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• Introdução ao Direito II

• Interpretação das leis, artigo 9.º C.C.


• Regente: Prof.ª Doutora Anja Bothe

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agente forma valor artigo
Legislador Autêntica: lei Vinculativo próprio 13.º C. C.
interpretativa da lei

Administração Oficial: lei Vinculativo apenas 111.º, n. 2 e


inferior ao da por obediência 112.º
norma hierárquica Constituição
interpretada
Tribunais Judicial: Na impossibilidade 8.º, n.º 3 C. C.
jurisprudência de recurso
vinculativo para o
caso concreto

Restantes Doutrinal/ Persuasivo e/ ou 6.º C. C.


particular: científico
pareceres,
anotações etc.
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Especificidade da lei
interpretativa
Interpretação autêntica é a que é
realizada por uma fonte que não é
hierarquicamente inferior às fontes
interpretadas.
As leis interpretativas são, por sua
própria natureza, retroactivas.
A lei interpretativa e a lei interpretada
ficam a constituir um todo único.

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O artigo 13.º C. C. manda respeitar os limites
da retroactividade:
• Cumprimento da obrigação
• Sentença com trânsito em julgado, i.é já não há
recurso
• Transacção (= acordo pelo qual as partes
previnem ou terminam um litígio mediante
recíprocas concessões, art. 1248.º C. C.)
• Outros actos que também impliquem o
inequívoco reconhecimento do direito por ambas
as partes ou por aquela a quem o direito é
oposto.
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Interp Subjectivista Objectivista
re-
tação
Históric Intenções do Atribui à
a legislador objectivação
quando fez a linguística do
lei texto um sentido
invariável
Actualis Intenções do O sentido a retirar
ta legislador nas do texto da lei
condições em varia conforme as
que a lei é circunstâncias
aplicada 5
Art. 9.º, n.º 1 CC: “A
interpretação não deve cingir-
se à letra da lei, mas
reconstituir a partir dos
textos o pensamento
legislativo, tendo sobretudo
em conta a unidade do
sistema jurídico, as
circunstâncias em que a lei
foi elaborada e as 6
Necessária: interligação e valoração
que escapa ao domínio literal
“a partir dos textos “ Exegético
(Elementos literais ou gramaticais)

“o pensamento legislativo “Racional ou


Teleológico
“foi elaborada “Histórico
“é aplicada” Actualista
“unidade do sistema jurídico “
Sistemático
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Argumentos contra a interpretação
subjectivista: (Oliveira de Ascensão)
• A vontade do legislador histórico é
com frequência incognoscível.
• Muitos antecedentes do texto não
são públicos ou não são susceptíveis
de prova.
• Há uma intervenção de várias
pessoas. Não será possível
determinar a intenção decisiva.
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Argumentos contra a interpretação
objectivista:
• O objectivismo não respeita a obediência ao
poder legislativo.
• A determinação da “vontade” histórica dá
maiores garantias de segurança aos
destinatários das normas e promove a
uniformidade de soluções.
• Como o legislador é em regra um órgão
colegial existem relatórios, actas de debates,
pareceres, críticas, projectos alternativos etc.
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“… o Código limita-se a consagrar os princípios que
podem considerar-se já uma aquisição definitiva
na matéria, combatendo os excessos a que os
autores objetivistas e subjetivistas têm chegado
muitas vezes… O sentido decisivo da lei coincidirá
com a vontade real do legislador, sempre que esta
seja clara e inequivocamente demonstrada através
do texto legal, do relatório do diploma ou dos
próprios trabalhos preparatórios da lei. …” em
caso de dúvida o n.º 3 apela ao carácter objetivo…
Código Civil anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, 1987

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Regras respeitantes às relações entre mais ou
menos:
• A lei que permite o mais, permite o
menos (ex.: venda de certa coisa,
venda de quota dela)
• A lei que proíbe o menos, proíbe o
mais (ex.: proibido construir casa,
proibido construir prédio)

