Você está na página 1de 21

Gêneros textuais: definição e

funcionalidades
Luiz Antônio Marcuschi
Características
• Gêneros textuais são fenômenos históricos,
profundamente vinculados à vida cultural e social.
• São entidades sócio-discursivas e formas de ação
social incontornáveis em qualquer situação
comunicativa.
• Não são instrumentos estanques e enrijecedores
da ação criativa.
• Caracterizam-se como eventos textuais altamente
maleáveis, dinâmicos e plásticos.
• Surgem emparelhados a necessidades e atividades
sócioculturais, bem como na relação com
inovações tecnológicas.
Histórico
• Numa primeira fase, povos de cultura essencialmente
oral desenvolveram um conjunto limitado de gêneros.
• Após a invenção da escrita alfabética(séc. VII a.C.),
multiplicam-se os gêneros, surgindo os típicos da
escrita.
• A partir do século XV, os gêneros expandem-se com o
florescimento da cultura impressa para, na fase
intermediária de industrialização iniciada no século
XVIII, dar início a uma grande ampliação.
• Hoje, na cultura eletrônica, presenciamos uma
explosão de novos gêneros e novas formas de
comunicação, tanto na oralidade como na escrita.
1. Gêneros textuais como práticas sócio-
históricas
Os gêneros textuais:
• surgem, situam-se e integram-se funcionalmente
nas culturas em que se desenvolvem.
• caracterizam-se muito mais por suas funções
comunicativas, cognitivas e institucionais do que
por suas peculiaridades linguísticas e
estruturais.
• são quase inúmeros em diversidade de formas,
obtêm denominações nem sempre unívocas e,
assim como surgem, podem desaparecer.
2. Novos gêneros e velhas bases
• Os grandes suportes tecnológicos da comunicação, por
terem uma presença marcante e grande centralidade
nas atividades comunicativas da realidade social que
ajudam a criar, vão por sua vez propiciando e
abrigando gêneros novos bastante característicos.
• Esses novos gêneros não são inovações absolutas, sem
uma ancoragem em outros gêneros já existentes.
• Bakhtin falava na "transmutação" dos gêneros e na
assimilação de um gênero por outro gerando novos.
• A tecnologia favorece o surgimento de formas
inovadoras, mas não absolutamente novas.
• Esses gêneros que emergiram no último século no
contexto das mais diversas mídias criam formas
comunicativas próprias com um certo hibridismo que
desafia as relações entre oralidade e escrita e
inviabiliza de forma definitiva a velha visão dicotômica
ainda presente em muitos manuais de ensino de língua.
• Em muitos casos são as formas que determinam o
gênero e, em outros tantos serão as funções. Contudo,
haverá casos em que será o próprio suporte ou o
ambiente em que os textos aparecem que determinam o
gênero presente.
• Podemos dizer que as expressões "mesmo texto“ e
"mesmo gênero“ não são automaticamente
equivalentes, desde que não estejam no mesmo suporte.
3. Definição de tipo e gênero textual
Concepção de língua:
• Partimos do pressuposto básico de que é impossível se
comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, assim
como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por
algum texto.
• A comunicação verbal só é possível por algum gênero
textual.
• Noção de língua como atividade social, histórica e cognitiva.
• Privilegia a natureza funcional e interativa e não o aspecto
formal e estrutural da língua.
• A língua é tida como uma forma de ação social e histórica.
• Hipótese sócio-interativa da língua.
Definição de tipo textual:

• Usamos a expressão tipo textual para designar


uma espécie de construção teórica definida pela
natureza linguística de sua composição (aspectos
lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações
lógicas).
• Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de
meia dúzia de categorias conhecidas como:
narração, argumentação, exposição, descrição,
injunção.
Definição de gênero textual:
• Usamos a expressão gênero textual como uma
noção propositalmente vaga para referir os textos
materializados que encontramos em nossa vida
diária e que apresentam características sócio-
comunicativas definidas por conteúdos,
propriedades funcionais, estilo e composição
característica.
• Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os
gêneros são inúmeros.
• Alguns exemplos de gêneros textuais seriam:
telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal,
romance, bilhete, reportagem jornalística, aula
expositiva, horóscopo, etc.
• Quadro sinóptico:
Definição de domínio discursivo:
• Usamos a expressão domínio discursivo para designar uma
esfera ou instância de produção discursiva ou de atividade
humana.
• Esses domínios não são textos nem discursos, mas
propiciam o surgimento de discursos bastante específicos.
• Do ponto de vista dos domínios, falamos em discurso
jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso etc., já
que as atividades jurídica, jornalística ou religiosa não
abrangem um gênero em particular, mas dão origem a
vários deles.
• Constituem práticas discursivas nas quais podemos
identificar um conjunto de gêneros textuais que, às vezes,
lhe são próprios (em certos casos exclusivos) como práticas
ou rotinas comunicativas institucionalizadas.
• Deve-se ter o cuidado de não confundir texto e
discurso como se fossem a mesma coisa.
• Pode-se dizer que texto é uma entidade concreta
realizada materialmente e corporificada em algum
gênero textual.
• Discurso é aquilo que um texto produz ao se
manifestar em alguma instância discursiva.
• Assim, o discurso se realiza nos textos.
• Em outros termos: os textos realizam discursos em
situações institucionais, históricas, sociais e
ideológicas.
• Os textos são acontecimentos discursivos para os
quais convergem ações linguísticas, sociais e
cognitivas, segundo Robert de Beaugrande (1997).
• Para a noção de tipo textual predomina a identificação
de sequências linguísticas típicas como norteadoras.
• Já para a noção de gênero textual predominam os
critérios de ação prática, circulação sócio-histórica,
funcionalidade, conteúdo temático, estilo e
composicionalidade, sendo que os domínios
discursivos são as grandes esferas da atividade
humana em que os textos circulam.
• Importante é perceber que os gêneros não são
entidades formais, mas sim entidades comunicativas.
• Gêneros são formas verbais de ação social
relativamente estáveis realizadas em textos situados
em comunidades de práticas sociais e em domínios
discursivos específicos.
4. Algumas observações sobre os tipos
textuais
• Pode ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto
é em geral tipologicamente variado (heterogêneo).
• Um tipo textual é dado por um conjunto de traços que formam uma
sequência e não um texto.

