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A corte portuguesa no

Brasil
1808-1822
A vinda da família real portuguesa para
o Brasil
 No início do século XIX, Napoleão Bonaparte havia avançado por toda a Europa,
conquistando boa parte do velho continente. Em 1806, o imperador da França
decretou o Bloqueio Continental, com a intenção de consolidar sua expansão e
frear a influência econômica alcançada pelos ingleses com a Revolução Industrial.
 Portugal, antigo parceiro comercial dos britânicos, era uma “porta de entrada” na
Europa para os artigos manufaturados que chegavam da Inglaterra. Napoleão, que
controlava o trono espanhol – seu irmão, José Bonaparte, seria nomeado rei da
Espanha em 1808 –, enviou uma mensagem ao reino vizinho: ou Portugal aceitava
fechar seus portos aos produtos ingleses ou a máquina de guerra francesa invadiria
as fronteiras portuguesas a partir da Espanha.
 Dom João, filho de dona Maria I, chamada de “A rainha louca”, era o príncipe
regente de Portugal. Ele precisava tomar uma decisão difícil: manter os acordos
comerciais com os antigos aliados ingleses e sofrer a represália de Napoleão ou
cumprir as exigências do Bloqueio Continental e ser, provavelmente, atacado pelos
britânicos. Portugal estava no meio de um fogo cruzado entre as duas maiores
potências da época.
A vinda da família real portuguesa para
o Brasil
 Diante desse quadro de incertezas e contando com a ajuda inglesa, um antigo
plano foi retomado: a família real lusitana, acompanhada de sua Corte, se
deslocaria para o Brasil, contando com a escolta da Marinha britânica. Dessa
maneira, estariam preservadas a Coroa e a descendência dinástica de
Portugal.
 Assim, em 27 de novembro de 1807, em meio ao desespero dos portugueses
que ficaram para trás, embarcaram rumo à colônia brasileira a família real,
boa parte da Corte e sua criadagem, somando quase 15 mil pessoas. Tiveram
o cuidado de levar consigo seus pertences de valor, obras de arte, joias,
louçaria, prata, ouro e pedras preciosas. Também foram acomodados nos
navios milhares de livros, mapas e documentos que guardavam a identidade
cultural lusitana. A preocupação era que, depois que Napoleão soubesse da
fuga, Portugal desaparecesse para sempre da geografia e da memória do
mundo.
A vinda da família real portuguesa para
o Brasil
 Os ingleses emprestaram treze de seus navios e acompanharam a família real
portuguesa ao Brasil, do outro lado do Atlântico. Enquanto isso, Portugal foi
invadido pelas tropas do marechal francês Jean Androche Junot, apelidado “A
Tempestade”, em referência à sua fúria e destreza em campo de batalha.
Seguiram-se anos de guerra entre franceses e portugueses, apoiados pela Grã-
Bretanha, até que as tropas de Bonaparte foram derrotadas em 1810.
As primeiras medidas de dom João no
Brasil
 Abertura dos portos às nações amigas - Segundo esse documento, Portugal
liberava as transações comerciais para todos os seus aliados, sem qualquer
restrição além daqueles produtos considerados “fundamentais” pela Coroa
lusitana, como pau-brasil, açúcar, tabaco, ouro, entre outros. A Abertura dos
Portos contemplava, principalmente, os interesses econômicos da Inglaterra,
que era a única potência em condições de estabelecer relações comerciais
com o Brasil, já que possuía a maior marinha mercante e de guerra da época,
e pelo volume e diversidade de sua produção industrial.
 Com a Abertura dos Portos, a Inglaterra desenvolveu uma espécie de “válvula
de escape” com o Brasil, liberando grande parte de seus produtos detidos
pelo Bloqueio Continental de Napoleão Bonaparte. Além disso, a Abertura dos
Portos, na prática, foi o primeiro grande passo para o fim do pacto colonial na
América portuguesa.
As primeiras medidas de dom João no
Brasil
 Ainda em 1808, dom João assinou um decreto que liberava a criação de
manufaturas no Brasil – foi a suspensão do Alvará de 1785, assinado por
dona Maria I, que proibia as atividades manufatureiras na colônia.
 A partir desse dispositivo, foram criadas pequenas fábricas de tecidos no
interior de Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Maranhão, que
não ameaçavam em nada a produção britânica. A medida serviu mais como
um alento às demandas das elites coloniais brasileiras, que havia algum
tempo desejavam desenvolver suas próprias manufaturas.
As primeiras medidas de dom João no
Brasil
 Em 1810, Portugal assinou dois tratados com a Inglaterra: o de Aliança e Amizade
e o de Comércio e
 Navegação, os quais ampliavam ainda mais os privilégios ingleses no Brasil. Entre
outros direitos, eles ganharam o de trânsito comercial entre Londres e os portos
brasileiros em paquetes (navios antigos de luxo, movidos a vapor); de exploração
da madeira brasileira; de favorecimento alfandegário; e um porto livre de
restrições alfandegárias em Santa Catarina. Além disso, os cidadãos ingleses
ganharam o direito de extraterritorialidade, que na prática retirava das mãos da
justiça portuguesa qualquer possibilidade de deliberação legal sobre ingleses, que
responderiam apenas às leis britânicas mesmo estando em território brasileiro.
 De todas as medidas, a mais conhecida foi a das tarifas alfandegárias sobre o valor
das mercadorias: 24% para qualquer nação que fizesse comércio com os portos
brasileiros. Apenas os comerciantes portugueses pagariam 16% e os ingleses,
15%. Dessa maneira, os produtos britânicos chegavam ao Brasil mais baratos
que os produtos portugueses.
As primeiras medidas de dom João no
Brasil
 Não por acaso, nos anos seguintes as cidades portuárias como Salvador, Recife
e, principalmente, a capital da colônia, o Rio de Janeiro, receberam uma
quantidade extraordinária de artigos ingleses: tecidos (sedas, algodões –
grossos ou lavados –, lãs, casimiras), objetos de liga metálica (pregos,
parafusos, porcas, martelos, alfinetes, chaves-inglesas), bebidas (rum,
uísque, cerveja); e até mesmo agasalhos para temperaturas negativas, patins
para gelo e esquis para a neve. Tudo para desafogar o comércio inglês, ainda
debilitado pelo Bloqueio Continental.
O Rio de Janeiro e as reformas joaninas

