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TEXTO 01
Conceito e origem da Filologia românica
edições diplomáticas;
edições críticas;
Um caso mais simples está em um dos versos do Hino Nacional brasileiro, que
é cantado de duas formas, cabendo à Filologia provar como é o verso original do
texto de 1909, escrito por Joaquim Osório Duque Estrada (1870-1927) e música
de Francisco Manuel da Silva (1795-1865), tocada pela primeira vez em 1831,
sem nunca ter um texto definitivo, todos ruins de letra ou de conteúdo. A sua
oficialização veio em 1922, pouco antes dos festejos do primeiro centenário da
nossa independência política.
Este foi o aproveitamento que dessa estrofe fez Duque Estrada, substituindo
o céu do primeiro verso pela terra:
Lembro aos meus amáveis leitores que as linhas acima são um exercício de Fi-
lologia. Acrescento ainda que a recusa da palavra várzeas se deveu ao verso que
teria uma sílaba a mais com o feminino do possessivo tuas e o enxerto no quarto
verso foi motivado exclusivamente pela melodia do nosso Hino, que é 78 anos
mais velha que a sua letra. Enquanto a estrofe do poema de Gonçalves Dias tem
quatro versos de sete sílabas métricas, a do Hino Nacional tem versos ímpares
de sete sílabas e versos pares de onze sílabas. Assim, portanto, faltavam quatro
sílabas, que o autor teve de inventar: no teu seio. Do ponto de vista puramente
informativo, o resultado me parece medíocre, se considerarmos a oração desse
quarto verso com o verbo que fica subentendido:
Pátria Amada,
Brasil!
A citação dos versos do nosso maior poeta romântico foi, entretanto, uma de-
licada mostra de carinho e admiração que Duque Estrada tinha pelo bardo mara-
nhense. Para finalizar, uma visão filológica me leva a ver na falta dos adjetivos do
poema de Gonçalves uma nítida hesitação entre a dor portuguesa e a saudade
brasileira: iria o poeta escolher adjetivos para as paisagens brasileiras, acerbando
a sua saudade, ou para as portuguesas, avolumando a sua dor? A melhor solução
foi eliminá-los – por ser menos penosa.
Observe-se ainda que o nosso Hino Nacional apresenta no seu final também
uma diferença no canto do primeiro dos seus versos: a primeira sílaba da palavra
plácidas pode se ouvir cantar com uma de duas notas, sendo correta apenas a
mais baixa na escala musical.
Operações filológicas
O estudo das divergências entre línguas da mesma origem é que provocou o
aparecimento da Filologia em 1816 com a obra Sistema de Conjugação do Sâns-
crito em comparação com o Grego, o Latim, o Persa e o Germânico, escrita pelo
cientista alemão Franz Bopp (1791-1867). Todas essas línguas derivam de uma
protolíngua muito mais antiga e sem nenhum documento escrito: o indo-euro-
peu, língua de um povo que morava no centro do continente asiático no final do
Período Neolítico (7000-2500 a.C.) e que pouco mais de mil anos depois migrou
para as terras europeias e hindus: eram os ários.
Essa maior facilidade de concluir à vista de textos escritos talvez tenha sido o
fator que retardou o aparecimento da Linguística moderna: enquanto a Filologia
moderna começa em 1816, a verdadeira Linguística moderna nasce exatamente
cem anos depois com a obra de Ferdinand de Saussure (1857-1913) Cours de Lin-
Embora seja uma digressão, acrescento que belo se diz da coisa rara e bonito
da coisa encontradiça, ficando lindo entre elas. Todas indicam, porém, alguma
coisa que agrada sob um julgamento pessoal.
Se o verbo ire tomou uma forma supletiva na sua passagem para as línguas
românicas, escapando assim de uma homonímia, ele mesmo produziu outra
homonímia curiosa, porque as suas formas de pretérito perfeito do indicativo
seriam desastrosas:
eu i / tu iste / ele iu
eu vou / eu ia / eu fui
Tanto nas línguas germânicas, mais antigas, quanto nas neolatinas, bem mais
recentes, o significado histórico de (bem) alimentado do particípio passado pas-
sivo altus, a, um se perdeu junto com o verbo, mas conservou-se um significado
que nascera de uma metonímia, que se produz pela troca do significado anterior
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Principais autores
A Filologia românica começa com uma obra de extrema importância por
abrir um novo método de estudo, a Grammatik der Romanischen Sprachen (Gra-
mática das Línguas Românicas). Foi escrita pelo professor alemão Friedrich Diez
(1794-1876) entre 1836 e 1844. Conhecia a língua portuguesa e chegou a tradu-
zir muitos trechos de Os Lusíadas, certamente para o curso que deu em 1872 na
cidade de Bonn sobre a nossa epopeia. Além dessa obra capital, deixou-nos em
1863 um livro em que estuda a língua e a poesia anteclássica da nossa língua
portuguesa: Über die erste portugiesische Kunst- und Hofpoesie (Sobre a primitiva
poesia artística e palaciana portuguesa).
Aniceto dos Reis Gonçalves Viana (1840-1914), por sua vez, tem uma impor-
tância capital para o aprimoramento da ortografia da língua portuguesa, que se
desembaraça dos aspectos da velha escrita dos romanos. O latim usava muitas
consoantes duplas, mas cada uma delas era pronunciada e, portanto, não trazia
dificuldade de escrita para os letrados: accommetter era um desses abusos. A sua
Ortografia Nacional, de 1904, tem sido um roteiro desde a sua publicação e res-
pondeu pelo primeiro decreto do Governo que a oficializava em 1911 em todo o
território português. Dele e dessa obra nos fala Houaiss (1991, p. 12).
eliminação dos símbolos de etimologia grega ph, ch (com o som de k), rh, y: pharmacia –
farmácia, estylo – estilo;
O que Júlio Moreira escreveu vem reunido em seus Estudos da Língua Por-
tuguesa, um volume de 1911 e outro, póstumo, de 1918, editado por Leite de
Vasconcelos: os principais assuntos abordados são diversas questões de sintaxe
histórica e popular
Foi com certeza o vulto mais admirado na história das letras do século pas-
sado com obras relevantes nas áreas da Dialetologia, Etimologia, Filologia e Le-
xicografia. Nascido e morto carioca, compreende-se com facilidade o motivo de
ele ter escrito uma obra marcante no campo dialetal: O Linguajar Carioca, de
1922. Importa ainda citar a sua obra de 1945: Tesouro da Freseologia Brasileira.
Coloco aqui o seu nome, ainda que tenha feito menos no campo da Filolo-
gia, mas muito mais no da Linguística moderna, que introduziu no Brasil, dei-
xando-nos uma série de livros com suas ideias sobre a língua portuguesa, além
do ensino universitário. Cabe-lhe a honra e glória de ter publicado no Brasil o
primeiro livro da Linguística moderna em 1940: os seus Princípios de Linguística
Geral, que trazem para cá o Estruturalismo. Por sua importância, seus livros têm
edições sucessivas:
As edições de seus livros pela Editora Vozes explica-se talvez por ele ter sido o
tempo todo professor universitário na cidade de Petrópolis, também sede dessa
Editora franciscana. A sua longa permanência fora do centro intelectual do país
sempre me deixou preocupado com o fato de que um autor e professor de méri-
tos incontestáveis não tenha sido chamado a uma das Instituições de Ensino da
cidade do Rio de Janeiro para onde acorriam os melhores, salvo ele.
A maioria dos seus livros deixa perceber não apenas o empenho com o lado cien-
tífico de suas pesquisas, mas ainda o desejo de aplicá-las para a melhoria do ensino.
Dizem que os deuses têm ciúme de algumas criaturas que espalham magna-
nimamente o seu saber por onde andam e por isso os chamam mais cedo: foi o
que aconteceu a Serafim da Silva Neto, que escreveu a sua primeira obra sobre o
latim vulgar aos 17 anos. Foi diretor da Revista Brasileira de Filologia e deixou-nos
as seguintes obras:
Texto complementar
Evolução e desagregação
(SILVA NETO, 1957, p. 13-16)
Ao cabo de seu aprendizado, a criança fixa uma língua que não é exata-
mente a mesma das pessoas que lhe serviram de modelo. Essa diferença,
imperceptível numa geração, vai-se acumulando aos poucos.
Criação e difusão
Por isso a todo instante surgem inovações, cujo destino vai depender da
estrutura social, ou seja, no caso, da força com que a língua, como instituição,
se impõe aos indivíduos.
Atividades
1. Em que se distingue a Filologia e a Linguística?
– Como eu poderia estar amuado se todos foram tão amáveis comigo, prin-
cipalmente você?
E ele:
É bom lembrar que o interior do Estado de São Paulo possui um dialeto pró-
prio, falado também pelos professores de Língua Portuguesa.
O vocabulário diverso identifica o dialeto, mas não o define como tal, por
que a palavra dialetal pertence também à língua. O crescimento espantoso da
mídia vai aos poucos irmanando ou corrompendo – sabe Deus! – as formas dia-
letais. Aqui em Curitiba, onde agora escrevo este apanhado de ideias, ela matou
o dolé que eu chupava nos dias quentes, obrigando-me a contentar-me com um
picolé, mas tenho saudade!
As formas todas de uma língua são igualmente boas, perfeitas e legítimas, de-
safortunamente nunca com o mesmo prestígio. O aluno não deve entrar na escola
para largar a sua forma de língua, mas apenas para acrescentar-lhe outra, mais
ampla porque nacional, nem local nem mesmo regional. Como poderia ser errada
a forma que as crianças descobrem na fala da sua família e da sua comunidade? É
por isso que desde o começo do meu magistério, eu aconselho os meus colegas
a falarem em língua de escola e em língua de casa, cada uma delas certa e boa
no seu lugar e errada e ruim no outro: nenhum erro de língua, mas erro de lugar:
exatamente como uma roupa é errada e ruim na igreja e certa e boa na praia. Eles
aceitam que a língua de casa é errada na escola, mas nunca que a da escola seja
errada na casa dos seus alunos... o que se chama discriminação linguística!
Esse crescimento é favorecido pelo fato de que a língua falada se molda às cir-
cunstâncias da conversa: há uma língua de elite para o grupo dos letrados, impro-
priamente chamada norma culta, uma língua de povo para a maioria dos falantes,
impropriamente chamada língua popular, portanto inculta, quando se pensa na pri-
meira... Além disso, ocorrem modalidades, como a fala familiar ou a fala escolar.
Acréscimo de som:
no início da palavra / prótese: schola > escola.
no meio da palavra / epêntese: brata > barata.
no fim da palavra / paragoge: ante > antes.
Supressão (subtração) de som:
Outros fenômenos:
sedere [estar sentado] > seere > seer > ser [estar sem limites]
Figuras de estilo
Há duas figuras de estilo que permitem enriquecer a linguagem momenta-
neamente, mas se tornam meios de evolução quando todos se esquecem do
sentido primitivo e passam a usar a palavra no antigo sentido de puro embe-
lezamento do texto. Ambas dependem de uma sequência em que a palavra à
esquerda depende da palavra à direita. Em princípio, cada uma dessas palavras
pode assumir num texto o significado da outra, sendo muito mais comum a pri-
meira pegar o significado da segunda, produzindo uma metonímia, e bem mais
raro a segunda tomar o significado da primeira, permitindo uma sinédoque. A
mesma inferência pode produzir dois resultados distintos:
Se há sol, há calor.
O sol me faz mal [é o calor]: metonímia.
O calor acaba de desaparecer no horizonte [é o sol]: sinédoque.
Havendo duas inferências, essa dupla acarreta um resultado, que é uma me-
táfora se for um embelezamento ou que é uma analogia se eliminar alguma irre-
gularidade da língua:
Metáfora
Se é flor, É linda.
Se é menina, É linda.
A menina é uma flor [comum]
A flor é uma menina. [raro]
Analogia
Se lamber, faz eu lambo.
saber, faz eu sabo.
Até os anos 1960 curtia-se uma mágoa, uma desilusão amorosa, sempre
alguma coisa negativa e assim nada desejável. O motivo era simples: interessa-
va então o processo cansativo e doloroso de curtir o couro que se raspava e se
amaciava nessa tarefa sofria o trabalhador e o couro. Agora, curte-se um jantar à
luz de velas ou novas amizades. De novo, um motivo simples: interessa agora a
roupa linda e cara que vai ser invejada e admirada no próximo encontro.
Eu arço de febre [ardo] / eu arse de febre [ardi] / el arso de febre [ele ardeu].
