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A BATALHA DE DURBAN

SUELI CARNEIRO
GeledÈs/Instituto da Mulher Negra

Resumo: O artigo registra as principais iniciativas de organizaÁ„o do movimento negro para a


III ConferÍncia contra o Racismo. Especial destaque È dado ‡ ArticulaÁ„o de OrganizaÁıes
de Mulheres Negras Brasileiras prÛ-Durban, cuja presenÁa marcante no processo garantiu
conquistas importantes nos documentos finais, tanto da ConferÍncia das AmÈricas (em
dezembro de 2000) como da ConferÍncia de Durban (agosto/setembro de 2001). A partir da
participaÁ„o nessa ArticulaÁ„o, a autora discute as contradiÁıes e conflitos que emergiram
no debate entre as naÁıes presentes ‡ ConferÍncia, evidenciando seus nexos com o racismo,
o colonialismo e a expans„o econÙmica do Ocidente. Ao mesmo tempo, esboÁa sua vis„o
sobre os ganhos polÌticos que a ConferÍncia representou para mulheres e homens negros da
di·spora, especialmente na AmÈrica Latina, e os desafios que se colocam para a superaÁ„o
do fosso que os separa dos brancos no Brasil.
Palavras-chave: ConferÍncia da ONU, organizaÁ„o negra, mulheres negras, racismo,
afrodescendente.

ApÛs a queda do muro de Berlim, as ConferÍncias Mundiais convocadas pelas


NaÁıes Unidas tornaram-se espaÁos importantes no processo de reorganizaÁ„o do
mundo e vÍm se constituindo em fÛruns de elaboraÁ„o de diretrizes para polÌticas
p˙blicas. Como vimos reiterando em outros artigos, ao longo dos anos 1990, as v·rias
ConferÍncias deram visibilidade a temas essenciais, tais como direitos humanos, meio
ambiente, direitos reprodutivos, gÍnero e pobreza, entre outros. Espera-se que o mesmo
aconteÁa em relaÁ„o ao racismo, ‡ discriminaÁ„o racial, ‡ xenofobia e ‡ intoler‚ncia
no Brasil e no mundo. 1 Por isso, a III ConferÍncia Mundial contra o Racismo,
DiscriminaÁ„o Racial, Xenofobia e Intoler‚ncias Correlatas foi motivo de grandes
expectativas e esperanÁas para o Movimento Negro do Brasil e para o conjunto da
populaÁ„o negra.
Tais expectativas refletiram-se no intenso engajamento das organizaÁıes negras
brasileiras na construÁ„o e realizaÁ„o da ConferÍncia Mundial contra o Racismo. No
plano nacional, esse processo teve inÌcio em abril de 2000, com a constituiÁ„o de um
ComitÍ Impulsor PrÛ-ConferÍncia, formado por lideranÁas de organizaÁıes negras e
organizaÁıes sindicais, que assumiu a realizaÁ„o de in˙meras tarefas organizativas.
Entre elas, o ComitÍ formulou uma den˙ncia pelo ìdescumprimento e violaÁ„o
sistem·tica da ConvenÁ„o Internacional Sobre a EliminaÁ„o de Todas as Formas de
DiscriminaÁ„o Racial, resultantes de aÁıes diretas e de omissıes do Estado brasileiroî
na implementaÁ„o de polÌticas p˙blicas de combate ao racismo e ‡ discriminaÁ„o e

