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Artigo Uma Abordagem Comportamental para A Descrição de Competências
Artigo Uma Abordagem Comportamental para A Descrição de Competências
org
ISSN 2177-3548
[1-4] Universidade Federal do Pará | Título abreviado: Uso de Decomposição Comportamental para a Descrição de Competências | Endereço para
correspondência: Augusto Corrêa, 1 - Guamá, Belém - PA, 66075-110 | Email: camilakrvalho@gmail.com | DOI: 10.18761/pac.2015.029
Resumo: O modelo de Gestão por Competências foi instituído no Brasil por meio do
Decreto 5.707/2006 para nortear o desenvolvimento de pessoal na Administração Pública
Federal. Apesar de muitas organizações buscarem implantar este novo modelo de gestão,
o conceito de competência tem se mostrado impreciso e controvertido. Além disso, pouca
atenção tem sido dada para a formulação das competências, que é a base de todo o modelo de
gestão. Os objetivos do presente estudo foram a) avaliar a eficácia de se aplicar as categorias
de falsos objetivos educacionais, e outros cuidados metodológicos apontados na literatura,
para avaliar e contornar problemas de formulação de competências no contexto organizacio-
nal e b) à luz dessa avaliação, discutir inadequações quanto ao termo competência e apontar
para a utilização do termo comportamento como alternativa que contribua para a redução
de controvérsia terminológica. O estudo, realizado em uma instituição pública federal, foi
dividido nas seguintes fases: 1) Mapeamento de Competências; 2) Categorização e 3) Análise
das descrições das competências. Como resultado do mapeamento, foram identificadas 191
competências, das quais 93,20% apresentaram pelo menos uma das condições problemáticas
apontadas na literatura. Os resultados confirmam a adequação da abordagem comportamen-
tal para aprimorar a descrição de competências. A categorização das falhas de formulação, de-
senvolvida no contexto educacional, se mostrou útil para o contexto organizacional. Estudos
subsequentes devem explorar o possível impacto do procedimento aqui descrito sobre a efe-
tividade de etapas seguintes do gerenciamento por competências.
Palavras-chave: Competência, Gestão por Competências, Análise do Comportamento,
Serviço Público Federal
qualificação necessária, ou seja, possuir as “compe- dades de professores”, “ações (classes de respostas)
tências” essenciais para realizar determinado tra- dos aprendizes”, “atividades de ensino” e “conteúdos
balho ou atividade não garante que ele irá fazê-la transformados em ações dos aprendizes”.
(Carvalho, Passos, & Saraiva, 2009). Ao elaborar objetivos de ensino como itens de
Apesar de toda a discussão que tem sido fei- conteúdo e conhecimentos já produzidos e acumu-
ta, nos contextos organizacional e educacional, lados como decisão de um processo de ensino, o
em torno do conceito de “competência” (Ruas, professor se torna um transmissor de conteúdo e
Ghedine, Dutra, Becker, & Dias, 2005), críticas ao informações ao invés de produzir condições para a
uso do termo continuam a surgir sem que tenham, aprendizagem dos alunos. Segundo Botomé (1985),
contudo, surgido avanços satisfatórios. Uma rara ao propor objetivos de ensino a partir de intenções
exceção a isso foi tratamento dado ao termo no dos professores, encobre-se ou camufla-se aquilo
contexto educacional como sinônimo de “objetivos que é importante e necessário ser ensinado pelo
educacionais”. professor e aprendido pelo aluno. O que o profes-
Costa (2005) e Lopes e Macedo (2002) defende- sor almeja, deseja ou pretende não é o mesmo que
ram a aplicação do termo “competência” ao contex- identificar aquilo que precisa ser aprendido pelos
to educacional, já que avaliam ser difícil desenvolver alunos. São exemplos desta condição: “instrumen-
“competências” por meio de um currículo, que pri- talizar os alunos para a atuação profissional e con-
vilegie apenas a transmissão de conhecimento, sem tribuir para o desenvolvimento da sociedade”.
permitir a aplicação prática dele. Questionamento Ações ou atividades de professores também são
semelhante foi apresentado e discutido por Matos inadequadas para definir objetivos de ensino (e.g.
