'percebida a unidade profunda do real apesar de sua extraordinária diversidade aparente, intentaram compreender a natureza desta unidade. Podemos dividir o processo histórico em três períodos. Primeiro período Os primeiros metafísicos, de cujos ensaios de explicação do universo dá conta a história do pensamento, são os fisiólogos da Escola Jônica, século VI antes de nossa era. Estes filósofos pretendem descobrir a realidade fundamental das coisas ou a natureza profunda do cosmos, a substância primordial, abstrata, infinita, eterna. Tales julga encontrá-la na água; Anaximandro no indeterminado; Anaxímenes no ar; Heráclito no fogo. Buscam os constitutivos do mundo corporal. Pelo fim do século VI, Pitágoras inaugura na Itália uma metafísica de um tipo novo, as essências das coisas são os números, o universo é o resultado da proporção ou harmonia entre os números, é uma especulação do tipo matemático sobre a gênese dos números e sobre suas propriedades. Em Parmênides a reflexão sobre a natureza íntima do real alcança, pela primeira vez, sua forma puramente metafísica, ficando vivamente impressionado pelo caráter absoluto do ser. Formulou seu pensamento nestes termos categóricos e estritos: o ser, é; o não-ser, não é. É o que os lógicos atuais chamam de princípio de identidade. Em virtude deste princípio pode-se afirmar sobre o ser muitas coisas. Pode-se afirmar, por exemplo, e primeiramente que o ser é único. Além de ser único, o ser é eterno. Se não fosse, teria princípio e teria fim.
Se tem princípio, então antes de principiar havia o não-
ser. E admitir que houvesse o não-ser, seria o mesmo quer dizer que o não-ser é.
Se tivesse fim, chegaria o momento em que o ser deixaria
de ser; seria o não-ser. O ser também é imutável. O ser não pode mudar, porque toda mudança implica o ser do não-ser, já que toda a mudança é deixar de ser o que era para ser o que não era. E tanto no deixar de ser como no chegar a ser, vai implícito o ser do não-ser, o qual é contraditório. É também infinito. Não tem limites; está em toda a parte. O ser não pode ter limites, porque se tivesse limites, teríamos que admitir o ser do não-ser mais além do ser. É também imóvel, porque mover-se é deixar de estar em um lugar para passar a outro. Estar em um lugar supõe que o lugar onde está é mais amplo, mais extenso que aquele que está no lugar.
Parmênides, no entanto, não podia negar o espetáculo do
mundo com as coisas. seus movimentos, seres múltiplos, coisas que mudam, que nascem e que perecem. Então tira a seguinte conclusão: tudo isso é ilusão de nossos sentidos, uma aparência, uma ilusão de nossa faculdade de perceber. Antinomia entre Parmênides e Heráclito Chamado de “o escuro” por causa da obscuridade de um poema filosófico, desenvolveu sua filosofia em Éfeso no ano 500 AC. Filho de família nobre, cedeu a seu irmão a dignidade sacerdotal, hereditária em sua linhagem, e renunciou a toda atuação na vida pública. Recebeu também o apelido de “filósofo chorão” pela gravidade hierática de suas sentenças e, talvez, a seriedade sombria de seu caráter. A fórmula clássica de seu pensamento foi reconhecida por Aristóteles. É célebre também pela frase: “Não pode banhar-te duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre sobre ti”. Mas a concepção heraclicista do devir universal está longe do moderno. Heráclito estabelece como princípio do devir o fogo. Tudo procede desse fogo eternamente vivo e tudo deve voltar ao mesmo fogo para surgir de novo em um processo circular de nascimento e destruição. E se o mundo é devir e o princípio do devir é o fogo em que tudo coincide, o todo é único, o Uno. Más essa unidade brota da diversidade, da tensão dos opostos. A harmonia do universo resulta da coincidência dos distintos e o nascimento e conservação dos seres se devem a um conflito de contrários. Heráclito concebe esse fogo que tudo unifica com inteligência e divindade: o logos. Espírito e razão são inseparavelmente contidos em tudo e tudo se faz conforme a razão, dando aos seres harmonia em suas diferenças e regendo o universo segundo a lei da ordem. A alma do homem não é mais que uma centelha desse fogo divino, a qual, como todas as coisas, há de transformar-se e voltar, ressurgir. Heráclito
O progresso de Heráclito é claro. Ele introduz na
filosofia duas idéias tão importantes como o devir e o logos, que estimularam mais adiante o pensamento grego. Para ele o devir é a essência das coisas. Demócrito No século V. Demócrito funda o atomismo. O real está constituído por partículas homogêneas, indivisíveis, eternas e inalteráveis: os átomos. Estão em perpétuo movimento dentro do vazio e têm formas geométricas diferentes. Todas as estruturas das coisas são explicadas pelas combinações de átomos e todas as suas mudanças reduzem-se a movimentos atômicos. Platão Em Platão realiza-se a conciliação à custa de uma ruptura entre o mundo sensível e o mundo das idéias Existência de um mundo inteligível que transcende o mundo material. O mundo inteligível ou o mundo das Idéias é o lugar da autêntica