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Regras respeitantes às relações entre
meios e fins:
• Fim permitido permitidos os meios
necessários
• Fim proibido proibidos os meios
necessários
• Meios permitidos permitido o fim a
que eles necessariamente conduzem
• Meios proibidos proibido o fim a que
eles necessariamente conduziriam

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• A interpretação declarativa fixa à norma o sentido
literal. Temos a interpretação declarativa lata
(“homem”) e a interpretação declarativa restrita
(“paternidade”).
• Numa interpretação extensiva, o legislador disse
menos do que queria dizer (“pais e avós” incluem
“bisavós”). Ver art. 11.º C. C.
• A interpretação enunciativa é uma forma de
interpretação extensiva.
• Numa interpretação restritiva, o legislador disse
mais do que queria dizer. (apenas “os menores” não
emancipados.)
• A interpretação abrogante permite excluir uma
norma. (arts. 2206.º, n.º 2 e 2208 C. C.) 13
• Lacuna no Direito: há um caso que necessita
de regulamentação, mas não há norma
jurídica para o regulamentar.

• Art. 8.º, n.º 1 C. C.: “O tribunal não pode


abster-se de julgar, invocando a falta ou
obscuridade da lei ou alegando dúvida
insanável acerca dos factos em litígio.”
Este não esclarecimento designa-se por “non
liquet”.
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Regras de fixação jurídica dos factos em
litígio:

• Processo civil: quem invoca


um facto em seu proveito tem
de o provar.
• Processo penal: in dubio pro
reo

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Integração de Lacunas:

É a tarefa de criação de uma


norma para regular o caso,
quando não exista norma
aplicável.

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Os dois métodos de criação da norma para
preencher a lacuna:
• Art. 10.º, n.ºs 1 e 2: Analogia
• Caso análogo é aquele em que a
razão de decidir no caso omisso e no
caso previsto é a mesma.
(ex.: para o transporte aéreo aplicou-se as regras do
transporte marítimo)
Os artigos 157.º, 274.º, n.º 2, 289.º, n.º 3 e 295.º
remetem para a analogia.
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Artigo 10.º, n.º 3 C. C.: “Na
falta de caso análogo, a
situação é resolvida
segundo a norma que o
próprio intérprete criaria,
se houvesse de legislar
dentro do espírito do
sistema.”
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Artigo 11.º C. C.: “As normas
excepcionais não comportam
aplicação analógica, mas admitem
interpretação
Integração extensiva.”
Interpretação
extensiva
O caso a regular não O sentido da lei vai
está previsto na lei, para além da sua
nem na letra nem no letra.
espírito.

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• Lacuna da lei: esgotou-se todo o processo
interpretativo dos textos sem se ter encontrado
nenhum que contemplasse o caso cuja
regulamentação se pretende
• Interpretação extensiva faz-se quando o caso está
contemplado, não há omissão, apenas haja
necessidade de estender as palavras da lei,
reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento
do legislador. (Código Civil anotado, Pires de Lima
e Antunes Varela, 1987)

