Samsung, Nokia, entre outros, evidencia-se como critério
de diferenciação e opção por celular o fato do aparelho ter
a possibilidade de dispor vários chips. “Eu escolho o meu
celular porque ele tem espaço para três chips”, atesta a
estudante Nailana Souza, de 22 anos, que é do fã-clube
de Michelle Melo e estava na “festa bregueira” do Clube
Atlético de Amadores. Sobre as marcas, encontramos uma
atitude um tanto quanto irônica em relação a uma certa
normatização, por exemplo, da consagração de aparelhos da
Apple (Iphone) ou Samsung (Galaxy).

Grande parte dos entrevistados na festa bregueira


atestavam ter um celular “xing-ling” (que eles não definiam)
e riam ao falar que não sabiam qual era a marca. O termo
“xing-ling” trata, de forma geral, de celulares “piratas”,
que não têm marcas e são comercializados em grandes

179
aglomerados comerciais do centro da cidade. São, em geral,
bem mais baratos que os aparelhos “originais”. Obviamente
que aparelhos hegemônicos como Iphone, Samsung, Motorola,
entre outros, aparecem nas festas e acentuam características
distintivas entre os sujeitos.

Máquina e poder
O celular, mais uma vez, funciona como uma metáfora para
as experiências ligadas a uma estética ou a uma lógica de
empoderamento: na sexualização do discurso sobre o homem
másculo e cafuçu, o aparelho de celular dá espaço para a
questão da operadora de telefonia na premissa para “pegar
geral”. Até uma canção foi produzida sobre este aspecto:
“Tá Querendo o Quê, Novinha?”, dos MCs Metal e Cego. Ao
questionar sobre o que a “novinha” (a menina adolescente que
“circunda” a banda) quer, os MCs enumeram: “Tô de Nextel
ligado/ Vou ligar no Metal/ Avisa pras novinhas que hoje eu
vou ‘pegar geral’”.

A ideia de “bem-vindo ao clube”, como acionada pela operadora


Nextel, é ressignificada pelos artistas do universo do brega
recifense. O “clube” aqui ganha o sentido do “pegar geral”
e da “orgia no espelhado”. Trata-se da noção de “clube” da
Nextel acentuando disposições sexuais. Uma das principais
características, inclusive, da operadora de telefonia está
presente na própria canção. O som do “toque” da Nextel (que,
na verdade, opera com frequência de rádio) aparece disposto
na canção “Tá Querendo o Quê, Novinha?”. Tem-se, portanto, a
apropriação do conceito de uma marca de telefonia para reforço

180
dos fluxos identitários ligados ao universo sexualizado do
brega.

Quero pontuar a forte presença do celular na poética das


canções do brega, como artefato gerador de status, de disputas
e legitimações entre marcas, mas também como uma “máquina
antropológica” (AGAMBEN, 2004), que produz o humano,
integra certa dinâmica que encena a humanidade. Trazendo à
tona o conceito de máquina antropológica, Giorgio Agamben
nos conduz a refletir sobre a máquina como dispositivo,
sendo a própria máquina “um dos sentidos do dispositivo”. O
autor chama dispositivo “à capacidade de capturar, orientar,
determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os
gestos, as condutas e os discursos dos seres viventes”
(AGAMBEN, 2004, p. 21).

Essa perspectiva foucaultiana de pensamento situa a


reflexão de Agamben num quadro em que se propõe debater
biopolíticas, formas de controle e acionamentos da vida, da
natureza performativa dos indivíduos e daquilo que cerca
os sujeitos – e que é de ordem maquínica. Animalidade e
humanidade, razão e emoção fazem parte dos pressupostos
maquínicos dos dispositivos – no sentido de Agamben. Isto
parece significar que está se debatendo os deslizes entre polos
de produção de sentido nos usos dos aparelhos maquínicos
antropológicos. Reiterando ainda mais Foucault, Agamben
destaca que os dispositivos são o “meio através do qual se
realiza a pura atividade do governo”, governabilidade esta da
vida e também do olhar.

Dispositivos teriam, segundo o filósofo, a capacidade de

181
capturar os viventes, dando lugar, por meio desta captura, a
processos de subjetivação e dessubjetificação. “Não seria
errado definir a fase extrema do desenvolvimento capitalista
que estamos vivendo como uma gigantesca acumulação
e proliferação de dispositivos” (AGAMBEN, 2007, p. 23). A
respeito deste processo, também segundo o autor, não se
trata nem de suprimir os dispositivos, nem de imaginar-se
ingenuamente um “bom uso” (para quê? Para quem?), mas de
“profaná-los”.

Celulares, portanto, são máquinas antropológicas que regem


as vidas, governam olhares e nos fazem agir para o outro
estabelecendo sempre relações entre o que se mostra, para
quem se mostra, evidenciando aspectos de governabilidade
que passam por instâncias como regulação, vigilância, crítica,
observação. A biopolítica, ou seja, a regência da vida atrelada
ao Estado, ganha agentes reguladores no cotidiano, em outras
instâncias, inúmeras delas, capazes de “dizer sobre” ações –
incentivar, conter, corroborar, negar.

Pensar o celular como máquina antropológica talvez nos ajude


a compreender seus usos nas canções, no universo poético e
das sociabilidades das músicas populares e também periféricas.
No caso da música brega em Pernambuco, é possível
reconhecer relações de poder nas referências a aparelhos
e marcas de telefonia móvel, mas também, uma espécie de
regência do celular nas dinâmicas afetivas e sexuais. A faixa
“Podem até nos Separar”, cantada por Priscila Sena, na banda
Musa do Calypso, enseja o celular – a portanto, a máquina –
como um artefato “frio”, cuja relação de ligar-e-desligar serve

182
como metáfora para questões afetivas.

“Se eu pudesse apertar um botão/ E te arrancar de vez do


coração/ Se fosse só eu te mandar embora/ E te arrancar da
minha memória” apresenta a problemática do apagamento da
memória numa chave afetiva. Aperta-se o botão das máquinas
e temos, então, o “poder” de esquecer. Se pensarmos numa
cultura da interface, da lógica da tecla “delete”, que se apaga
na medida em que também se escreve (“mas eu não sou
nenhum computador/ que com um clique deleta o amor”), esse
movimento parece ser sintomático de uma poética da canção
popular brega. Num outro momento da canção, a artista se
coloca no lugar da máquina: “Mas eu não sou nenhum celular/
Pra te excluir só basta apertar”. A questão das referências
tecnológicas no universo do brega soa também como uma
forma de acionamento de ideais de modernidade, posicionando
artistas e bandas dentro de um espectro da tecnologia.

Numa inclinação dos jogos de sensualização e flerte, a banda


Kitara lançou, em 2013, a faixa “De Biquini no Facebook”, em
que a vocalista Carlinha, entoava: “já me arrumei, me maquiei,
já dei chapinha no cabelo/ Vou tirar uma foto na frente do
espelho”. A clara perspectiva de evidenciar a pose e o ato de
“tirar selfie” na frente no espelho como uma prática da atividade
de sair à noite ganha tessituras ainda mais sensuais em
função da atividade de exibição do corpo em redes sociais. A
canção vai encenando as etapas do processo de exibição na
internet: “De relacionamento sério/ Eu troquei para solteira”.
Enquanto a personagem se coloca “brincando” no jogo das
relações afetivas possíveis no Facebook. Até que, no refrão,

183
com acentuada textura alegre, Carlinha celebra: “Tô de biquini
no Facebook/ Me olha, me curte e me cutuque”. “Cutucar” no
Facebook é uma ação de demonstrar interesse afetivo-sexual
por um usuário da rede social.

Percebe-se como as disposições tecnológicas engendram


corporalidades e encenações que governam corpos, criam
regras e atestados de valor diante das performances dos
sujeitos. Postar uma foto de biquíni na rede social Facebook é
uma forma de provocação, encenação de uma lógica de poder
de uma mulher sobre o seu (ex) parceiro. Esta canção nos ajuda
a pensar também a autoconsciência de jogo e de performance
que há nos usos dos dispositivos. Faz-se uma ação com uma
clara intenção – ou também provocando uma possibilidade de
efeitos, de retornos. As dinâmicas afetivas estão mediadas por
aparelhos celulares, redes sociais, filtros, fotografias, vídeos.

Questões ligadas às classes sociais, exibição de dinheiro e de


status, povoam tanto as práticas quanto as letras das canções
de brega. Uma das faixas de sucesso do gênero, “Ligação a
Cobrar”, da banda Companhia do Calypso, estabelece uma
ligação entre receber uma ligação a cobrar e ausência de prova
de amor. Quando a cantora Raylla Lima atesta “não me ligue a
cobrar no celular/ Se quer me conquistar/ Se quer me namorar”,
há um pacto condicionante entre uma certa conduta com a
prática do aparelho de telefonia móvel e o estabelecimento de
elos mais consistentes em relações afetivas.

A questão da classe social do homem, do brega como


um gênero que promove atravessamentos de classes,
deslocamentos, acomodações, encontra ressonância na

184
canção da banda Companhia do Calypso. “Esse garoto é
metido a playboy/ Tem jeito de bacana, que tem grana/ Chega
no seu carro/ No meio da multidão/ E liga o som”. Conforme
já evidenciamos, a prática de exibição de posses em festas
e clubes adentra também ao universo poético das canções
colocando em destaque aquilo que liga beleza a poder
econômico. A letra da canção vai descrevendo o modelo de
homem que ligou a cobrar para a personagem: “Pedaço de Brad
Pitt/ Pedaço de Gianecchini”, duas referências a padrões de
beleza midiáticos, seja no cinema de Hollywood ou na Rede
Globo de Televisão. “Ele é pura sedução/ As meninas já estão
passando mal”, canta.

A decepção, na canção, aparece quando desvela-se a


verdadeira face do então conquistador: ele, supostamente,
seria pobre. “Pediu meu telefone/ E disse que eu era linda/ E
disse mais ainda/ Que queria o meu amor/ Celular danou-se
a tocar/ Chamada a cobrar”. É com este recuo da personagem
que se faz a “virada” da canção, na disposição das narrativas
do melodrama. O personagem que parecia ser “o príncipe”,
na verdade, era “o sapo” – mas esta denominação é feita em
função da condição socioeconômica do sujeito.

Compartilhamentos,
redes sociais e versões
É na internet que circulam novas demandas do público,
que antes só tinha acesso às músicas de brega executadas
nas rádios ou nas ruas. E dois ambientes funcionam como
potencializadores desse “encontro” entre cantores de brega

185
e público: os blogues de música brega e os ambientes de
compartilhamento de músicas. Marcar presença no Facebook,
no Instagram e no Snapchat é importante para as bandas de
brega, mas o que se tornou fundamental mesmo foi ter um perfil
no site Palco MP3 (www.palcomp3.com). A página funciona
como uma grande teia de compartilhamento musical voltada
para artistas independentes – em 2015 já eram mais de 250 mil
cadastrados. Com uma interface semelhante a da rede social
Orkut, o site disponibiliza vídeos, imagens, música, agenda de
shows e todas as informações de contato necessárias. O Palco
MP3 acaba sendo uma espécie de homepage prática e gratuita
– assemelhando-se ao que foi o MySpace para artistas de rock
e de gêneros musicais análogos.

O Palco MP3 opera como plataforma de compartilhamento


de músicas e informações sobre artistas de gêneros musicais
populares, como o forró, o funk e o sertanejo. Para se ter uma
ideia, o site disponibiliza os perfis mais acessados, diariamente.
Em 2013, os perfis mais acessados eram: Garota Safada (forró),
Aviões do Forró (forró), Edson e Roberta (sertanejo), Marcello
Henrique e Frederico (sertanejo) e MC Chocolate (funk).
Entre as canções mais baixadas, se configuravam “Só Sei te
Amar” (Garota Safada com participação de Bruno e Marrone),
“Naviozinho”, “Vem com Peito” e “Vou te Pegar” (Aviões do
Forró) e “As Mina Pira” (Garota Safada com Cacio e Marcos).

No site Palco MP3 é possível fazer uma filtragem de artistas


musicais por estados brasileiros. No ano de 2015 havia quase
três mil artistas de Pernambuco. Curiosamente, na página inicial
do Estado de Pernambuco não aparecem artistas de brega entre

186
as chamadas “editoriais” do site, apesar da artista de brega
Musa do Calypso estar em quarto lugar entre os perfis mais
acessados do Palco MP3. Este sintoma materializado no Palco
MP3 encontra reverberação no cotidiano dos artistas de brega:
preconceito diante de gêneros musicais legitimados e a própria
perspectiva de ser algo “estranho” dentro de um contexto
musical independente e hegemônico – como é o contexto de
Pernambuco. O brega, neste enquadramento, é um gênero
musical – efetivamente – contra-hegemônico, que apesar da
intensa circulação de seus produtos e artistas, fica à margem de
um certo status quo musical de Pernambuco.

Outra importante ferramenta de divulgação para os artistas


do brega recifense, sobretudo a partir de 2010, foi o site de
compartilhamento de arquivos 4shared (www.4shared.com).
Nele, faz-se inscrição gratuita e os músicos de brega costumam
publicar telefone de contato para shows. A cantora Palas Pinho,
da Banda Ovelha Negra, conta com duas pessoas do seu
staff para cuidar de toda sua vida na internet, entre contas do
Youtube, Twitter e 4shared. No Facebook, a conta de Palas, em
2015, “estourou” o limite máximo de cinco mil amigos e passou
a funcionar como fanpage, contando com 1,4 mil assinantes.

A artista contemporiza, no entanto, o oba-oba em torno do


conceito de que a internet é um território livre. “Música pela
internet tem um lado chato, porque às vezes acontece de
descobrirem nossa página e bloquearem”, disse a vocalista,
referindo-se ao fato de que muitas bandas de brega fazem
“versões” de canções consagradas, alterando a letra e
traduzindo expressões, sem qualquer questão de direito autoral.

187
Quando são “descobertos” por gravadoras ou integrantes de
órgãos de arrecadação de direitos autorais, os artistas do brega
têm suas páginas “bloqueadas” – como se refere a cantora
Palas Pinho.

A prática de se apropriar deliberadamente de canções da


música pop passou a ser usada com mais cautela em função
da internet e da probabilidade de agentes e integrantes de
gravadoras e responsáveis por direitos autorais acionarem
empresários e artistas locais. No entanto, em 2014, o
compositor Marcibrom vendeu para a banda Sedutora a canção
“Bateu a Química”, versão para “Wrecking Ball”, hit da cantora
Miley Cyrus. A introdução da faixa – “Me olhou, te olhei/
Paquerou, paquerei/ Aí então, bateu a química” – era cantada
sobre uma “camada” de teclados que em muito se assemelhava
ao arranjo original cantado pela estrela pop Miley Cyrus.

No entanto, ainda na primeira estrofe, já entrava a guitarra típica


do brega local, com um arranjo de teclados também bastante
peculiar do gênero musical popular. “Estou sofrendo por amor”
foi a tradução/releitura para “I came it like a wrecking ball”
(“Eu fui como uma bola demolidora”, na canção pop há uma
metáfora entre bola demolidora e a violência de se apaixonar).
O padrão de canto do brega tenta se aproximar do virtuosismo
do canto das divas pop, encenando ideias como esforço,
entrega, paixão. O sucesso da banda Sedutora com faixas como
“Bateu a Química” e “No Dia do Seu Casamento” foi tamanho
que o grupo se separou e gerou uma outra banda, cujo nome foi
Bateu a Química.

O empresário de artistas de brega, Paulinho Alves, explica o

188
procedimento de versões de canções pop pelo brega. “Se está
dando certo, tem uma música muito estourada, a gente mexe
e usa”, diz, para reportagem do Diario de Pernambuco. A Bateu
a Química foi criada em 2014 após a saída da vocalista Tereza
Cristina da Sedutora e teve como um dos grandes sucessos,
a faixa “Nada Sou”, cantada por Tereza ao lado do vocalista
Ronny Verssalyesh. Trata-se de uma versão para o sucesso de
“Let it go”, da trilha sonora de Frozen, vencedora do Oscar de
Melhor Animação em 2014. “Distorções temáticas à parte, os
versos de dor de cotovelo para a comemoração de liberdade
da Rainha Elza reforçam uma tendência em alta no brega
recifense, desafiando as leis de direito autoral e conquistando
o público”, atesta a jornalista Luiza Maia, no texto do Diario de
Pernambuco.

Um dos “hitmakers” do brega recifense atende pelo nome de


Elvis Pires, responsável por “Não me Faça Chorar”, cantada pela
da banda Musa, com a melodia de “When I Was Your Man”,
faixa cantada por Bruno Mars, e “Eu Nunca te Traí”, gravada
pelo grupo A Favorita e inspirada em “We Can’t Stop”, também
de Miley Cyrus. “Quando uma música faz sucesso sem o povo
nem entender, imagino com uma letra boa, em português”,
defende. Elvis Pires foi compositor de vários grupos, como Loira
Marrenta, Boa Toda, Lapada, Vício Louco e Espartilho, e diz que
prefere não conhecer o enredo original da canção, nem traduzir,
para não se influenciar. O procedimento é o de construir uma
letra a partir da melodia.

O procedimento de ir para shows de bandas de forró para


também coletar material tanto para canções originais quanto

189
para versões é destacado por Rodrigo Mel, compositor de
mais de 700 canções populares, e um dos fundadores da
banda Kitara. “Louca”, faixa da mexicana Thalia, e “Mentes
tão Bem” do grupo Sin Bandeira são a contribuição do
brega com o cancioneiro latino. A dupla de MCs Meninos
da Net, formada por Felipe e Elton Santos, chamou o hit
de reggeatón “Gasolina”, de Daddy Yankee, de “Dá uma
Empinadinha” e “All About the Bass”, de Meghan Trainor, se
transformou em “Ela Desce”.

Blogue para bregueiros


Outra ferramenta bastante utilizada pelos artistas da
cena brega é o blogue, páginas que podem tanto ter perfil
informativo quanto de compartilhamento de dados. O mais
famoso é o “Blog dos Bregueiros” (www.blogdosbregueiros.
net), criado em 2012 pelo estudante Diego, também
conhecido como Don Diego. O que era passatempo passou
a ser fonte de renda. “As bandas procuram o blog para
anunciar e colocar as músicas para o pessoal baixar”, conta.
Para contratar o anúncio por dois meses, com direito a
banner personalizado para os links de download, o custo é
fixo. O “Blog dos Bregueiros” conta com áreas específicas
para áudio e vídeo. Tem também calendário com shows e
endereços de casas noturnas que fazem festas bregueiras.
É, desde 2013 até 2017, o ambiente virtual com maior apelo e
status dentro do meio do brega recifense.

190
Uma das formas de apelo para que o “Blog dos Bregueiros”
continue sendo acessado é a oferta de material exclusivo
de artistas ou em primeira mão. Material primário, leia-se:
arquivos de músicas para download retirados diretamente
dos estúdios onde as bandas de brega gravam suas
canções ou videoclipes que acabaram de ser postados no
Youtube (em muitos casos, a música é compartilhada em
sites mesmo sem imagem, o que reforça que o Youtube
não é um suporte apenas para imagem, mas também
aúdio). O “Blog dos Bregueiros” tem parceria com artistas
“estourados”, que dá direito a ter o acesso ao estúdio dos
grupos para disseminar MP3s recém-acabadas.

Outra questão que é ressignificada dentro da cultura do


brega é a noção de “pirataria”. Naturalmente, como não
integram a lógica das gravadoras, os artistas lucram com
shows. Portanto, a música tem menos o apelo de produto
e passa a ocupar um fluxo cujo fim é o show ao vivo.
“Piratear” shows, capturando o áudio da mesa de som
das apresentações, passou a ser uma prática comum no
universo da música brega do Recife.

Um dos principais “produtores” que captam esses áudios


responde pelo nome de Thiago Gravações, alcunha
do técnico de informática Thiago Matos, que registra
apresentações de MCs e bandas nacionais e locais,
desde palcos da periferia de Jabotação dos Guararapes
a megaeventos como o Olinda Beer. Thiago entra nos

191
backstages com o consentimento dos produtores dos
shows e, ele próprio, grava, edita e lança o áudio completo
do show em suas redes. Em contrapartida, fornece o
material a empresários para que eles veiculem em rádios ou
outros suportes.

Thiago Gravações comenta sobre as novas formas de


circulação e consumo de seus registros. “Antes eu vendia
CD virgem e, a partir de 2005, passei a gravar os shows. E
os ‘pirateiros’ copiavam os CDs que eu fazia e botavam no
Orkut. Isso estourou, então passei a colocar na internet.
Hoje as pessoas baixam”, conta ele, que também é produtor
de videoclipes de brega.

A internet, no entanto, funciona a partir de uma lógica de


agendamento com a televisão. José Leonel de Nascimento,
o MC Leozinho do Recife, diz que a rede mundial não
substituiu as mídias convencionais. “Você bota no
Facebook, cinco mil pessoas já acessam de uma vez, já
baixam, compartilham e vai virando febre”, diz Leozinho.
Segundo ele, sua música “Troca de Novinha” já teve mais de
400 mil downloads no 4shared, em 2013. Além de acessar
pessoalmente sua conta no Twitter, o MC possui seu próprio
site pago. “Também pago uma pessoa para cuidar do
meu WhatsApp, Facebook e Orkut. Tenho dois ‘Facebook’
lotados”, observa.