Copyright  2002 by Revista Estudos Feministas


1
Sueli CARNEIRO, 2000a.

ESTUDOS FEMINISTAS 209 1/2002


SUELI CARNEIRO

de promoÁ„o da igualdade racial;2 tambÈm realizou contatos com organizaÁıes


internacionais envolvidas no processo da ConferÍncia, como o International Law Group.
O ComitÍ foi respons·vel pela constituiÁ„o do FÛrum Nacional de Entidades Negras para
a III ConferÍncia contra o Racismo, a partir do qual foi elaborado um documento das
entidades negras sobre os efeitos do racismo no Brasil e formadas delegaÁıes para a
participaÁ„o no processo da ConferÍncia.
No plano internacional, destaca-se a criaÁ„o da Alianza Estrategica Afro-Latino-
Americana y Caribenha PrÛ III Conferencia Mundial del Racismo,3 que, juntamente com a
chilena FundaÁ„o Ideas e outras organizaÁıes, assumiu a convocaÁ„o da Conferencia
Ciudadana. Esta foi o fÛrum paralelo das ONGs, que antecedeu a ConferÍncia das
AmÈricas, em dezembro de 2000, estabelecido com o objetivo de fortalecer as alianÁas e
coalizıes entre ONGs e influir nas decisıes da III ConferÍncia Mundial contra o Racismo e
de seus eventos preparatÛrios.4

Mulheres negras brasileiras: um show ‡ par te


parte
A III ConferÍncia constituiu um momento especial do crescente protagonismo das
mulheres negras no combate ao racismo e ‡ discriminaÁ„o racial, tanto no plano nacional
como no internacional. Entre as diferentes iniciativas desenvolvidas, destaca-se a ArticulaÁ„o
de OrganizaÁıes de Mulheres Negras Brasileiras PrÛ-Durban, composta por mais de uma
dezena de organizaÁıes de mulheres negras do paÌs e coordenada pelo Criola,
organizaÁ„o de mulheres negras do Rio de Janeiro, pelo GeledÈs/Instituto da Mulher Negra,
de S„o Paulo, e pelo Maria Mulher, do Rio Grande do Sul.
Em sua declaraÁ„o inicial, a ArticulaÁ„o alertava para as m˙ltiplas formas de
exclus„o social a que as mulheres negras est„o submetidas, em conseq¸Íncia da
conjugaÁ„o perversa do racismo e do sexismo, as quais resultam em ìuma espÈcie de
asfixia social com desdobramentos negativos sobre todas as dimensıes da vida. Esses se
manifestam em seq¸elas emocionais com danos ‡ sa˙de mental e rebaixamento da auto-
estima; numa expectativa de vida menor, em cinco anos, em relaÁ„o ‡s mulheres brancas;
num menor Ìndice de nupcialidade; e sobretudo no confinamento nas ocupaÁıes de
menor prestÌgio e remuneraÁ„oî.5 Mais tarde, tais constataÁıes foram desdobradas na
publicaÁ„o NÛs, Mulhers Negras, elaborada a partir de m˙ltiplas contribuiÁıes de mulheres
negras de todo o paÌs. Esse diagnÛstico exaustivo sobre as condiÁıes de vida das mulheres
negras no Brasil contÈm um rol de reivindicaÁıes que se constituem em um programa de
aÁ„o polÌtica para as mulheres negras para mais de uma dÈcada.
A significativa presenÁa das mulheres negras no processo que levou atÈ Durban j·
era marcante desde a ConferÍncia Regional das AmÈricas, ocorrida em Santiago do Chile,

2
Esse documento foi entregue a Walter Franco, coordenador das NaÁıes Unidas no Brasil, e a Mary Robinson, Alta
Comiss·ria das NaÁıes Unidas para os Direitos Humanos. Quando da visita desta ˙ltima ao Brasil, tambÈm foi
solicitada sua intervenÁ„o para que o governo brasileiro voltasse atr·s na decis„o de n„o sediar a ConferÍncia
Regional das AmÈricas, preparatÛria para a ConferÍncia Mundial de Racismo. A desistÍncia do Brasil implicou a
escolha do Chile para sediar a ConferÍncia Regional das AmÈricas.
3
Dessa articulaÁ„o continental faziam parte, alÈm do Brasil ñ GeledÈs, o Centro de ArticulaÁ„o de PopulaÁıes
Marginalizadas (CEAP), Rede de Advogados e Operadores do Direito Contra o Racismo e o hoje extinto EscritÛrio
Nacional Zumbi dos Palmares (ENZP) ñ, organizaÁıes negras do Uruguai, ColÙmbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras,
Peru, Equador, ColÙmbia, Rep˙blica Dominicana e Venezuela, e Redes Regionais tais como Rede de Mulheres Afro-
Caribenhas e Afro-Latino-Americanas, Rede Continental de OrganizaÁıes Afro-Americanas, OrganizaÁ„o Negra
Centro-Americana (ONECA), Rede Andina de OrganizaÁıes Afro, Aser Parlamento Andino.
4
PatrÌcia CARDEMIL, 2000, p. 1.
5
CARNEIRO, 2000b, p. 5.

