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A TEORIA DA MODERNIZAÇÃO

SELETIVA EM JESSÉ SOUZA


Por Harlon Romariz
13/09/2018
INTERPRETAÇÃO SOCIOLÓGICA DE WEBER
• Rompimento com a perspectiva culturalista (leitura equivocada de
Weber)

• Conceitos principais em Max Weber


• Afinidades eletivas (multicausalidade histórica)
• Legitimação (material e simbólica)
• Dominação/Poder (teoria do conflito não marxista)

• Obras importantes:
• Economia e Sociedade
• História Geral da Economia
• Ética econômica das religiões mundiais
SOBRE WEBER
• Multicausalidade:
“A complexa multicausalidade da análise weberiana também o leva a
rejeitar a conclusão de que o capitalismo moderno não se desenvolvei
primeiro na Ásia devido à sua ausência de um ascetismo voltado para o
mundo. [...] Pelo contrário, constelações de forças são sempre cruciais,
assim como sua maneira de interagir conjunturalmente em determinados
contextos e, por conseguinte, formular configurações únicas” (KALBER,
2010, p. 93).

• Condições para o surgimento do capitalismo (e da modernidade):


I) apropriação de todos os bens materiais de produção (terra, maquinário, etc.), (II)
liberdade mercantil, (III) técnica racional (contabilidade e mecanicidade), (IV) direito
racional, (V) trabalho livre e (VI) comercialização da vida e economia. A tudo isso se
deve ainda adicionar a ideologia racional, a racionalização da vida, a ética racional
na economia. (WEBER, 1968, p. 310, grifo do autor).
QUEM PRODUZ O INDIVÍDUO?
“[A interpretação weberiana] lembra-nos que o arcabouço institucional do
mundo individualista e burguês moderno, se por um lado não pressupõe,
necessariamente, uma cultura normativa substantiva, por outro, é
enormemente facilitado por ela. Depois, tal discussão permite um ponto
de partida interessante para a análise dos diversos casos empíricos de
modernização que efetivamente ocorreram no Ocidente. Esse ponto de
partida nos permite, por exemplo, comparar experiências históricas
concretas segundo a forma mais ou menos consequente na qual a
cultura normativa da modernidade logrou se institucionalizar e
permear o pano de fundo valorativo e normativo de cada
sociedade singular. Com relação a esse último ponto, podemos
examinar casos concretos alternativos de desenvolvimento ocidental,
como efetivamente faremos .a segunda parte deste livro, perguntando-
nos sobre a articulação específica entre cultura normativa e padrões de
institucionalização.” (SOUZA, 2000, p. 31).
QUEM PRODUZ O INDIVÍDUO?
• “O fato de nós, modernos, não temos mais essa opção
significa para Weber que as instituições impessoais do
capitalismo moderno, principalmente mercado competitivo
e Estado burocrático, criam estímulos para a conduta
individual que não estão mais à disposição da volição dos
agentes. Somos, em grande parte, até em nossas
emoções mais íntimas, produto das necessidades da
reprodução institucional de Estado e mercado. É para
esse fato fundamental que Weber quer apontar com o uso
de suas metáforas mais conhecidas, como ‘gaiola de
ferro’ ou de ‘destino’, para designar o efeito dessas
instituições nos indivíduos.” (SOUZA, 2015, p. 82).
QUEM PRODUZ O INDIVÍDUO?
• Weber, Elias e Charles Taylor:

• Institucionalização diferencial do racionalismo ocidental:

• O que se legitima está imbricado com quem induz o processo de legitimação.

• O processo de legitimação nas sociedades modernas é um processo de


institucionalização. Um dos sinais da legitimação é a naturalização.
• Processo civilizador: racionalidade, ascetismo, controle, regra, contabilidade, precisão
não pode ser dissociado de quem os produziu e tem.

• Para compreender uma sociedade moderna (esse processo é seletivo) é preciso


compreender quem tem o domínio material e simbólico da sociedade, quem
teve esse domínio no passado e como está estruturado os recursos materiais e
simbólicos.
COMO SE DEU O PROCESSO DE LEGITIMAÇÃO
E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL?
• Alemanha (Europa):
• legitimação do modo de vida burguês
• Livre comércio, direitos civis e políticos para todos
• “Ninguém está acima da lei”; todos são dignos

• EUA
• Processo de independência como oportunidade de ser livre das
condições políticas e sociais da Europa
• Terra nova que precisa ser dividida entre iguais (povoamento)
• Conflito regulado
• Federalismo
COMO SE DEU O PROCESSO DE LEGITIMAÇÃO
E INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL?
• Seletividade dos valores para alguns: humanidade, dignidade, direitos humanos.

• Escravidão como aspecto histórico central:

• “A não humanidade básica do escravo impossibilita qualquer forma compartilhada e

institucionalizada tanto de formação de personalidade autônoma como de instituições que

a projetam. O escravo, os agregados e seus assimilados são, num sentido próprio e literal,

objetos do senhor. Inexiste, nesse contexto, qualquer estabilidade ou previsibilidade que

estabeleça garantias externas e o desenvolvimento de padrões de contudo que ensejem

qualquer forma de obrigações bilaterais.”. (SOUZA, 2000, p. 213).

