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O significado da questão social no marco da

teoria social crítica: interpretações teóricas

Texto de referência:
NETO, José Paulo. Cinco notas a propósito da questão social. In:
Revista Temporalis/ Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em
Serviço Social, ano 2, nº 3 (p. 41-49) (jan/jul 2001). Brasília:
ABEPSS: Grafiline, 2001.

Aula
Professor: Cristiano Costa de Carvalho
 Significado da QS não é único – compreensões diferenciadas e
atribuições diversas
 Na agenda contemporânea do SS brasileiro, para o autor, a “Questão
Social” – praticamente consenso

 Razões:
 Pressão sobre a prática profissional – fim da ditadura e restauração
democrática a dívida social aumentou
 Processo de continuidade de renovação profissional/ atualização
acadêmica ancorado na intervenção sobre a QS
 Interesse de pesquisadores europeus que influenciam pesquisadores e
docentes brasileiros
• Autor objetiva apresentar algumas determinações teóricas e históricas
para compreender o que entende por “questão social”
 Fundamenta seus argumentos no marco da teoria marxista
 Determinantes histórico e teóricos “questão social” apresentados
pelo autor:
 Emprego da expressão “QS” por volta de 170 anos (1830 – século 19) por
críticos e filantropos (auge da RI)

 Fenômeno novo sem precedentes na história (independente de sua


posição ideo-política)
 O termo QS - surge para dar conta do fenômeno evidente – Pauperismo
massivo (aspecto imediato da instauração do capitalismo)

 Desigualdade entre camadas sociais, polarização entre ricos e pobres e


apropriação dos bens sociais eram antigas. Porém, a dinâmica da
pobreza que se generalizava era radicalmente nova

 Registrada na história pela primeira vez – Pobreza crescia na medida do


aumento da capacidade social de produzir riquezas (p. 42)
 A análise marxiana – fundada no caráter explorador do regime do capital
– situa com radicalidade histórica a QS distinguindo–a das expressões
sociais derivadas da pobreza/escassez nas sociedades precedentes a
ordem burguesa:
 Nas sociedades anteriores à ordem burguesa a pobreza gerada pela
escassez dava-se por ter limitado o seu nível de desenvolvimento das
forças produtivas materiais e sociais
 Na ordem burguesa constituída a pobreza era gerada pela escassez
produzida socialmente, ou seja, resulta da contradição entre as forças
produtivas e a apropriação privada do excedente e a decisão privada de
seu destino

• Assim, a QS não tem a ver com desdobramentos de problemas sociais


que a ordem burguesa herdou das sociedade antigas, mas tem a ver
com a sociabilidade erguida sobre o comando do capital (p. 46)
 Designação do pauperismo pela expressão QS – relacionada a
desdobramentos sócio-políticos: pauperismo e suas conseqüências
sociais e a tomada de consciência da classe trabalhadora – passagem em
nível histórico-universal de classe em si a classe para si)

 Pauperizados questionam a ordem burguesa que se consolidava e


desencadeiam movimentos protestos ameaçando a ordem social
(Ludismo, constituição das trade unions (centrais operárias/sindicatos)

 Se pauperizados ficassem na condição de resignação a história teria sido


diferente

 Perspectiva de eversão (ruína) da ordem burguesa que o pauperismo


designou-se como QUESTÃO SOCIAL

 Assim, a QS não tem a ver com desdobramentos de problemas sociais


que a ordem burguesa herdou das sociedade antigas, mas tem a ver com
a sociabilidade erguida sobre o comando do capital (p. 46)
 A partir da 2ª metade do século 19 (1840/1848) a “Questão Social” desliza para o
vocabulário conservador
 Revolução de 1848 – divisor de águas – cerra ciclo progressista da ação da classe
burguesa
 A QS estava sendo utilizada para manutenção da ordem burguesa e não para
viabilizar transformações estruturais necessárias
 A QS perde gradativamente sua estrutura histórica (de processo de ruptura com uma
determinada ordem estabelecida) e é naturalizada pelo pensamento conservador laico e
confessional

 Pensadores Laicos – desdobramento natural da sociedade moderna com


intervenção política limitada capaz de amenizá-las e reduzi-las por meio de ideário
reformista

 Pensadores Confessionais – discurso religioso acima das classes sociais/ resolução


da QS deve contar com a colaboração de todos principalmente dos trabalhadores/
dilui o conflito/propriedade direito natural/generosidade divina
 A explosão de 1848 trouxe a luz o caráter antagônico dos interesses
sociais das classes sociais:
 Afetou expressões ideais (culturais, teóricas, ideológicas) do campo burguês
 Feriu também as bases da cultura política que calçava o movimento dos
trabalhadores (passagem do proletariado de classe em si para classe para si)
 Os trabalhadores tomam consciência de que a resolução do conjunto de
problemas designados pela expressão QS somente aconteceria com a
ruína (eversão) completa da ordem burguesa e, portanto, estava
excluído do processo qualquer colaboração de classe
 Ou seja, a QS está colada à sociedade burguesa “somente a supressão
desta ordem (burguesia) conduz a supressão daquela” (da QS) (p. 45)
 Então, a partir daí o pensamento revolucionário identifica na expressão
QS um subterfúgio (tergiversação) conservador e passa a empregá-la
somente como traço mistificador
 Enfrentamento da QS, no entendimento dos conservadores, deveria ser
programa de reformas que preservasse a propriedade privada dos meios
de produção (sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa)