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Caso prático 2: Jorge, solteiro, sempre manteve sólidas relações
de amizade com os seus vizinhos Alberto e Carlos. Quando
Jorge descobriu que estava seriamente doente com um cancro
de teor maligno, foram os seus amigos Alberto e Carlos que o
trataram e lhe deram todo o apoio. Quando faleceu, beneficiou
ambos no seu testamento.
• O seu sobrinho, Mário, intentou uma acção em tribunal, pedindo
que o referido testamento fosse declarado nulo, atendendo ao
disposto no artigo 2194.º C.C., de acordo com o qual “ é nula a
disposição a favor do médico ou enfermeiro que tratar o
testador, ou do sacerdote que lhe prestar assistência espiritual,
se o testamento for feito durante a doença e o seu autor vier a
falecer dela.”
• Bib.: Daniel de Bettencourt Rodrigues Silva Morais, Hipóteses…, aafdl, 2007
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• Caso prático 5: Alberto e Urbino, irmãos, solteiros e sem
descendentes ou ascendentes, fizeram em comum um
testamento através do qual o primeiro institui como seu
único herdeiro o seu grande amigo Eleutério e o segundo
fez o mesmo em relação a Pompeu.
• Após o falecimento de Urbino, discute-se num pleito judicial
a validade de tal testamento. Nessa sede, Pompeu
argumenta que o artigo 2181.º do Código Civil (“Não podem
testar no mesmo acto duas ou mais pessoas, quer em
proveito recíproco, quer em favor de terceiro.”) não proíbe o
testamento feito pelos dois irmãos, uma vez que estes não
testaram em favor de um terceiro, mas cada um testou em
proveito de pessoas diferentes.
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• Caso prático 6: Aprígio vendeu a Tertuliano um
apartamento de que era proprietário, sito no centro da
capital, pelo preço de 150.000 euros. Mais tarde,
Aprígio intentou uma acção judicial contra o comprador,
pedindo a anulação do contrato com fundamento em
usura (artigo 282.º/1 C.C.), dado que Tertuliano
aproveitara o seu estado mental de enorme alegria (por
ter acabado de fechar um importante negócio) para
conseguir que o preço acordado fosse bastante mais
baixo do que o valor de mercado do imóvel.
• Tertúliano contestou a acção, defendendo que a
referência do artigo 282.º/1 ao “estado mental” não
comporta os estados mentais positivos.
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• Caso prático 7: Florentino entrou sem autorização
na garagem da casa de Prudêncio, apoderando-se
de um automóvel. Duas semanas mais tarde,
arrependido, devolveu o veículo ao proprietário,
embora com algumas amolgadelas.
• Prudência procedeu a queixa criminal pelos factos
descritos e um ano mais tarde, em sede de
julgamento, Florentino foi condenado pela prática
de crime de furto.
• Porém, o juiz atenuou especialmente a pena, nos
termos do artigo 206.º/3 do Código Penal, que

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• prevê tal possibilidade se ocorrer uma restituição
parcial da coisa furtada até ao início da audiência de
julgamento em 1ª instância. Na sentença, admitia-
se que se verificara uma restituição da coisa inteira
(embora com perda de qualidades), e não uma
restituição parcial como prescreve a lei, mas
consideram-se as situações equivalentes.
• Prudêncio (enquanto assistente no processo penal)
pretende recorrer da decisão, com fundamento em
que houve uma aplicação analógica da lei penal, o
que é proibido no nosso ordenamento jurídico.

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• Caso prático 8: Foi disponibilizada no sítio da
Internet da Imprensa Nacional – Casa da Moeda
uma lei que determinava, no respectivo artigo 4.º, a
elevação da taxa do IVA para 40% no que diz
respeito à “venda de bebidas açucaradas”.
• Segundo uma circular assinada por um responsável
da Direcção-Geral dos Impostos, a nova taxa deve
aplicar-se à venda de “bolos, gelados, rebuçados,
chocolates e produtos similares, uma vez que a
razão da lei também os abrange: penalizar o
consumo de alimentos que prejudiquem a saúde”.
• O que se lhe oferece dizer sobre tal circular?
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• Caso prático 9: Eliseu vendeu uma gargantilha de
ouro a Hildebranda.
• Dois meses mais tarde, Eliseu arrependeu-se e, com
o objectivo de reaver a jóia, pediu em tribunal a
declaração de nulidade da venda (artigo 220.º C.C.),
pois, na sua opinião, deveria ter sido celebrada por
escritura pública ou por documento particular
autenticado. Apesar de o artigo 875.º C.C. apenas
exigir essa forma para as vendas de coisas imóveis,
Eliseu alega que a gargantilha é mais valiosa do que
muitos bens imóveis (o que corresponde à verdade)
e, por isso, a referida norma é aplicável ao caso.

