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Enganosas, as imagens de filmes?

Níveis de relação
 Relação História & Cinema (desde sempre);

 Relação Historiografia & Cinema (especialmente desde


1970);

 Relação Tempo & Cinema (pensada apenas nos anos


1950);
A marca do XIX: enganosas e dispensáveis
 A consolidação da “ciência da história” no século XIX e
do documento escrito como fonte principal;

 A imagem como objeto legítimo da história da arte e da


arqueologia;

 Dispensáveis e enganosas, correspondendo a uma certa


tradição iconofóbica do ocidente;

 A formulação de uma cultura histórica visual no século


XIX a partir da “imagem-câmera”;
E o cinema?
 O cinema era uma máquina que expressava a vida
moderna em 1895;

 Havia dois problemas com o cinema para o historiador:


1) Imagem;
2) Entretenimento;

 Boa parte dos saberes especializados rejeitou o cinema


por ser uma “expressão cultural menor”;
Cultura histórica visual
 O cinema tem sido marcado por um ato cinematográfico
ramificado com alta ramificação simbólica;

 Em termos de produção do conhecimento, abraçou-se com a


óptica, antropologia e a história;

 O conhecimento sobre os “outros” e sobre “si” fez-se


visualmente, por uma etnovisão;

 O conhecimento e a relação com o passado e o tempo foi


feito também por uma historiofotia;

 Grande parte da cultura histórica pensável do século XX em


diante, surgiu pela imaginação cinemática;
Mas o cinema buscou a história primeiro!
 Os primeiros filmes foram registros do mundo natural e
humano;

 Os primeiros filmes não eram narrativos;

 As primeiras ficções se popularizaram no início do século


XX;

 As primeiras tentativas de narrativas eram temas e


contos populares, históricos e religiosos;
Os filmes narram a história
 Os primeiros filmes em longa-metragem de destaque foram
filmes históricos, “Quo Vadis” (E. Guazoni,1913), “Cabíria” (G.
Pastrone, Itália,1914) e “Nascimento de uma Nação” (D.
Griffithi, EUA,1915);

 O filme de Griffith, inclusive, apresentava “notas de rodapé”;

 Em geral, sagas épicas relacionadas a episódios de origens de


nações: Quo Vadis” (fundação da Igreja Católica), “Cabíria” (As
Guerras Púnicas) e “Nascimento de uma Nação” (A Guerra de
Secessão);

 Desde então todos os países investiram em filmes cujos temas


eram “históricos” (Itália, França, URSS, Alemanha)
A historiografia foi ao cinema com atraso!
 Existem registros de historiadores preocupados com o
cinema desde os anos 1920;

 Contudo, a “ciência da história” rejeitou o cinema até os


anos 1970;

 A 3ª geração da “escola” dos Annales procurou novos


temas, objetos e abordagens;

 O cinema tornou-se um dos novos objeto;


Desafios iniciais para o cinema

Legitimar o
novo objeto

Mostrar que estava


sujeito ao método
histórico;
Vencer as visões que reduziam
o cinema ao reflexo/miragem
do mundo vivido
A proposta de Marc Ferro
 Propunha que o filme é objeto da história;

 Que o filme podia ser pensado como fonte histórica e


produzia visões sobre a sociedade e a história;

 Pressupostos:
a) O filme era agente da história;
b) O filme oferecia interpretações alternativas da
sociedade;
c) Por meio do método histórico era possível realizar uma
leitura histórica do cinema;
d) Por meio do cinema era possível observar uma leitura
cinematográfica da história;
Um rudimento de método
 Para transformar o filme em “fonte histórica” seria preciso:
a) Observar o visível: o que está na imagem – o próprio filme
com seus elementos e narrativas;
b) Conseguir encontrar o não-visível: o contexto do filme –
autor, roteiro, onde foi produzido, onde circulou, regime de
governo, etc.;

 Pressuposto básicos: o sentido do filme varia conforme seu


contexto;

 Problema: Ferro não produziu uma teoria e um método


organizado;
A proposta de Robert Rosenstone
 Existem muitos tipos de narrativas históricas;

