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A análise discursiva

do poema
Profª. Vera Lúcia Winter
Pode-se começar observando como o enunciador
cria a sua imagem (o seu ethos):
Como o enunciador (eu-poético) é construído no
poema:
a) características, psicológicas, ideológicas, sociais,
corporais;
b) a sua maneira de dizer determina sua maneira
de ser (apaixonado, revoltado, saudosista);
c) os seus papéis (provocar um sentimento, uma
reflexão, um estímulo corporal, um lazer ao
ouvinte)
Ethos do enunciador
É constituído pela soma de
Um CARÁTER (conjunto das características
psicológicas e ideológicas)
+
Uma CORPORALIDADE (determinada pelas
características físicas)
+
O LUGAR SOCIAL que ele assume ao se enunciar
Em vista disso, pode-se perguntar:

O poema, como o próprio nome nos diz, é uma


prece.
a) Quem é o eu que fala?

b) Através de que elementos se percebe isso no


texto?
c) A quem ele se dirige?

d) O que pede na sua prece?


O estilo
 Refere-se ao conjunto de traços particulares
decorrentes do plano de conteúdo (reiteração de
temas, por exemplo) e do plano de expressão
(formas textuais):

 Original;
 Criativo;
 Poético;
 Prosaico;
 Sublime.
Sugestões de atividades
 Esse texto pode ser considerado artístico?
 O que o caracteriza assim?
a) A presença das rimas(nível rítmico): família/
partilha; fazenda/vendas; seja/proteja;
agravos/bravos, etc.
b) A presença da linguagem figurada(nível
semântico): “a flor amarela da nossa fortuna”,
“erva daninha”
c) O estudo do léxico: a descoberta dos efeitos
de sentido que as diversas categorias
gramaticais produzem no texto.

d) O emprego da pontuação e sua interferência


(ou não) no ritmo do poema, a ordem em que
as palavras são empregadas e a relação disso
com a musicalidade do poema.
A cena enunciativa

São cenas ou imagens validadas (esteriótipos


enunciativos) pela memória coletiva:
exploração de trabalho infantil, violência
urbana, corrupção, pobreza, a má distribuição
da terra, etc.
Sugestões de perguntas:
 De que problema social o texto nos fala?
 Qual a posição que assume o emissor diante do
problema abordado? Como se observa isso?
 Você já leu sobre o tema em outros textos?
 Por que o eu que fala afirma que a terra devia ser
dele?
 Por que não é?
 Qual a denúncia que está sendo feita na 3ª estrofe? A
quem ele atribui essa responsabilidade? Você
concorda com ele?
 Qual o tom presente no poema (revolta,
conformidade, ironia)?
 O emprego dos substantivos abusos, agravos,
lodos, saraus, conchavos, incréus têm relação
com que situação apresentada no poema?
Como se justificaria o seu emprego no texto?
 Observe: Se a pátria que eu amo/Fizesse a
partilha (versos 7e8).A que partilha ele se
refere?
As relações dialógicas (polifônicas)
 - interdiscursividade (dois ou mais poemas
têm dizeres comuns)
 - intertextualidade (um poema cita passagens
de outro(s)
 - a presença de outras vozes, além da do eu-
poético, muitas vezes em conflito
 - a relação com outros gêneros do discurso.
 Observemos que o poema lembra, em algumas passagens,
outros clássicos da nossa literatura:
“Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança...”(Navio Negreiro. Castro Alves)
“Sinuelo dos tauras,/bandeira dos livres” 