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A BATALHA DE DURBAN

em dezembro de 2000. Compondo a maioria da delegaÁ„o brasileira e concorrendo


decisivamente para a aprovaÁ„o dos par·grafos relativos aos afrodescendentes, as
mulheres ofereceram contribuiÁıes originais que sensibilizaram v·rias delegaÁıes
governamentais de paÌses da AmÈrica Latina. Exemplo disso È o papel ativo de F·tima
Oliveira na formulaÁ„o de questıes de sa˙de, destacando a ìnecessidade de aÁıes, por
parte da OrganizaÁ„o Pan-Americana de Sa˙de (OPAS), para o reconhecimento do recorte
racial/Ètnico e de gÍnero no campo da sa˙de acrescido de recomendaÁ„o aos governos
para a execuÁ„o de polÌticas de atenÁ„o ‡ sa˙de da populaÁ„o negra (...) e a inclus„o
da condiÁ„o genÈtica humana no rol das possibilidades de discriminaÁ„o (discriminaÁ„o
e/ou violÍncia genÈtica)î.6
As mulheres negras lograram ainda estreitar parcerias e cooperaÁ„o com outras
organizaÁıes feministas que potencializaram a problem·tica especÌfica das mulheres
negras no contexto de Durban. Ressalte-se, nesse caso, o Jornal da Rede, de marÁo de
2001, dedicado ‡ III ConferÍncia, em que a Rede Feminista de Sexualidade e Sa˙de
apresenta estudos e pesquisas sobre raÁa/etnia e sa˙de. Editado em portuguÍs e inglÍs, o
Jornal foi amplamente distribuÌdo com enorme aceitaÁ„o nos fÛruns internacionais relativos
‡ ConferÍncia. De igual maneira, o documento da ArticulaÁ„o de Mulheres Brasileiras
(AMB) Mulheres negras: um retrato da discriminaÁ„o racial no Brasil consistiu em mais
uma contribuiÁ„o das mulheres brasileiras ‡ ConferÍncia, para ampliar a visibilidade da
problem·tica especÌfica das mulheres negras na sociedade brasileira. Essas iniciativas
refletem o novo est·gio de relacionamento entre mulheres negras e brancas no Brasil,
sinalizando o aumento da cumplicidade e da colaboraÁ„o na luta anti-racista e anti-
sexista.

Durban n„o terminou...