192
Vocação televisiva do brega
Se a música brega adentrou a cultura digital e,
fundamentalmente se espraiou por redes sociais,
compartilhamentos e downloads, é porque, em sua essência,
o gênero musical é popular e midiático. E foi na televisão
local, das emissoras do Recife, que o brega constituiu sua
mais evidente relação afetiva com os espectadores. A
música brega foi consagrada dentro de um gênero televisivo
que, desde a origem da televisão pernambucana, se faz
presente: o programa de auditório.

Se nas décadas de 1960 e 1970, o auditório de Fernando


Castelão no programa “Você Faz o Show”, na TV Jornal do
Commercio, contava com mulheres de longo e homens
até de smoking, no final dos anos 1990 e início do 2000,
foram as camadas populares que passaram a habitar
atrativos diários, como Muito Mais (TV Jornal), Tribuna
Show (TV Tribuna), Clube Show (TV Clube), Tarde Legal
(TVU). A retórica do programa de auditório parecia ideal
para a emergência das corporalidades e dos artistas do
brega. Como atesta Fernando Fontanella, “nos programas
de auditório, tenta-se reproduzir as apresentações ao vivo
das bandas, inclusive pelo recurso de se manter uma plateia
ativa” (FONTANELLA, 2007, p. 27).

A questão da faixa de horário dos programas, sempre


entre o final da manhã e o início da tarde, trazia à tona

193
duas questões: uma primeira, de ordem do fluxo das
grades de programação das emissoras de rede, que abria
“janelas locais” neste horário específico. Uma segunda,
quase consequência desta primeira, era uma audiência
marcadamente jovem, que, ou chegava da escola ou estava
de partida para o estudo no turno da tarde, o que provocou
um forte agenciamento etário e geracional entre os
consumidores de brega.

Foi a presença constante do brega na televisão local que fez


com que mais um canal de permissividade se instaurasse
nas dinâmicas do Recife. A presença praticamente diária
dos artistas do brega nos programas de TV parecia convocar
o olhar para aquele Outro que se apresentava no palco e
sobretudo turvar as certezas estéticas em torno do bom
gosto e do apelo afetivo por canções. A recorrência dos
artistas nos programas trazia à tona familiaridades, afetos
de inúmeras ordens, questionando os afastamentos por
classes sociais.

Os programas de auditório da TV pernambucana eram


verdadeiras arenas de disputa para ocupação das bandas –
em busca de minutos de fama e de retorno financeiro com
shows, divulgados por meio de letterings com o telefone do
produtor exposto na tela. Neste sentido, apresentadores
como Denny Oliveira, Flávio Barra, Beto Café, Pedro
Paulo, entre outros, para além de apenas serem os
protagonistas destes atrativos, eram também empresários

194
de artistas de brega e funcionavam como importantes
mediadores entre artistas e o público. A televisão, em
seu caráter essencialmente popular, marcou importante
processo de celebrização dentro do brega, funcionando
como engrenagem de fama e notoriedade para artistas,
empresários e artistas.

Importante destacar que o brega parecia atender a uma


característica do entretenimento da televisão popular, que
poderia remeter, inclusive a aspectos circenses e ligados
a uma cultura marcada pela oralidade e a dimensão
corporal. É por isso que postulamos que o brega funcionou
como importante artefato para consagração de um
gênero televisivo – o programa de auditório – dentro da
programação televisiva do Recife e Região Metropolitana.
Cantores e cantoras, dançarinos e dançarinas, eram
verdadeiros protagonistas dentro das narrativas dos
programas, reservando-lhes o status de condutores da
importância destes programas.

Parece oportuno, portanto, pensar que a música brega “deu


corpo” à televisão local – no sentido de encenar nos corpos
dos bregueiros (artistas e fãs) – uma série de possibilidades
performáticas, discursivas, estéticas e morais. O brega, nos
afirma Fontanella (2007), “é um espetáculo do corpo” e esta
afirmação não nos é

[...] estranha para aqueles familiarizados com os

195
programas de auditório das redes de televisão do
Nordeste do Brasil, com os shows das bandas de brega
ou com o comércio de CDs piratas nos camelôs. Todas
as suas formas culturais encontram-se diretamente
ligadas aos usos do corpo em um esforço comunicativo
para afirmá-lo como último valor naquilo que ele tem
de mais material (FONTANELLA, 2007, p. 56).

A dimensão corporal do brega parece levar, para a televisão


local, aquilo que Fontanella classifica como uma lógica
dionisíaca – com todas as implicações éticas e estéticas
presentes neste processo. De repente, ao chegar em casa de
uma manhã de afazeres ou de trabalho, somos interpelados
por corpos de homens e, sobretudo, mulheres das periferias
do Recife, artistas, trajando roupas com fendas, decotes,
sensualizando na forma de cantar e se deslocar. Uma dança
de corpos e sentidos que nos acionam pensar a erotização
de um espaço midiático e as formas com que, justamente
através desta erotização, temos a consagração do programa
de auditório como gênero televisivo hegemônico neste
contexto da televisão local. Esta sexualização vinha também
fortemente marcada pelo humor e pela diferença.

Dois aspectos do ponto de vista de organização de grade


televisiva parecem singulares na forma de reconhecimento
e engendramento do brega na cultura popular midiática do
recifense. Os programas de auditório como Muito Mais e
Tribuna Show, por exemplo, se localizavam, em geral, entre

196
atrativos de ordens bastante distintas nas organizações
de programação. Com poucas variações, era possível
fazer uma leitura sincrônica das grades de programação
para aproximar gêneros televisivos como “programas
de auditório” de dois outros: o programa de humor e o
programa policial. Por isso que a fruição dos atrativos
diários em que as bandas de brega se apresentavam
deve ser pensada também de forma relacional. Ou seja, o
agenciamento da cultura do brega no Recife veio atrelada
a uma premissa também humorística, em que destaca-se a
personagem Cinderela, com larga passagem pela TV Jornal,
em seus programas “Oxe Mainha” e “Papeiro da Cinderela”.

Criada pelo ator Jeison Wallace, através de uma peça de


teatro de extremo sucesso na década de 1990 no Recife,
Cinderela, A História que Sua Mãe Não Contou; a presença
de Cinderela na televisão parecia promover um certo
olhar humorístico para a subalternidade e para a periferia
local, na medida em que, a personagem, uma empregada
doméstica que utiliza gírias das comunidades do Recife, em
tom celebratório e jocoso, leve e irônico, ocupava espaço
junto aos programas de auditório nas manhãs/tardes das
emissoras. Cinderela mencionava bairros longínquos e
violentos do Recife fazendo menções – “Pêi! Pêi! Pêi! –
como se fossem tiros gerados nas comunidades, em tom
de alegria, numa insinuação em torno da convivência entre
violência, felicidade, alegria e medo.

197
Cinderela também compunha seu programa com artistas
da noite do Recife, notadamente da cena gay da cidade,
como a transformista Salário Mínimo, que na televisão, vivia
a personagem Chola, uma cadela meio atabalhoada que
não entendia bem as situações em que estava. Este diálogo
com diversas formas de subalternidade em uma premissa
humorística posiciona Cinderela como uma importante
mediadora – com todas as contradições e processos de
estereotipação possíveis – de uma cultura da periferia em
agenciamentos midiáticos, provocando refletir sobre lugares
possíveis do subalterno dentro de um quadro cultural mais
amplo de disputas simbólicas. Portanto, a música brega
presente nos programas de auditório era também fruída
sob a égide do humor, no continuum que a programação
televisiva provoca do ponto de vista de acionamentos
estéticos.

Não menos importante, para pensar outro agenciamento


da música brega pela televisão local, eram os programas
policiais, que exibiam um compilado dos crimes, delitos
e contravenções sob a premissa performática de homens
másculos e impositivos que gritam palavras de ordem
e de justiça em plena hora do almoço no Recife. A mais
importante figura deste gênero televisivo no contexto de
Pernambuco, Cardinot, oriundo do rádio e detentor de alto
carisma na televisão pernambucana, parece funcionar como
uma “voz justiceira” neste contexto. Havia, quase sempre

198
nas grades televisivas, uma triangulação temática – humor
– brega – policial – que compunha o quadro de fruição
daquele conjunto de práticas da espectatorialidade no
Recife.

Os atrativos de brega, portanto, eram fruídos, ao mesmo


tempo, sob a égide do riso e do medo, da proximidade e da
distância. O humor de Cinderela parecia fazer aproximar,
atar nossa espectatorialidade de uma subalternidade
(também) risível, ao mesmo tempo que pontuava o desejo
e a erotização com os corpos bregueiros, ao assistirmos
aos programas de auditório. Ao fim do dionisíaco que
havia entre rir e desejar, nos deparávamos com o terror das
periferias, as mortes, os crimes bárbaros. Na chave de toda
esta premissa, está o prazer. Prazer visual. Seja aquilo que
nos atrai ou aquilo que nos causa repulsa.

Pedofilia midiatizada pelo


brega: o Caso Denny Oliveira
Esta combinação de atrativos e dinâmicas, da centralidade
dos apresentadores de televisão, que eram verdadeiras
celebridades no contexto do início dos anos 2000, em
Pernambuco, sendo responsáveis não só por programas
de TV, mas também por agenciamentos de shows,
produtos e das “caravanas” (palavra que invoca inclusive

199
o apresentador Sílvio Santos, através das “caravanas”
do auditório), pode ser pensada sob a premissa das
ambiguidades e do embaralhamento entre poder e
contravenção. No ano de 2005, um escândalo envolvendo
o maior apresentador de televisão do brega local, Denny
Oliveira, colocou ainda mais tintas no debate em torno da
sexualização do gênero musical, das inclinações em torno
da erotização nas corporalidades presentes nos programas
de auditório, provocando um intenso debate sobre moral
dentro das organizações midiáticas.

O chamado “Caso Denny Oliveira”28 refere-se a uma série


de acusações de crimes contra a dignidade sexual movidas
pela Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente e
pelo Ministério Público de Pernambuco contra o radialista
Denny Oliveira e outros integrantes do programa de
auditório Muito Mais, da TV Jornal Recife. Denny Oliveira,
cujo verdadeiro nome é Denisson Oliveira Lima, era diretor
e apresentador do programa Muito Mais quando respondeu
pelas acusações de estupro contra uma adolescente, e
atentado violento ao pudor contra outras três jovens.

Na consulta do termo de declaração do Ministério Público


consta que durante a realização de um concurso para a
escolha de uma “nova” Kelly Key, o apresentador teria
ficado sozinho numa mesma sala e “apalpado nas pernas”
de uma jovem, configurando abuso sexual. Denny também
é mencionado por oferecer bebida alcoólica a adolescentes

200
com finalidades ambíguas.

Outros integrantes dos atrativos televisivos também foram


indiciados. O assistente de palco de Denny Oliveira, o
maestro Cristiano (Cristiano dos Santos Costa) foi acusado
de atentado violento ao pudor e estupro presumido a duas
jovens de 13 anos de idade durante o concurso da Banda
Calypso. Constam relatos também de que num concurso
para escolha de covers da banda RBD, sucesso da novela
Rebelde, exibida pelo SBT (o SBT era a “emissora de rede”
da TV Jornal), crianças do sexo masculino e feminino teriam
sofrido constrangimento também em forma de indícios de
abusos sexuais.

O Ministério Público moveu processos judiciais contra o


Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, onde era
transmitido o programa de televisão Muito Mais. A emissora
foi processada por permitir em seu recinto a entrada de
crianças e adolescentes desacompanhados dos pais ou
responsáveis legais, a partir dos 15 anos de idade, desde
que tivessem sido trazidos sob a responsabilidade de
Associação de Moradores ou da instituição de ensino, sem
a autorização judicial cabível na forma de alvará ou portaria.

O escândalo envolvendo Denny Oliveira, seu principal


assistente de palco, o Maestro Cristiano e a própria
instituição, a TV Jornal, pontuou um momento de
moralização em torno do brega e um debate sobre os

201
limites e permissividades na TV pernambucana. Como
no próprio ordenamento dos fluxos televisivos previstos
pelas emissoras de TV, os apresentadores de programa de
auditório tinham suas condutas questionadas, ao mesmo
tempo que apareciam nomeados não mais pela chave do
riso ou da sensualidade, mas no julgamento dos programas
policiais. O apresentador de televisão Denny Oliveira foi
condenado a 15 anos de prisão pelos crimes de estupro
contra duas meninas e atentado violento ao pudor contra
outras três.

A sentença, proferida no dia 16 de outubro de 2010,


pelo juiz José Renato Bizerra, atendeu a denúncia do
Ministério Público de Pernambuco (MPPE). De acordo com
documentos do MPPE, as promotoras de Justiça Cristiane de
Gusmão Medeiros e Cristiane Caetano da Silva com atuação
na Vara de Crimes Contra Criança e Adolescente, alegaram
a fragilidade da defesa que tentou desqualificar as vítimas e
vitimizar o réu, mostrando-o como se tivesse sido envolvido
em algum tipo de golpe. “Como se fosse crível aceitar que
um cidadão da faixa etária, condição social e evidência na
mídia, pudesse ter alguma justificativa para se envolver (ou
ser envolvido?) por crianças e adolescentes de nível social
inferior ao seu, sob a alegativa de que as vítimas pretendiam
aplicar-lhe algum golpe”, explicaram as promotoras no texto
do documento das alegações finais.

202
As promotoras de Justiça também chamaram atenção para
os depoimentos das vítimas e testemunhas, que seriam
uniformes, mesmo as vítimas não sendo conhecidas
ou amigas, frequentassem as residências ou qualquer
outro local, a não ser a participação em programas de
auditório comandados pelo apresentador. “A subversão
dos papéis de vítima e réu traduz jogo perverso que, no
afã de desqualificar as vítimas, termina por colocar em
maior evidência o perfil criminoso e repulsivo do réu que
não poupa criança e adolescente, para satisfazer a sua
lascívia”, mostraram as promotoras. Outro ponto do qual as
promotoras utilizaram para desfazer a tese da defesa, foi
o fato de que o apresentador comandava concursos entre
adolescentes, e que por isso, tinha a obrigação de saber a
faixa etária das concorrentes.

Desse modo, a argumentação de que Denny Oliveira


teria se confundido com a aparência de mulher de uma
das adolescentes é desacreditada. Além disso, todas as
testemunhas de defesa limitaram-se apenas a atestar
o alegado bom caráter do réu, sem dar nenhuma prova
concreta de sua inocência. O escândalo envolvendo Denny
Oliveira parece ter “fechado um ciclo” de relevância do
brega dentro dos sistemas televisivos e midiáticos. No
entanto, o gênero musical vai reaparecer midiaticamente
nos canais audiovisuais, notadamente o YouTube, quando
videoclipes de artistas brega ultrapassaram as dois milhões

203
de visualizações e instauraram novos processos de
celebrização agora pelas redes digitais.

“Jacaré que dorme vira


bolsa”: clipes bregueiros
Videoclipes são impulsionadores de hits dentro da cultura
musical do brega. Pode-se falar num conjunto de produtoras
de vídeo que dominam as gramáticas audiovisuais da
prática dos clipes e utilizam do YouTube como ambiente
de circulação destes produtos. Uma das estratégias mais
bem sucedidas de videoclipe como impulsionador de uma
canção brega se deu com a faixa “Mainha Painho”, da banda
Companhia da Lapada, lançada em 2012. Com imagem de
Jurandi Lapenda e edição de Naldinho Monteiro, ambos da
Idea Studio, e contando com produção de Kléber Lapada
e Leonardo Aguiar, “Mainha Painho” apresenta tanto
tematicamente quando esteticamente as diretrizes de um
relacionamento cujo marcador sexual se faz presente.

Repleta de palavrões e evocando uma certa espontaneidade


e coloquialidade na fala, a faixa cantada pelo trio Kléber
Lapada, Alice Laser e Duda Belo abre com a citação ao
nome da banda (uma prática entre grupos de brega e forró,
possivelmente como estratégia de definir sonoramente a
autoria na canção, sobretudo em função da alta volatilidade
de circulação e apropriação das músicas por outras bandas

204
e artistas) e, em tom incisivo, afirma: “eita, ‘caraio’ mas né
foda mesmo”.

A espontaneidade da fala transformando-se em canto aliada


ao ataque de teclados funciona como eficiente convocação
para a narrativa da canção. “Tava sarrando na escola com
meu novo amor/ Minha prima com inveja me cabuetou/ Sai
pra lá sua arrombada/ Vá se fuder/ Se mainha empacar, eu
dô-lhe em você”. O tom do canto de Alice Laser é de ameaça
e resignação. Há verbos, presentes da canção, que acionam
todo o coloquialismo presente na língua e no sotaque do
falar português em Pernambuco. “Sarrando” tem a ver com
um namoro mais acintoso, com intensa fricção de corpos,
potencial “aquecimento” para o sexo. Uma suposta prima
invejosa “cabueta”, ou seja, entrega o ato para a mãe da
personagem que canta a canção.

É com o xingamento “sai pra lá sua arrombada” e depois


“vá se fuder”, que a canção se projeta mais violentamente
para a adesão do público. Esta tensão causada pelo medo
em torno dos atos de um namoro sexualmente provocador e
acintoso impulsionam a personagem da canção a “assumir”
o ato sexual. “Mainha, painho, eu gosto dele/ Ele já me
comeu, eu vou morar com ele”. O desvelar da consumação
do ato sexual parece ser premissa para uma aceitação
familiar condicionada pela ideia de “casamento” ou de
“união” – cabendo aos personagens “remediarem” o ato
sexual acontecido com um suposto “eu vou morar com ele”

205
– parece que há uma determinação entre as duas situações.

“Mainha Painho” ganhou notoriedade, para além da


potência sonora e popular da canção, em função de seu
videoclipe. Gravado em locações bastante usuais em bairros
periféricos do Recife, “Mainha Painho” traz à tona a literal
problemática presente na canção, posta em cena com
os três integrantes da banda atuando. Alice Laser vive a
protagonista que reivindica o amor pelo suposto namorado
a partir de um ato sexual consumado. O que fica evidente
no videoclipe é um profundo engendramento da narrativa
do vídeo com a cultura audiovisual amadora impulsionada
pela presença dos aparelhos de celular com câmeras no
cotidiano dos sujeitos contemporâneos.

Tudo no clipe é simples, sem efeitos visuais, com atuações


marcadas por uma espécie de forma hegemônica de narrar
e atuar, supostamente reencenada em outros videoclipes,
telenovelas, seriados – apropriados em contextos bastante
distintos daqueles em que foram gerados. Pensa-se aqui o
videoclipe como um lugar que fornece subsídios imagéticos
e simbólicos para ritualizações do cotidiano, processos
de sublimação e artificialização de atos corpóreos, como
se a “vida fosse um videoclipe” (RAMONEDA, 1997, p. 7)
e a potência mimética dos clichês nos videoclipes como
importantes aparatos narrativos para a incorporação de um
senso performático atado a corpos midiáticos forjados pela
indústria da música e do entretenimento.

206
“Mainha Painho” parece também ter sido possível diante
da profusão de videoclipes e produtoras de clipes que
apareceram no mercado musical do Recife a partir de 2010,
sobretudo em bairros periféricos da cidade. Os vídeos
caseiros, os fanclipes, as práticas de registro do cotidiano
de forma midiática e musical soam ser eficientes pontos de
partida para se pensar a forte adesão de “Mainha Painho”
entre fruidores de música brega no Recife. Isto porque o
vídeo musical caseiro é um ambiente de reverberação e
compreensão de lógicas performáticas que emulam corpos
midiáticos e são, em si, materialidades do devir-habitar
daqueles artistas que se presentificam em atos, gestos,
olhares, mimetizando um estar midiático agora fortemente
proporcionado pela disseminação via internet e redes
sociais. Não à toa, “Mainha Painho”, o videoclipe, teve uma
série de sátiras, releituras, reapropriações.

No entanto, não deve se compreender a produção de


videoclipes de canções brega apenas sob a retranca de
uma suposta estética do vídeo amador. A produtora Pro
Rec, uma das pioneiras no mercado de vídeos para artistas
do brega em Pernambuco, até 2016, já teria produzido mais
de 400 videoclipes e também “uma centena de DVDs”,
desde o início das atividades, no ano de 2006, é um dos
exemplos de uma eficiente gestão de imagem para artistas
do universo brega.

207
Primeiramente, porque a então produtora de vídeos se
coloca como “gravadora” em seu perfil no Facebook.
Somente entre janeiro e julho de 2016, 22 videoclipes
tinham sido lançados sob a chancela. O termo “gravadora”
encena uma outra dinâmica no sistema de produção da
música. No contexto do brega recifense, é uma produtora
de vídeos que gerencia desde a gravação da faixa até
a divulgação desta canção em redes sociais. Quando
assume o lugar de “gravadora”, a Pro Rec se coloca no
lugar de produção dentro do sistema musical para além
do registro audiovisual. A parceria da Pro Rec com Thiago
Gravações e com o “Blog dos Bregueiros” triangula um
sistema produtivo em que agenciamento de carreira (Pro
Rec), registro de imagem (Thiago Gravações) e circulação de
conteúdos (“Blog dos Bregueiros”) pontua uma rearticulação
nas dinâmicas de produção e consumo de música entre
sujeitos das periferias e também em seus atravessamentos
geográficos.

Estamos pensando em outros sistemas de produção


musical, para além do tradicional, com agentes e produtores
que reencenam as lógicas midiáticas do consumo musical,
a partir de agentes que dominam a prática do fazer
audiovisual. Ao observar os videoclipes produzidos pela
Pro Rec e por inúmeras outras produtoras de vídeos para
artistas do brega percebe-se um profundo conhecimento
visual, de estéticas, maneirismos e gramáticas por criadores

208
e gestores de imagem destes locais. Reconfigura-se,
portanto, uma certa ideia de “saber” e conhecimento
engendrada pelo YouTube e pelos usos das redes sociais.

