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Não peço que tires do mundo, e sim que os guardes do mal. Eles não são do mundo,
como também eu não sou. Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. - João
17.15-17
Introdução
1. O conceito de cultura
O Michael Horton, no seu livro O Cristão e a Cultura, utiliza o termo no seu sentido
mais amplo, referindo-se tanto à cultura popular (esportes, política, música popular
e diversões etc) como à alta cultura (a horticultura, a literatura, as artes e a ciência,
a música clássica, a ópera, etc).
Isto é, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou
no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideais e crenças.
Cultura, assim, é todo e qualquer esforço e trabalho humano feito no cosmos para
descobrir suas riquezas e fazê-las assistirem o homem (ou seja, auxiliarem) para o
enriquecimento da existência humana para a glória de Deus. (Henry Van Til)
E aqui vem um ponto importante, não criamos nada do nada. Sempre criamos a
partir de algo. Cultivar a criação de Deus para criar algo. Um sub-criador a partir
da criação de Deus.
Cultura não necessariamente é má. Ela começa com o objetivo de glorificar a Deus.
Porém, como posto acima, ela é obra humana, e nós humanos somos maus por causa
da queda, logo, a cultura por si só não é má, mas a intenção pecaminosa do coração
humano pode transformá-la em algo mau.
Podemos entender isto em termos práticos quando entendemos que que a cultura
não é somente questão artística, mas é tecnologia, linguagem, etc. Sendo assim, na
bíblia nós temos elementos culturais na sua concepção. Elementos estes que não são
pecaminosos.
E cultura pop?
Embora a cultura pop seja muitas vezes criticada por ser superficial ou comercial,
ela também tem sido vista como uma forma de resistência e subversão, que desafia
as normas e valores estabelecidos pela sociedade e abre espaço para a diversidade e
a criatividade.
Por isto precisamos encontrar uma forma sadia de se relacionar com estes produtos
culturais. Entender como glorificar a Deus com isto.
2. Cristo, o Cristão e a cultura: a tipologia de H. Richard Niebuhr
Veja, a relação do cristão com a cultura pop pode variar de acordo com as crenças
e convicções pessoais de cada indivíduo.
Alguns cristãos podem ver a cultura pop como uma influência negativa, que
promove valores contrários à sua fé e moralidade, enquanto outros podem apreciar
a cultura pop como uma forma de entretenimento e arte, desde que seja avaliada e
selecionada cuidadosamente.
Muitos cristãos veem a cultura pop como uma oportunidade de compartilhar sua fé
e valores com o mundo, usando a arte e a mídia para transmitir mensagens positivas
e inspiradoras.
Por exemplo, músicos cristãos podem usar a música pop para transmitir sua
mensagem de amor e esperança, enquanto escritores cristãos podem criar histórias
e personagens que promovam valores cristãos como a bondade, a justiça e a
honestidade.
Por outro lado, alguns cristãos podem escolher evitar a cultura pop em geral, a fim
de se proteger de influências negativas e se concentrar em seu relacionamento com
Deus e sua comunidade de fé. Essa abordagem pode ser especialmente importante
para aqueles que estão lutando contra vícios ou tentações específicas relacionadas à
cultura pop.
No geral, a relação do cristão com a cultura pop é uma questão pessoal e complexa,
que deve ser abordada com discernimento e sabedoria, avaliando cuidadosamente
as influências e mensagens transmitidas pela cultura popular em relação à fé e
valores cristãos.
Sobre a relação de Cristo, o cristão e a cutlura, uma das abordagens mais completas
acerca desta temática foi feita por H. Richard Niebuhr no clássico Cristo e Cultura,
escrito em 1951 e considerado “um dos livros cristãos de maior influência do século
passado”, e que ainda continua produzindo impacto no ambiente da teologia; prova
disso é que os estudos de autores recentes utilizam-se do livro de Niebuhr como
ponto de partida, a exemplo de Cristo & Cultura: uma releitura (D. A. Carson), O
cristão e a cultura (Michael Horton) e A igreja na cultura emergente (organizado
por Leonard Sweet).
Ele também recorda que as repetidas lutas dos cristãos com este assunto não
produziram uma resposta cristã única, exclusiva, mas apenas uma série de respostas
típicas que, em seu conjunto, para a fé, representam fases da estratégia da Igreja
militante no mundo.
Esta “herança social”, diz Niebuhr, esta “realidade sui generis”, que os escritores do
Novo Testamento tinham sempre em mente quando falavam do “mundo”, que é
representada em muitas formas, e a que os cristãos como os demais homens estão
inevitavelmente sujeitos, é o que queremos significar quando falamos de cultura.
(p.33)
Vejamos cada um desses modelos para que possamos entender a questão dos
excessos:
a) Cristo contra a cultura:
Esse primeiro tipo de relacionamento com a cultura foi comum entre os primeiros
cristãos. A igreja primitiva, conforme Niebuhr, era ensinada a obedecer a Cristo,
amar aos seus irmãos e a rejeitar o mundo, a exemplo do que se vê na exortação da
primeira epístola de João: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se
alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele”. Por isso, os cristãos são
ensinados a deixarem a sociedade secular, seu materialismo e concupiscência, a fim
de se preocuparem com a cidadania celestial.