O poema assume o tom grandiloquente, condoreiro, lutador


dos poemas da 3ª fase do romantismo, o que se percebe
também no ritmo e nas ocorrências lexicais.
Senhor Deus dos desgraçados!  Sinuelo dos tauras,
Dizei-me vós, Senhor Deus!  Bandeira dos livres,
Se é loucura... se é verdade 
Eu sinto que vives Flaneando
Tanto horror perante os céus?! 
nas almas
Ó mar, por que não apagas 
Co'a esponja de tuas vagas  Aos incréus que dirigem
De teu manto este borrão?...  Inspira e acorda
Astros! noites! tempestades!  Com a luz que recorda
Rolai das imensidades!  O berço e a origem.
Varrei os mares, tufão! 
——  Essa cova em que estás,   A terra que eu carpo
com palmos medida,  
é a cota menor  
Tem erva daninha
que tiraste em vida.   Devia ser minha
——  é de bom tamanho,   Por lei de família
nem largo nem fundo,  
é a parte que te cabe  
E os sonhos que eu sonho
neste latifúndio.   Também deveriam
——  Não é cova grande.   Se a Pátria que eu amo
é cova medida,  
Fizesse a partilha
é a terra que querias  
ver dividida (Morte e vida severina.
João Cabral de Melo Neto)
Atividades:
 Observando os fragmentos dos poemas de Castro
Alves e João Cabral de Melo Neto, responda:
a) Em que aspectos o poema Prece se aproxima de
cada um deles?
b) Em que versos do poema verificamos a
grandiloquência encontrada no poema de Castro
Alves?
c) Que elementos do poema a caracterizam?
1ª estrofe
Prece (Jaime Caetano Braun)
A/ ter/ra/ que eu[P1] / car/po ( o acento nas 2ª e 5ª sílabas)
Tem erva daninha
Devia ser minha
Por lei de família
E os sonhos que eu sonho
Também deveriam
[P2] Se a Pátria que eu amo
Fizesse a partilha[P3] 
Dos tempos que andam,
Ficaram fazendas
Porém os que mandam
Só[P4]  pensam em vendas

[P1]O enunciador “carpe a terra’, que deveria ser dele: tem sonhos, ama a Pátria e crê que a terra é de todos.
P2] Deixa implícito que não são dele
[P3] Deixa implícito que a Pátria não faz a partilha.
[P4] Exclui qualquer outra intenção por parte desses proprietários.
A terra de todos
Pertence a tão poucos
[P1] Talvez [P2] porque tantos
Deixaram que seja
Não há quem proteja
De abusos e agravos
E o canto dos bravos[P3] 
Quer pátria pra todos
Distante dos lodos,
Saraus e conchavos

[P1]Traz uma ideia de oposição que poderia ser marcada por um articulador
adversativo:mas, no entanto, etc.
[P2]Um modalizador avaliativo da ordem do CRER.
[P3]Os que querem a partilha da terra são tidos pelo enunciador como
BRAVOS.
3ª estrofe
E o céu desta terra,
Será que venderam?
A herança mais bela
Da flor amarela
Da nossa fortuna
Se a própria laguna
Tem céus dentro dela
Sinuelo dos tauras[P1] ,
Bandeira dos livres,
Eu sinto que vives
Flaneando nas almas
Aos incréus[P2]  que dirigem
Inspira e acorda
Com a luz que recorda
O berço e a origem

[P1]Vocativo: guia dos bravos, dos fortes, dos valentes.


P2]Os governantes são caracterizados como incrédulos, sem inspiração, dormentes.
Em vista disso, podemos observar dois lugares sociais em
conflito apresentados no poema:

1. aquele ocupado pelos lavradores, 2. aquele ocupado pelos que dirigem, que
agricultores, os que lavram a terra, do qual governam, que têm o poder. E que:
o enunciador participa. E que:

a) São muitos (todos) a) São poucos


b) trabalham b) não fazem a partilha da terra
c) sonham c) só pensam em vendê-la
d) amam a sua Pátria d) vivem no lodo, saraus
e) pedem uma atitude diferente daqueles e) fazem conchavos
que os dirigem. f) são incrédulos
Referências
CARETTA, Álvaro Antônio. A canção popular: uma
análise discursiva. In: GIL, Beatriz Daruj;
CARDOSO, Elis de Almeida; CONDÉ,Valéria Gil.
Modelos de análise linguística. São Paulo:
Contexto, 2009, p. 99-114.
FIORIN, José Luiz. Em busca do sentido:
estudos discursivos. São Paulo: Contexto,
2008.

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