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Argumentação

Uma prática social


“Saber argumentar não é um luxo, mas uma necessidade. Não
saber argumentar não seria, aliás, uma das grandes causas
recorrentes da desigualdade cultural, que se sobrepõe às
tradicionais desigualdades sociais e econômicas, reforçando-as?
Não saber tomar a palavra para convencer não seria, no final das
contas, uma das grandes causas da exclusão? Uma sociedade que
não propõe a todos os seus membros os meios para serem cidadãos,
isto é, para terem uma verdadeira competência ao tomar a palavra,
seria verdadeiramente democrática?”

(Philippe Breton)
Argumentação, cidadania e participação social

“Conforme afirma Philippe Breton, na epígrafe apresentada, argumentar não é um luxo, mas ainda hoje, no
Brasil, poucos têm o domínio da leitura e da escrita de textos argumentativos, o que pode impactar,
consequentemente, na vivência da cidadania plena, da participação social e da vida democrática. Assim,
para se tornar eficaz, a formação para a cidadania deve ser assumida de forma sistematizada.
Geralmente, quem toma a palavra não quer apenas comunicar alguma coisa, quer persuadir o outro. Quer
convencê-lo de que está certo, quer interferir imediatamente na ação do outro, modificando-a. Muitas
vezes, pretende vender uma imagem, uma ideia, ou, até mesmo, um estilo de vida. Para tanto, basta uma
boa fórmula de “venda”, que quase sempre se resume na utilização de uma argumentação convincente e de
uma linguagem competente dirigida a um interlocutor adequado.
Somos bombardeados pelo discurso persuasivo nos diferentes espaços sociais: na política, na economia, na
religião, nas redes sociais e na mídia em geral. Os textos que circulam socialmente vêm carregados de
ideologia: não há apenas o desejo de convencer o leitor, o consumidor ou o cidadão de que um produto ou
uma ideia são bons, mas a intenção é de agir de tal forma que os faça consumir produtos ou ideias. Nesse
sentido, o ensino da língua deve se voltar para a formação de um sujeito capaz de posicionar-se
criticamente em relação ao mundo e constituir-se cidadão crítico, capaz de desvelar valores axiológicos
que carregam os discursos que circulam na sociedade.”
Ivoneide Bezerra de Araújo Santos Marques
O que é argumentar
“Charaudeau (2008) nos ensina que argumentar é a atividade discursiva de influenciar o
nosso interlocutor por meio de argumentos. A constituição desses argumentos demanda
apresentação e organização de ideias, bem como estruturação do raciocínio que será
orientado em defesa da tese ou ponto de vista.”

“Argumentação, portanto é o resultado textual de uma organização entre diferentes


componentes, que exige do sujeito que argumenta construir, de um ponto de vista racional,
uma explicação recorrendo a experiências individuais e sociais, num quadro espacial e
temporal de uma situação com finalidade persuasiva.”

(VILLAÇA KOCH E MARIA, p. 24, 2020)


Veja o exemplo
Progressão textual e argumentação

“Na leitura de um texto, acompanhamos o raciocínio do autor, identificamos os seus


argumentos, ativamos vários conhecimentos, preenchemos as lacunas, e construímos
um sentido. E tudo isso acontece porque o autor, pensando no objetivo e no leitor
de seu texto, elege um tema ou assunto e o desenvolve, observando um equilíbrio
variável entre duas exigências fundamentais: repetição (retroação) e progressão. Ou
seja, o autor remete a algo que já está presente na memória do leitor e, considerando
essa base, vai acrescentando informações novas subsequentes.

É disso que trataremos neste capítulo: de como o autor pode garantir os


movimentos de repetição (continuidade ou retroação) e progressão no texto, a fim
de que seu projeto de dizer se concretize de forma coerente e imprima a orientação
argumentativa desejada. Esse propósito requer o uso de várias estratégias, como
discutiremos na seção a seguir.”