Estamos debatendo o que Henry Jenkins (2012) chama de


“letramento midiático”, ou seja, a letramento não apenas
a partir da escrita, do material impresso, mas, sobretudo, o
letramento através das mídias. Para o autor, as culturas se
constroem em torno de lutas sobre e pelo letramento, em
que, seria possível, se separar “nobres” e “bárbaros”. Ainda
segundo o autor, “historicamente, restrições ao letramento
advêm das tentativas de se controlar diversos segmentos
da população – algumas sociedades adotaram o letramento
universal, outras restringiram o letramento a classes sociais
específicas, além das restrições por questões de raça ou
sexo” (JENKINS, 2012, p. 237).

A leitura de Jenkins sobre a ideia de letramento aciona


disposições políticas, sobre quem tem o poder do saber
e das narrativas que se constroem, na medida em que
o letramento, num sentido amplo, nos inclina a refletir
sobre quem tem direito a participar de nossa cultura e sob
quais condições. Neste sentido, a disseminação de vídeos
tutoriais no YouTube, seja de culinária, dança ou música
parece acionar a perspectiva de inclusão de formas de
saber.

209
Pensar o YouTube como ambiência na qual agentes aprendem,
compartilham, reencenam e se apropriam de conteúdos globais,
é uma questão pertinente nas cenas musicais periféricas
mundiais. Como já expôs Simone Pereira de Sá (2014), a dança
do passinho, no contexto do funk carioca, incorpora uma série
de movimentos corporais de danças das mais diversas partes
do mundo, em função da espectatorialidade proporcionada pelo
YouTube. Cenas musicais no contexto do Caribe (reggeatón,
dembow), da África (kuduro) e na América Latina (funk, cumbia)
parecem operar de forma bastante semelhante ao recorrer ao
YouTube como forma de engendramento de zonas de contato
com o pop transnacional e também com um retorno para
expressões idiossincráticas dos contextos em que emergem.

Reencenações do pop
em videoclipes
Ao falar sobre processos de enculturação, Jesús Martín-
Barbero (2003) coloca uma questão anterior a esta mencionada
por Jenkins (de exclusão dos não-letrados e da aparição de
outras formas de letramento) sob a perspectiva marxista.
“A ideia de cultura vai permitir à burguesia cindir a história
e as práticas sociais – moderno/atrasado, nobre/vulgar”
(MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 146). Numa leitura de Hobsbawn
esmiuçando ainda mais a luta de classes, Martín-Barbero
questiona a razão instrumental e excludente que há em negar
matrizes culturais não dominantes.

A partir de então, questões como “beleza”, “feiura”,


“estranhamento” são acionadas como formas de afastamento

210
de expressões culturais de um certo cânone. Em seu Exercícios
do Ver (2001), Martín-Barbero é ainda mais incisivo em pensar
estéticas hegemônicas no campo do audiovisual e o caráter
elitista e excludente que constroem certas ideias em torno da
fuga da norma.

Confundindo iletrado com inculto, as elites ilustradas, desde


o século XVIII, ao tempo que afirmavam o povo na política, o
negavam na cultura, fazendo da incultura o traço intrínseco
que configurava a identidade dos setores populares e o
insulto com que tapavam sua interessada incapacidade de
aceitar que, nesses setores, pudesse haver experiências e
matrizes de outra cultura (MARTÍN-BARBERO, 2001, p. 24) .

É, portanto, na luta por se fazer e se posicionar perto do cânone


da cultura do audiovisual, notadamente, a do videoclipe pop
e transnacional, que produtoras como o Pro Rec elaboram
vídeos em que reencenam clichês presentes em clipes
hegemônicos da cultura pop. No ano de 2012, a produtora
Jozart Produções alardeou nas redes sociais e na mídia
pernambucana que estaria realizando “o primeiro videoclipe
do brega com helicópteros”, para a banda Lapada. O vídeo em
questão, “Mulher de um Homem Só”, foi gravado no Rio de
Janeiro, com locações no Pão de Açúcar, no Corcovado e na
praia de Copacabana e temos, de fato, a vocalista da banda
Lapada, Mary Campbell, tomando um helicóptero no Pão de
Açúcar, famoso ponto turístico carioca, e indo até a praia de
Copacabana, lamentar que é “mulher de um homem só”.

A cantora caminha pela Avenida Atlântica, para em frente ao


hotel Copacabana Palace e segue seu martírio de lamento,

211
porém, com glamour. A ideia de glamour estaria na chave de
compreensão das disputas estéticas que parecem permear o
universo da música brega. Na negação ao princípio de “boa
música”, de ideias em torno da qualidade, o brega tenta emular
estéticas hegemônicas e consagradas midiaticamente como
tentativa de legitimação e reconfiguração de seu lugar nas
práticas culturais. Colocar um helicóptero num videoclipe
significa negociar de alguma forma com o padrão de clipes
internacionais, de artistas da música pop, em que sofrimento e
glamour operam em lógicas de proximidade.

“Mulher de um Homem Só” estabeleceria, portanto, dinâmicas


de proximidade com o clipe “Love Don’t Cost a Thing”, da
cantora Jennifer Lopez, na medida em que trata de uma poética
da autoconsciência em contextos de opressão feminina
diante do casamento. Percebemos também um conjunto de
disposições conservadoras no clipe “Mulher de um Homem
Só”: a personagem de Mary Campbell reivindica que quer provar
para o seu cônjuge que é de “um único homem”.

Possivelmente se afastando de um conjunto de acusações de


que a música brega é sexualizada e que incita, por exemplo, a
pedofilia (a partir da larga disseminação do termo “novinha”),
é possível postular que, dentro das disputas simbólicas
entre artistas de brega, também aparecem disposições
diametralmente opostas àquelas expostas, por exemplo, pelos
MCs e bregueiros populares. “Mulher de um Homem Só”,
portanto, tenta “resgatar a moral” do brega, sobretudo, como
música romântica e popular.

212
Se reconhecemos que a sexualização do discurso de grande
parte das canções do brega opera nas dinâmicas de disputas
entre homens e mulheres em contextos de festa e que, portanto,
o acionamento temporário, efêmero e precário da performance
da piriguete e do cafuçu parecem ser insurgências contextuais,
é possível reconhecermos que neste jogo performático
desenvolve-se também em torno de performatividades de
papéis bastante canônicos nas lógicas sociais. A mulher casada
e recatada aparece no brega sob a alcunha de uma Mary
Campbell que vai até uma igreja ao final do clipe “Mulher de
um Homem Só” endossar o seu amor e se colocar num outro
lugar que não aquele tradicionalmente disposto para a mulher
na música brega. O mesmo MC Sheldon que aparece como
“pegador” e hiperssexualidado em clipes como “Fio Dental”
e “Estilo Panicat”, também sofre por amor e encena as dores
do amor perdido em “O Que Deus Uniu Ninguém Separa”,
videoclipe produzido pela Pro Rec, que conta com câmera em
drone e fogo cênico nos trilhos de uma rua de paralelepípedo
do Recife Antigo para situar a dor do cantor diante da quebra de
um laço amoroso.

O clipe de “O Que Deus Uniu Ninguém Separa” também


apresenta legendagem, o que, pode nos impelir a pensar que
trata-se da busca pela evidência da letra da canção – numa
suposta problematização em torno do argumento de que
clipes de músicas do brega são centrados no corpo e na
dança. Estamos diante de fenômenos estéticos complexos
e contraditórios, que acionam efemeridades, formas de
engajamento que apontam para o global, mas também para
o local, num conjunto de disputas que encenam ideias de

213
modernidade e cosmopolitismo.

Tentamos aqui radiografar as apropriações da tecnologia pelos


artistas e fruidores da cena brega do Recife. Neste sentido,
observa-se o telefone celular como um dispositivo de status
e poder dentro deste contexto, no entanto, reconfigurando
um forte apelo de consagração pelas marcas (no caso mais
específico Apple e Samsung) e se direcionando para a noção
de usabilidade (os celulares “preferidos” são aqueles não de
marcas famosas, mas sim os chamados informalmente de
“xing-ling”, mas que conseguem dispor de vários chips). Artistas
de brega passam a gerar noções distintivas a partir também
de seus aparelhos: o ato de ser piriguete, na noite, ganha um
escopo de poder quando a cantora Michelle Melo aparece
exibindo seu Iphone; os cafuçus usam da noção de “clube” da
operadora de telefonia Nextel para se referir a orgias e noitadas
em “espelhados” (motéis).

O circuito da internet aponta para uma espécie de “orkutização”


dos ambientes em que os artistas do brega transitam. Se
outrora, o MySpace funcionava como plataforma legitimada de
artistas do rock e do pop, no caso do brega, todos convergem
para o Palco MP3 e também para o 4Shared. O YouTube passa a
ser, fundamentalmente, usado como rádio e para a exibição de
clipes e trechos ao vivo de shows. Gravações de áudio de shows
funcionam como “material exclusivo” a ser disponibilizado em
blogues e gerar um mercado à parte de consumo que envolve a
subversão da ideia clássica de pirataria e de “burlar” um sistema
que lucra sobre a canção e as performatizações. A perspectiva
aqui é a de reconhecer um lugar de ressignificação dos aportes

214
da tecnologia em contextos periféricos e também apontar para
usos e sintomas de valor e poder que estão imbuídos destas
lógicas.

215
216
217
capítulo
A Funkização
do Brega
Manhã de 13 de dezembro de 2013. A apresentadora
Fátima Bernardes, no seu programa Encontro, na Rede
Globo de Televisão, apresenta um dos temas que será
debatido naquele dia. “Vocês vão conhecer um fenômeno
no Nordeste chamado Brega Funk. A galera domina tudo,
desde a produção dos CDs e DVDs até os shows”, anuncia.
Em seguida, tem-se a imagem do MC Sheldon, num de seus
espetáculos, cantando “Tá Lelé, Tá Maluco”. Reyson Santos,
o ator que interpreta a drag queen Jurema Fox (também
cantora de brega), define: “você pega a batida do funk e
coloca toda aquela pegada do brega e dá esta mistura
eletrizante que todo mundo curte”. Reyson explica que a sua
drag queen Jurema Fox ficou famosa no contexto da música
brega funk a partir de um videoclipe que gravou com a
cantora Michelle Melo, “Amiga Fura Olho”, em que faz uma
homenagem às disputas de divas da música pop, no melhor
estilo “The Boy is Mine”, de Brandy e Monica.

A cantora Michelle Melo também integra o programa e


atesta que, para ela, é um prazer ser “referência” para
artistas do brega funk (no entanto, quando da aparição
dos primeiros artistas do gênero, nos idos de 2005, havia
muitas contradições entre os artistas de “bandas” de brega,
que se diziam “românticos” e “MCs”, que eram taxados
de “sexualizados”). No programa da Rede Globo, somos
apresentados ao sistema de divulgação dos artistas
do brega funk, através das carrocinhas de CDs e DVDs

221
pirateados e, posteriormente, ida para o YouTube ou para os
blogues e redes sociais, para conhecer as canções, os clipes
e compartilhar as faixas. “A gente é tudo amigo da galera
que tem os carrinhos de CDs e DVDs”, endossa Sheldon.
Para logo em seguida, ele ser mostrado distribuindo seus
CDs e DVDs para serem vendidos, exibidos, num carrinho
que circula pelo bairro de Boa Viagem – a principal praia
da capital de Pernambuco. Ainda segundo Sheldon, o
videoclipe é uma peça-chave no universo do brega funk.

“A gente lança tudo junto, a música e o videoclipe, não


dá para separar”, explica. Michelle Melo complementa:
“Eu fiz uma música sobre traição [Se Me Trair, Eu vou Trair
Também] e pensei: quem pode cantar comigo? Sheldon! Daí
pensamos o roteiro do clipe juntos”, observa. Joelma Fox
atesta: “O brega funk está conquistando as elites e esta
conquista é porque é uma música que fala de nós, da nossa
realidade”. Ao final da reportagem, tem-se Michelle Melo,
Sheldon e Jurema Fox, os três, cercados de pessoas na praia
de Boa Viagem.

Corta para o estúdio. Fátima Bernardes pergunta: “E aí,


Naldo? Conhece o movimento brega funk?”. Naldo é o
cantor Naldo Benny, um dos expoentes do funk carioca
próximo da música pop, no qual figuras como Anitta e
Ludmilla também fazem parte. Naldo cita semelhanças
entre o alcance do brega funk de Pernambuco e a sua
música “Amor de Chocolate” na internet, dando números

222
de milhões de visualizações que o aproxima dos clipes dos
artistas do brega. No estúdio, Fátima Bernardes tem como
convidada a produtora e DJ Allana Marques, da produtora
Golarrolê, que produz o Brega Naite, festa em que se toca
especificamente o brega. Allana, olhando para Naldo,
endossa: “é uma festa que toca muito brega mas também
muito funk, muito pancadão”. Naldo sorri. Enquanto Allana
Marques tece seus comentários, na tela aparece o twitter de
um espectador que diz: “Eu amo Brega e misturado com o
Funk fica melhor ainda ADORO #encontro”.

Na mesma época em que Fátima Bernardes “agendou” o


brega funk em seu programa, o gênero musical foi também
debatido no dominical Fantástico. Sob a alcunha do “veja
as variações do funk” que estão levando o ritmo carioca
para as outras partes do Brasil; a reportagem do Fantástico
apresenta o “Eletro Funk”, que seria oriundo do Paraná, e o
“Brega Funk”, de Pernambuco. Ambos, segundo o texto da
reportagem, “têm origem no funk carioca”. “No Brega Funk,
as gravações são feitas em estúdios caseiros e todo mundo
em casa ajuda a embalar os CDs”, diz a narração da repórter
Malu Mazza, enquanto são apresentados Sheldon e Boco,
que seriam dois “fenômenos” do Brega Funk.

A passagem da repórter se dá diante de um conjunto de


carros com enormes caixas de som enquanto mulheres se
exibem dançando sobre as tais caixas. “O barulho dessas
caixas pode ser ensurdecedor, mas ninguém liga pra isso,

223
todos querem se divertir”, afirma a repórter. Em seguida, vemos
a estética do som automotivo: carros com enormes caixas de
som que se reúnem numa espécie de “rave” de Eletro Funk,
em Marechal Rondon, a cerca de 650 quilômetros de distância
de Curitiba, capital do Paraná, cujas principais estrelas são MC
Mayara e DZ MC.

Quando vai enumerar as semelhanças entre Eletro Funk e Funk


carioca, a repórter pergunta para a artista DZ MC, que logo
explica: “o funk carioca tem muito palavrão, denigre a imagem
da mulher, aqui no Eletro Funk não, o máximo que você vê é
duplo sentido”. O empresário Alexandre Alves, que integra a
cena de Eletro Funk, reconhece: “fazemos clipes mas tem que
ser tosco mesmo, se for muito arrumadinho não tem graça”. A
ostentação também é pauta da reportagem. “É uísque, é mulher,
é roupa de marca”, enumera MC Metal, dupla com MC Cego, do
Brega Funk.

Esta descrição sobre dois programas importantes da Rede


Globo e o agendamento do Brega Funk em suas pautas é o
ponto de partida para pensarmos as controvérsias existentes
em torno do que se pode chamar de “funkização do brega”, ou
o momento em que artistas do brega do Recife passam a se
aproximar esteticamente das matrizes do funk carioca como
nova dinâmica dentro do gênero musical. Neste sentido, é
oportuno pensar nas dinâmicas dos gêneros musicais como
formas também de contaminação, resíduos culturais, sonoros
e imagéticos das músicas populares e periféricas. Portanto,
tomamos aqui a aproximação do brega ao funk a partir de um
conjunto de pressupostos:

224
1. Diante de um quadro de saturação de uma forma estética
hegemônica, como aquela centrada no brega romântico, no
qual grupos de artistas como Banda Metade, Brega.com, Só
Brega, entre outros, passam a esgotar tematicamente as
possibilidades musicais. Aliado a esse princípio, destaque
para o barateamento que as estruturas dos MCs e do
funk trazem. Se os grupos de brega romântico precisam
de banda, com muitos músicos, baixistas, guitarristas,
bateristas, tecladistas, backing vocals etc, no Brega Funk, a
produção, muitas vezes, é feita apenas através da figura do
produtor, que num programa de mixagem de som baixado
na internet, escolhe as batidas, grava a voz do cantor e
entrega a canção em forma de arquivo para seu “cliente”.
Este barateamento no sistema produtivo de gravação se
reverte num menor custo para shows. Bandas de brega
famosas cobravam, em 2013, em média de R$ 5 mil a R$
10 mil por um show; com a chegada dos “concorrentes”
MCs, este valor teve que cair. MCs do Brega, como Sheldon,
Boco, Elloco, Leozinho, Shevcenko, entre outros, no início
de carreira, cobravam entre R$ 1 mil e R$ 3 mil por uma
apresentação de uma hora.
2. Da necessidade de agenciamento do brega sob a alcunha
de uma música “brasileira” e não apenas pernambucana.
Neste sentido cabe pensar nos processos de tentativa
de corroborar com aquilo que Motti Regev chama de
“cosmopolitismo estético”, ou seja, um conjunto de
processos que envolvem teorizações sobre globalização
cultural e formas de entrada e saída do que se considera ser
moderno. “Hibridismo, creolização, complexidade, mistura,

225
fusão e desterritorialização são conceitos-chaves para
entender as aproximações e distanciamentos que encenam
fluxos culturais multidirecionais e globais” (REGEV, 2013, p.
7). À vista disso, quando pensamos nas inúmeras conexões
possíveis entre o brega e a música pop global, anglófila,
seja a partir das versões das canções cantadas pelos
artistas locais, seja pela corporalidade presente nestes
artistas (o gangsta rap que está presente na primeira fase
do MC Sheldon, quando ele ainda se apresentava como
“contraventor” e “bad boy”; ou a diva pop que habita o
corpo de Michelle Melo, entre inúmeras outras cantoras),
precisamos mostrar fluxos também difusos que envolvem
não só o brega em conexão com o pop global, mas também
o brega com os gêneros populares e periféricos do contexto
brasileiro, neste caso, o funk, prioritariamente, e a música
sertaneja.

A forma tradicional e moderna de perceber o mundo como


composta por distintos e unidades culturais separadas (por
exemplo, o nacional, o étnico, o local) passa a ser recolocada
diante do reconhecimento de que a cultura mundial é
composta por inúmeras sub-unidades que interagem
entre elas de uma forma complexa (REGEV, 2013, p. 7).

Aquilo que outrora era reivindicação de singularidade cultural


passa a ser colocado sob o espectro da abertura para novos
mercados, novas estéticas, apontando para o deslocamento do
que poderíamos chamar de um “nacionalismo metodológico”
para um “cosmopolitismo metodológico”. Neste sentido, cabe
pensar o funk sob a alcunha da hegemonia da música popular
periférica brasileira e das zonas de contato e tensão entre o

226
funk e seus rearranjos em outros contextos fora do Rio de
Janeiro.

Posicionar o funk historicamente como a música popular


periférica hegemônica brasileira na mesma medida em que
debater que implicações existem nesta hegemonia parecem
fazer parte de um conjunto de questionamentos. Cabe retomar
o percurso que Simone Sá (2007) desenvolveu ao propor
pensar o funk como música eletrônica popular brasileira.

Aposto na possibilidade de inserir o funk dentro da


diversidade de entonações da(s) cena(s) de música eletrônica
no Brasil. Ciente do quê de provocação da afirmação, busco
alinhavar alguns argumentos que justificam pensar o funk
como expressão de uma possível linhagem de música
eletrônica popular brasileira (PEREIRA DE SÁ, 2007, p. 4).

Diante do quadro que se desenha desde 2010, quando os


artistas do funk carioca se cristalizam como músicos de um
tipo de “pop brasileiro” (de Claudinho e Buchecha, passando
por Perlla, Naldo Benny, Anitta e Ludmilla), pode-se pensar o
funk também como uma das matrizes da própria música pop
brasileira, operando sob a esfera de comparação, negociação,
destacamento.

As aproximações em torno dos gêneros musicais envolve,


então, um debate como posto por Jeder Janotti (2003) de que
os gêneros musicais supõem:

1. Regras econômicas: envolvem as relações de consumo (e os


endereçamentos presentes neste circuito) nos processos de
produção, difusão e audição do produto musical;

227
2. Regras semióticas: abarcam as estratégias de produção
de sentido e as expressões comunicacionais do texto
musical, além da conformação de valores ligados ao que é
considerado autêntico em detrimento da música “cooptada”,
ao modo como as expressões musicais se referem às outras
músicas e como diferentes gêneros trabalham questões
ligadas aos modos de enunciação, às temáticas e às letras;
3. Regras técnicas e formais: como convenções de execução,
habilidades que cada gênero pressupõe dos músicos,
quais instrumentos são necessários ou tolerados, ritmos,
alturas sonoras nas relações entre voz e instrumentos, entre
palavra e música. Estas regras funcionam como importantes
aparatos para pensar as dimensões estratégicas, estéticas
e musicais que aproximam o brega ao funk, como forma
de reconhecimento de um reposicionamento no mercado
musical.