“O cuidado com as manifestações da “questão social” é expressamente


desvinculado de qualquer medida tendente a problematizar a ordem
econômica-social estabelecida. Trata-se de combater as manifestações
da “questão social” sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa.
Tem-se aqui obviamente um reformismo para conservar” (p. 44)
 A análise marxiana possibilita que o movimento dos trabalhadores
encontrem instrumentos teóricos e metodológicos para compreender a
gênese, a constituição e os processo de reprodução da questão social
 Capítulo 23 do livro “O Capital” (Karl Marx,1867) revela a anatomia da
questão social (causalidades da QS)
 O desenvolvimento do capitalismo produz compulsoriamente a questão
social/ diferentes estágios produzem diferentes manifestações
 As manifestações da QS são indissociáveis da dinâmica específica do
capital
 A QS é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo “não se suprime
a primeira (QS) conservando o segundo (capitalismo)” (p.45)
 A QS está elementarmente determinada pelo traço próprio e peculiar da
relação capital/trabalho – a exploração
• A exploração remete a “determinação molecular da “QS””. Na sua
integralidade é mediada de componentes históricos, políticos, sociais,
culturais (não é unicausal)

 Na análise marxiana não existe ilusões a cerca do alcance de reformas


no interior do capitalismo “reformismo para conservar”

“Sem ferir de morte os dispositivos exploradores do regime do capital,


toda a luta contra as suas manifestações sócio-políticas e humanas está
condenada a enfrentar sintomas e consequências sociais” (p. 46)
 Na seqüência da II Guerra Mundial – processo de reconstrução
econômica e social (Europa Ocidental) e a construção do WS (nos paises
da Europa Nórdica – Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia) – chamado de
“30 gloriosos anos” (fase de ouro do Welfare State – Estado de Bem–Estar
Social – 1945-1975) – que parecia ter remetido a QS e suas
manifestações ao passado sendo considerado “privilégio”dos países
da periferia capitalista
 Fases do WS:
 Surgimento – último terço do sec. 19 (1880)
 Crescimento acelerado - após 1945 (2a. GM)
 Crise – depois de 1970
Origem do WS identificado em torno de 3 critérios:
a) Introdução do Seguro Social (Estado organiza provisão coletiva contra a perda
de renda)
b) Extensão da cidadania – a proteção pública torna-se benefício para a plena
cidadania e não uma barreira para a participação política
c) Crescimento do gasto social (3% do PNB)
 Dos anos 60 a 70 o regime do capital viveu crescimento econômico
(Estado Keynesiano)

 Na entrada dos anos 70 esgota a onda expansiva do capital (em parte


conquistas da classe trabalhadora) o capital responde com uma ofensiva
política e econômica: a conjunção da globalização mais o neoliberalismo
mostrou que o capitalismo não tem nenhum compromisso social

 Sua permanente tentativa de romper com qualquer regulação política, fora


do mercado, tem tido sucesso

 Com o fundamento do WS demolido acrescido ao capitalismo globalizado e


transnacional um conjunto de graves e intensos problemas surgiram em
decorrência destes fatos
 Liberalismo – doutrina baseada na defesa intransigente da liberdade individual (econômico, social, religioso..) contra
ingerências do Estado). Concepção de Estado Mínimo, ou seja, o mercado regula as relações sociais sem a interferência
do Estado.

 Limita poderes (Estado de Direito) e Funções (Estado Mínimo)


 Acadêmicos/intelectuais acreditaram ter descoberto "uma nova pobreza" 
"os excluídos", ou seja, "uma nova questão social"

 Essa descoberta (caricatural) nas condições contemporâneas tornam


cada vez mais problemáticas as possibilidades de reformas no interior do
regime capitalista

 Anemia téorico-analítica: ponto de vista teórico não resiste a análise


marxiana. Do ponto de vista sócio-político retrocede ao nível
conservador do século 19 eliminando assim os dispositivos de
exploração

 Para o autor inexiste qualquer “nova questão social”, pois como pode
existir “nova”se a “velha questão social” permanece e não foi resolvida
 O que devemos investigar é para além das manifestações tradicionais
da QS, a emergência de novas expressões da “questão social” que é
insuprimível sem a superação da ordem do capital
 A cada estágio do desenvolvimento do capitalismo a dinâmica
societária (dinâmica da sociedade) instaura expressões sócio-humanas
diferenciadas e mais complexas – intensificação da exploração (razão
de ser do capitalismo)
 “A caracterização da QS em suas manifestações já conhecidas e em
suas novas expressões tem que considerar as particularidades
histórico-culturais e nacionais” (p. 49)
 O problema teórico consiste em determinar concretamente a relação
entre expressões emergentes e as modalidades imperantes de
exploração
Duas observações importantes do autor:

1) Construir uma ordem social que vá além dos limites do capital. A


possível derrota do capital determinará a superação da questão
social. Não significando a realização da idade de Ouro
Ou seja, em havendo o fim do objeto de intervenção do SS, não significa que os problemas
findem, o que provocará a necessidade de uma nova identidade profissional para o SS

1) A razão de ser do SS tem sido a QS. Sem ela não há sentido para a
profissão. Mas, “ainda está longe o futuro em que esta profissão se
esgotará, pelo próprio exaurimento do seu objeto”
Assim, podemos concluir que para José Paulo Neto Questão Social:

São manifestações sócio-políticas e humanas determinadas


molecularmente pelo traço próprio peculiar da relação capital/trabalho
– a exploração. Longe de ser unicausal, sofre intercorrências
mediadas por componentes históricos, políticos, culturais, estando a
sua superação definitiva condicionada à eversão da ordem capitalista.

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