Você está na página 1de 32

O auto da

compadecida
ARIANO SUASSUNA
O Gênero Dramático (ou Teatral)
faz parte de um dos três gêneros
CARACTERÍSTICAS literários, ao lado do gênero lírico e
DO GÊNERO épico.
No entanto, o gênero dramático,
como o próprio nome indica, são os
textos literários feitos com o intuito
de serem encenados ou
dramatizados. Do grego, a palavra
“drama” significa “ação”.
Origem
Desde a Antiguidade o gênero dramático,
originário na Grécia, eram textos teatrais
encenados essencialmente como culto aos
deuses, os quais eram representados nas
festas religiosas.
Entre os principais autores do gênero dramático
(tragédia e comédia) na Grécia antiga
estão: Sófocles (496-406
a.C.), Eurípedes (480-406 a.C.)
e Ésquilo (524-456 a.C.).
A encenação dos textos de gênero dramático
tinha o objetivo de despertar emoções na
plateia, fenômeno chamado de "catarse".
Principais
Características:

Encenação cênica
(linguagem gestual e
sonoplastia)
Presença de diálogos e
monólogos
Predomínio do discurso
em segunda pessoa (tu,
vós)
Estrutura Dramática

Os autores desse tipo de texto são chamados de dramaturgos, que junto aos atores (que encenam o
texto), são os emissores, e por sua vez, os receptores são o público.
Assim, os textos dramáticos, além de serem constituídos de personagens (protagonistas, secundárias
ou figurantes), são compostos pelo espaço cênico (palco teatral e cenários) e o tempo.

Geralmente, os textos destinados ao teatro possuem uma estrutura interna básica:


Apresentação: faz-se a exposição tanto dos personagens quanto da ação a ser desenvolvida.
Conflito: o momento em que surge as peripécias da ação dramática.
Desenlace: Momento de conclusão, encerramento ou desfecho da ação dramática.
Além da estrutura interna inerente ao texto dramático, tem-se a estrutura externa do gênero dramático,
como os atos e cenas, de forma que o primeiro corresponde à mudança dos cenários necessários para
a representação, enquanto o segundo, designa as mudanças (entrada ou saída) dos personagens.
Observe que cada cena corresponde a uma unidade da ação dramática.
Auto (do latim actu = ação, ato) é uma
composição teatral do subgênero da literatura
dramática, surgida na Idade Média, na
Espanha, por volta do século XII. De
linguagem simples e extensão curta
(normalmente, compõe-se de um único ato),
os autos, em sua maioria, têm elementos
cômicos ou intenção moralizadora.
Inicialmente, os autos eram encenados em templos religiosos,
depois nas portas de entrada das igrejas e pátios.
Posteriormente, as apresentações passaram a acontecer em
feiras, mercados e praças públicas, quando se torna um gênero
dramático de feição popular. Foi nessa época também que, ao
sair das igrejas, os autos passaram também a tratar de assuntos
profanos. Não que havia autos religiosos e autos profanos,
separadamente. O que ocorria era a coexistência dos dois
elementos dentro da mesma peça.
“O auto da Compadecida” – Análise da obra de Ariano
Suassuna

• A peça retoma elementos do teatro


popular, contidos nos autos
medievais, e da literatura de cordel
para exaltar os humildes e satirizar
os poderosos e os religiosos que se
preocupam apenas com questões
materiais.
•O enredo da peça é um trabalho de
montagem e moldagem baseado em
uma tradição antiquíssima, que
Atmosfera circense remonta aos autos medievais de Gil
Vicente e mais diretamente a
A peça “Auto da Compadecida”, inúmeros autores populares que se
escrita por Ariano Suassuna em 1955,
obteve grande destaque ao ser dedicaram ao gênero do cordel.
encenada no Rio de Janeiro, em Nesse tipo de literatura, os criadores
1957, por ocasião do 1º Festival de contam e recontam as mesmas
Amadores Nacionais. O Brasil
descobria ali um novo tipo de teatro, histórias e acrescentam o seu toque
calcado na tradição popular. pessoal. Reconhecer esse “toque
pessoal” de cada trabalho artesanal,
contudo, exige do observador grande
atenção aos detalhes.
A peça tem um pequeno texto introdutório que visa a orientar a
encenação e explica-la, em linhas gerais, o espírito da obra: “O Auto
da Compadecida foi escrito com base em romances e histórias
populares do Nordeste. Sua encenação deve seguir, portanto, uma
linha de simplicidade, dentro do espírito em que foi concebido e
realizado (…)”.