A “abertura”
do brega ao funk
Que implicações há em pensar em como um gênero musical “se
abre” para outros? Motti Regev desenvolve a ideia de “abertura”
como guia para reflexão em torno dos fluxos culturais e,
portanto, estéticos do que significa “se abrir”. Para o autor,
abertura consiste não somente no fluxo direto de bens culturais
“importados”, inclui também a explícita absorção, indigenização,
domesticação de elementos estilísticos exógenos, práticas
criativas, técnicas de expressão e outros componentes na
produção do local, étnico e cultural. A abertura de um gênero

228
musical a outro é uma dinâmica que envolve a própria lógica
dos gêneros musicais, da incorporação, das disputas estéticas e
mercadológicas da música popular massiva em suas premissas
de produção e consumo. Para Regev, a noção de abertura é uma
das chaves de entendimento de um processo mais amplo que o
autor chama de “cosmopolitismo estético”, ou seja:

[...] a institucionalização de certas formas de arte ou de


certas tecnologias de expressão como significantes de uma
modernidade universal, como manifestação de uma maneira
de criação, expressão e reivindicação de singularidades
culturais na modernidade tardia (REGEV, 2013, p. 9).

Na lógica do próprio mercado musical do Recife, uma primeira


dinâmica de abertura do brega em direção ao funk parece ser
a busca por um mercado ainda mais jovem. Parecia haver uma
jovialidade, humor e irreverência na performance dos funkeiros
que passa a ser incorporada pelo brega. A banda Vício Louco,
com o vocalista Dedesso, é uma das que primeiro negocia mais
deliberadamente com o funk. Seja na própria corporalidade de
Dedesso, no cabelo pintado, descolorido, nas roupas largas ou
na poética de faixas como “Pica-pau Maluco”; havia também
um certo canto falado, que possivelmente o posicionava como
partitura de aproximações com a estética do funk carioca.

Com a aparição dos MCs, ou mestres de cerimônia, papel


largamente difundido nos bailes funk cariocas, no contexto do
brega, emerge a figura do cantor que rege a multidão, conversa
nos shows, “tira onda”. MCs Sheldon (que depois retirou o
“MC” e passou a se chamar Sheldon Férrer) e Boco, MCs
Metal e Cego, MC Elloco, MC Leozinho, entre inúmeros outros,

229
passaram a ocupar os espaços dos programas de televisão, não
sem causar tensão entre os artistas já longamente famosos no
contexto do brega.

Embora artistas não se pronunciassem fazendo acusações em


torno das origens e os percursos que muitas vezes passavam
pelas delegacias de polícia e pela contravenção; empresários
e produtores de festas e eventos no Recife frequentemente
faziam distinção entre artistas do brega romântico e do
Brega Funk. Nos bastidores do mercado de eventos, os MCs
eram chamados de “trombadinhas”, que só falavam de sexo,
mulheres e bebedeira. Bandas de brega hegemônicas no
mercado “perdiam” shows para os MCs – cuja estrutura de
espetáculo muito mais enxuta proporcionava retorno financeiro
para empresários e contratantes.

Essa tensão fez com que a abertura do brega ao funk viesse


incorporando uma série de estigmas e preconceitos peculiares
ao gênero musical. Assim, observou-se que a aparição dos MCs
no contexto do brega recifense trouxe à tona controvérsias
que eram de ordens mercadológicas (disputas de mercado),
estéticas (a virilidade masculina, “bad boy”) e sonoras (as
batidas do funk em diálogo com os teclados e as guitarras
do brega), mas também uma necessidade de oxigenação da
cena brega com “novidades” e “modernidades” que podem
estabelecer parâmetros de circularidade para além do contexto
recifense.

Um dos momentos de acomodação da tensão da presença


do funk no brega se deu com o encontro de duas das maiores
bandas de brega do Recife, Musa do Calypso e Kitara, no ano de

230
2012, na ocasião da gravação do DVD da Musa. A faixa “Loira
ou Morena” traz uma disputa entre mulheres no melhor estilo
“eu sou melhor que você” no tocante à loirice ou à morenice.
A canção tem início com uma forte batida funkeada, enquanto
Carlinha, vocalista da Kitara, entra em cena junto a um conjunto
de dançarinas que se movimentam como numa coreografia de
funk carioca – inclusive na caracterização de roupa, com calça
“da Gang”, rebaixada. Trata-se de um momento em que uma
grande banda de brega, com direito a vocalistas, dançarinas,
amplo conjunto de músicos, incorpora aquilo que era “jocoso” e
excessivamente sexualizado quando da aparição desta estética
junto aos MCs.

Ostentar ou não,
eis a questão
Dia 2 de outubro de 2012. Programa de televisão Ronda Geral,
apresentado pelo jornalista Eduardo Moura. O horário do
final da manhã e o início da tarde é ocupado por inúmeros
programas policiais nas emissoras de TV do Recife e Região
Metropolitana. Na abertura do atrativo, Eduardo Moura é
incisivo: “Pela segunda vez, o cantor MC Sheldon passa a ser
notícia nas páginas policiais. Ele e um amigo foram levados
para uma delegacia depois que PMs sentiram cheiro de
maconha no carro em que eles estavam”. O apresentador
reforça: “é a segunda vez que as palavras Sheldon e maconha
são apresentadas juntas”. O tom da reportagem é o de
demarcação criminal. Há uma música de suspense ao fundo
enquanto assistimos a uma mulher loira chegando na delegacia

231
e encobrindo o rosto de um homem – que deduzimos ser
MC Sheldon, uma vez que o repórter Matheus Sukar explica
que o cantor não quis dar entrevistas. Sabemos, através da
reportagem, que junto com MC Sheldon e seu amigo havia uma
arma e um “galho” de maconha.

As polêmicas em torno do MC Sheldon foram recorrentes no


ano de 2012, quando o cantor foi duas vezes detido e abordado
por porte de drogas. Se pensarmos nas trajetórias performáticas
de reencenação das corporalidades, cantores de rap nos
Estados Unidos, de funk no Rio de Janeiro e de brega no Recife,
parecem apresentar “restaurações performáticas”, ou seja, a
reiteração de ações que os colocam dentro de um espaço um
tanto quando previsível de lugar no contexto de um mercado.
A passagem de MC Sheldon pelas “páginas policiais” ocorre
diante de um quadro mais amplo de posicionamento que
também pode ser pensado como princípio de destacamento
e autenticidade – embora a ideia de autenticidade aqui seja
eticamente problemática. No entanto, performatizar a imagem
do “bad boy” cria aura de destacamento e singularidade para
MC Sheldon no contexto do brega funk do Recife.

MC Sheldon vai também encontrar uma série de artistas com


os quais precisa negociar e disputar por espaço e mercado. Um
desses é o MC Vertinho, que se autointitula como “o primeiro
MC a ultrapassar a marca do um milhão de acessos em clipe
divulgado no Youtube (‘Mulher do Patrão’, em parceria com MC
Dinho, em 2016 com mais de dois milhões de visualizações)”. O
MC Vertinho é a alcunha de Everton da Silva Lima e entre seus
principais hits estão “Som Paredão” (999 mil visualizações) e

232
“Caidinha das Novinhas” (331 mil visualizações). Assim como
MC Sheldon, Vertinho também teve passagem pela polícia. Foi
detido em 2015, acusado de estupro de vulnerável (caso que
veio a público via um vídeo postado na internet que mostrava
performance erótica do artista, durante show no Recife, com
pré-adolescente de 12 anos). Tanto MC Sheldon quanto Vertinho
foram publicamente pedir desculpas.

Sheldon chegou, inclusive, a mencionar procurar uma clínica


de reabilitação contra as drogas – também reencenando uma
narrativa bastante hegemônica de astros da música ou do
cinema de Hollywood que se “regeneram” após passagens
por clínicas de reabilitação das drogas. MC Vertinho, em
entrevista ao Diario de Pernambuco29, justificou que passaria
a produzir brega funk com “letras mais conscientes”, aderindo
à estética da ostentação. “Corrente de ouro, camisa Dudalina
de botão, estilo New York. Isso dá reconhecimento, ajuda a
Zona Sul a nos respeitar”, diz o cantor à reportagem. É curiosa a
justificativa de “respeito” vir atrelada a roupa, visual e portanto,
ostentação.

Ou seja, da natureza “contraventora” de acusação de estupro,


é possível buscar “respeito” indo em direção a um visual
composto por marcas famosas. Vertinho situa também certo
ressentimento em relação a ser aceito pelas elites do Recife.
Ele vende letras para artistas como Wesley Safadão e Gabriel
Diniz. “São minhas letras que tocam lá [nas casas de festa da
Zona Sul], mas eles não querem dizer que também vêm aqui
[na periferia] me ouvir”, atesta em entrevista para a jornalista
Larissa Lins.

233
Embora repleto de problemas de ordem ética e moral, cabe
tentarmos entender os lugares em que as questões da vida dos
sujeitos periféricos estão fazendo sentido e entram em conflito
com outros. As categorias de contradição e conflito são o
núcleo da maneira de entendimento do mundo que passa pelo
reconhecimento de hegemonias e contra-hegemonias, iguais
e diferentes. É importante não somente mapear a contradição,
mas também perceber a sua dinâmica, suas utopias de
mudança e justiça, reordenamento das visões de mundo.
Ecoando uma questão de Canclini: “sob que condições (reais)
o real pode deixar de ser a repetição da desigualdade e da
discriminação, para converter-se em palco de reconhecimento
dos outros?” (CANCLINI, 2005, p. 24).

A questão da ostentação, portanto, num primeiro momento


passa a ser uma espécie de necessidade temática para sair da
dicotomia em torno da contravenção e da sexualização. Os MCs
negociam com a estética da ostentação, que também opera
sob a abertura a gêneros musicais racializados e periféricos.
Cantores de hip-hop negros ostentando carrões, mulheres e
mansões passam a permear também o universo do cancioneiro
das periferias do mundo. MC Vertinho traz clipes extravagantes,
com carros importados e roupas de grife, relógio de pulso e as
correntes de ouro.

O cantor evidencia que quanto mais ostenta, mais tem


retorno de shows e de respeito. Os MCs Elloco e Shevchenko
também adotam o “estilo” da ostentação. Reverenciam o
funk ao fazerem coreografias que são chamadas por eles de
“passinhos”, numa menção às “batalhas de passinhos” do

234
funk carioca nas quais saíram figuras do pop brasileiro como
Ludmilla. Juntos, Elloco e Shevchenko criaram marca de roupas
e acessórios própria, a 24 por 48, que ambos definem, em
reportagem no Diario de Pernambuco, como “uma mistura de
ostentação e estilo de jogador”.

Um dos movimentos de atenuação e fuga do discurso em


torno da contravenção e do crime passa pela domesticação
das estéticas, termo utilizado por Motti Regev, para falar dos
processos de incorporação de linguagens que visam “abrir”
e atenuar os feixes discursivos “problemáticos” de alguns
gêneros musicais. Uma das grandes celeumas dos MCs no
contexto do brega diz respeito à disseminação do termo
“novinha”, que já discutimos anteriormente nas dinâmicas
performáticas. No entanto, o largo uso do termo integra uma
problemática ética em torno da sexualização infantil e incitação
a pedofilia.

O MC Cego, um dos disseminadores do termo no contexto


pernambucano, junto ao MC Metal, diz que evita o termo
“novinha” – popularizado em parceria com MC Metal em
2011, com o hit “Tá querendo o que?” (mais de um milhão
de visualizações no YouTube). As estratégias passam por
“romancear” as letras. Os MCs Metal e Cego comandam a
produtora própria, chamada “Tudo Nosso”, e agenciam novos
talentos do brega e funk locais. Novos artistas, inclusive da
produtora dos MCs, seguem deliberadamente usando o termo
“novinha” em suas músicas. Um dos maiores sucessos da
produtora, a faixa “Que Brabinha Boy”, lançado em 2015, traz os
MCs Danilo Cometa, Léo da Lagoa e Matheus numa narrativa

235
em torno de uma suposta orgia em que o namorado da
personagem liga para ela enquanto todos eles estão no motel.
Para afrontar, o personagem da canção diz que manda a própria
voz no “zap” (WhatsApp) em resposta para o namorado traído.
No início do clipe, é uma menina negra quem canta o “que
brabinha boy”, com voz infantil.

Brega como
cidadania cultural
De que forma consumir produtos culturais aciona disposições
ligadas à cidadania? De que cidadania se está tratando?
Apostamos na ideia de que cidadania e consumo sempre
estiveram articulados, sobretudo em contextos culturais e
históricos como os da América Latina, em que a própria noção
de cidadania é turva. As mudanças da forma de consumo
alteraram significativamente as possibilidades e as formas
de exercer a cidadania. Por cidadania, sempre se instituiu o
exercício de bases legais através de direitos intangíveis, ligados
a culturas e contextos erguidos sob bases políticas.

O consumo e sua capacidade de tangibilidade pareceram um


interessante contrafluxo de compensação de diferenças de
acesso a bens culturais. A maneira de usar os bens, ostentá-
los, escondê-los, é uma eficiente resposta às compensações
pelas desigualdades em direitos abstratos. É sintomático que
o consumo seja a forma liberal, efêmera e volátil de abstrair
a morosidade em torno da efetividade de políticas públicas,
funcionando como alternativa a ideais políticos intangíveis
como “o voto”, “a representação”. É na degradação da política

236
e na descrença em suas instituições que outros modos de
representação se fortalecem.

Muitas das perguntas próprias dos cidadãos – a que


lugar pertenço e que direitos isto me dá, como posso me
informar, quem representa meus interesses – recebem
sua resposta mais através do consumo privado de
bens e dos meios de comunicação do que pelas regras
abstratas da democracia ou pela participação coletiva
em espaços públicos (CANCLINI, 2005, p. 29).

É neste caminho que percebe-se o fortalecimento da ideia


de representação das camadas populares mais atrelada à
programas televisivos, ao jornalismo, às igrejas, que aos
próprios políticos. Na ausência do Estado e de políticas
públicas efetivas, emergem outros atores sociais, menos
burocráticos, mais “ágeis”. O consumo, a ostentação de bens
culturais, emergem como uma potência de engajamento e de
ressarcimento de assimetrias sociais. Se tomamos uma fala
recorrente entre inúmeros artistas do brega de que a maneira de
se vestir, de se comportar e de exibir determinados acessórios
os posiciona num quadro mais amplo de “aceitação” e bem
estar, podemos pensar numa espécie de visão pragmática e
aprazível da vida social regida pelos indicativos da sociedade
capitalista. Ser cidadão, nos diz Canclini, não tem a ver apenas
com os direitos reconhecidos pelo Estado e seus aparelhos
governamentais para os que nasceram naquele território, mas
tem a ver, também com a forma de consumo de produtos.

Em uma interessante leitura, Toby Miller (2011) alerta para que


as doutrinas de cidadania cultural possam ser efetivas para

237
conseguir um mundo mais igualitário, uma vez que rejeitem
o tecnicismo, o utopismo, o liberalismo, o nacionalismo
e o neoliberalismo. Trata-se de um conceito de cidadania
cultural “de sempre”, que, sob a ótica da diversidade e do
multiculturalismo, oculta um conjunto de dinâmicas de
silenciamentos culturais.

Utopia e transformação
Foi com a gravação de vídeos caseiros em que aparece
dançando coreografias de brega funk que Neguim do Charme,
um dos dançarinos do MC Tróia, ganhou notoriedade na cena
brega. À frente do grupo Movimento Dance, dançava desde
os 12 anos de idade, sobretudo swingueira, no bairro do Totó,
na Zona Oeste do Recife. Percebe-se, também, os usos da
visibilidade gerada pelos vídeos caseiros no YouTube também
como forma de celebrização e busca por melhores condições de
vida. “Hoje, contratado com exclusividade como bailarino do MC
Tróia, faz mais de quatro shows por semana, o que lhe garante
cerca de três salários mínimos por mês” (WAGNER, 2016, p. 1).
Em janeiro de 2016, Neguim do Charme apareceu no videoclipe
“Tô Nem Aí”, a partir da canção lançada pelos Mcs Tróia, Lipinho
Dantas, Elvis e PP.

No Alto do Pereirinha, no Arruda, MC Shevchenko atesta,


em entrevista ao Diario de Pernambuco, que um dos seus
clipes mais famosos, “Sou Favela”, foi gravado no campinho
de futebol da comunidade. “Os meninos pequenos olham o
nosso trabalho e pensam: se eles conseguem, por que eu não
consigo? E isso é massa!”, reflete MC Elloco. Embora tenha

238
uma série de problemas típicos do contexto da juventude das
periferias do Recife, os MCs do Brega Funk trazem à tona uma
série de questões do ponto de vista de representação e utopias.
Fama, celebrização e disposição artística e musical fazem
parte do conjunto de questões pautadas por eles também nos
contextos de onde emergem.

Para situar quem fala, de onde o faz, volta a ser necessário


explicitar o lugar geopolítico da emancipação. São significativas,
portanto, as convergências e divergências ao conceber a
multiculturalidade. “Uma questão debatida a propósito da
reivindicação de atores periféricos ou excluídos é a relação
entre a criatividade gnosiológica e os poderes sociais ou
geopolíticos”, adverte Canclini. Ao pensarmos, aqui, uma outra
narrativa possível, em torno das utopias da subalternidade, de
sujeitos periféricos que almejam, que na contradição de suas
vidas, cercadas, muitas vezes, pela sedução da contravenção,
pela segurança do chamado “de uma igreja”, optam pela
trajetória artística, talvez estejamos propondo uma “etapa
de descoberta, para gerar hipóteses ou contra-hipóteses que
desafiem os saberes constituídos, para tornar visíveis campos
do real negligenciados pelo conhecimento hegemônico”
(CANCLINI, 2009, p. 207). Convém, portanto, tomar os sujeitos
do brega como vivendo em interseções, nas zonas em que as
narrativas do vivido e do justificado se interpõe, opondo-se,
cruzando-se, em cenários tensos e conflitivos.

A partir deste conjunto de textos e de narrativas aqui expostos,


não me proponho a “representar a voz dos silenciados”, como
descreve, ironicamente, Nestor García Canclini, a pretensão de

239
alguns pesquisadores. Tenta-se entender e nomear sujeitos
e ações cujas demandas entram em conflito muitas vezes
com os ideais de representação largamente difundidos
através de políticas públicas e das elites pernambucanas. As
contradições e os conflitos estão no meu modo de perceber
a cultura e a música brega em Pernambuco.

A ideia aqui é enxergar o mundo como um lugar repleto


de contradições, tentando dar conta de suas estruturas
atuais e dinâmicas possíveis. Neste sentido, a partir da
perspectiva dos Estudos Culturais, as utopias de mudança
e de justiça podem se articular a projetos acadêmicos e
de investigação – não como prescrição de mundo e do
modo como dados e entrevistas devem ser selecionados e
organizados, mas como estímulo de indagação sob quais
condições o real pode ser uma repetição de desigualdades
e de descriminação, para converter-se num cenário de
reconhecimento de Outros.

Não caberia aqui eu assumir o lugar do sujeito periférico –


isto é impossível – mas, sob a égide de aparatos éticos, me
coloco no lugar da interseção. Reconheço o lugar do sujeito
privilegiado que sou. No entanto, contra o essencialismo,
enxergo a potência na tentativa de recolocar as questões
dos silenciamentos em torno de algumas matrizes
culturais e estéticas. O contato com o brega e os sujeitos
periféricos me transformou, me colocou nos lugares em que
eu falava e ouvia, atuava e era espectador, transformava

240
e era transformado. A cada contato com o campo e a
vasta bibliografia que fui lendo a respeito do brega e das
estéticas da periferia, ia convertendo condicionamentos em
oportunidades para exercer a cidadania. Compreendendo
a beleza do limite e a potência do desejo em escrever uma
outra história. Uma história outra.

241
capítulo
Bregafunk, a
racialização do brega
Enquanto o Recife suava no escaldante verão pré-
carnavalesco de 2018, a cantora pop Anitta postava stories
na rede social Instagram de suas férias numa gélida
estação de esqui, quando, quase como num susto, aparece
reencenando (e “carregando” no sotaque “nordestino”) o
prólogo do videoclipe “Envolvimento”, de MC Loma e as
Gêmeas Lacração. “Ô, minha irmã, eu tô aqui esperando um
úbi (uber), tô desesperada, num tenho dois real no bolso”,
diz Anitta em vídeo. “Oxi, eu num sei o que fazer”, ênfase no
“oxi”.

Corta.

“Você não me dá uma carona até ali embaixo não?”, diz


Anitta, que usa um capacete de esqui e traja um pesado
casaco de neve. “Eu dou um beijinho”, neste momento,
vemos Anitta conversar com alguém que está fora do
quadro da imagem. Corta para a cantora carioca dublando
os primeiros versos da canção que seria o “hit do Carnaval”
daquele ano: “Envolvimento diferente eu ensino a vocês...”.

No dia seguinte, 1 de fevereiro de 2018, veículos de mídia,


portais de celebridades, perfis de fofocas que cobrem a
música brega estampam a façanha: “Anitta grava stories
imitando MC pernambucana”. A MC pernambucana em
questão era Paloma Roberta Silva Santos, a MC Loma,
que junto a duas primas gêmeas seriam o grupo MC
Loma e As Gêmeas Lacração. A exposição de MC Loma e

245
as Gêmeas Lacração para os (na ocasião) 30 milhões de
seguidores do Instagram de Anitta dá início a um processo
de ultravisibilidade para a jovem artista pernambucana,
mas sobretudo para o conjunto de artistas agrupados
sob o rótulo do Bregafunk, gerando um processo de
nacionalização da música brega de Pernambuco (SOARES
e BENTO, 2020) que ocorre em meio à intensificação das
trocas materiais, estéticas e simbólicas através das redes
sociais digitais.