 Com a Corte lusitana transferida para o Brasil, o Rio de Janeiro passou a ser a
sede administrativa do Império Português.
 Por isso foi preciso reestabelecer aqui as instituições político-administrativas
imperiais, entre elas o Conselho de Estado, o Ministério Real e o Conselho
Ultramarino – este último responsável pela administração das colônias.
 As mudanças mais importantes foram, entretanto, de outra natureza. O Rio
de Janeiro era uma pequena e mal desenhada cidade portuária, sem
infraestrutura satisfatória para abrigar navios, mercadorias ou pessoas mais
exigentes até 1808. Era um lugar de passagem para comerciantes, traficantes
de escravos e aventureiros. As elites locais preferiam o acolhimento das
grandes fazendas afastadas do litoral às ruas sujas e apertadas que ficavam
junto do mar.
O Rio de Janeiro e as reformas joaninas

 A região portuária recebeu grande atenção, com o calçamento de ruas, a


iluminação pública feita com archotes (uma espécie de tocha, muito usada na
época) e a construção de novos armazéns e pátios para o recebimento das
cargas dos navios estrangeiros. Além disso, novas áreas de ocupação urbana
foram desenvolvidas, expandindo o desenho original da cidade.
 Dom João também criou a Biblioteca Real (atual Biblioteca Nacional), o Teatro
São João (atual Teatro João Caetano), o Jardim Botânico, o Passeio Público, a
Santa Casa de Misericórdia, o Banco do Brasil, o Observatório Astronômico, a
Imprensa Régia, a Escola de Música, a Academia Real Militar, a Fábrica de
Pólvora, a Casa de Pólvora, a Casa de Banhos, a Faculdade de Medicina, a
Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, entre outras inovações.
O Rio de Janeiro e as reformas joaninas

 Com o passar do tempo, a presença da Corte no Rio de Janeiro permitiu a


chegada de viajantes, artistas, cientistas, músicos e intelectuais de toda a
Europa. Eles vinham ao Brasil atraídos principalmente pelas notícias da
exuberância natural e da mistura de povos indígenas, africanos e europeus.
Os pintores Rugendas e Debret e o naturalista Auguste Saint-Hilaire foram
alguns dos artistas e intelectuais que passaram pelo Brasil à época. Além de
criarem obras de valor artístico inquestionável, eles foram grandes
observadores da vida cotidiana brasileira.
O Rio de Janeiro e as reformas joaninas