Todos esses verbos foram regularizados por analogia. Foi esse mesmo me-
canismo de língua que deu uma forma verbal nova aos verbos regulares da fala
brasileira dialetal e socioletal:
então hoje nós andamos e ontem nós também andemos por lá...
Circunstâncias da evolução
Pode-se dizer calmamente que o ser humano é a língua que ele fala. A língua,
contudo, é um domínio comum, ainda que as inovações costumem aparecer de
uma fonte individual que encontra imitadores imediatos sempre que vai ao en-
contro da deriva da língua, ou seja do desnível e da ladeira onde quase nunca se
pode parar. Um caso curioso é o do filólogo brasileiro Antônio de Castro Lopes
(1827-1901) que em livro de 1889 propôs uma série de neologismos para subs-
tituírem empréstimos principalmente da língua francesa: apenas dois deles –
cardápio e convescote – aparecem nos dicionários, também na quarta edição do
Dicionário Júnior da Língua Portuguesa, ainda que só o primeiro tenha amplo em-
prego, enquanto o segundo é pouco conhecido e nada usado.
Por outro lado, se vieram pessoas que falam outra língua e ficarem morando
na nova terra, todas elas acabam aprendendo a língua do lugar, porque preci-
sam dela, e a sua língua que veio com eles passa a ser uma língua de casa. Se o
número desses recém-chegados for muito grande, vai haver uma troca de pala-
vras e de aspectos gramaticais. Em 1947 na cidade do Rio Negro: morando no
seminário franciscano, eu tinha muitos colegas descendentes de alemães. Resul-
tado: eu não engraxava os meus sapatos: chimirava eles [é o menino que fala].
Soares de Taveirós a Dona Maria Pais Ribeiro, a Ribeirinha, amante do rei Dom
Sancho I. É o mais antigo documento da nossa língua [branca de rosto e verme-
lha de roupa]:
No mundo non me sei parelha, No mundo não me sei par [estou sem par]
queredes que vos retraya quereis que eu vos afaste [de mim]
que vus enton non vi fea! já que então eu não vos vi feia!
E, mia senhor, des aquel di´ ay! E, minha senhora, desde aquele dia, ai!
pois eu, mia senhor, d´ alfaya pois eu, minha senhora, para roupa
Todo leitor de hoje veria muito pouca coisa estranha nesse soneto velho de
450 anos, modernizada por Moisés: assi e pera... Para tanto tempo não é nada! E
vem com isso a pergunta inevitável:
De certo modo pode-se afirmar que a variante clássica da língua latina persis-
te até hoje com um reduzido contingente de falantes: língua oficial de um país
chamado Vaticano. Todo documento vindo do Vaticano tem um original latino
altamente parecido com os duzentos anos que cercam a fase de maior prestígio
da literatura latina entre 100 anos a.C. e 100 anos d.C.
O Império Romano era enorme desde antes da nossa Era Cristã: todas as
terras banhadas pelo Mediterrâneo, que era o Mare Nostrum [Nosso Mar], e todas
as terras abaixo do Rio Reno.
Desde 409 até a chegada dos árabes às terras ibéricas em 711, ocorriam os
atropelos causados pelas tribos germânicas: anglos, borgúndios, francos, godos,
lombardos, ostrogodos, saxões e vândalos foram empurrados pelos hunos, che-
fiados por Átila (406-453), para o interior das províncias romanas, provocando o
aparecimento de um trilinguismo.
Além disso, cada povo germânico fundou um reino distinto nos lugares onde
vencia e ficou bastante truncado o relacionamento entre esses diversos reinos
recém-fundados: entregues a si mesmos, cada um teve uma deriva diferente,
que corresponde a um declive que leva as coisas sempre na mesma direção. Foi
esse declive que pouco a pouco transformaria os dialetos do latim vulgar, formas
da mesma língua, em línguas diversas, ainda que aparentadas entre si.
O latim vulgar, que era coeso no tempo do livre trânsito entre as várias provin-
cias romanas, viu-se de repente separado de cada uma das outras e ao mesmo
tempo sujeito a línguas diferentes das várias nações germânicas: o resultado foi
uma diferenciação linguística cada vez maior.
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Fatores de dialetação do latim vulgar
Que a autora a seguir conhecia o latim clássico se reconhece por ela se ter
traído bem no começo:
A esse latim familiar pertence o texto que segue, em que uma das palavras
deixa de ser traduzida por Lima Coutinho: penso que seja a palavra ascetes
[asceta], numa variante popular.
Texto complementar
III – A Peregrinatio
(COUTINHO, 1976, p. 38-40)
[...]
55. Para o conhecimento do latim vulgar hispânico tem esta obra parti-
cular importância. Nela conta a monja Egéria ou Etéria, natural da Península
Ibérica, a história da sua visita à Terra Santa. A princípio, foi atribuída à don-
zela aquitana Sílvia, irmã de Rufino, ministro do rei Arcádio. Está hoje, porém,
demonstrado que a sua verdadeira autora é a monja acima mencionada. Foi
redigida, segundo opinião provável, entre os anos 381 e 388. Vamos trans-
crever apenas um trecho, para que se veja o tom popular em que foi escrita,
revelador da pouca ilustração da freira:
Texto
In eo ergo loco est nunc ecclesia non grandis, quoniam et ipse lócus, id est
summitas montis, non satis grandis est: quae tamen ecclesia habet de se gratiam
grandem. Cum ergo, iubente Deo, persubissemus in ipsa simmitate, et peruenis-
semus ad hostium ipsius ecclesiae, ecce et occurrit presbyter ueniens de mo-
nasterio suo, qui ipsi ecclesiae deputabatur, senex integer et monachus a prima
uita, et ut hic dicunt ascitis, et quid plura? qualis dignus est esse in eo loco.
Tradução
Nesse lugar há, pois, agora uma igreja não grande, porque também o
mesmo lugar, isto é, o cimo do monte não é muito grande; contudo, a qual
igreja tem por si grande renome. Como, pois, ordenando Deus, subíssemos a
esse cimo e chegássemos à porta da igreja, eis que corre ao nosso encontro
um presbítero vindo do seu mosteiro, que estava à testa da mesma igreja,
velho virtuoso e monge desde cedo, como aqui dizem ascitis [asceta], e que
mais? O qual [ele] é digno de estar nesse lugar.
IV – As Glosas
56. São as glosas outro meio auxiliar excelente para o conhecimento da
lexicografia do latim. Foram feitas com o objetivo de facilitar a leitura dos
autores latinos. As palavras desconhecidas aparecem aí acompanhadas das
formas correspondentes semânticas mais familiares, às vezes tomadas à
língua viva da época. Daí a grande importância que têm para a elucidação
de certos problemas lexicográficos das línguas românicas. O maior repositó-
rio dessas glosas é o Corpus Glossariorum Latinorum de G. Loewe e G. Goetz,
editado em Leipzig (1889-1923) e o Glossaria latina, publicado por W. M. Lin-
dsay, por ordem da Academia Britânica (1926-1931).
1. pulchra: bella
2. mares: masculi
4. anus: vetulae
6. favillam: scintillam
7. femur: coxa
8. sevit: seminavit
9. emit: comparavit
Atividades
1. Que motivos são essenciais para explicar por que as línguas se mudam com
o passar do tempo?
Houve somente duas terras que foram dominadas, mas não vencidas,
porque se submeteram ao governo romano, mas mantiveram as suas
tradições por serem altamente civilizados e conscientes do seu poder
intelectual.
Caeterum censeo Carthaginem esse delendam [De resto eu opino que Cartago
deve ser destruída].
A guerra começou no ano de sua morte e em 146 a.C. Cartago foi arrasada
depois de três anos de cerco.
Catão se rendeu por ter confirmado que a influência grega tinha penetra-
do até na própria língua latina, recheada de termos gregos, principalmente no
campo das Ciências e das Artes, trazidos por escravos cultos que se tornaram
professores nas casas das famílias dos patrícios, a classe nobre da elite romana.
Incorporados no dia-a-dia do povo romano, não é de espantar que esses vocá-
bulos gregos com seus radicais, prefixos e sufixos tenham sido levados para as
terras conquistadas, cujos povos tomaram os empréstimos linguísticos necessá-
rios para o intercâmbio com os vencedores.
O Prof. Dr. Eurico Back e eu realizamos uma pesquisa à procura de uma linguís-
tica puramente brasileira. A nossa primeira discussão foi sobre significante e sig-
nificado. O primeiro nenhuma dúvida traz, porque é material, passível de se falar
e de se ouvir, de se escrever e de se gravar em disco. O segundo é imaterial. Eu
lia nesse meio tempo as Confessiones de Santo Agostinho e em uma das páginas
de suas Confissões, eu apontei o parágrafo em que ele falava da sua infância e de
como aprendia a língua falada. Disso veio a nossa definição de significado (BACK;
MATTOS, 1972, p. 15), a que acrescento um complemento para maior clareza:
É por isso que uma criança aprende a língua materna sem ninguém a ensinar:
ela ouve os significantes dentro de uma situação cultural, no caso uma situação
familiar que se repete dia por dia. Com isso, observa também que atos ocorrem
logo depois desse ruído que ouve – pois o ruído se transforma em palavra e frase
somente depois que se relaciona a fala com as suas consequências de praticidade.
A criança é um aluno sem professor, porque nenhum dos seus familiares lhe diz o
que significam as palavras que ela ouve: ativa, ela descobre e nunca mais esquece.
Essa ideia de baixa latinidade, de idade de ferro, depois de uma de prata que
seguiu uma primeira de ouro, deveria referir-se à desagregação populacional das
terras conquistadas pelos romanos que obrigaram os moradores ao uso da latim
e com isso o aprenderam desadequadamente, num primeiro momento com uma
quantidade maior de adultos. Outra coisa é a necessidade de considerar que artis-
tas perfeitos podem acontecer numa época e nenhum igualar-se depois dele.
Algo bem parecido aconteceu no Brasil nos séculos XVI e XVII quando negros
e índios passaram a usar a língua portuguesa: era uma língua atropelada pelas
línguas nativas daqueles falantes.
Nada disso aconteceu no norte da África até a chegada dos árabes. Assim, o
latim africano era apenas a evolução natural de uma língua. O fato de nenhum
dos seus autores ter tido o talento e o gênio de Publius Virgilius Maro – Virgílio
(70-19 a.C.) e Quintus Horatius Flaccus – Horácio (65-8 a.C.), ou de Caius Julius
Caesar – César (100-44 a.C.) e Marcus Tullius Cicero – Cícero (106-43 a.C.), essa é
uma fatalidade que nem os deuses explicam.
Línguas em conflito:
a língua latina e as línguas nativas
Qual seria a origem de um homem de sessenta anos?
Se ficarmos com esse ser humano, nenhum sentido teria falarmos da sua
origem: todos eles nascem, se desenvolvem, amadurecem, se fragilizam e morrem.
Eu bem sei que língua não é gente, mas é parte essencial de gente e, portan-
to, pode-se honestamente pensar num paralelo entre uma e outra.
O pídgin é uma língua de emergência que nasce para servir de veículo even-
tual de comunicação entre pessoas de línguas diferentes: não é nenhuma delas,
mas tem partes de cada uma delas. No momento em que se estruturar e passar
a ter uma comunidade que a fale nascimentos após nascimentos, dessa língua
podemos falar que tem a sua origem nas línguas matrizes por ela não ser nenhu-
Comecemos citando as línguas românicas, aquelas que têm um povo que as fala
com uma continuidade temporal ininterrupta entre a derrocada do Império Romano
e a atualidade, além de apresentarem uma independência que as distinguem dos
diversos falares ou dialetos, possuem formas paralelas de uma mesma língua.
Devo acrescentar que o galego talvez possa ser considerado uma colíngua
da portuguesa, mas existem fartas razões para as considerarem línguas diversas
apesar da semelhança impressionante entre ambas. Separadas politicamente
desde o século XIII e com o intercâmbio humano cada vez mais escasso, evolu-
ções diferentes as separaram, ainda que continuem perfeitamente compreensí-
veis para os falantes da outra.
A latinização e a formação
das línguas românicas
As línguas românicas resultam da história dos povos dominados pelo exérci-
to romano e pela convivência da língua nativa deles com a que lhes foi imposta
e sobreposta pela força e pela cultura mais avançada. Em todos os casos dessas
línguas, as línguas nativas resistiram algum tempo, sempre com menos falantes
e por fim sem nenhum, aparecendo mais uma língua morta de um povo venci-
do por uma outra cultura por lhe terem tirado o tempo necessário para o seu
avanço em direção ao futuro.