(2000), Dias (2001), Botomé e Kubo (2002), Kubo “apresentar aos alunos conceitos de...” e “informar
e Botomé (2003). Eles reconhecem que a substitui- os alunos sobre...”). Ao apresentar ações ou ativida-
ção do tradicional método de ensino baseado na des de professores como objetivos de ensino, des-
distribuição de disciplinas em relação a conteúdos loca-se o núcleo do objeto de ensino da mudança
ou conhecimentos pela orientação explícita das de comportamento do aprendiz para a atividade do
“competências” ou “habilidades” a serem desen- professor. Diante disso, o aluno deixa de ser foco
volvidas por esses futuros profissionais, representa principal do processo de ensino.
um avanço na direção de superar alguns equívocos Ações dos alunos são constantemente con-
realizados nos processos de ensino, principalmente, fundidas com objetivos de ensino. De acordo com
por identificarem aquilo que deve ser priorizado no Franken (2009), objetivos de ensino orientam as
processo de ensino-aprendizagem (Santos, Kienen, decisões do professor com relação às atividades.
Viecilli, Botomé, & Kubo, 2009). É nesse ponto que Além disso, objetivos de ensino devem especificar
se verifica uma aproximação conceitual entre os comportamentos e não apenas ações do aprendiz.
termos “competências” e “objetivos de ensino” no Ações constituem apenas um dos três componentes
contexto educacional (Botomé & Kubo, 2003 cita- de um comportamento (antecedentes-ações-con-
do por Botomé, 2006). Apesar de reconhecerem o sequências). São exemplos dessa condição: “aplicar
avanço trazido pelas mudanças curriculares, esses testes” e “fazer exercícios”.
autores sugerem melhores descrições e definições Outro erro frequente é confundir objetivos de
para os termos a serem utilizados ou, até mesmo, ensino com atividades de ensino. Uma atividade de
a substituição dos termos “competência” e “habi- ensino é tida como uma condição planejada pelo
lidade” por “comportamento” (Santos et al., 2009). professor para que o aluno aprenda determinado
Nessa perspectiva de formular objetivos edu- comportamento. Apresenta-se como exemplo dessa
cacionais sob a forma de descrições de competên- condição: “discutir para avaliar a contribuição de
cias a serem aprendidas, Botomé (1985) identificou diferentes autores para o entendimento do fenôme-
seis tipos de “falsos objetivos” de ensino (portanto no psicológico”.
falsas formulações de competências), ao analisar O último falso objetivo apresentado por Botomé
diferentes planos de ensino. São eles: “itens de con- (1985) é a descrição de informações sob a forma de
teúdo”, “intenção de professores”, “ações ou ativi- ações dos aprendizes. Nesse caso, conteúdos, assun-
tos, informações são associadas a verbos, o que não quais comportamentos deverão ser alvo das ações
caracteriza o que é central no conceito de objetivos de capacitação (Franken, 2009).
de ensino. Este último falso objetivo de ensino está Apesar de o modelo de Gestão por
relacionado, segundo o autor, ao “comportamenta- Competências ter sido adotado por diversas orga-
lizar conteúdos”, ou seja, é transformar substantivos nizações brasileiras, desde a instituição do Decreto
em verbos equivalentes ou equiparáveis, como no 5.707 em 2006, conforme apontado por Fevorini,
exemplo: “diagnosticar organizações” referindo-se Silva e Crepaldi (2014), pouca atenção tem sido
ao assunto “diagnóstico organizacional”. dada no momento de descrever as “competências”
Objetivos de ensino que apresentam, em sua que nortearão todo o processo de identificação de
descrição, verbos ou complementos vagos, abran- “competências”, consequentemente, implantação do
gentes e imprecisos favorecem múltiplas interpre- novo modelo de Gestão. Esse problema parece re-
tações e impossibilitam a verificação da aprendiza- plicar as dificuldades relacionadas a má formulação
gem do aluno. Portanto, sugere-se a utilização de de objetivos educacionais.