Um pouco adiante, o autor sugere ainda que na primeira cena se utilize o palco como um
“picadeiro de circo”. De fato, nessa cena, todos os personagens (com exceção de Manuel, o
Jesus, representado por um ator negro, que fica escondido para preservar o efeito de surpresa)
apresentam-se ao público fazendo mesuras e são anunciados em voz alta pelo Palhaço, numa
atmosfera circense.
A primeira fala da peça cabe ao Palhaço, e a
orientação do autor é que seja realizada em
“grande voz”: “Auto da Compadecida! O
julgamento de alguns canalhas, entre os quais
um sacristão, um padre e um bispo (…)”.
Após um “toque de clarim”, o assunto da peça é
anunciado pelo Palhaço: “A intervenção de
Nossa Senhora no momento propício, para
triunfo da misericórdia. Auto da Compadecida!”
Todos esses elementos antecipam partes da
narrativa: desde a apresentação prévia dos
personagens até o anúncio de que será realizado um
julgamento e que nele Nossa Senhora intervirá de
forma a salvar os condenados.
O espectador pode se perguntar: para que antecipar
o que vai acontecer e estragar a surpresa? O fato é
que, nesse tipo de tradição, o que importa não é um
final inesperado. O que deve ser apreciado é o
“como se fez”, ou seja, a habilidade do autor ao
trabalhar o material conhecido de todos.
“Auto da Compadecida” é um auto (peça de apenas um ato) que
consubstancia a tradição do teatro medieval português ao contexto
social e histórico do nordeste brasileiro. O argumento da peça gira em
torno das aventuras de João Grilo, um tipo pitoresco que protagoniza os
acontecimentos de forma absolutamente imaginosa, e seu companheiro
Chicó. Ambos se envolvem no caso do cachorro da mulher do padeiro,
comprometendo um número considerável de personagens que, em meio
às confusões armadas pelas mentiras de João Grilo, vão se enredando
numa trama que culmina com o julgamento de algumas delas diante de
Jesus, da Virgem Maria e do Diabo.
Dentre as personagens que atuam
nessa trama, estão o Padeiro e sua
mulher, o Padre, o Sacristão, o
Bispo, o cangaceiro Severino, o
Major Antônio Morais. Ao longo da
peça, o autor fixa certas linhas de
força que caracterizam bem o teatro
brasileiro, especialmente o
nordestino. Uma dessas linhas de
força é a carga religiosa,
especificamente o catolicismo, que
se articula na lógica interna da
peça, por meio do binômio “bem e
mal”.
Trata-se, na verdade, de um desdobramento
da forte cultura religiosa do nordestino, que
se apega a Deus e teme as influências do
mal. Essa intervenção do elemento religioso
deriva também da tradição do teatro
medieval (ou mesmo vicentino), já que
durante a Idade Média as manifestações
artísticas estiveram sempre vinculadas à
Igreja.
Gil Vicente

Considerado por muitos


críticos como o fundador do
teatro português, o escritor
faz um retrato de Portugal
na passagem da Idade
Média para o Renascimento
Sua obra é permeada por
elementos populares e
sátiras que criticam diversos
tipos sociais, principalmente,
o clero (e seus casos de
amor proibido), os beatos
fervorosos, os membros das
classes mais altas que
atendiam às missas
unicamente para cumprir um
requisito social e a baixa
nobreza. Vicente, no
entanto, defende aqueles
que seguem trabalhando
honesta e arduamente na
terra.
Seu auto mais popular são
INTERTEXTUALDADE: o Auto da Barca do
CONVERSANDO COM Inferno 
OUTRAS OBRAS

O enredo gira em torno de diversos


personagens que são almas a ser
conduzidas ou para a barca do Inferno
- conduzida pelo Diabo - ou para a
barca da Glória - conduzida por um
anjo. Os personagens julgados são:
Anrique (um fidalgo), um agiota,
Joanantão (um sapateiro), Joane (um
tolo), Frei Babriel e Florença (sua
“dama”), Brísida Vaz (uma prostituta),
Semifará (um judeu), dois
representantes do judiciário (um
corregedor e um procurador), um
enforcado e quatro cavaleiros que
lutaram nas cruzadas.
Ao resgatar essa tradição teatral medieval,
Ariano Suassuna realiza uma leitura da moral
católica muito ajustada aos tipos que cometem
gestos transgressores. Outra linha de força de
“Auto da Compadecida”, é a presença do anti-
herói, uma espécie de personagem folclórica
que vive ao sabor do acaso e das aventuras.
João Grilo é esse típico anti-herói, que se
envolve com as mais diversas personagens e
se compromete com as próprias mentiras. No
entanto, é através dele que o autor propõe um
exame dos valores sociais e da moral
estabelecida. Em outras palavras, Suassuna
pretende refletir sobre a fragilidade e a
suscetibilidade de nossas convicções.
INTERTEXTUALDADE:
CONVERSANDO COM OUTRAS
OBRAS