A falta desses dois tempos do futuro foi sentida em toda parte e assim veio
a necessidade de se achar um meio de expressar esse tempo, o que foi feito por
uma evolução motivada que levou ao aparecimento de novas formas, mas não
únicas em todo povo românico.
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Origem e formação das línguas românicas
Formas da evolução
A língua do povo brasileiro faz alguns ditongos desaparecerem, mas se pode
dar uma regra porque acontece com o ditongo antes de determinadas consoan-
tes em palavras bem comuns na língua:
Os [mais de um] bons [mais de um] alunos [mais de um] fazem provas [mais de
um] excelentes [mais de um].
– Beleza!
Esse sentido, parece que serei o primeiro a registrá-lo, pois trabalho na quarta
edição do meu Dicionário Júnior da Língua Portuguesa: desconhecem-no os di-
cionários de Antônio Houaiss (1915-1999) e de Aurélio Buarque de Holanda Fer-
reira (1910-1989).
Pode perfeitamente acontecer que o termo seja empregado por tanta gente
que o povo todo abandone o sentido substantivo dessa palavra e a troque por
outra: formosura ou lindeza, talvez.
claro > craro / plantar > prantar / atleta > atreta / glória > grória / bloco > broco.
Se eu cato (1) faz a cata (2), então eu perco (3) deve fazer a perca (4)...
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Origem e formação das línguas românicas
Se eu sonho (1) faz sonhar (2), então eu ponho (3) deve fazer ponhar (4)...
Há evoluções sintáticas. Uma delas ocorreu ainda dentro da língua latina nos
séculos posteriores à queda do Império Romano: a ordem dos termos da oração
puxou o verbo para mais perto do sujeito criando uma nova ordem direta nesse
latim tardio. A língua anterior tinha uma liberdade imensa na ordem das pala-
vras, mas a ordem direta impunha o verbo como palavra derradeira:
Helvetii quoque reliquos Gallos virtute praecedunt [No latim clássico: os hel-
vécios também aos demais gauleses em força excedem] (CÉSAR apud MATTOS,
2001, p. 92)
Helvetii praecedunt quoque reliquos Gallos virtute [No latim românico: os hel-
vécios excedem também os demais gauleses em força].
É claro que a nova ordem direta foi uma porta aberta para uma evolução mo-
tivada: a queda de um dos casos que uma regra espontânea já tinha reduzido a
dois dentro da România; nominativo e acusativo.
Eu já lhe [objeto indireto] falei que lhe [objeto direto] amo, meu bem!
– Mama.
– Mamo!
Depois dessa longa explanação, devo acrescentar que a língua latina atraves-
sou a evolução espontânea e também a motivada.
Houve uma evolução fonética bem extensa, que mudou o aspecto sonoro da
língua, deixando o acento tônico na antepenúltima ou penúltima sílaba da pala-
vra, nunca mais na sua primeira sílaba, além de poder produzir metafonias:
Apareceu depois dos anos de glória uma grande simplificação nas desinên-
cias nominais por uma evolução simultaneamente vocabular e sintática, ainda
espontânea, embora ocorrendo na língua do povo, conhecido como latim
vulgar, nome impróprio pelo sentido pejorativo que contaminou esse adjetivo e
o substantivo derivado: vulgar e vulgaridade.
Mais profunda foi a eliminação de quatro dos seis casos [nominativo: N / ge-
nitivo: G / dativo: D / acusativo: Ac / ablativo: Ab / vocativo: V], substituídos pelas
preposições que passaram a requerer um caso único, restando o nominativo e o
acusativo, o que também aconteceu em toda a România:
Ab cum lupam cum lupum cum regem cum lupas cum lupos cum reges
Texto complementar
Posto isso, verifica-se que, por causa de sua origem latina comum, o por-
tuguês e o espanhol apresentam imperativos com mais semelhanças que di-
ferenças. Como não poderia deixar de ser, temos algumas diferenças, apon-
tadas aqui na medida em que foi possível verificá-las.
TEXTO 04
Fragmentação da língua românica
Os substratos e os superstratos
da língua latina
Este é o momento de se falar em substrato e superstrato.
No século VIII a.C., os latinos fundaram uma cidade às margens do Rio Tibre,
a que chamaram Roma. Para explicarem a sua origem, apelaram para a lenda
de Rômulo e Remo, que a teriam fundado em 753 a.C. Rômulo teria ficado no
Monte Palatino e Remo no Aventino. Uma desavença entre eles teria causado o
primeiro assassínio da sua história: Rômulo matou Remo.
Parece ser mais plausível que a cidade de Roma tenha sido fundada pelos
etruscos, povo que chegou mais tarde ao norte da Itália e desceu no século VIII
a.C. até o Lácio, dominando os latinos. Corrobora esta hipótese o fato de alguns
reis de Roma terem origem etrusca entre 625 e 509 a.C., quando a República
romana é implantada.
Conquistas romanas
A República romana foi a responsável pela expansão territorial surpreenden-
te e conseguida por uma educação voltada para a guerra, que se comprova no
provérbio:
Dulce et decorum est pro patria mori [É doce e decoroso morrer pela pátria].
De fato, até o tempo de César, Roma não tinha exército. Ele era formado para a
guerra e desmobilizado antes de entrar em Roma. A luta era um ato patriótico.
Essa terceira vitória nunca houve. De fato, suas tropas foram arrasadas no ter-
ceiro encontro e as cidades gregas se renderam em 272 a.C.: entre elas, Tarento,
que era a mais rica.
Vieram depois, uma a uma, outras conquistas territoriais, que parece terem
visado mais ao lucro que a divulgação da sua cultura (datas a.C.). Interessam-nos
aqui apenas as terras em que a língua latina evolui para as românicas:
259 – Córsega.
A primeira conquista d.C. foi feita entre os governos de Caius Julius Caesar
Octavianus Augustus (63 a.C.-14 d.C.) e Tiberius Julius Caesar (42 a.C.-37 d.C.):
Língua Portuguesa
Na verdade, a língua portuguesa nunca foi a última flor do Lácio, mas a penúl-
tima, depois da língua romena, porque tardiamente os romanos conquistaram
as terras da antiga Dácia, que equivalia às terras atuais dos países balcânicos,
depois da guerra entre 101 e 107 d.C. sob o comando de Marcus Ulpius Trajanus
(53-117), imperador romano entre 98 e 117. Fez um bom governo e foi o último
imperador a conquistar novas terras. Por outro lado, tudo leva a crer que a forma
popular da língua latina tenha resistido por mais tempo, surgindo assim o ro-
manço romeno bem depois do português.
No sentido mais comum, porém, esse termo nomeia as línguas que evoluí-
ram da língua latina quando as invasões bárbaras dissolveram a unidade impe-
rial desde o começo do século V d.C.
peuple, nostre.
ainda que em cima da vogal para ninguém a pronunciar por engano: nôtre.
Foram mudanças espontâneas.
A esse estágio que medeia entre a língua latina e as modernas línguas neola-
tinas se chama romance ou romanço: a semelhança com o latim continua pelo
menos até o século X extremamente acentuada, como vai nos mostrar o docu-
mento abaixo.
[Pelo amor de Deus, tanto pelo povo cristão como [por] nossa salvação comum, desde este dia
em diante, enquanto Deus me der saber e poder, eu salvarei este meu irmão Karle tanto em
ajuda quanto em toda coisa, assim como a gente por direito deve salvar seu irmão, no caso de
ele fazer outrossim [também] por mim, e nunca tomarei a defesa de Ludher [no caso de] que,
por minha vontade, este meu irmão Karle fique com prejuízo.]
Essa era uma língua muito mais próxima do latim e da primitiva língua româ-
nica que do francês, chamada romanço francês.
Deus / Karle – nominativo: Deus dunat [Deus dá] / Karle dunat [Carlos dá]
mi / ti / si – dativo
me / te / se – acusativo
Com isso, também esses pronomes se confundiram numa forma só, ficando o
dativo reservado para o emprego após as preposições:
masculino:
ille > ele – nominativo
illi > lhe – dativo
illum > o [lo / no] – acusativo
feminino:
illa > ela – nominativo
illae > lhe – dativo
illam > a [la / na] – acusativo
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Singular Plural
nominativo fils [filius: filho] fil [filii: filhos]
cem anos a.C. e cem anos depois, deixa a nós leitores de hoje alguma coisa de
familiar e estranhamente conhecido. Cito dois autores separados por mais de mil
e trezentos anos (MATTOS, 2001, p. 91-92):
Gallia est omnis [toda] divisa in partes tres, quarum [das quais] unam incolunt
[habitam] Belgae, aliam Aquitani, tertiam qui ipsorum [deles] lingua Celtae, nostra
Galli appellantur [se chamam].
1 2 3 4 5
2 1 4 3 5 2 1 4 5 3
2–1–4–3–5 / 2–1–4–5–3
Esse foi o cenário em que se iniciou a evolução motivada, que deu o impulso
para dividir a România, conjunto dos territórios de fala latina, em dois grandes
grupos linguísticos, ambos reduzindo a um único os dois casos restantes:
a persistência do nominativo
a persistência do acusativo
a declinação do romeno;
a conservação do gênero neutro no romeno;
a quantidade imensa de empréstimos vocabulares eslavos e árabes;
os dois verbos predicativos das línguas ibéricas: ser e estar.
Texto complementar
A formação do português
As invasões de bárbaros
e árabes – o romanço português
Por volta do século V, a Península sofreu invasão de povos bárbaros
germanos-suevos, vândalos, alanos e visigodos. Com o domínio visigótico,
(mapa da Europa do século V) a unidade romana rompe-se totalmente. Os
visigodos romanizaram-se: fundiram-se com a população românica, adop-
taram o cristianismo como religião e assimilaram o latim vulgar. Rodrigo, o
último rei godo, lutou até 711 contra a invasão árabe, defendendo a religião
cristã, tendo como língua o latim vulgar na sua feição hispano-românica.
Nas montanhas das Astúrias (norte da Península) tem início, então, a Re-
conquista Cristã – guerra militar e santa, abençoada pela Igreja e que pro-
vocou importantes movimentos de populações. Partindo de um núcleo de
resistência (restos dos exércitos hispano-visigóticos e cristãos rebeldes), o
movimento foi alastrando para o sul, recuperando os territórios perdidos. Foi
então que se formaram os reinos de Leão, Aragão, Navarra e Castela. No rei-
nado dos reis católicos da Espanha, Fernando e Isabel, encerra-se o período
de dominação dos árabes, que durou sete séculos e teve o importante papel
de desencadear a formação de Portugal como Estado monárquico.
Atividades
1. Por que falantes de duas línguas românicas diferentes, na maioria das vezes, têm
grande dificuldade de se compreenderem ou mesmo nenhuma possibilidade?
TEXTO 05
Língua portuguesa arcaica
Em todos esses recantos, o procedimento dos vencedores deve ter sido igual
ao adotado na Dácia por Marcus Ulpius Traianus (53-117 d.C.) – Trajano, como in-
forma Flavius Eutropius – Eutrópio, em seu Breviarium ab Urbe Condita (Resumo
desde a fundação da cidade), citado por Bruno Fregni Bassetto (2008): “Traianus,
victa Dácia, ex toto orbe Romano infinitas eo copias hominum transtulerat ad agros
et urbes colendas” (Vencida a Dácia, Trajano transferira para lá uma imensa quan-
tidade de homens para cuidar dos campos e das cidades).
Agora, para saber se um fato inovador dependeu da língua latina dos vencedores ou
da língua latina dos vencidos, há um recurso único, nem sempre fácil de comprovar.
Num primeiro momento, o plural tinha uma regra única, pois bastava acres-
centar a consoante:
grado[s] / irmana[s] / mano[s] / pala[s] / pane[s] / razone[s] / male[s].
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Língua portuguesa arcaica
Algumas preposições:
per [pelo meio de / por meio de] / por [em favor de / da parte de].
Sendo proibida essa antecipação, fica também inibido o emprego das for-
mas imperativas:
Oxalá amedes vosso padre e vossa madre [oxalá ameis...].
papai / mamãe.
grao[s] > grau[s] por ditongação / paa[s] > pá[s] por monotongação.
