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AULA 6 – UNIDADE IV - TRANSPORTE E DESENVOLVIMENTO

URBANO
O enfoque clássico do urbanismo considera que as cidades tem
quatro funções básicas: habitação, trabalho, lazer e circulação
(transporte).
Em analogia ao sistema de artérias e veias que leva o sangue às
diversas partes do corpo, o transporte pode ser considerado o
sistema circulatório das cidades, pois é por meio dele que as
pessoas e os produtos podem atingir os diferentes locais. Sem
um transporte adequado, fica comprometida a mobilidade da
população e, portanto, a facilidade de acesso às várias partes da
cidade.
Os principais objetivos do governo de uma cidade são:
proporcionar qualidade de vida para a população, obter eficiência
da infra-estrutura e dos serviços públicos, promover justiça social
e preservar o ambiente natural e construído.
Nesse sentido, dois pontos vitais são:
• Proporcionar transporte a um custo moderado e que
seja amigável com as pessoas de todas as classes
sociais e o meio ambiente natural e construído.
• Construir cidades nas quais o transporte tenha um
custo moderado.
De maneira mais objetiva, a questão a ser respondida
é a seguinte: qual tipo de cidade se deseja? Uma
cidade para uso intenso do carro, com o transporte
público e os modos não motorizados (a pé e de
bicicleta) colocados em segundo plano (car cities), ou
uma cidade onde haja valorização do transporte
público, dos pedestres e da bicicleta e o carro menos
utilizado (transit and walking cities).
• É importante reiterar que, quando se menciona uma menor
utilização do carro, não significa impor qualquer tipo de
restrição à posse desse tipo de veículo, que constitui uma
aspiração legítima das pessoas para conseguir uma melhor
qualidade de vida; prova é que a taxa de motorização aumenta
com o desenvolvimento econômico e social. Mas trata-se, sim,
de uma menor utilização do carro nas viagens diárias por
motivo de trabalho e estudo, sobretudo nos períodos de pico,
quando os problemas de congestionamento, emissão de
poluentes e ocorrência de acidentes de trânsito são graves.
• A experiência mostra que as cidades construídas para o uso
massivo do carro (car cities), como é o caso da maioria das
cidades americanas, apresentam um meio urbano desumano e
de baixa eficiência. Ao contrário, nas cidades onde o transporte
público e o pedestre são valorizados e o carro é usado menos
intensamente (transit and walking cities), como acontece na
maioria das cidades da Europa, o ambiente urbano é mais
humano e apresenta maior eficiência.
Os principais problemas provocados pelo uso massivo do
automóvel são:
• Congestionamentos que provocam baixa velocidade de
circulação, com prejuízo inclusive para o transporte público
realizado junto com o trânsito geral.
• Poluição da atmosfera com substancias tóxicas, prejudicando a
saúde dos seres humanos e de todas as outras formas de vida.
• Necessidade de grandes investimentos de recursos públicos na
infra-estrutura viária e sistemas de controle do tráfego, em
detrimento de outros setores de maior relevância social, como
saúde, habitação, educação, etc.
• Ocorrência de um grande número de acidentes que causam
perda de vidas, lesões graves que impedem as pessoas de
levar uma vida normal e um grande ônus financeiro para a
sociedade com o tratamento dos feridos, perdas de dias
trabalhados, perda de valor dos veículos envolvidos nos
acidentes, etc.
• Consumo desordenado de energia, com comprometimento do
desenvolvimento sustentável, pois a maioria da energia
consumida no transporte é derivada do petróleo e, portanto,
finita.
• Ineficiência da cidade, uma vez que é muito maior
o custo da infra-estrutura (implantação e manutenção
do sistema viário e da rede de serviços públicos) e do
transporte nas cidades onde predomina o uso do
carro, devido ao grande número de vias expressas e
obras viárias (viadutos, pontes, trevos, túneis, etc.) e
ao fato de as cidades tornarem-se espalhadas,
reduzindo a “economia de aglomeração”. Dessa
forma, nos núcleos urbanos onde é massivo o uso do
carro, o custo-cidade aumenta, dificultando a
sustentabilidade econômica – o que significa impostos
municipais mais altos, dificuldades no atendimento
das necessidades básicas da população no tocante à
expansão e manutenção da infra-estrutura e dos
serviços públicos e, também, maiores custos de
deslocamento em razão das maiores distâncias.