Sob muitos aspectos, poderÌamos, sem exagero, falar na ëbatalha de Durbaní. Nela
aflorou, em toda a sua extens„o, a problem·tica Ètnico/racial no plano internacional,
levando ‡ quase impossibilidade de alcanÁar um consenso mÌnimo entre as naÁıes para
enfrent·-la. O que parecia retÛrica de ativista anti-racista se manifestou em Durban como
de fato È: as questıes Ètnicas, raciais, culturais e religiosas, e todos os problemas nos quais
elas se desdobram ñ racismo, discriminaÁ„o racial, xenofobia, exclus„o e marginalizaÁ„o
social de grandes contingentes humanos considerados ëdiferentesí ñ tÍm potencial para
polarizar o mundo contempor‚neo. Podem opor Norte e Sul, Ocidente e n„o-Ocidente,
brancos e n„o-brancos, alÈm de serem respons·veis, em grande medida, pelas
contradiÁıes internas da maioria dos paÌses. Essa carga explosiva esteve presente atÈ os
˙ltimos momentos da ConferÍncia, ameaÁando a aprovaÁ„o de seu documento final e a
permanÍncia nela de diversos paÌses.
O que se viu em Durban foi, em primeiro lugar, mais uma demonstraÁ„o de
unilateralismo dos Estados Unidos ao abandonar a ConferÍncia em apoio ao Estado de
Israel, acusado pelo FÛrum de ONGs e por representantes de delegaÁıes oficiais de pr·ticas
racistas e colonialistas contra o povo palestino; e, em segundo lugar, uma evidente
disposiÁ„o dos paÌses ocidentais, em seu conjunto, de fazer naufragar a ConferÍncia caso
esta caminhasse no sentido da condenaÁ„o do colonialismo e suas conseq¸Íncias. Entre
as questıes mais polÍmicas destacaram-se a exigÍncia de reconhecimento do tr·fico

6
F·tima OLIVEIRA, 2001, p. 25.

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SUELI CARNEIRO

transatl‚ntico como crime de lesa-humanidade e de reparaÁıes pelos sÈculos de


escravid„o e de exploraÁ„o colonial do continente africano.7
Questıes de natureza jurÌdica e de princÌpios s„o subjacentes ‡ intransigÍncia dos
paÌses ocidentais em admitir a escravid„o africana como crime de lesa-humanidade, pois
tal reconhecimento daria suporte para demandas por reparaÁıes, por parte de africanos
e de afrodescendentes, contra os paÌses que se beneficiaram direta ou indiretamente do
tr·fico negreiro, da exploraÁ„o da escravid„o e das riquezas do continente africano.
Uma outra dimens„o dessa problem·tica constituiu um permanente n„o-dito, mas
subentendido no posicionamento dos paÌses ocidentais. Para alÈm do objetivo de impedir
a aprovaÁ„o de qualquer proposta que abrisse brechas para reparaÁıes, estes tambÈm
lutavam para impedir a condenaÁ„o do passado colonial, sobretudo porque isso significaria
o questionamento e a crÌtica aos fundamentos que justificaram o colonialismo e a expans„o
econÙmica do Ocidente: (a) a sua suposta superioridade racial e cultural; e (b) a convicÁ„o
de sua miss„o civilizatÛria em relaÁ„o aos povos considerados inferiores, ou seja, a certeza
de que acordaram os povos da ¡frica para a civilizaÁ„o e destinaram os bens ociosos no
continente africano para o progresso de toda a humanidade. Entendemos ser a persistÍncia
dessas visıes um dos condicionantes do fato de que o m·ximo que as delegaÁıes
ocidentais se dispuseram a aceitar como desculpas pelo passado colonial foi a admiss„o
de ëeventuais males ou excessosí do colonialismo.
Nesse contexto, a aprovaÁ„o da DeclaraÁ„o e do Plano de AÁ„o da ConferÍncia,
em um clima de alta dramaticidade, foi, em si mesma, uma de suas grandes vitÛrias, dada
a intensidade dos conflitos e disputas ali presentes. Entretanto, para os afrodescendentes
das AmÈricas e os afro-brasileiros em particular, h· muito que comemorar.
Durban ratificou as conquistas da ConferÍncia Regional das AmÈricas, incorporando
v·rios par·grafos consensuados em Santiago do Chile e tornou o termo ëafrodescendenteí
linguagem consagrada nas NaÁıes Unidas, assim designando um grupo especÌfico de
vÌtimas de racismo e discriminaÁ„o. AlÈm disso, reconheceu a urgÍncia de implementaÁ„o
de polÌticas p˙blicas para a eliminaÁ„o das desvantagens sociais de que esse grupo
padece, recomendando aos Estados e aos organismos internacionais, entre outras medidas,
que ìelaborem programas voltados para os afrodescendentes e destinem recursos
adicionais aos sistemas de sa˙de, educaÁ„o, habitaÁ„o, eletricidade, ·gua pot·vel e ‡s
medidas de controle do meio ambiente, e que promovam a igualdade de oportunidades
no emprego, bem como outras iniciativas de aÁ„o afirmativa ou positivaî.8
O protagonismo dos afrodescendentes das AmÈricas para se verem reconhecidos
pela ConferÍncia de Durban se consubstancia, tambÈm, no par·grafo 33 da DeclaraÁ„o,
aprovado com a seguinte redaÁ„o: ìConsideramos essencial que todos os paÌses da regi„o
das AmÈricas e de todas as demais zonas da di·spora africana reconheÁam a existÍncia
de sua populaÁ„o de origem africana e as contribuiÁıes culturais, econÙmicas, polÌticas
e cientÌficas dadas por essa populaÁ„o, e que admitam a persistÍncia do racismo, a
discriminaÁ„o racial, a xenofobia e as formas conexas de intoler‚ncia que a afetam de
maneira especÌfica, e reconheÁam que, em muitos paÌses, a desigualdade histÛrica no
que diz respeito, entre outras coisas, ao acesso ‡ educaÁ„o, ‡ atenÁ„o ‡ sa˙de, ‡
habitaÁ„o tem sido uma causa profunda das disparidades sÛcio-econÙmicas que a
afetam.î