A palavra maes desapareceu, trocada pelo antigo plural males para evitar a
homonímia com o adjetivo e advérbio mais. No entanto, aparece no Cancionei-
pãe [duas sílabas: pã.e] > pan / razõe [três sílabas: ra-zõ-e] > razon.
amades > amaes > amais / amedes > amees > ameis / partides > parties >
partis [escrita monotonga e pronúncia ditonga].
Essa foi uma evolução tardia, acontecida já em pleno século XVI, o de Camões
(1524-1580) e de outros autores do Classicismo.
me cum > mêcum > migo > com migo > comigo
te cum > têcum > tigo > com tigo > contigo
se cum > sêcum > sigo > com sigo > consigo
nobis cum > nobiscum > nosco > com nosco > conosco
vobis cum > vobíscum > vosco > com vosco > convosco
E ela:
Deve ser uma analogia, mas sempre me pareceu alguma coisa de fantástico:
pérdidi > perdidi > perdii > perdi > perdin / senti > sentin.
tivesse feito – indica a impossibilidade de ter feito – Esperei que ele tives-
se feito o que lhe pedi, mas me enganei.
tiver feito – indica a possibilidade de ter feito – Eu pago a quem tiver feito
um bom trabalho.
ter feito – indica o ato que se pratica no passado – Foi bom ter feito agora
esta viagem.
Aconteceu ainda outra evolução, que deve ser espontânea, porque parece
não haver explicação para ela, salvo o fato de ter acontecido.
Até o século XVI havia duas preposições com as respectivas aglutinações com
os artigos definidos e significados claramente distintos:
per: caminho [passar per uma floresta] / instrumento [indicar per um dedo].
por: defesa [lutar por uma ideia] / motivo [fez aquilo por querer].
per + o > pelo [pela floresta] / per + a > pela [pela mão].
por + o > polo [polo amor] / por + a > pola [pola ideia].
A primeira delas criou outra palavra por justaposição, motivada pela falta de
um termo para a finalidade ou a intencionalidade:
per + a > pera: [pera tão longo amor tão curta a vida].
Sabe Deus por que, mas os significados de cada uma das preposições im-
pregnaram também a outra e as duas ficaram inteiramente homônimas. Como
era uma homonímia puramente gramatical, entrou agora uma evolução motiva-
da, esquisitamente composta de parte de cada uma delas:
per + lo > pello > pelo [pela floresta] / per + a > pela [pela mão].
E desapareceram:
por + lo > pollo > polo [polo amor] / por + a > pola [pola ideia].
Texto complementar
Língua galego-portuguesa
(MATTOS, 1970, p. 73-77)
Características fônicas
Características vocabulares
O plural se fazia:
O artigo (o, a) era curioso porque tinha a forma atual salvo quando apa-
receria depois da consoante -s:
– Eu vi o rei.
Esse Aquesse.
Aquele Aquele.
Amo.
Ama.
Amamos.
Aman.
El amou. – El amara.
Além disso, o fato mais notável do verbo era a existência de radical irregu-
lar para algumas formas verbais:
Jazer – jasco ou jaço (jazo), jasca ou jaça (jaza), jazia; jouve (jazi).
Vemos que as irregularidades eram grandes: erger, ergo, ersi; trager, trago,
trouxe; prender, pris.
Características sintáticas
O inorante e a cantea,
Notemos o emprego dos pronomes el, ela, eles, elas como objeto: eu
vejo el, eu vejo ela. A tendência persiste até hoje na linguagem coloquial.
El me viu.
El te viu.
El o viu.
El mi deu a casa.
El ti deu a casa.
Atividades
1. Em que diferem a Filologia românica e a Filologia crioula?
uma troca simbólica, ambas trocas interpessoais. O fato real é que a própria troca
intrapessoal é de certa forma também interpessoal no sentido de que a mesma
pessoa assume os papéis de falante e de ouvinte.
Por ser esse motivo da finalidade das línguas, verifica-se com facilidade que
o intercâmbio dentro do mesmo território linguístico é sempre muito maior que
entre dois de línguas diversas, decrescendo cada vez mais o intercâmbio, quanto
mais diferentes se tornam as línguas envolvidas.
Excetuando a língua italiana, que de certa maneira foi fixada por Dante Ali-
ghieri (1265-1321) com sua Divina Comédia e por Petrarca (1304-1374) com seus
sonetos e com a descoberta e cópia de manuscritos antigos. As línguas româ-
nicas chegaram, com alguns avanços ou retardos, à maturidade com a Renas-
cença, que começa em Roma no início do século XVI e ganha pouco a pouco os
países ocidentais da Europa.
O latim tinha uma forma verbal do verbo mutare que mudou apenas o seu
radical na sua evolução para a língua portuguesa, mas em nada a terminação:
vos cantatis > vós cantadis > cantades > cantaes > cantais
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Línguas românicas contemporâneas
A conjugação dos verbos latinos não veio inteira para as línguas românicas.
Os buracos abertos na conjugação tiveram de ser preenchidos por formas novas.
O exemplo mais claro é a formação do futuro, perdido na evolução das línguas
românicas que se distanciavam cada vez mais do latim [formas na terceira pessoa
do singular]:
credere habebat > crédere abeba > credere ebebe > credere ebbe
amar-te-ei.
amar-te-ia.
Parece-me, entretanto, que o futuro deva ser a mais frágil das formas verbais
pelo menos por dois motivos.
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
E o mais firme é que grande parte do povo brasileiro já produziu uma for-
ma perifrástica para esse tempo:
Essa é a forma que a fala popular mais regulariza por pertencer a um res-
trito número de verbos anômalos que tem o perfeito irregular: se ele vir
[vier] e eu ver [vir] o que ele tem, aí eu compro [comprarei].
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Línguas românicas contemporâneas
Como informou Julia Carâp (1923), amiga querida, o romeno perdeu a forma
simples de perfeito de indicativo e a supre com o particípio de verbos transitivos
ou intransitivos (CARÂP, 1996, p. 71-73):
Am lãsat acólo priéteni [lit.: tenho deixado lá amigos/ trad.: deixei lá amigos].
Se dobra as velas, está chegando [plicare > dobrar > acabar de voltar].
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Il a porté des lettres [lit.: ele tem trazido cartas / trad.: trouxe cartas].
O português maneja as duas formas, mas a composta indica uma ação repe-
tida até o momento da fala.
Há, contudo, uma relíquia que a língua francesa guarda com carinho. Quando
o objeto direto fica antes da forma composta do verbo, o particípio volta a ser
adjetivo e concorda em gênero e número com o objeto anterior:
Voici les lettres qu´il a portées [lit.: eis as cartas que ele tem trazidas / trad.: eis
as cartas que ele trouxe].
Lasciate ogni speranza voi ch´entrate [Deixai toda esperança vós que entrais].
Também na fala nordestina onde é bem vivo o advérbio acolá... Quem será
que copiou de quem? Provavelmente, nenhum deles: veio direto do latim vulgar
para os portugueses e os romenos.
Textos românicos
O texto comum que vou apresentar em seguida vai permitir verificar essa téc-
nica de juntar um elemento a outro e formar sucessivamente conjuntos que se
tornam elementos até chegar ao elemento que é a unidade do diálogo e somen-
te a soma deles há de constituir qualquer um dos textos de uma língua, orais ou
escritos, desde um recado singelo a um romance de centenas de páginas.
E começo pelo texto latino para que seja possível observar o que passou dele para
a futura língua e o que ficou para trás, além de deixar um exemplo do que teria sido
essa língua latina. Como o latim não tem palavras oxítonas, acentuadas na sílaba final,
acentuo aqui somente as proparoxítonas, que têm o acento na antepenúltima.
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Línguas românicas contemporâneas
Semelhanças e diferenças
É o texto da Vulgata, edição da Bíblia de São Jerônimo (347-419 ou 420), a
quem o Papa Dâmaso (366-384), pediu em 382 que revisse os textos antigos:
Castelhano
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Além disso, tem um som fricativo que se parece com o erre carioca, embora
seja surdo enquanto o carioca é sonoro:
general [regeral].
O efe latino era um som parecido com o de se apagar uma vela: ou seja, uma
consoante bilabial surda ou um sopro. Parece ter sido esse o som que o espanhol
herdou do latim no início da palavra, o que provocou a escrita com outra letra,
mas indicadora do novo som: facere > hacer.
Catalão
Perdona lês nostres ofenses, aixi com nosaltres perdonen els aqui ens
ofenen
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Línguas românicas contemporâneas
Perdonem [perdoemos].
Dálmata
Uma das palavras desta prece é mais curiosa e parece ser portuguesa, mas a
oração nos fornece o sentido verdadeiro dela:
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Francês
(Disponível em : <www.filologia.org.br/anais/anais>.)
dimitte ... sicut et ... dimittimus [perdoa ... assim como ... perdoamos].
La porte est fermée [lit.: a porta é fechada / trad.: a porta está fechada].
inde > ende > en [desse lugar: disso]: elle en a trois [ela tem três disso].
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Línguas românicas contemporâneas
Galego
Influenciou a ortografia:
noso [nosso].
perdóanos [perdoa-nos].
quen [quem].
Fez o galego perder alguns sons que dividia com o português nos séculos
de língua comum:
sexa [seja].
Rosa [rossa].
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Italiano
Sia fatta la tua volontà anche in terra com’e fatta nel cielo.
spacchettare [desempacotar].
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Línguas românicas contemporâneas
Então egli amava [ele amava] deve fazer io amavo [eu amava].
E fez.
Português
Repito o que disse sobre a tradução francesa, que moderniza o texto latino
oficializado pela Igreja Católica.
dimitte ... sicut et ... dimittimus [perdoa ... assim como ... perdoamos].
O defeito da nossa é ainda maior, porque a forma tem ofendido implica ofen-
sas repetidas: assim, as de hoje eu nem preciso perdoar e as antigas, desde que
unitárias, também não. Essa negligência do clero e dos fiéis indica desafortuna-
damente que todos rezam maquinalmente sem pensarem no que estão a dizer.
E ainda têm a coragem de pedir que Deus lhes perdoe hoje as ofensas de ontem.
E as de hoje amanhã.
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Provençal
O provençal demonstra uma semelhança fonética com o francês por ter dei-
xado pelo caminho as palavras que terminavam em vogal média posterior [o]:
Rético
E perduna a nus nos puccaus, sco era nus perdunein a nos culponts.
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Línguas românicas contemporâneas
O texto nos faz crer que o superstrato do rético foi bastante diferente do que
tombou sobre as línguas vizinhas. Basta-nos citar a segunda linha que acolheu
apenas duas palavras tipicamente latinas:
Romeno
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Bem mais que o rético, o romeno demonstra a presença eslava em seu voca-
bulário e em sua ortografia.
Sardo
O sardo apresenta uma grande surpresa, pois eu desconhecia tudo sobre ele,
embora imaginasse alguma coisa parecida com o italiano. Por outro lado, há
uma incrível conservação de aspectos da velha língua latina:
nostrum > nostru [singular] / omni die > ogni die / nostros > nostros [plural].
Apenas uma dúvida: Será que o artigo definido do sardo provém de um de-
monstrativo tardio? De fato, parece ser esta a etimologia:
Mais que parece: de fato, é a explicação correta. Como o sardo é a mais antiga
ruptura da língua romana, a criação do artigo definido foi uma pressão das lín-
guas encontradas pela latina nas terras conquistadas.
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Línguas românicas contemporâneas
Texto complementar
Línguas românicas
(COUTINHO, 1976, p. 41-45)
[...]
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
o italiano, falado na Itália e nas ilhas adjacentes (Córsega, Sicília etc.), nas
antigas colônias italianas da Ásia e da África, e em S. Marinho;
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Línguas românicas contemporâneas
Neste espaço de tempo, tinha sofrido a língua latina não poucas modifi-
cações. É a razão por que o sardo apresenta traços de um latim muito mais
antigo do que o italiano. Do mesmo modo, os povos que habitavam a Penín-
sula Ibérica receberam o sermo vulgaris primeiro que os da Gália.
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
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MATTOS, Geraldo. Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa.
Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2012.
TEXTO 07
Características da língua portuguesa
Evolução fonológica
A língua portuguesa se distingue entre as ibéricas por ter uma corres-
pondência total entre consoantes surdas e sonoras com a mesma articu-
lação pós-glotal:
pasta / basta
casta / gasta
toca / doca
faca / vaca
selo / zelo
checa / jeca
Evolução morfológica
Mais ainda que a castelhana, a língua portuguesa tem propriedades que a
distinguem dentro das línguas ibéricas. Grande parte delas, entretanto, apare-
cem também na língua galega, mais antiga que a portuguesa.