 Outro efeito da mudança da Corte portuguesa para o Brasil pôde ser visto nos
hábitos e costumes da época. Foi possível a criação de uma nova elite,
frequentadora do teatro, da biblioteca e com acesso à formação intelectual.
As camadas médias urbanas foram igualmente alteradas, com a maior
presença de funcionários públicos e comerciantes. Principalmente o Rio de
Janeiro ganhou uma nova face. Mas nem tudo foi motivo de comemoração.
O rei também tem problemas
 Congresso de Viena – 1815
 Princípio da Legitimidade
 Contudo, dom João parecia muito bem adaptado ao Brasil, não dando qualquer demonstração
de querer retornar a Portugal. Vendo-se obrigado a assumir uma posição diante das nações
europeias, e sem renunciar à sua vontade pessoal de continuar em sua nova casa dos trópicos,
dom João elevou o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves (1815).
 No Brasil, houve comemoração, afinal o estatuto oficial deixou de ser o de colônia e passou a
ser o de Reino Unido, algo próximo a um Estado ligado à metrópole. Na prática, entretanto,
nada mudou.
 Em Portugal, a situação foi outra. Ressentidos com o abandono da família real quando sua
presença e liderança teriam sido extremamente necessárias – na ocasião em que as tropas
francesas ameaçaram destruir tudo, entre 1808 e 1810 – e, revoltados com as facilidades
comerciais concedidas aos ingleses, tanto no ambiente colonial quanto em Lisboa, os
portugueses agora amargavam a certeza de que seu rei não desejava voltar para o
acolhimento de seus súditos europeus, preferindo o calor do Brasil.
Revolução Pernambucana (1817)
 Ainda no Brasil, dom João enfrentou um de seus maiores desafios. No Nordeste, havia um
crescente descontentamento com seu governo. Os grandes proprietários de terras pernambucanos
sofriam com a baixa dos preços do algodão e do açúcar; os comerciantes de Recife sofriam com as
vantagens que ingleses e portugueses gozavam desde 1808, seja por causa da Abertura dos Portos,
seja pelos Tratados de Comércio e Navegação, de 1810.
 Além dessas razões, havia uma forte influência das ideias de liberdade que a filosofia iluminista
vinha defendendo entre as elites intelectuais da região.
 Em 1817, teve início a Revolução Pernambucana, que tinha o objetivo de romper com Portugal e
criar uma república independente. O movimento contou com a rápida adesão de outras províncias
do Nordeste, formando uma perigosa ruptura em relação à integridade do território que o Brasil
havia assumido desde sua ocupação original.
 Os rebeldes chegaram a fundar um governo provisório – que durou pouco mais de dois meses – com
o intuito de criar uma Assembleia Constituinte e consolidar a independência em relação aos
portugueses. Mas dom João reprimiu duramente o movimento, evitando que o governo da
República de Pernambuco obtivesse sucesso.
Revolução Liberal do Porto (1820)

 A situação de Portugal não era confortável. Desde a chegada da família real ao Brasil, a crise
lusitana parecia piorar a cada ano. Enquanto isso, o Rio de Janeiro tornara-se a capital do
Império, desbancando a velha Lisboa em importância política, comercial e até cultural. A
prosperidade da colônia era comentada na metrópole e trazia insatisfação naqueles que havia
muito tempo se sentiam preteridos pelo próprio rei. Para piorar o estado de coisas, os lusos
eram governados desde 1808 por uma regência liderada por lord William Beresford, general
britânico e administrador de Portugal na ausência de dom João.
 Ao longo dos anos, a presença inglesa em Portugal mostrou-se um incômodo difícil de ser
superado.
 A aliança que os ingleses mantinham com os portugueses passou a ter um custo muito alto: não
só significou a abertura comercial de seu território ultramarino mais importante – a América
portuguesa – como reduziu as tarifas alfandegárias de produtos britânicos na própria
metrópole. Os prejuízos da elite burguesa eram grandes demais para serem contornados com
facilidade.
Revolução Liberal do Porto (1820)

 Por essas razões, em 1820 a burguesia comercial lusitana liderou a chamada Revolução Liberal
do Porto.
 Contando com grande apoio das camadas médias urbanas e de setores populares, seus líderes
exigiam o retorno de dom João a Portugal, a retomada das relações comerciais com o Brasil,
baseadas nas velhas práticas mercantis do pacto colonial, e a elaboração de uma Constituição
para os portugueses.
 As notícias da Revolução do Porto e da instalação da Constituinte em Portugal entusiasmaram
os brasileiros que simpatizavam com o Iluminismo e o liberalismo e viam aí a chance de
eliminar o absolutismo e fundar o Estado sobre uma Constituição discutida por uma assembleia
de representantes da qual eles participariam.
 Pressionado e sem alternativas, dom João decidiu retornar à metrópole em 1821. Seu filho
mais velho, dom Pedro, com apenas 21 anos, foi deixado no Brasil na condição de príncipe
regente. As condições para a independência brasileira estavam criadas.

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