7
Esses temas mantiveram o Canad· e a Uni„o EuropÈia em permanente ameaÁa de tambÈm abandonarem a
ConferÍncia, e foram usados pelos Estados Unidos, durante as trÍs reuniıes do ComitÍ PreparatÛrio, ocorridas em
Genebra, para justificar a sua n„o-participaÁ„o em Durban.
8
Par·grafo 5 do Programa de AÁ„o da ConferÍncia de Durban.

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A BATALHA DE DURBAN

O Plano de AÁ„o, por sua vez, apresenta v·rios par·grafos que instam os Estados ‡
adoÁ„o de polÌticas p˙blicas nas diversas ·reas sociais voltadas para a promoÁ„o social
dos afrodescedentes. E o seu par·grafo 176, tendo por base as metas internacionais de
desenvolvimento acordadas nas ConferÍncias da ONU da dÈcada de 1990, estabelece
um marco temporal de atÈ 2015 para que aquelas metas sejam alcanÁadas, ìcom o fim
de superar de forma significativa a defasagem existente nas condiÁıes de vida com que
se defrontam as vÌtimas do racismo, da discriminaÁ„o racial, da xenofobia e das formas
conexas de intoler‚ncia, em particular no que diz respeito ‡s taxas de analfabetismo, de
educaÁ„o prim·ria universal, ‡ mortalidade infantil, ‡ mortalidade de crianÁas menores
de 5 anos, ‡ sa˙de, ‡ atenÁ„o da sa˙de reprodutiva para todos e ao acesso a ·gua
pot·vel; a aprovaÁ„o dessas polÌticas tambÈm levar· em conta a promoÁ„o da igualdade
de gÍneroî.
A III ConferÍncia reconhece a problem·tica especÌfica das mulheres
afrodescendentes e as m˙ltiplas formas de discriminaÁ„o que enfrentam. O par·grafo 9
do Plano de AÁ„o pede aos Estados que ìreforcem medidas e polÌticas a favor das mulheres
e jovens afrodescendentes, tendo presente que o racismo os afeta mais profundamente,
colocando-os em situaÁ„o de maior marginalizaÁ„o e desvantagensî. E o par·grafo 10
insta os Estados a ìgarantirem aos povos africanos e afrodescendentes, em particular a
mulheres e crianÁas, o acesso ‡ educaÁ„o e ‡s novas tecnologias, oferecendo-lhes recursos
suficientes nos estabelecimentos educacionais e nos programas de desenvolvimento
tecnolÛgico e de aprendizagem ‡ dist‚ncia nas comunidades locais, e os insta tambÈm a
que faÁam o necess·rio para que os programas de estudos em todos os nÌveis incluam o
ensino cabal e exato da histÛria e da contribuiÁ„o dos povos africanosî.
Em suma, os documentos aprovados em Durban instam os Estados a adotarem a
eliminaÁ„o da desigualdade racial nas metas a serem alcanÁadas por suas polÌticas
universalistas. No Brasil, isso equivaleria, por exemplo, a alterar o padr„o de desigualdade
nos Ìndices educacionais de negros e brancos, que, segundo os dados do IPEA, manteve-
se inalterado por quase todo o sÈculo XX, apesar da democratizaÁ„o do acesso ‡
educaÁ„o. Significaria redesenhar as polÌticas na ·rea de sa˙de, de forma a permitir a
equalizaÁ„o da expectativa de vida de brancos e negros, que È em mÈdia de 5 anos