Línguas ibéricas:
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Características da língua portuguesa
“Perfazer v. ... 2. Fazer alguma coisa até o fim: acabar, concluir, terminar – Eu
perfiz o trabalho em uma semana.”
O perfeito latino é feito nos verbos regulares por um sufixo e nos irregula-
res com outra forma do mesmo radical, eventualmente com a reduplicação da
sílaba inicial, que o grego manteve de maneira regular:
Infectum Perfectum
amat amavit
dat dedit
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
O desajuste das línguas ibéricas, que foi consertado por um novo esquema,
que cito com as formas da língua portuguesa, salientando que o castelhano e
evidentemente também o galego têm o mesmo esquema verbal:
Inacabado Acabado
Efetivo Eventual Eventual Efetivo
Próximo amo (que) ame (se) amar amei
Remoto amava (que) amasse (se) amasse amara
Que bom querer que ele me ame. Que bom, se ele me amar.
Que bom querer que ele me amasse. Que bom, se ele me amasse.
A troca de posição dessas duas formas da primeira linha geram frases inacei-
táveis na língua, marcadas pelo asterisco:
Que bom querer que ele me *amar. Que bom, se ele me *ame.
Que bom querer que ele me amasse. Que bom, se ele me amasse.
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Características da língua portuguesa
De fato, essas formas nominais do verbo constituem uma terceira linha que
deixa indistintas as diferenças entre as formas próximas ou prováveis e as remo-
tas ou improváveis.
Inacabado Acabado
Efetivo Eventual Eventual Efetivo
Próximo amo (que) ame (se) amar amei
Remoto amava (que) amasse (se) amasse amara
amar amando amando amado
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
amar habeo hei > amar haio > amar hai > amar hei > amarei
amar havia > amar haia > amar hia > amaria
amar-te-ei.
amar-te-ia.
A vida presente.”
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Características da língua portuguesa
Se ele estivesse aqui, ele viria te visitar, mas ele está viajando [futuro].
Se ele estivesse aqui, ele vinha te visitar, mas ele está viajando [imperfeito].
A queda do sufixo de perfeito [por que será que eu não disse: a síncope do
sufixo de perfeito?] deixou o latim vulgar com uma carga excessiva, de que tive-
ram de se desembaraçar:
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
E assim o restante!
eu / eia / i [o / a / o].
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Características da língua portuguesa
Si non esset hic malefactor, non tibi tradidissemus eum [se não fosse este (um)
malfeitor, não te entregaríamos ele / ... não te seria ele entregue].
Por ter usado aqui a língua popular, a única que me permitiu a tradução do
texto latino da Paixão de Cristo palavra por palavra, segue a tradução exata, mas
com um arcaísmo na fala brasileira, além de um pequeno desvio da linearidade
do texto romano:
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Esse mesmo adjetivo foi aproveitado pelo sardo para a forma dos seus
artigos, como se pode ver neste trecho do Pai-Nosso traduzido para a língua
dos Sardos:
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Características da língua portuguesa
Particípios abundantes
A língua portuguesa recebeu muitos particípios com a forma da língua latina,
sujeitos à evolução fonética normal das outras palavras:
dizer > dito / escrever > escrito / fazer > feito / pôr > posto / ver > visto / vir >
vindo.
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Por outro lado, há particípios regulares relegados pela língua da elite e aco-
lhidos pela língua do povo:
No caso, a forma -zal passa a ser uma variante condicionada do sufixo -al por
ter regras para o seu emprego:
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Características da língua portuguesa
Agora, todavia, aparece alguma coisa diferente, que se deve considerar com
toda a seriedade, porque a palavra cafezal tem a sílaba medial fechada [fê],
enquanto a palavra cafezinho a tem aberta [fé]. A função é a mesma: quebra
do hiato.
E creio que se pode reconhecer que aparecem na pronúncia os dois sons sibi-
lantes, que correspondem a um alongamento dessa consoante fricativa:
Evolução sintática
Ainda que haja várias características dentro da frase portuguesa, fico com a
mais nitidamente diferencial, que é a colocação das palavras dentro da frase.
Sujeito e verbo
Enquanto boa parte das línguas tem regras fixas, a portuguesa se vale da in-
versão para introduzir um significado específico.
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Adjetivo e substantivo
O conjunto explicativo tem o adjetivo à esquerda do substantivo, indicando
que se fala do que dizem as palavras dele:
O rapaz sorri às lindas moças que o acompanham [não se fala de mais ninguém:
todas lindas...].
O rapaz sorri às moças lindas que o acompanham [fala-se das lindas a quem ele
sorri, e das outras...].
O seu poema épico é imortal, mas não ele, que é o poeta. E note-se ainda
a bela antítese: imortal x mortal. E mais importante ainda: o primeiro adjetivo
antes do substantivo e o segundo depois dele.
Texto complementar
Língua portuguesa
A língua portuguesa, com mais de 215 milhões de falantes nativos, é a
quinta língua mais falada no mundo e a terceira mais falada no mundo oci-
dental. Idioma oficial de Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
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Características da língua portuguesa
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Atividades
1. Que aspectos fonológicos identificam a língua portuguesa?
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MATTOS, Geraldo. Fundamentos Históricos da Língua
Portuguesa. Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2012.
TEXTO 08
História externa da língua portuguesa
O povo lusíada, conduzido por seus reis, repetiu o feito dos romanos que
desde o início se propuseram à conquista de novos territórios. Curiosamente,
seguiram também o modelo romano de conquistar os campos e as cidades,
como nos conta Eutrópio, historiador romano da segunda metade do século IV
da nossa era: também os portugueses enviaram fartos contingentes humanos,
entre eles, alguns milhares de judeus, fugidos da Espanha e levados para as co-
lônias portuguesas. De fato, a santidade não faz conquistas materiais.
A primeira ação foi a conquista de Lisboa em 1147 seguida pela luta para
apossar-se das terras muçulmanas e moçárabes no Sul. No fim do século XIII,
Portugal tinha o seu território bem determinado e com um forte poder central.
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História externa da língua portuguesa
Em 1414, Dom João I resolve tomar Ceuta, porto importante das costas afri-
canas, e entrega a organização da campanha ao seu quinto filho, o infante Dom
Henrique (1394-1460), então com 20 anos. As razões para essa empreitada eram
religiosas: a dilatação da fé e a derrota dos muçulmanos. Na verdade, era a situa-
ção estratégica da cidade e do seu porto que impunha o empreendimento.
A sua obra da Escola de Sagres chegou a ficar tão conhecida que Veneza,
famosa por seus navios e suas conquistas, mandou a Sagres emissários para uma
tentativa de compra, que nunca se realizou. Ele mesmo nunca saiu de Portu-
gal, mas deve-se a ele o aprimoramento necessário das forças navais e de seus
navios que permitiram a expansão portuguesa mundo afora.
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Ao morrer, deixou as costas africanas exploradas até o cabo das Palmas, pre-
parando Portugal para a aventura máxima do fim do século XV: a chegada às
Índias em 1498 com a esquadra de Vasco da Gama (cerca de 1460-1524).
Expansão ultramarina
A expansão portuguesa entre 1414 e 1517 custou sangue e suor, além das lá-
grimas de quem ficava com o grande medo do nenhum retorno dos amores que
se lançaram aos perigos, que eram enormes e ainda aumentados pelas lendas,
como nos fala Garcia (1992, p. 127-138):
Todas estas ilhas e terras, tanto reais como imaginárias, exerceram enorme influência nas viagens
dos Portugueses dos séculos XIV e XV. Constituíram um dos mais importantes estímulos e um
objectivo preciso para muitas expedições de descoberta, ao mesmo tempo que preenchiam
as mentes com descrições pormenorizadas das novas regiões. Eram um incentivo para toda
a gente, desde o homem culto e aristocrata até ao ignorante vilão. E haviam de persistir em
muitos topônimos das ilhas e continentes que vieram a ser de facto exploradas.
O reverso da medalha estava nas terríveis histórias que se contavam de semelhantes terras e
mares. Toda a classe de monstros, perigos e obstáculos povoavam o oceano Atlântico na crença
geral. Transmitida ou forjada pelos Árabes a lenda do Mar Tenebroso descrevia um oceano
habitado por seres estranhos e mergulhado em escuridão constante, onde todos os navios
naufragariam nas ondas medonhas ou nas águas ferventes. Outras superstições afrouxavam
a curiosidade e refreavam o desejo de presa. Durante muito tempo os portugueses da Idade
Média, como os Europeus em geral, hesitaram entre a vontade de seguir além, para ocidente e
para sul, e o temor de não regressar mais. Era necessária a pressão de grande número de forças
poderosas para vencer esse medo e forçá-los a ir.
Era verdade que o longo Cabo Bojador tinha um mar extremamente bravo
com ondas de 15 metros de altura e um estrondo terrível de arrebentação a que
nenhum navio resistia.
O Cabo das Tormentas deve ter sido usado por muita mãe para disciplinar
o filho desobediente e foi ultrapassado tardiamente em 1488 por Bartolomeu
Dias (1450-1500) que acompanhou Vasco da Gama às Índias, capitaneou um dos
navios da esquadra de Pedro Álvares Cabral e morre em 1500 no naufrágio do
seu navio ao largo do Cabo da Boa Esperança, que para ele novamente se tornou
Cabo das Tormentas.
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História externa da língua portuguesa
MAR PORTUGUEZ
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão resaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
1434 – Gil Eanes foi enviado para outra tentativa no mar por Dom Henri-
que conseguiu ultrapassar o Cabo Bojador depois de várias tentativas.
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História externa da língua portuguesa
1482 – Diogo Cão atraca na foz do rio e somente três anos depois chegam
missionários, que convertem o rei do Congo.
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
1488 – Bartolomeu Dias passa sem incidentes além do Cabo da Boa Espe-
rança, o antigo cabo das tormentas, e explora o extremo sul do continente
africano até o Rio do Infante. Doze anos depois, acompanha Pedro Álvares
Cabral na primeira viagem às Índias depois da de Vasco da Gama.
1498 – A caminho das Índias, Vasco da Gama e sua esquadra também pa-
ram em Moçambique. O destino, porém, os chama para as águas.
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História externa da língua portuguesa
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Texto complementar
[...]
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História externa da língua portuguesa
bertas, avassalando continentes e ilhas. Nenhum povo foi jamais tão longe
através dos mares, como o lusitano, cujas naus percorriam os oceanos em
todos os sentidos e cuja bandeira tremulava em todas as cinco partes do
mundo, porque em todas elas Portugal possuía colônias.
interamnense (Entre-Douro-e-Minho);
trasmontano (Trás-os-Montes);
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
açoriano (Açores);
madeirense (Madeira).
3) Ultramarinos, no ultramar:
dialeto brasileiro;
português de Goa;
malaio-português:
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História externa da língua portuguesa
português de Timor;
É força convir que nem em todos esses lugares é o português língua ex-
clusiva. Em alguns pontos da África, Ásia e Oceania, fazem-lhe concorrência
séria os idiomas nativos. Sítios ou cidades há em que é somente por peque-
no núcleo de população, constituída de descendentes de antigos colonos
lusitanos.
[...]
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MATTOS, Geraldo. Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa. Curitiba :
IESDE Brasil S.A. , 2012.
História da ortografia
TEXTO 09
da língua portuguesa
O início dos anos 1980 viu crescer no Brasil e nos demais países de fala
lusitana o interesse por uma nova ortografia, dado que era penoso reco-
nhecer que a língua portuguesa se guiava na escrita por regras diversas:
havia a brasileira, obedecendo ao acordo de 1943, aceito por nós e recu-
sado por eles, e a portuguesa, obedecendo ao acordo de 1945, aceito por
eles e recusado por nós.
O nosso interesse era total, por isso, nos reunimos várias vezes, dis-
cordamos, concordamos, discutimos ferrenhamente e chegamos a um
resultado surpreendente: até aquele momento, os acordos havidos eram
feitos para os estrangeiros, nunca para os nativos da língua portuguesa
nos seus sete países, o que implicava uma multidão de regras com suas
Regra:
Toda palavra escrita somente com letras tem uma única pronúncia, ressalva-
do o caso das vogais médias, que podem ser abertas ou fechadas.