expressões que descrevam comportamentos, pois Descrições de “competências” pouco claras,
explicitam aquilo que o aprendiz/profissional deve seguidas de múltiplos comportamentos e/ou com-
ser capaz de fazer, além de constituir o núcleo do plementos, com especificação de verbos que não
conceito de objetivo de ensino. São exemplos de ob- exprimem ações concretas têm sido frequentes na
jetivos de ensino com expressões vagas: “conceber o literatura da área. Planejar ações para desenvolver
processo de mudança como um fenômeno organi- comportamentos definidos de maneira vaga (como
zacional” e “ajeitar as relações entre trabalhadores “pensar”, “saber”, “apreciar” e “acreditar”) tem nor-
e empregadores”. teado os artigos sobre Gestão por Competências.
Franken (2009) apresentou uma análise e cate- Quando a descrição não é suficientemente clara,
gorização dos objetivos de ensino propostos para as pessoas tendem a dar convenientes interpreta-
a formação específica do psicólogo organizacional ções às “competências” (Brandão & Bahry, 2005;
a partir da noção de falsos objetivos de Botomé Carbone et. al., 2009).
(1985). Do estudo de Franken resultaram 10 ca- Dificuldades, como as mencionadas acima, já
tegorias de análise: 1) expressões com múltiplos foram relatadas na literatura sobre avaliação pro-
“objetivos”, 2) expressões designando comporta- fissional. Alguns modelos de avaliação profissional
mentos, 3) comportamentos intermediários, 4) ca- geram questionamentos a respeito da subjetivida-
tegorias de informações, 5) classes de informações, de dos seus critérios e da tendência à complacên-
6) expressões vagas ou genéricas, 7) expressões am- cia por parte dos seus avaliadores (Marconi, 2003;
bíguas, 8) declarações de intenção, 9) atividades ou Schikmann & Crédico, 2007). Geralmente, nas
ações de professores e 10) atividades ou atuações instituições públicas, utilizam-se categorias e indi-
escolares dos alunos. cadores subjetivos nas avaliações. De acordo com
De acordo com Franken (2009), objetivos de Pires et al. (2005), essas categorias não estão rela-
ensino ou, no contexto do presente estudo, “com- cionadas diretamente ao desempenho do servidor,
petências”, que apresentam múltiplos objetivos em ou são considerados fatores sem definição ou defi-
suas descrições podem obscurecer a definição so- nidos de maneira pouco clara.
bre a aprendizagem a ser desenvolvida em situa- De acordo com Fernandes (2013) alguns pon-
ções de ensino. Objetivos de ensino, assim como tos podem ser considerados para melhorar a ava-
“competências”, precisam descrever, de forma cla- liação de competências. O primeiro ponto, men-
ra e precisa, os comportamentos que deverão ser cionado pelo autor, diz respeito à elaboração de
aprendidos ou aperfeiçoados. Esta descrição deve instrumentos de avaliação que enfatizem entregas
ser feita a partir de procedimentos bem definidos evidenciáveis, passíveis de avaliação mediante com-
como a análise documental e os grupos focais, sem portamentos observáveis. Segundo ele, subjetivida-
a camuflagem de expressões gramaticais compostas de na avaliação de competências podem favorecer
por verbo e complemento, justaposição de verbos avaliações distorcidas. O segundo ponto ressalta-
ou expressões que não especificam diretamente do pelo autor diz respeito ao cuidado em capacitar
ção de verbos que não exprimem ação concreta e Categoria F: Expressões designando
não são passíveis de observação direta. Exemplo: categorias amplas de comportamento.