Desumanização da cidade – fenômeno
associado aos seguintes fatos:
 descaracterização da estrutura física das
cidades devido à grande área consumida por
vias expressas, obras viárias e
estacionamentos;
 degradação da vizinhança próxima a
grandes vias viárias em decorrência da
poluição sonora, visual e atmosférica;
 espalhamento exagerado das cidades,
aumentando os tempos de viagens por todos
os modos de transporte;
 deterioração e esvaziamento das regiões centrais,
onde tradicionalmente se concentravam as atividades
de comércio, serviços e lazer, e que eram centros de
convivência democráticos em virtude do fácil acesso
de todas as classes sociais (a área central é o lugar
mais fácil de alcançar por transporte público, pois, em
geral, as viagens são diretas e a somatória das
distâncias percorridas partindo de todas as regiões da
cidade é próxima do mínimo);
 mudanças nos relacionamentos humanos em virtude
do isolamento das pessoas dentro dos carros;
 dificuldade de locomoção a pé devido às grandes
distâncias entre as atividades e à necessidade de
travessia de vias com grande movimento; etc.
• Nas grandes metrópoles, há ineficiência econômica,
deterioração ambiental e qualidade de vida
insatisfatória. Grande parte desses problemas advém
das ineficiências e dos impactos negativos do sistema
de transporte urbano. E isso tem levado à decadência
de muitas cidades grandes.
• As cidades devem ter lugares públicos atrativos e
preservar o meio ambiente. Uma das características
das cidades com qualidade de vida é a possibilidade
de caminhar e passear por lugares agradáveis.
• Manter áreas centrais saudáveis (com comércio forte,
dinâmico e com grande concentração de pessoas) é
fundamental no tocante à qualidade de vida nas
cidades. E isso é conseguido com espaços públicos
centrais só para pedestres e um transporte público
adequado. Quanto mais uma cidade depende do
carro, mais provável é que as áreas centrais se
deteriorem.
• Como as cidades devem ser voltadas para o homem, o sistema
de transporte urbano deve valorizar os modos que permitem o
contato com outras pessoas e a natureza. Nesse sentido, é
preciso priorizar os modos públicos e o trânsito de pedestres e
de bicicleta, sem impedir o uso racional do carro, pois a
excessiva supressão do tráfego de automóveis prejudica a alta
mobilidade pessoal proporcionada por essa mobilidade, com as
inúmeras contribuições às atividades comerciais, sociais,
culturais e recreativas. Por oferecer grande mobilidade, o carro
multiplica as oportunidades de moradia, emprego, estudo, etc.
• O transporte não pode ser um sistema unimodal, com base em
um único modo. O caminho para um transporte urbano
adequado está em um sistema balanceado: sistema
multimodal integrado, também denominado sistema intermodal,
com os diversos modos utilizados de maneira racional e
integrados entre si. O caminho, portanto, é a diversidade dos
modos com estímulo ao transporte público.
• As cidades que são economicamente fortes, socialmente
saudáveis e com boa qualidade de vida possuem um sistema
de transporte multimodal integrado, que inclui uso extensivo do
transporte público.
• Nas cidades grandes que têm sistema de transporte adequado,
viajar com transporte público é, na maioria das vezes, mais
conveniente do que viajar de carro.
• O transporte público é fundamental nas cidades, não apenas
do ponto de vista da eficiência econômica e da qualidade de
vida, mas também pelo seu importante papel na promoção da
justiça social. O transporte público representa o único modo de
transporte que torna possível as grandes cidades terem
características humanas.