• Pode-se dizer que o segredo da coesão textual está precisamente na


habilidade demonstrada em fazer essa "costura" ou tessitura das sequências
tipológicas como uma armação de base, ou seja, uma malha infraestrutural
do texto. Como tais, os gêneros são uma espécie de armadura comunicativa
geral preenchida por sequências tipológicas de base que podem ser bastante
heterogêneas mas relacionadas entre si.

• Quando se nomeia um certo texto como "narrativo", "descritivo" ou


"argumentativo", não se está nomeando o gênero e sim o predomínio de um
tipo de sequência de base.
Características predominantes dos tipos textuais:

• Narrativos → sequência temporal.


• Descritivos → sequências de localização.
• Expositivos → sequências analíticas ou então
explicitamente explicativas.
• Argumentativos → sequências contrativas
explícitas.
• Injuntivos → sequências imperativas.
5. Observações sobre os gêneros textuais
• Bakhtin (1997) dizia que os gêneros eram tipos "relativamente
estáveis" de enunciados elaborados pelas mais diversas esferas
da atividade humana.
• Sendo os gêneros fenômenos sócio-históricos e culturalmente
sensíveis, não há como fazer uma lista fechada de todos os
gêneros.
• Quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma
forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente
objetivos específicos em situações sociais particulares.
• Como afirmou Bronckart (1999), "a apropriação dos gêneros é
um mecanismo fundamental de socialização, de inserção
prática nas atividades comunicativas humanas“.
6. Gêneros textuais e ensino
• Um maior conhecimento do funcionamento dos gêneros textuais é
importante tanto para a produção como para a compreensão.
• É esta ideia básica dos PCN quando sugerem que o trabalho com o
texto deve ser feito na base dos gêneros, sejam eles orais ou
escritos.
• Seria bom ter em mente a questão da relação oralidade e escrita no
contexto dos gêneros textuais, pois os gêneros distribuem-se pelas
duas modalidades num contínuo, desde os mais informais aos mais
formais e em todos os contextos e situações da vida cotidiana.
• Gêneros textuais → artefatos linguísticos concretos.
• Pode-se dizer que os gêneros textuais fundam-se em critérios
externos (sócio-comunicativos e discursivos), enquanto os tipos
textuais fundam-se em critérios internos (linguísticas e formais).
• Não há só a questão da produção adequada do gênero,
mas também um uso adequado.
• Não é uma questão de etiqueta social apenas, mas é
um caso de adequação tipológica, que diz respeito à
relação que deveria haver, na produção de cada gênero
textual, entre os seguintes aspectos:
 natureza da informação ou do conteúdo veiculado;
 nível de linguagem (formal, informal, dialetal, culta,
etc.);
 tipo de situação em que o gênero se situa (pública,
privada, corriqueira, solene, etc.);
 relação entre os participantes (conhecidos,
desconhecidos, nível social, formação, etc);
 natureza dos objetivos das atividades desenvolvidas.
• No ensino pode-se tratar dos gêneros levando os
alunos a produzirem ou analisarem eventos
linguísticos os mais diversos, tanto escritos como
orais, e identificarem as características de gênero
em cada um.
• É um exercício que, além de instrutivo, também
permite praticar a produção textual.
7. Observações finais
• Pode-se dizer que o trabalho com gêneros textuais é uma
extraordinária oportunidade de se lidar com a língua em
seus mais diversos usos autênticos no dia-a-dia.
• E há muitos gêneros produzidos de maneira sistemática e
com grande incidência na vida diária, merecedores de
nossa atenção. Inclusive e talvez de maneira fundamental,
os que aparecem nas diversas mídias hoje existentes, sem
excluir a mídia virtual, tão bem conhecida dos internautas
ou navegadores da internet.
• A relevância maior de tratar os gêneros textuais acha-se de
modo todo especial no ensino de língua, já que se ensina a
produzir textos e não a produzir enunciados soltos.
• Uma análise dos manuais de ensino de língua portuguesa
mostra que há uma relativa variedade de gêneros textuais
presentes nessas obras. Contudo, uma observação mais atenta
e qualificada revela que a essa variedade não corresponde
uma realidade analítica.
• São poucos os casos de tratamento dos gêneros de maneira
sistemática. Lentamente, surgem novas perspectivas e novas
abordagens que incluem até mesmo aspectos da oralidade.
• É de se indagar se há gêneros textuais ideais para o ensino de
língua. Tudo indica que a resposta seja não. Mas é provável
que se possam identificar gêneros com dificuldades
progressivas, do nível menos formal ao mais formal, do mais
privado ao mais público e assim por diante. Tem-se a
oportunidade de observar tanto a oralidade como a escrita em
seus usos culturais mais autênticos sem forçar a criação de
gêneros que circulam apenas no universo escolar.

Você também pode gostar