Capacidade de compartilhar ideias, informações Proposição de competência que possua, em sua des-
e opções para atingir um acordo aceitável para as crição, um verbo fazendo referência a um conjunto
partes envolvidas. de comportamentos muito grande, com um comple-
mento que também fazia referência a uma ou mais
Categoria D: Expressões contendo verbo classes abrangentes (ou grandes). Exemplo: Prestar
observável, objeto de ação e complemento. informação, apoio, suporte e consultoria a setores da
Foram incluídas nessa categoria as descrições de organização, atendendo às demandas internas.
“competência” que indicavam um verbo passível de
observação e mensuração, um objeto de ação e com-
plemento. Este complemento poderia ser um cri- Resultados e Discussão
tério de qualidade ou uma condição exigida para a
execução da “competência”. Exemplo: Selecionar, de A partir do mapeamento de competências realiza-
acordo com a demanda apresentada pela Instituição, do, foram identificadas: 10 competências gerenciais,
a consultoria externa que melhor atenda as necessi-10 competências pessoais, 143 competências espe-
dades da instituição e os objetivos do Órgão. cíficas e 28 competências transversais avaliadas,
pelos servidores das 18 unidades, como essenciais
Categoria E: Expressões contendo termos para a consecução dos seus objetivos estratégicos.
técnicos. Conforme Tabela 1, ao analisar a descrição das
Descrições de competências contendo termos técni- 191 competências foi identificada a ocorrência das
cos que possam dificultar a compreensão das pesso- seis categorias de análise. Condições problemáticas
as. Exemplo: Manusear softwares e hardwares para foram identificadas em 93,20% das descrições de
a realização das atividades que competem ao setor. competências.
Tabela 1 Frequência e percentual de ocorrência das categorias de categorias de análise (1 a 6) nas descrições
das 191 competências (pessoais, gerenciais, transversais e específicas) identificadas na instituição.
Categoria Pessoais Gerenciais Transversais Específicas Freq. total da % de
categoria de competênciascom a
análise categoria de análise
A. Expressões amplas 05 05 14 81 105 54,97%
B. Declarações de 04 03 08 23 38 19,89%
intenção
F. Expressões designan-
do categorias amplas de
0 0 02 1 03 1,57%
comportamento
Total de Competências
10 10 28 143 191 100%
por Categoria
A Tabela 1 apresenta a ocorrência das seis cate- Ao analisar a descrição das 191 competências
gorias de análise nas descrições das 191 competên- identificadas no presente estudo, pode-se verificar
cias identificadas como essenciais para a realização que 54,97% das competências apresentaram múl-
das atividades das 18 unidades da instituição. A cate- tiplos verbos ou complementos na sua descrição.
goria que apresentou o maior número de ocorrências De acordo com Franken (2009), um objetivo de
foi a Categoria A – expressões amplas. Nesta catego- ensino, e portanto uma competência, precisa de-
ria, foram identificadas ao todo 105 ocorrências: cin- finir uma unidade específica de comportamento,
co nas competências pessoais, cinco nas gerenciais, já que a multiplicidade dessas unidades parece ter
14 nas transversais e 81 nas específicas. A Condição mais a função de impressionar os aprendizes (ou
B – declarações de intenção – foi identificada na des- mesmo avaliadores do sistema de ensino) com a
crição de quatro competências pessoais, três geren- complexidade daquilo que deverá ser ensinado. No
ciais, oito transversais e 23 específicas. A Categoria momento em que a descrição da “competência”, ou
C - expressões vagas ou genéricas – foi identifica- seja, do comportamento a ser ensinado, apresenta
da em apenas uma competência pessoal, em duas múltiplos verbos ou complementos na sua descri-
transversais e 18 específicas. Na Categoria E – ex- ção, a área de capacitação da instituição poderá
pressões contendo termos técnicos – foram identi- não ter claro qual comportamento deverá ser alvo
ficadas apenas duas competências gerenciais, duas e, consequentemente desenvolvido, a partir das
transversais e sete nas específicas. Nenhuma com- ações de capacitação.