• A dicotomia entre o interesse individual e o interesse coletivo
também existe no transporte urbano, podendo ser colocada da
seguinte forma: o ser humano deve trocar a conveniência
individual de usar o carro sem limites pelo objetivo social de ter
uma cidade habitável.
• A crise do transporte urbano - aumento do congestionamento
de automóveis, deterioração do transporte público e
negligência aos pedestres e ciclista – só pode ser revertida
com mudanças na política de transporte, na elaboração de
planos eficazes e na mudança de hábitos da população.
• O cerne do problema do transporte urbano está na má política
(voltada para o curto prazo) e na má organização. Em muitas
cidades, o transporte público é considerado um negócio
privado, sendo desprezado o seu papel na vitalidade e
conformação das cidades.
• A política de transporte urbano tem grande influência nas
características da cidade, na qualidade de vida da população e
no tipo de sociedade. Em uma comunidade onde predominam
o transporte público, o contato com outras pessoas é mais
freqüente e, portanto, é mais desenvolvido o lado humano da
vida. No caso do uso massivo do carro, não há contato entre
as pessoas, o que leva ao isolamento e ao desconhecimento
da realidade do próximo.
• O uso intensivo do carro enfraquece as relações sociais, induz
à alienação em relação aos problemas da comunidade,
provoca a deterioração das cidades do ponto de vista humano,
incluindo a segregação dos grupos sociais, traz mais poluição e
maior necessidade de investimento em infra-estrutura, etc. O
uso de transporte público faz com que as pessoas vizinhas se
encontrem e se conheçam, facilitando o desenvolvimento do
espírito comunitário.
• Algumas cidades americanas como Dallas, Los Angeles, é
praticamente impossível caminhar devido às grandes
distâncias, à ausência de calçadas atrativas, à necessidade de
atravessar vias largas, às barreiras artificiais que levam à
quebra de unidades de vizinhança, às extensas áreas de
estacionamento, etc. Adolescentes, turistas, idosos e outras
categorias sofrem em cidades desse tipo, pois dependem do
transporte público e esse é de má qualidade, uma vez que
foram cidades construídas para o automóvel. Esse fenômeno é
denominado car-based cities ou los-angelization of cites.
• Sobre os modos de transporte público, vale mencionar que os
modos sobre trilhos exercem maior atração sobre as pessoas e
maior impacto positivo sobre o uso do solo. Primeiro, pela
melhor qualidade. Segundo, pelo caráter de longo prazo – vem
para ficar, ao contrário das linhas de ônibus autônomos, que
podem ter os seus itinerários facilmente alterados. Com os
ônibus elétricos ocorre algo parecido com os modos sobre
trilhos, em razão da rede elétrica.
• Contudo, pode-se dizer que este fenômeno também ocorre
com linhas troncais operadas com ônibus autônomos em
canaletas e bilhetagem nas estações dispostas ao longo do
percurso, pois, além da melhor qualidade, a população tem
consciência que se trata de soluções de longo prazo.
• A utilização massiva do carro leva as cidades pouco densas e
com áreas centrais deterioradas; uma utilização intensa do
transporte público conduz a cidades mais densas e com áreas
centrais dinâmicas.
• Cidades muito espaçadas prejudicam a eficiência da
economia de aglomeração (atividades econômicas e
sociais). Nas cidades espraiadas, é maior o custo da
infra-estrutura e do transporte e excessivo o consumo
de terra e energia, além da existência de segregação
social. Um alto consumo de terra urbana prejudica a
agricultura e a manutenção de áreas de preservação
ambiental.
• Dessa forma, como a estrutura e a distribuição do
transporte têm grande influência na forma de
ocupação do solo e, portanto, na eficiência econômica
das cidades e na qualidade de vida da população, é
de grande importância o planejamento adequado do
sistema de transporte para disciplinar o uso do solo.
Em particular, do transporte público, que deve ser
utilizado como elemento estruturador das cidades.
