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Simbolismo português

Álvaro Cardoso Gomes


As Flores do Mal
Prefácio:
“Poetas ilustres tinham dividido há muito
tempo as províncias floridas do domínio
poético. Pareceu-me prazeroso, e tanto
mais agradável, porque a tarefa era mais
difícil, extrair a beleza do mal.” (Les
fleurs du mal. Paris, Garnier, 1961. p.
248.)
Das circunstâncias históricas
Revolução industrial
Crença no progresso promovido pela
ciência
Positivismo de Comte: O “como”
substitui o “porquê”
Do Simbolismo como estética
antipositivista e antimaterialista
Schopenhauer
Das relações com o Romantismo
Valorização do sonho e da
espiritualidade, mas sem
confessionalismo e sentimentalismo
Do sentimento como objeto do
Romantismo à representação das
sensações fugazes, oníniricas, misteriosas
por meio do símbolo
O símbolo
• Creio [...] que, no fundo, os jovens estão mais próximos do
ideal poético do que os parnasianos, que ainda tratam seus
temas à maneira dos velhos filósofos e dos velhos retóricos,
apresentando os objetos diretamente. Penso ser preciso, ao
contrário, que haja somente alusão. A contemplação dos
objetos, a imagem alçando vôo dos sonhos por eles mesmos
suscitados, são o canto; já os parnasianos tomam a coisa e
mostram-na inteiramente: com isso, carecem de mistério;
tiram dos espíritos essa alegria deliciosa de acreditar que
estão criando. Nomear um objeto é suprimir três quartos do
prazer do poema, que consiste em ir adivinhando pouco a
pouco: sugerir, eis o sonho. É a perfeita utilização desse
mistério que constitui o símbolo: evocar pouco a pouco um
objeto pra mostrar um estado de alma, ou inversamente,
escolher um objeto e extrair dele um estado de alma, através
de uma série de adivinhas. (Mallarmé, OEuvres complètes, p.
868.)
O caráter não convencional dos
símbolos
• Os símbolos do Simbolismo têm de ser definidos
de maneira algo diversa do sentido dos símbolos
comuns — o sentido de que a Cruz é o símbolo da
Cristandade ou as Estrelas e as Listras o símbolo
dos Estados Unidos. Esse simbolismo difere
inclusive de um simbolismo como o de Dante.
Pois o tipo familiar do simbolismo é convencional
e fixo; o simbolismo da Divina Comédia é
convencional, lógico, preciso. Mas os símbolos da
escola simbolista são, via de regra,
arbitrariamente escolhidos pelo poeta para
representar suas idéias; são uma espécie de
disfarce de tais idéias. (Edmundo Wilson, O
castelo de Axel, p. 21.)
A música como arte por excelência
• AO LONGE OS BARCOS DE FLORES
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
– Perdida voz que de entre as mais se exila,
– Festões de som dissimulando a hora.
Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.
E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil... Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?
Só, incessante, um som de flauta chora...
O poeta como vidente
• O Assinalado
•  
• Tu és o louco da imortal loucura,
• O louco da loucura mais suprema.
• A Terra é sempre a tua negra algema,
• Prende-te nela a extrema Desventura.

• Mas essa mesma algema de amargura,


• Mas essa mesma Desventura extrema
• Faz que tu'alma suplicando gema
• E rebente em estrelas de ternura.

• Tu és o Poeta, o grande Assinalado


• Que povoas o mundo despovoado,
• De belezas eternas, pouco a pouco...

• Na Natureza prodigiosa e rica


• Toda a audácia dos nervos justifica
• Os teus espasmos imortais de louco!
O poeta como vidente
• Eu sou um visionário, um sábio apedrejado,
Passo a vida a fazer e a desfazer quimeras,
Enquanto o mar produz o monstro azulejado
E Deus, em cima, faz as verdes Primaveras.

Sobre o mundo onde estou encontro-me isolado,
E erro como estrangeiro ou homem de outras eras,
Talvez por um contrato irônico lavrado
Que fiz e já não sei noutras sutis esferas.