Dois processos comunicacionais são fundamentais para


o entendimento das dinâmicas envolvendo a consagração
de MC Loma e as Gêmeas Lacração através do videoclipe
“Envolvimento” e centrais no espraiamento e popularização
do Bregafunk no Brasil: os sistemas de recomendação das
redes sociais digitais e a formação de redes sócio-técnicas
envolvendo atores sociais humanos e não-humanos em
contextos digitais. Antes da cantora Anitta imitar e, portanto,
apresentar MC Loma e as Gêmeas Lacração para seus
seguidores, as meninas já tinham sido recomendadas
pelo youtuber Felipe Neto semanas antes: “Achei o hit do
Carnaval”, bradava o influenciador digital ao se referir e
“reagir” à precariedade estética presente no videoclipe da
canção “Envolvimento”.

O episódio que catapulta MC Loma e as Gêmeas Lacração


ao estrelato é um típico fenômeno de viralização em rede
social acoplado a partir de lógicas de recomendação

246
de influenciadores e figuras “notáveis” na internet. Os
ecossistemas de mídia se alteraram, fazendo com que
formas mais consagradas e longevas de mídias como
a televisão e o rádio passassem a disputar espaço
com a ampla oferta de conteúdos da internet. Com um
detalhe: grande parte dos conteúdos digitais dispostos
nas plataformas de vídeo e em redes sociais digitais (o
videoclipe “Envolvimento” e a “reação” de Felipe Neto
dispostos no Youtube e os stories de Anitta no Instagram)
é produzido fora de sistemas formais de mídia. Improviso,
coloquialidade e inusitado passam a ser importantes valores
destes conteúdos em ampla circulação em rede.

“Envolvimento” não só foi o hit do Carnaval do ano de


2018 como apresentou ao mercado brasileiro as batidas
metálicas do Bregafunk. Naquele ano, a partir do sucesso
da canção “Envolvimento”, as atenções do mercado e de
produtoras de músicas pop periféricas (PEREIRA DE SÁ,
2019) se voltaram para Pernambuco. Uma semana depois da
exposição maciça em redes digitais, MC Loma e as Gêmeas
Lacração assinam contrato com a Start Music, produtora e
gerenciadora de carreiras artísticas com sede em São Paulo.

Em poucos dias, gravam uma versão “turbinada” do


videoclipe “Envolvimento” com a produtora Kondzilla,
detentora, na ocasião, do terceiro maior canal de todo
Youtube, com mais de 60 milhões de inscritos. O status
de gravar um videoclipe para a Kondzilla e de “assinar”

247
com a gravadora Start Music, ambos notáveis por investir
maciçamente em artistas de funk, sitou o Bregafunk como
parte integrante da narrativa do funk, ou seja, sua entrada
no mainstream brasileiro foi atravessada por uma série de
comparações com o principal gênero musical “nascido” nas
periferias do País.

Principalmente nos grandes veículos de mídia, MC Loma era


constantemente chamada de “funkeira”30, evidenciando zonas
classificatórias que apagam a terminologia “brega” ao vincular
a cantora a um gênero musical. O trânsito de ocupação de
playlists em plataformas de áudio (como o Spotify) também
evidenciou uma zona turva em que se localizou o Bregafunk na
ocasião de sua nacionalização. Quando a faixa “Envolvimento”
ocupou a primeira posição das “As 50 mais virais” do Spotify,
em fevereiro de 2018, ela se encontrava em playlists de Funk.

Só uma semana depois, a principal plataforma de consumo de


música em streaming no Brasil criou uma playlist específica
intitulada Bregafunk – e que trazia a imagem de MC Loma e as
Gêmeas Lacração ilustrando a capa da referida playlist. Mais do
que apontar equívocos ou evidenciar “erros”, o interesse aqui
é perceber como estes mal-entendidos sobre os percursos das
primeiras canções de Bregafunk reiteram tanto a hegemonia
do funk como cancioneiro pop periférico brasileiro, quanto
mostram uma série de marcações e apagamentos de outras
expressões que circundam o gênero musical. Sobretudo
aquelas vindas, por exemplo, de regiões fora do Sudeste, como
o Nordeste do Brasil – que era o caso do Bregafunk.

Em fevereiro de 2018, outro famoso personagem já amplamente

248
conhecido no contexto de Recife emerge em destaque nacional.
Alef Pereira, o Dadá Boladão, ganha reportagem no portal
Kondzilla como aquele que vai “apresentar” o Bregafunk para
públicos mais amplos, sendo apontado como “o cara que está
construindo uma ponte sólida entre o som de Recife e São
Paulo, sem deixar de perder o seu estilo próprio”31. Aquele
ano foi inteiramente dedicado às negociações, contratações,
tensões e deslocamentos de artistas do Bregafunk de
Pernambuco para São Paulo. Como aponta Bento (2018), a
intensidade de intercâmbios entre produtoras paulistas e
artistas pernambucanos fez emergir uma série de “novidades”
mercadológicas derivadas do Bregafunk, criando ora acentos
mais românticos (como no “batidão romântico”), ora criando
conexões mais evidentes com a cultura pop e a música
eletrônica (como no “brega rave”).

O que o processo de consagração do Bregafunk revela é a


aparição de dois processos sobre a produção e o consumo
de música brega em Pernambuco. De um lado, a jovialização
do cancioneiro bregueiro, a partir da conexão estética e
sonora com o funk; de outro, a emergência de uma dinâmica
que chamaremos de racialização da música brega, ou seja, o
reconhecimento do protagonismo de artistas negros e negras e
também sobre processos de silenciamento racial que integrou
parte da história da música brega em Pernambuco.

249
Jovialização e racismo
O Bregafunk resulta da necessidade de agenciamento do
brega sob a alcunha de uma música brasileira e não apenas
pernambucana, na tentativa de ampliação de mercado e de
um processo de jovialização do gênero musical. Antes de
serem categorizações musicais homogeneizantes, os gêneros
musicais permitem que músicos e audiência estabeleçam
balizas para as disputas de gosto,

ao mesmo tempo em que permitem a construção de


assinaturas específicas, a marca distintiva do artista.
Este processo ocorre a partir de uma ampla rede de
articulações que envolve sonoridade, audiovisual,
processos de recomendação, agrupamento de produções,
afirmações de gosto, letras, biografias, críticas culturais,
entrevistas, etc. (JANOTTI; PEREIRA DE SÁ, p. 4, 2018).

O processo de celebrização de MC Loma e as Gêmeas Lacração


mobiliza uma rede de fãs, admiradores e fruidores do Bregafunk
que vai aderir a uma série de disposições estéticas do próprio
gênero musical e jovializá-lo. Importante observar neste
processo de jovialização do brega que, para se conectar com
circuitos musicais, de festas e de eventos ligados a jovens,
ao mesmo tempo evidenciar uma “oxigenação” da própria
música brega em direção a lógicas mais globais, produtores
e empresários colocam em cena protagonistas (cantores e
cantoras) bastante jovens (MC Loma tinha, na ocasião de sua
consagração nacional, 15 anos); ao mesmo tempo percebe-se
uma maior intensidade de trocas simbólicas entre diferentes
estratos de classes sociais no tecido urbano do Recife,

250
evidenciando que o processo de jovialização de um gênero
musical implica também em sua mobilidade tanto pelos
circuitos culturais e urbanos quanto digitais.

O Bregafunk passa a ocupar tanto festas que já apresentavam


um viés mais descolado (como o Brega Naite e o Bregalize,
por exemplo) além de festivais de música com “pegada”
mais independente (No Ar Coquetel Molotov e RecBeat) mas
também adentra o circuito de eventos ligados a produtores de
rave e música eletrônica (como o selo de festas Carvalheira
e Deluxe, consideradas “grifes” de eventos em Pernambuco
e mobilizadoras de públicos de classes sociais mais altas
e amplamente brancas). A capilaridade do Bregafunk nos
atravessamentos das classes sociais em Recife se dá não
sem, antes, gerar tensões. Foram frequentes as acusações
de preconceito e racismo no tratamento de MCs e produtores
durante festas, gerando acalorados debates nas redes sociais
digitais, aumentando a temperatura nestes ambientes, ao
mesmo tempo, mobilizando fãs e admiradores em torno de
pautas sobre racismo e preconceito de classe social e gênero.

Importante destacar que além de jovens, grande parte dos


artistas de Bregafunk também são negros ou pardos, muitos
deles vindos das periferias da Região Metropolitana do Recife.
Estes marcadores sociais são os principais acionadores de
diferença quando o Bregafunk passa a ocupar festas da
“alta sociedade” do Recife, casamentos em casas de festas
abastadas além de eventos corporativos de empresas. Artistas
de Bregafunk são chamados de “maloqueiros” por produtores32
e impedidos de subir ao palco de eventos em praças públicas

251
porque sua música “incitaria violência”33 - exemplos do
sectarismo de classe social e do racismo que permeiam
o cotidiano dos artistas de periferia e de grande parte de
indivíduos negras e negros pobres do País.

Importante demarcar que a presença corporal de artistas


e produtores negros em festas “abastadas” da sociedade
pernambucana criaram tensões raciais (ora silenciosas,
ora nem tanto), mas também oportunizaram que artistas
brancos (sobretudo DJs) incorporassem Bregafunk em
seus sets e playlists, fazendo com que produtores de
eventos eventualmente deixassem de contratar artistas da
periferia em troca de mediadores culturais (DJs brancos e
socialmente alinhados ao perfil de classe social das festas) que
“apaziguassem” os possíveis tensionamentos raciais.

Este efeito de substituição, exclusão e apagamento de pessoas


negras do tecido urbano integra uma lógica que apresenta
lastro histórico no Brasil desde a abolição da escravatura
em 1888 (SCHWARCZ, 2012), quando contingentes de ex-
escravos passaram a “ser vistos” nas cidades brasileiras fora
das atividades de trabalho na lavoura, muitos deles então
“libertos” ocupavam lugar de destaque em atividades artísticas
ligadas à produção musical, ao teatro e à dança (ABREU, 2017).
Esta visibilidade de artistas negras e negros geraram, desde o
século XIX, tanto o fascínio das classes altas sobre as práticas
artísticas desenvolvidas e apresentadas por negras e negros,
mas também o reforço do racismo em situações de ampla
visibilidade destes sujeitos34.

A historiadora Martha Abreu reúne as práticas musicais

252
e artísticas que aconteciam nas senzalas e que foram
“apresentadas” ao mundo gerando tanto fascínio quanto
repulsa em sua obra “Da Senzala ao Palco” (ABREU, 2017),
em que nomeia expressões como batuques, lundus, jongos
e maxixes, no caso do Brasil, e coon songs, cakewalks, rags,
spirituals, no caso dos Estados Unidos como “gêneros musicais
ou danças muito variadas, mas que se relacionavam com o
passado da escravidão e com memórias do cativeiro e, desta
forma, ganhavam expressão nos títulos das canções, nos
versos, nas formas de representar e dançar, na caracterização
dos músicos” (ABREU, 2017, p. 6). Ao fazer este recuo
histórico, a tentativa aqui é de perceber como os processos
de jovialização da música brega, que implica em incorporar
jovens negras e negros à paisagem humana do gênero musical,
realça a mobilidade de sujeitos e também os estigmas que esta
ampla circulação proporciona. Traduzindo: as músicas e danças
produzidas por negros podem circular, desde que seus agentes
produtores (os próprios corpos negros) não circulem.

Abreu vai chamar este apelo às expressões artísticas oriundas


das senzalas e que geravam fascínio das classes sociais altas
e brancas brasileiras e estadunidenses pós-aboliação da
escravatura de “negrofilia” – ou seja, ao lado do interesse e
da “celebração”, especialmente em relação às novidades que
a música negra trazia, percebe-se o reforço de visões racistas
que estigmatizavam a população negra e naturalizavam suas
habilidades no campo musical. Segundo Abreu, o livro “Brasil
Sonoro”, de Mariza Lira, escrito em 1938, ajuda a entender
como a escrita sobre a música negra não explicitava esse
paradoxo e silenciava sobre o racismo: “O lundu não se deixou

253
ficar nas senzalas, os moços brancos seduzidos pela letra
desabusada e pela música desenvolta… trouxeram-no para
a alegria das serenatas”. O argumento de Lira é de que
o lundu teria chegado às serenatas “apenas” a partir do
interesse e do papel dos “moços brancos”, atraídos pela
letra “desabusada” e posteriormente pelas danças tidas
como sensuais e modernas. A autora não menciona que
esta incorporação do lundu na serenata, na verdade, era
também uma forma de tirar de circulação os corpos negros
das festas abastadas da sociedade pós-escravidão. O
parêntesis histórico é importante para que se observem
que as práticas musicais e artísticas realizadas por sujeitos
negras e negros no Brasil encontra um lastro de fascínio e
exclusão, em que a emergência do Bregafunk se insere.

“Só Dá Tu”:
a dança em rede
Para além de um roteiro histórico mais amplo, é possível
pensar sobre a formação performática dos artistas do
Bregafunk, muitos desvinculados da dimensão estética
da música brega romântica e mais próximos narrativa
e corporalmente do universo dos bailes funk. A música
brega conviveu, desde o final da década de 1990, com
uma pulsante cena de funk no contexto de Pernambuco
(ALBUQUERQUE, 2018) com a presença de festas em

254
clubes de bairro e equipes de som comandada por DJs que
se inspiravam em ídolos do funk carioca como MC Galo e DJ
Malboro (da produtora Furacão 2000). Esta cena de festas
de funk em clubes de bairro do Recife funcionou como uma
espécie de formação performática de artistas que viriam
se consagrar no cenário do Bregafunk posteriormente,
como MC Leozinho e MC Elloco. É no contexto midiático de
crescimento das redes sociais digitais e na consolidação do
YouTube como plataforma de compartilhamento de vídeos
que se destaca a abertura performática da música brega
pernambucana ao funk.

A multimodalidade das redes sócio-técnicas que permitiram


o processo de consagração e jovialização do bregafunk
trouxe à tona, além do Youtube, outro importante ator social
não-humano, que seria fundamental na retroalimentação
e longevidade do gênero musical na cultura digital: o
Instagram. Uma vez nas redes sociais digitais, o Bregafunk
passa a ser disputado por novos artistas como parte central
das disputas em redes sociais digitais: anônimos viram
protagonistas, criando redes em torno de sua presença e de
suas recomendações, capitalizando indicações, formando
parcerias e engendrando sistemas comunicacionais
complexos que fazem como que anônimos sejam
catapultados ao sucesso nas redes a partir de um traço
performático característico: a dança.

Para entender o amplo sentido que a dança teria no

255
Bregafunk, é preciso voltar ao ano de 2017, quando, um
ano antes da viralização do videoclipe “Envolvimento”, de
MC Loma e as Gêmeas Lacração, um outro fenômeno viral,
agora de “dança em rede social” tomou conta das redes
sociais digitais, conectando vídeos postados no Youtube
com ações em vídeos virais no Instagram: o “Desafio Só
Dá Tu”35 (SANTOS, LOPES e SOARES, 2018). “Só Dá Tu”,
cantada pela banda A Favorita, é a versão em brega da
música “I Got You”, da cantora estadunidense Bebe Rexha e
integra uma prática usual no contexto da música brega de
Pernambuco: a realização de versões de hits da música pop
com acento bregueiro. O que diferencia “Só Dá Tu” de outras
versões reside naquilo que viria consagrar outras canções
de brega romântico e de Bregafunk no contexto das redes
digitais: o seu apelo para dança.

O “Desafio Só Dá Tu” consistiu num processo de viralização


espontâneo de práticas coreográficas em vídeos amadores
primeiramente no Youtube, depois em redes sociais digitais
como o Instagram e em aplicativos de mensagens diretas
como WhatsApp, em que jovens realizam passos de
dança bastante simples como levantar os braços e baixá-
los, associado ao ato de agachar “arrebitar” o quadril no
momento em que a cantora Raphaela Santos, vocalista
da banda A Favorita, canta o refrão da canção enquanto
estende vocalmente o “tu” do verso “Só dá tu”. Aliás, esta
simplicidade do verso presente no refrão e a singularidade

256
do canto de Raphaela Santos, com tom bastante agudo e
notável extensão vocal, fazem com que a canção congregue
características sonoras já notadamente “viralizáveis”.

A criação de canções “viralizáveis” é uma prática comum


nas músicas populares e periféricas, seja no brega, no
funk, no forró, como parte integrante de um “capital de
viralização” capaz de catapultar artistas e mobilizar atenção
em rede. Consiste em trazer à tona expressões populares,
gírias ou termos que potencialmente podem se tornar
memes digitais e agregarem atenção, mobilizando atenção
através do humor, da sagacidade e do interesse em algo
corriqueiro. Ao contrário de um processo longo de escolhas
no processo de composição, o compositor da versão de “I
Got You” para o brega, Elvis Pires, disse, em entrevista ao
JC Online, que a criação da faixa durou “cinco minutos”.
“Conheci a música da Bebe Rexha através da Raphaela
(vocalista d’A Favorita). De cara eu gostei e pedi para
fazer a base brega em cima da versão original”, explica o
compositor.

A expressão “Só Dá Tu” veio graças à sonoridade com


que a cantora norte-americana pronuncia a frase “I Got
You”, também estendendo o “you” em torno de todo
o refrão, evidenciando um caráter de tactilidade com
que compositores populares adaptam linguisticamente
e constroem suas versões. Longe de um processo de
“fidelidade” ao original, o processo de composição parece

257
privilegiar outros valores sonoros e musicais, um deles
é a capacidade de “captação” de atenção, do inusitado
de algum trecho ou expressão contida na canção e
também diante de uma dimensão que acione algum traço
humorístico.

Inicialmente lançada como áudio no Youtube, a versão


brega de “I Got You” (a faixa original foi nada mais do
que um sucesso moderado nas paradas pop brasileiras),
mobilizou práticas coreográficas que foram “memetizando”
outras coreografias, compondo um quadro em que a ideia
de competição e, portanto, de “desafio” se instaurasse.
Um dos primeiros vídeos que evidenciaram a potência
viral de “Só Dá Tu” veio de alunos da Rede Estadual de
Ensino de Pernambuco, em que, aparentemente no horário
do intervalo, um grupo de nove jovens realiza a simples
coreografia (só que de mãos dadas), enquanto, ao chegar no
compasso do refrão “só”, “dá”, “tu”, eles soltam as mãos e
“arrebitam” o quadril ao final.

Parecia haver o acionamento de uma dimensão inusitada


na canção composta por Elvis Pires (a extensão do “u” no
verso “só dá tu”) que se espraiava também para a prática
coreográfica. A viralização do “Desafio Só Dá Tu” se deu a
partir da competição sobre como a coreografia do refrão
da canção iria aparecer. Em tese, a narrativa do vídeo
coreográfico consistia em exibir alguém realizando uma
atividade corriqueira ao som da canção e, quando emergia o

258
verso de “Só Dá Tu”, a pessoa fazia a coreografia de erguer
os braços e “arrebitar” o quadril.

O caráter inusitado fez com que aparecessem vídeos


em que as pessoas saíam do guarda-roupa e até da
geladeira na ocasião do refrão da canção, fazendo
com que tais vídeos gerassem engajamento, curtidas e
compartilhamentos em diversas redes sociais. Um dos
vídeos mais compartilhados foi o do dançarino Beto Júnior,
que, na ocasião, morava na China e realizou a coreografia
do “Desafio Só Dá Tu” em plena Muralha da China,
evidenciando o caráter global das redes sociais digitais e
mostrando o “alcance” do sucesso da coreografia.

É o vídeo viral da coreografia de “Só Dá Tu” na Muralha da


China que engaja a própria banda A Favorita na narrativa
viral. Segundo depoimento de Beto Júnior para o site G1,
que havia dançado e coreografado profissionalmente para
a banda, ele enviou o vídeo dançando no monumento
chinês apenas para a vocalista Raphaela Santos, que
prontamente dispôs nas redes sociais da banda A Favorita.
Depois da espontaneidade do processo viral, a banda
passou a gerenciar o “Desafio Só Dá Tu”, incentivando que
fãs e anônimos fizessem a coreografia e marcassem 25
perfis para que eles também realizassem a coreografia.
Artistas como Preta Gil e Valesca Popozuda gravaram
vídeos dançando “Só Dá Tu” e o auge do compartilhamento
desse conteúdo pôde ser observado quando a cantora

259
da faixa original “I Got You”, a estadunidense Bebe Rexha
compartilhou em seu perfil no microblog Twitter a frase “Só
Dá Tu” e um vídeo onde entoava o famoso trecho da versão
de brega.

A viralização da coreografia de “Só Dá Tu”, em setembro


de 2017, leva a canção ao topo das faixas mais ouvidas na
playlist “Viral Brasil” da plataforma Spotify naquele mês
e evidencia aquilo que seria uma das marcas tanto do
Bregafunk quanto da jovialização do brega romântico em
plataformas de compartilhamento de vídeos e aplicativos
como o Tik Tok: as práticas coreográficas em rede sociais
digitais que colocariam em cena novos atores sociais nesta
ampla conexão do Bregafunk, o “passinho dos malokas”.

“Passinho dos malokas”,


celebrização e estigma
No final de 2015, emerge nas periferias da Região
Metropolitana do Recife uma dança que mesclava passos
do funk, da swingueira e do street dance: o “passinho dos
malokas36. Os malokas (gíria para “maloqueiro”, “meninos
da periferia”, “galeroso”) realizavam coreografias em que
movimentam os braços e a região da virilha, simulando
movimentos sexuais e mesclando conotação erótica
com irreverência. Sarrada, puxada, laço e ombrinho são
alguns dos nomes atribuídos aos principais movimentos

260
coreográficos que iriam habitar vídeos dispostos em redes
sociais e instaurar novos movimentos de intensificação dos
processos de celebrização de anônimos no contexto da
música brega de Pernambuco. A dança, mais uma vez, se
consagra como um elemento intensificador da presença em
rede social e das disputas de valores que surgem dentro do
gênero musical.