Em vista da importância econômica e social do transporte
urbano, o seu planejamento é uma das principais tarefas sob
responsabilidade do poder público municipal. E nesse trabalho
devem estar sempre presentes os seguintes aspectos:
• Segurança: reduzido número de acidentes, sobretudo
acidentes graves.
• Justiça social: adequada mobilidade para todas as classes
sociais, sobretudo por meio de um transporte público com boa
qualidade e baixa tarifa (se necessário subsidiada) e
valorização dos modos não motorizados (a pé e bicicleta).
• Meio ambiente: preservação do meio ambiente natural e
construído para garantir qualidade de vida no presente e no
futuro.
• Comodidade: viagens rápidas e confortáveis, sobretudo no
transporte coletivo, que é o modo que deve ter total preferência
no trânsito.
• Economia: soluções que não exigem recursos financeiros
excessivos.
• Estética: harmonia de infra-estrutura de transporte com o meio
urbano e instalações e veículos de transporte público com
aparência agradável.
• Sob a ótica da qualidade de vida, eficiência urbana, equidade
social e democracia, é essencial que as cidades tenham área
central com comércio forte e praças e outros logradouros
públicos atrativos e de fácil acesso por todos os modos de
transporte, para que toda a comunidade possa desfrutar das
vantagens da economia de escala e variedade do comércio
central e dos prazeres e ensinamentos da convivência com
aglomerações de pessoas de diferentes níveis sociais.
• Encontrar a melhor solução para o problema da mobilidade na
área central das grandes cidades e da acessibilidade à mesma
constitui um grande desafio para os governos municipais. E
nessa tarefa não se pode importar soluções, pois cada cidade
tem suas características particulares que necessitam ser
respeitadas para que a solução seja a mais adequada para a
sua comunidade. No processo de encontrar e implantar a
solução mais adequada, três pontos são vitais: vontade
política, participação da comunidade e apoio de especialistas
em urbanismo e transporte.
• O transporte público, o pedestre e a bicicleta devem ter
prioridade na utilização do espaço público na região central das
grandes cidades. As calçadas devem ser largas, regulares e
bem cuidadas para que os pedestres tenham segurança e
conforto. As estações de transporte público e os pontos de
parada devem oferecer segurança e comodidade aos usuários.
Devem ser previstas faixas e estacionamentos para as
bicicletas.
• Os usuários dos carros devem ser incentivados a utilizar o
transporte público, mediante a cobrança de pedágio para
acesso à região central, proibição da circulação de parte da
frota, sobretudo nos horários de pico, ou mesmo proibição de
acesso por carros às áreas mais críticas. Paralelamente,
também se pode implementar uma política de redução de
vagas e aumento do preço do estacionamento. Contudo, é
preciso cuidado para não diminuir demais o número de viagens
por carro à zona central, pois isso faz com que as pessoas de
maior renda busquem outros lugares para comprar – o que
leva à deterioração e à degradação da região à redução do
fluxo de dinheiro para o comércio.
• Os principais fatores relacionados à ocupação do solo
que afetam o custo do transporte público urbano são:
forma e tamanho da cidade e densidade populacional.
• A cidade com formato circular é mais econômica, e a
linear, a menos econômica, sendo o problema mais
crítico quanto mais estreita a largura da faixa de
ocupação. O motivo das diferenças nos custos é o
valor da distância média das viagens: menor na
cidade circular em relação às outras, sobretudo em
relação à linear estreita.
• Outro aspecto relevante: qualquer que seja a forma
do núcleo urbano, o custo do transporte público por
habitante cresce com o aumento do porte (população
ou tamanho da cidade), pois as distâncias das
viagens aumentam.
• Quanto menor a densidade populacional, maior o
custo do transporte coletivo, pois o tamanho da
cidade aumenta e, em conseqüência, cresce a
distância média de transporte.
• O tempo de viagem é maior nas cidades com formato
linear em relação às cidades circulares, devido à
maior distância das viagens.
• O crescimento desordenado das cidades implica
maiores tempos de viagem por transporte público,
prejudicando os usuários.

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