realidade, do ser verdadeiro. As Idéias são os protótipos das coisas corporais, que são apenas participações deficientes e perecedouras dessas realidades superiores. O mundo da matéria não é, no sentido estrito do termo “ser”, não é senão sombra do mundo ideal. Cada idéia multiplica-se neste mundo em reproduções variadas e imperfeitas do Exemplar ideal. Aristóteles Aristóteles restabelece a unidade incorporando, com sua doutrina da forma, das idéias e do mundo material. É o verdadeiro fundador da "ciência" do ser, encontram-se nele exposições sobre a noção de ser, a analogia, a unidade, a verdade, a bondade, sobre as causas, sobre as categorias e em particular sobre a substância, sobre o ato e a potência, sobre a matéria e forma, etc. Não obstante, o problema metafísico essencial escapa a Aristóteles: o da explicação da unidade profunda do real. Em seu sistema o absoluto é uma ordem de realidades eternas e necessárias, coexistentes e subordinadas: esta ordem compreende a hierarquia de substâncias separadas, esferas celestes, e a matéria sublunar com todas as suas espécies. Sua metafísica é, pois, uma metafísica inacabada, já que se esboça o problema capital: a origem da unidade transcendental. A idéia de criação está completamente ausente do pensamento de Aristóteles: seu Primeiro Motor não tem as características do verdadeiro Deus, causa da existência do mundo, não é criador, nem providente. A síntese aristotélica marca o primeiro ponto culminante e finaliza a primeira etapa da história da metafísica. Teve o mérito de evitar as formas extremistas de seus predecessores: o materialismo dos pré-socráticos e o idealismo metafísico de Platão, o evolucionismo de Heráclito e o imobilismo de Parmênides. Más as lacunas de sua metafísica, unidas a outras influências históricas, impediram Aristóteles de se impor aos espíritos de seus contemporâneos. Segundo período No princípio da era cristã, observa-se um renascimento dos "valores espirituais e religiosos na vasta corrente que se conhece com o nome de Neoplatonismo. Esta corrente nasce em Alexandria sob a influência das religiões dos mistérios - Judaísmo e Cristianismo, a especulação metafísica toma nela um sentido religioso e se orienta para o misticismo (= doutrina que admite a possibilidade de lima união direta e íntima do espírito humano com Deus e que nos instrui sobre a maneira de chegar à referida união). O Neoplatonismo alcança seu apogeu no sistema Plotino. Sua metafísica inspira-se fundamentalmente na de Platão; é um platonismo repensado, enriquecido pelas novidades das filosofias recentes e, sobretudo, pela influência do Cristianismo. O atributo fundamental de Deus é a unidade, e o nome que lhe convém por excelência o de o UNO, isto é, o único, o simples, transcendente a todos os seus efeitos, inefável e infinito. O Uno é fecundíssimo: cria a Inteligência ou Logos, eterno como ele, semelhante a ele, mas menos perfeito que ele, princípio e sujeito ao mundo das Idéias ou Exemplares de todas as coisas. Por sua vez, a Inteligência produz a Alma do Mundo, eterna e necessária, semelhante à sua causa, mas inferior em perfeição, princípio de todas as almas particulares (inclusive os deuses e os demônios). O Uno, a Inteligência e a Alma do Mundo são três seres pessoais que formam em conjunto o mundo divino, isto é, o mundo eterno e imutável oposto ao mundo da matéria. Esta é o efeito próprio da Alma do Mundo; é pura multiplicidade, indeterminação e imperfeição, fonte de erro, de fealdade e de mal; não obstante é eterna e real como sua causa, participa de modo longínquo da perfeição e atividade da Alma. A influência da metafísica plotiniana foi muito profunda e extensa: no mundo helênico (Porfirio, Jâmblico, Proclo), depois do mundo cristão (Pseudo-Dionisio), Padres Gregos, Santo Agostinho, João Scoto Erigena, Escola de Chartres, no mundo arábe (Avicena) e no mundo judeu (Avicebron). No mundo cristão, foi sempre mais ou menos profundamente corrigida sob a influência do Cristianismo. Sobretudo, em, Santo Agostinho, que substitui a doutrina da emanação, pela da produção imediata de todas as criaturas por Deus; pelo contrário, o tema da participação influi em toda a doutrina agostiniana, e a doutrina do Lógos, transportada à luz do dogma trinitário, ocupa um lugar central no examplarismo agostiniano e na célebre doutrina da iluminação. Tomás de Aquino Estava reservado a Tomás de Aquino realizar, para o mundo cristão, o que Aristóteles havia intentado para o mundo helênico: elaborar uma síntese filosófica tirando partido das contribuições parciais dos filósofos anteriores. Nesta grandiosa obra, a metafísica ia alcançar um novo cume: em Santo Tomás. a ciência do ser domina todo o sistema com um equilíbrio estável, longe das posições extremistas: dualismo e idealismo platônico e empirismo e materialismo. É sobretudo na metafísica onde Santo Tomás supera Aristóteles sob a influência conjugada do Cristianismo e do Neoplatonismo. Captou a profunda convergência da metafísica platônica e da metafísica aristotélica, tão