O termo passinho se populariza nacionalmente no ano de


201337, com o processo de viralização do vídeo “Passinho
do Volante”, de MC Federado e os Leleks, quando quatro
jovens e seus vizinhos em diferentes locações na Vila
Leôncio, no Rio de Janeiro, executam coreografias a partir da
gíria “lelek” (corruptela de “moleque”), repetida à exaustão
(PEREIRA DE SÁ e EVANGELISTA, 2014). Em setembro
daquele ano, durante a apresentação no festival Rock in
Rio, no Rio de Janeiro, a cantora pop Beyoncé, para mostrar
afinidade e conexão com o público brasileiro, também dança
a coreografia do “passinho do volante”38. Na época, os
jovens já faziam sucesso com a coreografia do “passinho”
durante bailes funk em diferentes pontos da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro.

As batalhas de passinho do Rio de Janeiro, que consistiam


nas disputas entre dançarinos de funk, revelaram tanto
dançarinos quanto artistas e passaram a retroalimentar
as redes sociotécnicas das periferias brasileiras com
evidências coreográficas virtuosas que passaram a ser

261
disputadas também em redes sociais digitais. É na conexão
do Youtube com a rede social Instagram que se notarizaram
passos acrobáticos dos dançarinos de passinho, seja no
cruzamento das pernas, do agachamento e dos movimentos
dos “quadradinhos” e que viriam a ser importantes
mediadores de valores coreográficos tanto no funk quando
em outros gêneros musicais. Importante perceber como a
ideia de vigor e “entrega” são consagrados nas batalhas
de passinho e novamente acionados em outros contextos
como no Bregafunk. Sem camisa, corrente no pescoço, uma
ajeitada na bermuda para mostrar mais as coxas e aumentar
o volume entre as pernas, leve flexionada dos joelhos, cara
sensual e assim os dançarinos de passinho vão recebendo
curtidas.

Os vasos comunicantes das redes sócio-técnicas fazem


surgir novos atores sociais na cena Bregafunk, como
os dançarinos de passinho dos malokas. Grupos como
Magnatas do Passinho S.A, ou dançarinos como San do
Passinho e Clarinha do Passinho são reconhecidos através
de seus números de seguidores e de curtidas como exímios
“quebradores”. Videoclipes como “Gera Bactéria”, da
dupla Shevchenko e Elloco, localizam que “esse passinho
é louco e nasceu na favela” como reivindicação de uma
autenticidade que se conecta a uma narrativa já encenada
pelos artistas do funk carioca ainda na década de 1990.
Aliás, foi o videoclipe “Gera Bactéria” um dos principais

262
catalisadores de vídeos que celebrizaram dançarinos
de passinho. Um deles foi San do Passinho, que após
compartilhar vídeos “quebrando” em suas redes sociais,
criando coreografias com amigos do bairro de Água
Fria, na periferia do Recife, formou o grupo Os Lokos e
foi contratado pelos MCs Shevchenko e Elloco para se
apresentar no “corpo de baile” da dupla.

O passinho dos malokas se conecta ao Bregafunk mas


cria dinâmicas autônomas a partir da consagração de
dançarinos e não necessariamente cantores. Algumas das
figuras célebres do passinho dos malokas lançam a carreira
como dançarinos ou influenciadores digitais, recomendando
marcas ou recebendo cachês para divulgar produtos e
parcerias. Youtubers de dança figuram em vídeos dispostos
em canais como FitDance, acionando um novo ecossistema
na plataforma de vídeos, mais conectada à realização de
desafios coreográficos e à dança popular. Dançarinos como
o sul-matogrossense Dynho Alves têm coreografias autorais
consagradas e passam a elaborar passinhos em videoclipes
de ampla circulação, como “Sentadão”, parceria de Pedro
Sampaio com Felipe Original e JS o Mão de Ouro.

A presença do DJ carioca Pedro Sampaio, que se consagra


com a faixa de Bregafunk “Sentadão”, em 2020, incide
numa disputa pela origem e reafirmação do Bregafunk
como “pernambucano”. Ao mesmo tempo que se
nacionalizava e despertava interesse de artistas conectados

263
à cena do funk e da música pop, o Bregafunk era “trazido”
de volta a Pernambuco, por artistas que demarcavam a
autenticidade e origem do gênero musical nas periferias da
Região Metropolitana do Recife. A ostentação da bandeira
do Estado de Pernambuco como marcação de origem
no videoclipe “Ninguém Fica Parado”, de Shevchenko
e Elloco e Maneirinho do Recife apresenta este traço
performático e “diferencial” do cancioneiro de Bregafunk
que era feito “aqui” em contraponto àquele feito “de fora”.
Em um vídeo produzido pela produtora KondZilla e com
claro endereçamento nacional, os MCs cantam e dançam
enquanto seguram a bandeira de Pernambuco39.

Enquanto as coreografias do passinho dos malokas


tomavam nas redes sociais digitais e faziam com que
os artistas das periferias inclusive se conectassem com
símbolos identitários pernambucanos, mobilizando
curtidas e elevando ao status de celebridades uma série
de jovens das periferias do Recife, no tecido urbano da
capital pernambucana, uma série de tensões emergiam,
colocando em evidência estigmas e marcadores sociais e
raciais. Dançarinos e dançarinas de passinho dos malokas
anunciam nas suas redes sociais que vão dançar em locais
públicos e convocam fãs para encontrá-los.

De forma semelhante aos episódios conhecidos como


“rolezinhos” (no contexto paulista), quando jovens negros
das periferias de cidades de São Paulo eram hostilizados

264
ao se reunirem para se encontrarem e darem um “rolê”
pelos shopping centers, os encontros regados a dança
e coreografias de passinho dos malokas ganhavam um
componente ainda mais perverso no contexto do Recife:
os jovens eram hostilizados (e expulsos) não em espaços
privados como em shopping centers, mas em locais
públicos, de ampla circulação de pessoas, sobretudo
quando estes lugares estavam localizados em bairros
abastados da capital pernambucana40. Pedidos para que
grupos de jovens dançando passinho “se retirassem” de
parques públicos e praças por “ameaça à ordem pública”
foram amplamente compartilhados em redes sociais e
noticiados na mídia.

Episódios de hostilidade de grupos de policiais com


dançarinos e dançarinas de passinho evidenciam traços
de desigualdade, do racismo e da exclusão social que
permeiam a sociedade brasileira. Bairros nobres do Recife
quando “invadidos” por jovens negros oriundos das
periferias, mesmo que apenas dançando e se divertindo,
fazem emergir tensões nas redes de comunicação das
cidades. Diante de um contexto de polarização política
desde a emergência de grupos de extrema-direita nas
redes sociais digitais a partir de 2016 e a mobilização de
uma pauta moral em torno de costumes, o Bregafunk
passa a ser disputado também do ponto de vista político,
como acentuador de uma pedagogia do corpo, de uma

265
erótica da dança popular e dos dispositivos flutuantes das
performances de gênero. Frequentemente “acusado” de
“perverter” mentes e “sexualizar” crianças, o gênero musical
passa a integrar uma agenda moral fortemente ligada a
grupos conservadores.

Disputas morais
através do Bregafunk
Ligo a seta do carro para pegar a rua Arão Lins de Andrade,
que liga os bairros de Piedade e Prazeres, ambos na cidade
de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana
do Recife. É um domingo à tarde e, à medida que vou
adentrando às áreas mais residenciais e populosas do
bairro de Prazeres, uma paisagem humana se desvela:
crianças e jovens dançam passinho dos malokas nas
calçadas enquanto a música alta vaza entre casas e
estabelecimentos comerciais fechados. Num cruzamento
pouco movimentado, grupos de amigos “fecham” a rua com
barras improvisadas de madeira enquanto jogam futebol. Há
também cadeiras nas calçadas com senhoras que assistem
despreocupadas aos embates coreográficos e esportivos.

As batidas metálicas do Bregafunk não só embalam passos


organizados de jovens em duplas, trios e quartetos que
parecem competir entre si, informalmente, pela atenção dos
transeuntes. Alguns, mais despreocupados, seguem o ritmo

266
da música, ignorando competições, disputas. O Bregafunk
também embala o jogo de futebol. Entre um drible e outro,
uma “kikada”, sobretudo depois de um gol ou de um
lance polêmico. Os diferentes tons de pele dos jovens são
realçados pela ausência de camisa, pelas bermudas largas e
por alguns cabelos “descoloridos”, em cortes “raspadinhos”
e com “risquinhos” na sobrancelha.

Ao final desta rua “fechada” pela partida de futebol está


uma igreja evangélica, com muro pintado de branco e uma
arte gráfica vermelha dizendo “Deus é Amor”. À medida que
a tarde vai caindo e chega à noite, as batidas do Bregafunk
vão esmaecendo, tornando-se fugidias, quase inaudíveis.
A barra do gol é retirada, os jogadores estão com sede, vão
beber água ou cerveja, batidas nos ombros dos amigos,
a “resenha” com um grupo de adolescentes que passa.
A tarde cai embalada pelo baixar o volume das batidas
do Bregafunk e pelo aumentar o volume dos louvores da
música gospel. É quase a passagem de som de um DJ
imaginário que vai recuando de uma faixa sonora para
a aparição de outra, uma transição lenta e gradual, que
também vai alterando a paisagem, os corpos e os ritmos
daqueles que vão se recolhendo em suas casas ou saindo
para a rua.

Numa casa de portão metálico, muro alto e repleta de


grades brancas, um grupo que eu deduzo ser uma família
(homem e mulher adultos e duas jovens), todos de cabelos

267
molhados e roupas claras, mulheres de cabelos longos e
lisos, o único homem vestindo uma camisa abotoada e
formal, sai em direção à igreja no fim desta mesma rua. Eles
caminham na mesma calçada em que, horas antes, grupos
de jovens dançavam passinho. Mais alguns passos adiante,
acho que a mulher adulta do grupo leva uma Bíblia, passam
a caminhar pela rua – aquela que estava fechada para o
jogo de futebol improvisado. Na calçada, restos de cimento
de uma obra inacabada, peças de porcelanato aguardando
serem dispostas num muro em construção. Enquanto esta
família caminha pelos espaços que, mais cedo, estavam
ocupados pelo jogo, pela música e pela dança, começo
a perceber que a questão do Bregafunk nas periferias da
Região Metropolitana do Recife diz respeito sobretudo a
disputas morais que se encenam no cotidiano, nas relações
familiares, interpessoais, de vizinhança e comunitárias.

A questão da moral é bastante ampla nos estudos


sociológicos, antropológicos e comunicacionais porque se
refere, de forma bastante abrangente, à dimensão prática
da vida humana, à esfera da ação e a orientações por
princípios que dividem as coisas entre bem e mal, bom e
ruim, certo e errado, justo e injusto. Desse modo, é possível
perceber que a moral é algo indissociável da vida coletiva,
independentemente de como seja definida, fundamentada
ou explicada. Afinal, os princípios morais orientam a vida
dos indivíduos e impactam a vivência em grupo. Diferentes

268
configurações sociais criam ou validam diferentes princípios
morais com consequências sobre a vida dos indivíduos. Em
sentido amplo, a moral é sempre disputada em contextos
diversos e se edifica a partir de consensos e dissensos que
vão se formando a partir das tessituras da vida cotidiana.

Refletir sobre como se constroem as disputas morais a partir


do Bregafunk apresenta implicações que me deslocam
para o contexto desta rua descrita no bairro de Prazeres, em
Jaboatão dos Guararapes, porque é a partir das paisagens
humanas e social que emergem quadros cotidianos em
que as tensões aparecem sem serem discursivizadas,
relatadas, apresentadas com clareza. Trata-se de uma esfera
sensível que habita os espaços e lugares nas periferias, em
que as coreografias dos gestos cotidianos, as aberturas e
fechamentos de janelas, de portas, o aumentar ou baixar o
volume das músicas, os corpos que se apresentam mais ou
menos vestidos, os cortes de cabelo, os olhares de soslaio,
as retiradas das cadeiras das calçadas, são indicativos de
disputas morais presentificadas a partir do Bregafunk.

A hipótese das disputas morais a partir da música brega já


apareceram nas entrevistas da pesquisa de campo para a
realização deste livro, na ocasião das festas bregueiras em
que jovens evangélicas, embora concedessem entrevistas,
preferiam não revelar os nomes e atestavam que ocultavam
em suas famílias (em geral formada por pais e mães
evangélicos) a ida àqueles eventos. Este silenciamento

269
voluntário de jovens sobre suas práticas de lazer e diversão
seculares (não religiosas) ligadas à música brega parecia
ser o sintoma de um conjunto de práticas regulatórias
morais existentes nos ambientes familiares. Em muitos
relatos, a ideia de que a “ida a uma festa de brega” aparecia
conectada a ideais de que você seria uma pessoa “devassa”,
imoral ou ligada a valores “deturpados” era recorrente.
Este indicativo se acentuava quando se fazia um recorte
de gênero: mulheres eram mais cobradas a não irem aos
eventos como as festas de brega para que não “servissem
de mau exemplo” para outras.

Esta configuração avaliativa moral no cotidiano se conecta


à capilaridade que as igrejas evangélicas tiveram nas
periferias brasileiras deste a década de 1980 (CUNHA, 2019),
quando se desenham as ações pentecostais marcadas
pela presença junto às populações empobrecidas e
periféricas das cidades na América Latina. A prática das
igrejas pentecostais “tornou possível o enraizamento nas
culturas populares, com lugar garantido para a emoção e
expressões corporais e musicais, ainda que marcada por um
puritanismo de restrições morais e culturais” (CUNHA, 2019,
p. 25).

As restrições à circulação, aos usos de determinadas


roupas, às práticas chamadas “hedonistas” são vistas
frequentemente como valores amplamente consagrados
a partir de ideais de moralidade cristãos e amparados por

270
discursos religiosos. Estudiosos da religião localizam que,
entre as décadas de 1990 e 2000, as ações pentecostais
representadas sobretudo pela Assembleia de Deus se
intensificam e ramificam para o que se convencionou
chamar de neopentecostalismo – vinculando igrejas como
Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus,
Renascer em Cristo, entre outras.

O crescimento do contingente evangélico no Brasil se


reverte em ocupação política (através de bancadas em
câmaras municipais, estaduais e federais), visibilidade
midiática (amplo espaço para a música cristã gospel,
festivais e megaeventos, além de novelas com
temáticas religiosas e bíblicas) e consagração de valores
conservadores como a “defesa da família” e a rivalização
com pautas identitárias sobretudo de representantes
LGBTQIA+ e dos movimentos sociais feministas.

As disputas morais a partir do Bregafunk nas periferias da


Região Metropolitana do Recife são acionadas a partir das
zonas de fricção entre ações de parte da juventude e seus
enquadramentos dentro de padrões de ruptura daquilo que
se constrói consensualmente em contextos específicos
como “normalidade”. Neste sentido, ouvir, dançar ou ir a
festas de brega romântico e de Bregafunk acompanha, em
contextos periféricos na Região Metropolitana do Recife,
um conjunto de pré-julgamentos sobre aspectos morais
e éticos de indivíduos, tendo em vista a formação moral e

271
religiosa pentecostal e neopentecostal que se enraíza nas
periferias brasileiras, pelo menos, desde a década de 1980.
Este debate incorre na valorização de uma juventude cristã,
religiosa e moralmente “consciente” em oposição a grupos
de jovens hedonistas, de “fora da igreja” e “perdidos”. Trata-
se, antes de tudo, de um debate binário que reproduz a
lógica de conversão e de conquista de fiéis que pautou as
práticas missionárias das igrejas evangélicas no contexto
brasileiro.

O binarismo moral entre bom e mau, certo e errado,


“consciente” e “perdido”, referindo-se a parte da juventude
nas periferias brasileiras, obviamente, é insuficiente para
tratar das nuances, negociações e rearranjos nos cotidianos.
Dançarinos e dançarinas de passinho que se tornam
evangélicos, fiéis que longe dos olhares dos pastores
frequentam festas de brega, cantores de Bregafunk que
aderem a discursos religiosos e motivacionais integram um
conjunto complexo de rasuras performáticas e experienciais
que habitam as relações humanas nos tecidos urbanos e
sociais das periferias.

A tematização sobre a interpenetração da juventude pobre


e periférica do Brasil a partir de vínculos com a música
esteve presente na produção da artista Bárbara Wagner nas
obras “À Procura do Quinto Elemento” e “Terremoto Santo”
na exposição “Corpo a Corpo: a disputa das imagens, da
fotografia à transmissão ao vivo”, com curadoria de Thyago

272
Nogueira, que passou pelo Instituto Moreira Sales, do Rio
de Janeiro e São Paulo, entre os anos de 2017 e 2018. “À
Procura do Quinto Elemento” é uma obra composta de
52 fotografias e um vídeo com as apresentações de MCs
em um reality show para a escolha de um “novo artista”
para uma importante produtora de funk paulista. Retrata,
como atesta o curador Thyago Nogueira, “uma geração
acostumada às selfies e às redes sociais, que sabe usar a
pose e a performance de palco para tratar de seus anseios,
disputar um lugar ao sol e ascender socialmente”. Grande
parte dos concorrentes a MCs no reality show são jovens
pobres e negros das periferias que encontram no funk (e
na música) uma forma de visibilidade e ascensão social.
O embate moral, ético e performático da obra de Bárbara
Wagner se apresenta quando a artista dispõe, ao lado de
“À Procura do Quinto Elemento”, o filme “Terremoto Santo”,
feito em colaboração com o artista Benjamin de Burca,
um documentário musical com jovens da Zona da Mata
pernambucana que sonham em gravar um videoclipe gospel.
“A expressão musical é parte importante da liturgia
evangélica da região, o que permite que os jovens usem a
imagem e a voz para buscar uma nova forma de trabalho.
A performance diante da câmera também revela aspectos
sociais, econômicos e estéticos da prática pentecostal”,
afirma o curador Thyago Nogueira.

O que a descrição dos cotidianos das periferias brasileiras e

273
as obras de Bárbara Wagner nos sugerem é que as disputas
morais a que estamos nos referindo é atravessada pela
questão da imagem e do som (da música), por um conjunto
de ambiguidades e interditos que constituem as práticas
performáticas dos sujeitos em seus contextos sociais.
Compreender as construções de consensos morais em
torno de corpos que circulam pelas periferias da Região
Metropolitana do Recife e também em diversos contextos
brasileiros, devem auxiliar para leituras menos binárias
e moralistas da realidade, colocando em evidência as
vivências sociais e humanas como partes integrantes de
projetos inacabados de sujeitos, sempre em construção e
em diálogo com instituições e normatizações.

Julgamentos e
conhecimentos corporais
No dia 28 de agosto de 2019, a integrante da bancada
evangélica da Assembleia Legislativa de Pernambuco
(Alepe), deputada Clarissa Tércio (PSC), apresentou o PL
494/ 2019, que dispunha “sobre a proibição de exposição
de crianças e adolescentes no âmbito escolar, a danças que
aludam a sexualização precoce e inclusão de medidas de
conscientização, prevenção e combate à erotização infantil
nas escolas do estado de Pernambuco”41. Sem mencionar
diretamente o passinho dos malokas, o PL indiretamente se
constituía a partir das práticas de danças sobretudo ligadas

274
ao Bregafunk em contextos escolares. O debate foi pautado
por disposições morais: “uma criança dançando na escola,
balançando o bumbum, não é cultura”, afirmou, na ocasião,
a deputada em suas redes sociais. Conforme radiografou
Mariama Correia42, no site Marco Zero, ao menos, cinco
projetos de leis em contextos que passaram por São Paulo,
Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Paraíba e Pernambuco
apresentavam tentativas de censura a dança em ambientes
escolares.

Valores compartilhados por admiradores do passinho dos


malokas em comentários nas redes sociais dos artistas
destacam que o virtuosismo da dança está articulado à
violência da “kikada” (gesto em que pode ser compreendido
como a “sentada” num gesto bastante semelhante ao do
funk) ou pela “bingada” (em que o dançarino projeta a pélvis
simulando um coito). A sexualização dos gestos de danças
do passinho traz à tona um conjunto de controvérsias
morais em torno deste tipo de prática. Na esteira das danças
populares, o passinho dos malokas encena uma articulação
da relação do corpo, com a pélvis e as nádegas, algo
bastante presente em formas de danças como o samba ou o
forró.

O capital social mobilizador da dança em redes sociais


digitais a partir do passinho dos malokas integra valores
que são vistos como “deturpadores” da moral para jovens.
O enquadramento moral sobre os gestos do passinho

275
não leva em consideração um conjunto de disposições
que dizem respeito a práticas corporais amplamente
presentes nas culturas populares. O corpo e o prazer da
dança, em grande medida, vinculam-se a leituras sexuais
de gestos coreográficos realçando a necessidade de impor
disposições regulatórias que impeçam jovens a dançarem.
Além do prazer da dança, é na chave da relação corporal,
das descobertas dos movimentos e do entendimento de
seus próprios corpos que jovens utilizam-se da dança como
estratégia de visibilidade.