(VILLAÇA, MARIA, p.85, 2020)


Estratégias de construção e retomada de referentes

“Na produção de um texto, elegemos inicialmente um assunto ou referente (aquilo


de que se vai tratar), ao qual se vão acrescentando as informações desejadas.
Quando há necessidade de retomar mais adiante o mesmo tema, produz-se o
movimento de retroação (remissão). À criação de um tema ou sua retomada, dá-se
o nome de referenciação.”
(VILLAÇA, MARIA, p.86, 2020)
Disso tudo podemos concluir:

1- o referente é construído no texto (sim, porque nós o instituímos como


tema/assunto e o fazemos de determinada forma entre tantas outras possíveis);

2- a introdução do referente geralmente ocorre por meio de uma expressão


nominal;

3- o referente, uma vez introduzido no texto, se mantém momentaneamente em


cena porque a introdução pressupõe a retomada e esses dois movimentos andam
juntos: não faz sentido introduzir um objeto sem falar nada sobre ele nem deixá-lo
um tempo saliente em nossa memória;

4- a retomada do referente pode acontecer de diferentes formas (por pronome,


elipse, formas nominais);
Além de expressões nominais, a retomada
do referente também ocorre por meio de:
No estudo que faremos a seguir
chamaremos atenção para as formas
nominais referenciais, pois elas assumem
múltiplas funções como focalizaremos nos
tópicos a seguir.
1- Categorizar e recategorizar o referente

“O referente se constrói no nosso dizer, no modo como constituímos esse dizer, de


acordo com o nosso objetivo, a nossa intenção, os nossos leitores/ ouvintes, a
situação em que nos encontramos envolvidos. Por isso, não são poucas as vezes em
que, em nossas interações do dia a dia, nos pegamos pensando na melhor forma de
fazer referência a um acontecimento, uma atitude ou ação, uma fala nossa ou de
alguém, a um sentimento ou emoção, a objetos existentes no mundo. Na esfera
cotidiana ou em qualquer esfera da atuação humana isso acontece.”

(VILLAÇA, MARIA, p. 89, 2020)


“Essas formas nominais, quando retomam o referente,
geralmente promovem uma transformação nele, isto é,
recategorizam-no (...) quando o referente “o curso on-
line de idiomas Duolingo” foi retomado e
transformado/recategorizado pela forma nominal
descritiva “A plataforma gratuita de ensino de idiomas,
com 5 milhões de usuários.”

(VILLAÇA, MARIA, p. 91, 2020)


2- Apresentar e reapresentar o referente à medida que o texto avança

“Nesse movimento de introdução e retomada de referentes, as formas


nominais vão orientando argumentativamente o leitor para uma dada
conclusão. Então, não é difícil constatar como o emprego de expressões
nominais na retomada de referentes opera a “transformação” desses
objetos, isto é, de que forma tais objetos ao longo do texto, vão sendo (re)
construídos de determinada maneira, atendendo aos propósitos
comunicativos de quem fala/escreve.”
(VILLAÇA, MARIA, p. 91, 2020)
3- Resumir ou encapsular porções textuais dando-lhes um rótulo

“Fato bastante comum, em se tratando de remissão textual, é o uso de uma


forma nominal para resumir porções textuais e transformar essa porção em
um referente. O referente que resulta desse encapsulamento é
denominado rótulo, de acordo com os estudos de Francis (1994).”
(VILLAÇA, MARIA, p. 92, 2020)
4- Marcar o parágrafo (cognitivamente falando)

“Também as expressões nominais referenciais podem funcionar como um


importante recurso para a marcação do parágrafo do ponto de vista
cognitivo. Nesse caso, contribuem para a organização do texto e chamam
a atenção do leitor para o assunto que é desenvolvido no parágrafo,
indicando se se trata de um referente novo ou que já foi apresentado e
está sendo retomado; ou se o referente é resultado do encapsulamento de
um segmento textual e, nesse caso, se apresenta sob a forma de um
rótulo.”
(VILLAÇA, MARIA, p. 95, 2020)
5- Orientar argumentativamente num dado sentido

“Como resultam de uma escolha que fazemos em razão do nosso projeto


de dizer, as formas nominais referenciais assinalam uma dada orientação
argumentativa como já comentamos.”
(VILLAÇA, MARIA, p. 98, 2020)
“Por essa razão, essas formas referenciais encerram, na absoluta maioria dos
casos, valor persuasivo, isto é, têm o poder de orientar o interlocutor no sentido
de determinadas conclusões. Vemos, portanto, que a referenciação por meio de
formas nominais é um dos mais importantes recursos argumentativos que a
língua nos oferece.”

(VILLAÇA, MARIA, p.100, 2020)


Referências bibliográficas:

VILLAÇA, MARIA. Escrever e Argumentar. 2020. ed. 1. SP. Editora Contexto.

BEZERRA. Argumentação, cidadania e participação social: O gênero discursivo


Artigo de opinião na Olimpíada.

Disponível em: https://www.escrevendoofuturo.org.br/conteudo/biblioteca/nossas-


publicacoes/revista/artigos/artigo/2745/argumentacao-cidadania-e-participacao-
social-o-genero-discursivo-artigo-de-opiniao-na-olimpiada

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