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Biopoder, Estado de exceção e

Necropolítica
A política de extermínio de corpos negros

Professora Erica Sarzedas


Biopoder e Biopolítica
Michel Foucault
Biopolítica – direito sobre a vida e a morte
Segundo Foucault, existem duas frases que precisam ser analisadas de maneira a nos fazer compreender a
dinâmica do conceito de biopolítica:
Conceito de biopolítica:
1) “Fazer morrer e deixar viver” – Isso é o refelexo do poder do soberano (pensando aí no governo
absolutista defendido por Hobbes naquilo que chamamos de Contartualismo). Sua conduta é ativa quando
ele faz morrer, demonstrando seu poder por meio do medo, do terror e da morte. Quando ele é passivo,
deixa viver
2) “Fazer viver e deixar morrer” – Isso é biopolítica. Cabe ao governante a gestão da vida. O
posicionamento ativo dele é quando ele faz viver (políticas públicas para potencializar a vida, por
exemplo). Já o posicionamento passivo, é o deixar morrer (não promover a saúde, a segurança, seja ela
física ou alimentar)
A vida e a política surgem como temas que se
complementam na sequência do surgimento do
capitalismo industrial. O corpo foi o primeiro objeto que
o capitalismo teve que se apropirar. A partir daí, vemos o
surgimento da medicina social, inclusive. Em seguida,
surgem novas necessidades vindas do neoliberalismo. O
corpo saudável era necessário para o sistema funcionar e
produzir.
Ainda podemos pensar nas endemias do século XVI, que
trouxeram a necessidade de inserir a medicina na gestão
do governo e o fez criar campanhas de higienização e
medicação.
Políticas públicas para a promoção da vida e da saúde
O biopoder é um poder regulamentador. Governo e medicina
precisaram se apropriar de uma racionalidade para potencializar a
vida; saúde para poder controlar indíces de natalidade e mortalidade;
no entanto, o biopoder insere o racismo nos mecanismos de poder e
controle.
Imagine a sociedade como um corpo humano (referência a
Durkheim) e para manter o bem estar desse corpo é necessário
eliminar “os inimigos”. O conceito de raça dividiu a sociedade em
seres superiores e inferiores e colocou os negros no patamar de
inferiores, indesejáveis, inimigos.
Vemos aí uma influência do Positivismo:
As práticas nazistas tinham muito disso no
uso de judeus para experiências médicas
O próprio saber médico definindo
”normalidade”
Disseminação de práticas de higienização
Eliminação de corpos “degenerados”, seja
pela raça ou pela constituição física ou mental
Esterelização compulsória de pretos e pobres
nos EUA (1929 – 1974)
Políticas de guerra
Genocídios
A morte de alguns (vidas indignas), significa a
potencialização da vida de outros, ou seja, a
saúde da população.
Estado de Exceção
Giorgio Agamben
Mecanismos de exceção são adotados por países ou territórios quando há ameaças à soberania:
suspendem-se as prerrogativas constitucionais. Os direitos individuais deixam de existir.
Segundo Agamben, instrumentos do Estado de Exceção são incorporados no cotidiano da
democracia moderna, passando a ser regras e não exceção. Quando o sujeito perde os seus
direitos individuais, o Estado passa a ter plenos poderes sobre sua vida.

Os povos escravizados nunca receberam o status de cidadãos, nunca tiveram direito (a


abolição da escravatura teve data pra começar, mas não tem data pra terminar) e com a mesma
justificativa de que era preciso proteger a sociedade, se instalaram diversas ditaduas.
Não é necessário ir muito longe no tempo e no espaço. O poder atua
diferente no centro e na periferia. Na periferia a polícia tem o poder
legitimado (pelo Estado e pela população em geral) para atuar fora da
constituição, ou seja, é como se aqueles corpos fossem desprovidos de
direito. Alguns corpos, principalmente pretos e pobres, são vistos como
inimigos, ameaças. Assim, a morte e a eliminação desse corpo funciona
como saúde e segurança para os outros corpos.

Favela do Jacarezinho RJ
Maio de 2021
Achille Mbembe
Necropolítica
Para Mbembe, a necropolítica significa uma alteração na forma
com que são exercidas as noções de soberania e poder, que
passam a ser estruturadas a partir do princípio de quem pode
viver e quem pode morrer. Soberania enquanto a capacidade de
definir quem importa e quem não importa, quem é
‘descartável’ e quem não é. Daí sua afirmativa de que
“expressão máxima da soberania reside em grande medida, no
poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve
morrer. Por isso matar ou deixar viver constituem os limites da
soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é
exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a
implantação e manifestação de poder”.
Enquanto Foucault concentra sua teoria do biopoder
na gestão da vida, Mbembe foca suas análises na
gestão da morte, porque alguns corpos são vistos
como matáveis, abjetos e se forem mortos, melhor.
O elemento do racismo é importante para
compreender o poder que atua sobre esses corpos.
Por essa perspectiva, é o racismo que regula a
morte.
Uma das primeiras experiências de
biopolítica foi a escravidão (para
Foucault isso aconteceu somente
após a Revolução Industrial,
lembra?). Assim, podemos
abandonar o holocausto judeu como
paradigma de terror e barbárie. Isso
não significa que tal evento hediondo
não mereça esse espaço. Tudo
começou muito antes, tanto na
colonização quanto na escravidão.
É preciso racializar e descolonizar o discurso, segundo Mbembe. É necessário pensar o
conceito de raça em todos os nossos discursos políticos, já que o terror moderno teve início
na escravidão e precisamos pensar em como se formou a escravidão, a diáspora africana (A
diáspora africana é o nome dado a um fenômeno caracterizado pela imigração forçada de
africanos, durante o tráfico transatlântico de escravizados). Junto com seres humanos, nestes
fluxos forçados, embarcavam nos tumbeiros (navios negreiros) modos de vida, culturas,
práticas religiosas, línguas e formas de organização política que acabaram por influenciar na
construção das sociedades às quais os africanos escravizados tiveram como destino. Estima-
se que durante todo período do tráfico negreiro, aproximadamente 11 milhões de africanos
foram transportados para as Américas, dos quais, em torno de 5 milhões tiveram como
destino o Brasil .
Dessa forma, conseguimos compreender como surgiu o discurso racista, o eurocentrismo e
o logocentrismo dentro de um discurso político. Não existe política sem se estabelecer
mecanismos de dominação.
Enquanto houver racismo não teremos democracia. Há quem defenda que não vivemos numa
democracia real, justamente por estarmos imersos desde sempre numa sociedade que a todo momento
vive a luta dos que não reconhecem o racismo estrutural e aqueles que lutam para que sua história, sua
ancestralidade e suas vidas não sejam apagadas.

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