O investimento nos corpos que dançam (ou que podem


e devem dançar) estabelece modos de subjetivação
complexos, sutis, sedutores. Transformações que não
se restringem ao uso dos novos aparatos tecnológicos.
Enquanto baila-se com e na mídia, vai-se constituindo
certos tipos de sujeitos. Nestas danças e nestes jeitos de
dançar, vão se “colando” sentidos culturais, instruções,
orientações de condutas e comportamentos. E neste
movimento, aprender dança vai se tornando uma
importante tarefa cultural (TOMAZZONI, 2015, p. 80)

Para além do discurso moralizante que se constrói sobre o


passinho dos malokas, é importante evidenciar a dimensão
pedagógica e de conhecimento do próprio corpo que a
dança proporciona. Como aponta Tomazzoni, a dança
se configura no espaço midiático como um discurso
privilegiado mais intenso do que o discurso verbal. Dessa

276
forma, mover-se dançando, tocaria numa espécie de regime
de verdade para além da configuração discursiva da fala,
como sugere o autor ao citar verso da canção “Hips don’t
lie” (“Quadris não mentem”), da cantora colombiana Shakira:
“Então seja sábio e continue/A ler os sinais do meu corpo/
Eu estou aqui nesta noite/Você sabe, meus quadris não
mentem”. O corpo sexualizado que dança no ritmo do
passinho dos malokas faz aparecer também um corpo
espontâneo, que se entrega ao ritmo, prazer e deleite de
ocupar o espaço público, seja nas redes sociais digitais, seja
nas dinâmicas urbanas ou nos pátios das escolas.

Os dançarinos de passinho dos malokas também


coreografam o gênero na medida em que seus movimentos
conectam performatividades (masculinidades e
feminilidades) ao dançarem em rede. A dimensão pélvica
dos movimentos, o acionamento da bunda, as marcações
coreográficas que ressaltam órgãos genitais apresentam
formas de inscrições dos corpos em enquadramentos
culturais. Dançar significa generificar corpos, atribuir-lhes
sentidos e sensibilidades, reconhecendo movimentos,
dramaticidades e teatralidades que se dão nos campos de
disputa das culturas.

A questão não é apenas perceber como noções de


masculino e feminino são engendradas no passinho dos
malokas, mas sobretudo, pensar sobre os movimentos
coreográficos que permitem o gênero aparecer e

277
se estabilizar – embora sempre passível de novas
instabilidades. É sobre o argumento coreográfico do gênero
que Susan Foster (1998) se conecta às ideias de Tomazzoni
(2015) para apresentar possibilidades de leituras de gênero
em danças nas mídias. As coreografias de gênero implicam
em perceber “movimentos de existência” dos sujeitos que
dançam permitindo perceber resíduos culturais mediados
nos corpos.

Dançarinas de Bregafunk:
gênero, corpo, trabalho
Adentrando ainda mais nas disputas morais em torno do
Bregafunk é inevitável o reconhecimento das desigualdades
de gênero no tocante à presença de homens e mulheres
em lugares de destaque no panteão artístico do gênero
musical. Durante os anos de 2017 e 2020, homens ainda
eram amplamente reconhecidos como MCs e protagonistas
no Bregafunk enquanto às mulheres cabia, em geral, o
lugar de dançarinas e de “coadjuvantes” neste processo.
Levantamento realizado pelos jornalistas Maira Stephane
e Pedro Oliveira43, elencou que, no ano de 2018, dos 17 dos
MCs mais populares de Bregafunk todos eram homens –
levando em consideração engajamento e popularidade em
redes sociais. Os “corpos de baile” destes artistas reuniam
34 pessoas, na ocasião, sendo 20 homens e 14 mulheres.

278
As desigualdades de gênero integram parte significativa
daquilo que mais amplamente chamamos de “políticas
de gênero” (SOARES e LINS, 2017) ou seja as ações
institucionais organizadas em torno do debate sobre
igualdade de gênero, relações e hierarquias entre gêneros
e suas transformações políticas, sociais e econômicas.
Mesmo que as conjunturas de poder e interesse estejam
em constante transformação, são justamente as estruturas
hierarquizantes entre os gêneros as que permanecem
profundamente enraizadas nas instituições e organizações
da sociedade. Simultaneamente, a continuidade das
assimetrias de poder entre os sexos tornou-se frágil. Elas
são diferentes entre os sexos e dentro de cada grupo de
gênero (STIFTUNG, 2007, p. 14).

A política de gênero é um debate tão relevante quanto


necessário na medida em que precisa se reconhecer as
ações institucionais em espaços não tradicionais, como
o mercado de música, amplificando a esfera do debate
e circunscrevendo a busca pela revisão da presença
essencialmente masculina nas instâncias de produção,
gestão e consagração da indústria fonográfica e do mercado
de música – fato que é amplamente debatido por Mello
(2007), Citron (2001) e Cusick (2001) na relação entre
hierarquias de gênero e musicologia. As hierarquias de
gênero, portanto, seriam instâncias a serem questionadas
pelas políticas de gênero em instituições do mercado

279
musical como forma de apresentar relações menos
assimétricas entre sujeitos nestes contextos.

Neste contexto de desigualdade de gênero no Bregafunk,


importante observar importantes atrizes sociais que
evidenciam tais assimetrias de poder: as dançarinas.
Ao mesmo tempo que atendem a expectativas do olhar
objetificante e masculino sobre seus corpos, as dançarinas
de Bregafunk auxiliam a pensar o papel da mulher e de suas
estratégias e táticas de sobrevivência e de enfrentamento
das diferenças de gênero em perspectiva interseccional: a
partir das questões raciais e também de classe.

No projeto “Corpo de Baile”, Stephane e Oliveira (2018)


elencam desafios das vivências de jovens para se
tornarem dançarinas de Bregafunk. A pesquisa constata
as negociações necessárias para o ingresso nas estruturas
dos grupos dos artistas a partir de relações tácitas de
poder que envolvem a perspectiva do afeto pela dança e
a profissionalização quando da vinculação ao universo do
Bregafunk. Há uma espécie de “roteiro performático” nos
depoimentos das dançarinas (o projeto entrevistou Vitória
Kelly, Vanessa Santos e Anny Miranda), que envolve a
descoberta por algum “olheiro”, o vínculo financeiro que
se converte na ideia de que elas podem “viver” da dança,
a acomodação na estrutura do espetáculo, as dificuldades
de lidar com assédio e o impasse sobre o futuro e sobre as
relações formais de emprego e renda.

280
A questão do trabalho parece ser central sobre o
autorreconhecimento como dançarinas profissionais e
também no afastamento da ideia de uma “vida doméstica”.
Elas lembram do “primeiro salário”, do que fizeram “quando
receberam o cachê” e relatam aquilo que seria a maneira
com que “entraram” no ambiente do Bregafunk. Descoberta
por um famoso MC ou numa escola de dança comunitária,
o processo de “se tornar” dançarina integra uma prática de
autonomia da mulher em práticas interseccionais de raça
e classe social (DAVIS, 2016) a partir do reconhecimento
da força de trabalho do seu corpo. A dimensão material do
corpo da mulher na leitura marxista de Davis nos convida
a pensar para além da dimensão moral que recai sobre as
mulheres dançarinas, trabalhadoras da noite e do mercado
de entretenimento. As condições de vulnerabilidade social e
racial a que jovens das periferias estão submetidas incidem
sobre o reconhecimento do corpo como um instrumental
de trabalho – para além dos ideais patriarcais do corpo
feminino em trabalho doméstico.

A consagração como dançarina de Bregafunk vem


acompanhada do processo de celebrização, fama e também
assédio masculino. Há, nos depoimentos das dançarinas,
o tácito reconhecimento de que a beleza e o “gingado”
com a dança, que são condições primordiais para que elas
acessem o espaço dos corpos de baile dos MCs, carrega
consigo a ambiguidade de estar naquele posto. Homens

281
que se sentem aptos a tocarem nelas, filmarem suas áreas
genitais e agarrarem em saídas de shows evidenciam traços
do que as próprias dançarinas chamam de “ações corriqueiras”
– elas também relatam que são protegidas por seguranças e,
em alguma medida, por sua própria recusa. Há dançarinas que
dizem se incomodar muito quando o assédio ultrapassa o limite
e chega ao toque, outras relatam que deliberadamente não
ligam e que “até gostam” de provocar e de “se sentir desejada”.
O que parece haver neste interstício entre o prazer de causar
o desejo e o medo do avanço excessivo do homem é a própria
dimensão performática que envolve suas vidas dentro e fora do
palco: provocar é parte integrante do jogo de sedução no palco,
mas uma vez que o “jogo cênico” termina, o “pacto simbólico”
do ato de dançar e atiçar o imaginário alheio também deve
esmaecer. É nesta zona limítrofe entre o prazer do trabalho
de dançar e as ingerências decorrentes das desigualdades de
gênero e do machismo que o trabalho se desenvolve e parece
ser o “desgaste” da atividade das dançarinas de Bregafunk.

Falar sobre as mulheres dançarinas implica em reconhecer


também a existência dos dançarinos homens de Bregafunk
que, a partir do compartilhamento de ações de dança e da
presença em redes sociais digitais, computam altos números
de curtidas, engajamentos e recomendações envolvendo
uma série de capitais simbólicos: desde aqueles envolvendo
a performatividade da dança até o capital erótico como
beleza e sensualidade. O caráter erótico da dança masculina
no Bregafunk, com gestos que se localizam enfaticamente
na pélvis, favorece a consagração de dançarinos a partir da
erotização do corpo do homem negro, tornado objeto de desejo

282
quando para finalidades exclusivamente sexuais.

É comum que dançarinos de passinho realizem vídeos


dançando sem camisa e com shorts frouxos e sem cueca, para
enfatizar o caráter sensual da dança. Os “reis da brecadeira” são
exímios em simular coreografias do coito, através de passos
como “pentada” ou “bengada”, oscilações entre violência do
gesto, sutileza da rebolada, numa espécie de encenação do
ato sexual com voracidade. A corporalidade dos dançarinos de
passinho dos malokas operam num limiar entre a dimensão
sexual do gesto e a ironia e comicidade da “brincadeira”,
criando zonas especulativas sobre os corpos dançantes.
Dançarinas de passinho enfatizam movimentos com a bunda,
através da rebolada ou da “sentada”, também consagrando
gestuais já amplamente disseminados pelo funk.

Antes de propriamente classificar as danças ligadas ao


Bregafunk como algo “hipersexualizado” ou trazer à tona
um olhar excessivamente moral para esse tipo de prática, é
importante pensar que as danças populares têm a ver com
a construção do corpo ligado a lógicas dionisíacas. Embora
esteja amplamente ligado ao funk, a “quebradeira” masculina
do Bregafunk está conectado às práticas performáticas da
swingueira e do pagode baiano – consagrando a figura do
homem extremamente viril, mas que rebola, constituindo elos
entre figuras midiáticas como Jacaré (do grupo É o Tchan),
Xanddy (do Harmonia do Samba) e Léo Santana.

283
Brega como música negra
A consagração do Bregafunk leva a música brega a uma
consagração midiática e nacional. Volta-se também para o
entendimento e uma releitura do brega romântico, abrindo-se
para um processo de racialização da música brega, ou seja,
a identificação do processo de construção social de raças
na esfera musical. O conceito de racialização rompe com os
padrões estabelecidos e legitimados que concebem raça como
sendo uma simples característica determinada pela biologia
dos corpos ao mesmo tempo em que rompe com a visão de
que raça teria alguma essência (GILROY, 2001), enfatizando
o caráter histórico, político, cultural, econômico e social na
construção de sujeitos racializados.

“Portanto, o conceito de racialização declara que raça não


é determinada pela biologia, apesar de se apoiar nela para
justificar as relações de poder estabelecidas neste processo,
intentando com isso camuflar todo o seu conteúdo político”.
(SOUZA, 2017, p. 6). Racializar a música brega significa
reconhecer as dimensões históricas e políticas existentes no
gênero musical, vividas e experienciadas por sujeitos negros,
que pareciam silenciadas ou ocultadas. As controvérsias por
que passam os artistas e fruidores de Bregafunk permitem
abrir caixas pretas na história da música brega em sentido mais
amplo e racialmente localizados.

Cabe observar o apagamento dos acionamentos de raça na


música brega, principalmente nos registros historiográficos
deste gênero musical. A história da música brega no Brasil
sempre esteve conectada a um forte marcador de classe social,

284
como evidencia Araújo (2010), que relaciona este cancioneiro
aos contingentes de migrantes no Sudeste brasileiro nas
décadas de 1960 e 1970. O autor ressalta a marcação de classe
social tanto no consumo quanto na dinâmica produtiva das
canções, ao mesmo tempo em que reconhece a potência
poética e política da música brega (cafona) no tocante à censura
no período da Ditadura Militar. Araújo ressalta a existência de
uma “linguagem de frestas” no cancioneiro brega, linguagem
esta que despista a censura e impõe a sagacidade e criatividade
em um contexto restritivo de liberdade de expressão no Brasil.

Concomitante à aparição dos cantores cafonas no Sudeste


do Brasil (grande parte deles migrantes vindos das regiões
Centro-Oeste – caso de Odair José e Amado Batista, de Goiás
– e Nordeste – Waldick Soriano, saído do interior da Bahia), a
música brega emerge em diferentes contextos brasileiros na
década de 1970 com texturas e acentos particulares. No Pará,
ganha sonoridades, timbres e poéticas de um conjunto de
práticas musicais caribenhas, a partir do calipso (AZEVEDO,
JÁCOME e PRADO, 2019) e das sonoridades latinas (AMARAL,
2009 e MELO e CASTRO, 2011).

Em Pernambuco, e mais amplamente no interior dos Estados do


Nordeste, conecta-se às matrizes estéticas do forró, valendo-
se também dos fluxos migratórios entre as regiões Norte
e Nordeste do Brasil para a criação de matrizes híbridas. A
despeito do reconhecimento da emergência destes itinerários
sobre a música brega no Brasil, tais abordagens ressaltam a
perspectiva de classe social como marcadora do consumo, ora
a partir do mito de origem destes fenômenos nas periferias das

285
grandes cidades, ora reconhecendo as assimetrias de gênero
e a poética das letras que ressaltam enquadramentos sobre o
papel da mulher e do homem nas encenações melodramáticas
das canções, ora a partir das ambiências e circulações do
consumo musical.

O destaque dado à classe social como central no entendimento


da produção e do consumo da música brega no Brasil abre
vácuos acerca da presença de artistas negros e negras na
música brega, bem como sobre o reconhecimento das marcas
do racismo nas classes populares brasileiras. O preconceito
à música brega – sobretudo no argumento empreendido
por Araújo (2010) – esteve fortemente atrelado à condição
financeira dos artistas e do público presentes nos shows e
festas, e não – na leitura do autor - ao racismo e às formas
interseccionais de poder existentes nas observações sobre
consumo e política.

Importante voltar um pouco mais no tempo e observar como


o apagamento da negritude na música brega e romântica
brasileira também pode estar atrelado à reiteração das
dinâmicas de miscigenação e mestiçagem no contexto do Brasil
e suas formas apaziguadas de dizer o corpo negro. Ao mostrar
a maneira com que a cantora Ângela Maria era vista mais como
uma “representante do povo”, uma operária que tinha “vencido
na vida” e virado artista na década de 1950 ao invés de uma
mulher negra cantando música romântica, Liv Sovik (2009)
desvela como a atenuação sobre os aspectos raciais da cantora
revela sobre os impasses de se colocar como negro no mercado
musical brasileiro.

286
Apelidada de “Sapoti” pelo presidente Getúlio Vargas em
função da cantora ter uma “voz aveludada e pele da cor de
sapoti”, Sovik atesta que “Ângela Maria e sua música existiam
no limiar entre ser negro ou ‘sapoti’ e a suspensão desta
identidade – indicando ao mesmo tempo negritude e ausência
de cor, identidade e piada” (SOVIK, 2009, p. 121). Segundo
a autora, somente em 1956, quando a cantora fez cirurgia
plástica, afinou o nariz, clareou a pele e tingiu o cabelo para
aparecer fantasiada de baiana na capa do disco “Isto é Ângela
Maria” é que o aspecto racial foi debatido na imprensa. Ou
seja, Ângela Maria foi identificada como negra por subtração.
Assegura Sovik: “mais discutido do que sua cor, na cobertura da
imprensa no auge de sua carreira, era seu estatuto de mulher na
promoção da imagem da esposa e mãe”. (SOVIK, 2009, p. 122)

Outro recuo no tempo permite observar a emergência da


questão racial no consumo musical no Brasil. A partir do
aumento da capacidade de consumo na década de 1970,
negras e negros brasileiros passaram a ser localizados no
radar mercadológico das indústrias fonográficas, ocupando
espaços de lazer e diversão musical nos bailes black do
Sudeste brasileiro, conforme afirma Luciana Xavier (2018), não
sem antes evidenciar tensões neste fenômeno: os diálogos
com o universo da música black estadunidense promovem
rasuras sobre as marcas da negritude brasileira e a sua relação
com o samba; os constantes ataques às expressões da cultura
black carioca, consideradas como “alienadas” ou “de direita”
no contexto da ditadura militar, e a presença destas festas,
em grande medida, nas narrativas das páginas policiais da
imprensa da época.

287
Se observarmos os não-ditos presentes na observação de
Sovik sobre a negritude de Ângela Maria, assim como o
conjunto de postulações que resultam no estudo de Xavier
sobre consumo, lazer e diversão das populações negras
nas periferias brasileiras, observa-se a ausência de um
debate de raça interseccionado, ou seja, como um fator
de acentuação das diferenças tanto nas dimensões de
enquadramento performático de artistas quanto nas formas
de consumir música urbana.

Neste sentido, cabe reconhecer a contribuição do


Bregafunk para uma autorreflexão racial da música brega,
fazendo ressaltar as formas de perceber os não-ditos de
um cancioneiro repleto de marcações de raça. Através
desta perspectiva, é possível compreender a ausência de
marcações ou afirmações raciais na fala de importantes
artistas do brega como Reginaldo Rossi. Episódios de
racismo vividos por artistas como Troinha, Sheldon e
Shevchenko e Elloco, fazem com que uma espécie de
“orgulho negro” se evidencie na música brega.

Cantoras como Dany Myller e Eliza Mell passam a se


autodeclararem direta ou indiretamente como negras, seja
discursivamente, ou através de metáforas e empréstimos
biográficos de divas negras da música pop. Dany Myller é
intitulada – e incorpora – a “Beyoncé do Brega” e Eliza Mell,
que a partir do episódio midiático “Tem Gogó, Querida?”
(ALVES, 2020), passa a ser comparada à cantora negra

288
Whitney Houston. O cantor Sheldon ostenta o codinome de
“Diamante Negro”.

Institucionalização
(e exclusão) no brega
Meu celular toca, número desconhecido. Desconfio ser
mais um daqueles atendentes de telemarketing ou robôs
de cobrança. Atendo. Do outro lado da linha, era o deputado
Edilson Silva (PSOL) convidando para uma audiência pública
da Comissão de Cidadania da Assembleia Legislativa de
Pernambuco para o debate sobre políticas públicas em
torno da integração do brega às festividades promovidas
pelo Estado de Pernambuco. “Queria que você falasse sobre
a importância cultural do brega e também sobre os impactos
econômicos para a economia”, disse o deputado.

A primeira edição do livro Ninguém é Perfeito e a Vida é


Assim: A Música Brega em Pernambuco tinha sido lançada
no mês de agosto de 2017 depois de um amplo debate
sobre a proibição da presença de artistas de brega no
Carnaval de Pernambuco daquele ano. Artistas de gêneros
musicais como brega, forró eletrônico, swingueira, arrocha,
funk, sertanejo e pagode não puderam se inscrever na
convocatória do Governo de Pernambuco para o Carnaval de
2017. A determinação era parte das medidas da Secretaria

289
de Cultura, através da Fundarpe e da Empetur, de padronizar
a divisão de orçamento para atrações do Carnaval através
da clivagem dos gêneros musicais.

Os anos de pesquisa e de redação do livro (entre 2012 e


2017) foram também aqueles em que a música brega foi se
capilarizando pela cidade do Recife sobretudo a partir de
diferentes fluxos midiáticos (do rádio e da televisão para as
redes sociais digitais) e, a cada anúncio da programação
carnavalesca gratuita pelo poder público para seus eventos,
tornava-se mais incontornável o argumento sobre a não-
inclusão de artistas de brega nos palcos. Até porque,
embora não estivessem na programação oficial, o brega e o
Bregafunk estavam “bombando” nas ruas, nas caixinhas de
som e nos usos cotidianos da música durante os festejos
carnavalescos. Informalmente, os argumentos para a não-
inclusão do gênero musical nas festas públicas partia de
um debate generalista sobre “possibilidade de arrastões”,
“sexualização das letras” e “o brega não precisa do dinheiro
público”.

A série de polêmicas que se arrastou nos Carnavais de


2015 a 2017 inseriu o brega dentro das disputas na política
partidária em Pernambuco. No dia 14 de fevereiro de 2017,
o projeto de lei nº 8 1176/2017, proposto pelo deputado
Edilson Silva (PSOL)44, deu origem à defesa da música
brega como “expressão cultural pernambucana”, tendo sido
aprovado em maio de 2017. Em 19 de agosto de 2017, a lei nº

290
16.044/2017 é publicada no Diário Oficial do Estado, tendo
sido aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa
de Pernambuco. O que, em linhas gerais, a lei permite é
que o brega possa disputar verba pública para ocupar
espaços em eventos financiados pelo Estado, ao lado de
artistas de outras expressões da cultura popular como
frevo, maracatu, ciranda, entre outros. Instaura-se assim
um debate sobre políticas públicas e o reconhecimento de
diferentes matrizes da cultura popular: para além do popular
folclórico, sintetizado pelas expressões culturais protegidas
e incentivadas pelo Estado, existe um popular midiático que
também funciona como dispositivo identitário e agregador
de ideais culturais de um território.