 A narrativa dos historiadores é apenas um dos tipos de


interpretação sobre o passado;

 A narrativa dos filmes produz outro tipo de interpretação do


passado;

 Não há hierarquia entre elas;

 É preciso compreender como o cinema produz leituras válidas


sobre o passado;
Uma inversão da história pelo cinema
 É preciso ir além do entendimento do que o historiador
pode fazer com o cinema;

 Mais importante é entender o que o cinema faz com a


história;

 Os filmes são “livros” mais eficientes de produzir


interpretação sobre o passado;

 Os cineastas cumprem o papel dos historiadores e


realizam interpretações sobre a história;
Vetores principais entre 1970-1990

Representação
Fonte histórica
do passado
O cinema como “objeto historiográfico”
 O filme vira o primeiro objeto do historiador, que o
transforma em “objeto historiográfico”;

 Este objeto se define da diferença de outros campos:


a) Não é o mesmo da história da arte;
b) Não é o mesmo da história do cinema;
c) Não é o mesmo da semiótica do cinema;

 O historiador faz história social;

 O historiador (preferencialmente) não estuda a semiótica


cinematográfica;
O engano “necessário” do cinema
 Em busca de evitar o engano das imagens, passou-se a
concebê-las como “enganosas, mas indispensáveis”;

 A atenção historiográfica privilegiou o objeto “filme” e a


não a produção de sentido;

 Os historiadores referem-se a uma inabilidade


interpretativa por evitar discussões da análise fílmica
densa;

 A estética cinematográfica torna-se um “fantasma” que


separa campos: história social vs. história do cinema;
 O cinema como fonte histórica: preocupado em usar
o filme para entender o contexto no qual ele foi gerado;

 O cinema como representação do passado:


preocupado com a forma como os filmes criam suas
próprias visões do passado;

 No fundo, há um problema mais crítico: como os


historiadores devem reagir ao avanço das imagens
e à competição com as outras narrativas da
sociedade?
E dos anos 1990 para cá?

Representação
Fonte histórica
do passado
Do engano às representações
 Mudanças foram importantes no final dos anos 1980 e se
consolidam nos anos1990:
a) A quebra da teoria do reflexo;
b) A compreensão do cinema como múltiplas práticas sociais;
c) A conformação de uma história cultural das representações;

 Do filme, passou-se ao cinema como campo de pesquisa;

 A interdisciplinaridade torna-se maior;

 A história do cinema atinge um refinamento nunca visto;


História cultural do cinema
 Debate de origem francesa: (Michele Lagny) e incorporado no
final dos anos 1990 no Brasil (Alcides Freire Ramos);

 Requisita-se a superação do debate para além do foco


metodológico (“enganosas, mas indispensáveis”);

 Define-se pela herança tácita ou explícita da história das


representações de Roger Chartier;

 É interdisciplinar, mas centra-se mais na aplicação de um


conceito aberto de “representação” do que no diálogo efetivo
desse debate com a história do cinema;
Duas propostas historiográficas?
 História cultural: mais cerrada teoricamente e de
hermenêutica rica na interpretação das representações
culturais da realidade nos filmes - construções culturais
das subjetividades, identidades, topografias,
representações históricas no cinema, apropriações e
comunidades interpretativas;

 História social: menos cerrada teoricamente, sendo mais


diversificada nos usos de fontes - circuitos de exibição,
salas de cinema, intervenções políticas, políticas culturais,
relações institucionais de poder, relações de produção de
imagens e com outros meios audiovisuais;
Convergências
 Cinema como campo social historicamente construído;

 A importância da materialidade do filme, produção e


circulação dos bens culturais;

 O “específico cinematográfico” como problema maior ou


menor, conforme a pesquisa;

 A estética continua sendo foco de incômodo, “domada” agora


pelos conceitos de representação e subjetividade;

 Recusa de uma reflexão teórica densa sobre a relação entre


teoria da história e o cinema (as imagens)
Questão heurística: os objetos
 No cinema como prática e campo social: processos
históricos de ação prática, gestão e disputas dos sentidos
socialmente atuantes;