Corolário:
Os exemplos sempre esclarecem mais que as regras. Neste caso, bem mais
que a regra. Têm a penúltima sílaba mais forte e se escrevem sem acento gráfico
as palavras que terminam da maneira seguinte:
Têm a última sílaba mais forte e se escrevem sem acento gráfico as palavras
que não terminam como as citadas acima:
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História da ortografia da língua portuguesa
Querendo outra pronúncia qualquer, é preciso indicá-la com uma das marcas
seguintes, porque a falta de acento gráfico vai dar ao conjunto de letras uma das
pronúncias acima, ainda que esse conjunto de sons não exista na língua:
maça [maca] / mão [Mao: nome próprio] / médico [eu medico] / revólver [revol-
ver] / caí [cai] / baú [bau: inexiste na língua] / contem [contém / contêm] / argúi
[argui, como ergui] / argüi [argui, como ergui] / cará [cara] / bebê [bebe] / avôs [avos]
/ réis [reis] / ao léu [ele leu] / bói [boi].
E isso sem falar na palavra pêra, para distingui-la da preposição pera que
Camões empregava, pior ainda eram as palavras pólo e pôIo, para distingui-las
da palavra polo, contração da preposição por com o artigo definido, que os tro-
vadores usavam e desapareceu pouco mais de cem anos depois deles e bem
antes de Camões: é a terceira inutilidade.
Objetivo da escrita
Até agora nenhum acordo entre brasileiros e portugueses conseguiu dotar
a língua de uma escrita única por um motivo mais que ingênuo: todos pensam
que a escrita deve reproduzir a fala.
Ora, a escrita tem sons que podem ser reproduzidos com alguma fidelida-
de, tem uma melodia feita distintivamente de três intensidades diferentes, duas
quantidades, a longa e a breve, e a entoação com quatro notas distintivas. Des-
contada a pronúncia razoável dos sons e a possibilidade de distinguir frases de-
clarativas, interrogativas parciais, cuja resposta é uma das partes da frase, ou
totais, que indagam sobre a própria frase, a melodia da frase fica a cargo do
contexto que se baseia nos informes mínimos da pontuação. Frases que repe-
tem a mesma palavra permitem descobrir que a língua tem uma escala pelo
menos com quatro notas, que valem como se fossem dó [1], ré [2], mi [3], fá [4]
em um canto, mas essas quatro notas da língua têm uma distância bem menor
que o intervalo entre o mi e o fá ou o si e o dó. Segue uma pergunta com duas
possíveis respostas:
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
É? – pergunta.
32
É. – segunda resposta.
Essa reflexão que acabo de fazer permite concluir que brasileiros e portugue-
ses leriam de maneira diferente:
Por confundir escrita com pronúncia, Antônio Houaiss (1991, p. 13) pôde
subscrever o seguinte parágrafo (grifo do autor):
A unificação da ortografia não implica a uniformização do vocabulário da língua; pelo contrário,
respeitando-se as pronúncias cultas de cada país, passa-se a admitir duplas grafias, embora
as regras ortográficas sejam as mesmas para todos os países signatários do Acordo.
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História da ortografia da língua portuguesa
Escrita arcaica
A escrita começa no século XII e vai até o começo do século XVI, quando se
inicia o período clássico em que o latim e o grego eram os modelos mais apre-
ciados de escrita e de léxico.
Bastam esses versos para nos deixar ver que a escrita se guiava pela pronún-
cia das palavras: ortografia fonética, que fica comprovada pela escrita da palavra
muyn.
Como não havia, entretanto, um poder central que determinasse uma das
possibilidades de escrita, havia escolhas diversas:
mi / my.
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Non poden nunca nen un ben aver [não podem nunca nem um bem haver] ...
É bom a gente se lembrar de que nesse tempo o verbo haver tinha o senti-
do de ser dono de alguma coisa: ter. Ao contrário, o verbo ter significava o fato
de segurar alguma coisa, o que ainda agora se verifica nos seus derivados: ater,
conter, deter, reter. Ainda era vivo no tempo de Gil Vicente (1465-1536), como se
pode ler no início do seu bem humorado Todo Mundo e Ninguém (VICENTE, 1971,
p. 329), fragmento do Auto da Lusitânia, peça teatral perdida:
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História da ortografia da língua portuguesa
Escrita clássica
A escrita tem como data de início o aparecimento da primeira gramática da
língua portuguesa, escrita pelo padre Fernão de Oliveira (1507-1582), em 1536:
Grammatica da lingoagem portugueza. Note-se que o próprio título já trai os
olhos nas letras greco-romanas: grammatica, entretanto, é uma gramática ino-
vadora, que se queixa de todos imitarem os antigos.
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benévolo – benevolentíssimo
malédico – maledicentíssimo
magnífico – magnificentíssimo
orthographia.
accommetter.
A Academia Brasileira de letras edita em 1907 as suas regras, que pouca gente
aceitou, continuando a maioria com a ortografia tradicional.
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História da ortografia da língua portuguesa
O que fazer nas edições posteriores a 1971? O ideal seria adicionar um lem-
brete fora da palavra:
Acordo de 1990
Em 1990 veio finalmente outro Acordo, o primeiro entre os sete países em
que é oficial a língua portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Mo-
çambique, Portugal e São Tomé e Príncipe).
Ainda desta vez não se chegou a uma verdadeira unidade ortográfica por
se esquecerem todos de que a língua falada nada mais deve às línguas de que
vieram as suas palavras, enquanto a escrita tem ainda fortes raízes no passa-
do, sendo perfeitamente possível respeitar esses encargos de nascimento e ao
mesmo tempo irmanar a escrita dos agora oito países de língua portuguesa: a
escrita não ensina ninguém a falar.
Por que a dupla das diversidades de escrita se inicia com a forma portuguesa?
O bom:
eu pelo e tu pelas [é] / ele pela e a pela [é] / o pelo e os pelos [ê].
O mau:
Como um escrevente vai decidir que palavras nem parecem mais compostas
e portanto, se escrevem juntas, e sem hífen? Numa norma, ainda que linguagei-
ra, aquele etc. é um verdadeiro dislate, porque é uma porta aberta para irregu-
laridades sem meios de condená-las. Vem fatalmente a mesma pergunta que há
de preocupar muitos editores (a FTD já me perguntou):
– E o pára-brisa?
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
E o pior é que esse etc. aparece em mais de um lugar, o que me leva a citar
mais um, piorado com o emprego da expressão em geral, que por si mesma
alude a exceções:
Obs.: Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o se-
gundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coor-
denar, cooperação, cooperar etc.
Os verbos -quar e -quir ou -guar e -guir trazem problemas de leitura por terem
uma conjugação abundante:
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História da ortografia da língua portuguesa
Um acordo ortográfico nada tem que ver com a facilidade do ensino das
normas que emite, mas cabe-lhe apresentar um texto enxuto, o que este não
faz: importa haver regras positivas, nunca negativas.
BASE VIII
[...]
d) As palavras oxítonas com os ditongos abertos grafados -éi, éu ou ói, podendo estes dois
últimos ser seguidos ou não de -s: anéis, batéis, fiéis, papéis; céu(s), chapéu(s), ilhéu(s), véu(s);
corrói (de correr), herói(s), remói (de remoer), sóis.
BASE IX
BASE VIII
O enxerto entraria nessa letra a) e bastava esse ligeiro acréscimo para elimi-
nar uma regra da Base VIII e outra da Base IX:
dos ou não de -s: está, estás, já, olá; até, é, és, olé, pontapé(s); avó(s), dominó(s),
paletó(s), só(s), anéis, batéis, fiéis, papéis; céu(s), chapéu(s), ilhéu(s), véu(s); corrói
(de correr), herói(s), remói (de remoer), sóis.
É claro que colocados no item das oxítonas, os ditongos abertos por si sós
nunca seriam acentuados graficamente nas palavras oxítonas.
Texto complementar
Através da fala dos soldados, por exemplo, o Latim vulgar é levado não
só para a Península Ibérica, mas espalha-se por todas as regiões dominadas.
Sobrepondo-se às línguas locais e usado por séculos, transforma-se no Ro-
manço ou Romance.
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História da ortografia da língua portuguesa
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Eliminação dos símbolos de etimologia grega (th, ph, ch (com som de k),
rh, y): theatro-teatro; pharmacia-farmácia; estylo-estilo;
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História da ortografia da língua portuguesa
É natural que uma língua usada por população tão grande em localida-
des tão diversas apresente divergências linguísticas (fonéticas, morfológicas,
sintáticas, vocabulares etc.). O mesmo se pode dizer com relação à ortografia
oficial usada.
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TEXTO 10
Léxico da língua portuguesa
Sistema e norma
As línguas se formam quando há motivos internos e externos que obri-
gam uma de suas fases a interromper o seu equilíbrio e se transformar aos
poucos em outra modalidade de língua. Foi o que aconteceu com a língua
latina que teve o motivo interno da falta de coesão com a metrópole e o
externo com as invasões sucessivas de germanos e árabes que aceleraram
o processo de mudança.
a) O sistema da sua própria língua nativa lhe parece lógico, porque cada um raciocina
em termos dessa língua. Efetivamente, o sistema da língua é lógico, porque as
irregularidades pertencem à norma. A criança percebe mais cedo a coerência do sistema
que a excepcionalidade da norma, mas o esforço dos pais a leva irresistivelmente para
os trilhos da norma.
Por algum motivo houve uma rápida evolução fonológica que rompeu
o equilíbrio dessa fase e implicou uma nova forma de língua: a dos trova-
dores, em que, entretanto, já se notam detalhes que levariam a língua ao
século XVI.
sodes > soes > sois [aceita com singular diferente: tu és].
rides > riis > ris [recusada pelo singular igual: tu ris]:
Bem diferente deve ter sido a afetividade entre o cidadão do Império Romano que
adotou a língua do vencedor e o centro histórico de onde lhe veio a nova língua.
Entretanto, já que nem todos podem ser geniais, era bem menor que a grega
o apego sentimental entre a província e Roma.
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Léxico da língua portuguesa
fábrica.
fabrica.
Vieram?
Vieram.
Quantos vieram! [primeira sílaba longa: Nossa, quanta gente que veio.]
O latim era falado com sílabas longas e breves, o que permitiu a Virgílio (70-19
a.C.) indicar em sua epopeia Eneida o galope de um cavalo que parecia nem
tocar o chão, porque a palavra quatit [pisa] tem duas vogais brevíssimas como
que faltando tempo para encostar a pata no chão, além de acentuar com as síla-
bas longas a marcha regular desse animal:
Além desse potencial, serviu desde cedo para os trocadilhos, como um reco-
lhido pela crítica da História, que narra a vingança feita pelos Metelos, poderosa
família romana, contra o poeta Gnaeus Naevius (270-201 a.C.), que os atacava com
seus versos. Uma vingança encomendada a outro poeta, em que havia este verso:
Dabunt malum Metelli Naevio poetae [Darão uma surra / uma maçã os Mete-
los a Névio, o poeta].
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Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa
Palavras gramaticais
As palavras gramaticais se distinguem por terem um significado inteiramente
dentro da língua, serem em número reduzido, permitirem a sua listagem comple-
ta feita sem muita dificuldade e funcionarem como ferramentas que trabalham
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Léxico da língua portuguesa
para outras palavras de que dependem para existirem: mais que ferramentas,
constituem a argamassa dos muros e das paredes da fala, que sem elas caem.
Dois exemplos em que a palavra do meio é gramatical:
Vou a Londrina.
Venho de Londrina.
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Palavras lexicais
As palavras lexicais se distinguem por ter um significado no mundo, ou seja:
um significado fora da língua, indicando alguma coisa que pertence ao mundo.
A maioria absoluta das palavras são lexicais e pertencem a uma lista que nunca
se pode enumerar de maneira exaustiva por vários motivos:
De fato, há pelo menos cinco palavras que dizem da nossa dívida por um
favor recebido de outrem: agradecido, grato, obrigado, penhorado, reconheci-
do. O sexto é recém-inventado: opa...
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Palavras gramaticais
As palavras gramaticais são as mais velhas da língua e constituem um legado
que resiste mais fortemente aos azares da história do povo que a fala. Efetivamen-
te, sobrevindo uma língua vencedora, a língua do povo vencido tem uma pro-
teção natural contra os empréstimos gramaticais, porque estes acompanharam
todas as diversas formas que a língua teve ao longo dos séculos: é por esse motivo
que as línguas eslavas, latinas e germânicas têm um pequeno conjunto de pala-
vras de origem comum que lhes chega de uma primitiva língua indo-europeia: os
pronomes, por exemplo.