Na ligação telefônica, Edilson Silva me relatava que a ideia


do projeto de lei tinha surgido a partir da demanda dos
artistas e citou um episódio em que MC Troinha e Tocha
foram impedidos de subir ao palco e cantar no São João
de Caruaru, em junho daquele ano de 2017, a convite da
cantora Márcia Fellipe45. O argumento da Prefeitura de
Caruaru foi de que a participação dos MCs atrasaria os
outros shows no palco principal. O produtor Victor Ronã deu
outra versão, em depoimento ao site Leia Já: “Já estava tudo
acertado para a participação deles, mas a prefeitura depois
voltou atrás alegando questões de segurança pois a música
deles fazia apologia à violência”, relatou, completando: “pura
hipocrisia”.

291
Troinha e Tocha postaram vídeo na rede social
Facebook expondo o episódio: “O brega é por lei cultura
pernambucana, mas o preconceito e a falta de respeito
continuam”. O que, em linhas gerais, os MCs relatavam
é que “virar lei” não faz do brega permissivo em todos
os espaços. As barreiras políticas, estéticas e morais
seguem entrincheirando o gênero musical nos espaços
de espetáculos, criando zonas de negociação que fazem
acentuar o estigma e a origem periférica e racializada de
grande parte dos artistas.

O que a lei do brega realçou foi um duplo movimento: ao


mesmo tempo em que artistas se uniram e passaram a se
enxergar como atores políticos que reivindicam a entrada
e o acolhimento das políticas públicas do Estado, também
evidenciou a fissura existente no próprio gênero musical,
através de um brega “que atende às expectativas” das
políticas públicas (ou seja, o brega romântico e consagrado
como o “autêntico” brega) e aquelas expressões musicais e
performáticas (o Bregafunk) que é excluída informalmente
do “guarda-chuva” da lei em função de argumentos morais
(“música que incita violência”, “música que incentiva
a sexualização de crianças”) e também por evidentes
indícios de racismo (supor que artistas negros performando
causariam violência). A partir do ano de 2017, artistas de
brega passaram a integrar a programação dos eventos
públicos do Governo de Pernambuco, como Festival de

292
Inverno de Garanhuns e Carnaval – todos vinculados ao
brega romântico ou “brega das antigas”.

A exclusão do Bregafunk pelo poder público não impediu


que outros circuitos fossem se abrindo para os MCs e
artistas do gênero. O festival Rec Beat, que é realizado
com verba pública, porém através de uma curadoria que
o vincula ao circuito de festivais independentes, nas três
edições que sucederam à lei do brega incorporaram artistas
de Bregafunk à sua programação: em 2018, o primeiro
MC a subir ao palco do festival foi Tocha, seguindo de
Shevchenko e Elloko em 2019 e com a primeira mulher a
representar o gênero, Rayssa Dias, em 2020. O principal
argumento do idealizador e produtor do Rec Beat, Antonio
Gutierrez, era reconhecer que artistas do Bregafunk
pudessem estar presentes no Carnaval. “Está na hora
de criarmos essas oportunidades, como é a proposta do
festival”, atestou em entrevista ao G146. A leitura do produtor
enquadrava o Bregafunk como uma “música alternativa”
dentro do próprio brega, a partir do próprio reconhecimento
de que alguns artistas precisariam de espaços com traços
mais assumidamente curatoriais para que pudessem se
integrar ao status quo do gênero musical.

O mesmo movimento de integrar o Bregafunk à paisagem


dos festivais de música independente foi capitaneado pelos
produtores Ana Garcia e Jamerson de Lima ao inserirem,
ano a ano, artistas do gênero no line up do festival No Ar

293
Coquetel Molotov: Troinha em 2018, a dançarina Dani Costa
em 2019 e Rayssa Dias na edição online em 2020 em
função da pandemia de Coronavírus foram reconfigurando
o Bregafunk no circuito de entretenimento da Região
Metropolitana do Recife, atenuando as diferenças e
promovendo ampla visibilidade para artistas que também
ajudaram a minimizar estigmas.

Entre os meses de novembro de 2019 e fevereiro de


2020, as paradas musicais de plataformas de música por
streaming consagraram canções de Bregafunk inserindo
o gênero musical num circuito ainda mais amplo de
música pop evidenciando seu forte apelo comercial e de
engajamento em redes sociais digitais. A canção “Surtada”,
cantada por Tati Zaqui, OIK e pelo cantor pernambucano
Dadá Boladão alcança 200 milhões de visualizações no
Youtube e chega a um invejável pódio de canção mais
ouvida nas plataformas digitais no mês de dezembro de
2019 (dados do Spotify e Deezer).

Seguiram roteiro semelhante, as faixas “Hit Contagiante”,


remix do cantor Felipe Original sobre canção de Kevin o
Chris; “Sentadão”, de Pedro Sampaio, Felipe Original e JS
o Mão de Ouro, chegando na consagração de “Tudo OK”,
parceria de Thiaguinho MT, Mila e (mais uma vez) JS o Mão
de Ouro, o hit do Carnaval de 2020. Artistas de música pop
como Pabllo Vittar fizeram remixes em ritmo de Bregafunk
para suas canções – a mais importante delas, “Amor de Que”.

294
A centralidade do Bregafunk como música pop brasileira
em 2020 aponta para a necessidade de compreensão
das tramas midiáticas e contextuais que ensejaram o
gênero musical. É parte de um processo que envolve atores
humanos (artistas, músicos, produtores e mediadores
culturais) e atores não-humanos (plataformas digitais de
compartilhamento de vídeos, aplicativos musicais, aparelhos
de celulares, entre outros) conectando-se em redes sócio-
técnicas que se movem, agrupando interesses em torno
de ações performáticas compartilhadas e retroalimentadas
por novas redes que se ampliam a partir de sistemas de
recomendação. A formação e a retroalimentação destas
redes dependem de dispositivos tecnológicos que se
tornaram acessíveis a partir do acesso das classes
populares a tecnologias móveis, do barateamento dos
dispositivos tecnológicos, alterando a forma de produzir e
consumir música nas periferias do Brasil.

Como “música de pobre” conectada ao mercado de


entretenimento musical, emulando também modismos e
incorporando acentos da música pop global, o cancioneiro
da música brega em Pernambuco evidencia toda porosidade
das expressões culturais em contextos públicos e privados,
as negociações, apagamentos, censuras e formas de
engajamento proporcionadas pela e através da música. A
“lei do brega” em 2017 reconheceu o brega como “expressão
cultural de Pernambuco”, entretanto apresentou outras

295
fissuras: evidenciando as tensões de sua conexão com
manifestações da cultura pop global, amplamente comercial
e as questões em torno do pertencimento e da marcação
territorial como “música pernambucana”, além dos estigmas e
do racismo que permeiam as relações de poder.

Esses impasses de ordens territorial, política e estética sobre a


música brega só revelam as potências deste cancioneiro como
formas legítimas de debater a cultura em seu campo sempre
minado de certezas, apontando para a necessidade de revisão
das bases históricas e políticas que nos fazem enquadrar
(olhar e ser olhado) para aquilo que nos afeta academica e
emocionalmente. A música brega reflete e refrata as lutas de
classe, as questões antirracistas e sobre as desigualdades
de gênero. Olhar para estas questões é buscar, através
das expressões culturais, formas de entendimento de uma
sociedade mais plural, democrática e inclusiva.

296
Notas de fim
1 Corroboramos aqui com a ideia de “incômodo” como pensada por Felipe Trotta,
na palestra “A Música que Incomoda”, na Universidade Federal de Pernambuco, em
março de 2016.
2 O termo faz referência ao Festival Pernambuco Nação Cultural, que entre 2007 e
2014, elaborou 74 etapas, realizando shows musicais em 82 cidades do interior de
Pernambuco. Nenhum artista de música brega integrou o evento em seus sete anos
de realização. O documento sobre o projeto está disponível em: https://issuu.com/
cultura.pe/docs/revista_secult_web_final.
3 O projeto “Music from Pernambuco” foi realizado pela Astronave Iniciativas Culturais,
criado pelo produtor Paulo André Pires (do Abril pro Rock), e teve apoio da Funcultura
(Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura) e Fundarpe (Fundação do Patrimônio
Histórico e Artístico de Pernambuco).
4 “Em grego, o cânone era uma regra, um modelo, uma norma representada por uma
obra a ser imitada. Na Igreja, o cânone foi a lista, mais ou menos longa, dos livros
reconhecidos como inspirados e dignos de autoridade” (COMPAGNON, 2010, p. 222).
5 Estamos aqui lembrando o que Genette chamou de “ilusão estética” ou o relativismo
de quem olha: a posição do crítico e a tentativa de fixar valores, seja destacando uma
certa objetividade científica (a partir de leituras imanentes) ou também apontando a
(suposta excessiva) subjetividade da crítica como um lugar “menor” de observação.
Dentro deste quadro, sabemos que mesmo diante de toda tradição de abordagens
imanentes nas ciências humanas (formalistas, estruturais), sempre coube à crítica
vazar disposições subjetivas, o lugar do crítico como amparado em escolhas muito
pessoais e a disposição para leituras políticas destes posicionamentos.
6 Para a íntegra da matéria: http://eutonamidiapb.com.br/33595/noticias/banda-
sedutora-em-menos-de-tres-anos-tem-13-formacoes-diferentes.
7 Joelma, ex-vocalista da banda Calypso; Michelle Melo, ex-vocalista da banda Metade;
Priscila Sena, ex-vocalista da banda Musa do Calypso; Carlinha, ex-vocalista da banda
Kitara; Palas, da banda Ovelha Negra; Dany Miller, ex-vocalista da banda Ovelha
Negra; Elisa, ex-vocalista da banda Brega.com. Percebe-se a intensa mobilidade de
artistas de brega na aparição e no fim de bandas centradas na figura da mulher.
8 Percebemos também agenciamentos entre Rio de Janeiro (a cena musical do
funk) e Recife, a partir do momento em que aparecem os MCs do brega (mestres
de cerimônia) centrados na figura masculina, sexualizada, evocando a sedução e a
dominação masculinas como retórica (integram este diálogo, cantores do funk carioca
como Mr. Catra, MC Marcinho, MC Sapão, Bonde do Tigrão, entre outros, e os MCs do
brega pernambucano, como Sheldon, MC Troia, Boco, GG, Leozinho, as duplas Metal e
Cego, entre outros). Sobre este processo podemos chamar de “funkização do brega”
gerando, inclusive, uma nomenclatura de uma sub-gênero musical chamado “brega
funk”.
9 O Manguebeat (também grafado como Manguebit ou Mangue beat) pode ser
traduzido como um movimento de inspiração contracultural ocorrido no Recife
na década de 1990 que usava do mangue como metáfora da diversidade musical
de Pernambuco. Artistas que promoviam “misturas” de ritmos regionais, como o
maracatu com o rock e o hip-hop, despontaram neste cenário, notadamente, Chico

297
Science e Nação Zumbi e Mundo Livre S/A. O Manguebeat influenciou bandas de
Pernambuco, sendo o principal “motor” para Recife ser reconhecida midiaticamente
como um “centro musical”, e permanecer com esse título até hoje.
10 Nomenclatura que soa como uma síntese da junção entre o pagode baiano e a axé
music.
11 Podemos pensar também numa geografia distintiva dos espaços de shows: havia
aqueles mais “nobres” na área de entretenimento, como o Circo Maluco Beleza (reduto
onde jovens da classe média se reuniam, frequentemente, para shows de axé music),
o Clube Português ou o Pavilhão do Centro de Convenções também cediam seus
palcos para apresentações de grupos de pagode.
12 Lembremos que os anos 1990 foram centrais na cristalização da axé music e das
micaretas, os Carnavais fora de época num modelo de entretenimento gerado nos
padrões da folia de Salvador.
13 Uma prática que se assemelhava ao quadro da Banheira do Gugu, do Domingo
Legal, em que, a certa hora, em meio a um show de pagode, jogava-se espuma na
plateia e se iniciava uma “guerra” de mela-mela que se convertia num jogo de paquera
e sedução.
14 As configurações musicais (arranjos, letras) eram bastante semelhantes, por
exemplo, às do cantor Reginaldo Rossi – uma espécie de precursor da “movimentação”
em torno da música romântica no Recife.
15 A música foi gravada também por artistas de “âmbito” nacional, como o pagodeiro
Vavá e os sertanejos Zezé di Camargo & Luciano, entre outros.
16 Foi em meio a estes procedimentos discursivos que “estourou” nas rádios, no final
de 2001, a música Amor de Rapariga, logo “apelidada” de Melô da Rapariga. A canção
foi cantada por Palas, vocalista do grupo Ovelha Negra, e trazia versos explícitos
como: “Amor de rapariga não vinga, não/ Não tem sentimento, não tem coração/ Eu
sei que logo ele vai perceber/Esta é a diferença entre nós duas/ Todo homem quer
uma mulher só sua”.
17 Cabe aqui uma definição acerca do que vem a ser uma festa brega no contexto da
cidade do Recife e Região Metropolitana: trata-se de um evento em que artistas da
cena brega local se apresentam. Neste sentido, adota-se o brega como um gênero
musical e a festa como uma espacialidade na qual a estética e as experiências deste
gênero são performatizadas. Artistas como MC Shedon, Michelle Melo, banda Musa
do Calypso, Kitara, entre outros, são endereçados como bregas. Vale aqui fazer
diferenciações dos usos acerca do termo: o emprego do brega no Recife difere, por
exemplo, do tecnobrega do Pará e também da música cafona dos anos 1970.
18 Antes de tudo, é preciso fazer uma ressalva em torno da tradução para português
do termo “conveniência”, que, nos escritos originais de Yúdice, aparecem como
“expediency”. O termo, como usado pelo autor, traz à tona os usos ligados às lógicas
de políticas culturais e legitimações governamentais em torno de bens intangíveis. A
forma com que pensamos “conveniência” talvez se aproxime mais da palavra original
em inglês “convenience” que, por sua vez, não é usada por George Yúdice. O uso
do termo “conveniência” como fazemos neste texto, portanto, é mais inspirado pelos
escritos de Yúdice que, propriamente, uma tentativa de extensão de suas noções.
Neste caso, tento fazer um (re)enquadramento do termo para compreensão das
“brechas” e “conveniências” existentes nas experiências dos gêneros musicais.
19 O uso do termo “episteme” como faz Yúdice remete à noção como pensada por
Michel Foucault, ou seja, a episteme como um paradigma comum aos diversos
saberes humanos em uma determinada época que, por se embasarem numa mesma
estrutura, compartilham as mesmas características, independetemente de suas

298
diferenças específicas.
20 Na letra “Tá Querendo o Quê, Novinha?”, o MC Sheldon canta versos em que
sugere que a novinha vai querer tomar “Toddynho” (marca de leite achocolatado
comum entre jovens, mas que funciona como metáfora de sexo oral).
21 Percebemos aqui que a teoria da performance de gênero de Butler lembra o estudo
sobre o performativo nos atos de fala, de J.L. Austin, para quem a fala não apenas
descreve o que existe, mas “faz algo existir”. “Eu agora os declaro marido e mulher”
não descreve algo apenas, mas faz existir algo.
22 Uma das questões mais problemáticas no brega do Recife é o debate sobre autoria
das canções. Quando uma faixa faz sucesso, é disseminada nos “carrinhos de CD
pirata”, aparece nas programações das rádios comunitárias, ela passa a entrar no
repertório de praticamente todas as bandas – ao mesmo tempo. O que problematiza
ainda mais o reconhecimento de quem primeiro cantou a faixa ou é, de fato, seu autor.
23 Por “imposição psicossocial”, entende-se na ideia de que gênero é um ato
intencional e performativo: palavras ou gestos que, ao serem expressos, e repetidos
de uma forma estilizada, produzem um efeito ontológico, levam a crer na existência
de seres homens e seres mulheres. Os gêneros, portanto, são performances sociais.
(PORCHAT, 2010, p. 2).
24 O funkeiro carioca MC Papo compôs uma canção chamada “Piriguete”, de levada
próxima do reaggeton, cujo trecho diz: “Ela curte funk quando chega o verão/ No
inverno, essa mina nunca sente frio/ Desfila pela night de short curtinho/ Ela gosta é
de cara comprometido/ Não tem carro, anda de carona (...)/ Todo mundo já conhece,
sabe o que acontece/ Quando vê a gente ela se oferece/ Mexe o seu corpo como se
fosse uma mola/ Dedinho na boquinha, ela olha e rebola/ Chama atenção, vem na
sedução, essa noite vai ser quente/ Eu vou dar pressão”.
25 Na ocasião, Ivete Sangalo usou da identidade de “piriguete” para incluir em seu
show um bloco de canções ligadas ao pagode popular e ao arrocha – gêneros musicais
marcadamente presentes na periferia de Salvador, Bahia. A partir de então, Sangalo
recorria à alcunha de “piriguete” para cantar desde faixas como “Piriri Pom Pom”, da
banda Um Toque Novo; passando por “Mulher Brasileira (Toda Boa)”, do Psirico e até
“Você não Vale Nada”, sucesso na voz de Calcinha Preta.
26 O gênero desenvolveu-se durante os anos 1980 nos Estados Unidos. Um dos
pioneiros do “gangsta rap” foi o rapper Ice-T com seus singles “Cold Wind Madness”
e “Body Rock/Killers”, de 1983 e 1985.
27 As próprias bandas de brega, que não tinham recursos para gravar discos, munem
o mercado musical com registros de suas canções, em geral, ao vivo, a partir de
gravações amadoras. Mesmo sendo uma prática ainda muito comum, a “carrocinha
de CD pirata” agora tem uma concorrente de peso; e os artistas, mais um instrumento
de divulgação: a internet.
28 A tamanha repercussão do caso fez com que houvesse um verbete sobre o “Caso
Denny Oliveira” até no Wikipédia.
29 Disponível em http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-
urbana/2015/06/13/interna_vidaurbana, 581019/mc-vertinho-foi-solto-nesta-sexta.
shtml
30 Reportagem do jornal Folha de São Paulo chamando MC Loma de funkeira: https://
f5.folha.uol.com.br/celebridades/2018/09/mc-loma-processa-seu-empresario-e-
alega-nao-receber-repasse-de-caches-de-shows.shtml.
31 Para mais informações: https://kondzilla.com/m/dada-boladao-apresenta-o-
bregafunk-de-recife.

299
32 Para mais informações: https://blogs.ne10.uol.com.br/social1/2019/06/08/
produtor-pede-desculpas-apos-polemica-envolvendo-os-mcs-shevchenko-e-elloco-
preconceito-nao-e-citado-em-nota/.
33 Para mais informações: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/
viver/2017/06/mcs-troinha-e-tocha-sao-impedidos-de-fazer-show-com-marcia-
fellipe-em.html.
34 A pesquisa da historiadora Martha Abreu (2017) relata uma série de episódios de
racismo quando da aparição dos primeiros artistas negros que levavam as “canções
escravas” para os palcos artísticos das grandes cidades brasileiras. O detalhamento
dos relatos evidencia traços muito semelhantes de racismo que revelam a permanência
de padrões de enquadramento do olhar sobre pessoas negras.
35 Para mais informações: https://g1.globo.com/pernambuco/noticia/desafio-so-da-
tu-espalha-brega-pernambucano-pela-internet-e-chega-a-china.ghtml.
36 Confira em: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/2019/01/o-
fenomeno-do-passinho-dos-malokas-no-grande-recife.html. Acesso em: 6 de maio
de 2020.
37 Embora dados presentes no documentário “A Batalha do Passinho – O Filme”, de
Emílio Domingos, relate a existência do passinho nas comunidades cariocas desde
2003. Informações: A BATALHA DO Passinho – O Filme. Documentário. Direção:
Emílio Domingos. Osmose Filmes, 2012. Brasil. 75 minutos.
38 Para ver a informação: http://g1.globo.com/musica/rock-in-rio/2013/
noticia/2013/09/beyonce-encerra-noite-pop-com-show-vigoroso-e-toca-funk-
carioca.html
39 Para assistir ao videoclipe: https://www.youtube.com/watch?v=7tzDburY9ec.
40 Para ler: https://www.leiaja.com/cultura/2019/02/14/mcs-sao-expulsos-do-
parque-da-jaqueira-ao-gravar-clipe/.
41 Para íntegra do projeto de lei: http://www.alepe.pe.gov.br/proposicao-texto-
completo/?docid=4966&tipoprop=p.
42 Para leitura da reportagem completa: https://marcozero.org/projetos-de-lei-
tentam-proibir-dancas-nas-escolas-por-todo-o-pais/.
43 No trabalho de conclusão de curso de Jornalismo da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), “Corpo de Baile: O Protagonismo das Dançarinas de Bregafunk”,
disponível em: https://jpoa96.wixsite.com/corpodebaile.
44 A Lei número 16.044/2017, proposta pelo deputado Edilson Silva (PSOL), altera a
Lei nº 14.679/2012 e inclui o brega na lista de manifestações artísticas com espaço
garantido na programação de eventos custeados pelo Estado. Para mais informações:
http://www.alepe.pe.gov.br/2017/08/18/brega-e-reconhecido-como-expressao-
cultural-pernambucana/.
45 Para a íntegra da reportagem: http://saojoao.leiaja.ne10.uol.com.br/
noticias/2017/06/23/mcs-troinha-e-tocha-sao-proibidos-de-subir-ao-palco-com-
marcia-fellipe-em.
46 Para a íntegra da reportagem: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/
carnaval/2020/noticia/2020/02/19/mulher-representa-brega-funk-pela-primeira-
vez-no-palco-do-festival-rec-beat-no-recife.ghtml.

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