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O Inconsciente

Freud, Ob. Comp., vol XIV.


O Inconsciente
• o atributo de ser inconsciente é apenas um
dos aspectos do elemento psíquico, de modo
algum bastando para caracterizá-lo. Há atos
psíquicos de valor muito variável que, no
entanto, concordam em possuir a
característica de ser inconsciente.
O Inconsciente
• O inconsciente abrange, por um lado, atos
que são meramente latentes,
temporariamente inconscientes, mas que em
nenhum outro aspecto diferem dos atos
conscientes, e, por outro lado, abrange
processos tais como os reprimidos, que, caso
se tornassem conscientes, estariam propensos
a sobressair num contraste mais grosseiro
com o restante dos processos conscientes.
O Inconsciente
• Talvez nos possamos valer da proposta para
empregar, pelo menos por escrito, a
abreviação Cs. para consciência e Ics., para o
que é inconsciente, quando estivermos
usando as duas palavras em seu sentido
sistemático.
O Inconsciente
• Passando agora para um relato das
descobertas positivas da psicanálise, podemos
dizer que, em geral, um ato psíquico passa por
duas fases quanto a seu estado, entre as quais
se interpõe uma espécie de teste (censura).
O Inconsciente
• Na primeira fase, o ato psíquico é inconsciente
e pertence ao sistema Ics; se, no teste, for
rejeitado pela censura, não terá permissão
para passar à segunda fase; diz-se então que
foi ‘reprimido’, devendo permanecer
inconsciente. Se, porém, passar por esse
teste, entrará na segunda fase e,
subseqüentemente, pertencerá ao segundo
sistema, que chamaremos de sistema Cs.
O Inconsciente
• as o fato de pertencer a esse sistema ainda
não determina de modo inequívoco sua
relação com a consciência. Ainda não é
consciente, embora, certamente, seja capaz
de se tornar consciente,isto é, pode agora, sob
certas condições, tornar-se um objeto da
consciência sem qualquer resistência especial.
O Inconsciente
• Em vista dessa capacidade de se tornar
consciente, também denominamos o sistema
Cs. de ‘pré-consciente’. Se ocorrer que uma
certa censura também desempenhe um papel
em determinar se o pré-consciente se torna
consciente, procederemos a uma
discriminação mais acentuada entre os
sistemas Pcs. e Cs.
O Inconsciente
• Por ora contentemo-nos em ter em mente
que o sistema Pcs. participa das características
do sistema Cs., e que a censura rigorosa
exerce sua função no ponto de transição do
Ics. para o Pcs. (ou Cs.).
O Inconsciente
• Até o momento, tem diferido daquela
psicologia devido principalmente a seu
conceito dinâmico dos processos mentais;
agora, além disso, parece levar em conta
também a topografia psíquica, e indicar, em
relação a determinado ato mental, dentro de
que sistema ou entre que sistemas ela se
verifica.
O Inconsciente
• Se vamos considerar seriamente a topografia
dos atos mentais, devemos dirigir nosso
interesse para uma dúvida que surge nesse
ponto.
O Inconsciente
• Quando um ato psíquico (limitemo-nos aqui a
um ato que seja da natureza de uma idéia) é
transposto do sistema Ics. para o sistema Cs.
(ou Pcs.), devemos nós supor que essa
transição acarreta um registro novo — por
assim dizer, um segundo registro — da idéia
em questão, que, assim, pode também ser
situada numa nova localidade psíquica
O Inconsciente
• à qual o registro inconsciente original
continua a existir? Ou, antes, devemos
acreditar que a transposição consiste numa
mudança no estado da idéia, mudança que
envolve o mesmo material e ocorre na mesma
localidade?
O Inconsciente
• Dissemos que há idéias conscientes e
inconscientes; contudo, haverá também
impulsos instintuais, emoções e sentimentos
inconscientes, ou, nesse caso, não terá
sentido formar combinações desse tipo?
O Inconsciente
• De fato, sou de opinião que a antítese entre
consciente e inconsciente não se aplica aos
instintos. Um instinto nunca pode tornar-se
objeto da consciência — só a idéia que o
representa pode. Além disso, mesmo no
inconsciente, um instinto não pode ser
representado de outra forma a não ser por
uma idéia.
O Inconsciente
• Se o instinto não se prendeu a uma idéia ou não se
manifestou como um estado afetivo, nada
poderemos conhecer sobre ele. Não obstante,
quando falamos de um impulso instintual
inconsciente ou de um impulso instintual
reprimido, a imprecisão da fraseologia é inofensiva.
Podemos apenas referir-nos a um impulso
instintual cuja representação ideacional é
inconsciente, pois nada mais entra em
consideração.
O Inconsciente
• Devemos esperar que a resposta à questão
dos sentimentos, emoções e afetos
inconscientes seja dada com igual facilidade.
Por certo, faz parte da natureza de uma
emoção que estejamos cônscios dela, isto é,
que ela se torne conhecida pela consciência.
Assim, a possibilidade do atributo da
inconsciência seria completamente excluída
no tocante às emoções, sentimentos e afetos.