petência pessoal foi identificada nesta condição. A Segundo Botomé (1980), objetivos de ensino
Condição F (expressões designando categorias am- precisam especificar comportamentos de um pro-
plas de comportamento) foi identificada em apenas fissional. Múltiplos objetivos não especificam os
duas transversais e em uma específica. Ao analisar as comportamentos que deverão ser priorizados nas
descrições das 191 competências identificadas, no aprendizagens ou ações de capacitação. Diante
mapeamento de competências, como essenciais para disso, competências, assim como objetivos de en-
a realização das atividades das unidades, verificou- sino, precisam descrever, de forma clara e precisa,
-se que apenas 13 competências, ou seja, 6,80% do os comportamentos que deverão ser aprendidos
total, apresentavam descrições que contemplassem ou aperfeiçoados a partir das ações de capacitação
os cuidados metodológicos (c.f. Brandão & Bahry, e não ser camuflados por expressões gramaticais
2005; Bruno-Faria & Brandão, 2003; Carbone et al., compostas por verbo e complemento, justaposi-
2009) para a descrição de competências. ção de verbos ou expressões que não especificam
As competências levantadas a partir da análi- – diretamente – quais comportamentos deverão ser
se dos documentos institucionais foram descritas alvo das ações de capacitação (Franken, 2009).
e apresentadas à instituição por meio dos grupos Além disso, 16,75% das competências apresen-
focais respeitando os cuidados metodológicos des- taram descrições com expressões vagas ou genéri-
critos por Carbone et al. (2009). No entanto, ao de- cas ou contendo termos técnicos. Expressões vagas
legar ao participante a decisão sobre como descre- ou genéricas devem ser evitadas ao descrever obje-
ver as competências essenciais para a realização das tivos de ensino e/ou competências, já que podem
atividades da sua unidade, muitos desses cuidados não descrever efetivamente o que deverá ser ensi-
foram renegados. nado e, consequentemente, aprendido. Além disso,
Diante disso, os resultados encontrados no pre- a utilização de termos técnicos nas descrições das
sente estudo, que são produto dos grupos focais, competências pode dificultar a compreensão das
mostraram que 93,20% das competências identifi- pessoas com relação ao que deverá ser aprendido.
cadas como essenciais para a realização das ativi- De acordo com Carbone et al. (2009) a descrição
dades da instituição foram descritas apresentando, da competência pouco clara, favorece múltiplas e
pelo menos, uma das cinco categorias descritas no convenientes interpretações.
procedimento. Portanto, apenas 6,80% das compe- O aspecto intencional identificado nos objeti-
tências especificaram comportamentos de forma vos de ensino foi identificado em 19,89% das des-
clara e objetiva nas suas descrições – Categoria D. crições das competências. De acordo com Botomé
(1980), intenções do educador/facilitador não são de forma clara e objetiva – os comportamentos que
adequadas para definir objetivos de ensino. A de- deveriam ser desenvolvidos a partir das ações de
claração de intenção é útil para tranquilizar o edu- capacitação, como exemplo a descrição da “compe-
cador e não para descrever o que será aprendido tência”: “criar e aproveitar oportunidades de negó-
pelos alunos. A ocorrência de declarações de in- cio, considerando os recursos disponíveis, os riscos e
tenções nos planos de ensino, ou do contexto do os benefícios resultantes”. Dalmoro (2010), ao des-
presente trabalho, nas descrições de competências, crever a competência Criatividade, especificou os
é inadequada por não especificar o que deverá ser comportamentos que compunham esta competên-
aprendido. É consenso na literatura sobre educação cia: “pensa em novas formas de fazer as coisas; põe
que o objetivo de ensino precisa fazer referência ao em prática formas alternativas de fazer as coisas e
comportamento do aprendiz e não ao do educador. estimula outros a pensar fora da caixa” (p. 73).