A Literatura de Cordel é uma


manifestação literária
tradicional da cultura popular
brasileira, mais precisamente
do interior nordestino.
O elemento religioso, a fixação da
cultura popular, a presença do anti-herói
e a linguagem simples bem articulada
nas falas das personagens, são
elementos que merecem um olhar
atento, pois sua combinação constitui a
arquitetura e a lógica do “Auto da
Compadecida”. Vale lembrar também
que Ariano Suassuna traz à tona
reflexões de ordem moral por meio das
quais problematiza as fraquezas
humanas, relativizando valores e
convicções. Não se pode ignorar a linha
marcante do humor que percorre toda a
estrutura da peça, “caricaturizando” não
apenas as personagens, mas também
as circunstâncias em que elas se
envolvem.
Os personagens de Auto da Compadecida são alegóricos,
ou seja, não representam indivíduos, mas tipos que devem
ser compreendidos de acordo com a posição estrutural que
ocupam. A criação desses personagens possibilita que se
enxergue a sociedade de uma cidadezinha do Nordeste. É
por isso que a peça pode ser chamada sátira social, pois
procura reformar os costumes, moralizar e salvar as
instituições de sua vulgarização.
PALHAÇO - é o anunciador da peça ( o corifeu) e
também o grande comentador das situações. Suas
falas apresentam muitas vezes um discurso mais
direto, que dá a impressão de vir do autor. Na
verdade, o Palhaço exerce função metalinguística no
espetáculo, ao refletir sobre o próprio mecanismo
mágico de produção da imitação e ao suprimir a
distância entre realidade e representação. Representa
o corifeu.

JOÃO GRILO - protagonista, personagem pobre e


franzino, que usa de sua infinita astúcia para garantir a
sobrevivência. Já foi comparado a Macunaíma, o herói
sem caráter. Tal comparação, no entanto, revela-se
inadequada, já que João Grilo, ao contrário do
personagem criado por Mário de Andrade, trabalha de
forma dura, ajuda seu grande amigo Chicó e tem
como justificativa de suas traquinagens ser assolado
por uma pobreza absoluta.
CHICÓ - é o contador de causos, o mentiroso
ingênuo que cria histórias apenas para satisfazer
um desejo inventivo. Chicó se aproxima do
narrador popular, e suas histórias revelam muito
do prazer narrativo desinteressado da cultura
popular. Chicó e João Grilo são como a dupla de
palhaços entre os quais a esperteza é mal
repartida um sempre a tem de mais e o outro, de
menos.

PADRE JOÃO - mau sacerdote local, preocupado


apenas em angariar fundos para sua
aposentadoria.
SACRISTÃO - outro exemplo de mau religioso.

BISPO - juntamente com o padre João e o


sacristão, ajudará a compor o quadro de
representação da Igreja corrompida.
ANTÔNIO MORAES - típico senhor de terras, truculento e poderoso, que se impõe
pelo medo, pelo dinheiro e pela força.

PADEIRO - representante da burguesia interessada apenas em acumular capital,


explora seus empregados e tem acordos com as autoridades da Igreja.

MULHER DO PADEIRO - esposa infiel e devassa, tem amor genuíno apenas por
seus animais de estimação.
FRADE - bom sacerdote, serve, no enredo da peça, para salvaguardar
a instituição Igreja das críticas do autor.

SEVERINO DO ARACAJU - cangaceiro violento e ignorante.

CANGACEIRO - ajudante de Severino, seu papel é apenas puxar o


gatilho e executar outros personagens.

DEMÔNIO - ajudante do Diabo, parece disposto a condenar todos os


personagens mortos no final do segundo ato.