A espada da Teoria, o austero Pensamento,
• Não mataram em mim o antigo sentimento,
• Embriagam-me o Sol e os cânticos do dia...

E obedecendo ainda a meus velhos amores,
Procuro em toda a parte a música das cores,
— E nas tintas da flor achei a Melodia.
• (Gomes Leal, apud MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através
dos textos, p. 301-2.).
Do caráter aristocrático do
Simbolismo
• “a nova arte será requintada, atormentada,
nevrótica e orgulhosa, aristocraticamente
incompreensível para o vulgo”. Alberto
Osório de Castro in Boêmia Nova
• tal a obra que o Poeta concebeu longe dos
bárbaros, cujos inscientes apupos (...) não
lograrão desviá-lo do seu nobre e altivo
desdém de nefelibata”. (Eugênio de
Castro, prefácio de Horas)
O simbolismo em Portugal
• Oaristos, 1890, mas com antecedentes, Quental, por exemplo:

• Junto do mar, que erguia gravemente


• A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo dum pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das cousas, vagamente...

• Que inquieto desejo vos tortura,


Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?...

Mas na imensa extensão, onde se esconde


O inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...

• (Oceano nox. Apud MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. São
Paulo, Cultrix, s.d. p. 320.).
Simbolismo em Portugal
1- a busca da expressão especiosa,rica,
(Eugênio de Castro)
2- a busca da fala fluente, (Antônio
Nobre)
3- a busca da expressão fluida, (Camilo
Pessanha
O que possuem em comum: a busca pelo
novo, a priori e a posteriori
Simbolismo em Portugal,
nacionalismo
• “se o simbolismo francês preza o artificial e
tem caráter urbano, o português, devido a
condições histórico culturais, quase sempre
valoriza o natural e tem os olhos voltados
para o campo”. (p. 19)
• “o Neogarretismo dá à estética simbolista
feições bem lusitanas, ao valorizar o campo
em oposição à cidade, o natural ao artificial,
a linguagem simples, espontânea, ao
rebuscamento formal, o passado ao futuro”.
(p. 19)
Antonio Nobre
 Virgens que passais, ao Sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu perdido lar.
 Cantai-me, nessa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o Mar
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formosura, o luar!
 Cantai! Cantai as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas
 Que eu vi morrer num sonho, como um ai....
Ó suaves e frescas raparigas,
adormecei-me nessa voz...cantai !
Simbolismo em Portugal,
Decadentismo
Influênciafrancesa: aristocratismo,
hedonismo, clima mórbido, linguagem
barroquizante
Eugênio de Castro
 Um sonho.  Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Na messe, que enlourece, estremece a Outros louros como nêsperas,
quermesse... No céu pardo ardem os astros...
O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos Como aqui se está bem! Além freme a
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos... quermesse...
– Não sentes um gemer dolente que
As estrelas em seus halos esmorece?
Brilham com brilhos sinistros... São os amantes delirantes que em amenos
Cornamusas e crotalos, Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos
Cítolas, cítaras, sistros, fenos...
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,  As estrelas em seus halos
Suaves, lentos lamentos Brilham com brilhos sinistros...
De acentos Cornamusas e crotalos,
Graves, Cítólas, cítaras, sistros,
Suaves. Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Flor! enquanto na messe estremece a Em suaves,
quermesse Suaves, lentos lamentos
E o sol, o celestial girassol esmorece, De acentos
Deixemos estes sons tão serenos e amenos, Graves,
Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos... Suaves...
 (...)
Simbolismo em Portugal,
universalismo
O tema do tempo: revalorização da
infância e do passado (Nobre);
fragmentação do real e obsessão pelo
Nada (Pessanha).
Camilo Pessanha
 Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...
 Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
- Porque ides sem mim, não me levais?
 Sem vós o que são os meus olhos abertos?
- O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...
 Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
- Estranha sombra em movimentos vãos.

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