Segundo Franken (2009) objetivos de ensino/ Gama, Dias e França (2012) é mais um exem-
competências precisam descrever de forma precisa plo de estudo que apresenta, na descrição de suas
o comportamento a ser desenvolvido, caso contrá- “competências”, as condições problemáticas utili-
rio poderá gerar dificuldades no momento de pro- zadas no presente estudo. Os autores descrevem a
por atividades de ensino e capacitação. Portanto, a competência Trabalho em Equipe como:
identificação e descrição desses comportamentos
de forma clara e objetiva é fundamental para subsi- “compartilha informações e conhecimentos
diar as demais etapas do processo de mapeamento, com a equipe e outras áreas para o alcance de
consequentemente, para a implantação do modelo melhores resultados, reconhece a importância
de Gestão por Competências (Franken, 2009). do seu papel na equipe, atuando de forma in-
tegrada para o alcance dos objetivos comuns,
colabora com o trabalho da equipe e de outras
Considerações Finais áreas, contribuindo para a melhoria do desem-
penho institucional e relaciona-se com a equipe
Os dados aqui relatados mostraram que os avanços respeitando as diversidades, contribuindo para
na direção de refinar o uso do termo “competên- a melhoria no ambiente de trabalho” (p. 09).
cia” no contexto educacional se mostraram úteis
no contexto organizacional. A formulação das Uma descrição inadequada de competências
“competências” de forma objetiva, clara, focada na pode gerar impactos tanto na compreensão de
descrição do comportamento que constitui a com- quem as detêm ou as necessita, quanto no plane-
petência é um passo fundamental para o sucesso jamento das ações de capacitação. Portanto, uma
da Gestão por Competências (Brandão, 2012). É descrição clara e objetiva de competências especifi-
a partir dessas descrições comportamentais que ca, com precisão, os comportamentos que deverão
as demais ações de gestão poderão ser desenvol- ser aprendidos ou aperfeiçoados a partir das ações
vidas com eficiência: avaliação de desempenho, de capacitação (Franken, 2009).
dimensionamento, treinamento, desenvolvimento, A análise procedida no presente estudo, apli-
captação. Esses achados contribuem para preen- cando ao conceito de “competência” com forte
cher a lacuna decorrente da pouca atenção que tem viés comportamental nos leva a concordar com a
sido dada para a descrição das “competências” que proposta de Santos et al. (2009), em favor da subs-
subsidiarão todas as demais etapas do processo de tituição do conceito de “competência” e “habilida-
Gestão por Competências. de” por comportamento, já que este último orienta
Descrições pouco claras, seguidas de múlti- melhor as estratégias de capacitação. A substituição
plos comportamentos e/ou complementos, com desses termos torna mais precisa e objetiva a indi-
especificação de verbos que não exprimem ações cação daquilo que os profissionais devem ser capa-
concretas têm sido frequentes na literatura da área. zes de fazer no seu cotidiano profissional. A visão
Em estudo realizado por Freitas e Brandão (2005) externalista de comportamento tira o locus da com-
as competências foram descritas sem especificar – petência de dentro do organismo. Competência
passa a ser vista como a própria interação entre zer (habilidade) com o primeiro determinando o
aquilo que o indivíduo faz e os eventos anteceden- segundo. Esse tipo de concepção sobre o compor-
tes e consequentes (Skinner, 1969. Ver também tamento, e portanto, sobre as competências, pode
Botomé, 2013). levar, por exemplo, a ações de “capacitação” com
O conceito de comportamento descrito por grande equívoco de foco, com predomínio da no-
Botomé (2013) e Catania (1999) é a relação ou con- ção de que basta informar ou conscientizar o in-
junto de relações entre o que o indivíduo faz, o am- divíduo (conhecimento) para que ele se comporte
biente no qual este fazer é realizado e o ambiente (habilidade). O agente de capacitação, portanto, se
produzido através desse fazer. Não se trata de uma ocuparia muito mais de falar sobre o comporta-
interação qualquer entre organismo e ambiente. A mento que deveria ocorrer do que em criar con-
interação, na perspectiva analítico-comportamen- dições objetivas (contingências ambientais) para
tal, exige a atividade do organismo como parte do que ele ocorra e possa ser praticado. As barreiras
processo de passagem de um ambiente que antece- criadas por esse tipo de concepção em ações de
de esta atividade para outro que a sucede, ou seja, avaliação de desempenho e seleção de pessoal se-
são todas as relações entre as atividades ou ações do guem a mesma direção e, da mesma forma, geram
organismo e o ambiente em que ele está durante e distorções críticas.