O ENCOURADO (O DIABO) - segundo uma crença nordestina, o diabo


utiliza roupas de couro e veste-se como um boiadeiro. Funciona como
uma espécie de antagonista de João Grilo; como ele, também é astuto,
mas acaba sendo derrotado pelo herói.
MANUEL (NOSSO SENHOR JESUS CRISTO) -
personagem que simboliza o bem, porém um bem
marcado pela justiça. É representado por um ator negro,
a fim de que isso produza um efeito de estranhamento no
público.

A COMPADECIDA (NOSSA SENHORA) - heroína da


peça, funciona como uma advogada de João Grilo e de
seus conterrâneos, derrotando com seus argumentos
cheios de misericórdia os planos do Encourado de levar
todos ao inferno.
A peça trata, de maneira leve e com humor, do drama vivido pelo povo
nordestino: acuado pela seca, atormentado pelo medo da fome e em
constante luta contra a miséria. Traça o perfil dos sertanejos
nordestinos que estão submetidos à opressão e subjugados por
famílias de poderosos coronéis donos de terra. Nesse contexto, o
personagem de João representa o povo oprimido que tenta sobreviver
no sertão, utilizando a única arma do pobre: a inteligência. 
Fica evidente o cunho de sátira moralizante da peça, por meio das
características de seus personagens. O padeiro e a mulher são avarentos,
deixando passar necessidade o empregado enquanto cuidam bem do
cachorro. O padre e o bispo, gananciosos, utilizam da autoridade religiosa para
enriquecerem. Todos estes são condenados ao purgatório com a interseção de
Nossa Senhora. Já Severino e o cangaceiro, apesar de todos os crimes
cometidos em vida, são poupados por serem considerados vítimas naquela
situação: a seca, a fome e toda a difícil realidade os obrigaram a levar este tipo
de vida.
Ariano Suassuna
Ariano Suassuna (1927- 2014) foi um escritor brasileiro. "O Auto da Compadecida", sua obra-
prima, foi adaptada para a televisão e para o cinema. Sua obra reúne, além da capacidade
imaginativa, seus conhecimentos sobre o folclore nordestino.
Foi poeta, romancista, ensaísta, dramaturgo, professor e advogado. Em 1989, foi eleito para a
cadeira n.º 32 da Academia Brasileira de Letras. Em 1993, foi eleito para a cadeira n.º 18 da
Academia Pernambucana de Letra e em 2000, ocupou a cadeira n.º 35 da Academia Paraibana de
Letras.

Infância e Formação
Ariano Vilar Suassuna nasceu no Palácio da Redenção, na cidade de Nossa Senhora das Neves,
hoje João Pessoa, capital da Paraíba, em 16 de junho de 1927.
Filho de João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna, na época, governador da Paraíba, e de
Rita de Cássia Dantas Villar foi o oitavo dos nove filhos do casal. Passou os primeiros anos de sua
infância na fazenda Acahuan, no município de Sousa, no sertão do Estado.
Durante a Revolução de 1930, seu pai, ex-governador da Paraíba e então deputado federal, foi
assassinado por motivos políticos, no Rio de Janeiro. Em 1933, a família muda-se para Taperoá,
no sertão da Paraíba, onde Ariano iniciou seus estudos primários. Teve os primeiros contatos com
a cultura regional assistindo as apresentações de mamulengos e os desafios de viola.

Em 1938, a família muda-se para a cidade do Recife, Pernambuco, onde Ariano entra para o
Colégio Americano Batista, em regime de internato. Em 1943 ingressa no Ginásio Pernambucano,
importante colégio do Recife. Sua estreia na literatura se deu nas páginas do Jornal do Comércio,
em 1945, com o poema “Noturno”.

Em 1946 ingressou na Faculdade de Direito do Recife, onde fundou o Teatro do Estudante de


Pernambuco, junto com Hermilo Borba Filho, entre outros. Em 1947, escreve sua primeira
peça Uma Mulher Vestida de Sol. No ano seguinte escreve Cantam as Harpas de Sião. Em 1950,
conclui o curso de Direito. Dedicou-se à advocacia e ao teatro.
Movimento Armorial
Em 1970, Ariano Suassuna cria e dirige o
Movimento Armorial, com o objetivo de realizar
uma arte brasileira erudita a partir das raízes
populares. Mais do que um movimento, o armorial
buscava ser um preceito estético, que partia das
ideias de que é preciso criar a partir de elementos
realmente originais da cultura popular do país,
como os folhetos de cordel, os cantadores, as
festas populares, entre outros aspectos.
LIVRO DIDÁTICO
PÁGINAS 84 À 95

Você também pode gostar