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A palavra sigo e também as palavras migo, tigo, nosco e vosco eram comuns
entre os trovadores, mas as formas evoluídas das latinas mecum, tecum, secum,
nobiscum e vobiscum diziam pouco sobre a ideia de companhia e o povo foi
levado a crer que eram sinônimos de mim, ti, si, nós e vós, passando a reforçar a
ideia do ir junto: comigo, contigo, consigo, conosco e convosco.
Palavras lexicais
As palavras lexicais se parecem com as roupas: tem roupa de dormir, tem
roupa de ir para a praia, tem roupa de ir para a escola, tem roupa domingueira
e tem roupa de gala. As roupas se rasgam e a gente remenda, envelhecem e a
gente aposenta, vai correndo a uma loja para comprar outra ou a uma alfaiataria
para tirar as medidas e mandá-la fazer.
As palavras, também.
Esta cantiga paralelística de Pero Anes Solaz (apud SANTOS, 1965, p. 71) do
Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa, é um bom exemplo:
ca non ama.
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ca – envelheceu e morreu.
la – foi remendada.
Além disso, cada lugar pode ter palavras próprias que podem viver longe-
vas ou morrer na praia. Em Curitiba no ano 1954, existiam as palavras dindo
[dindinho, no Rio] e dolé [picolé, no Rio]: a segunda não existe mais. Entretan-
to, a palavra vina, que em Curitiba substitui a palavra salsicha, continua sendo
usada pela cidade inteira, ainda sem merecer a entrada em dicionários da língua
portuguesa.
Agora, é a inglesa, mais pela nossa precisão que o seu inegável prestígio.
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E ainda continua com duas outras listas de arcaísmos fajutos (apud MORAIS,
1950, p. 171-173):
a primeira, de Francisco José Freire em 1765, com os arcaísmos acatar, amamentar e córrego
num total de 89, a maioria comuns hoje.
a segunda, de Antônio das Neves Pereira em 1793, com os arcaísmos embeber, enxergar e
ornamentar num total de 21, a maioria também comuns hoje.
Justamente por serem roupas das nossas ideias, a atração de uma nova moda
pode levar o povo a adotá-la. Foram quase todas as palavras trazidas pelos inva-
sores ou tomadas pelos clássicos.
A pequena diferença é que as duas mais novas podem ir a outras classes gra-
maticais, a primeira tornando-se um substantivo e a segunda um advérbio:
Quase quatro quintos dos empréstimos árabes foram feitos com substantivos
precedidos pelo artigo definido al. Na lista a seguir começam pela primeira letra
do nosso alfabeto 89 das 111 palavras:
Por fim, a criação com os recursos próprios de uma língua, um bom exem-
plo se encontra na revista Veja, em que se cria uma nova palavra para o nosso
idioma: hidropopulismo (ASSUNÇÃO, 2008, p. 78). Referia-se ao recém-eleito pre-
sidente do Paraguai que quer mudar o contrato sobre a Usina de Itaipu e cobrar
mais do Brasil pelo excedente de energia que nos vende.
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Texto complementar
Antônio Houaiss foi tradutor, crítico, escritor, lexicógrafo, diplomata, membro
da Academia de Ciências de Lisboa, presidente da Academia Brasileira de Letras
e ministro da Cultura. Faleceu em 1999, deixando quase completa a edição do
notável Dicionário Houaiss. O presente texto, com que homenageamos o autor,
é originalmente uma conferência para o Centro de Estudos Árabes da USP em
1986. Transcrição e org. de Cecília N. Adum.
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MATTOS, Geraldo. Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa.
Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2012.
Início da colonização
O Brasil começa no século XVI. O cultivo da terra brasileira começou
em 1530 quando Martim Afonso de Sousa (1500-1564) e seu irmão Pero
Lopes de Sousa (talvez entre 1497-1539) vieram para cá numa expedição
de cinco navios e quatrocentos homens.
Martim Afonso de Sousa ainda estava no Brasil quando o rei Dom João
III (1502-1557) aproveitou a experiência das capitanias hereditárias usadas
na Ilha da Madeira: a ele couberam a capitania de São Vicente e a do Rio de
Janeiro. Nunca trabalhou nelas, deixando-as completamente abandona-
das. Como um todo, as capitanias fracassaram porque o país era imenso,
se comparado aos 794 quilômetros quadrados do arquipélago da Madei-
ra. Duas apenas prosperaram: a de São Vicente, onde havia portugueses
trabalhando ainda que sem a presença do donatário, e a de Pernambuco,
do donatário Duarte Coelho Pereira.
Essa sexta vogal era muito penosa para a fala dos portugueses e brasileiros,
porque a nossa língua não a tinha nem a tem: é um som em que a língua fica
curvada para trás [pronúncia da vogal u] e os lábios ficam estendidos, nunca ar-
redondados [pronúncia da vogal i]. Esse som é marcado com a letra y. Por ser ine-
xistente na fala dos invasores, os empréstimos dependem do ouvido de quem
por primeiro propõe a palavra indígena:
tyba: lugar onde ficam muitas plantas ou bichos: -al [em português].
Curi: pinheiro-do-paraná.
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Contexto sócio-histórico e linguístico do Brasil colonial
Yu.pi.ru.ngau.a ra.me in.ti ma.ã pi.tu.na. Pi.tu.na o.i.cô i.ri.ri.pi [No princípio não
havia noite. A noite estava dentro de um coco.].
O primeiro não-índio a falar, pregar e escrever nessa língua foi o padre José de
Anchieta (1534-1597), de origem basca. Veio pelo pedido de ajuda que o padre
Manuel da Nóbrega, que precisava de missionários, fez aos seus superiores.
Chegou ao Brasil em 1553, enviado pelo seu superior jesuíta, e no ano seguin-
te assiste à fundação do Colégio de São Paulo, núcleo de que sairia a cidade de
São Paulo.
Interessado pelas obras missionárias junto dos índios, aprendeu com eles a
língua e pôde compor para ela a sua primeira gramática. E foi um verdadeiro de-
fensor deles, que eram escravizados para o trabalho rural. No levante dos tamoios
não hesitou em tornar-se refém para os índios, para os portugueses poderem
conferenciar com liberdade e segurança. Durante esse cativeiro é que escreveu
uma epopeia sobre a Virgem Maria, usando a mesma língua e a mesma métrica
da epopeia Eneida, de Publius Virgilius Naro – Virgílio: o hexâmetro, verso com
seis dátilos [a palavra pétala é um dátilo: uma sílaba longa e mais forte seguida
de outra longa ou de duas breves]. Imitando o latino, troco a sílaba longa pela
acentuada por sua intensidade:
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ritmo de um hexâmetro com cinco dátilos inteiros [sílaba longa seguida de duas
breves] e o sexto sempre truncado:
------
A troca de cada duas sílabas breves por uma longa torna o verso cada vez
mais pesado, indicando alguma coisa análoga no fato que o poeta narra:
-- -- -- -- --
A tradição insiste que Anchieta escrevia nas areias da praia e decorava o que
escrevera antes de se retirar. Vindo a cheia, ele olhava para as ondas do mar e
lhes dizia meigamente:
E elas paravam.
O padre José de Anchieta, beatificado pelo Papa João Paulo II em 1980, deixou
obras em muitas áreas:
A carta que escreveu em 9 de julho de 1565 ao Padre Diogo Mirão conta que
os portugueses chegaram ao Rio de Janeiro e começaram a cortar árvores em 28
de fevereiro ou primeiro de março.
Foi impressa em Coimbra em 1563 e tem a honra de ser a primeira obra bra-
sileira impressa. A língua é a latina e o verso o hexâmetro.
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A cultura do século XVI privilegia o que era latino e romano. Assim, nenhum
leitor deve ficar consternado por ver que Anchieta encontrou os casos latinos do
nominativo, genitivo e outros também no tupi. Apesar disso, a lição que escreve
sobre essa língua indígena é verdadeira. Era o linguista.
A sua terceira obra – De Beata Virgine Dei Matre Maria [trad. literal: Da Beata
Virgem, Mãe de Deus, Maria] – é feita em hexâmetros, tem a forma de epopeia,
mas é o coração que fala de maneira amorosa, sem a violência de um guerreiro e
com a suavidade de um filho. É um poema lírico com a forma de epopeia.
Devo citar dois brasileiros, ainda que o primeiro tenha nascido em Portugal,
ambos do século XVII, mas já imbuídos de um amor pela nova terra e também
prova nítida do bom ensino que já havia nesse tempo, como nos comprova Gil-
berto de Mello Freyre (1900-1987) em sua obra Casa-Grande e Senzala, de 1933
(FREYRE, 1933, p. 578):
Os pretos e pardos no Brasil não foram apenas companheiros dos meninos brancos nas aulas das
casas-grandes e até nos colégios; houve também meninos brancos que aprenderam a ler com
professores negros. A ler e a escrever e também a contar pelo sistema de tabuada cantada. Artur
Orlando refere que seu professor de primeiras letras, em Pernambuco, foi um preto chamado
Calisto.
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O primeiro é o padre Antônio Vieira (1608-1697), que veio para o Brasil antes
dos sete anos e estudou aqui e aqui se fez padre. Cultista e conceptista, continua
sendo um dos maiores pregadores da nossa literatura. Destacou-se pela defesa dos
índios, o que era comum a todos os jesuítas, o que ele também era desde 1623.
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Contexto sócio-histórico e linguístico do Brasil colonial
Rocha Pita era amigo de Gregório de Matos e admirador da obra dele. Por isso,
um dia lhe pediu uma poesia e ouviu dele um insulto, mas em lugar de sentir-
-se ofendido, achou graça, porque a generosidade do historiador deu ao texto do
poeta o significado literal e não o metafórico que o pedinte desejara e merecia:
Capim.
Dele transcrevo o seguinte soneto, um dos mais apreciados pela beleza esté-
tica e moral, além do que nos pode ensinar sobre a língua da sua época:
O soneto transcrito nos revela que Gregório de Matos era um poeta barroco
na modalidade conceptista, porque os tercetos que finalizam o soneto consti-
tuem um silogismo perfeito:
A ovelha recuperada vos traz muita glória.
Eu sou essa ovelha.
Logo, salvai-me para não perder a vossa glória.
Esse soneto nos deixa compreender que a cultura portuguesa vinha total
para as terras brasileiras nessa época colonial e a língua era ainda inteiramente
a mesma, mas já tinha um aspecto que o Portugal da mesma época começava a
perder: o povo brasileiro ainda trazia a língua mais arcaica, em que as vogais se
mantinham intactas e igualmente demoradas em cada palavra.
Sebastião Rocha Pita não ganhou a rima do poeta, mas o seu amor ao povo,
que historiou, e o seu entusiasmo com a nova terra brasileira, que antecipa o livro
Porque me Ufano de meu País, de Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior (1860-
-1938), poeta desde os 15 anos, advogado, membro fundador da Academia Brasi-
leira de Letras e conde romano em 1905, se é que este não se abeberou daquele.
Os textos que apresentei são poucos, mas um deles nos traz uma pista impor-
tante, porque coloca um pronome átono numa posição que dificilmente teria
aceitação em Portugal. É o do historiador:
Do ponto de vista fônico, a frase portuguesa tem duas palavras de três síla-
bas, enquanto a brasileira apresenta uma palavra de duas sílabas e a outra de
quatro.
Além disso, os índios nos deram palavras de coisas longe da casa, porque
donos da terra tinham nome para o que fosse dela:
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abacaxi, butiá, caju, guará, guaxinim, imbuia, mandioca, peroba, piranha, tatu,
tingui [palavra paranaense: tinguí].
Durante a maior parte desses primeiros dois séculos sentimos a presença dos
africanos, vindos para ficarem dentro da casa dos seus senhores ou perto dela,
na senzala ou no campo, mas foi pequena a contribuição à fala. Ao contrário,
boa quantidade de palavras nos vieram deles, sempre coisas pertinentes à casa
ou aos seus arredores. As palavras de cultura e tradição religiosa também vieram
para a portuguesa.
Deve-se ainda pensar que desde o nosso primeiro século teve um número
pequeno de brasileiros que foram a Portugal para se formarem em Coimbra. O
número aumentou no segundo século. No terceiro passou de um milhar.
Com isso, o assunto dos escritores brasileiros era diverso daquele dos poetas
portugueses, porque a vida e a terra eram outras, mas a língua era basicamente a
mesma, dado que os mais letrados vinham com uma educação superior lusitana.
Outra coisa era a língua falada em que um mundo de coisas nossas já pedia
palavras verdes para ervas, arbustos e árvores e multicores para bichos e aves da
nova terra, além da herança da fala tupi com que o povo falando português se
acostumou nos séculos em que a indígena era majoritária.