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• Bibliografia dos casos 5 a 9: Magalhães, David:
Noções fundamentais de Direito, Coimbra
Editora, 2010

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• Caso prático 11: No dia 17 de Fevereiro de 2010,
Cipriano intentou num Tribunal Judicial de Comarca
uma acção declarativa de condenação contra
Cupertina. Instruindo a petição inicial, e com o
objectivo de provar o crédito que alegava, Cipriano
juntou uma carta escrita por Cupertina em que esta
reconhecia a existência da dívida.
• Na contestação que apresentou, Cupertina
argumenta que a dita carta nunca poderia servir

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• como prova: segundo o artigo 362.º do Código
Civil, “Prova documental é a que resulta de
documento; diz-se documento qualquer objecto
elaborado pelo homem com o fim de reproduzir
ou representar uma pessoa, coisa ou facto” e, na
verdade, a carta em questão foi elaborada por
uma mulher. Logo, não obedece a um dos
requisitos da noção de documento apresentada na
lei – a elaboração por “homem” e não por mulher.
• Procederá essa argumentação de Cupertina?

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• Caso prático 12: Em 2010, Praxedes restituiu um
imóvel que em 1984 tomara de arrendamento a
Abelardo.
• Invocando o artigo 1043.º/1 do Código Civil (“Na
falta de convenção, o locatário é obrigado a (…)
restituir a coisa na estado em que a recebeu,
ressalvadas as deteriorações inerentes a uma
prudente utilização, em conformidade com os fins
do contrato”), Abelardo exige que Praxedes proceda
à reparação das fissuras das paredes e da caixilharia
apodrecida.

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• Praxedes argumenta que tais deteriorações do
imóvel não foram provocadas por si mas pelo
normal desgaste do tempo. Porém, nem isso
demove Abelardo, que afirma que o referido artigo
1043.º/1 do Código Civil ressalva as deteriorações
inerentes a uma prudente utilização, mas não as
provocadas por quaisquer outros motivos.
• Quid iuris?

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• Caso prático 13: Pancrácio, arguido em sede de processo
penal, invocou a nulidade do depoimento de uma
testemunha, Adalgisa, com o fundamento de esta ter
recebido € 1.000 para o incriminar.
• O juiz decidiu que tal facto não era motivo de nulidade
do depoimento, pois o n.º 1 e a alínea e) do n.º 2 do
artigo 126.º do Código de Processo Penal consideram
ofensivas da integridade moral das pessoas, e portanto
nulas, as provas obtidas mediante “Promessa de
vantagem legalmente inadmissível” e, no caso concreto,
houvera recebimento efectivo do dinheiro e não mera
promessa.
• Será aceitável esta interpretação?
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• Bibliografia dos casos 11 a 13: Magalhães,
David: Noções fundamentais de Direito,
Coimbra Editora, 2010

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• Imagine que a Lei n.º X determina o seguinte:
• Artigo 1.º: Os proprietários de prédios devem realizar
obras de conservação das construções neles existentes
de 5 em 5 anos.
• Artigo 2.º: Não sendo as obras previstas no artigo
anterior realizadas espontânea e voluntariamente, elas
poderão ser coercivamente realizadas pelas Câmaras
Municipais, a expensas dos proprietários faltosos.
• Algumas Câmaras, com fundamento na noção de
prédio constante no artigo 204 n.º 2 do Código Civil,
intimaram diversos proprietários de prédios rústicos a
•  
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• realizar obras de conservação em estábulos e celeiros que se
encontravam muito degradados, mas muitos desses
proprietários opuseram-se, invocando um Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça (STJ) onde se declarava que a referida Lei só
se aplicava aos prédios urbanos.
• Face a tal polémica, e para pôr termo a essa divergência de
interpretação, foi publicado o Decreto-Lei n.º Y, dizendo o
seguinte:
• Artigo único: O disposto na Lei n.º X aplica-se aos prédios
rústicos e urbanos.
• Responda, fundamentando, apenas às seguintes perguntas:
• Que tipos de interpretação quanto ao resultado foram feitas
pelo STJ e pelo Decreto-Lei n.º Y (3 valores) e qual a força
jurídica de tais interpretações (2 valores).
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