• Racismo de classe
REPRODUÇÃO MATEIRAL E SIMBÓLICA NO
CAPITALISMO PERIFÉRICO
• “A marginalização permanente de grupos sociais inteiros tem a ver com a disseminação efetiva

de concepções morais e políticas, que passam a funcionar como ‘ideias-força’ nessas sociedades. [...] a

ordem competitiva também não é ‘neutra’. [...] a ordem competitiva também tem ‘sua hierarquia’.” (SOUZA,

2015, p. 137).

• Accountability: “Pela definição acima, a ‘confiança’ é a chave para o progresso econômico, e assim, a chave

para o progresso social. O leitor seria capaz de antecipar quem detém, par os autores, recurso tão

fundamental? [...] as classes dominantes! Afinal, não são apenas as mais inteligentes, são também

as mais honestas, melhores, são ‘boas’ pela definição de moralidade ocidental.” (SOUZA, 2015, p. 96).

• “A partir daí, a superioridade de certos países e classes terá que ser legitimada, agora, pelo acesso

privilegiado a certo estoque de ‘virtudes culturais’, entre eles a ‘confiança’. Mas a função prática do

‘culturalismo’ continua a mesma do ‘racismo científico’: legitimar, com a aparência de ciência, situações

fáticas de dominação.” (SOUZA, 2015, p. 99).


DISTRIBUIÇÃO DAS CLASSES SOCIAIS

Jessé Outros %

Ralé Subproletariado (Singer)


70%
Nova classe média (Neri)
Batalhadores
Classe auto-referente (Salata)?
Classe média Classe auto-referente (Salata)?
29%
(tradicional) Classe média
Elite/classe endinheirada Classe alta, Ricos (Catani) 1%
REPRODUÇÃO MATEIRAL E SIMBÓLICA NO
CAPITALISMO PERIFÉRICO
• A forma de vida do pobre (maioria de pretos e pardos) não é legitima, a racionalidade
do pobre (votar por causa do Bolsa Família?) não é legitima, o estilo de vida do pobre
(cachaça?, Lula pinguço!) não é legitima, por tanto, ele não é um ser digno de:

• Respeito

• Renda

• Direitos humanos

• Saúde de qualidade

• Escola e universidade de qualidade


REPRODUÇÃO MATEIRAL E SIMBÓLICA NO
CAPITALISMO PERIFÉRICO
• Exemplo da água do açude do Castanhão
• Hierarquização de tudo

• As práticas capitalistas estão imbricadas com a formas de racionalidade


legitimadas pela maioria.
• No Brasil (e outros países periféricos) você tem um processo de manutenção
de privilégio (materiais e simbólicos) a partir da seletividade, ou negação da
dignidade para todos ou pelo menos para a maioria.
• “Classe endinheirada” (latifundiários, industriais e especuladores) lutam
entre si pela manutenção dos seus privilégios e nunca tiveram que
seriamente distribuir esses “bens” com a maioria da população. Essa
população aceita essa seletividade de direitos e restrição de dignidade como
algo legítimo.
DESIGUALDADE LEGITIMA E SUA
MANUTENÇÃO
• Teoria da legitimação em Weber: senhor-escravo, mando-
obediência, capacidade de mandar por causa do arranjo
institucional (mesmo que não haja conteúdo);
• Consumismo

• Classe média que reproduz essa seletividade das elites;


• Classe intelectual que “culturaliza” as relações;
• Pensamento social brasileiro (grande mídia, “corrupção”) que
obscurece as relações de dominação (simbólica e material);
• Estado deslegitimado quando age em prol da maioria.
• Conflito distributivo
CONTRA A INTERPRETAÇÃO CULTURALISTA

• Sérgio Buarque de Holanda – cordialidade, compadrio,


personalismo

• Raymundo Faoro – patrimonialismo, compadrio, herança


portuguesa, corrupção

• Gilberto Freyre – plasticidade, herança ibérica,


patriarcalismo e sensualidade

• Roberto DaMatta – singularidades brasileiras, herança


ibérica
CONCLUSÃO
• Nós não somos desiguais e inferiores por causa de
“heranças” e “gostos” culturais, mas porque os recursos
(simbólicos e materiais) são distribuídos de forma muito
desigual, impedindo a igualdade de oportunidade e
castrando a criatividade e genialidade da individualidade.
• A sociedade moderna não avançaria sem a democratização
dos recursos e dos direitos. No Brasil, a maioria da
população não tem as oportunidades (materiais) nem a
legitimidade (dignidade) de pelo menos poder competir.
REFERÊNCIAS
• KALBERG, Stephen. Max Weber: uma introdução. Rio de Janeiro:
Zahar, 2010.
• SOUZA, Jessé. A modernização seletiva: uma reintepretação do
dilema brasileiro. Brasília: Editora UNB, 2000.
• SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira: ou como o
país se deixa manipular pela elite. São Paulo: LeYa, 2015.
• WEBER, Max. As causas sociais do declínio da cultura antiga. In:
COHN, Gabriel. Max Weber: sociologia. São Paulo: Ática, 1979.
p. 37-57.
• WEBER, Max. História geral da economia. São Paulo: Mestre
Jou, 1968.

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