Apesar das críticas, Niebuhr diz que “estas fugas e rejeições cristãs das instituições
da sociedade têm sido, na história, de grande importância, tanto para a Igreja como
para a cultura.
Elas têm mantido a distinção entre Cristo e César, entre revelação e razão, entre a
vontade de Deus e a vontade do homem. Elas têm provocado reformas tanto na
Igreja como no mundo, muito embora não fosse este o seu propósito. Eis porque
homens e movimentos desta espécie são sempre celebrados pelo seu heróico papel na
história de uma cultura que eles rejeitaram” (p. 90).
b) O Cristo da cultura:
Neste ponto também podemos destacar o Cristo acima da cultura, esta categoria
(Cristo acima da cultura) rejeita as posições extremas anteriores e busca uma
situação de centralidade (a Igreja do centro, como afirma Niebuhr), que seria a
majoritária na história da igreja. É uma visão tipo dualista.
Desse modo, lei, Estado, e outras instituições são “como freios e diques contra o
pecado, impedidores da anarquia, e não como agências positivas através das quais
os homens em união social prestam serviço aos próximos, avançando rumo à vida
verdadeira. Além disto, para. os dualistas, tais instituições pertencem inteiramente
ao mundo temporal e passageiro”.
Temos aqui a categoria do tipo conversionista, em que a cultura deve ser levada
cativa ao senhorio de Cristo.
Embora – como já afirmado – a obra de Niebuhr seja um dos livros cristãos de maior
influência do século passado e apesar de ainda continuar sendo usada (a obra) como
referência na atualidade, várias críticas têm sido direcionadas à sua abordagem.
Michael Horton (p. 46) diz que ela tende ao reducionismo, colocando vários
movimentos ou indivíduos em categorias nitidamente demarcadas, numa espécie de
manipulação da própria tipologia.
Além disso, Carson diz que o modo como Niebuhr utiliza as Escrituras é
insatisfatório e acrescenta que alguns dos seus personagens exemplificativos não
condizem com as categorias nas quais foram alocadas.
Por seu turno, Leornard Sweet sustenta que Niebuhr desenvolveu seu estudo em um
momento histórico em que a igreja tinha um lugar de muito mais honra na mesa,
muito diferente do atual contexto de secularização, pós-religiosidade e pós-
cristandade.
No entanto, a Bíblia também alerta contra seguir as normas e valores da cultura que
estão em desacordo com os princípios e valores de Deus. Romanos 12:2 diz: "Não se
conforme com este mundo, mas transforme-se pela renovação da sua mente". Isso
significa que os cristãos devem avaliar a cultura e discernir quais aspectos são
compatíveis com a vontade de Deus e quais precisam ser rejeitados.
A definição do modo ideal como o cristão deve se relacionar com a cultura requer
uma reflexão baseada nas Escrituras Sagradas, considerando sobretudo os três
elementos fundamentais da cosmovisão cristã: Criação, Queda e Redenção. Essa
tríade contraria o pensamento dualista (secular-sagrado) e fornece os elementos
necessários para a construção da perspectiva cristã, além de servir de base para
avaliar outras cosmovisões.
De certo modo, como defende Michael Horton (p. 47), as Escrituras parecem
evidenciar a necessidade de misturar dois tipos de paradigmas: “Cristo e cultura em
paradoxo” e “Cristo, o transformador da cultura”, porque este mundo é do Pai
Celeste, e no entanto, aqui não é meu lar. Com efeito, ao longo do Antigo Testamento
aprendemos que há dois reinos: a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens, de modo
que o reino e a cultura de Deus estão unidos enquanto a nação espelha o reino de
Deus; mas quando Israel quebrou a aliança, os dois reinos mais uma vez foram
divididos. No Novo Testamento – diz Horton – Jesus afirmou que “agora o meu reino
não é daqui” (Jo 18.36), os crentes colocam suas esperanças numa pátria melhor,
celestial (Hb. 11.16).
Nada obstante, somos também admoestados a evitar ver a cidadania num reino
como antítese completa da cidadania e participação no outro, afinal o próprio Paulo
afirma: E não vos conformeis com este mundo (paradoxo) mas transformai-vos pela
renovação do vosso entendimento (Rm. 12.2). Aliás, a palavra “mundo” possui
vários significados na Bíblia. Kosmos, no grego, pode denotar a terra (mundo físico)
(Mt 13.35; Jo 21.25; At 17.24); o gênero humano (mundo demográfico) (Mt 5.14; Jo
1.10; 3.16; 3.17); a atual condição da humanidade em oposição a Deus (mundo caído)
(Jo 7.7; 8.23; 14.30; 1Co 2.12; Gl 4.3; 6.14; Cl 2.8). Portanto, o cristão precisa
estabelecer a correta relação com essas diferentes concepções de mundo.