menor para os negros; promover o acesso racialmente democr·tico ao mercado de
trabalho, ‡s diferentes ocupaÁıes, ‡ terra, ‡ moradia e ao desenvolvimento cultural e
tecnolÛgico.
Assim posto, a agenda que Durban impıe vai muito alÈm das propostas de cotas
que vÍm monopolizando e polarizando o debate da quest„o racial no Brasil. Embora sejam
um dos efeitos positivos da ConferÍncia, as cotas podem reduzir e obscurecer a amplitude
e diversidade dos temas a serem enfrentados para o combate ao racismo e ‡ discriminaÁ„o
racial na sociedade brasileira. O que Durban ressalta e advoga È a necessidade de uma
intervenÁ„o decisiva nas condiÁıes de vida das populaÁıes historicamente discriminadas.
… o desafio de eliminaÁ„o do fosso histÛrico que separa essas populaÁıes dos demais
grupos, o qual n„o pode ser enfrentado com a mera adoÁ„o de cotas para o ensino
universit·rio. Precisa-se delas e de muito mais.
Como sempre ocorre com as ConferÍncias convocadas pelas NaÁıes Unidas, È
preciso transformar as boas intenÁıes em aÁıes concretas que permitam ao Estado brasileiro
realizar a eq¸idade de gÍnero e de raÁa pela qual lutamos em Durban e sempre.

ESTUDOS FEMINISTAS 213 1/2002


SUELI CARNEIRO

ReferÍncias bibliogr·ficas
CARDEMIL, PatrÌcia. Notecierres, 2000, p. 1.
CARNEIRO, Sueli. ìA conferÍncia sobre racismoî. Correio Braziliense, 7 jul. 2000a. Coluna
Opini„o.
_____. ìMatriarcado da misÈriaî. Correio Braziliense, p. 5, 15 set. 2000b.
OLIVEIRA, F·tima. ìAtenÁ„o adequada ‡ sa˙de e Ètica na ciÍncia: ferramentas de combate
ao racismoî. Revista Perspectivas em Sa˙de Reprodutiva, ano 2, n. 4, p. 25, maio 2001.

The Battle of Durban


Abstract: This article assesses the main initiatives taken by the black movement organization in
preparation for the III World Conference Against Racism. Particular attention is given to the
ArticulaÁ„o das Mulheres Negras Brasileiras Pro-Durban, whose meaningful participation in the
process resulted in important gains concerning the final documents drawn, respectively, at the
Conference of the Americas (December 2000) and at the Durban Conference (August-September
2001). The author, drawing from her experience as a participant in the ArticulaÁ„o das Mulheres
Negras, discusses some of the conflicts and contradictions that emerged among the countries
present at the Conference and which were revealing of their ties with racism, colonialism and
Western economic expansion. She also analyzes the political gains brought about by the
Conference to women and men of the black diaspora, more specifically the Latin American
black diaspora, as well as the challenges that the overcoming of the chasm between whites
and blacks in Brazil poses today.
Keywords
Keywords: U.N. Conference, black organization, black women, racism, afro-descendent.

ANO 10 214 1 SEMESTRE 2002

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