após a sua atuação. Diante disso, a especificação de Assim, propomos uma análise dos três elemen-
verbos isolados, como salivar, correr e pular, não é tos constituintes descritos no Decreto sob a ótica
considerada uma especificação de comportamento, da Análise do Comportamento - referencial teórico
mas classes amplas de atividades. Um complemento do presente trabalho. Para a análise do comporta-
somado ao verbo pode configurar uma interação mento o “conhecimento” é produto de uma ação
como parte da delimitação de um comportamento – o conhecer – e este comportamento, por sua vez,
que, por ser considerado um processo, não pode envolve, obrigatoriamente, um indivíduo se com-
acontecer no vácuo. Além disso, a especificação de portando (Andery, Micheletto, & Sério, 2000). De
verbos sempre exige um complemento que faça re- acordo com Skinner (1974) o conceito de conheci-
ferência a um contexto no qual a ação que o verbo mento não está relacionado a algo que usamos, mas
denomina ocorre (Botomé, 2013). à nossa ação ou, pelo menos, regras para ação.
Embora a descrição do conceito de “compe- Para Skinner (1945) conhecer implica compor-
tência”, conforme descrito no Decreto 5.707/2006, tar-se de maneira efetiva com relação a uma parcela
eventualmente inclua algum componente com- da realidade. Em outras palavras, o “conhecimen-
portamental entre os elementos que constituem to” não é algo que o indivíduo possui, mas uma
o CHA, é patente uma visão dualista e mentalista probabilidade deste agir no mundo de maneira
do que seja “competência”. Esse tipo de visão pode produtiva. Por essa perspectiva, o conceito de “co-
estar na base das dificuldades em se operar com o nhecimento” está relacionado a algo que acontece
conceito no contexto aplicado, seja educacional ou no plano das relações com o mundo físico e social
organizacional. Essa visão dualista e mentalista fica e é produto da história dessas relações. Portanto,
patente na especificação dos elementos do CHA. “conhecimento” não descreve ocorrências internas
A definição de “conhecimento” como informações e singulares dos indivíduos, nem instâncias gera-
integradas pela pessoa que repercutem sobre seu doras de comportamento. Descrever como se faz
julgamento ou seu comportamento e “habilidade” uma tarefa, por um lado, e efetivamente executar
como a aplicação produtiva desse conhecimento, essa tarefa, por outro, são ambos comportamentos.
deixa clara uma separação entre um plano cogniti- Cada um desses dois comportamentos distintos é
vo (o conhecimento) e outro da ação. Essa perspec- produto das interações do indivíduo com contin-
tiva dual do funcionamento das pessoas no mundo gências ambientais específicas.
é especialmente perigosa porque pode facilmente Seguindo esta perspectiva, o elemento “conhe-
levar a outra concepção errônea: a de que é o plano cimento” estaria relacionado não às informações
cognitivo que determina as ações dos organismos: reconhecidas e integradas pela pessoa em sua me-
uma separação entre saber (conhecimento) e fa- mória, que repercutem sobre seu julgamento ou