O Inconsciente
• Chegamos à conclusão de que a repressão
constitui essencialmente um processo que
afeta as idéias na fronteira entre os sistemas
Ics. e Pcs. (Cs.). Podemos fazer agora uma
nova tentativa de descrever o processo com
maiores detalhes.
O Inconsciente
• Deve tratar-se de uma retirada da catexia;
mas a questão é: em que sistema ocorre a
retirada e a que sistema pertence a catexia
retirada? A idéia reprimida permanece capaz
de agir no Ics., e deve, portanto, ter
conservado sua catexia. O que foi retirado
deve ter sido outra coisa.
O Inconsciente
• Tomemos o caso da repressão propriamente
dita (‘pressão posterior’), quando afeta uma
idéia pré-consciente ou mesmo consciente.
Aqui, a repressão só pode consistir em retirar
da idéia da catexia (pré)-consciente que
pertence ao sistema Pcs.
O Inconsciente
• A idéia, portanto, ou permanece não
catexizada, ou recebe a catexia do Ics., ou
retém a catexia do Ics. que já possuía. Assim,
há uma retirada da catexia pré-consciente,
uma retenção de catexia inconsciente, ou uma
substituição da catexia pré-inconsciente por
uma inconsciente.
O Inconsciente
• Notemos, além disso, que baseamos essas
reflexões (por assim dizer, intencionalmente)
na suposição de que a transição do sistema
Ics. para o sistema seguinte não se processa
pela efetuação de um novo registro, mas por
uma modificação em seu estado, uma
alteração em sua catexia. Aqui, a hipótese
funcional anulou facilmente a topográfica.
O Inconsciente
• Veremos em detalhe o processo de
recalcamento em outra apresentação de
sides.
O Inconsciente
• A distinção que estabelecemos entre os dois
sistemas psíquicos ganha novo significado
quando observamos que os processos em um
dos sistemas, o Ics., apresentam
características que não tornamos a encontrar
no sistema imediatamente acima dele.
O Inconsciente
• a) O núcleo do Ics. consiste em representantes
instintuais que procuram descarregar sua
catexia; isto é, consiste em impulsos
carregados de desejo. Esses impulsos
instintuais são coordenados entre si, existem
lado a lado sem se influenciarem
mutuamente, e estão isentos de contradição
mútua.
O Inconsciente
• b) Quando dois impulsos carregados de
desejo, cujas finalidades são aparentemente
incompatíveis, se tornam simultaneamente
ativos, um dos impulsos não reduz ou cancela
o outro, mas os dois se combinam para formar
uma finalidade intermediária, um meio-termo.
O Inconsciente
• c) Não há nesse sistema lugar para negação,
dúvida ou quaisquer graus de certeza: tudo
isso só é introduzido pelo trabalho da censura
entre o Ics. e o Pcs. A negação é um
substituto, em grau mais elevado, da
repressão.
O Inconsciente
• No Ics. só existem conteúdos catexizados com
maior ou menor força.
• As intensidades catexiais [no Ics.] são muito
mais móveis. Pelo processo de deslocamento
uma idéia pode ceder a outra toda a sua
quota de catexia; pelo processo de
condensação pode apropriar-se de toda a
catexia de várias outras idéias.
O Inconsciente
• Propus que esses dois processos fossem
considerados como marcos distintivos do
assim denominado processo psíquico
primário. No sistema Pcs. o processo
secundário é dominante. Quando se permite
que um processo primário siga seu curso em
conexão com elementos que pertencem ao
sistema Pcs., ele parece ‘cômico’ e provoca o
riso.
O Inconsciente
• d) Os processos do sistema Ics. são
intemporais; isto é, não são ordenados
temporalmente, não se alteram com a
passagem do tempo; não têm absolutamente
qualquer referência ao tempo. A referência ao
tempo vincula-se, mais uma vez, ao trabalho
do sistema Cs.
O Inconsciente
• e) Do mesmo modo os processos Ics.
dispensam pouca atenção à realidade. Estão
sujeitos ao princípio do prazer; seu destino
depende apenas do grau de sua força e do
atendimento às exigências da regulação
prazer-desprazer.
O Inconsciente
• Resumindo: a isenção de contradição mútua,
o processo primário (mobilidade das catexias),
a intemporalidade e a substituição da
realidade externa pela psíquica — tais são as
características que podemos esperar
encontrar nos processos pertencentes ao
sistema Ics.
O Inconsciente
• Só poderíamos apreciar a importância total
das características do sistema Ics. acima
descritas contrastando-as e comparando-as
com as do sistema Pcs. Mas isso nos levaria
para tão longe, que proponho que paremos
mais uma vez e só empreendamos a
comparação dos dois quando pudermos fazê-
lo em relação com nossa apreciação do
sistema mais elevado.
O Inconsciente
• Quando um processo passa de uma idéia para
outra, a primeira idéia conserva uma parte de
sua catexia e apenas uma pequena parcela é
submetida a deslocamento. Os deslocamentos
e as condensações, tais como ocorrem no
processo primário, são excluídos ou bastante
restringidos.

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