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E dois épicos:
Mais velho que Tomás Antônio Gonzaga, Frei José de Santa Rita Durão (1722-
-1774) tem sua epopeia publicada depois da morte: Caramuru (1781). A forte
presença indígena deixa perceber alguma coisa de pré-romântico.
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Texto complementar
O português dos colonos da alta camada social manteve-se, por isso, com
um caráter muito conservador: em 1618, o autor dos diálogos das grandezas
dizia que o Brasil era Academia onde se sabia falar bem e que os jovens de
Lisboa e doutras partes do reino aí vinham para aprender as boas falas [...]
O número de brasileiros que iam formar-se na Universidade de Coimbra au-
mentava de século: 13 no século XVI, 354 no XVII e 1752 no século XVIII.
Houve desde o primeiro século quem se deliciasse com a leitura das maiores
obras de arte portuguesa tais como a Eufrosina e a Diana de Montemor, – houve
um poeta imitador de Camões: Bento Teixeira, autor da Prosopopeia, – houve
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entre outro escritores, a grande figura do padre Antônio Vieira, um dos maiores
prosadores da língua e um dos homens mais cultos da Europa do seu tempo.
2 – a língua comum e a língua escrita literária dos séculos XVI e XVII, cujos
autores foram escolhidos como critério de sintaxe.
É natural, pois, que o português das pessoas cultas do Brasil não vem a
coincidir rigorosamente com o das pessoas de Portugal:
Atividades
1. Que recurso o rei Dom João III usou para apressar a posse das terras brasileiras?
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MATTOS, Geraldo. Fundamentos Históricos da Língua Portuguesa.
Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2012.
Sou o bastante honesto para confessar que nem todos comungam essas
minhas ideias sobre a língua portuguesa do Brasil.
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Descontente ainda por haver uma voz dissonante, de que debocha com
aquela frase entre travessões – como era de se esperar de um gramático – Bagno
(2001, p. 168) continua com um caso dele mesmo:
[...] E no primeiro dia útil do ano 2001, fui ver no cinema o belo filme Capitães de Abril, dirigido e
estrelado pela atriz portuguesa Maria de Medeiros, e para minha grande surpresa – e alegria –
o filme não só era legendado, como também tinha sido traduzido para o português brasileiro:
todos os tu foram devidamente traduzidos por você, as construções imperativas do tipo
“espera-me” foram substituídas por “me espera”, e as expressões idiomáticas portuguesas foram
traduzidas por expressões idiomáticas brasileiras: “Queres que te dê uma boleia?” apareceu na
legenda como “Você quer que eu te dê uma carona?”[...] Agiram muito bem os distribuidores
ao fazer isso, porque, do contrário, o público brasileiro perderia grande parte do conteúdo dos
diálogos do filme, [...].
Primeiro, uma apreciação da linguagem de Bagno, com que ele procura cons-
cientemente seguir as suas ideias de português brasileiro e por isso, adota a sin-
taxe popular para o verbo visar: visam descrever, em lugar da literária visam a
descrever... Tudo bem! É um direito dele, ainda que haja passagens menos per-
doáveis, mas compreensíveis como algumas que cometo eu mesmo aqui, mas
puxando ao contrário.
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vossa mercê > vosssemecê > vosmecê > você > ocê > cê...
C´ é besta, home!
– Professor Geraldo, vosmecê usa tanta vírgula que até parece asmático...
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quer forma, escrevi para Probal Dasgupta (1953), hindu e doutor em Linguística, e
perguntei se efetivamente é uma língua só, recebi por correspondência pessoal
esta resposta, que traduzo abaixo:
Laŭ la lingvistoj, jes, sed kun la rimarkindaĵo, ke la kleraj vortprovizoj estas malsamaj - la eru-
diciaj vortoj en la hindia varianto venas de la sanskrita dum tiuj en la urdua varianto venas de
la persa kaj la araba - kaj ke la hindia varianto uzas la sanskritan skribsistemon dum la urdua
varianto uzas la araban.
Sed laŭ la uzantoj de la lingvoj, ili estas du malsamaj lingvoj, kun hazarde grandega interkom-
preneblo. Probal
Para os linguistas, sim, mas sendo dignos de atenção os diferentes conjuntos de palavras cultas:
as palavras eruditas da variante hindi vêm do sânscrito, enquanto as da variante urdu vêm do
persa e do árabe: a variante hindi usa o sistema de escrita do sânscrito enquanto a variante urdu
usa o do árabe.
Para os usuários das línguas, são duas línguas diferentes por acaso com uma grande intercom-
preensão. Probal
Novamente percebe-se que o hindi e o urdu são uma língua só: se as palavras
cultas os distinguem, segue-se que as comuns são iguais. E se derruba mais um
argumento de Bagno. Acrescento que também a língua portuguesa foi procurar
as suas palavras eruditas na cultura greco-romana.
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Esse deslocamento vai abrir caminho à influência inglesa com a vida desgra-
çada e lendária de George Gordon (1780-1824), Lord Byron, e com o prestígio do
seu estilo e obras num momento posterior do nosso Romantismo, que teve em
Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1830-1851) a sua grande expressão: Lira
dos Vinte Anos, livro de poemas publicado postumamente em 1853. Ao morrer
de tuberculose, falou a seu pai:
O mais sério de todos foi a Guerra dos Farrapos (1835-1845), chamada também
de Revolução Farroupilha, que começou em Porto Alegre com Bento Gonçalves,
coronel de milícias e deputado provincial, que tomou a cidade, reconquistada um
ano depois e obrigando os revoltosos a fugirem para o interior da Província, onde
proclamaram a República de Piratini, com Bento Gonçalves presidente. Aqui, o in-
centivo para a revolução foi político: o desejo de abandonar a monarquia e aceitar
o regime republicano. O Barão de Caxias assume em fins de 1842 a presidência
da Província e o comando das suas forças militares e leva dois anos e meio para
chegar a vitória final. Conta-se que um padre propôs ao Barão de Caxias celebrar
uma missa e se cantasse um te-déum pela vitória alcançada. O vencedor recusou.
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Devemos ainda lembrar-nos dos cinco anos inteiros entre o fim de 1864 e
o começo de 1870 em que se travou a Guerra do Paraguai, em que soldados
negros tiveram uma atuação especial.
Uma literatura mais brasileira na língua e nos assuntos começa com os poetas
e os romancistas do Romantismo.
Pouco depois ocorre o início da poesia com Antônio Gonçalves Dias (1823-
1864) com o primeiro de seus livros: Primeiros Cantos (1846 na capa e 1847 na
edição). Morreu no naufrágio do Ville de Boulogne nas costas brasileiras.
Acusado de não saber português, Gonçalvez Dias não deixou por menos.
Defende-se indiretamente, mas muito diretamente, escrevendo um livro inteiro
à moda dos velhos trovadores e na língua deles: Sextilhas de Frei Antão.
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Ficou muito conhecida a polêmica que travou com Joaquim Nabuco, que ata-
cava na galhofa e se arrependeu mais velho (ALENCAR, 1978, p. 96-97):
O Sr. J. Nabuco não deve falar em estilo, ao menos por algumas semanas, enquanto não
esquece de todo o que escreveu acêrca do Tartufo. Afirmar com autoridade de pedagogo que
Molière é intraduzível na língua portuguêsa, só o podia fazer quem não conhece nosso rico
idioma, e apenas sabe usar dêle um traste para o serviço de sua pessoa.
No Guarani descreve-se a onça no momento do assalto “com o corpo direito e os dentes prestes
a cortar a jugular do índio”. O meu atilado crítico leu, pensou e concluiu que “o tigre devia ter
certo conhecimento de anatomia”.
Talvez haja quem se admire disto; eu, porém, acho tão naturais estas descaídas de um talento
precoce! Só estranho que, dizendo-se ter o tigre acometido o índio, não induzisse o crítico daí
que o animal também era versado em etnologia.
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1
Vergastar: golpear com vergasta; chicotear, chibatar, açoitar (HOUAISS, 2004).
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Para dizer da trágica separação sem falar dela, Machado de Assis distancia
dois elementos oracionais de maneira violenta, bastando comparar o verso em
destaque com a ordem direta e comum do nosso dia-a-dia:
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João Romão fugira até ao canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos.
Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas
que vinha, de casaca, trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito.
Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas.
Língua do século XX
O século XX começa com uma polêmica que teve nesse tempo uma repercus-
são fantástica por envolver dois baianos: o professor Ernesto Carneiro Ribeiro e o
jurista Rui Barbosa. Depois de um primeiro confronto, houve uma Réplica de Rui
Barbosa, com 599 páginas, e uma Tréplica de Carneiro Ribeiro, com 889 páginas,
ambas sobre a redação do projeto do Código Civil da Câmara dos Deputados do
Rio de Janeiro.
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tas, frágil para firmar-se como escola, mas suficiente para lavrar a terra em pre-
paro da eclosão do Modernismo.
Além dessa prosa artística, houve ainda a didática em que se destaca a po-
lêmica entre o jurista Rui Barbosa e professor Ernesto Carneiro Ribeiro sobre a
redação do projeto do Código Civil. Dois livros surgiram desse embate de ideias,
que hoje nos parecem um tempo que se poderia aproveitar melhor: a Réplica de
Rui Barbosa, de 599 páginas, e a Tréplica de Carneiro Ribeiro, de 889 páginas.
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ao direito à pesquisa;
1.º
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2.º
Platão! Por te seguir como eu quisera
De alegria da dor me libertando
Ser puro, igual aos deuses que a Quimera
Andou além da vida arquitetando!
Na minha visão, tivemos com Manuel Bandeira Carneiro de Sousa Filho (1886-
-1968) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) os nossos maiores poetas
do século passado e com José Lins do Rego (1901-1975) e Jorge Amado de Faria
(1912-2001) os nossos maiores romancistas. E tem João Guimarães Rosa (1908-
-1967), que não queria entrar para a Academia Brasileira de Letras por medo de
morrer logo depois. E ele entrou bem. Ora, pois.
Texto complementar
A professora Neide Smolka nos premia com um texto nordestino que nos traz
palavras desconhecidas fora daquele local, mas a língua é a mesma, além de
também outros estados terem palavras só deles.
Nosso idioma
(SMOLKA, 2008)
[...] a história da nossa língua, por várias razões, é bem complexa e origi-
nal. Assim sendo, julgo mais interessante ater-me à problemática do desen-
volvimento da língua portuguesa especificamente no caso brasileiro, o que,
acredito, vai deixar mais claro o porquê, sob o ponto de vista filológico, da
abertura a “empréstimos”, necessários e desnecessários, que aqui existe.
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Aliás, no Brasil, não existem dialetos, mas apenas falares típicos em regi-
ões distintas. A estrutura gramatical é totalmente a mesma. As diferenças
regionais dizem respeito apenas à área da semântica.
“Ele queria ser bandejo. Pensava que o melhor caminho era bancar o mi-
trado porque assim mostraria tenência e, quem sabe, as pessoas vissem nele
borogodó. Mas, o grande problema para atrapalhar seus planos é que ele
estava enfadado. E tinha também muita pissica...”
Vamos traduzir?
“Ele queria ser famoso. Pensava que o melhor caminho era bancar o ladino
porque assim mostraria sabedoria e, quem sabe, as pessoas vissem nele
algum atrativo. Mas, o grande problema para atrapalhar seus planos é que
ele estava em má situação financeira. E tinha também muita falta de sorte...”
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Atividades
1. Que fato extraordinário ocorreu no início do século XIX?
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Referências
_____. Reunião: dez livros de poesia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969.
CORREIA, C. Poesias. 4. ed. Rio de Janeiro: Annuário do Brasil; Lisboa: Seara Nova;
Porto: Renascença Portuguesa, 1922.
_____. Casa-Grande e Senzala. 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. Folha de São Paulo, São Paulo,
1997.
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Referências
_____. Dicionário Júnior da Língua Portuguesa. 3. ed. São Paulo: FTD, 2005.
MOISÉS, Massoud. A Literatura Portuguesa Através dos Textos. 16. ed. São
Paulo: Cultrix, 1987
REBELLO, Manuel Pereira. Vida Dr. Gregório de Mattos Guerra. Disponível em:
<www.arlindo-correia.com/221105.html>. Acesso em: 18 out. 2008.
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SILVA NETO, Serafim da. Manual de Filologia Portuguesa. Rio de Janeiro: Aca-
dêmica, 1957.
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