 Múltiplos objetos historiográficos: lazer, produção


econômica, circulação de mercadorias, circuitos de
exibição, construção sensorial do cotidiano, cineclubismo,
agenciamentos identitários, movimentos sociais,
propaganda política, circuitos de sociabilidades,
imaginários nacionais-regionais-locais, topografias
identitárias, sub-culturas, colonialismo, tecnologias da
visão, sistemas visuais, regimes visuais de historicidades,
etc;
Questão heurística: os campos de pesquisa
 Campos aproximativos:
1) Estético: variações cinematográficas na produção de formas
e temas plásticos, prazeres e construção de significado para
o público;
2) Tecnológico: estudos das origens e desenvolvimento da
tecnologia que tornaram possíveis a criação, apresentação e
circulação de filmes e bens materiais correlatos;
3) Econômico: o desenvolvimento do cinema como prática
social num dado contexto econômico que permite que seja
um produto ou um não-produto;
4) Social: preocupa-se com as interações sociais geradas ao
redor de quem fez, quem viu e por que viu filmes bem
como e o que se viu;
5) Cultural: práticas de produção e apropriação de significados,
tradições e padrões de classificação, hierarquias, poder,
identidade e diferença social;
Questão metodológica: as fontes
 Variam conforme a problemática levantada pelo historiador;

 O cinema como campo de múltiplas práticas sociais implica


numa sorte ampla de fontes conforme o campo (econômico,
social, estética, cultural, tecnológico) e a abordagem:

a) Fontes visuais: filme (fundamentalmente), fotos, cartazes,


panfletos, imagens publicitárias, pinturas, planilhas,
decupagens impressas, etc. ;
b) Fontes textuais: roteiros, críticas de cinema, (jornais e
revistas), planilhas de contas, atas de empresas, panfletos,
plantas arquitetônicas, narrativas orais, inventários,
declarações de rendimentos, documentos burocráticos, etc.;
c) Fontes outras: cultural material em geral como câmeras,
prédios, máquinas, decorações, figurinos, material fílmico;
Questão metodológica: filmes
 Perda:
a) O filme analógico (emulsão sensível à luz para impressão
fotográfica unida por um aglutinante com uma base) é
instável quimicamente – substituído pelo acetato em 1950 e
pelo digital;
b) O baixo potencial econômico e valor cultural dificultou a
consciência de armazenamento – a televisão reverteu isso;

 Conservação:
a) O direito de propriedade;
b) A mudança do status cultural do filme para obra de arte nos
anos 1950;
c) Formação de instituição e arquivos responsáveis;
d) Dificuldades diversas conforme o material do filme;
Preocupações metodológicas: os métodos
 Determinar o arquivo e ter acesso a cópia do filme;

 Verificar o aparelho que torna possível o pesquisador ver


e ouvir filmes mais antigos;

 Sobre a cópia é preciso:


a) Determinar se a cópia é corresponde a do período
tratado – aprender a lidar com as variações textuais;
b) Determinar as questões métodicas próprias da cópia
substituta;
c) Determinar o método analítico conforme o tipo de
problema;
Preocupações teóricas: o passado
 A reflexão sobre a constituição histórica da narrativa
cinematográfica tem uma tradição mais densa de
arcabouço teórico;

 Toda representação do passado é produzida a partir do


presente do qual ela mesma é uma fonte;

 O cinema é um dos campos sociais de constituição de


sentido do passado, em particular, e, do tempo, em geral;

 Trata-se de estudar a cultura histórica de um dado


lugar ou momento;
Preocupações teóricas: a imagem
 A relação da imagem com a história emerge a partir da
reflexão sobre o olhar e a visualidade;

 A cultura visual desloca o papel do filme na historiografia;

 Mais do que observar como o filme torna-se objeto da


historiografia...

 ... Pode-se observar também como o filme (imagem)


desloca a história e a historiografia no plano do objeto,
do método, da narrativa e do tempo;

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