diferentes para um observador superficial; descobriu a possibilidade de superar as antinomias destes dois pensamentos, graças a uma inteligente interpretação da essência e da existência. A unidade do real manifesta-se ao espírito humano primeiramente uma analogia do ser, mas esta, por sua vez, encontra seu último fundamento na origem comum de todos os seres, a perfeição ontológica, possuída em plenitude por Deus .ESSE INFINITUM por ESSE SUBSISTENS, que é participada por múltiplas essências finitas, nas quais a perfeição da existência é recebida e é limitada Terceiro período O advento rápido do nominalismo no século XVI inaugura uma crise do pensamento metafísico, pois o nominalismo recusa o valor objetivo dos conceitos metafísicos, arruinando pela base todo conhecimento conceptual meta-empírico: é o triunfo do empirismo e do agnosticismo. • A corrente empirista, cujas origens remonta ao século XIII na Escola de Oxford, atravessa os últimos séculos da Idade Média e toda a época moderna. Apresenta-se sob as mais variadas formas, mas guarda sempre como característica uma desconfiança às especulações metafísicas. Há, não obstante, tentativas de reflexão metafísica entre os pensadores de inspiração netamente empirista, como Locke, Berkeley, Stuart Mill, Darwin na Inglaterra, Voltaire e Diderot na França, Haeckhel na Alemanha, W. James na América. • Na filosofia contemporânea, o neopositivismo professa radical empirismo oposto a toda metafísica; o intuicionismo de Bergson é empirista em princípio e condena toda metafísica conceitual, mas chega a considerações metafísica graças à intuição do élan vital e à invocação que faz do testemunho dos grandes místicos; a Fenomenologia de Husserl também invoca um método estritamente empirista que, por si mesmo, não parece poder oferecer-nos uma sólida base para a reflexão metafísica; sirva a mesma observação para o existencialismo, na medida em que pretende ligar-se aos métodos fenomenológicos e negar o valor meta-empírico do conceito. O agosticismo provoca um inevitável despertar do sentido dos valores transcendentais. O "neoplatonismo" integrado por Santo Tomás em sua metafísica, continuava seu caminho na escola dominicana alemã, graças a Santo Alberto Magno. Destaca-se Ulrico de Strasburgo e na de Thierry de Vriberg, a fins do século XIII e começo do XIV. No século XV é marcante a inspiração platônica nas obras do Cardeal Nicolau de Cusa e logo o Platonismo encontrará uma certa vida em diversos pensadores da Renascença. Esta corrente platônica contribui evidentemente para manter os direitos da metafísica contra o nominalismo e o empirismo. Descartes inaugura, no século XVII,· a corrente "racionalista" moderna, que é uma reação forte contra o empirismo e o agnosticismo. A metafísica cartesiana está dominada pela tendência "idealista": as ideias metafísicas são ideias inatas, claras e distintas que nos manifestam a essência do real e nos permitem captar. suas leis constitutivas. A primeira destas ideias é a do Ser, perfeito ou infinito; ela nos garante a existência deste Ser, já que somente nele encontra sua razão suficiente. Ser absoluto, verdade eterna e imutável, Deus é o fundamento, a garantia suprema da verdade das ideais. Entre o empirismo (positivismo. materialismo, etc.) e o idealismo (neokantismo, neo-hegelinnismo, etc.). desenvolve-se na filosofia contemporânea um movimento de retomo ao <realismo metafísico>. Com o empirismo, este realismo concebe a necessidade de um contato sem interrupção com a realidade dada na experiência humana, tanto objetiva como psicológica Com o idealismo, afirma que o dado empírico deve ser valorizado pelo espírito. Supera tanto o empirismo como o idealismo afirmando que o espírito capta na realidade os valores transcendentes, a partir dos quais pode elaborar uma autêntica metafísica. Este retorno ao realismo metafísico foi, no princípio, obra do renascimento tomista. O tomismo contemporâneo relaciona-se com o próprio Santo Tomás através de uma tradição, jamais completamente interrompida, mesmo quando tenha sofrido eclipses quase totais. A escola tomista conheceu horas de esplendor e produziu em metafísica obras famosas, como os escritos de Caetano, o "Cursus Philosophicus" de João de Santo Tomás e as "Instituciones Metaphysicae" de Francisco Suárez. A partir da encíclica "Aeterni Patris" (1879) de Leão XIII, a renovação metafísica tomista não cessou de se acentuar e seria fácil enumerar numerosos e importantes trabalhos devidos a metafísicos desta escola. São numerosos, também, os pensadores contemporâneos, alheios à escola tomista pela sua formação, que trabalharam ou trabalham ainda na elaboração de uma metafísica realista. Citemos Blondel e Lavelle na França, Hartman e Heidegger na Alemanha. Frequentemente estes metafísicos alcançam através de novos caminhos as posições clássicas da metafísica tomista.
(Grandi Tascabili Economici, 450-454) Platone - A Cura Di Enrico V. Maltese - Con Un Saggio Di Francesco Adorno - Tutte Le Opere. Volume 5-Newton Compton (1997) PDF